artigo geografia fisica

24
CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutório da questão na perspectiva da teoria da interdependência. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.6, n.1, 1º quadrimestre de 2011. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791 O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL: UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA QUESTÃO NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA TRANSNATIONAL ORGANIZED CRIME: AN INTRODUCTORY STUDY OF THE MATTER IN VIEW OF THE THEORY OF INTERDEPENDENCE Arisa Ribas Cardoso 1 SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceitos e premissas da Teoria da Interdependência no estudo dos fenômenos transnacionais; 2 O Crime Organizado Transnacional: definições e características; 3 Conceitos e premissas da Teoria da Interdependência aplicados ao estudo do Crime Organizado Transnacional; Considerações Finais; Referências das fontes citadas. RESUMO A questao que se procura responder neste artigo é: como estudar o Crime Organizado Transnacional, no âmbito das Relações Internacionais, a partir dos conceitos e premissas da Teoria da Interdependência? Para isto, identifica-se e discorre-se sobre os conceitos e premissas da Teoria da Interdependência; descrevem-se as definições e características do Crime Organizado Transnacional; e aplica-se a teoria ao objeto empírico. Conclui-se que os conceitos e premissas da Teoria da Interdependência são relevantes para a compreensão do fenômeno do Crime Organizado Transnacional no âmbito das Relações Internacionais, pois permitem analisar sua estrutura, seu funcionamento, suas consequências, além de apresentar possíveis formas para tratar a questão. PALAVRAS-CHAVE: Crime Organizado Transnacional; Teoria da Interdependência; Relações Internacionais. ABSTRACT The question that is intended to be answered in this article is: how to study the Transnational Organized Crime, in the sphere of International Relations, based on the concepts and premises of the Interdependence Theory? To do this, the article identifies and discusses about the concepts and premises of the 1 Graduada em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI e acadêmica do 9º período do curso de Direito na mesma instituição, e-mail: [email protected].

description

texto geografia

Transcript of artigo geografia fisica

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL: UM ESTUDO

    INTRODUTRIO DA QUESTO NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA

    INTERDEPENDNCIA

    TRANSNATIONAL ORGANIZED CRIME: AN INTRODUCTORY STUDY OF THE

    MATTER IN VIEW OF THE THEORY OF INTERDEPENDENCE

    Arisa Ribas Cardoso1 SUMRIO: Introduo; 1 Conceitos e premissas da Teoria da Interdependncia no estudo dos fenmenos transnacionais; 2 O Crime Organizado Transnacional: definies e caractersticas; 3 Conceitos e premissas da Teoria da Interdependncia aplicados ao estudo do Crime Organizado Transnacional; Consideraes Finais; Referncias das fontes citadas.

    RESUMO A questao que se procura responder neste artigo : como estudar o Crime Organizado Transnacional, no mbito das Relaes Internacionais, a partir dos conceitos e premissas da Teoria da Interdependncia? Para isto, identifica-se e discorre-se sobre os conceitos e premissas da Teoria da Interdependncia; descrevem-se as definies e caractersticas do Crime Organizado Transnacional; e aplica-se a teoria ao objeto emprico. Conclui-se que os conceitos e premissas da Teoria da Interdependncia so relevantes para a compreenso do fenmeno do Crime Organizado Transnacional no mbito das Relaes Internacionais, pois permitem analisar sua estrutura, seu funcionamento, suas consequncias, alm de apresentar possveis formas para tratar a questo.

    PALAVRAS-CHAVE: Crime Organizado Transnacional; Teoria da Interdependncia; Relaes Internacionais.

    ABSTRACT The question that is intended to be answered in this article is: how to study the Transnational Organized Crime, in the sphere of International Relations, based on the concepts and premises of the Interdependence Theory? To do this, the article identifies and discusses about the concepts and premises of the

    1 Graduada em Relaes Internacionais pela Universidade do Vale do Itaja UNIVALI e acadmica do 9

    perodo do curso de Direito na mesma instituio, e-mail: [email protected].

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    2

    Interdependence Theory; decrypts the definitions and characteristics of the Transnational Organized Crime; and applies the theory to the empirical object. The article concludes that the concepts and premises of the Interdependence Theory are relevant for the comprehension of the Transnational Organized Crime phenomenon in the International Relations sphere, since it permits the analysis of its structure, functioning, consequences, as well as presents possible manners for treating the questions, like the international regimes.

    KEYWORDS: Transnational Organized Crime; Interdependence Theory; International Relations.

    INTRODUO

    O Crime Organizado transnacionalizou-se e suas implicaes encontram-se

    presentes em quase todas as sociedades. Pelo modo de agir e pelas

    consequncias geradas, esse fenmeno passou a ser tema de interesse no s

    de juristas, mas tambm de cientistas sociais, de polticos e de gestores de

    polticas pblicas em reas como segurana, sade, assistncia social, meio

    ambiente e outras. Alm disso, pelo fato de atuar tambm no espao

    internacional, o Crime Organizado Transnacional passou a ter importncia para a

    poltica internacional. Neste sentido, este artigo objetiva responder a seguinte

    questo: como estudar o Crime Organizado Transnacional, no mbito das

    Relaes Internacionais, a partir dos conceitos e premissas da Teoria da

    Interdependncia?

    A intimidao e a importncia econmica do Crime Organizado Transnacional

    afetam a poltica e a economia de vrias regies do mundo. Devido s

    tecnologias de transporte, comunicao e transmisso de dados que existem

    hoje, o planejamento do crime feito em um lugar, as aes acontecem em

    outro, os resultados ocorrem em outro, e ainda, a lavagem do dinheiro feita

    atravs de instituies financeiras de outra parte do planeta, podendo ser

    posteriormente transferido e legalizado alhures... Em razo disto, h uma grande

    dificuldade no combate ao fenmeno, tornando-o matria de preocupao para

    sociedade em geral.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    3

    A Teoria da Interdependncia uma das possibilidades de se pensar e estudar os

    fenmenos transnacionais no mbito das Relaes Internacionais. De acordo com

    uma das premissas dessa teoria, o Estado no o nico ator relevante das

    Relaes Internacionais porquanto outros tipos de organizaes, inclusive no-

    territoriais, podem interagir no ambiente internacional e gerar efeitos em termos

    de sensibilidade e/ou vulnerabilidade nos demais atores do sistema. Portanto, o

    desafio da investigao pensar o Crime Organizado Transnacional como uma

    forma de movimento social transnacional (ilcito) que divide o cenrio

    internacional com a tradicional atuao dos Estados e dos demais atores

    internacionais.

    Com a finalidade de demonstrar esta possibilidade, a partir de pesquisa

    bibliogrfica discorrer-se- sobre os principais conceitos e premissas da Teoria da

    Interdependncia, descrever-se-o as principais definies e caractersticas do

    Crime Organizado Transnacional e, por fim, apresentar-se-o algumas

    possibilidades de trabalhar esse tema com base nos conceitos e premissas

    daquela teoria.

