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139 IESUS Mudanças Globais e Desenvolvimento: Importância Mudanças Globais e Desenvolvimento: Importância Mudanças Globais e Desenvolvimento: Importância Mudanças Globais e Desenvolvimento: Importância Mudanças Globais e Desenvolvimento: Importância para a Saúde para a Saúde para a Saúde para a Saúde para a Saúde Informe Epidemiológico do SUS 2002; 11(3) : 139 - 154. Resumo Neste artigo busca-se inventariar o estado atual das inter-relações entre mudanças ambientais globais e saúde, incluindo uma revisão do estado atual das ameaças de origem antrópica sobre a biodiversidade, trazendo o enfoque ecossistêmico como linha de pesquisa para a melhoria da qualidade de vida. Os processos de mudanças ambientais globais afetam a saúde humana, direta ou indiretamente, pontual ou regionalmente. Alterações na química da atmosfera, mudanças climáticas, degradação do solo, perda da biodiversidade, urbanização e grandes empreendimentos, escassez de água e poluições químicas de âmbito global podem ter conseqüências severas para o bem-estar humano, saúde e sobrevivência. A importância dessas mudanças para a saúde humana dependerá de quanto as populações são ou podem ser afetadas no futuro, do grau e amplitude dos impactos e das possibilidades de adaptações biológicas e das formas de mitigação e controle disponíveis. Vários programas têm sido desenvolvidos em todo o mundo, mas é preciso avançar em modelos conceituais, incluir as questões das mudanças ambientais globais na agenda científica e institucional brasileira, buscar modelos de desenvolvimento sustentável, criar mecanismos que interrompam a perda da biodiversidade, minimizar o uso de poluentes e sensibilizar as pessoas para o possível esgotamento dos recursos naturais renováveis. Palavras-Chave Ecossistema de Saúde; Riscos Ambientais; Saúde Humana; Brasil. Summary In this article we intended to survey the current state of relationships between global environmental changes and health. It includes a revision of the current state of threats of anthropic origin on biodiversity, bringing an ecosystem approach as a field of research for the improvement of quality of life. Global environmental changes affect human health directly or indirectly, locally or regionally. Alterations in the chemistry of the atmosphere, climate changes, soil degradation, loss of biodiversity, urbanization and major development sites, shortage of water and chemical pollutants constitute driving forces that can have severe consequences for human well-being and health as well as, its survival. The importance of these changes for human health will depend on how populations may be affected in the future, the severity and magnitude of the impact, the possibility of biological adaptations, and the availability of strategies to mitigate and control. Several programs have been developed around the world. However, the Brazilian scientific and institutional agenda needs to move forward in conceptual models that include aspects related to global environmental changes, searching for models of sustainable development, and creating mechanisms that interrupt the loss of biodiversity, minimize the use of pollutants, establish awareness programs concerning the exhaustion of renewable natural resources. Key Words Global Changes; Ecosystem Health; Environmental Health Risks; Human Health; Brazil. Endereço para correspondência: Av. Brasil, 4.036/sala 703 - Manguinhos - Rio de Janeiro/RJ. CEP: 21.040-361. E-mail: [email protected] Global Changes and Development: Health Importance Ulisses E. C. Confalonieri Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Márcia Chame Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Alberto Najar Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Sérgio A. de Miranda Chaves Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ Thelma Krug Instituto de Pesquisas Espaciais Carlos Nobre Instituto de Pesquisas Espaciais José D. G. Miguez Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ Judith Cortesão Fundação Universidade Federal do Rio Grande Sandra Hacon Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ

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Mudanças Globais e Desenvolvimento: ImportânciaMudanças Globais e Desenvolvimento: ImportânciaMudanças Globais e Desenvolvimento: ImportânciaMudanças Globais e Desenvolvimento: ImportânciaMudanças Globais e Desenvolvimento: Importânciapara a Saúdepara a Saúdepara a Saúdepara a Saúdepara a Saúde

Informe Epidemiológico do SUS 2002; 11(3) : 139 - 154.

ResumoNeste artigo busca-se inventariar o estado atual das inter-relações entre mudanças ambientais globais esaúde, incluindo uma revisão do estado atual das ameaças de origem antrópica sobre a biodiversidade,trazendo o enfoque ecossistêmico como linha de pesquisa para a melhoria da qualidade de vida. Osprocessos de mudanças ambientais globais afetam a saúde humana, direta ou indiretamente, pontual ouregionalmente. Alterações na química da atmosfera, mudanças climáticas, degradação do solo, perda dabiodiversidade, urbanização e grandes empreendimentos, escassez de água e poluições químicas deâmbito global podem ter conseqüências severas para o bem-estar humano, saúde e sobrevivência. Aimportância dessas mudanças para a saúde humana dependerá de quanto as populações são ou podemser afetadas no futuro, do grau e amplitude dos impactos e das possibilidades de adaptações biológicase das formas de mitigação e controle disponíveis. Vários programas têm sido desenvolvidos em todo omundo, mas é preciso avançar em modelos conceituais, incluir as questões das mudanças ambientaisglobais na agenda científica e institucional brasileira, buscar modelos de desenvolvimento sustentável,criar mecanismos que interrompam a perda da biodiversidade, minimizar o uso de poluentes e sensibilizaras pessoas para o possível esgotamento dos recursos naturais renováveis.Palavras-ChaveEcossistema de Saúde; Riscos Ambientais; Saúde Humana; Brasil.SummaryIn this article we intended to survey the current state of relationships between global environmentalchanges and health. It includes a revision of the current state of threats of anthropic origin on biodiversity,bringing an ecosystem approach as a field of research for the improvement of quality of life. Globalenvironmental changes affect human health directly or indirectly, locally or regionally. Alterations in thechemistry of the atmosphere, climate changes, soil degradation, loss of biodiversity, urbanization andmajor development sites, shortage of water and chemical pollutants constitute driving forces that canhave severe consequences for human well-being and health as well as, its survival. The importance ofthese changes for human health will depend on how populations may be affected in the future, the severityand magnitude of the impact, the possibility of biological adaptations, and the availability of strategies tomitigate and control. Several programs have been developed around the world. However, the Brazilianscientific and institutional agenda needs to move forward in conceptual models that include aspectsrelated to global environmental changes, searching for models of sustainable development, and creatingmechanisms that interrupt the loss of biodiversity, minimize the use of pollutants, establish awarenessprograms concerning the exhaustion of renewable natural resources.Key WordsGlobal Changes; Ecosystem Health; Environmental Health Risks; Human Health; Brazil.

