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nova Economia_Belo Horizonte_16 (1)_101-134_janeiro-abril de 2006 As origens e a gênese do Plano Collor Carlos Eduardo Carvalho Professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Resumo O bloqueio da liquidez da maior parte dos haveres financeiros em março de 1990, o Plano Collor, uma das mais drásticas intervenções do Estado na eco- nomia no Brasil, teve origens no debate sobre o fra- casso das políticas de estabilização dos anos ante- riores, em especial os choques heterodoxos do go- verno Sarney. O bloqueio procurou enfrentar, de uma só vez, os três problemas identificados nos choques: (i) a tendência de monetização acelerada e de explosão da demanda em momentos de desinfla- ção abrupta, (ii) as implicações da elevada liquidez dos haveres financeiros e da “moeda indexada” e (iii) as precárias condições de financiamento da dívi- da pública mobiliária. O debate apontava para a possibilidade e mesmo para a necessidade de medi- das não convencionais em relação aos três proble- mas. A gênese do Plano Collor, ou seja, como e quando foi formatado o programa propriamente di- to, desenvolveu-se na assessoria de Collor a partir do final de dezembro de 1989, depois da vitória no segundo turno. O desenho final foi provavelmente muito influenciado por um documento discutido na assessoria do candidato do PMDB, Ulysses Guima- rães, e depois na assessoria do candidato do PT, Lu- ís Inácio Lula da Silva, entre o primeiro turno e o se- gundo. Apesar das diferenças nas estratégias eco- nômicas gerais, as candidaturas que se enfrentavam em meio à forte aceleração da alta dos preços, sub- metidas aos riscos de hiperinflação aberta no segun- do semestre de 1989, não tinham políticas de estabi- lização próprias. A proposta de bloqueio teve ori- gem no debate acadêmico e se impôs às principais candidaturas presidenciais. Abstract The blockage of financial asset liquidity in March 1990, known as the Collor Plan – one of the most drastic state interventions in the Brazilian economy ever –, originated in the debate over the failure of previous stabilization policies, especially the heterodox shocks of the Sarney government. This intervention was an attempt to tackle, at the same time, the three problems identified with the shocks: (i) the tendency for accelerated monetization and for an explosion in demand in moments of abrupt reduction of the inflation; (ii) the implications of high liquidity of financial assets and indexed moneyand (iii) the precarious financing of the public debt. The debate pointed to the possibility and even the need for non-conventional measures to be taken in relation to these three problems. The Collor Plan itself began to be formatted by the president-elect’s advisors at the end of December 1989, after his victory in the runoff election. The final draft was probably strongly influenced by a document discussed by the advisors of PMDB party candidate Ulysses Guimarães, and later by advisors of PT party candidate Luís Inácio Lula da Silva, during the period between the general election and the runoff. In spite of the differences in their general economic strategies, these competing candidates failed to develop their own stabilization policies at a time of rapid price increases and risk of hyperinflation during the second half of 1989. The proposal to block liquidity originated in academic debate and was imposed upon the main presidential candidacies. Palavras-chave Plano Collor, bloqueio da liquidez, reforma monetária, políticas de estabilização no Brasil, pensamento econômico brasileiro. Classificação JEL B29, B59, N16. Key words Collor Plan, blockage of liquidity, monetary reform, stabilization policies in Brazil, Brazilian economic thought. JEL Classification B29, B59, N16.

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As origens e a gênese do Plano Collor

Carlos Eduardo CarvalhoProfessor do Departamento de Economia

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

ResumoO bloqueio da liquidez da maior parte dos haveresfinanceiros em março de 1990, o Plano Collor, umadas mais drásticas intervenções do Estado na eco-nomia no Brasil, teve origens no debate sobre o fra-casso das políticas de estabilização dos anos ante-riores, em especial os choques heterodoxos do go-verno Sarney. O bloqueio procurou enfrentar, deuma só vez, os três problemas identificados noschoques: (i) a tendência de monetização acelerada ede explosão da demanda em momentos de desinfla-ção abrupta, (ii) as implicações da elevada liquidezdos haveres financeiros e da “moeda indexada” e(iii) as precárias condições de financiamento da dívi-da pública mobiliária. O debate apontava para apossibilidade e mesmo para a necessidade de medi-das não convencionais em relação aos três proble-mas. A gênese do Plano Collor, ou seja, como equando foi formatado o programa propriamente di-to, desenvolveu-se na assessoria de Collor a partirdo final de dezembro de 1989, depois da vitória nosegundo turno. O desenho final foi provavelmentemuito influenciado por um documento discutido naassessoria do candidato do PMDB, Ulysses Guima-rães, e depois na assessoria do candidato do PT, Lu-ís Inácio Lula da Silva, entre o primeiro turno e o se-gundo. Apesar das diferenças nas estratégias eco-nômicas gerais, as candidaturas que se enfrentavamem meio à forte aceleração da alta dos preços, sub-metidas aos riscos de hiperinflação aberta no segun-do semestre de 1989, não tinham políticas de estabi-lização próprias. A proposta de bloqueio teve ori-gem no debate acadêmico e se impôs às principaiscandidaturas presidenciais.

AbstractThe blockage of financial asset liquidity in March1990, known as the Collor Plan – one of the mostdrastic state interventions in the Brazilian economyever –, originated in the debate over the failure ofprevious stabilization policies, especially theheterodox shocks of the Sarney government. Thisintervention was an attempt to tackle, at the sametime, the three problems identified with the shocks:(i) the tendency for accelerated monetization and foran explosion in demand in moments of abruptreduction of the inflation; (ii) the implications of highliquidity of financial assets and “indexed money”and (iii) the precarious financing of the public debt.The debate pointed to the possibility and even theneed for non-conventional measures to be taken inrelation to these three problems. The Collor Planitself began to be formatted by the president-elect’sadvisors at the end of December 1989, after hisvictory in the runoff election. The final draft wasprobably strongly influenced by a document discussedby the advisors of PMDB party candidate UlyssesGuimarães, and later by advisors of PT partycandidate Luís Inácio Lula da Silva, during theperiod between the general election and the runoff. Inspite of the differences in their general economicstrategies, these competing candidates failed to developtheir own stabilization policies at a time of rapidprice increases and risk of hyperinflation during thesecond half of 1989. The proposal to block liquidityoriginated in academic debate and was imposed uponthe main presidential candidacies.

Palavras-chavePlano Collor, bloqueio daliquidez, reforma monetária,políticas de estabilizaçãono Brasil, pensamentoeconômico brasileiro.

Classificação JEL B29, B59,N16.

Key words

Collor Plan, blockage ofliquidity, monetary reform,stabilization policies in Brazil,Brazilian economic thought.

JEL Classification B29, B59,N16.

1_ IntroduçãoO bloqueio da liquidez dos haveres fi-nanceiros em março de 1990, o PlanoCollor, não foi um improviso diante doquadro adverso daquele momento, co-mo afirmaram alguns dos seus críticos.1

A proposta estava muito ligada ao debateeconômico dos anos anteriores, às voltascom a persistência da inflação elevadae com o fracasso das sucessivas políti-cas de estabilização.2 Alguns anos depo-is, um dos formuladores do Plano Real sereferiu a 1993 como

uma oportunidade única de implementaruma reforma monetária sem os traumasprovocados por um seqüestro de ativos fi-nanceiros. Isto só foi possível graças aogrande volume de reservas internacionaisacumuladas desde 1992, [...] suficientepara prover a nova moeda de uma forte li-nha de defesa (Bacha, 1995, p. 18).

Se não contasse com reservas exter-nas, como em 1986 e 1990, o Plano Realdemandaria novo bloqueio da liquidez.

Como se chegou ao Plano Collor?Houve dezenas de episódios de bloqueioda liquidez no século XX. A forma co-mum de bloqueio da liquidez, contudo,oculta diferenças substanciais em cadaepisódio, no contexto em que ocorre-ram, no alcance e nas peculiaridades dasmedidas adotadas e dos resultados pre-tendidos. Não existia um modelo preciso

que teria sido aplicado aqui. As origensdo plano devem ser buscadas na reflexãobrasileira sobre as dificuldades colocadaspela inflação elevada e crônica, no con-texto das restrições macroeconômicas dadécada de 1980.

São muito dispersas e fragmenta-das as informações sobre a gênese do Pla-no Collor, ou seja, sobre como e quandoa equipe de Collor se decidiu pelo blo-queio. Não foram divulgados documen-tos. Vieram a público apenas textos cur-tos e declarações esparsas. Com base noque está disponível, pode-se afirmar quesó no início de janeiro de 1990, a doismeses e meio da posse, a proposta foiadotada pelos economistas reunidos emtorno de Zélia Cardoso de Mello, futuraministra da Economia, e levada ao pre-sidente eleito. O desenho das medidasdeve ter sido muito influenciado poruma proposta discutida na assessoriado candidato do PMDB, Ulysses Guima-rães, durante o primeiro turno das elei-ções presidenciais de 1989. Quando fi-cou claro o esvaziamento da campanhade Ulysses, a proposta foi levada para acandidatura de Luís Inácio Lula da Silva,do PT, obteve grande apoio por partede sua assessoria econômica e chegouà equipe de Zélia depois do segundo tur-no, realizado em 17 de dezembro.

O programa anunciado em 16 demarço de 1990, dia seguinte à posse do no-

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1 “O Plano Collor foiteoricamente imprevisível”,segundo Cysne (1991, p. 382).“A teoria era realmenteexótica”, escreveria Simonsen(1995, p. 110) anos depois.2 Consultados pela equipeque preparava o bloqueio, emfevereiro e março de 1990,economistas de variadascorrentes aprovaram asmedidas e se prontificaram acolaborar (Sabino, 1991,p. 133). Logo após o segundoturno, o bloqueio teria sidosugerido a Collor porDaniel Dantas, economistaligado a Mário HenriqueSimonsen, depois um durocrítico do programa (Sabino,1991, p. 109).

vo presidente da República, tinha o nomede Plano Brasil Novo, quase nunca utili-zado. Plano Collor foi o nome que preva-leceu, mas em geral designando apenas obloqueio das aplicações financeiras. Asreferências ao plano em geral não inclu-em o amplo leque de iniciativas em áreasdiversas, como política de rendas, finan-ças públicas, reforma do Estado, políticacambial, comércio exterior.3 Anunciadasjunto com o bloqueio, essas medidas sãoem geral associadas ao governo Collor, enão ao programa de estabilização. A fo-calização da análise do Plano Collor ape-nas no bloqueio não é um equívoco. Des-de o início, o programa de estabilização sedestacava com nitidez. As demais medi-das do Plano Brasil Novo não dependiamda natureza da política de estabilizaçãoe poderiam ter acompanhado programasgradualistas ou choques baseados em con-gelamento de preços e desindexação. Al-gumas medidas do Plano Brasil Novotinham objetivo antiinflacionário de mé-

dio prazo, caso da abertura comercial;outras procuravam equacionar a crise fis-cal, mas não dependiam do bloqueio pa-ra tanto. O elemento central do PlanoCollor, portanto, o que o caracteriza deforma precisa e o distingue com nitidezde outros programas de estabilização, é obloqueio da liquidez dos haveres finan-ceiros (Quadro 1).