    1 CONCEITOS E PREMISSAS DA TEORIA DA INTERDEPENDNCIA NO ESTUDO DOS FENMENOS TRANSNACIONAIS

    O Crime Organizado Transnacional, objeto deste trabalho, abordado a partir

    das possibilidades analtico-explicativas da Teoria da Interdependncia de Robert

    Keohane e Joseph Nye. Estes tericos afirmam que cada vez mais difcil

    separar a poltica interna dos Estados da poltica externa. Nas relaes

    internacionais atuais, o Estado divide o cenrio com outros atores internacionais

    no-territoriais, como corporaes multinacionais, movimentos sociais

    transnacionais e organizaes internacionais. Em razo disso, em um ambiente

    onde a interdependncia entre diferentes atores e variadas questes crescente,

    acontecimentos em um lugar do mundo geram efeitos em outros.2

    2 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    4

    Para entender o que so estes efeitos e como eles podem ser identificados

    necessrio, primeiramente, destacar as noes de dependncia e

    interdependncia. Keohane & Nye exprimem o sentido destes conceitos da

    seguinte maneira:

    En lenguaje comn, dependencia significa un estado en que se es determinado o significativamente afectado por fuerzas externas. Interdependencia, en su definicin ms simp le, significa dependencia mutua. En poltica mundial, interdependencia se refiere a situaciones caracterizadas por efectos recprocos entre pases o entre actores en diferentes pases.3

    H interdependncia, portanto, quando acontecimentos relativos a um ator

    internacional afetam outro, mas as consequncias neste tambm geram efeitos

    naquele. por isto que o fenmeno da interdependncia, por si s, afeta a

    poltica mundial. Contudo, as decises governamentais tambm afetam a forma

    como se dar a interao de interdependncia entre os atores, sejam estes

    estatais ou no. 4

    Uma das formas pela qual os governos influenciam as relaes de

    interdependncia atravs da criao de regimes internacionais. Os regimes so

    institudos atravs da criao e aceitao de normas, procedimentos e

    instituies internacionais (de forma menos prescritiva que nos tratados), e

    servem para controlar determinadas atividades, no s as interestatais, mas

    tambm as transnacionais. Eles so utilizados para abordar desde questes de

    direitos humanos at matrias comerciais. Qualquer tema que gere ou seja

    produto da interdependncia tender a ser objeto de regulamentao, para que

    se tente minimizar ou, ao menos, tornar mais previsveis os efeitos e custos

    causados por ela.5

    So as assimetrias entre esses custos gerados pela interdependncia que

    proporcionam [...] fuentes de influencia a los actores em sus manejos com los

    dems e so, portanto, as fontes de poder pensado [...] como el control

    3 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988, p. 22.

    Grifos no original. 4 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 5 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    5

    sobre los recursos o como el potencial para afectar los resultados6 no

    ambiente interdependente. Desse modo, o poder gerado pela interdependncia

    assimtrica permite que certos atores influenciem, ou atuem para influenciar,

    outros atores, mas observando que esta ao seja produzida a um custo

    aceitvel para ambos.7

    A forma como um ator sente os efeitos da interdependncia, pode-se dar em

    dois nveis: o da sensibilidade e o da vulnerabilidade.8

    A sensibilidade ocorre quando um ator influencia outro, causando-lhe certo

    custo, mas este, sem modificar suas polticas, tem condies efetivas de

    adaptar-se nova situao. Segundo os autores estudados, la interdependencia

    de sensibilidad puede ser tanto social o poltica como econmica. 9 Portanto, no

    s questes eminentemente econmicas ou de high politics geram efeitos de

    sensibilidade em um ambiente interdependente.

    A vulnerabilidade, por outro lado, implica custos maiores para os atores

    internacionais. Esses custos requerem dos atores envolvidos a modificao de

    polticas para contrabalanar os custos do fato gerador da vulnerabilidade, sem,

    contudo, elimin-la definitivamente. Desta maneira, la vulnerabilidad es

    particularmente importante para entender la estructura poltica de las relaciones

    de interdependencia. En cierto sentido, permite focalizar los actores [...] que

    establecen las reglas del juego.10 Em outras palavras, analisando-se os custos

    que cada ator enfrenta para evitar ou modificar determinada situao que se

    pode identificar sua vulnerabilidade interdependncia. Outrossim, este

    procedimento permite identificar os atores que so menos influenciados pelo

    ambiente interdependente, os quais, ao terem custos menores em cada situao,

    tm condies de melhor negociar e de viabilizar seus interesses. Portanto,

    6 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988, PP. 24-

    25. Grifos no original. 7 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 8 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 9 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988, p. 26. 10 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988, p. 29.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    6

    estrategicamente, a vulnerabilidade sempre mais importante que a

    sensibilidade para se manipular interdependncias assimtricas.11

    Alm dos conceitos de sensibilidade e vulnerabilidade, importante entender que

    a Teoria da Interdependncia, chamada por Keohane & Nye de interdependncia

    complexa, apresenta trs premissas bsicas: I) existncia de canais mltiplos;

    II) inexistncia de hierarquia clara entre as questes; e, III) a fora militar como

    instrumento ineficaz de poltica.12

    Os canais mltiplos incluem vrias formas de interaes internacionais que

    passam ou no pelos Estados. Sua existncia oportuniza o surgimento e a

    concorrncia de novos temas no contexto internacional. Nesse caso, as questes

    que emergem no so necessariamente abordadas pelos meios habituais da

    polt ica externa, mas, muitas vezes, assumem importncia maior para os Estados

    do que os temas clssicos abordados pelos diplomatas. Os canais mltiplos so

    interestatais (canais normais); transgovernamentais (quando os Estados no

    atuam de forma coerente como unidades); e, transnacionais (quando os Estados

    no so considerados como as nicas unidades de interao). Isto decorre do

    fato de que vrias organizaes no controladas pelo governo participam, cada

    vez mais, das relaes exteriores e suas interaes no afetam somente as

    partes, mas tambm a sensibilidade e/ou vulnerabilidade dos governos.13

    A ausncia de hierarquia de questes e a ineficincia da fora militar esto

    intrinsecamente interligadas. Em um ambiente interdependente as questes de

    segurana externa no so prioritrias. Ao se exercer poder militar, por sua

    natureza, seus custos podem ser muito maiores que os benefcios resultantes.

