AS TÉCNICAS PEDAGÓGICAS DE CÉLESTIN FREINET...Freinet demonstrou, em suas pesquisas, formas de se...

17
AS TÉCNICAS PEDAGÓGICAS DE CÉLESTIN FREINET: UM ESTUDO DE CASO COM O “JORNAL ESCOLAR” Autores: CARLOS ADRIANO MARTINS / MARIANA ALOISI RESUMO O presente artigo demonstra, por meio de pesquisa bibliográfica e estudo de caso, as aplicações das metodologias propostas pelo educador Célestin Freinet (1896-1966). Algumas de suas atividades e técnicas são discutidas entre autores conhecedores do pedagogo francês, bem como a funcionalidade de suas idéias e ideais no âmbito educacional, mais detidamente no ensino das crianças e dos adolescentes. Destaca-se o longo trabalho e o movimento em prol da renovação e modernização da escola, fruto das discussões no movimento escola-novista, na primeira metade do século XX. Freinet demonstrou, em suas pesquisas, formas de se resgatar a afetividade dos alunos na escola, tornando-a mais prazerosa, na tentativa de formar uma identidade que demonstre a real função social de uma escola inclusiva, construtora de conhecimentos, temas pertinentes discutidos na atualidade, em que a educação passa pela famigerada globalização. Dentre as diversas técnicas difundidas por Freinet, destaca-se o Jornal Escolar, desenvolvido em uma escola de educação infantil no município de Piracicaba-SP. A dinâmica possibilitou aos alunos que participaram do processo uma vivência e a posterior experimentação dos procedimentos para a elaboração do Jornal Escolar. Houve seleção dos temas de acordo com o currículo e os programas de ensino da escola, bem como da abordagem sociocultural e histórica da região onde a instituição escolar está inserida. Foi feita visita ao jornal da cidade e verificação do processo de trabalho de um editorial. O professor explorou os aspectos da comunicação entre as crianças, seus sentidos, significados e expressões da descoberta, o encontro com o novo, o desconhecido, o que, posteriormente, foi desdobrado em construções coletivas e sociais de novos conhecimentos e aprendizados, estreitando ainda mais a relação aluno-professor e promovendo a liberdade de expressão das crianças na educação infantil. Produções artísticas, culturais e educativas foram realizadas, visando-se aos princípios da pedagogia de Freinet, por meio de rodas de conversa, aulas-passeio, oficinas, álbuns, livro da vida, dentre outras atividades. A elaboração do Jornal Escolar pelas crianças, em especial, mostra-nos que os alunos podem vivenciar momentos de interdisciplinaridade, de produção coletiva do conhecimento, de socialização de atividades e de integração ao grupo de colegas e professores e socializar esses conhecimentos entre as famílias, os amigos e a comunidade onde vivem e interagem, valorizando o conhecimento construído no sentido de formar cidadãos reflexivos, felizes e preparados para viver em um mundo de constantes mudanças. PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia freinetiana. Renovação da escola. Técnicas de ensino. Jornal Escolar. Educação infantil.

Transcript of AS TÉCNICAS PEDAGÓGICAS DE CÉLESTIN FREINET...Freinet demonstrou, em suas pesquisas, formas de se...

  • AS TÉCNICAS PEDAGÓGICAS DE CÉLESTIN FREINET:

    UM ESTUDO DE CASO COM O “JORNAL ESCOLAR”

    Autores: CARLOS ADRIANO MARTINS / MARIANA ALOISI

    RESUMO

    O presente artigo demonstra, por meio de pesquisa bibliográfica e estudo de caso, as aplicações

    das metodologias propostas pelo educador Célestin Freinet (1896-1966). Algumas de suas

    atividades e técnicas são discutidas entre autores conhecedores do pedagogo francês, bem como

    a funcionalidade de suas idéias e ideais no âmbito educacional, mais detidamente no ensino das

    crianças e dos adolescentes. Destaca-se o longo trabalho e o movimento em prol da renovação e

    modernização da escola, fruto das discussões no movimento escola-novista, na primeira metade

    do século XX. Freinet demonstrou, em suas pesquisas, formas de se resgatar a afetividade dos

    alunos na escola, tornando-a mais prazerosa, na tentativa de formar uma identidade que

    demonstre a real função social de uma escola inclusiva, construtora de conhecimentos, temas

    pertinentes discutidos na atualidade, em que a educação passa pela famigerada globalização.