Este artigo tem dois objetivos. Oprimeiro é identificar as origens da pro-posta de bloqueio da liquidez, pela análi-se do debate econômico brasileiro nosanos anteriores. O segundo é esclarecercomo se deu a gênese do programa demarço de 1990, ou seja, como e quandoseus autores chegaram à decisão de apli-cá-lo. A análise dos resultados do blo-queio está além dos objetivos do artigo,4

da mesma forma que a reflexão sobre asalternativas de política econômica pos-síveis naquele momento e sobre seusefeitos de médio e longo prazo.

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3 O conjunto das medidasanunciadas no dia 16/3 estána edição extra da GazetaMercantil de 17/3/1990 (n.19.299). O livro Plano Collor deestabilização econômica (1990)apresenta os documentos legaisdo Plano Brasil Novo, inclusiveas diversas Medidas Provisóriasjá transformadas em leisaprovadas pelo Congresso. Háum bom resumo do plano em

Zini Jr. (1993, p. 308-316). Amaior parte das publicações daépoca concentrou-se nasmedidas monetárias, caso dacoletânea organizada por Faro(1991) e publicada como ediçãoespecial da Revista Brasileira deEconomia (v. 45, ed. especial,jan./1991). Outras duascoletâneas interessantes são:Tavares et al. (1990) e Oliveira(1991).

4 Prevaleceu na época ainterpretação de que o planofalhou em razão da liberaçãodescontrolada de valoresretidos, provocada por pressõessobre o governo e por erros degerenciamento do programa.Decorre dessa interpretação atese de que o bloqueio daliquidez poderia ter atingidoseus objetivos se tivesse sidoaplicado com maior rigor e

coerência. Em outros trabalhos,defendo a tese oposta, de que oplano falhou porque erainaplicável: manter a retençãodos haveres financeiros naquelaescala era impossível, já queimplicaria a paralisação dosistema de pagamentos e umagrave crise bancária (Carvalho,1996; 2003).

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Quadro 1_ O bloqueio da liquidez no Plano Collor – Medida Provisória 168, 15/03/1990, depois Lei n. 8.024, 12/4/1990

Bloqueio da liquidez de parte considerável dos haveres financeiros, exceto o papel-moeda em poder do público. Os valores em cruzadosnovos bloqueados ficariam recolhidos ao Banco Central do Brasil por dezoito meses, recebendo juros de 6% ao ano mais correção

monetária, creditados diariamente, e seriam liberados em doze parcelas mensais a partir do 19� mês.

Os haveres financeiros seriam convertidos ao par, de cruzados novos (NCz$) para cruzeiros (Cr$), após a cobrança extraordinária de 8%de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) nos haveres não monetários e na venda ou transmissão de ações e ouro, isentos osdepósitos à vista e os títulos e depósitos do ativo das instituições financeiras.

A conversão em cruzeiros deveria ser feita no momento da liberação dos valores retidos, com regras diferenciadas:

• papel-moeda, conversão imediata, sem bloqueio;• depósitos à vista e cadernetas de poupança, liberação imediata de até Cr$ 50 mil (pela taxa de câmbio oficial de 13/3/1990,

US$ 1.300,00; pela taxa do câmbio paralelo, US$ 610,00 em 13/3, US$ 1.110,00 em 19/3 e US$ 770,00 em 30/3);• aplicações overnight e contas remuneradas, liberação imediata de Cr$ 25.000,00 ou de 20% do total, valendo o maior;• fundos e depósitos a prazo, 20% do total.

Todos os limites deveriam ser calculados por aplicador e por instituição financeira. Títulos e depósitos do ativo das instituiçõesfinanceiras submetiam-se ao mesmo regime.

Nos depósitos a prazo, debêntures e cotas de fundos, a conversão para cruzeiros da parcela liberada deveria ser feita apenas novencimento do título. Nos fundos, a conversão ficava condicionada à disponibilidade de liquidez em cruzeiros. As parcelas nãoconvertidas deveriam permanecer denominadas em cruzados novos até seu vencimento. Títulos com prazo superior a dezoito mesespermaneceriam denominados integralmente em cruzados novos até o vencimento.

Os cruzados novos bloqueados poderiam ser usados por sessenta dias (até 18/5/1990) para pagamento de impostos, taxas, contribuiçõese obrigações previdenciárias e por 180 dias podiam ser transferidos entre pessoas físicas e jurídicas, “para fins de liquidação de dívidas eoperações financeiras comprovadamente contratadas antes de 15/3/1990”, processo denominado de “transferência de titularidade”.

Recursos dos tesouros dos três níveis de governo ficaram livres do bloqueio e foram convertidos integralmente, com liberação imediatados cruzeiros no caso de depósitos à vista e recursos em trânsito no sistema bancário, e liberação no vencimento, no caso de títulos. Paraos três níveis de governo, recursos recebidos em cruzados novos até 18/5/1990, pelo pagamento de impostos, taxas e contribuições,seriam convertidos integralmente e liberados na data de vencimento da obrigação que lhes deu origem, ou de imediato, no caso deobrigações já vencidas.

Fontes: BCB; Gazeta Mercantil (edição extra, 17/3/1990, n. 19.299, p. 32); Revista de Economia Política, 1990. p. 117-120.

O artigo se organiza em três se-ções. A primeira discute o conceito debloqueio da liquidez e destaca a heteroge-neidade de motivações e circunstânciasnos episódios ocorridos no século XX. Asegunda seção analisa o debate brasileirosobre inflação elevada e estabilização. Aterceira expõe o processo de opção daequipe econômica do novo governo pelobloqueio da liquidez. Seguem-se algumasconsiderações finais.

1_ Bloqueio da liquidez:conceituações e precedentes

O Plano Collor integra o grupo depolíticas de estabilização que incluíramlimitação ou cancelamento da liquidez dehaveres monetários (moeda manual e de-pósitos à vista) ou da conversibilidade dehaveres financeiros em moeda. Tais res-trições assumiram formas variadas, des-de desvalorização nominal, alongamentocompulsório de prazos e bloqueio tem-porário até repúdio e anulação. Houvedezenas de programas com medidas des-se tipo no século XX, a maioria na se-qüência de guerras e hiperinflações, maseles pouco esclarecem sobre os casos lati-no-americanos das últimas décadas, comoo Plano Collor.5 A expressão bloqueio daliquidez é a mais precisa para designar es-

sas iniciativas, por enfatizar o traço es-pecífico que as distingue de outras: a sus-pensão (parcial ou total, temporária oudefinitiva) do direito ao exercício da li-quidez de ativos financeiros.

Medidas desse tipo têm sido de-signadas como reformas monetárias, porincluírem em geral a troca de moeda epor apresentarem motivações de ordemmonetária – controle da emissão, reduçãoda liquidez ou reorganização do meio cir-culante. Trata-se de denominação impre-cisa, por ter sido empregada desde o sé-culo passado para designar iniciativas depolítica monetária e cambial as mais di-versas (Ramalho, 1993, p. 536).6 A ex-pressão “confisco monetário” é adotadapor Ramalho (1993, p. 536), sob o argu-mento de que esses programas represen-tam de fato um confisco de valores dapopulação pelo Estado, mesmo quandoincluem compromisso explícito de de-volução ou liberação, “pois economica-mente os legítimos donos são privados(inteiramente ou ao menos em grandeextensão) do domínio e do usufruto deseus fundos”. Para a análise e a caracteri-zação de um programa específico, po-rém, não é irrelevante que inclua o pro-pósito de confiscar valores e repudiarobrigações ou de devolvê-los ao final decerto tempo.

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5 A História registra muitoscasos de bloqueio,desvalorização, confisco erepúdio de dinheiro e títulos(Zini Jr., 1989, p. 48-49; sobreo período medieval, Veitch,1986), mas os episódios doséculo XX podem seranalisados sem recorrer acasos anteriores. ParaKlopstock (1946, p. 578-579),a História não ofereciaprecedentes para acompreensão dos programasem curso na Europa.6 Posição semelhante apareceem conhecido estudo sobre osepisódios de bloqueio daliquidez na Europa dosegundo pós-guerra: “Theexpression ‘monetary reform’ hasbeen used in the literature todescribe a variety of monetary andbanking programs. In this paper,however, it refers to those particularmeasures that reduced, or partiallyblocked for periods ranging from afew days to several years, the largeliquidity asset holdings ofhouseholds and businesses”(Gurley, 1953, p. 77).

Embora os programas com blo-queio da liquidez quase sempre promo-vam a desvalorização real dos haveres fi-nanceiros retidos, o conceito de bloqueioda liquidez deve excluir os casos em queas medidas adotadas se limitam a esseobjetivo. Não sendo assim, o conceitotornar-se-ia muito genérico e impreciso,abrigando até os casos em que determi-nada condução da política monetária in-duza ou tolere a prática de juros reais ne-gativos, mesmo em quadros de inflaçãobaixa. Além disso, na inflação alta e crô-nica, os haveres financeiros não monetá-rios são às vezes desvalorizados em esca-la superior à de iniciativas de bloqueio daliquidez, visto que, em situações dessanatureza, não há indexador eficaz o bas-tante para garantir o valor real dos papéisindexados, ainda que a autoridade estejaempenhada em fazê-lo.

Também devem ficar fora do con-ceito de bloqueio da liquidez os casos desubestimação intencional do indexadorcom o propósito de corroer o valor realde obrigações e contratos, prática muitoutilizada no Brasil desde meados da dé-cada de 1970 (Zini Jr., 1993, p. 318-328),sem que as autoridades admitissem qual-quer propósito de desvalorização real dosvalores indexados.

O conceito de bloqueio da liqui-dez não coincide precisamente com o de

consolidação ou de alongamento com-pulsório da dívida pública. A conversãovoluntária da dívida pública era práticacomum até o início do século XX, comoiniciativa do governo devedor de resgatarantecipadamente os títulos (cláusula pre-vista em contrato) e substituí-los por ou-tros, em condições tidas como mais van-tajosas para si, mas que deveriam tam-bém parecer vantajosas para os credores,por respeitarem as expectativas prevale-centes no momento (De Cecco, 1990,p. 263-264). A conversão forçada ou com-pulsória, ao contrário, é entendida comoiniciativa unilateral do devedor, que im-põe alterações contratuais nos títulos àrevelia de seus credores.

Embora em tese possa haver ca-sos de bloqueio que afetem apenas pa-pel-moeda ou depósitos bancários, nascondições das economias contemporâ-neas as medidas apresentam sempre adupla natureza de bloqueio da liquidez ede consolidação ou alongamento com-pulsório dos prazos da dívida pública.Além da participação elevada de títulospúblicos no portfolio de pessoas físicas ejurídicas, boa parte dos haveres financei-ros do público, em especial depósitosbancários, tem como lastro títulos de dí-vida governamental.