    Outros temas, geralmente considerados de poltica interna, tambm so

    considerados relevantes internacionalmente, mas so tratados em diferentes

    departamentos governamentais. Nesse sentido, Keohane & Nye destacam que la

    fuerza militar no es empleada por los gobiernos contra otros gobiernos de la

    11 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 12 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 13 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    7

    regin cuando predomina la interdependencia compleja14. Assim, quando h

    relaes de interdependncia entre governos, dificilmente os custos do uso do

    aparato militar, alm da insegurana quanto efetividade do seu resultado,

    compensaro tal ao. Ademais, questes que se tornaram centrais nas relaes

    internacionais, como bem-estar, educao e meio-ambiente, no podem ser

    solucionadas militarmente. Todavia, isso no significa que a fora militar carea

    de importncia. Ela ainda pode ser empregada positivamente para que se ganhe

    influncia poltica.15

    Para o prosseguimento do trabalho importante entender o que Keohane & Nye

    caracterizam como relaes transnacionais, quais sejam, [] contacts,

    coalitions, and interactions across state boundaries that are not controlled by the

    central foreign policy organs of governments16 e como interao

    transnacional: the movement of tangible or intangible items across state

    boundaries when at least one actor is not an agent of a government or an

    intergovernmental organization17. Os autores destacam ainda que as relaes

    transnacionais englobam as interaes, sendo estas apenas um aspecto daquela.

    com esse sentido que Keohane & Nye afirmam que many transnational

    interactions take place without the individuals involved leaving their localities or

    the organizations maintaining any branches outside their countries of origin 18.

    Assim, organizaes eminentemente domsticas podem participar de interaes

    transnacionais. Isso possvel principalmente em razo da evoluo dos meios

    de comunicao. Um indivduo que nunca saiu da sua cidade pode trocar

    informaes e fazer negociaes, lcitas ou ilcitas, com indivduos do outro lado

    do mundo sem que seu governo tenha controle sobre isso.

    neste sentido que o Crime Organizado Transnacional pode ser pensado como

    ator das relaes e interaes transnacionais. As Organizaes Criminosas

    14 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988, p. 41. 15 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 16 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics: an Introduction. 1971, p. 331. 17 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics: an introduction. 1971, p. 332. 18 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics: an introduction. 1971, p. 335.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    8

    Transnacionais agem atravs das fronteiras, sem passar pelo controle dos

    governos mas, muitas vezes, com a cumplicidade de agentes estatais.

    2 O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL: DEFINIES E CARACTERSTICAS

    O Crime Organizado Transnacional19 um fenmeno complexo, cuja definio

    depende da concorrncia de vrias caractersticas. A partir de pesquisa em

    estatutos legais internacionais e em obras sobre o tema, identificaram-se

    algumas definies e, com base nelas, extraram-se as principais caractersticas

    do objeto deste estudo. Assim sendo, nesta parte do artigo descreveram-se as

    definies e caractersticas do fenmeno estudado para que, na parte final, se

    torne possvel aplicar as premissas e conceitos da Teoria da Interdependncia,

    identificados na primeira parte do trabalho.

    O estudo do Crime Organizado serve de base para a compreenso do Crime

    Organizado Transnacional20. Em razo disso, algumas das definies

    apresentadas foram formuladas sem necessariamente levar em conta a faceta

    transnacional do fenmeno. De acordo com a Conveno das Naes Unidas

    contra o Crime Organizado Transnacional, ou Conveno de Palermo,21 um crime

    transnacional quando for cometido em mais de um Estado; for cometido em

    um s Estado, mas uma parcela substancial da sua perpetrao ou planejamento

    tenha sido em outro Estado; seja cometido em um s Estado, mas tenha

    19 oportuno salientar que o fenmeno aqui estudado no inclui o terrorismo. O terrorismo tambm uma forma

    de criminalidade organizada, contudo, tendo em vista que seus objetivos so polticos e que seus agentes atuam, normalmente, com objetivo de modificar o status quo nacional ou internacional, no ser abordado neste trabalho devido s suas peculiaridades. Portanto, o que tratado aqui o Crime Organizado stricto sensu, ou seja, aquele que atua buscando benefcio econmico e no tem interesse na modificao do status quo, uma vez que procura manter-se oculto e beneficiar-se das estruturas existentes. (FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime Organizado e Organizaes Criminosas Mundiais. 2009. p. 345-346.)

    20 WERNER, Guilherme Cunha. O Crime Organizado Transnacional e as Redes Criminosas: presena e influncia nas relaes internacionais contemporneas. 2009.

    21 A Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional foi firmada no ano de 2000, entrou em vigor em 29 de Setembro de 2003 e conta atualmente com 147 signatrios (ONU, 2010).

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    9

    participao de grupo criminoso que atue em mais de um Estado; ou seja

    cometido em um s Estado, mas produza efeitos substanciais em outro.22

    No existe consenso entre os estudiosos do tema quanto definio de Crime

    Organizado. Os crimes praticados pelas Organizaes Criminosas variam ao

    longo do tempo conforme ocorrem mudanas nas condies locais e globais.23

    Cada tipo de organizao tem caractersticas especificas e no h como

    generaliz-las. Contudo, alguns esforos foram feitos no sentido de se chegar, ao

    menos, a uma definio parcial do fenmeno.

    Ana Luiza de Almeida Ferro entende que Crime Organizado aquele cometido

    por uma Organizao Criminosa.24 Por conseguinte, para a compreenso do

    fenmeno, a definio necessria a de Organizao Criminosa, a partir da qual

    se extraem as caractersticas do fenmeno estudado. Para a autora citada, os

    aspectos principais das organizaes criminosas so25:

    [...] a estabilidade e permanncia da associao, a composio mnima de trs membros, a estruturao empresarial e hierrquica, o fim de perpetrao de infraes penais para a consecuo do objetivo prioritrio de lucro e poder, a conexo estrutural ou funcional com o Poder Pblico ou com algum(ns) de seus representantes para a garantia de impunidade [...], a penetrao no sistema econmico via formao de um mercado econmico paralelo e infiltrao no mercado econmico oficial, a grande capacidade de prtica de fraude difusa, o considervel poder de intimidao, o uso de instrumentos e recursos tecnolgicos sofisticados, o cultivo de valores compartilhados por uma parcela social, a territorialidade, o estabelecimento de uma rede de conexes com outras associaes ilcitas, instituies e setores comunitrios e a tendncia transnacionalidade.26

    Desta definio verifica-se, portanto, que o Crime Organizado um fenmeno

    complexo, e que apresenta peculiaridades em relao a outras formas de

    criminalidade. So estas peculiaridades que o tornam to difcil de ser visualizado

    22 CONVENO de Palermo. 2008. 23 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 24 FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime Organizado e Organizaes Criminosas Mundiais. 2009. 25 As caractersticas apontadas pela autora so praticamente as mesmas elencadas no Projeto de Lei n. 7223/02,

    o qual foi baseado nos estudos de Luis Flvio Gomes e Ral Cervini, que pretende inclu-las como elementos que, conjugados, serviro para identificar uma organizao criminosa.

