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Ano 7 nº 77 julho 2007 ENTREVISTA LUCIANO COUTINHO: INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DEVE SER MOTOR DO CRESCIMENTO AS DIFICULDADES PARA TRAZER TALENTOS DO EXTERIOR E MAIS QUAL O CAMINHO DO EQUILÍBRIO PARA A PREVIDÊNCIA COMO CONCILIAR AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

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AS DIFICULDADESPARA TRAZERTALENTOS DOEXTERIOR

E MAISQUAL O CAMINHO DOEQUILÍBRIO PARA A PREVIDÊNCIA

COMO CONCILIAR AMBIENTEE DESENVOLVIMENTO

Ano 7nº 77julho2007

ENTREVISTA LUCIANO COUTINHO: INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DEVE SER MOTOR DO CRESCIMENTO

AS DIFICULDADESPARA TRAZERTALENTOS DOEXTERIOR

E MAIS

QUAL O CAMINHO DOEQUILÍBRIO PARA A PREVIDÊNCIA

COMO CONCILIAR AMBIENTEE DESENVOLVIMENTO

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DIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE);Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio GouvêaVieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José deFreitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures(PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), JorgeParente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis BenevidesGadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI);1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO);2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL);1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT);2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza FlexaRibeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge MachadoMendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Pradode Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), JoãoFrancisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio AndréGuareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), FranciscoRenan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco(SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio deBorges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCALTitulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC);Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP),Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL

ISSN 1519-7913Revista mensal do Sistema IndústriaDiretor executivo - Edgar LisboaDiretor institucional - Marcos Trindade

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e Gerência de Jornalismo da UNICOMSBN Quadra 1, Bloco C, 14º andar Brasília - DF - CEP 70040-903 Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550e-mail: [email protected]ção IW Comunicações - Iris Walquiria Campos RedaçãoEditor: Paulo Silva Pinto Editor-assistente: Enio VieiraEditor de arte: Flávio CarvalhoRevisão: Shirlei NatalinePublicidade FSB ComunicaçõesMagno Trindade - [email protected] Visconde de Pirajá, 547 - Grupo 301Rio de Janeiro - RJ - CEP 22410-003 Tels.: (21) 2512.9920 / 3206.5061Gilvan Afonso - [email protected] Quadra 06 - Conj. A - Bloco C sala 322Brasília - DF - CEP 70316-109 Tel.: (61) 3039-8150Cel.: (61) 8447-8758Impressão - Gráfica CoronárioCAPA: FSB DESIGNAs opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

16 CapaGoverno pretende flexibilizar as regras para contratar trabalhadores estrangeiros e estuda reforma da Lei de Imigração, de 1980

24 AmbienteConferência da CNI reuniu 350 representantes da indústria para definirpropostas de políticas públicas para o meio ambiente

32 Comércio ExteriorEmpresas industriais do Brasil e da Índia defendem um aumento dos investimentos e do comércio entre os dois países

36 Infra-estruturaCongresso Nacional vota a partir deste mês o projeto da Lei do Gás,que dá mais segurança aos investidores e estimula a competição

40 DesignLinhas de mobiliário mantêm formas inspiradas na natureza,mas com maior rigor formal nos trabalhos

ARTIGO50 DANUZA LEÃO

O aborto virou o tema de discussão do momento e pode ser uma boa questão para decidir por meio de um plebiscito

SEÇÕES6 LUPA

10 ENTREVISTAO presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, afirma que a indústria deve ser o motor do crescimento

22 TENDÊNCIAS ECONÔMICASEmprego industrial vem crescendo de maneira desigual nos diferentessetores e regiões do País

28 ANÁLISEO economista José Roberto Mendonça de Barros estréia seção naqual comentará mensalmente as perspectivas da economia e da indústria

39 PONTO DE VISTAO presidente da Fiemt, Mauro Mendes Ferreira, defende que a indústrialidere as discussões de produção limpa e conservação ambiental

44 CULTURAA história da construção do Cristo Redentor, que concorre neste mês na eleição das novas sete maravilhasdo mundo

LAURENCE FORDYCE;EYE UBIQUITOUS/CORBIS/LATINSTOCK

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CINEMA EM CASAOS FÃS DOS CLÁSSICOS DO CINEMA TÊM O QUE COMEMORAR. OBRAS MUITAS

vezes difíceis de encontrar em locadoras e lojas de DVD estão agora aoalcance de um clique pela internet. Pelo Public Domain Torrents(www.publicdomaintorrents.com) é possível fazerdownload das obras em formato compactado, paraassistir no computador, Ipod, smartphone, ou atémesmo no DVD, para quem não se importar com aqualidade menor por conta da taxa de compressão. O download é permitido legalmente porque as obrascaíram em domínio público. Outras opções são os sitesEmol (emol.org) e Veoh (www.veoh.com). É possível montar uma videoteca com obras comoA Máscara de Ferro (1929), Hércules (1958), Robin Hood(1922) e A Marca do Zorro (1920), e as obras de CharlesChaplin. A busca pelos títulos é em inglês. Para quem não teminternet de banda larga, há a opção de baixar o vídeo com menosqualidade, ou mesmo assisti-lo diretamente do site.

Cartas à revista contendo comentários ou sugestões dereportagens podem ser enviadas para SHS Quadra 6 - BlocoE, conjunto A sala 713, Brasília DF, CEP 70322-915, ou parao endereço eletrônico: [email protected]

CAJU NA MESAA FIBRA EXTRAÍDA DA POLPA DE CAJU, INGREDIENTE

extremamente nutritivo e de sabor marcante, mas pouco aproveitado na gastronomia, terá agora destaque nas receitas do Cozinha Brasil.A empresa cearense Cione, uma das maioresexportadoras de castanha do país, doou atecnologia para extração da fibra da fruta e para o aproveitamento em pratos inusitados. Graças aisso, o SESI produziu um livro com 14 receitas,como omelete, pizza, pastel e hambúrguer, feitos a partir da polpa de caju. Serão incorporadas aocurrículo de cursos, especialmente na RegiãoNordeste, onde o caju é desperdiçado.O programa Cozinha Brasil ensina receitas de baixo custo e alto valor nutritivo e já formoumais de 270 mil alunos em todo o País,especialmente entre a população de baixa renda.

“Parabenizo a equipe da revista IndústriaBrasileira e da CNI pelo excelente trabalho naapresentação e análise de dados econômicosdo setor privado e do setor público do País.”

Maria Verônica Silva, Riacho das Almas - PE

CARTAS“Muito oportuno o texto da colunista DanuzaLeão sobre planejamento familiar, publicadona edição de junho de Indústria Brasileira.Pretendo mostrá-lo ao maior númeropossível de jovens.Estimulada pelo texto,estou procurandoentidades que sedediquem aoplanejamento familiarpara oferecer algumaforma de apoio.”

Edith KlienRio de Janeiro - RJ

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VALORES DO ESPORTEAPROVEITANDO A COMOÇÃO PARA

os jogos Pan-americanos, o SESIvai lançar o projeto Valores do Esporte. A idéia é incorporarnas empresas industriaisqualidades como espírito deequipe, liderança e persistência,conquistadas por meio da práticaesportiva. O lançamento ocorredurante evento que o SESI estáorganizando especialmente paradiscutir a importância do esportepara as empresas, no ScorialHotel, no Rio de Janeiro, de 18a 20 de julho. Terá a participaçãode 60 empresários de váriosestados, atletas e autoridades derenome de atuação na área demarketing esportivo.

SESI NO PANO SESI DEIXARÁ SUA MARCA NOS JOGOS

Pan-americanos que serão realizados no Rio de Janeironeste mês. O recordista mundial em salto triplo, oparanaense Jadel Gregório, de 26 anos, um dos atletasbrasileiros que vai disputar o Pan, começou suacarreira no Centro Esportivo do SESI localizado emMarília (SP). A tocha dos jogos quandopassou por Brasília, no dia12 de junho, foi carregada pelo gerentede esportes do SESI, RuiCampos. Ele ganhou a medalhade ouro no Pan-americano deCaracas em 1983 pela SeleçãoBrasileira de vôlei. Além disso,o SESI e o SENAI fluminensesajudaram a formar guias cívicos ebrigadistas-socorristas de comunidadescarentes para atuação nos jogos.

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PROGRAMAEMPREENDE CULTURAO ARRANJO PRODUTIVO LOCAL

do bordado, em Ibitinga (SP), sofre com a desvalorização de sua principal atividade, que vemsendo substituída pela estamparia. Por isso foi escolhido para serum dos pilotos do ProgramaEmpreende Cultura, promovidopelo IEL, SESI e pelo Ministérioda Cultura. A idéia é gerarvantagens competitivas para osprodutos regionais por meio davalorização da cultura local,fortalecendo design, gestão dasempresas e marketing.

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DE GOIÁS PARA O MUNDO

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EMPREENDEDORISMO PARA EXPORTARO CENTRO INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS DA FIEPE PROMOVE

de 15 a 17 de outubro o curso Empreendedorismo na InserçãoInternacional de Pequenas e Micro Empresas. O treinamentoserá realizado em São Paulo, na sede da Fiesp, e abordará ainternacionalização de empresas. Participam federações de comércioe de indústria de 11 países latino-americanos, além do Brasil.“Traremos representantes de renomadas instituições, incluindo aLondon Business School”, diz o vice-presidente da Fiepe paraRelações Internacionais, Paulo Gustavo Cunha. As palestras deabertura sobre empreendedorismo na União Européia e na AméricaLatina serão abertas ao público. O evento conta com o apoio doprograma de cooperação econômica AL-Invest, CNI e ServiçoBrasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

BOLSA DE RECICLÁVEIS GAÚCHAO CONSELHO DE CIDADANIA DA FIERGS

lançou uma iniciativa para auxiliar asindústrias gaúchas na comercialização deresíduos industriais. A Bolsa de Recicláveis(www.bolsadereciclaveis-rs.com.br) é umportal na internet onde as empresas podemoferecer e procurar vários tipos de matéria-prima ou resíduos. São parceiros da Bolsa de

Resíduos os sindicatos das indústriasquímicas, de plástico, de papel e papelão ede artefatos de borracha, além do CentroNacional de Tecnologias Limpas (CNTL)do SENAI. As Federações de Indústrias deSão Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Bahia,Pernambuco e Minas Gerais contam combolsas semelhantes.

A FIEG E O SEBRAE SE UNIRAM PARA FACILITAR

a internacionalização das empresas goianas.Por meio de um termo de cooperação assinadono final de maio, o Centro Internacional deNegócios (CIN) da Fieg passa a centralizar oatendimento às empresas que queiram ampliarseus mercados para o exterior. De acordo como gerente do CIN, Plínio Viana, “o centroorienta as empresas sobre como fechar

negócios, parcerias e o que mais for precisopara se tornarem competitivas”. Goiás éresponsável por 2% das exportações do país, amaioria composta de commodities, carnes ouminerais, exportadas por grandes empresas.“Queremos ampliar a participação dospequenos e médios negócios no mercadointernacional”, complementa. O CIN deGoiás atende pelo telefone 62-32191487.

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INFORMAÇÕES DETALHADAS SOBRE 10,5 MIL EMPRESAS BRASILEIRAS

que atuam no mercado externo estão na 6ª edição do Catálogode Exportadores Brasileiros. A publicação, lançada pela CNI no Dia da Indústria, 25 de maio, é direcionada às empresasimportadoras estrangeiras e é constantemente atualizada. O catálogo, que existe desde 2000, é distribuído e promovidocom a ajuda da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial(ABDI), Agência de Promoção de Exportações e Investimentos(Apex Brasil) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e PequenasEmpresas (Sebrae). Está disponível na internet(www.brazil4export.com).

CATÁLOGO DE EXPORTADORES

AS INICIATIVAS DE SUCESSO DO SENAI NA

área de educação a distância foram destaque de18 a 22 de junho no 8º Encontro InternacionalVirtual Educa, em São José dos Campos. Estafoi a primeira vez que o evento ibero-americanoocorreu no Brasil. “Há grande interesse pelasações móveis do SENAI, realizadas com kitsdidáticos, carretas e pelo barco-escolaSamaúma, no Rio Amazonas”, conta aespecialista em desenvolvimento industrial doSENAI, Paula Martini. O SENAI apresentoutambém seu Banco de Recursos Didáticos,com mais de 5.000 itens, e o programa decertificação de pessoas da entidade.

SENAI PARTICIPADE VIRTUAL EDUCA

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LUPA

A EDIÇÃO DE 2007 DO PRÊMIO SESIQualidade no Trabalho teve inscrições de2.430 empresas, que empregam 457.343trabalhadores. Em relação ao ano passado, asinscrições aumentaram 20%. A novidade daedição deste ano é a parceria com a Bolsa deValores do Estado de São Paulo (Bovespa). O SESI usará os critérios do Índice deSustentabilidade Empresarial da Bolsa paraavaliar as empresas. “O índice nos ajudou naformação dos questionários. Essa parceria com a Bovespa deve ser ampliada a cada ano”,diz Neyde Alves Ribeiro, da Unidade deResponsabilidade Social Empresarial do SESI.

QUALIDADE NO TRABALHO

ARTIGOS, MONOGRAFIAS, TESES,DISSERTAÇÕES e palestras de técnicos,pesquisadores e colaboradores do InstitutoNacional de Pesos e Medidas (Inmetro)podem ser pesquisados agora pela internet.As obras, que fazem parte do acervo dabiblioteca da entidade, localizada emXerém, no Rio de Janeiro, estão disponíveisna internet. É possível pesquisar por tipo detrabalho, autor, assunto ou palavra-chave.Basta clicar na página principal do site(www.inmetro.gov.br), na coluna Produtos eServiços, item Produção Intelectual.

ACERVO DE PESQUISA DO INMETRO

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JOSÉ MINDLIN

ENTREVISTA

10 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

A reindustrializaçãocomo meta

POR PAULO SILVA PINTO

COMO EFEITO COLATERAL DA ESTABILIDADE, VEIO O ACÚMULO DE MOEDAS NOS

bolsos. Há quem costume esvaziá-los sobre a mesa de trabalho, caso do economis-ta Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES). Numa atarefada terça-feira do mês passado, emBrasília, suas reservas monetárias foram parar sobre o documento Medidas deValorização da Indústria. Coincidência ou não, recuperar a importância do setor ésua prioridade no cargo, que ocupa desde o final de abril. Uma demonstraçãodisso é que ele concedeu a Indústria Brasileira a primeira entrevista exclusivadesde que foi empossado.

Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Coutinho tem oprocesso e os números na cabeça: a indústria chegou a ser responsável por 35% doProduto Interno Bruto (PIB) brasileiro na década de 1980. Atualmente, está emcerca de 18%. Ele atribui isso a uma sucessão de erros políticos e situações con-junturais adversas: abertura apressada a importações, câmbio sobrevalorizado,juros altos e crises internacionais, que levaram empresas industriais a perder fatu-ramento ou mesmo fechar as portas. “Houve uma verdadeira razia.”

Coutinho afirma, porém, que nos próximos anos a indústria retomará o papelde indutora do crescimento. Afirma que os ministérios da Fazenda, doDesenvolvimento, da Ciência e Tecnologia e o BNDES estão alinhados nesseobjetivo “pela primeira vez em muito tempo”.

Há sinais, revela Coutinho, de descompasso entre os recursos de que oBNDES dispõe e os novos pedidos de empréstimos. Mas esse é um bom proble-ma, afinal nos últimos anos, com o crescimento empacado, a demanda por crédi-to foi frustrante. Agora, mais empresas demonstram a disposição de investir.

Segundo o presidente do BNDES, a indústria voltará a ser omotor do crescimento econômico brasileiro nos próximos anos

LUCIANO COUTINHO

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Indústria Brasileira – O governo acaba de anun-ciar uma série de medidas para reduzir o prejuízoque empresas de alguns setores industriais têm com a valorização cambial. Isso será suficiente paramantê-las no mercado?Luciano Coutinho – O programa tem o objetivode fazer uma ponte para que empresas em situaçãode grande dificuldade pos-sam reagir e se qualificarpara competir. Há umalinha de investimento, comcarência de três anos e atéoito anos para pagar, e umalinha de apoio às exporta-ções. Ambas buscam ajudaras empresas a se reestrutu-rar, numa expectativa de que ao longo do tempo ascondições sistêmicas permitam um desenvolvimen-to mais consistente desses setores. As medidas anun-ciadas são para atender uma situação transitória depressão sobre setores intensivos em emprego queestão sob pressão negativa da apreciação cambial.

IB – Quanto tempo vai durar essa situação transitória?LC – A janela aberta pelo programa é até o fimdeste ano. A nossa expectativa é que, com uma

queda da taxa de juros um pouco mais acelerada,a taxa de câmbio possa ir melhorando em termosde competitividade.

IB – Para isso a Selic, a taxa básica de juros da eco-nomia, teria de cair quanto?LC – A nossa expectativa – e obviamente isso nãoé uma previsão – é que a taxa de juros possa cami-nhar para 10% até o fim deste ano e para um dígi-to ao longo de 2008, em torno de 8,5% ou 9%.Também há a perspectiva de que o Brasil ganhe oinvestment grade no próximo ano (das agências declassificação de risco), o que possibilitará reduziros juros de modo mais firme.

IB – Empresas têxteis brasileiras estão se instalandoem outros países em busca de custos menores. Muitasindústrias calçadistas estão fechando. Há desindus-trialização no Brasil?LC – A indústria perdeu participação no ProdutoInterno Bruto (PIB) brasileiro. Chegou a pesar35% do PIB em meados dos anos 1980. Caiupara algo em torno de 25% em meados dos 1990.E hoje está em torno de 18% a 19% do PIB.

IB – Isso foi conseqüência de erros de política econômica?LC – Acho que se deu primeiro por uma aberturamuito pouco planejada no início dos anos 1990,

seguida, infelizmente, porciclos econômicos compli-cados: recessões às quais seseguiram um longo perío-do de taxa apreciada decâmbio, de 1994 a 1998,e de taxas de juros reaisbrutalmente elevadas, de23% (por ano). Essa com-

binação maligna desnacionalizou e destruiu gran-de parte de indústrias de alta tecnologia muitopromissoras que vinham se formando, nas áreas detelecomunicações, de bens de capital. Houve umaverdadeira razia, uma liquidação de empresas.Posteriormente, entre 1998 e 2002, a instabilida-de econômica continuou. O ciclo recente benefi-ciou as commodities. Não houve ainda, por contados juros altos, condições propícias para umfomento incisivo aos novos setores, para que

LUCIANO COUTINHO

No próximo ano, com taxa de juros de umdígito, o problemacambial será reduzido

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empresas, e apoiando a criação e o desenvolvimen-to de empresas brasileiras que se capacitem a apro-veitar essas novas oportunidades. Além disso,haverá um esforço grande no campo da farmoquí-mica, com o fomento tecnológico e o apoio credi-tício, e de capitalização a empresas brasileirase subsidiárias de empresas estrangeiras para quepossa alavancar a produção de fármacos e princí-pios ativos em território nacional, inclusive ambi-cionando que o Brasil venha a se tornar uma baseexportadora de fármacos.

IB – Esses são os setores escolhidos pela política indus-trial, em vigor há quase quatro anos. Mas não tive-ram aumento de participação entre os empréstimosdo BNDES. Por quê?LC – A destruição dos setores de alta densidadetecnológica nos anos 1990 foi muito profunda. É preciso recriar empresas praticamente do zero,que necessitarão de tempo para ganhar muscula-tura, escala e capacidade de investimento. Não há,nesses setores, estrutura industrial preparada para

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o processo de recomposição, de modernização daestrutura industrial se dê de forma adequada.O governo Lula fez um esforço nos últimos quatroanos? Fez. O Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) também fez. Masesse esforço precisa agora ganhar corpo, proativi-dade e densidade.

IB – Como o BNDES vai fazer isso?LC – O objetivo de uma política industrial dogoverno é recuperar o papel motor da indústriade transformação, que deverá ser puxadora docrescimento. Terá de crescer mais que o PIB.Desindustrialização está fora de cogitação denossa parte.

IB – Por quê?LC – Porque, em primeiro lugar, as condiçõesmacroeconômicas vão melhorar. A continuidadeda queda da taxa de juros abre a perspectiva deuma mudança importante nas condições de crédi-to, no desenvolvimento do mercado de capitais,na possibilidade de tornar o crédito acessível inclu-sive para as empresas de pequeno e médio porte.Em segundo lugar, porque há uma percepçãomaior dessas prioridades hoje. Toda a tentativa doMinistério do Desenvolvimento, do Ministério daFazenda, do BNDES e Ministério da Ciênciae Tecnologia é de reforçar o papel da indústria nocrescimento. Pela primeira vez em muito tempohá um alinhamento de propósitos entre essesministérios e o BNDES. Isso deverá permitir umciclo de investimentos industriais que sustentemum processo de industrialização, de desenvolvi-mento da estrutura industrial que possa inclusi-ve resgatar setores que nos anos 1990 sofreramgrandes retrocessos.

IB – Quais setores?LC – Por exemplo os setores ligados ao complexode tecnologia da informação: indústrias de equipa-mentos de telecomunicações, de áudio e vídeo, deequipamentos para TV, sistemas de softwares e ser-viços para várias áreas. Esses setores perceberãouma atenção e um fomento especiais, buscandoapoiar as empresas estrangeiras que têm subsidiá-rias aqui, para que reforcem o papel de suas

ENTREVISTA

Pela primeira vez em anos, háalinhamento entreBNDES e ministérios

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IB – A indústria como um todo tem um peso menorno BNDES do que já teve. É em função da perda departicipação no PIB?LC – Sim, e também em função do Programa de Ace-leração do Crescimento (PAC). O PAC, que iniciaum ciclo de investimentos muito pesados em infra-estrutura, demandará muitos recursos do BNDES.

IB – Ou seja, a tendência é a indústria ter uma par-ticipação ainda menor?LC – Os investimentos infra-estruturais deverãose intensificar nos próximos anos, porque são fun-damentais, e ocuparão espaço. Mas é preciso lem-brar que o volume de operações do BNDES vemcrescendo a taxa expressiva, o que é uma demons-tração de que há uma demanda forte e continua-da por investimentos. E eu tenho confiança de queeste novo ciclo de investimentos não será aborta-do, como foi o ciclo em 2004.

IB – Por que o senhor tem confiança nisso?LC – Em primeiro lugar, porque temos hoje umasituação de robustez externa muito maior, temosuma situação fiscal razoavelmente equacionada,com a relação dívida/PIB em queda e a taxa dejuros também caindo. A robustez cambial supri-miu do radar a possibilidade de mega deprecia-ções da taxa câmbio que rebatiam sobre a taxa deinflação e obrigavam o Banco Central a correratrás do prejuízo, subindo a taxa de juros. Isso temuma chance praticamente nula de ocorrer agora,com as reservas cambiais de US$ 140 bilhões, acaminho de US$ 170 bilhões até o final deste ano.

IB –Os recursos do BNDES serão suficientes para o PAC?LC – O BNDES não deixará de financiar nenhumprojeto importante para o PAC ou para o desenvol-vimento industrial brasileiro. O Banco vai buscarcomplementar o seu funding na medida necessáriapara realizar a tarefa de suporte e mola propulsorado investimento. Neste momento, o Banco já estáenfrentando um problema de funding, mas isso nãoperturba o meu sono.

IB – Por quê?LC – Porque tenho certeza de que, por sua credibi-lidade e capacidade, o Banco conseguirá suplemen-

receber investimentos. Outra razão é que nos últi-mos quatro anos houve um extraordinário ciclodas commodities, que beneficiou exatamente ossetores mais competitivos da estrutura brasileira,induzindo um ciclo poderoso de investimento emmineração, siderurgia, celulose e petroquímica.Por acaso esses setores são intensivos em capital etêm uma participação importante nas operaçõesdo BNDES. A intenção da política industrial écrescentemente abrir espaço para os novos setores,que, infelizmente, partirão de um percentual ini-cial baixo. O complexo de tecnologia da informa-ção corresponde de 25% a 30% da indústria ma-nufatureira nos Estados Unidos, na Europa e noJapão. Aqui no Brasil o peso é de 5%.

IB – Como o Banco pode fortalecer pequenas empre-sas dos segmentos de ponta?LC – Por meio de participação acionária e tambémpreparando a gestão dessas empresas para tirar pro-veito das grandes oportunidades que o mercado decapitais tem oferecido por meio de IPOs (initialpublic offer, lançamento de ações na Bolsa deValores) muito generosos. Esse trabalho de recons-trução é mais desafiador, tem riscos. Mas é necessá-rio para recompor a capacidade industrial brasileira.

IB – É o caso de falar em reindustrialização?LC – Num certo sentido sim, se considerarmos quequeremos recuperar um pouco do tempo perdidoem termos de desenvolvimento do Brasil comouma economia que no início dos anos 1980 estavana dianteira entre as emergentes. Hoje, a liderançaé de países asiáticos. Eu sei que num espaço de trêsanos e meio não vai ser possível chegar na ponta,mas, se conseguirmos reduzir essa diferença, já tere-mos colocado em marcha um processo endógenode capacitação das empresas brasileiras.

14 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

LUCIANO COUTINHO

O BNDESprecisará de mais

recursos, mas não seráproblema consegui-los

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tar no mercado o funding necessário. Podemos nego-ciar novos aportes (do Tesouro Nacional), podemosnegociar parcelas dos dividendos (a serem pagos aoTesouro), podemos liquidar parcelas da nossa cartei-ra de ativos. O Banco pode também tomar recursosbaratos no exterior, já que tem uma alavancagemmuito baixa; pode compartilhar, co-financiando,parte da carteira de projetos com outras instituições,pode pleitear um quinhão um pouco maior dentroda distribuição do Fundo de Amparo ao Trabalhador(FAT). O que não acontecerá é reprimir o investi-mento por temor de que faltem recursos.

IB – Os arranjos produtivos locais (APLs) têm sidoum foco do BNDES nos últimos anos. Como o assun-to será tratado na sua gestão?LC – Isso é uma preocupação muito importante.Pretendemos criar uma equipe dedicada a analisaro mapa dos APLs em todo o Brasil. Vamos refor-çar a atuação do Banco e das agências de fomentoestaduais junto aos APLs, com foco especialmentena região nordestina e na região Norte, que são asregiões mais atrasadas e para as quais teremos umcarinho especial, ainda que não esqueçamos osAPLs no restante do Brasil.

IB – O Sul e Sudeste ficam com 80% dos recursosemprestados pelo BNDES. Isso é um problema?LC – Isso é um indício ruimda concentração econômicado País. O papel do BNDESdeve ser proativo no sentidode buscar o desenvolvimen-to das regiões mais atrasadas.Nessas regiões a estruturaempresarial é mais frágil, o talento empresarial é maisescasso. E exatamente por isso a gente tem de termaior atenção. Um outro fator que atrapalha umpouco é que os recursos dos fundos constitucionaisoperados pelo Bando do Nordeste (BNB) e peloBanco da Amazônia (Basa) são mais baratos que osrecursos do BNDES, a não ser que a gente consigareduzir mais a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP,pela qual o BNDES empresta recursos). Não quere-mos competir com os bancos regionais e sim nosjuntarmos a eles para fomentar a presença doBNDES nas regiões mais atrasadas.

IB – Como será a trajetória da TJLP?LC – Continuará caindo, mas a velocidade um pou-quinho mais lenta que a da queda da Selic. Afinal,está em 6,5%, com uma inflação de 3,5%. Não po-demos, é claro, ter taxas negativas de juros.

IB – O que o BNDES pode fazer na área de inovação?LC – A inovação é a preo-cupação central da políti-ca industrial e da políticado BNDES. Queremosfortalecer os complexos demaior intensidade de ino-vação, como as tecnologias

de informação, a farmoquímica, o setor aeroespa-cial, mas também contribuir para que a inovaçãoseja uma parte da estratégia de vários setores jáestruturados, como a indústria automobilística.Queremos apoiar fortemente o desenvolvimentoda engenharia automotiva no País e o desenvolvi-mento de engenharias em vários outros segmen-tos importantes, de produtos e processos. Temosuma belíssima oportunidade no etanol, mas nãopodemos ficar dormindo em cima dos louros:temos de investir nas tecnologias futuras, paranão perder a liderança.

