eBook Brizola Cabral Collor Dilma

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Cenário políticorecente

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  • ReitorPe. Josaf Carlos de Siqueira SJ

    Vice-ReitorPe. Francisco Ivern Sim SJ

    Vice-Reitor para Assuntos AcadmicosProf. Jos Ricardo Bergmann

    Vice-Reitor para Assuntos AdministrativosProf. Luiz Carlos Scavarda do Carmo

    Vice-Reitor para Assuntos ComunitriosProf. Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio

    Vice-Reitor para Assuntos de DesenvolvimentoProf. Sergio Bruni

    DecanosProf. Paulo Fernando Carneiro de Andrade (CTCH)Prof. Luiz Roberto A. Cunha (CCS)Prof. Luiz Alencar Reis da Silva Mello (CTC)Prof. Hilton Augusto Koch (CCBM)

  • Alkmim, Antonio C.

    De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma: a geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010 [recurso eletrnico] / Antonio C. Alkmim. Rio de Janeiro : Ed. PUC-Rio , 2014.

    232 p. : il. (color.) ; 29 cm

    Inclui bibliografia.ISBN (ebook): 978-85-8006-140-6 1. Eleies Rio de Janeiro (Estado) Histria 1982-2010. 2. Voto

    - Rio de Janeiro (Estado) Histria - 1982-2010. I. Ttulo. II. Ttulo: De Collor a Dilma

    CDD: 324.98153

    Editora PUC-RioRua Marqus de S. Vicente, 225Projeto Comunicar Casa Editora/AgnciaGvea Rio de Janeiro RJ CEP 22453-900Telefax: (21) 3527-1760/1838www.puc-rio.br/[email protected]

    Conselho EditorialAugusto SampaioCesar Romero JacobFernando SHilton Augusto KochJos Ricardo BergmannLuiz Alencar Reis da Silva MelloLuiz Roberto CunhaMiguel PereiraPaulo Fernando Carneiro de Andrade

    Projeto GrficoJoo Luiz Freire

    Este livro no pode ser comercializado.

  • Quem conhece a si mesmo e conhece o adversrio pode garantir a vitria.

    Quem conhece o tempo e o territrio alcanar de modo absoluto.

    Sun Tzu

  • Sumrio

    I. Apresentao .....................................................................................7

    II. Introduo .......................................................................................11

    III. Especificao dos indicadores eleitorais .....................................19

    IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro .............................25

    V. A populao e a evoluo do eleitorado .....................................39

    VI. Abstenes e votos brancos e nulos para presidente e governador no Estado do Rio de Janeiro ...........................................................45 VII A importncia das eleies para presidente e governador ...............................................................55

    VIII. As eleies para governador no Rio de Janeiro ..........................57

    IX. As eleies para presidente no Rio de Janeiro ............................69

    X. Consideraes finais .......................................................................84

    XI. Mapas das eleies para governador no Estado do Rio de Janeiro (1986-2010) ...........................................89

    XII. Mapas das eleies para presidente no Estado do Rio de Janeiro (1989-2002) .........................................160

    XIII. ndice de mapas individuais de candidatos ..............................221

    XIV. Bibliografia .....................................................................................224

    XV. Anexo .............................................................................................228

  • 7I. Apresentao

    H alguns anos desejava escrever este livro. Mais do que uma obses-so, tratava-se de uma necessidade. No pela genialidade a ser empre-gada no texto ou no seu estilo, mas pela especificidade das informaes. Trata-se de apresentar um lado da histria recente da fase democrtica brasileira referente s eleies para presidente e governador realizadas no Estado e na capital do Rio de Janeiro.

    O perodo em questo situa-se entre 1982 e 2010, quando foram rea-lizadas oito eleies para o cargo de governador do Estado (sendo trs delas com segundo turno) e seis eleies presidenciais (tambm trs com segundo turno).

    Compor este estudo resultou em um trabalho indito sobre a his-tria eleitoral fluminense. Da o valor desta contribuio, que a meu ver reside em dois aspectos. Primeiro, as informaes provenientes dos resultados eleitorais oficiais foram apenas mais recentemente sistema-tizadas pelos Tribunais Eleitorais na sua forma digital, mesmo assim necessitando de habilidades especficas para sua captura, tratamento e sistematizao, a fim de tornar o dado bruto sinttico e inteligvel para o pblico. Informaes entre 1982 e 1989 (estas especialmente para a capital do Rio de Janeiro) exigiram um esforo de pesquisa direta s fontes secundrias de informao disponibilizadas em publicaes di-versas. Algumas eleies, especialmente as de 1989 para presidente da Repblica, referentes s zonas eleitorais da cidade do Rio de Janeiro, exigiram um esforo quase arqueolgico para a captura de seus resul-tados.

    O segundo aspecto a ser mencionado deve-se utilizao das ma-lhas geogrficas eleitorais dos municpios do Estado do Rio de Janeiro e das zonas eleitorais cariocas. Partimos de 64 municpios no Estado e 26 zonas eleitorais da capital, em 1982, para atingir 92 municpios e 96 zonas eleitorais em 2010. A utilizao tcnica do geoprocessamento foi um componente essencial para este trabalho, dando-lhe a inteligibili-dade adequada, permitindo mais facilmente a compreenso e a anlise da distribuio espacial do voto nestes 28 anos por meio dos mapas construdos.

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    Apesar da complexidade tcnica, optei por uma anlise a mais sim-plificada possvel, permanecendo praticamente no procedimento des-critivo, abrindo mo de outras possibilidades tericas e metodolgicas para o tratamento do rico material emprico aqui disponibilizado por meio dos mapas digitais.

    O livro est dividido em 15 partes: as duas primeiras compem-se da presente apresentao e introduo. Na introduo forneo uma re-sumida digresso sobre o contedo social das eleies, sua relao com os sistemas polticos e eleitorais, assim como seus correlatos, com o in-tuito de posicionar preliminarmente o leitor diante desta vasta discus-so em curso. Trata-se de uma discusso terica inicial, porm sucinta.

    A terceira parte traz o plano dos indicadores eleitorais utilizados. Os indicadores eleitorais so indicadores sociais e mantm com estes uma relao conceitual e emprica. Assim, para uma melhor compreen-so do voto, alm do formato institucional, h que se incorporar uma avaliao de indicadores demogrficos, sociais, econmicos e culturais. H tambm uma breve discusso sobre essa relao, embora no esteja a o objetivo central do estudo.

    A quarta parte traz uma discusso sobre a especificidade social e poltica do Rio de Janeiro, pois adianto a defesa da hiptese do vnculo entre o voto e a estrutura econmica e social.

    Partimos da caracterizao da regio metropolitana e da capital do Estado, que apresentam fortes conotaes de diferenciao estrutural, recorrentemente relatadas pela literatura e pelas estatsticas dispon-veis, em suas mais diversas modalidades. A imagem de cidade partida, construda a partir do livro de mesmo nome do jornalista Zuenir Ven-tura (1994), singela em sua dupla partio perante a mais extremada e complexa segmentao do Estado, especialmente de sua rea urbana, sendo a segunda unidade da federao mais urbanizada, prxima aos 100%, superada apenas pelo Distrito Federal.

    A quinta parte contm o tratamento emprico dos dados e dos indicadores derivados do plano dos indicadores eleitorais, formu-lando um quadro da relao entre eleitorado e populao. A sexta sobre a decomposio da participao eleitoral (absteno, votos nulos e brancos).

  • I. Apresentao

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    A stima parte do livro faz uma anlise sobre a centralidade das eleies majoritrias no sistema poltico brasileiro, especialmente as eleies de presidente e governador, desdobrando essa anlise nos ca-ptulos oitavo e nono: um dedicado s eleies para governador no Es-tado e a outra s eleies presidenciais a ocorridas, procurando identi-ficar padres referentes s dimenses de tempo e de espao.

    Feito isto, o captulo dcimo traz as principais concluses e conside-raes finais sobre o conjunto do trabalho realizado.

    Temos ainda, em anexo, dois quadros referentes s abstenes e vo-tos nulos anexos, acompanhados de quatro mapas ilustrativos sobre a composio dos municpios fluminenses e das zonas eleitorais da capi-tal em 1982 e 2010.

    Finalmente, mas importantes porque inditos, o sumrio dos mapas individuais dos candidatos aos cargos de governador e presidente nes-se perodo, seguido por um ndice dos mapas individuais dos candida-tos e pela bibliografia.

    Talvez este seja o nico ou um dos poucos livros em que o autor tem a audcia ou modstia ao afirmar que os mapas apresentados ao final so to ou mais importantes do que o prprio livro, pois trata-se da apre-sentao de todos os indicadores eleitorais (abstenes, votos brancos e nulos, assim como a proporo de votos vlidos obtidos individualmen-te para todos os candidatos com ao menos 4%) nas 14 eleies realizadas (ou 20, considerando os segundos turnos) nestes 28 anos.

    Elaborou-se uma espcie de atlas eleitoral do Rio de Janeiro, o que efetivamente motivou o autor no intuito de preencher essa lacuna sobre a histria da poltica fluminense.

    Mas tal lacuna no est plenamente preenchida. Por uma opo terica foram priorizados os cargos de presidente e governador, pois, como veremos adiante, o Executivo exerce o papel central dentro do sistema de poder da federao brasileira.

    Embora possua tambm inditas informaes sobre as disputas de prefeito da capital a partir de 1985, preferi no incorporar essas infor-maes neste momento, reduzindo o escopo da anlise aos dois cargos

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    executivos mais importantes da Repblica, harmonizada na escala dos municpios e das zonas eleitorais da capital.

    De forma alguma desprezo as informaes sobre o Legislativo (em especial os cargos de senador e deputado federal), mas igualmente as suprimi, ou melhor, nem as reuni, em funo do critrio terico adota-do e pela maior extenso para o levantamento emprico, o que foge capacidade de esforo do autor.

    No posso deixar de registrar algumas importantes colaboraes. Inicial-mente, ao professor Marcus Figueiredo, que iniciou um laboratrio sobre eleies no Rio de Janeiro no Iuperj, atual IESP, e depois, tornou-se um va-lioso orientador de minha tese de doutorado defendida em 1997, em que utilizei parte deste material para os anos de 1982 at 1994 (Alkmim: 1997).

    Tornei-me, desde o incio do processo, pelos idos dos anos 1990, um colecionador de figurinhas eleitorais, em parceria com outros co-legas, entre eles os amigos Nelson Rojas de Carvalho e Reynaldo Cam-pos, estes, desde o primeiro momento. Com eles foi possvel obter as figurinhas mais difceis, especialmente a da referida eleio de 1989, sem a qual o lbum no estaria completo.