Endereço para correspondência: Av. Brasil, 4.036/sala 703 - Manguinhos - Rio de Janeiro/RJ. CEP:21.040-361.E-mail: [email protected]

Global Changes and Development: Health Importance

Ulisses E. C. Confalonieri Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ

Márcia Chame Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ

Alberto Najar Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ

Sérgio A. de Miranda Chaves Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ

Thelma Krug Instituto de Pesquisas Espaciais

Carlos Nobre Instituto de Pesquisas Espaciais

José D. G. Miguez Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ

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Introdução

As mudanças ambientais globais,constituem importante questão socioam-biental graças à complexidade dosprocessos nelas envolvidos, bem como àmagnitude dos impactos delas decor-rentes. Têm sido definidas como aquelasque: “(...) alteram os envoltórios doSistema Terrestre e, dessa forma, sãoexperimentadas globalmente (.. .) eaquelas que ocorrem em áreas mais res-tritas mas, por serem muito difundidas,adquirem caráter global”.1 Outrosconceitos importantes são: “(...) aquelasque ocorrem a nível global e afetam osistema global como um todo e as queocorrem a nível local ou regional, mastêm conseqüências para o sistemaglobal”.2 Ou ainda “(...) aquelas quepodem alterar a capacidade da Terra desustentar a vida”.3

Como os demais processos demudanças ambientais, as mudançasambientais globais têm como forçaspropulsoras subjacentes (driving forces),processos socioeconômicos e culturaisque, conjuntamente, têm imposto pesadasdemandas sobre os recursos naturais,sobre os ciclos da biosfera e o meio físicoem geral. Esses processos envolvem osseguintes fatores principais: a) demandade consumo de bens materiais, motivada

por valores culturais dominantes, decaráter antropocêntrico; b) inovaçõestecnológicas que têm ensejado maioreficácia na extração e processamento derecursos do meio e distribuição de bens;c) crescimento econômico que enseja adisponibilidade de renda para aquisição debens; d) crescimento populacionalcontínuo, aumentando as demandas deconsumo; e e) empobrecimento, resultan-do em ações predatórias sobre o meioambiente, na busca pela sobrevivência.

Atuando isolada ou conjuntamente,esses elementos têm contribuído, pormeio das atividades econômicas dasociedade, para a depressão de recursosnaturais, destruição de habitats, eco-simplificação e despejo de resíduos emescala sem precedentes.

Um modelo conceitual importantepara o entendimento da ação das forçaspropulsoras das mudanças ambientais eglobais e suas implicações para a saúdepode ser obtido de um fluxogramadeterminante (Figura 1). As “pressões”,no modelo, também denominadas de“fontes imediatas” (proximate sources) ou“fontes materiais”, são as atividadeshumanas que afetam diretamente o meioambiente, tais como o desmatamento, aqueima de combustíveis fósseis e aspráticas agropecuárias. Por “estado

Figura 1 - Forças propulsoras das Mudanças Ambientais Globais e suas implicações para saúde

Forças propulsoras das mudanças ambientais

Pressão antrópica

Estado (situação) ambiental

Geração de fatores de perigo

Exposição a fatores de perigo

Agravos à saúde

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ambiental”, designam-se as situaçõesconcretas de degradação ambiental, taiscomo a perda de biodiversidade, asdiversas formas de poluição, a perda desolos cultiváveis, o esgotamento dosestoques de água. As etapas subseqüentesrepresentadas do modelo dizem respeitoà abordagem tradicional da epidemiologiaambiental no estudo das influências dosfatores do meio sobre a saúde humana.

Neste artigo, busca-se inventariar oestado atual das inter-relações entremudanças ambientais globais e saúde,incluindo uma revisão do estado atual dasameaças de origem antrópica sobre abiodiversidade e trazendo o enfoqueecosistêmico como linha de pesquisa paraa melhoria da qualidade de vida.

Aspectos institucionais

Vários países estabeleceram, noinício dos anos 90, programas nacionaisde mudanças globais. Esse foi o caso dosEstados Unidos da América, Inglaterra,Canadá, Holanda e Alemanha. O Brasilpossui um programa de mudanças globaiscoordenado pela Academia Brasileira deCiências. O Ministério da Ciência e daTecnologia possui uma Coordenação dePesquisas em Mudanças Globais.

A importância de investimentos empesquisas na área de Mudanças Am-bientais Globais pode ser aquilatada como exemplo norte-americano. Em 1996, adotação orçamentária governamental,para esse fim, chegou a 1,2 bilhão dedólares, superior mesmo à do InstitutoNacional do Câncer dos Estados Unidosda América.4 Para o ano fiscal de 2000,essa dotação chegou a 1.779 bilhões.5

Existem vários programas ouagências internacionais envolvidas com asmudanças ambientais globais, tais como:o International Geosphere-BiosphereProgram, criado em 1986, com o objetivode “descrever e compreender a interaçãodos processos físicos, químicos e bioló-gicos que regulam o sistema terrestrecomo um todo, o ambiente único que esteproporciona para o sustento da vida, asmudanças que estão ocorrendo nestesistema, e as formas por meio das quais

elas são influenciadas pelas ações hu-manas”; o Programa Internacional deDimensões Humanas, voltado para osaspectos sociopolíticos, econômicos eculturais das mudanças globais, sediadona Alemanha; e o plano de trabalho destePrograma Internacional, que sugeriu seistemas amplos de pesquisa a serem adotadospela comunidade internacional: a) mudan-ças no uso e cobertura da Terra, b) trans-formação industrial e uso da energia, c)dimensões sociais e demográficas do usode recursos, d) atitudes públicas, conhe-cimentos, comportamentos e percepções,e) instituições, e f) segurança ambiental edesenvolvimento sustentável, incluindo asrelações entre as mudanças globais e a SaúdePública.

Outros programas internacionaisespecíficos são o The Global ChangeSystem for Analysis, Research andTraining, voltado para o desenvolvimentode redes regionais de cooperação entrecientistas e instituições para pesquisas emmudanças globais; o Painel Intergover-namental de Mudanças Climáticas; e oConsortium for Earth Science Informa-tion Network, que constitui uma base dedados mundial sobre as interaçõeshumanas com o meio ambiente.

O International Geosphere-Bios-phere Program agrega vários projetos quevisam ao entendimento das mudançasglobais e suas conseqüências; os seusprojetos principais (ou core projects) sãoo Global Change and Terrestrial Eco-systems e o Land Use and Land CoverChanges.

Como um esforço conjunto decoordenação de pesquisa, associam-se oInternational Geosphere-BiosphereProgram , o International HumanDimensions Program e o World ClimateResearch Programme. Essa combinaçãovisa atender aos três grandes aspectostemáticos das mudanças ambientaisglobais: os “sistemas biogeoquímicos”, o“sistema climático físico” e as “atividadeshumanas”.

Como instituição dedicada ao fo-mento de pesquisas nos diversos aspectosdas mudanças globais, está o Inter-

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american Institute for Global ChangeResearch, com sede em São José dosCampos, São Paulo, com financiamentooriundo, principalmente, da NationalScience Foundation, dos Estados Unidosda América. O International Institute forApplied System Analysis, com base emViena, também tem-se destacado comoinstituição voltada para pesquisas emmudanças ambientais globais.

Há grandes projetos com focosregionais que buscam compreender osprocessos das mudanças globais emregiões específicas. Esse é o caso doprojeto internacional Experimento deGrande Escala da Biosfera-Atmosfera naAmazônia, em execução no Brasil, sob acoordenação do Centro de Previsão deTempo e Estudos Climáticos do InstitutoNacional de Pesquisas Espaciais.