Nos casos de conversão forçadada dívida pública, por outro lado, há sem-

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pre postergação ou cancelamento do di-reito à liquidez estabelecido em contrato,e muitas vezes há desvalorização nomi-nal, o que permite caracterizá-los comocasos de bloqueio da liquidez. Pode-sefazer alguma distinção em termos dosimpactos sobre a liquidez geral da eco-nomia em função do prazo dos títulosafetados, sendo os casos mais drásticosaqueles que alcançam também o papel-moeda e os depósitos bancários à vista.Contudo, se é que essa distinção foi rele-vante em algum momento para diferen-ciar programas de consolidação de dívidapública, pelo menos no século XX medi-das desse tipo afetaram prioritariamenteos títulos de curto prazo. Assim, a con-versão compulsória de dívida pública mo-biliária tende a ser sempre uma forma debloqueio, por implicar limitações do di-reito à liquidez dos títulos públicos quesão objeto das medidas e também dosativos financeiros com que esses papéisestejam sendo financiados. Decorre daí adificuldade para diferenciar as motiva-ções de ordem monetária (controle da in-flação e da oferta de moeda) ou de or-dem fiscal (consolidação e alongamentode prazos da dívida pública) na origemdessas medidas.

O bloqueio da liquidez distingue-se mais claramente do imposto de capi-

tal. Esse tipo de tributação procura obterreceita expressiva, em geral do tipo onceand for all, com vistas a reduzir o peso deuma dívida pública considerada muitogrande e muito onerosa ou a financiargastos públicos extraordinários, em casode guerra, calamidades ou projetos socia-is de relevo (Eichengreen, 1990). O capi-tal levy em geral quer alcançar o conjuntoda riqueza existente, inclusive ativos físi-cos e financeiros, e tende a ser iniciativamais ampla que o bloqueio da liquidez,embora este quase sempre inclua um im-posto de capital entre seus objetivos. Ouseja, os bloqueios da liquidez contêm ge-ralmente elementos de imposto de capi-tal, ou são também imposto de capital, eneles em geral estão presentes elementosde conversão forçada da dívida pública,da mesma forma que as medidas de con-solidação ou conversão forçada da dívidapública envolvem sempre bloqueio daliquidez dos títulos públicos e de outroshaveres financeiros.

A história dos bloqueios da liqui-dez no século XX concentra-se em duasondas nos anos seguintes às duas guerrasmundiais e uma terceira onda na AméricaLatina na década de 1980, além de algunscasos isolados.7 As três ondas de bloquei-os da liquidez no século XX apresentamdiferenças substanciais entre si, em ter-

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7 Os casos mais recentes sãoo bloqueio dos depósitosbancários no Equador, emmarço de 1999 (Acosta eJuncosa, 2000; NaranjoChiriboga, 2003; Jacome,2004), e na Argentina, emdezembro de 2001, o corralito(Schvarzer e Finkelstein, 2004).Um caso pouco conhecido é ode Angola, em 1990.

mos do contexto em que ocorreram, dasmetas perseguidas e das medidas ado-tadas, e os programas incluídos em cadauma delas apresentam também peculia-ridades relevantes.

A primeira onda decorreu dos im-pactos da Primeira Guerra Mundial. Mu-itos países saíram do conflito enfraqueci-dos, com as finanças públicas desorga-nizadas e problemas para financiar asdívidas acumuladas (Eichengreen, 1990).Os novos Estados independentes tinhamnecessidade urgente de organizar a ofer-ta de moeda e definir a responsabilidadesobre os títulos de dívida pública em cir-culação ou entesourados em seu territó-rio. A segunda onda procurou enfrentaro quadro de inflação reprimida, típico dofinal da Segunda Guerra Mundial, emque a presença de grandes quantidadesde distintas moedas, fruto da prolongadaocupação estrangeira em diversos países,combinava-se com forte controle de pre-ços e redução acentuada da oferta debens (Gurley, 1953).

A terceira onda de bloqueios da li-quidez no século XX ocorreu na Améri-ca Latina, na década de 1980, ligada aosefeitos da grave crise de financiamentoexterno que afetou o Continente. Os ca-sos mais conhecidos são o Bonex argen-tino (Carvalho, 1999) e o Plano Collor,no início de 1990. Brasil e Argentina es-

tavam entre os países mais afetados pelacrise da dívida externa, com inflação mu-ito elevada e crônica e diversas tentativasmalsucedidas de estabilização nos anosanteriores. Os dois programas envolve-ram o bloqueio de depósitos bancários etítulos da dívida pública, sem afetar o pa-pel-moeda. Os três primeiros casos dadécada no Continente, contudo, eram par-te de programas de desdolarização e afe-taram apenas depósitos em dólares nosistema bancário doméstico, convertidoscompulsoriamente em moeda nacionale bloqueados por curto espaço de tempo,sem afetar outros haveres financeiros.Houve episódios desse tipo em 1982,no México (Damill et al., 1994, p. 235) ena Bolívia (Guidotti e Rodríguez, 1992,p. 523), e outro em 1985, no Peru (Chum-be, 1995, p. 243-245).

2_ O bloqueio da liquidezno debate econômico brasileiro8

A proposta de bloqueio da liquidez doshaveres financeiros no Brasil procuravaresponder a três grandes problemas quedesafiavam o debate econômico dos anos1980 a respeito das dificuldades para con-ter a inflação elevada, quais sejam: a ten-dência de monetização acelerada e de ex-plosão da demanda agregada em momen-tos de desinflação abrupta; a elevada li-

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8 Uma apresentaçãomais detalhada está emCarvalho (2000).

quidez dos haveres financeiros, a chamada“moeda indexada”; e a tendência de rápidocrescimento da dívida mobiliária interna ea fragilidade do esquema de refinancia-mento diário no mercado monetário.

Os três problemas eram agrava-dos pela forte e persistente restrição ex-terna, com o corte dos fluxos voluntáriosde capitais desde a crise da dívida exter-na, em 1981-1982, e pelos seus danososefeitos fiscais e financeiros sobre o setorpúblico.9 A proposta de bloqueio da li-quidez queria enfrentar as três questõesem conjunto, na ausência de apoio finan-

ceiro externo. O objetivo maior era im-pedir que os detentores de haveres finan-ceiros pudessem deles dispor livremente,para controlar a monetização e impedirmovimentos especulativos depois da pre-tendida desinflação abrupta. Outro obje-tivo era viabilizar o ajuste fiscal, tido co-mo impossível sem a drástica reduçãodo custo que os juros reais elevadosacarretavam. Como se entendia, porém,que os juros não podiam ser reduzidossem provocar a “fuga”10 em massa dosaplicadores, a meta fiscal dependia dobloqueio da liquidez.11

O interesse pelos problemas dapolítica monetária nos planos de estabili-zação foi muito estimulado pela crise doPlano Cruzado, em 1986-1987. Difun-diu-se a avaliação de que as dificuldadesresultavam dos juros baixos, atribuídos amotivações populistas e eleitoreiras dogoverno Sarney. Análises mais cuidado-sas evidenciaram que os problemas erambem mais difíceis. Foram superadas duasavaliações simplistas: uma, de que a rápi-da monetização indicaria leniência na uti-lização dos instrumentos de política mo-netária,12 em especial a taxa de juros e ocontrole do crédito; outra, de que o níveldos juros e o crescimento da base mo-netária não teriam relevância para a esta-bilização, tese que predominou no iníciodo Plano Cruzado.

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9 Sobre o caso brasileiro, verBatista Jr. e Paulo (1987, 1989)e Baer (1993); para uma visãogeral da América Latina,ver Damill et al. (1994).10 Usualmente entende-se por“fuga” dos aplicadores aretirada de recursos até entãoaplicados no sistema financeiro(algo como desintermediaçãofinanceira). É uma conceituaçãoimprecisa, já que os recursosacabam voltando aos bancos,mesmo tendo realizado maiorvolume de transações, a menosque haja desconfiançageneralizada na solvência dosistema bancário.11 Sobre os objetivos dobloqueio da liquidez, verCarvalho (1996, 1999).

12 “Com a queda súbita dainflação, a demanda por moedatende a elevar-se de formaconsiderável. Caso asautoridades monetárias nãopermitam a rápida monetizaçãoda economia, haverá fortepressão recessiva, já que as taxasde juros reais sofrerão grandeaumento. [...] A decisão arespeito da velocidade demonetização da economia [...]não é trivial [...]. No caso deeconomias como a brasileira,com severas restrições àaquisição de ativos financeirosestrangeiros, o excesso deliquidez tende a manifestar-sepressionando a demandaagregada” (Bodin de Moraes,1990, p. 33-34).

2.1_ Monetização aceleradae crescimento “exagerado”da demanda agregada

O primeiro problema era a monetizaçãorápida e intensa, inevitável quando se es-tabilizam os preços depois de um períodolongo de inflação muito alta e a demandapor moeda se recompõe de imediato, oque é positivo. O problema é se o au-mento da demanda por moeda provocaou permite aumento “exagerado” da de-manda agregada por bens e serviços, es-

toques e ativos de risco, gerando pressõesinflacionárias e movimentos especulativosque inviabilizam a estabilização.

A tendência de rápida monetiza-ção em tais circunstâncias não é fenôme-no original. Ocorreu em momentos tãodiversos como em programas de estabili-zação na Europa nas décadas de 192013 ede 194014, em diversos programas lati-no-americanos dos anos 1980,15 no Pla-no Cavallo argentino, em 1991,16 e tam-bém no Plano Real, em 1994.17

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13 No seu conhecido artigosobre as estabilizaçõeseuropéias dos anos 1920,Sargent (1982, p. 54) destacaa intensidade com que subiua emissão de moeda noperíodo seguinte ao fim dahiperinflação e a dificuldadepara se explicar amanutenção da estabilidadedos preços apesar dessevigoroso crescimento dabase monetária. Referindo-seà Áustria, comenta: “FromAugust 1922, when the exchangerate suddenly stabilized, toDecember 1924, the circulatingnotes of the Austrian centralbank increased by a factor of over6. The phenomenon of theachievement of price stability in

the face of a sixfold increase inthe stock of ‘high-powered’ moneywas widely regarded by thecontemporaries as violating thequantity theory of money, and soit seems to do. However, theseobservations are not at allparadoxical when interpreted inthe light of a view whichdistinguishes sharply betweenunbacked, or ‘outside’, money,on the one hand, and backed,or ‘inside’, money, in theother hand ”.14 A monetização foibastante rápida após areforma monetária alemã de1948, seguindo-se umaretomada da inflação ediversas medidas restritivas

(Emmer, 1955; Dall’Acqua,1990, p. 150). Llach (1990,p. 28) aponta que “laremonetización de la economía fuémuy importante” nas hiperesta-bilizações por eleclassificadas como de tipo I(na seqüência de guerras eregime de economia mista),entre as quais inclui trêscasos da segunda metade dosanos 1940, na Grécia, naHungria e em Formosa.15 A estabilização bolivianaem meados dos anosoitenta representa umaexceção notável, commonetização poucoexpressiva apesar da queda

abrupta da inflação (Kiguele Liviatan, 1991 p. 12-13).16 De março de 1991,quando se anunciou aconversibilidade plena doaustral, até dezembroseguinte, a basemonetária cresceu 80,6%,e o M1, 118,6% (Fanelli,Frenkel e Rozenwurcel,1992, p. 37).17 Sobre o tratamentodesta questão no PlanoReal, ver Bacha(1995, p. 23) e Carvalho(1996, p. 63-65).

