As medidas coercitivas aplicadas à execução de entregar coisa e...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Milena de Oliveira Guimarães As medidas coercitivas aplicadas à execução de entregar coisa e de pagar quantia DOUTORADO EM DIREITO Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Processual Civil, sob a orientação do Prof. Dr. Donaldo Armelin. São Paulo 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Milena de Oliveira Guimarães

As medidas coercitivas aplicadas à execução de entregar coisa e de pagar quantia

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Processual Civil, sob a orientação do Prof. Dr. Donaldo Armelin.

São Paulo

2010

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BANCA EXAMINADORA

Aos meus pais, Pedro e Sonia Lucia, mais uma vez e sempre.

AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a meu orientador, Dr. Donaldo Armelin, que, por não

menos de dez anos, acompanha meu crescimento intelectual. Devo-lhe muito.

A meus amigos queridos que, apesar de não compartilharem do estudo da ciência

jurídica, ainda assim participaram ativamente da conclusão deste trabalho com seu

apoio incondicional e incentivo, cujas palavras afetuosas ficarão para sempre

gravadas nas entrelinhas.

À Patrícia Rosolen, pelo auxílio na tradução dos textos estrangeiros.

A meus colegas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, pela compreensão,

sobretudo pelo estímulo.

Em especial, ao querido Prof. Germano Aleixo Filho, da Universidade Federal de

Mato Grosso, pela criteriosa revisão do texto.

Na leitura de uma tese, algo muito semelhante se dá quando um livro

escrevemos. Não obstante o empenho desmedido com que sobre ela

nos debruçamos, não foi produzida para ser palavra final em relação

ao tema elegido.

Apropositado o pensar de Umberto Eco, em O nome da Rosa: “Os

livros não são feitos para acreditarmos neles, mas para serem

submetidos a investigações”.

Embora confira um que outro avanço, toda e qualquer tese, apenas

concluída, está aberta a inevitáveis críticas, indispensáveis para que a

ciência não se estrague. Não outro seu sentido, portanto, que não o de

entreabrir novos estudos, resignando-se, desde logo, à sorte de vir a

caducar. (Germano Aleixo Filho)

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo sugerir soluções compatíveis com o sistema

processual civil para a efetividade da tutela jurisdicional executiva, notadamente,

para a problemática do descumprimento das ordens judiciais. Partiu-se da

conceituação da decisão mandamental como tutela executiva, por comportar

medidas executivas como meio de compelir o recalcitrante ao cumprimento do

comando judicial contido na decisão. Nessa linha, houve a intenção de aproximar as

obrigações de entregar coisa e as de pagar quantia, agasalhando-as sobre a

proteção do comando judicial imperativo, que exorta ao cumprimento, sob risco de

sanção. Trazendo a lume as medidas coercitivas aplicáveis ao devedor renitente, no

sistema do common law, à moda do contempt of court, buscou-se ressaltar a eficácia

dos provimentos executivos, com evidente superioridade em relação às parcas

medidas de apoio permitidas no processo civil brasileiro. Deve-se ter presente que

uma tutela executiva efetiva depende de uma ordem jurídica que coloca o respeito à

administração da justiça como corolário do devido processo legal. Conclui-se a

imprescindibilidade, para a efetividade da tutela executiva, do apoio das medidas

coercitivas – como a prisão civil e a multa diária – nas situações autorizadas pelo

ordenamento jurídico, no fim último de sancionar o devedor recalcitrante.

Palavras-chave: Direito Processual Civil. Execução. Efetividade. Medidas coercitivas.

Contempt of court.

ABSTRACT

The present study aimed at presenting compatible solutions to the civil procedural

system for the effectiveness of the enforcement, mainly, for the problematic

disobedience of the judgments. The process for enforcing requires coercive methods,

as civil prison or fines, compelling contemnor to enforce the order contained in the

decision. In this line, it had the intention to approach the specific performance and

the money judgments, and giving them an imperative protection from the Court order.

The contempt of court institute was mentioned, that is, a typical institute of the

common law system, whose aim is to assure the dignity of justice by imposing

coercive and punishing procedures. After comparing the both systems – civil law and

common law – the civil contempt was emphasized, a coercive procedure aiming to

force him to execute the judicial order. An effective enforcement depends on respect

to the administration of justice as corollary of due process of law.

Word-key: Civil Procedural Law. Enforcement. Effectiveness. Coercive methods.

Contempt of court.

NOTA

As citações em língua estrangeira foram traduzidas livremente, encontrando-se no

corpo do texto em forma de paráfrase e, ocasionalmente, com sua transcrição nas

notas de referência. Optou-se por essa forma visando facilitar a leitura daqueles

textos que trazem contribuições autênticas às ideias apresentadas. Buscou-se ser

mais fiel à mensagem que o autor estrangeiro pretendia transmitir do que à

literalidade do texto original. Eventualmente, isso pode ter acarretado a perda de

alguma sutil nuança contida nas entrelinhas, mas, sem dúvida, proporcionou à

autora maior precisão na exposição das ideias principais da tese.

LISTA DE ABREVIATURAS

Ac. - acórdão

Ag. - Agravo

art. - artigo

Ap. - apelação

Câm. - Câmara

CC - Código Civil

CF - Constituição Federal

Cf. - conforme

cit. - citado; citada

CP - Código Penal

CPR - Civil Procedure Rules

CPC - Código de Processo Civil

Des. - Desembargador

DJU - Diário Oficial da Justiça da União

DJe - Diário da Justiça Eletrônico

ed. - edição

e.g. - exempli gratia

EM - Emenda Constitucional

HC - habeas corpus

j. - julgado em

loc. cit. - loco citato

Min. - Ministro

MS - mandado de segurança

n. - número; números

op. cit - opere citatum

p. - página; páginas

p. ex. - por exemplo

rel. - relator

REsp - recurso especial

RExt - recurso extraordinário

RMS - recurso em mandado de segurança

RHC - recurso em habeas corpus

RT - Revista dos Tribunais

ss. - seguintes

STJ - Superior Tribunal de Justiça

STF - Supremo Tribunal Federal

t. - tomo

T. - Turma

TJRS - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

v. - volume

v.u. - votação unânime

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 14 1. A TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA E AS TÉCNICAS PROCESSUAIS DE ATUAÇÃO 17

1.1. Primeiras considerações: pretensão, tutela jurisdicional e técnicas de atuação 17 1.2. A tutela final e antecipada, repressiva, preventiva, genérica (pelo equivalente em dinheiro) e específica 20 1.3. Os provimentos executivos: condenatório, executivo lato sensu e mandamental (repercussão física) 23 1.4. A tutela executiva 30 1.5. A técnica processual adequada determinada pela natureza do direito material 33 1.6. Execução direta e indireta 35

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO 40

2.1. A relevância das origens históricas 40 2.2. A evolução da atividade executiva no direito romano 41 2.3. A execução de sentença no direito medieval (intermédio) 52 2.4. A evolução da atividade executiva após a Idade Média 55 2.5. O título executório: considerações prévias 56 2.6. A evolução histórica da ação de execução no Direito Processual brasileiro 57 2.7. A actio iudicati romana e a execução de título judicial no CPC de 73: traços distintivos 59

3. O TÍTULO EXECUTIVO NA ATUAL SISTEMÁTICA 62

3.1. O título executivo 63 3.1.1. As teorias sobre a natureza jurídica do título executório 66

a) O título como atestação do crédito: pensamento de Furno 66 b) O título como ordem de serviço: doutrina de Goldschmidt 67 c) Teoria da legitimação: concepção de Binder 67 d) O título como prova legal do crédito: a teoria de Carnelutti 68 e) O título como portador da sanção: a teoria de Liebman 69 f) Teoria eclética: pensamento de Andolina 70

3.1.2. A divergência nos conceitos 71 3.2. O título executivo como ficção jurídica 72 3.3. As impropriedades da Lei n. 11.323/06: sobrevivência do

instituto do título executivo 76 3.4. Fim da dicotomia entre cognição e execução 79

4. OS PROVIMENTOS JUDICIAIS EXECUTÁVEIS 82

4.1. Do provimento executável oriundo de contrato e oriundo de lei 86 4.2. O conteúdo executável da tutela jurisdicional oriunda dos arts. 461, 461-A e 475-I do CPC 92 4.3. Breves comentários acerca da obrigação de fazer e não fazer 94 4.4. Da obrigação de dar coisa distinta de dinheiro 97 4.5. Da obrigação de pagar quantia 100 4.6. Da relação intrínseca entre a obrigação de entregar coisa e a obrigação de pagar 104 4.7. Da relação entre obrigação de entregar coisa e obrigação de fazer 105 4.8. A impropriedade da sentença condenatória 107 4.9. O provimento judicial que determina o pagamento e a entrega de coisa distinta de dinheiro: o problema da classificação 114

5. A (IN) EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA 119

5.1. A força das decisões judiciais – a questão da executividade Intrínseca 119 5.2. A ordem judicial: eficácia mandamental contida nos provimentos executivos 121 5.3. A almejada frutuosidade da tutela executiva 125 5.4. O Contempt of Court no procedimento executivo e a premente necessidade de preservação da dignidade da justiça 127 5.5. Imprescindibilidade das medidas executivas (coercitivas e punitivas) na busca da tutela efetiva 133 5.6. A inegável superioridade do sistema executivo do Common Law sobre o romanístico – o papel do Contempt of Court 139

6. A EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS NO SISTEMA DO COMMON LAW 145

6.1. Raízes históricas 145 6.2. Equitable remedies: injunction e specific performance 151

6.2.1. Injunctions 152 6.2.2. Specific performance 157

6.3. Enforcement of a judgment 158 6.4. O instituto do Contempt of Court na execução de quantia 163

7. O CUMPRIMENTO DO COMANDO JUDICIAL EXECUTIVO E AS MEDIDAS COERCITIVAS 173

7.1. Primeiras considerações: regras, princípios e valores 173 7.2. Princípios que norteiam a tutela executiva efetiva 177

7.2.1. O direito fundamental à tutela executiva efetiva – princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional 177 7.2.2. O princípio da nulla executio sine titulo e a execução sem título 180 7.2.3. A relativização do princípio da tipicidade das medidas executivas 182 7.2.4. O princípio da lealdade processual e o Contempt of Court 185 7.2.5. O princípio do respeito à dignidade humana e a execução pelo meio menos gravoso para o devedor 189

7.3. As medidas coercitivas possíveis – a almejada efetividade da tutela executiva 193 7.4. As medidas coercitivas na obrigação de dar coisa 202 7.5. As medidas coercitivas na obrigação de pagar 209 7.6. A possibilidade de alteração da medida executiva imposta diante de sua ineficácia 218 7.7. Os poderes do juiz, a racionalidade no uso dos meios executivos e os limites da atuação jurisdicional 221

CONCLUSÕES 232 REFERÊNCIAS 235

14

INTRODUÇÃO

Não há o objetivo de abordar as consequências práticas da inserção

no sistema processual da Lei n. 11.232/05, mas ir além. A ideia germinal foi analisar

as transformações mais profundas, operadas nas bases teóricas do Processo Civil.

Os conceitos de sentença condenatória, de título judicial, de ação e

procedimento, antes solidificados, sofreram consideráveis abalos com a nova

alteração legislativa. Até mesmo a famigerada classificação das sentenças foi

forçada a retornar à cena, em novo contexto. Pode-se chegar ao extremo de

reconhecer que houve a transformação da natureza jurídica de determinados

institutos, como se tivessem renascido sob nova roupagem.

Mas, nessa nebulosa atmosfera, continua em pauta a questão da

efetividade da tutela executiva e as medidas de apoio que a acolitam.

A efetividade do processo não admite a resistência injustificada ao

cumprimento dos provimentos judiciais. Daí as modificações drásticas

transformadoras do sistema.

Para tanto, urge a necessidade de evidenciar a desconstrução do

processo executivo, que se deu paulatinamente, com as alterações nas regras que o

regulam, por meio das Leis n. 8.952/94, n. 10.444/02 e, recentemente, n. 11.232/05,

que fulminou com sua autonomia em relação ao processo de conhecimento.

As drásticas modificações efetuadas nas regras disciplinadoras do

procedimento executivo, resultaram na morte da modalidade da sentença, até então

15

chamada de condenatória e, consequentemente, no esvaziamento do conceito de

título executivo judicial.

E as velhas crenças impedem a constatação de algumas verdades

jurídicas que atualmente permeiam o sistema: a primeira delas é que não há a

distância imaginada entre o dever de entregar coisa e o dever de pagar quantia, pois

ambas as tutelas implicam a mesma “obrigação de dar”; a segunda, é que a tutela

executiva prescinde do título judicial para a produção dos efeitos pretendidos.

A nova sistemática adotada guarda a tendência de sintetizar, na

mesma tutela executiva, as várias modalidades de pretensões substanciais, cuja

satisfatividade vai depender, tão somente, do tipo de técnica processual executiva a

ser empregada.

Sem desprezo das louváveis intenções do legislador e levando em

conta a grande envergadura jurídica daqueles que participaram ativamente do

projeto, o confronto das novas regras com os costumes arraigados dos operadores

redundou em aparente retardamento dos efeitos almejados.

Na tentativa de rascunhar a equação de uma tutela executiva efetiva, e

frutífera, o legislador se esmerou em reparar a construção normativa, mas não

atentou para a grande verdade que sustenta o Direito: a lei caminha sempre atrás da

sociedade.

Evidencia-se, nesse espaço, a diferença no comportamento da

sociedade alicerçada em um direito costumeiro e daquela eminentemente positivista,

quanto ao tratamento dado ao devedor recalcitrante que, apesar da higidez

patrimonial, insiste em descumprir a ordem de pagar.

16

A incidência das técnicas executivas de coerção, análogas às sanções

do contempt of court dos países da common law, desde que com o devido tempero,

ensejam maior efetividade à tutela executiva.

A proposta não é a simples importação desses institutos, um tanto

quanto incompatível com a sociedade típica dos países de tradição jurídica

romanística, mas, sim, analisar o comportamento das medidas repressivas que já

existem no sistema processual brasileiro e aplicá-las, com coragem e seriedade,

amparados pelos princípios calibradores da ordem jurídica.

17

1 A TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA E AS TÉCNICAS PROCESSUAIS DE

ATUAÇÃO

1.1 Primeiras considerações: pretensão, tutela jurisdicional e técnicas de atuação

A noção de tutela pode corresponder, amplamente, ao conjunto de

regras de conduta que formam um ordenamento jurídico (direito objetivo), ou seja, a

garantia proporcionada pelo Estado contra a lesão ou a ameaça de lesão a um

direito é chamada tutela de direitos. Contudo, pode ser necessário se recorra ao

Poder Judiciário a fim de obter, por meio da atividade jurisdicional, a tutela de

direitos; é a chamada tutela jurisdicional de direitos.

Segundo Dinamarco1, tutela jurisdicional é o amparo que o Estado

ministra a quem tem razão em uma demanda. Tutela significa ajuda, proteção. E é

jurisdicional a proteção outorgada mediante o exercício da atividade do juiz, a fim de

que o sujeito, por ela beneficiado, obtenha, no plano da realidade, uma situação

mais favorável do que aquela em que antes se encontrava.

É corrente, em doutrina, a afirmação de que a tutela jurisdicional se

presta a garantir os efeitos substanciais em favor do vencedor, ou seja, a tutela

jurisdicional é o resultado final do exercício da jurisdição em favor de quem tem

razão.2 Contudo, é preciso esclarecer que não se trata de designar por tutela

jurisdicional apenas a sentença procedente em favor do autor, pois a tutela não

1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 807ss. 2 Cf. YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999. p. 28.

18

reside na sentença em si enquanto ato processual, mas, sim, nos efeitos que ela

projeta para fora do processo e sobre as relações entre as pessoas.

A tutela jurisdicional se realiza em dois planos: o da fixação de

preceitos reguladores da convivência (plano do direito material) e o das atividades

destinadas à efetividade desses preceitos (meios de atuação).3

Como explica Dinamarco4, não só o litigante vitorioso recebe a tutela

através do processo, mas também outros entes ou valores que de algum modo

recebem os efeitos do exercício da jurisdição.

A pretensão, entendida sob a ótica da teoria subjetiva da ação, se

biparte em dois conceitos distintos: a pretensão processual e a pretensão

substancial.

A pretensão qualificada como processual se manifesta no interesse à

obtenção da tutela jurisdicional útil e adequada. De sua vez, a pretensão qualificada

como substancial representa, no processo, a afirmação da existência de um direito

material a ser reconhecido e realizado por meio da tutela jurisdicional.

Nesse aspecto, a pretensão processual estaria intrínseca à condição

da ação, ao passo que a pretensão substancial representaria o mérito da causa, ou

o pedido aduzido em juízo.

Tanto uma quanto outra estão a merecer o amparo judicial, pois,

dentro da sistemática atual do processo, é necessária a averiguação da existência

do direito de ação para, num passo seguinte, analisar a procedência do pedido.

Essas considerações são relevantes ao entendimento da correlação

existente entre a pretensão de direito material, a tutela jurisdicional adequada e as

3 Cf. DINAMARCO, Fundamentos..., cit., p. 809. 4 Ibid., p. 816.

19

técnicas processuais que possibilitam a tutela à pretensão aduzida ou, em outras

palavras, a possibilidade de conferir ao jurisdicionado aquilo que lhe satisfaz,

efetivamente.

Ao aduzir o pedido, o autor indica o bem da vida almejado e o tipo de

tutela jurisdicional que julga adequada a lhe conferir esse bem da vida (pretensão

substancial).

É sobre essa dualidade que repousa a concepção acerca da mitigação

do princípio da congruência entre o pedido e a sentença.

Ademais, como bem profetizou Karl H. Schwab5, “tenemos pues que lo

decisivo es siempre la solicitud interpretada. Para interpretarla debe recurrirse aL

estado de cosas”.

Diante da possibilidade de o julgador optar por medida diversa da

pleiteada pelo demandante, por ser mais adequada a lhe propiciar o bem da vida

almejado, o pedido – especificamente o pedido imediato – rompe suas amarras

pragmáticas e admite ser “interpretado” pelo julgador que, para tutelar

adequadamente a pretensão substancial, sem extrapolar os efeitos esperados pelo

demandante, pode se utilizar de “outras” medidas cabíveis. Tal é o que ocorre nas

demandas executivas lato sensu, ex vi do art. 461, § 5º, do CPC.

Em outras palavras, a perspicácia no emprego da técnica processual,

que mais se amolda à pretensão, auxilia na efetividade da tutela jurisdicional

esperada pelo demandante.

Nessa perspectiva, fica clara a afirmação de que a tutela executiva,

para sua maior efetividade, depende do emprego das técnicas processuais

5 SCHWAB, Karl Heiz. El objeto litigioso en el proceso civil. Buenos Aires: E.J. E. A, 1968. p. 243.

20

adequadas, especificamente dos meios executivos capazes de proporcionar os

efeitos pretendidos.

Tome-se, por exemplo, o contido no art. 461 do CPC. Em seu § 3º, o

dispositivo autoriza a concessão da tutela inibitória (preventiva), em sua forma

antecipada. E, em seu § 5º, o legislador deixa ao alvitre do magistrado a escolha da

medida executiva adequada a proporcionar ao jurisdicionado a satisfação de sua

pretensão substancial.

Como se vê, os conceitos de pretensão, tutela jurisdicional e técnicas

de atuação estão intrinsecamente relacionados.

1.2 A tutela final e antecipada, repressiva, preventiva, genérica (pelo equivalente

em dinheiro) e específica

A tutela plena seria a otimização do resultado do processo, a real

satisfação da pretensão da parte; ao passo que a tutela jurisdicional concedida ao

vencido seria uma tutela de menor intensidade e estaria restrita ao tratamento justo

conferido, de modo que o vencido não seja sacrificado além dos limites do razoável

para a efetividade da tutela devida ao vencedor.

Desse modo, o provimento jurisdicional deve proporcionar a eficácia

adequada à produção dos efeitos pretendidos pelo autor, e resultar na tutela da

pretensão do demandante. Por outro lado, ao vencido cabe a eficácia declaratória

negativa do pedido do autor, que seria a tutela jurisdicional conferida a ele.

O artigo 273 do CPC fala em antecipar os "efeitos" da tutela

jurisdicional. Tal afirmação implica confundir sentença com tutela. Em verdade, o

21

que se antecipa é a própria tutela em si, dado que a decisão judicial não é a tutela,

mas, sim, um ato processual destinado a proporcionar a tutela a quem tenha direito.6

Portanto, a tutela é o resultado da decisão judicial. Esta, sim, possui eficácia.

Fala-se ainda em tutela específica e tutela genérica (ou pelo

equivalente em dinheiro).

A tutela específica é a obtenção, pela parte, daquilo que constitui

objeto de sua pretensão, ou seja, a realização da tutela específica implica a

satisfatividade plena, ou a restauração do idêntico interesse sacrificado pela

violação. O que não guarda relação com a satisfatividade da decisão judicial,

porquanto a sentença pode proporcionar satisfatividade, mas não a tutela específica.

Assim, em se tratando de obrigação contratual, a tutela específica poderia ser

aquela que confere ao autor o cumprimento da obrigação inadimplida, seja a

obrigação de entregar coisa, seja a de pagar soma em dinheiro, seja a de fazer ou

não fazer. E a tutela que confere ao autor o desfazimento daquilo que não deveria

ter sido feito é tutela específica da obrigação de não fazer.

A tutela pelo equivalente não resulta na outorga do bem da vida

pretendido pelo demandante; mas lhe entrega, em dinheiro, o correspondente ao

objeto litigioso. A tutela genérica se expressa pela conversão da prestação em

pecúnia.

Representa a tutela repressiva, que ainda pode ser denominada de

tutela reparatória ou sancionatória, aquela que tem por objeto uma sanção. Ou seja,

a aplicação de uma sanção, ou punição, corresponde à pretensão do demandante

nas situações em que ocorreu a lesão ou o ilícito.

6 Cf. DINAMARCO, op. cit., p. 813.

22

Por sua vez, a tutela inibitória consiste na prevenção em si mesma;

melhor dizendo, o resultado querido é justamente que não ocorra o ilícito. A tutela

inibitória não visa punir aquele que pode praticar o ilícito, mas impede que o ilícito

seja praticado.7

É comum, ainda, a doutrina fazer referência às denominadas tutelas

diferenciadas, cuja conceituação pode ter, como referenciais, o iter procedimental

em que se situa ou a qualidade do direito material objeto da lide, a pedir uma técnica

processual mais adequada a ele, para proporcionar efetividade.

Como bem adverte Donaldo Armelin8, “presentes diferenciados

objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há por

que se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis à sua

corporificação. A vinculação do tipo de prestação à sua finalidade específica espelha

a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o seu

tônus de efetividade”.

Ou, ainda, a tutela jurisdicional diferenciada pode ser entendida como

a garantia processual que permite a alteração de uma realidade em menor espaço

de tempo e de maneira satisfatória ao titular de um direito, outorgando o bem da vida

ou a situação jurídica desejada.9

Na definição de Ovídio Baptista da Silva, a tutela diferenciada significa

"aderência do instrumento processual às peculiaridades do direito material posto em

causa".10

7 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 39. 8 ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 65, jan./mar.1992, p. 45. 9 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pp. 189 e 190. 10 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 192.

23

Exemplo de tutela diferenciada se encontra no art. 1.102a a 1.102c do

CPC, com as devidas alterações dadas pela Lei n. 9.079/95, que introduziu a

chamada ação monitória.

1.3 Os provimentos executivos: condenatório, executivo lato sensu e

mandamental (repercussão física)

Ao abordar o tema da tutela jurisdicional, é preciso mencionar a

celeuma existente acerca de uma possível “classificação” entre as várias eficácias

que uma tutela jurisdicional pode guardar.

No entanto, não há intenção de discorrer exaustivamente sobre as

classificações de ações ou sentenças trazidas pela doutrina, tão somente pontuar as

ideias úteis ao deslinde dessa exposição, principalmente no que toca à sentença

condenatória.

Em justificativa, vale citar, a inspirada observação de Luiz Guilherme

Marinoni, ao criticar a insistência da doutrina em classificar ações:

[...] toda e qualquer classificação das sentenças tem uma visível

relatividade histórica, já que os seus conceitos dependem do Estado

e da legislação processual em que estão inseridas. De modo que

toda classificação de sentenças é transitória, sendo desta forma

equivocado imaginar que uma classificação possa se eternizar,

como se as classificações devessem obrigar os juristas a ajeitar as

novas realidades aos antigos conceitos. 11

11 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHAT, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 3. p. 115.

24

A doutrina clássica defende a classificação das “ações”, mesmo

afirmando que ela é abstrata. A teoria da classificação tríplice das ações estabelece

a existência da ação declaratória – utilizada quando o demandante pretende a

declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica –, a ação

constitutiva – em caso de o demandante pretender a formação, a modificação ou a

extinção de uma relação jurídica – e, ainda, a ação condenatória – na situação em

que demandante pretende a formação de um título executivo judicial.

Outra parte da doutrina prefere falar em classificação de sentenças ou

espécie de provimento jurisdicional.

Moacyr Amaral Santos12 chega ao cúmulo de falar em classificação

das “ações de conhecimento”, “ações de execução” e “ações cautelares”, como se o

tipo de procedimento fosse capaz de dar contornos próprios ao direito subjetivo e

abstrato da ação. Ou, ainda, como se o procedimento – concebido como forma do

processo – pudesse também formatar a ação.

Merece destaque a classificação propagada por Pontes de Miranda,

conhecida como a classificação “segundo a eficácia preponderante da sentença”,

entendendo que uma sentença pode ser qualificada de declaratória, constitutiva,

condenatória, executiva ou mandamental.

Pontes de Miranda13 adverte que, na jurisprudência, por falta de

conhecimentos de direito processual, se encontram erros infantis quanto às

sentenças, sua natureza, sua classificação e também com relação aos seus efeitos.

E que um deles é o resultante da atitude de ignorar a diferença de “peso” das

“forças” contidas no provimento judicial

12 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 174. 13 MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, t. 1. p. 117.

25

Leciona o mestre que a ação é de condenação, porque o elemento

“condenação” (à prestação) aparece mais do que nas outras classes de ações, e a

prova disso é que a ação de condenação é também declarativa, pois que a sentença

do juiz, que condena, declara a existência ou a inexistência de relação jurídica, e

aplica a lei; e ainda constitui, porque se constitui em si mesma; e manda, porque há

no juiz, ineliminável, o mandamento. 14

O entendimento de Pontes de Miranda15 é distinto do apregoado pelos

processualistas até 1939. Ele defende sua posição ao afirmar que, para que seu

entendimento fosse destruído, seria preciso se apontasse, pelo menos, uma

sentença pura de condenação, outra de declaração, outra de constituição, outra de

mandamento, outra de execução. “Não há. Nem nunca houve.”

Afirma, in verbis:

(...) a existência de elemento declarativo em todas as sentenças,

estabelecendo-se doses diferentes entre elas, ainda entre as

executivas e as constitutivas, afasta a possibilidade de se poder

enunciar, a priori, que tal sentença, por ser constitutiva, ou

executiva, não faz coisa julgada material. A distinção de classes de

sentenças que produzem coisa julgada material e classes de

sentenças que não a produzem é lenda entre os juristas. A eficácia

depende da relevância da declaratividade na sentença, em virtude

do pedido. O que há são classes que sempre têm esse efeito e

classes que o têm em menor probabilidade. 16

Assevera, mais adiante:

14 MIRANDA, Comentários..., cit., p. 111. 15 Ibid., p. 111. 16 Ibid., p.116.

26

a) que a carga de eficácia das ações e das sentenças é constante;

b) que há cinco elementos que compõem a carga, em ordem

decrescente, chamando-se força ao primeiro; c) que é o

preponderante que dá a classe à ação ou à sentença; d) que o

segundo (eficácia imediata) e o terceiro elemento (eficácia mediata)

são de importância considerável. 17

Sem subestimar a doutrina do eminente jurista sobre as sentenças

declaratórias e constitutivas, interessa mais, ao desenvolvimento do trabalho, sua

concepção em relação aos provimentos condenatório, executivo e mandamental.

Para Pontes de Miranda18, a ação de condenação tem como conteúdo

obter decisão condenatória. O efeito executivo, nessas ações, seria normal.

Contudo, a sentença não é executiva, e menos ainda a ação. Uma coisa é ser

executiva, outra coisa é ter força executiva; condenação como ação executiva peca

pela base. A sentença de condenação não executa – permite a execução; tampouco

manda que se cumpra a prestação – abre portas a que se peça a execução e o juiz

executor execute.

Em continuação, o conteúdo da ação de mandamento19 é obter

mandado do juiz, que se não confunde com o efeito executivo da sentença de

condenação. A sentença de mandamento pode conter, também, mandamento a que

17 MIRANDA, Comentários..., cit., p. 116. 18 Ibid., p. 115. 19 Pontes de Miranda reiterou, no Brasil, a teoria desenvolvida por Georg Kuttner, na sua obra publicada na Alemanha, em 1914 (Urteilswirkungen ausserhalb des Zivilprozesses), em que usou o termo “sentença ordenatória”, para identificar os provimentos judiciais que continham ordem dirigida a órgãos estatais – da administração pública ou do próprio poder judiciário – e quais os efeitos que produziam. (A esse respeito, ver MOREIRA, José Carlos Barbosa. A sentença mandamental – da Alemanha para o Brasil. In: Temas de direito processual civil: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 54 e 55)

27

se execute a sentença. Afirma ainda que a ação de mandamento fica a meio

caminho entre o ato judicial (declarativo a forte dose) e o ato de administração. 20

Pontes de Miranda subdivide as ações executivas lato sensu em três

grandes grupos:

a) ação executiva por antecipação ou adiantamento da

executividade, de que são exemplo as ações de títulos

extrajudiciais, mas de cognição incompleta ao tempo da eficácia

executiva; b) ação executiva sem antecipação ou adiantamento da

executividade, de modo que a sentença final é que é a ‘executiva’; c)

ação executiva de sentença (‘execução das sentenças’), que são

títulos para se iniciar execução, já sem a elaboração da cognição

completa, porque a sentença exequenda deixou atrás aquela

elaboração e tende a explorar a cognição completa que traz em si. 21

Na alínea “a” do exposto acima, estariam enquadradas as medidas

preventivas ou acautelatórias, já que no fundo se trata de pretensão à sentença ou à

execução, ou seja, pressupõe-se outra pretensão, ou à execução ou à sentença.

Essa pretensão somente existiria em razão de o meio normal ser inábil; e é

autônoma. Afirma, esse grande jurista, que as ações e as sentenças que então se

proferem são mandamentais, daí por que não encontra razão para a criação de uma

sexta espécie de ações. Ressalta por igual que, se elas tomam a natureza de

execução para segurança (adiantamento da execução), são ações executivas. 22

Destarte, o grande mérito de Pontes de Miranda foi deixar patente que

uma sentença jamais poderia ser pura. Contudo, com relação à afirmação de que

todas as sentenças teriam certa “carga” de todas as eficácias, parece algo

20 MIRANDA, op.cit., p. 115. 21 Ibid., p. 113. 22 Ibid., p. 113-117.

28

exagerado. A exemplo disso, a afirmação de que todas as sentenças declaratórias

“constituem” porque simplesmente constituem algo novo. Ou a afirmação de que

todas as sentenças declarativas também possuem eficácia condenatória porque

“condenam” na sucumbência23, afirmação essa rebatida por Barbosa Moreira24 em

conhecido artigo doutrinário.

Não obstante, é preciso louvar a erguida construção doutrinária do

ilustre jurista, e lembrar que sua teoria tem sido muito mencionada, até mesmo

criticada, mas parece que ainda não foi estudada a fundo como deveria, isso porque

não houve quem a impugnasse à altura de Pontes de Miranda.

A sua vez, Marcelo Lima Guerra25 afirma existirem apenas três

espécies de tutela jurisdicional: a tutela declaratória, a tutela constitutiva e a tutela

executiva, devendo esta última englobar também a "tutela" executiva lato sensu e a

"tutela" mandamental, que ele passa a denominar "sentenças instrumentais em

relação à tutela executiva".

Chega a afirmar, mais adiante:

[...] se pode reconhecer a possibilidade de denominar 'sentença

executiva lato sensu' aquelas sentenças condenatórias proferidas

em procedimentos diferenciados (que podem ser adequadamente

denominadas 'ações executivas lato sensu'), que se caracterizam

por ter o legislador permitido que a tutela executiva do direito

reconhecido na respectiva sentença fosse prestada, sem solução de

continuidade, nos próprios autos do processo em que foi proferida

tal sentença. 26

23 Cf. MIRANDA, Tratado das ações, cit., pp. 156 e 57. 24 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa Moreira. Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 40, out./dez.1995, p. 10. 25 GUERRA, Marcelo Lima. Execução de sentença em mandado de segurança. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; BUENO, Cássio Scarpinella; ALVIM, Eduardo Arruda (coords.). Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. pp. 625ss. 26 GUERRA, op. cit., p. 627.

29

De efeito, considerando as muitas construções teóricas acerca da

possibilidade, ou melhor, da pertinência de classificar as “ações”, importa, bem mais,

partir do estudo das várias eficácias que um provimento judicial possa trazer em seu

conteúdo, pois dessa identificação depende antever os possíveis efeitos a serem

produzidos no plano fático e jurídico.

Assentado no prognóstico desses efeitos, seria possível o emprego da

técnica processual mais adequada a conferir ao demandante a tutela jurisdicional

almejada.

Exemplo interessante aduz Guilherme Rizzo Amaral:

Tomando por exemplo a sentença proferida na ação de alimentos,

nesta o que se determina é a agressão ao patrimônio de ‘terceiro

genérico e indefinido”. Tradicionalmente, a técnica de tutela

considerada adequada para tal situação é a condenatória. Todavia,

há, em verdade, três formas de tutela, ou técnicas de tutela, que

podem vir a ser utilizadas em se tratando de tutela do direito a

alimentos. Pode-se condenar e submeter o réu à execução

mediante requerimento do credor. Pode-se mandar que o réu pague,

sob pena de prisão. Pode-se executar diretamente por meio do

desconto em folha. Nas três hipóteses, não se está a passar ‘para a

esfera jurídica de alguém o que nela devia estar, mas, isto sim, a

‘agredir o patrimônio de terceiro, genérico’. Ainda assim, como bem

se vê, não é porque a sentença agride patrimônio de terceiro,

genérico, que será sempre condenatória, modificando-se apenas a

forma de cumprimento ou o meio de execução ou efetivação dessa

sentença. 27

27 AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 112.

30

Noutro vértice, a constatação da eficácia do provimento judicial pode

ser decisiva para a perspectiva da satisfação da obrigação, quando essa implicar a

pretensão substancial.

Particularmente, no campo das obrigações, para cada espécie, o

sistema permite a utilização do procedimento executivo adequado, assim como as

medidas executivas cabíveis, sob a ótica da tipicidade.

Nessa direção, emana a dúvida sobre o papel, desempenhado após as

recentes reformas do sistema processual, das tutelas condenatória, executiva lato

sensu e mandamental.

É inegável que o conceito de tutela condenatória está em crise, diante

da nova sistemática do processo de execução. É possível até afirmar, à luz da

efetividade dos provimentos judiciais, que houve o reconhecimento tardio da total

falta de utilidade prática de uma tutela condenatória, a considerar sua dependência

de outra demanda para que possam surtir os efeitos pretendidos.

De outra banda, a tutela executiva lato sensu e a tutela mandamental

ganharam destaque e obtiveram, ao longo desses últimos anos, a preferência do

operador do direito. Por uma razão muito simples: proporcionam o mais amplo leque

de técnicas processuais possíveis (tutela específica, tutela ressarcitória, etc.) e de

medidas executivas (multa, busca e apreensão, etc.) a serviço da efetividade.

1.4 A tutela executiva

31

Antes da exposição da concepção de tutela executiva adotada para o

desenvolvimento do presente estudo, é preciso trazer à baila seu conceito clássico,

concretizado na doutrina autorizada.

Segundo o princípio da maior coincidência possível, a tutela executiva

deve conferir ao credor o equivalente àquilo que obteria com o adimplemento da

obrigação. Ou seja, o ideal na execução forçada é produzir os mesmos resultados

que o adimplemento teria produzido, satisfazendo inteiramente o direito subjetivo e

dando efetividade plena ao preceito concreto de direito material.28

É tradição ver na execução forçada a substitutividade da atividade

jurisdicional29, que ocorre quando o Estado, através da atividade jurisdicional, invade

a esfera patrimonial do devedor e efetua a expropriação, substituindo a vontade do

particular pela vontade soberana do Estado.

Execução forçada, segundo as raízes da doutrina liebmaniana, é "uma

cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos

estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até

contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado

prático desejado concretamente pelo direito objetivo material".30

Convém esclarecer que o conceito de "vontade sancionatória" afina

com o entendimento de que o provimento condenatório é justamente classificado

como tal em virtude de mostrar-se acompanhado da sanção declarada na decisão

judicial, e que implica a agressão patrimonial conforme for concretizado por meio

das medidas executivas.

28 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 100. 29 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998, v. 1, passim. 30 DINAMARCO, op. cit., p. 115.

32

Assim, a execução forçada, em sua forma genérica, é verificada à

razão da impossibilidade do adimplemento da obrigação mediante a restauração ao

estado de fato anterior à violação, o que comporta necessidade da atuação da

vontade do Estado para a obtenção do resultado equivalente. São as chamadas

medidas executivas sub-rogatórias, por meio das quais o próprio Estado supre a

falta do comportamento do devedor.

O novo prisma, pelo qual deve ser olhada a tutela executiva, modifica

substancialmente a concepção engessada de que ela estaria limitada ao processo

de execução, posto que este tenha sofrido recente desestruturação.

Nessa esteira, é imperioso esclarecer que a tutela executiva não é

exclusiva do processo de execução. A tutela executiva resulta dos efeitos obtidos

através de atos executivos, ou seja, atos judiciais que têm função executiva por

guardar a eficácia executiva. É nesse sentido mais amplo que a expressão tutela

executiva será empregada doravante.

Na sequência, pode-se dizer que os atos executivos são atos materiais

tendentes a outorgar ao demandante vitorioso o bem da vida pretendido. E tornam-

se imprescindíveis para as tutelas executivas.

É possível afirmar, de igual modo, que os atos executivos são comuns

à certas eficácias que não são autosatisfativas; ou seja, aos provimentos judiciais de

eficácia preponderantemente declaratórias e constitutivas, que atendem e esgotam

integralmente a pretensão do autor, não havendo nada a acrescentar ao comando

judicial.31 Nesses casos, durante o trâmite do processo de conhecimento, é possível

a execução de uma decisão judicial interlocutória.

31 Cf. ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 89.

33

Destarte, além dos atos executivos determinados pelo juiz, no

procedimento de execução, é possível ocorrer a imposição de medidas executivas

em todos os tipos de procedimento. O contrário também pode se dar, ou seja,

decisões judiciais características do processo de conhecimento serem concedidas

durante o desenlace da execução.

Não se pode negar, ainda, que algumas medidas cautelares podem

também resultar em transformação no plano fático, implicando execução, sendo

consideradas, portanto, ações executivas em sentido lato. Isso se deve, justamente,

em razão de que as sentenças proferidas em processo cautelar ora podem ser

classificadas como mandamentais, ora como executivas lato sensu, segundo sua

eficácia preponderante. Exemplo interessante é a medida cautelar do artigo 885 do

CPC, que impõe ao juiz o dever de ordenar a apreensão do título, sob pena de ser

decretada a prisão do portador. É clara tutela mandamental, cuja sanção é a

imposição da prisão, configurando tutela autoexequível.

Bem por isso, é possível entender a tutela executiva como a realização

da pretensão do demandante, constitua o objeto processual ou mera medida

acautelatória, pois poderá, em tese, resultar em efeitos de repercussão física.

De outro lado, essas considerações ameaçam outro conceito arraigado

no sistema processual brasileiro: o título executivo judicial. E junto com este, o da

sentença condenatória, título executivo judicial por excelência.

1.5 A técnica processual adequada determinada pela natureza do direito material

34

Não é apropriado falar em pretensão à técnica de tutela

processualmente adequada, admitindo o alvitre do julgador na escolha dos meios

disponíveis e apropriados a produzir os efeitos queridos.

Como antes exposto, o demandante tem pretensão à tutela

jurisdicional; espera por um provimento executivo, declaratório, mandamental ou

constitutivo, capaz de lhe proporcionar satisfação da pretensão substancial.

O provimento judicial deve ser ajustado ao direito material aduzido pelo

demandante. Falando tecnicamente, o pedido inicial indica o tipo de tutela almejada.

A sentença e a decisão interlocutória constituem técnicas processuais

– já que são atos judiciais processuais – que servem à concessão da tutela

jurisdicional. Tanto as sentenças quanto as decisões interlocutórias são capazes de

produzir efeitos, pois guardam em si as várias eficácias identificadas na doutrina.

Desse modo, a escolha da espécie de provimento jurisdicional e da eficácia que ele

terá irá sempre depender dos efeitos que se espera que o provimento produza a fim

de possibilitar a plenitude na realização da pretensão material.

Considere-se que a obtenção da tutela jurisdicional efetiva, de que

espécie for, irá depender sempre do emprego da técnica processual adequada. A

própria escolha da espécie de tutela jurisdicional já implica na utilização adequada

de uma técnica processual. Mas não é só isso.

Como adverte Marinoni, as decisões judiciais, com suas várias

eficácias, refletem apenas o modo (ou a técnica processual) pelo qual o direito

processual tutela a diversidade dos conflitos concretos. Mas “os meios de execução

que evidentemente interferem no resultado que o processo pode proporcionar no

35

plano do direito material, também são técnicas para prestação da tutela

jurisdicional”. 32

Para Marinoni é preciso identificar as diversas espécies de tutela para

então pensar na técnica processual idônea para atendê-las. Esclarece que “se as

tutelas dos direitos (necessidades no plano do direito material) são diversas, as

técnicas processuais devem a elas se adaptar. O procedimento, a sentença e os

meios executivos, justamente por isso, não são neutros às tutelas (ou ao direito

material), e por esse motivo não podem ser pensados a sua distância”. 33

Sem dúvida, para que seja alcançada a efetividade da tutela

jurisdicional, importa que ocorram algumas transformações no modo de pensar o

processo.

Objetivando o emprego correto das técnicas processuais disponíveis

para efetividade da tutela executiva, por exemplo, é imperioso considerar as

eficácias executivas lato sensu e a mandamental como uma nova técnica mais

eficiente. Para tanto, leva-se em conta o abrandamento do princípio da tipicidade

dos meios executivos, bem como a mitigação do princípio da congruência entre o

pedido e a sentença, princípios explorados adiante, em mais espaço.

1.6 Execução direta e indireta

Em se tratando da tutela executiva, as técnicas processuais

empregadas com o intento de proporcionar ao credor a satisfação – por meio da

32 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 146. 33 MARINONI, Técnica..., cit., p. 148.

36

tutela específica ou pelo resultado prático equivalente – podem se dividir em dois

grandes grupos: as medidas coercitivas e as de sub-rogação.

As medidas sub-rogatórias se destinam a suprir a falta do

comportamento do devedor (situação de inadimplemento), proporcionando a

satisfação do credor sem nenhuma cooperação do devedor, ou seja,

independentemente da vontade dele. 34 Daí o traço característico da atuação

jurisdicional: a substitutividade, pois há a evidente substituição da vontade do

devedor pela atuação estatal, que, por si, leva à satisfação do credor. Por isso, a

execução por meio de medidas sub-rogatórias recebe a denominação de execução

direta.

A execução direta tem sido reconhecida, pela doutrina clássica, como a

única forma de execução forçada, em detrimento da execução indireta, que emprega

medidas coercitivas para compelir o devedor a cumprir o comando judicial, pois

ocorre sem que haja necessidade da atuação direta do Estado-juiz.

Ainda na metade do século XX, havia a crença de que somente os

meios de sub-rogação correspondiam propriamente à execução forçada, como

defendia Liebman35.

34 Cf. GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 25. 35 Interessante anotar passagem da obra de Liebman que ilustra bem o pensamento da época acerca do conceito de execução forçada: “Vários autores consideram como sendo uma forma de execução a chamada execução indireta, que consiste na aplicação das chamadas medidas de coerção, tendentes a exercer pressa sobre a vontade do devedor para induzi-lo a cumprir a obrigação (multas, prisão etc.). Apesar de seu caráter coativo, essas medidas visam conseguir a satisfação do credor com a colaboração do devedor, constrangido a cumprir sua obrigação para evitar males maiores. Faltam-lhes, contudo, os caracteres próprios da execução estritamente entendida. Será verdadeira execução só a atividade eventualmente desenvolvida pelos órgãos judiciários para cobrar, por exemplo, as multas aplicadas. Do mesmo modo, não é execução a chamada execução imprópria. Denomina-se assim a atividade desenvolvida por órgãos públicos não pertencentes ao poder judiciário e consistente na transcrição ou inscrição de um ato em registro público (registro civil, imobiliário), mesmo se ordenado pelo juiz. Escopo dessas atividades é conferir publicidade aos atos respectivos, e tem por isso caráter executivo ou não, conforme o ato seja (ex: penhora) ou não de execução.” (LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de Execução. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 6)

37

No sistema da actio iudicati, ou durante o longo período em que

perdurou sua forte influência, a execução por sub-rogação teve primazia, a ponto de

se afirmar que somente a expropriação (sub-rogação) poderia constituir autêntica

execução forçada. 36

Para Salvatore Satta37, a execução específica não poderia ser incluída

no mesmo desenho legislativo que a execução por expropriação, porque seu

inadimplemento se converte no ressarcimento, como nas obrigações genéricas. O

cerne de sua construção doutrinária acerca da execução forçada reside no fato de a

execução específica corresponder à manifestação da própria obrigação, sem a

necessidade da intervenção estatal, ao passo que a expropriação pressupõe a

atuação do Estado-juiz para transferir o bem da esfera patrimonial do devedor para a

do credor.