    26 FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime Organizado e Organizaes Criminosas Mundiais. 2009, p. 497.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    10

    e analisado, j que normalmente suas atividades so encobertas pela aparncia

    de lcitas e suas operaes so feitas por pessoas, aparentemente, idneas.

    Ademais, o Crime Organizado uma questo que demanda uma anlise

    interdisciplinar, pois congrega elementos sociais, polticos, econmicos e

    jurdicos. Alm disso, este fenmeno torna-se ainda mais complexo quando

    atuante no mbito transnacional, principalmente no que concerne ao seu

    combate.

    Abel Fernandes Gomes tambm introduz uma definio interessante de

    Organizaes Criminosas. Para ele:

    As organizaes criminosas so associaes minimamente organizadas de pessoas, qualificadas, sobretudo, pela busca cada vez maior de penetrao social e econmica, assim como pela obteno, sempre mais ampla de poder, infiltrando-se e confundindo-se com as estruturas do poder pblico, no mais atuando paralelamente ao Estado ou com ele disputando posies, seno passando a agir liv remente atravs dele.27

    De acordo com o autor, portanto, as principais caractersticas das Organizaes

    Criminosas seriam a penetrao da ilegalidade no sistema social e econmico,

    assim como sua infiltrao no poder pblico.

    Outra definio relacionada ao fenmeno a apresentada pela Conveno de

    Palermo, a qual, assim como fez Ferro, preferiu definir grupo criminoso, e no

    Crime Organizado. De acordo com o artigo 2, letra a, deste Tratado, um [...]

    grupo estruturado de trs ou mais pessoas, existente h algum tempo e atuando

    concertadamente com o propsito de cometer uma ou mais infraes graves ou

    enunciadas na presente Conveno, com a inteno de obter, direta ou

    indiretamente, um benefcio econmico ou outro benefcio material [...]28

    constitui um grupo criminoso organizado, ou seja, o agente do crime

    organizado. Logo, para haver Crime Organizado Transnacional, nos termos dessa

    Conveno, necessria a prvia existncia de grupos que se organizam para

    esta prtica.

    27 GOMES, Abel Fernandes. Crime Organizado e suas Conexes com o Poder Pblico. 2000. p. 6. 28 De acordo com o artigo 2, letra b, da Conveno (CONVENO, 2008, p. 74), infrao grave o ato que

    constitua infrao punvel com uma pena de privao de liberdade, cujo mximo no seja inferior a quatro anos ou com pena superior. Por sua vez, as infraes enunciadas na Conveno so: participao em grupo criminoso organizado, lavagem de dinheiro, corrupo e obstruo justia.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    11

    O Escritrio das Naes Unidas para as Drogas e o Crime (UNODC) fez um

    estudo sobre o Crime Organizado Transnacional The Globalization of Crime:

    A Transnational Organized Crime Assesment (2010) , no qual se reportou

    definio de grupo organizado dada pela Conveno de Palermo. Contudo, este

    estudo destacou e apresentou como uma de suas concluses que:

    Today, organized crime seems to be less a matter of a group of individuals who are involved in a range of illicit activities, and more a matter of a group of illicit activities in which some individuals and groups are presently involved. If these individuals are arrested and incarcerated, the activities continue, because the illicit market, and the incentives it generates, remain.29

    Em outras palavras: mais importante do que a compreenso e a persecuo dos

    grupos criminosos o entendimento de como funciona o mercado ilcito no qual

    eles fazem os seus negcios. O Crime Organizado existe porque a demanda por

    seus servios e/ou produtos concreta e, mesmo que os grupos criminosos

    sejam identificados e eliminados, se continuar havendo demanda e/ou

    oportunidade de negcios, outros tomaro o seu lugar. Assim, segundo o estudo

    citado, a definio implcita de Crime Organizado Transnacional abrangeria todas

    as atividades criminosas motivadas pelo ganho financeiro que tenham

    implicaes internacionais.30

    Apesar dessas afirmaes, o estudo no menosprezou as Organizaes

    Criminosas. O UNODC destacou a importncia das tradicionais Organizaes

    Criminosas, como as Trades Chinesas, a Camorra italiana, os cartis mexicanos,

    etc., especialmente pelas suas redes de influncia e seus controles geogrficos

    que facilitam os negcios criminosos. Uma das concluses desse trabalho a de

    que esses grupos conseguem um grande poder com suas aes e com isto

    passam a mediar relaes criminosas, prprias ou de outros grupos menos

    organizados e poderosos. Entretanto, cada grupo de criminosos apenas mais

    um participante nesse mercado, e no a fonte dele.31

    29 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010, p. 3. 30 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 31 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    12

    Destas definies de Crime Organizado e de Organizaes Criminosas pode-se

    extrair algumas caractersticas principais alm das mais evidentes, como a

    perpetrao de infraes e a concorrncia de um grupo de pelo menos trs

    pessoas. Primeiro: o Crime Organizado cometido com o fim de obteno de

    ganhos financeiros; segundo: os grupos costumam se organizar de forma

    estvel; terceiro: o Crime Organizado depende da infiltrao no poder pblico;

    quarto: o dinheiro obtido ilicitamente volta a circular por meio da lavagem de

    dinheiro; ltimo: os grupos criminosos utilizam de intimidao para conseguirem

    manter-se.

    Os ganhos financeiros, sem dvida, so o fim maior do Crime Organizado.32 A

    maior parte dos crimes cometidos pelas Organizaes Criminosas esto ligados a

    atividades que guardam relao com o comrcio e que so um meio de obteno

    de ganhos financeiros. De acordo com o estudo da UNODC, a estimativa dos

    fluxos de dinheiro relativa aos crimes analisados33 chega soma de US$125

    bilhes por ano, dos quais 85% gerado pelo mercado das drogas.34 Existem,

    ainda, estimativas de que o dinheiro lavado pelo crime organizado chegaria a

    10% do PIB mundial.35 Diante destes nmeros, verifica-se que o ditado popular

    no se aplica ao Crime Organizado, pois nesse caso o crime compensa, e muito!

    Os ganhos com estas atividades so to vultosos que, apesar de todos os riscos,

    existem sempre grupos de indivduos dispostos a assumir os riscos do negcio.

    Estes sindicatos criminosos, tradicionalmente, organizam-se de forma

    hierrquica. Mas, atualmente, em virtude dos avanos na tecnologia de

    comunicao e de gesto, a formao de redes36 e a organizao dos grupos

    32 Although there have been multibillion dollar estimates of the size of the child pornography industry, the

    existing data do not support an estimate of more than 1 billion dollars globally, with US$250 million likely a better approximation. Clearly, child pornography is not a crime that can be reduced to a dollar figure. (UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. p. 12)

    33 Os crimes constantes no estudo analisado so: trfico de pessoas; trfico de migrantes; trfico de cocana; trfico de herona; trfico de armas; trfico de recursos ambientais; trfico de produtos falsificados; pirataria martima; e, crimes cibernticos.