    Outra dificuldade foi formar um mapa digital para as 26 e, posterior-mente, 96 zonas eleitorais cariocas, o que exigiria um relato parte. Alm dos amigos citados, agradeo a Sandro Gripp e Karina Kuschinir (parcei-ra de um artigo publicado pela FGV, contendo parte deste material, em 2001), que ajudaram no espinhoso empreendimento de formao do mapa digital das zonas eleitorais, que finalmente se concretizou. Contei tambm com o permanente apoio de Jairo Nicolau, outro parceiro e colecionador de figurinhas eleitorais. Mais recentemente fui beneficirio dos ricos co-mentrios, ajustes, sugestes e de uma generosa e gratuita consultoria em geoprocessamento por Snia Terron. A todos, o meu agradecimento.

    Enfim, a referida tese de doutorado e um artigo publicado em 2006 pela Escola Nacional de Estatstica do IBGE (Alkmim: 2006) so os in-sumos mais diretos para a confeco deste livro.

    Antonio C. AlkmimProfessor da PUC - [email protected]

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    II. Introduo

    No Dicionrio de poltica, organizado por Norberto Bobbio (2010), e no verbete que trata sobre o tema da representao poltica, Maurizzio Cotta (2010) afirma que o elemento fundamental do mecanismo de garantia da representao dado pelas eleies. (Cota: 2010, p.1104). Apesar de aparentemente simples, a definio abre um amplo conjunto de questes sobre os dois conceitos centrais a envolvidos: representa-o e eleio.

    As eleies nos sistemas polticos atuais sinalizam a vontade agre-gada de cidados e eleitores que depositam geralmente e de maneira regular os seus votos nas urnas por meio de um sistema que denomina-mos democracia representativa e que se manifesta em boa parte dos pases pelo mundo. Esse modelo teria sido inspirado a partir do forma-to poltico inventado pelos gregos e aperfeioado de diferentes formas ao longo da histria at a multiplicidade dos sistemas eleitorais con-temporneos.

    Um primeiro problema abordado pelo prprio verbete no Dicionrio diz respeito representao poltica e eleitoral, que pode ser entendida e exercida das mais diferentes formas. O prprio texto de Cotta defi-ne trs modelos: o delegativo, a representao baseada na confiana e a representao entendida como espelho da sociedade (Cotta: 2010, p.1102).

    Uma abordagem clssica sobre o conceito de representao poltica pode ser encontrada no livro de Hanna Pitkin (1967), em que, partindo da etimologia do conceito, remonta a sua primeira utilizao na teoria poltica de Hobbes e dispe de tipos diferenciados em sua multiplici-dade dentro da tradio do pensamento poltico clssico. Representar significa, originalmente para essa autora, tornar presente aquilo que no est presente, e partir da d-se incio a uma inspiradora e con-troversa discusso que leva o conceito de representao para outras esferas como o direito, a arte, a filosofia.

    H ainda que ressaltar que, a partir de Rousseau, a possibilidade da representao diretamente questionada, pois, em seu proposto mo-delo de democracia direta, a vontade no pode ser representada, pois

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    deixa de ser vontade, e por essa contradio poltica e lgica diversos outros autores criticam a possibilidade prtica de implementao da democracia representativa por meio do voto, pois a representao po-ltica seria simplesmente um engodo, uma falsidade. A prpria Hanna Pitkin, em um texto mais recente (1989), admite claramente o paradoxo que persiste quanto ao conceito, reformulando a sua posio inicial.

    Peo desculpas ao leitor, mas inicio esta introduo com esta dis-

    cusso, sem dvida importante, para afirmar que no esse o ponto central da argumentao. Mas, antes de apontar o enfoque do presente trabalho, resta ainda ressaltar outro limite estabelecido para este es-tudo, pois no haver um aprofundamento sobre o formato de nosso sistema eleitoral e suas implicaes.

    Existe uma vasta bibliografia sobre o tema e uma boa introduo sobre os diversos tipos de sistemas eleitorais internacionais existentes que pode ser encontrada em Nicolau (2012), abrindo uma classificao a partir dos sistemas majoritrios, mistos e proporcionais. No caso bra-sileiro, combinamos o sistema majoritrio para os cargos do Executivo presidente, governadores e prefeitos e para o cargo de senador, sen-do complementado pelos demais cargos referentes ao Poder Legislati-vo: deputados federais, deputados estaduais e vereadores.

    Sobre o sistema eleitoral brasileiro, em especial, sugiro dois outros livros: um organizado por Avelar e Cintra (2007), mais amplo e que por meio de diversos artigos trata do sistema poltico brasileiro como um todo (sua formao, institucionalidade, relao dos poderes, federalis-mo, relao do Estado com a sociedade, incluindo o sistema eleitoral, partidos polticos e eleitorado, mdia, contextualizao internacional) e uma indicao referente a outro livro de Nicolau (2012) sobre as elei-es no Brasil, desde o Imprio.

    Feitas as delimitaes que considero inicialmente necessrias ao lei-tor, passo ao tratamento do alcance e objetivo deste livro.

    Encaro o momento eleitoral em si como um fato social durkheimnia-no, desconsiderando o seu carter positivista de identificar o fato social como coisa concreta e sim como um fenmeno social. no momento do voto que a manifestao sociolgica se impe a partir da vontade agre-gada do eleitor. nesse exato e nico momento que a vontade geral se

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    apresenta em seus mltiplos significados. E isso at o mais cido dos crticos do sistema eleitoral representativo, como Rousseau, admite, ao afirmar que os ingleses se tornam livres apenas no momento do su-frgio, transformando-se imediatamente na sequncia, quando se do representantes, em escravos, e com ironia afirma: merecidamente (Rou-sseau: 2005, p.187).

    Pois no fato eleitoral em si que se encontra o objeto da presente in-vestigao. Diferentes teorias se debruam sobre o fenmeno eleitoral, depreendendo diferentes concluses, o que novamente remete ao tema da representao em si. Karl Marx, por exemplo, v nas eleies um jogo poltico que se desenrola tendo como pano de fundo a estrutura social, encobrindo os conflitos das classes sociais, sendo estas que efe-tivamente movem o curso histrico da sociedade. Prevalece para Marx o que denomina cretinismo parlamentar pretensamente descolado do conflito social (Marx: 1978). Ao contrrio, John Stuart Mill, assim como outros liberais, apontam no resultante do processo eleitoral a sntese dos mais diferenciados interesses e opinies existentes nas comunida-des polticas, como se essa resultante fosse o espelho ou o mapa da sociedade (Mill: 1981).

    Uma atualizao dessa discusso envolve autores como Almond e Verba apontando que a diferenciao e a fragmentao social afetam decisivamente a participao eleitoral e que uma maior qualificao da participao e do engajamento poltico deriva do nvel de cultura cvica existente em cada sociedade, sendo esse um fator determinante para atingir um mais alto nvel de desenvolvimento social, econmico e po-ltico (Almond e Verba: 1965).

    Outro conceito a ser mencionado o de clivagem social, utilizado por Lipset (1959) e que visa a estabelecer o elo de ligao entre os seg-mentos sociais inseridos em realidades e ambientes especficos e a sua atuao na esfera da disputa e distribuio de poder. Para Lipset, o maior igualitarismo do ponto de vista econmico e social torna as con-dies mais favorveis para o surgimento e manuteno das democra-cias. Mas o que diretamente nos interessa a ideia de que as clivagens sociais, uma vez que esto citadas nos sistemas de representao, tal como em modelos europeus como a Blgica e a Holanda, geram, mes-mo por meio da competio eleitoral, a garantia de que a diversidade (principalmente tnica e religiosa) ser refletida pelo sistema eleitoral.

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    O problema se torna mais complexo na medida em que pode ocorrer uma hierarquia entre clivagens, no garantido o equilbrio institucional (Lane e Errson: 1990), ou que a simples existncia de clivagens sociais, mesmo que intensas e com contextos histricos e diferenciados, no necessariamente produz impacto no sistema partidrio ou na formao do governo (Lijphart: 1984). Finalmente, outros autores como March e Olsen (1984) rejeitam o conceito, defendendo a total autonomia do sistema poltico e de representao, desvinculado do sistema social e centrando sua anlise nos aspectos institucionais da poltica. Levando ao extremo esse argumento, as instituies moldam os sistemas e os resultados eleitorais.

    At esse ponto da discusso no fica ainda claro o enfoque que ser dado ao tema das eleies realizadas no Rio de Janeiro, entendidas como o fato social a ser abordado, sobre o significado das eleies em si. Para melhor resumir a questo, caberia a pergunta: quais os determinantes de uma votao? Eles existem? Se existem, quais so? Ou simplesmente no existem e cada votao nica, singular, especfica? O turbilho de teorias apenas anunciado aqui tem a ver com essas indagaes.

    Uma restrio ajuda a trilhar um caminho. Os estudos eleitorais so abordados empiricamente de duas formas principais. Por meio de sur-veys, pesquisas de inteno de voto, comportamento poltico e eleitoral que tm como unidade de anlise o cidado ou o eleitor, ou, como no caso deste estudo, os resultados eleitorais, capturados como registros administrativos e transformados em indicadores.

    Da a nossa perspectiva associada vertente poltica sociolgica que pressupe uma identidade entre os eventos eleitorais e a estratificao e segmentao da sociedade em sua repercusso, em primeiro lugar, no espao geogrfico, pois a hiptese bsica e central que o voto, tanto nos municpios fluminenses, quanto nas zonas eleitorais cariocas, adquire um evidente significado. Ou seja, o voto mantm uma correlao estru-tural com a diviso territorial no Rio de Janeiro. Essa correlao explica-da pela estrutura e pela segmentao socioeconmica do Estado.

    Um dos autores que defende esta perspectiva Rokkan (1970), in-troduzindo tambm a dimenso temporal, importante, pois o estudo aqui realizado chega a 28 anos de eleies. O autor considera a dimen-so temporal e espacial bsica para a estruturao do sistema partid-

  • II. Introduo

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    rio. De acordo com esse modelo as diferenas polticas existentes na sociedade moderna operam a partir de um eixo que distingue o centro da periferia, entendendo-se a uma oposio entre um maior localismo anterior ao processo capitalista industrial e o fortalecimento do Estado--nao dele resultante. Ope ainda o pragmatismo poltico orientao ideolgica. O processo de modernizao dos Estados europeus, proces-so em si da revoluo industrial, foi a resultante de conflitos que opu-nham interesses culturais especficos aos da cultura dominante, interes-ses religiosos aos interesses do Estado, interesses econmicos do setor primrio aos do secundrio, interesses corporativos dos trabalhadores aos dos empresrios. Esses interesses estariam manifestos pelo sistema partidrio, por ele organizados e estruturados ao longo do tempo.