Ou, nas palavras do mestre de Roma:

Entre execução-expropriação e a execução específica não tem

afinal nenhum ponto de contato, e igualar-lhes o desenho legislativo

é fruto somente de gosto escolástico e literário, inspirador em

grande parte da reforma de 1942. Se as normas sobre a execução

específica não fossem escritas no código civil (e como dissemos,

não existem no código anterior e tudo sucedia do mesmo modo), de

maneira diversa seria tudo. Em oposição à expropriação a execução

específica não será senão a natural forma jurisdicional do exercício

do direito; e dizemos natural, por ser claro que ninguém, nem o

proprietário, pode invadir sem o ministério da justiça a esfera alheia,

seja até para reaver a sua coisa. Porém isto é justo e finalmente

significativo, pois se o proprietário infringir essa esfera, fa-lo-á

36 A esse respeito, LIEBMAN, Execução…, cit., p. 6. 37 SATTA, Salvatore. Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Borsoi, 1973. v. 2. pp. 522 e 523.

38

arbitrariamente; se o credor se apropriar da coisa do devedor para

satisfazer a sua obrigação, cometerá um furto. 38

A exemplo do entendimento de Satta, a execução por meio de medidas

coercitivas também não configura execução forçada para Luigi Montesano39,

constituindo apenas modo de pressão psicológica para obtenção do adimplemento

que, por ser realizado pelo próprio devedor, deixa de ser forçado.

Com a devida permissão, o entendimento de Satta parece relegar a

segundo plano a pretensão substancial do credor da obrigação, para quem pode não

interessar o ressarcimento pelo equivalente ou a conversão em perdas e danos, o

que motivaria a intervenção estatal para a realização da obrigação específica, pois

esta não tem a força, como ele afirma, de atuar à maneira de um “reflexo de direitos

absolutos (reais na acepção ampla)”. 40

As divergências passadas se tornaram irrelevantes diante da realidade

social posta na atualidade.

O desenvolvimento da dogmática em torno da execução indireta, e sua

elevação à categoria de execução forçada, se deu por meio da constatação da

incapacidade dos meios executivos diretos em proporcionar a satisfatividade, nas

diversidades do direito substancial. Sobretudo em casos à semelhança da satisfação

da tutela específica ou da obrigação de não fazer.

Sobre as formas de execução direta e indireta, Luiz Guilherme

Marinoni orienta:

38 SATTA, Direito Processual..., cit., p. 524. 39 MONTESANO, Luigi. Condanna civile e tutela esecutiva. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1965. pp. 17-19. 40 Cf. SATTA, Direito Processual…, cit., p. 650.

39

Trata-se, indubitavelmente, de formas de execução da tutela

jurisdicional dos direitos, ainda que de formas de execução distintas,

o que evidentemente recomenda a manutenção da distinção entre

elas, e assim o emprego dos qualificativos direta e indireta, mas com

o grifo de que ambas constituem formas de execução das tutelas

jurisdicionais, especialmente daquelas imprescindíveis ao Estado

constitucional, [...].41

Portanto, a técnica da execução indireta ganhou notoriedade à

proporção que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva obteve o respeito

devido.

41 MARINONI et al, Curso..., cit., p. 71.

40

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO

2.1 Relevância das origens históricas

A tentativa de trazer mais celeridade ao procedimento executivo nas

obrigações de pagar quantia, refletida na Lei n. 11.232/2005, parece ser a

reminiscência da chamada executio per officium iudicis, procedimento executivo que

vigorava durante a Idade Média, marcado pelo sincretismo das atividades cognitiva e

executiva.

Guardadas as distinções cabíveis, examinadas logo adiante, é

importante reconhecer que tanto a execução de sentença, antes da reforma, quanto

o procedimento atual se espelham em institutos que existiram há muitos séculos, e

que nada de realmente novo foi criado pelo legislador na atualidade.

O procedimento de execução de sentença por quantia, previsto no

CPC antes da última reforma, lembra a actio iudicati romana, que, semelhantemente

ao ocorrido há pouco, também foi substituída, em certo momento da história, por um

procedimento mais rápido: a executio per officium iudicis.

Em recentes comentários à Lei n. 11.232/2005, o Min. Athos Gusmão

Carneiro ressalta que ela “consagra o abandono do sistema romano da actio iudicati,

com o retorno ao sistema medieval pelo qual a sentença habet paratam

executionem”. 42

42 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do “cumprimento da sentença”, conforme a Lei 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos da

41

São as semelhanças dos fatos históricos com os últimos

acontecimentos no Direito Processual brasileiro que impõem a análise dos institutos

anteriores face ao modelo atual. Assim, o estudo das raízes históricas da actio

iudicati e da executio per officium iudicis é necessário, no panorama atual.

2.2 A evolução da atividade executiva no Direito Romano

O Direito Romano pode abrigar suas fases evolutivas, classificadas por

diferentes critérios: o histórico, que leva em consideração os vários períodos –

arcaico, clássico e pós-clássico; o político, que considera as formas de governo –

régio, republicano, principado e dominato; e o religioso, que considera a mudança do

paganismo ao cristianismo. E ainda, focando exclusivamente o desenvolvimento dos

institutos processuais, pode-se ter um Direito Romano processual segmentado em

três fases: legis actiones (ações da lei), per formulas (das fórmulas escritas) e a fase

cognitio extra ordinem (do juízo oficial unificado ou processo extraordinário). 43

As fases das legis actiones e per formulas constituem, juntas, o

período da ordo judiciorum privatorum (ou ordem judiciária privada), e a fase da

cognitio extra ordinem representa a publicização do processo, que deu origem aos

sistemas jurídicos contemporâneos.

Historicamente, o período arcaico do Direito Romano corresponde à

fase da legis actiones, que vai da fundação de Roma (ano 753 a.C.) até o século II

a.C. Quanto ao período clássico do Direito Romano, tipifica a fase do processo per

nova execução de títulos judiciais: Lei 11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 3. p. 53. 43 Cf. SIDOU, J. M. Othon. Processo Civil comparado: histórico e contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 24.

42

formula, que vai do século II a. C. ao século III d.C. Já o período da cognitio extra

ordinem, que se iniciou no século III d.C., guarda relação com a fase da justiça

pública, prevalecendo nos últimos séculos do Império e culminando com

Justiniano.44

A principal fonte que narra o desenvolvimento histórico do Direito

Romano são as Institutiones, escritas pelo jurisconsulto Gaio, provavelmente, entre

os anos 138 e 161 d.C. e a obra Noites Áticas, de Aulo Gélio, datada do ano 175

d.C. 45

Para adequado entendimento do desenvolvimento da execução de

sentença, é mister a análise perfunctória de alguns marcos históricos da

organização jurídica romana.

A Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim Tabularum), elaborada no século

V a.C., precisamente no ano 450 a.C., foi a primeira importante lei escrita romana.

Tal codificação teve como motivação levar o conhecimento do Direito às classes

inferiores, já que, até então, o conhecimento das leis se fazia privilégio da classe

patrícia.46

O texto legislativo foi preparado por uma comissão constituída por dez

membros, denominados decênviros. Curiosamente, a autenticidade da Lei chegou a

ser contestada por alguns historiadores porque as tábuas nunca foram

encontradas.47

44 Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 22 e 23; e cf. THEODORO JR., Humberto. O cumprimento da sentença e a garantia do devido processo legal. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2006. p.98. 45 Cf. SIDOU, op. cit., pp. 25 e 29. 46 Cf. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 253. 47 Ibid., p. 253.

43

O procedimento, no período da legis actiones, era desenvolvido por

meio de gestos, símbolos e palavras abstratas. Daí a tarefa dos decênviros, a quem

cabia positivar por escrito as ações da lei. 48

Cinco as ações da lei: a sacramentum, a iudicis postulatio, a condictio,

a manus injectio e a pignoris carpio, registrando que as três primeiras tinham

natureza declaratória e constitutiva de direitos e as duas últimas, executivas. 49

Inicialmente, os litigantes recorriam ao magistrado, que representava o

Poder Público. Embora não tivesse a função de julgar, cabia ao magistrado (praetor)

presidir a disputa judiciária e supervisionar o comportamento das partes. Caso

houvesse necessidade de instrução e julgamento, a causa era encaminhada ao

judex, o juiz privado. 50

Na Lei das XII Tábuas, portanto, no período das legis actiones, a

execução recaía sobre a pessoa do devedor pelo sistema da manus injectio. Esta, a

ação da lei que implicava a execução coercitiva. O procedimento executivo era

acentuadamente privado, pois cabia ao próprio credor levar o devedor, à força, à

presença do magistrado. E, em razão da sumariedade do rito, não havia previsão de

defesa para o executado.

A Lei das XII Tábuas, em sua Tábua Terceira, Leis IV a IX, dispõe:

IV – Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é

condenado, terá 30 dias para pagar; V – Esgotados os 30 dias e não

tendo pago, que seja agarrado e lavado à presença do magistrado;

VI – Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o

devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés

com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos, se

48 Cf. SIDOU, op.cit., p. 25. 49 Ibid., p. 25. 50 Cf. THEODORO JR., op.cit., p. 101.

44

assim o quiser o credor; VII – O devedor preso viverá à sua custa,

se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por

dia uma libra de pão ou mais, a seu critério; VIII - Se não há

conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias; durante os quais

será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se

proclamará, em altas vozes, o valor da dívida; IX – Se são muitos os

credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo

do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não

importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem,

poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre. 51

É possível verificar que o credor tinha total disponibilidade sobre o

corpo do devedor, podendo torná-lo escravo, matá-lo, e, se houvesse mais de um

credor, cada qual poderia reclamar parte do cadáver. O inadimplente era

considerado tão indigno que sua venda, como escravo, teria que ocorrer trans

Tiberium, ou seja, em terras dos etruscos. 52

A ação da manus injectio se voltava diretamente contra a pessoa do

devedor, e não contra os seus bens. Como efeitos, a morte civil do devedor, já que

era reduzido à condição de escravo, e a vacância dos bens do devedor. 53

Outra ação da lei que comportava execução era a pignoris carpio,

forma executiva limitada a alguns casos de direito público ou sacro. 54 Tal

procedimento não visava dispor sobre a pessoa do devedor, mas sobre seu

patrimônio. O credor procedia, de mão própria, à apreensão dos bens do devedor,

em presença de três testemunhas, sem a participação do magistrado ou mesmo do

devedor. Após, constituía-se a penhora, a fim de coagir o devedor a cumprir a

51 MEIRA, Sílvio A. B. A Lei das XII Tábuas, fonte de direito público e privado. Rio de Janeiro: Forense, 1972, pp. 149-170, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 21. 52 Cf. THEODORO JR., op.cit., p. 103. 53 Ibid., p. 105. 54 Ibid., p. 106.

45

obrigação. Entretanto, essa penhora não resultava em direito de alienação dos bens

apreendidos para o credor, assegurando-lhe apenas a retenção ao tempo em que o

devedor não efetuasse o adimplemento. 55

Como assevera Humberto Theodoro Jr., “a pignoris carpio,

diversamente do que se passava com a manus injectio, não dependia jamais de uma

sentença anterior. Representava puro e simples ato de defesa privada exercida pelo

credor para coagir, extrajudicialmente, o devedor a resgatar a dívida”.56

Pouco mais tarde, ainda que no período da legis actiones, houve o

abrandamento das penas para o devedor inadimplente, com o início da

humanização do procedimento. Os novos costumes dispensaram o devedor da pena

de morte ou de ser vendido como escravo. Ao contrário, o devedor passou a ter a

alternativa de pagar a dívida com o fruto do seu trabalho. Além disso, por força da lei

Poetelia, que remonta ao ano 313 a.C., houve a proibição, para o credor, de

acorrentar o devedor. 57

Não obstante, o sistema da manus injectio perdurou ainda no período

per formulas, que sucedia já durante o Direito Romano clássico.

O período per formulas era caracterizado pela exigência da utilização

dos termos prescritos nos litígios. Outrossim, nesse período, cresceu a participação

do magistrado, que ganhou maior importância à medida que passou a exercer poder

de inspeção, apesar de ainda imperar a atividade privada.

Como ressalta Othon Sidou58, “a fórmula escrita nada mais terá sido do

que um modus lege agendi, não significando qualquer mudança essencial com

55 THEODORO JR., op.cit., p. 106. 56 Cf. THEODORO JR., op. cit., p. 107. 57 Ibid., p. 105. 58 SIDOU, op. cit., p. 29.

46

respeito à condução do processo, tanto assim que o procedimento permaneceu

obedecendo à mesma ordo iudiciorum”.

Assim, por volta do século II a.C., a lei Ebúcia e as leis Julias

revogaram o regime da legis actiones. O magistrado possuía uma espécie de álbum,

denominado edictio actionis, que ele próprio fazia publicar ao assumir suas funções,

com as diretrizes a serem seguidas na administração da justiça durante seu

exercício. Posteriormente, o edictum passava a ser seguido também pelo

magistrado seguinte, até que se tornou perpétuo, já no alto Império, por imposição

do imperador Adriano. 59

Como noticia Othon Sidou60, essa obra-padrão foi posta em vigor no

ano de 134, e compondo-se de duzentos e vinte parágrafos, divididos em sete

partes: iniciação do processo; jurisdição ordinária; jurisdição extraordinária;

execução das sentenças e nulidades das sentenças; interditos, exceções,

estipulações pretórias; fórmulas das ações; e os editos dos edis e dos curuis.

Quatro eram as partes ordinárias da fórmula do litígio: demonstratio,

intentio, condemnatio e adiudicatio. Entretanto, nem todas as fórmulas tinham

obrigatoriamente essas quatro partes. A “intentio era a única parte constante em

toda espécie de ação, por ser o substrato da demanda”. 61

A intentio era delimitada pela litis contestatio, “que se consubstanciava

num comportamento processual das partes, dirigido a um escopo comum, qual seja

o compromisso de participarem do juízo apud iudiciem e acatarem o respectivo

julgamento”. Assim, pode-se afirmar que o objetivo da litis contestatio conferia com o

59 Cf. THEODORO JR., op. cit., p. 109; e SIDOU, op. cit., p. 30. 60 SIDOU, op. cit., p. 30. 61 Ibid., p. 30.

47

de fixar os limites do litígio, definindo o molde da sentença a ser prolatada pelo

iudex.62

A condemnatio era o desfecho da fórmula e autorizava o juiz a atribuir

valor à pretensão do autor, conforme constava da intentio, caso suas alegações lhe

parecessem procedentes, ou, ainda, a absolver o réu em caso contrário. 63 E,

ressalte-se, a condemnatio tinha como objeto uma quantia em dinheiro (certa

pecunia).64

Importante observar, em linha não diversa, que durante o período per

formulas, o magistrado (que nem sempre era praetor), exercia o poder de imperium

– poder coercitivo que dá suporte ao Estado –, mas não exercia a iurisdictio. Essa

era atribuição do juiz privado (iudex). Posteriormente, com o advento da República,

o praetor passou a exercer também a função de julgar, portanto cumulando as duas

funções: o imperium e a iurisdictio.

Os interdicta romanos eram institutos que complementavam a tutela de

direitos, fundados que estavam preponderantemente no imperium do magistrado, e

implicavam decisões inspiradas na equidade. 65

A criação desses institutos processuais foi impulsionada pela

necessidade de proteção da posse e propriedade, já que inexistia actio que a

assegurasse, reconhecido assim o interesse público existente na proteção

possessória.

Em síntese, um interdictum correspondia a uma ordem (um comando)

do pretor, requisitada por um particular e dirigida a outro particular, para que este

62 AZEVEDO, Luiz Carlos de. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de história do Processo Civil romano. São Paulo: Revista dos Tribnunais, 2001. pp. 99 e 100. 63 Cf. SIDOU, op. cit., p. 30. 64 Cf. AZEVEDO e CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 95. 65 Ibid., p. 109.

48

fizesse ou deixasse de fazer alguma coisa. 66 Com efeito, os interdicta deram

origem, entre outros institutos, ao mandado de segurança e ao habeas corpus,

tutelas eminentemente mandamentais.

Ainda no período da ordo judiciorum privatorum, houve lenta transição

da fase das ações da lei para a fase do processo formulário, e, com tal

transformação, o sistema da execução per manus injectio, cujo objetivo era reduzir o

devedor à condição de escravo, sujeito a ser vendido ou morto pelo credor, foi

substituído também gradualmente pelo instituto da actio judicati, tendente a ser mais

simples e mais adequada à sociedade da época que passava a repudiar a execução

pessoal, ante a alternativa da execução no patrimônio do devedor.

Segundo Liebman, a actio judicati tinha a verdadeira natureza de uma

actio romana, já que permitia a defesa do réu, havendo, portanto, oportunidade para

uma litis contestatio e para um judicium.67

Obtida a sentença condenatória, o credor precisava aguardar trinta

dias (tempus judicatus) para poder propor a actio judicati, em caso de não

pagamento nesse prazo.

A actio judicati deveria observar procedimento idêntico às demais

ações de conhecimento no sistema per formulas, de modo que os atos executivos

propriamente somente se iniciassem após nova sentença proferida pelo iudex,

reconhecendo o inadimplemento do devedor e o condenado a cumprir agora o

comando judicial, e não mais a obrigação de direito material.68

66 AZEVEDO e CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 112. 67 Cf. LIEBMAN, Enrico Tulio. Embargos do executado. Campinas: Bookseller, 2003. p. 21. 68 THEODORO JR., Humberto. O cumprimento da sentença e a garantia do devido processo legal. Belo Horizonte: Mandamentus Editora, 2006. pp. 112 e 113.

49

Assim defende Liebman, ao afirmar que “efeito da sentença era, pois,

unicamente o de fazer surgir uma nova obrigação, que não a precedente, porque

provinha do julgado e não do vínculo originário”.69

Explica, ainda, que haveria uma diferença entre o exercício da ação

originária e a actio judicati: no caso desta última, ocorrendo a confissão do devedor,

o credor poderia, imediatamente, requerer a autorização para proceder pela via

executiva. Do contrário, revelando-se infundada a contestação do devedor, ocorreria

a condemnatio dupli, ou seja, o credor estaria autorizado a propor nova actio judicati,

com pedido de uma soma que implicava o dobro da primeira.70

Relevante ressaltar a natureza obrigacional da sentença condenatória

prolatada no período per formula. O iudex privatus não possuía a soberania

emanada do Estado, daí a necessidade de recorrer ao praetor, este, sim, detentor

do imperium. Diante disso, é possível concluir que a sentença condenatória não

alcançava a condição de título executivo.71

Segundo alerta Humberto Theodoro Jr. 72, “a execução – ato do pretor

– não se situava dentro da actio iudicati, mas depois e fora dela”.

A decisão proferida na actio judicati comportava acertamento da

existência e da validade da obrigação, tanto assim era que, ao réu, cabia apenas

defender-se alegando a inexistência ou invalidade da sentença condenatória ou,

ainda, sustentar a extinção da obrigação em razão de fato posterior.

Humberto Theodoro Jr. ensina que a execução da sentença no

processo formulário, em razão da actio judicati, apresentava alguns traços

característicos:

69 LIEBMAN, op. cit., p. 27. 70 LIEBMAN, op. cit., p. 22. 71 THEODORO JR., op. cit., p. 116. 72 THEODORO JR., op. cit., p. 117.

50

a) era sempre por quantia certa, porque até mesmo as sentenças de

ações reivindicatórias ou reipersecutórias deveriam ser executadas

pelo valor do bem litigioso, fixado na condenação.

b) era universal, pois mesmo que a dívida fosse menor do que o

valor dos bens do executado, a bonorum vendictio abrangia todo o

seu patrimônio.

c) a bonorum vendictio, forma prática de expropriar-se o patrimônio

do devedor inadimplente para realização da garantia dos credores,

só era atingível por via da actio iudicati. 73

Ao período da ordo iudiciorum privatorum, seguiu-se o período da

cognitio extra ordinem, pontuado pela importância da atividade do praetor –

magistrado detentor do imperium –, que passou a conhecer, ele mesmo, da causa e

a proferir a respectiva sentença. Operou-se, nessa época, a publicização do

processo, com o ingresso no período pós-clássico do Direito Romano.

O período da cognitio extra ordinem foi conhecido também como

período de juízo unificado, pois o praetor passou também a resolver pendengas de

natureza administrativa, inconciliáveis com o procedimento per formulas, albergando

caráter estritamente civil. Ou seja, em sua função judiciária, o praetor, com poder de

imperium, não designava iudex para julgar a causa, mas ele próprio se encarregava

de admitir a ação e de julgá-la. Dessa forma, o procedimento passou a ser público, e

a exceção passou a ser o julgamento arbitral.74

Na fase da cognitio extra ordinem, destacou-se o desuso das fórmulas,

nota marcante da fase privatista do processo civil romano, chegando mesmo a

desaparecerem por total falta de utilidade prática.

73 THEODORO JR., op. cit., pp. 120 e 121. 74 Nesse sentido, OTHON SIDOU, op. cit., p. 45.

51

E, não obstante, o procedimento executivo sofreu transformações,

principalmente com a criação de um procedimento próprio para as execuções de

entrega de coisa.

Entretanto, a despeito de certa divergência doutrinária75, a actio judicati

parece sobreviver à nova fase do direito processual romano, como meio legal para a

execução do comando judicial.

Segundo Theodoro Jr. 76, “o apego às tradições fez com que o Direito

Justiniano continuasse a proclamar que o efeito da sentença condenatória consistia

apenas em gerar entre as partes novo vínculo obrigacional – a obligatio judicati (C.7,

54, 3 § 2º)”. A novidade é que o próprio pretor passava a julgar a actio judicati e a

atuar o próprio comando judicial.

A sentença deixou de ser mera opinião ou parecer dada por um juiz

privado que não dispunha de meios hábeis a fazer atuar sua vontade expressada na

decisão.

Apesar da resistência do instituto da actio judicati, houve significativas

transformações em seu procedimento, já que todo o processo romano se simplificou

nessa fase.

Assinala ainda Theodoro Jr. 77, outra novidade na fase da cognitio extra

ordinem: a eliminação da cadeia sucessiva de actiones judicati, toda vez que se

operasse o inadimplemento do devedor, com condenações em dobro como forma de

coerção, objetivando sua confissão ou o pagamento. A pena de dupla condenação

75 Divergência relatada por Humberto Theodoro Jr., em relação ao entendimento dissonante entre Wetzel, que propagava o fim da actio judicati, e Wenger, que afirmava sua continuidade no período da extraordinaria cognitio, ambos grandes estudiosos do Direito Romano, cf. op. cit., p. 140. 76 THEODORO JR., op. cit., p. 137. 77 THEODORO JR., op. cit., pp. 137-138.

52

foi eliminada, porque o magistrado podia se valer de seu poder de imperium para

ordenar, desde logo, o início dos atos executivos.

O que de mais relevante se pode observar sobre a fase final e mais

evoluída do direito processual romano é que nunca chegou a existir o instituto do

título executivo. O título executório somente emergiu muitos séculos mais tarde.

2.3 A execução de sentença no direito medieval (intermédio)

Após a queda do Império Romano, em decorrência das invasões

bárbaras, passou a prevalecer o Direito Germânico, cuja sistemática executiva

favorecia nitidamente o credor e o uso da força contra o inadimplemento do devedor.

Nos meandros dos séculos IX e X, esse procedimento executivo, ao

contrário do Direito Romano, autorizava a penhora privada dos bens do devedor,

realizada sumariamente pelo próprio credor, independentemente de apreciação

judicial.

Esclarece José Alberto dos Reis:

A execução assentava sobre a simples afirmação do credor. Este,

arrogando-se o direito de crédito, iniciava, sem mais formalidades

nem delongas, a via executiva. Só depois de iniciada ou de

concluída a execução é que surgia nela, como ocorrência incidental,

o juízo de conhecimento, quando o executado contestava o direito

do exequente. 78

78 REIS, José Alberto. Processo de Execução. 2ª ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1957. p. 72.

53

O processo evolutivo atravessado pelo Direito Germânico culminou por

condicionar a penhora privada à prévia autorização judicial, sem, no entanto, retirar

o caráter unilateral da execução, porquanto ainda era essencial a simples afirmação

do crédito pelo exequente.

Arremata, Humberto Theodoro Jr. 79, ser traço característico do

processo germânico a fusão das atividades cognitiva e executiva. Tal sincretismo

era reflexo da mentalidade dos povos bárbaros, a quem repugnava a ideia de que,

para se chegar à execução, o credor deveria se valer de uma outra ação.

Do embate entre o Direito Germânico e o Direito Romano, sob a

influência, ainda, do direito canônico, surge, já na Idade Média, o chamado direito

intermédio, que acolheu também a denominação de direito comum, por ter se

propagado uniformemente por toda a Europa Continental.

A síntese das tradições tão diferentes proporcionou à execução novos

contornos, “longe da vetusta complexidade da actio iudicati romana, mas afastada,

também, da violência e arbitrariedade da execução privada dos hábitos germânicos

primitivos.” 80

Os glosadores medievais italianos do século XII, ao examinarem as

fontes do direito romano, encontraram atos executivos que competiam aos

magistrados, independentemente da actio, e baseados nos interdicta. Por aí,

chegaram à conclusão de ser a execução de sentença também uma atividade ex

officio do magistrado, concepção que se aproximava do Direito Germânico.

79 THEODORO JR., op. cit., pp. 148-150. 80 Ibid., p. 149.

54

Maior expressão desse pensamento coube a Martino de Fano, um

jurista do século XIII, que preconizou o conceito da execução per officium iudicis,

como atividade exercida pelo juiz, naturalmente em virtude de seu ofício.

Elucida José Alberto dos Reis:

A construção fez-se em termos singelos: pelo facto de ter julgado, é

dever do juiz praticar os actos necessários para assegurar a

execução da sentença. A execução entra, pois, no ofício do juiz, de

sorte que não é necessário, depois de obtida uma sentença de

condenação, propor nova acção, basta implorar, mediante

requerimento, o exercício do officium iudicis. 81

Dessarte, a esse procedimento, que se mostrava marcado pela

possibilidade de obter a execução por ofício do juiz, foi atribuída a designação de

executio parata (execução aparelhada), resumindo-se aos seguintes passos:

confirmada a condenação do devedor, pedia-se ao magistrado que expedisse um

preceito, ordenando-lhe o cumprimento da sentença; em caso de o devedor não

acatar, pedia-se, então, o prosseguimento da execução.

De efeito, a doutrina da execução, no direito comum italiano, foi

vincada pelo ajustamento entre duas tendências díspares: o desembaraço das vias

executivas do direito germânico, e o forçado retorno à actio iudicati, decorrente do

privilégio conferido ao direito de defesa.

81 REIS, op. cit., p. 74.

55

Dessa fusão, como arremata José Alberto dos Reis82, é que vai surgir,

mais tarde, a teoria do título executivo.

2.4 A evolução da atividade executiva após a Idade Média

No século XVII, os títulos negociais assumiram maior relevância

econômica que as sentenças condenatórias, dada sua maior utilização na vida

prática, o que resultou em sensível mudança no padrão executivo. Assim explica

Humberto Theodoro Jr.:

Com o passar do tempo, impôs-se a necessária diferenciação dos

dois procedimentos executivos: para as sentenças condenatórias,

conservou-se a sumariedade tradicional, e para os títulos

extrajudiciais [lettres obligatoires – obrigações escritas] criou-se um

processo executivo contencioso, uma verdadeira ação executiva,

com prazos e oportunidades especiais para defesa e discussão das

alegações das partes. 83

E acrescenta o autor84, em outro passo, que o acolhimento de novos

títulos negociais, bem como a confissão do devedor, representados pelos sistemas

da lettres obligatoires (na França) e das guarantigiati (na Itália), terminou por

conferir, a este procedimento executivo, tamanha relevância que o transformou em

padrão, suplantando a execução da sentença condenatória. 82 REIS, op. cit., p. 78. 83 THEODORO JR., op. cit., p. 160. 84 THEODORO JR., p. 161.

56

Nesse panorama, passou-se a atribuir maior importância à defesa do

devedor, pois a execução do título extrajudicial teria se iniciado sem a chancela do

magistrado, por meio da atividade cognitiva. Foi então que a actio iudicati –

execução mediante a formação de nova relação processual – ressurgiu das cinzas,

mormente quando utilizada apenas em caráter excepcional.

Como resumiu Liebman:

(...) havia uma diferença entre a execução promovida por sentença e

a que tinha por fundamento simples instrumento: é que, na primeira,

o pedido do credor estava amparado pela coisa julgada sobre a

existência do seu direito, o que reduzia as possíveis defesas do

executado à arguição da nulidade da sentença, ou do pagamento

posterior à sentença, ao passo que, na segunda, permanecia íntegra

a possibilidade de o executado defender-se por todos os meios. Por

conseguinte, com o passar do tempo, diferenciaram-se novamente

as execuções nos dois casos: no primeiro, que se apresentava

como simples prosseguimento da ação, reduzidas eram as

oportunidades em que o executado podia defender-se; no segundo

admitiu-se, ao contrário, verdadeira ação executiva com prazos

especiais para discussão das defesas do executado. 85

2.5 O título executório: considerações prévias

85 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 10.

57

É possível concluir que o conceito de título executivo nasceu da junção

de dois sistemas distintos: o germânico e o romano, já na alta Idade Média, dando

início à execução aparelhada.

Sob esse aspecto, o título executivo passou a representar a condição

necessária e suficiente para a propositura da ação executiva. Em contrapartida,

estava à disposição do devedor a ação de oposição, verdadeira ação de

conhecimento com escopo de demonstrar a inexistência da obrigação.

Em linhas gerais, o procedimento estabelecido perdurou na legislação

moderna, até mesmo nas Ordenações do Reino, base da legislação brasileira.

Como bem observa José Alberto dos Reis:

As organizações positivas actualmente em vigor assentam

fundamentalmente nos dois postulados: a) necessidade e suficiência

do título executivo, como base da execução; b) imposição, ao

executado, do ônus de alegar e demonstrar a inexistência do direito

do exequente.86

A concepção adotada terminou por dar origem ao princípio da nulla

executio sine titulo, pelo qual a execução depende umbilicalmente do título executivo

válido.

2.6 A evolução histórica da ação de execução no Direito Processual brasileiro

86 REIS, op. cit., p. 79.

58

Vigoraram no Brasil as Ordenações do Reino, primeiramente como

consequência da submissão da Colônia à Coroa lusitana, e, posteriormente pela

absoluta incapacidade de que o novo Estado pudesse construir outro corpo

legislativo a substituir as Ordenações.

As Ordenações Afonsinas (séc. XV) e as Manoelinas (séc. XVI)

mantiveram no Brasil a evidente influência do Direito Romano quanto ao

procedimento de execução, embora, no séc. XVIII, com as Ordenações Filipinas

ainda em vigor, afrouxaram-se os laços que prendiam a vida jurídica de Portugal ao

Direito Romano.87

Dinamarco88 observa que o direito das Ordenações – de todas elas –

desconhecia a figura do título executivo extrajudicial, que somente foi introduzido na

legislação de Portugal, graças ao Código de Processo Civil de 1876.

Com a edição do Regulamento 737, em 1850, acrescido pelo Decreto

n. 763, de 1890, que estendeu ao processo civil toda a disciplina concernente ao

processo comercial, o Brasil passou a ter um diploma processual propriamente

brasileiro, desatrelando-se de Portugal.

Posteriormente, diante de várias tentativas frustradas de alguns

Códigos de Processo estaduais, iniciou-se a fase da unidade legislativa no Brasil,

com a promulgação do Código de Processo Civil de 1939.

A lei processual manteve a tradição brasileira pelo sistema executivo

dualista. Vale dizer: primeiro ocorre o processo de conhecimento, para, então, se dar

a execução da sentença condenatória por meio de nova demanda, subsequente e

autônoma.89

87 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 64. 88 Ibid., p. 65. 89 Cf. DINAMARCO, Execução…, cit., p. 78s.

59

No que concerne à execução dos títulos extrajudiciais, o Regulamento

737 reconheceu sua eficácia executiva, e o Código de 1939 ampliou o rol taxativo.

O advento do Código de Processo Civil de 1973, oriundo do

anteprojeto do processualista Alfredo Buzaid, arquivou relevante modificação no

sistema executivo, qual seja a eliminação de qualquer resquício de atividade de

conhecimento no procedimento executivo.

Como afirma Dinamarco:

A mais significativa alteração à execução forçada foi a equiparação

dos títulos executivos extrajudiciais aos judiciais, o que tirou o direito

brasileiro, sob esse aspecto, de um atraso de séculos em relação

aos sistemas europeus. O Código eliminou a medieval ação

executiva, e hoje todos os títulos (quer judiciais ou extra) autorizam

uma execução pura, sem intromissão de atos cognitivos do mérito.90

Com efeito, o caminho percorrido pela execução, do Direito Romano

até a legislação processual brasileira de 1973, foi longo e pontuado de “idas e

vindas”, pois houve breve retorno da executio per officium iudicis, no âmbito da

execução das sentenças, para posteriormente se abstrair por completo a apreciação

do mérito nos limites do processo de execução.

2.7 A actio iudicati romana e a execução de título judicial no CPC de 73: traços

distintivos

90 DINAMARCO, Execução…, cit., p.79.

60

No momento histórico em que os documentos de confissão de dívida,

lavrados perante o tabelião (e.g., as lettres obligatoires), adquiriram a eficácia da

sentença condenatória, ou a esta foram equiparadas, os juristas da época atentaram

para a diferença fundamental existente na situação do devedor na execução da

sentença e na execução do título de crédito: a sentença teria sido prolatada após o

exercício do direito de defesa pelo devedor, o que não ocorria nos documentos de

confissão de dívida, cujo direito de crédito ainda deveria ser discutido.

Desse modo, o procedimento executivo se distinguia conforme o

crédito fosse reconhecido por sentença ou não.

Sobre essa dicotomia, Liebman esclarece:

Não obstante, havia uma diferença entre a execução promovida por

sentença e a que tinha por fundamento simples instrumento: é que,

na primeira, o pedido do credor estava amparado pela coisa julgada

sobre a existência do seu direito, o que reduzia as possíveis defesas

do executado à arguição da nulidade da sentença, ou do pagamento

posterior à sentença, ao passo que, na segunda, permanecia íntegra

a possibilidade de o executado defender-se por todos os meios. Por

conseguinte, com o passar do tempo, diferenciaram-se novamente

as execuções nos dois casos: no primeiro, que se apresentava

como simples prosseguimento da ação, reduzidas eram as

oportunidades em que o executado podia defender-se; no segundo

admitiu-se, ao contrário, verdadeira ação executiva com prazos

especiais para discussão das defesas do executado. 91

No Brasil, com o advento do Código de 1973 unificou-se a via

executiva, mediante a disciplina de um único procedimento executivo, tanto para os

91 LIEBMAN, Processo..., cit, p. 12s.

61

títulos denominados extrajudiciais quanto para as sentenças. A consequência disso

foi a inclusão, no sistema, de uma forma de defesa especial e apartada do

procedimento executivo, cuja amplitude de conteúdo passou também a ser

disciplinada no sistema, e diferenciado para cada espécie de execução. Com isso,

deu-se maior amplitude de discussão do mérito à ação de embargos ao título

extrajudicial, restringindo a matéria a ser discutida em sede de embargos ao título

judicial.

A unificação do procedimento executivo tornou despicienda uma

averiguação da natureza do direito substancial do credor, ou seja,

independentemente da natureza, a via executiva seria a mesma, não importando as

necessidades do direito material.

62

3 O TÍTULO EXECUTIVO NA ATUAL SISTEMÁTICA

A ideia de título se encontra intimamente ligada à assertiva de que uma

prestação, descrita nele, deve ser cumprida. Ou seja, representa o direito material à

satisfação da obrigação estabelecida, bem como, do lado oposto da relação jurídica,

o dever de prestar.

O art. 586 do Código de Processo Civil, mesmo após a reforma pela

Lei n. 11.323/2003, manteve o título executivo como pressuposto para o início da

atividade executiva, evidenciando as arraigadas concepções romanísticas.

O Código Processual de 1939 fazia clara distinção entre os títulos

executórios e os títulos executivos, em sentido estrito. Os primeiros equivaleriam aos

que são hoje denominados de títulos executivos judiciais; os segundos seriam os

títulos extrajudiciais.92

A sua vez, o Código de Processo Civil de 1973 equiparou as eficácias

do título judicial e do extrajudicial, eliminando a chamada “ação executiva”.

Obedecendo à tradição história, nosso sistema processual manteve o

conceito do título, aplicado às sentenças condenatórias (título executivo judicial) e

aos títulos negociais (títulos executivos extrajudiciais), resultando na previsão de

procedimentos distintos, adequados à natureza díspare desses títulos.

Há, indiscutivelmente, uma diferença essencial entre o título executivo

constituído pela sentença condenatória e o título executivo constituído pelos títulos

negociais.

92 Cf. DINAMARCO, Execução..., cit., p. 457.

63

A sentença condenatória, elevada à categoria de título, por expressa

disposição legal, traz em seu âmago a certeza da existência do crédito, ou da

obrigação a ser cumprida, estatuída pelo juiz após os percalços do processo de

conhecimento. Ao passo que os títulos extrajudiciais, consistentes, em sua maioria

esmagadora, em títulos de crédito, não desfrutam da chancela do Judiciário; contêm,

porquanto, uma obrigação assumida pelo devedor.

3.1 O título executivo

A palavra titulus significa inscrição, o que leva à ideia de documento,

em sentido amplo.93

A origem histórica da concepção de título judicial, mais do que sua

modalidade extrajudicial, causa interesse. A única certeza que se tem é que seu

surgimento foi resultado da necessidade de evitar, à época, a propositura de nova

demanda, no caso, a actio iudicati, mesmo depois do exercício de uma atividade de

reconhecimento do direito desenvolvida pelo juiz privado, para, então, possibilitar ao

credor a abertura da via executiva.

José Alberto dos Reis informa que, em sua concepção inicial, a

sentença que condenava o devedor a cumprir a obrigação – esta, reconhecida como

existente pelo juiz privado – não tinha eficácia executiva, porquanto, se o devedor

não efetuasse o pagamento, o credor não poderia, desde logo, promover a

93 SATTA, Salvatore. Esecuzione ed espropriazione – L’azione esecutiva e il titolo. In: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, março/1949. p. 555.

64

execução. Tinha de propor nova ação: a actio judicati. Somente depois de nova

sentença, judicial, a execução se tornava factível para o credor.

Nas palavras do mestre:

A sentença de condenação não era, pois, título executivo; não

conferia ao credor o poder de promover uma acção executiva.

A sentença tinha eficácia meramente obrigatória; quer dizer, fazia

surgir uma nova obrigação, a obligatio judicati, em substituição da

obrigação originária. A falta de cumprimento da nova obrigação dava

lugar, não a uma execução, mas a uma nova acção, a actio judicati,

pela mesma razão por que a falta de cumprimento da obrigação

primitiva dava lugar à primeira acção. 94

Fica evidente o tratamento privilegiado atribuído ao devedor na

execução romanística. E, paradoxalmente, no direito germânico, prevalecia o direito

do credor em obter o cumprimento da obrigação, abrindo-lhe ensejo à imediata

penhora dos bens do devedor, como ato decorrente de sua própria força.

Já no direito intermédio, como exposto em passagem anterior, houve a

junção dos dois sistemas executivos, dando origem a duas vias executivas distintas.

A primeira, consistia na execução per officium iudicis, em que o juiz, já dotado de

imperium, por mero impulso oficial, dava ensejo à atividade executiva. Já a segunda,

a via ordinária da actio iudicati, só empregada em casos excepcionais, em que

houvesse juros vencidos, fosse ilíquida a condenação ou, ainda, se a execução

corresse em juízo diferente do que sentenciara.95

94 REIS, Processo..., cit., p. 71. 95 Cf. REIS, Processo…, cit., p. 74.

65

No entanto, chegou-se à conclusão da inconveniência em dar

seguimento à atividade executiva com base unicamente em mera afirmação do

direito de crédito.

A possibilidade de o credor obter a execução por ato de ofício do juiz,

sem a necessidade de nova ação, foi imediatamente designada pelos “doutores”

como a fórmula: sententia habet paratam executionem, aflorando, assim, o conceito

da execução aparelhada, como descreve José Alberto dos Reis:

Assim surge o conceito da execução aparelhada (executio parata),

que da sentença se estende a algumas categorias de instrumentos,

por se considerar integrada neles a confissão do devedor e se

entender que era indiferente que a confissão fosse feita perante o

juiz ou perante o notário.

[...]

Tal é, nas suas linhas gerais, o movimento de que saiu o moderno

título executivo, movimento operado na Itália pelos criadores do

direito comum. 96

Como se vê, a razão de ser do título executivo se encontra na

necessidade da segurança. Foi assim que, a sentença judicial condenatória – por

conter uma declaração de existência de um crédito – e determinados documentos,

que continham a confissão do devedor, obtiveram o status de dar início à

expropriação.

O título passou, então, a dispensar a prévia atividade cognitiva de

reconhecimento do crédito, o que, além de proporcionar maior certeza na existência

do crédito, atribuiu maior celeridade à execução.

96 REIS, Processo…, cit., p. 75.

66

Entretanto, as justificativas não se mostram satisfatórias, porquanto,

por outro prisma, a qualidade de título atribuída à sentença condenatória não lhe

modifica a essência, tampouco altera os efeitos que (não) pode produzir no plano

dos fatos.

Para carrear à consideração o caráter ilusório do título executivo

judicial, é de bom alvitre consignar a análise do título executório, no plano

ontológico.

3.1.1 As teorias sobre a natureza jurídica do título executório

a) O título como atestação do crédito: pensamento de Furno

Por essa doutrina, o título seria a afirmação da existência do direito do

credor; ou “configura ato de acertamento do direito subjetivo material”.97

Segundo o pensamento de Furno, a eficácia “certificante”, atribuída ao

título, atuaria antes do processo e mesmo fora dele, pois essa certeza estaria no

plano do direito substancial.

Segundo pontua José Alberto dos Reis98, essa doutrina recebeu de

alguns juristas “gradações diversas”. Alguns, como Fadda Betti e Bellavitis veem no

título o acertamento do direito do exeqüente; outros, como Scialoja e Cesáreo-

Consolo, veem a prova desse direito. Haveria, ainda, aqueles que, como Mortara,

veem somente uma presunção de que tal direito existe.

97 Cf. SHIMURA, Sérgio. Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 86. 98 Cf. REIS, op. cit., p. 95.

67

Importa destacar que a “eficácia certificante” atribuída ao título

executivo não se coaduna com o conceito de título da espécie extrajudicial, haja

vista a inexistência de qualquer acertamento do direito substancial em relação aos

títulos negociais.

Outrossim, no que concerne à corrente que afirma existir no título uma

presunção do direito do credor, cumpre objetar que o título não cede à mera prova

em contrário, como ocorre com as presunções em geral, requerendo verdadeira

anulabilidade que o desconstitua.99

b) O título como ordem de serviço: doutrina de Goldschmidt

Por essa teoria, Goldschmidt afirma que o título executivo contém uma

ordem de serviço dirigida ao órgão incumbido da execução, a quem cabe cumpri-la

em razão da força vinculante de que é dotado, independentemente da subsistência

do crédito.

Em crítica contundente, José Alberto dos Reis100 observa que essa

doutrina tem como ideia principal a de que a ação executiva nasce do título e que,

ver nele uma ordem de serviço, seria exagerado e até absurdo, em se considerando

os títulos extrajudiciais.

c) Teoria da legitimação: concepção de Binder

99 Cf. REIS, op. cit., p. 96. 100 Cf. REIS, op. cit., p. 97.

68

Segundo o pensamento de Binder, a função precípua do título

executivo seria a determinação da legitimidade na execução.

Com efeito, tal construção doutrinária despreza ou, no mínimo, relega a

segundo plano o próprio direito de crédito que estaria contido também no título.101

d) O título como prova legal do crédito: a teoria de Carnelutti

A natureza do título executivo fez nascer, na Itália de meados do

século XX, uma acirrada polêmica entre o respeitado professor Carnelutti e o jovem

Liebman.

Para Carnelutti, a finalidade do título é fornecer a prova “legal” do

crédito; ou seja, a justificativa necessária, advinda da determinação legal, capaz de

outorgar à execução a certeza da existência do crédito. Criticando tal ideia, Liebman

afirma que a teoria de Carnelutti acaba por violentar o conceito de prova.102

Sobre o cerne da doutrina Carneluttiana, explicita José Alberto dos

Reis:

A lei deu ao título o caráter e a força de prova legal do crédito.