O questionamento sobre os efei-tos inflacionários do rápido crescimentoda oferta de moeda encontrou a respostaotimista de que a maior demanda do pú-blico refletiria a maior confiança na moe-da e levaria a igual aumento na demanda,como uma simples reversão da desmo-netização provocada pela inflação eleva-da.18 A experiência brasileira desmentiuessa tese otimista. A correlação entre mo-netização acelerada e pressões sobre ospreços foi percebida nas vicissitudes doPlano Cruzado, em 1986. O Plano Bres-ser já incluiu medidas para tratar do pro-blema, em 1987, e as avaliações sobre ofracasso do Cruzado passaram a destacar

o papel da política monetária em progra-mas de estabilização e a necessidade deestipular metas para a monetização e oritmo mais adequado para alcançá-las.Logo se percebeu, porém, que não haviaindicações claras sobre como definir asmetas nem sobre os procedimentos ade-quados para viabilizar o ritmo desejado.

A utilização de referências ante-riores estava comprometida pelo extensoperíodo de inflação elevada. As práticasfinanceiras e os hábitos do público ti-nham sofrido mudanças consideráveis, enão era possível estimar com segurançaqual seria a demanda de moeda “normal”com preços estáveis.19 A definição de

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18 Na estabilização alemã de1923 persistiam dúvidassobre o sucesso do programae a solidez de seusfundamentos, e aestabilização da taxa decâmbio teria sido o fatordecisivo de fato (ver odebate da época emBresciani-Turroni, 1989,p. 71-94). Para a crítica da tesede que o fator decisivo teriasido a “mudança de regime”,ver Bodin de Moraes (1988)e Franco (1988). No

programa alemão de 1948, ademanda por moeda cresceurapidamente, e a velocidadede circulação também, graçasà baixa propensão a retersaldos monetários, frutodas experiênciashiperinflacionárias dosalemães e da desconfiançaquanto ao sucessodo programa (Lutz,1949, p. 137).19 Carneiro e Goldfajn(1991, p. 209) vão maislonge: “A simples analogia

com outros países, ou comoutras épocas para o mesmopaís, é pobre demais para aavaliação das necessidades demonetização”. A experiênciade outros programas combloqueio da liquidez apontanesse sentido. O PlanoBonex argentino, de janeirode 1990, não evitou um surtohiperinflacionário poucomais de trinta dias depois(Carvalho, 1999). NaAlemanha de 1948, apesar deo programa ter sido

preparado com bastanteantecedência e prolongadasdiscussões, havia grandeinsegurança quanto aoslimites de conversão afinalaplicados, com opiniõesdivididas entre apossibilidade de serem muitoestreitos, gerando tendênciadepressivas, ouexcessivamente frouxos,dando lugar a pressõesinflacionárias (Emmer, 1955,p. 56; Lutz, 1949, p. 129).

uma meta de expansão monetária nessascircunstâncias seria apenas um enuncia-do para ganhar credibilidade, e a ênfasenuma política monetária “apertada” apóso choque não seria mais que uma reco-mendação de cautela: manter juros altos,frear a expansão do crédito, tentar con-trolar a monetização pelas sinalizaçõesdos mercados e fazer ajustes de acordocom o estado das expectativas – ou seja,avançar por tenta tiva e erro.20

Manter sob controle o fluxo demonetização, porém, enfrentava obstá-culos consideráveis. A principal via paraa monetização era a iniciativa do públicode converter em moeda seus haveres fi-nanceiros com liquidez imediata: apli-cações overnight em títulos públicos, ca-dernetas de poupança e a maior partedos fundos de investimento. A conver-

são sem custos e a qualquer momento es-tava assegurada pelas condições contra-tuais das aplicações.21 A menos que sesuspendesse ou alterasse de forma unila-teral esse direito, seria preciso encontrarformas de estimular os depositantes amanter seus recursos aplicados.

A taxa de juros era o instrumentoóbvio, mas logo se impôs o problema dedefinir o juro nominal que seria perce-bido como o juro real suficiente para via-bilizar o efeito desejado. Dados o nívelprévio de inflação, a persistência da inde-xação informal e a desconfiança quanto àinflação futura, era muito difícil definir ojuro nominal adequado. O risco de errarpor excesso era temido pelos prováveisefeitos recessivos. A reflexão sobre osplanos fracassados mostrou que as difi-culdades eram mais complexas.

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20 A tentativa de Giambiagi(1989, p. 13-16) de quantificaro espaço não inflacionáriopara a monetização no Brasil,utilizando dados de 1980 a1988, levou à conclusão deque “a recomendação depolítica monetária derivadadaqueles números não étotalmente clara, pelo fato deuma mesma taxa de expansãoda moeda ser compatível comdois cenários de inflação

totalmente diferente entre si.[...] uma certa taxa de variaçãoda quantidade de moeda nãopode ser considerada umindicador suficiente de qualserá a taxa de inflação, postoque esse impacto dependeráde como se comporte avelocidade da moeda e,portanto, da inflaçãoesperada”. Como essadepende das expectativas deajuste fiscal, caso este “não

seja ‘crível’ desde o primeiromomento do plano, a políticamonetária terá de ser apertadaaté que os agentes passem aconfiar na consistência domesmo e, com a redução daperspectiva de inflação, avelocidade de circulação damoeda diminua, abrindoespaço para o financiamentonão-inflacionário da emissão”.21 A argumentação de Pastore(1991, p. 159-165) sobre o

papel negativo da zeragemautomática e os esperadosbenefícios de sua extinção nãose aplicaria nessascircunstâncias: dada a pressãodo público para monetizarsuas aplicações, os bancosreduziriam sua demanda portítulos do governo mesmocom o BCB oferecendo jurosmuito elevados, comodemonstrado no Plano Real.

Juros muito altos criavam forteefeito-riqueza22 e aumentavam o poten-cial de gasto dos detentores de haveres fi-nanceiros, o que ampliaria o risco de pas-sagem brusca para consumo e compra deativos reais, quando se concluísse quechegara o momento de queda dos jurosreais. A especulação sobre qual seria essemomento era inevitável, pela percepçãode que o custo fiscal era um obstáculosuficiente para a manutenção prolongadados juros muito elevados, como na crisedo Plano Verão, no início de 1989 (Car-valho, 2003). Além disso, os juros nomi-nais muito altos, ou iniciativas de aumen-tá-los em algum momento, podiam serinterpretados como sinal de desconfian-ça do governo quanto à tendência da in-flação.23 Deve-se ainda considerar que,em meio à persistente retração dos fluxos

voluntários de capitais externos nos anos1980, a insensibilidade do movimento decapitais internacionais ao nível dos jurosdomésticos impedia que a elevação doseu patamar tivesse como contrapartidaum aumento das reservas do Banco Cen-tral do Brasil (BCB) que pudesse reforçarpositivamente as expectativas quanto aosucesso da estabilização.

O outro instrumento óbvio seria ocontrole da expansão do crédito, pela im-posição de recolhimentos compulsóriossobre o crescimento dos depósitos nosbancos ou de limites para empréstimos.Restrições muito rígidas nessa área, con-tudo, poderiam acarretar sérios proble-mas para os bancos,24 já às voltas com aperda dos ganhos inflacionários (comoocorreria no Plano Real, em 1994-1995).Esse teria sido um motivo para não se te-

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22 Segundo Bacha (1995,p. 21-22), a política monetáriano Plano Real procurou fixara taxa de juros em níveis“adequados” para manter ademanda privada sobcontrole. Todavia, “mudançasnas taxas de juros parecem terum impacto limitado: por umlado, o efeito-substituiçãoexerce um fator contracionistasobre a demanda privada; poroutro, o efeito-riqueza exerceum fator expansionista sobrea mesma. O último ocorre

porque o setor privado comoum todo é um credor líquido,enquanto o setor público é umdevedor líquido, e porque amaior parte da riquezafinanceira é remunerada portaxas de juros flutuantes decurto prazo e, portanto, nãodeclina em valor quando ataxa de juros aumenta”.23 Comparando o PlanoCruzado com outrosprogramas heterodoxos daépoca, Bodin de Moraes(1990, p. 44) afirma: “Além da

preocupação de não explicitaruma taxa de inflação esperadapositiva, o desejo de fazer umprograma de estabilizaçãoneutro do ponto de vistadistributivo tambémcontribuiu para que as taxasde juros nominais caíssemmais rapidamente que naArgentina e em Israel”. Mesesdepois, quando cresciam ossinais de excesso de demanda,“o aumento da taxa de jurosfoi interpretado como umsimples reflexo de que a

expectativa do governo para ataxa de inflação havia seelevado e o impacto sobre ademanda agregada foidesprezível”.24 Na sua proposta deestabilização por meio de umamoeda indexada, Aridae Lara-Resende (1986, p. 26)advertem para a necessidadede dosar as medidas decontrole monetário até que osbancos consigam adaptar-se ànova situação.

rem adotado restrições ao crédito no Cru-zado (Mendonça de Barros, 1993, p. 15).25

Por fim, não havia possibilidadede se absorver a monetização e a pressãode demanda por meio de um superávitfiscal (por privatização, corte de despesascorrentes ou elevação de receita tributá-ria), ainda mais com a pressão decorrenteda alta dos juros.

A comprovação empírica e a men-suração dos efeitos da monetização ace-lerada enfrentam sérios obstáculos. Mu-danças em agregados monetários regis-tram o ritmo e a intensidade da moneti-zação, mas nada informam diretamentequanto a seus efeitos sobre mercados epreços. Um caminho para fazê-lo seria aanálise do volume de transações na eco-

nomia, por meio das transações feitasatravés dos bancos, mas não há dados su-ficientes. Outro caminho é analisar o com-portamento de mercados de bens reais ede ativos de risco, para onde se deveriaestar dirigindo boa parte do aumento dademanda.26 Um exercício dessa naturezasobre os choques do governo Sarney (Car-valho, 1992, p. 149-165)27 mostrou a ocor-rência desses efeitos no Cruzado e noPlano Verão. A exceção do Plano Bresserdeve ser relativizada pelas peculiaridadesque favoreciam uma transição mais suavepara a inflação baixa: as regras de indexa-ção foram mantidas, não houve promes-sas de inflação zero, a economia estavaem tendência recessiva e havia grave cri-se de crédito em curso.28

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25 No programa alemão de1948, a rápida expansão docrédito foi decisiva para oaquecimento excessivo dademanda e o retorno daspressões inflacionárias (Lutz,1949, p. 129). Apesar dasevidências de que estariamocorrendo tais problemas,contudo, medidas restritivassó seriam adotadas mesesdepois, possivelmente pelapreocupação das autoridadesde facilitar a recuperação dagrande indústria, o setor quemais havia sido penalizado nafase anterior, pelas suasdificuldades de operar nos

mercados ilegais (Emmer,1955, p. 57).26 Enfatizando a necessidadede se monitorar atentamente aevolução do grau de confiançados agentes econômicosdurante as fases iniciais de umplano de estabilização,Giambiagi (1989, p. 15) sugereque isso seja feito “através deum acompanhamentosistemático da evolução dosmercados especulativos,tipicamente o dólar black, omercado de ações e osmercados de ativos reais,como carros, gado e imóveis”.