    Dentre as diversas técnicas difundidas por Freinet, destaca-se o Jornal Escolar, desenvolvido em

    uma escola de educação infantil no município de Piracicaba-SP. A dinâmica possibilitou aos

    alunos que participaram do processo uma vivência e a posterior experimentação dos

    procedimentos para a elaboração do Jornal Escolar. Houve seleção dos temas de acordo com o

    currículo e os programas de ensino da escola, bem como da abordagem sociocultural e histórica

    da região onde a instituição escolar está inserida. Foi feita visita ao jornal da cidade e verificação

    do processo de trabalho de um editorial. O professor explorou os aspectos da comunicação entre

    as crianças, seus sentidos, significados e expressões da descoberta, o encontro com o novo, o

    desconhecido, o que, posteriormente, foi desdobrado em construções coletivas e sociais de novos

    conhecimentos e aprendizados, estreitando ainda mais a relação aluno-professor e promovendo a

    liberdade de expressão das crianças na educação infantil. Produções artísticas, culturais e

    educativas foram realizadas, visando-se aos princípios da pedagogia de Freinet, por meio de

    rodas de conversa, aulas-passeio, oficinas, álbuns, livro da vida, dentre outras atividades. A

    elaboração do Jornal Escolar pelas crianças, em especial, mostra-nos que os alunos podem

    vivenciar momentos de interdisciplinaridade, de produção coletiva do conhecimento, de

    socialização de atividades e de integração ao grupo de colegas e professores e socializar esses

    conhecimentos entre as famílias, os amigos e a comunidade onde vivem e interagem, valorizando

    o conhecimento construído no sentido de formar cidadãos reflexivos, felizes e preparados para

    viver em um mundo de constantes mudanças.

    PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia freinetiana. Renovação da escola. Técnicas de ensino. Jornal

    Escolar. Educação infantil.

  • INTRODUÇÃO

    O pedagogo francês Cèlestin Freinet nasceu em 15 de outubro de 1896, no sul da França,

    num vilarejo situado nos Alpes Marítimos.

    Em 1920, Freinet iniciou seus trabalhos em uma escola instalada numa casa antiga, pobre

    e escura, com carteiras em mau estado e alinhadas à maneira tradicional. Apesar de faltar

    experiência pedagógica a ele, afinal não tinha terminado o curso normal por conta da guerra,

    trazia consigo um profundo respeito pela criança.

    Recomeçou a estudar sozinho, diariamente anotava aquilo que ouvia de seus alunos,

    registrava as observações que considerava originais, o comportamento e características das

    crianças, como seus fracassos e sucessos. Com isso, foi descobrindo os interesses, os problemas

    e a individualidade de cada estudante.

    Conhecendo assim, cada vez mais seus alunos, percebeu que existiam outras formas de

    melhorar o relacionamento entre as crianças e seus professores. Começou então, a questionar a

    eficiência das rígidas normas educacionais como: filas, horários e programas exigidos

    oficialmente. Ficou claro para ele que, o interesse das crianças estava “lá fora”: nos bichinhos

    que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, no vôo dos pássaros ou no zumbido das

    abelhas.

    Assim, surgiu a noção de escola ativa, ou seja, a escola que toma como ponto de partida,

    a atividade espontânea, pessoal e produtiva da criança, bem como, sua atividade manual,

    construtiva, mental, suas ações, afeições, interesses, gostos predominantes, suas manifestações

    sociais, entre outros.

    Freinet colaborou com mudanças necessárias e profundas na educação, e acreditava que

    elas deveriam ser feitas pela base, ou seja, pelos próprios professores. O movimento pedagógico

    fundado por ele caracteriza-se por sua dimensão social, evidenciada pela defesa de uma escola

  • centrada na criança, que é vista não como um indivíduo isolado, mas, fazendo parte de uma

    comunidade, modificando a relação tradicional entre professor e aluno.