Desde que o exequente apresente um título executivo, o órgão

incumbido da execução não pode pôr em dúvida a existência do

crédito; tem de a aceitar e consequentemente de exercer a sua

actividade em ordem à realização coactiva do direito do credor, isto

101 Cf. REIS, op. cit., p. 98. 102 A esse respeito, ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. 1. p. 292.

69

é, em ordem à consecução do resultado que o credor devia trazer o

cumprimento voluntário da obrigação. 103

Cândido Dinamarco104 pontua que a concepção documental parte de

uma confusão entre prova e forma do ato jurídico; ou seja, “a forma escrita é

necessária ao ato, é de sua própria essência, mas constitui inegável erro de

perspectiva ver a eficácia derivando do documento em que o ato se consubstancia e

não do próprio ato em si mesmo”.

e) O título como portador da sanção: a teoria de Liebman

Opondo-se acirradamente à ideia do título como documento que

materializa a “prova legal” do crédito, Liebman105 assevera que o título executório é

“um ato jurídico dotado de eficácia constitutiva, porque é fonte imediata e autônoma

da ação executória, a qual, por conseguinte, é, em sua existência e em seu

exercício, independente do crédito.”

Assevera o processualista italiano que a sentença condenatória tem o

condão de tornar concreta a sanção, mediante atuação do Estado, de realizar o

resultado expresso na vontade da lei, independentemente da vontade do obrigado.

Dessa forma, a sentença condenatória, sob o aspecto substancial,

não passa de uma declaração, porquanto os direitos e obrigações

das partes preexistem, e aquela, sem nenhuma eficácia inovadora,

103 Cf. REIS, op. cit., p. 99. 104 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 474. 105 LIEBMAN, Embargos..., cit., p. 191.

70

nada mais faz que dar a certeza de sua existência. Sob o aspecto

processual, todavia, tem eficácia constitutiva, porque a sanção só

preexiste à condenação como vontade abstrata e é o juiz quem a faz

tornar-se concreta, transferindo-lhe o conteúdo do direito substancial

declarado: aquela, pois, se precisa na vontade de que se leve a

efeito determinada execução em prejuízo de determinada pessoa e

a favor de outra, com o escopo de atingir, pelos meios do processo,

o resultado a que tendia o imperativo jurídico inobservado. A

novidade produzida pela sentença condenatória não é pois,

simplesmente, a ordem aos órgãos encarregados da execução,

senão a própria vontade de lei de que se atue a sanção, isto é, de

que a execução se faça.106

Segundo bem observa José Alberto dos Reis107, “quando Liebman vê o

título executivo principalmente no acto, tem presente a figura do título executivo

judicial (teoria da condenação) e esquece a figura do título executivo negocial

(escritura pública ou título particular de obrigação).”

f) Teoria eclética: pensamento de Andolina

Ítalo Andolina108 discorda da concepção do título como prova legal do

crédito, tampouco acredita se tratar de ato jurídico.

106 LIEBMAN, Embargos…, cit., pp. 159-160. 107 Cf. REIS, op. cit., p. 102. 108 “[...] il titolo esecutivo è si um documento, ma è anche um atto – nel presuposto, Del resto ovvio, Che il documento contiene sempre in sé qualcos’altro – non può, quindi, che nuocere alla chiarezza delle idee. Dal momento che non si tratta qui di scoprire che cosa si celi dentro il documento, ma di vedere piuttosto se questo quid che sta dentro il documento rilevi (ed in che modo) in seno

71

Por meio da doutrina denominada eclética, coexistem, na estrutura do

título executivo, tanto o ato jurídico quanto o documento, do que resulta eventual

atividade cognitiva a ser exercida sobre a execução, por iniciativa do devedor.

3.1.2 A divergência nos conceitos

Pondere-se que a doutrina não estabelece um consenso quanto à

natureza do título executivo, o que leva à conclusão da inexistência de uma

construção teórica satisfatória, capaz de atribuir, ao título executivo, natureza e

eficácia condizente com os diversos tipos de procedimentos executivos, de modo a

possibilitar a identificação, nas variadas espécies de execução, de um

comportamento uniforme do título.

Há quem negue ao título, inclusive, a possibilidade de representar uma

categoria jurídica própria, baseado no fato de existirem “vários títulos executivos”,

sem que haja entre eles uma essência comum, a não ser a eficácia de ensejar a

execução.109

Como bem observa Sérgio Shimura:

[...] a natureza jurídica do título executivo não pode construir-se

somente sobre um dos seus tipos: a sentença. Sob pena de não ser

uniforme, há de se ter em contra também os títulos extrajudiciais; há

de fixar um conceito unitário que se ajuste tanto ao título judicial

como ao título negocial. 110

all’esperienza della esecuzione forzata.” (ANDOLINA, Ítalo. “Cognizione”ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale. Milano: Giuffrè, 1983. p. 52.) 109 Cf. DINAMARCO, op. cit., p. 482. 110 SHIMURA, Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 103.

72

As teorias apontadas, sem desqualificar outras com menor expressão,

por isso não mencionadas, contribuíram para a construção pragmática do processo

de execução, mas não chegaram a explicar a natureza ontológica do título

executivo.

Mais. A construção doutrinária acerca do título executivo ainda não é

suficiente para reunir todos os provimentos que apresentam eficácia executiva.

3.2 O título executivo como ficção jurídica

Como bem acentua Crisanto Mandrioli111, o problema central do título

executivo e da ação executiva consiste em conciliar a abstração do título com o fato

de que ele representa uma situação substancial.

Nessa esteira, a afirmação de que o título executivo “documenta” a

existência do crédito não se evidencia satisfatória, haja vista a possibilidade de o

crédito efetivamente existir (no plano real) e o documento não existir, porquanto lhe

faltem requisitos essenciais – e.g. a nota promissória emitida em nome de outrem

por sujeito sem poderes para tanto. Ou seja, o crédito existiria, o documento estaria

formalmente em ordem, mas há vício essencial que o torna inexistente enquanto

ato.112

111 “Poiché il problema centrale del titolo esecutivo e dell’azione esecutiva consiste proprio nel conciliare l’astrattezza del titolo col fatto che questo rappresenta una situazione sostanciale, la soluzione del problema dipende interamente, secondo me, dalla nozione di atto-documento, comune a tutti i tipi di titoli esecutivi, che rappresenta la sintesi di siffate caratteristiche apparentemente contrastanti.” (MANDRIOLI, Crisanto. L’azione esecutiva – contributo alla teoria unitaria dell’azione e del processo. Milano: Giuffrè, 1955. p. 384) 112 A esse respeito, ver MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil – princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 112.

73

Por outro lado, considerar o título executivo apenas como ato de

acertamento não se revela a melhor conclusão, porquanto não há ato de

“acertamento” nos títulos extrajudiciais.113

Com efeito, se a ação executiva tem origem no título, o conceito de

título deve ser o mesmo, tanto para os judiciais quanto para os extrajudiciais.

O título extrajudicial não configura ato de acertamento, ou seja, de

certeza quanto à existência do crédito, pois existe a possibilidade do advento de

uma sentença judicial que reconheça a inexistência do crédito. Mais. A certeza do

título extrajudicial provém da vontade das partes (credor e devedor) exarada no

título, ao passo que, no título judicial, a certeza da existência do crédito seria

inerente ao ato judicial, pois declarada pelo juiz, o que configura o “acertamento”.

Objete-se, ainda, a dificuldade em relacionar o título extrajudicial com o

conceito de sanção, presente no título judicial, como defende Liebman, pois a

sanção teria de ser declarada pelo credor, o que é inadmissível.

Noutro vértice, o título executivo judicial não é imprescindível para a

sobrevivência do título executivo extrajudicial, pois este cuida de trazer à execução o

crédito documentado, como ocorre com as promissórias, duplicatas, letras de

câmbio, escrituras de confissão de dívida, etc.; “papéis” que aparelham a execução

em razão de sua própria regularidade formal e, principalmente, porque a lei lhes

atribui a eficácia executiva, o que torna redundante sua qualificação como títulos.

Salvatore Satta observa que o título nasceu da necessidade prática de

justificar a ação executiva. Nas palavras do processualista italiano:

113 Em sentido contrário, MANDRIOLI, L’azione…, op. cit., p. 387.

74

A história nos ensina, pois, que os títulos de crédito e os títulos

executivos em particular são brotados por instância prática, qual

aquela de criar uma normativa material, isto é, um crédito

verdadeiramente e criá-la de um único modo possível, ou seja,

destruindo as contestações do devedor. O título executivo tem

portanto uma índole constitutiva, e precisamente constitutiva da

condição documentada (porém a palavra documento deve ser

entendida sem qualquer sentido probatório); uma índole que, ao

cabo de contas, todos lha hão reconhecido mesmo erradamente,

referindo-se a um quid que se acrescenta ao crédito, a este dando

força executiva que antes não tinha. 114

Mas adiante, o autor conclui:

[...] a especificação que diferencia o título executivo dos outros

títulos é devido ao seguinte: que a constituição do crédito se dá

através da ação, quer dizer, a atribuição de um poder – como diz a

lei – de adequar forçadamente a realidade à normativa contida no

título. 115

É preciso advertir que, na concepção de Satta, a ação representa um

direito concreto, o que explica sua afirmação de que a propositura da ação configura

a força do próprio crédito exercido contra o devedor.

A índole simbólica ou ilusória do conceito de título executivo foi

defendida por Ferdinando Mazzarella116, na década de 60. Para o autor da

114 SATTA, Direito Processual..., cit., p. 534. 115 Ibid., p. 535. 116 “O, per meglio dire, la comune qualità di tutti non può fondarsi altro che sul piano del linguaggio, cioè sul loro esser ‘simboli’ di altrettante azione tipiche a dispozione del soggeto che si postula come creditore (insoddisfatto). Anzi, vorremmo dire, la comune capacità simbolico-rappresentativa dei vari atti, in questo veramente comune a tutti, si fonda sulla loro irriduciible diversità, cioè sul loro denotare aspetti singolari delle varie azioni a disposizione del soggetto,aspetti che caratteristici dell’una non si ritrovano nell’altra. Sotto questo profilo ‘sentenza’, ‘cambiale’, ‘atto notariale’ no sono qualcosa di diverso da quello che sono in concreto, cioè atto giudice, atto del debitore, atto del notaro, ma denotano, rinviando ad esse, delle esperienze tipiche che il soggetto fa come creditore, o, per meglio

75

Universidade de Roma, não há diferença prática na execução de uma sentença, de

uma cambial ou de ato notarial, de modo que o título teria um papel meramente

simbólico na execução.

Dessarte, o que sobra disso, e é comum às teorias mais modernas, é a

afirmação de ser o título a condição essencial para a ação executiva. No entanto,

diante do procedimento híbrido – atualmente imposto para as execuções de fazer,

de entregar coisa e de pagar quantia – em que não há a necessidade da propositura

da ação executiva, é de se indagar qual seria a função atual do título judicial.

É factível supor que a presença do título ensejaria o manejo da

impugnação pelo devedor, com seu conteúdo restrito. A certeza contida no título

justificaria a limitação da matéria aduzida neste tipo de defesa, tratada no art. 475-L.

Para a defesa oposta nas execuções das sentenças dos artigos 461 e

461-A, há tempos se dispensou a utilização dos embargos do devedor, como

defendeu a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 117, restando a alternativa

dire, nel suo postularsi come tale.” (MAZZARELLA, Ferdinando. Contributo allo studio del titolo esecutivo. Milando: Giuffrè, 1965. p.73.) 117 “PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA EXECUTIVA LATO SENSU (CPC, ART. 461). DESCABIMENTO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. DEFESA POR SIMPLES PETIÇÃO, ATENDIDOS OS LIMITES DO ART. 741 DO CPC. 1. Os embargos do devedor constituem instrumento processual típico de oposição à execução forçada promovida por ação autônoma (CPC, art. 736 do CPC). Sendo assim, só cabem embargos de devedor nas ações de execução processadas na forma disciplinada no Livro II do Código de Processo. 2. No atual regime do CPC, em se tratando de obrigações de prestação pessoal (fazer ou não fazer) ou de entrega de coisa, as sentenças correspondentes são executivas lato sensu, a significar que o seu cumprimento se opera na própria relação processual original, nos termos dos artigos 461 e 461-A do CPC. Afasta-se, nesses casos, o cabimento de ação autônoma de execução, bem como, conseqüentemente, de oposição do devedor por ação de embargos. 3. Todavia, isso não significa que o sistema processual esteja negando ao executado o direito de se defender em face de atos executivos ilegítimos, o que importaria ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Ao contrário de negar o direito de defesa, o atual sistema o facilita: ocorrendo impropriedades ou excessos na prática dos atos executivos previstos no artigo 461 do CPC, a defesa do devedor se fará por simples petição, no âmbito da própria relação processual em que for determinada a medida executiva, ou pela via recursal ordinária, se for o caso. 4. A matéria suscetível de invocação pelo devedor submetido ao cumprimento de sentença em obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa tem seus limites estabelecidos no art. 741 do CPC, cuja aplicação subsidiária é imposta pelo art. 644 do CPC.

76

da apresentação da defesa por mera petição, ou a utilização da exceção de pré-

executividade.

Todavia, após a vigência da Lei n. 11.232/05, parte da doutrina passou

a defender a incidência, no que for aplicável, das regras do art. 475-L para a defesa

do devedor oposta nas execuções de fazer e de dar coisa.118

3.3 As impropriedades da Lei n. 11.323/05: sobrevivência da sentença

condenatória como título executivo judicial

Em capítulo anterior, ficou destacado que a principal justificativa da

inclusão da sentença condenatória na categoria dos títulos executivos está na

necessidade de provocar o início da atividade executiva.

Embora a nova lei tenha tido por escopo fundir os procedimentos de

conhecimento e de execução, não deixa claro se a necessidade do título executivo

judicial ainda persiste.

O art. 475-I traz o termo “sentença”, e o art. 583 foi revogado pela Lei

n. 11.232/06, dado que sua redação original explicitava o título como pressuposto de

“toda execução”.

5. Tendo o devedor ajuizado embargos à execução, ao invés de se defender por simples petição, cumpre ao juiz, atendendo aos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, promover o aproveitamento desse ato, autuando, processando e decidindo o pedido como incidente, nos próprios autos. 6. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 654.583/BA, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2006, DJ 06/03/2006, p. 177) 118 Nesse sentido, MARINONI et al., Curso..., cit., p. 183 e p. 226.

77

É possível tenha o legislador pretendido atenuar a regra de que toda

execução tem por base um título judicial ou extrajudicial, enquanto mitigação do

princípio da nulla executio sine titulo, objeto de digressão mais adiante.

Tal modificação traria o benefício da coerência daqueles dispositivos

com os artigos 273, 461 e 461-A, cujo teor não faz nenhuma alusão ao título.

Em contrapartida, o legislador se olvidou de alterar o conteúdo do art.

586, que continua a apregoar a necessidade do título para “cobrança de crédito”.

Isso poderia ser interpretado como uma exclusividade para as obrigações ou

deveres de pagar quantia; o título, então, seria exigido, tão somente, na execução

de dívida pecuniária.

Semelhante incoerência há na nova redação do art. 580, atribuída pela

Lei n. 11.232/05, ao assegurar que a execução deve ser promovida após o

inadimplemento de obrigação certa, líquida e exigível, “consubstanciada em título

executivo”.

No que respeita à atividade executiva decorrente da decisão

interlocutória que concede a tutela antecipada, o legislador não teve a iniciativa de

resolver a celeuma sobre consistir, ou não, esta decisão, um título judicial.119

O caput do art. 475-N, que enumera os títulos judiciais – em

substituição ao antigo art. 584 – nada dispôs sobre os provimentos interlocutórios de

eficácia executiva.

Como bem enuncia Eduardo José da Fonseca Costa120, o silêncio do

legislador foi eloquente, visto que, “se a liminar antecipatória fosse indicada como

119 Entendendo que a decisão interlocutória que defere a tutela antecipada constitui título executivo, embora não dotado de certeza, LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pp. 229 e 230.

78

título executivo, teria ela que ser necessariamente efetivada pelo procedimento

previsto no Livro I, Título VIII, Capítulo X (‘Do cumprimento da sentença’).”

A despeito de tais ilações, mostrou-se inevitável a manutenção da

execução de outros “títulos” judiciais, os quais não resultam diretamente da atividade

do juiz da causa de conhecimento, mas necessitam da tutela jurisdicional, descritos

nos incisos II, IV, e VI do art. 475-N.

No tocante à execução da sentença penal condenatória, da sentença

arbitral e da estrangeira homologada pelo STJ, vale o que foi dito sobre o

esvaziamento do conceito de provimento condenatório, porquanto essas sentenças

teriam eficácia executiva, à semelhança do que ocorre com as sentenças cíveis.

Tudo o que foi dito sobre a superação do conceito de título executivo,

formado pela sentença condenatória civil, não se choca com os apontados incisos

do art. 475-N.

As afirmações anteriores, sobre a prescindibilidade da formação do

título executivo judicial, dizem respeito às sentenças cíveis condenatórias, pois, à

medida que se aboliu a necessidade da propositura da ação executiva, de

consequência, inútil se tornou a formação do título judicial, cujas características de

liquidez, exigibilidade e certeza constituem atributos intrínsecos à sentença

executiva.

No caso da execução com base nos incisos II, IV e VI do art. 475-N,

haverá a necessidade óbvia da provocação da atividade jurisdicional por meio da

ação, como ocorre com os títulos extrajudiciais. Isso significa que a sentença

120 COSTA, Eduardo José da Fonseca. A repercussão da Lei n. 11.232/2005 na execução da tutela antecipada. In: CIANCI, Mirna e QUARTIERI, Rita (Coords). Estudos em homenagem ao Prof. Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007. p.177.

79

estrangeira homologada, a sentença arbitral e a sentença penal condenatória

configurariam, em tese, título executivo.

Todavia, nem sempre esses provimentos seriam tidos, em um primeiro

momento, como títulos hábeis a ensejar a ação executiva, por lhes faltar o atributo

da liquidez. Se houver necessidade da liquidação, e essa implica atividade cognitiva,

o provimento jurisdicional que ensejará a execução será a decisão sobre a

liquidação. Portanto, o procedimento será equivalente ao da execução da sentença

civil, com a mesma eficácia executiva que esta. Através desse prisma, a sentença

estrangeira homologada, a sentença arbitral e a sentença condenatória não

configuram título executivo judicial, tornando despicienda eventual emenda

argumentativa acerca do que foi dito sobre a prescindibilidade de título executivo

judicial para a propositura da ação de execução, porquanto a eficácia executiva é

inerente ao provimento judicial e não porque este se veste de título.

No entanto, é preciso analisar a executividade desses provimentos

mediante o cotejo do art. 475-J, caput e § 1º, e do parágrafo único do art. 475-N.

Essa análise é importante perante a figura do título executivo, cujo cumprimento

exigirá, excepcionalmente, a citação inicial do devedor.

3.4 Fim da dicotomia entre cognição e execução como consequência direta da

reforma

As reformas processuais iniciadas pelos idos do ano de 1994,

especialmente as leis que determinaram o conteúdo dos artigos 273 e 461 do

Código de Processo Civil, culminaram com a relativização da dicotomia entre os

80

procedimentos de atividade cognitiva e executiva. Ou seja, a doutrina percebeu a

conveniência da fusão dos processos de conhecimento e execução como meio de

alcançar a almejada celeridade na prestação da tutela jurisdicional, mormente sua

elevação a direito fundamental constitucional – art. 5º, LXXVIII, da CF.

O sincretismo entre o processo de conhecimento e o processo de

execução se tornou evidente diante do procedimento executivo lato sensu, típico da

execução [realização] da tutela antecipada, no mais variado conteúdo, e da

sentença que determina a obrigação de fazer e não fazer, sem que fosse possível,

por meio daqueles que operam o direito, furtar-se a aceitar a nova realidade.

Na exposição de motivos do Projeto de Lei n. 3.253/04, subscrita pelo

então Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos posteriormente transformado na Lei

n. 11.232/05, encontra-se explícito o objetivo da criação de um processo sincrético,

a proporcionar o desenvolvimento da atividade cognitiva e executiva, sem a

necessidade da propositura da ação de execução.

Está patente a intenção de imprimir ao procedimento executivo maior

celeridade por meio da eliminação da dicotomia exigida, que “importa a paralisação

da prestação jurisdicional logo após a sentença e a complicada instauração de um

novo procedimento para que o vencedor possa finalmente tentar impor ao vencido o

comando soberano contido no decisório judicial”.121

Diante das crises do processo de execução, a doutrina122 desfraldou a

bandeira da celeridade procedimental e concluiu que a eliminação da necessidade

de propositura da ação executiva, a eliminação do juízo de admissibilidade do juiz

121 EM n. 00034, de 18 de março de 2004. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos>. Acesso em: 3 mar. 2010. 122 Nesse sentido, LOPES, João Batista. Execução civil: a difícil conciliação entre celeridade processual e segurança jurídica. In: BUENO, Cássio Scarpinella; WAMBEIR, Teresa Arruda Alvim (Coords.). Aspectos polêmicos da nova execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 4. pp. 241ss.

81

em que determina nova citação, bem como a possibilidade de o exequente indicar,

de pronto, bens à penhora, encurtaria consideravelmente o caminho para

satisfatividade.

O Min. Athos Gusmão Carneiro123, um dos autores do anteprojeto do

cumprimento da sentença, chega a afirmar que o sincretismo entre cognição e

execução implica parcial retorno à execução per officum iudicis, adotada no direito

medieval. E o faz, diante da autorização para o magistrado, no momento da prolação

da sentença que reconhece a obrigação, ordenar o pagamento, no prazo de quinze

dias, sob pena de multa, consoante o art. 475-J, aproximando-se muito de uma

execução concedida de ofício.

Sem desprezo dos esforços empenhados pelos mentores da reforma, e

das intenções expressadas no texto legal, a problemática do novo procedimento

executivo defluiu tão logo passou a vigorar.

123 CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 11.

82

4 OS PROVIMENTOS JUDICIAIS EXECUTÁVEIS

No atual estágio de evolução do Direito Processual brasileiro, é mister

retomar as relações perdidas entre o processo e o direito substancial que o anima,

reavivando a relação de dependência entre esses dois elementos.

O juiz moderno tem consciência da necessidade de estudar a natureza

do direito substancial em lide para proporcionar ao jurisdicionado a tutela efetiva,

que leva em conta a técnica processual adequada.

Como explicita Luiz Guilherme Marinoni124, o juiz tem o dever de

conformar o procedimento – daí a técnica processual apropriada – para que o fim

último da efetividade seja atingido.

Durante o desenvolvimento do processo executivo, o direito

substancial, objeto da execução, passou a ser tratado como direito obrigacional.

Isso se deu em razão da confusão que se fez ao longo do tempo, que

teve como efeito o desvirtuamento da equação que liga a actio romana com a

obligatio.

Ovídio Baptista125, após longos estudos das doutrinas de Jhering e

Savigny sobre o Direito Romano, concluiu que, por uma sucessão de equívocos, a

actio terminou por gerar condenação em pecúnia, num descuidado alargamento do

conceito de obligatio.

124 MARINONI, Técnica processual..., cit., p. 222. 125 SILVA, Jurisdição e execução..., cit., pp. 64ss.

83

O mestre gaúcho alerta que o conceito de obrigação, que tinha,

originariamente, como fonte exclusiva o contrato e o delito (obligatio ex contractu e

ex delicto), se estendeu às demais relações jurídicas, culminando com a criação das

chamadas obligationes ex lege.

Tal entendimento gerou prejuízo para o conceito de vindicatio – meio

de exercício de um direito real – para a qual correspondia, não uma decisão

condenatória, mas um interdictum.

Segundo seus estudos da obra de Jhering, entendeu Ovídio Baptista

que, no processo romano antigo, a reivindicatória era uma ação puramente real e

que, posteriormente, se tornou uma ação pessoal, o que representou uma distorção

das equações primitivas: actio = obligatio, e vindicatio = interdictum.

Importa transcrever uma relevante observação:

Se tivéssemos, como depois no direito moderno vulgarizou-se, de

conceber uma pretensão nos direitos reais, tal haveria de ter

necessariamente um conteúdo negativo, correspondente ao dever

(rigorosamente não a uma obrigação) de omissão, de respeito, ao

direito real de outrem. 126

Com isso, o doutrinador gaúcho quis esclarecer que a ação

reivindicatória não poderia representar a “execução da obrigação” de o sujeito

entregar o bem, mas, ao contrário, deveria implicar ordem para que o sujeito

permitisse a tomada da posse pelo dono, ou seja, para que o demandado

suportasse a ação do dono.127

126 SILVA, Execução..., cit., p. 65. 127 Ibid., p. 68.

84

Entretanto, não foi o que ocorreu. A excessiva importância que se deu

à actio e à obligatio culminou, também, com a prevalência da iuris dictio, em

detrimento das atividades de imperium.

A consequência última dessa tendência era a abstração de qualquer

medida coercitiva da execução, que passou a atender, precipuamente, aos direitos

obrigacionais.

Nesse panorama, é possível inferir que, no direito moderno, houve

acentuada dificuldade em conceber um procedimento executivo adequado às

obrigações de dar e de fazer, ou não fazer, cujo objeto não era pecuniário e nem

sempre era proveniente de contrato. Tanto assim que, no direito moderno, as

obrigações de fazer, se inadimplidas, eram corriqueiramente convertidas em perdas

e danos.

Ilustra bem essa ideia a passagem de Ovídio Baptista, citando

Giuseppe Borre:

Devemos também ter presente que o processo romano somente

praticava a execução para pagamento de quantia certa, ou seja, a

execução tinha sempre expressão pecuniária, sendo

desconhecidas, no procedimento privado da actio – que foi o que

nos restou do processo romano –, a execução das obrigações de

dar, fazer ou não fazer. 128

Foram os “novos direitos” que, merecedores de tutela, forçaram o

desenvolvimento das novas técnicas processuais. Entenda-se, por “novos direitos”,

e.g., a pretensão à remoção do ilícito, a pretensão à obrigação específica, a

128 SILVA, Ovídio Baptista. Execução obrigacional e mandamentalidade. Disponível em: <http://www.baptistadasilva.com.br/artigos009.html>. Acesso em: 15 fev. 2008.

85

pretensão ao ressarcimento na forma específica, que, atualmente, são merecedores

da utilização das novas técnicas processuais, proporcionadas pelas reformas no

sistema processual, que levou em conta o princípio fundamental à tutela jurisdicional

efetiva.

Vale dizer que, especificamente em relação à tutela jurisdicional das

obrigações de fazer e não fazer, a evolução também se deu a partir da tutela

interdital.

As Ordenações Filipinas, vigentes no Brasil por longo período,

trouxeram as ações de preceito cominatório, utilizadas para compelir ao

cumprimento das obrigações de fazer e não fazer. Entretanto, com o passar do

tempo, houve a eliminação do caráter interdital dessas ações, que terminaram por

se transformar em ações meramente condenatórias, dando ensejo à formação de

título executivo, separando-se do conceito do interdito proibitório, que

permaneceram fiéis a natureza interdital.

O caráter coercitivo das ações cominatórias reapareceu com o Código

de Processo Civil de 1939.

De sua vez, o Código de 1973 suprimiu as ações cominatórias, pois o

art. 287 apenas possibilitava que se pleiteasse, na inicial, a imposição de multa em

caso de “descumprimento da sentença”.129

Na legislação processual de 73, a tutela das obrigações de fazer e não

fazer era regulada pelos artigos 644 e 645, que permitia a imposição de medida

coercitiva somente na sentença; porquanto a Súmula 500 do STF130 suprimiu o

caráter cominatório das tutelas de obrigação de dar.

129 Cf. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 116. 130 “Súmula 500: Não cabe a ação cominatória para compelir-se o réu a cumprir obrigação de dar.”

86

A Lei n. 9.952/94 e, posteriormente, a Lei n. 10.444/02, que deram

nova redação ao art. 461 do CPC, conferiram ampla abertura à utilização de várias

técnicas processuais, muito mais úteis às novas necessidades de tutela.

Com isso, o mesmo dispositivo, que trata, precipuamente, das

“obrigações” de fazer e não fazer, passou a receber interpretação ampla, a ponto de

abarcar, em uma mesma norma, o fazer oriundo de um contrato privado e o fazer

decorrente de lei.

Em adendo, facultou ao julgador a determinação da restituição da

coisa, a busca e apreensão, ou o ressarcimento pelo equivalente, sem o

pressuposto da existência de uma relação jurídica prévia entre credor e devedor.

A bem da verdade, trata-se de dever “legal”, porque ao julgador cabe

determinar ao sujeito que cumpra o preceito contido na norma.

Diante dessa assertiva, é possível sugerir que os arts. 461 e 461-A

comportam três modalidades de dever: o dever originado de um direito real, o dever

obrigacional e o dever legal.

4.1 Do provimento executável oriundo de contrato e oriundo de lei

É escorreita a utilização da expressão “execução da obrigação” para

designar o conteúdo da sentença que determina o cumprimento de um fazer, de um

não fazer, da entrega da coisa ou do pagamento de determinada quantia, nos casos

em que o próprio destinatário da ordem judicial tenha assumido tal obrigação em um

contrato válido.

87

Em contrapartida, há provimentos judiciais que visam compelir o

devedor a cumprir nada mais do que a lei. Ou seja, nesses casos, é possível falar

em “dever”, e não propriamente em “obrigação”, pelo fato de que tais comandos

judiciais não decorrem da vontade manifestada em um contrato anterior entre as

partes – de cunho eminentemente privado –, mas de um dever decorrente da lei,

que pressupõe a atividade coativa do Estado-juiz para que o recalcitrante obedeça à

regra jurídica.

Essas distinções ficam evidenciadas quando da comparação entre o

pedido de imissão na posse de bem imóvel e o pedido de entrega da coisa.

Exemplos desta distinção é a imissão na posse conferida a herdeiro necessário e a

imissão na posse em contrato de compra e venda.

Ressalva Marinoni:

(...) entendeu-se que tratar em um mesmo capítulo as ações

fundadas em direito real e as ações que tomam em consideração o

contrato – seja uma ação para exigir o adimplemento de prestação

de entrega de coisa, seja uma ação de restituição da coisa que, com

base nele, era possuída – constitui a melhor maneira de se

aprofundar o estudo das ações que podem se fundamentar no art.

461-A do CPC, uma vez que, como ressaltado, não é possível

confundir devedor e esbulhador, ou ainda deixar de diferençar os

pressupostos do direito ao adimplemento da obrigação de entrega

de coisa do direito à imissão na posse. 131

131 MARINONI, Técnica processual..., cit., p. 477.

88

Não obstante a atual constatação de um problema semântico quanto

ao conceito de obrigação, as interpretações do art. 461, 461-A e, mais

recentemente, do art. 475-I, do CPC, ainda se chocam com a concepção da

mandamentalidade, eficácia presente nas decisões oriunda da aplicação desses

dispositivos.

Sobre essa questão, Eduardo Talamini é categórico:

O sistema de tutelas estabelecido a partir do art. 461 não se limita

às obrigações propriamente ditas. Estende-se a todos os deveres

jurídicos cujo objeto seja um fazer ou um não fazer – como tem

reconhecido a doutrina. 132

Para tal afirmação, o jovem jurista paranaense parte da premissa que

uma obrigação, em sentido técnico, seria, apenas, uma das categorias de “dever

jurídico”, este entendido como “imposição jurídica da observância de determinado

comportamento ativo ou omissivo, passível de ser resguardada por sanção”.

A base de tal assertiva se encontra na doutrina civilista tradicional,

como na obra de Orlando Gomes133, que bem retrata o desvirtuamento do conceito

de obligatio, apontado por Ovídio Baptista.

Com isso, Talamini quis justificar a razão da expedição de uma ordem

judicial, com base no art. 461, à revelia de qualquer avença anterior de natureza

privada, e.g., o caso da ordem judicial dirigida a determinado órgão público para que

132 TALAMINI, Tutela relativa..., cit., p. 126. 133 “É definição clássica dos romanos, incorporada às Institutas: ‘obligatio est júris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei.” Conquanto mereça, ainda, aplausos dos civilistas, o conceito não é inteiramente satisfatório em razão das interpretações que comporta a expressão ‘solvere rem’. Tomada no sentido literal e restrito de pagar uma coisa, não abrange todas as espécies de obrigação; na acepção ampla de prestação, compreende todos os deveres jurídicos. Admite-se, no entanto, que a expressão se refere a todas as prestações patrimoniais.” (GOMES, Orlando. Direito das obrigações. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 9.)

89

reenquadre um servidor em sua função. Nesse caso, não haveria a possibilidade de

identificar a relação jurídica obrigacional, de origem privada, entre o servidor público

e o Estado, de modo que a executividade dependeria da inclusão, no art. 461, dos

“deveres jurídicos”, a fim de ampliar sua abrangência.

Há uma explicação bastante coerente para o esforço da

processualística atual: o apego à concepção da condenação. Em tese, somente com

a inserção de um provimento condenatório no âmago do art. 461, seria possível

aceitar os efeitos executivos que produz. Mais. Somente admitindo-se esse

provimento como condenatório e, consequentemente, como título executivo, é que

se poderia pensar em execução forçada.

A despeito da engenhosidade de tal construção doutrinária, um

caminho tão longo se torna desnecessário, à luz do resgate das origens esquecidas

do poder de imperium do Magistrado, turvadas pela função precípua que lhe foi

atribuída de “dizer o direito” (iuris dictio), como se uma função excluísse a outra.

Nessa senda, vale ressaltar os ensinamentos de Lucio Bove134 – Livre

Docente de Direito Romano da Universidade de Napoli – ao afirmar que o conceito

de imperium não revela nada mais do que um comando ou um poder, que sofreu

mutação durante o passar dos séculos, a ponto de não permitir ao estudioso

moderno reconstruir um conceito unitário.

Mais à frente, o professor italiano assevera:

Ciò, in particolare, deve osservarsi per la distinzione tra imperium ed

iurisdictio: come è stato ben detto (e come è confermato da quanto

si è osservato circa l’inesistenza di uma nozione unitaria di

134 BOVE, Lucio. Imperium. In: Novíssimo Digesto italiano. 3ª ed. v. 8, 1957. p. 212.

90

imperium), il famoso problema che per secoli ha tormentato la

scienza giuridica, no merita, un fondo, nè storicamente nè

dommaticamente una profonda indagine. Esso non è, a ben

considerare, nepture un problema. Imperium è il potere del

magistrato, inteso in un senso indefinito e generale. Iurisdictio è al

contrario qualche cosa di infinitamente determinato e specifico,

anche se si voglia considerarla come emanazione dell’imperium.

Premesso ciò, la distinzione esiste e no esiste. Esiste in quanto

imperium è un insieme di potestà, mentre iurisdictio è una singola

potestà; non esiste in quanto anche la iurisdictiio è emanazione

dell’imperium.135

Como se vê, a atuação jurisdicional aporta em seu seio o poder de

imperium, que passou a fazer parte das funções do magistrado com o advento da

República e, sem o qual, não lhe seria permitida a prática dos atos executivos.

O imperium, antes exercido por meio dos interdicta – espécies de

provimento correspondente a uma ordem –, deu origem à concepção da sentença

mandamental.

Isso se explica pelo fato de serem os provimentos com conteúdo

patrimonial perfeitamente adaptável à actio romana – que esteve nas bases do

sistema moderno. Ao passo que, nos provimentos sem conteúdo patrimonial, a

tutela passou a depender dos interdicta. Daí a razão de que muitos doutrinadores

contemporâneos chegaram a atribuir, aos interdicta, natureza puramente

administrativa, concepção desmistificada posteriormente.136

135 BOVE, op. cit, p. 213. 136 Cf. SILVA, Execução…, cit., p. 25.

91

Nesse passo, é preciso focar a tutela mandamental, sistematizada nos

artigos 461 e 461-A, e apoiada nos mecanismos coercitivos, à disposição do

julgador. Realidade que se choca com a crença consolidada de que a exortação a

uma obrigação de fazer depende de uma condenação, sucedida de execução, como

se a própria tutela mandamental prescindisse de atividade executiva.

É nesse sentido que Luiz Guilherme Marinoni faz o seguinte

comentário:

Para a realização da tutela ressarcitória, a sentença depende da

declaração do dano (ilícito danoso) e da prática de ato pelo réu

(ressarcimento na forma específica) ou da retirada de algo que está

legitimamente no seu patrimônio (ressarcimento pelo equivalente

monetário), ao passo que, para a realização da tutela de remoção

do ilícito (p. ex., relativa à exposição à venda de produtos nocivos),

é suficiente declarar que réu cometeu ato contrário ao direito, pois

isso autoriza a expedição de mandado executivo, exatamente

porque a execução não depende de algo que precisa ser feito pelo

réu (ressarcimento na forma específica) ou da retirada de bem que

está legitimamente no seu patrimônio (ressarcimento em dinheiro).

Em outros termos: se a sentença declarou que o réu violou a lei, não

há racionalidade em condená-lo, como se a realização do direito

dependesse de uma prestação sua (de fazer ou de pagar). Basta a

expedição do mandado de busca e apreensão. 137

E, mais adiante, o processualista paranaense arremata:

Tal sentença, que sequer poderia ser pensada na época em que a

condenação foi concebida, tem relação com os novos direitos e, por

isso, reveste-se de força executiva para bem atendê-los, ao

137 MARINONI, Técnica processual..., cit. p. 120.

92

contrário da condenatória, que apenas abria oportunidade para o

vencedor requerer, em caso de inadimplemento, que a força do

Estado fosse utilizada para conduzir à realização da prestação

devida. 138

Diante do que foi dito até o momento, importa frisar a prescindibilidade

de conceber uma tutela condenatória inserida nos artigos 461 e 461-A; igualmente,

não há utilidade prática na distinção entre obrigação (de natureza contratual) e dever

jurídico, para justificar a eficácia mandamental existente nos provimentos dados com

base nesses dispositivos.

Dessarte, para o estudo das tutelas provenientes das novas regras, a

dicotomia entre obrigação e dever jurídico se torna despicienda.

Ademais, a emergente eficácia mandamental pode dispensar a relação

jurídica prévia, como ocorre com o depositário judicial que tem o dever de restituir a

coisa.

4.2 O conteúdo executável da tutela jurisdicional oriunda dos arts. 461, 461-A e

475-I do CPC

Pelo exposto nas linhas antecedentes, é permitido inferir que o

conteúdo executável dos provimentos judiciais, baseados nos arts. 461, 461-A e

475-I, implicam as determinações que produzirão transformação no plano dos fatos,

ou seja, resultam em repercussão física.

138 Ibid, p. 121.

93

Nessa esteira, as obrigações (ou deveres) de fazer e não fazer, de

entregar coisa e de pagar quantia, por provocarem o desapossamento ou a

transformação, importam provimento de eficácia executiva.

Convém ressaltar, em apertado espaço, a obrigação de declarar

vontade (ou obrigação de contratar), tão em evidência após a redação esquisita do

inciso I do art. 475-N.

No projeto de lei, a norma falava expressamente em “sentença

condenatória proferida no processo civil”.139

No entanto, a regra original foi modificada no Senado Federal, sob a

justificativa de mera alteração de “redação”. Esta transformou profundamente a ratio

da lei e culminou na defesa, por parte da doutrina, da possível execução da

obrigação de declarar vontade, pois a “redação” modificada naquela Casa de Leis,

ao arrepio do art. 65, parágrafo único, da CF, alude à executividade da sentença que

“reconheça” a obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.

Parte da doutrina defende que a sentença que determina ao devedor a

declaração da vontade de contratar é passível de execução, por estar inserida no rol

dos títulos executivos do art. 475-N.140

Contudo, ao considerar que a obrigação de declarar vontade é espécie

de obrigação de fazer, mais precisamente implica prestação de fato jurídico141, fica a

dúvida sobre o procedimento executivo a ser imprimido: se o do art. 461 ou do art.

475-J, e seguintes.

139 Projeto de Lei n. 3253/2004. 140 Cf. MEDINA, José Miguel G. A sentença declaratória como título executivo – considerações sobre o art. 475-N, inc. I, do CPC. In: HOFFMAN, Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva (Coords). Processo de execução civil – modificações da Lei 11.232/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 119. 141 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1980. p. 73.

94

Outrossim, ao configurar prestação de fato jurídico (em contraposição

ao fato material), não haveria efeitos de repercussão física gerados por esse

provimento, razão pela qual não será incluído como sentença executiva, muito

menos como título.

4.3 Breves comentários acerca da obrigação de fazer e não fazer

Sem desprezo aos mais renomados civilistas que, desde Justiniano,

tecem criteriosamente seus conceitos sobre obrigação, diante da visão

eminentemente processualista e útil ao estudo do procedimento executivo, é de

aferir que aqueles conceitos não sejam tão adaptáveis ao conjunto das normas

processuais em foco.

Considerando a imensa dificuldade que existe no conceituar os

principais institutos jurídicos, pensamos que, na atual conjuntura, a melhor definição

de obrigação deve ser aquela que possibilita a aplicação a maior número de casos

concretos, o que compele à forma simples e garantidora da essência desse instituto.

Assim, é possível afirmar que o conceito de obrigação envolve um

vínculo jurídico, de natureza pessoal, que tem por objeto uma prestação positiva ou

negativa, de cunho patrimonial ou não.

A própria etimologia da palavra “obrigar” – proveniente de obligare ou

ligare ob (ligar para) – já deixa evidenciado a existência de um liame entre os

sujeitos.142 Convida a este sentido figurado: estar ligado a alguém por um dever, daí

142 Cf. VARELA, Das obrigações..., cit., p. 96.

95

“obrigar”, ou tornar responsável. O substantivo obligatio sinonimiza a ação de

empenhar a vontade, a palavra.

O elemento do vínculo jurídico deve compor o conceito de obrigação

pela necessidade de diferenciá-la das obrigações de cunho moral, religioso, etc.

No núcleo desse liame jurídico está a espécie de obrigação,

caracterizada pela prestação: de fazer ou não fazer, dar coisa ou pagar. E, por fim, a

obrigação pode ter conteúdo não patrimonial, como a promessa de casamento,

exemplo aduzido por Antunes Varela.143

Para o jurista lusitano, o caráter patrimonial da prestação não é

essencial, e explica:

Quando insistem no requisito da patrimonialidade, como

pressuposto de validade da obrigação, os autores fundam o seu

raciocínio sobre a hipótese de o devedor não cumprir

espontaneamente, e partem da ideia de que a única sanção ao

alcance da justiça, capaz de assegurar a obrigatoriedade do vínculo

(a execução forçada do patrimônio do devedor) só é viável se a

prestação tiver valor pecuniário, pois é este valor que comanda ou

orienta o fim da execução. 144

Com efeito, no campo das obrigações de fazer e não fazer é que a

questão da patrimonialidade se complica, pois a obrigação de não fazer pode não ter

natureza patrimonial, tampouco o interesse do credor teria.

143 VARELA, Das obrigações..., cit., p. 89, n. 2. 144 Ibid., p. 88.

96

As obrigações de fazer e as de não fazer pressupõem uma prestação

de fato, o que implica atividade pessoal do devedor da obrigação. Ou seja, a relação

obrigacional tem por objeto qualquer comportamento humano, lícito e possível.145

A prestação de fatos pode ser personalíssima, ou não. Afigura-se

personalíssima quando somente ela pode ser cumprida pelo devedor –

normalmente, porque resulta de seus predicados pessoais –, do que resulta o

conceito de prestação infungível.

Ao contrário, a prestação de fato fungível implica naquele serviço que

pode ser prestado por outrem, no mais das vezes, a expensas do devedor, por ser a

forma mais prática de execução da prestação. Ou, admite-se que, em certos casos,

o fato possa ser prestado por outrem, mas sob a direção e responsabilidade do

obrigado.

Tais distinções são importantes para aquilatar o grau de coercibilidade

existente na tutela de prestação de fato, principalmente naquelas ditas

personalíssimas (intuitu personae), que não admitem a realização por terceiro.

A obrigação de fazer, específica e personalíssima, requer a imposição

de medida coercitiva, pois somente a forma de execução indireta é capaz de

proporcionar, ao credor, a tutela satisfativa.

O § 5º do art. 461 do CPC exemplifica as medidas de execução

indireta à disposição do julgador para coagir o devedor renitente. Como bem

assegura Marcelo Lima Guerra146, o dispositivo serve como norma de encerramento

no sistema executivo, à semelhança do que ocorre com o art. 798, em relação à

tutela cautelar. Assim, a norma funcionaria como meio supletivo para o julgador

145 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil – Teoria geral das obrigações. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 101. 146 Cf. GUERRA, Execução..., cit., p. 61.

97

determinar a técnica processual adequada aos direitos a serem tutelados in

executivis, na busca da efetividade.

Tratando-se de prestação de fato específica, a expressão “medidas

necessárias”, autêntico conceito aberto, é de significativa utilidade para o julgador,

pois lhe proporciona larga escolha na técnica processual adequada ao direito

material em jogo.