    H que se fazer uma importante ressalva proposio de Rokkan, a

    fim de extrair a inspirao terica que parece pertinente a esta anlise. O processo e a escala geogrfica a que se refere o autor so nacionais e no regionais, como no nosso caso, assim como o perodo e o processo macrossocial e econmico descritos tambm so diversos. No entanto, nos serve a ideia da evoluo espacial do padro de voto, em que se destaca a distino centro/periferia, indispensvel para o estudo do Estado e da capital fluminense, assim como a ideia de polarizao e difuso igualmente rebatidas espacialmente.

    No Brasil, estudos sobre geografia eleitoral e anlise espacial ga-nharam fora na ltima dcada. Entretanto, no poderamos deixar de mencionar alguns trabalhos mais antigos. Uma interessante aplicao de anlise espacial o estudo de Silva (1975), avaliando as eleies esta-duais de Pernambuco entre 1950 e 1954. Nesse estudo utilizam-se mo-delos de polarizao e difuso eleitoral.

    O autor chega concluso de que, naquele Estado, teria ocorrido um processo de influncia do eleitorado mais urbanizado da Zona da Mata (onde se localiza a capital de Recife) em direo ao Agreste (zona intermediria) e Serto (rea de agricultura tradicional). A quebra de hegemonia governista no perodo analisado estaria associada a esse processo de difuso (Silva: 1975).

    O modelo aplicado por Silva, dessa forma, mantm caractersticas prximas s de Rokkan: uma distino regional no Estado pernambu-cano, carregada por uma diferena social e econmica, combinada a

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    uma vetorizao eleitoral ao longo do tempo. Seria esse o padro en-contrado no Estado do Rio de Janeiro aps os 28 anos de eleio de governador e presidente?

    Vale mencionar, ainda para o caso do Estado do Rio de Janeiro, uma oposio entre os estudos de Soares (1965) e Souza (1972) com base em uma mesma pesquisa de opinio realizada sobre as eleies presiden-ciais de 1960. Soares defende uma associao significativa entre a pre-ferncia dos entrevistados e os seus atributos de status socioeconmico, estabelecendo uma aproximao entre a ideologia dos entrevistados e as suas bases sociais. Souza, em contrapartida, aponta fatores ligados ao processo de deciso racional dos eleitores como os mais importantes para a definio do voto, considerando suas flutuaes.

    O pioneiro livro de Couto (1966) constitui importante referncia e traz a varivel espacial de forma direta. Traa em linhas gerais uma associao entre o voto partidrio e a distribuio do eleitorado carioca pelas zonas eleitorais entre 1945 e 1965. Utilizando o critrio da renda familiar (captada por meio de sondagens do IBOPE), divide as zonas eleitorais do ex-Estado da Guanabara em reas proletrias, de classe mdia, neutras ou mistas. Examinando os resultados eleitorais chega concluso de que, em 20 anos, acirrou-se a polarizao ideolgica ex-pressa pelo confronto entre PTB e UDN, refletida diretamente na con-formao espacial daquele Estado, que culminou em 1960 com a eleio de Carlos Lacerda. Esse estudo encontra-se em sintonia com a nossa hiptese de que a diviso eleitoral a ser identificada no Rio de Janeiro traz uma direta sintonia com a estratificao social e espacial.

    A partir da sumria discusso terica aqui referida colocamos duas questes relativas base de dados aqui apresentada.

    1. Existe um ou mais padres espaciais de voto para presidente e governador no Estado e no municpio do Rio de Janeiro? Se-cundariamente, em caso afirmativo, podemos avaliar se esses padres esto referidos a uma estrutura socioespacial?

    2. Ao longo destes 28 anos de eleies, no perodo eleitoral recen-te, caso exista um ou mais padres significativos para a expli-cao do voto para o executivo estadual e para presidente no Estado, qual a lgica para a mudana ou mudanas ocorridas?

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    Alguns conceitos esto relacionados a essas duas hipteses: quanto primeira hiptese, procura-se verificar a existncia de campos polticos eleitorais, de acordo com a verso de Bourdieu (2011) para conceituar campos polticos. A inspirao do autor francs, porm, no a segue pari passu, pois os campos polticos so segmentaes mais amplas que se compem na sociedade, enquanto que o conceito de campo eleitoral da derivado mais estrito, pois restrito s eleies. Assim define Bour-dieu o conceito de campo poltico:

    Falar de campo poltico dizer que o campo poltico (e por uma vez citarei Raymond Barre) um microcosmo, isto , um pequeno mundo social relativamente autnomo no interior do grande mundo social. Nele se encontrara um grande nmero de propriedades, relaes, aes e processos que se encontram no mundo global, mas esses processos, es-ses fenmenos, se revestem a de uma forma particular. isso o que est contido na noo de autonomia: um campo um microcosmo autnomo no interior do macrocosmo social.

    Autnomo, segundo a etimologia, significa que tem sua prpria lei, seu prprio nomos, que tem em si prprio o princpio e a regra de seu fun-cionamento. um universo no qual operam critrios de avaliao que lhe so prprios e que no teriam validade no microcosmo vizinho. Um universo que obedece a suas prprias leis, que so diferentes das leis do mundo social ordinrio (Bourdieu: 2011, p. 194-195).

    No nosso caso trata-se, como foi ressaltado, de estabelecer o corte preciso do ato eleitoral a partir dos seus resultados. At porque, aps as alianas e coligaes eleitorais, seguem as coalizes para sustenta-o dos governos, em funo da coincidncia entre as eleies para o executivo e legislativo. Dessa forma, maiorias eleitorais e sustentao de governo so coisas distintas. Entretanto, ao avaliar os padres de voto, ou a existncia de campos eleitorais definidos ao longo do tempo, temos uma clara ideia de como a sociedade, no caso a do Rio de Janeiro, forma suas preferncias, mantendo-as ao longo do tempo ou no.

    Quanto segunda hiptese podemos observar a existncia de ciclos ou anacicloses polibianas, ou seja, ciclos em que foras ou campos elei-torais se alternam em um retorno ao longo do tempo, conforme descrito por Polbio na Antiguidade e referido por Bobbio (1977). Descartamos aqui a ideia de um necessrio retorno ao movimento histrico ou eleito-ral no nosso caso, mas partimos da premissa de que podemos distinguir fases ou ciclos bem delimitados ao longo do perodo, ciclos de campos

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    eleitorais que mantm determinada durao. O ciclo, dessa forma, ser entendido como a durao contnua de um determinado campo poltico eleitoral at a sua substituio por outro, podendo ser comparado assim o seu impacto poltico social em funo dessa durao.

    Podemos observar ainda a ocorrncia de segmentaes eleitorais mais estruturadas, processos de polarizao ou difuso do voto con-forme nos apontaram estudos aqui mencionados de Rokkan, Silva e Couto.

    Seguimos, ento, em frente, a partir dessas duas hipteses de refe-rncia.

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    III. Especificao dos indicadores eleitorais

    Indicadores eleitorais so indicadores sociais e como estes tm as suas propriedades. Temos aqui uma definio do que pode ser consi-derado indicador social:

    Indicador social aquele capaz de produzir um conhecimento relevan-te sobre a realidade, referido a teoria e conceitos, traduzido geralmente em sua expresso matemtica ou estatstica, geralmente diferenciado do dado bruto ou de uma varivel. Procura a sntese da informao, refere--se ao tempo e ao espao, estrutura e aos segmentos sociais, articulan-do uma temtica. Procura suprir a ausncia ou irracionalidade da ao, assim como avali-la(Lins e Alkmim: 2008, p. 66).

    A definio se aplica ao indicador eleitoral, exigindo, portanto, uma especificao lgica e conceitual para a sua construo e utilizao. Na verdade, os indicadores eleitorais so um subconjunto dos indicadores polticos e de participao poltica e social.

    As principais fontes de dados para os indicadores eleitorais so duas. A primeira so as pesquisas de opinio, que fornecem informa-es a partir dos eleitores: suas caractersticas sociodemogrficas, seu comportamento, atitudes, opinies que de alguma forma refletem-se na sua deciso sobre o voto.

    A partir de meados do sculo XX as pesquisas de opinio passaram a constituir uma atividade socialmente visvel para os processos eleito-rais, por conta dos estudos acadmicos sobre comportamento eleitoral, mas, principalmente, pelas pesquisas de opinio e de inteno de voto, que se incorporaram intrinsecamente realizao das eleies. Alm disso, os prprios polticos que tm as suas campanhas mais profis-sionalizadas, ou ocupantes de cargos pblicos, utilizam as pesquisas de opinio e de inteno de voto para avaliar suas atuaes e para a elaborao de estratgias polticas.

    A segunda fonte de dados da qual derivam os indicadores eleito-rais so os resultados das eleies fornecidos oficialmente pela Justia Eleitoral, no nosso caso os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As estatsticas eleitorais so igual-mente consumidas pela opinio pblica, ao trmino das eleies, mas

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    tambm so matria de interesse de especialistas, cientistas polticos e dos prprios polticos como material de anlise, estudo, ou, no caso dos polticos (novamente, os mais profissionalizados), para formular diagnsticos e estratgias eleitorais.

    As estatsticas eleitorais permitem a construo de indicadores que obedecem s propriedades dos indicadores sociais, especialmente no que diz respeito construo de sries temporais e para distino entre reas de incidncia de voto, procedendo assim a anlises espaciais. O presente estudo um exemplo do tipo de anlise a partir dos registros oficiais das eleies transformados em indicadores.

    Portanto, os indicadores eleitorais aqui tratados so decorrentes de momentos e atitudes em relao ao ato de votar e ao voto em si que po-dem ser desmembrados nos seguintes segmentos especificados no gr-fico 1.

    Eleitorado potencial formado pela populao em idade de votar, a partir dos 16 anos de idade, observando-se a facultatividade do voto para os jovens de 16 e 17 anos e para os idosos a partir de 70 anos, con-forme a Constituio do Brasil.

    Eleitorado efetivo e marginalidade eleitoral aquele segmento com idade de voto, cadastrado pela Justia Eleitoral, portanto, apto a votar. A relao entre o eleitorado efetivo e o eleitorado potencial permite medir o segmento marginalizado eleitoralmente, ou seja, a po-pulao em idade de voto que no est cadastrada, observando-se as condies da facultatividade do voto.

    Este indicador tem sido em boa parte negligenciado nas anlises so-bre eleies, sendo uma exceo a categorizao proposta por Lamou-nier (1975) em um estudo sobre as eleies realizadas em Presidente Prudente em 1974, em que, identificando fatores determinantes para atitudes face ao processo eleitoral, menciona a marginalizao decor-rente da ausncia de registro eleitoral.