    Um dos aspectos mais relevantes de seu trabalho foi sem dúvida, o fato de abrir todos os

    caminhos possíveis para que alunos e professores pudessem se expressar livremente, tendo a

    oportunidade de apresentar suas idéias e também de divulgar suas experiências.

    Nesse sentido, acreditava que todos, adultos e crianças, deveriam ter seus direitos

    garantidos. À criança, sobretudo, era preciso dar o direito de viver plenamente como criança, sob

    todos os aspectos. Era necessário respeitá-la para que pudesse desenvolver suas capacidades e

    personalidade, sem afastar-se de uma finalidade social e humana mais ampla, sendo acima de

    tudo, um humanista.

    O respeito ao ser humano, expresso pelo respeito à criança, era a garantia para as

    realizações futuras, era a certeza de que a criança quando adulta estaria pronta a defender os

    direitos de todos, aprendendo a trabalhar pela coletividade.

    Ele procurava nos educadores de sua época, o respaldo de uma pedagogia preocupada

    com a alegria de viver, mas em todos eles, só encontrava o acúmulo do saber como eixo

    principal. Para ele, isso era um reforço para continuar sua busca, pois cada vez mais se sentia no

    caminho certo, um novo caminho, que outros não ousavam trilhar.

    Para os alunos dele, a curiosidade e a ânsia de saber mais o levavam a encontrar soluções

    para seus inúmeros problemas, até descobrir pormenores que certamente acirravam ainda mais o

    descontentamento da educação tradicional.

    E assim, lutou combativamente e com todo entusiasmo contra a situação das escolas de

    sua época, criticou o fato de que nas condições em que os alunos são postos em contato com a

    vida, tornam-se incapazes de julgar, propor novas idéias, criticar artigos de jornais ou até mesmo

    compreendê-los:

    Obstinar-se em fazer pedagogia pura seria na atual conjuntura um erro e um crime. A

    defesa das nossas técnicas faz-se simultaneamente em duas frentes... Obedecer de olhos

  • fechados, não julgar nem argumentar de forma lógica, só ouvir e repetir, eram essas as

    marcas da pedagogia tradicional. Era uma educação que conduzia à ditadura, pois

    incentivava o acúmulo de conhecimentos, favorecia uma conduta dogmática, impunha

    uma disciplina autoritária... (FREINET apud SAMPAIO, 1989, p.63).

    OS SABERES DE FREINET

    Realizamos esta pesquisa com o intuito de compartilhar e socializar a possibilidade de,

    nos tempos atuais, utilizarmos as ciências da educação, bem como algumas das técnicas de

    trabalho difundidas pelo pedagogo francês Célestin Freinet (1896-1966). Sua proposta tem uma

    concepção diferenciada de educação, que prevê a modernização e a renovação da escola popular,

    o rompimento de idéias autocráticas e autoritárias defendidas pela escola tradicional, bem como

    traz à tona o poder transformador da escola.

    Desse modo, a proposta de Freinet está em consonância com a visão de que o estudante é

    um cidadão com responsabilidades, autônomo, um ser pensante, ativo e criativo, que

    experimenta, que vivencia as diversas situações cotidianas, que age e interage com seu meio. A

    partir dessa perspectiva, as técnicas difundidas por Freinet ganham sentido e significado no

    contexto escolar, pois foram construídas com base na experimentação e documentação,

    oferecendo ferramentas para que a criança aprofunde seus conhecimentos e progrida em suas

    ações.

    Dentre essas técnicas, o jornal escolar foi discutido significativamente como um

    instrumento que se constitui em um elo entre a classe e o grupo social em que a criança está

    inserida. Representa a expressão viva de personalidades que se estão formando e torna-se reflexo

    de fontes permanentes de emoção. Propicia-se, então, com essa técnica, a formação ética e o

    senso crítico das crianças e adolescentes, possibilitando a intervenção na vida da escola.

