CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A PEDAGOGIA DE FREINET...
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CAMILA LOPES DE CARVALHO
CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A PEDAGOGIA DE FREINET:
PINTANDO UMA POSSIBILIDADE PARA O ALUNO COM SÍNDROME DE
DOWN
CAMPINAS
2014
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CARVALHO, Camila Lopes. Conteúdos da educação Física e a Pedagogia de Freinet:
Pintando uma possibilidade para o aluno com Síndrome de Down. 197f. Dissertação
(Mestrado em Educação Física)-Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2014.
RESUMO
A inclusão educacional está determinada legalmente no Brasil – tanto a Constituição, de
1988, quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, garantem o direito a uma
educação de qualidade para as pessoas com deficiência na rede regular de ensino. Contudo,
publicações relatam dificuldades de efetivação destas legislações no âmbito do cotidiano
das escolas, principalmente referentes às pessoas com Síndrome de Down, uma vez que o
aspecto intelectual ainda é privilegiado em detrimento dos demais. Neste contexto, a
educação física busca sua consolidação enquanto disciplina escolar em consonância com a
nova realidade inclusiva. Por conseguinte, esse estudo tem por objetivo analisar o processo
de inclusão de alunos com Síndrome de Down nos diferentes conteúdos da educação física
escolar – jogo, esporte, ginástica, luta e dança – e, com fundamentação desses dados,
elaborar uma proposta de trabalho escolar inclusivo por meio da Pedagogia de Freinet. Para
isso, foi desenvolvida revisão bibliográfica exploratória com posterior pesquisa de campo
qualitativa onde, num estudo de caso, foram observadas aulas de educação física durante 1
ano letivo em uma turma de 21 alunos, dos quais dois possuem Síndrome de Down, em
uma escola regular do município de Americana, São Paulo. A coleta de dados foi feita por
observação direta com análise da inclusão em cada aula por meio do “Instrumento de
avaliação da interação entre alunos com e sem deficiência na educação física escolar”, de
Salerno, Araújo e Silva (2009). A análise dos dados foi desenvolvida por categorização,
com representação por tabulação em gráficos e tabelas. Posteriormente, a elaboração de
uma proposta de trabalho inclusiva baseado na Pedagogia de Freinet foi desenvolvida
fundamentada na revisão literária sobre o pedagogo e nos dados observados na realidade
escolar. Como principais resultados observou-se o predomínio dos conteúdos de jogo e
esporte sobre os demais, a ocorrência de algumas interações negativas entre os alunos e
barreiras atitudinais e de conhecimento por parte do professor. Com as técnicas de Freinet,
possibilidades de alteração dessa realidade foram encontradas, como criação de aulas em
cantos com diversos conteúdos trabalhados concomitantemente e com diferentes níveis de
dificuldade, além dos ideais de respeito, cooperação e afetividade que vão ao encontro da
proposta inclusiva. Foi possível concluir que os ideais e técnicas elaborados por Freinet
podem contribuir na superação dos entraves da inclusão, facilitando a construção de uma
educação física escolar inclusiva. Espera-se que novas pesquisas sejam desenvolvidas
acompanhando o caminhar da implantação da inclusão educacional e propondo mais
possibilidades que facilitem esse processo de acordo com as diferentes necessidades.
Palavras-Chaves: Educação Física Escolar; Inclusão, Síndrome de Down; Freinet.
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CARVALHO, Camila Lopes. Contents of Physical education and Freinet pedagogy:
Painting a possibility for the student with Down Syndrome. 197f. Dissertation (Master in
Physical Education)-School of Physical Education. State University of Campinas,
Campinas, 2014.
ABSTRACT
The educational inclusion is determined legally in Brazil - both the 1988 Constitution as the
Law of Education Guidelines and Bases, 1996, guarantees the right to a quality education
for people with disabilities in regular schools. However, publications report effective
difficulties of those laws in the daily life of schools, particularly relating to people with
Down syndrome, since the intellectual aspect is still privileged over others. In this context,
physical education seeks its consolidation as school discipline in line with the new
inclusive reality. Therefore, this study aims to analyze the process of inclusion of students
with Down syndrome in the different content of school physical education - play, sport,
gymnastics, wrestling and dance - and, based on these data, a proposed inclusive school
work by Freinet pedagogy. For this, a literature review was developed with subsequent
qualitative field research where, in a case study, physical education classes were observed
for 1 school year in a class of 21 students, two with Down syndrome in a regular school the
city of Americana, São Paulo. Data collection was done by direct observation with analysis
of inclusion in each class through the "instrument for assessing interactions between
students with and without disabilities in school physical education" of Salerno, Araújo e
Silva (2009). Data analysis was developed by categorization, with tab-representation in
graphs and tables. Later, the development of an inclusive work proposal based on Freinet
Pedagogy was developed based on the literature review on the teacher and the data
observed in the school reality. The main results showed a predominance of game content
and sports on the other, the occurrence of some negative interactions between students and
attitudinal barriers and knowledge from the teacher. With the Freinet techniques, possibility
of alteration of this reality were found, such as creating classes in corners with different
contents worked concurrently and with different levels of difficulty, in addition to the ideals
of respect, cooperation and affection to meet the inclusive proposal. It was concluded that
the ideals and techniques developed by Freinet can contribute to overcome the barriers of
inclusion, facilitating the construction of an inclusive physical education. It is hoped that
further research will be developed following the journey of the implementation of
educational inclusion and offering more possibilities to facilitate such a process according
to the different needs.
Keywords: School Physical Education; Inclusion, Down Syndrome; Freinet.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 01
2 PREPARANDO AS TELAS - SISTEMAS EDUCACIONAIS ................................ 06
2.1 Tela 1 - ensino escolar ................................................................................................. 07
2.2 Tela 2 - escolarização e a pessoa com deficiência ...................................................... 19
2.2.1 A pessoa com deficiência ......................................................................................... 19
2.2.2 Escolarização da pessoa com deficiência ................................................................. 30
2.2.3 Inclusão escolar – desvendando o tema .................................................................... 38
3 SEPARANDO AS TINTAS - CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO FÍSICA .. 47
3.1 Tinta 1 - educação física escolar ................................................................................. 55
3.2 Tinta 2 - teorias da educação física ............................................................................. 60
3.3 Tinta 3 - inclusão na educação física escolar .............................................................. 67
4 ESCOLHENDO AS TONALIDADES – CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA .... 75
4.1 Tonalidade 1 - dança .................................................................................................. 80
4.2 Tonalidade 2 - esporte ................................................................................................ 83
4.3 Tonalidade 3 - ginástica ............................................................................................ 90
4.4 Tonalidade 4 - jogo ..................................................................................................... 94
4.5 Tonalidade 5 - luta ..................................................................................................... 98
5 DELIMITANDO OS PINCEIS: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL – A SÍNDROME DE
DOWN ............................................................................................................................. 102
5.1 Pincel n°1 - Síndrome de Down ................................................................................. 103
xii
5.2 Pincel n°2 - inclusão educacional das pessoas com Síndrome de Down .................. 109
5.3 Pincel n°3 - aluno com Síndrome de Down na educação física escolar .................. 113
6 O QUADRO DA REALIDADE - A PESQUISA ........................................................ 119
6.1 Metodologia ............................................................................................................... 120
6.1.1 Tipo de estudo......................................................................................................... 120
6.1.2 População ............................................................................................................... 121
6.1.3 Local do estudo....................................................................................................... 122
6.1.4 Procedimentos ........................................................................................................ 123
6.2 O instrumento de avaliação ....................................................................................... 125
7 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÕES..................................................................
128
8 PINTANDO UMA NOVA REALIDADE: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO - A
PEDAGOGIA DE FREINET COMO POSSIBILIDADE .............................................. 147
8.1. Organizando os materiais - a pedagogia de Freinet ................................................. 149
8.2 Uma nova pintura - Freinet como uma proposta de inclusão .................................... 155
8.2.1 Aproximando os conceitos ....................................................................................... 155
8.2.2 As técnicas como possibilidade inclusiva ................................................................ 160
CONSIDERAÇÕES FINAIS – ENTRE AS PINTURAS EXISTENTES E AS
FUTURAS........................................................................................................................ 172
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 177
xiii
ANEXOS ............................................................................................................................192
ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética ......................................................................... 192
ANEXO B – Instrumento de avaliação da interação entre alunos com e sem deficiência na
educação física escolar (SALERNO; ARAÚJO; SILVA, 2009) ...................................... 196
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Aos meus pais pela confiança, apoio e amor
incondicional.
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AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço a Deus e Nossa Senhora, que me oportunizaram,
nortearam e protegeram durante o caminhar da realização desse estudo.
Ao Professor Dr. Paulo Ferreira de Araújo, pela oportunidade ao me receber
como sua orientanda, e por toda a atenção, dedicação e aprendizagem proporcionadas por
meio de sua orientação.
Ao grupo de estudos, pelas reflexões constantes que contribuíram com meu
amadurecimento como educadora, e especialmente à Professora Dra. Joseane Filus e ao
Professor Dr. Luís Seabra, pela participação direta na construção dessa pesquisa com
contribuições pertinentes e valorosas como banca, e à Professora Dra. Marina Salerno
pela disponibilidade constante em auxiliar tanto na elaboração desse trabalho quanto nas
demais atividades acadêmicas desenvolvidas durante o curso.
Aos funcionários e docentes da FEF/UNICAMP, pela formação crítica e
autônoma que me proporcionaram.
Ao meu pai Ednei e minha mãe Ana, meus primeiros educadores, que me
proporcionaram a formação como pessoa necessária para que eu compreendesse e
seguisse os valores e ideais corretos, e dispuseram do apoio necessário para que mais essa
etapa fosse alcançada.
A minha irmã, pela cumplicidade e acompanhamento durante essa fase.
Aos amigos e todas as pessoas que me acompanharam e, de alguma forma,
contribuíram com mais essa fase de estudo.
Obrigada!