Elucidando, com apoio no citado dispositivo, o juiz pode se valer da

técnica mandamental, secundada pela multa coercitiva para o cumprimento do dever

de abstenção (fazer negativo); ou, ainda, determinar a remoção do ilícito por meio de

sub-rogação, em flagrante técnica executiva.

A norma mencionada é de patente relevância, notadamente pela

possibilidade de sua aplicação subsidiária à execução das obrigações de entregar

coisa, como expresso no novel art. 461-A, § 3º, do CPC.

4.4 Da obrigação de dar coisa distinta de dinheiro

As obrigações de dar pertencem ao ramo das prestações de coisa.

Segundo Antunes Varela147, a prestação de coisa pode se integrar em uma das três

modalidades: a) obrigação de dar – quando a prestação visa constituir ou transferir

um direito real definitivo sobre a coisa; b) obrigação de entregar – quando ocorre

apenas a transferência da posse ou da detenção, a fim de permitir o uso ou a fruição

da coisa; e c) obrigação de restituir – quando visa à recuperação da posse ou à

147 VARELA, op. cit., p. 78.

98

detenção da coisa, ou ao domínio sobre coisa equivalente, do mesmo gênero e

qualidade.

A obrigação de prestação de coisa será específica quando tiver por

objeto coisa certa, determinada; e genérica quando se tratar de coisa incerta, mas

determinável.

Importa salientar que o conceito de fungibilidade também se aplica à

prestação de coisas.

Em regra, ao se tratar de prestação de coisa, esta será fungível, “quer

a coisa seja fungível, quer seja não fungível”. 148 Em sendo a prestação fungível, há

a possibilidade de que um terceiro se substitua ao sujeito incumbido do dever e

entregue a coisa. Se a coisa for fungível, será determinada por seu gênero,

qualidade e quantidade, e pode ser substituída por outra, do mesmo gênero e

qualidade e na mesma quantidade.

Exceção constitui a coisa que, por seu elevado valor histórico ou

artístico, seja insubstituível. Desse modo, enfrenta-se a obrigação de entregar coisa

certa e infungível.

O Código Civil de 2002 não abrigou nenhuma alteração substancial

quanto às obrigações de dar coisa, limitando-se a pontuais correções semânticas ou

sistemáticas.

A sua vez, o Código Processual Civil sofreu profundas alterações no

que toca à tutela executiva das obrigações de dar, entregar ou restituir coisa, que

passaram à regência do art. 461-A, alterado pela Lei n. 10.444/2002.

148 Cf. VARELA, op. cit., p. 85.

99

O procedimento estabelecido no novo dispositivo comporta tanto a

demanda fundada no direito à posse, quanto ao pedido fundado em contrato, como

dito em linhas atrás.

Antunes Varela faz importante advertência, comentando o sistema

processual português:

É diferente a terminologia das leis processuais. O Código de

Processo Civil dá o nome de execução para entrega de coisa certa

(arts. 928º e segs.) ao processo executivo destinado a obter a

entrega coactiva da coisa devida, quer esta envolva uma

transferência de domínio, quer se traduza numa simples

transferência de posse ou detenção da coisa.149

Ocorre algo semelhante em nosso novo sistema para execução de

obrigação de dar.

É possível haver aparente confusão entre a ação de imissão na posse

de coisa móvel e a tutela do art. 461-A. Se bem assim, a verificação do tipo de

relação jurídica existente entre as partes dissolve o problema. Vejamos.

Se a tradição ocorreu apenas simbolicamente, embora a coisa ainda

não esteja concretamente em mãos do credor, este já tem a posse, necessitando,

portanto, ser nela imitido efetivamente. Em contrapartida, se ainda não houve a

tradição, não é possível falar em direito real e, consequentemente, em ação de

imissão na posse, restando ao credor se valer da tutela do art. 461-A.

O pedido reivindicatório também encontra amparo nesse dispositivo,

desde que a titularidade da demanda pertença ao proprietário, como forma de

restituição da coisa injustamente possuída por terceiro.

149 VARELA, op.cit., p. 78.

100

Tal possibilidade é referendada por Luiz Guilherme Marinoni, que

aponta enorme benefício proporcionado pela utilização dessa norma:

Atualmente, não há como negar que a ação reinvindicatória pode se

fundar no art. 461-A, e assim abrir oportunidade para técnica

antecipatória e para sentença de executividade intrínseca,

dispensando a ação de execução. 150

Assim também ocorre com o pedido de reintegração de posse. Se a

demanda for proposta com fundamento no art. 926 do CPC, e seguintes, deverá ser

observado o lapso temporal de ano e dia. Ao passo que, se proposta pelo

procedimento do art. 461-A, a força velha não influenciará nos efeitos, e o possuidor

esbulhado ainda terá a seu alcance a técnica antecipatória, as medidas coercitivas,

etc.

Há mais. Seria possível, ao juiz, determinar ao esbulhador o

pagamento das despesas necessárias ao desfazimento, sob pena de multa diária,

como observa Marinoni151, com acuidade.

Com isso, reforça-se o conteúdo amplo do dispositivo em comento,

sobretudo pela obviedade do igual tratamento às obrigações ou aos deveres de dar

coisa.

4.5 Da obrigação de pagar quantia

150 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações para obtenção de coisa (art. 461-A do CPC). Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 22 nov. 1009. 151 Ibid.

101

A obrigação de pagar quantia, ou obrigação de solver dívida em

dinheiro, constitui espécie de obrigação de dar, cujo objeto é uma prestação de

natureza pecuniária.

Segundo Washington de Barros Monteiro152, “a obrigação de solver

dívida em dinheiro constitui obrigação de dar, e não de fazer”, posição adotada pela

maioria dos civilistas.

Maria Helena Diniz153, citando Savatier (La théorie dês obligations, 2ª

ed., 1969) traz à tona certa curiosidade sobre a etimologia do termo pecúnia.

Esclarece que o termo provém do latim pecus, pecoris, que significa gado. Isso se

deve em razão de que, na idade antiga, o gado servia como instrumento de troca no

comércio, dada sua fácil mobilidade. O que faz sentido, já que o dinheiro, como

instrumento de troca, surgiu muito tempo depois.

Da mesma forma, a palavra capital originou-se do termo cabeça – mais

uma vez ser, associado à utilização dos animais como moeda de troca. O sal

também, durante muito tempo, foi utilizado como instrumento de troca, nas

atividades mercantis, daí defluindo a palavra salário.

Etimologia irmã tem a palavra pecúlio, ao tempo dos latinos, a pequena

parte do rebanho dada pelo senhor ao escravo que dele cuidava. Mais tarde, dada a

evolução da semântica de pecúnia, também pecúlio passou a carregar o sentido de

economias; qualquer soma ou reserva em dinheiro, fruto das economias do escravo.

Contemporâneamente, a população passou a descobrir as vantagens

dos metais, que podiam ser mais facilmente transportados. Além do mais, eram

duráveis, possuíam o atrativo da beleza e, principalmente, possibilitavam o

152 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990. V. 4. p. 69. 153 DINIZ, Curso…, cit., p. 87, n. 91.

102

entesouramento (retenção da moeda). A passagem do metal à moeda ocorreu de

modo rápido, pois logo se percebeu que o metal poderia ser pesado e ter o seu

“valor” cunhado, o que facilitou e acelerou o comércio.

Dada a valorização dos metais (ouro, cobre e prata), ocorreu que,

muita vez o seu valor intrínseco ultrapassava o valor gravado em sua face, razão

pela qual foram paulatinamente substituídos por material mais barato, embora

mantivesse o valor nominal.

Na Idade Média adveio o costume de guardar os valores com o

ourives, que, em troca, fornecia um recibo de papel. Esses recibos passaram a

circular como instrumento de pagamento, dando origem à moeda de papel, surgindo,

então, o dinheiro.154

No Brasil, os primeiros papéis-moeda, precursores das cédulas atuais,

foram cunhados pelo Banco do Brasil, em 1810.155

Daí ser tranquilo afirmar que a obrigação de pagar quantia equivale à

de dar, pois ambas albergam as mesmas raízes históricas. Outra questão importante

que deriva desse entendimento é a distinção entre obrigação de valor e obrigação

pecuniária, propriamente dita.

A doutrina ressalta que nem sempre a obrigação que tenha por objeto

espécies representativas de dinheiro (moedas, notas ou títulos) constitui uma

obrigação pecuniária. Seja exemplo a obrigação que tem por objeto duas moedas

em prata, de determinado ano. Trata-se, ao contrário, de obrigação de dar coisa,

distinta de dinheiro, apesar de o objeto ser constituído de moeda.156

154 Surgimento do dinheiro no mundo. Disponível em: ˂http://www.acemprol.com˃. Acesso em: 12 fev. 2010. 155 Ibid. 156 Cf. DINIZ, Curso..., cit., p. 88.

103

Outrossim, quando a avença se refere a valor determinado, aí, sim, se

trata de obrigação pecuniária que, no Brasil, somente pode ser fixada em moeda

corrente nacional, como preceitua o art. 315 do CCB.

Mais apropriadamente explica Antunes Varela:

A obrigação só é pecuniária quando na fixação da prestação se

atende ao valor da moeda devida, e não às espécies concreta ou

individualmente determinadas ou ao gênero de certas espécies

monetárias, abstraindo do seu valor liberatório ou aquisitivo.

O fim essencial da obrigação pecuniária consiste em proporcionar

ao credor o valor incorporado nas espécies monetárias ou nas

notas.

Assim, se A adquire direito a 100 contos, não é propriamente sobre

estas ou aquelas notas de 1000$ que o seu direito incide, mas sobre

o valor que as notas representam. Mesmo que se especifique o tipo

de moeda em que a obrigação será paga, é o valor dessa moeda,

como dinheiro, e não como moeda, como coisa genérica ou

específica, que as partes têm concretamente em vista.157

O pagamento, ou cumprimento, da obrigação pecuniária deve ser feito,

em regra, pelo valor nominal fixado. Todavia, em se tratando de prestações

sucessivas, a desvalorização pode ocorrer, o que autoriza a contratação das

cláusulas de atualização da prestação, tais como a cláusula de escala móvel – cujo

preço fica atrelado à valorização de coisa determinada – a de correção monetária,

que implicam, de fato, atenuação à rigidez nominalista.158

157 VARELA, op. cit., p. 722. 158 Cf. DINIZ, Curso..., cit., pp. 92ss.

104

Sobreleve-se que o risco de desvalorização é sempre suportado pelo

devedor da obrigação, posto que possa vir a despender maior quantidade de

dinheiro se a moeda perde seu poder aquisitivo.159

Entre as dívidas ajustáveis, estão as dívidas oriundas da obrigação de

indenizar, que constituem autênticas dívidas de valor e podem ter as seguintes

causas: a) um ato ilícito; b) o inadimplemento de obrigação contratual; c) o dever

contratual de responder pelo risco; e d) o dever legal de responder sem culpa.160

4.6 Da relação intrínseca entre a obrigação de entregar coisa e a obrigação de

pagar

Como afirmado alhures, a obrigação de pagar quantia – ou dar dinheiro

– constitui espécie de obrigação de dar. Mais precisamente, obrigação de dar coisa

certa e fungível.

A distinção entre obrigação de entregar coisa e obrigação de entregar

dinheiro ocorreu, com ênfase, na ciência processual, em razão do estabelecimento

de regras distintas para a realização dessas pretensões, muito embora ainda haja

certa confusão, na jurisprudência161 sobre esses conceitos.

159 GOMES, op. cit., p. 47. 160 Cf. GOMES, op. cit., p. 49. 161 “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE AÇÕES, COM CLÁUSULA DE RECOMPRA, INADIMPLIDO NESTA PARTE. Possibilidade de execução específica do compromisso de recompra de ações que, suprindo a declaração de vontade do adquirente (obrigação de fazer), autorize a cobrança do preço (obrigação de dar); arts. 632 e 633 do Código de Processo Civil. Recurso especial não conhecido.”(REsp 856.826/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, j. em 19/02/2008, DJe 05/11/2008)

105

É possível especular sobre os motivos que levaram a essa dicotomia.

A fungibilidade da prestação pecuniária, cuja realização forçada comporta a

expropriação, talvez tenham sido os vetores que impulsionaram para o

estabelecimento de procedimentos executivos distintos para a obrigação de entregar

coisa e de entregar dinheiro.

É certo que a obrigação pecuniária, por igual, implica entrega de coisa.

Entretanto, a entrega da pecúnia prescinde de atividade do devedor. Ao contrário, os

meios de sub-rogação entram em cena, com primazia, a ponto de se afirmar a

expropriação como a forma clássica de execução forçada.

4.7 Da relação entre obrigação de entregar coisa e obrigação de fazer

Em algumas situações concretas, a prestação de entregar coisa

depende da obrigação de fazer, ou como aponta Marinoni162, “importa saber é se a

entrega é consequência do fazer”.

Eis que acentua Orlando Gomes:

A distinção entre as obrigações de dar e as de fazer deve ser

traçada em vista do interesse do credor, porquanto as prestações de

coisas supõem certa atividade pessoal do devedor e muitas

prestações de fatos exigem dação. Nas obrigações de dar, o que

interessa ao credor é a coisa que lhe deve ser entregue, pouco

importando a atividade do devedor para realizar a entrega. Nas

obrigações de fazer, ao contrário, o fim é o aproveitamento do

162 MARINONI, Técnica processual…, op. cit., p. 479.

106

serviço contratado. Se assim não fosse, toda obrigação de dar seria

de fazer, e vice-versa. 163

É o que ocorre na ação civil pública que intenta fornecimento gratuito

de medicamento a hipossuficiente. O objeto da prestação é o medicamento, que

depende, para chegar ao destinatário, de um fazer do Poder Público, embora a

prestação constitua, em si, um ato da entrega164.

A exemplo da confusão da jurisprudência quanto a esse aspecto,

tome-se o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 770.753/RS,

que ora qualifica o ato do administrador como obrigação de entregar coisa ora como

obrigação de fazer. 165

163 GOMES, Obrigações. Cit., p. 38. 164 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA. CABIMENTO. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que proveu recurso especial. 2. O acórdão a quo negou pedido de aplicação de multa pecuniária pelo descumprimento de ordem judicial referente a deferimento de antecipação de tutela que asseverou ser dever do Estado o fornecimento gratuito de medicamentos. 3. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que é possível ao juiz, ex officio ou por meio de requerimento da parte, a fixação de multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer. Precedentes. 4. Incidência da Súmula nº 83/STJ, em face da orientação pacificada desta Casa Julgadora sobre o tema. 5. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 718.011/TO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/04/2005, DJ 30/05/2005 p. 256) 165 “PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE ENTREGAR COISA CERTA. MEDICAMENTOS. ASTREINTES. FAZENDA PÚBLICA. MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA. CABIMENTO. NATUREZA. PROVEITO EM FAVOR DO CREDOR. VALOR DA MULTA PODE ULTRAPASSAR O VALOR DA PRESTAÇÃO. NÃO PODE INVIABILIZAR A PRESTAÇÃO PRINCIPAL. NÃO HÁ LIMITAÇÃO DE PERCENTUAL FIXADO PELO LEGISLADOR. 1. A obrigação de fazer permite ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, ainda que seja a Fazenda Pública, consoante entendimento consolidado neste Tribunal. Precedentes: AgRg no REsp 796255/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeiro Turma, 13.11.2006; REsp 831784/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, 07.11.2006; AgRg no REsp 853990/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 16.10.2006; REsp 851760 / RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, 11.09.2006. 2. A multa processual prevista no caput do artigo 14 do CPC difere da multa cominatória prevista no Art. 461, § 4º e 5º, vez que a primeira tem natureza punitiva, enquanto a segunda tem natureza coercitiva a fim de compelir o devedor a realizar a prestação determinada pela ordem judicial. 3. Os valores da multa cominatória não revertem para a Fazenda Pública, mas para o credor, que faz jus independente do recebimento das perdas e danos. Consequentemente, não se configura o instituto civil da confusão previsto no art. 381 do Código Civil, vez que não se confundem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor.

107

É preciso acrescentar outro aspecto importante para avaliar essa

dicotomia: a responsabilidade patrimonial. Se o dinheiro sai da esfera patrimonial do

devedor, por força da atuação estatal, tem-se o cumprimento da obrigação de pagar

quantia. Entretanto, se o objeto da prestação de pagar for pecúnia não pertencente

ao devedor da obrigação, há dúvida se se trata de obrigação de fazer ou de pagar.

Como exemplo, observe-se o que ocorre com a ordem judicial dirigida

ao chefe do INSS para que efetue pagamento a assegurado. O acórdão ao Agravo

de Instrumento n. 70013792452, da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul166, aponta que a ordem judicial dirigida ao INSS, para que implante o

benefício previdenciário em favor do segurado –, prestação de natureza pecuniária –

importa em obrigação de fazer.

4.8 A impropriedade da sentença condenatória

4. O legislador não estipulou percentuais ou patamares que vinculasse o juiz na fixação da multa diária cominatória. Ao revés, o § 6º, do art. 461, autoriza o julgador a elevar ou diminuir o valor da multa diária, em razão da peculiaridade do caso concreto, verificando que se tornou insuficiente ou excessiva, sempre com o objetivo de compelir o devedor a realizar a prestação devida. 5. O valor da multa cominatória pode ultrapassar o valor da obrigação a ser prestada, porque a sua natureza não é compensatória, porquanto visa persuadir o devedor a realizar a prestação devida. 6. Advirta-se, que a coerção exercida pela multa é tanto maior se não houver compromisso quantitativo com a obrigação principal, obtemperando-se os rigores com a percepção lógica de que o meio executivo deve conduzir ao cumprimento da obrigação e não inviabilizar pela bancarrota patrimonial do devedor. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 770.753/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 15/03/2007 p. 267) 166 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSS. IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA PELO JULGADOR. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. O valor fixado a título de multa por atraso no não cumprimento da obrigação não pode ter qualquer vinculação com o salário mínimo, nos termos do art. 3º, da Lei nº 7.789, de 03 de julho de 1989, bem como com o artigo 7º, IV, da CF. CORREÇÃO OPERADA.” (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70013792452, 13ª Câm Cível, Rel. Des. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN, j. em 26-1-03)

108

Ao pensar a sentença condenatória, a primeira indagação que se

entremostra é sobre sua utilidade prática nos dias atuais, perante a importância

atribuída à efetividade da tutela jurisdicional.

Dessarte, a sentença condenatória não é, nem nunca foi, satisfativa.

Implica para o credor, tão somente, mera expectativa de satisfação, que será

alcançada por meio da atividade executiva. Assim, a condenação – ou exortação ao

pagamento – não produz nenhum efeito no plano empírico.

Ingênuo é o entendimento propagado por Liebman167 de que a

declaração de uma sanção imposta ao devedor poderia compeli-lo ao pagamento,

por lhe causar o temor de sofrer as consequências da execução forçada. Chega a

afirmar que a sentença condenatória contém mera “declaração” de uma ordem,

dirigida ao devedor da obrigação, que já estaria contida na lei.

A sua vez, José Alberto dos Reis168, em franca oposição a esse

pensamento, assevera ser a sentença condenatória caracterizada pelo “comando

particular” que ela encarta. Ou seja, “se entende por comando a injunção, a ordem

dada ao devedor para que cumpra a obrigação e ao órgão do Estado para que

realize a execução”.

A ideia exposta por este autor mostra a tendência em admitir que todo

provimento jurisdicional contém uma ordem. Mas a força coativa que exortaria ao

cumprimento de tal ordem seria proveniente da própria natureza da regra de direito,

porquanto toda regra jurídica contém um preceito e uma sanção.

A intuição da imprescindibilidade de o comando judicial conter uma

ordem esbarra na falta de atuação efetiva dessa sanção, ou seja, a forma concreta

167 V. LIEBMAN, Processo de execução, cit., p. 15. 168 REIS, op. cit., p. 87.

109

de compelir o devedor a cumprir a obrigação, pois a mera declaração da sanção não

a torna concreta, apenas proporciona ao credor a faculdade de provocar a “atuação

prática da sanção” por meio da ação executiva (sujeição à sanção).169

A ineficácia do provimento condenatório – antes da reforma processual

– ficava mais evidente nas obrigações de fazer infungíveis, ou de não fazer, de

modo que, se houvesse o descumprimento do comando judicial que determina o

cumprimento da obrigação, nada restaria ao credor, além da conversão da

obrigação em perdas e danos.

O que é desconcertante é a crença arraigada em um tipo de

provimento jurisdicional inútil, a ponto de grande parte da doutrina atual insistir na

sobrevivência da sentença condenatória para justificar a existência de um título

executivo que serve de base para uma execução. Obviamente, em um raciocínio

lógico-formal, porquanto sem condenação, não haveria título e sem título não

haveria, de consequência, execução.

No entanto, esses paradigmas foram inegavelmente quebrados por

força da nova lei, que impôs nova sistemática para o procedimento executivo.

Um dos mentores da reforma do cumprimento da sentença, o Min.

Athos Gusmão Carneiro, profetizou a premente “necessidade de reelaborar no plano

teórico o polêmico tema das ‘cargas de eficácia’ da sentença condenatória”, que

contém “ordem de cumprimento”.170

Com muita propriedade, Marinoni171 afirma que a sentença

condenatória não constitui tutela jurisdicional de direito, sob a perspectiva do direito

material. Ressalta, ainda, que, mesmo sob a ótica exclusivamente processual, é

169 Cf. REIS, op. cit., p. 89. 170 CARNEIRO, Cumprimento..., cit., p. 12. 171 Cf. MARINONI, Curso..., cit., p. 32.

110

difícil aceitar que a formação do título executivo seja suficiente para enquadrar a

sentença condenatória como tutela jurisdicional.

Noutro norte, como exposto em passagem anterior, a necessidade da

formação do título judicial, como pressuposto autorizador da execução, caiu por terra

diante do ingresso, no sistema, das sentenças de executividade intrínseca ou

autoexequíveis.

O art. 475-I do CPC preceitua que a “execução” de obrigação de pagar

quantia seguirá o rito processual estabelecido nos artigos seguintes, do Capítulo X.

Mas o art. 475-J destina o procedimento executivo, expressamente, ao “devedor,

condenado ao pagamento de quantia certa”.

Com efeito, a terminologia “condenar” continuou sendo empregada na

nova estrutura do procedimento de execução, mesmo diante do propagado objetivo

de imprimir à execução de quantia o procedimento sincrético, dispensando a

propositura de nova ação (ação de execução) o que, por questão lógica, implicaria

dispensa do título executivo, cuja função precípua seria fazer nascer para o credor o

interesse processual na ação de execução.

Convém lembrar que, quando da alteração do art. 461, pela Lei n.

8.952/94, também se discutiu se a eficácia da sentença que impunha o cumprimento

da obrigação de fazer ou não fazer seria condenatória. Por questão de coerência,

grande parte da doutrina defendeu, à época, que se tratava de sentença

condenatória, inclusive com a formação de título executivo. Finalidade era justificar a

atividade executiva a ser desenvolvida e, ainda, não destoar do procedimento de

execução por quantia, que pressupunha a existência do título judicial.

Diante de tanta mudança na forma de pensar o sistema, concluíram

que a sentença que condenava ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer,

111

que poderia ser “executada” no mesmo processo, sem a propositura de ação

executiva, portanto, autoexequível, acarretaria uma eficácia executiva lato sensu.

Desse modo, durante um bom tempo, parte da doutrina abraçou o

procedimento especial para o desenvolvimento da sentença executiva lato sensu,

como se essa atribuição correspondesse a uma das eficácias permitidas, qualidade

que permitia sua classificação. Em contrapartida, parte considerável dos

doutrinadores entendia que, executivo lato sensu, era o procedimento, e não um

atributo da sentença.

Em verdade, a nova “sentença” que provocava um procedimento até

então desconhecido, tinha que receber um rótulo, uma denominação que a

“classificasse” como algo já existente e conhecido. Muitos esforços foram

empenhados nessa vã tarefa, e muita tinta se gastou.

Com a lucidez que lhe é peculiar, Barbosa Moreira pondera que não há

razão para o abandono da qualificação de condenatória para a sentença só porque

sua efetivação se dá no mesmo processo. De modo mais contundente, assevera:

Não há fundamento para preterir a denominação tradicional em

favor da expressão ‘sentença executiva lato sensu’, que logicamente

faz esperar de quem a use um esclarecimento, todavia sempre

omitido, sobre o que significaria, por oposição àquele conceito,

‘sentença executiva stricto sensu’.172

Com efeito, a última crítica que se poderia fazer ao pensamento de

Barbosa Moreira seria a falta de coerência. Ou seja, partindo da premissa que a

eficácia da sentença é sua capacidade de produzir efeitos, é preciso aceitar que a

172 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 136, jun. 2006, p. 271.

112

sentença que condena o devedor a cumprir a obrigação de fazer, no processo de

conhecimento, ao modo do antigo art. 632 do CPC, tende a produzir os mesmos

efeitos práticos que a sentença do novel art. 461. O que, de fato, distingue essas

duas sentenças é o procedimento imposto pela nova sistemática, que dispensa a

execução ex intervallo, resultando em celeridade.

Não obstante tais ponderações, imperioso retomar as ilações iniciais

acerca da origem da tutela condenatória. Se ela nasceu da junção da actio romana

com uma obligatio e, em um primeiro momento, dependia da atuação de um julgador

privado (iudex), esse conceito não pode se aplicar a uma execução judicial que vai

ocorrer ex officio, e que pode, ainda, ter como objeto um dever legal, sem nenhuma

relação com um contrato de natureza privada.

Como objeta Pontes de Miranda, textualmente:

Outra atitude a eliminar-se é a dos que limitam as sentenças

executivas à execução das obrigações de crédito: estariam fora as

execuções em que não há o devedor (de direito das obrigações)

constrangido a executar, ou assistir e sofrer a execução pelo

Estado, dita forçada. Tal vício tão fundo foi que, ao se falar de

execução, de teoria das execuções, só se pensava na execução por

falta de pagamento de alguma dívida. Daí dizer-se que toda

execução supõe sentença proferida, após condenação do devedor.

Não reparavam os juristas em que, assim, reduziam a eficácia

executiva das sentenças à espécie ‘sentença executiva proferida em

processo que foi efeito de sentença condenatória’. Em vez de verem

os fatos do mundo contemporâneo após as sínteses, tentadas e

experimentadas, com a tese romana e a antítese germânica, esses

juristas são vítimas do romanismo, quando, aliás, o próprio direito

113

romana não limitava às ações de direito das obrigações a actio

iudicati. 173

Outro ponto importante a ser retomado, é a concepção inicial de

sentença executiva lato sensu propagada por Pontes de Miranda174. O mestre partiu

da análise das ações reais para construir o conceito da executiva lato sensu, pois,

até então, nada explicava aquela espécie de sentença que poderia ser concretizada,

independentemente de nova ação, e que era capaz de produzir efeitos

transformadores no plano dos fatos.

Do exposto é possível concluir que o conceito da sentença

condenatória não se amolda com a nova sistemática adotada, por seu inerente

caráter patrimonial. Mas o conceito de sentença executiva lato sensu, na qualidade

de ficção jurídica – ou para quem interesse objetar, na qualidade de resquício da

concepção da execução per officium iudicis – não se encaixa adequadamente aos

“novos direitos” materiais a serem tutelados.

Em contrapartida, a sentença executiva, com a roupagem atual que lhe

atribuiu o legislador, mostra-se mais apta a desempenhar, ao lado das sentenças de

eficácia declaratória, constitutiva e mandamental, a função de provimento

jurisdicional capaz de produzir efeitos. Mais especificamente, a sentença agora

chamada executiva, que engloba a sentença mandamental, possui aptidão para

produzir efeitos no plano empírico, ou seja, pertence a sentenças de repercussão

física.

173 MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Booksller, 1999, v. 7. p. 37. 174 O autor afirma textualmente: “A ação de imissão na posse, quaisquer que sejam os casos de imissão na posse, é executiva lato sensu.”. (MIRANDA, op. cit., p. 208)

114

4.9 O provimento judicial que determina o pagamento e a entrega de coisa

distinta de dinheiro: o problema da classificação

Partindo do pressuposto que, tanto o comando judicial que determina o

pagamento de quantia, quanto o que determina a entrega de coisa, é realizado no

mesmo procedimento onde se desenvolveu a atividade cognitiva, a qual resultou no

reconhecimento da pretensão substancial afirmada. Com isso, se afigura a sentença

autoexequível, ou provimento de executividade intrínseca, como denomina

Marinoni175.

A professora Ada Pellegrini Grinover176 afirma que as sentenças

“condenatórias”, às quais o art. 475-N, I, outorga a eficácia de “título executivo”

serão mandamentais quando “afirmarem a existência de uma obrigação de fazer,

não fazer ou entregar coisa certa”, ou executivas lato sensu quando “se referirem a

uma obrigação em dinheiro”.

Para justificar a contradição, observa que tais sentenças, após a Lei n.

11.232/05, não podem mais ser consideradas condenatórias puras, dada,

justamente, sua autoexecutividade.

Tal assertiva deixa transparecer a velha concepção de que a obrigação

de natureza patrimonial deve ser realizada (executada) por meio da expropriação,

para configurar a autêntica execução forçada.

Há quem diga177, ainda, que o caput do art. 475-J distingue o

procedimento para a realização da sentença de obrigação de fazer e dar, do

175 MARINONI et al, Curso..., cit., passim. 176 GRINOVER, Ada Pellegrini. Cumprimento da sentença. In: CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. (Coords.). Temas atuais da execução civil – estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 5. 177 Cf. AMARAL, Cumprimento e execução..., cit., passim.

115

procedimento para realização da sentença da obrigação de pagar, atribuindo à

primeira o “cumprimento”, e à segunda a “execução”.

Entretanto, tal distinção não se justifica. À medida que a realização do

comando judicial que exorta ao cumprimento da obrigação de fazer ou de entregar

coisa distinta de dinheiro também opera transformação no plano dos fatos, não há

como lhe negar a natureza executiva.

Ademais, antes da reforma, o Código de Processo Civil se referia à

“execução” de obrigação de fazer (antiga redação do art. 644), carreando a

expressão “cumprimento” com o advento da Lei n. 11.232/05, que, objetivamente,

teve por escopo imprimir a mesma autoexecutividade da sentença que determina o

cumprimento da obrigação de fazer, à sentença que determina o pagamento. Melhor

dizendo, exterminou do ordenamento a execução ex intervallo para todas as

sentenças judiciais, não havendo razão para a utilização de denominação distinta,

que não o ranço do Direito Romano.

Outro ponto importantíssimo a ser abordado na comparação entre o

procedimento executivo da obrigação de entregar coisa e a obrigação de pagar, é

que nesta última o legislador insistiu em exigir a iniciativa do credor para o início do

procedimento executivo – por meio do “requerimento” previsto no art. 475-J, caput –,

muito embora tenha dispensado o exercício da ação. Ora, se a penhora é ato

conseqüente e lógico da expropriação por sub-rogação, não há justificativa para não

ser determinada de ofício. Outrossim, o requerimento de penhora não é capaz de

transmudar a eficácia da sentença de quantia, que continua sendo executiva.

Retomando a ideia de que tanto a execução das obrigações de dar

quanto as de fazer ou não fazer independem da formação de título executivo, porque

dispensa a ação executiva, importa estabelecer o tipo de eficácia característica

116

desses provimentos, bem como a espécie de técnica processual adequada para sua

efetivação.

No que toca à questão da eficácia do provimento jurisdicional, Mirna

Cianci178 obtempera que a classificação precipitada do provimento jurisdicional

esbarra no problema da alteração de seus efeitos no momento de sua efetivação.

A autora questiona:

Como afirmar então, desde logo, seja a sentença mandamental,

condenatória ou executiva, se ao depois, os meios executórios

revelarem natureza diversa? Ou seja, como considerar

mandamental uma sentença que, em seguida, revela-se executiva,

por antecipada frustração dos meios executórios? Tudo conduz a

considerar que a situação resolve-se no âmbito da efetivação da

sentença e não no da cognição.

[...]

Resulta daí a impropriedade de apressadamente situar no terreno

das classificações o que, de fato, diz respeito à eficácia mutável das

sentenças, tendo em conta o caráter teleologicamente instrumental

do processo, apto a dar atendimento ao direito material.179

Entretanto, é imperioso se separar a sentença, enquanto provimento

jurisdicional de mérito, da decisão interlocutória posterior que modifica a medida

coercitiva ou sub-rogatória, substituindo-a por sentença mais eficaz, por ser mais

adequada à situação concreta que se apresenta. Esta pode ter eficácia,

mandamental ou executiva, diferente da sentença que reconheceu a obrigação. É o

que ocorre, por exemplo, com a sentença que determina a remoção do ilícito cujo

178 CIANCI, Mirna. Reflexões sobre a fase de cumprimento da sentença de obrigação pecuniária (Lei n. 11.232/2005 – CPC, art. 475-J). In: CIANCI, Mirna. QUARTIERI, Rita. (Coords.). Temas atuais da execução civil – estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 569. 179 CIANCI, Reflexões..., cit., p. 560.

117

cumprimento se mostra impossível (o dano já ocorreu), que poderá ter a medida

executiva modificada, em ato posterior, para realizar o ressarcimento na forma

específica.180

Aliás, essa proposição corresponde à ideia da mitigação do princípio

da congruência entre o pedido e a sentença, tão difundida ultimamente.

Portanto, tem-se que a eficácia típica da medida executiva tomada pelo

juiz não altera a eficácia do provimento de mérito. São independentes; do contrário,

não seria permitido tivesse a tutela antecipada alguma eficácia divergente da futura

tutela definitiva.

Diante do afirmado até esse passo, é permitido inferir que a

autoexecutividade do provimento judicial não é determinada pela eficácia da

sentença, mas, sim, pelo procedimento (forma) legal. Ou seja, a sentença

mandamental e a chamada “sentença” executiva lato sensu são igualmente

autoexequíveis; o que as difere, são técnicas utilizadas para sua realização, que

estão muito mais ligadas ao procedimento, por sua própria natureza instrumental.

Para concluir, o que se pretende apontar é a inexistência de uma

sentença executiva lato sensu, uma apenas condenatória e, ainda, outra apenas

executiva (muito se discutiu sobre a existência de uma sentença no processo de

execução). Na verdade, mais acentuadamente após a Lei n. 11.232/05, passou a

existir no sistema apenas a sentença executiva, por seus efeitos próprios, realizada

no mesmo procedimento em que ocorreu a atividade cognitiva.

De ressaltar que a Exposição de Motivos ao Projeto de Lei n.

3.253/04181 explicita que, “no plano doutrinário, são alteradas as ‘cargas de eficácia’

da sentença condenatória, cuja ‘executividade’ passa a um primeiro plano”.

180 A esse respeito, ver MARINONI, Técnica processual..., cit., p. 272.

118

Assim, tanto a sentença que exorta ao cumprimento da obrigação de

dar quanto a que exorta ao cumprimento da obrigação de pagar possuem eficácia

executiva. Executivo, em sentido lato, é expressão mais consentânea ao

procedimento, ao comportamento dentro do processo; pois quase não há diferença

entre as técnicas para realização da sentença executiva e da sentença

mandamental. Exemplo é a multa coercitiva, que pode ser aplicada (e realizada)

igualmente, tanto na sentença executiva quanto na mandamental.

181 EM n. 00034, de 18 de março de 2004. In: <http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos>. Acesso em: 3 mar. 2010.

119

5 A (IN) EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

5.1 A força das decisões judiciais – a questão da executividade intrínseca

O rompimento da dicotomia entre cognição e execução apenas

legitimou o procedimento executivo, diferenciado por uma característica que alguns

provimentos judiciais já apresentavam: a autoexecutividade.

Importa remontar ao exposto em momento anterior acerca da

“classificação” das sentenças. Não há sentença que possa ser classificada como

“executiva lato sensu”, porquanto executivo, em sentido lato, é característica do

procedimento, da forma que o desencadeamento dos atos processuais assume no

processo, e não se coaduna com uma possível “força” contida em uma sentença.

Nessa esteira, também se afirmou que as sentenças mandamentais,

por produzirem efeitos no plano empírico, têm eficácia executiva,

independentemente de mostrar gritante força “ordenatória”; e isso se deve em razão

de a ordem nela contida implicar o cumprimento de um fazer, uma abstenção, uma

entrega, etc. Assim, a sentença denominada mandamental também é executiva, em

razão de seus efeitos. Em contrapartida, naquelas denominadas, por parte da

doutrina, como executivas lato sensu, reside respeitável eficácia mandamental.

Inquestionavelmente, a força proveniente desses provimentos, que se

realizam em decorrência de um comando judicial – como a sentença de reintegração

de posse, do despejo, do mandado de segurança, etc. – provém da ordem contida

120

no ato sentencial que, implicitamente, quer dizer ao devedor que a vontade

soberana do Estado deve ser fielmente cumprida.

Segundo acentua José Alberto dos Reis:

A sentença de condenação contém, além de um juízo lógico, um

acto de vontade; o juiz exerce aí, além da actividade de

conhecimento, a actividade volitiva.

[...]

O juiz, mesmo na sentença de simples declaração, não se limita a

raciocinar; depois de estabelecer as premissas e de tirar a

conclusão imprime a esta o carácter e a força de uma decisão

proferida em nome do Estado para ser acatada pelos interessados.

Quer dizer, o magistrado não se fica no domínio do puro juízo lógico,

como qualquer júris-consulto ou profissional do direito quando é

consultado por um cliente; não se contenta em emitir um parecer;

vai mais longe: profere uma decisão de caráter obrigatório, um

verdadeiro comando, que é a expressão característica de uma ato

de vontade. 182

A despeito desse pensar, a doutrina clássica negou o caráter

ordenatório contido nas sentenças judiciais durante muito tempo, como se extrai do

pensamento de Liebman:

Não é função do juiz expedir ordens às partes, e sim unicamente

declarar qual é a situação existente entre elas segundo o direito

vigente. Idêntico é, nesse terreno, o conteúdo da sentença

declaratória e da condenatória. 183

182 REIS, op. cit., p. 85. 183 LIEBMAN, Processo…, cit., p. 15.

121

Bem por isso, a questão do descumprimento dos comandos contidos

nas sentenças executivas tem sido mal compreendida. Mais. As discussões acerca

dessa problemática resvalam em argumentos totalmente dissociados da verdade

jurídica do sistema processual brasileiro, como se pretende demonstrar nos

capítulos que seguem.

5.2 A ordem judicial: eficácia mandamental contida nos provimentos executivos

Ao utilizar-se do termo “cumprimento” para as obrigações tuteladas

pelos arts. 461 e 461-A, e do termo “execução”, para a obrigação de pagar quantia

(art. 475-I), teria pretendido o legislador retirar do provimento que determina o

pagamento por quantia uma possível eficácia mandamental? Nessa esteira, teria

pretendido, ainda, afastar desses provimentos a possibilidade de aplicação das

medidas coercitivas de que trata o § 5º do art. 461?

De qualquer modo, se essa era a vontade do legislador – depois de

tantos anos da vigência do art. 461, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.

8.952/94 e Lei n. 10.444/02 – a nova sistemática da execução teria se apresentado

contrária à reforma iniciada, pois a doutrina se esmerou em defender a

executividade lato sensu dos provimentos judiciais baseados no art. 461.

Mas o legislador, nesse aspecto, ainda pecou mais uma vez, pois a

distinção efetuada no art. 475-I foi esquecida no art. 475-N, inc. I, que impõe a

existência de título executivo para a “execução” (?) das obrigações de fazer, não

122

fazer, entregar coisa ou pagar quantia, conferindo às sentenças judiciais natureza

análoga.

Bem observa Barbosa Moreira, com a agudeza que lhe é peculiar:

Ora, se todas as sentenças são ‘títulos executivos judiciais’, conclui-

se que todas elas servem de base a execução! Com efeito, a

locução ‘título executivo’ significa, e só pode significar, título hábil

para dar fundamento a uma execução. Assim, o conceito de

execução, expulso pela porta, volta pela janela ao recinto onde se

situam as sentenças atinentes a obrigações que não são ‘por

quantia certa’. [...] Para cada espécie, naturalmente, haverá uma

determinada modalidade de execução; isso, contudo, não altera em

substância os termos da equação. 184

O ambicionado tratamento uniforme para os provimentos executivos

deve se estender a todos aqueles que se afigurem como tal. Se a natureza

mandamental da sentença que determina a obrigação de não fazer, sob pena de

multa, é reconhecida, e sua realização procede por “cumprimento”, como disposto

no art. 461, não há razão plausível para afastar dos provimentos que determinam o

pagamento de quantia, certa eficácia mandamental.

Pontua o processualista Cássio Scarpinella Bueno:

Não há razão para negar a existência da ordem contida no

reconhecimento (declaração) judicial de que alguém deve alguma

prestação a outrem, independentemente da modalidade

obrigacional. Seja um pagamento de soma em dinheiro, que é a

modalidade obrigacional que interessa ao presente estudo, seja um

184 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Cumprimento” e “execução” de sentença: necessidade de esclarecimentos conceituais. In: DIDIER, Fredie. (Org.) Leituras complementares de processo civil. 5ª Ed. Salvador: Edições Juspodivum, 2007. p. 343.

123

fazer ou um não fazer, seja para entregar algum bem (art. 475-I), é

importante que se compreenda que o juiz manda quando decide. 185

Tal observação resgata um predicado intrínseco ao provimento judicial

executivo: a ordem nele contida.

Etimologicamente, o vocábulo “ordenar” promana do latim ordinare,

que agasalha o sentido de regular, organizar, arranjar ou “pôr ordem”, o que

pressupõe o exercício do mando. Donde o sentido de mandar.186

Tal significado faz muito sentido quando se confronta a ordem emitida

pelo juiz com a necessidade da pacificação social; ou seja, cabe ao juiz organizar a

sociedade (por ordem).

É possível conjecturar que, se o juiz diz o direito, e esse é

essencialmente coercível187, então o juiz ordena (imperativamente) sob pena da

realização de uma sanção, em sentido amplo. Daí o conteúdo mandamental que

anima todos os provimentos jurisdicionais.

Até mesmo os provimentos declaratórios guardam certa carga de

mandamentalidade, característica evidenciada por Pontes de Miranda188, que

atribuiu o peso quatro de eficácia mandamental às sentenças declarativas.

Nos provimentos judiciais executivos, apontados como tal em capítulo

anterior, a mandamentalidade se apresenta em maior grau de eficácia, mesmo que

em um provimento judicial exequível por sub-rogação, o que prova que a pedra de

toque da sentença mandamental é sua executividade, dada sua capacidade de 185 BUENO, Cássio Scarpinella. Novas variações sobre a multa do art. 475-J do CPC. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; BUENO, Cássio Scarpinella (Coords). Aspectos polêmicos da nova execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 4. p. 66. 186 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss de língua portuguesa. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2.077. 187 A esse respeito, ver DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do Direito. Coimbra: Ed. Armênio Amado, 1972. pp. 128 e 129. 188 Cf. MIRANDA, Tratado..., cit., v. 7, p. 29.

124

causar repercussão física, motivo que leva sua inserção na categoria das sentenças

executivas.

Nesse passo, é oportuno considerar que os provimentos com eficácia

mandamental, no modo como se exibe no direito brasileiro, se aproxima – e muito

mais do que se imagina – das injunctions e dos writs inseridos nos sistemas jurídicos

da família da common law.

Ao estudar em profundidade o poder geral de cautela do juiz, Galeno

Lacerda189 demonstrou que sua origem se encontra nos interditos romanos, já

esmiuçados em outras páginas. O mestre estabelece estreita relação entre os

interditos romanos, enquanto provimento de natureza mandamental, e os writs da

Inglaterra.

Ressalta que tal derivação é caracterizada pela permanência, até os

dias atuais, no procedimento anglo-americano, de expressões latinas próprias dos

interditos romanos, como o mandamus e o habeas corpus. O autor ressalta, por

igual, as injunctions, como remédio processual com evidentes raízes nos interditos

romanos.190

Outrossim, a doutrina mais recente, que tem aprofundado os estudos

da tutela mandamental, também identifica a proximidade entre o common law e o

sistema romano-germânico.

Fabrício Camerini tece importantes considerações acerca dos pontos

de convergência entre as ordens emanadas dos juízes do common law e aquelas

tratadas no sistema processual brasileiro.

O doutrinador gaúcho pontua:

189 LACERDA, Galeno. Comentários ao código de Processo Civil. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 8. pp. 100-101. 190 Ibid., pp. 104-106.

125

[...] revela-se sintomático que até mesmo Kuttner, cujas idéias foram

a fonte inspiradora de Pontes de Miranda, fizesse expressa

referência aos writs e às injunctions encontradas no common law, o

que certamente legitima a vinculação entre a tutela mandamental

como a concebemos e as eficácias das decisões proferidas na

jurisdição de equity.

Daí a certeza da conveniência em estabelecer os pontos de

intersecção entre esses dois sistemas, aparentemente tão díspares. Da constatação

da raiz comum dos interditos e do imperium, fica mais palatável a análise do

comportamento das medidas executivas de apoio utilizadas no common law, que

para o juiz brasileiro, precipitadamente, poderiam parecer drásticas e arbitrárias,

embora comprovadamente mais eficazes que as nossas.