    Para Sampaio (1989), a pedagogia freinetiana tem como alvo principal o atendimento da

    necessidade vital da criança, envolvendo aspectos primordiais como o senso de responsabilidade,

    o senso cooperativo, a sociabilidade, a reflexão individual e coletiva, a criatividade, a expressão,

    a comunicação, o “saber fazer”, os conhecimentos úteis e a capacidade de reduzir os pontos de

    desigualdades socioculturais. Assim, esses elementos reunidos podem garantir à criança seu

  • pleno desabrochar como um indivíduo autônomo, um ser social responsável, co-detentor e co-

    edificador de uma cultura.

    Nesse sentido, como aponta Dias (1994), a pedagogia freinetiana afasta-nos de duas

    tendências dominantes: o infantilismo, que deixa a criança aquém de suas possibilidades, e o

    escolarismo, com que se pretende preparar a criança precocemente para o ensino fundamental. É

    apontado, ainda, que Freinet acreditava na aquisição do conhecimento, mas de forma

    significativa. Sua proposta pedagógica, em que se mesclam teoria e prática, aborda instrumentos

    e meios primordiais para possibilitar a participação e o interesse da criança. Estes instrumentos e

    meios também são mediadores do despertar da motivação para o trabalho. A experiência é a

    possibilidade para que a criança chegue ao conhecimento, assim, a criação, o trabalho e a

    experiência, por sua ação conjunta, resultam na aprendizagem. Freinet enfatizava que a educação

    das crianças devia extrapolar os limites da sala de aula e explorar as experiências vividas por elas

    em seu meio social.

    Assim sendo, de acordo com Kramer (1999), as crianças são vistas como pequenos

    cidadãos, que com acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade

    através do trabalho escolar, se constituirão em indivíduos críticos, criativos, autônomos e

    capazes de agir no seu meio e transformá-lo.

    Cèlestin Freinet trabalhou suas metodologias por meio de atividades como: aula-passeio,

    roda de conversa, elaboração de álbuns e de livro da vida, oficinas (ateliês), por exemplo:

    casinha, recorte e colagem, desenho, modelagem (massa de modelar), sucata, pintura, jogos

    pedagógicos e blocos de construção, biblioteca, estudos do meio etc.

    Seguindo a proposta metodológica de Freinet, procuramos restringir a pesquisa ao estudo

    e à aplicação do Jornal Escolar na educação infantil.

    Freinet sempre buscava atividades espontâneas, pessoais e produtivas de cada criança,

    deixando que a vida entrasse na sala de aula, mediante anotações. No entanto, ele não

    concordava com o fato de que essas atividades que se tornavam produções ficassem guardadas

  • nos armários e, sim, que pudessem ser úteis para outras pessoas. Foi então que surgiu a idéia do

    jornal escolar, que era editado cooperativamente pela classe, com textos trabalhados

    coletivamente e ilustrações individuais, impressos e duplicados em limógrafos (utensílio usado

    por professores adeptos da pedagogia freinetiana para a impressão, feito de madeira, pedaços de

    náilon, dobradiças e goma laca), mimeógrafos e impressoras. Assim, as crianças que ainda não

    sabiam ler nem escrever contavam suas histórias e ilustravam-nas com diferentes materiais. A

    importância do jornal, segundo Freinet, era valorizar a expressão e o trabalho individual e

    coletivo dos grupos, promoverem a ampliação da comunicação e a interação do grupo e permitir,

    a cada criança, pensar, criar e expressar-se em diversas situações.

    Com isso, o trabalho do jornal proporciona uma forma de os alunos participarem de

    experiências de um fazer completo: ao mesmo tempo intelectual e manual / individual e coletivo,

    possibilitando descobertas e diferentes leituras e interpretações. Dessa forma, a organização de

    uma escola que trabalhe com a pedagogia freinetiana deve conter, em suas classes, cantos de

    trabalhos correspondentes aos ateliês, separados por armários, de forma que as crianças se

    instalem de maneira confortável e o material possa estar ao alcance delas. Nesses cantos, as

    crianças terão uma maior liberdade de ação, permitindo um relacionamento mais amplo entre

    elas, bem como trocas de experiências com a professora.