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Haverá uma melhoria pedagógica na medida em que o dinamismo das novas
forças triunfar sobre essas resistências e souber construir, pedra a
pedra, o mundo novo com que sonhamos
(FREINET, C., 1975, p. 09).
xx
xxi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Rafael Sanzio. A Escola de Atenas. 1510-11 ................................................... 08
Figura 2 – Pieter Bruegel. Jogos e Brinquedos Infantis. 1560............................................ 10
Figura 3 – Candido Portinari. O Lavrador de Café. 1939 .................................................. 13
Figura 4 – Lord Frederick Leighton. Estudo; na mesa de leitura. 1877 ............................. 17
Figura 5 – Pieter Bruegel. Os Aleijados. 1568b ................................................................. 22
Figura 6 – Robert Henri. Cantora Espanhola Cega. 1912 .................................................. 24
Figura 7 – Diego Velazquez. Um Anão Sentado no Chão. 1645 ....................................... 28
Figura 8 – Konrad Grob. Pestalozzi com Órfãos em Stans. 1879 ...................................... 33
Figura 9 – Henri Matisse. A Dança (primeira versão). 1909 ............................................. 41
Figura 10 – Ernst Ludwig Kirchner. Arco. 1935 ............................................................... 48
Figura 11 – Emiliano di Cavalcanti. Linha de Produção. 1960-70 ....................................50
Figura 12 – Edi Cavalcanti. Tempos Modernos. 1961 ....................................................... 56
Figura 13 – Orlando Teruz. Meninos Pulando Carniça. 1972 ........................................... 59
Figura14 – Vicente Van Gogh. Romanos Parisienses. 1888 ............................................. 61
Figura 15 – Eduardo Lima. Inclusão Social. 2009 ............................................................. 70
Figura 16 – Marc Chagall. O Grande Circo. 1968 ............................................................. 77
Figura 17 – Kiki Lima. Dança de Batuque. 2012 .............................................................. 80
Figura 18 – Camille Pissarro. Meninas Jogando Tenis. 1981 ............................................ 86
Figura 19 – Francisco Rebollo. Futebol. 1936 ................................................................... 88
Figura 20 – Giandomenico Tieplo. Polichinelos e Saltimbancos. 1793 ............................ 90
Figura 21 – Fatima Carvalho. Sarau de Ginástica e Eu. 1967 ........................................... 93
Figura 22 – Henri Matisse. Um Jogo de Boliche. 1908 ..................................................... 96
Figura 23 – Rosina Becker do Valle. Capoeira. 1966 ........................................................ 99
Figura 24 – Andrea Mantegna. A Virgem e a Criança. 1495 ...........................................
104
Figura 25 – Karel Appel. Menino Selvagem. 1954 ......................................................... 111
Figura 26 – Jan Joest of Kalkar. Adoração do Menino Jesus. 1515 ................................ 114
Figura 27 – Juan Gris. O Livro Aberto. 1925 .................................................................. 120
xxii
Figura 28 – A inclusão do aluno com Síndrome de Down nas aulas de educação física
escolar fundamentada pela Pedagogia de Célestin Freinet ............................................... 172
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAIDD American Association on Intellectual and Development Disabilities
AAMR American Association of Mental Retardation
ABDEPP Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Freinet
ABDM Associação Brasileira de Deficiência Mental
APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
CADEME Campanha Nacional da Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais
CEL Cooperativa de Ensino Leigo
CENESP Centro Nacional de Educação Especial
COESP Comissão de Especialistas
CONADE Conselho Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência
CORDE Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FIMEM Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
ICEM Instituto Cooperativo da Escola Moderna
INES Instituto Nacional de Educação dos Surdos
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais
MEC Ministério da Educação e Cultura
NEE Necessidades Educativas Especiais
ONU Organização das Nações Unidas
PCD Pessoa Com Deficiência
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
QI Quociente Intelectual
SEESP Secretaria de Educação Especial
SESu Secretaria de Ensino Superior
UNESCO Conferência da Organização das Nações Unidas
USP Universidade de São Paulo
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APRESENTAÇÃO
Se em alguns momentos uma pesquisa acadêmica exige o distanciamento do
pesquisador com o objeto de estudo para a maior validade deste, em outros incita a
aproximação para que temas sejam delineados e construídos.
Dessa forma, dissertar sobre a relação entre a minha formação e ideais educacionais
e a construção deste trabalho torna-se relevante para a maior compreensão do mesmo.
Em minha formação inicial, no curso de educação física, os primeiros contatos com
a Pedagogia de Célestin Freinet foram realizados, de forma rápida e pontual. Durante esse
curso, as temáticas relacionadas à população com alguma condição de deficiência
ressoaram em minhas reflexões, tanto pelas dificuldades enfrentadas no cenário social
quanto pelas relevantes possibilidades de superação destas por meio da área.
Concomitantemente, os assuntos relacionados ao cenário educacional dessa temática
conquistaram minha preferência pessoal, encaminhando-me para as discussões a respeito da
inclusão educacional dessa população.
Dessa forma, realizei em sequência o curso de especialização em “Educação
especial e educação inclusiva”. Já me atentando aos fundamentos educacionais de forma
mais enfática, iniciei uma segunda formação como contribuição a minha construção
profissional - a de pedagogia. Nesse segundo curso, Célestin Freinet, que até então vinha
adormecido em minhas memórias, foi retomado pelas disciplinas acadêmicas.
Nesse mesmo período, vinha delineando o projeto desse estudo de Mestrado, e
Freinet se mostrou como uma possibilidade de união entre as duas formações, integrando a
educação física e a pedagogia de forma a contribuir com o desenvolvimento da temática já
escolhida como central em minha formação profissional.
Dentre os diversos educadores estudados, Célestin Freinet destacou-se, para mim,
por sua vivência no ambiente escolar e compreensão das diversas dificuldades a serem
superadas no mesmo. Se outros estudiosos construíram teorias em cenários distantes do
educacional, Freinet atuou diretamente neste local, não apenas elaborando sugestões, mas
implantando-as, ele mesmo, em prol da construção de uma educação de qualidade para
todos.
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Por conseguinte, uma crença nas possibilidades de contribuição das teorias desse
educador de forma favorável à construção da educação inclusiva, temática escolhida desde
minha primeira formação acadêmica, tomou forma.
Com isso, concluo enfatizando que, tanto a escolha do tema central quando dos
atores principais para fundamentá-la, vieram do fato de eu acreditar na possibilidade de
superação e transformação de todas as ocasiões escolares em situações mais humanas.
Posso dizer, por fim, que acredito nas capacidades de todo ser humano, possuindo uma
condição de deficiência ou não. Acredito na validade e na intenção sincera de Célestin
Freinet ao desenvolver suas propostas educacionais. Acredito na força da educação física
enquanto disciplina escolar possível de contribuir diretamente com a construção de um
cenário educacional inclusivo. Acredito na necessidade de educadores desenvolverem
trabalhos que propiciem a todos acesso a uma educação de qualidade. Acredito na urgência
dos professores em atuarem de forma a combater os preconceitos e construírem uma
educação digna para todos, inclusive para a pessoa com deficiência. Acredito, portanto, na
contribuição que Freinet pode trazer para a construção de propostas educacionais que
facilitem a inclusão de um aluno com deficiência em todas as disciplinas escolares e, em
especial, na educação física.
1
1 INTRODUÇÃO
Interagir com um corpo humano, interagir com um indivíduo, é interagir com a
própria sociedade na qual este está inserido, uma vez que, desde o momento de seu
nascimento o indivíduo é incorporado a uma dada cultura e organização social que moldam
seu corpo e seus conceitos (DAÓLIO, 1996).
No âmbito educacional, a afirmação acima se faz não apenas verdadeira, mas
também determinante para a compreensão da temática deste estudo.
Dessa forma, a inclusão de um aluno com deficiência nas aulas de educação
física de uma escola regular é um tema que traz a obrigatoriedade de compreensão acerca
das questões relacionadas ao contexto da educação física enquanto componente curricular e
da pessoa com deficiência enquanto participante do cenário social, para que de fato possa
ser compreendida a relação estabelecida entre elas na atual proposta da educação inclusiva.
Em relação à Educação Física, nota-se sua constituição enquanto disciplina do
currículo escolar entre os séculos XVIII e XIX, iniciando suas atividades sem a presença de
profissionais da área, mas amparada e influenciada pela instituição militar e pela medicina.
Sendo o corpo, nesse momento, entendido como uma estrutura mecânica, a disciplina
escolar de educação física tinha por objetivo a promoção da saúde para a população e a
contribuição para o desenvolvimento de mão de obra para a sociedade que se estabelecia na
época vigente. Passando a ser explorada por grupos sociais com diferenciados objetivos,
questionamentos dessa realidade emergiram e conduziram às propostas de novas formas de
entendimento e de finalidade da educação física, culminando em sua presente configuração
no cenário escolar baseada na vivência dos diferentes conteúdos da cultura corporal ou de
movimento (BRACHT, 1999).
Concomitantemente, a pessoa com deficiência encontrou resistência para ser
incorporada socialmente sofrendo exclusão, abandono, exposição e até mesmo condenação
à morte. Com propagação de correntes humanistas, sua aceitação enquanto ser humano foi
alcançada, porém com vivência segregada do restante populacional. O sistema educacional
para essa população teve inicio tardiamente, pela educação especial em ambiente separado
dos demais. Familiares e pessoas que se sensibilizaram com a causa foram em buscas de
2
métodos educacionais adequados e, posteriormente, ações políticas deram continuidade às
discussões (MIRANDA, 2003).
A partir da década de 1950, no Brasil, organizações não governamentais e
classes especiais dentro do ensino regular expandiram-se. Em sequência, discussões
passaram a defender a participação das pessoas com deficiência conjuntamente com as
demais em todas as disciplinas escolares – incluindo a educação física. Da normalização e
integração, definiu-se a inclusão educacional.
Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, a
educação deve ser inclusiva, ou seja, receber e proporcionar a mesma qualidade de ensino
para todos, independente de suas dificuldades ou deficiência (BRASIL, 1996).
Se antes a pessoa com deficiência (PCD) era desprezada e até mesmo
condenada à morte, hoje possui a garantia pelo Estado em não sofrer nenhum tratamento
desumano ou degradante, possuindo os mesmos direitos educacionais que as demais
pessoas (BRASIL, 2007).
Contudo, a dificuldade em fazer das determinações legais uma realidade escolar
tem sido comum, com a presença de barreiras atitudinais, arquitetônicas e de conhecimento.
O preconceito teve sua origem em muitos anos atrás e, abarcado de fatores históricos e
culturais, ainda se mantem presente, numa sociedade que dita e impõe padrões de pessoas e
de vida, rejeitando as diferenças.
Especificamente em relação às pessoas com Síndrome de Down, sua entrada no
cenário das escolas regulares trouxe relevante impacto em toda a organização, estrutura e
funcionamento da escola, pois ela rompeu com a definição curricular imposta a todos,
rompeu com a estrutura criada há séculos e tão relutante às mudanças. Esse aluno trouxe
explicitamente uma necessidade já enfatizada há muito tempo - a de transformação da
instituição escolar para essa nova forma de organização social. Ele tirou o professor da
comodidade de seguir fielmente um material didático pré-estabelecido, induzindo-o a
planejar e adaptar, a criar mecanismos que facilitem o aprendizado de cada aluno.
Mas, afinal, não é essa a função do professor, de ser um facilitador, um
mediador entre o aluno e o conhecimento?
Frente às inúmeras dificuldades encontradas no cenário educacional não apenas
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relacionadas à inclusão da pessoa com deficiência, mas objetivando maior compreensão dos
alunos e adequação educacional, diferentes profissionais como pedagogos, filósofos e
psicólogos estudaram e propuseram teorias educacionais. Por outro lado, a precariedade na
qualidade de ensino, de formação de professores e de acesso e permanência das crianças e
adolescentes no cenário educacional se mantiveram presentes. Nesse contexto antagônico, o
pedagogo Célestin Freinet buscou a construção de uma educação adequada sem
desconsiderar as diferentes realidades e dificuldades possíveis de serem encontradas. Ainda
no século XX, Freinet propagou ideais educacionais em consonância com os necessários no
momento presente para que uma educação para todos de fato ocorra – fundamentada na
cooperação, afetividade e respeito às diferentes capacidades e dificuldades, numa época na
qual as discussões a respeito da educação inclusiva ainda não estavam em pauta.
A inclusão enfrenta problemas em sua implantação, permeados por aspectos
históricos e sociais, que dificultam a consolidação dos diferentes aspectos necessários à
construção inclusiva, como os referentes à capacitação dos profissionais da área de
educação para atender a todos com qualidade, e à dificuldade de valorização da diversidade
humana e do respeito às diferenças individuais pela comunidade escolar – envolvendo pais,
alunos, profissionais. Com isso, uma aproximação do tema com a proposta de Freinet torna-
se pertinente, uma vez que esta possui uma base epistemológica a qual procura
compreender e transformar aspectos da realidade histórica e social numa busca pela
aceitação e construção de vida digna para todos.
Neste cenário e a partir destas discussões, esse estudo tem o objetivo de analisar
o processo de inclusão de alunos com a condição específica de Síndrome de Down nos
diferentes conteúdos da educação física escolar – jogo, esporte, ginástica, luta e dança –
para, em seguida e fundamentada nesses dados, elaborar uma possibilidade de trabalho
escolar inclusivo por meio da pedagogia de Freinet. A metodologia envolveu uma revisão
bibliográfica exploratória inicial por meio da base de dados Scopus e Edubase com os
termos “educação física escolar”, “adapted physical education”, “educação inclusiva”,
“inclusion school”, “conteúdos da educação física escolar”, “Síndrome de Down”, “Down
Syndrome” e “Célestin Freinet”. Posteriormente foi realizada uma pesquisa de campo
qualitativa composta por um estudo de caso, conforme definição de Ludke e André (1986),
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na qual foram observadas, durante 1 ano letivo, aulas de educação física escolar de uma
sala regular do 2° ano do ensino fundamental a qual possui dois alunos com Síndrome de
Down, em uma escola do município de Americana, São Paulo.
A coleta de dados por observação direta no sentido de identificar ou não a
prática da inclusão em cada aula foi realizada meio do “Instrumento de avaliação da
interação entre alunos com e sem deficiência na educação física escolar”, de Salerno,
Araújo e Silva (2009). A posterior análise dos dados foi desenvolvida por categorização a
qual, segundo Ludke e André (1986), permite uma organização destes em categorias em
prol da sua descrição, interpretação e questionamentos, sendo desenvolvida nesse trabalho
uma organização e representação destes por tabulação em gráficos e tabelas temáticos. Em
seguida, foi desenvolvida a elaboração de uma proposta de trabalho inclusivo baseada na
Pedagogia de Freinet, fundamentada na revisão literária sobre a proposta do pedagogo e nos
dados coletados.
A elaboração desse trabalho vem do resultado das observações referentes à
dificuldade na implantação da inclusão no cenário educacional, em detrimento das
definições legais já estabelecidas, buscando não apenas uma análise da real situação, mas
também uma alternativa contribuinte.
Esse estudo orienta-se pelo entendimento de que, as pesquisas educacionais
relacionadas à temática inclusiva vivenciam um momento no qual, somada a análise de
dada realidade, as dificuldades devem ser identificadas e posteriores soluções devem ser
sugeridas, proporcionando possibilidades de superação das barreiras educacionais em um
caminhar direcionado à efetivação do cenário inclusivo.
Por fim, o estudo se alicerça numa das técnicas principais de Freinet, a livre
expressão por meio de desenhos, a qual valoriza o ato de desenhar como recurso de
desenvolvimento da criatividade e dos comportamentos intelectual, afetivo e cultural. Dessa
forma, o desenrolar da temática é entremeado por pinturas que ilustram os conhecimentos
descritos ao longo do estudo. Para isso, foram trazidas obras de artistas já consagradas no
cenário cultural, sendo estas uma representação dos desenhos livres, da livre expressão
desses pintores.
As pinturas retratam as discussões teóricas ao mesmo tempo no qual a
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construção de todo esse trabalho estrutura-se como a criação de uma nova pintura a tornar-
se tão relevante no cenário sociocultural quanto às demais - a de um desenho livre
composto pela almejada inclusão educacional.
Preparam-se as telas, separam-se as tintas e escolhem-se os pincéis, para que os
quadros já construídos possam ser contemplados criticamente e as novas pinturas sejam
possíveis.
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2 PREPARANDO AS TELAS - SISTEMAS EDUCACIONAIS
O ensino das instituições escolares tem inquestionável importância e espaço na
sociedade contemporânea, sendo o centro das atenções políticas e também das exigências
cidadãs.
Antes de se tornar esse grande pilar sociocultural, a educação escolar percorreu
longo caminhar, surgindo com rígida seletividade em relação às pessoas que dela poderiam
usufruir, até expandir-se e tornar-se uma exigência e direito mundial. Mesmo quando já
estabelecida como fenômeno sociocultural indispensável, muitos grupos sociais
continuaram negligenciados por este sistema de ensino, sendo necessário um longo trajeto
de lutas para seu ingresso acadêmico, como no caso das pessoas com alguma condição
deficiência.
Se ao pintar um quadro, o momento inicial exige um preparo das telas de forma
que estejam suficientemente aprontadas para receber as novas cores e histórias a ali serem
construídas, da mesma forma, ao desenvolver um tema, seu plano de fundo deve ser
profundamente trabalhado para que cada nova informação e conhecimento sejam
devidamente contextualizados e compreendidos.
Por conseguinte, contextualização da instituição escolar e do acesso das pessoas
com deficiência a este ambiente torna-se necessária, de forma a ser compreendida a
situação histórica e social do ambiente no qual se desenvolveu esta pesquisa. Essa
conjuntura traz consequências diretas e considerações explicativas a respeito da realidade
das instituições escolares em relação às pessoas com deficiência na presente sociedade,
considerações estas a serem detalhadas a seguir, como as telas sobre as quais uma nova
história se pinta.
Para isso faz-se necessário uma retomada desde momentos da antiguidade, ao
invés de um recorte histórico mais delimitado, no sentido de ser visualizada a complexidade
do atual processo inclusivo, contrastando os quase dezenove séculos de exclusão e rejeição
aos quase dois últimos séculos de busca pela aceitação e inclusão social.
7
2.1 Tela 1 - ensino escolar
A escola pode ser entendida como uma instituição que seleciona e usufrui de
determinados conteúdos e conhecimentos de caráter social e histórico-cultural, objetivando
não apenas transmiti-los, mas possibilitando possíveis transformações e recriações destes.
Numa análise mais profunda, Faria (2004) ressalta que a atuação da escola não é isolada de
fatores externos, recebendo influências políticas, científicas, religiosas, pedagógicas e
econômicas e, ao mesmo tempo, também influenciando essas diversas dimensões.
Anteriormente à criação das escolas, o ensino era desenvolvido por meio da
própria vivência e pela transmissão oral de pais para filhos, sendo apenas com os sofistas o
surgimento dos primeiros relatos de uma atuação parecida a de um educador. Os sofistas
atuaram no período Socrático como educadores pagos por membros da classe social
dominante para ensinarem seus filhos algumas disciplinas específicas, como a matemática e
a gramática, e também os conteúdos relacionados à atuação política e ao bom
desenvolvimento da retórica, como a arte de falar e convencer com as palavras. Após este
período, movimentos filosóficos despontaram com os ideais de Sócrates, Platão e
Aristóteles, os quais deram início às reflexões pedagógicas e às discussões acerca de um
processo educacional (NABÃO, 2011).