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ENTREVISTA

Setores estruturados,como o automotivo,devem inovar mais

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16 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

Obstáculos paratrazer profissionais

POR ENIO VIEIRA

O Brasil nunca teve tão poucos imigrantes. Com a intensificação do crescimento e a necessidade de

mão-de-obra especializada, o governo quer tornarmenos burocrática a contratação de estrangeiros

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 17WWW.CNI.ORG.BR

AO OBSERVAR OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS AO

longo da história, é possível ter uma idéia bastan-te acurada do mapa mundial da prosperidade.Trabalhadores e empreendedores têm faro paraperceber onde estão as melhores oportunidades.Transferindo-se, com suas famílias, para regiõesmais dinâmicas, contribuem para torná-las aindamais desenvolvidas. Não é à toa que os EstadosUnidos, a maior economia do mundo, receberamtantos imigrantes – e o número não pára de cres-cer (veja quadro na página 20). A AméricaLatina, que vem perdendo dinamismo ao longoda história econômica recente, tem participaçãodecrescente na migração mundial. É claro que osnúmeros globais não contam toda a história.O ideal, para um país, é atrair os imigrantes maisqualificados. E nisso os norte-americanos têmgrande sucesso, atraindo, por exemplo, excelentesengenheiros indianos.

O Brasil já foi um grande destino para estran-geiros, especialmente no final do século 19 e noinício do século 20, quando, em vários anos, regis-trou taxas de crescimento econômico entre asmaiores do mundo. Isso mudou. Nunca houve tãopoucos estrangeiros trabalhando aqui – o númeroé inferior ao de brasileiros no exterior. Embora aqueda se explique em parte pela redução das taxasde crescimento econômico, tem também comorazão dificuldades institucionais e legais. Provadisso é que há demanda reprimida: empresasenfrentam problemas na busca de mão-de-obra

especializada para realizar seus projetos, especial-mente nas áreas de alta tecnologia.

Pesquisa da London Business School analisoumil empresas, metade no Brasil e metade na Índia.Descobriu que 40% das brasileiras não comprammáquinas mais avançadas para aprimorar o proces-so produtivo por falta de profissionais qualificados.Entre as empresas indianas, somente 20% tinhamesse problema. Não há dúvidas de que o aumentode investimentos em educação é um caminho idealpara fazer frente a essa escassez. O número de enge-nheiros no Brasil é um quarto do que o que se veri-fica na Coréia do Sul. Aumentar a quantidade equalidade desses profissionais é um objetivo doprograma Inova Engenharia, da CNI, SENAI eIEL. A idéia é exatamente que os próprios brasilei-ros possam responder à escassez de mão-de-obra.Mas os efeitos desse e de outros esforços paramelhorar a educação superior brasileira não serãoimediatos. É preciso também fazer frente ao proble-ma aproveitando o que há de melhor no mundo.

O governo pretende enviar um novo projetode Lei de Imigração ao Congresso Nacional, emsubstituição à atual, que é de 1980. Neste ano, oConselho Nacional de Imigração do Ministério doTrabalho editou resoluções para tornar as regrasmenos burocráticas para a imigração e para a con-cessão de vistos de trabalho temporário. “A legisla-ção foi concebida para outro contexto. Vivíamosnum regime de exceção e o País era muito maisfechado ao comércio internacional. Neste sentido,

CAPA

África Ásia Oceania EuropaAmérica Latinae Caribe

Américado Norte

Países da antigaUnião Soviética

19702000

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MIGRAÇÃO MUNDIALA maior parte da migração mundial foi em direção aos Estados Unidos, ao Canadá e aos países da ex-União Soviética. (% do total da população de migrantes no mundo)

40

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é temporário para quem tem curso superior ouexperiência profissional. Já a versão L-1 se destinaaos executivos com um ano de experiência emsubsidiárias no exterior. Há facilidades no caso deo governo norte-americano ter acordo bilateralcom o país onde nasceu o trabalhador estrangeiro.No outro extremo, o Canadá mantém um progra-ma de atração de profissionais qualificados deoutros países.

A lei brasileira permite a vinda de trabalhado-res de outros países em dois casos básicos.Primeiro, o profissional deve trazer uma nova tec-nologia a uma empresa local. Na segunda hipó-tese, a contratação pode estar associada a uminvestimento externo no País. A autorização podeser permanente ou temporária por até dois anos.Ao solicitar o visto, as empresas devem justificar aoConselho Nacional de Imigração do Ministério doTrabalho a necessidade da vinda de alguém deoutro país e que não há especialista no Brasil. Osestrangeiros também não podem ser mais de umterço dos trabalhadores da empresa, e os salários

consideramos a lei bastante restritiva”, diz o coor-denador-geral de Imigração do Ministério doTrabalho, Paulo Sérgio de Almeida.

A demanda por trabalhadores estrangeirosvem aumentando: passou de 20.162 vistos autori-zados em 2004 para 25.440 no ano passado,segundo dados do Ministério do Trabalho. “Masexiste tanta burocracia na tramitação que ademanda por vistos de trabalho acaba não sendotão grande”, afirma o advogado AgostinhoTavolaro, da Câmara Americana de Comércio(Amcham). Dos vistos analisados em 2006, ape-nas 2% dos pedidos não cumpriram os requisitosfixados na lei. O governo chama atenção, porém,para o fato de que as restrições não são exageradasna comparação global. “Embora nossa legislaçãoseja ultrapassada, as atuais exigências burocráticasnão são muito distantes da maioria dos outrospaíses”, afirma Almeida.

Os Estados Unidos, por exemplo, é o maior re-ceptor de imigrantes no mundo e mantém especi-ficações detalhadas. O visto norte-americano H-1

18 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

NA VIRADA DOSÉCULO 19 PARA

o 20, o Brasil foium dos países

que mais recebeuimigrantes

BETTMANM/CORBIS/LATINSTOCK

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devem se limitar a um terço da folhade pagamento.

O Conselho de Imigração temrepresentantes do governo, dos traba-lhadores, da comunidade científica edos empregadores. A CNI, que inte-gra o Conselho, encaminha deman-das específicas de empresas indus-triais e associações setoriais.

No âmbito global, a única discus-são em andamento para facilitar otrânsito de trabalhadores é o acordode serviços na Organização Mundialdo Comércio (OMC), o GeneralAgreement on Trade in Services(GATS). É um caminho para que ospaíses sejam obrigados a aceitar con-tratos temporários de trabalho. Emsentido contrário, o governo dosEstados Unidos discute uma nova leide migração com foco no combate aoterrorismo. Segundo relatório de

INDÚSTRIA BRASILEIRA 19WWW.CNI.ORG.BR

CAPA

EXPORTADOR DE TRABALHADORESNa virada do século 19 para o 20, o Brasil foi um dos países que mais receberam imigrantes. Eles vierampara trabalhar nas lavouras de café e depois na indústria. Esse movimento se inverteu a partir dos anos1970, quando as crises econômicas levaram os brasileiros para outros países. Na década de 1980, o saldoentre imigrantes e emigrantes ficou negativo em 1,8 milhão de pessoas.

“Com a estabilidade da economia em meados dos anos 1990, esse fluxo teve uma desaceleração. E deve terdiminuído ainda mais a partir de 2000”, diz o demógrafo João Alberto Magno, professor na Universidade Federalde Minas Gerais, autor de uma das poucas estimativas de fluxo migratório no Brasil. Com base no Censo de1991 e 2000, ele calculou que o saldo de migração foi negativo em 560 mil pessoas na década de 1990.

Estima-se que haja três milhões de brasileiros em outros países, segundo os pesquisadores demigrações. O Ministério das Relações Exteriores calcula um número bem maior, de quatro milhões.

O total de estrangeiros que moram no Brasil vem caindo nas últimas décadas, a exemplo do que ocorreno resto da América Latina e Caribe. Em 1970, eram 1,3 milhão de estrangeiros vivendo no País. Essenúmero diminuiu para 768 mil em 1991 e 684 mil em 2000, de acordo com os censos do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE). No mundo todo, apesar da globalização e da liberalização dos mercados, aquantidade de imigrantes é pequena em relação ao total da população.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), 97% da população mundial morava nopaís onde nasceu no ano de 2000. Em números absolutos, os imigrantes totais passaram em 30 anos de81,5 milhões, em 1970, para 175 milhões. A estimativa é que já tenham chegado a 200 milhões. Os EstadosUnidos continuam a terra dos imigrantes, concentrando 12% do total em 1970 e 20% em 2000.

EMPRESAS GLOBAIS usam call centers naÍndia e não podem instalar o serviço comatendentes extrangeiros no Brasil

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2005 da Organização Internacional para asMigrações (OIM), as medidas tomadas após osataques de 11 de setembro de 2001 em Nova Yorkfrearam iniciativas para melhorar o fluxo interna-cional de pessoas.

No caso do Brasil, a CNI concorda que aprioridade em relação aos estrangeiros deve ser oganho de tecnologia e atração de investimentos –sem prejudicar a colocação de brasileiros no mer-cado. A economia brasileira tem alta taxa dedesemprego, de 10%. A advogada Anna Mon-teiro de Barros, sócia do escritório PinheiroNeto, ressalta que a lei brasileira está defasada emrelação ao que ocorre nas empresas. Segundo ela,diversas multinacionais mantêm o Brasil comobase de operações na América Latina e necessi-tam de profissionais que não se enquadram nalei. “Não é necessariamente por uma deficiênciatécnica no País que essas pessoas vêm trabalharaqui. São questões estratégicas de empresas glo-bais”, acrescenta.

Uma mudança a ser proposta na legislação,segundo Almeida, do Ministério do Trabalho, seráa flexibilização nos vistos para quem faz parte do

Mercosul. A iniciativa segue a orientação para pro-porcionar maior liberdade de movimentação den-tro dos países do bloco. Com a nova lei pretende-se tratar, pela primeira vez, dos brasileiros que vãopara outros países. Será criada, assim, uma Lei deMigração. No setor industrial, será importantepara as empresas brasileiras que se internacionali-zam e mandam funcionários para o exterior. Háuma preocupação de garantir aos profissionais bra-sileiros que vão para outros países os direitos e aassistência legal.

Nos últimos anos, o Conselho de Imigraçãovem atenuando a rigidez da lei com resoluçõespara flexibilizar alguns segmentos. É o que ocor-reu com empresas de navegação. Em outubro de2006, receberam a autorização para contratarnavios de outros países com tripulação estran-geira. A medida teve impacto na área de petró-leo que investe muito e precisa de navios para asplataformas marítimas. “O Ministério Públicopressionou para que tripulantes estrangeiros fos-sem substituídos por brasileiros. Mas isso seriainviável”, diz o vice-presidente do SindicatoNacional das Empresas de Navegação Marítima

20 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

SETOR DEPETRÓLEO

demandamão-de-obra

estrangeira e seesforça para

formarprofissionais

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(Syndarma), Cláudio Décourt. A resolução per-mitiu contratar estrangeiros por 90 dias e defi-niu que, para períodos mais longos, devem sertreinados brasileiros. A exigência esbarra, po-rém, em limitações. A Marinha Mercante temuma demanda anual por 500 novos profissio-nais que estejam aptos a trabalhar como tripu-lantes ou no apoio a navios. Os centros de for-mação do Rio de Janeiro e de Belém serãoampliados para suprir a demanda.

ENGENHEIROS E MÉDICOSTer habilitação reconhecida também é problemapara engenheiros e médicos. É freqüente que seencaixem nos requisitos da lei de imigração, mastenham seus diplomas rejeitados pelas associaçõesprofissionais. A carência de mão-de-obra qualifica-da atinge o segmento de infra-estrutura que devereceber um volume grande de investimentos como Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).A Associação Brasileira da Infra-Estrutura e daIndústria de Base (Abdib) identificou gargalos naárea de petróleo e espera problemas no momentoque saírem do papel os projetos de saneamentobásico. “Fora três companhias estaduais de sanea-mento, as demais estão sem mão-de-obra para aentrada maciça de investimentos”, assinala o vice-presidente executivo da Abdib, Ralph Lima Terra.Para ele, o desafio é formar os profissionais no

Brasil e trazer estrangeiros em casos especiais.A indústria do petróleo detectou a escassez de

trabalhadores especializados. A solução foi im-plantar um grande programa de qualificação pro-fissional, para formar 112 mil pessoas nos próxi-mos dois anos, e também buscar profissionais doexterior. “É uma mão-de-obra global e que sai deregiões onde a produção está em queda e vem aoBrasil para trabalhar em plataformas e barcos deapoio”, diz o diretor-geral da Organização Naci-onal da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fer-nández. De janeiro a março de 2007, o Minis-tério do Trabalho concedeu visto de até dois anosa 2.160 estrangeiros que estão nas embarcações eplataformas de petróleo.

A área de serviços também vem demandandouma mão-de-obra que está mais disponível emoutros países. Tavolaro, da Amcham, lembra ocaso de uma empresa multinacional que queriarecentemente abrir um call center no interior deSão Paulo. A exigência era ter 4.500 pessoasfluentes em inglês para atender ligações telefôni-cas do mundo todo, assim como se faz na Índia.Como era muito difícil ter um número tão gran-de de brasileiros nesse perfil, pensou-se em buscartrabalhadores estrangeiros. O investimento foicancelado, entre outras coisas, porque a legislaçãobrasileira só permite um terço de estrangeiros noquadro de funcionários de uma empresa.

ESTRANGEIROS NO BRASILO número de estrangeiros no Brasil vemcaindo nas últimas décadas.

IMIGRANTES EM 2050Países que mais receberão imigrantes até 2050.(em milhões de pessoas)

INDÚSTRIA BRASILEIRA 21WWW.CNI.ORG.BR

CAPA

FONTE: CENSOS DO IBGE E ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM). FONTE: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM)

1970 1991 2000

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1221,3 milhão

768 mil684 mil

7

Japão

Espanha

Arábia Saudita

Austrália

Afeganistão

Reino Unido

Canadá

Alemanha

Estados Unidos

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A ECONOMIA BRASILEIRA SEGUE NO SEGUNDO TRIMESTRE DE 2007 COM SINAIS DE AQUECIMENTO.A produção industrial e as vendas no comércio varejista corroboram o forte crescimento doconsumo interno à luz do aumento dos rendimentos reais e da maior oferta de crédito.Todavia, o mercado de trabalho na indústria evolui de maneira muito heterogênea, dados osdiferentes fluxos de emprego em termos setoriais e regionais.

22 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

TRABALHOT E N D Ê N C I A S E C O N Ô M I CA S

Descompassos entreprodução e empregona indústriaPOR MARCELO DE ÁVILA E PAULO MOL

O maior vigor do consumo interno traz novasencomendas para a indústria, o que estimula aprodução. Com isso, há expansão de horas traba-lhadas e abertura de novas vagas, requisitos fun-damentais para o preenchimento da utilização dacapacidade instalada.