    34 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 35 REUTER, Peter; TRUMAN, Edwin M. How Much Money is Laundered?. 2004. 36 Rede um conjunto de ns interconectados. N o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o

    que um n depende do tipo de redes concretas de que falamos. [...] So campos de coca e de papoula, laboratrios clandestinos, pistas de aterrissagem secretas, gangues de rua e instituies financeiras para a lavagem de dinheiro, na rede de trfico de drogas que invade as economias, sociedades e Estados no mundo inteiro. [...] Redes so estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos ns desde

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    13

    criminosos de forma horizontal vm sendo as estratgias mais utilizadas. Isso

    permitiu s Organizaes Criminosas flexibilizar suas estruturas.37 Alm disso,

    elas facilitaram o contato entre diversas Organizaes Criminosas, fator que

    permite a expanso dos negcios ilcitos para o mercado global. Ainda, a

    organizao em forma de redes dificulta o combate aos grupos criminosos, uma

    vez que a ligao entre seus membros feita de forma mais sutil, sendo que

    muitas vezes eles sequer se conhecem pessoalmente. Estes aspectos permitem

    que, mesmo com a identificao e eliminao de determinados ns de uma rede,

    a atividade criminosa principal permanea intacta.38

    A conexo com o Poder Pblico, juntamente com a finalidade de obteno de

    ganhos financeiros, a principal caracterstica do Crime Organizado.39 Essa

    conexo pode se dar de maneira indireta (e.g. atravs de financiamento de

    campanhas polticas ou de corrupo via pagamentos em dinheiro), direta, pela

    insero de profissionais na estrutura do Estado, por meio de intermedirios, ou

    ainda pela formao de uma organizao criminosa dentro do prprio poder

    pblico.40 Estas formas de conexes so extremamente importantes para as

    atividades criminosas, em especial as transnacionais, uma vez que para a sua

    perpetrao as organizaes necessitam atravessar fronteiras vigiadas e com

    grande presena da burocracia estatal. Sem a corrupo de agentes pblicos,

    seria mais difcil efetuarem-se todos os tipos de ilegalidades praticados pelos

    grupos criminosos. Alm disso, muitas vezes, em certas regies, a atividade

    criminosa to difundida que, apenas com a corrupo de policiais, membros do

    que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos cdigos de comunicao (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base em redes um sistema aberto altamente dinmico suscetvel de inovao sem ameaas ao seu equilbrio. (CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2006. p. 566)

    37 Contudo, segundo Ferro a opo por uma estrutura horizontal no seio de uma organizao criminosa [...] no implica desconsiderao pela hierarquia, a qual , normalmente, bastante rgida. (FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime Organizado e Organizaes Criminosas Mundiais. 2009. P. 275)

    38 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000.; OLIVEIRA, Fernando Moreno M. de. Redes Narcotraficantes e Integrao Paralela na Regio Amaznica. 2006.

    39 CERVINI, Ral. Nuevos aportes al analisis de delito organizado como fenmeno global. 1997.; FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime Organizado e Organizaes Criminosas Mundiais. 2009.; GOMES, Abel Fernandes. Crime Organizado e suas Conexes com o Poder Pblico. 2000.

    40 GOMES, Abel Fernandes. Crime Organizado e suas Conexes com o Poder Pblico. 2000.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    14

    Ministrio Pblico e magistrados que se podem manter os negcios e tambm

    a impunidade.41

    A lavagem de dinheiro tambm um elemento essencial para a compreenso do

    Crime Organizado. atravs dela que os lucros obtidos com as atividades ilcitas

    voltam ao mercado formal. 42 Vrias instituies financeiras participam destas

    transaes. O mercado imobilirio e as bolsas de valores so muito utilizados

    pelos criminosos para branquear seus ganhos financeiros. Alm disso, com a

    tecnologia existente, estes ganhos podem ser transferidos entre vrias contas

    bancrias, nos mais diversos lugares do mundo, de forma a no permitir o

    rastreamento da sua origem.43 Conforme Castells, os ganhos auferidos pelas

    atividades criminosas so to relevantes que as economias de certos pases

    como Colmbia, Mxico, Bolvia, Afeganisto, Japo, ustria e Luxemburgo, no

    podem ser compreendidas sem que se leve em conta as atividades criminosas

    presentes na realidade destes lugares.44 Conforme o mesmo autor, o

    investimento dos ganhos financeiros do crime em atividades legalizadas, um

    dos principais fatores que inviabiliza o controle do impacto econmico do crime,

    pois so esses investimentos que asseguram a continuidade do sistema.

    O poder de intimidao dos grupos criminosos organizados, assim como a

    corrupo que eles praticam, essencial para a manuteno da atividade. As

    Organizaes Criminosas utilizam a ameaa e a chantagem para manterem-se

    impunes e na clandestinidade. Por exemplo, a Yakuza (a mfia japonesa)

    conhecida por sua violncia e pela prtica de extorso a empresrios e

    polticos.45 A maior parte das organizaes, contudo, tenta evitar o cometimento

    de atos violentos que chamem a ateno da sociedade para suas aes. Os

    41 Por nuestra parte, [...] la nica condicin em la cual puede funcionar uma organizacin permanente y de gran

    escala es aqulla en que los agentes de la represin estn neutralizados de algn modo, generalmente por la corrupcin. Esto, a su vez, slo es factible cuando el crimen y la corrupcin no lesionan los intereses o los mrgenes de toleancia ticade los grupos dominantes de la sociedade. Entendemos por la mrgene de tolerancia tica la retrica de valores formales cuyo transbasamiento retroalimenta conflictos convencionalmente acotados. (CERVINI, Ral. Nuevos aportes al analisis de delito organizado como fenmeno global. 1997. p. 254)

    42 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000. 43 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 44 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000. 45 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    15

    grupos agem de forma que normalmente as pessoas envolvidas no possam

    recorrer s autoridades para denunci-los, principalmente atravs do pagamento

    de propinas. Destarte, pode-se destacar que o poder de intimidao das

    Organizaes Criminosas tambm est relacionado com a corrupo e com a

    lavagem de dinheiro.

    Enfim, do exposto, pode-se concluir que o Crime Organizado, em razo da sua

    forma peculiar de agir e das oportunidades geradas pelas tecnologias modernas,

    transnacionalizou-se. Nesse sentido, a estrutura de ilegalidades passou a afetar

    no s comunidades locais, ou um pas especfico, mas a sociedade internacional

    como um todo. Logo, tornou-se tema de interesse das mais diversas reas do

    conhecimento.