5.3 A almejada frutuosidade da tutela executiva

Segundo explica Liebman191, a execução pode ser possível ou

impossível, e frutífera ou infrutífera.

Em muitos casos, o órgão judicial não pode, nem mesmo com o

emprego da força, satisfazer na forma específica o direito do credor. De modo que

não haveria outra solução para operar a satisfatividade do credor a não ser recorrer

191 LIEBMAN, Processo de execução, cit., p. 39.

126

à satisfação da obrigação derivada da reparação de dano, na forma da execução por

quantia certa.192

Assim, se é impossível a execução na forma específica, a execução

por quantia certa não depararia com os obstáculos que podem tornar impossível o

emprego dos outros meios executivos. Dessa forma, ela seria, em tese, sempre

possível.

Porém, mesmo a execução por quantia certa pode encontrar algumas

limitações de ordem prática: a ausência de patrimônio suficiente em propriedade do

devedor. Ou seja, enquanto houver bens a serem expropriados, haverá a

satisfatividade, em potencial, do credor, pois a execução será frutífera. Mas, se por

alguma razão, não houver bens disponíveis, mesmo diante de uma tutela

jurisdicional satisfativa, a execução se revelará infrutífera.

Liebman193 observa que, na execução infrutífera para o credor, seu

crédito ainda sobrevive, mesmo depois de extinto o processo de execução, em

razão da eficácia do título executivo, dando a entender que, no futuro, possa ocorrer

a expropriação, conforme a condição econômica do executado.

No entanto, de nada adianta ao credor a sentença condenatória, com

eficácia de título executivo, sem a realização do crédito no plano da realidade; ou

seja, sem a tutela executiva satisfativa.

A tutela executiva somente é satisfativa, se frutífera. Pensar em tutela

condenatória satisfativa – porque gerou um título executivo –, que, no entanto, não é

frutífera porquanto impossível a execução, é o mesmo que tentar mascarar a total

inefetividade de uma tutela jurisdicional, mudando-lhe o nome.

192 LIEBMAN, Processo de execução, cit., p. 38. 193 Ibid., p. 39.

127

A tutela jurisdicional que determina o pagamento, a entrega da coisa

ou o dever de fazer, ou não fazer, deve produzir os efeitos esperados, por isso é

executiva; se não o fizer, mesmo diante da flagrante higidez patrimonial do

executado, ela se patenteia carente de efetividade, portanto ofensiva ao direito

fundamental prescrito no art. 5º, inc. XXXV, da CF.

Desse modo, frutífera é a execução que proporciona a satisfatividade

real para o exequente, pois realizada mediante efetivação do provimento

jurisdicional.

5.4 O Contempt of Court no procedimento executivo e a premente necessidade

de preservação da dignidade da justiça

O momento mais propício para o obrigado tentar esquivar-se do

cumprimento da obrigação, reconhecida judicialmente, é o da execução. Nos dias

atuais, aquilo que deveria ser mais temido pelo devedor, qual seja, a mão do

Estado-juiz com sua força imperativa, tornou-se situação confortável e segura, pois

ele tem a seu favor a morosidade da máquina do Judiciário e a notória ineficácia dos

meios sancionatórios.

Como bem lembra o Prof. Donaldo Armelin194, somente diante da

carência de higidez patrimonial do devedor, a considerar que, em última instância, a

execução esbarra em seu patrimônio, o Estado-Juiz estaria inapto a proporcionar a

tutela executiva efetiva. Ou seja, não há remédio para a falta de patrimônio

194 ARMELIN, Donaldo. Uma mirada sobre a reforma da execução civil no CPC. In: ARMELIN, Donaldo; BONÍCIO, Marcelo J. M.; CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Comentários à execução civil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5.

128

suficiente para adimplir a dívida ou reparar o dano, pois a responsabilidade não

pode passar da pessoa do devedor.

No entanto, é possível incrementar as medidas executivas para torná-

las mais eficazes e impedir a chicana do devedor durante a execução, ou seja, ao

coibir os abusos praticados no processo executivo, pode-se conferir maior

efetividade à tutela executiva.

O contido no art. 599 do CPC deixa patente a intenção de resguardar a

autoridade do Poder Judiciário ou, em melhor expressão, a dignidade da justiça,

conferindo ao magistrado o poder de advertir o devedor de que seu comportamento,

no processo, estaria afrontando a administração da justiça, como forma de abuso

processual.

Tal é a figura do ato atentatório à administração da justiça, cuja tutela

se dissemina em várias figuras normativas, como os arts. 14; 15; 17; 129; 538,

parágrafo único; 557, § 2º; e 879, todos do CPC, sem desprezo das disposições em

leis especiais.

Neste espaço, interessa a prática da ofensa à dignidade da justiça – o

que equivale ao contempt of court, na expressão típica dos sistemas jurídicos da

common law – praticada no curso do procedimento executivo.

O art. 600, com a redação do caput modificada pela Lei n. 11.382/06,

dispõe a respeito dos "atos atentatórios à dignidade da justiça", praticado pelo

executado.

O inciso primeiro considera ato atentatório à dignidade da justiça a

fraude à execução. Nesse aspecto, vale ressalvar que o credor não é o único

prejudicado pelo ato fraudulento, porquanto este resulta, em última instância, em

afronta à dignidade da justiça, daí o caráter publicístico da fraude à execução.

129

Como afirma Yussef Said Cahali:

Em razão do interesse público lesado e da maior gravidade da

fraude à execução em seu confronto com a fraude contra credores,

o legislador processual pátrio buscou tornar efetivo o princípio de

que o processo deve constituir-se em eficaz instrumento da

jurisdição, reprimindo o ato assim praticado, como ato atentatório à

dignidade da justiça (Exposição de Motivos do Código de Processo

Civil, n. 18; CPC, art. 600, I); incluindo-se entre as figuras

caracterizadoras do contempt of court, prevê o art. 601 do CPC a

respectiva sanção, providência que poderá ser tomada a

requerimento da parte contrária, ou mesmo de ofício. 195

A consequência jurídica do ato fraudulento é sua ineficácia com relação

ao credor, objetivando a regular continuidade da execução, como se a alienação não

tivesse ocorrido.

Dessarte, a mera consequência jurídica da declaração da ineficácia do

ato fraudulento não constitui medida suficiente para restaurar a dignidade da justiça;

é medida que protege apenas o crédito, assinalando a diferença substancial

existente entre uma sanção e conseqüência jurídica decorrente de um preceito

normativo.

O inciso II do art. 600 alude a "atos de oposição maliciosa", mediante o

emprego de "ardis e meios artificiosos". É modo genérico de descrever uma série de

comportamentos, tratando-se, portanto, de conceito aberto. Como esclarece

Zavascki196, "na essência, o que o legislador quer reprimir são os atos e as omissões

do devedor que extrapolam os limites razoáveis do seu direito de se defender".

195 CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 466. 196 ZAVASCKI, Teori. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 310.

130

O inciso III do artigo 600 diz sobre a resistência injustificada às ordens

judiciais, devendo ser conjugado com os artigos 579 e 660. É manifesto caso de

atentado à dignidade da justiça, ou de contempt of court.

A Lei n. 11.382/06 alterou a redação do inciso IV do art. 600

pontualmente, quanto à fixação de prazo para que o devedor cumpra o dever de

indicar “quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus

respectivos valores”. Na verdade, trata-se de tardia correção à redação original do

dispositivo, na tentativa de atribuir-lhe maior eficácia.

No entanto, como vinca Teori Zavascki 197, comentando a força do

dispositivo antes de sua alteração, esse inciso constitui o ponto crítico de todo

processo de execução, ante a dificuldade de comprovar a existência de bens

penhoráveis em propriedade do devedor. Em havendo indícios de que o executado

dispõe de bens passíveis de penhora (por exemplo, se está sujeito a apresentar

declaração de imposto de renda ou de bens) e de que os está subtraindo da

execução, aponta como solução a requisição, via judicial, de informações na Receita

Federal. Isso porque, "o sigilo fiscal não constitui, por si só, embaraço insuperável à

providência requisitória, devendo ceder passo quando, não sendo possível a

localização de bens pelos meios ordinários, se configurar a inviabilidade do

prosseguimento da execução, atividade jurisdicional que interessa não apenas ao

exequente mas ao próprio Estado".

O art. 656, em seu § 1º, reforça a explicitação do dever do executado

de “abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da

penhora”.

197 ZAVASCKI, Comentários..., cit, p. 313.

131

Atente-se, ainda, para o contido no art. 653, que autoriza o oficial de

justiça a proceder ao arresto ante a dificuldade na localização dos bens penhoráveis

– considerando-se o contido no novel art. 475-J, § 3º – no objetivo de garantir a

frutuosidade da execução.

As sanções impostas pelo sistema processual quanto aos atos

atentatórios praticados pelo devedor durante a execução – pois na ótica da

efetividade da tutela executiva, os atentados praticados pelo credor devem ser

relegados a segundo plano – nem sempre se mostram eficazes no intuito de coibir

os abusos.

O art. 601 prevê, como sanção aplicável aos atos atentatórios à

dignidade da justiça praticados durante a execução, descritos no artigo que o

antecede, a multa pecuniária. Seu caráter é eminentemente punitivo, e não

indenizatório198, a considerar que deve ser aplicada independentemente de

provocação da parte. O juiz fixará a multa, dentro dos limites de 20%, sobre o valor

do débito, levando em consideração a gravidade do ato praticado e o grau de lesão

contra o Estado, a despeito dos danos sofridos pelo credor.

Entretanto, o montante será revertido em favor do credor, o que

consiste, na verdade, em um absurdo da lei. Se o objetivo do preceito é proteger a

dignidade da justiça, deveria ser o Estado o favorecido pela aplicação da multa, pois

afetada é a função jurisdicional.199

198 Em sentido contrário, anote-se o entendimento de Araken de Assis, ao asseverar que o artigo 601 não guarda caráter punitivo, à semelhança do contempt of court, o qual pode resultar na prisão do contumaz. Entende que se adotou a natureza reparatória, ante a ressalva constitucional. (ASSIS, Araken. Reforma do processo executivo. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 81, jan./mar.1996. p. 13.) 199 No mesmo sentido, ZAVASCKI, op. cit., p. 315.

132

Com relação aos danos sofridos pelo credor em razão da litigância de

má-fé do executado, aquele poderá pleitear a devida reparação, sem prejuízo da

sanção do artigo 601.200

Ao atrelar o montante da multa ao valor da execução, o legislador

concluiu por criar algumas dificuldades de ordem prática. Nos casos em que a

execução tenha por objeto a entrega de coisa ou prestação de fazer ou não fazer, o

cálculo da multa fica sem parâmetro seguro. Parece ser a melhor orientação a de

atribuir o valor da multa em proporção ao valor do equivalente em dinheiro da coisa,

ou à aferição econômica da obrigação. Contudo, "se houver descompasso evidente

entre um e outro, caberá ao juiz estimar a base de cálculo da multa utilizando-se de

outras fontes disponíveis, caso em que justificará adequadamente as razões para

assim proceder".201

Com efeito, a multa prevista no artigo 601 não tem logrado o objetivo

de restabelecer a dignidade da justiça, ante a gravidade dos atos arrolados no artigo

600.202 O legislador ainda cometeu mais um pecado: perdeu a oportunidade de

adequar também o parágrafo único do art. 601, mediante a Lei n. 8.953/94, que

exibe total incompatibilidade com a nova redação do caput. Não teria sentido o juiz

revogar a pena de multa, que já passou a integrar o valor do débito, pela razão do

devedor se comprometer a não agir mais de modo atentatório, pois o atentado já

ocorreu e foi sancionado.

200 Cf. FORNACIARI JR., Clito. Atos atentatórios à dignidade da justiça. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, pp. 572 e 573. 201 ZAVASCKI, op. cit., pp. 315ss. 202 Cf. LOPES, João Batista. O juiz e a litigância de má-fé. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 740, jun. 1997, p. 133.

133

O art. 14, em seu inciso V, cuida da desobediência às ordens judiciais,

também exemplo de contempt of court.203

Em um primeiro plano, esse dispositivo pode ser esquadrinhado como

previsão legal para o ato atentatório produzido por qualquer sujeito participante do

processo, cuja sanção, prevista no parágrafo único da norma, consiste em multa de

natureza punitiva. Entretanto, há outro aspecto importantíssimo da norma que deve

ser levado em conta: é expressamente aplicada na execução do provimento de

eficácia preponderantemente mandamental. Mais. Nada há no dispositivo em foco

que restrinja sua aplicação às decisões interlocutórias, podendo ser imposto, em

tese, ao descumprimento das sentenças mandamentais.

Outrossim, importante frisar que o legislador andou bem ao determinar

que o valor da multa fosse revertido ao Estado, deixando patente que o bem jurídico

protegido é a dignidade da justiça, por meio do respeito às ordens judiciais.

Infelizmente, o sistema processual carece de regras que autorizem

medida de natureza coercitiva mais eficaz que a multa, para a maioria dos casos de

descumprimento das decisões mandamentais que, por ter como conteúdo prestação

infungível, reclamam medida mais drástica, como a prisão civil.

5.5 Imprescindibilidade das medidas executivas (coercitivas e punitivas) na

busca da tutela efetiva

203 Nesse sentido, DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – execução. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. p. 356.

134

A utilização das medidas coercitivas e punitivas tem sido a grande

mola propulsora da almejada efetividade da tutela. Com isso não se quer dizer que

estas necessariamente preponderam na preferência do juiz para conferir ao

exequente a satisfatividade. Tampouco se pode pensar que ainda prevalece, na

atual sistemática processual, a supremacia das medidas sub-rogatórias.

Nesse sentido, pontua Marcelo Lima Guerra:

Assim, não há nenhuma justificativa racional para se pretender

sustentar uma suposta prioridade genérica e abstratamente

estabelecida das medidas sub-rogatórias, em relação às medidas

coercitivas. Infelizmente, ainda se encontra bastante arraigada, em

seguimento expressivo da doutrina, essa concepção que reflete um

imotivado juízo negativo de valor em relação às medidas coercitivas,

herança, ao que parece, de concepções vigentes no século XIX e

em boa parte do século XX, na cultura jurídica europeia, que

exacerbavam o dogma da intangibilidade da vontade humana, a

ponto de ser defendida, no âmbito do direito material, uma

generalização da tutela meramente ressarcitória, em detrimento da

específica, e o banimento das medidas coercitivas, no âmbito do

direito processual. 204

Com efeito, a tendência em buscar apoio nas sanções para possibilitar

ao credor a tutela executiva tem sido a tônica da processualística atual.

O amplo conceito de tutela executiva, ressalvado no capítulo inicial do

trabalho, conduz à assertiva de serem as medidas executivas também execução

forçada, esta entendida como a atuação do poder estatal (imperium) a fim de

proporcionar ao credor a satisfatividade da sua pretensão.

204 GUERRA, Direitos fundamentais..., cit., p. 42.

135

Para não comprometer conceitos basilares, impende esclarecer que

será utilizado o termo "sanção" como denominação genérica de pena e de medida

coercitiva, e restritivamente a esses dois casos. Isso se deve à distinção identificada

entre a consequência jurídica de uma norma e a sanção propriamente dita,

porquanto a indenização ou o ressarcimento não devem configurar sanção.

Os que entendem a indenização e o ressarcimento como sanção,

afirmam que ambas resultam na satisfatividade, ou melhor, na restauração da

situação anterior à violação por meio do ato ilícito praticado. Daí a tese de que,

como as medidas coercitivas não são satisfativas por si, não poderiam ser

consideradas sanções.205

Não obstante, Kelsen206 esclarece que sanção pode aparecer de duas

formas: como pena e como execução forçada. A indenização ou o ressarcimento

não seriam sanção, mas, sim, pressuposto de uma sanção; ou seja, o dever de

ressarcir os prejuízos não é sanção, mas um dever subsidiário. Ou, em suas

palavras, "um tal dever de indenização apenas existe quando não somente a

produção de um prejuízo mas também a não indenização do prejuízo

antijuridicamente causado é considerada pressuposto de uma sanção". 207

Pois bem. No âmbito das sentenças executivas, as medidas

sancionatórias recaem sobre o patrimônio – na forma de multa – ou sobre a pessoa

do devedor – prisão – e podem apresentar caráter punitivo ou coercitivo.

O que diferencia a natureza coercitiva ou punitiva da sanção são os

efeitos que produz. Semelhante ao sistema penal, a sanção (multa ou prisão) de

natureza punitiva implica penalidade imposta ao devedor que já descumpriu o

205 Nesse sentido, negando a possibilidade da inclusão das medidas coercitivas entre os possíveis conteúdos da sanção, ver TALAMINI, Tutela relativa..., cit, pp. 170ss. 206 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 121. 207 Ibid., pp. 138ss.

136

comando judicial e que, por isso, deve arcar com a consequência da diminuição em

seu patrimônio ou com a restrição de sua liberdade ou de seus direitos.

Importantíssimo frisar, em relação ao caráter punitivo, é que tanto a prisão quanto a

multa são fixadas na forma certa; isso significa, em valor e em tempo previamente

determinados.

Melhor dizendo, o fato de o devedor, antevendo a iminência de ter que

arcar com a prisão ou com a multa, resolver cumprir a obrigação, não o exime de

expurgar a sanção completamente. É o que ocorre com o condenado por crime; o

arrependimento ou a reparação do dano patrimonial não o exime da pena.

A sua vez, as medidas coercitivas operam de modo diferente. São

técnicas processuais, à disposição do julgador, que resultam em pressão

psicológica, para o destinatário do comando judicial, a fim de compeli-lo ao

cumprimento da obrigação ou dever, se inoportuna a execução por sub-rogação.

Como bem ensina José Alberto dos Reis208, “a medida coactiva é

empregada para induzir o devedor a cumprir, ao passo que a pena é imposta como

consequência do não cumprimento.”

Tanto a multa coercitiva (astreinte) como a prisão civil coercitiva podem

ser interrompidas tão logo o devedor se prontifique a cumprir o comando judicial. É o

que ocorre no exemplo tão conhecido da prisão do devedor de alimentos. Fixada a

prisão, pelo prazo de quarenta dias, hipoteticamente (art. 733 do CPC), o devedor

pode livrar-se solto tão logo efetue o pagamento. O mesmo ocorre com as multas

diárias; cumprida a obrigação, cessa a incidência da multa, passando a dever

somente aquela equivalente aos dias em que permanecera omisso.

208 REIS, op. cit., p. 27

137

Bem por isso, as medidas coercitivas estão intrinsecamente ligadas à

efetividade da tutela executiva, na medida em que são capazes de proporcionar a

tutela específica.

A multa coercitiva tem sido amplamente aceita nos casos amparados

pelos arts. 461 e 461-A, em que se evidencia premente o rechaçamento dos abusos,

principalmente no concernente à desobediência dos provimentos mandamentais.

As medidas coercitivas viabilizam a esperada efetividade à tutela

específica que, por sua natureza, não comporta a execução por sub-rogação, sob

pena de deixar de ser específica.

No entanto, a primazia dos meios executivos coercitivos sobre os

meios de sub-rogação ocorreu naturalmente, à medida que o interesse pela

satisfação da pretensão substancial ganhou prioridade em um ordenamento jurídico

informado pelo princípio da efetividade da tutela executiva.

Acrescente-se a isso que a mera conversão da obrigação específica

em perdas e danos (obrigação pecuniária) passou a ser vista como uma prévia e

atemorizante visão da execução infrutífera, a considerar que a expropriação é

incondicionalmente atrelada à higidez patrimonial do executado.

É o que ocorre com a multa, de natureza punitiva, prevista no

parágrafo único do art. 14 do CPC, fixada no valor máximo equivalente a 20% sobre

o valor economicamente aferível da ordem (?) descumprida. Questão que se impõe,

nesse caso, é saber a quem caberia a fixação do valor da ordem que foi

descumprida, dado que, em se tratando de ordem proferida em execução por

quantia, se sabe o valor da causa, mas na hipótese do mandado de segurança, que

nem sequer possui parâmetros seguros de aferição econômica do valor da causa,

essa multa de 20% ressuma risível.

138

Na Lei n. 11.232/05, o legislador, por mais uma vez, perdeu a

oportunidade de unificar os critérios para as medidas sancionatórias na execução.

A multa de que trata o art. 475-J, criado por essa lei, tem evidente

natureza punitiva, porquanto, em caso do não pagamento no prazo de quinze dias, o

executado fica responsável pelo acréscimo de 10% sobre o montante da obrigação,

a ser revertido para o credor. E se o executado demorar mais quinze dias para

pagar, ou um ano, nada mais será acrescido no valor da execução, além da

atualização monetária.

Parece que, em um primeiro exame, o novo procedimento da execução

por quantia não comportaria nenhuma medida coercitiva para compelir ao

pagamento, questão que será retomada adiante, com mais espaço.

Tratando-se de tutela específica de obrigação infungível, a multa nem

sempre alcança a eficácia esperada. E a prisão civil, de caráter eminentemente

coercitivo, encontra nas tradições e costumes do povo brasileiro um verdadeiro muro

de contenção.

Pode-se extrair, do sistema, tanto fundamento genérico quanto

específico para a imposição das sanções por desobediência à ordem judicial.

Como fundamentos genéricos, cite-se a própria característica coativa

do direito, o princípio do acesso à jurisdição em sentido material, a independência e

o poder político do Judiciário, o princípio de que o poder de punir é ínsito ao poder

de julgar; e o próprio princípio processual de lealdade e boa-fé.209

209 Cf. VARGAS, Jorge de Oliveira. As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível. Curitiba: Juruá, 2001. p. 143.

139

Por sua vez, os fundamentos específicos para a aplicação das

correspondentes sanções, tanto a prisão quanto a multa, encontram-se no próprio

sistema e serão analisadas em lanço posterior.

Dessarte, as sanções defendidas pela processualística tradicional

ainda se apresentam pífias, diante da problemática existente com relação ao

descumprimento das ordens judiciais. Não se pode admitir que o dever de cumprir a

ordem judicial, a qual, antes de tudo, implica respeito à justiça, possa sempre ser

transformado em pecúnia, na forma reparatória – já que a multa coercitiva reverte

para o credor –, ao custo da fragilidade da prestação jurisdicional. Pois, sendo

assim, a proteção à dignidade da justiça, enquanto bem jurídico maior, cai por terra.

5.6 A inegável superioridade do sistema executivo do Common Law sobre o

romanístico – o papel do Contempt of Court

Ao contrário do que parece, a propagada rivalidade histórica entre o

Direito das duas famílias jurídicas – família da common law e família romano-

germânica – deve dar lugar a vários pontos de convergência entre os dois sistemas,

ou, ainda, espaços de complementaridade quanto a alguns conceitos.

De um lado, encontra-se um sistema fechado, formado por regras de

caráter genérico, repleto de fórmulas gerais, em que a aspiração maior é a

inexistência de lacunas. De outro, há um sistema aberto, onde a lacuna é quase que

obrigatória, porque, somente diante da interpretação do caso concreto apresentado,

o juiz poderá criar o direito, preciso e adequado àquela situação nova.

Melhor esclarecem as palavras de Guido Soares:

140

É igualmente esse gosto pela regra abstrata e geral que está

presente na família romano-germânica dos Direitos, e que poderia

explicar a redação de monumentos legislativos como os códigos.

Para um analista provindo da Common Law, as normas assim

elaboradas e escritas parecem, antes, preceitos morais, regras

religiosas, do que normas jurídicas precisas e claras, destinadas a

solucionar conflitos no interior de uma sociedade. 210

Afora essas particularidades, em ambos os sistemas há evidente

preocupação de ordem prática com o respeito à administração da justiça. Porém,

nos ordenamentos jurídicos pertencentes à família da common law, o respeito às

decisões judiciais se afigura exacerbado.

São inerentes ao direito da common law as regras de repressão aos

atos que atentam contra a administração da justiça. René David211 ilumina que o

jurista inglês é mais preocupado com a administração da justiça do que com a

justiça em si mesma. Para o jurista inglês, um processo bem regulado e cheio de

lealdade resultará em solução justa.

A mesma mentalidade impera nos Estados Unidos. É o respeito pela

administração da justiça, enquanto representação do Estado soberano. Para que o

Estado se faça respeitar, é preciso dispor de meios eficazes de repressão.

A doutrina do contempt of court busca zelar pela dignidade da justiça,

assegurar a efetiva administração da justiça e a autoridade do poder judiciário,

protegendo juízes e tribunais e afirmando a supremacia da lei.

210 SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law – introdução ao Direito dos EUA. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 55. 211 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 323.

141

Ou, como diz melhor a doutrina inglesa212, "the rules embodied in the

law of contempt of court are intended to uphold and ensure the effective

administration of justice".

O principal efeito disso é a confiança que a população desses países

deposita no sistema judiciário.

Não se fala em contempt como uma ofensa à lei ou a princípio de

direito. O bem protegido é a justiça em si. Portanto, o ato de contempt não precisa

ser ilegal; basta que interfira de algum modo na boa administração da justiça ou

resulte em desobediência a uma determinação judicial.

É inegável que o contempt tem natureza de sanção; ou seja, em

sentido estrito, significa que consiste em medida repressiva imposta em razão da

ofensa à dignidade da justiça.

O contempt power – poder de punir por contempt – é inerente à

jurisdição, nos países da família da common law. E a base jurídica desse "poder

inerente à jurisdição" é indicada por Lowe e Sufrin213, ao citar Master Jacob,

afirmando ser inherent jurisdiction (inerente à jurisdição) a autoridade do juiz de dar

suporte a uma decisão, proteger e satisfazer a função judicial de administrar a

justiça de acordo com a lei, regularmente e de maneira efetiva.

Acentua René David214 que o “contempt of Cout aumenta o prestígio

das Cortes superiores e contribui, desta maneira, para consolidar fortemente na

Inglaterra a ideia de que existe de fato um poder judiciário”.

212 DAVID, Os grandes sistemas..., cit.,., p. 1. 213 "The juridical basis of the inherent jurisdiction has been well described by Master Jacob as being: 'the authority of the judicatory to uphold, to protect and to fulfil the judicial function of administering justice according to law in a regular, orderly and effective manner". (LOWE, Nigel; SUFRIN, Brenda. The law of contempt. London: Butterworths, 1996. p. 465). 214 DAVID, René. O Direito inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 19.

142

Humberto Theodoro Jr.215 observa que é na execução forçada que se

acentuam as divergências entre os sistemas processuais de origem romano-

germânica e os sistemas que pertencem à família do common law. Assevera que “no

common law, a preocupação com a autoridade da Justiça e efetivação de seus

decisórios sempre ocupou um plano muito superior ao que se registra em nossa

legislação latina”.

Dessarte, é questão de honra para um jurista inglês a supremacia do

interesse público embutido em toda decisão judicial, razão pela qual deve ser pronta

e fielmente executada.

A utilização das medidas drásticas oriundas do instituto do contempt of

court é apoiada pela população daqueles países, como mecanismo de garantia da

ordem pública.

Infelizmente, a cultura brasileira ainda não está suficientemente

amadurecida para absorver a ideia de que um cidadão possa ser preso por

descumprir uma ordem judicial, à exceção do devedor de alimentos, cuja sanção é

palatável, na medida em que exsurge o interesse contrário do alimentando.

Quando das discussões acerca do anteprojeto que resultou, mais

tarde, na Lei n. 10.358/01, reformadora do art. 14 do CPC, houve comunhão de

esforços de alguns doutrinadores brasileiros, encabeçados pela Profa. Ada Pellegrini

Grinover, para a inclusão, no sistema processual, de instituto semelhante ao

contempt of court, visando atribuir maior efetividade às decisões judiciais de

natureza mandamental.

215 THEODORO JR., O cumprimento…, cit., p. 231.

143

A eminente professora do Largo São Francisco, no XX Congreso

Nacional de Derecho Procesal, em San Martins de los Andes (Argentina, 1999), fez

as seguintes sugestões:

Além da multa compensatória, destinada ao Estado, pela

injustificada resistência às ordens judiciais, proponho que em cada

ordenamento latino-americano se analise a conveniência da adoção

das seguintes medidas: a) a prisão civil, a ser aplicada pelo juiz civil,

à parte recalcitrante, até o cumprimento da decisão judiciária; b) a

multa coercitiva (astreinte), nos ordenamentos que ainda não a

contemplem.

Seria, ainda, oportuno que, juntamente com essas medidas, se

disciplinasse o procedimento a ser seguido para a aplicação das

sanções, podendo para tanto servir de inspiração o modelo do

contempt indireto anglo-saxão [...].

Não se pretende, com isso, importar simplesmente soluções de

outros sistemas, mas convidar a uma reflexão que conduza ao

restabelecimento da autoridade do Poder Judiciário, por força da

efetividade de suas decisões. 216

Após a vigência da mencionada lei, e fracassados os esforços de

rechear o sistema com medidas coercitivas mais rígidas, a Profa. Ada, em

melancólico artigo publicado no ano de 2002, assim conjectura:

Assim se liquidou, com outra penada, toda a doutrina e a prática dos

tribunais anglo-saxões em torno do contempt of court, cuja longa

experiência havia evidenciado que entre os maiores responsáveis

pela criação de embaraços à efetivação dos provimentos judiciais se

inscrevem os advogados. E só uma mal entendida proteção

216 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 102, p. 225.

144

corporativa pode levar a querer proteger os maus advogados, que

resistem injustificadamente às ordens judiciárias. Sem contar com o

fato de que as sanções disciplinares previstas nos estatutos da

Ordem têm finalidades profundamente diversas das do contempt of

court, que objetiva resguardar a autoridade das decisões judiciárias

e garantir a efetividade do processo.

[...]

Enquanto isso, o contempt of court brasileiro já nasceu praticamente

morto. Graças, mais uma vez, ao Executivo e ao Legislativo deste

pobre país. 217

Inegável que a comparação entre os dois maiores sistemas jurídicos do

mundo possa vir a beneficiar a ambos, à medida que os exemplos de efetividade

das decisões dos juízes do common law venham a ser copiados por aqui; e, na

contramão, que as formas de limitação dos poderes dos juízes, dada a exacerbada

valorização do contraditório característica dos países latinos, possam influenciar

naquele sistema, atenuando sua rigidez.

Bem por isso, indispensável se torna a incursão ao âmago do instituto

do contempt, como exemplo maior de medida executiva eficiente, para admitir sua

viabilidade prática no sistema processual brasileiro.

217 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: estudos e pareceres. São Paulo: DPJ Editora, 2006. p. 165.

145

6 A EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS NO SISTEMA DO COMMON

LAW

6.1 Raízes históricas

A denominação common law não deve ser utilizada para designar o

sistema jurídico anglo-saxônico, tampouco para o direito inglês, porquanto engloba

outros países independentes, como a República da Irlanda (Eire) e vários outros, a

exceção dos EUA.218

Há sentidos diversos para a expressão "common law", podendo ser

empregada para designar uma "família de direitos", à semelhança do que ocorre

com a família dos direitos romano-germânicos.

A primeira acepção da expressão "common law" é a de "direito comum",

aquele nascido das sentenças judiciais inglesas dos Tribunais de Westminster, na

Inglaterra, cortes essas constituídas pelo rei e a ele subordinadas diretamente. O

common law acabaria por suplantar o chamado "direito anglo-saxônico", composto

de regras costumeiras e particulares de cada tribo dos primitivos povos da Inglaterra,

que imperava no período anterior à conquista normanda de 1066.219

Entrementes, as súplicas feitas diretamente ao rei passaram a ser

frequentes, ao arrepio das regras processuais do common law, pois o rei decidia

segundo sua consciência, sem ater-se a fundamentos jurídicos. O confessor do rei,

218 SOARES, Common law..., cit., p. 51. 219 SOARES, op. cit., p. 32.

146

o chanceler (counsellor), passou a conhecer de causas em grau originário e a

conceder certas medidas.

Segundo ensina Guido Soares:

A freqüência de tais procedimentos excepcionais, sempre

concedidos quando não houvesse um writ no Common Law, fez com

que se firmasse a prática de uma verdadeira justiça paralela às

Courts of Westminster, com uma linguagem própria, precedentes

próprios, e que acabariam por ser aplicados pelos Tribunais do

Chanceler: Court of Chancery, que rivalizavam com as Courts of

Westminster, tribunais aqueles que acabariam por formar um corpo

de normas, a Equity.220

Em visão não diferente, explica Oscar Rabasa:

[…] la jurisdicción en materia de equity [...], distinta del common law,

es a su vez la potestad jurisdiccional para resolver las controversias

civiles, conforme a los procedimientos originados por la histórica

Court of Chancery o Corte del Canciller de Inglaterra, y continuados

por su sucesores, los modernos tribunales de derecho-equidad en

dicho país y en los Estados Unidos, y de acuerdo con los principios,

normas y reglas especiales establecidos por esta clase de

tribunales, como un derecho supletorio, para subsanar las

deficiencias y mitigar los rigores del estricto common law. 221

Desse modo, a equity é o julgamento assentado na eqüidade. Provém

do latim equitas – igualdade, justiça – derivado que é de equus – igual, justo. Em

220 SOARES, op. cit, p. 34. 221 RABASA, Oscar. El derecho angloamericano. México: Fondo de Cultura Económica, 1944. p. 137.

147

seu sentido ético, significa a lei igual e imparcial para todos, dando a cada um o que

é seu, correspondendo ao mais elevado grau de justiça.222

Segundo o Black's Law Dictionary223, a equity constitui uma alternativa

para aplicação da justiça, em contraste com as severas regras do common law,

baseada naquilo que deve ser mais justo em uma situação particular.

A esse respeito, anota Rabasa:

[…] la idea básica de la equidad, desde el punto de vista de que la

ley debe ser aplicada con justicia, mitigando su rigorismo conforme a

los dictados de la conciencia, es propia de todos los sistemas

jurídicos de las naciones civilizadas, y siempre figura en sus

diversas etapas de desarrollo y perfeccionamiento. Pero en la

jurisprudencia angloamericana la equidad apareció como un simple

ideal ético, para convertirse definitivamente en un cuerpo de

derecho de contenido técnico y jurídico análogo al del derecho

común estricto, llamado common law, y de ahí que haya dejado de

ser una concepción meramente abstracta para convertirse en una

rama formal de la ley misma.224

Com o andar do tempo, mesmo os tribunais da equity foram

contaminados pelo formalismo do common law. Finalmente, os Judicature Acts

ingleses, de 1873 e 1875, suprimiram as Courts of Chancery, passando a

222 Cf. RABASA, op. cit., p. 138. 223 "Justice administered according to fairness as contrasted with the strictly formulated rules of common law. It is based on a system of rules and principles, which originated in England as an alternative to the harsh rule of common law and which is based on what was fair in a particular situation. One sought relief under this system in courts of equity rather than in courts of law. The term 'equity' denotes the spirit and habit of fairness, justness, and right dealing which would regulate the intercourse of men with men." (Black's Law Dictionary, cit, p. 540). 224 RABASA, op. cit., p. 138.

148

competência de aplicação, tanto da common law quanto da equity, a tribunais

comuns da Inglaterra.225

René David tece este esclarecimento:

os Judicature Acts, na realidade, não procuram realizar a fusão da

common law e da equity; o legislador permitiu somente que em

todos os tribunais superiores, em 1875, se estatuísse ao mesmo

tempo em direito e segundo a equity. As duas categorias de regras,

antes de 1875, não comportavam qualquer contradição, mas a

solução de um processo poderia ser diferente conforme o tribunal

chamado para resolver o conflito. Os tribunais vão então aplicar,

doravante, umas e outras ao mesmo tempo, segundo o modo e nas

condições em que eram aplicadas antes de 1875. 226

Conclui o autor por advertir que, "em caso de conflito, decidiu-se que

seriam aplicadas as soluções de equity”.227

Com relação à aplicação de uma ou outra forma de decisão, é preciso

considerar que no caso de uma inexecução de contrato, por exemplo, o common law

pode outorgar perdas e danos à parte queixosa, através da condenação. Contudo,

pode ocorrer a inadequação dessa sanção, sendo do interesse do queixoso

contratante obter a própria prestação que lhe foi prometida. Aí, nenhuma ação diante

de um tribunal de common law seria apta a solucionar a questão e a proporcionar

esse resultado. Já graças à aplicação da equity, poder-se-á obter uma decisão de

execução (decree of specific performance), ordenando ao contratante execute a

obrigação na forma específica.228

225 SOARES, op. cit., p. 35. 226 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 313. 227 Ibid., p. 313. 228 Ibid., p. 310.

149

Nos Estados Unidos, estendeu-se a jurisdição dos tribunais de equity.

Para os norte-americanos, sua competência devia necessariamente ser admitida

quando o direito comum não ofertasse nenhuma solução. Como exemplo, René

David229 cita as questões relativas ao matrimônio. O direito comum não oferecia

solução, porquanto considerava marido e mulher uma só pessoa, sendo-lhes,

portanto, vedado que pudessem agir um contra o outro, razão pela qual as questões

relativas à anulação de casamento e de divórcio passaram a ser consideradas de

domínio reservado às jurisdições de equity nos EUA.

A despeito da unificação, tanto o common law quanto a equity

conservam suas características próprias, e o princípio dominante é que, tanto nos

Estados Unidos quanto na Inglaterra, a utilização da equity só é possível quando

inexistir remédio próprio na common law, ou este se tornar impróprio.

Interessante observar que à equity, dominada pela ideia de consciência,

deve ser atribuído certo caráter discricionário.230

Outra distinção importante a ser apontada, entre o common law e o

sistema da statute Law, diz respeito às suas fontes. O common law é o direito criado

pelo juiz (judge-made law), já que nesse sistema a norma nasce no momento em

que é aplicada, com a criação do precedente judiciário. Já no sistema da statute law,

quem cria a norma é o legislador, de modo que a norma existe mesmo antes de sua

aplicação pelo juiz a um caso concreto. Mais. Ela se origina das constituições

federais, tratados internacionais, leis ordinárias, regulamentos administrativos,

federais, estaduais e municipais, inclusive textos legislativos elaborados pelo próprio

229 DAVID, Os grandes sistemas..., cit., p. 379. 230 Cf. DAVID, Grande sistemas..., cit., p. 312.

150

Poder Judiciário, a exemplo do Code of Civil Procedure, elaborado pela Corte

Suprema dos EUA.231

No common law, o direito criado por meio do precedente judicial é

conhecido como case law. Nos Estados Unidos, o statute law é hierarquicamente

superior ao case law, podendo até mesmo ser modificado pelo statute law, quando

aí se diz que um case foi "reversed by statute". Mas, ainda assim, mesmo em se

tratando de sistema misto, nos EUA permanece o traço característico do sistema do

common law: o judge-made law. 232

Melhor esclarece Guido Soares, assim afirmando:

[...] é inexato dizer que na Common Law os juízes não aplicam um

statute law, enquanto não houver um case, no qual seja o mesmo

decidido. A questão é de método: enquanto no nosso sistema a

primeira leitura do advogado e do juiz é a lei escrita e,

subsidiariamente, a jurisprudência, na Common Law o caminho é

inverso: primeiro os cases e, a partir da constatação de um lacuna,

vai-se à lei escrita. Na verdade, tal atitude reflete a mentalidade de

que o case law é a regra e o statute é o direito de exceção, portanto

integrativo. Nesse particular, a diferença entre o direito inglês e o

norte-americano é fundamental: a Inglaterra, que consideramos uma

Common Law mais pura, desconhece a primazia de uma

constituição escrita e que se coloca em uma organização jurídica

piramidal (a civil law), nem tem ideia da primazia dos statutes, tais

as constituições estaduais do sistema federativo norte-americano,

igualmente direito escrito, constituições estaduais essas que se

colocam no ápice da lei estadual, que nos EUA é a maioria das

disposições normativas.233

231 Cf. SOARES, op. cit., pp. 37ss. 232 Ibid., p. 38. 233 Ibid., p. 39.

151

Feitas as necessárias distinções que o rigor técnico exige, importa

advertir que, doravante, será utilizada a expressão "common law", em sentido amplo,

para designar a "família" do direito que predomina nos Estados Unidos e na

Inglaterra, objeto dessas considerações.

6.2 Equitable remedies: injunction e specific performance

Inicialmente, observe-se que a injunction e a specific performance,

espécies de equitable remedies, devem emanar de uma decisão de equity. Isso em

razão da inviabilidade da realização do direito mediante a utilização da common law.

Ou seja, ante a inefetividade, em potencial, das regras do common law, recorre-se a

um equitable remedy. Daí seu caráter subsidiário.

Um equitable remedy significa um provimento jurisdicional de

equidade, emanado de um juízo de equidade. Ou, na definição doutrinária, "equity

provides a range of remedies at the dispensation of the court when common law

remedies prove inadequate or when, as in enforcement of an equitable right, they are

not available".234

Entretanto, a orientação atual é o abrandamento do caráter subsidiário

no manejo de um equitable remedy, que pode ser utilizado sempre que o

cumprimento específico se revelar mais adequado, mais efetivo que o

ressarcimento.235 Assim, a exigência da inadequação absoluta do remédio da

234 ANDOH, Benjamin; MARSH, Stephen. Civil remedies. Great Britain: Dartmouth, 1997. p. 210. 235 "[...] the recent tendency has been to ask not whether damages represent an adequate remedy but instead whether specific performance is the more appropriate response to the situation". (ANDOH e MARSH , op. cit., p. 211).

152

common law foi abrandada, substituída pelo critério da maior adequação da tutela de

equidade.236

A característica marcante de um equitable remedy é resultar sempre

em execução in personam, ou seja, em caráter pessoal, em contraste com os

judgment at law, as decisões provenientes da common law, que incidiam

normalmente sobre o patrimônio do réu.237

Justamente por ser remédio de equidade, a discricionariedade está

presente nas decisões emanadas de um equitable remedy. Entretanto, a

discricionariedade adotada é baseada em critérios mais objetivos, amparados em

precedentes jurisprudenciais ou, até mesmo, fixados em lei. Assim, na

"discricionariedade" que marca os equitable remedies, misturam-se elementos

provenientes da própria gênese da equity, traços que a distinguem da

discricionariedade aplicada em nosso sistema.

Sem demérito às outras espécies de equitable remedies que margeiam

o sistema da common law, são essas duas, aqui tratadas, as que interessam mais

de perto para o objetivo deste trabalho.

6.2.1 Injunctions

O instituto da injunction nasceu nas Courts of Chancery, como meio

para ditar ordens imperativas e fazer cumprir determinações com a mesma força

236 Cf. TALAMINI, Tutela relative…, cit., p. 84. 237 "Two important features of equitable remedies are that they are awarded at the discretion of the court and they act in personam which means that the defendant, who is within the jurisdiction of the court, is compelled personally to carry out the order of the court". (ANDOH e MARSH, op. cit., p. 210).

153

jurídica que os juízes de direito.238 Assim, a injunction passou a ser prerrogativa dos

tribunais de equity.

Contudo, como adverte Andoh e Marsh239, na Inglaterra, o Common

Law Procedure Act 1854 habilitou as cortes de common law também a determinar

injunctions. Atualmente, a matéria é regulada pelo Supreme Court Act 1981, a

legislação que substituiu os Judicature Acts 1873-75, e que investiu a High Court da

mesma jurisdição das Court of Chancery e das "common law courts". Assim, na

Inglaterra, a High Court tem atualmente o poder de conceder uma injunction.

Nos Estados Unidos, Guido Soares240 adverte que uma ação deve ser

classificada de acordo com o tipo de remédio judicial que se espera obter, e dirigida

ao órgão competente, federal ou estadual, de acordo com as normas de organização

judiciária. Se forem ordens dirigidas contra a pessoa de alguém, expedidas sob a

sanção de desobediência à ordem da corte (contempt of court), penalizadas com

multas ou prisão, trata-se de suit in equity. Suas exteriorizações mais conhecidas

são o decree of specific performance (ordens de fazer determinados atos ou dar

determinadas coisas, portanto insuscetíveis de transformação em compensação

monetária) e os writs of injunction, que podem ser entendidos como medidas

proferidas no curso do processo ou medidas provisionais postuladas contra atos de

autoridades estatais ou pessoas físicas ou jurídicas.