27 O exercício procurou mediros efeitos do aumento dademanda por meio deindicadores de mercados derisco e de preços de ativosreais. Nas suas recomendaçõespara a condução da políticamonetária em planos deestabilização, Giambiagi(1989, p. 15) propõe essemesmo caminho parase aferir o grau de confiançado público na sustentaçãodo plano e na meta deinflação baixa.28 A afirmação de BresserPereira e Nakano (1991, p. 97)

de que “após o congelamentode 1987 não houve uma fugado mercado de dinheiro emdireção aos ativos reais” nãofaz referências àspeculiaridades do PlanoBresser. Para Giambiagi(1989, p. 7), a monetizaçãomenos intensa nos planosBresser e Verão pode sercreditada aos efeitos deinovações financeiras, semfazer referências aos efeitosdos juros muito elevados dosprimeiros meses do PlanoVerão nem às peculiaridadesdo Plano Bresser.

Há dois blocos de interpretaçãopara a correlação entre monetização rá-pida, aumento da demanda agregada epressões inflacionárias com desinflaçãoabrupta no Brasil.

O primeiro destaca os efeitos daqueda brusca dos juros nominais sobreas expectativas dos detentores de ativosfinanceiros. A sinalização de juros reaisexpressivos não seria capaz de eliminaro problema, por diversos motivos. Parauma parcela importante do público, o ju-ro real sinalizado seria irrelevante, já queo juro nominal muito mais baixo tornariamuito atraente a satisfação de demandasde consumo reprimidas havia muito tem-po. A tese de “ilusão monetária” é emgeral apresentada como demonstraçãode ignorância, mas em uma desinflaçãoabrupta existe sempre grande desconfi-ança sobre os juros reais implícitos nastaxas nominais praticadas, em razão daexpectativa de volta da inflação, a qualsó será informada pelos índices de pre-ços em um momento seguinte.29 Deve-selembrar ainda que a redução acentuadados juros nominais diminui muito o cus-to de oportunidade para quem assumeposições especulativas ou atende a de-mandas de consumo.

Daí resulta a virtual impossibilida-de de definir a taxa de juros adequada pa-

ra o período imediatamente posterior àqueda da inflação. Taxas avaliadas comobaixas trariam a desconfiança de que es-tariam abaixo da inflação corrente, mas,se fossem avaliadas como altas demais,poderiam aparecer como reconhecimen-to oficial de inflação em alta. No caso detaxas pós-fixadas, níveis muito elevadospoderiam gerar desconfiança sobre a ca-pacidade do indexador de refletir de fatoa inflação corrente.

O segundo bloco enfatiza o forteimpacto distributivo da súbita estabiliza-ção dos preços e a tendência de aumentoimediato do consumo.30 A renda real damaioria da população cresce de formamuito intensa com o fim do imposto in-flacionário, e a demanda reprimida pelosanos de alta inflação reforça a elevadapropensão a consumir da grande massade pessoas pobres. A memória das expe-riências passadas aconselha a “comprarlogo”, antes que os preços subam e osprodutos desapareçam, e estimula o en-dividamento, uma vez que o retorno dainflação, tido como certo, desvalorizaráas prestações e elevará os salários. A ten-dência de rápida retomada do créditoamplifica os efeitos desses fenômenos.Além da volta da possibilidade matemáti-ca de oferecer prestações prefixadas (jáque na inflação elevada os juros nominais

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29 “Na medida em que umprograma de estabilizaçãobaseado no congelamento depreços sempre corre o riscode fracassar, a taxa de inflaçãoesperada em geral mantém-seacima da taxa observada”(Bodin de Moraes, 1990,p. 41). No conhecido trabalhosobre o fim das inflações altas,Végh (1992, p. 668) defendeargumento assemelhado:“Hence, the key ingredient inexplaining a consumption boomappears to be lack of credibility andnot backward indexation”.30 Na análise do PlanoCruzado, este argumento foibastante enfatizado porCamargo e Ramos (1988).

muito altos aproximam o valor da pres-tação e o preço à vista), os grandes ban-cos procuram aumentar rapidamente asoperações de crédito para compensar aperda dos elevados ganhos permitidospela alta inflação.31

Há ainda outras explicações, en-volvendo movimentos e efeitos mais lo-calizados. Conscientes da possibilidadede um rápido deslocamento de parcelaexpressiva do grande estoque de haveresfinanceiros de alta liquidez, os detentoresde ativos reais e de risco tendem a elevarseus preços de imediato, antecipando-seao esperado aumento da demanda. Po-de-se mesmo estimular assim o interessepor esses ativos e gerar altas, numa rea-ção em cadeia (seria o caso da espetacularelevação dos preços das ações no primei-ro pregão das bolsas após o anúncio doPlano Cruzado e nas semanas seguintes).Outra explicação é de que as aplicaçõesfinanceiras indexadas funcionam comoum hedge contra a variância dos preçosrelativos em alta inflação, o qual se tor-naria desnecessário com a perspectivade estabilidade dos preços, liberando es-ses recursos para outros usos (Simonsen,1991, p. 124). A terceira é de que a infla-ção alta provoca muita incerteza quanto àrenda real e induz as pessoas a pouparmais por precaução, o que diminui muito

com a confiança na estabilidade (Bacha,1995, p. 23).

2.2_ Liquidez dos haveresfinanceiros e moeda indexada

O segundo importante problema desta-cado no debate econômico que conduziuà proposta de bloqueio da liquidez desta-cava as implicações do volume crescentede haveres financeiros que ofereciam li-quidez imediata sem perda de rendimen-tos (overnight e fundos). Seus detentoresestavam em condições de reagir commuita rapidez e contundência às políticasde estabilização de preços, alterando aqualquer momento a demanda por bense serviços e por ativos reais e de risco.Diante do quadro de restrições externas,um ponto muito sensível era que a liqui-dez dos exportadores lhes permitia esco-lher o momento adequado para liquidaro câmbio. Quando um desses momentoscoincidia com maior demanda por ativosem moeda estrangeira, o aumento dascotações soava como indicador de crisecambial, o que afetava as expectativas, in-duzia movimentos especulativos e deixa-va o BCB em dificuldades para defendera taxa de câmbio.

O ponto de partida desse debatefoi o contínuo crescimento dos haveresmonetários indexados a partir do final

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31 Para uma análise dessasquestões com destaque para operíodo posterior ao PlanoReal, ver Carvalho (2005).

dos anos 1970, à medida que se ampliavaa percepção de risco cambial e de infla-ção em alta. Os efeitos negativos das ten-tativas de manipular indexadores ou deprefixá-los (como em 1980) contribuí-ram para enrijecer a indexação. O BCBpassou a vincular informalmente a taxado overnight à correção monetária, de mo-do a reduzir o risco de prejuízos de insti-tuições financeiras que mantinham car-teiras de títulos públicos a ser financiadasdiariamente com recursos captados noovernight.32 Ampliou-se assim a discussãosobre as práticas operacionais que o BCB

empregava havia anos, em especial a ga-rantia de financiamento diário das cartei-ras de títulos em poder do mercado, acustos razoáveis, conhecida como “ze-ragem automática”.33

Dessas duas discussões resultou oconceito de moeda indexada: ativos fi-nanceiros de curtíssimo prazo, com inde-xação garantida e liquidez assegurada pe-lo BCB, reunindo os atributos de liquidezplena e de proteção confiável contra adesvalorização pela inflação.34 A necessi-dade de manter sob controle a massa demoeda indexada, “dinheiro financeiro”,e evitar seu brusco redirecionamento pa-ra outros mercados passou a ser vista co-mo enorme constrangimento à ação doBCB. O temor de “fuga” dos aplicadoresem ativos financeiros (ou seja, sua trans-formação em moeda e em gasto) imobili-zava a política monetária e cambial e re-forçava o receio de romper a indexaçãodos haveres financeiros e dos contratos.Para impedir a “fuga”, restaria ao BCBoferecer juros reais significativos aos apli-cadores e evitar oscilações dos juros no-minais e reais para não estimular movi-mentos especulativos. O resultado era aimobilização da política monetária, vol-tada para estabilizar os juros reais deacordo com as expectativas dos merca-dos sobre a inflação.

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32 Entre 1982 e 1984, o BCBpassou a balizar os jurosnominais do overnight pelaexpectativa da correçãomonetária no próprio mês (acorreção do valor dasObrigações Reajustáveis doTesouro Nacional – ORTN)mais um juro mensal deaproximadamente 1,5%. Comoa variação das ORTN haviasido informalmente indexada aoIGP-DI, da FGV, e este só eraconhecido por volta do dia 10do mês seguinte, eventuais“erros” na taxa do overnight eramcompensados no mês seguinte,de forma a igualar over ecorreção das ORTN acumuladanos três meses anteriores.

33 A “zeragem automática”consiste na prática do BCB devender ao mercado um volumede títulos superior à médiadiária de financiamentodisponível, comprometendo-sea recomprar diariamente ostítulos que excedam os recursoscaptados pelos bancos, deforma a evitar prejuízos. Para adiscussão dos efeitos eimplicações, ver Pastore (1991)e Carvalho (1993).34 Sobre a indexação, oconceito de moeda indexada esuas implicações, verMendonça de Barros (1993),Silva (1979), Tavares (1983),Zini Jr. (1993), Pastore (1991),Minella (1995).

Para garantir a estabilidade dos ju-ros, o BCB tinha de atuar por meio dastaxas dos títulos públicos federais, e nãoapenas graças à sua grande participaçãono total de haveres financeiros. A eleva-da liquidez dos agentes econômicos eraacompanhada por reduzida demanda decrédito,35 o que reduzia a eficácia de ou-tros instrumentos de política monetária,como os empréstimos de liquidez e osdepósitos compulsórios.36 A política dejuros altos era paga no essencial pelo Te-souro, e esse ônus era percebido comoindicador seguro de que o BCB recuariaem algum momento, para não agravaras dificuldades fiscais de forma insupor-tável. Ao mesmo tempo, na administra-ção dos juros, o BCB era levado a indexaras taxas diárias do overnight às expecta-tivas de inflação, buscando definir pata-mares previsíveis e relativamente cons-tantes para os juros reais. Também osmovimentos no mercado de câmbio seorientavam por uma comparação perma-nente entre a desvalorização diária damoeda no câmbio oficial e os juros pagosno overnight pelo BCB.

A resposta do BCB ao longo dosegundo semestre de 1989 foi admitir aindexação dos juros do overnight às expec-tativas de inflação corrente, e não mais àinflação passada, expressa nos índices de

preços divulgados no final de cada mês.O overnight passou a confirmar a expecta-tiva de elevação contínua dos níveis infla-cionários, o que foi entendido como sinalde colapso do sistema de indexação.37

Esse virtual colapso não tornavamais fácil eliminar a indexação. A liçãodos choques não era animadora. A cadatentativa de suprimir as regras de inde-xação de um golpe, seguia-se nova restau-ração, com instrumentos cada vez maisamplos. No caso de novo plano de esta-bilização, os problemas iriam repetir-se.Havendo um choque, seria muito difícildefender juros prefixados, por mais altosque fossem. Um programa de naturezagradualista deveria prefixar os juros se-gundo um índice qualquer, já que a inde-xação a posteriori pela inflação correntepoderia desmoralizar as metas fixadas. Sea prefixação desagradasse os aplicadores,poderia ser inviabilizada pela “fuga” emmassa, com pressões sobre os preços. Aalternativa de suprimir as regras de inde-xação e fixar uma meta de expansão mo-netária rígida era vista como muito arris-cada. Temia-se a instabilidade das taxasde juros, o risco de crise bancária e, maisuma vez, a possibilidade de saque emmassa de recursos do sistema financei-ro. Reforçava-se assim a idéia de que, pa-ra estabilizar os preços e desindexar a

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35 Sobre a redução dademanda por crédito naprimeira metade da década de1980, ver Almeida (1987).36 Argumenta-se aqui que,diante da menor dependênciadas empresas em relação aocrédito bancário, medidastendentes a limitar acapacidade de empréstimo dosbancos teriam efeitos bastantereduzidos em termos deelevação das taxas de juros, oque restringia de formasignificativa o alcance dasmedidas de política monetária.37 “A aceleração da inflaçãode um mês para o outro foi detal ordem que o conceito dejuro real nas operações de openvirou uma abstração. Anecessidade de colocar astaxas diárias do open em linhanão mais com a inflação domês anterior, mas, sim, com ainflação ou expectativa deinflação corrente,praticamente destruiu aoperacionalidade do sistema.O cupom dos títulosindexados ao over passou de200% ao ano, na tentativa deacomodar uma inflação que seacelerava a uma taxa de 15%ao mês” (Mendonça deBarros, 1993, p. 18).

economia, era indispensável bloquear, ouao menos reduzir, a liquidez das aplica-ções financeiras.