    3 CONCEITOS E PREMISSAS DA TEORIA DA INTERDEPENDNCIA APLICADOS AO ESTUDO DO CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL

    Os conceitos e premissas da Teoria da Interdependncia permitem o estudo dos

    fenmenos transnacionais. O Crime Organizado, como demonstrado na parte

    dois deste artigo, apresenta uma vertente transnacional. Portanto, nesta parte

    do trabalho, este fenmeno estudado a partir deste enfoque terico, j que, de

    acordo com a teoria, no h hierarquia entre diferentes questes de poltica

    internacional. O Crime Organizado um tema que, conforme a realidade de um

    pas ou regio, emerge como assunto a ser tratado pelos responsveis em

    Poltica Externa. Por outro lado, mesmo quando no est entre os principais

    assuntos, a questo pode ser encontrada na agenda internacional de grande

    parte dos pases e de organismos internacionais importantes, como a ONU.46

    46 All this illustrates that organized crime is not a niche subject, of interest only to professional investigators and

    Hollywood directors. It has become central issue in international affairs, an important factor in the global economy, and an immediate reality for people around the world. Aside from the direct effects drug addiction, sexual exploitation, environmental damage and a host of other scourges organized crime has the capacity to undermine the rule of law and good governance, especially in developing countries. It is time the topic be placed where it belongs: at the center of our understanding of a globalized world. (UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. p. 20)

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    16

    A transnacionalisao do Crime Organizado um fenmeno que se acelerou nas

    ltimas duas dcadas, como j destacado, devido o advento das tecnologias de

    comunicao e de transporte. Estes avanos tornaram muito mais fceis e

    baratos, tanto a coordenao de atividades (lcitas ou ilcitas) quanto o

    transporte de todo o tipo de mercadorias. O volume de transaes comerciais

    atuais, de envio e recebimento de mercadorias, e o nmero de viagens

    internacionais, no permitem um controle adequado pelas burocracias estatais.

    Os criminosos aproveitam-se dessa situao e conseguem ganhos financeiros

    magnficos com o comrcio ilcito de mercadorias e pessoas enviadas atravs

    dos meios ordinrios de transporte. Ademais, com a expanso do acesso

    internet, vrios crimes podem ser cometidos sem que o agente sequer saia de

    casa, da mesma maneira como ocorrem com as interaes transnacionais

    legais.47 Alm disso, de acordo com o UNODC48 e Moiss Nam, nas palavras

    deste segundo: para os criminosos, as fronteiras criam oportunidades de

    negcios e escudos convenientes; no entanto, para os funcionrios do governo

    que os caam, as fronteiras so frequentemente obstculos intransponveis.49

    Pelos vultosos montantes de dinheiro que o comrcio ilcito introduz no sistema

    econmico internacional, ele pode afetar a economia internacional, assim como

    ela pode afet-lo. A UNODC analisou que, com a ltima crise financeira, as

    pessoas podem ficar menos seletivas quanto forma de ganhar dinheiro ou

    quanto origem dos produtos que vo consumir. Por outro lado, como a maior

    parte dos produtos e servios comercializados pelas organizaes criminosas so

    bens suprfluos, a crise econmica pode tambm afetar os mercados ilcitos,

    diminuindo a sua demanda.50 Em razo de toda essa amplitude do Crime

    Organizado Transnacional, ele capaz de gerar os efeitos de sensibilidade e

    47 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000.; OLIVEIRA, Fernando Moreno

    M. de. Redes Narcotraficantes e Integrao Paralela na Regio Amaznica. 2006.; UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010.

    48 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 49 NAM, Moiss. Ilcito: O ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do trfico economia global. 2006, p.

    18. 50 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    17

    vulnerabilidade em outros atores internacionais conforme descritos e pensados

    por Keohane & Nye.51

    Um exemplo interessante foi o ocorrido na ex-URSS aps o fim da Guerra Fria.

    As instabilidades geradas com a derrocada do regime socialista produziram

    dificuldades sobre o controle dos arsenais soviticos, tanto na Rssia como nas

    outras ex-repblicas soviticas. Isto permitiu que se formassem diversos grupos

    criminosos que passaram a exportar estes armamentos para outras partes do

    mundo, aspecto que contribuiu para agravar conflitos e instabilidades em vrias

    regies ou seja: a crise sistmica do Estado Sovitico externalizou custos e

    propiciou o fortalecimento de organizaes criminosas que produziram

    vulnerabilidades em alguns lugares e sensibilidade em outros.52

    Outra situao paradigmtica a dos Estados Unidos com relao ao narcotrfico

    latino-americano. Os norte-americanos so os maiores consumidores das drogas

    produzidas na Amrica Latina e, assim sendo, internamente os EUA arcam com

    os nus desta criminalidade, ou seja: a desintegrao social, as despesas com a

    polcia, o poder judicirio e as penitencirias, entre outros. No plano

    internacional, tambm em razo disso, a poltica norte-americana voltada para a

    Amrica Latina atua intensivamente no combate ao crime organizado para tentar

    eliminar os produtores e traficantes internacionais.53 Nesse sentido, pode-se

    dizer que os EUA so vulnerveis ao Crime Organizado latino-americano, uma

    vez que, mesmo com a adoo de diferentes polticas, o pas ainda no

    conseguiu eliminar a influncia deletria desse fenmeno.54

    Segundo o estudo do UNODC, o impacto do Crime Organizado normalmente

    percebido em um pas diferente daquele aonde os ganhos ilcitos so obtidos. Em

    51 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 52 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000. 53 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000. 54 As polticas anti-drogas norte-americanas comearam a ser reforadas na dcada de 1970 e continuam at

    hoje, tendo sido reforadas aps o fim da Guerra-Fria. No governo Clinton foi elaborado o chamado Plano Colmbia que tinha por finalidade fortalecer a economia colombiana, aumentar a presena estatal nas zonas afetadas pela violncia, realizar um combate integrado e profundo ao narcotrfico e pacificar os atores em conflito na Colmbia. Contudo, os resultados deste plano no foram efetivos na diminuio do narcotrfico latino-americano. (OLIVEIRA, Fernando Moreno M. de. Redes Narcotraficantes e Integrao Paralela na Regio Amaznica. 2006.)

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    18

    razo disso, as vtimas destes crimes no so notadas, j que esto em outro

    lugar e os criminosos, que trazem dinheiro exportando o problema para outras

    partes do mundo, muitas vezes recebem apoio popular no local onde atuam.