    O JORNAL ESCOLAR

    O jornal escolar é uma das diversas técnicas propostas por Freinet e, de acordo com

    Sampaio (1989), constitui-se como elo entre a classe e o grupo social em que a criança está

    inserida e a comunidade. Desse modo, o jornal escolar será portador da vida de cada estudante

    que produziu um poema, que redigiu um texto ou que fez uma ilustração. Torna-se, então, mais

    que um apelo, um grito ou um comunicado, ele representa a expressão viva de personalidades

    que se estão formando, torna-se reflexo de fontes permanentes de emoção. O jornal certamente

    contribui para a cidadania das crianças e adolescentes, pois oferece a possibilidade de intervir na

  • vida da escola e da cidade, além de oferecer aos adultos a tomada de consciência de problemas e

    atitudes aos quais não davam tanta importância. Sampaio aponta ainda que essa técnica

    possibilita o desenvolvimento do senso crítico dos estudantes, indispensável para a formação de

    cidadãos responsáveis.

    É por meio do texto impresso que o pensamento e a cultura são consagrados. Assim, um

    jornal bem feito não precisa do estímulo de notas ou prêmios, ele é em si o próprio objetivo, isto

    é, cada classe terá seu jornal, com suas características próprias.

    De acordo com essa perspectiva, o jornal também está dirigido a outras pessoas além

    daquelas que o produziram, por exemplo, a outras classes, a outras escolas, ao grupo de amigos,

    à família, enfim, ele é uma mensagem afetiva, que se transforma em arquivo vivo da vida das

    crianças, de suas reações perante o mundo e de suas hesitações.

    Freinet (1974) aponta que o movimento da escola moderna se empenhou em transformar

    em realidade novos recursos que surgiam principalmente por conta da vida ativa e criadora das

    crianças. Então, por volta de 1964, a proposta era que se substituísse a rotina dos antigos

    manuais, dos trabalhos de casa e das lições, impostos autoritariamente pelos adultos, pelo texto

    livre, pela observação, pela experiência, pelos desenhos, pelas pinturas e músicas.

    O texto livre era, então, a expressão natural inicial da vida infantil no seu meio ambiente

    normal, já a observação e a experiência eram indispensáveis para a aquisição de conhecimentos

    em ciências, cálculos, história e geografia. Mas, para a efetivação do uso desses novos recursos,

    tornou-se necessária a criação de novos utensílios ou técnicas de trabalho. Essa motivação

    necessária para a concretização dos recursos ocorreu a partir do jornal escolar, base da

    correspondência interescolar. Era então uma nova técnica de trabalho que timidamente ia

    conquistando os professores da década de 1960 e que “pressupõe a criação de utensílios que

    aperfeiçoamos incessantemente e na utilização dos quais se têm iniciado progressivamente os

    educadores.” (FREINET, 1974). Freinet aponta que a escola tradicional dava início ao trabalho

    pedagógico pelas paredes e tetos para avançar mais depressa e mais rapidamente poder abrigar

  • os que a utilizavam, e só ocorreria melhoria pedagógica, neste esquema, à medida que o

    dinamismo das novas forças triunfasse sobre essas resistências e soubesse construir, pedra a

    pedra, o mundo novo com que se sonhava.

    Ijuim (2001) aponta que o jornal escolar favorece significativamente o processo de

    humanização de seus participantes, educadores e educandos, e sua construção está relacionada à

    valorização do processo jornalístico, ou seja, é algo além de uma narrativa de fatos, é a

    valorização da expressão das ações humanas. Este autor compreende que a técnica do jornal

    escolar, difundida por Freinet, tinha de importante a espontaneidade e a livre expressão dos

    alunos, desenvolvendo, conseqüentemente, o potencial e o desejo de exteriorização de seus

    pensamentos. Ao mesmo tempo, estimulava os estudantes a situarem-se no mundo, a exprimirem

    seus sentimentos, observações, reflexões, criando um ambiente favorável de aventura e

    cooperação.

    No Brasil, essa técnica foi vivenciada em iniciativas isoladas até os anos 1970. Já a partir

    da década seguinte, com o advento da educação como função renovadora, houve certa abertura

    para a experimentação de métodos e técnicas considerados inovadores para a época, inclusive a

    técnica do jornal escolar, que passou a ser sugerida pelas Diretrizes Curriculares da Secretaria de

    Educação de São Paulo.