    Estimou-se, a partir de um suplemento sobre participao poltica e social da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), rea-lizada em 1988, que a marginalidade eleitoral atingia 11% do eleitora-do potencial para aqueles cujo o voto era obrigatrio. Este segmento

  • III. Especificao dos indicadores eleitorais

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    Grfico 1 Especificao lgica paraabordagem dos indicadores eleitorais

    Fonte: elaborao do autor.

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    apresentava caractersticas bem marcadas do ponto de vista social, sen-do encontradas as mais altas taxas de marginalidade eleitoral para as mulheres, negros e pardos, os que recebiam renda inferior a um salrio mnimo, aqueles com menos de um ano de estudo, os inativos, os mora-dores das localidades rurais e residentes nas Regies Norte e Nordeste. Da relao entre o eleitorado efetivo e o potencial, deriva-se, portanto, o indicador de marginalidade eleitoral (Alkmim: 1991).

    Eleitorado efetivo, abstenes, votos brancos e nulos uma vez transposta a barreira da formalidade do acesso ao voto, encon-trando-se apto para votar, o eleitor registrado (eleitorado efetivo) detm diferentes possibilidades de comportamento no momento eleitoral:

    no comparecer, pelos mais diferentes motivos; comparecer e votar em branco; comparecer e votar nulo; comparecer e escolher uma alternativa para o(s) cargo(s) em

    questo.

    As trs primeiras das quatro possibilidades dizem respeito ao con-ceito de alienao eleitoral, agregando abstenes, votos brancos e nulos, conforme a especificao de Santos (1987). Para este autor ha-veria, sobretudo, um comportamento de menor comprometimento ou rejeio ao processo eleitoral.

    Ao analisar a taxa de alienao eleitoral para as eleies a partir de

    1945, assinala que a sua evoluo est ligada a fatores psicossociais de satisfao ou insatisfao do eleitorado. Um exemplo dado pelo autor a eleio de Juscelino Kubistchek em 1955, momento em que existia um forte sentimento de incerteza e crise, refletido pelo acirramento da disputa, ao mesmo tempo em que verificou-se o forte aumento da taxa de alienao eleitoral.

    Entretanto, a alienao eleitoral deve ser vista com restries, quando assim agregada. A absteno eleitoral no Brasil sofreu o efeito de um aumento artificial em funo da mortalidade dos eleitores que continuavam cadastrados. Este problema foi parcialmente resolvido nos recadastramentos de 1958 e 1986, tendo sido mais efetivamente equacionado a partir de 1994, quando a legislao eleitoral determi-

  • III. Especificao dos indicadores eleitorais

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    nou que aquele que se abstivesse de votar por trs eleies seguidas seria automaticamente retirado do cadastro de eleitores.

    O estudo de Lima Jnior (1990) sobre os componentes da alienao eleitoral identificou importantes diferenas entre os fatores que levam absteno e fatores que levam aos votos brancos e nulos. Um dos exemplos a alta absteno observada nos Estados do Norte que o au-tor correlaciona positivamente com a baixa densidade populacional da regio e com suas caractersticas geogrficas.

    Na verdade, a absteno apresenta diversos outros motivos que no a insatisfao eleitoral, como a migrao sem a atualizao do ttulo, fazendo com que o eleitor no faa o trajeto de retorno ao seu colgio eleitoral no dia da votao; ou o prprio perfil etrio da populao em determinada rea, podendo a absteno ser maior onde maior a pro-poro de idosos. Uma parcela dos eleitores efetivamente justifica o no comparecimento alegando diversos motivos. Somam-se a isso fatores climticos como uma chuva forte, problemas pessoais, de transporte, como o registro de retirada ou diminuio de circulao de nibus em cidades onde empresrios temem a vitria de determinada candidatu-ra. Alm disso, h a mencionada mortalidade de eleitores, que provoca o aumento no registro de no comparecimento.

    Direo do voto Para os eleitores cadastrados que se dispem a comparecer ao pleito e escolher uma (ou mais) alternativa(s) apontada(s) pelo processo eleitoral, os resultados permitem a classi-ficao da direo do voto, segundo algumas dimenses, tais como a construo de perfis de partidos e candidatos, a utilizao do espec-tro ideolgico (esquerda/direita, progressistas/conservadores) ou ainda examinar o contedo dispersivo ou concentrador de candida-tos e partidos do ponto de vista geogrfico. Outros aspectos como a volatilidade do voto e nveis de competitividade nos distritos eleito-rais em disputa constituem tambm possibilidades de anlise.

    A partir da especificao lgica do processo eleitoral, chegamos definio de trs indicadores que sero utilizados neste estudo.

    1. Taxa de absteno eleitoral. Calculada como a proporo da-queles que no comparecem s eleies, sobre o eleitorado ca-dastrado;

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    2. Taxa de votos brancos e nulos. Proporo do somatrio dos vo-tos brancos e nulos sobre o eleitorado cadastrado efetivo. Ape-sar de considerarmos que os votos brancos e nulos tambm se diferenciam e representam conotaes diferentes, no foi pos-svel fazer essa desagregao para todo o perodo deste estu-do, especialmente porque no havia separao nos resultados divulgados pela Justia Eleitoral para as primeiras eleies do perodo;

    3. Taxa de votos vlidos. Distingue a direo do voto. a propor-o dos votos de um candidato em relao aos votos dados a todos os candidatos que participaram de determinada eleio.

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    IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro

    Uma das mais importantes caractersticas, do ponto de vista da for-mao do eleitorado brasileiro a partir de 1945, o seu significativo ritmo de crescimento em relao populao total, principalmente at meados da dcada de 1980, quando esse ritmo diminui.

    O aumento bruto da populao afetou o crescimento do eleitorado e do nmero de votantes, mas no apenas isso, pois contribuiu para o aumento da participao eleitoral no pas nos ltimos 50 anos. Outros fatores estiveram presentes, a partir da dcada de 1940, justificando as mudanas estruturais na sociedade brasileira e, consequentemente, no eleitorado do Estado do Rio de Janeiro, dentre os quais podemos citar:

    Crescimento populacional at a dcada de 1980, quando passa a haver um decrscimo em seu ritmo;

    A redefinio do papel das mulheres, com sua maior qualifica-o e entrada na fora de trabalho e na vida pblica em geral, em contraposio s mais antigas geraes, voltadas mais exclu-sivamente para a vida domstica ou privada;

    Processos demogrficos que redundam na modificao do perfil etrio da populao e do eleitorado (envelhecimento), a mudan-a do padro epidemiolgico (com o controle de determinadas doenas), a melhoria de condies bsicas ligadas qualidade de vida (a despeito do ritmo lento e da desigualdade social), a queda da taxa de fecundidade e o surgimento de novos arranjos familiares que vo alm da diminuio do tamanho mdio da famlia nuclear;

    O processo de industrializao, urbanizao e metropolizao, que inverteu a relao entre o campo e a cidade, trazendo a for-malizao das relaes de trabalho e o seu impacto para o ca-dastramento eleitoral, na medida em que o ttulo tornou-se um dos pr-requisitos para a obteno de determinados empregos;

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    Altas taxas de crescimento da produo e diversificao econmica, com nfase na industrializao, na introduo de novas tecnologias, por meio de um modelo que acentuou as distncias e desigualdades existentes no pas. O forte crescimento econmico do pas fez com que o seu PIB aumentasse expressivamente, atingindo o auge do crescimento at o incio da dcada de 1980, quando se reduziu o ritmo, no retomando a rota do desenvolvimento at o incio deste sculo, quando experimenta uma nova fase de crescimento;

    A melhoria (lenta e em curso) dos indicadores de escolarizao da populao e do eleitorado, que tornam o acesso aos meios de formao e informao mais extensivos, provocando poten-cialmente um maior interesse e participao poltica;

    A quebra de barreiras formais ao voto, como os limites de ida-de e o voto do analfabeto.

    Essas caractersticas apontam para uma mudana no perfil do elei-torado, que experimentou um expressivo crescimento e vem se tornan-do cada vez mais envelhecido, feminilizado e concentrado nos centros urbanos e no litoral do pas, refletindo o processo de ocupao. A des-peito dos avanos educacionais temos um eleitorado audiovisual, in-formado principalmente pela televiso aberta, mesmo considerando o avano de outras mdias e o impacto crescente da internet e das redes sociais, seja direta ou indiretamente.

    O Rio de Janeiro apresenta as caractersticas resultantes desse pro-cesso de mudanas estruturais no pas, o que de imediato reflete-se pelo tamanho de sua populao, a terceira maior do pas, com 16 milhes de habitantes em 2010, correspondente a 8,3% da populao nacional (IBGE: 2010), com seu nvel de urbanizao atingindo 96% (IBGE: 2010), detendo naquele ano de 2010 o segundo maior produto interno bruto nacional, alcanando 462,4 bilhes de reais, ou 10,0% do PIB nacional (IBGE: 2011). As mudanas no padro demogrfico, envelhecimento da populao, diminuio da fecundidade, maior participao social e po-ltica das mulheres, aumento da esperana de vida, esto igualmente presentes na estrutura social do Estado.

    Entretanto, a marca da desigualdade um trao permanente no que diz respeito sua estrutura econmica, socio-ocupacional, rendimentos

  • IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro

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    e acesso a servios bsicos, como educao, sade, transportes, sanea-mento. O ndice de Gini que mede a desigualdade alto, 0,538 em 2010, o 12 maior do pas (IBGE: 2010). Essa desigualdade socioeconmica estrutural vem sendo apontada por diversos estudos e pelas estatsticas oficiais do pas por dcadas e se refletindo em todo o perodo da anlise aqui proposta entre 1982 e 2010.

    No sendo a especificao da estrutura social e econmica do Es-tado o objetivo deste livro, no podemos, no entanto desconsider-la, pois, como foi afirmado inicialmente, a hiptese de correlao entre o voto e a segmentao social do Estado, sua regio metropolitana e ca-pital se aplica, podendo ser verificada, embora no se pretenda aqui estabelecer uma correlao estatstica entre os indicadores eleitorais e outros indicadores sociais e econmicos.

    O processo de desenvolvimento socioeconmico e de ocupao do Estado do Rio de Janeiro redundou na formao da segunda metrpole do pas, especialmente caracterizada pela sua diversificao sociode-mogrfica e cultural.

    O principal locus formador do desenvolvimento do Estado, com as consequncias para as demais regies, foi a formao e desenvolvimen-to da atual cidade do Rio de Janeiro, especialmente aps a sua condio de capital do reino unido, a partir no incio do sculo XIX. Esse impacto se deu do ponto de vista social, econmico e urbanstico, especialmente na conformao de sua periferia metropolitana.