A injunction pode ser definida como uma ordem expedida pela corte a

um sujeito, a fim de proibi-lo de praticar determinado ato ou de ordenar que desfaça

um erro ou um dano. É remédio de equidade, pedido ou concedido por uma corte no

procedimento da parte requerente, diretamente à parte ré, proibindo a esta a prática

238 RABASA, op. cit., p. 141. 239 ANDOH e MARSH, op. cit., p. 243. 240 SOARES, op. cit., pp. 109-111.

154

de determinado ato que está na iminência de praticar, ou restringindo a continuidade

da prática do ato, desde que injusto e prejudicial, danoso ao autor, e que não possa

ser adequadamente compensado através de uma ação legal.241

O remédio de injunction pode ser concedido em todos os casos em

que parecer, à corte, uma medida justa e conveniente ao caso concreto, desde que

atendido a um pressuposto máximo: o pleiteante deve demonstrar, por meio de sua

demanda, ser titular de uma tutela, já que a injunction não se presta ao

reconhecimento de um direito, mas antes, implica um “remédio”.242

O remédio da injunction deve seguir alguns princípios gerais. São eles:

a) a injunction é um remédio de equidade, e assim discricionário, mas não disponível

como um remédio corriqueiro; b) não será permitido quando o procedimento

apropriado for o reparatório; c) é medida in personam; d) o descumprimento de uma

injunction implica contempt of court; e) não pode ser utilizada contra a Coroa; f) o

requerente deve ter um interesse privado ou um direito a proteger; g) não deve ser

deferida se não houver interesse público; h) semelhante à tutela específica, não

deve ser concedida nos casos em que haja conduta continuada de uma obrigação

positiva, pois pediria supervisão constante da Corte; i) uma injunction pode ser

suspensa depois de concedida, dependendo das circunstâncias. 243

241 "[…] a court order prohibiting someone from doing specified act or commanding someone to do undo some wrong or injury. A prohibitive, equitable remedy issued or granted by a court at the suit of party complainant, directed to a party defendant in action, or to a party made a defendant for that purpose, forbidding the latter from doing some act which he is threatening or attempting to commit, or restraining him in the continuance thereof, such act being unjust and inequitable, injurious to the plaintiff, and not such as can be adequately redressed by an action at law". (Black's law…, cit., p. 784). 242 “There is one overriding requirement: the applicant must have a cause of action in law entitling him to substantive relief. An injunction is not a cause of action (like a tort or a breach of contract) but a remedy (like damages). For example: the law does not recognize a right of exclusive property in the name of a house […].” (BEAN, David. Injunctions. 9th Ed. London: Thomson, Sweet & Maxwell, 2007. p. 4.) 243 A doutrina inglesa pontua os princípios gerais de uma injunction: "a) An injunction is an equitable remedy, and so it is discretionary and not available as a matter of course; b) It will be granted if damages will be an adequate remedy; c) It is remedy in personam; d) Non-compliance with an

155

Segundo a doutrina, as injunctions podem ser classificadas segundo o

momento de sua concessão ou em conformidade com seu conteúdo, deste modo: a)

"final injunction", quando proferida através de decisão final definitiva; ou b)

"interlocutory injunction", quando proferida no curso do processo, antes do

julgamento e, caracterizada pela temporariedade, é eficaz enquanto durar o

julgamento.

As injunctions podem ainda ser classificadas em a) mandatory

injunction, ordem que obriga o réu a fazer algo; ou b) prohibitory injunction, que

impõe ao réu uma ordem restritiva, ou seja, obriga-o a não fazer algo, tendo como

característica ser uma medida preventiva. E podem ser concedidas de forma interina

(interlocutory injunction) ou como tutela final, ora de cunho proibitivo, ora de

mandamento.244

Há algumas diferenças fundamentais entre uma injunction proibitiva e

uma de mandamento. Enquanto a injunction proibitiva somente previne o ato ou a

continuidade futura da conduta que se quer proibir, a injunction de mandamento tem

em mira o passado, e frequentemente ordena que se desfaça aquilo que já foi feito.

Em acréscimo, a injunction de mandamento ordena ao sujeito uma conduta sempre

positiva – que pode envolver também o desfazer –, ao passo que na, injunction

proibitiva, a conduta é sempre negativa.245

injunction is contempt of court; e) It is not available against the Crown; f) The plaintiff must have locus standi, i. e., a private interest of right to protect; g) An injunction may not be granted if it will not be in the public interest; h) Again, like specific performance, an injunction is not likely to be granted if the case involves continuous performance of a positive obligation so that its Grant would require constant supervision by the court; i) An injunction may be suspended after it has been granted, depending on the circumstances (as it is a discretionary remedy)". (ANDOH e MARSH , op. cit., pp. 244 e 245). 244 ANDOH e MARSH, op. cit., pp. 245 e 246. 245 Ibid., p. 245.

156

Andoh e Marsh246 ressalvam que a injunction proibitiva, ao prevenir

uma ação futura ou a repetição dela, não deve resultar em fardo tão pesado ao réu,

como a injunction de mandamento parece ser.

Impende esclarecer que a interlocutory injunction assume, por vezes,

caráter eminentemente instrumental em relação a uma outra pretensão, seja ela at

law ou de equity. No direito inglês, há duas espécies de interlocutory injunctions que

visam garantir a efetividade da tutela futura, e que se aproximam, em sua natureza,

ao arresto e ao sequestro de nosso sistema. São elas a Mareva injunction e a Anton

Piller order, que recebem esses nomes em razão dos cases em que foram utilizadas

de início.

A Mareva injunction é decisão interlocutória que, temporariamente,

"congela" o patrimônio do devedor (ou do devedor em potencial), de modo que ele

não possa frustrar a decisão dispondo de seus bens ou ocultando estes da

jurisdição.247 É medida eficaz, o que lhe possibilita ser chamada de "nuclear weapon

of the law". Bastante semelhante ao arresto do sistema processual brasileiro, não

sem advertir que a Mareva injunction opera somente in personam, ou seja, proíbe

que o réu pessoalmente transfira, remova ou disponha de seus bens.248

A Anton Piller order permite ao pleiteante efetuar busca em registros e

tomar um item ou documentos encontrados que possam constituir evidências em

uma ação que ele move contra o réu. Visa apenas garantir ao pleiteante um

julgamento justo, evitando que o réu destrua documentos e outros itens de evidência

antes do julgamento do caso. Esse tipo de ordem é muito útil em casos de direitos

246 ANDOH e MARSH, op. cit., p. 245. 247 "The Mareva injunction is an interlocutory injunction which temporarily freezes the assets of a defendant (or a potential defendant) so that he cannot frustrate any likely judgment by removing his assts from the jurisdiction or by disposing them". (ANDOH e MARSH, op. cit., p. 254). 248 Ibid., p. 265.

157

autorais.249 É bastante semelhante à medida de exibição de documento ou coisa, e à

busca e apreensão de nosso sistema.

Relevante adiantar que o exame das injunctions interessa ao presente

estudo por se assemelharem aos provimentos mandamentais da família do direito

romano-germânico.

6.2.2 Specific performance

Para G. Hazard e Michelle Taruffo250, "la specific performance è um

tipo di injunction".

Um provimento judicial de specific performance pode ser conceituado

como ordem dirigida à parte para cumprir uma obrigação contratual conforme os

termos acordados, proporcionado ao pleiteante a mesma satisfatividade que este

obteria se o contrato tivesse sido cumprido. 251

Trata-se de remédio de natureza discricionária252, que não deve ser

ordenada quando o requerente puder ser adequadamente compensado pelos danos

sofridos através do direito comum (common law). 253 Contudo, como já foi dito, é

249 "This order, which took its name from the case, Anton-Piller KG v. Manufacturing Process Ltd., permits the plaintiff's solicitors to search the defendant's premises and seize items and documents found there which could constitute evidence in the action of the plaintiff against that defendant. Its purpose is, therefore, simply to prevent the defendant from frustrating a fair trial by destroying documents and other items of evidence before the case is tried, and by not giving proper discovery". (ANDOH e MARSH, op. cit., p. 268). 250 HAZARD, Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. La giustizia civile negli Stati Uniti. Bologna: Società editrice il Molino, 1993. p. 237. 251"Specific performance is an order of the court directing a party to perform his positive contractual obligations according to the terms agreed. Giving that protecting the plaintiff's expectation interest requires that he should be placed in the position he would have enjoyed if the contract had been completed, it should follow that specific performance would be the normal remedy in cases of breach contract". (ANDOH e MARSH, op. cit., p. 210). 252 ANDOH e MARSH, op. cit., p. 211. 253 Ibid., p. 211.

158

preciso atentar para a escolha da tutela mais adequada a solucionar o litígio e a

satisfazer o requerente, independentemente do caráter subsidiário dos remédios de

equidade.

Pode ocorrer que, mesmo havendo solução prevista na common law

em relação à obrigação contratual, o requerente corre sério risco de não obter a

tutela. É o caso da insolvência do réu; ou seja, nessa circunstância especial, o

requerente pode obter uma specific performance.254

Como elucida Rabasa255, a equidade proporciona ao titular do direito,

mediante o procedimento da injunction, o meio efetivo para exigir, de quem haja

contraído legalmente uma obrigação, o seu cumprimento material específico, dando

a coisa em espécie que devia entregar, executando o ato a que se havia obrigado,

ou abstendo-se de praticá-lo. Para tanto, os juízos de equidade estão investidos de

do "estímulo pessoal" eficaz do contempt of court, que compreende a multa e a pena

de prisão, decretadas pelos mesmos juízes que conheceram do negócio. Cumpre

advertir que, dado seu caráter coercitivo, a multa ou a prisão perdura até que a

ordem seja cumprida.

Em conclusão, pode-se afirmar que a specific performance

corresponde à chamada "execução específica" do direito pátrio, que, por sua vez,

encontra similares no direito alemão e no italiano, quanto à forma de efetivação.

6.3 Enforcement of a judgment

254 ANDOH e MARSH, op. cit., p. 211. 255 Cf. RABASA, op. cit, p. 213.

159

Diferentemente do que ocorre nas efetivações das decisões fundadas

na equity, as sentenças de common law, ou seja, aquelas oriundas da aplicação

rígida da lei e despidas de conteúdo discricionário, são executadas pelo método do

enforcement, quando o devedor é pessoa física.

É o que ocorre com a execução de quantia ou, na expressão inglesa,

os money judgments.

No direito do common law, execução de quantia significa, em feição

simplificada, o procedimento de tornar efetiva ou dar efeito ao julgamento da Corte;

e é completado quando o exequente obtém o dinheiro ou outra coisa que lhe fora

conferida pelo julgado.256

Claire Sandbrook257 informa que as novas regras processuais editadas

em março de 2002 unificaram o procedimento de execução nas county courts e na

High Court, não havendo mais distinções quanto à competência para atuação nesse

procedimento.

A doutrina ilumina que, antes de mover a ação, o credor deve

desenvolver algumas estratégias para garantir o sucesso da execução, advertindo

que a questão fundamental considerada é a certeza de que a pessoa a ser

executada não se trata de um “laranja” (person of straw). Em caso negativo, ainda é

preciso ter certeza de que o executado possui bens disponíveis para satisfação do

crédito, sob pena de obter uma decisão confirmando seu direito, mas nenhum

dinheiro no banco. Interessante observar que, na Inglaterra, cabe ao próprio credor

256 “Execution means, quite simply, the process for enforcing or giving effect to the judgment of the court; and it is ‘completed’ when the judgment creditor gets the money or other thing awarded to him by the judgment. That is the meaning.” (SANDBROOK, Claire. Enforcement of a Judgment. 10th Ed. London: Thomson, Sweet & Maxwell, 2007. p. 178) 257 SANDBROOK, op. cit., p. 56.

160

obter todas as informações necessárias, por meio independente, para ter ciência do

patrimônio do devedor, e agir rapidamente, a fim de evitar sua dissipação. 258

Os principais meios à disposição do credor para garantir a futura

efetividade da tutela executiva, são o writ of fieri facias e a freezing injunction

(Mareva injunction). De iniciativa do credor, não podem ser concedidos de ofício

tampouco antes de iniciado o processo. O primeiro consiste em um mandado

emitido com a finalidade de registrar ônus sobre a propriedade do devedor, incluindo

veículo, e. g.; contudo, sem que se operem os efeitos do julgamento. O segundo

implica ordem de indisponibilidade do patrimônio do devedor, como referido em

momento anterior.

Os métodos mais comuns de execução da sentença que determina o

pagamento de soma em dinheiro, nos casos em que o devedor é pessoa física,

estão descritos no Civil Procedure Rules259, do Direito Inglês, com regras

semelhantes no Direito Americano e podem ser de opção do credor, a depender da

conveniência e adequação ao caso concreto.

Os métodos disponíveis para execução da sentença que determina o

pagamento estão assim elencados: a) execution against goods: visa aos bens que

integram o patrimônio do devedor e que podem satisfazer a dívida; b) attachment of

earnings: visa aos ganhos ou rendimentos do devedor; c) charging order: é o pedido

de penhora feito pelo credor que especifica determinada propriedade do devedor, de

valor em condições de garantir o pagamento a dívida; e d) third party debt order:

258 Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 13. 259 Sobre a legislação processual inglesa, e seus reflexos dentro de um sistema de common law, ver os comentários de MOREIRA, José Carlos Barbosa. Uma novidade: o código de processo civil inglês. In: Temas de Direito Processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 179ss.

161

utilização de um crédito do devedor em relação a um terceiro, para satisfação da

execução.260

Nesses procedimentos acima descritos, podem ser utilizadas, como

medidas executivas e capazes de proporcionar maior efetividade: a) order to obtain

information, que implica a expedição de mandado judicial com objetivo de compelir o

devedor a informar bens disponíveis para expropriação; e b) bankruptcy petition, que

resulta no pedido de falência do devedor.261

Em se cogitando de execução contra uma empresa, os métodos, à

escolha do credor, se encerram na expropriação (execution against goods), na

ordem de penhora e sobre o crédito em relação a terceiro. Isso, somado às técnicas

da obtenção de informações acerca do devedor e, eventualmente, o pedido de

falência.262

Os procedimentos executivos guardam semelhança com os métodos

processuais previstos no sistema processual brasileiro. No entanto, os países da

common law têm por tradição a evocação do instituto do contempt of court, como

medida coercitiva hábil a compelir o devedor recalcitrante ao cumprimento da

obrigação. No que concerne às execuções por quantia, não seria diferente, embora

com a restrição da proibição da aplicação da prisão coercitiva por dívida, em quase

todos os casos. As exceções se consubstanciam na ordem para pagamento de

impostos, custas processuais e, ainda, as multas impostas no processo, que serão

esmiuçadas oportunamente, em espaço próprio.

A norma 40.7 do CPR deixa claro que, para se iniciar o procedimento

executivo, não há exigência de nenhuma formalidade, pois os efeitos da decisão

260 Cf. SANDBROOK, op. cit, p. 14. 261 SANDBROOK, op. cit., p. 14. 262 Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 15.

162

judicial são gerados no momento em que ela é prolatada.263 Bem por isso, é possível

deduzir que, no sistema executivo do common law, não há a exigência da formação

do título executivo, como ocorria na executio per officium iudicis, do direito medieval,

já examinada.

Outrossim, o prazo de quatorze dias para pagamento (CPR 40.11)

começa a correr a partir da sentença, ou, se assim entender, o juiz fixará outra data

para pagamento.

É bom vincar que a decisão que determina o pagamento merece

registro, cuja formalização comporta inclusão do nome do executado em uma

espécie de cadastro bancário de dados referentes ao crédito, pelo período de seis

anos; tal inscrição funciona como forma de pressão psicológica para compelir o

executado a cumprir, de pronto, a determinação judicial.264

A execução por expropriação (execution against goods) ainda é o

método mais utilizado para as sentenças de quantia.

Os bens integrantes do patrimônio do executado, passíveis de

expropriação, são aqueles que possuem valor econômico e que não estejam

excluídos pelo Courts Act 2003, quais sejam: ferramentas, veículos, livros e outros

equipamentos necessários à atividade do devedor, tanto para uso pessoal quanto

para seus negócios ou trabalho; bem assim, roupas, cama e mobília, necessárias ao

uso doméstico do devedor e de sua família.265

263 “A judgment takes effect from the time when the judge pronounces it (see note in the White Book Service 2006 at CPR 40.2.1). CPR 40.7 states that except where a judgment is against a foreign state (in which case refer to CPR 40.10) the judgment takes effect from the day it is given or made, or any later date which the court may specify.” (Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 17.) 264 SANDBROOK, op. cit., p. 18. 265 Ibid., p. 179.

163

6.4 O instituto do Contempt of Court na execução de quantia

Não é objeto do presente estudo o comportamento do instituto do

contempt nas execuções de obrigação (ou dever) de fazer, não fazer ou de dar

coisa, mas, antes, sua aplicabilidade dentro do procedimento de execução por

quantia, ou money judgments.

Apesar de tal advertência, impõe esclarecer que o contempt incidente

no procedimento executivo da determinação do pagamento ocorre, não em razão da

específica desobediência da ordem de pagar o valor exequendo, mas, sim, em

razão da recalcitrância quanto aos provimentos judiciais incidentais que constituem

medidas executivas de apoio e visam forçar o cumprimento da obrigação.

Assim como ocorre no Brasil, o devedor de obrigação de pagar

quantia, que se furta ao pagamento, a despeito de, comprovadamente, possuir

patrimônio suficiente, age com desrespeito à administração da justiça e deve sofrer

a sanção do contempt.

O próprio sistema processual inglês se encarrega de regulamentar a

utilização do contempt, principalmente alinhavando os parâmetros para aplicação

dessa medida tão drástica, a fim de que não implique ofensa ao Administration of

Justice Act 1970, que proíbe a imposição de prisão para persuadir ao pagamento de

quantia, excepcionadas as dívidas tributárias e alimentícias.

Antes de ingressar no cerne da questão, convém trazer à baila as

principais características do contempt, para entender sua adequação às execuções

por quantia.

164

Há duas espécies de contempt: o civil contempt e o criminal contempt,

cuja distinção não se liga à natureza do direito material em jogo, mas à qualidade da

conduta praticada merecedora da sanção.

A doutrina é quase unânime em afirmar ser tarefa árdua definir, em

linhas gerais, o que seria o criminal e o civil contempt, por isso entende ser de

melhor alvitre partir do exame hipotético dos efeitos pretendidos com a sanção em

relação à conduta prática. Ou seja, importa avaliar se a conduta é merecedora de

punição (geralmente, criminal contempt), ou se os efeitos coercitivos seriam

suficientes para resultar na efetividade da decisão judicial (civil contempt). 266

Tanto o criminal contempt quanto o civil contempt podem ser apenados

com multa ou prisão. As circunstâncias e a conduta em si é que irão determinar qual

a sanção cabível, lembrando que se trata de decisão de equity, marcada pela

discricionariedade.

Explicam Sufrin e Lowe267 que o criminal contempt é, essencialmente,

uma ofensa de natureza pública, pois visa proteger o interesse público na

administração da justiça, compreendendo as publicações e atos que interfiram no

curso procedimental, como a coação às testemunhas. Já o civil contempt ocorre

quando há a desobediência a uma ordem, seja um provimento judicial, seja uma

ordem de praticar ou de se abster de praticar determinados atos, seja qualquer

outra, por exemplo a de não atender a uma ordem para interrogatório.

O civil contempt é geralmente uma ofensa de natureza particular,

desde que o benefício da ordem reverta para a parte em favor de quem a ordem foi

dada. Por outro lado, o civil contempt é, antes de tudo, um remédio, cujo objetivo

266 A esse respeito, ver VARANO, Vicenzo. Contempt of court. In: Salvatore Mazzamuto (Org.). Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene Editore, 1989. p. 424. 267 Cf. SUFRIN e LOWE, op. cit., pp. 655 e 656.

165

básico é coagir o réu a cumprir a sentença ou a ordem do juiz. Entretanto, como

alertam os autores citados, "while on the face of it, these distinctions between the

two types of contempt are clear in practice it can be difficult to determine whether a

particular act amounts to a criminal or civil contempt".

Interessante observar, ainda, que o criminal contempt incide sempre

sobre uma conduta passada, ou já realizada, ao passo que o civil contempt objetiva

compelir o executado à realização ou à abstenção de um ato.268

A considerar que o mote do presente estudo é o descumprimento dos

provimentos executivos, interessa, mais de perto, o comportamento das sanções

nos casos de desobediência das ordens judiciais, e isso se deve ao destacado

caráter mandamental contido na tutela executiva.

Nessa esteira, sobretudo pela prescindibilidade da figura do título

executivo para a execução dos money judgments, cabe o exame das sanções

aplicáveis para o descumprimento do judgment (sentença) e das ordens judiciais

incidentais no procedimento do enforcement.

Semelhantemente ao que ocorre no sistema brasileiro, com as

importadas astreintes, a coerção ao cumprimento do provimento judicial, com

eficácia mandamental, pode ocorrer por meio da imposição da multa diária; sem

embargo da multa punitiva para o caso de conduta atentatória praticada no curso do

processo.

Nesse particular, a doutrina divisa que a multa pode configurar em

parte pena, e em parte medida coercitiva. Ou seja, tem como objetivo punir pela

268 "[...] the object of committal is punishment for a past offense, then, if he is to be imprisoned at all, the appropriate order is fixed term. When it is a matter of getting a person to do something in the future – and there is a reasonable prospect of him doing it – then it may be quite appropriate to have an indefinite order against him and to commit him until he does do it". (MILLER, op. cit., p. 31).

166

desobediência e, ao mesmo tempo, compelir o contemnor ao cumprimento da

ordem.

A Suprema Corte da Austrália, país também pertencente a família da

common law e que instituiu o contempt of court nos moldes ingleses, já decidiu pela

aplicação de multa diária coercitiva a fim de assegurar o cumprimento de uma

ordem269, sobretudo pelo fato de que a Corte tem o poder de suspender a multa tão

logo a ordem seja cumprida.270

A Corte de Apelação dos EUA, no caso Consolidated Rail Corporation

v. Wayne L. Yashinsky271, assevera a necessidade da distinção entre a função

269 AMIEU v. Mudginberri Sation Pty Ltd. , citado por LOWE e SUFRIN, op. cit., p. 637. 270 Cf. Miller, op. cit., p. 446. 271 “[…] Compensatory contempt orders compensate the party harmed by the other party's contemptuous actions; coercive orders seek to cajole the party in contempt to act in the manner desired by the court. The contempt order in the instant case had a compensatory function and a coercive function. The contempt order did three things: it placed Yashinsky in contempt of court, it ordered Yashinsky to pay plaintiff the costs and attorney fees incurred by plaintiff from the date of entry of the default judgment to the date of entry of the order, and it ordered Yashinsky to pay plaintiff $100 a day from the date of entry of the contempt order until Yashinsky complied with the post-judgment discovery requested by subpoena. We hold that the expiration of the underlying judgment moots the coercive part of the contempt order - the $100 a day fine payable to the plaintiff. The daily fine here is coercive rather than compensatory because the daily fines appear designed to coerce Yashinsky into complying with the contempt order, there is no link between the costs Yashinsky caused Consolidated Rail to suffer and the amount of $100 per day, and the Supreme Court has recognized that per diem fines like this one are generally coercive. See International Union, United Mine Workers of America v. Bagwell , 512 U.S. 821, 826 (1994) (noting that a "per diem fine imposed for each day a contemnor fails to comply with an affirmative court order" is coercive). Because the underlying judgment is no longer enforceable, the coercive part of the order no longer serves a purpose and is now moot. See Petroleos Mexicanos , 826 F.2d at 400 ("If the civil contempt proceeding is coercive in nature, the general rule is that it is mooted when the proceeding out of which it arises is terminated."). This does not mean that the District Court should erase the record of the contempt against Yashinsky, rather it means that Yashinsky no longer can currently be in active contempt of court for refusing to comply with the District Court's subpoena. In addition, Yashinsky need not pay the fines that accumulated from the date of the contempt order until the statute of limitations on the underlying judgment ran because those fines no longer serve the purpose of coercing his compliance with the subpoena and requiring Yashinsky to pay the accumulated fines now would only serve to punish him for his intransigence. In International Union, United Mine Workers of America v. Bagwell , the Supreme Court held that "conclusions about the civil or criminal nature of a contempt sanction are properly drawn, not from `the subjective intent of a State's laws and its courts,' but `from an examination of the character of the relief itself.'" 512 U.S. at 826 (quoting Hicks ex rel. Feiock v. Feiock , 485 U.S. 624, 635-36 (1988)) (citations omitted). Furthermore, contempts with a coercive and/or a remedial function are civil rather than criminal contempt. See id. In the instant case, the District Court imposed civil rather than criminal contempt on Yashinsky because the order compensated the plaintiff for its costs and attorney fees and imposed the daily fine in order to coerce Yashinsky into complying with the subpoena. A court can use its contempt power to punish a party, but using contempt to punish is criminal rather than civil contempt. See id. at 827-28 (citing Gompers

167

coercitiva da multa e sua eventual função compensatória. A função coercitiva visa

compelir o contemnor a cumprir a ordem; já a função compensatória tem por objetivo

compensar a parte prejudicada pelos danos causados pela desobediência. A Corte

alertou para o fato de que, no caso em comento, a multa diária consistente em $ 100

por dia, era mais coercitiva que compensatória. Com relação ao total acumulado da

multa, e não pago pelo contemnor, a Corte argumentou que o pagamento do

montante atrasado (a partir de determinado período) descaracterizaria a função

coercitiva da multa, que passaria a ser punitiva, resultando na conversão do civil

contempt em criminal contempt. Tal transformação não seria cabível em razão do

estado avançado do procedimento, já que este, para o criminal contempt, pede a

observância da máxima proteção proporcionada ao réu, como nos demais

procedimentos criminais.

Em verdade, o que caracteriza a multa compensatória é o fato de ela

reverter em favor da parte prejudicada, e não em favor do Estado, ao passo que a

multa aplicada por criminal contempt é revertida para o Estado.

Com relação ao valor da multa, releva esclarecer que não há limites

estabelecidos nos estatutos legais. O valor da multa deve ser fixado levando-se em

v. Buck's Stove & Range Co. , 221 U.S. 418, 441 (1911)). Civil contempt cannot be converted into criminal contempt at a later stage because an individual charged with criminal contempt is entitled to the full procedural protections afforded a defendant in any other criminal proceeding. See id. at 826, 833 (holding that an individual charged with criminal contempt is entitled to the full procedural protections afforded the defendant in any other criminal proceeding). For these reasons, Yashinsky is not required to pay the accumulated fines. […] For the preceding reasons, we affirm the District Court's dismissal of the motion requesting the district judge to recuse herself. With respect to the motion to purge the contempt order, on remand the District Court should vacate as moot the coercive fine portion of the contempt order. With regard to the balance of the contempt order, the District Court should determine the amount of attorney fees and costs to plaintiff's attorneys from the date of entry of the default judgment to the date of the contempt order and enter an award plus interest from the date of the contempt order. Each party shall bear their own costs on appeal.” (1999 FED App. 0098P (6th

cir). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=search&case=/data2/circs/6th/990098p.html>Acesso em: 12 mar. 2010.)

168

conta o prejuízo ocasionado pela desobediência ao interesse público e a gravidade

do atentado.272 Leva-se em conta, ainda, a situação financeira do contemnor.

Noutro vértice, a prisão civil, de natureza eminentemente coercitiva,

também é utilizada como sanção ao contempt praticado durante o procedimento de

execução por quantia, embora em caráter excepcional, e por tempo determinado, já

que a prisão coercitiva sine die foi abolida na Inglaterra pelo Contempt Act 1981.

A doutrina aponta que a possibilidade de o exequente solicitar a prisão

do devedor em razão do não pagamento foi paulatinamente deixada para trás ao

longo dos séculos XVIII e XIX, principalmente como resultado da recepção, pelo

direito Inglês, das leis sobre direitos humanos.

O Debtor Act 1869, na sua seção 4, restringiu severamente a prisão

por dívida de natureza pecuniária. Desde então, a prisão, nesses casos, tem sido

utilizada como medida coercitiva para os casos do não pagamento de impostos,

incluindo o imposto de renda e da contribuição social, bem como pelo

descumprimento de pensão alimentícia. Na regulamentação do Administration of

Justice Act 1970, a medida requer ordem emanada da High Court e da County

Court. 273

Segundo pontua Miller, os casos permitidos de prisão por dívida são: a)

no caso de inadimplemento em pagar multa, ou quantia que corresponde à

penalidade imposta, que não seja devida em decorrência de algum contrato; b)

inadimplemento em pagar determinada quantia, sumariamente recuperável antes de

ordem judicial; c) inadimplemento por um fiduciante; d) inadimplemento do

pagamento das custas, por advogado ou mandatário, fixadas em razão da má-fé ou

272 "In assessing the amount of the fine, it has been held that account must be made of the damage done to the public interest in addition to the seriousness of the contempt". (LOWE e SUFRIN, op. cit., p. 637). 273 Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 331.

169

falta grave; e e) inadimplemento em pagar pelos benefícios de credores de parte de

um salário, ou outro rendimento, em respeito do pagamento de ordem emanada por

juízo falimentar. 274

É bom informar que, nesses casos, o limite máximo em que o devedor

pode ser mantido na prisão é de seis semanas, ou até o momento do pagamento.275

Assim, de acordo com as novas diretrizes introduzidas pela política dos

direitos humanos, a coerção por meio da prisão do devedor tem sido substituída por

outros métodos. Entre tais possibilidades, a penhora sobre o salário e rendimentos

do devedor recalcitrante. 276

No caso, a aplicação da sanção depende de um judgment summon, o

qual implica expedição de um mandado judicial, com a exortação para pagamento

em determinado prazo, sob pena de prisão. Funciona da seguinte forma: o devedor

é intimado a comparecer em juízo e explicar ao juiz o motivo do inadimplemento,

bem assim o modo como ele pretende quitar o débito. Se a explicação não for

convincente (por exemplo, se ficar evidente que o executado possui meios de pagar,

mas não o faz porque não quer), o juiz tem o poder de decretar sua prisão. 274 “With the exceptions herein-after mentioned, no person shall, after the commencement of this Act, be arrested or imprisoned for making default in payment of sum of money. There shall be excepted from the operation of the above enactment: 1) Defalt in payment of penalty, or sum in the nature of penalty, other than a penalty in respect of any contract; 2) Default in payment of any sum recoverable summarily before a justice or justices of the peace; 3) Default by a trustee or person acting in a fiduciary capacity and ordered to pay by a court of equity any sum in his possession or under his control; 4) Default by an attorney or solicitor in payment of costs when ordered to pay costs for misconduct as such, or in payment of a sum of money when ordered to pay costs for misconduct as such, or payment of sum of money when ordered to pay the same in his character of an officer of the Court making order; 5) Default in payment for the benefit of creditors of any portion of salary or other income in respect of the payment of which any Court having jurisdiction in bankruptcy is authorized to make an order; 6) Default in payment of sums in respect of the payment of which orders in this Act authorized to be made […]”. (MILLER, op. cit., p. 461.) 275 Cf. LOWE e SUFRIN, op. cit., p. 648 e MILLER, op. cit., p. 461. 276 No mesmo sentido, observa Claire Sandbrook: “It is safe to say that this method of enforcement is not available to ordinary judgment creditors in the pursuit of a money judgment. The Administration of Justice Act 1970 restricted the remedy further to just High Court and county court maintenance orders and judgments for payment of taxes or other sums or contributions due to the State. Judgment summonses have been replaced with the ability of the judgment creditor to seek an attachment of earnings order which is the more and straightforward process to deduct installments from the judgment debtor’s salary.” (Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 331.)

170

Observa Miller277 que, a seção 5 do Act 1970, que emendou a anterior,

propõe a sujeição à prisão civil do devedor contumaz que pode ter mostrado, ou ter

tido meios para pagar o débito, mas se recusou ou negligenciou em fazê-lo.

A committal dá início ao procedimento de aplicação da sanção de

prisão por contempt, tanto em se tratando de prisão punitiva – pena imposta a uma

conduta passada – quanto de prisão coercitiva – imposta para coagir o destinatário

da ordem a cumprir a decisão –, desde que observado o regular procedimento.

Observe-se, por derradeiro, que a committal deve ser clara o suficiente

para proporcionar ao contemnor o conhecimento das alegações e do fato que lhe é

imputado, sob pena de se revelar ineficaz; pois, se incompreensível, pode em tese

ser descumprida.278

O contemnor tem direito também ao contraditório, ou seja, tem a

oportunidade de responder às acusações contra ele aduzidas, bem como o direito

de produzir as provas necessárias à sua defesa, a fim de justificar o

descumprimento. É a estrita observância do princípio do devido processo legal.279

Para melhor compreensão da extensão da prisão por contempt, no

sistema do common law, convém deixar claro que o exequente, com vista a obter

uma commital contra o executado, deve antes demonstrar ao juiz, cabalmente, que o

devedor foi cientificado da ordem de cumprimento da obrigação, do prazo para fazê-

lo e da sanção em caso de não pagamento.

Outrossim, note-se que o judgment summon – espécie de mandado de

citação para pagamento que contém a advertência da pena – antecede a expedição

277 MILLER, op. cit., p. 461. 278 "Committal for contempt is a serious matter and alleged contemnors must be afforded full knowledge of the allegations they have to face". (LOWE e SUFRIN, op. cit., p. 622). 279 "It is fundamental principle that the person sought to be committed must be given a proper opportunity to answer the charges put him. [...] and to call such evidence as is considered necessary for the defense". (LOWE e SUFRIN , op. cit., p. 624).

171

da ordem de prisão (commital); tudo no objetivo de proporcionar ao devedor a

defesa ou o pagamento.

Por constituir uma decisão de equidade, como explorado em linhas

antes, a commital representa um “remédio”, e não possui conteúdo declaratório em

relação ao direito substancial; do contrário, não haveria permissão para a incidência

do contempt.

Impende frisar que esse método coercitivo não pode ser utilizado para

executar uma sentença ou uma ordem, sem que a conduta esperada do recalcitrante

não tenha ocorrido no prazo fixado na decisão primeira ou na decisão sub-

sequente.280

Tratando-se de compelir uma empresa ao pagamento de quantia, a

medida coercitiva aplicável é o writ of sequestration, espécie de arresto efetuado no

patrimônio disponível do devedor, sem embargo, se for o caso, da ordem de prisão

ao sócio ou diretor da companhia. 281

Muitas particularidades desfilam no funcionamento das medidas

executivas de apoio que se insinuam no direito do common law, no entanto, importa,

nesse contexto, deixar patente que, mesmo em se cuidando de execução de

quantia, é possível a imposição tanto da multa diária quanto da prisão civil, com as

restrições apontadas.

Isso se deve às bases do sistema jurídico desses países, para os quais

a proteção à autoridade do juiz, ou ainda, da boa administração da justiça abona a

utilização das drásticas medidas executivas. Põe-se em foco não o inadimplemento

280 Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 361. 281 “Where a company disobeys an injunction a director or other officer of the company becomes liable for that contempt under the general law of contempt if it can be shown there was criminal intent to disobey the injunction […].” (Cf. SANDBROOK, op. cit., p. 363.)

172

da dívida pecuniária, mas o conteúdo da sentença judicial, que representa

verdadeiro comando imperativo.

173

7 O CUMPRIMENTO DO COMANDO JUDICIAL EXECUTIVO E AS MEDIDAS

COERCITIVAS

7.1 Primeiras considerações: regras, princípios e valores

É tarefa difícil, dentro da dogmática, distinguir regra jurídica de

princípio. Principalmente no âmbito do conceito de norma.

A maioria da doutrina entende que, tanto princípio quanto regra jurídica

constituem espécie de norma jurídica. Como afirma Ricardo Lorenzetti, “tanto os

princípios quanto as regras referem ao âmbito do dever-ser e, portanto, são normas.

São enunciados deontológicos no sentido indicado”. 282

Semelhante ideia é esposada por Robert Alexy283:

Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos

dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio

das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e

da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões

para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie

muito diferente. A distinção entre regras e princípios é,

portanto, um distinção entre duas espécies de normas.

Alguns critérios podem ser utilizados para explicitar-lhes a distinção.

282 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 286. 283 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 87.

174

O primeiro toca ao “grau de abstração”. Os princípios possuem grau de

abstração maior, o que significa que implicam um enunciado genérico e abstrato. As

regras, em contrário disso, possuem abstração relativamente reduzida. 284

O segundo critério é o de “grau de determinabilidade”. O princípio é

aberto e espera ser completado; carece de mediações concretizadoras do juiz. Por

sua vez, as regras jurídicas comportam subsunção a uma situação fática, sendo

suscetíveis de aplicação direta. 285

O “caráter de fundamentabilidade” em relação às fontes do Direito, este

o terceiro critério. Os princípios são normas de natureza estruturante ou “com um

papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no

sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante

dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito)”.286 Os princípios são

normas de natureza estruturante, e têm função “fundante” no ordenamento jurídico.

287

Outro critério, agora o quarto deles, pode auxiliar nesta distinção: a

“proximidade com a ideia de direito”. Os princípios constituem standards

juridicamente vinculantes, radicados nas exigências de justiça ou na ideia de direito.

Já as regras, podem ter conteúdo meramente funcional. 288

O quinto e último critério apontado por Canotilho é o da “natureza

normogenética”. Os princípios constituem o fundamento das regras; são normas que

constituem a ratio das regras jurídicas.

284 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1160. 285 Ibid., p. 1160. 286 Ibid., p. 1160. 287 Cf. LORENZETTI, op. cit., p. 318. 288 Cf. CANOTILHO, op. cit., p. 1160.

175

Para Lorenzetti289, os princípios são ideias germinais; algo inacabado

que precisa ser completado, já que trazem apenas juízos estimativos para regular

comportamentos. Por isso, não aceitam subsunção.

À luz do pensamento de Flórez-Valdés290, “los principios generales del

Derecho han de ser las ideas cardinales que constituyen su origen o fundamento;

que están dotadas de um alto grado de generalidad; que por ello gozan de gran

comprehensión en el ámbito de lo jurídico”. E frisa que os princípios “no requieren

necesariamente formulación y que, por supuesto, de estar formulados, su lugar más

lógico serían las proposiciones normativas más abstractas del ordenamiento”.

Desse modo, os princípios podem ser recepcionados por regras

jurídicas, sob a inegável influência da corrente positivista. E é justamente o que tem

ocorrido com a maioria dos chamados princípios fundamentais, recepcionados pelas

regras constitucionais.

Nesse passo, é preciso objetar a incoerência em afirmar a existência

de um princípio absoluto.

Como bem adverte Alexy291, ao se admitir um princípio como absoluto,

dentro da ordem jurídica não haveria a possibilidade de sopesamento deste com

outro princípio, o que significaria ausência de limitação jurídica para sua realização.

Para esclarecer sua ideia, Alexy se socorre do exemplo do princípio da

dignidade humana, na forma como é tratado pela Constituição alemã, tanto em seu

caráter individual quanto em seu caráter coletivo, ao destrinçar o caso concreto da

aplicação da pena de prisão perpétua.

289 Cf. LORENZETTI, op. cit., p. 316-317. 290 FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim Arce y. Los principios generales del Derecho e su formulación constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1990. pp. 63 e 64. 291 Cf. ALEXY, op. cit., pp. 111-113.

176

Explica que, tratado de modo absoluto o princípio da dignidade

humana em relação ao condenado, não haveria meio de proteção à dignidade

humana da sociedade, que estaria sob a ameaça de novos crimes a serem

cometidos pelo condenado, se solto, dada sua permanente periculosidade.

Com isso, sentencia Alexy:

Por isso, é necessário que se pressuponha a existência de duas

normas da dignidade humana: uma regra da dignidade humana e

um princípio da dignidade humana. A relação de preferência do

princípio da dignidade humana em face de outros princípios

determina o conteúdo da regra da dignidade humana. Não é o

princípio que é absoluto, mas a regra, a qual, em razão de sua

abertura semântica, não necessita de limitação em face de alguma

possível relação de preferência. 292

Noutro norte, é inegável o papel desempenhado pelos valores, na

atividade interpretativa e operacional do direito, mormente a relação íntima existente

entre os valores e os princípios.

Alexy293 parte de três conceitos principais para estabelecer uma linha

divisória entre princípios e valores: os conceitos deontológico, axiológico e

antropológico. Para o filósofo alemão, absorvendo-se o núcleo desses conceitos,

fácil ficaria perceber a diferença decisiva entre princípio e valor. “Princípios são

mandamentos de um determinado tipo, a saber, mandamentos de otimização. Como

mandamentos, pertencem eles ao âmbito deontológico. Valores, por sua vez, fazem

parte do nível axiológico.”

292 ALEXY, op. cit., p. 113. 293 Ibid., p. 145.

177

Ou seja, os princípios se limitariam ao âmbito do dever-ser e os valores

ao âmbito do bom. “A isso soma-se o fato de que o conceito de princípio suscita

menos interpretações equivocadas que o conceito de valor”.294

7.2 Princípios que norteiam a tutela executiva efetiva

As reformas, iniciadas no início dos anos 90, aportaram mudanças

substanciais e acabaram por resultar na substituição ou na mitigação de alguns

princípios fundamentais que, até então, norteavam o processo executivo.

A característica da maleabilidade do conteúdo dos princípios e seu alto

grau de generalidade295 propiciam o acomodamento do sistema às novas regras

inseridas, trazendo mais ampla interpretação aos princípios que informam o

procedimento executivo.

7.2.1 O direito fundamental à tutela executiva efetiva – princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional

A realidade põe às claras a inviabilidade de conceituar um princípio, ou

de encerrar o preceito nele contido, em virtude de sua própria natureza, abordada

em linhas atrás. Assim, é preferível procurar esboçar suas características principais

e aquilatar o modo como se comporta no ordenamento jurídico.

294 ALEXY, op. cit., p. 153. 295 Cf. FLORÉS-VALDÉS, Los princípios..., cit., pp. 64s.

178

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é corolário do

princípio do devido processo legal; implica, em última instância, na garantia

constitucional da liberdade, diante do Estado de Direito.

Segundo Nelson Nery Jr. 296, pelo princípio da inafastabilidade, “todos

têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória

relativamente a um direito”, seja individual seja coletivo. Assevera que todos têm o

direito à tutela jurisdicional adequada.

E, se a tutela adequada necessitar de urgência, deve ser concedida,

desde que preenchidos seus requisitos legais, independentemente de existir lei

autorizando ou proibindo a medida, pois, do contrário, haveria denegação de tutela e

ofensa ao princípio da inafastabilidade.

Dessarte, por esse prisma, com a regra do art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal, o princípio da inafastabilidade foi elevado à categoria de direito

fundamental constitucional.

Como ensinam Garth e Cappelletti297, “o acesso à justiça pode,

portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos

humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não

apenas proclamar os direitos de todos”.

Sob esse aspecto, é preciso ainda que a comunidade jurídica admita

que as técnicas processuais servem a funções sociais298, e que, justamente por isso,

se revestem de papel tão relevante na garantia do acesso à justiça e, de

296 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 132. 297 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Ed. Sérgio Fabris, 1988. p. 12. 298 Ibid., p. 12.

179

conseqüência, na observância do princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional.

Assim, por esse princípio, não se admite a omissão do Poder Judiciário

quanto à entrega da prestação jurisdicional, mesmo diante da lacuna no sistema

normativo. Mais. Afirma-se que a tutela jurisdicional deve ser efetiva, como resultado

prático do processo.

É corrente o entendimento de que “o valor de todo o sistema

processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão

uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo”.299

Tal não representa mais do que o célebre pensamento de Chiovenda300, para quem

o processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e propriamente aquilo a que tem

direito. Ou seja, a decisão, favorável à parte, deve proporcionar a realização do

direito reconhecido com a produção dos efeitos esperados.

Diante do novo pensamento concernente à efetividade da tutela

jurisdicional, releva admitir que o princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional teve seu conteúdo ampliado, para considerar a imprescindibilidade da

utilização da técnica processual em conformação com o direito material tutelado.

Desse modo, a técnica processual adequada deve ser aferida a partir

da perspectiva do plano material. Somente com a plena consciência dos resultados

práticos pretendidos é que se pode optar pela técnica processual adequada a

proporcionar a realização da pretensão material e, como consequência, proporcionar

a tutela jurisdicional efetiva.

Nessa esteira, esclarece Marinoni:

299 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 108. 300 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1. passim.

180

[...] há que entender que o cidadão não tem simples direito à técnica

processual evidenciada na lei, mas sim direito a um determinado

comportamento judicial que seja capaz de conformar a regra

processual com as necessidades do direito material e dos casos

concretos. 301

Esse comportamento judicial deverá se dar mediante uma

interpretação adequada da norma vertente, nos limites da ordem constitucional e

considerando os valores que a informam.

Como corolário do princípio da efetividade da tutela executiva está o

reconhecido princípio da primazia da tutela específica302, qual seja, o credor tem o

direito à satisfação da obrigação tal qual se tivesse ocorrido o adimplemento

espontâneo pelo devedor.

O princípio da primazia da tutela específica foi recepcionado pela regra

contida no § 1º do art. 461, no que respeita às obrigações de fazer e não fazer. De

igual sorte, também se encontra garantido, quanto às obrigações de entregar coisa,

por meio da regra recepcionada pelo § 3º do art. 461-A.

Por esse princípio, o bem da vida conferido ao devedor, ao fim do

procedimento executório, deve coincidir com sua pretensão inicial; somente assim,

estaria cumprido o preceito da tutela executiva efetiva.

7.2.2 O princípio da nulla executio sine titulo e a execução sem título

301 MARINONI, Técnica processual..., cit., p. 224. 302 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. In: Temas de direito processual – quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 215.

181

Já foi dito que a construção teórica sobre a sentença condenatória e

sobre o título executivo resultou no princípio de que “toda execução tem por base

um título executivo”.

A busca incessante do procedimento célere que proporcione a tutela

efetiva induziu as reformas procedimentais, que levaram ao emergir de novas figuras

processuais.

O provimento jurisdicional que, antes, abarcava apenas a declaração

da existência de um crédito, foi munido de autoexecutividade, passou a produzir os

efeitos esperados sem a necessidade da propositura da ação executiva, o que

tornou o pressuposto do título despiciendo.