    Esses experimentos, no entanto, descreve Ijuim (2001), ficaram restritos às atividades

    relacionadas à disciplina de Língua Portuguesa, como instrumento de desenvolvimento da

    expressão oral e escrita, sendo que o tecnicismo predominava na educação escolar. Avançando

    no tempo e seguindo uma tendência mundial, iniciativas norte-americanas e européias

    influenciaram empresas jornalísticas a adotarem campanhas educativas, recomendando às

    escolas o uso de jornais em sala de aula. Este autor enfatiza a experiência de produção de jornal

    escolar sob dois ângulos: conhecer e produzir o jornal, ou seja, reconhecer o jornal não apenas

    como um veículo de comunicação e sim concebê-lo como uma ferramenta que propicia a

    integração de pessoas, de assuntos, de interesses etc.

  • Diante dessa perspectiva, o jornal escolar propicia condições favorável para uma série de

    conquistas desejadas pelo ensino formal, como: clima de motivação e envolvimento, cooperação,

    distinção e reconhecimento (auto-estima), conexão escola e realidade dos alunos, emoção e

    afetividade entre os participantes. O jornal escolar tem seu envolvimento com a produção

    cultural, que, por sua vez, não tem limites de conceitos e informações para serem quantificados

    em uma avaliação periódica, mas tem incorporado a experiência vivida, ou seja, mais que

    aprender um assunto, o estudante aprendeu mais a aprender, a buscar significados e sentidos, a

    traduzir o que aprendeu em novos conhecimentos para si, para o outro e para o mundo.

    ESTUDOS DE CASO

    O relato de experiência desta pesquisa está sustentado na teoria pedagógica de Freinet,

    bem como na técnica do jornal escolar. O que se propõe, então, é compartilhar e socializar a

    possibilidade de desenvolver essa técnica de trabalho no contexto da Educação Infantil.

    Essa experiência ocorreu em uma escola particular de educação infantil, no município de

    Piracicaba-SP, com 18 crianças de 05 anos de idade, em média, mediante a aplicação dessa

    técnica, que não oferece apenas ao estudante informação, mas alegria e prazer no processo de

    ensino-aprendizagem.

    Desse modo, pode-se dizer que teoria e prática caminham juntas, bem como a valorização

    da experimentação, o respeito à individualidade, o incentivo à cooperação, à coletividade, ao

    trabalho em equipe, proporcionando a aquisição e a apropriação do conhecimento de forma

    significativa. Assim sendo, acredita-se que a criança é um sujeito que pode protagonizar sua

    aprendizagem, que é ativa, dinâmica, criativa, um ser pensante, que se posiciona, que toma

    decisões, que exprime seus sentimentos e emoções, que concorda, discorda, compara, estabelece

    relações, entre outros.

    Do ponto de vista metodológico, o desenvolvimento do jornal escolar teve seu início em

    uma roda de conversa (técnica preciosa e imprescindível na rotina da educação infantil), em que

  • todos, alunos e professores, conversaram e exploraram a utilidade desse meio de comunicação,

    sua importância, elementos e aspectos que chamaram a atenção.

    Foi sugerida, então, pelos professores, a idéia de se construir um jornal escolar. O grupo,

    motivado pela idéia, foi composto e escolheu temas pertinentes, que já tinham sido discutidos ao

    longo do ano letivo. Dentre as diversas temáticas que surgiram e foram estudadas no decorrer do

    ano, selecionaram-se, para fazer parte do jornal escolar: “Aula-passeio à redação do Jornal de

    Piracicaba”, “120 Anos da Escola”, “Classificação dos Animais”, “Terrário”, “Gravação do CD

    de Músicas da Escola”, “O Corpo Humano”, “Extração de Pigmentos de Plantas”, “Receitas

    Culinárias com Mandioca” e “Amigo”.