    A cidade, formada pela colonizao portuguesa, intensificada a par-tir da fuga da famlia real e de parte da corte que aqui desembarcaram em 1808, fugidas da ocupao napolenica de Lisboa, teve como con-traponto tnico imediato a presena de negros trazidos da frica e seus descendentes, parte mestios.

    A reiterada centralidade da cidade no pas at o incio do sculo XX, quando comea a ascenso no cenrio nacional de So Paulo, principal-mente do ponto de vista econmico, deu-se com a sua transformao em sede do Imprio em 1822 e posteriormente da Repblica de 1889 at 1960, com a mudana da capital do pas para Braslia. Adquire ento o status de cidade e Estado (Rio de Janeiro e Guanabara), mantendo o mesmo nome de sua capital.

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    A condio de capital, para alm da sua importncia econmica como cidade porturia e centro financeiro do pas, fez com que para a cidade se destinassem os mais diversos segmentos do pas e mesmo do exterior, marcando a sua pluralidade tnica e social. Aos portugueses e escravos juntaram-se estrangeiros, profissionais liberais, polticos, in-telectuais, comerciantes, artistas vindos de todos os lugares e de todas as origens, o que a tornou um complexo conglomerado e diversificado.

    Cabe ainda citar a forte migrao interna, principalmente de nordes-tinos e mineiros das reas mais pobres do pas, que, no correr do sculo XX, partiram em busca de alternativa s adversidades de suas terras de origem, encontrando moradia na periferia da cidade, especialmente na Baixada Fluminense e nas favelas que se formaram aps libertao dos escravos e o retorno de combatentes da Revolta de Canudos, que durou de 1896 a 1897, no interior do Estado da Bahia, no nordeste do Brasil. Favela originalmente a denominao de uma das plantas encontradas no serto nordestino, de uso medicinal.

    Assim, o Estado do Rio de Janeiro passou a abrigar uma cidade e uma metrpole centrais para o pas, reunindo sua capital, municpios da Baixada Fluminense, Niteri, So Gonalo, entre outros, sendo con-siderada atualmente uma importante cidade global.

    No que se refere ao exerccio do poder pblico, no houve alterao de padres vigentes de gesto, que priorizaram historicamente as re-as consideradas centrais e mais nobres da cidade e da metrpole, em detrimento de sua periferia, no que diz respeito alocao de recursos, tratamento diferenciado de seus segmentos populacionais, poltica de habitao e reordenamento do espao urbano. A excluso social, econ-mica, demogrfica e geogrfica manteve-se permanente at o momento atual, em parte como resultado das polticas e da ao governamental sobre o desenho urbano e social.

    A situao no muito diferente se considerarmos a relao entre a capital e o interior do Estado, aps a fuso. Os municpios do inte-rior, em boa medida empobrecidos, apresentam algumas excees, que por razes diversas conseguem fugir ao padro da estagnao, o que derivou em um movimento de migrao para a capital e sua periferia ou para aqueles municpios em melhor condio e desenvolvimento. Trataremos do interior do Estado adiante.

  • IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro

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    A desigualdade social distingue, portanto, a populao do Estado e da metrpole fluminense. Desigualdade entre ricos e pobres, mais e menos instrudos, homens e mulheres, negros e brancos, catlicos e protestantes, moradores de reas nobres e os da periferia e favelas. Na verdade, os contrastes sociais do Estado refletem o modelo tpico das metrpoles e regies latino-americanas, que, apesar de inseridas no processo de globalizao e das mudanas no estilo de vida que as acompanham, continuam expondo as mazelas da concentrao de ri-queza, poder e status social.

    Mais grave que o processo de desigualdade no Estado e na me-trpole do Rio de Janeiro diferente, por exemplo, de regies como as mais pobres do Nordeste, onde a misria e a pobreza so extensas e mais homogneas, embora a desigualdade esteja presente pelo poder das oligarquias agrrias.

    No caso do Rio de Janeiro, com sua maior densidade populacional, processo de interao social mais intenso, complexidade e maior seg-mentao, apresenta-se outra conotao que repercute no comporta-mento, valores e atitudes de seus habitantes. Um nordestino do interior que convive com a misria, a fome e a seca v um quadro homogneo sua volta, ao passo que um favelado carioca, ao circular entre a pujana das ruas da zona sul da cidade visualiza de forma contundente e acen-tuada a diferenciao social e econmica.

    O que torna o Rio de Janeiro um Estado particular exatamen-te essa distncia social entre as suas classes e segmentos. Observe--se a tese aristotlica de que o equilbrio e a justia social estariam no meio termo, ou seja, pela atenuao das diferenas entre ricos e pobres, para que se possa formar uma plis mais justa e demo-crtica, um preceito, hoje diramos, liberal (Aristteles: 1997). Ou poderamos considerar a ideia de Lipset, que nessa mesma direo chama ateno para os efeitos no desejados estabilidade social decorrentes do que denomina visualizao da desigualdade, que gera potencialmente um nvel maior de conflito, descontentamento e ruptura, tanto quanto maior a distncia entre os segmentos sociais, pois a visualizao da desigualdade cria elementos intersubjetivos de referncia social para os diferentes grupos que dividem o mesmo espao (Lipset: 1959). Por outro lado, as classes mais bem posiciona-das socialmente, a partir das classes mdias, constroem a imagem

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    negativa daqueles que esto na base da hierarquia social, como clas-ses potencialmente perigosas, que devem ser controladas.

    Os impactos polticos dessa leitura diferenciada sobre a estrutura social, por parte dos seus segmentos, certamente encontram-se eviden-ciados nos momentos de disputa eleitoral e, como pode ser constatado, as campanhas eleitorais no Estado so carregados dos significados ori-ginrios do processo de desigualdade e excluso.

    O Estado do Rio de Janeiro nas dcadas de 1980 e 1990 experimentou um crescimento em seus nveis de pobreza e desigualdade social, prin-cipalmente no grande eixo urbano. Esse processo s foi revertido, ainda que tenuamente, no incio do presente sculo. Segundo estudo desenvol-vido por Rocha, a incidncia da pobreza no Brasil, embora mais elevada nas reas rurais, encontra grande expresso nas metrpoles de So Paulo e Rio de Janeiro, as regies mais urbanizadas do pas. Assim, a pobreza passa a ser um fenmeno metropolitano (Rocha: 1994).

    Alm do agravamento da situao de misria e pobreza na metr-pole fluminense, devem ser novamente assinalados as diferenas entre os rendimentos de ricos e pobres. O ndice de Gini, calculado na me-trpole do Rio de Janeiro em 1989, foi o segundo maior dentre todas as regies metropolitanas.

    A despeito da melhoria dos indicadores da economia a partir des-te sculo, com polticas mais amplas voltadas para os segmentos mais desfavorecidos que trouxeram efetivamente uma melhor condio em relao ao combate da misria e da pobreza, persiste ainda a situao estrutural de nossa formao social, que repercute no estado fluminen-se, mesmo levando-se em considerao que o processo de superao dessa estrutura no se resolve conjunturalmente.

    Atributos como idade, etnia, religio, local de nascimento, ocupa-

    o, acesso a equipamentos e servios pblicos tornam-se indicadores pertinentes para medir distncias entre os grupos sociais e reas espa-ciais. Para o Estado fluminense tem-se a constatao de que o proces-so de segmentao em seus diversos sentidos persistente. Essa dife-renciao, atestada por diversos estudos, traz a questo sobre o formato socioespacial que a caracteriza, o que vem alimentando uma discusso entre cientistas sociais, especialmente aps a fuso dos Estados em 1975.

  • IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro

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    Estudos sobre a configurao social e urbana do Estado e em par-ticular sobre a sua regio metropolitana so produzidos a partir da dcada de 1970 e fornecem uma interpretao mais integrada sobre o seu espao fsico. importante ressaltar que esses estudos nasceram da necessidade de pensar a regio metropolitana ps-fuso, quando essa preocupao passou a ser, inclusive, uma atribuio legal por parte dos executivos estaduais e municipais. Efetivamente, no entanto, no existe at este momento, quase 40 anos depois da fuso, qualquer mecanismo institucional que trate da questo metropolitana na forma de uma ges-to articulada.

    Dentre os estudos de maior importncia para o diagnstico social da regio metropolitana destacam-se os produzidos pelo IBGE, realizados na dcada de 1970 at o incio de 1980, que procuram dar conta das de-sigualdades territoriais, considerando a distribuio dos rendimentos, das condies de moradia, do valor dos imveis. Essas publicaes cha-mam a ateno para a forte segmentao que distingue as reas centrais do municpio do Rio de Janeiro e as suas periferias. O estudo de Vetter sobre a distribuio dos rendimentos na regio metropolitana apresen-ta na sua parte inicial as principais contribuies dos pesquisadores do instituto para a descrio sociogrfica da metrpole (Vetter: 1981).

    O estudo coordenado por Brasileiro uma importante reflexo e tentativa de sistematizao sobre a temtica metropolitana fluminense, apontando para a evoluo histrica que redundou na formao desse conglomerado. Para a autora a metrpole apresenta-se com um centro hiperatrofiado em relao sua periferia e ao Estado como um todo.

    O centro o grande concentrador de recursos econmicos, finan-ceiros e culturais da regio, que so distribudos de forma insuficiente pela periferia. Duas caractersticas so, portanto, ressaltadas. Primeiro, maior peso da rea metropolitana em relao ao Estado. Segundo, a distino entre ncleo e periferia no interior da metrpole, sendo que essa periferia se decompe em imediata, intermediria e distante, al-canando o interior do estado (Brasileiro: 1985).

    Os critrios para delimitao dessas reas so definidos por ve-tores de urbanizao histricos, que orientam esse processo de me-tropolizao, tendo o seu ponto de origem na rea central da cidade, ou seja, no seu ncleo. Outro critrio reflete a conurbao, definida

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    como uma sequncia de aglomerao populacional, na qual dois ou mais centros, poltica e administrativamente independentes, passam a apresentar continuidade, consistentes com a implementao dos re-cursos urbansticos que se colocam os limites entre o ncleo e as peri-ferias (Brasileiro: 1985).

    A distino entre ncleo e periferia e o formato de anis concntri-cos para a regio presentes neste estudo guardam uma sintonia direta com uma srie de estudos posteriores, que serviram para especificar o modelo espacial da metrpole, seja do ponto de vista de delimitar com maior nitidez geogrfica o seu contorno fsico, seja aprofundando a discusso conceitual que distingue ncleo e periferia.