Observa-se que o processo educacional, desde esse período principiante no qual
não era exclusivamente desenvolvido em instituições específicas como as escolas, se
desenvolveu estreitamente vinculado à sociedade, sendo utilizado de acordo com as
exigências e interesses desta, num contexto de segregação, a fim de controlar as possíveis
transformações sociais favoráveis às classes subordinadas as quais a educação poderia
possibilitar.
De forma a exemplificar o pensamento acima elaborado, algumas civilizações
da antiguidade podem sem citadas. No Egito Antigo, considerado o berço de todas as
civilizações por ter desenvolvido conhecimentos em áreas diversas, a educação objetivou
explicitamente o desenvolvimento da sociedade, sendo restrita a poucos e com diferentes
conteúdos, os quais eram definidos conforme a classe social. Em Esparta, uma Cidade-
Estado permanentemente em guerras e buscas territoriais, a educação foi baseada num ideal
8
denominado de “Kaloskagathia”, o qual se fundamentava na excelência física e moral,
objetivando a formação de capacitados guerreiros; enquanto em Atenas, a Cidade-Estado
impulsionadora do conceito inicial de democracia, a educação era baseada nos ideais de
“paideia”, idealizando o desenvolvimento de cidadãos capazes de atuar na política, como
ilustrado pela tela de Rafael Sanzio, na Figura 11 (MANACORDA, 2004; GILES, 2006).
Figura 1 – Rafael Sanzio. A Escola de Atenas. 1510-11.
Fonte: www.raphaelsanzio.org.
Nos momentos seguintes, o desenvolvimento das sociedades foi desdobrando-
se e adquirindo características e conceitos cada vez mais próximos dos presentes na sua
atual organização, perpetuando esta relação de interdependência entre a educação e a
sociedade. Caminhando ao período da Idade Média, apenas os nobres tinham acesso à
educação, sendo esta manipulada pela Igreja, instituição que, detendo poder sobre as
demais, empenhou-se em manter sua posição de superioridade evitando possíveis
questionamentos. Em período posterior, durante o Renascimento, a valorização e a procura
pelo saber ganharam força, e a educação passou a ser vista em um grau de maior
importância ao haver a conscientização da sua necessidade para o desenvolvimento de uma
nova sociedade, a capitalista, porém os processos educativos ainda continuavam sendo
diferenciados segundo os níveis das classes sociais. Com o Iluminismo, o qual exaltou
1 A tela de Rafael Sanzio ilustra a educação desenvolvida na cidade de Atenas, conforme discutido no
parágrafo referente aos diferentes tipos de educação desenvolvida em civilizações da antiguidade.
9
como necessária a busca pelo conhecimento, e com a substituição da maioria das
sociedades absolutistas – que detinham o controle de todo o poder – por instituições
republicanas, a educação finalmente passou a ser pensada como possibilidade de tornar-se
um direito de todos. No século XX, as organizações sociais democráticas consolidaram-se
na maioria absoluta dos países, o que contribuiu para que o Estado passasse a atuar de
modo a possibilitar a criação e difusão de um ensino público que facilitasse o acesso
popular à educação (LUZURIAGA, 2001).
Nesse contexto, o evento do Iluminismo e a Revolução Industrial contribuíram
com novas formas de pensar e de viver socialmente, culminando não apenas no acesso da
população aos processos educacionais, mas também induzindo o surgimento de instituições
especificas para a educação, como a escola. Visualiza-se uma transformação na estrutura
educacional vinculada a uma reestruturação familiar e das sociedades.
Recorrendo a Ariés (1981), anteriormente ao século XVII não existia a
formação de uma consciência das particularidades exigidas pelo período da infância, e nem
mesmo interesse pelas crianças, sendo estas compreendidas apenas como indivíduos em
fase de transição, de aguardo pela idade adulta. Sem consideração relevante nem sequer
atenção especial a essa etapa da vida, não havia instituições escolares, sendo os
conhecimentos transmitidos pelas famílias através da observação e auxílio que as crianças
dispendiam aos adultos em suas tarefas diárias.
Com contribuição dos estímulos proporcionados pela citada Revolução
Industrial, uma nova organização social estruturou-se, fase esta visualizada na pintura de
Pieter Bruegel, na Figura 22.
2Neta tela, o período de transição da indiferenciação entre adultos e crianças e o início das particularidades
infantis pode ser visualizado. Ao mesmo tempo no qual as crianças e os adultos são indiferenciados quanto
aos trajes com crianças vestidas como “mini-adultos”, por outro lado grande diversidade de jogos e
brincadeiras típicos do universo infantil são vivenciadas, dando início à construção de uma cultura típica do
da infância como um período destinado ao brincar.
10
Figura 2 - Pieter Bruegel. Jogos e Brinquedos Infantis. 1560.
Fonte: www.pieter-bruegel-the-elder.org
Segundo o mesmo autor, entre os séculos XVI e XVII foram se desenvolvendo
os sentimentos de “paparicação” – o qual, iniciado pelas mulheres, estimulou nas pessoas
um encanto com a ingenuidade e a graça das crianças - e de “disciplinamento” – uma
preocupação em disciplinar e induzir os valores morais -, colaborando com o surgimento
das escolas, instituições que se tornaram responsáveis pela instrução e ensinamentos das
crianças, separando-as do mundo adulto até que se completasse o período de educação
destas. Pode ser notado, por conseguinte, um vínculo entre a origem das instituições
escolares e a importância e atenção destinadas às crianças e aos adolescentes e as suas
particularidades.
Continuamente, a escola se desenvolveu unida aos dispositivos disciplinares,
uma vez que a educação deixou de ser responsabilidade apenas familiar e transferiu-se
também para o poder central, o Estado. Neste caso, entende-se a disciplina como um
conceito criado por Foucault no qual está baseado o funcionamento de instituições
modernas, como a escolar. A disciplina é percebida, portanto, como uma forma de se
exercer o poder sobre outros de maneira a auxiliá-los na conquista de um domínio sobre si
próprio, possibilitando também a organização de multidões de indivíduos e o controle de
11
grandes massas populacionais por uma instituição superior (KOHAN, 2003).
Adicionado a esses fatores, a Revolução Industrial consolidou o sistema
capitalista, transformando essa nova faixa etária em mais um mercado consumidor
específico, e alterou as antigas posições sociais estáticas, pré-determinadas e sem
possibilidade de mudanças em classes sociais mutáveis onde a educação tornou-se uma
ferramenta de auxílio para essa modificação, instigando o interesse num sistema
educacional escolar.
Estabelecendo como foco o Brasil, neste período o país estava sendo colonizado
pelos europeus, que se esforçavam não apenas para tomar posse do território, mas também
em povoar a terra, converter religiosamente os habitantes locais e ainda organizar as formas
de trabalho. Junto com os europeus vieram, nos anos de 1549, os jesuítas - missionários
religiosos liderados por Padre Manoel de Nóbrega, incumbidos pelo Rei de Portugal, Dom
João III, de organizar a socialização e a educação da população nativa. Para isso, Hilsdorf
(2003) esclarece que os jesuítas atuaram em duas frentes - de um lado organizaram
agrupamentos de indivíduos nativos com o ensino oral, e de outro inauguraram e
expandiram, nos séculos XVII e XVIII, colégios educacionais para os meninos filhos dos
europeus da classe dominante. Estes colégios eram oriundos de uma aliança baseada em
interesses econômicos entre esses missionários e a Coroa Portuguesa.
Os estudiosos do tema, como o autor acima citado, concluem que os jesuítas
foram os responsáveis pelo primeiro sistema educacional do Brasil. Porém, Aranha (2009)
elucida que apesar do sistema educacional ter tido, finalmente, seu início, esse não foi um
passo glorioso. Quando os missionários chegaram ao Brasil, a sociedade era agrária e
elitista, e como o trabalho na agricultura não exigia qualificação, a educação era utilizada
como forma de converter os índios ou para ocupar o tempo dos filhos dos colonos ricos,
mantendo grande parte da população analfabeta.
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, por Marquês de Pombal –
Primeiro Ministro do então Rei de Portugal, Dom José I -, a Coroa Portuguesa passou a
realizar diretamente a educação no território brasileiro, e a situação d a educação brasileira
manteve-se na precariedade, com pouca qualidade, dificultando o acesso da população ao
ensino, já que era ausente um planejamento educacional adequado. Com a posterior
12
Proclamação da Independência do Brasil, por Dom Pedro I, e com a Constituição do
Império, este declarou a instrução e a educação popular um direito ao organizar a primeira
legislação referente ao cenário educacional brasileiro. Porém, sem definir os responsáveis
por arcarem com o encargo de disponibilizar tal educação, esta tinha sua existência escassa
e, quando da abertura de novas escolas estas dispunham de uma educação sem grande
qualificação para a maior parte da população (SAVIANI, 2002).
Durante período compreendido pelo Império e a Primeira República (1822-
1930), a educação brasileira foi desenvolvida em consonância com o contexto mundial, de
acordo com os interesses das classes sociais dominantes. Enquanto que membros da alta
sociedade deslocavam-se ao exterior para terem acesso a uma educação com alta qualidade,
as classes baixas foram ingressando vagarosamente nas instituições escolares, as quais
tiveram sua construção e disponibilização à população conforme necessário para que os
interesses da elite fossem atendidos. Elucidando o fato, Jannuzzi (2006) cita como grande
impulso contribuinte para o acesso à educação da classe baixa a necessidade de voto e de
mão de obra destas pessoas, que eram essenciais para a classe dominante manter o sistema
social, político e econômico vigente na época.
Com a difusão dessas instituições escolares, discussões sobre a criação de um
sistema nacional de ensino passaram a permear o cenário político nacional. Conforme
esclarecido por Saviani (2002), vários foram os fatores que contribuíram para a proliferação
dessa ideia. Inicialmente, os próprios filhos da aristocracia ao irem ao exterior estudar
voltaram trazendo para o Brasil os ideais democráticos que estavam em efervescência na
Europa. Além disso, havia a necessidade de uma solução para os problemas sociais que
dificultavam a implantação da modernização no país, adicionados ao questionamento das
camadas média e baixa - que passaram a defender o acesso à educação - e a influência do
liberalismo e do movimento da Escola Nova - que culminaram numa série de reformas no
sistema educacional para democratizar o ensino brasileiro.