    Em relação ao tema “Aula-passeio”, pode-se dizer que o interesse surgiu no início do ano

    de 2001, devido ao estudo dos meios de comunicação pelo grupo. O assunto surgiu por causa de

    um aparelho telefônico que havia na “oficina da casinha”, que trabalha a representação simbólica

    do real, a reprodução de situações vividas (socialização, dramatização, expressão corporal), e

    contém utensílios de uma casa, com suas devidas proporções às crianças (armários, fogão,

    telefone, roupas etc). A partir disso, novos interesses surgiram. Começamos a pesquisar e foram

    descobertos diferentes formas e instrumentos utilizados na comunicação escrita e oral: telefones

    fixo e celular, computador, fax, carta, telegrama, e-mail, recado, bilhete, jornal, revista, livro,

    gibi, entre outros.

    Dentre esses meios de comunicação, o que mais interessou ao grupo foi o jornal, bem

    como foi despertada a curiosidade de se aprender como ele é feito e produzido. Decidimos,

    então, conhecer todo o processo de produção do jornal até sua impressão, o que ocorreu na aula-

    passeio ao Jornal de Piracicaba. As idéias, opiniões e sugestões das crianças sobre essa temática

    foram expressas durante rodas de conversas e organizadas em forma de um texto coletivo pelos

    professores, votado pelas crianças e publicado no jornal.

  • Figura 1 - Editorial do Jornal “Mundo da Criança”, 2001.

    Já com relação ao “Terrário”, pode-se dizer que foi a continuidade da temática

    “Classificação dos animais”. Percebemos que podíamos cuidar na nossa própria sala, de alguns

    animais pequenos que gostavam de viver na terra, como caracóis, tatu bolinha e besouros.

    Estudamos e pesquisamos um pouco mais sobre eles e construímos um terrário. Os detalhes

    sobre sua construção e estudo constam no texto coletivo organizado pelos professores e

    publicado no jornal, a partir do voto das crianças.

  • Figura 2 - O Terrário, 2001.

    Em outra atividade da escola, decidimos gravar um CD em comemoração ao aniversário

    de seus 120 anos. O grupo de alunos foi até o laboratório de comunicação da Universidade

    Metodista de Piracicaba (UNIMEP) para gravar uma música escolhida e ensaiada pela professora

    de música. Em seguida, as crianças exprimiram o que sentiram e o que acharam, e esse registro

    deu-se em um texto coletivo que foi organizado pelos professores, votado pelas crianças e

    publicado no jornal.

  • Figura 3 - CD do Colégio, 2001.

    O tema “Receitas culinárias” gerou efervescência porque uma criança levou para a escola

    algumas mandiocas de seu sítio. Conversamos sobre esse alimento, sua utilidade, sua

    importância, vimos algumas fotos de plantação de mandioca em livros, contando com o suporte

    do professor de ciências naturais da escola. O grupo decidiu, então, fazer algumas receitas para

    provar a mandioca trazida pela amiga. Com o professor de ciências, pesquisamos algumas

    receitas e as crianças votaram em duas: bolinhas de mandioca e bolo de mandioca.

  • Providenciamos mais algumas mandiocas e fizemos esses pratos na cozinha experimental da

    escola.

    Figura 4 - Nossas Receitas, 2001.

    Podemos afirmar que, no momento em que as atividades aconteciam, as conversas, os

    bate-papos, as opiniões, as sugestões, as vivências, os pensamentos, as expressões e os

    sentimentos eram compartilhados coletivamente nas rodas de conversa. Os professores anotavam

    o que era discutido e contemplavam a fala e a opinião dos estudantes em organização de textos

    coletivos. Os educadores, então, tinham a função de escribas, uma vez que as crianças da faixa

    etária de 05 anos não têm, ainda, domínio da leitura e escrita.

  • A fase seguinte foi a ilustração do jornal escolar com base em diversas técnicas: pintura,

    desenho, colagem, recorte, dobradura, entre outros, e com diversificados materiais: giz de cera,

    lixa, papéis de variadas cores e tamanhos, tesoura, cola, canetas coloridas, lápis de cor, tinta

    guache, esponja etc. Cada estudante ilustrou as páginas de seu jornal, da maneira que quisesse.