Outro projeto é o que visa ao levan-tamento da interferência humana sobrea floresta amazônica, que realiza ava-liações anuais das alterações da coberturavegetal da Amazônia Brasileira, tambémcoordenado pelo Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (Coordenação deObservação da Terra).

No que tange aos esforços inter-nacionais para monitoramento e efetivocontrole dos impactos gerados pelasatividades humanas no meio ambienteglobal, embora existissem alguns esfor-ços anteriores a 1992 (como foi o casodo Protocolo de Montreal, de 1987, paraa proteção da camada de ozônio estra-tosférico), foi a partir da Conferência daOrganização das Nações Unidas para oMeio Ambiente e o Desenvolvimento, em1992, que passos importantes foramdados nesse sentido. A partir desteevento, realizado no Rio de Janeiro,elaboraram-se e colocaram-se em vigora Convenção-Quadro sobre MudançasClimáticas e a Convenção sobre aDiversidade Biológica, visando-se aoscompromissos, entre os países signa-tários de reorientações de suas políticasnacionais para atender às metas deredução das emissões de gases do efeitoestufa, no primeiro caso, e da perda dabiodiversidade (variedades genéticas,espécies e ecossistemas), no segundo.

Mais recentemente, estabelece-ram-se negociações supranacionais,visando ao controle da produção e usodos poluentes orgânicos persistentes. Umacordo preliminar foi realizado (setembrode 1999) entre negociadores de 115países que concordaram em eliminar 8das 12 substâncias identificadas comoproblemas pela Organização das NaçõesUnidas.

A situação brasileira

Nos complexos processos dasmudanças globais, o Brasil tem um papelrelevante no contexto internacional. Paraisso, contribuem vários aspectos: a) agrande extensão territorial, a pluralidadede ecossistemas naturais e as formaspredominantes de uso da terra; b) aeconomia e as políticas setoriais baseadasem estratégias específicas de uso daenergia; c) a dimensão dos parquesindustrial e agroindustrial e os grandesprojetos de desenvolvimento; e d) a si-tuação demográfica e econômica queimplica pesadas demandas sobre osrecursos do meio ambiente.

Dada a predominância da hidreletri-cidade, o país apresenta uma matrizenergética limpa. No entanto, devido àeliminação e à degradação da vegetaçãonatural, o país situa-se na condição deum dos maiores emissores de gases doefeito estufa (principalmente o gáscarbônico) do planeta, bem como depoluentes persistentes. Por outro lado,possui uma enorme reserva estratégicade biodiversidade, albergando cerca de41% das florestas tropicais remanes-centes no mundo e 28% das espécies doplaneta.6

Muito embora os fatores determi-nantes, bem como as conseqüências dasmudanças globais no Brasil venham a sereventualmente sentidas em todo oterritório, é na região amazônica que sepodem discernir, de forma mais clara,esses processos. É nessa região que seconcentra a maior parte da biodiversidadee também onde ocorrem anualmente asmaiores alterações da cobertura vegetal,com os desmatamentos e queimadas,

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responsáveis por boa parte das emissõesantrópicas de dióxido de carbono, a nívelnacional.

Tem também grande impacto, nessaregião, os megaprojetos de desenvol-vimento, quer sejam eles industriais,agroindustriais, de geração de infra-es-trutura ou geopolíticos. Os exemplosmais críticos são: o Projeto Ferro Carajás,a abertura de estradas tais como aTransamazônica, a Cuiabá-Porto Velho,a Belém-Brasília e a Perimetral Norte; oPólo de Urucum, de gás natural, noAmazonas; o projeto Jari, celulose; asbarragens hidroelétricas de Tucuruí,Balbina e Samuel; a mineração de SerraPelada, entre outros.

Fora da Amazônia devemos citar acombinação de fatores - com ênfase naspráticas agrícolas - causadoras de perdado solo e desertificação, no extremo Sule em partes da Região Nordeste. Sãoimportantes também os projetos de largaescala de manejo de recursos hídricos,tal como a hidroelétrica de Itaipu e aplanejada hidrovia Paraná-Paraguai, naRegião Centro-Oeste. Na Região Nor-deste, segundo o Primeiro RelatórioNacional para a Convenção sobre Diver-sidade Biológica,7 os atuais estudosdisponíveis indicam que o processo dedesertificação na região semi-áridabrasileira vem comprometendo seriamenteuma área de 118 mil km2, ou seja, 12% daregião, com a geração de impactos difusose concentrados sobre o território. Aindasegundo o relatório, nas áreas de impactosdifusos, os danos ambientais resultam emerosão dos solos, empobrecimento dacaatinga e degradação dos recursoshídricos. Nas áreas de efeitos concen-trados, em pequena porção do território,configuram-se núcleos desertificados.

Mudanças climáticasEm relação às questões climáticas

no Brasil, é importante primeiro dife-renciar a variabilidade natural do clima dasmudanças climáticas e, em seguida,distinguir que mudanças climáticas podemresultar tanto do aquecimento global comotambém de alterações da coberturavegetal. Eventos extremos relacionados

à variabilidade intra-sazonal e interanualdo clima comumente são causados pelainstabilidade da interação bidirecional dosoceanos tropicais com a atmosfera global.Nesse caso, encontram-se as interaçõesdo Oceano Pacífico Tropical com aatmosfera, conhecidas como fenômenoEl Niño-Oscilação Sul que, na fase deáguas mais quentes, El Niño (mais frias,La Niña), provoca secas (chuvas abun-dantes) na Amazônia e no norte da RegiãoNordeste e excesso de chuvas (seca) noextremo Sul. O forte acoplamentotambém do Oceano Atlântico, Tropical ea atmosfera causam variações climáticasextremas no norte e leste do Nordeste,Amazônia e possivelmente em outraspartes do país. Discutem-se as possíveisrelações entre as alterações observadasrecentemente na periodicidade e inten-sidade de episódios El Niño e La Niñano Oceano Pacífico - predominância deepisódios quentes - com o aquecimentoglobal. Há evidências preliminares8 de quemudanças climáticas aumentam aintensidade da transmissão da malária, oque foi observado em algumas áreas docontinente africano. Por outro lado, naAmérica do Sul, durante o fenômeno ElNiño, de 1997 a 1998, a seca reduziu oscasos de malária na Amazônia.

Na questão da mudança climáticaglobal, dois aspectos devem ser consi-derados: possíveis impactos do aqueci-mento global nos ecossistemas e,inversamente, os efeitos climáticos dodesmatamento, especialmente da florestaamazônica, no sistema climático global.Alguns cenários desenvolvidos peloCentro Hadley de Previsão Climática, naInglaterra, referidos a uma taxa deconcentração de gás carbônico duasvezes maior que os níveis pré-industriais,mostram projeções de aumentos detemperatura na região amazônica entredois e até sete graus centígrados, nasegunda metade do século XXI.9 Hámuito maior incerteza quanto ao impactodo aquecimento global na precipitação,mas, se o aumento da temperatura foracompanhado de redução acentuada naprecipitação pluviométrica, com sérios

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impactos no ciclo hidrológico, poderiaprovocar a substituição da floresta peloecossistema de savana (“savanização”)em partes da Amazônia. Os possíveisimpactos desses processos na dinâmicadas doenças endêmicas focais dosecossistemas regionais ainda não foramavaliados.