O crescimento do emprego da indústria é apon-tado por diversas pesquisas sobre o tema. Os Indi-cadores Industriais da CNI registram aceleração naexpansão do emprego de 1,2% em abril de 2006para 3,4% em abril deste ano, na comparação como mesmo mês do ano anterior.

Outras fontes de informações, como a PesquisaIndustrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes),do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), e o Cadastro Geral de Empregados eDesempregados (Caged), do Ministério doTrabalho e Emprego, também apontam expansõescrescentes do emprego na indústria, mesmo queem intensidades diferentes, dadas as particulari-dades metodológicas empregadas para cada fonte.O emprego na indústria de transformação me-dido pela Pimes reverteu a queda de 0,6% emabril de 2006 – frente ao mesmo mês do anoanterior – para o crescimento de 1,7% em abrildeste ano, na mesma comparação. De acordo como Caged, a criação de empregos na indústria detransformação no acumulado de 12 meses findosem maio de 2007 foi 66,9% superior à registradanos 12 meses anteriores.

Contudo, a grande heterogeneidade na evolu-ção dos segmentos industriais resulta em diferen-tes formas de reação do emprego aos movimentosda conjuntura econômica.

De acordo com a CNI, mais de um terço dossetores de atividade da indústria de transformaçãoainda mostram queda no nível de emprego,confirmando as disparidades na variação do

Variação da ocupação

1,2

1,31,5

1,61,8

2,02,1

2,32,4

3,43,3

3,5 3,4

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0,5

abr.06 mai.06 jun.06 jul.06 ago.06 set.06 out.06 nov.06 dez.06 jan.07 fev.07 mar.07 abr.07

FONTE: CNI

(frente ao mesmo mês do ano anterior)

0

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No caso regional, a tendência iniciada na décadade 1990 de migração do emprego industrial para ospólos urbanos não-metropolitanos ainda continua,com a participação cada vez menor na criação deempregos nas regiões metropolitanas. Nos últimos12 meses, a participação das novas vagas de empregoformal (obedecendo regras da CLT) nas regiões me-tropolitanas caiu de 29,4% para 25,9% – de acordocom os dados do Caged.

Paralelamente, a Pesquisa Mensal de Emprego,do IBGE, também registra a redução da partici-pação da ocupação da indústria nas regiões metro-politanas – de 17,4% em maio do ano passado para17,1% em maio deste ano. O que também apontapara a realocação espacial do emprego industrialpara as regiões não-metropolitanas.

A persistência dos movimentos diferenciadosdo emprego em termos setoriais e regionais traz im-pactos importantes à estrutura do mercado detrabalho. A queda da participação da ocupação daindústria nas regiões metropolitanas, por outrolado, também influenciou o crescimento da partici-pação do emprego no setor de serviços dessas re-giões (de 31,1% em maio do ano passado para31,9% em maio deste ano, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE). Essesfenômenos estão, em algum grau, interligados pelaprópria estratégia de terceirização utilizada pela in-dústria. Portanto, o movimento do agregado nãoespelha com clareza as diversas nuances setoriais eregionais do mercado de trabalho industrial.

emprego por setor de atividade. Por um lado, doissetores, Alimentação e bebidas e Coque e refino depetróleo e de álcool, registram expressivas taxas decrescimento do emprego na média anual dosúltimos 12 meses, frente aos 12 meses anteriores(de 9% e 5,9%, respectivamente). Por outro, seto-res como Produtos de madeira (-5,8%) e Produtostêxteis (-2,1%) registram perdas desse contingente,na mesma comparação.

Um ponto importante é o peso de cada setorde atividade na formação do índice agregado.Alimentos e bebidas, por exemplo, que representa20,3% do total da ocupação na indústria, exerce amaior influência nos movimentos do índiceagregado do emprego. Como em abril esse setorregistrou expansão de 9% da ocupação, frente aomesmo mês do ano anterior, houve contribuiçãode 1,9 ponto percentual ao índice total, o querepresentou mais da metade do crescimento doemprego na indústria de transformação.

Não obstante, no caso do maior dinamismo daocupação em Coque e refino de petróleo e álcool,parte da nova mão-de-obra tem características agrí-colas, devido à extração de cana-de-açúcar, o quepode superestimar o avanço de fato na ocupaçãoda indústria.

O mercado de trabalho nos setores de Madeirae Têxteis sofre, por outro lado, o impacto negativoda valorização cambial. Não acompanha o aque-cimento da economia em função da perda decompetitividade para as empresas estrangeiras.

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35%

30%

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abr.06 mai.06 jun.06 jul.06 ago.06 set.06 out.06 nov.06 dez.06 jan.07 fev.07 mar.07 abr.07

FON

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Variação do emprego na indústria por setorde atividade (frente ao mesmo mês do ano passado)

Alim. e bebidas Têxteis Refino e álcoolMadeira

Participação na criação de empregos emregiões metropolitanas

27,6 26,9 26,524,4 24,1

26,626,1 26,4 26,4 26,0 25,9

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mai.07mai.06 jun.06 jul.06 ago.06 set.06 out.06 nov.06 dez.06 jan.07 fev.07 mar.07 abr.07

FONTE: CAGED (MTE)

(acumulado de 12 meses)

0

29,1 28,7

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A ecologia dos negóciosPara a indústria, é preciso se antecipar à agenda ambiental da diplomacia pormeio de ações nas empresas e pela formulação de políticas públicas sobre otema, incluindo mudanças climáticas e gerenciamento de recursos hídricos

POR SIMONE BIEHLER MATEOS, DE SÃO PAULO

24 INDÚSTRIA BRASILEIRA JUNHO 2007

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PELA PRIMEIRA VEZ, REPRESENTANTES DA INDÚSTRIA

brasileira de todos os setores e regiões reuniram-separa estabelecer diretrizes de ação na área ambien-tal. Durante três dias do mês passado, os partici-pantes da 1a Conferência da Indústria Brasileirapara o Meio Ambiente (Cibma), organizada pelaCNI, consolidaram as propostas elaboradas pelasfederações estaduais em temas como mudançasclimáticas, gerenciamento de resíduos sólidos,licenciamento ambiental, biodiversidade, explora-ção sustentável de florestas, recursos hídricos e ges-

tão empresarial ambiental. O encontro teve a par-ticipação de cerca de 350 empresários, incluindodelegados de federações estaduais de indústria erepresentantes de associações setoriais.

Nos últimos meses, as mudanças climáticas vêmconcentrando a atenção da opinião pública nomundo. Para os participantes da Cibma, o aqueci-mento global e as medidas que serão adotadasinternacionalmente para enfrentá-lo representamoportunidades de negócios e riscos paraos quais a indústria nacional precisa se preparar. Osriscos estão no provável surgimento de barreirascomerciais para os países que não reduzirem a emis-são de gases do efeito estufa (GEE) e a possibilida-de de que, na renovação do Protocolo de Kyoto, em2012, sejam fixadas metas de redução para paísesem desenvolvimento que são grandes emissores(Brasil, China e Índia). O Protocolo de Kyotoatualmente obriga só os países desenvolvidos areduzir emissões de carbono. Esses países podematuar em seu próprio território ou em outros países,o que criou o mercado de créditos de carbono.

Para os representantes da indústria, os paísesemergentes não devem aceitar a imposição de novasregras. Mas está claro que o futuro dos negócios passapela atenção às mudanças climáticas. “Isso deixou deser somente uma questão ecológica. Trata-se danecessidade premente de alterar o modelo energéticoe econômico do mundo, o que exigirá mudanças nospadrões de produção e consumo”, disse o vice-presi-dente do Conselho Temático de Meio Ambiente daCNI, Vitor Feitosa. “Esse contexto impõe uma novaconfiguração global dos negócios, trazendo novosdesafios, riscos e oportunidades que já começam a serlevados em conta pelos investidores.”

Feitosa chamou atenção para o fato de que, jáem 2002, uma pesquisa feita entre as 500 maioresempresas do mundo mostrava que 80% conside-ravam as mudanças climáticas um risco importan-te para o seu negócio. A pesquisa, encomendadapor 35 grandes investidores, tornou-se permanen-te, dando origem ao Carbon Disclosure Project(CDP), uma base de dados que fornece aos inves-tidores informações atualizadas acerca das estraté-gias das empresas para enfrentar as mudanças cli-máticas. O CDP já foi acessado por 143 investido-res que administram mais de US$ 20 trilhões.

AMBIENTE

INDÚSTRIA BRASILEIRA 25WWW.CNI.ORG.BR

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Em 2003, além do CDP, surgiu o INCR, umarede de investidores que avalia riscos e oportunida-des das mudanças climáticas. Em 2004, 25 multi-nacionais norte-americanas dos setores automotivoe de energia e petróleo divulgaram para investido-res um estudo sobre sua exposição financeira aorisco climático e sua estratégia para enfrentá-lo. Em2006, foi lançada a ISO 14.064, a norma interna-cional de Mudanças Climáticas. Há indicações deque as iniciativas empresariais para enfrentar a mu-dança climática devem converter-se em elementoindispensável para a competitividade, já que inves-tidores, consumidores e barreiras comerciais ten-dem a incorporar progressivamente este critério.

Os participantes da Cibma sugeriram que aindústria trabalhe junto ao governo brasileiro naconstrução da Política Nacional de Mudança doClima (PNMC), que contemple programas deincentivos econômicos à adoção de medidas de com-bate às causas e do aquecimento global e de adapta-ção a seus efeitos. Também devem ser priorizados osnegócios ambientais, como o Mecanismo de Desen-volvimento Limpo (MDL) e os mercados voluntá-rios de redução das emissões. Para isso, foi propostono encontro que a indústria se engaje na elaboraçãodos inventários nacionais e setoriais de emissões deGEE, a intensificação das parcerias para realização depesquisa tecnológica e o desenvolvimento de inova-ções voltadas a reduzir as emissões.

26 INDÚSTRIA BRASILEIRA JUNHO 2007

“É urgente que o Brasil estruture uma agendade curto prazo para tratar a questão climática por-que, por nossas dimensões continentais e riquezade recursos naturais, estamos mais sujeitos do queoutros países a pressões de governos, investidores eorganizações não-governamentais internacionais”,disse o presidente da Fiemg, Robson Braga deAndrade, que preside também o Conselho Temá-tico de Meio Ambiente da CNI.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA)defende o envolvimento da indústria na elaboraçãoe na implantação da uma política nacional para aárea climática. Segundo o secretário de MudançasClimáticas e Qualidade Ambiental do MMA, RuyGóes, o setor industrial já demonstrou sua capaci-dade de responder a desafios ambientais quando daimplementação do Protocolo de Montreal, quepromoveu a redução da emissão de CFCs, os gasesque destroem a camada de ozônio.

“O engajamento da indústria permitiu que aresolução brasileira estabelecesse limites mais res-tritos que o protocolo internacional e, logo, queessas metas fossem superadas”, explicou Góes.Como os CFCs também provocam o efeito estu-fa, a iniciativa trouxe também benefícios climáti-cos. “A redução que obtivemos nas emissões deCFCs, convertidas em quantidade equivalente deCO2 para efeito estufa, equivaleria a 8% das metasdo Protocolo de Kyoto de redução das emissões deCO2. Tudo obtido graças às mudanças tecnológi-cas que a indústria nacional promoveu.” Ele lem-brou, porém, que o desafio atual é bem maior.Mesmo reduzindo entre 55% e 85% as emissõesdos GEE, os estudos prevêem que o aquecimentoglobal produzirá neste século perdas econômicasequivalentes às da Segunda Guerra Mundial.

Com o peso cada vez maior do tema ambientalna competitividade, a Cibma propôs a criação deum amplo programa de divulgação do sistema degestão ambiental, envolvendo cursos e treinamento,prestação de serviços e o estabelecimento de critériospara as empresas contratarem assistência técnicanessa área. “É importante que as indústrias aprimo-rem seu conhecimento sobre as normas e a gestãoambiental e que aprendam a dar divulgação às suasiniciativas na área para usar esse elemento na estra-tégia de diferenciação no mercado”, frisou o gerente

SERINGUEIRA:País aproveita

pouco suabiodiversidade

em patentes

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 27WWW.CNI.ORG.BR

do departamento de Meio Ambiente da Fiesp,Nilton Fornasari Filho, coordenador do grupo detrabalho que debateu o tema na Cibma. Ele lem-brou que várias medidas na área podem simultanea-mente reduzir custos e emissões de CO2, como é ocaso de melhorias na eficiência energética.

RECURSOS HÍDRICOSNa questão dos recursos hídricos, a Cibma conside-rou um avanço o modelo adotado pelo Brasil de ges-tão participativa descentralizada, no qual as decisõessobre o uso da água são tomadas com a participaçãode todos os segmentos da sociedade e os usuáriospagam pelo recurso. Mas houve a recomendação deque a cobrança seja adotada de forma gradual paratodos os setores usuários, levando em conta a dispo-nibilidade hídrica, a capacidade de pagamento dousuário e estabelecendo tarifas que levem em contaas boas práticas de gestão da água. Concluiu-seainda pela necessidade de melhorar a gestão dosrecursos arrecadados com a cobrança, garantindoque não sejam contingenciados e que sua aplicaçãoseja decidida de forma democrática em cada baciapor organizações civis. A indústria defende que acobrança pelo uso da água aumente os investimen-tos em saneamento e não que se torne uma substi-tuição dos investimentos públicos.

Os industriais presentes à Cibma também desta-caram a necessidade de maior agilidade no licencia-mento ambiental, com definição clara da compe-tência de cada ente federado, adoção de procedi-mentos simplificados para projetos com menorpotencial de impacto, cumprimento de prazos e sis-temas de acompanhamento transparentes e infor-matizados. Recomendou-se que os licenciamentos

sejam feitos à luz de instrumentos que possibilitemuma ampla visão de planejamento ambiental e seto-rial, como o Zoneamento Econômico Ecológico(ZEE) e a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).

No encontro, os participantes defenderam umamaior participação da indústria na formulação depolíticas públicas voltadas a preservar, ampliar oconhecimento e o aproveitamento dos recursos dabiodiversidade para múltiplos usos. “Na últimadécada, o Brasil foi o país que mais estudou a biodi-versidade, mas ficou em último lugar no registro depatentes relacionadas a isso. Não devemos nos preo-cupar com biopirataria e sim trabalhar com os cen-tros de pesquisa para transformar biodiversidade empatentes”, disse Eduardo Alves Pedro, da Federaçãodas Indústrias da Amazônia (Fieam). Ele apresentouos casos de um defensivo agrícola orgânico e umremédio para o fígado desenvolvidos a partir deplantas amazônicas e patenteados por outros países.