    Vale lembrar que as ilustrações foram feitas uma por dia e durante o momento em que as

    crianças se ocupavam das oficinas de trabalho. Depois de todos os jornais prontos, eles foram

    socializados entre os alunos. Cada um contou que materiais e/ou técnicas utilizou, que idéias

    tiveram e de que maneira se organizaram. Posteriormente, as crianças distribuíram o jornal em

    outras salas da escola e depois o levaram para suas casas, estendendo a dinâmica às famílias,

    amigos e comunidade.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Podemos considerar, ao final das atividades e após as discussões, que há a possibilidade

    de se produzir um jornal escolar por meio da metodologia proposta por Freinet, na sala de aula,

    com crianças ainda não-alfabetizadas e, ainda mais, conseguir contemplar os assuntos, as

    expressões, as sugestões, os estudos, as pesquisas relevantes e significativas para o grupo,

    presentes na trajetória de vida dessas crianças. Além do mais, podemos contribuir para a

    formação de cidadãos reflexivos, críticos e atuantes, que se interessam pela pesquisa, que são

    investigativos e que estabelecem relações afetivas, cooperativas e solidárias com o outro, com

    seu grupo e com sua comunidade.

    O desenvolvimento de atividades por meio da metodologia freinetiana não esgota um

    leque imenso de outros métodos de ensino, portanto a escola que tem a pedagogia freinetiana

    como eixo sustentador de seu trabalho pedagógico, bem como uma outra que busque elevar os

    padrões de qualidade da educação nacional, pode priorizar, em suas ações educativas, atitudes

    relacionadas à cooperação e à solidariedade. Partindo dessa perspectiva, a criança é protagonista

    de seu processo de ensino-aprendizagem e construtora de seu conhecimento. A sala de aula, por

  • sua vez, precisa fixar-se como um espaço democrático, o lugar das diferenças e das

    complementaridades. Já o professor precisa estar atento às demandas dos estudantes, àquilo que

    os motiva, que os incita, enfim, àquilo que sentem e expressam.

    A tentativa de re-visitar o legado de Célestin Freinet teve o intuito de questionar diversos

    aspectos depreciativos do tradicionalismo e propor novas perspectivas para a educação.

    Pretendeu-se, também, contestar o autoritarismo, a obediência e a submissão sem razões

    concretas, as atividades e lições descontextualizadas, sem sentido e significado, que não

    correspondiam às necessidades e demandas genuínas dos alunos e da realidade em que se

    inseriam. Tivemos como escopo demonstrar alternativas efetivas para o resgate da função social

    da escola, propor elementos para sua renovação, modernização e transformação, como, por

    exemplo, as técnicas de trabalho pesquisadas, que favorecem o desenvolvimento dos métodos

    naturais da linguagem (desenho e escrita), da matemática, das ciências naturais, sociais e

    humanas. A produção do jornal escolar confirmou sua possibilidade de aplicação, sendo

    preservados seus ideais desde que surgiu, com o educador e seus alunos. Enfim, a partir desta

    pesquisa, fica clara a oportunidade de, por meio dessas dinâmicas, possibilitar às crianças uma

    experiência, um fazer individual e coletivo ao mesmo tempo, construindo “páginas da vida” do

    grupo de estudantes.

  • REFERÊNCIAS

    DIAS, Ruth Jofflily. O cotidiano na pedagogia de Freinet. Idéias, São Paulo, n. 2, p. 69-78,

    1994.

    ELIAS, Marisa Del Cioppo. Pedagogia Freinet: teoria e prática. Campinas: Papirus, 1996.

    FREINET, Célestin. As técnicas Freinet da escola moderna. Lisboa: Estampa, 1975.

    __________. O jornal escolar. Lisboa: Estampa, 1974.

    __________. Para uma escola do povo. Lisboa: Presença,1969.

    IJUIM, Kanehide Jorge. Jornal Escolar e Vivências Humanas. INTERCOM – Sociedade

    Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Campo Grande, 2001. Disponível em:

    Acesso em:

    14 mar. 2008.

    KRAMER, Sônia. Com a pré-escola nas mãos. São Paulo: Ática, 1999.

    SAMPAIO, Rosa Maria Whitaker Ferreira. Freinet: evolução histórica e atualidade. São Paulo:

    Scipione, 1989.

    http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4882/1/NP11IJUIM.pdf