Contudo, apenas a partir da Segunda República, no período compreendido pela
denominada Era Vargas (1930-1945), a educação adquiriu relevância nacional devido a sua
necessidade para o alcance aos objetivos políticos do governo vigente, uma vez que o país
mantinha-se com grande parte da população analfabeta e rural, como ilustrado pela Figura
13
33, em contrapartida a uma crescente urbanização e intenção de modernização.
Figura 3 - Candido Portinari. O Lavrador de Café. 1939.
Fonte: masp.art.br
Com esse cenário conflituoso entre a realidade e as intenções do país, o governo
de Getúlio Vargas assumiu as rédeas da questão num marco no cenário educacional
brasileiro. Com a Primeira Constituição de Vargas, a educação definitivamente passou a ser
considerada como fator de desenvolvimento social e industrial para o país, instigando o
estabelecimento da maioria das bases do sistema educacional brasileiro existente até os dias
atuais. Dentre as medidas e propostas estabelecidas por este documento, Aranha (2009)
ressalta que estavam o planejamento nacional para a educação, o ensino primário
3A tela de Candido Portinari retrata um trabalhador rural, ilustrando o período vivenciado no cenário
brasileiro no qual os trabalhadores da zona rural iniciaram um processo de migração em direção às áreas
urbanas devido à intensa busca por trabalhadores pelas novas indústrias instaladas no país. Industrialização e
urbanização estas instigadas pelo governo brasileiro em prol da construção de um país com desenvolvimento
semelhante aos países desenvolvidos europeus.
14
obrigatório e gratuito, a difusão de escolas públicas, a criação de fundos de auxílio para
alunos necessitados, além do início da exigência de concurso para os cargos de magistério
principiando uma atenção referente à qualificação dos profissionais da educação.
Seguindo os interesses políticos e socioeconômicos da época vigente, o sistema
educacional brasileiro passou por 21 reformas desde o ano de 1759 – ano no qual os
jesuítas foram expulsos e o governo português assumiu a atuação educacional no Brasil -
até o ano de 1996 – quando foi promulgada a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional -, reformas estas que alteraram a finalidade e a estrutura da educação, as
características do ensino, a divisão e a duração dos ciclos escolares (MARCILIO, 2005).
Desdobrando esses acontecimentos de forma a esclarecer as ações que
influenciaram e ainda refletem-se no atual cenário da educação brasileira, posteriormente
ao período do governo de Vargas, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), pela Lei n° 4.024 de 1961. Esta foi uma lei consideravelmente
importante por abarcar todos os níveis de ensino, decretando o ensino primário como
obrigatório e gratuito, e os ensinos do ginásio, colegial e superior como facultativos. A
segunda LDB foi publicada em 1971 pela Lei n° 5.692. Sem muitas mudanças em relação à
anterior, sua principal característica foi a unificação do ensino primário com o ginásio
transformando-os em um primeiro grau obrigatório e gratuito, com a intenção de atender a
demanda social que clamava por maior escolarização (SILVA; FERNANDAES, 2011).
Já em 1996 foi instituída a terceira e última, até o momento, LDB pela Lei n°
9.394, de 20 de dezembro (BRASIL, 1996), norteando o sistema educacional atual. A
legislação em questão regulamentou a educação brasileira – a qual passou a ter por objetivo
o desenvolvimento pleno do aluno, incluindo a cidadania e a preparação para o mercado de
trabalho - e distinguiu a educação da educação escolar. Dessa forma, a educação passou a
compreender todos os processos que auxiliam na formação humana em uma sociedade
como a família, o trabalho, os movimentos sociais, entre outros; e a educação escolar ficou
delimitada à educação desenvolvida especificamente em instituições especiais para esse fim
– as escolas -, com os objetivos acima mencionados. Acrescentadas a essas definições, a lei
acima anda:
Alterou a nomenclatura e a organização dos ciclos educacionais - os
15
quais passaram a ser constituídos pelo ensino básico (com a inclusão do
ensino infantil abarcando as crianças de 0 a 5 anos), o ensino
fundamental e o ensino médio;
Iniciou propostas de educação escolar baseada em tempo integral de
permanência do aluno na escola;
Predisse a necessidade de haver um atendimento especializado e
gratuito para os alunos com necessidades especiais preferencialmente
nas escolas regulares;
Proporcionou autonomia para que as próprias escolas estabelecessem
algumas de suas organizações e padrões de funcionamento, como a
criação de seu próprio projeto político pedagógico, com o governo
determinando apenas um conteúdo básico e mínimo como obrigatório;
Propôs uma ampliação do conceito de educação a qual passou a ser
entendida além do ensino escolar, incorporando também as relações nos
diversos ambientes sociais.
Acarretando elogios e críticas por diferentes segmentos da sociedade,
aproximando essas definições da realidade atual, são notórias as contribuições trazidas por
esta Lei, contudo ainda é nítida a falta de desenvolvimento da proposta na realidade da
sociedade brasileira, o que pode ser comprovado quando analisado o fato de que, apesar da
Lei relacionar a educação a outros setores de convivência social, na maioria das vezes as
escolas não realizam essa aproximação do conteúdo escolar com as questões e vivências da
cidadania e das realidades sociais, restringindo-se a cumprir e seguir os conteúdos teóricos
dos materiais didáticos.
Relevante também é mencionar a questão trazida pela Lei sobre a educação
especial, pois apesar de ter o intuito de contribuição para a inclusão escolar, deve-se
esclarecer que apenas devido ao fato do aluno com alguma necessidade especial frequentar
o ambiente da escola regular não denota a inclusão deste de fato, já que não há a garantia de
estrutura e de funcionamento adequados, de conscientização e respeito dos demais alunos e
funcionários sobre a pessoa em condição de deficiência, muito menos de uma boa
qualidade de ensino.
16
Outras determinações desta Lei como valorização do professor e garantia de um
padrão de qualidade no ensino ainda estão muito distantes da realidade sem medidas
práticas destinadas à questão. Nota-se, por conseguinte, a ausência de ações efetivas para
que cada item estipulado se consolide, porém a importância desses temas educacionais
serem legalmente estabelecidos não deve ser negligenciada, sendo um passo relevante para
o futuro desenvolvimento de projetos no cenário educacional.
Outro documento importante a ser trazido a essa discussão foi o proclamado
pela Lei n° 10.172, decretada em 09 de janeiro de 2001, a qual instituiu o primeiro Plano
Nacional da Educação (BRASIL, 2001b), orientando o cenário educacional brasileiro. Com
validade para 10 anos, esse plano teve por objetivos a elevação do nível de escolarização da
população, maior qualidade do ensino, a acessibilidade e a permanência do aluno na escola,
e a redução das desigualdades quanto à escolarização. Neste documento, o governo federal
definiu como obrigatório o acesso e permanência de todas as crianças entre 07 a 14 anos no
ensino fundamental. Além disso, garantiu o acesso ao ensino fundamental às pessoas que
não o tiveram na idade estipulada, por meio da educação de jovens e adultos (EJA),
objetivou a ampliação do atendimento dos indivíduos no ensino infantil, médio e na
educação superior, além de valorização dos professores.
Esse Plano foi estruturado, inicialmente, por profissionais da área da educação e
estudantes, além de integrantes da sociedade que, com a conquista de atenção política
exigiram a definição de uma Lei Nacional para a educação, pressionando, para isso, o
governo do período vigente, presidido por Fernando Henrique Cardoso. A exigência foi
acatada pelo governo, todavia, inúmeras mudanças foram sofridas nesta proposta inicial ao
transformar-se no Plano Nacional de Educação aprovado. Uma das maiores críticas,
segundo Valente e Romano (2002), está relacionada ao fato do Plano aprovado não
estabelecer medidas e ações práticas a serem tomadas para desenvolver e aplicar cada item
declarado, tornando-se um documento puramente teórico sem efetivação prática, conforme
ocorreu também com a LDB publicada em 1996.
Já em momento seguinte, no ano de 2006, o governo brasileiro instituiu o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), por meio da
Emenda Constitucional 53. Este órgão foi incumbido da responsabilidade de organizar a
17
distribuição de recursos financeiros para os diferentes segmentos educacionais, os quais
foram renomeados como ensino infantil, fundamental, médio, educação de jovens e adultos
e também educação especial. Além disso, neste mesmo ano foi criada a Lei n° 11.274,
alterando a duração do ensino fundamental obrigatório de 8 para 9 anos ao incorporar as
crianças com 06 anos de idade já completos, as quais anteriormente frequentavam nesse
período a denominada pré-escola (BRASIL, 2009).
Dessa forma, se antes a infância era compreendida somente como um momento
de transição e aguardo pela idade adulta, na sociedade contemporânea esses ideais foram
integralmente transformados com o período infanto-juvenil amplamente considerado em
suas particularidades por um sistema educacional intencionado de uma prática pedagógica
adequada a esse período de desenvolvimento humano, conforme ilustração da Figura 4.4
Figura 4 – Lord Frederick Leighton. Estudo; na mesa de leitura. 1877.
Fonte: www.frederic-leighton.org
Em contrapartida, por ser um país em desenvolvimento, lutando para combater
profundas desigualdades entre sua população, percebe-se nitidamente a diferença ao acesso
4Na tela de Lord F. Leighton pode ser visualizado uma criança estudando representando o início da
construção de um sistema educacional destinado ao período da infância e juventude, em substituição aos
séculos anteriores nos quais as crianças não possuíam local destinado à escolarização.
18
e à qualidade de ensino escolar nas diferentes camadas sociais.