    Uma das restries formulada por Santos e Bronstein, afirmando que, mesmo no caso do Rio de Janeiro, no pode ser desconsiderada a oposio entre o urbano e o rural, o que faz merecer uma maior qualifi-cao do interior do Estado, e por outro lado a problemtica das favelas e reas de habitao popular, desprovidas de infraestrutura urbana b-sica, incrustadas significativamente pela malha urbana e especialmente em seu ncleo (Santos e Bronstein: 1978).

    A questo das favelas nas anlises sobre o espao metropolitano constitui uma necessidade e um desafio em funo do seu peso popu-lacional, pois estima-se que um em cada cinco ou seis habitantes do municpio carioca residia nas mais de 500 favelas espalhadas pela ci-dade. Segundo o IBGE, no ano de 2000, 18,8% da populao carioca de 5,6 milhes vivia nessas reas, denominadas aglomerados subnormais pelo Instituto, com um crescimento vegetativo de 24,9% em relao a 1991, enquanto a cidade crescia 6,8% no perodo (IBGE: 2001).

    Segundo dados oficiais do censo de 2010, o nmero de favelas sobe para 763 na cidade, aumentando o percentual em relao ao total da populao carioca para 22%, ou 1,4 milhes de habitantes (IBGE: 2010).

    o estudo de Abreu que sintetiza de forma mais completa a discus-so, contribuindo para o aprofundamento do modelo metropolitano, especificando com mais detalhes os limites entre as suas reas. Alm disso, retrata o processo de formulao das polticas pblicas urbanas para a cidade do Rio de Janeiro a partir do final do sculo XIX e o seu impacto do ponto de vista paisagstico e social (Abreu: 1998).

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    Faz-se nesse estudo uma srie de consideraes crticas s teorias da escola de ecologia humana de Chicago, de onde surge a distino entre ncleo e periferia, formuladas na segunda dcada do sculo XX, que en-tende a expanso das cidades como um processo complexo ecolgico, es-truturado naturalmente, por meio de processos de adaptao social, espe-cializao funcional e competio livre por espaos. Segundo essa teoria, a urbanizao um fenmeno evolutivo do ponto de vista demogrfico e econmico, no qual o mercado e as interaes sociais acabam por ajustar esta expanso. O ncleo urbano (core) possui um papel simblico, esvazia-do arquitetnica e demograficamente, ou seja, um papel neutro, enquanto outras reas se conformam histrica e naturalmente. O Estado tem o papel de rbitro, acomodando ou atenuando interesses eventualmente conflitan-tes, ou seja, agindo como regulador dos conflitos (Abreu: 1998).

    Abreu critica essa teoria e aponta o caso do Rio de Janeiro como totalmente desviante em relao ao modelo, pois para ele a estrutura espacial da cidade, capitalista em sua essncia, no pode estar de-sassociada das prticas e dos conflitos existentes entre suas classes urbanas, ainda que gere o modelo opondo o ncleo s periferias (sen-do o ncleo a rea privilegiada). Nessa situao de conflito, o Esta-do, ao contrrio do postulado neoclssico liberal, no age de forma neutra. Embora no ocorra uma instrumentalizao automtica dos interesses econmicos pelas polticas governamentais, h uma ntida associao entre seus agentes. Assim, no caso do Rio de Janeiro, a histria de sua evoluo urbana visivelmente marcada por polticas que privilegiaram os segmentos sociais mais favorecidos, estruturando diferencialmente o seu espao (Abreu: 1998).

    O modelo metropolitano do Rio de Janeiro, segundo Abreu, carac-teriza-se pela dicotomia entre ncleo e periferia, porm, contrariam os pressupostos resgatados dos estudos da escola de Chicago, pois o seu ncleo concentrou a grande maioria dos recursos, investindo parcamente em seu entorno, enfraquecido do ponto de vista no s econmico como poltico. O resultado foi um ncleo forte, cercado por uma periferia pobre e superpovoada (Abreu: 1998).

    Quanto delimitao do espao metropolitano, ao utilizar os estu-dos j referidos, Abreu detalha a composio das reas, dentro da pers-pectiva circular e concntrica, representada pelos anis que formam o ncleo e as periferias imediatas, intermediria e distante. A proposta

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    mais definida, em parte por levar em conta a diviso administrativa da regio (regies administrativas da capital e municpios da rea me-tropolitana). Em segundo lugar, estabelece uma subdiviso mais ajus-tada entre o ncleo e as periferias, por meio da classificao de onze subreas que vo do centro, zonas sul e norte da cidade, acrescida de Niteri (ncleo), passando pelas reas dos subrbios da Central e da Leopoldina (periferia imediata), alcanando municpios da Baixada e So Gonalo (periferia intermediria), at a parte mais ruralizada da regio em sua fronteira com o interior do Estado (periferia distante). Considera e dedica uma anlise outra dicotomia da cidade pela opo-sio entre favela e asfalto (Abreu: 1998).

    O estudo merece restries de atualizao em funo do momento em que foi formulado (1987), como a extenso do ncleo pela zona litornea em direo zona oeste (Barra da Tijuca e Recreio dos Ban-deirantes), assim como a sua classificao de parte da zona oeste (Campo Grande e Santa Cruz) como reas ruralizadas.

    Ainda assim a classificao proposta por Abreu nos serve como a referncia bsica para a associao com os resultados eleitorais a se-rem examinados, no que diz respeito rea metropolitana, represen-tativa de 73,5% do eleitorado do Estado, permitindo uma visualizao grfica, conforme apresentada a seguir.

    O ncleo metropolitano seria formado pelo centro, pela faixa lito-rnea da zona sul at o Recreio, pela zona norte e pelo municpio de Niteri.

    A periferia imediata formada pelos bairros cariocas dos subrbios ao longo do eixo das principais linhas ferrovirias e ao longo da Aveni-da Brasil at a zona oeste.

    A periferia intermediria, pelos municpios da Baixada Fluminense e por So Gonalo.

    A periferia distante, pelos municpios limtrofes da metrpole, como Mag, Itabora e Itagua.

    As mais de 700 favelas em oposio ao asfalto, existentes na cidade e na metrpole, do outra conotao sua desigualdade espacial.

  • IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro

    35

    Grfico 2 Especificao da segmentao e estrutura geogrfica da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Fonte: Maurcio de Abreu (1988). Elaborao do autor.

    Diversos estudos e as estatsticas oficiais atestam essas divises que fariam o Rio parecer uma cidade com formato medieval, se no fossem as favelas originrias no seu ncleo e significativamente presentes em suas reas mais nobres (embora algumas tenham sido objeto de remo-o pelo poder pblico constitudo).

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

    36

    Os indicadores sociodemogrficos seguindo essa classificao, vo todos se modificando de forma contnua. Assim, encontra-se nas reas centrais e no favelizadas o maior contingente daqueles que tm maior renda e instruo, as melhores e bem-remuneradas ocupaes, os de cor branca, mais idosos, os menores nveis de fe-cundidade, de mortalidade infantil, a maior proporo de catli-cos, de naturais do municpio (os cariocas da gema do ovo), uma maior rede de servios pblicos, urbanos, e assim por diante. Um estudo que se inspira nessa classificao e traz indicadores sobre o Estado e a regio metropolitana, utilizando pioneiramente da-dos espacialmente desagregados da PNAD, encontra-se em Ribeiro (1995).

    Poderamos prolongar essa lista anterior, incluindo o acesso cultura e aos seus bens, como televiso por assinatura, acesso in-ternet, smartphones, literatura, teatro e cinema. Preferncias dife-renciadas por tipos de programas televisivos ou estilos musicais. Ou seja, poderamos tambm identificar padres culturais e cogni-tivos diferenciados, opondo aquilo que Castells apontou como a di-ferena entre o mundo da cultura virtual e multimdia, da socieda-de em rede, que alguns de ns vivemos, e um mundo de McLuhan, audiovisual, que tem a televiso aberta e seus programas como componente central, o que, para surpresa de alguns, ainda atende, segundo entendo, a maioria da sociedade brasileira e do nosso Es-tado, afinal, mais da metade do nosso eleitorado sequer tem o curso fundamental completo (Castells: 1999).

    Um pioneiro estudo realizado pela Fundao CIDE permite fazer uma especificao do padro social no Estado do Rio de Janeiro para o ano de 1991, considerando os seus municpios. Trata-se da construo de um indicador sinttico que rene 64 va-riveis na sua composio, traduzindo um ndice de qualidade dos municpios (IQM), no apenas da qualidade de vida, como, por exemplo, tambm do ndice de desenvolvimento humano (IDH), embora mantenha com este forte correlao. O IQM procura refletir a condio estrutural dos municpios fluminenses a partir de in-dicadores de desenvolvimento econmico, oferta de servios, in-fraestrutura, alm de indicadores sociais. O indicador varia de zero a um, sendo a unidade a expresso mais positiva do ndice (IQM: 1998).

  • IV. Eleitores e estrutura social no Rio de Janeiro

    37

    Em consonncia com a caracterstica j referida sobre a regio metropolitana, o IQM apresenta os maiores valores para o munic-pio do Rio de Janeiro (1,0), seguindo por Niteri (0,69). Estes dois municpios podem ser considerados os polos principais do Estado, a partir dos quais se interligam os demais eixos e polos.

    Um desses eixos parte da capital em direo ao Vale do Para-ba, passando pelos municpios de Pira, Volta Redonda, Porto Real, Resende e Itatiaia. Outro eixo tambm iniciado na capital (conside-rando Niteri o seu principal entorno) envolve Duque de Caxias, Petrpolis, Terespolis e Friburgo, alcanando Maca e Casimiro de Abreu, assim como a Regio dos Lagos (Bzios, Cabo Frio, Ara-ruama).

    Esses dois eixos poderiam formar um nico e contnuo vetor se no fosse a situao da qualidade municipal (indicador em questo) que diferencia os municpios da Baixada Fluminense e outros da periferia metropolitana (como Mag, So Gonalo e Itabora), que apresentam um IQM baixo, no correspondente ao grande peso po-pulacional que tm, encontrando-se a uma situao extensa da po-breza no Estado, conforme assinalamos quando avaliamos a regio metropolitana. Municpios do norte e noroeste tambm apresentam reduzidos valores para o IQM, detendo, porm, uma populao mais reduzida.

    Campos e Angra dos Reis tambm se apresentam como polos importantes. Convm ressaltar que os municpios que compem e situam-se no entorno da Bacia de Campos sofreram uma mudana drstica no perfil de sua ocupao nas ltimas dcadas, em funo das atividades ligadas cadeia produtiva da extrao de petrleo, como, por exemplo, Maca e Rio das Ostras.