A Cibma discutiu o Código Florestal e concluiuque é necessário modernizá-lo, adequando os índi-ces de reserva legal – o percentual de cada proprie-dade que deve ser preservado, mas pode ser mane-jado – às peculiaridades locais e ampliando as for-mas permitidas de exploração sustentável dessasáreas. Na parte de resíduos sólidos, a indústriadefende a elaboração de uma política nacional paraa sua gestão, mas defende que a responsabilidadesobre os resíduos pós-consumo seja do consumidor,embora defenda a promoção de acordos setoriaisespontâneos para responsabilidade compartilhadaonde isso for possível. As conclusões do encontro,depois de aprovadas pelo Conselho Temático deMeio Ambiente (Coema) e a diretoria da CNI,serão encaminhadas ao governo.

AMBIENTE

A RECICLAGEMDE RESÍDUOSexige umapolítica nacional

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O BRASIL É UM PAÍS QUE CRESCEU POUCO NOS ÚLTIMOS ANOS, BEM ABAIXO DA MÉDIA MUNDIAL. A DESPEITOdisso, passa por um momento de forte otimismo pela aceleração de seu crescimento em 2007, quandoo Produto Interno Bruto (PIB) deve atingir os 4,5% de crescimento. Para muitos analistas, o País reúnehoje condições excepcionais para transformar esse crescimento num processo continuado por algunsanos. A pergunta que surge é: isso é verdade? E se for, como fica o setor industrial dentro disto?

28 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

Desafios daIndústria Brasileira

De fato, algumas condições do País hoje sãobastante positivas. A primeira delas, sem dúvida, éuma melhor situação de solvência externa. O Brasilde hoje tem reservas altas e suficientes para honrarpraticamente toda a dívida externa. Deve se tornarinvestment grade até o final de 2008. Nessas con-dições, tem atraído um fluxo importante de recur-sos externos, que impulsionam os mercados finan-ceiros e ampliam investimentos em alguns setoresrelevantes da economia.

A contrapartida da entrada de recursos, noentanto, tem sido uma forte apreciação da moeda,que tem impactos diferenciados sobre consumido-res e produtores nacionais. Nos últimos oito anos, aeconomia brasileira conviveu com fortes oscilaçõesem sua moeda. Entre fevereiro de 1999, quando ocâmbio fixo introduzido pelo Plano Real foi fle-xibilizado, até outubro de 2002, véspera da primeiraeleição do presidente Lula, o câmbio desvalorizou-se68%. Desse momento até final de abril último,o movimento foi inverso: o real valorizou-se 55,5 %.O câmbio atingiu patamar inferior a R$ 2 por dólare esse cenário parece ter vindo para ficar por umtempo. O que significará ?

Para o consumidor, o câmbio valorizado ajudaa manter a inflação baixa, que foi a grande con-

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

quista nacional dos últimos 15 anos. A manuten-ção do poder de compra da população, acrescidade reajustes reais no salário mínimo e das políticassociais, tem colocado no mercado consumidor umamassa importante de cidadãos, o que mudou, porexemplo, o mapa das vendas do varejo. O cresci-mento das vendas do varejo no Nordeste se dá ataxas mais aceleradas que em outras regiões justa-mente por conta deste movimento. Esse é umdado relevante para a indústria, que vende para omercado interno. Na suposição de que o governoLula deve manter os reajustes reais do mínimo e deque a inflação deve continuar baixa, o Nordestecontinuará bem. De outra parte, o Sul está serecuperando de forma importante, por conta doagronegócio, e o Sudeste vai relativamente bem,especialmente devido ao desempenho das cadeiasde commodities. De uma maneira geral, o varejovai bem – melhor que a indústria – e a oferta écompletada com as importações crescentes.

Do ponto de vista da indústria, o câmbio teveefeito perverso, nos últimos anos, principalmentepor sua volatilidade. Quando o “medo Lula” apareceu em meados de 2002, o câmbio foi a R$ 4 e levou o IGP-M a 25% ao ano. Mas a va-riância no câmbio também afetava as decisões de

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 29WWW.CNI.ORG.BR

ANÁLISE

Dívida Externa/Exportações5

4

3

2

1

019991998 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

4,75,0

4,33,9 3,8

3,2

2,3

1,61,21,4

investimento e o negócio em si: comprava-se uminsumo a um câmbio e vendia-se o produto aoutro bastante distinto; fazia-se determinadocálculo de investimento a um câmbio e logo eranecessário revê-lo. Agora, a grande vantagem é queo produtor tem noção de horizonte: sabe que avolatilidade diminuiu de forma importante e podetomar sua decisão mais facilmente. Entretanto,em muitos setores as margens estão sendo severa-mente comprimidas.

O produtor brasileiro passou nos últimosanos por várias mudanças estruturais. Narealidade, a estrutura produtiva brasileira vem semodificando desde a abertura econômica doinício da década de 90 do século passado, quegradativamente foi colocando o País no mundoglobalizado. E essa inserção vem se acentuandojustamente num momento da economia mun-dial em que um novo player, a China, colocou oconjunto dos países num ritmo de crescimentoacelerado e duradouro, com impactos impor-tantes em mercados onde o Brasil atua, como osdas commodities agrícolas e metálicas. O Brasilpassou a ser um exportador importante de mui-tos produtos, o que ajudou a compensar ummercado doméstico que crescia pouco e de formatruncada, pois tínhamos uma fragilidade emnossa relação com o mundo que fazia com que a cada soluço na economia internacional per-dêssemos reservas e a economia tivesse de sofrerum choque de juros e produzir uma recessão parase ajustar.

Com as correções que a indústria brasileira foi fazendo na direção do mercado externo, auxiliadopelo ciclo de crescimento mundial recente e peloefeito da China nos mercados globais, o Brasilpôde vencer uma de suas maiores fragilidadesestruturais, a de suas contas externas, e chegarao momento atual. Os gráficos ao lado retratamo impressionante ajuste das contas do balançode pagamentos brasileiro nos últimos anos, queé responsável por uma parte importante da melho-ria do risco-país e das condições de financiamentode nossa economia. Isso deve garantir um cresci-mento maior do PIB nos próximos anos, se o cicloexterno positivo continuar.

Reservas Internacionais

FONTE: BANCO CENTRAL. ELABORAÇÃO: MB ASSOCIADOS

175

155

135

115

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75

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ES

53,80

85,84

155,04

Balança de Transações Correntes

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1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Transações Correntes Balança ComercialU

S$ B

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-25 -24 -23

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12 14 139

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Dívida Externa

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01999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

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220

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141 144133

117 116105

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100

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Total

* Indicador da razão entre o endividamento externo total (público eprivado) e as exportações totais no período de um ano.

Privada

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30 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

Por que o PIB continuará crescendo nos pró-ximos anos a taxas maiores do que nos anosrecentes? Porque, a despeito do impacto negativodo câmbio valorizado sobre parcela do setor ex-portador, o afluxo de recursos ao País, garantidopela conjugação virtuosa de liquidez interna-cional abundante e melhoria das condições efeti-vas do setor externo nacional, permite manter ainflação baixa e sanciona a continuidade do ciclode baixa da taxa de juros real, que é o mais dura-douro dos últimos anos.

Como dissemos acima, nos anos 90, para não irmuito atrás, as turbulências externas (crise da Ásia,da Rússia etc.) logo batiam no câmbio, pressio-navam a inflação e exigiam um ajuste de juros queinterrompia qualquer trajetória mais continuada decrescimento. Agora, o ciclo de queda da taxa dejuros está se mantendo, garantido pelo binômiocenário internacional favorável-setor externoajustado, o que, gradativamente, melhora as condi-

ções de financiamento da economia brasileira e, porconseguinte, impulsiona os investimentos.

De outro lado, na medida em que foi ficandoclaro no último ano e meio que o câmbio tinhauma tendência de valorização, as empresaspassaram a trabalhar mais seriamente com essecenário, inclusive por uma questão de sobrevi-vência. Os departamentos de compra de muitasempresas incorporaram a importação como partede seu negócio; muitas empresas diminuíram aparcela de seu negócio voltada ao mercado externoe intensificaram aquela direcionada ao interno(puderam fazer isto porque a combinação decrescimento de renda derivada de reajustes reais no salário mínimo + programas assistencialistas+ dissídios que repuseram inflação + crédito am-pliou o peso do consumo interno no PIB).E, muito importante, várias empresas de diferen-tes setores saíram para o mundo e se internaciona-lizaram (veja gráfico na página 37).

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 31WWW.CNI.ORG.BR

O que tudo isso significa para a indústria?Alguns setores sofreram com a perda de compe-titividade resultante do câmbio valorizado. Setorescomo o de calçados tiveram seu espaço no mercadointernacional cada vez mais ocupado pela China,que compete com armas tão poderosas: moeda desvalorizada, mão-de-obra barata, escala enormee pragmatismo político-institucional de monta.O Brasil calçadista exportador ficou com os nichosou se redirecionou para outros mercados de maiorvalor agregado onde o produto chinês ainda nãochegou. Outros setores, como o automobilístico, pe-la própria lógica das grandes empresas internacionaisque passam por um processo de rearranjo societário,avançaram no mercado doméstico (graças ao créditolongo) em detrimento das exportações.

De uma maneira geral, e a pauta de exportaçãobrasileira em 2007 é clara, a exportação brasileiraestá cada vez mais concentrada nas cadeias de com-modities. Se o Brasil melhorou as condições de sua“fotografia frente ao mundo”, e abriu a possibili-dade da vinda do capital de investimento, não deuo passo necessário no ambiente institucional demarco regulatório para trazer o capital de investi-mento em infra-estrutura na quantidade necessária.Quando isso for feito, será desencadeado um novociclo necessário para baratear o custo da produçãoem geral. Por ora, o cenário futuro é de aumento

ANÁLISE

de custo de energia e outras utilidades como aágua. E temos ainda um grande problema de es-trutura de custos tributário e trabalhista, para ficarem mais dois exemplos.

Mas, de qualquer forma, estamos no meio deum caminho onde a estrutura industrial brasileiraestá mudando, induzida por mecanismos queestão encolhendo alguns setores exportadores eampliando alguns produtores para o mercadodoméstico. A resultante ainda não está clara.

PRODUZIR AQUI OU NO EXTERIOR?O Brasil de hoje é um País de inflação baixa;juro ainda alto, mas em queda, que permiteesperar custo de capital menor em algummomento mais próximo; com um câmbio que,sabe-se, não se desvalorizará a não ser se houveruma crise internacional de monta; tributo alto;custo trabalhista elevado; e infra-estrutura precá-ria. A percepção desses fatores dá ao industrial osparâmetros para sua tomada de decisão estra-tégica: produzir para fora ou para dentro,produzir aqui ou lá fora. Quanto mais crescer-mos, melhor para as empresas. Se aumentarmos aeficiência, ótimo. Mas ainda falta a parte essen-cial: um choque efetivo de melhora de ambienteinstitucional para que crescimento e eficiênciasejam potencializados.

Investimentos brasileiros no exterior - US$ milhões

-30.000

5.000

0

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-10.000

1998 1999 20001995 1996 1997 2001 2002 2003 2004 20062005 2007

-2.854-1.690 -2.282

-1.096

469

-1.116

2.258

-2.482

-249

-4.907

-4.900

-13.551,22

-13.700,00

-2.517

-8.000

OBS: EM JANEIRO, HOUVE RETORNO DE RECURSOS DA INCO PARA A VALE NO VALOR DE US$ 6

BI E QUE FORAM CONTABILIZADOS EM EMPRÉSTIMOS INTERCOMPANHIA. ESSE VALOR

PODERÁ SER MAIOR AO LONGO DO ANO CASO NOVAS REPATRIAÇÕES SEJAM FEITAS.

FONTE: BACEN. ELABORAÇÃO E PROJEÇÃO: MB ASSOCIADOS. NOTA: OS DADOS EM VERMELHO DE 2004 E 2006REFEREM-SE À ASSOCIAÇÃO ENTRE A AMBEV E A INTERBREW E À AQUISIÇÃO DA INCO PELA VALE DO RIO DOCE, RESPECTIVAMENTE.

Jan-Mar/2007 em US$ bilhões 1.94

Receitas 7.13

Despesas 5.12

Participação no capital -3.35

Empréstimos intercompanhias 5.28

Matriz no Brasil para filial no exterior -0.72

Filial no exterior para matriz no Brasil 6.00

José Roberto Mendonça de Barros, economista, com a equipe da MB Associados Consultoria Econômica

-25.000

-20.000

-15.000

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32 INDÚSTRIA BRASILEIRA OUTUBRO 2006

DE UM LADO DO GLOBO, ESTÁ UM PAÍS QUE É O

segundo maior produtor de frutas, verduras elegumes do mundo, mas que só processa indus-trialmente 2% disso. Esse País tem uma grandeexperiência em parcerias público-privadas, massegue com uma infra-estrutura precária, proble-ma que se agrava pelo fato de que a economia

tem crescido a taxas invejáveis, de 8% em médianos últimos três anos. Do outro lado do globo,uma nação que processa 70% dos vegetais queproduz, exemplo de sua estrutura industrial so-fisticada, com empresas que buscam oportuni-dades de expansão por meio de exportações ouda internacionalização da produção.

Ponte transcontinental

POR MARCUS BARROS PINTO, DE NOVA DELHI E BANGALORE

O comércio entre o Brasil e a Índia cresce 8% ao ano, mas aindahá muitas oportunidades inexploradas. Empresários dos doispaíses querem construir um novo patamar bilateral de negócios

ESTRADA PARAo aeroporto de Bangalore,Cidade que concentra ainvestimentos em tecnologia

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O que a Índia tema oferecer ao BrasilPARCERIAS PÚBLICO-PRIVADASO país tem experiênciae capacidade técnica nogerenciamento das PPPs

CAPACITAÇÃO PROFISSIONALAs escolas indianas formammeio milhão de engenheirospor ano, disputados na Europae nos Estados Unidos

MERCADO CONSUMIDORHá 192 produtos consumidospelos indianos em que o Brasiltem vantagem competitiva,mas vende pouco

O que o Brasil tema oferecer à Índia

PROCESSAMENTO DE ALIMENTOSA Índia é o segundo produtor de

vegetais do mundo, mas processasó 2%; o Brasil processa 70%

INFRA-ESTRUTURAOs indianos buscam parceirosem áreas em que o Brasil tem

experiência, como energia,irrigação, estradas, ferrovias

INVESTIMENTO DIRETOEmpresas brasileiras quebuscam internacionalizar

parte da produção encontramoportunidades na Índia

INDÚSTRIA BRASILEIRA 33WWW.CNI.ORG.BR

COMÉRCIO EXTERIOR

Índia e Brasil buscam modos de unir suas eco-nomias, que são em vários aspectos complemen-tares. O comércio bilateral tem crescido à taxaanual de 8% desde 2004. Mas pode crescer bemmais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lan-çou um desafio de porte em visita a Nova Delhi,a capital indiana, no início do mês passado: am-pliar o comércio bilateral dos atuais US$ 2,4 bi-lhões para US$ 10 bilhões até 2010.