Por outro lado, o desmatamentotropical afeta, em caráter imediato, osvários microclimas existentes. Issosignificaria modificações importantes emparâmetros críticos para o ciclo vital devetores e reservatórios de doenças infec-ciosas. As evidências das conseqüênciasda substituição da floresta no mesoclimae, principalmente, no clima global sãomenos consistentes e ocorreriam emprazo mais longo, porém há evidência deque a substituição em grande parte dafloresta por pastagens iriam provocar umaumento da temperatura do ar à super-fície entre dois e três graus centígrados,redução na evapotranspiração regional e,possivelmente, diminuição das chuvas,em especial durante a estação seca. Essacombinação de fatores também contri-buiria para uma tendência de “sava-nização” de partes da região.

Adicionalmente, os desmatamentos(queimadas e decomposição da vegetaçãoderrubada) respondem pela maiorcontribuição do país à emissão de gasesresponsáveis pelo efeito estufa, comcerca de 200 milhões de toneladas decarbono por ano em comparação comuma emissão total de pouco menos de300 milhões.

As mudanças climáticas globaisafetarão a saúde humana principalmentepor meio de alterações nos padrões dasdoenças infecciosas endêmicas transmi-tidas pela água (exemplo: cólera, leptos-pirose) ou por vetores animais (malária,dengue, leishmanioses, arboviroses). Aoserem criadas condições ambientais maisfavoráveis à reprodução e à sobrevivênciade patógenos e vetores, as mudançasclimáticas poderão acelerar os ciclos detransmissão bem como estender as suasáreas de distribuição geográfica, tanto paralatitudes quanto para altitudes maiores.

Um outro aspecto associado comas mudanças climáticas diz respeito àsalterações nos eventos extremos, taiscomo as tempestades, furacões, ondasde calor e inundações. Projeta-se que asmudanças climáticas globais modificarãoa distribuição dos padrões locais detempo, principalmente a prevista inten-sificação do ciclo hidrológico. Isso podeter conseqüências com relação a fatali-dades associadas com acidentes e comepidemias de doenças transmissíveisconseqüentes aos desastres climáticos.

Biodiversidade

Biodiversidade é a variação dasformas de vida que se manifesta nadiversidade genética, nas populações,espécies, comunidades, ecossistemas epaisagens que se constituíram ao longodos 3,5 bilhões de anos de vida na terra,por meio dos processos evolutivos dinâ-micos, pressionados pelas mudançasfísicas do ambiente.

Nessa intrínseca rede co-evolutivade formas biológicas amarra-se a sobre-vivência do Homo sapiens à biodi-versidade. Dela se obtêm serviçosambientais de usos múltiplos: alimentação,combustíveis fósseis, fibras naturais (ovalor dos serviços ecológicos no mundoestão calculados entre 16 e 54 trilhõesde dólares). A água, o ar e a capacidadeprodutiva dos solos estão ligados aosciclos naturais dependentes da bio-diversidade. No plano econômico, suaimportância é decisiva: 40% do ProdutoInterno Bruto do Brasil advém do setorda agroindústria beneficiada diretamentepela biodiversidade, o setor florestalcontribui com 4% do Produto InternoBruto e o setor pesqueiro com 1%. Basi-camente, três plantações (café, laranja esoja) respondem por 31% das exporta-ções brasileiras e a biomassa vegetal(cana-de-açúcar, lenha e carvão obtidosde florestas nativas e plantadas) éresponsável por 26% da matriz energé-tica do país, ultrapassando os 50% noNordeste do Brasil.

Em última instância, a diversida-de biológica, em todos os seus níveis,mantém seu papel estratégico - permite

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a possibilidade de adaptação das popu-lações humanas e de outras espécies àspressões ambientais externas - cada vezmais importante nos cenários futuros.10

Esses cenários, principalmente osrelacionados às mudanças climáticasglobais, sinalizam um rearranjo importantena distribuição geográfica e abundânciadas espécies. O aumento de apenas algunsgraus na temperatura poderá deslocar ohabitat de muitas espécies para latitudese altitudes mais altas, alterando, assim, aincidência de doenças antes restritas adeterminadas regiões. Esse parece ser ocaso da malária, cujas espécies dePlasmodium necessitam de temperaturasaltas (entre 20 e 35°C dependendo daespécie) para completar a fase de espo-rogenia nos mosquitos (vetores) que, porsua vez, também poderão ampliar suasdistribuições geográficas em conse-qüência dos mesmos fatores abióticos.

Se a expansão poderá ocorrer, aextinção também é factível e já é fato.Anfíbios, por exemplo, desaparecem emtodo o mundo num episódio de alteraçãoclimática nunca detectado, e até omomento identificado como global. Oaumento de temperatura tornou, então,essas espécies suscetíveis a infecçõesdiversas, causadas principalmente porfungos e bactérias.

O entendimento da importância daconservação da biodiversidade nos últimosanos, consolidada na Conferência dasNações Unidas para o Meio Ambiente eDesenvolvimento (UNCED, 1992),mobilizou os países signatários daConvenção sobre a Diversidade Biológicaa inventariar seus estoques de bio-diversidade e definir estratégias nacionaispara sua conservação.6 Questões com-plexas estão previstas na Convençãosobre a Diversidade Biológica: a) tratara diversidade biológica em toda a suaamplitude; b) tratar da conservação dadiversidade biológica, da utilizaçãosustentável de seus componentes, e darepartição justa e eqüitativa dos benefíciosderivados da utilização dos recursosgenéticos; c) incluir todas as diferentesformas de manejo da diversidade

biológica; e d) contemplar os principaisinstrumentos para subsidiar o plane-jamento do uso e gerenciamento dadiversidade biológica.

Atualmente, estima-se que apenas10% das espécies existentes no planetaestejam descritas e conhecidas pelaciência.11 Nos levantamentos da distri-buição geográfica da diversidade bioló-gica, o Brasil surge como o país que detémem seu território a maior biodiversidade,com a maior riqueza de plantas vasculares,mamíferos, anfíbios, peixes de água doce;seguido da Colômbia, Indonésia, Peru eMéxico.6 Quando se avalia biodiversidadee endemismo, o Brasil mantém-se tambémna liderança, seguido da Indonésia,Colômbia, Austrália e México.

Há, entretanto, responsabilidades einteresses distintos no cenário mundialquando se trata de biodiversidade. Asnações consumidoras de biodiversidade(países industrializados) preocupam-secom a erosão-extinção das espécies,propondo medidas determinadas por seusinteresses próprios. Por outro lado, asnações provedoras da diversidade bio-lógica, na sua maioria subdesenvolvidasou em desenvolvimento, preocupam-seem obter retorno econômico da utilizaçãode seu patrimônio biológico que possagarantir e financiar a conservação dabiodiversidade e a melhoria da qualidadede vida de sua população.