    Muitos produtores de drogas (plantadores de maconha, de coca, etc.), que vivem

    em lugares sem a presena estatal, tm nos criminosos seus benfeitores. Os

    usurios de drogas ficam muito longe dali, e ento os efeitos negativos daquela

    atividade no so sentidos por estes produtores. Por outro lado, os usurios de

    drogas nos pases desenvolvidos raramente consideram como o seu consumo

    pode afetar a violncia e a estabilidade nos pases produtores. Assim, apenas

    com uma viso global do fenmeno que se podem notar os custos do trfico e

    outros tipos de crime.55

    Os aspectos apontados permitem destacar que o Crime Organizado

    Transnacional pode causar sensibilidade ou vulnerabilidade aos Estados. Em

    algumas regies do mundo, as Organizaes Criminosas dominam parte de

    territrios de pases, sendo geralmente apoiadas pela populao local, conforme

    ilustra o prprio documento do UNODC ao ressaltar que: [...] organized crime

    groups gradually undermine the authority and the health of the official

    government. 56 Contudo, Oliveira reala que a sensao de perda de controle

    no significa, obrigatoriamente, a perda de controle efetivo pelo governo, pois o

    Crime Organizado, via de regra, no busca a mudana do status quo, nacional ou

    internacional, e sim maximizar seus ganhos financeiros.57

    Existem casos em que possvel identificar situaes de interdependncia

    assimtrica que so produzidas pelo Crime Organizado Transnacional. Um

    exemplo que pode ser citado o da crise de 1995 no Japo. Essa crise foi

    gerada, em grande parte, pela inadimplncia de instituio de crdito e

    poupana, de centenas de bilhes de dlares, como resultados de dvidas

    incobrveis decorrentes de emprstimos por banqueiros coagidos pela Yakuza.58

    55 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 56 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010, p. 36. 57 OLIVEIRA, Fernando Moreno M. de. Redes Narcotraficantes e Integrao Paralela na Regio Amaznica.

    2006. 58 CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. 2000, p. 239.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    19

    Em outras palavras, o poder da Yakuza sobre essas instituies financeiras era

    to grande que impediu a cobrana de inmeros emprstimos, os quais

    acabaram culminando em uma crise no pas inteiro, ao mesmo tempo em que o

    governo no pde reagir contra tal organizao. No plano internacional isto

    implicou na reduo das importaes japonesas do resto do mundo, pois este

    problema aprofundaria a severa crise econmica que a pas enfrentava desde o

    incio dos anos 1990.

    Dessa forma, j que o Crime Organizado Transnacional atingiu expresso global,

    no sendo efetivo o seu combate apenas no mbito interno de cada Estado, ou

    por meio da fora militar, vlida uma observao de Keohane & Nye: a de que

    com o aumento da interdependncia mundial a comunidade internacional pode

    produzir regimes internacionais voltados para a abordagem deste fenmeno.59

    Neste sentido, a Conveno de Palermo pode ser vista como uma primeira

    tentativa de instituio de um regime internacional sobre a matria, contudo, ela

    ainda no prev uma ao conjunta global, apenas dita procedimentos que

    devem ser tomados pelos pases signatrios. Por isto, julga-se necessrio que se

    criem mecanismos de cooperao entre diferentes estruturas de poder estatais e

    no apenas quelas ligadas s foras policias de diferentes pases. O objetivo

    seria o de evitar que diferentes regras, rgos, jurisdies e fronteiras sejam um

    benefcio para os criminosos e uma barreira para os agentes da lei. 60

    Estes aspectos tambm so ressaltados pelo UNODC, para quem as atitudes

    puramente nacionais de combate ao Crime Organizado so inadequadas, pois

    acabam deslocando o problema de um pas para outro. Por isto, necessrio que

    se pensem estratgias globais.61 A diferena nas legislaes, assim como de

    sistemas jurdicos, dificulta o estabelecimento de um regime de cooperao entre

    os Estados.62 No mesmo sentido, as desconfianas existentes entre muitos deles

    59 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: La poltica mundial en transicin. 1988. 60 NAM, Moiss. Ilcito: O ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do trfico economia global. 2006.;

    UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 61 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010. 62 WERNER, Guilherme Cunha. O Crime Organizado Transnacional e as Redes Criminosas: presena e

    influncia nas relaes internacionais contemporneas. 2009.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    20

    tambm prejudica as negociaes para maior cooperao e compartilhamento de

    informaes.

    Nesse sentido, o Escritrio das Naes Unidas para as Drogas e o Crime sugere

    que duas medidas sejam tomadas: primeiro, a longo prazo, deve-se fortalecer a

    resistncia ao Crime Organizado Transnacional, melhorando tanto as capacidades

    nacionais quanto s internacionais de resposta ao problema. Depois, necessria

    a criao de estratgias globais coletivas para combater o Crime Organizado

    Transnacional. Ambas as medidas devem ser trabalhadas e planejadas

    sistematicamente envolvendo todo o mundo. As medidas, tanto relativas

    oferta, quanto demanda, devem ser coordenadas, e tratadas em nvel global. 63

    Com o exposto, demonstra-se que o Crime Organizado um fenmeno

    transnacional. Isto decorre da formao de redes de Organizaes Criminosas

    que possuem a capacidade de transacionar bens e servios ilcitos em qualquer

    lugar no mundo. Em razo disso que se pode dizer que o Crime Organizado

    um tipo de interao global, nos termos da definio de Keohane e Nye

    explicados na primeira parte deste trabalho.64 Em funo desta caracterstica

    dada pela teoria que se define o Crime Organizado Transnacional como um ator

    internacional com capacidade de gerar sensibilidade e/ou vulnerabilidade s

    sociedades e aos Estados. Enfim, isto que a aplicao da teoria da

    interdependncia permite mostrar: que o Crime Organizado Transnacional um

    fenmeno que no pode ser tratado apenas como um problema de poltica

    interna dos Estados, devendo ser abordado como tema de poltica externa e

    Relaes Internacionais.

    CONSIDERAES FINAIS

    O Crime Organizado se tornou um fenmeno de dimenso global. Ele est

    presente em todos os cantos do mundo, mas em cada lugar apresenta uma

    63 UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime assessment. 2010, p. 277. 64 KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics: an introduction. 1971.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    21

    faceta diferenciada. Nos pases produtores de drogas visto por parte da

    populao at como benfico e essencial. Nos mercados ou pases consumidores,

    visto como uma epidemia que gera problemas de sade pblica e de segurana

    vida e propriedade. Nos pases onde ocorre a lavagem de dinheiro, a atuao

    do Crime Organizado passa despercebida para a sociedade, mas pode ter grande

    influncia sobre a economia local. J nos lugares que receptam armas, a

    populao sente o acirramento das guerras civis e a instabilidade crescerem.

    Alm desses, poderiam ser citados muitos outros exemplos desse fenmeno que

    vem ampliando uma caracterstica essencial em comum: a transnacionalidade.