Especificamente sobre a questão do acesso e qualidade do ensino – que
constituem a base de todo o sistema educacional -, elaboração de ações objetivando que
todas as crianças e adolescentes obtenham de fato o acesso à escolarização ainda são
corriqueiras e necessárias, considerando que apesar de leis regulamentarem e tornarem
obrigatória e direito do cidadão a escolarização, uma parcela considerável da população,
principalmente aqueles que residem em afastados lugares e com baixas condições
econômicas, encontra-se marginalizada e excluída, sem acesso ao sistema educacional.
Ressalta-se, adicionado a esse tema da acessibilidade, a questão da qualidade da
educação brasileira oferecida gratuitamente. Enquanto as classes mais baixas da população
usufruem do ensino escolar público e gratuito, o qual nesse início do século XXI tem sido
considerado, em sua maior parte, de baixa qualidade, as classes mais altas desfrutam de
outro cenário e contexto em instituições educacionais particulares. Essa diferença na
qualidade de ensino oferecida por essas instituições acarretam consequências em diversas
áreas, como no acesso dos cidadãos ao ensino superior e, por consequência, na sua posição
no mercado de trabalho, desencadeando distorções sociais, econômicas e políticas que
acentuam e propagam as diferenças já existentes.
Repensada continuamente, não apenas pela política, mas também por
educadores, hoje a escola é entendida como um local que proporciona diversos
conhecimentos culturais específicos, disseminando e democratizando-os através do
planejamento de seus conteúdos e métodos de ensino (VELOZO, 2004). Não sendo apenas
transmissora de saberes, a escola tornou-se uma instituição com regras próprias, tendo a
oportunidade de proporcionar a seus alunos a socialização, o aprendizado e ao mesmo
tempo o questionamento dos diversos valores e conhecimentos, de forma a desenvolver a
criticidade dos alunos em relação à sociedade estabelecida. Por conseguinte, tornando-se
uma instituição que permite a vivência, a produção, a transformação e a reinvenção de
conteúdos culturais, a presença de uma escola pública com qualidade torna-se indispensável
para que o país se desenvolva de forma democraticamente justa para todos os cidadãos
(GUIMARÃES et al., 2001; VAGO, 2009).
Deve-se ressaltar que, conforme realçado por Paulo Freire (1996), a escola e
19
seu processo educativo tem influência e importância incomensuráveis para o
desenvolvimento mundial, proporcionando aos indivíduos não apenas a reprodução de
determinados conteúdos e ideologias, mas também o próprio questionamento dessas ordens
estabelecidas.
Certamente que a história do sistema educacional brasileiro é complexa, com
inúmeros problemas e dificuldades em sua estrutura e funcionamento, que vão além do que
foi por nós sintetizado até este momento. Contudo, estas são considerações que não podem
deixar de serem citadas, mesmo que de forma sintetizada, para que um olhar crítico e
contextualizado de qualquer tema relacionado à educação atual seja possível.
2.2 Tela 2 - escolarização e a pessoa com deficiência
O caminho transcorrido para a consolidação da instituição escolar na sociedade
foi esboçado anteriormente, possibilitando neste momento uma discussão sobre a
participação da pessoa com deficiência neste cenário inundado por questões
socioeconômicas e políticas.
Primeiramente relegada às condições desumanas, a pessoa com deficiência
passou por longa batalha para ser aceita e considerada como ser humano e cidadão,
paralelamente ao desenvolvimento das escolas. Apenas nos últimos dois séculos as relações
com essas instituições passaram a ser estabelecidas. Nos parágrafos abaixo, é desenvolvida
uma narrativa a cerca da luta dessas pessoas para participarem da sociedade e sua inclusão
nas instituições escolares.
2.2.1 A pessoa com deficiência
Nada mais explicativo do que se atentar para as denominações atribuídas às
pessoas para se compreender a consideração a estas destinada. Em relação às pessoas com
deficiência, foram várias as nomenclaturas impostas durante o decorrer histórico,
influenciadas pelos valores e significados atribuídos a elas nos diferentes momentos
socioculturais vigentes.
20
Num panorama cronológico dessa situação, pode-se compreender a condição de
marginalização e exclusão que essa população sofreu ao longo dos anos por uma sociedade
desumana e individualista por meio das denominações a ela atribuída.
Conforme exposto por Bianchetti (1995), nas sociedades primitivas os
indivíduos eram nômades, ou seja, eles se deslocavam pelo mundo em busca de condições
ambientais propícias a uma vida adequada aos seus interesses de sobrevivência, o que fazia
da pessoa com deficiência um empecilho para esses contínuos deslocamentos, sendo
comumente abandonadas. A partir do momento no qual as pessoas passaram a se organizar
em sociedades e fixaram-se em determinados territórios, também foram sendo estipulados e
impostos diferentes ideais e paradigmas. Estabeleceu-se em Esparta, em início marcante
dessa nova etapa de constituição social, o culto a uma forma corpórea ideal induzindo à
condenação de morte os bebês que nascessem com qualquer alteração a esse modelo
corporal pré-estabelecido - como uma deficiência. Já em Atenas, as pessoas com
deficiência deixaram de ser mortas, porém, influenciados por um moralismo místico, suas
deficiências passaram a ser consideradas como consequências de pecados cometidos em
vidas anteriores, sendo continuamente rejeitadas e excluídas. Esse moralismo se fortaleceu
na Idade Média, com a crença de que a presença de uma deficiência estaria associada a
maus espíritos e feitiços. No final desse período, houve a imposição de uma nova teoria
cristã defensora da presença de uma deficiência num individuo como uma possibilidade
oferecida por Deus para que as demais pessoas ao redor deste fossem caridosas e se
salvassem de seus pecados.
Essa concepção do dever em auxiliar pessoas que tivessem em condição de
alguma deficiência, visando à salvação eterna, culminou na inauguração das primeiras
Santas Casas de Misericórdias - casas destinadas ao recebimento e manutenção da
sobrevivência destas (JANNUZZI, 2006). Esse grupo de pessoas deixou de ser condenado à
morte, porém passou a ser isolado e excluso do convívio social dentro destas instituições,
mostrando, por um lado, a conquista da garantia de sobrevivência, e por outro, ampla
rejeição a sua convivência.
Retomando Bianchetti (1995), caminhando ao século XVI a sociedade passou
por profundas transformações – definiram-se novas divisões de classes sociais, as grandes
21
navegações e as conquistas territoriais expandiram-se, e um sistema econômico capitalista
foi incorporado à maior parte do mundo –, as quais induziram a um juízo da pessoa com
deficiência como uma pessoa “infuncional”, ou seja, sem função dentro desta nova
sociedade que se organizava.
Restrito aos interesses referentes a uma funcionalidade ao sistema de trabalho e
à sociedade capitalista existiu, conforme afirmação de Zavareze (2009), uma seguinte
denominação de “inválidas” em substituição ao termo anterior, que prosseguiu até o século
XIX, enfatizando o entendimento de serem, estas pessoas, sem função significativa nem
valorosa, apenas um fardo para a família e a sociedade. Prosseguindo ao começo do século
XX, ainda com resquícios do século anterior, o novo termo difundido foi “incapazes”,
enfatizando explicitamente a compreensão de que não poderiam trazer contribuições
sociais, principalmente do ponto de vista da aptidão física e intelectual, necessárias para o
mercado de trabalho.
Já nas décadas de 60 e 80, devido à propagação de movimentos sociais em
defesa dessas pessoas, outros termos foram propostos como: “defeituosos”, “deficientes” e
“excepcionais”, já baseados numa inicial preocupação com a conotação trazida pelas
nomenclaturas, porém carregando ainda vestígios das anteriores características pejorativas
que focalizavam a deficiência em detrimento de uma consideração da pessoa como ser
humano.
Como fruto desses movimentos sociais, o ano de 1981 foi declarado “Ano
Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência” pela Organização das Nações Unidas,
com o objetivo de convocar os países para que promovessem ações referentes ao tema,
desdobrando-se numa série de ações políticas e sociais destinadas à defesa e à valorização
dessas pessoas. Neste momento, novos termos apareceram visando uma forma mais
respeitosa, como “pessoa deficiente”, “pessoa portadora de deficiência” e “pessoas
especiais” (SASSAKI, 2003).
As transformações nas denominações podem ser vistas como reflexo do
surgimento de uma nova forma de compreensão acerca dessa população, com mais respeito
e aceitação, com início de uma conscientização de que todos possuimos capacidades e
dificuldades, e podemos, em algum momento da vida, adquirirmos uma condição de
22
deficiência, conforme retratado por Pieter Bruegel na Figura 5.5
Com progressiva atenção dispendida à questão, cada vez mais considerações
foram sendo definidas. O termo “portador”, por exemplo, passou a ser considerado
inadequado por não se referir às condições reais da pessoa que possui uma deficiência, uma
vez que “portar”, segundo definições da língua portuguesa, refere-se a uma atitude
opcional, como quando se porta um objeto qualquer, podendo deixá-lo quando desejar, o
que não é a realidade da pessoa que possui uma deficiência.
Figura 5 – Pieter Bruegel. Os Aleijados. 1568b.
Fonte: http://www.abcgallery.com
Com contínuas e efervescentes discussões a respeito, estabeleceu-se, na década
de 90, o termo “pessoa com deficiência” e “pessoa em condição de deficiência”,
considerados como os mais adequados atualmente. Estes termos idealizaram a consideração
em primeiro momento da pessoa como ser humano, e apenas posteriormente de sua
5 Na tela de Pieter Bruegel cada pessoa com deficiência representa uma classe social distinta, as quais são
analisadas pelas toucas, sendo um rei, um bispo, um soldado, um burguês e um camponês, proporcionando
uma reflexão de que todos podem adquirir uma condição de deficiência, independente da classe social a que
pertence.
23
característica de possuir uma dada condição específica, não com o objetivo de minimizar ou
esconder tal característica, mas intencionando tratá-la de forma respeitosa e ao mesmo
tempo dispor dos cuidados necessários exigidos pela condição em questão (SILVA;
SEABRA JUNIOR; ARAÚJO, 2008).