A CNI e a Confederação das Indústrias daÍndia (CII) já começaram a trabalhar com vistasao cumprimento dessa meta. As duas entidadesdecidiram patrocinar visitas técnicas entre osdois países que terão o objetivo específico deprospectar oportunidades de negócios. A CNIliderou a Missão Empresarial, que acompanhoua visita do presidente Lula, mas seguiu agenda

própria, organizada em parceria com o Itama-raty. Participaram da Missão cem empresários.Eles tiveram vários encontros de negócios naÍndia, entre os quais a instalação do Fórum deCEOs Brasil-Índia, que reúne os principais diri-gentes (chief-executive officers em inglês) das 30maiores empresas dos dois países. A CNI será obraço operacional do Fórum.

O primeiro-ministro ManmohanSingh e o presidente Lula, no mês

passado em Nova DelhiH

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34 INDÚSTRIA BRASILEIRA OUTUBRO 2006

Jawaharlal Nehru, que governou a Índia desde aindependência, em 1947, até sua morte, em 1964,dizia que um país só cresce se investe em pesquisa.E que desenvolver tecnologia é muito mais do queformar engenheiros.

A London Business School pesquisou milempresas, metade no Brasil e a outra metade naÍndia. Descobriu que 40% das empresas brasileirasnão compram mais tecnologia por falta de pessoalqualificado para operar e manter os equipamentos.Na Índia, isso acontece com apenas 20% dasempresas. Um antigo ministro indiano, ao serperguntado sobre as razões da disparada docrescimento do país, resumiu o milagre a três “es”:“education, engineering and english” (educação,engenharia e inglês). Há 30 anos, a Índia formava 20 mil engenheiros por ano. Número equivalenteaos atuais formandos no Brasil. Hoje, forma 500 milengenheiros por ano.

EDUCAÇÃO,ENGENHARIA E INGLÊS

O secretário de Ciência e Tecnologia da Índia(com status de ministro), Thirumalachari Ramasami,que é também presidente do Conselho de PesquisaCientífica e Industrial (CSIR), não esconde o orgulhoao afirmar que a disputa por vagas no InstitutoIndiano de Tecnologia, o melhor do país, superaem procura escolas como o MIT e Harvard.E que os 5.000 formandos já saem empregadosna Índia, ou no exterior.

O CSIR é a maior organização pública do mundodedicada à pesquisa e ao desenvolvimento. Reúne37 laboratórios de matemática, engenharia civil,alimentos, minas, aeroespacial, metalurgia,biotecnologia, novas drogas, reunindo 18 milfuncionários dos quais 8.000 são engenheiros.Dali saíram 80% das patentes registradas na Índia.

Se há alguns anos era uma instituição públicaque, embora reconhecida tecnicamente, padecia dasvicissitudes burocráticas, hoje modernizou-se eaproximou-se do setor privado. Constituiu parceriaspúblico-privadas que incluem a Confederação dasIndústrias da Índia (CII) e tem apresentado

A Índia atravessa um período de economia“dinâmica, competitiva e atrativa”, diagnosticou opresidente da CNI, Armando Monteiro Neto,para quem as relações entre os dois governos, hojesólidas, servem de moldura para a ampliação, pelo

setor privado. Grande parte das opor-tunidades para os brasileiros estão naampliação da precária infra-estruturaindiana, em que o país pretendeinvestir US$ 350 bilhões nos próxi-mos cinco anos, nas áreas de energia(US$ 130 bilhões), ferrovias (US$ 67bilhões), rodovias (US$ 49 bilhões) eirrigação (US$ 11 bilhões). Devemser direcionados US$ 12 bilhões para26 novos aeroportos e algumas deze-nas de portos de pequeno porte aserem privatizados. São números queimpressionam. “O PAC na Índia ébem maior que o brasileiro”, comparao presidente da Findes e diretor daCNI, Lucas Izoton.

No caminho inverso, os indianospodem oferecer aos brasileiros a experiência comparcerias público-privadas, que são uma realida-de nesse país com 28 estados, 22 línguas, 1.600dialetos e população de 1,19 bilhão de habitan-tes que disputam – cada vez mais intensamente

A ÍNDIA VAIINVESTIR

US$ 350 bilhõesem infra-estrutura

nos próximoscinco anos

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 35WWW.CNI.ORG.BR

COMÉRCIO EXTERIOR

resultados positivos em 50% das pesquisasdesenvolvidas com recursos privados, principalmentenos últimos cinco anos. Saíram das cadeiras do CSIRcerca de 60% dos atuais Chief Executive Officers(CEOs) das empresas indianas.

Um dos exemplos flagrantes do sucesso no campoda tecnologia e da inovação é Electronic City, vizinha aBangalore, no sul do país, chamada de Vale do Silícioindiano. Ali se encontram empresas como a Infosys, aprimeira empresa do país a entrar para a bolsa de valoresnorte-americana Nasdaq. Entre prédios modernos egramados bem cuidados circulam engenheiros recém-formados ganhando US$ 500, outros no primeiro ousegundo emprego, que faturam mensalmente US$ 1.000,enquanto um equivalente americano custaria US$ 6.000mensais – os salários são uma das razões do boomindiano no campo de Tecnologia da Informação (TI).

A operação envolve 6.500 pessoas com refeitórios –que incluem grifes globais de alimentação – funcionando24 horas por dia. Afinal, ali o jornalista norte-americanoThomas Friedman criou o conceito de que o mundo éplano, título de seu best-seller.

– os 3,29 milhões de km2 de área. Espaço, hoje,é um fator de crise, bem como o déficit em ener-gia (em 14%, o que obriga a 60% das empresasa terem gerador próprio), o absenteísmo (chega a15% em algumas cidades) e a oferta de trabalha-dores qualificados.

ACORDOS PARADOSO acordo assinado entre Índia e Mercosul em2004 ainda não foi referendado pelo CongressoNacional no Brasil, o que impede novas negocia-ções. A indústria brasileira considera esse acordolimitado, passível de revisão tanto na lista de pro-dutos quanto nas tarifas. Os cortes são substan-ciais basicamente naqueles itens em que as sobre-taxas já são pequenas. “Nossa ambição é ampliara lista, rever as tarifas e expandir as possibilidadesde trocas, parcerias e negócios”, diz o diretor exe-cutivo da CNI, José Augusto Fernandes.

O ministro do Comércio e Indústria da Índia,Kamal Nath, reconheceu a CNI como interfacecom o setor privado brasileiro. Ele disse que exis-tem limitações do comércio entre os dois países e

acena com a possibilidade de ampliação. A Índiaresponde, hoje, por menos de 1% das exporta-ções brasileiras. Óleos brutos de petróleo, sulfetosde minério de cobre e óleo de soja representam48% das vendas. Na mão inversa, o diesel respon-de por quase 50% das exportações indianas parao Brasil. Recente estudo revelou que há muitosprodutos em que a indústria brasileira tem vanta-gem competitiva: algodão, óleo de soja, minériode ferro, papel e celulose, laminados de ferro e deaço, fios de cobre e de níquel, compressores parafrigoríficos, motores, autopeças e automóveis.

“Temos que investir no relacionamento decomércio exterior, levar empresas brasileiras a serconcessionárias de serviço público em outros paí-ses, e a Índia é um grande mercado”, aponta o pre-sidente da Associação Brasileira da Infra-estruturae Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. “In-ternacionalização é uma realidade, mas não umaaventura”, ensina o vice-presidente da Marcopolo,José Martins, que constrói uma fábrica de carro-cerias de ônibus na Índia em parceria com ogrupo Tata, um dos maiores do país.

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DEZ ANOS APÓS A ABERTURA DO MERCADO DE

petróleo, o Brasil terá finalmente uma lei específi-ca para o gás natural. Neste mês, o Projeto de Leido Gás Natural entra em fase final de votação naComissão Especial da Câmara dos Deputados,sem necessidade de passar pelo plenário. Emseguida, irá diretamente ao Senado Federal.A nova lei pode estimular a competição e atrairinvestimentos privados nesse setor. Com regrasclaras, haverá maior segurança jurídica para osinvestidores. O segmento é regulado por portarias

da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e ficasujeito a freqüentes contestações nos tribunais.

As indústrias têm sido responsáveis em grandeparte pelo crescimento no uso do gás nos últimosanos, sobretudo após a instalação do gasodutoBolívia-Brasil. Mas, em maio de 2006, o governoboliviano decidiu nacionalizar suas reservas e a pro-dução e trouxe incertezas a investidores e consumi-dores industriais no Brasil. A escassez de gás atingiuo ponto de a Petrobras se ver obrigada a limitar osuprimento de quem já assinou contratos. Novos

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Rumo à competiçãoLei do Gás deve estimular investimentos privados, elevar a oferta do produtoque é atualmente baixa e trazer concorrência ao mercado

POR ENIO VIEIRA

BRASIL APOSTA no gásnatural liquefeito (GNL),

transportado por navios, paraevitar um racionamento de

energia a partir de 2009

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pedidos de abastecimento pelas empresas são adia-dos. “A insegurança de suprimento inibe inevitavel-mente os investimentos associados à cadeia produ-tiva que tem o gás como insumo”, afirma o presi-dente da CNI, Armando Monteiro Neto.

A CNI realizou, no mês passado, o seminário Gásnatural: marco regulatório e atração de investimentospara avançar nas sugestões ao projeto de lei. O deba-te reuniu empresas, integrantes do governo, parla-mentares, especialistas brasileiros e técnicos estran-geiros. No encontro, ficaram claras duas posições emrelação aos rumos que o setor de gás deve tomar noBrasil. As indústrias, em seu conjunto, defendemmaior competição e maior participação privada nosinvestimentos. Mas para a Petrobras, o setor de gásainda está no estágio inicial no Brasil e a concorrên-cia deveria aguardar seu amadurecimento.

“Há concentração de mercado porque o gás éuma indústria nascente que precisa de um tempopara, aí sim, se chegar à competição”, afirmou noseminário o presidente do Petrobras, SergioGabrielli. O argumento é que a indústria do gásexige investimentos pesados e com retorno delongo prazo. No caso do Brasil, ressalta, o preço dogás não reflete os custos de produção e de investi-mentos e há risco de os novos exploradores do mer-cado não conseguirem retorno. “Se o preço sobe, oconsumidor troca de fonte de combustível e passa ausar lenha, energia elétrica ou gasolina”, explicou.

O presidente do Conselho Temático Permanen-te de Infra-estrutura da CNI, José de FreitasMascarenhas, ponderou que o mercado brasileirotem espaço para entrada de novos investidores epara mais competição em segmentos específicos. “A Petrobras tem uma posição tão dominante econsolidada que não precisa se preocupar com oingresso de concorrentes”, afirma. Para ele, a lei dogás deve buscar os princípios da competição e daflexibilidade. As normas do setor de gás estão implí-citas na lei que abriu o mercado de petróleo em1997 e foram aos poucos definidas pela ANP.

O deputado João Maia (PR-RN), relator daLei do Gás na Câmara, afirma que busca o equilí-brio entre concorrência e proteção de investimen-tos. Em sua proposta, os gasodutos de menorextensão e específicos em certas localidades conti-nuam a ser liberados na forma de autorizações. Os

novos gasodutos de maior porte serão por conces-são por 30 anos, em licitação pública. “A conces-são é a maneira mais transparente”, salientouMaia. Gabrielli discorda, sob o argumento de queas concessões embutem um risco maior do inves-timento, que acaba sendo coberto pelo governo e,portanto, traz custos aos cofres públicos.

A discussão do marco regulatório do gás come-çou em novembro de 2003. Em março de 2005,ficou pronta a primeira minuta do projeto dogoverno. A proposta foi enviada ao Congresso em2006. Para o ministro-interino de Minas e Ener-gia, Nelson Hubner, foi importante excluir doprojeto a parte de distribuição do gás que é res-ponsabilidade dos governos estaduais pela Cons-tituição. Isso evitará as ações de inconstitucionali-dade da nova lei. Os estados de São Paulo e do Riode Janeiro privatizaram o serviço de gás (as empre-sas Comgás e CEG, respectivamente) e criaramregras próprias para regular as concessões.

REGULAÇÃO ESTADUAL“A regulação estadual funcionou muito bem nadistribuição”, afirmou o diretor da Comgás,Carlos Eduardo de Freitas Brescia. Segundo ele, ogoverno paulista licitou o serviço por 30 anos,prazo que poderá ser estendido por mais 20 anos.Em 2011, a empresa perde a exclusividade nosconsumidores residenciais e pequenos negócios. A Comgás abastece oito milhões de residências einvestiu R$ 2 bilhões desde a privatização em 1999.O contrato de concessão incluiu metas de investi-mento e de pontos atendidos. Com a entrada dogasoduto Bolívia-Brasil, houve um aumento con-tínuo de consumo.

O que estava fora dos planos das empresas, queapostaram nessa fonte, é a atual escassez de oferta.Mascarenhas, da CNI, cita o caso da Bahia, quevive uma restrição de fornecimento. “Na petroquí-mica, quando se passa a usar gás, não dá parareverter e buscar outra fonte de suprimento nocurto prazo”, disse ele. As indústrias de cerâmica,vidro, cimento e fertilizantes também são grandesconsumidores de gás em seus processos produti-vos, e não apenas na geração de energia elétrica.

O diretor da Associação Brasileira da IndústriaQuímica (Abiquim) Luiz Antônio Mesquita afir-

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INFRA-ESTRUTURA

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38 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

O mercado de gás natural apresenta desafiosno mundo todo. A União Européia, porexemplo, depende da produção da Rússia, querealizou cortes de fornecimento nos doisúltimos dois anos. A saída para os europeustem sido construir gasodutos a partir da Ásia.“Ainda temos problemas de concentração demercado e de baixa integração entre ospaíses”, diz o consultor Sergio Garribba, doMinistério do Desenvolvimento Econômico daItália, que participou do seminário da CNI.