A Convenção sobre a DiversidadeBiológica estabeleceu, assim, a repartiçãojusta e eqüitativa dos benéficos comer-ciais e científicos derivados do desen-volvimento de insumos biotecnológicosentre o país de origem dos recursosgenéticos e a nação que desenvolva cadaproduto, o rateio dos custos de con-servação e a utilização sustentável dabiodiversidade, in situ e ex situ. Os paísesricos signatários comprometem-se acustear significativamente as ações deconservação e uso sustentável.

Com o desenvolvimento da biotec-nologia e outras técnicas e tecnologias, abiodiversidade é um recurso econômicopara o futuro: novos princípios ativos emedicamentos derivados de plantas,

Brasil surge como opaís que detém emseu território amaiorbiodiversidade;seguido da Colômbia,Indonésia, Peru eMéxico.6

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fungos, peçonhas; novos alimentos,fibras, decompositores de resíduos in-dustriais e muitas outras potencialidades.Nos Estados Unidos, 25% dos fármacoscontêm substâncias ativas derivadas deplantas e microorganismos. Estima-se em200 bilhões de dólares por ano o valor dacomercialização dos produtos químico-farmacêuticos derivados de seres vivos.

O decréscimo rápido dos recursosbiológicos em função da expansãogeográfica da espécie humana e de suasatividades e dos impactos por elasgerados (Tabela 1), elimina possibilidadesde acesso aos novos insumos e produtose reduz a plasticidade genética, únicapossibilidade de adaptação das espéciesàs mudanças. Vale ressaltar que mais dametade das variedades dos 20 alimentosmais importantes, com seus genesúnicos, específicos e adaptados a outrostipos de clima, solo, doenças e pragas,que existiam no início deste século foiperdida. Incluem-se nessa lista arroz,aveia, cevada, feijão, milho e ervilha.

A perda não representa integral-mente o problema. Se, por um lado,aumentamos a taxa de desaparecimentodas espécies silvestres – extinção, poroutro também impedimos o processonatural de surgimento de novas espécies– especiação. Esse bloqueio no processoevolutivo deve-se, principalmente, aoisolamento e fragmentação das áreasnaturais originais que hoje comprometema saúde evolutiva das espécies, mesmoaquelas protegidas pelas unidades deconservação. Os corredores ecológicosque interligam ecossistemas associadose zonas de transição e que permitem ofluxo genético entre as populações estãosendo interrompidos, o que gera o pro-cesso moderno de extinções causadaspelo homem, de intensidade ímpar sobrea biosfera.

Este padrão não se reproduz quandose trata de pragas, microorganismospatogênicos ou vetores que agem sobrea saúde humana e animal e a agricultura.O uso em larga escala de medicamentos

Tabela 1 - Principais causas da perda da biodiversidade

Diretas Indiretas

Transformação de habitats e ecossistemas naturais Desconhecimento do potencial estratégico da

biodiversidade

Deflorestamentos

Grandes obras de infra-estrutura

Introdução de espécies exóticas

Sobrexploração de espécies silvestres

Uso intensivo de praguicidas e fertilizantes

Modelos de desenvolvimento de uso de recursos

predatórios

Ocupação, uso e posse da terra desordenados

Desconhecimento científico e aplicado da biodiversidade

Deficiência no desenvolvimento tecnológico

Carência de tecnologias de produção ambientalmente

adequadas com a conservação dos recursos naturais

Capacidade institucional incipiente de reduzir o impacto

das atividades que levam à perda

Falta de sistema de valorização econômica da

biodiversidade

Distribuição inadequada dos benefícios derivados do uso

da biodiversidade

Falta da socialização dos custos associados à perda da

biodiversidade

Contaminações

Mudanças climáticas globais

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Figura 2 - Princípios gerais das políticas nacionais de biodiversidade

e biocidas modifica o ambiente e, porconseguinte, pressiona a modificaçãogenética e fenotípica desses organis-mos, tornando-os espécies multirresis-tentes aos produtos químicos responsá-veis por controlar seu crescimentopopulacional.

Dessa forma, exterminamos espé-cies potencialmente benéficas e tornamosabundantes e resistentes as causadorasde doenças e as pragas.

Mitigar a perda da biodiversidade é,assim, fundamental para manutenção dohomem não somente do ponto de vistada manutenção biológica, mas como agarantia das bases de recursos neces-sários à manutenção das sociedadesmodernas.

Há que se revisar conceitos emodelos que possibilitem o uso dosrecursos e que garantam a manutençãoevolutiva biológica nos seus vários níveisde organização. As Estratégias Nacionaisde Biodiversidade que estão sendoelaboradas por vários países, inclusive oBrasil, deverão se incumbir de desen-

volver condições e planos, entre os múl-tiplos setores da sociedade, para conteras perdas da biodiversidade. Devem, noentanto, observar os princípios gerais dasPolíticas Nacionais da Biodiversidade(Figura 2) e algumas ações de reversi-bilidade do cenário atual (Figura 3).

Detentor da maior biodiversidadedo planeta, o Brasil tem enorme respon-sabilidade perante as novas gerações daterra. A megadiversidade gera dificul-dades e complexidades de monito-ramento, manejo e conservação. A partirdos últimos cinco anos, vários avançosvêm sendo consolidados de modo aimplementar a Convenção sobre aDiversidade Biológica no Brasil. OMinistério do Meio Ambiente é oresponsável por essa implementação pormeio da Coordenação Geral de Diver-sidade Biológica e vem desenvolvendovárias ações em conjunto com oPrograma Nacional da Biodiversidade,programa que estabelece a parceriaentre o governo e a sociedade naconservação, uso sustentável e partilhade benefícios obtidos da biodiversidade.

a) A biodiversidade é patrimônio da nação;

b) A biodiversidade tem valor estratégico para o desenvolvimento presente e futuro;

c) A biodiversidade tem componentes tangíveis em nível de moléculas, genes e populações, espécies,comunidades, ecossistemas e paisagens e intangíveis em inovações e práticas culturais associadas;

d) A biodiversidade tem caráter dinâmico no tempo e no espaço e seus componentes e processos evolutivosdevem ser preservados;

e) Os benefícios derivados do uso dos componentes da biodiversidade devem ser distribuídos de maneirajusta e eqüitativa;

f) Deve-se reconhecer a importância dos direitos à propriedade intelectual individual e coletiva;

g) A conservação e uso sustentável da biodiversidade deve ter abordagem do ponto de vista global. Éindispensável o compromisso entre as nações;

h) A biodiversidade requer um tratamento intersetorial, devendo ser abordada de forma descentralizada,incluindo o Estado em todos os níveis e a sociedade civil; e

i) Deve-se usar de precaução, principalmente na adoção de medidas relacionadas à contenção da erosãogenética e à biossegurança.