    Assim, tendo em vista esta caracterstica, questionou-se como o Crime

    Organizado Transnacional poderia ser estudado a partir dos conceitos e

    premissas da Teoria da Interdependncia. Os conceitos e premissas desta teoria

    permitem identificar a possibilidade analtico-explicativa para o estudo dos

    fenmenos transnacionais, j que mostra que outros atores que no apenas os

    Estados participam e fazem parte do ambiente interdependente internacional.

    Esses atores produzem um conjunto de relaes que afetam uns aos outros de

    forma a gerar efeitos sensibilidade e/ou vulnerabilidade em pelo menos um

    deles.

    O Crime Organizado definido e caracterizado, neste trabalho, como um

    fenmeno originalmente complexo. Entretanto, com o advento de novas

    tecnologias de comunicao e transporte e pelo uso de novas formas de gesto

    em redes, o objeto tornou-se ainda mais complexo, pois transnacionalizou-se. O

    aumento das trocas comerciais lcitas entre os pases oportunizou tambm o

    aumento das trocas comerciais ilcitas. O Estado no consegue controlar o fluxo

    de pessoas, mercadorias e informaes que transpassam as suas fronteiras todos

    os dias. Alm disso, pelas peculiaridades do fenmeno, muitas vezes os agentes

    estatais nem tentam coibir este tipo de atividade ilcita, uma vez que esto

    corrompidos ou intimidados. Ademais, verifica-se que o Crime Organizado,

    mais do que uma questo de atuao de uma organizao criminosa, tambm

    um problema social gerado pela demanda pelos produtos e servios ilcitos.

    Ao aplicar os conceitos e premissas tericas ao objeto emprico, qual seja, o

    Crime Organizado Transnacional, foi possvel perceber a existncia de vrias

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    22

    formas de interao transnacional praticadas pelas Organizaes Criminosas.

    Algumas acabam inclusive gerando efeitos nos Estados e em outros atores

    internacionais. O Crime Organizado Transnacional consegue tornar pases

    econmica e militarmente poderosos, como EUA e Japo, vulnerveis s suas

    aes. Mas, os grupos criminosos tambm geram efeitos em pases menos

    poderosos, como nos que produzem drogas ou nos que receptam armas

    contrabandeadas. Neste sentido, os regimes internacionais mostram-se como

    uma opo de cooperao e compartilhamento de informaes para combater o

    Crime Organizado Transnacional em todas as suas formas. necessrio

    conhecer, explicar e analisar os diferentes modos de operao destas

    organizaes no espao internacional para, atravs de aes coordenadas,

    planejar o combate s ilicitudes e aos grupos que se utilizam destas prticas.

    A Teoria da Interdependncia propicia uma anlise possvel dos aspectos

    estruturais e funcionais da questo, alm de permitir identificar suas

    consequncias e possveis formas de combate. Desta maneira, ao concluir

    ressalta-se a contribuio que as Relaes Internacionais podem produzir sobre

    este assunto. Neste sentido, a forma de ver o objeto, como mais um dos canais

    mltiplos em que os problemas se inscrevem importante para situ-lo como

    mais um ator no sistema internacional. E mais, a percepo das maneiras de

    interao com os demais atores, pois esta relao produz situaes de

    sensibilidade e/ou vulnerabilidade, importante para entender a extenso dos

    custos que o Crime Organizado Transnacional pode gerar. Alm disso, a maneira

    de pensar o fenmeno no mbito das Relaes Internacionais, atravs de aes

    de cooperao e a criao de regimes internacionais, importante para desenhar

    alternativas ou possveis formas de compreenso e de combate ao problema.

    REFERNCIAS DAS FONTES CITADAS

    CASTELLS, Manuel. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. Vol.

    1. A sociedade em rede. Traduo de Roneide Venncio Majer. 9 ed. So Paulo:

    Paz e Terra, 2006.

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    23

    ______. A era da informao: Economia, sociedade e cultura. Vol. 3. Fim do

    milnio. Traduo de Klauss Brandini Gerhardt e Roneide Venncio Majer. 2 ed.

    So Paulo: Paz e Terra, 2000.

    CERVINI, Ral. Nuevos aportes al analisis de delito organizado como fenmeno

    global. In: GOMES, Luiz Flvio; CERVINI, Ral. Crime Organizado: Enfoques

    criminolgico, jurdico (Lei 9.034/95 e poltico-criminal. 2 ed. Atual. e ampl. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. Segunda parte, p. 219-373.

    CONVENO de Palermo. In: BRASIL. Legislao de Direito Internacional.

    Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaborao de Antonio Luiz de

    Toledo Pinto, Mrcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lvia Cspedes. So Paulo:

    Saraiva, 2008. Coleo Saraiva de Legislao. p. 74-97.

    FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime Organizado e Organizaes Criminosas

    Mundiais. Curitiba: Juru, 2009.

    GOMES, Abel Fernandes. Crime Organizado e suas Conexes com o Poder

    Pblico. In: GOMES, Abel Fernandes; PRADO, Geraldo; DOUGLAS, William.

    Crime Organizado. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 1-28.

    KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S.. Poder e Interdependencia: La poltica

    mundial en transicin. Traduo de Heber Cardoso Franco. Buenos Aires: Grupo

    Editor Latinoamericano, 1988.

    ______. Transnational Relations and World Politics: an introduction.

    International Organization. Vol. 25, N 3, pp. 329-349. Summer, 1971.

    Disponvel em: . Acesso em: 24 maio

    2010.

    NAM, Moiss. Ilcito: O ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do trfico

    economia global. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

    OLIVEIRA, Fernando Moreno M. de. Redes Narcotraficantes e Integrao

    Paralela na Regio Amaznica. 2006. 139 f. Dissertao (Mestrado em

    Relaes Internacionais) Instituto de Relaes Internacionais, Universidade de

  • CARDOSO. Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutrio da questo na perspectiva da teoria da interdependncia. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.6, n.1, 1 quadrimestre de 2011. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    24

    Braslia, Braslia, 2007. Disponvel em: <

    http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=175

    5>. Acesso em: 18 maio 2010.

    ONU. United Nations Treaty Collection. Disponvel em:

    . Acesso em 07 nov. 2010.

    REUTER, Peter; TRUMAN, Edwin M. How Much Money is Laundered?. In: REUTER,

    Peter; TRUMAN, Edwin M. Chasing Dirty Money: The Fight Against Money

    Laundering. 2004. pp. 9-24. Disponvel em

    . Acesso

    em: 06 jun. 2010.

    UNODC. The Globalization of Crime: a transnational organized crime

    assessment. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 04 jul.2010.

    WERNER, Guilherme Cunha. O Crime Organizado Transnacional e as Redes

    Criminosas: presena e influncia nas relaes internacionais contemporneas.

    2009. 241 f. Tese (Doutorado em Cincia Poltica) Faculdade de Filosofia,

    Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2009.

    Disponvel em:

    . Acesso em: 29 mar. 2010.