Anos depois, um dos autores doPlano Real escreveu que, com o sucessodo programa e rápida elevação da de-manda por moeda, “verificou-se que oproblema da ‘liquidez excessiva’ era ine-xistente” (Bacha, 1995, p. 19). É uma for-ma equivocada de expor o problema. Adiscussão da época destacava não um“excesso” de moeda ou de quase-moeda,mas, sim, a possibilidade de seus deten-tores transformá-la em gasto ou em de-manda por ativos dolarizados a qualquermomento. Na página anterior, o próprioBacha (1995, p. 19) afirma que só teria si-do possível evitar um “seqüestro de ati-vos financeiros” no Plano Real graças aoelevado volume de reservas externas, “su-ficiente para prover a nova moeda deuma forte linha de defesa”. Faltou acres-centar apenas que as reservas e os fluxosde capitais abundantes permitiram aco-modar a alta vigorosa das importações edesestimularam movimentos especulati-vos no câmbio.

2.3_ Crescimento da dívida internamobiliária em condiçõesde financiamento precárias

O terceiro problema destacado no deba-te era o tamanho da dívida pública mobi-liária e suas precárias condições de finan-

ciamento. Como não havia compradoresvoluntários por prazo superior a alguns di-as, os papéis eram vendidos pelo BCB aosbancos, que os financiavam com a revendados títulos ao público em operações over-night, com direito do tomador de resgateem dinheiro garantido por acordos de re-compra firmados legalmente pela institui-ção financeira que acolhia a aplicação.

No debate sobre a dívida mobiliá-ria, dois blocos de opiniões eram identifi-cados. O primeiro sustentava que não eramuito grande a dívida pública interna lí-quida, em torno de 21% do PIB entre1986 e 1989,38 e o risco de descontroleexistia apenas pelo receio de uma mora-tória, o que poderia levar à fuga dos apli-cadores e ao encarecimento da rolagemdos papéis. Se o novo governo asseguras-se com firmeza o pagamento dos títulose adotasse medidas de austeridade fiscal,o endividamento interno poderia ser equa-cionado sem medidas especiais (Gui-marães, 1989; Werlang, 1989; Marques eWerlang, 1989).

O segundo bloco era pessimista edestacava três problemas sérios, com di-ferentes ênfases: o tamanho elevado emrelação ao total de haveres financeiros; asprecárias condições de financiamento; eo encurtamento dos prazos, com a rola-gem diária de quase todo o estoque ga-rantida pelo apoio do BCB às instituições

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38 A dívida líquida do setorpúblico declinou de 55,8% doPIB em 1984 para 40,2% em1989, enquanto a dívidainterna líquida oscilou entre22,4% e 19,3% nesse mesmoperíodo (Banco Central doBrasil, 1999, p. 11).

financeiras que carregavam os títulos(Mendonça de Barros e Goldenstein, 1989;Bodin de Moraes, 1989; Ogasavara, 1989).A dívida era o lastro da moeda indexada:

Este é o problema central da dívida mobi-liária: ela confere liquidez isoladamentepara cada agente da economia. A dívidaserve, assim, de mecanismo de propagaçãoinflacionária, pois dá os meios econômicos(poder liberatório) para que as expectati-vas inflacionárias sejam transferidas aospreços e respaldadas pelo mercado. Deixatambém aberta a possibilidade de fugapara ativos reais. Por estas razões, estadívida flutuante inviabiliza a sustentaçãodos programas de estabilização ao tornaro financiamento cronicamente instável, de-pendente do estado das expectativas decurto prazo (Zini Jr., 1989, p. 42-43).

Dentro desse bloco, só Zini Jr.apresentava de público uma proposta deconsolidação e alongamento compulsóriodo prazo de vencimento da dívida interna:

Fundar uma dívida significa estender osprazos de um endividamento flutuante decurto prazo, tornando-o de longo ou longuís-simo prazo, dando em troca maiores garan-tias de pagamento. O objetivo básico da me-dida é desafogar as finanças públicas, evitan-do o repúdio da dívida (Zini Jr., 1989, p. 54).39

A consolidação implicaria bloqueiodas aplicações financeiras com lastro em

títulos públicos, e a forte contração da li-quidez seria atenuada pela liberação de10% dos recursos retidos e pela forma-ção de um mercado secundário de títulosda dívida fundada.

3_ A gênese da opçãopelo bloqueio da liquidez

Não existe uma versão oficial dos objeti-vos do bloqueio da liquidez, da estratégiaque o orientava e do diagnóstico de queteriam partido seus formuladores. Os do-cumentos e as declarações disponíveissão muito sucintos, e não há registros dasdiscussões prévias da equipe que elabo-rou e implementou o plano. A falta deum documento oficial fundamentando obloqueio pode ser atribuída às circuns-tâncias em que foi elaborado, mas a ine-xistência de uma matriz teórica única tam-bém deve ter pesado nesse sentido. Odebate público sobre as questões que obloqueio da liquidez pretendia enfrentar,analisado na seção anterior, oferece umquadro suficiente para situar os vínculosentre as medidas adotadas e as diversascorrentes de opinião naquele momento.Resta esclarecer o processo concreto dapassagem dessas idéias para a propostaespecífica de bloqueio, anunciada ao paísem 16 de março de 1990.

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As origens e a gênese do Plano Collor120

39 Anos depois, Zini Jr. (1993,p. 300) enfatizou quecomparar o total da dívidacom o PIB era enganoso,porque “a comparaçãorelevante é entre dívida ecapacidade de pagamento.A razão entre a dívida federale a receita tributárianão-vinculada (isto é, menos astransferências e vinculaçõesconstitucionais) é 3; maiorque na Itália e na Holanda,dois dos países europeusmais endividados”.

A versão aqui defendida resultouda análise das seguintes fontes:

a. documentos oficiais: a Exposiçãode Motivos que apresenta a Me-dida Provisória 168;

b. declarações de Zélia e Collor noanúncio do bloqueio;

c. o livro Zélia, uma paixão, de Fer-nando Sabino (1991), “roman-ce biográfico” ou “biografia ro-manceada”, baseado em entre-vistas com Zélia;

d. entrevistas do autor (CEC) commembros da equipe de Zélia,Ibrahim Eris, Luís Eduardo Assis,José Francisco Gonçalves, em1991-1992;40 e com Luiz Gonza-ga Belluzzo e Júlio Gomes deAlmeida, em agosto de 2004;

e. declarações de Collor à revistaIstoéDinheiro e de Zélia ao jornalValor (Collor de Mello, 2003;Mello, 2005);

f. documento de Belluzzo e Almeida(1990), com uma proposta de blo-queio da liquidez que é a exposi-ção mais fidedigna e consistentedas medidas de março de 1990 ede seu embasamento teórico;

g. memórias do autor, coordenadordo Programa de Governo da can-didatura do PT à Presidência daRepública em 1989.

As informações oferecidas por es-sas fontes fundamentam a interpretaçãoaqui apresentada. Nos parágrafos seguin-tes, exceto quando mencionada outra fon-te, a referência são as entrevistas do au-tor (item d).

Collor e a equipe reunida em tor-no de Zélia Cardoso de Mello não ti-nham proposta definida para enfrentar ainflação em alta acelerada. O grupo quediscutia a política de estabilização duran-te a campanha era composto por JoséFrancisco Gonçalves, Luís Eduardo As-sis e Zélia (Sabino, 1991, p. 97). Após avitória no segundo turno, em 17 de de-zembro de 1989, foram incorporados:Antônio Kandir, Ibrahim Eris, VeniltonTadini, Luís Otávio da Motta Veiga,Eduardo Teixeira e João Maia (Sabino,1991, p. 111).

A proposta de bloqueio da liqui-dez, na forma afinal adotada, deve ter sidolevada para o grupo no final de dezem-bro, com a adesão de Antônio Kandir,economista da Unicamp, que apoiara acandidatura Lula no segundo turno. Jácom os novos integrantes, os economis-tas de Collor adotaram a proposta debloqueio por terem se convencido de queas demais alternativas eram inviáveis ouarriscadas em demasia, juízo a que teriamchegado, com base nos argumentos dodebate da época.

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40 Foram entrevistas individuais,em momentos diferentes,e não apresentaramdivergências relevantes entre si.Evidentemente, devem sertidas como declaraçõesbaseadas na memória de cadaum sobre fatos ocorridos anosantes, em meio a elevado graude tensão quanto àsimplicações das medidas queestavam sendo preparadas.

A proposta de bloqueio das apli-cações financeiras tinha sido objeto dedebate e de muitas preocupações duran-te a campanha eleitoral. Meses antes doprimeiro turno, Ulysses Guimarães, can-didato do PMDB, em posição bastantefraca nas pesquisas, mencionara a neces-sidade de “acabar com o overnight ”. O re-sultado do segundo turno reduzira o re-ceio de medidas desse tipo. Na últimasemana da campanha, Collor radicalizouos ataques a Lula e o acusou de planejar o“confisco” das cadernetas de poupança,o que foi tido como sinal de que ele pró-prio repudiava essa possibilidade. O pro-grama de governo de Collor criticava aadoção de medidas desse tipo, posiçãoreiterada em artigos assinados por ele naimprensa durante a campanha do segun-do turno. Assessores de Lula tambémpublicaram artigos com o mesmo teor.Contudo, essas declarações públicas eramvistas muitas vezes como meros recursoseleitorais, sem maior valor para se pre-ver o que fariam os candidatos se che-gassem ao governo.

No último debate pela televisãoantes do segundo turno, e na entrevistaao programa de televisão Ferreira Netono dia seguinte a esse debate, Collor ata-cou Lula violentamente e o acusou deplanejar o confisco das cadernetas e o“calote” da dívida pública (Pomar, 1990,

p. 97). É provável que, naquele momen-to, Collor ainda não tivesse discutido aproposta de bloqueio da liquidez, mas aproposta estava em análise em parte daassessoria de Lula, ou em uma das suasassessorias, aquela de que ele era maispróximo. Assim, Collor não teria menti-do ao afirmar que Lula pretendia blo-quear as cadernetas, e ele não.