Princípios

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Nesse caminho, tem-se trabalhado:

a) no avanço da legislação (biosse-gurança, acesso e repartição dosbenefícios da biodiversidade, pro-priedade industrial, proteção decultivares, leis de crimes ambientais,e sistema nacional de unidades deconservação);

b) nas políticas setoriais (florestal,pesqueira, agrícola, recursos hídri-cos, controle de desertificação, mi-neral, educação ambiental e cons-cientização pública, turismo, integra-ção da Amazônia Legal, e agendaamazônica); e

c) nos programas integrados para abiodiversidade (Programa Nacional deMeio Ambiente, programa piloto paraa proteção das florestas tropicais,corredores ecológicos da Amazôniae Mata Atlântica, programa de Levan-tamento do Potencial Sustentável dosRecursos Vivos da Zona EconômicaExclusiva, Programa Nacional daBiodiversidade, Projeto de Conserva-

ção e Utilização Sustentável da Diver-sidade Biológica Brasileira, e FundoBrasileiro para o Uso Sustentável daBiodiversidade da Amazônia).7

No que concerne às questões desaúde, a perda da biodiversidade resultana redução de recursos genéticos quepoderiam vir a ser utilizados, por exemplo,para o tratamento de doenças como ocâncer. Também significa a modificaçãode ecossistemas naturais e a redução naoferta de seus “serviços”, tais como apreservação do solo, a estabilidade doclima local, a disponibilidade de ar e águalimpas, que são todos fatores essenciaispara o bem-estar, a saúde e a sobrevi-vência humana. O desaparecimento depaisagens naturais tem também impactopelo seu valor estético e para o lazer.

Poluentes orgânicos persistentesNas últimas décadas, tem sido dra-

mático o crescimento dos químicosmanufaturados e outras atividades hu-manas que resultam na liberação depoluentes tóxicos. Muitas dessas ativi-

Figura 3 - Perda da biodiversidade: o que fazer?

a) Reduzir processos e atividades que ocasionam e deterioram a biodiversidade;

b) Consolidar o Sistema Nacional de Áreas de Conservação e Corredores Ecológicos;

c) Promover a restauração de ecossistemas degradados e de espécies ameaçadas;

d) Conhecer e caracterizar os componentes da biodiversidade;

e) Recuperar e divulgar o conhecimento e as práticas tradicionais;

f) Promover sistemas de manejo sustentável de recursos naturais renováveis;

g) Fortalecer e promover o estabelecimento de bancos genéticos e programas de biotecnologia;

h) Desenhar e implementar sistemas de valorização multicritério dos componentes da biodiversidade edistribuição eqüitativa dos benefícios;

i) Capacitação, educação e divulgação;

j) Participação de todos os níveis da sociedade;

l) Desenvolvimento da legislação;

m) Desenvolvimento e fortalecimento institucional;

n) Incentivos à manutenção das áreas naturais e suas espécies;

o) Desenvolvimento e transferência de tecnologia;

p) Estabelecimento de Sistemas de Informações; e

q) Busca de financiamentos.

Ações de reversibilidade do cenário atual

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dades são essenciais para a sociedademoderna, mas, também, representam umaameaça para a saúde humana e para osecossistemas terrestres e aquáticos.

Os poluentes orgânicos persistentes,chamados POPs, configuram-se numgrupo de substâncias químicas de particu-lar interesse para a agricultura, a indústria,a saúde pública e o meio ambiente. Numaação conjunta, no âmbito das NaçõesUnidas, realizaram-se estudos12-15 a respeitodos poluentes orgânicos persistentes, comuma lista inicial de 12 substâncias a saber:Diclorodifenil-tricloroetano, Aldrin,Dieldrin, Endrin, Clordane, Hexacloro-benzeno, Mirex, Toxafeno, Heptaclor,Policlorinatobifenil, dioxinas e furanos. Apartir daí, foi proposta a criação de umComitê Intergovernamental Negociadorcom a finalidade de elaborar um instru-mento legal vinculante para reduzir eeliminar emissões de substâncias orgânicaspersistentes.

Os poluentes orgânicos persis-tentes são compostos orgânicos repre-sentados pelos hidrocarbonetos aromá-ticos policíclicos e pelos hidrocarbonetoshalogenados. No conjunto dessas subs-tâncias, estão inseridos os pesticidas,produtos industriais e produtos de origemsecundária, também chamados deprodutos não intencionais, como o casodas dioxinas e os furanos.

Os pesticidas do grupo organo-clorados iniciaram a era dos pesticidasmodernos. Foram largamente usados noaumento da produção agrícola e emcampanhas de saúde pública, princi-palmente nos países em desenvolvimentono controle da malária. Os compostosorganoclorados são os produtos sinte-tizados pelo homem que maior impactocausam ao meio ambiente. Isso se devebasicamente à alta persistência no am-biente, resistência à degradação, capaci-dade de transporte a longas distâncias viaatmosfera e via correntes marinhas, e aopotencial de bioacumulação e biomagni-ficação.

Resíduos de produtos organo-clorados são encontrados praticamenteem todos os ecossistemas, incluindo a

Antártica e o Ártico. Alguns dos efeitosdesses produtos para o ambiente são aredução da vida selvagem, a redução dosorganismos predadores, o extermínio doscompetidores naturais e a redução dabiodiversidade, com efeitos na repro-dução com alterações do sistema imuno-lógico nos animais.

Os alimentos representam a prin-cipal via de exposição ambiental paraestes produtos.

Em nível mundial, cerca de trêsmilhões de envenenamentos com 220 milmortes devido a exposição aguda apesticidas são relatadas anualmente, deforma oficial.16,17 Esse quadro evidenciaa riscos da exposição a esses produtospara a saúde humana.

Estudos13-16 têm mostrado que restri-ções locais ao uso de organoclorados,evidenciam efeitos positivos ao nível deambientes aquáticos, com a redução doníveis de organoclorados nos animais evegetais.

Nos países em desenvolvimento,principalmente no Hemisfério Sul, muitassão as dificuldades no controle dospoluentes orgânicos persistentes. Isso sedeve à capacitação, ainda restrita paramanejo de produtos tóxicos, à falta depesquisas e informações para subsidiarações técnicas e legais, e à falta derecursos financeiros.

Com relação à produção, uso e fontesde poluentes orgânicos persistentes oquadro oficial internacional, de acordocom informações prestadas pelos paísesdurante as negociações da “Convençãopoluentes orgânicos persistentes”, é oseguinte: a) Aldrin, Dieldrin, Endrin eToxafeno - estão com a produção sus-pensa; b) Mirex e Hexaclorobenzeno nãosão produzidos; c) Diclorodifeniltri-cloroetano ainda é produzido para controlede vetores; d) Clordane e Heptaclor sãoproduzidos para controle de formigas epreservação de madeiras; e) Policlo-rinatobifenil e Hexaclorobenzeno não sãomais produzidos. A maior fonte de Poli-clorinatobifenil são os fluidos dielétricosde equipamentos eletrônicos e, em menor

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escala, fluidos hidráulicos e selantes. Emrelação ao Hexaclorobenzeno, suas fontesde exposição aparecem como produtosnão intencionais oriundos de processosindustriais; e f) Dioxinas e furanos, cujasfontes são oriundas de subprodutos deprocessos industriais, processos decombustão, disposição e incineração deresíduos sólidos urbanos e industriais,entre outros.