Nos Estados Unidos, o déficit de gás(demanda maior que oferta) deve passar de16% para 21% até 2030. A solução é importarprodução canadense e gás liquefeito (GNL). Asdificuldades são grandes. “Estamos sofrendooposição de comunidades onde haveráterminais para receber o GNL de outrospaíses”, afirma o diretor de Petróleo e Gás doDepartamento de Energia dos Estados Unidos,Mitchell Baer, outro convidado do seminário.

Na América do Sul, a situação também écomplexa. A Argentina subsidiou o consumode gás. Hoje, vive racionamento porque não seinvestiu o suficiente em oferta. A Bolívia temcontratos de 41 milhões de m3, mas só atende34 milhões. “Os bolivianos precisam deinvestimentos de US$ 50 milhões por ano paradar conta dos contratos”, diz o consultorMarco Tavares, da Gás Energy.

COMPLEXIDADE GLOBAL

ma que a ausência de regras inibe investimentosfundamentais para o mercado de fertilizantes.A falta de gasodutos impede, por exemplo, a che-gada do gás natural a regiões como a de Uberaba(MG). A cidade poderia abrigar uma fábrica deamônia que atenda a agricultura do Centro-Oestebrasileiro. “Sem a produção nessa região do País,os fertilizantes vão continuar sendo transportadosde São Paulo, gerando um tráfego de veículosmuito grande, e a um custo elevado”, ressaltou.

BAIXA OFERTA O abastecimento de gás tornou-se questão crítica.Segundo o consultor Marco Tavares, da Gás Energy,o Brasil teve nos primeiros quatro meses de 2007 aoferta de 48,6 milhões de m3 por dia e a demandade 45 milhões de m3. Os números escondem deta-lhes do problema. Há gás sobrando agora porque osreservatórios das hidrelétricas estão com níveis altosde água e não é preciso usar termelétricas para gerarenergia. “O mercado de gás vem caindo por proble-mas de abastecimento, e a indústria não consegueaumentar seu consumo”, conta.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energé-tica (EPE), Maurício Tolmasquim, estatal que sededica ao planejamento da área, reconhece a faltade gás para todos os consumidores. Mas enfatizaque estão garantidos os contratos assinados com aindústria. “O que há é demanda nova que nãoconsegue ser atendida”, explica. O fornecimentode gás poderá voltar à normalidade no final de2008, quando começam a funcionar os projetosda Petrobras para enfrentar a crise boliviana. Oinvestimento em gás da empresa soma US$ 17,9bilhões até 2011, além de US$ 4,5 bilhões em par-cerias com empresas privadas.

Gabrielli conta que a maior parte do desembolsoserá em 2008. A produção deve passar de 27,5milhões de m3 por dia, em 2006, para 70 milhõesem 2011. Uma parte de 28 milhões de m3 estará dis-ponível no ano que vem nas reservas do EspíritoSanto. Isso equivale à importação da Bolívia. Nofinal de 2008, ficam prontos os terminais de gásliquefeito (GNL), transportados por navios. “Se oGNL não for usado numa região, pode ser levado denavio para outro lugar. Serão 20 milhões de m3 deoferta flexível”, diz o presidente da Petrobras.

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Mauro Mendes Ferreira, presidente da Fiemt.

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AMAURO MENDES FERREIRA

COM O OBJETIVO DE ALIAR O DESENVOLVIMENTO

econômico, a conservação ambiental e a qualida-de de vida da população, o conceito de desenvol-vimento sustentável está sendo discutido incan-savelmente no mundo inteiro nos últimos anos.Satisfazer as necessidades das gerações atuais,sem causar riscos ambientais e sociais para ofuturo, é um desafio de todo o planeta e deve seramplamente debatido por pesquisadores, socie-dade, setor produtivo, governos e organizaçõesnão-governamentais (ONGs).

A indústria tem papel importante na discussãodo tema, e os empresários demonstram compro-metimento com a causa. Levantamento feito emparceria entre o Ministério da Ciência e Tecnolo-gia (MCT) e a CNI mostrou que 33% das maio-res indústrias brasileiras inovam e que um terçodas inovações refere-se à área ambiental, principal-mente por meio da conservação de energia e dareutilização de água.

As exigências do mercado internacional relacio-nadas à produção responsável estão cada vez maisintensas. O chamado selo verde é uma realidade nosmercados desenvolvidos, que exigem a certificaçãode produtos para comprovar produção à base detecnologias ecologicamente adaptadas. Pesquisasmostram que o consumidor prefere produtos dasempresas que respeitam o meio ambiente e contri-buem para a qualidade de vida da comunidade.

Não resta dúvida de que, para ser mais com-petitiva, a indústria precisa de processos sustentá-veis. Do contrário, não sobreviverá. As tecnologiaslimpas são ferramentas essenciais para atender àsnecessidades ambientais. É possível observar pro-

cessos produtivos e detectar em quais etapas asmatérias-primas são desperdiçadas, diminuindoou impedindo a geração de resíduos.

Em Mato Grosso, participamos de discussõesnacionais e internacionais sobre o tema, porqueapenas uma atuação consciente pode consolidar oprocesso de crescimento e de industrialização denosso estado. A Fiemt organiza debates e promo-ve ações, como o projeto Jamanchim, criado paracontribuir no desenvolvimento pleno e sustentávelda atividade florestal, formando técnicos e cida-dãos com conhecimento e capacidade de manejaros recursos naturais.

Formulamos, junto com outras entidades, aproposta de criação de uma ONG ambiental, querepresentará o setor produtivo em diversas frentesrelacionadas ao meio ambiente. Não podemos maisnos omitir da responsabilidade com passivos cons-truídos ao longo de décadas e das ações necessáriasao restabelecimento de políticas e atitudes que via-bilizem o crescimento econômico, mas com pro-fundo respeito ao nosso planeta. Essa ONG terácomo marca ações concretas de recuperação e pre-servação ambiental.

Hoje, mais do que nunca, tornou-se fundamen-tal deixarmos os velhos hábitos e as formas remotasde produção, pois não há mais como ignorar os limi-tes da capacidade de suporte do planeta, já grave-mente afetado pela ação humana. O futuro é feitohoje por nós. O lixo jogado na rua contribui para po-luir o lugar em que vivemos. Devemos todos estaratentos ao papel a ser assumido na sociedade. A má-xima de que “cada um fazendo a sua parte, consegui-remos ter um futuro melhor” é antiga, porém sábia.

Indústria edesenvolvimento As empresas têm papel fundamental na adoçãode produção limpa e na formulação de políticaspara conservar o meio ambiente

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Naturalmentebelo

Embora a inspiração deelementos da natureza

continue marcante, o designde móveis vem sutilmente

ganhando formas maismaduras, sem obviedades

POR NICOLA GORETTI, DE MILÃO

NUMA COMPARAÇÃO LIVRE, PODE-SE DIZER QUE

Milão está para o design de mobiliário assim comoParis está para a moda. No Salão Internacional doMóvel, que acontece na cidade italiana todos osanos em abril, encontram-se designers, empresá-rios, críticos, jornalistas e quem simplesmente seinteressa pelo assunto. Neste ano, a feira contoucom 2.159 expositores, dos quais 524 estrangei-ros, números que demonstram seu alcance global,mas ao mesmo tempo não deixam dúvidas quan-to à hegemonia italiana na área. A ebulição dodesign extrapola os limites de Il Salone, como échamado, e toma conta da cidade, por meio de600 eventos paralelos. Sem contar as lojas dedesign, uma extensão do que ocorre na feira.

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A Magis lançou seuObjeto de Sentar

Patch work dosirmãos Campana Cadeira Passion, da Cassina

Tentar descobrir uma linha a partir do quese apresenta no Salão é trafegar em territórioenganoso. Afinal, as tendências são múltiplas,esquivas e complexas, e a procura de possíveisconclusões também é. Mas pode-se compreen-der um pouco a tentativa do design contempo-râneo de influenciar nossos modos de movi-mento, organização e convívio. Nos últimosdez anos, a produção do mobiliário foi inspira-da por elementos da natureza, o que tem desa-parecido sutilmente, dando lugar a formas maismaduras, menos óbvias. Encostos de cadeiras,tubulações, terminações e detalhes dos estofa-dos seguem silhuetas orgânicas, mas com rigo-rosidade formal.

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 41

DESIGN

O material é o centro do design no momento.Plástico, metal, algodão, capitonê (trabalho detapeçaria com botões costurados no estofado) emcouro são adaptáveis a muitas formas e usos. Hámuitos exemplos entre fábricas italianas. A Kartellaposta no universo do plástico, assim como aMagis, com sua formidável poltrona. Ou melhor,“objeto para sentar”, como se define essa figura derevolução. A Cassina incorpora a elegância docouro no mobiliário futurista do designer PhilippeStark, com uma linha pseudo-oriental das cadeirasPrivé. Na Miss Lacy, o metal é cortado à seme-lhança de um tecido. A Moroso, acertadamente,pesquisa o mundo pós-natural com os produtosda linha Volant: elementos de tecido de tecnologiaperfeita, enganosamente mal-acabados, como sefossem flores ou retalhos.

A segunda qualidade inerente desses novosobjetos é a busca de respostas, ainda que indiretas,a problemas atuais da civilização. Andar de umlado para outro é uma saída num mundo de socie-

dades tão próximas e tão desiguais. Poltronasamorfas criadas pela Campeggi, com encostosdesestruturados ou elementos horizontais adaptá-veis ao corpo, dificilmente vão atingir, num pri-meiro momento, esses migrantes. Mas certamentepodem satisfazer a população jovem e colorida, emmomentos de dolce far niente.

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Sofás Fat, desenhadospor Patricia Urquiolapara a B&B Itália

Parece crochê, mas é plástico,

com assinatura deMarcel Wanders

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A Bonaldo apresenta superfíciesconfortáveis desprovidas, na aparência,de estrutura resistente. O sofá Nuvolafoi pensado para suprir vários elemen-tos de design e decoração: é uma gran-de ilha funcional, suficiente para sero único elemento da sala. Finalmente os belíssimos sofás Fat de PatriciaUrquiola para B&B Itália se asseme-lham a redondos e informes objetospara sentar e deitar. São peças vanguar-distas, de grande elegância.

É, porém, a designer holandesa JellaJongerius quem nos relata, de maneira con-tundente, as qualidades do homem ocioso.No sofá Polder para a empresa alemã Vitra,Jongerius estabelece algumas premissas fun-cionais e formais que se adaptam a essanova maneira de viver. Trabalhar, deitar erealizar quase todas as atividades numasuperfície horizontal, confortável e desa-fiante. Funcional, tecnologicamente avan-çado e artesanal ao mesmo tempo, é atravésdessa peça que Jella nos une de maneiraprovocadora à terceira qualidade perceptívelnos móveis expostos em Milão.

O sofá Nuvola,da Bonaldo, pode

ser elementoúnico na sala

Resposta da Campeggià juventude nômade

Metal cortado comotecido, da Moroso

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DESIGN

A indústria do luxo na Europa trabalha hátempos na busca de combinação design de van-guarda e artesanato local, agregando assim um altovalor aos objetos. Forçada a tantos lançamentos nomercado, ano após ano, a indústria se esforça paramanipular o gosto e a escolha do comprador, ofe-

recendo produtos diferenciados e produzidos empequena quantidade. O resultado é uma rodadade negócios dirigida ao público sofisticado ouendinheirado, que compra móvel de alta tecnolo-gia com acabamento relativamente artesanal.

São três os designers fundamentais que traba-lham em torno da idéia. Os brasileiros irmãosCampana colaboram com uma das empresas maisinteressantes do setor, a Edra. Habilidosos, conhe-cem bem a riqueza do legado da cultura local bra-sileira, reelaborando questões do inconscientepopular em peças de sutil beleza. Depois de anosexperimentando materiais pobres e corriqueiros,utilizam o couro para criar Leatherworks, umasérie de malhas de patch work (trabalho com reta-lhos) superpostas e costuradas sobre corpos decadeiras de simplicidade formal.

O holandês Marcel Wanders é quem nos falada força do trinômio indústria-designer-tecnolo-gia, resultando em algo mais que simples obje-tos. Como um sopro de ar novo e puro, Wanderssubmerge no mundo das miragens, obrigando-nos a observar as coisas mais profundamente.Objetos enormes e fora de escala, elementos detonalidade forte e violentamente decorativose superfícies em cordas amarradas ou rendassem estrutura resistente nos convidam a sentar, literalmente, no ar.

Na linha Volant, da Moroso,as peças parecem retalhos

Marcel Wanders cria miragens comrendas plantadas em vasos eluminárias fora de escala

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HISTÓRIA

Como a construção da escultura do Corcovado apaziguou as relaçõesentre a Igreja Católica e o EstadoPOR CARLOS HAAG

O Cristo da concórdia

OS GREGOS PODEM TER INVENTADO A DEMOCRACIA,mas foram algo autoritários para determinar quaiseram as sete maravilhas do mundo. Em 125 a.C.,Antípatro de Sidón, em um poema, teria enumera-do os monumentos (os helenos não os chamavamde “maravilhas”, mas de Ta hepta Thaemata, “assete coisas dignas de serem vistas”) que mais oimpressionaram no mundo antigo, sem disfarçar asua preferência: “Já pousei meus olhos sobre amuralha da doce Babilônia (a lista original trocavao Farol de Alexandria pelo Portão de Ishtar), sobreos Jardins Suspensos, sobre a estátua de Zeus, vi oColosso do Sol e a obra gigante das altas pirâmides,bem como a tumba de Mausolo. Porém, quando via casa de Ártemis, encimada pelas nuvens, essesoutros mármores perderam seu brilho e penseicomigo: “À exceção do Olimpo, o sol nunca mepareceu tão imenso.”

Neste mês, no dia 7, surgirá uma outra listade maravilhas, já que da antiga, apenas a Pirâmide

de Gizé, no Egito, sobreviveu. Mas, em vez de fru-tos do capricho de poucos, elas estão sendo escolhi-das, até o o próximo dia 6. Espera-se que 60 milhõesde pessoas em todo o mundo dêem seu voto demo-crático para a Fundação Bernard Weber, na Suíça,que organiza o evento.