Os relatos dos integrantes da equi-pe de Collor confirmam que até novem-bro o grupo trabalhara com propostasgradualistas, com prefixação de preços enegociações amplas com diferentes seto-res sociais. No início de dezembro, emmeio à campanha do segundo turno, umdos membros da equipe levantou a hipó-tese de não se fazer nada logo depois daposse, mas a proposta foi rechaçada, apretexto de que a inflação atingira níveismuito altos para permitir algo assim. Pas-sou-se então à idéia de aplicar um impos-to extraordinário sobre o estoque de ha-veres financeiros, um IOF punitivo, “ca-valar”. A idéia se manteve por alguns diase foi afastada. A alíquota teria de ser mui-to alta para impedir que a parcela restantedos haveres financeiros pudesse detonaruma onda de consumo e movimentos es-peculativos incontroláveis. Havia tambémmuitas dúvidas sobre a possibilidade de oCongresso aprovar taxação extraordiná-ria de tal magnitude.

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Na segunda metade de dezembro,cada membro do grupo, pelas própriasintuições e reflexões, convenceu-se danecessidade de bloquear a liquidez dasaplicações financeiras. Os entrevistadosforam unânimes em relatar essa versão eacrescentaram que a primeira discussãoda proposta no grupo trouxe alívio a to-dos, ao perceberem que os demais con-cordavam com uma proposta que era en-carada com muito receio.

A equipe discutiu a proposta pelaprimeira vez no final de dezembro, e noinício de janeiro apresentou um esboçoao presidente eleito (Sabino, 1991, p. 111;Collor, 2003), provavelmente no dia 6,um sábado. Collor aprovou integralmen-te a idéia. Vetou apenas a possível criaçãode grupos com políticos e representantesde setores da sociedade para negociaçãode acordos. Collor insistia que a luta con-tra a inflação fosse apresentada como umembate dramático e decisivo. Os políti-cos e os representantes da sociedade de-veriam ficar na posição de ter de vir pedirapoio a ele, e não o contrário. Alegavaque era a única forma de garantir a sus-tentação política do seu governo. Outrainterpretação possível é que a propostaagradou tanto a Collor por se encaixarmuito bem com o estilo de sua campa-nha, ao qual atribuía a vitória, com pro-messas de medidas drásticas, que deixa-

riam “a direita surpresa e a esquerda per-plexa”, capazes de derrotar a inflaçãocom um único golpe mortal de caratê, oucom a última bala disponível para o ca-çador diante do tigre.41

Em todas as fontes não há referên-cias ao estudo de experiências anterioresde bloqueio de liquidez e nem mesmo aoPlano Bonex argentino, implementadona virada do ano (Carvalho, 1999), perío-do em que a equipe se decidiu pela pro-posta. Os entrevistados negaram expli-citamente que se tenham baseado em ex-periências anteriores. A falta de mençõesao Bonex argentino é curiosa: diversasmedidas de administração do bloqueio,como as permissões para pagamentoscom a moeda retida, caso dos impostos,foram decididas às pressas nas primeirassemanas de janeiro pelo BC argentino,diante da grave crise de liquidez verifi-cada logo após o congelamento dos de-pósitos bancários. Não é crível que o no-ticiário sobre o drama argentino tenhapassado despercebido. O silêncio sobreas experiências anteriores e sobre o casoargentino não permite concluir que oselaboradores do plano ignoravam essescasos. Pode-se supor que o forte envolvi-mento com o processo em curso tenhaesmaecido a lembrança de leituras ante-riores e de eventos paralelos.

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41 Sobre a influência defatores políticos na escolha daestratégia de estabilização aser seguida, ver: BresserPereira (1991), Martins (1991),Oliveira (1992), Paiva (1991) eVianna (1991).

Pode-se assim concluir que a mon-tagem da proposta se deu tomando por ba-se a reflexão dos economistas da equipesobre o caso brasileiro, influenciada e con-dicionada pelos termos da discussão daépoca. Resta analisar o papel que teria tidoo artigo “Crise e Reforma Monetária noBrasil”, de Belluzzo e Almeida (1990).

O único texto oficial de apresenta-ção e justificação do bloqueio é a Exposi-ção de Motivos n. 58, que acompanhou aMedida Provisória 168 (Gazeta Mercantil,17/3/1990, p. 32). Há também transcri-ções de trechos do discurso do entãopresidente Fernando Collor e da entre-vista coletiva da então ministra Zélia Car-doso de Mello no anúncio do plano (Ga-zeta Mercantil, 17/3/1990, p. 2). Tanto aExposição de Motivos n. 58 quanto aspalavras de Collor e Zélia mostram coin-cidências quase literais com o texto deBelluzzo e Almeida.

Os dois autores afirmam que otexto foi escrito com propósitos acadêmi-cos, em 1988-1989, e que ignoram de queforma teria sido utilizado pela equipe deZélia. Considerando as ligações de mui-tos economistas da Unicamp com a as-sessoria econômica do PMDB na épocae com seu candidato, Ulysses Guimarães,é muito provável que o documento tenhasido discutido pela equipe de Ulysses.

Quando a sua candidatura se esvaziou,na reta final do primeiro turno, a propos-ta de bloqueio da liquidez foi levada à as-sessoria econômica do candidato do PT,Luís Inácio Lula da Silva, pelo economis-ta Antônio Kandir. A proposta foi rece-bida com muita reserva em reunião deeconomistas no Comitê de Lula, apre-sentada por Aloizio Mercadante, asses-sor econômico de Lula. A proposta pas-sou então a ser discutida em um grupomenor, organizado por Aloizio e outrosdirigentes do PT, em paralelo à equipe queelaborava o plano de governo. Depois dosegundo turno, de volta de viagem ao ex-terior, Kandir foi incorporado à equipe deCollor e Zélia, quando a proposta teria si-do apresentada ao grupo que discutia asmedidas de combate à inflação.

Publicado em 1990, o trabalho deBelluzzo e Almeida explica adequada-mente as medidas iniciais do Plano Col-lor e as opções adotadas em seguida pelaequipe econômica do novo governo. Hácoincidências literais entre a Exposiçãode Motivos n. 58, as declarações de Col-lor e Zélia no anúncio do bloqueio e otexto de Belluzzo e Almeida (1990). Po-de-se considerá-lo como parte integranteda elaboração do Plano Collor e como amelhor exposição de seus objetivos e dodiagnóstico que o orientava.

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“A reforma monetária tem o objetivode recuperar o controle do Estado sobre a moedanacional ”, começa a Exposição de Moti-vos n. 58. Após deplorar os efeitos nefas-tos da inflação, afirma que

a instituição da correção monetária doscontratos foi a forma encontrada pela soci-edade para reduzir os efeitos perturbado-res da instabilidade monetária,

mas à custa do enfraquecimento “do desejoda sociedade de combater as causas reais da des-valorização da moeda”.

E prossegue:

No Brasil, a adaptação do corpo social àprática da indexação chegou ao absurdo[...] da criação da moeda indexada, queconcentra os atributos da liquidez e daatualização do seu valor em relação à moe-da de curso legal. Isso determina o fracio-namento da unidade da moeda; [...] amoeda da riqueza inativa separa-se damoeda que paga o trabalho e remunera aprodução e o investimento. [...] Neste re-gime, em que convivem duas moedas, a po-lítica monetária torna-se inoperante, pri-sioneira da polarização das preferênciasdos agentes na moeda indexada. As ten-tativas de controle da liquidez na moedafraca, em acelerada desvalorização, deter-minam a emissão de direitos na moedaprotegida, através do manejo das taxas dejuros. Paradoxalmente, os esforços de con-tenção da liquidez culminam em sua ex-pansão [...] e cresce a desproporção entre a

massa de moeda indexada, ou quase moe-da, a capacidade de resposta da produção ea dimensão dos mercados.

A EM 58 explica então que as me-didas são “uma defesa dos patrimônios edos rendimentos do trabalho contra osmovimentos especulativos” e não implica-rão “qualquer cancelamento dos direitosexistentes”, propondo

apenas o ordenamento do seu exercício, semprejuízo de remuneração adequada, de ma-neira a conciliá-los com a capacidade deprodução de bens e o funcionamento normaldos mercados financeiros e de capitais.

No discurso em que apresentou oplano de estabilização, na reunião minis-terial de 16/3/1990, Collor assim justifi-cou as medidas monetárias:

A violência da inflação e a quase destrui-ção do sistema de preços já ameaçavamo funcionamento da economia [...] Parasustentar de forma duradoura a estabili-dade de preços, impõe-se uma reforma mo-netária austera, capaz de devolver ao Esta-do o controle sobre a moeda. [...] não devese traduzir apenas na mudança de deno-minação do padrão de referência de preçose contratos, mas deve atingir profunda-mente as formas de acesso à liquidez e osprocessos de criação do poder de compra.[...] As medidas [...] buscam, sobretudo,preservar os direitos adquiridos pelos cida-dãos. [...] tomamos a iniciativa de promo-

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ver um reordenamento do exercício dessesdireitos, através de um processo de conver-são de cruzados novos para cruzeiros (Ga-

zeta Mercantil, 1990, p. 2).

A ministra Zélia Cardoso de Mel-lo, em encontro com editores de meiosde comunicação no Palácio do Planalto,também em 16/3/1990, depois de co-mentar as medidas na área de finançaspúblicas, enfatizou:

Mas de que valeria todo este ajuste fiscalse fôssemos continuar com as atuais carac-terísticas da moeda? [...] A existência demoeda e títulos na economia brasileira, es-tes últimos com características de qua-se-moeda, acaba impedindo a execução deuma política monetária eficaz, como mos-traram os planos de estabilização mais re-centes (Gazeta Mercantil, 1990, p. 2).

Destacam-se alguns pontos co-muns na Exposição de Motivos n. 58 enas declarações. O primeiro é a identifi-cação do fracionamento da moeda comoum grave problema, o maior obstáculopara a recuperação do controle monetá-rio. Na sua origem estaria a indexação,responsável pelo desenvolvimento damoeda remunerada, a moeda “da riquezainativa”, enquanto a moeda tradicional“paga o trabalho e remunera a produçãoe o investimento”. Desse fracionamentoteria resultado a paralisia da política mo-

netária e o paradoxo de os juros altos te-rem se tornado inúteis ou nocivos, poraumentarem o estoque de quase-moeda.

O segundo ponto comum é a ne-gativa enfática de que as medidas repre-sentassem cancelamento de direitos. Pormeio do diferimento temporal do acessoà liquidez, buscava-se “apenas o ordena-mento de seu exercício”, de forma a con-ciliá-los “com a capacidade de produçãode bens e o funcionamento normal dosmercados”. O terceiro é a afirmação dainutilidade de medidas fiscais sem as pro-vidências para recuperar a eficácia da po-lítica monetária. Enfatiza-se que as medi-das fiscais aplicadas sobre o estoque deativos financeiros destinavam-se a acen-tuar o caráter distributivo do programa,afirmação implícita de que o elementodistributivo maior era a própria reformamonetária que conduziria à estabiliza-ção dos preços.