Pesquisadores e documentos legais, em seguida, detalharam e esclareceram
sobre essas novas nomenclaturas. A palavra deficiência consolidou-se, segundo Sassaki
(2005), como uma condição resultante de algum impedimento para a pessoa que a possui,
sendo esta submetida a uma desvantagem em relação a determinados fatores em
comparação com as pessoas que não possuem essa condição.
Completando, a “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”
(BRASIL, 2007) - em definição aceita e reforçada no Brasil pelo “Plano Nacional dos
Direitos da Pessoa Com Deficiência”, instituído pelo Decreto n° 7.612, de 17 de novembro
de 2011 - definiu a pessoa com deficiência como a pessoa que possui algum impedimento
(físico, mental, intelectual ou sensorial) em longo prazo, que possa dificultar sua
participação social quando em contato com alguma barreira, influenciando de forma
dificultosa uma vida social com igualdade de oportunidade entre ela e as outras pessoas
sem deficiência.
Devido à importância do ano de 1981 e seus posteriores documentos e ações
elaborados que contribuíram para essa nova forma de compreensão a respeito da pessoa em
condição de deficiência, a menção de alguns deles torna-se relevante para que o cenário e o
caminhar dessa questão seja elucidado.
Abrindo caminho para a posterior ênfase alcançada no ano de 1981, a
Organização das Nações Unidas proclamou a “Declaração dos Direitos das Pessoas
Deficientes”, em 09 de dezembro de 1975 (BRASIL, 1975). Este documento declamou
sobre a necessidade de prevenção de alguns tipos de deficiência, de apoio e atendimento às
pessoas com essa condição, ressaltando os mesmos direitos destas a uma vida com
qualidade tal qual os outros cidadãos, com atendimento médico assegurado e direito de
segurança social, econômica, à vida em sociedade e proteção contra qualquer forma de
discriminação e exploração. A pessoa com deficiência foi adquirindo respeito as suas
24
características e espaço para sua atuação social, numa nova era de aceitação (FIGURA 6).6
Figura 6 – Robert Henri. Cantora Espanhola Cega.1912.
Fonte: www.henrirobert.org
Posteriormente, foi publicada a “Declaração Mundial Sobre Educação para
Todos”, em 1990, intencionando sensibilização governamental a respeito da educação
como um direito de todas as pessoas, incluindo, neste momento, também as pessoas com
deficiência (BRASIL, 1990a).
Ainda no âmbito educacional, uma terceira publicação influenciou suas
estruturas e seu futuro mundial, a “Declaração de Salamanca”, estabelecida em 1994, em
Salamanca, na Espanha (BRASIL, 1994). Este documento foi elaborado durante a
6A pintura de Robert Henri retrata uma nova era de aceitação e de vida em sociedade das pessoas com
deficiência, as quais passam a ter direitos civis e também a vivenciarem diferentes atividades socioculturais,
como a música, não apenas como ouvinte, mas também atuando, como ao tocar um instrumento musical. A
atuação na música representa todos os demais papéis sociais que essas pessoas possam a vir a ter.
25
“Conferência Mundial de Educação Especial”, realizada entre os dias 07 e 10 de julho, no
qual 88 países e 25 Organizações Internacionais discutiram sobre uma educação para todas
as pessoas. Neste momento foi definida a escola inclusiva, referindo-se a um sistema
educacional no qual as escolas recebem todas as crianças, independente de suas diferenças
e dificuldades, incluindo a pessoa com deficiência, de forma bem-sucedida e com alta
qualidade de ensino, sendo a própria escola a responsável por adaptar sua estrutura física e
pedagógica de acordo com as necessidades de cada aluno. Propôs ainda que os governos
adotassem a educação inclusiva como sistema de ensino, promovendo ações políticas,
legislativas e financeiras que garantissem sua implantação. A Declaração em questão trouxe
contribuição relevante para o cenário educacional mundial das pessoas com deficiência,
influenciando o modelo educacional de vários países ao redor do mundo.
Em anos sequentes, foi aprovada a “Carta para o Terceiro Milênio”, no dia 9 de
setembro de 1999, em Londres (BRASIL, 1999). Objetivou-se, com a Carta, uma
mobilização da sociedade para a concretização dos direitos humanos estabelecidos
anteriormente nos papéis legislativos, de forma que a inclusão ocorresse de fato em todos
os segmentos sociais, eliminando todas as barreiras para se tornar uma realidade no século
XXI. Propôs, para isso, que os países desenvolvessem programas de acessibilidade e de
apoio à reabilitação da pessoa com deficiência, com metas e cronogramas claramente
definidos para serem cumpridos.
Com proposta semelhante, em 2001, foi aprovada a “Declaração Internacional
de Montreal sobre Inclusão,” no dia 05 de junho, em Montreal, Quebec, no Canadá,
recomendando que todos os segmentos sociais estabelecessem ações de forma a garantir a
plena inclusão da pessoa com deficiência na sociedade – em seus ambientes, produtos e
serviços –, identificando e criando soluções para uma vida inclusiva, por meio de ações
políticas e sociais (BRASIL, 2001a).
Já na data de 13 de dezembro de 2006 foi estruturada a “Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência” e seu Protocolo Facultativo, pela Organização das
Nações Unidas (ONU), aceito oficialmente pelo Brasil em 30 de março de 2007. Composto
por artigos que reafirmaram como obrigatório o cumprimento de direitos civis,
socioeconômicos, políticos e culturais das pessoas com deficiência, este documento trouxe
26
o objetivo de combater a discriminação, auxiliar a emancipação dessas pessoas protegendo
e assegurando sua dignidade, o cumprimento dos direitos humanos, a inclusão social, o
respeito pelas diferenças, a aceitação, a acessibilidade e o desenvolvimento de programas,
políticas, pesquisas, serviços e produtos referentes à questão (BRASIL, 2007).
Consequentemente à publicação dos documentos internacionais, o Brasil
estabeleceu, aos poucos, uma série de medidas legislativas referentes ao assunto.
Abrindo caminho, em 1986 foi criada a “Coordenadoria para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência” (CORDE) visando assegurar os direitos até então
definidos e proporcionar a integração das pessoas com deficiência na sociedade,
considerando todo o contexto social (ARAÚJO, 1999).
Já em 1988, apresentou-se, com a Constituição Federal do Brasil, uma das
medidas preliminares e instigadoras da presença de alunos com deficiência nas escolas
regulares, ao ser redefinida a educação especial como uma educação destinada às pessoas
com deficiência ocorrendo preferencialmente na rede regular de ensino, medida esta
reafirmada pela Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, em artigo do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) (BRASIL, 1988, 1990b).
Seguindo esses princípios, a terceira e atual, e já citada anteriormente, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, corroborou
com essa nova estruturação da educação especial incorporando, além do dever desta ocorrer
preferencialmente na rede regular de ensino, a necessidade de devida capacitação de
professores e adequação de currículos e procedimentos didáticos, com recursos específicos
para as necessidades de cada aluno.
Outra medida crucial foi a criação da Lei n°10.098, de 19 de dezembro de 2000,
a Lei da Acessibilidade. Por meio desta, critérios visando garantir a plena acessibilidade
das pessoas com deficiência aos produtos, locais, serviços e educação foram determinados,
numa preocupação em eliminar quaisquer tipos de barreiras que poderiam dificultar ou
impedir o acesso dessas pessoas (BRASIL, 1996).
Conjuntamente, decretos e portarias referentes às pessoas com deficiência
foram promulgados. Segundo Silva A. M. (2010), com o Decreto n° 914 de 06 de julho de
1993, foi criada uma “Politica Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
27
Deficiência”, garantindo os direitos sociais e também individuais dessas pessoas. Em 1999,
o Decreto n°3.298 reestruturou o citado anteriormente, adicionando explicitamente a
garantia de acesso e permanência das pessoas com deficiência nos diferentes setores da
comunidade por meio de uma integração entre as ações públicas e privadas em diversos
segmentos como a educação, o trabalho, a saúde e a habitação, de forma a atingir a inclusão
social.
Ainda de acordo com o mesmo autor, no ano de 1999, o Decreto n°. 3.076
instituiu o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE),
atribuindo a este a finalidade de acompanhar o caminhar das ações políticas nacionais
referentes à inclusão das pessoas com deficiência nos diversos setores sociais.
O Conade pode ser compreendido como uma tentativa de solidificação das
políticas públicas brasileiras neste assunto, uma vez que intencionou a garantia da
continuidade das ações e buscou evitar estagnações dos decretos da legislação.
Em ações com semelhança de intencionalidade, em 24 de Abril de 2002, a Lei
n° 10.436 regularizou no Brasil a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), não apenas
reconhecendo essa forma de comunicação, mas também abrindo espaço e exigência para a
formação de docentes intérpretes, os quais passaram a ter presença garantida legalmente
nas diversas instituições. Neste mesmo ano, uma permissão legislativa foi adicionada para
que as pessoas com deficiência visual frequentassem tanto lugares públicos como privados
acompanhados de um cão-guia (DIEHL, 2006).
Outra ação em linha de indução de medidas práticas foi o instituído “Plano
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência” (Plano Viver sem Limites) pelo Decreto
n° 7.612, de 17 de novembro de 2011. O Plano objetivou o respeito e a efetivação dos
direitos da pessoa com deficiência estipulados pela Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo Facultativo, reafirmando a garantia
de inclusão social e educacional (SILVA, A. M., 2010).
Tendo por base alguns dos documentos produzidos nas ultimas décadas, como
os citados acima, observa-se que os conceitos e definições legais a respeito da cidadania
das pessoas com deficiência estão determinados e esclarecidos. Contudo, essas deliberações
legais esbarram-se não apenas numa insuficiente concretude prática como também na falta
28
de conhecimento e preconceito de grande parte da população, não sendo o suficiente para
garantir a essas pessoas o bem estar e a adequada qualidade de vida a que todos têm direito
(Figura 7).7
Figura 7 – Diego Velazquez. Um Anão Sentado no Chão.1645.