    Assim, o formato metropolitano, representado pelos anis con-cntricos e pela distino entre asfalto e periferia, complementa-do pela existncia de municpios de maior importncia regional, porm cercados por uma quantidade de municpios mais pobres, em todas as regies e com pesos populacionais distintos. Essa es-trutura dos municpios do Estado do Rio de Janeiro descrita pelo IQM converge com indicadores mais atuais, como os indicadores sociais municipais produzidos pelo IBGE a partir de 2010 (IBGE:

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

    38

    2011) e do PNUD, com o seu ndice de desenvolvimento humano municipal (IDH-m), tambm a partir de informaes do IBGE de 2010 (PNUD/IPEA/Joo Pinheiro: 2013).

  • 39

    V. A populao e a evoluo do eleitorado

    No que diz respeito relao entre o eleitorado e a populao, ob-serva-se o crescimento de ambos entre 1982 e 2010, embora a proporo do eleitorado sobre a populao tenha aumentado significativamente, passando de 53% para 72%, o que pode ser visualizado nos grficos 3 e 4 a seguir. O crescimento do eleitorado em face da populao indi-ca por um lado o processo de incorporao formal de eleitores, com a Constituio de 1988, mas, sobretudo, o processo de envelhecimento e longevidade experimentado neste perodo.

    Grfico 3 Populao e eleitores no Estado do Rio de Janeiro,

    1982 a 2010 (em milhes)

    Fontes: IBGE: Projees de populao/revises 2008 e 2013, capturado na internet em 11 de dezembro de 2013 nos endereos:http://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm?caminho=Projecao_da_Populacao/ Revisao 2008_Projecoes_1980_2050/ e http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default_tab.shtm

    Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Regional do Rio de Janeiro, registros administrativos 1982 a 2010.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    J o quadro 1 e o grfico 5 mostram a evoluo mais detalhada do eleito-rado, podendo ser observado que o papel exercido pela capital vem decres-cendo ao longo dos anos de 1982 a 2010. A capital do Estado detinha 47% de eleitores em relao ao total, decaindo para 40% em 2010, embora tenha ex-perimentado um crescimento de 87%, dos seus 6,2 milhes de eleitores para 11,6 milhes. Em contrapartida v-se o maior aumento no crescimento de eleitores na periferia metropolitana e no interior, superior a 110%. Ape-sar de manter a sua centralidade, a cidade do Rio de Janeiro apresenta uma tendncia de convivncia com a emergncia e o fortalecimento de outros polos ou municpios, destacando-se aqueles ligados s atividades petrolferas e no outro lado do Estado o polo industrial, representado pelas cidades de Resende, Porto Real e Volta Redonda.

    Grfico 4 Proporo de eleitores e no eleitores no Estado do Rio de Janeiro, 1982 a 2010

    Fontes: IBGE: Projees de populao/revises 2008 e 2013, capturado na internet em 11 de dezembro de 2013 nos endereos:http://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm?caminho=Projecao_da_Populacao/ Revisao 2008_Projecoes_1980_2050/ e http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default_tab.shtm

    Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Regional do Rio de Janeiro, registros administrativos 1982 a 2010.

  • V. A populao e a evoluo do eleitorado

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    Quadro 1 Eleitores (em milhes), segundo a regio do Estado do Rio de Janeiro, 1982 a 2010

    Grfico 5 Proporo de eleitores segundo a regio do Estado do Rio de Janeiro, 1982 a 2010

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

    Os mapas 1 e 2 (embora no diretamente comparveis em funo do aumento do nmero de municpios e zonas eleitorais) ilustram de alguma forma essas mudanas, podendo-se verificar que no caso do municpio do Rio de Janeiro so as reas centrais que apresentam uma decrescente pro-poro de eleitores no perodo, o que pode estar associado ao processo de expulso de moradores para a periferia, assim como a expanso de novas reas nobres na direo litornea de sua zona oeste (Barra e Recreio dos Bandeirantes).

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Mapa 1 Proporo de eleitores por municpios e zonas eleitorais (capital) do Rio de Janeiro, 1982 (%)

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • V. A populao e a evoluo do eleitorado

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    Mapa 2 Proporo de eleitores por municpios e zonas eleitorais (capital) do Rio de Janeiro, 2010 (%)

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Vinte dos 92 municpios do Estado do Rio de Janeiro (22%) detm 82,8% da populao, conforme pode ser observado no quadro 2, o que, como foi assinalado, o reflexo da sua forte concentrao urbana, es-pecialmente metropolitana. Embora populosos, alguns desses muni-cpios, conforme igualmente visto, vivem ainda em uma situao de maior pobreza dentro do Estado, como So Gonalo, Nova Iguau, So Joo de Meriti, Belford Roxo, Mag e Itabora. Outros formam polos de desenvolvimento econmico fora do eixo metropolitano, como Duque de Caxias, Campos, Petrpolis, Volta Redonda, Nova Friburgo, Maca, Terespolis e Angra dos Reis.

    Quadro 2 Municpios com o maior nmero de eleitoresdo Estado do Rio de Janeiro, 2010

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

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    VI. Abstenes e votos brancos e nulos para presidente e governador no Estado do Rio de Janeiro

    A no participao poltica por meio das abstenes, conforme as-sinalado, est sujeita a um conjunto amplo de fatores que vo dos na-turais, como a densidade populacional, demogrficos (envelhecimento da populao e migrao), ou mesmo a impossibilidade ou a mera de-ciso individual de no participar, seja por motivos polticos de rejeio ao sistema poltico ou aleatrios. J as taxas de votos brancos e nulos apresentam condicionantes que podem ser mais bem delimitadas.

    Como veremos nesta seo, lembrando que no nos foi possvel de-sagregar os votos brancos dos nulos para todo o perodo em anlise, tentaremos identificar alguma lgica tanto para o comportamento das abstenes, quanto para esse indicador agregado (brancos e nulos) ao longo do tempo, avaliando a possvel existncia de padres geogrficos.

    O grfico 6 mostra inicialmente a evoluo da taxa de abstenes e

    tambm a de votos brancos para as seis eleies realizadas entre 1989 e 2010. A taxa de absteno parte de 7%, principalmente por ter tido a motivao de ser a primeira aps o golpe militar de 1964 e porque o re-cadastramento eleitoral foi realizado em 1986, eliminando do cadastro o registro dos eleitores falecidos. Essa taxa sobe at atingir 20% em 1998, o que pode em parte se justificar pela situao do cadastro que ainda nes-se momento sofreu a sobrenumerao dos eleitores mortos, provocando uma artificialidade para o valor do indicador. Em 2002 e 2006, com as elei-es, a taxa estabiliza-se em 15%, voltando a aumentar para 17% em 2010.

    Por seu lado, a taxa de votos brancos e nulos tem o seu mais baixo va-lor em 1989, da mesma forma que a absteno, aumentando nos anos se-guintes de 1994 e 1998, para reduzir-se em 2002, aumentando em 2006 e 2010 para o patamar de 10%. A juno dos dois indicadores mostra uma oscilao que parte de 10% em 1989, mas que permanece alta, acima dos 20% em outras eleies, atingindo 32% em 1998, 25% em 2006 e 26% em 2010, o que preocupante, na medida em que as eleies presidenciais so as principais do nosso sistema poltico e a despeito da relativizao das causas da absteno.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Grfico 6 Taxa de abstenes e de votos brancos e nulos para presidente da Repblica no Estado do Rio de

    Janeiro (primeiro turno), 1989 a 2010

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

    O grfico 7 mostra os dois indicadores para as trs eleies presi-denciais que passaram por dois turnos, 2002, 2006 e 2010, em que a principal observao a ser feita, de natureza poltica, a tendncia de aumento tanto para as abstenes quanto para os votos brancos e nulos entre um turno e outro (com exceo de 2002, quando estabilizam-se em 6% nos dois pleitos).

    A conotao parece evidente: parte do eleitorado decide no compa-recer, ou votar nulo ou branco no segundo turno, em funo da derrota do seu candidato no primeiro, no encontrando uma alternativa entre os dois vitoriosos do primeiro turno. De qualquer forma, a soma dos indicadores mostra o aumento da no participao no segundo turno, atingindo 29% em 2006 e 30% em 2010. Deve ser ressaltado, ainda, que as duas disputas mais recentes apresentaram como alternativas efe-tivas no primeiro turno trs foras polticas: Lula, Alckmin e Helosa Helena em 2006, Dilma, Serra e Marina Silva em 2010. A existncia de uma terceira alternativa ou fora pode ter levado ao aumento desses indicadores entre os dois turnos, nesses anos.

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • VI. Abstenes e votos brancos e nulos para presidente e governador no Estado do Rio de Janeiro

    47

    Grfico 7 Taxa de abstenes e de votos brancos e nulos para presidente da Repblica no Estado do Rio de Janeiro

    (eleies do primeiro e segundo turno), 2002 a 2010

    Quanto s oito eleies para governador de Estado realizadas no Rio de Janeiro, so avaliadas as taxas de absteno, que para o primeiro turno quando so casadas com as presidenciais apresentam os mesmos valores (1994, 1998, 2002, 2006 e 2010). A despeito disso, mantivemos essas taxas na anlise das eleies para governador. Os resultados en-contram-se no grfico 8.

    As abstenes partem de 12%, um percentual que poderia ser ainda mais reduzido, caso tivesse ocorrido o recadastramento, o que acontece em 1986, quando a taxa de absteno a menor de todo o perodo (4%). Da em diante sobe para 10% em 1986, aumentando para 15% em 1990 (no houve eleio presidencial nesse ano e sim no anterior), atingindo 20% em 1998, como foi visto no caso do pleito presidencial. Essa srie torna mais plausvel que a absteno entre 1994 e 2006 esteja estabilizada em torno dos 15%, descontando-se a sobrenumerao de 1998, obtendo afinal um aumento de 2%, atin-gindo 17% em 2010.

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Grfico 8 Taxa de abstenes e de votos brancos e nu-los para governador no Estado do Rio de Janeiro

    (primeiro turno), 1982 a 2010

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

    J para o caso dos votos brancos e nulos, estes considerados unica-mente para as eleies de governador, o movimento difere. Parte-se de 7% em 1982, a menor taxa correspondendo primeira eleio para esse cargo, no perodo democrtico recm-iniciado. Eleva-se para 10% em 1986, para dobrar para 20%, a maior taxa da srie na eleio seguinte em 1990.