Nesse panorama, com a sobrevivência, no sistema, da figura do título

executivo e com a realidade dos provimentos autoexequíveis, o princípio da nulla

executio sine titulo passou a ter que conviver com outro princípio, já

doutrinariamente identificado: o princípio da execução sem título.

A lei de colisão entre princípios pertencentes à mesma ordem jurídica é

justificada por Robert Alexy303 pela necessidade de haver um sopesamento entre os

interesses conflitantes, visto que, considerando os fatos do caso concreto, um

princípio teria peso maior que outro.

Alexy explica:

[...] se isoladamente considerados, ambos os princípios conduzem a

uma contradição. Isso significa, por sua vez, que um princípio

restringe as possibilidades jurídicas de realização do outro. Essa

situação não é resolvida com a declaração de invalidade de um dos

princípios e com sua consequente eliminação do ordenamento

jurídico. Ela tampouco é resolvida por meio da introdução de uma

303 ALEXY, Teoria..., cit., p.95.

182

exceção a um dos princípios, que seria considerado, em todos os

casos futuros, com uma regra que ou é realizada, ou não é. A

solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma

relação de precedência condicionada entre os princípios, com base

nas circunstâncias do caso concreto. 304

Como explicitado em capítulo precedente, a Lei n. 11.232/05 persiste

em mencionar a existência do título constituído pela sentença condenatória; e a

interpretação da doutrina tradicional, a esse respeito, tem sido no sentido de ser o

título pressuposto para a execução da obrigação por quantia.

Todavia, em consonância com as afirmações de antes, importa lembrar

que as regras vigentes, reguladoras do procedimento da execução da sentença, per

se, indicam a permissão para o desencadeamento dos atos de expropriação ou

desapossamento sem o pressuposto do título executivo consubstanciado na

sentença condenatória.

Do que foi afirmado até aqui, infere-se o esvaziamento do conceito do

título judicial, ao menos em se tratando do procedimento de execução por quantia na

forma do art. 475-J.

7.2.3 A relativização do princípio da tipicidade das medidas executivas

Pelo princípio da tipicidade das medidas executivas, o devedor

somente pode sofrer os efeitos da execução, em sua esfera jurídica, por formas

processuais (ou técnicas) expressamente previstas em lei. Este princípio agasalha

por escopo garantir a “intangibilidade da esfera de autonomia do executado”.

304 ALEXY, Teoria…, cit., p. 96.

183

De outro lado, dada a presunção de que ao executado cabe o

conhecimento prévio das potenciais consequências da execução, o princípio da

tipicidade enseja uma defesa oportuna e mais eficiente.

Nas bases do princípio da tipicidade das medidas executivas está o

esforço do liberalismo em retirar dos julgadores qualquer atividade interpretativa e

criadora de direito, limitando sua margem de atuação. Na verdade, a influência da

doutrina do liberalismo forçou a tendência à via executiva única, como garantia de

segurança jurídica.

Como ressalva Marinoni305, a ticipidade “objetiva garantir a liberdade

do litigante contra a possibilidade do arbítrio judicial”.

Sem embargo dos bons propósitos que impulsionaram a previsão da

tipicidade, percebeu-se, em tempo, que a estrita observância dos meios executivos

previstos expressamente na lei, contribuía para a inefetividade da tutela executiva,

em razão das muitas nuances do direito substancial apresentado.

Com efeito, a ideia nascente de que as medidas executivas devem

estar adaptadas às necessidades de ordem prática do direito material a ser tutelado,

terminou por gerar a relativização do princípio da tipicidade, em prol do princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional, ou do direito fundamental à tutela executiva

efetiva.

Como bem observa José Miguel Garcia Medina306, dada a

“multiplicidade e a complexidade das situações litigiosas que podem ser levadas a

juízo, tais mecanismos não podem ser previstos num rol taxativo, numerus clausus,

ante o risco de (se) excluir direitos igualmente merecedores de tutela”.

305 MARINONI et al, Curso..., cit., p. 60. 306 MEDINA, Execução..., cit., p. 297.

184

Diante desse quadro, houve por bem o legislador pensar a inclusão de

regras processuais abertas, a exemplo do que ocorreu com o § 5º do art. 461 do

CPC, que autoriza o juiz, no objetivo de proporcionar ao credor a tutela específica, a

determinar “as medidas necessárias”.

As normas abertas facultam maior elasticidade na determinação das

medidas executivas mais adequadas à situação concreta, com isso mitigou os

efeitos do princípio da tipicidade.

Porém, a liberdade do magistrado, na imposição das medidas

executivas, não está imune de restrições. Estas estão no contraponto com outros

princípios, de igual importância, que também integram a ordem jurídica, como o

princípio da menor onerosidade possível para o devedor (ou da menor restrição).

Contudo, não se pode chegar ao exagero de falar em princípio da

atipicidade das medidas executivas; porquanto a ausência de limites às

determinações judiciais poderia, em tese, ocasionar o surgimento de critérios

díspares em relação à forma de aplicação dessas medidas em casos semelhantes, o

que culminaria com ausência total de segurança jurídica.

Desse modo, é possível afirmar que houve atenuação dos efeitos do

princípio da tipicidade das medidas executivas em razão da inserção, no sistema, de

regras processuais abertas, proporcionando maior margem de liberdade ao

magistrado no momento da execução; no entanto, é igualmente possível afirmar que

essa liberdade encontra restrições no próprio sistema. Daí a conclusão da mitigação

do princípio da tipicidade, embora seja incorreto dizer de sua substituição pelo

princípio da atipicidade.

Nessa mesma direção, as oportunas considerações de Débora

Baumöhl:

185

[...] mostra-se conveniente um abrandamento desse princípio [da

tipicidade dos meios executivos], mesmo em sede de execução por

quantia certa, de modo a proporcionar mais mobilidade ao juiz na

consecução da satisfação do crédito exeqüendo.

Isso mostra-se plenamente possível na medida em que a atipicidade

dos meios executivos seria naturalmente limitada pelo princípio da

menor onerosidade, nos termos do que dispõe o artigo 620 do

Código de Processo Civil.307

Por derradeiro, cumpre anotar a colaboração que a mitigação do

princípio da tipicidade das medidas trouxe para a efetividade da tutela executiva, na

medida em que possibilita atender a pretensão substancial do credor, amparando o

seu direito fundamental de ação.

7.2.4 O princípio da lealdade processual e o Contempt of Court

O processo deve ser pautado na ética. Os sujeitos do processo, unidos

pela relação jurídica processual, têm sua conduta guiada pelo princípio da lealdade

processual, também conhecido como princípio da probidade ou da boa-fé.

É verdade que a ética sempre informou os processos judiciais, desde

os primórdios, porque, como noticia Eduardo Couture308, tinham “acentuada

tonalidade moral”, que era revelada, frequentemente, pela exigência de juramentos,

pesadas sanções para a parte surpreendida faltando com a verdade, etc.

307 BAUMÖHL, Débora Inês Kram. A nova execução civil: a desestruturação do processo de execução. São Paulo: Atlas, 2006. p. 78. 308 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª Ed. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1993. p. 190.

186

Mais adiante, em observação dirigida aos ordenamentos tipicamente

romanísticos, o mestre uruguaio conjectura:

El proceso moderno fue abandonando estos caracteres. No ya

porque considerara innecesaria la vigencia de principios éticos en el

debate forense, sino porque los consideraba implícitos. Así ha

ocurrido, por ejemplo, con los preceptos que obligan a las partes a

decir la verdad. Otras veces se abolió el principio por considerarse

excesivo, tal como la sanción al perjuro consistente en la perdida del

derecho litigado.

En los últimos tiempos, se ha producido un retorno a la tendencia de

acentuar la efectividad de un leal y honorable debate procesal.309

Bem se vê que a tendência ao positivismo exacerbado fez com que

caísse no esquecimento o senso de moralidade obrigatoriamente norteador da

atividade do juiz e das partes no processo. O que não ocorreu com os sistemas da

família do common law. Estes mantiveram a postura da lealdade no processo,

porquanto não foram contaminados pelo positivismo.

Nos sistemas do common law, o princípio do devido processo legal

(due process), conceito profundamente radicado na tradição constitucional anglo-

americana, já guarda em si a cláusula geral da boa-fé. Nesse sistema, é o próprio

due process que funciona como critério geral, ou ponto de referência, para

identificação e valoração do comportamento abusivo no processo, que consistirá em

um ato fundamentally unfair.310

O princípio da lealdade processual, além de impor o dever de ética às

partes, aos juízes, aos serventuários e a quem mais participar direta ou

309 COUTURE, op. cit., p. 191. 310 TARUFFO, Michele. L'abuso del processo: profili comparatistici. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 96, out./dez.1999, p. 153.

187

indiretamente do processo, visa salvaguardar, antes de tudo, a dignidade da justiça.

Como diz Michele Taruffo311, o abuso do processo, em qualquer medida, é

concebido como uma categoria de atos e comportamentos que se põem em conflito

com a eficiência da administração da justiça.

Piero Calamandrei312 explica que o processo, em razão da sua

dialeticidade, implica uma série de atos semelhantes a um "jogo", de ação e reação,

de réplica e contrarréplica etc. Nisso consiste a tática processual, entregue à

sagacidade e ao senso de responsabilidade dos litigantes. Contudo, nesse jogo de

habilidades não é permitido trapacear, pois as regras do jogo devem ser

observadas. Esclarece que "il processo non è soltanto tecnica della sua applicazione

pratica, ma è anche leale osservanza delle regole del giuoco, cioè fedeltà a quei

canoni non scritti di corretteza professionale, che segnano il confine tra la elegante e

pregevole maestria dello schermitore accorto e i goffi tranelli del truffatore".

Mais adiante, Calamandrei313 afirma que “la malafede processuale,

nelle sue svariate configurazioni, è sempre indirizzata a conseguire nel processo um

effetto giuridico che senza l’inganno non potrebbe esser conseguito”.

O abuso do processo não pressupõe ato ilegal cometido por um dos

sujeitos envolvidos em lide, mas, sim, constitui o desvirtuamento de uma faculdade

processual.

O professor Michele Taruffo314 adverte para o caráter genérico e

complexo que guarda o conceito de abuso do processo, devendo este ser aferido

em relação ao princípio da lealdade e da probidade processual, e no âmbito da

311 TARUFFO, L'abuso del processo..., cit., p. 159. 312 CALAMANDREI, Piero. Il processo come giuoco. In: Rivista di Diritto Processuale, Padova, v. 5, parte 1, 1950, p. 31. 313 CALAMANDREI, Il processo come ..., cit., p 32. 314 TARUFFO, L'abuso del processo..., cit., pp. 152-153.

188

administração da justiça. Alerta para o fato de que o comportamento abusivo pode

não ser regulado e definido como tal pela lei, contudo é taxado de abusivo porque

ilícito e danoso, ou dilatório, podendo implicar abuso de poder e finalizado com um

objetivo ilegal ou impróprio. Ressalta que "abuso" não coincide exatamente com

ilegalidade.

A execução é campo fértil para a prática de atos contrários à boa-fé

processual. Pode-se afirmar, com segurança, que o fair play é esquecido diante dos

interesses em conflito na execução, visto que, em última análise, quase sempre

resvala na esfera patrimonial das partes. Desse modo, a utilização de artifícios, na

própria prática de processuais formalmente regulares, para a obtenção de um

benefício ilícito configura a utilização abusiva do processo, contrariando a ética.

O Código de Processo Civil se aventura em elencar – mostrando o

comportamento típico dos sistemas positivistas – os atos que poderiam, em tese,

acarretar ofensa ao princípio da lealdade processual, no procedimento executivo.

Ainda, tenta prescrever as sanções cabíveis para punir ou coibir os possíveis

abusos.

A intenção de inibir a prática de atos atentatórios à dignidade da justiça

se encontra clara no inciso II do art. 599, conferindo ao juiz o poder de advertir o

devedor sempre que o ato por ele praticado constituir ato atentatório.

A despeito dos louváveis esforços legislativos, dois problemas de

ordem prática devem ser considerados: os mecanismos não têm se mostrado

eficazes e a conduta dos julgadores têm sido de uma timidez vergonhosa.

Ou seja, de algum modo, a primazia da ética tem sido aviltada pelos

costumes ardilosos arraigados na sociedade, os quais caberiam ao Estado-juiz

reprimir.

189

Nesse sentido, oportuna a inspirada observação de Jônatas

Milhomens:

A separação completa entre o direito e a moral não quer dizer que o

primeiro não deva garantir a segunda. É antes supremo interesse do

Estado cuidar quanto possível da moralidade externa (não da

interna) do povo e disso é claríssimo exemplo a nulidade dos

contratos contra bonos mores. Essa separação não quer dizer que o

direito não deva esperar força e vida dos costumes sãos dos

cidadãos. É sabido que as boas leis não podem fazer bem sem uma

boa moralidade, e quanto mais afortunado e grande é um povo tanto

mais corroborado pelo dever moral é o direito na consciência de

cada um e tanto mais existe o sentimento popular de querer a justiça

e lutar pelo seu triunfo a que Ihering chamou a luta pelo direito. 315

Os esforços do legislador em inserir no sistema meios eficazes de

repressão ao desrespeito às decisões judiciais somente será recompensado quando

os próprios juízes tiverem plena consciência da soberania de seus atos e deixarem

de ter medo, pois de nada adianta instrumentos eficazes nas mãos de tímidos

magistrados.

7.2.5 O princípio do respeito à dignidade humana e a execução pelo meio

menos gravoso para o devedor

É aconselhável estabelecer a relação intrínseca entre o princípio da

dignidade humana e o princípio da menor onerosidade possível – este também

315 MILHOMENS, Jônatas. Da presunção de boa-fé no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1961. p. 14.

190

denominado princípio da execução pelo meio menos gravoso – no campo do

procedimento executivo.

As medidas executivas, sejam elas próprias da execução direta ou da

indireta, devem guardar respeito aos direitos fundamentais e individuais do devedor.

Ou seja, o respeito pela dignidade humana deve ser o principal freio à atividade

executiva do juiz, assunto a ser abordado com mais vagar nas próximas linhas.

Expressão do princípio do respeito à dignidade humana está na

proibição da prisão em decorrência de dívida, aposta no art. 5º, inc. LXVII, da CF.

Nessa vertente, o princípio da menor onerosidade possível para o

devedor (ou, ainda, da menor restrição) deve ser encarado como consequência

legítima da tutela à dignidade humana.

A esse respeito, as esclarecedoras e contundentes palavras do Min.

Celso de Mello, no acórdão ao HC n. 96772, j. em 9-6-09, ao tratar da prisão civil do

depositário infiel:

Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade

interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais

de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico

básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção

Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à

norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a

dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o

critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista

no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio

direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das

declarações internacionais e das proclamações constitucionais de

direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos

grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas

191

institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa

humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à

alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

Com efeito, a prisão civil é a mais drástica das medidas executivas de

cunho coercitivo, admitida em situações excepcionais, abordadas adiante em

momento próprio. Contudo, antes de pensar na medida mais severa, é dever do juiz

ponderar a utilização das medidas executivas mais condizentes com a realidade das

partes envolvidas, tão eficazes e adequadas quanto possível e sem infringir os

direitos fundamentais do devedor. Ora, a observância do princípio fundamental da

efetividade da tutela jurisdicional deve encontrar seu limite natural no princípio

fundamental da dignidade humana do devedor, como contrabalanço necessário.

O princípio da menor onerosidade possível para o devedor,

recepcionado na regra do art. 620 do CPC, impõe ao magistrado a observância das

medidas executivas que proporcionem a tutela efetiva, mas sem agredir a dignidade

do devedor, a serem utilizadas de forma escalonada.

Nessa esteira, a inviolabilidade do sigilo bancário, telefônico, da

correspondência, dos dados e das comunicações telegráficas ou eletrônicas

constitui direito fundamental individual (art. 5º, XII, da CF), ressalvadas as hipóteses

de ordem judicial para fins de investigação. A título de exemplo, pode-se imaginar

que, diante da desobediência à ordem judicial de indicar os bens passíveis de

penhora (art. 600, IV, do CPC) e munido de sérios indícios de fraude, o juiz da

execução estaria autorizado a proceder à quebra do sigilo bancário do devedor, por

duas fortes razões: o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da lealdade

processual (dignidade da justiça).

192

Assim, a conduta abusiva do executado autoriza a tomada das

medidas executivas mais drásticas, legitimando o ingresso na esfera jurídica do

devedor.

Outrossim, dependendo dos valores em jogo, como o caso da

prestação alimentícia, o princípio da intangibilidade da pessoa humana deve ser

calibrado com o princípio da menor onerosidade possível, de modo que a prisão civil

ceda preferência à execução por meio do desconto em folha, por exemplo.

Em outras palavras, cabe ao arbítrio do juiz a escolha do meio

executivo que irá resultar em menor interferência possível na esfera jurídica do

devedor.

Algo parecido ocorre nos sistemas jurídicos da família do common law.

Mas não com certo tempero.

Para o jurista do common law, o inadimplente de uma ordem judicial

“carries the keys of the prison in his own pocket”.

Grosso modo, isso significa que a prisão coercitiva, talvez a mais

repulsiva das técnicas processuais executivas, para o jurista inglês, é tão somente

meio idôneo de proporcionar ao devedor renitente e mal intencionado, a faculdade

de cessar a eficácia da medida tão logo cumprir a obrigação.

É de pensar o que leva o jurista inglês e ao povo, culturalmente, a

aceitarem a imposição das sanções por contempt diante da extremada proteção aos

direitos humanos, como é notório naqueles países.

Fator que impulsiona a uma reflexão mais aberta, é o grau de

importância que se dá ao Poder Judiciário, como instituição e pilar do Estado de

Direito, nos países do common law.

193

7.3 As medidas coercitivas possíveis – a almejada efetividade da tutela

executiva

As considerações expostas nas páginas iniciais, acerca da amplitude

de aplicação das técnicas processuais executivas, merecem resgate, nesse passo.

As tutelas executivas, assim consideradas as que buscam produzir

efeitos de repercussão física, podem vir acompanhadas de medidas coercitivas, a

fim de alcançar a efetividade devida, ainda que não haja a previsão expressa de tais

medidas, pois vale a observância da mitigação do princípio da tipicidade, como

abordado alhures.

Nessa linha de raciocínio, assevera Marcelo Lima Guerra:

A oposição inicial à utilização de multa diária, ou qualquer outro

meio não previsto em lei, fundada em argumentos legalistas,

segundo os quais, basicamente, o juiz só estaria autorizado a utilizar

as medidas expressamente previstas em lei, no âmbito da tutela

executiva de qualquer outro crédito que não sejam aqueles

tendentes ao cumprimento de prestação de fazer ou não fazer, não

se sustenta à luz da teoria dos direitos fundamentais e,

consequentemente, de uma interpretação conforme à constituição

do sistema processual. Como já se demonstrou, negar a

possibilidade de se utilizar uma medida judicial, que se revele capaz

de fomentar um direito fundamental qualquer, pela simples falta de

expressa previsão infraconstitucional, é negar a justicialidade desse

direito fundamental, o que é o mesmo que negar a própria

Supremacia da Constituição. Daí por que, concretizando-se os

direitos fundamentais independentemente de lei, o direito

fundamental à tutela executiva confere ao juiz o poder-dever de

adotar os meios executivos mais adequados à pronta e integral

proteção do credor, ainda que não previstos expressamente em

norma legal, ou mesmo adotar medidas que tornem mais efetivo e

194

adequado o meio legalmente previsto, respeitados os limites que a

isso venham a impor os direitos fundamentais do próprio devedor, o

que só o caso concreto revelará inteiramente.316

A despeito da incidência da sub-rogação, é preciso atentar para as

situações reais que se apresentam, em que a expropriação e o desapossamento se

mostrem impossíveis, levando à alternativa da imposição das medidas de coerção.

Como pontuado, as medidas coercitivas – típicas da execução indireta

– podem ser divididas em duas grandes classes: as de atuação patrimonial e de

atuação pessoal.

Atuam mediante o constrangimento da vontade do devedor e visam

compelir o devedor a cumprir a obrigação avençada (ou o dever legal), que pode

consistir em um fazer fungível ou infungível, em dar coisa e pagar quantia. Vale dizer

que a resistência da doutrina para a aplicação das medidas coercitivas no

cumprimento de obrigação fungível não encontra nenhum respaldo jurídico, ou de

ordem prática, tendo em vista a primazia da tutela específica sobre o equivalente.

As medidas coercitivas podem incidir tanto para forçar o cumprimento

da tutela final quanto para garantir a eficácia da tutela antecipada.

O art. 461, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.952/94 e,

posteriormente, pela Lei n. 10.444/02 – que alterou também o § 3º do art. 273 –, é a

regra processual que autoriza a imposição das medidas coercitivas para compelir o

renitente a cumprir o comando judicial.

A possibilidade da incidência da multa, como medida de apoio, é

expressamente mencionada no § 4º do art. 461 e aplicável, em princípio, às

execuções de fazer e não fazer, e de entregar coisa (art. 461-A do CPC).

316 GUERRA, Direitos fundamentais..., cit., p. 151.

195

As demais técnicas executivas tratadas no § 5º da mesma regra,

embora tenham por escopo também garantir a efetividade da execução, não

possuem o caráter coercitivo; ou seja, não visam compelir o devedor a cumprir a

obrigação tal qual foi estabelecida, mas antes, constituem meios executivos de sub-

rogação.

A medida coercitiva, mais comumente utilizada, que incide diretamente

sobre o patrimônio do devedor é a multa diária, também conhecida pela expressão

francesa astreintes. A multa de natureza punitiva – aquelas previstas nos artigos 18,

538, 601, etc. –, embora pressuponham o caráter coercitivo, não é incluída nessa

categoria porque seu efeito gritante é a punição do devedor por um ato ou omissão

passado e não compelir à prática ou à abstenção de um ato futuro.

A multa diária coercitiva tem o privilégio de poder ser aplicada pelo juiz

ex officio, independentemente de requerimento do exequente, na dicção do § 4º do

461, e passa a ser devida tão logo ocorra o descumprimento da decisão, seja na

forma antecipada ou final. O que muda, em uma situação ou outra, é o momento em

que a multa deve ser inquestionavelmente paga, dada a necessidade de se

aguardar que, sobre o crédito oriundo da multa, recaia a autoridade da coisa julgada.

Daí a razão de a multa coercitiva não encontrar compatibilidade com a

execução provisória (475-O do CPC), tendo em vista que não há sentido em se

exigir do executado a sanção por descumprimento de uma obrigação que, ele

mesmo, no exercício do devido processo legal, impugna por meio de recurso.

É indispensável trazer à discussão os parâmetros de fixação do valor

da multa diária. Tratando-se de medida coercitiva, deve ser arbitrada de tal modo

que cause, efetivamente, a pressão psicológica sobre o executado. Em virtude

disso, não há como deixar de considerar a aferição econômica da totalidade do

196

patrimônio do executado como parâmetro para fixação do valor da multa, que deve

representar, para ele, considerável perda. Ademais, nada obsta que o juiz aumente

ou diminua o valor da multa conforme o clareamento das reais condições financeiras

do executado no decorrer do deslinde processual.

Pertinente a crítica de Luiz Guilherme Marinoni317 ao sistema da multa

coercitiva no direito processual brasileiro, quanto ao destinatário dos valores

oriundos da aplicação dessa sanção.

A multa diária é revertida em favor do credor, consoante a

interpretação lógica do § 2º do art. 461, e não em favor do Estado.

Pois bem. Não é difícil perceber que a sanção pela recalcitrância do

devedor prejudica, em última instância, a boa prestação jurisdicional; ou seja, a

medida coercitiva tem por escopo resguardar a administração da justiça, evitando o

comportamento jocoso do devedor ante o comando judicial, daí por que, na visão do

processualista paranaense, ela deveria ser revertida em favor do Estado.

Objete-se, a esse entendimento, o fato de que o titular do direito

substancial é o exeqüente, e, a demora no cumprimento do comando judicial o

prejudica em primeiro plano. Todavia, o mesmo ocorre nos sistemas do common

law, como visto em passagem outra.

Ademais, o sistema processual já prevê a multa punitiva por contempt

of court no art. 14, parágrafo único, do CPC, a ser revertida em favor do Estado, no

caso de desobediência dos provimentos mandamentais, em nítida proteção à

administração da justiça.

Outra medida coercitiva de cunho patrimonial, autorizada pelo § 5º do

art. 461 consiste no sequestro de bens do executado, que deve perdurar até o

317 MARINONI et al, Curso..., cit., p. 75.

197

cumprimento da obrigação. 318 A medida equivale ao writ of sequestration, do direito

do common law, antes explorado.

Nesse passo, cumpre abandonar, por breve lapso, a coerção

patrimonial para ingressar no exame das medidas coercitivas de cunho pessoal, que

implicam restrição de liberdade ao executado.

A medida de coerção pessoal se limita à prisão civil por

inadimplemento de pensão alimentícia e da obrigação de restituir o bem depositado

(depositário infiel), que são as exceções apontadas pelo art. 5º, inc. LXVII, da CF.

E, no raro caso previsto no art. 885 do CPC, de prisão civil por

desobediência de ordem judicial, em que parece haver consenso sobre sua

constitucionalidade, em razão de não configurar prisão por dívida. Na verdade, essa

medida encontra seu fundamento na lei material, precisamente no art. 31 do Dec.-

Lei n. 2.044, de 31.12.1908, da denominada Lei Cambial.319

Há quem defenda, também, com fundamento no § 5º do art. 461, a

possibilidade da prisão civil coercitiva, como “medida necessária” para coagir o

renitente, nos moldes do civil contempt do direito inglês.320

Porém, a drástica medida esbarra no princípio da intangibilidade da

pessoa do executado, ou da proibição da prisão por dívida, cotejado em item

anterior, ressalvadas as exceções constitucionais.

A prisão do devedor de obrigação alimentícia é chancelada pela ordem

jurídica, com claros contornos coercitivos. Os arts. 733 a 735 do CPC regulam a

execução dos alimentos provisionais; o art. 733, especificamente, estabelece a

318 Cf. TALAMINI, Tutela mandamental..., cit., p. 161. 319 Cf. SOUZA JR., Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003. p.181. 320 “[...] a prisão deve ser vista como última alternativa para a imposição de ordem judicial imprescindível para a tutela do direito que não requer a disposição de patrimônio.” (MARINONI et al, Curso de..., cit., p. 181.). Na mesma linha, DIDIER et al, op. cit., p. 463.

198

prisão civil como medida executiva, sujeita a pedido expresso do credor. Por sua

vez, a Lei n. 5.478/68, apesar de imprimir à demanda de alimentos o rito especial,

também autoriza a prisão civil do devedor.

Embora o § 2º do artigo 733 se reporta a "pena" de prisão, a

terminologia equivocada não chega a impossibilitar a correta interpretação da mens

legis. Como explica Moreira Alves321, é conhecido em Psicologia o fenômeno da

influência da palavra sobre o pensamento, acrescentando-se a isso a circunstância

de a prisão civil, embora não seja pena, acarretar sofrimento. Afirma o autor ocorrer

no meio jurídico o uso frequente do termo "pena" como sinônimo de sanção, esta

entendida em sentido amplo, mas sem descaracterizar a natureza coercitiva da

prisão civil.

A prisão imposta ao alimentante inadimplente é por prazo determinado,

embora, como ressalva Araken de Assis322, exista "bradante, profundo e lamentável

descompasso quanto ao prazo da prisão do alimentante". É que o § 1º do art. 733 do

CPC fala em "1 (um) a 3 (três) meses" para a prisão provisória, e o art. 19 da lei

especial fala em "até 60 (sessenta) dias" para execução de sentença definitiva.

Quanto a esse descompasso, é possível argumentar com o critério da

especialidade, prevalecendo o prazo de sessenta dias previsto na lei especial.

Tanto a lei especial, no § 1º do art. 19, quanto a norma contida no § 2º

do art. 733 do CPC – e aí não emerge nenhuma dissonância – deixam patente que o

cumprimento da sanção de prisão imposta não exime o devedor do pagamento, fato

que comprova o caráter coercitivo da prisão.

321 ALVES, José Carlos Moreira. A ação de depósito e o pedido de prisão. Revista de Processo, São Paulo, n. 36, p.7-23, out./dez. 1984, p. 13. 322 ASSIS, Araken. Da execução de alimentos e prisão do devedor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 164.

199

Ademais, a prisão é reiterável no mesmo procedimento, sempre que o

devedor tornar a descumprir a obrigação. Por outro lado, o devedor pode obter a

liberdade por meio do pagamento, a qualquer tempo, segundo a letra do § 3º do art.

733 do CPC. Tal procedimento, inegavelmente, equivale ao civil contempt do direito

da common law, onde a prisão civil por desobediência à ordem judicial recebe

também caráter coercitivo.

Importa destacar que a prisão civil por descumprimento de obrigação

alimentar é permitida expressamente no art. 7º, item 7, do Pacto de San José da

Costa Rica, tratado interamericano do qual o Brasil é signatário desde 25- 9-92.

O outro caso de permissividade constitucional da prisão por dívida é a

do depositário infiel, previsto também no artigo 5º, inc. LXVII, da CF, ainda vigente,

pois não consta que fora legitimamente revogado. Trata-se igualmente de prisão de

natureza coercitiva323, e que visa à restituição da coisa recebida em depósito. Com a

devida permissão, será tratada no item próprio, com mais vagar.

Cumpre deixar patente que não pode ser desejo do aplicador do direito

equiparar o valor liberdade à obrigação em si. Os valores que devem ser sopesados,

para a aplicação da prisão coercitiva, nos casos possíveis, são: a liberdade do

cidadão de um lado, em confronto com a tutela jurisdicional efetiva e a dignidade da

justiça.

A prisão civil coercitiva deve ter sua utilidade prática revigorada, na

sistemática atual, principalmente nas situações de infungibilidade da prestação e no

caso de desobediência de ordem judicial que sabidamente o recalcitrante poderia

cumprir.

323 Cf. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil comentado. Ed. histórica, Rio de Janeiro: Ed. Rio, [?]. p. 397.

200

Para estas situações esdrúxulas, os juízes têm recorrido ao sistema

normativo penal, que tipifica a prisão por desobediência, servindo, assim, ao juiz do

cível para “aterrorizar” o sujeito que se recusa a cumprir a decisão mandamental.

A penalização do processo civil, como alternativa à carência de

efetividade da tutela executiva, termina por dizer ao juiz do cível que sua decisão

tem menos força que a do juiz criminal, ou ainda, que haveria uma inexplicável

hierarquia jurisdicional entre os dois juízos.

Em acórdão, o STJ324 apontou como contempt of court a conduta de

empresa que se recusava a cumprir a ordem judicial de consignar em folha de

pagamento os valores devidos ao alimentando, obrigação esta derivada de ato

ilícito. Em voto, o Min. Ruy Rosado de Aguiar faz menção ao instituto do contempt

como meio eficaz de impor a obediência à ordem judicial, e afirma que o devedor

deve cumprir a obrigação sob pena de ser processado por crime de desobediência.

Tal solução engenhosa, a despeito de ser defendida por muitos

doutrinadores brasileiros, incluindo os Tribunais325, não parece guardar a melhor

técnica processual. Aliás, lembra em muito a solução apontada por Proto Pisani, na

Itália, ao divisar que a coercitividade em potencial existente nas normas de direito

penal poderiam ser utilizadas como meio de execução indireta.

Esse entendimento encontra eco na teoria propagada por Proto Pisani,

na tentativa de encontrar, no sistema processual italiano, uma solução de lege data

para aplicação de medidas coercitivas na forma da execução indireta. O cerne de

324 RMS n. 9228-MG, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v. unân., j. 1.9.1998. 325 Nesse sentido, ver STJ, 5ª Turma, HC 12.008, rel. Min. Félix Ficher, j. 6.3.2001, onde o relator argumenta que, se a autoridade pública não ficasse sujeita à sanção penal por descumprimento, a decisão judicial restaria destituída de imperatividade. "Seria, ela, apenas um 'palpite', um 'conselho'. A ausência de sanção, no caso de seu descumprimento, retiraria o poder de coação sobre o destinatário específico, abrindo espaço para que este, certo da inexistência de uma pena, simplesmente deixasse de executar a determinação judicial".

201

sua teoria consiste na tentativa de aplicar à execução, como medida coercitiva, a

tutela penal dos provimentos judiciais. Procura estabelecer limites em que seria

legítima a aplicabilidade das sanções penais como mecanismo de coerção pessoal,

pois, segundo aponta, a rubrica "mancata esecuzione dolosa di um provvedimento

del giudice"326, dispõe sobre a pena de reclusão ou multa para o descumprimento de

uma obrigação civil nascida de uma sentença condenatória.

Segundo Pisani327, o art. 388, 1ª comma, c.p., é idôneo para garantir a

atuação plena da tutela condenatória. Tal ideia teve influência do penalista Giuliano

Vassali, que via em tal dispositivo uma espécie de regra geral aplicável quando

houvesse o descumprimento do comando judicial contido na sentença condenatória,

fazendo as vezes de medida coercitiva. Podia incidir, inclusive, na execução de

obrigação de fazer infungível, para a qual o ordenamento italiano não dispunha de

mecanismo hábil.

Ao que parece, tal dispositivo tem conteúdo semelhante ao do artigo

330 do CPB, que trata do crime de desobediência, inserido no capítulo dos crimes

contra a administração pública. O autor entende que ao termo esecuzione, contido

na rubrica, pode ser atribuído o amplo valor semântico de adempimento. 328

Em adendo, oportuno informar que o entendimento propagado por

Proto Pisani culminou na alteração do art. 492 do CPC italiano, por meio do Decreto

legge 14 marzo 2005, n. 35. O dispositivo, além de incluir na regra processual a

326 PISANI, Andrea Proto. Lezione di diritto processuale civile. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1999. p. 172. 327 PISANI, Lezione..., cit., p. 172. 328 "l'interpretazione della disposizione in esame deve essere nel senso che il bene protetto è l'autorità della decisione giudiziaria e non l'efficacia esecutiva in senso stretto della sentenza: questa interpretazione avrebbe il non irrelevante vantaggio di garantire l'attuazione dei provvedimenti civili di condanna, siano o non siano essi attuabili tramite la técnica dell'esecuzione forzata" (Ibid, p. 173.

202

ordem para o devedor indicar a localização dos bens para penhora, impõe a sanção

do art. 388, c.6. do CP italiano para o caso de falta ou de falsa declaração.329

Na tentativa de impor a sanção penal como solução para a carência de

efetividade das ordens judiciais, os operadores do direito têm lançado mão do

mecanismo da prisão em flagrante do renitente, por crime de desobediência,

tratando a conduta como crime permanente, de modo que, somente o cumprimento

da obrigação poderia livrar o devedor da prisão; tudo na tentativa de aproximar-se

do contempt of court.330

Mas não parece ser a melhor solução, pois o crime de desobediência,

tecnicamente, não configura crime permanente, já que sua consumação se dá no

momento em que transcorre in albis o prazo determinado para o cumprimento da

ordem judicial.331

Desse modo, é preciso buscar no sistema processual as medidas

coercitivas possíveis e adequadas a proporcionar efetividade à tutela executiva das

obrigações de entregar coisa e pagar quantia.

7.4 As medidas coercitivas na obrigação de dar coisa

329 “[...] la mancata risposta allínvito comporta l’applicazione della sanzione penale introdotta con la modifica dell’art. 388 c.p. [...] É ben vero che si introduce, modificandosi proprio ques’ultima norma con l’aggiunta di un comma, una sanzione penale per il caso di falsa o mancante dichiarazione.” (DE STEFANO, Franco. Il nuovo processo di esecuzione: la novità della riforma - L. 28 dicembre 2005, n. 263 e L. 24 febbraio 2006, n. 52. Editore IPSOA, 2006. p. 58) 330 Cf. VARGAS, Jorge de Oliveira. As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível – Sanções: pecuniária e privativa de liberdade. Curitiba: Juruá, 2001. p. 147. 331 A respeito, consultar PRADO, Luiz Regis Prado; BITENCOURT, César Roberto. Código Penal anotado e legislação complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 976 e 977; e MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2000, v. 3. p. 365.

203

A Lei n. 10.444./02 inseriu o art. 461-A e possibilitou a incidência das

medidas coercitivas, tratadas nos §§ 4º e 5º do art. 461, nas execuções de

obrigação de dar coisa.

Segundo observa Eduardo Talamini, o emprego dos mecanismos

coercitivos deve ser reservado às situações em que os meios sub-rogatórios não se

mostram eficazes e, no caso de a obrigação somente poder ser cumprida com a

colaboração do executado, dentro dos seguintes parâmetros:

a) na antecipação de tutela, quando houver extrema urgência

na pronta obtenção do bem;

b) em relação aos deveres instrumentais, como o de indicar

onde a coisa móvel está, permitir-lhe acesso, fornecer

informações necessárias para sua eventual desintalação

(deveres de fazer, na essência);

c) nos casos em que a desocupação do bem imóvel ou a

entrega do bem móvel reveste-se de peculiaridades tais

que a tornam complexa a ponto de ser difícil realizá-la sem

a ajuda do réu.332

No caso da multa diária coercitiva, prevista no § 4º, há que atentar para

o procedimento executivo do valor final da multa, pois, por resultar em execução por

quantia, deve seguir as regras do art. 475-J e seguintes.

O § 5º do art. 461 merece maior atenção, em se tratando de obrigação

de dar coisa, pois possibilita a imposição da prisão civil coercitiva, notadamente se a

coisa for infungível, à semelhança do que se defende para as obrigações de fazer e

não fazer.

332 TALAMINI, Tutela jurisdicional..., cit., p. 217.

204

Ainda, como visto, a figura do depósito entra em cena, porque pode ser

o pedido de restituição tutelado pelo art. 461-A, seja a coisa fungível ou infungível.

Nesse passo, há necessidade de tecer breves considerações sobre o

panorama atual da prisão civil do depositário infiel.

Pode-se afirmar que nossa ordem jurídica dispõe sobre três formas de

depósito: o primeiro, o depósito genuíno, regulado pelo Código Civil, em seus arts.

627 a 652; o segundo, o depósito “fictício” 333, decorrente da alienação fiduciária; e,

o terceiro, o denominado depósito judicial, oriundo da necessidade da guarda do

bem objeto de execução.

Já houve mais divergência sobre quais as espécies de depósito que

ensejariam a prisão civil do depositário, na forma autorizada pela norma

constitucional. O primeiro a ser excluído da regra, por meio da jurisprudência

pacificada no STJ e da doutrina dominante, foi o depósito oriundo da alienação

fiduciária (Dec.-Lei 911/69), pelo motivo de não constituir genuinamente depósito.

Quanto ao devedor do contrato de depósito, seja voluntário seja

necessário, a celeuma sobre o cabimento, ou não, da prisão civil perdurou por

tempo maior; sobretudo pela recepção, na ordem jurídica, do Pacto de San José da

Costa Rica, que proíbe a prisão civil por dívida contratual.

Entrementes, há dissensão sobre a hierarquia do Pacto em relação à

norma constitucional. Tem prevalecido o entendimento do STF334 que veda a prisão,

333 Nesse sentido, ver MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: de acordo com o novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002). Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 43. 334 “DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. O julgamento impugnado via o presente habeas corpus encampou orientação jurisprudencial pacificada, inclusive no STF, no sentido da existência de depósito irregular de bens fungíveis, seja por origem

205

com base no Tratado, mesmo tendo sido celebrado antes da EC n. 45/2004, que

alterou a redação do § 3º do art. 5º da CF, por aplicabilidade da máxima tempus

regit actum.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Repercussão Geral no

Recurso Extraordinário n. 562051 RG / MT335, de relatoria do Min. César Peluso,

julgado em 14-4-08, chegou a admitir a excepcionalidade para a discussão da

matéria referente ao status das normas do Pacto de São José da Costa Rica na

ordem jurídica brasileira, notadamente em razão das regras ordinárias que

autorizariam a prisão, prescritas no Estatuto Civil.

No entanto, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal parece ter

colocado pá de cal sobre o assunto, com a edição da Súmula Vinculante n. 25, que

declara a ilicitude da prisão civil do depositário, a que título for.336

voluntária (contratual) ou por fonte judicial (decisão que nomeia depositário de bens penhorados). Esta Corte já considerou que "o depositário de bens penhorados, ainda que fungíveis, responde pela guarda e se sujeita a ação de depósito" (HC n° 73.058/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, DJ de 10.05.1996). Neste mesmo sentido: HC 71.097/PR, rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, DJ 29.03.1996). 3. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 4. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 5. Habeas corpus concedido.” (HC 88240, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 07/10/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-01 PP-00199 RSJADV dez., 2008, p. 20-22 RT v. 98, n. 879, 2009, p. 176-180 RF v. 104, n. 400, 2008, p. 370-374) 335 “RECURSO. Extraordinário. Prisão Civil. Inadmissibilidade reconhecida pelo acórdão impugnado. Depositário infiel. Questão da constitucionalidade das normas infraconstitucionais que prevêem a prisão. Relevância. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão de constitucionalidade das normas que dispõem sobre a prisão civil de depositário infiel.” (RE 562051 RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 14/04/2008, DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-05 PP-00983 ) 336 “O Tribunal, por unanimidade, acolheu e aprovou a proposta de edição da Súmula Vinculante nº 25, nos seguintes termos: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade

206

Desse modo, as normas infraconstitucionais contidas no CCB,

reguladoras do contrato de depósito, devem ceder lugar à vedação constitucional. 337

Igual destino, salvo melhor juízo, seria o do § 3º do art. 666, recentemente inserido

pela Lei n. 11.382/06, que autorizou ao juiz, nos próprios autos executivos,

determinar a prisão do depositário judicial.

do depósito”. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, PSV n. 31/DF, Rel. Min. César Peluso, j. em 16.12.2009) 337 Nesse sentido, o acórdão: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.” (HC 96772, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811 RT v. 98, n. 889, 2009, p. 173-183) (STF, HC 96772/SP, Rel. Min. Celso Mello, j. em 09.06.2009)

207

No entanto, em se tratando da prisão coercitiva do depositário judicial,

o Supremo Tribunal Federal se olvidou de um aspecto importantíssimo: a relação

jurídica no depósito judicial é estabelecida entre o Estado-juiz e o depositário, que

exerce um múnus público, muito diferente do espírito da norma proibitiva do Pacto

de São José. Tal é o entendimento diametralmente contrário esposado pelo STJ.338

Dessarte, não há como comparar a figura do contrato de depósito com

o depositário judicial, pois, como muito bem observado por Valério Mazzuoli339,

“depositário é aquele que guarda bem alheio e não próprio”. Ou seja, o devedor que

guarda bem penhorado, de sua propriedade, não pode ser considerado depositário

no conceito do Estatuto Civil; trata-se de figura jurídica de natureza processual, a

cujo dever de guarda sobre a coisa, a norma atribuiu a denominação de “depósito

judicial”.

Bem andou o voto condutor do Min. Teori Zavaski, do acórdão ao HC

n. 47.927-SP340, em que assevera a autorização para a prisão civil coercitiva do

338 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE BENS FUNGÍVEIS. VÍNCULO ENTRE O JUÍZO E O DEPOSITÁRIO QUE POSSUI NATUREZA NÃO-CONTRATUAL. NÃO-INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ART. 645 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Nos termos da Súmula 619/STF, "a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito". 2. Por outro lado, convém anotar que o encargo atribuído ao depositário judicial deve ser fielmente exercido como um múnus público, sob pena de decretação da prisão civil do infiel, de modo que é irrelevante a discussão a respeito da fungibilidade dos bens penhorados. Tal discussão ganha relevância apenas na hipótese de depósito voluntário decorrente de contrato, pois, "em se tratando de bens fungíveis, o depósito contratual se submete às regras do mútuo, de molde a afastar a prisão civil do depositário infiel" (HC 80.300/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 29.10.2007). 3. Contudo, os bens objeto de penhora, ainda que fungíveis, não estão sujeitos à regra prevista no art. 645 do CC/2002. Não obstante sejam coisas fungíveis, por natureza, são tratados legalmente como coisas infungíveis, conforme entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, é "cabível, pois, a prisão civil do depositário infiel, em se tratando de penhora, como técnica processual de coerção aplicável" (HC 81.813/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 11.10.2002). 4. Recurso especial provido.” (REsp 755.479/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 12/02/2009) 339 MAZZUOLI, Prisão civil…, cit., p. 35. 340 “PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. DEPOSITÁRIO INFIEL DE BENS PENHORADOS EM EXECUÇÃO FISCAL. PRISÃO. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO REGIME DO DEPÓSITO CONTRATUAL DE DIREITO PRIVADO.

208

executado renitente, em relação ao descumprimento para a entrega do objeto da

penhora, consistente nos títulos ao portador, individualizados e numerados, restando

duvidosa sua fungibilidade.

Com efeito, até o momento, é possível concluir pela proibição da prisão

coercitiva, em se tratando de depósito oriundo de contrato, mas não nos casos de

desobediência à ordem judicial de entrega da coisa depositada ao credor, deferida

com fundamento no § 5º do 461.