Esses elementos aparecem de for-ma elaborada em Belluzzo e Almeida(1990). A proposta de bloqueio da liqui-dez é defendida pela necessidade de oEstado readquirir a condição de “gestorda moeda” e a capacidade de “regular oscritérios de avaliação de riqueza dos cen-tros privados de decisão”. Na análise dagrave crise em curso, defendem que oproblema maior não era a fragilidade fis-

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cal do setor público, mas, sim, a impossi-bilidade de recuperar o controle da moe-da. A origem dos problemas estaria nosefeitos da crise do início da década e daspolíticas de ajustamento do setor exter-no, às quais “subordinou-se a gestão mo-netária nesse período”. Reconhecem quehavia desequilíbrios estritamente fiscais,mas reiteram que,

nesta etapa, o desafio privado ao gestor damoeda se sobrepõe às crises fiscal e de fi-nanciamento, acentuando-as [...] Os al-tos custos financeiros e o estreitamentoprogressivo dos prazos da dívida públicaagravaram [...] o desequilíbrio das contasfiscais [...], mas devemos frisar que estafoi uma decorrência da crise monetária,[...], da imobilização crescente imposta aogestor da moeda. [...] Isto explica emgrande medida os sucessivos fracassos dastentativas isoladas de ajuste e de reformasnos campos tributário, do gasto público edas condições de financiamento do setorpúblico (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 65-66).

Analisando as opções disponíveis,apontam que a crise impõe

limites progressivos à gestão monetária,em um quadro de crescente instabilidade.A ameaça de hiperinflação torna-se cadavez mais presente diante do precário siste-ma de avaliações que as quase-moedas e afalsa unidade monetária buscam preser-var. No plano macroeconômico estas trans-

formações são responsáveis pelo apareci-mento de obstáculos quase intransponíveisà aplicação de políticas convencionais deestabilização (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 67).

E prosseguem:

Se a gestão monetária tentar resistir aoajuste da taxa de juros, um deslocamentoainda que marginal das quase-moedaspara os mercados de risco [...] somente po-derá ser absorvido por um aumento das co-tações. [...] A percepção de que a reaçãodos preços spot venha a ser muito forte, desorte a contaminar outros preços e valores(caso dos bens estocáveis, como matéri-as-primas e bens duráveis, imóveis e atéterras), pode detonar uma corrida para aformação de posições em ativos reais ebens, levando à destruição das quase-moe-das. Isto equivaleria a uma ruptura defi-nitiva do padrão monetário, já que nemmesmo as quase-moedas seriam capazesde preservar a confiança dos agentes. [...](Belluzzo e Almeida, 1990, p. 71-72).

Fundamentada a necessidade de“medidas radicais”, os dois autores iden-tificam a formação naquele momento de

dois conjuntos de opiniões extremas: deum lado, os que advogam uma profundareforma do Estado; de outro, o dos quenão vêem outra saída senão o ‘calote’ dadívida interna (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 72).

Ao descartar a primeira proposta, reco-nhecem que a rápida recuperação fiscal

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do Estado poderia em tese resultar deum capital levy sobre as grandes riquezasfinanceiras e o patrimônio líquido dasgrandes empresas, só que isso não seriapossível naquele momento,

devido à ação dos grupos de pressão e do po-der hoje tão cristalizado dos detentores de ri-queza. Por outro lado, no tempo que media-rá entre o anúncio da reforma e sua execu-ção, a situação [...] poderá se agravar de talforma que a hiperinflação seria inevitável.

E atribuem ao capital levy objetivos preci-sos e distintos:

É crucial que seja promovida uma refor-ma fiscal, apoiada particularmente no ca-pital levy explicitamente destinado a fi-nanciar um programa social para o país.A reforma monetária coloca-se em umaoutra dimensão e sob um objetivo que difi-cilmente a reforma fiscal seria capaz deatingir: a restauração definitiva da unida-de da moeda (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 73).

Expondo os objetivos da reformamonetária, recusam a hipótese de “calo-te” puro e simples, na forma de confiscoou conversão forçada e indistinta com al-gum redutor (citando o exemplo da Ale-manha de 1948) ou de hiperinflação in-duzida pela retirada do lastro em títulospúblicos da moeda indexada. Nos doiscasos, os detentores da riqueza financeiraseriam tratados por igual,

pequenos e grandes poupadores, especulado-res e fundos de poupança, bancos e empresas,que em outra situação poderiam deslocar re-cursos para financiamento, investimento eampliação da produção,

mas com a tendência de serem punidos“os menos ágeis em rever posições e os que detêmlimitado poder de efetuar operações ilegais ”(Belluzzo e Almeida, 1990, p. 73).

Ao apresentar as medidas propos-tas (Quadro 2), destacam que a reformadeve concentrar-se nos seus objetivosmonetários, sem alterar o sistema de in-dexação nem as regras do sistema finan-ceiro, e não deve incluir em si mesmauma reforma fiscal.

Tratando das condições necessári-as à implementação exitosa da reformaproposta, destacam:

A questão imediata a enfrentar é a doacesso à nova moeda, enquanto não se re-compõem as expectativas de longo prazo ese reorganizam os mercados financeiros.É tamanho o desequilíbrio presente nacomposição da riqueza social que não bas-tará estancar a reprodução da riqueza fi-nanceira. [...] Haverá um meio-tempo deintensa especulação e apostas na mudançade política econômica. Esta deverá man-ter-se ativa porque o reequilíbrio dos esto-ques exigirá um controle estrito dos flu-xos (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 74-75).

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Quadro 2 – A Proposta de Reforma Monetária de Belluzzo e Almeida (1990)

I – Cria a nova moeda.

II – Fixa as regras de conversão dos saldos existentes nesta data(1) à nova moeda:

1. Meio circulante: ao par, imediatamente.

2. Depósitos (à vista, remunerados e a prazo), open,fundos de curto prazo e demais aplicações – Pessoas jurídicas:a) ao par, contra apresentação da folha de pagamento;b) ao par, contra recolhimento de ICMS para compra de mercadorias;c) ao par, contra recolhimento do capital levy;d)ao par, contra aquisição de Títulos de Desenvolvimento Econômico

(TDE – prazo de 5 anos, correção pelo IPC e juros de 8% a.a.);e) ao par, contra aprovação de programas de investimento por órgão competente

(BNDES, CEF, BB, Finep);f) ao par, contra inversões no Programa de Privatizações do Governo;g) ao par, contra aquisição de ações novas de empresas

com projetos aprovados nas condições do item “e”;h) ao par, contra crédito novo à atividade produtiva (no caso de carteira

própria de bancos e instituições financeiras), respeitados os limites de expansãodo crédito pela Comissão de Política Monetária;

i) os haveres em cruzados novos serão corrigidos monetariamentepelo IPC até o momento da conversão à nova moeda;

j) os direitos de conversão são inegociáveis e intransferíveis;k) os direitos de conversão se extinguem em 31/12/94.

3. Depósitos (à vista, remunerados, a prazo, de poupança),open, fundos de curto prazo e outros – Pessoas físicas:a) ao par, imediatamente para os saldos de valor atual(1) até NCz$ 300 mil;b) acima deste valor:

– ao par, contra retirada mensal de valor atual de até NCz$ 100 mil;– ao par, contra aquisição de imóvel sob condições a serem definidas;– ao par, nas condições “c”, “d”, “f” e “g” do item 2;– o saldo definido em “a” não-utilizado pelo prazo de doze meses renderá

o equivalente a uma caderneta de poupança especial com juros de 12% a.a.;– valem as condições “i”, “j” e “k” do item 2.

Fonte: Belluzzo e Almeida, 1990, p. 74.

(1) Não há indicação de qual a data a que se referem os autores; com o ritmo de inflação da época, torna-se impossívelidentificar o valor real desejado.

Por fim, apontam o setor exter-no como

o calcanhar-de-aquiles da reforma, que te-ria uma chance de êxito quase integral separtisse de uma situação mais folgadaquanto a reservas cambiais e se fosse viá-vel regular suas variações com os instru-mentos convencionais ou mediante o crédi-to internacional. [...] O pior dos mundosserá tentar exercer controle sobre as expec-tativas cambiais através de desvaloriza-ções do câmbio. [...] O único fator de efeti-va estabilização nesta matéria consistiriano apoio externo ao programa [...] masisto só poderá ser negociado após a sua im-plementação (Belluzzo e Almeida, 1990, p. 75).

4_ Considerações finaisO bloqueio da liquidez dos ativos finan-ceiros na posse do presidente FernandoCollor de Mello, em março de 1990, re-presentou um desdobramento do amplodebate sobre as dificuldades e os impassesdas políticas de estabilização dos anos an-teriores, às voltas com a persistência dainflação elevada, no quadro de fortes res-trições externas e de fragilidade fiscal e fi-nanceira do setor público, o quadro típi-co da década de 1980 na América Latina.

O plano tinha fortes raízes na re-flexão brasileira e na experiência de políti-ca econômica da época. A forma de blo-

queio da liquidez é semelhante a medidasadotadas em dezenas de eventos anterio-res no século XX, em diferentes regiões.As formas comuns, porém, resultam deobjetivos muito diversos e enfrentavamproblemas igualmente díspares. Assim, asraízes e as motivações do Plano Collor de-vem ser buscadas nas circunstâncias e nasdiscussões brasileiras de então.

A opção da equipe de Collor e Zé-lia pelo bloqueio se deu em meio ao qua-dro de ameaça de hiperinflação, em con-dições de sigilo, e foi discutida por umgrupo de pessoas muito reduzido. A op-ção foi muito condicionada pela descren-ça na possibilidade de êxito das demaisalternativas em análise ou implementa-das nos anos anteriores. O reconheci-mento dessas raízes profundas não auto-riza conclusões de que o bloqueio fosseinevitável ou de que tenha sido a opçãomais adequada. Esta é outra discussão,bem mais difícil e complexa, mas deveconsiderar que o plano não foi uma inici-ativa desvairada surgida do vazio ou dovoluntarismo político, embora esse possater tido papel decisivo na opção assumi-da. A análise do desfecho do plano, coma volta da inflação elevada poucos mesesdepois, não deve ser feita sem consideraro contexto da época e a natureza da refle-xão que a ele conduziu (para esta análise,ver Carvalho, 1996 e 2003).

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A proposta foi discutida pela as-sessoria de outros candidatos, em especi-al a assessoria do candidato do PT, LuísInácio Lula da Silva. Tratava-se assim deproposta gerada no debate acadêmico eque atraía os assessores de candidaturascom perfis políticos e ideológicos distin-tos. É correto afirmar que a proposta po-deria ter sido adotada se o eleito fosseoutro e poderia assim estar vinculada aprogramas econômicos diferentes daque-le que Collor implementou.

Anunciado em suas linhas geraisjunto com o bloqueio, no dia seguinte àposse do novo presidente, esse programaeconômico geral foi ofuscado pelas me-didas drásticas de retenção dos haveresfinanceiros. A expressão Plano Collor pas-sou a referir-se apenas ao bloqueio, em-bora as demais medidas econômicas te-nham influenciado muito mais profun-damente o futuro do País.

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As origens e a gênese do Plano Collor134

O artigo é uma versão ampliadado capítulo 1 da minha tese dedoutoramento no Instituto deEconomia da UniversidadeEstadual de Campinas(Carvalho, 1996). Aconceituação de bloqueio daliquidez e a análise dos casosanteriores deve muito a ValdirRamalho. Agradeço as críticas esugestões de Adalton FranciozoDiniz e de John Schulz. Aversão final é de minharesponsabilidade.

E-mail de contato do autor:

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