    Esse alto valor merece uma explicao. Em 1986 o PMDB elegeu 26 dos 27 governadores no Brasil, em apoio poltica do Plano Cruzado, de controle de preos e inflao, implementado no decorrer do governo do presidente Jos Sarney, signatrio dessa legenda, e que naquele mo-mento eleitoral obteve um forte apoio popular, refletido nos resultados da eleio de 1986. Entretanto, na eleio seguinte, alm do malogro do Plano Cruzado, a populao comeava a experimentar as agruras do Plano Collor, principalmente com o confisco dos depsitos de pou-pana, tornando a eleio no plano nacional mais fragmentada entre os partidos e justificando a votao em branco e nulo que atingiu em 1990

  • VI. Abstenes e votos brancos e nulos para presidente e governador no Estado do Rio de Janeiro

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    os 20% dos eleitores. Nesse mesmo contexto das eleies de 1990, Leo-nel Brizola, que j havia sido candidato em 1989 presidncia da Rep-blica, ganha a eleio no Estado em primeiro turno, com 61% dos votos vlidos, tambm uma expresso dessa insatisfao ao nvel regional.

    Enquanto as abstenes aumentam entre 1990 e 1998, para depois se reduzirem, as taxas de votos brancos e nulos caem continuamente para as eleies de governador entre 1994 e 2002, quando situam-se em 7%. A dis-puta estadual para o governo parece ter ficado mais competitiva durante esse perodo. Entretanto, a partir de 2006, as taxas de votos brancos e nulos voltam a crescer significativamente atingindo 14,5% em 2010.

    Da mesma forma que as eleies presidenciais ocorridas entre o primeiro e segundo turno, as eleies para governador do Estado com dois turnos (1994, 1998 e 2006) mostram a mesma e principal caracte-rstica: um aumento das taxas de no participao entre os dois turnos, reforando a tese de que o segundo pleito afasta parte dos que parti-ciparam do primeiro, em funo da recusa das duas alternativas que prevalecem (grfico 9).

    Grfico 9 Taxa de abstenes e de votos brancos e nulos para governador no Estado do Rio de Janeiro

    (eleies do primeiro e segundo turno), 1994 a 2006

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Comparando o crescimento relativo da no participao entre os dois turnos (seja pela absteno, seja pelos votos brancos), nota-se que para as eleies presidenciais o crescimento dessa no participao menor do que para as eleies de governador: crescimento relativo entre os turnos de 9,5% em 2002, 8% em 2006 e 13,5% em 2010 nas elei-es presidenciais e 14% em 1994, 17% em 1998 e 25% em 2006 para as eleies de governador. A justificativa o maior apelo das eleies presidenciais, secundadas pelas de governador, reduzindo as perdas na participao.

    Uma vez feita a descrio temporal dos indicadores de no partici-pao nos voltaremos para a existncia de padres geogrficos para as taxas de absteno e para as taxas de votos brancos e nulos. A partir de uma anlise de correlao e de uma anlise fatorial, cujos resultados encontram-se no quadro 5, nos anexos, o procedimento estatstico ser explicado mais detalhadamente adiante, quando tratarmos da direo dada aos votos presidenciais e de governador, chegando concluso de que a mdia das taxas de absteno e de votos brancos e nulos bastam como descritores gerais para o perodo observado entre 1982 e 2010.

    O mapa 3 a seguir mostra a mdia da taxa para 64 municpios e 26

    zonas eleitorais, na medida em que tivemos que regredir s informa-es para a conformao espacial de 1982, a fim de torn-las compat-veis com as informaes posteriores at 2010.

    Assim, o mapa que se segue deve ser interpretado levando-se em conta essas duas restries. Uma a de que se trata de uma mdia, ou seja, de um padro, que embora relevante, pois testado estatistica-mente, no corresponde a todas as taxas de abstenes observadas no perodo, tornando-se uma aproximao a mais fiel como um todo do perodo eleitoral, desconsiderando as particularidades de cada elei-o. A outra restrio metodolgica rene municpios recm-criados aos mais antigos, para que a formao da mdia fosse possvel. O mapa deve ser lido, portanto, como uma perspectiva mais regional e menos municipal, o mesmo ocorrendo com as zonas eleitorais que sofreram uma desagregao de 26 para 96 zonas atuais.

    Feitas as restries pode-se observar que o fenmeno das absten-

    es em geral atinge as regies norte e noroeste do Estado, alcanando a Regio dos Lagos, os municpios de Silva Jardim, Itagua, o ento

  • VI. Abstenes e votos brancos e nulos para presidente e governador no Estado do Rio de Janeiro

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    municpio de Nova Iguau e Parati. Dentro da capital, na faixa lito-rnea e nas zonas sul e norte, alm de alguns subrbios da Central, onde a incidncia maior, contrastando com as reas suburbanas de forma geral e com a zona oeste. Como foi visto, torna-se uma dificul-dade apontar uma causalidade nica ou mesmo mltipla para expli-car esse indicador, podendo ser fatores possveis a idade elevada na zona sul carioca e processos de migrao em municpios do norte e noroeste do Estado, por exemplo.

    Utilizamos os mesmos procedimentos para os votos brancos e nu-

    los, reunindo as taxas das eleies presidenciais e de governador, ob-tendo, pela anlise das correlaes e extraindo uma anlise fatorial, a concluso de que novamente a mdia seria adequada para a explica-o do padro geogrfico para esse indicador, conforme apresentado no mapa 4.

    Pelo cartograma, evidencia-se outro padro, em que os menores nveis de votos brancos e nulos so em reas da zona sul e da zona norte do Rio de Janeiro, elevando-se em zonas do subrbio e zona oeste. Valores maiores so encontrados no interior do Estado em par-te da Regio Serrana como Terespolis, Nova Friburgo e municpios em seu entorno, Natividade e Laje de Muria no Norte, alm de Rio Claro, no lado oposto do Estado. Ainda no interior, a regio norte e a Regio dos Lagos de maneira geral apresentaram altas taxas de abs-teno e detm taxas mais reduzidas de votos brancos e nulos.

    O grfico 10, correlacionando as taxas de absteno e a taxa de votos brancos e nulos para as 100 unidades espaciais de anlise, iden-tificando as zonas da capital, regio metropolitana e interior, mostra uma baixa correlao entre os dois indicadores, atestando que devem ser tratados efetivamente de forma separada. Nota-se ainda, segun-do o grfico, a menor tendncia aos votos brancos e nulos na capital, seguida pela regio metropolitana e pelo interior, padro no obser-vado quanto s abstenes. Pelo grfico 10 observa-se que h uma separao entre a capital, a periferia metropolitana e o interior quanto aos votos brancos e nulos, o que no ocorre com as abstenes.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Mapa 3 Taxa de absteno mdia entre 1982 e 2010para eleies de presidente e governador no Estado do

    Rio de Janeiro (%)

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • VI. Abstenes e votos brancos e nulos para presidente e governador no Estado do Rio de Janeiro

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    Mapa 4 Taxa de votos brancos e nulos mdia entre 1982 e 2010 para eleies de presidente e governador no

    Estado do Rio de Janeiro (%)

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Grfico 10 Correlao entre a mdia das taxas de absteno e de votos brancos e nulos, de 1982 a 2010,

    segundo as reas da capital, regio metropolitana e interior do Estado do Rio de Janeiro

    Fonte: Tribunal Regional Eleitoral/TRE, registros administrativos 1982 a 2010.

  • 55

    VII. A importncia das eleies para presidente e governador

    So os cargos para o Executivo federal e estadual os mais impor-tantes na estrutura e na hierarquia dos mandatos majoritrios do sis-tema poltico brasileiro: uma democracia representativa federalista, republicana e presidencialista, na qual o presidente forma a coalizo necessria para articular a lgica da administrao nacional com os interesses regionais, que tm nos governadores figuras centrais. Essa predominncia poltico-institucional evidentemente complementada pelas demais instituies polticas, incluindo o Executivo municipal, o parlamento (em seus diferentes nveis e composio de interesses) e o Judicirio. Essa lgica do exerccio do poder presidencial ligado ao atendimento regional vocalizado pelos governadores especificado no artigo de Abranches (1988).

    As eleies majoritrias, considerando sua maior importncia para o eleitorado, traduzem, com seus resultados, diferenas geogrficas as-sociadas ao voto, que por sua vez repercutem padres com significa-dos sociais e demogrficos, permitindo uma interpretao sociolgica marcada pela atuao das principais lideranas polticas, que ao longo desse processo se apresentam com as suas candidaturas e se colocam, no plano da escolha pelo eleitor, frente de seus partidos.

    Este estudo, como j foi afirmado, trata das eleies para presidente e governador realizadas no perodo entre 1982 e 2010 no Estado do Rio de Janeiro, sendo essas as disputas que estruturam a poltica regional.

    Pelo exame das similaridades e distncias geogrficas entre as vota-es obtidas no perodo, pelas 23 principais candidaturas de presidente e 31 de governador nos municpios do Estado e nas zonas eleitorais da capital, ser possvel identificar os campos eleitorais predominantes e o seu posicionamento no plano geral das disputas.

    O pressuposto presente que a dimenso geogrfica articula-se com a dimenso sociodemogrfica, que por sua vez associa-se a padres de competio eleitoral, ao longo do tempo, tornando-se necessria uma maior especificao de sua estrutura e dinmica.

  • De Brizola a Cabral. De Collor a Dilma - A geografia do voto no Rio de Janeiro de 1982 a 2010

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    Para a anlise das distncias e similaridades entre os candidatos, do ponto de vista geogrfico, formaram-se duas matrizes de indicado-res, uma para governador e outra para presidente, contendo em um de seus eixos (vertical) o percentual de votos vlidos obtido por essas candidaturas, considerando o primeiro e o segundo turno. O eixo ho-rizontal refere-se a 90 unidades espaciais que dividem o Estado em 64 reas, correspondentes aos municpios existentes em 1982, e capital, dividida em 26 reas relativas s zonas eleitorais igualmente existentes em 1982.

    Aplicou-se a essa matriz a tcnica da anlise fatorial, de forma a identificar pela anlise estatstica a existncia de padres e diferenciais espaciais do voto. A anlise fatorial um instrumento estatstico que surgiu no sculo XIX, sendo aplicado em estudos sobre a personalidade e aspectos da psicologia humana. Ao longo do sculo XX sua utiliza-o se estendeu aos domnios dos estudos mercadolgicos, at chegar sua aplicao aos temas geogrficos e, na sequncia, eleitorais (Taylor e Jonnston: 1979).

    Uma vez especificados os indicadores (no caso os votos vlidos dos candidatos), a anlise fatorial por componentes principais hierarquizou os principais fatores extrados (sendo o primeiro fator mais explicativo que o segundo, e assim sucessivamente). Obteve-se, alm da hierar-quizao, um procedimento de sntese pela identificao das principais foras eleitorais no estado em sua disperso geogrfica.

    Convm ain