1. Em se tratando de bens fungíveis, não se pode confundir o seu depósito judicial decorrente de penhora com o seu depósito voluntário decorrente de contrato. Com efeito, caracteriza-se como depósito irregular o contrato que importa a entrega de coisa fungível, obrigando-se o depositário a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, sujeito às disposições que regulam o contrato de mútuo (CC, art. 645). Em casos tais, confere-se ao depositário a faculdade de dispor dos bens bens objeto do contrato como se fossem seus, circunstância que, segundo a jurisprudência consagrada no STJ, torna inadmissível a utilização da ação de depósito, bem assim a cominação da pena de prisão, em caso de descumprimento do contrato. 2. É inteiramente diversa a situação em se tratando de depósito judicial de bem penhorado em ação de execução, cuja disciplina deve amoldar-se à natureza e à finalidade da penhora, que é seu pressuposto. A penhora, "ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição de seu proprietário ineficazes em face do processo" (Araken de Assis), tem como efeitos principais (a) a concentração da responsabilidade pela satisfação do débito sobre determinados bens, individualizados e afetados à demanda executória; (b) a conservação dos bens penhorados, mediante seu depósito e, se for o caso, administração; (c) a ineficácia relativa dos atos de disposição; (d) a reorganização da posse; (e) a perda do direito de fruição, traduzida nos limites impostos ao uso e gozo da coisa, cuja subtração, supressão, destruição, dispersão ou deterioração constitui ilícito penal (art. 179 do CP). 3. Na conformação desse conjunto de medidas restritivas ao poder de disposição do executado, destinadas a conservar o bem no interesse da pretensão executória, não faz a lei qualquer distinção entre coisas fungíveis ou infungíveis, devendo, em ambos os casos, abster-se o depositário de qualquer ato tendente a dissipar a garantia da execução. 4. Assim, "tem-se que as coisas móveis penhoradas, ainda que objetivamente possam ser fungíveis por suas qualidades intrínsecas (...), são tratadas, por força da lei, como coisas infungíveis, tanto assim que ela exige que sejam caracterizadas, o que abrange identificação do imóvel onde ficarão depositadas, não podendo o depositário dispor delas, senão com autorização judicial. São, pois, coisas fungíveis objetivamente, mas tratadas, legal e portanto necessariamente, como coisas infungíveis, ou, como sustentam outros, coisas fungíveis com designação específica, o que afasta a caracterização desse depósito como depósito irregular. Cabível, pois, a prisão civil do depositário infiel, em se tratando de penhora, como técnica processual de coerção aplicável." (HC 81.813/GO, 1ª Turma, Min. Moreira Alves, DJ de 11.10.2002). Precedentes do STJ. 5. E, em se tratando de bens depositados por força de penhora, dispensa-se, nos termos da Súmula 619/STF, o ajuizamento da ação autônoma de depósito para decretação da prisão, exigindo-se, porém, que seja expressa a assunção do encargo pelo depositário (Súmula 304/STJ). 6. No caso dos autos, o depositário, tendo assumido expressamente tal encargo, deixou de atender à ordem de apresentação ao juízo de títulos ao portador penhorados em execução fiscal. Está, assim, autorizado o decreto de prisão civil como meio coercitivo para o cumprimento do dever de restituir o objeto do depósito. Registre-se, ainda, ser duvidosa a caracterização dos referidos bens como fungíveis, por se tratar de títulos individualizados e identificados por número de série. 7. Ordem denegada.”(HC 47927/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/02/2006, DJ 06/03/2006 p. 161)

209

A prisão do depositário dos bens penhorados, com a nova

regulamentação do art. 666, § 3º, do CPC, vigente antes da reviravolta

jurisprudencial do STF, tentou expurgar as dúvidas sobre a natureza da sanção para

o descumprimento do dever de entregar a coisa penhorada: permite a prisão

coertiva.

Como bem ponderam Fredie Didier Jr., Leonardo J. C. da Cunha,

Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira:

[...] entendemos que, analisada a questão à luz da teoria dos direitos

fundamentais, é possível, sim, a imposição da prisão civil como

técnica coercitiva em hipótese de obrigação de entrega de coisa de

conteúdo não patrimonial, como, por exemplo, a entrega de

medicamento.

Outrossim, há a permissão – porque nada está a proibir – que o juiz

aplique a multa do artigo 601 do CPC, em razão da fraude de execução (artigo 600,

I), sem prejuízo da sanção punitiva de caráter genérico contida no parágrafo único

do art. 14, como contempt of court.

7.5 As medidas coercitivas na obrigação de pagar

O primeiro questionamento que aflora, na reflexão sobre as possíveis

medidas de apoio, aplicáveis à execução de pagar quantia, é acerca da aparente

distinção realizada pelo art. 475-I, concernente ao “cumprimento da sentença

conforme os arts. 461 e 461-A” e à “execução” de “obrigação por quantia certa”.

210

É quase impossível encontrar argumentos para afastar a intenção do

legislador de provocar uma separação entre o procedimento executivo das decisões

que exortam ao cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e de dar coisa, e o

procedimento para execução da decisão que determina o pagamento. Isso, mesmo

entendendo que, em todos esses casos, se trata de execução em procedimento

sincrético.

Mas é possível obtemperar que tal opção sistemática não tenha tido

como objetivo último diferenciar as medidas coercitivas aplicáveis aos dois

procedimentos executivos. Talvez, a intenção do legislador tenha sido, tão somente,

regular mais detalhadamente a forma para a execução do mais fungível dos bens: o

dinheiro.

Contudo, justamente em razão desse predicado, a ineficácia da

sentença que determina o pagamento é o “calcanhar de aquiles” da execução.

A carência de efetividade das decisões judiciais que exortam ao

pagamento de quantia tem causado grande perplexidade na comunidade jurídica,

pois é o campo mais propício para o comportamento acintoso do devedor que, a

despeito de possuir patrimônio suficiente, se furta ao pagamento.

Quanto às medidas coercitivas previstas no sistema processual

aplicáveis às obrigações de pagar quantia, há o risco de nada ser dito, porquanto, ao

menos na forma expressa, não existem regras que as regulamentem.

Todavia, é contrário ao bom-senso pensar que, somente pela natureza

pecuniária da obrigação imposta pelo comando judicial, não haveria necessidade de

ele vir acompanhado de medida de coerção.

211

Embora o provimento judicial que determine o pagamento não tenha a

eficácia mandamental em preponderância, isso não significa que prescinda de

medida executiva.

A “ordem” para cumprimento está no âmago do comando judicial, daí a

tese de que a sentença que impõe o pagamento também é mandamental e, por

resultar em repercussão física, também é executiva e deve admitir o reforço das

medidas de apoio.341

Como adverte Marinoni342, “não há qualquer fundamento lógico para se

afirmar que a previsão de meios típicos de execução por sub-rogação implica a

exclusão da execução sob pena de multa.”

Na ânsia de tornar efetiva a sentença que determina o pagamento, a

imposição da multa diária, com finalidade coercitiva para compelir o recalcitrante a

efetuar o pagamento o mais rápido possível, parecer ser, de lege ferenda, solução

compatível com o sistema atual.343

Como leciona Proto Pisani344, a medida coercitiva consiste em um

agravamento da sanção contra o obrigado, na ameaça de uma lesão de seu

341 Já foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça que o mandado de segurança, eventualmente, pode resultar em “ordem de pagar”, como se depreende do acórdão cujo fragmento merece transcrição: “PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STJ – EXECUÇÃO HONORÁRIOS DE ADVOGADO. 1. O mandado de segurança, assim como as ações com força executória, não ensejam execução, tendo o título sentencial o condão de fazer prevalecer a ordem judicial de imediato. 2. Há hipóteses em que contém a ordem mandamental obrigação de pagar, nascendo daí a idéia de uma imprópria execução. 3. No âmbito do STJ, por força de uma disfunção e vácuo no Regimento Interno, a execução das ações originárias são da competência dos presidentes das seções, silenciando a norma regimental sobre o processamento. 4. Não há honorários em mandado de segurança, nem nos incidentes nascidos quando da execução. 5. Embargos de declaração rejeitados.”(EDcl nos EDcl na Pet 2604/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/06/2005, DJ 04/06/2007 p. 283) 342 MARINONI et al, Curso..., cit., p. 76. 343 Nesse sentido, v. BAUMOHL, A nova execução..., cit., p. 137. 344 "Le misure coercitive consistono in um inasprimento della sanzione contro l'obbligato, nella minaccia di uma lesione del suo interesse più grave di quello che gli cagiona l'adempimento, allo scopo di influire sulla sua volontà onde indurlo ad adempiere spontaneamente all'obbligo cui è tenuto".

212

interesse, mais grave que aquela que lhe causaria o adimplemento, com o objetivo

de influir em sua vontade ao induzi-lo a adimplir espontaneamente a obrigação.

Ademais, a multa, como medida de apoio, tem relação com o

descumprimento do comando judicial e não com o inadimplemento da obrigação

contratada, estampada na nota promissória, no cheque, etc. Deve ficar claro que a

sentença do juiz, dotada do poder de imperium, deve ter sua autoridade

resguardada pela medida de apoio, hábil a compelir o renitente a cumprir o comando

judicial que entendeu justa a pretensão creditícia.

Segundo pondera o professor Marinoni345, “se a multa já vem sendo

utilizada, com enorme sucesso, para dar efetividade diante das obrigações de fazer

(fungível ou não fungível), de não fazer e de entregar coisa, não há qualquer razão

para a sua não utilização em caso de soma em dinheiro”.

Defendendo a aplicabilidade da multa pecuniária nas decisões que

determina o pagamento, anote-se, também, o entendimento do jovem processualista

Asdrúbal Franco Nascimbeni, que vem corroborar a tese exposta:

A aplicação de medidas de coerção – tais como a multa periódica –

pode ser de grande utilidade não somente para induzir o devedor a

pagar a quantia devida, mas também, e muito mais, para pressioná-

lo a realizar outras atividades que venham a contribuir, ao final, para

a satisfação efetiva do crédito do demandante.346

(PISANI, Andrea Proto. Lesione di diritto processuale civile. Napoli: Casa Editrici dott. Eugenio Jovene, 1999. p. 170). 345 MARINONI. Luiz Guilherme. A efetividade da multa na execução da sentença que condena a pagar dinheiro. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5953>. Acesso em: 18 mar. 2010. 346 NASCIMBENI, Asdrúbal Franco. Multa e prisão civil como meios coercitivos para a obtenção da tutela específica. Curitiba: Juruá, 2006. p. 174.

213

Alguns julgados têm tido a preocupação de não ensejar dúvida quanto

ao tipo de tutela jurisdicional protegida pela sanção coercitiva, quando envolve a

tutela de pagamento de quantia, como ocorreu no aresto do STJ347 ao entender que

a ordem dirigida ao Instituto Nacional de Seguro Social, para que pague quantia ao

beneficiário, importa em obrigação de dar (?) e, portanto, passível de ser

acompanhada da multa coercitiva em caso de desobediência.

Considere-se, por óbvio, que a multa coercitiva aplicada às obrigações

de pagar quantia encontra limites em sua eficácia na higidez patrimonial do

executado. Ou seja, sua aplicação deve pressupor que o executado disponha de

patrimônio compatível; do contrário, nem sequer haveria justificativa para evocá-la.

E não se pense que a fungibilidade da obrigação de pagar, que é

indiscutível, dispensaria, por isso, a medida de apoio. 348

Por outro prisma, o pagamento de quantia, mesmo sendo fungível,

também pode ser considerado tutela específica. Esse raciocínio é reforçado pelo

conceito de frutuosidade da execução. Ora, se a satisfação do credor existe em

razão da higidez patrimonial do executado, então é possível concluir que somente a 347 “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE DAR. OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ARTS. 644 E 645 DO CPC. MULTA DIÁRIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é permitido ao Juízo da execução a imposição de multa em desfavor da Fazenda Pública, de ofício ou a requerimento da parte, pelo descumprimento de obrigação de fazer. 2. Hipótese em que foi determinado ao INSS que cumprisse, sob pena de multa diária, obrigação de pagar quantia certa ao recorrido. Impossibilidade. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 446.677/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2006, DJ 11/12/2006 p. 404) 348 Em sentido contrário, anote-se a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. OBRIGAÇÃO DE DAR. PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA POR PRECATÓRIO. PREVISÃO DE MULTA DIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO. - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de ser possível a imposição de multa, ainda que contra a Fazenda Pública, em se tratando de obrigação de fazer. - Versando, todavia, a situação dos autos acerca de execução por quantia certa, descabe falar em aplicação da multa diária. - Agravo regimental provido.” (AgRg no REsp 951.072/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 30/03/2009)

214

existência de moeda corrente em titularidade do executado pode gerar a tutela

específica para o credor.

É preciso considerar, ainda, a viabilidade da imposição da multa diária

para a antecipação de tutela consubstanciada em obrigação de cunho pecuniário.

Nas situações de urgência extrema, como o exemplo do arrimo de família que falece

repentinamente em acidente de avião, a antecipação de tutela, consubstanciada no

pensionamento dos filhos menores, é de natureza pecuniária e não pode esperar,

sob pena de irreparabilidade. Assim, mesmo em se tratando de alimentos ex delicto,

o caráter emergencial da medida autorizaria a imposição de medida coercitiva

consistente na multa diária.

Outrossim, o valor acumulado da multa, que pode resultar vultoso pela

recalcitrância do executado, não suprime o caráter coercitivo da multa, embora,

inegavelmente, implique, ao final, compensação.

Nessa esteira, Luiz Guilherme Marinoni adverte:

O fato de que ela [a multa] poder se transformar em sanção

pecuniária, após não ter atingido o seu verdadeiro fim (coercitivo),

jamais afastou – e nem poderia – a ideia de que constitui uma

imprescindível técnica executiva para a tutela dos direitos. Ou

melhor: admite-se que a multa deva ser utilizada como técnica de

coerção indireta, para se tentar eliminar a necessidade da execução

direta (p. ex., no caso de obrigação fungível), ainda que ela possa

não gerar o adimplemento, e assim ter que ser cobrada através da

execução por expropriação.349

Como antes afirmado, a multa de que trata o parágrafo único do art. 14

do CPC, imposta no caso de desobediência de provimento mandamental, e de

349 MARINONI, A efetividade da multa..., loc. cit.

215

natureza punitiva, pode ser aplicada até o valor equivalente a 20% sobre o valor da

causa. Mas o sistema esboça pequena incongruência. No caso de descumprimento

da ordem de pagar, a sanção é mais branda, pois o percentual da multa punitiva,

taxada no art. 475-J, é de 10%, e não consta que o juiz possa fixar a menor. Some-

se a isso o fato de ela ser revertida para o credor, embora também configure

contempt of court, em situação análoga a dos países do common law.

Aspecto interessante sobre a multa do art. 475-J é identificar o termo

inicial de sua incidência, pois há uma lacuna na regra no que toca à obrigatoriedade

de prévia intimação do executado.

Partindo da premissa que o escopo do processo é o contraditório, a

oportunidade de o executado conhecer o valor a pagar e o momento de incidência

da multa parece ser o que basta. Nessa linha, se na própria sentença o juiz

determinar que a intimação do devedor seja pessoal e que, do mandado, conste a

advertência da incidência automática da multa após o transcurso do prazo de quinze

dias, o executado não poderá objetar o desconhecimento, para se eximir da pena. É

forma de o juiz, por meio de interpretação extensiva e sistemática, atribuir

operatividade à norma.

E nem se pense que o juiz estaria contrariando o § 2º do art. 475-J –

que determina a intimação do advogado –, pois a intimação pessoal da parte atende

em maior grau à exigência do contraditório. Aliás, essa regra, impulsionada pela

necessidade de barateamento e desburocratização da justiça, acabou por colocar a

classe dos causídicos em maus lençóis.

Outrossim, ao argumento de que o executado não estaria ciente do

valor líquido da dívida, se contrapõe o prévio cálculo efetuado pelo juízo antes da

prolação da sentença, como é de praxe. Ademais, a sentença que determina o

216

pagamento deve ser sempre líquida, por imposição do parágrafo único do art. 459

do CPC.

Outro ponto importante a ser abordado é a omissão do legislador

quanto à faculdade conferida ao devedor para que, antes da incidência da sanção,

tenha ele a oportunidade de justificar a impossibilidade do pagamento, o que

relevaria a pena.

Desse modo, a sanção recairia apenas sobre o executado que, ao

descumprir a decisão judicial, também não prova a impossibilidade de fazê-lo.

Por óbvio, se o devedor interpuser recurso cabível, há a suspensão

dos efeitos da sentença, razão pela qual não incidirá a multa.

Nessa mesma linha, é admissível, na circunstância de o devedor exibir

sinais de aparente riqueza, a expedição de ordem para que o devedor prove de

forma convincente não possuir patrimônio suficiente, sob pena de multa.

Ademais, acrescente-se a isso o dever de o magistrado solicitar

informações acerca do patrimônio do devedor, quando esgotados os meios

ordinários para a localização de bens penhoráveis e fundada a suspeita de

ocultação.

É possível considerar que a ordem para que o devedor indique quais

são e onde se encontram os bens passíveis de penhora (art. 600, IV, do CPC), por

ser tutela mandamental, comporta o apoio da medida coercitiva, a fim de evitar o

descumprimento, sem desprezo da sanção imposta pelo art. 601, que é

eminentemente punitiva, pois considera uma pena fixa para um ato passado. 350

350 A esse respeito, há quem defenda a cumulação da sanção do art. 601 com a do parágrafo único do art. 14, haja vista a conduta do executado configurar também desobediência à ordem judicial. (Cf. MARINONI et al, Curso..., cit., p. 268)

217

A penhora on line, agora expressamente consagrada no art. 655-A do

CPC, considerada medida de sub-rogação, importa no resultado final do

cumprimento da tutela específica do pagamento, dada a característica da

fungibilidade da pecúnia. Entretanto, não lhe pode ser atribuído o caráter coercitivo.

Há quem considere a penhora on line espécie de arresto executivo

eletrônico351 do dinheiro em depósito de propriedade do executado, nos limites do

valor exequendo. Havendo a indisponibilidade do dinheiro pelo executado, e

figurando como depositário o banco, esta se torna, talvez, a mais efetiva das

medidas executivas.

Em se cuidando do procedimento de execução por quantia, é factível a

imposição da multa diária como meio de compelir ao pagamento, objeto da

execução, como meio para o cumprimento de ordens judiciais, tais como a indicação

dos bens passíveis de penhora, a exibição de livros comerciais, a ordem de

abstenção para realização de negócio supostamente fraudulento, entre outras

situações.

No tocante à imposição da prisão civil, a despeito do conteúdo

mandamental identificado nesse tipo de tutela executiva, não é cabível a prisão civil

em caso de descumprimento.

Não se pode focar apenas no conteúdo mandamental que a sentença

que determina o pagamento exibe. É preciso atentar para o conteúdo dessa ordem:

pagar a dívida. Daí a razão da proibição dessa medida em relação ao objeto da

demanda, qual seja o cumprimento da obrigação de pagar.

No entanto, em relação à desobediência de ordem judicial consistente

em conduta de cunho não patrimonial e que somente pode ser efetuada pela pessoa

351 Nesse sentido, DIDIER et al, Curso de direito…, cit., p. 605.

218

do devedor ou pelo representante da empresa devedora, a prisão civil coercitiva se

torna permitida, a ser utilizada como última medida, depois de demonstrada a

ineficácia da imposição da multa. Isso é possível, diante da configuração do abuso

processual, ou do ato atentatório à dignidade da justiça (contempt of court) cometido

pelo executado, e decretada com fundamento no art. 461, § 5º, do CPC, que pode

ser aplicado analogicamente à execução por quantia.

Do mesmo modo como ocorre no direito do common law, a dívida

pecuniária derivada de contrato não enseja a prisão civil, haja vista que a maioria

dos países pertencentes a essa família são signatários do Pacto Internacional dos

Direitos Civil e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembléia

Geral das Nações Unidas, em 16.12.1966, cujo art. 11 prevê expressamente:

“ninguém poderá ser preso por não cumprir uma dívida contratual”.

É inegável a superioridade dos meios executivos utilizados no common

law e o respeito do povo ao Poder Judiciário, fortalecido em virtude da eficácia de

suas decisões. E como se vê, há o igual respeito aos direitos humanos e aos

tratados internacionais.

7.6 A possibilidade de alteração da medida executiva imposta diante de sua

ineficácia

É factível a transmutação da técnica processual aplicada durante o

curso do procedimento executivo. É o que se dá no caso em que a técnica executiva

de sub-rogação se afigura impossível ou não atende aos interesses da parte.

219

Ou, ainda, no caso de determinação judicial de fazer, pode ocorrer a

conversão para a execução pelo equivalente, como já decidiu o Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul, com a seguinte motivação:

No tocante às ações da telefonia fixa, a condenação em

cumprimento versou sobre obrigação de fazer consistente na

emissão das mesmas, sem que nada fosse mencionado acerca

do critério a ser adotado no caso de eventual conversão da

tutela específica em resultado prático equivalente, o que se

impõe estabelecer neste momento processual. Assente no

Colegiado o entendimento de que a indenização de tais títulos

deve ser calculada mediante a adoção do valor patrimonial dos

mesmos, aprovado pela Assembléia Geral Ordinária

imediatamente anterior à contratação sub judice, momento a

partir do qual incidirá sobre o quantum indenizatório correção

monetária pelo IGP-M e juros legais de 12% ao ano, contados

da citação.352

Andou bem o Superior Tribunal de Justiça em voto prolatado pelo Min.

Luiz Fux, em relação ao dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo.

Assevera, o ilustre relator, a fungibilidade entre as medidas executivas previstas no

§ 5º do art. 461 do CPC, o que o levou a alterar a multa coercitiva, antes aplicada, 352 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. COMPLEMENTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÕES. TELEFONIA. CRT. BRASIL TELECOM S/A. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. PARÂMETRO DE CONVERSÃO DO MONTANTE INVESTIDO EM PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA. COISA JULGADA MATERIAL. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO. MÁ-FÉ CONFIGURADA. ART. 17, IV E V E ART. 18 DO CPC. CRITÉRIO INDENIZATÓRIO. RENDIMENTOS DECORRENTES DAS AÇÕES. EXIGIBILIDADE. MULTA. ART. 475-J DO CPC. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE INITMAÇÃO. Mostra-se temerária a alegação de excesso de execução relativamente ao número de ações pretendidas pela credora, porquanto a decisão em cumprimento traz indicação expressa não apenas acerca do parâmetro de conversão do montante investido em participação acionária na antiga Companhia Riograndense de Telecomunicações - CRT a ser utilizado, como também sobre a exata quantidade de títulos a serem complementados, limites estes observados quando da elaboração da memória discriminada de cálculo em que se ampara a pretensão executória. O mesmo pode ser dito com relação ao critério indenizatório destinado à conversão das ações devidas perante a telefonia móvel em pecúnia e à exigibilidade dos rendimentos decorrentes dos títulos não subscritos oportunamente em favor da contratante. [...]” (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70032661118, 12ª Cam. Cível, rel. Des. Cláudio B. Maciel, j. em 03.12.2009)

220

pelo “sequestro ou bloqueio imediato da verba necessária à aquisição do

medicamento objeto da tutela” 353, em razão da máxime urgência do caso. Trata-se,

353 “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FAZENDA PÚBLICA. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA. 1. Ação Ordinária c/c pedido de tutela antecipada ajuizada em face do Estado do Rio Grande Sul, objetivando o fornecimento de medicamento de uso contínuo e urgente a paciente sem condição de adquiri-lo. 2. A função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. 3. In casu, consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento a pessoa necessitada, cuja imposição das astreintes objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e conseqüentemente resguardar o direito à saúde. 4. "Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública." (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 490228/RS, DJ de 31.05.2004; AGRGRESP 440686/RS, DJ de 16.12.2002; AGRESP 554776/SP, DJ de 06.10.2003; AgRgREsp 189.108/SP, DJ 02.04.2001 e AgRgAg 334.301/SP, DJ 05.02.2001. 6. Depreende-se do art. 461, §5.º do CPC, que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o seqüestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição de medicamento objeto da tutela indeferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável. 7. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante. 8. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º: "Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família. Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente." 9. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. 10. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados. 11. In casu, a decisão ora hostilizada pelo recorrente importa na negativa de fixação das astreintes ou bloqueio de valor suficiente à aquisição dos medicamentos necessários à sobrevivência de pessoa carente, revela-se indispensável à proteção da

221

na verdade, de alteração de medida coercitiva por medida de sub-rogação, o que se

afigura permitido pelo sistema. Ademais, aqui ressuma a mitigação do princípio da

congruência entre o pedido e a sentença.

Partindo-se da premissa que o § 5º do art. 461 é aplicável à execução

para entrega de coisa e, por analogia, à execução de quantia, como esmiuçado

alhures, é perfeitamente palatável admitir a fungibilidade entre as técnicas

executivas – a execução específica pelo equivalente em dinheiro – ou das medidas

de apoio – multa coercitiva pela prisão coercitiva ou por medida de sub-rogatória –

diante do procedimento executivo sincrético.

7.7 Os poderes do juiz, a racionalidade no uso dos meios executivos e os limites

da atuação jurisdicional

A partir do momento da prolação da sentença, não há falar mais em

descumprimento da obrigação. Ou seja, o executado não é mais inadimplente em

relação ao que avençou com o outro sujeito particular; ao descumprir o comando

judicial, o executado passa a ser inadimplente em relação ao Estado-juiz. É sob

essa ótica que deve ser analisada a imposição da sanção no procedimento

executivo.

saúde do autor da demanda que originou a presente controvérsia, mercê de consistir em medida de apoio da decisão judicial em caráter de sub-rogação. 12. Por fim, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário. 13. Recurso especial provido.” (REsp 836.913/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 31/05/2007 p. 371)

222

Nas palavras de Roberto Rosas354, “a autoridade dos julgados está

diretamente ligada ao seu cumprimento. Onde não há força coercitiva para fazer

valer o julgado não há firmeza”. E as medidas coercitivas devem possuir força

suficiente para alcançar o objetivo de pressionar o recalcitrante a cumprir o comando

judicial. Daí a astúcia na escolha da opção mais adequada ao caso concreto, que

pode ser extraída do sistema por meio das regras de interpretação.

Segundo Ferrara355, ao discorrer sobre a interpretação das normas,

adverte que pode haver erros no texto da regra jurídica que impliquem substancial

divergência da vontade reconhecível do legislador. Em princípio, aduz o jurista, o juiz

não poderia remediar tais equívocos, pois a regra possui força vinculante na forma

como se apresenta. Contudo, a retificação é possível quando se extrai a mens legis

do próprio conteúdo do texto ou de sua conexão com outras normas.

É o que ocorre com a norma contida no art. 475-I do CPC e a

impropriedade noutro passo apontada acerca da não aplicação do § 5º do art. 461

às execuções por quantia.

Pois bem. Ao abordar a tormentosa questão dos poderes executivos

do juiz, cumpre antes estabelecer o conteúdo do poder discricionário do magistrado

e de sua atividade interpretativa, bem como os limites entre um e outro, no exercício

do poder jurisdicional.

O Des. Rui Portanova, em trabalho sobre a influência da ideologia na

atividade judicante, enfatiza que juiz é um ser humano comum, sujeito ao turbilhão

de informações e aos reflexos da sociedade. E conjectura:

354 ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional: princípios constitucionais do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 177. 355 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Editora Líder, 2005. pp. 15 e 16.

223

Enfim, todo homem, e assim também o juiz, é levado a dar

significado e alcance universal e até transcendente àquela ordem de

valores imprimida em sua consciência individual. Depois, vê tais

valores nas regras jurídicas. Contudo, estas não são postas só por

si. É a motivação ideológica da sentença. Pelo menos três

ideologias resistem ao tempo e influenciam mais ou menos o juiz, o

capitalismo, o machismo e o racismo.356

A despeito da carga ideológica que inegavelmente permeia a decisão

judicial, o legislador trouxe à ordem jurídica regras que permitem ao magistrado o

exercício da atividade discricionária e da atividade interpretativa, neste caso em

função dos chamados “conceitos vagos”.

Cumpre, nesse passo, estabelecer as necessárias distinções entre a

atuação discricionária e a interpretação da norma pelo juiz.

Em observação arguta, Maria Sylvia Di Pietro esclarece que, na

interpretação, cabe extrair do próprio ordenamento jurídico o sentido verdadeiro da

norma interpretada, excluindo-se a possibilidade de mais de uma solução correta; já

na discricionariedade, o juiz pode escolher entre as várias opções que decorrem da

norma.357

Por outro lado, é temeridade afirmar que a atividade discricionária pode

ser utilizada como método para colmatar lacunas do sistema. Como muito bem

ensina Celso Antônio Bandeira de Melo358, a discricionariedade "jamais poderia

resultar da ausência de lei que dispusesse sobre dado assunto, mas tão somente

poderá irromper como fruto de um certo modo pelo qual a lei o haja regulado". E

356 PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 5.ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do

Advogado, 2003. p. 16. 357 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 44. 358 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 13.

224

arremata afirmando que pretender atuar discricionariamente, sem supedâneo na lei

ou em contrariedade à lei, é agir arbitrariamente.

Assim, a atividade discricionária não pode ser solução para lacuna no

sistema, tampouco fazer as vezes de método de interpretação da norma. No

entanto, é preciso considerar que a atividade interpretativa não exclui a

discricionariedade. Na verdade, trata-se de duas técnicas que coexistem.

Dito isso, cumpre a árdua tarefa de conceituar “poder” discricionário.

Intrinsecamente ligada à administração pública, como atividade

desenvolvida pelo administrador em busca da solução mais adequada para a

satisfação da finalidade legal359, a atividade discricionária tem sido negada como

atividade relativa à função jurisdicional. E não sem razão, se considerarmos o

conceito de ato administrativo discricionário, aquele norteado pelos critérios da

oportunidade e conveniência, e limitado pela legalidade. É preciso considerar que a

atividade discricionária, própria da administração, não pode ser desempenhada de

maneira igual pelo Poder Judiciário, porquanto não se pode falar em “solução mais

razoável para o caso concreto”, mas, sim, na “única” solução justa.

Para melhor compreender o alcance das duas atividades cumpre

exemplificar com as normas dos arts. 273 e 461, § 5º, do CPC.

O § 5º do art. 461 enseja a atuação discricionária do juiz, porquanto

está recheado de medidas executivas opcionais, a serem determinadas ex officio,

conforme a necessidade e a adequação para o caso concreto, com a finalidade de

atingir a efetividade da tutela específica ou equivalente, levando em conta a medida

mais conveniente segundo os efeitos pretendidos.

359 Cf. MELLO, Discricionariedade..., cit., p. 48.

225

De outro lado, um conceito vago ou termo indeterminado contido em

uma regra jurídica gera, simplesmente, interpretação (e não escolha), como é o caso

da expressão “prova inequívoca da verossimilhança”, abrigada no art. 273 do

CPC.360

A nova técnica utilizada pelo legislador, de inserir, nas normas postas,

expressões que dêem ao juiz certa dose de flexibilidade para decidir, expressões

que se convencionou chamar de "conceitos vagos", proporcionou ao magistrado

certa dose de liberdade ao decidir. Isso fez com que o juiz deixasse de ser mero

aparelho de subsunção.361

É justamente nessa "margem de liberdade" conferida ao juiz pela

própria lei, e nos "conceitos vagos" que permeiam as normas, que está a atividade

discricionária atribuída aos juízes atualmente.362

Ressalte-se que o "conceito vago" deve ser interpretado, atividade que

não se confunde com a discricionariedade. Ele tem a função de "driblar a

complexidade do mundo contemporâneo e a de fazer com que haja certa

flexibilização adaptativa na construção e na aplicação da norma jurídica".363

É certo que os conceitos vagos pedem interpretação, a ponto de

Teresa Wambier364 chegar a afirmar sua proximidade com um esquema subsuntivo.

Seguindo esse raciocínio, é possível considerar a incidência da valoração dos fatos

na apreciação do conceito vago.

360 A esse respeito, ver GÓES, Gisele Santos Fernandes. Existe discricionariedade judicial? Discricionariedade X termos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. In: CERQUEIRA, Luis Otávio de Sequeira; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; GOMES JR., Luiz Manoel; MEDINA, José Miguel Garcia. (Coord.) Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 90. 361 Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na concessão de liminares e a tutela antecipatória. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 505. 362 WAMBIER, A liberdade..., cit., p. 510-511. 363 WAMBIER, A liberdade..., cit., p. 516. 364 Cf. WAMBIER, A liberdade ..., cit., p. 527.

226

Para Karl Engish365, a discricionariedade judicial e a discricionariedade

administrativa significam "o livre parecer pessoal do juiz ou do funcionário

administrativo", ou seja, pressupõe "valoração pessoal". Contudo, mais adiante,

ressalva que a valoração pessoal é "apenas uma parte integrante do material de

conhecimento do juiz, e não o último critério de conhecimento".366

A sua vez, Karl Larenz367 ensina que, por "valorar", deve entender-se

"um ato de tomada de posição", e a questão da "adequação" de uma consequência

jurídica a uma situação fática é uma questão de valoração.

Desse modo, a atividade desempenhada pelo juiz, que deve ser

chamada de discricionária, envolve elemento valorativo e atividade intelectual-

cognitiva. O raciocínio desenvolvido pelo juiz, para enquadrar os fatos ao conceito

vago, e valorá-los, deve ser orientado, ainda, por um juízo de ponderabilidade.

O juízo de ponderabilidade constitui um método para a ponderação de

bens no caso concreto. É método de desenvolvimento do Direito, que se presta a

solucionar colisões de normas ou princípios, delimitar as esferas de aplicação das

normas que se entrecruzam, e, com isso, concretizar os direitos, cujo âmbito fica em

aberto.368

Há muito Aristóteles369 já ensinava que "justo é o proporcional, e o

injusto é o que viola a proporção". E no caso da imposição de um mal, o filósofo

explicava que "o menor mal é considerado um bem em comparação com o mal

365 ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. p. 214. 366 Ibid., p. 239. 367 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983. p.348. 368 Cf. LARENZ, op. cit., p. 501. 369 PLATÃO. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 110.

227

maior, uma vez que o mal menor deve se escolhido de preferência ao mal maior, e o

que é digno de escolha é um bem".

Assim, também, o juízo de ponderabilidade deve estar informado pelos

princípios do meio mais idôneo e da proporcionalidade, a fim de que a lesão de um

bem, em detrimento de outro bem, não vá além do necessário.370

Juízo de ponderabilidade também pode significar a escolha do meio

idôneo, ou da menor restrição possível. Como alerta Engish371, "discricionariedade

implica não apenas livre escolha dos fins, mas também, em dadas circunstâncias,

livre escolha dos meios".

Com efeito, o juiz deve estar sempre fazendo escolhas. E na tomada

de escolha, ele deve fazer uso de raciocínio, que, por sua vez, não é ditado pelo

direito. O raciocínio do juiz deriva do senso comum, e vai além das amarras da lei.

Em verdade, "o verdadeiro problema consiste em compreender o que acontece

quando o raciocínio do juiz vai além dos confins daquilo que convencionalmente se

entende por direito e em individualizar as garantias de racionalidade e razoabilidade,

de confiabilidade, de aceitabilidade e de controlabilidade dos numerosos aspectos

da decisão judiciária".372

No procedimento executivo, o juiz deve ter a sensibilidade de aferir a

capacidade de o devedor cumprir o que vai determinado na decisão prolatada, e o

faz, com base em sua experiência pessoal e no senso comum.

Michele Taruffo373 argumenta que o raciocínio do juiz deve ser

orientado pelo senso comum, pois este "lhe fornece um repertório de formas de

370 Ibid., p. 500. 371 ENGISH, op. cit., p. 243. 372 TARUFFO, Michele. Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz. Curitiba: IBEJ, 2001, p. 9. 373 Ibid., p. 10-11.

228

argumentação e esquemas interpretativos empregados em seu raciocínio". O senso

comum "confere ao juiz os dados isolados do conhecimento que constituem boa

parte do patrimônio cultural reputado próprio ao protótipo do homem médio em um

certo lugar e contexto social, assim como em dado momento histórico". É com base

no senso comum que o juiz reconhece os fatos.

A "experiência comum" também é apontada por Taruffo374 como

necessária ao raciocínio do juiz, já que se constitui por "noções experimentadas por

muitas pessoas, [...] as quais seriam sedimentadas em uma espécie de patrimônio

consolidado de conhecimentos".

Entretanto, quando estiverem em jogo direitos fundamentais, que não

são aferidos em nível local, é possível duvidar que a decisão judicial vá ser

culturalmente localizada. Em época de globalização, até mesmo jurídica, um

reclamo vinculante ao senso comum de uma comunidade específica acabaria na

contramão da história. É o caso, p. ex., do reconhecimento dos direitos humanos.375

Taruffo conclui por criticar a influência das "máximas de experiência"

no raciocínio do juiz, por serem "mera tentativa de racionalização do senso

comum".376

Encerra constatando que o juiz hoje se vê a "filtrar através de seu

raciocínio uma infinidade de problemas jurídicos e não jurídicos que percorrem o

tecido social e suas mutações". Sua missão é fazer com que seu raciocínio "apoie-

se em noções controláveis e forneça adequadas justificações das escolhas feitas,

374 Ibid., p. 18. 375 TARUFFO, Senso comum..., cit., p. 21. 376 TARUFFO, Senso comum..., cit., p. 27.

229

segundo os critérios havidos por aceitáveis no contexto social e cultural de nosso

tempo".377

Tocou-se em um ponto importante: a motivação das decisões judiciais.

O que de fato é imprescindível é que o juiz demonstre o raciocínio desenvolvido

através da lógica da argumentação. Afinal é ponto basilar em nosso sistema a

decisão judicial motivada.

Enfim, por mais que a doutrina se esmere em definir e traçar as linhas

gerais do poder discricionário do juiz, não se pode olvidar o elemento humano, os

valores subjetivos intrínsecos do homem que julga. O que não significa que a

decisão não esteja sujeita a nenhum controle.

Os limites à atuação discricionária e interpretativa do juiz se encontram

no sistema à disposição da parte executada: são os recursos cabíveis contra as

decisões proferidas no curso do procedimento, a defesa do executado por meio da

impugnação ou da exceção de pré-executividade e, ainda, o manejo do Habeas

Corpus (repressivo ou preventivo), sem desprezo de outras demandas autônomas.

Exemplo disso é o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal,

ao Habeas Corpus n. 82969, de relatoria do Min. Gilmar Mendes que considerou

lícita a desobediência de ordem judicial, pois legitimada pelas circunstâncias do caso

concreto.378

377 Ibid., p. 41. 378 “Habeas corpus ajuizado em favor de gerente de agência do Banco do Brasil S.A., em face de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. 2. Crime de desobediência. 3. Mandado de penhora que, a par de indicar expressamente o valor total da dívida, continha comando adicional para penhora de cinqüenta por cento de numerário vinculado a conta bancária. 4. Recusa do paciente em disponibilizar quantia correspondente a cinqüenta por cento do numerário vinculado a conta bancária, haja vista que tal parcela era superior ao valor total da dívida, indicado expressamente no mandado. 5. Cumprimento do mandado de penhora, tendo em vista a quitação o valor total da dívida. 6. A mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicidade da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade humana. 7. Ausência de proporcionalidade. 8. Ausência de tipicidade. 9. Ausência de dolo. 10. Ausência de justa causa. 11.

230

Outrossim, a Lei n. 11.232/05 inseriu o art. 475-O no CPC, regulando a

responsabilidade objetiva do exequente por seus atos, o que não deixa de ser

poderoso instrumento de repressão aos possíveis abusos cometidos pelo credor.

Há limites impostos, ainda, pelos direitos fundamentais, antes

referidos, de proteção à honra, à dignidade e à inviolabilidade da privacidade do

devedor, bem como da intangibilidade pessoal.

Os princípios jurídico-processuais também possuem função

bloqueadora da atividade executiva do juiz379, o que vai de encontro ao pensamento

de Ronald Dworkin380, para quem os princípios possuem função limitadora da

atividade discricionária do juiz.

Não obstante, é de ressaltar a teoria desenvolvida por H. Hart381, para

quem existem, além das normas de dever ser (cuja inobservância leva à aplicação

da sanção), as normas que conferem um poder (potestativas), muito mais

adequadas ao processo civil e à ideia de ônus processual. Quem não observa essas

regras não comete nenhum ilícito, apenas leva a cabo um ato inválido que não

poderá alcançar sua finalidade, ou seja, a "nulidade" resulta do não preenchimento

de uma condição essencial para o exercício do poder. As normas de poder se

encontram no campo da liberdade jurídica, e Hart inclui as normas processuais entre

elas.382

A aplicação da teoria da justiça de Rawls – sem a pretensão de a

esmiuçar – traz as observações pertinentes e que justificam a aplicabilidade das

Sentença nula. 12. Ordem deferida.” (HC 82969, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/09/2003, DJ 17-10-2003 PP-00037 EMENT VOL-02128-02 PP-00254) 379 Expressão utilizada por AVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 79. 380 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, passim. 381 HART, Hebert L. A., O conceito do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 44ss. 382 No mesmo sentido, CARNELUTTI, Sistema de direito processual civil. São Paulo: Classicbook, 2000, v. 3, pp. 700ss.

231

medidas coercitivas como modo de garantia da ordem jurídica justa, atendendo aos

interesses sociais comuns.

Segundo Rawls:

Quando montam um tal sistema de sanções, as partes de uma convenção

constituinte devem ponderar suas desvantagens. Essas são no mínimo de

duas espécies; uma espécie é a necessidade de cobrir os custos da

manutenção do organismo, por exemplo, por meio de impostos; a outra é o

perigo para a liberdade do cidadão representativo, medido pela

probabilidade de que essas sanções venham a interferir erroneamente em

sua liberdade. A criação de um órgão coercitivo é racional somente se

essas desvantagens forem menores do que a perda da liberdade causada

pela instabilidade.

Dessarte, há a necessidade de medidas eficazes para coibir os abusos

cometidos no procedimento executivo, pelo devedor recalcitrante que, a despeito de

dispor dos meios para cumprir a obrigação ou o dever processual, ainda assim

atenta contra a dignidade da justiça.

Estão, para dirigir a atividade jurisdicional, os meios de repressão do

poder executivo do juiz, dispostos no próprio sistema e nos princípios processuais

que o permeiam.

232

CONCLUSÃO

1. A tutela executiva pode ser definida em função dos efeitos que produz no plano

empírico; ou seja, importa aferir sua executividade intrínseca, que lhe é dada pela

potencialidade de gerar repercussão física, independentemente de configurar

provimento interlocutório ou final.

2. A efetivação da tutela executiva está a depender dos mecanismos de apoio ou

técnicas processuais utilizadas pelo juiz, hábeis a ensejar os efeitos esperados,

porque adequadas ao direito material tutelado.

3. As medidas executivas consistem nas técnicas de sub-rogação (execução direta)

e nas técnicas de coerção (execução indireta).

4. A Lei n. 11.232/05 alterou substancialmente o procedimento executivo das

obrigações (ou deveres) de entregar coisa e pagar quantia, notadamente no tocante

à aplicação das técnicas processuais executivas.

5. A alteração no procedimento executivo trouxe à evidência os provimentos

jurisdicionais que possuem a executividade intrínseca que, por dispensarem a

propositura da ação de execução, resultaram no esvaziamento do conceito de título

judicial.

6. O resgate da teoria da actio iudicati romana é útil à medida que explica a ficção

jurídica criada em torno do título executivo judicial e justifica o apego da

processualística à figura do título, como portador da certeza da existência do crédito.

233

7. O estudo das técnicas executivas aplicáveis, no novo procedimento executivo

sine intervallo, ganha relevância à proporção que atenta para o direito fundamental à

tutela executiva efetiva.

8. O novo procedimento de execução pressupõe a utilização das medidas sub-

rogatórias e coercitivas, previstas nos §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC, adequadas ao

direito substancial a ser realizado, e comporta aplicação, tanto na execução das

obrigações de entregar coisa, quanto, por analogia, nas obrigações de pagar

quantia.

9. As medidas coercitivas, consistentes na multa diária e na prisão civil,

consubstanciam poderosos mecanismos em mãos do julgador para atribuir a

esperada efetividade à execução.

10. O estudo do comportamento desses mecanismos de coerção no direito do

common law é útil, a título comparativo, para verificar o alcance da efetividade

dessas medidas, sobretudo a prisão civil coercitiva, espécie de civil contempt.

11. Nos países do common law, há a previsão, em caráter excepcionalíssimo, da

prisão coercitiva para compelir o renitente ao cumprimento de ordem de pagamento,

a exemplo dos impostos, multas decorrentes do processo, etc., sem que isso

implique ofensa à regra da proibição da prisão por dívida.

12. A aplicação das medidas coercitivas encontra parâmetros e limites nos princípios

processuais que norteiam a execução, bem como nos direitos fundamentais e nos

mecanismos de defesa à disposição do executado.

13. Há a permissividade pelo sistema atual de aplicação da multa coercitiva na

execução de quantia, por analogia ao que ocorre com a execução de entrega de

coisa, visto terem as mesmas raízes.

234

14. Não é cabível a prisão civil coercitiva na execução por quantia, exceto em se

tratando de descumprimento de ordem judicial, de caráter incidental e sem conteúdo

patrimonial, de que dependa a colaboração do devedor.

235

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