O Ministério do Meio Ambiente é orepresentante institucional - Ponto Focal- brasileiro junto ao Comitê Intergo-vernamental Negociador. Durante asnegociações, no âmbito do ComitêIntergovernamental Negociador, o Brasiltem adotado posições que atendam aosinteresses dos países em desenvol-vimento, principalmente no que se refereaos mecanismos financeiros paraviabilizar o cumprimento das obrigaçõeslegais e de pesquisa.15,16

No aspecto técnico, o Brasil temconsciência das dificuldades práticaspara a eliminação total dos poluentesorgânicos persistentes. Consideramosque os 12 poluentes orgânicos per-sistentes, em negociação, devem sertratados de forma diferenciada. Ospesticidas são os que, provavelmente,serão de mais fácil manejo. Por outrolado, os produtos industriais, princi-palmente o Policlorinatobifenil, exigirãodo país atividades mais específicas, taiscomo elaboração de inventários. Asdioxinas e os furanos, tratados comoprodutos não intencionais, são problemascomuns tanto aos países desenvolvidoscomo aos em desenvolvimento, e aindanecessitam de muita discussão até quese chegue a um consenso.

Pontos considerados de relevânciapara o Brasil: a) as prioridades nacionaisno uso de alguns poluentes orgânicospersistentes, como a utilização do hepta-cloro para a preservação de madeira; b)as especificidades dos nossos ecossis-temas em relação à avaliação do potencialde perigo; c) a harmonização e a divul-gação das iniciativas regionais comrelação as ações internacionais; d) arealidade socioeconômica do país em

relação ao banimento ou eliminaçãogradativa de alguns poluentes orgânicospersistentes, com especial enfoque emrelação aos impactos na produção dealimentos e aos impactos na saúdepública; e e) a necessidade de financia-mento e capacitação técnica na imple-mentação das ações globais.

Desde 1998, o Ministério do MeioAmbiente vem discutindo com a comu-nidade técnica e científica nacional aproposição e implementando ações. Essasações, que ainda não foram concluídas,seriam: a) o inventário da produção, docomércio de importação e exportação, dosusos e dos estoques existentes; b) oconhecimento da capacidade de destrui-ção e incineração dos produtos armaze-nados no país; c) a capacitação dosórgãos responsáveis pelo monitoramentodos poluentes orgânicos persistentes; d)a implementação de campanhas de escla-recimento, visando encorajar o desusodos poluentes orgânicos persistentes; e)a remediação de sítios contaminados; f)a elaboração de diagnósticos parasubsidiar a participação brasileira noComitê Intergovernamental Negociador;e g) a implementação de medidas quevisem à redução dos riscos relacionadosaos poluentes orgânicos persistentes,tendo por base a legislação existente paraos 12 produtos.

O Brasil assinou, em 23 de maio de2001, em Estocolmo, a Convenção sobrePoluentes Orgânicos Persistentes. AConvenção de Estocolmo constitui im-portante instrumento do ponto de vistado reforço da segurança química inter-nacional, em consonância com as metaspreconizadas na Agenda 21, adotada pelaConferência do Rio sobre Meio Ambientee Desenvolvimento, em 1992. Sua adoçãorepresenta uma medida de precaução paraevitar que o uso indiscriminado dessesprodutos possa causar danos irrever-síveis à saúde humana e ao meio ambiente.

O acordo sobre poluentes orgâ-nicos persistentes exige o estabelecimentode planos de ação nacionais para lidarcom as substâncias identificadas. Oacordo prevê, ainda, níveis diferenciados

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de responsabilidades e capacidades entreos países e vincula o cumprimento doacordo, por parte dos países em desen-volvimento, ao acesso à assistênciafinanceira e técnica que se fizer neces-sária. Dessa forma, assegura que oesforço de proteção considere as condi-ções socioeconômicas de cada país e queos planos de ação se reportem a priori-dades nacionalmente definidas. O acordoconsagra, dessa forma, o princípio dasresponsabilidades comuns, mas diferen-ciadas, na proteção do meio ambiente,consagrado na Declaração do Rio sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento de1992.

Recursos marinhos

O Programa Nacional de Geren-ciamento Costeiro vem avaliando osdiversos problemas que comprometem aqualidade dos recursos marinhos, bus-cando ações mitigadoras e reguladoras.Assim, completou-se a avaliação daspolíticas federais nos setores de turismo,transporte, indústria e desenvolvimentoque geram impacto sobre as zonascosteiras. Encontra-se em andamento omacrodiagnóstico da zona costeira doBrasil, com as tendências de ocupação,caracterização física natural, potencial derisco e vulnerabilidade e áreas deconservação.

Há, no entanto, que se articularações entre os múltiplos setores queutilizam o mar, para que sejam con-servativos em suas ações e não ultra-passem a capacidade suporte desseimenso ecossistema de promover a vidae regular o clima terrestre.

O tempo é crítico. A biodiversidadenos ecossistemas marinhos é importantepara o controle de doenças na flora e faunamarinha e para as espécies que delasdependem (aves e homens). A temperaturadas águas marinhas afeta a saúde da vidamarinha, dos recifes de corais, habitatsimportantes para a nutrição do homem.

Grandes empreendimentos

Historicamente, no Brasil, os pro-jetos de desenvolvimento que envolvemgrandes empreendimentos, quer por sua

interferência no ambiente quer pelosaspectos sociodemográficos associados,têm mostrado importantes modificaçõesepidemiológicas como conseqüência. Éconhecida a alteração no perfil epidemio-lógico da hanseníase na região doschamados “rios borracheiros” noAmazonas, devido à migração denordestinos no final dos anos 70 doséculo XIX. Esses migrantes fugiam dagrande seca ocorrida e foram utilizadoscomo mão-de-obra para os empreen-dimentos seringalistas.

Da mesma forma, no início doséculo XX, no atual Estado de Rondônia,a construção da ferrovia Madeira-Mamoré atraiu grandes contingentes demão-de-obra estrangeira, resultando noaumento da malária, inclusive com aintrodução de cepas importadas.

Também a abertura da ferroviaSorocabana, no início do século XX, nointerior de São Paulo, foi acompanhadade epidemias de leishmaniose tegu-mentar. No início dos anos 60, com aabertura da rodovia Belém-Brasília,foram observados, pela primeira vez,casos importados de calazar, esquis-tossomose e doença de Chagas em Belém.

Nos anos 70, o governo militar, emsua geopolítica amazônica, iniciouambicioso programa de abertura derodovias, como a Transamazônica, aPerimetral Norte e a BR-174 (Manaus-Caracaraí). Nesses casos particularessurgiram importantes surtos epidêmicoscomo resultado quer da introdução deagentes infecciosos desconhecidos daspopulações indígenas, com efeitos devas-tadores sobre elas (exemplo: dizimaçãode comunidades ianomâmi na PerimetralNorte) ou em função da vulnerabilidadede migrantes do sul do país (febrehemorrágica de Altamira, na Transa-mazônica).