Entre os candidatos maravilháveis, além deMachu Picchu, do Taj Mahal, da Grande Muralhada China, da Acrópole, da Torre Eiffel, entreoutros, está o Cristo Redentor do Corcovado, car-tão-postal do Rio de Janeiro e do Brasil, que che-gou a receber um abraço do presidente Luiz InácioLula da Silva, um fervoroso cabo eleitoral da está-tua carioca. O notável pouco notado dos pontosque encabeçam a lista das Novas Sete Maravilhasdo Mundo é que todos eles tiveram, em seutempo, um profundo significado político, incluin-do-se o “Cristo turista, de braços abertos, que pro-cura equilíbrio na montanha brasileira”, como odefiniu o poeta Jorge de Lima (1893-1952).

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46 INDÚSTRIA BRASILEIRA JULHO 2007

“Quem olha o Cristo Redentor dificilmente sabe-rá que a estátua significa a consagração do Brasilà soberania espiritual da Igreja, algo que corres-ponde à política eclesiástica de denúncia do lai-cismo, do modernismo e da democracia liberal”,afirma o filósofo Roberto Romano, da Unicamp.“O monumento foi inaugurado em outubro de1931, com a presença de Getúlio Vargas, da altahierarquia católica e do supremo comando dasForças Armadas, simbolizando a superação detensões Igreja-República Velha”, concorda o eco-nomista Carlos Lessa, carioca apaixonado e autorde Rio de todos os Brasis, que define como umabiografia da cidade.

Para Lessa, no alto do Corcova-do ficou consagrada a aproximaçãodo Estado republicano com a Igrejacatólica e situar o Cristo no cumedo morro foi um “desagravo” ao lai-cismo republicano da Constituiçãode 1891. “O monumento no Rio, aBasílica de Nossa Senhora Apareci-da, na estrada Rio-São Paulo, e a au-torização para a instalação de uni-versidades católicas consolidam umprocesso iniciado com a decisão doPapa Leão 13 de elevar o Rio a me-trópole da Província Meridional doBrasil.” Com sua sabedoria milenar,a Igreja escolheu a dedo o lugar on-de fincar sua “bandeira” da vitória.

O Corcovado foi originalmentebatizado em 1502, pelo navegadorflorentino Américo Vespuccio (1454-1512), como Pináculo da Tenta-ção, uma alegoria do Novo Testa-mento: o lugar onde o demônio con-duziu Cristo, tentando-o com ospecados do mundo. O nome nãopegou (os portugueses preferiamassociá-lo ao seu formato, de cor-cunda), mas seu significado não foiesquecido pelo Vaticano. Já em1859, o padre francês Pierre MarieBos, em viagem ao Brasil, ao avistaro morro teve a visão de que aqueleseria um lugar excelente para uma

estátua de Cristo, chegando a procurar a princesaIsabel, notória carola, para conseguir fundos eerguer o monumento. Não teve sucesso, porém.

Um pico de 704 metros, localizado na estrutu-ra frontal da Serra da Carioca, o Corcovado “tevesua formação nos primitivos processos geológicos,contemporâneos da gênese das rochas cristalinas,das fraturas que partiram a crosta terrestre: o mor-ro é um bloco residual entre essas fraturas”, explicaa arquiteta Neuvânia Ghetti, da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ). A iniciativa da aber-tura de um caminho terrestre foi de Dom Pedro 1º,que, ciente do potencial estratégico militar da mon-tanha, dirigiu pessoalmente os trabalhos para abrir

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uma picada até o cimo, onde instalou um semáfo-ro que, por meio de bandeiras, podia alertar sobreeventuais ataques à capital. Mas o imperador nãodesdenhava o lazer e, em 1823, mandou construirum belvedere coberto de sapé.

O filho manteve as manias do pai: em 1873,Pedro 2º reformou o belvedere, que passou a serchamado, pela sua forma, de Chapéu do Sol. Em1882, o imperador concedeu autorização aos enge-nheiros Francisco Pereira Passos e João TeixeiraSoares para construir uma estrada de ferro que usavao então moderno sistema Riggenbach, mais conhe-cido como sistema de cremalheira. Inaugurada em1884, foi a primeira via férrea turística do País e aprimeira a ser eletrificada. No despacho que abriu aconcessão, o conselheiro Manuel Alves do Araújoescreveu: “Estrada de ferro para o Corcovado?Engraçado! Deferido”. Estava lançada a base para aconstrução do Redentor.

Se a Pedro 2º não importava a posição daIgreja, a República, em seu começo, tratou de se-parar o Estado da instituição. Roma, porém, insis-tia numa Igreja unida oficialmente ao Estado. Em1916, o arcebispo de Recife e Olinda, o futurocardeal dom Sebastião Leme, publicou uma cartapastoral em que argumentava ser o Brasil umanação católica e que a Igreja precisava tirar provei-to disso e marcar presença mais intensa na socie-dade. Mas apenas no pontificado de Pio 11(1922-1939) é que o clero nacional começou a semovimentar. Não foi sem razão que, em iníciosdo anos 1920, ressurgiu a idéia do padre francêsde construir um monumento cristão em cima dealguma montanha, nos moldes das grandes mara-vilhas do mundo clássico. Já em 1894, houvequem sugerisse uma imensa estátua de Colombono Pão de Açúcar, idéia substituída, em 1912, poruma enorme imagem de Cristo.

HISTÓRIA

O CORCOVADOno início doséculo 19,quando ganhouum mirante de D. Pedro 1º

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No início, houve dúvida se o Pão de Açúcar nãoseria um lugar melhor para o Cristo. Em 1921, dis-cutia-se também a possibilidade de colocar o monu-mento no Corcovado ou no Morro de SantoAntônio. No ano seguinte, um abaixo-assinado com22 mil assinaturas selou o futuro do Corcovado,cedido pelo presidente Epitácio Pessoa à Arquidio-cese do Rio. Ele também prometeu colaboraçãodo Estado na melhoria dos acessos e uma série desubsídios. A tese do cardeal Leme funcionava atodo vapor, reunindo Igreja, Estado e sociedadenum triângulo ainda não-oficial, como desejava aSanta Sé, mas igualmente poderoso e benéficopara os interesses do Vaticano no Brasil.

No ano seguinte, 1923, o engenheiro cariocaHeitor da Silva Costa (1873-1947) foi escolhido, porconcurso público, para erguer a estátua. O seu proje-to inicial previa um Cristo carregando a cruz e umglobo terrestre, mas Silva Costa logo percebeu queuma forma cruciforme seria bem mais “legível” à dis-tância. O artista plástico Carlos Oswald fez uma sériede esboços em vários ângulos e insolações possíveis.Com esse material, o engenheiro partiu para a Fran-ça para que a estrutura fosse calculada pelo escritóriode Victor Caquot, especializado em estruturas degrande porte, como o Cristo, que teria doze pavi-

mentos internos e solidez capaz de suportar um tufãode até 250 km/h. Faltava apenas o molde.

Silva Costa entrou em contacto com o escultorfrancês Paul Landowski que esculpiu o rosto doCristo (usando de extremo cuidado para não haverdistorção na ampliação) e usou as mãos da tam-bém artista, a brasileira Margarida Lopes deAlmeida, como modelo para as da estátua.Landowski fez maquetes de 50 cm, 1m e 4 m.Enquanto isso, no Brasil, uma campanha reuniu,junto à população, o montante de 2.500 contos deréis para realizar a obra. Aliás, cá, como na França,estava em voga o estilo art-déco, que foi incorpora-do na formatação final do monumento.

MOLDAGEM EM NITERÓIFôrmas em gesso e concreto foram levadas a Nite-rói, onde foram confeccionadas as partes em con-creto armado, que subiriam ao Corcovado em eta-pas, transportadas pelo trem elétrico. A montagemlevou de 1926 a 1931: primeiro fez-se uma estrutu-ra de concreto armado, colocando-se sobre ela aspartes com a forma da imagem. O Cristo foi mon-tado, assim, da cabeça para os pés. Apenas a cabeçaera composta de mais de 50 pedaços distintos.Sobre a escultura, colocou-se, para manter o con-

junto em pé diante doforte vento, uma malhametálica que foi cober-ta com pedaços trian-gulares de pedra sabão,uma homenagem aosprofetas do Aleijadi-nho, bem como ummaterial resistente àsintempéries, capaz desuportar bem variaçõesde temperatura. Alémdisso, era uma precau-ção: a visão dos bolche-viques, derretendo ima-gens metálicas do czare dos santos para apro-veitar o metal, haviadeixado marcas na ca-beça da elite brasileira,laica ou não.

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VARGAS aoVaticano: "Que

esta imagemseja símbolo dovosso domínio"

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Entre os encarregados da obra estava um judeu,Heitor Levy, que, reza a lenda, admirado pela está-tua, converteu-se ao catolicismo e colocou um papelcom a sua árvore genealógica numa garrafa que mis-turou com a massa de concreto do coração da ima-gem. Em 1931, menos emotivo, o cardeal Lemecriou a Ordem Arquidiocesana do Cristo Redentorpara administrar o monumento e sua inauguração.

A obra surgia no momento ideal: embora aRevolução de 1930 tivesse atrasado sua festa deapresentação, o movimento, que depusera as estru-turas da República Velha, atendia às preces da Igreja,que viu a chance de ouro de reunir novamente cleroe Estado, apesar do ateísmo de Vargas.

Em 12 de outubro daquele ano, Vargas e a Igrejasubiram juntos o Corcovado e, ao descerem, o cato-licismo foi reentronizado como a religião oficial doPaís. Apesar da ousadia do cardeal, Getúlio enten-deu bem o recado do Vaticano, claro no discurso docardeal Leme: “Que esta sagrada imagem seja o sím-bolo do vosso domínio, do Vosso amparo, da Vossabênção que paira sobre o Brasil e os brasileiros.”A Igreja e o poder laico novamente estavam juntos.Vargas, sábio, viu que era bom.

HISTÓRIA

Menos feliz foi a idéia de se unir tecnologia ereligião no evento. O cientista italiano MarconiGuglielmo foi convidado a inaugurar a ilumina-ção do monumento, por meio de um sinal elétri-co transmitido de seu iate, na baia de Nápoles,que seria retransmitido até chegar ao Rio deJaneiro. A coisa não funcionou e, sem que nin-guém percebesse, um major, o futuro escritorGustavo Corção, acionou, lá do Corcovado, asluzes em nome do progresso.

Para a Igreja, no entanto, tudo foi uma maravi-lha. Até hoje a instituição detém os direitos sobrea imagem do Cristo e foram vários os casos em quese vetou seu uso, como no carnaval de 1989, emque a Beija-Flor tentou entrar no Sambódromousando uma imagem do Cristo cercada por lixo noenredo Ratos e Urubus. Vetado, Joãozinho Trintacobriu o Cristo de plástico preto e escreveu:“Mesmo proibido, olhai por nós.” Mas isso não éprivilégio da arte. Em 2001, um desfile de maiôscom o Cristo estampado foi reprovado por domEugênio Sales, que igualmente irou-se quando ojogador Ronaldinho abriu os braços, imitando aestátua numa propaganda de pneus.

O ESTILO ART-DÉCO estánas linhasda escultura

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50 INDÚSTRIA BRASILEIRA

CADA UM NA SUANos últimos cinco anos, 1,2 milhão de mulheres foraminternadas por provocar o aborto de forma clandestina.É necessário um plebiscito para decidir se issocontinuará assim

Danuza Leão, colunista da Folha de S. Paulo

DEPOIS DA VISITA DO PAPA AO BRASIL, O TEMA DA

atualidade é o aborto, e são várias as opiniões arespeito. Há os que defendem que a vida come-ça a existir na hora em que é concebida, jáoutros dizem que só depois de cinco semanas sepode considerar o feto como um ser humano, e ainda outros – geralmente os favoráveis aoaborto – que lutam para que até 12 semanas oshospitais públicos atendam as mulheres que nãoquerem – ou não podem, seja por que razão for– ter esse filho.

Em cinco anos, cerca de 1,2 milhão de mulhe-res que provocaram o aborto das maneiras maisprimitivas tiveram que se internar para salvar suasvidas – e muitas morreram; a Igreja proíbe o usoda pílula, da camisinha, da pílula do dia seguintee continua firme: o ato sexual existe somente paraa procriação. Dê uma volta no seu quarteirão, per-gunte às pessoas que encontrar – jovens, homens,mulheres, de qualquer classe social – o que achamdisso, e depois me conte o resultado dessa peque-na pesquisa. Aliás, não precisa nem me contar,porque eu já imagino.

Os séculos passam e a Igreja não quer ver queo mundo mudou, por isso perde tanto fiéis. E nãose pode dizer que a visita do Papa tenha sido umsucesso: a missa em Aparecida tinha muito menosgente do que esperavam.

O Vaticano, que impõe suas leis, é todo for-mado por homens – as freiras não têm voz paranada. Não estou fazendo a defesa do aborto; ape-nas querendo mostrar que o mundo masculino

não tem o direito de ditar regras num assuntoque só diz respeito às mulheres, e a mais nin-guém. Algum bispo ou cardeal jamais passoupela angústia de um estupro ou da possibilida-de de ter mais um filho, sem ter como criá-loe alimentá-lo?

Segundo O Globo de 20 de maio, o ícone dacampanha contra o aborto é um bebê que nãofala, não anda, não escuta e não enxerga. A anen-cefalia desse bebê foi diagnosticada aos quatromeses de gravidez, e segundo os médicos, ele nãoteria mais do que dois dias de vida, mas a mãe,religiosa, quis tê-lo. Aos seis meses ele continuavivo; mas pode-se chamar isso de vida?

Fala-se em fazer um plebiscito, como fizeramsobre a posse de armas, mas nem isso os católi-cos admitem. Se ele acontecer, e os que são con-tra o aborto vencerem, vai ser tudo igual: asmulheres continuarão abortando, e se é de vidaque se está falando, arriscando as suas. Mas essasnão importam ao Vaticano.

Que venha o plebiscito, mas que alguémtenha a coragem de estipular que, nele, só asmulheres podem votar. Não estou fazendo a apo-logia do aborto, repito, mas acho um absurdoque os homens interfiram num assunto que sódiz respeito a nós, mulheres.

Se os padres acham que elas estão pecando,que rezem por elas, pedindo para que, quandochegar a hora, Jesus as perdoe, mas que fiquemfora da discussão. Porque desse assunto eles nãoentendem nada.

DANUZA LEÃO

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AASSUNTOPESSOAL

JULHO 2007