Outros exemplos de grandes em-preendimentos, resultando em modi-ficações importantes dos quadrossanitários, estão as hidroelétricas e, maisrecentemente, os pólos de exploraçãopetrolífera. Os casos das barragens deItaipu (Paraná) e Tucuruí (Pará) são

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A biodiversidade nosecosistemasmarinhos éimportante para ocontrole de doençasna flora e faunamarinha e para asespécies que delasdependem (aves ehomens).

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ilustrativos. Em ambos, foram observa-das epidemias de malária em função doaumento dos criadouros de vetoresproporcionado pelo espelho d’água. EmTucuruí, foi observada também umaexplosão da população dos mosquitoshematófagos do gênero Mansonia, queatacaram a população do entorno.

O processo de incremento aceleradoda população urbana de Manaus, migradado interior do Amazonas, atraída peloDistrito Industrial, resultou em grandesepidemias de malária e leishmaniosetegumentar na periferia da cidade.18

Também o extrativismo intensificadoe em larga escala tem resultado em surtosepidêmicos, principalmente nos garimpose extração madeireira. No primeiro caso,temos como exemplo a introdução decalazar em Santarém, Pará, nos anos 60 eno final da década de 80, no Estado deRoraima.

Graças à alta mobilidade da populaçãogarimpeira, têm sido observados impor-tantes aumentos de malária nas áreas demineração informal, com redistribuiçãoespacial de cepas de Plasmodiumresistentes. O incremento da malária emRoraima é um bom exemplo, com o IPAde 63, em 1987, passando para 94, em1991, devido ao rápido afluxo de cerca de40 mil garimpeiros para áreas indígenasdo Estado.

No caso da exploração madeireira,registraram-se epidemias de malária naregião do Vale do Javari, Estado doAmazonas, associado à invasão demadeireiras em áreas indígenas semi-isoladas.

No caso de projetos industriais eagrosilvicultores considerados comoexemplares, sob o ponto de vista sanitário,como fora a Icomi Mineração, no Amapá,nos anos 60 e, recentemente, o Pólo deUrucum da Petrobrás, verificou-se que apopulação autóctone do entorno, aocontrário dos empregados das empre-sasenvolvidas, verdadeiras “bolhas sani-tárias”, não se beneficiaram do controleepidemiológico.

Discussão

Praticamente todos os processos dasmudanças globais afetam a saúde humana,seja de forma direta ou indireta. Aimportância do impacto dessas mudançasdependerá, em grande medida, da fraçãoda população humana atingida, da seve-ridade e reversibilidade do dano e tambémdas opções de adaptação e mitigaçãodisponíveis.

Algumas mudanças globais afetama saúde humana de forma cumulativa. Éo caso dos despejos de poluentes quí-micos na água, solo e na biota, emincontável número de localidades, emtodo o mundo, e que, de modo geral,afetam a maior parte da população, nonível local, regional ou global.

Um outro exemplo de processocumulativo diz respeito aos múltiplosprocessos loco-regionais de destruição dehabitats naturais e de extinção de espéciesbiológicas em áreas freqüentemente nãoconectadas e mesmo muito distantes entresi. Entretanto, ao nível global, a somadesses processos resultará na perda derecursos genéticos e do legado relativoàs paisagens naturais.

Outros processos são importantespor seu caráter sistêmico, como noscasos do sistema climático e da camadade ozônio estratosférico, um dos grandesciclos da biosfera que estão sendoafetados como um todo. Distúrbios nessescompartimentos poderão afetar a saúdehumana enquanto fatores globais deperigo (hazards) e, portanto, em umaescala espacial maior do que o caso dasfontes locais de poluição. Por outro lado,processos de degradação ambiental queanteriormente se acreditava afetar apopulação apenas localmente, tal como ouso de pesticidas agrícolas, têm, nos diasde hoje, efeitos a longa distâncias. Esse éo caso dos poluentes orgânicos persis-tentes que, às vezes, são liberados noambiente tropical (baixas latitudes), mas,devido à ação de correntes oceânicas eatmosféricas, são depositados na regiãoártica, a milhares de quilômetros dedistância. Os danos documentados são

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especialmente significativos nas espéciesde predadores superiores (topo da cadeiaalimentar), incluindo-se:

a) danos à reprodução e redução dapopulação da espécie;

b) alteração do sistema imunológico;

c) anomalias de comportamento;

d) funcionamento anormal da tireóide eoutras alterações do sistema hor-monal;

e) tumores e cânceres;

f) feminização dos machos e mascu-linização das fêmeas; e

g) malformações congênitas.

Esses são alguns exemplos dosefeitos mais diretos das mudanças globaisna saúde. Há muitos outros efeitosindiretos, algumas vezes difíceis de seremquantificados devido aos complexosmecanismos ecológicos e processossociais que interagem em sua produção.Devemos ter ainda em mente que osdiferentes processos de mudançasambientais globais interagem entre si oque podem potencializar os seus efeitossobre a saúde humana. Para abordarcientificamente essas questões, novosarcabouços conceituais e métodos deanálise se fazem necessários, tais comoa aplicação dos Modelos de AvaliaçãoIntegrada (Integrated Assessments), cujautilização pelo setor saúde ainda não foiefetivamente incorporada.

Os problemas de saúde públicaconstituem um componente crítico dasdimensões humanas das mudançasambientais globais. O estabelecimento decritérios de qualidade ambiental depende,em grande parte, da mensuração dos seusefeitos sobre os sistemas biológicos, emespecial sobre a saúde e a sobrevivênciahumana. Entretanto, não se conhece osuficiente sobre a ampla gama depossíveis conseqüências para a saúde doscomplexos processos que fazem parte dasmudanças globais. Mais pesquisas sefazem necessárias, tanto em nívelconceitual quanto empírico. Isso traz umimportante desafio para os pesquisadoresem saúde pública uma vez que, para queesses conhecimentos sejam obtidos, a

transposição de limites disciplinarestradicionais deverá acontecer. A SaúdePública, embora se utilize com freqüênciadas ciências sociais como marco dereferência, precisa fazer o mesmo com asciências da terra, tais como a climatologia,hidrologia, meteorologia, ecologia,sensoriamento remoto e disciplinascorrelatas.

Dessa forma, é necessário avançarem pesquisas e consolidação deresultados que permitam: a) construirmodelos conceituais adequados para seabordar cientificamente os processos dasmudanças ambientais globais, incluindo-se os impactos na saúde das coleti-vidades; b) incluir a questão das mudan-ças ambientais globais na agendacientífica e institucional brasileira, nota-damente no campo das ciências da SaúdePública; c) buscar modelo de desenvol-vimento compatível com a sustenta-bilidade econômica e ambiental, a longoprazo; d) criar mecanismos que inter-rompam ou minimizem a perda expo-nencial da biodiversidade, garantia dos“serviços prestados” pelos ecossistemasíntegros no Brasil; e) minimizar global-mente a crescente diminuição dos esto-ques de água doce causada pelosprocessos de desertificação e contami-nações múltiplas; e f) sensibilizar aspessoas para a constatação de que todosos recursos naturais renováveis não sãoinfinitos.

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