Fonte: http://www.diegovelazquez.org
O pré-conceito é entendido como uma opinião individual ou coletiva concebida
sobre algo, sem haver desenvolvimento de conhecimento suficiente sobre o assunto. Já o
preconceito refere-se a uma repulsa por determinada condição ou fato.
Tanto o pré-conceito quanto o preconceito tornam-se um obstáculo na inclusão
das pessoas com deficiência uma vez que não ocorre de forma isolada, sendo nutridos
7O quadro de Diego Velazquez retrata uma pessoa com nanismo representando, neste trabalho, todas as
pessoas que possuem alguma condição de deficiência e o seu direito ao bem estar e qualidade de vida sem
obstáculos para a concretização de seus direitos, conforme discutido no parágrafo anterior.
29
durante toda a história e pelos mais diversos contextos socioculturais.
A pessoa com deficiência foi relegada a um nível inferior de consideração
durante grande parte histórica, considerada inapta para as atividades da sociedade e fora do
padrão estipulado para o ser humano. Com o surgimento de novas concepções filosóficas e
pensamentos humanistas iniciou-se uma luta pelo respeito e aceitação das diferenças,
contudo muito ainda há a ser feito, pois se por um lado o preconceito tem sido
transformado e vivenciado de formas diferentes, por outro continua presente na mídia, nas
relações sociais, no mercado de trabalho, nas produções de produtos que, quando não
ignoram a presença de pessoas com deficiência, colocam-na, na maioria das vezes, como
indivíduos vitimados pela vida, como infelizes, trazendo informações errôneas e
contribuindo indiretamente com a propagação do preconceito e de falsas concepções sobre
a deficiência.
Num movimento de padronização de corpos e de vidas, as diferenças são
rejeitadas pelas pessoas assim como, numa sociedade que negligencia as potencialidades de
cada indivíduo, instala-se o medo de que determinada característica não seja aceita no
padrão social estabelecido.
Apesar de todas as dificuldades para se combater o pré-cconceito, que hoje é
oriundo principalmente da falta de conhecimento e não da repulsa pela deficiência, ideais
como os de Paulo Freire (1996) suscitam a esperança num caminhar de sociedade mais
respeitosa e humana, ao mostrar que qualquer tipo de discriminação e preconceito vai
contra o próprio individuo como ser humano e seus ideais de democracia, além de enfatizar
que por mais estafante e vagarosa que sejam as possibilidades de mudança, elas são
possíveis.
Finalmente, se comparado às mais antigas sociedades que condenavam à morte
essas pessoas, grandes avanços foram alcançados, de forma vagarosa, mas concreta. O
importante é ressaltar que as mudanças ocorreram e ainda ocorrem. Afinal, já nos ensinam
as formigas, que grandes obras às vezes devem ser construídas de grão em grão.
30
2.2.2 Escolarização da pessoa com deficiência
As pessoas que possuíam algum tipo de deficiência foram submetidas a
inúmeras barreiras que dificultaram sua aceitação como cidadãs e ser humano durante o
decorrer dos séculos, submetendo-as do menosprezo às precárias condições de vida.
Consequentemente, a área educacional sofreu severos reflexos desse contexto desumano e
preconceituoso que por sua vez contribuiu em muitos momentos para o prosseguimento
desse processo de exclusão, uma vez que ao mesmo tempo em que é influenciada a escola
também influencia a sociedade.
Apoiando-se na contextualização histórica, apura-se que no momento do Pré-
Cristianismo, as pessoas com deficiência eram abandonadas ou condenadas à morte sendo
impensável, portanto, a elaboração de um sistema educacional a elas destinado.
Caminhando à era do Cristianismo, a visão de uma criança com deficiência incapaz de ser
alfabetizada prevaleceu, sendo recebida, em sua maioria, em instituições que apenas a
segregava e isolava da sociedade ou do convívio social. A ruptura desse cenário com as
primeiras tentativas educacionais direcionadas às pessoas com deficiência derivou-se
inicialmente das reflexões filosóficas, com uma iniciativa isolada em 1260, quando da
criação da primeira instituição destinada ao atendimento de soldados que haviam adquirido
deficiência visual, o Hospital Quize Vings, pelo Rei Luís IX, em Paris. Posteriormente,
apenas em aproximadamente 1500 o tema sobressaiu-se, quando Pedro Ponce de Leon
tornou-se o primeiro educador de pessoas com surdez, ensinando os filhos de nobres a ler,
escrever e calcular (MIRANDA, 2003; SILVA, A. M., 2010).
Se por um lado a educação das pessoas que possuíam alguma deficiência foi
iniciada, por outro se ressalta a observação de que apenas pessoas associadas a certo
prestígio social recebiam o privilégio educacional, como filhos da nobreza e soldados que
haviam lutado pelo país. Para o restante, composto pela grande maioria populacional, a
educação continuava a ser algo distante e improvável.
Avançando ao século XVIII, Charles Michel L’Epée destacou-se ao organizar
trabalhos educacionais com pessoas com surdez por meio da criação de um primeiro
método de sinais. Já em 1829, Louis Braille trouxe sua contribuição ao desenvolver o
31
Método Braille, composto por um sistema representativo das letras do alfabeto por meio da
combinação de pontos em relevo. Além dessas iniciativas referentes à educação das pessoas
com surdez e cegueira, a deficiência intelectual também foi abarcada nessas primeiras
ações. Em período concomitante, o médico Jean Marc Itard, propôs ser viável um processo
educacional para o menino Victor, que apresentava dificuldades intelectuais por haver
sobrevivido durante anos na selva, propondo um sistema específico. Influenciados por
Itard, Edward Seguin e Maria Montessori deram continuidade a esses conceitos
organizando programas educacionais que, após influenciar países da Europa e da Ásia,
expandiram-se para continentes diversos (MIRANDA, 2003; SILVA, A. M., 2010).
A continuidade da atenção educacional às pessoas com deficiência foi sendo
liderada por médicos baseados em princípios de educação para a vida, com tratamentos
medicinais e ênfase na aprendizagem das atividades diárias e autocuidado. Em seguida, a
área recebeu e incorporou conhecimentos da psicologia e da pedagogia, expandindo o
atendimento dessas pessoas também à aprendizagem escolar (BRASIL, 2008).
Se até o momento as pessoas com deficiência eram isoladas em manicômios e
asilos, a criação desses métodos de ensino influenciou a difusão de instituições
especializadas destinadas também ao desenvolvimento dessa população, ainda segregando-
as da convivência social, mas já com algum caráter educacional. Esmiuçando os fatos,
Stainback S. e Stainback W. (1999) revelam como ponto inicial a inauguração da primeira
instituição especializada, já com caráter educacional, em 1817, por Thomas Gallaudet,
denominada de Asilo Norte-Americano para Educação e Instrução dos Surdos e Mudos.
Neste caminhar, as ações dirigiram-se para a consolidação de uma Educação
Especial, nesta fase, entendida como um sistema educacional destinado ao atendimento de
pessoas com deficiências e outros distúrbios de aprendizagem e comportamento,
desenvolvido separadamente do ensino regular em instituições específicas, mantendo uma
segregação no plano educacional entre os alunos com deficiência e os demais (GLAT;
PLETSCH; FONTES, 2007).
Focalizando o Brasil, as pessoas com deficiência demoraram a usufruir dessas
conquistas educacionais, situação esta agravada pelo descaso político com a questão. Essa
circunstância é ratificada nos estudos de Jannuzzi (2006), ao revelar que a Constituição de
32
1824, em seu Título II, Artigo 8°, Item 1°, privava um indivíduo que possuísse uma
condição de deficiência dos seus direitos políticos - o que incluía a educação. Com isso,
pessoas com essas características eram apenas recolhidas em Santas Casas de Misericórdia,
que cuidavam de órfãos e pessoas consideradas inválidas sob a justificativa de que
proporcionariam melhores cuidados, porém com a função camuflada de isolá-las do
convívio social.
A mesma autora ressalta ainda que apenas no século XIX o Brasil iniciou um
processo embrionário de institucionalização da educação especial, fato este instigado pela
proliferação das ideias internacionais. Logo, a primeira instituição destinada à educação das
pessoas com deficiência no Brasil foi criada por meio do Decreto n° 1.428 de 12 de
setembro de 1854, por Dom Pedro II - o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Esse
instituto não se originou por uma sensível consciência dos direitos humanos, mas sim
devido à presença de pessoas com deficiência no ambiente da nobreza. Explanando o fato,
um brasileiro com deficiência visual, José Alvares de Azevedo, integrante do cenário
nobre, buscou instrução educacional em Paris, no Instituto dos Jovens Cegos e, ao voltar ao
Brasil, passou a educar a filha do médico do Imperador, com a mesma condição. Em
seguida, contando com a ajuda de Couto Ferraz, influenciou Dom Pedro II a criar o
instituto em questão que, pelo Decreto n° 1.320 de 24 de janeiro de 1891, transformou-se,
em seguida, em Instituto Benjamin Constant. Além desta, houve também, a criação de uma
segunda instituição, o Instituto dos Surdos-Mudos pela Lei n° 839 de 26 de setembro de
1857, o qual foi transformado em Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), pela
Lei n° 3.198 de 06 de julho de 1957.
Apesar de relevantes, essas iniciativas receberam apenas pequena parcela da
população com deficiência. Além disso, a ampliação desse sistema de ensino não foi
preocupação do sistema político da época, sendo continuado apenas com organizações
populares como a Sociedade Pestalozzi do Brasil – o qual leva o nome do educador suíço
que priorizou os sentimentos e afetividade na educação das crianças, Johann Heinrick
33
Pestalozzi (FIGURA 8)8 - e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), na
década de 50 (BRASIL, 2008).
Figura 8 - Konrad Grob. Pestalozzi com Órfãos em Stans. 1879.
Fonte: www.myartprints.com
A autora Jannuzzi (1992) mostra que existiram, paralelamente, alguns indícios
de escolas para pessoas com deficiência no país, contudo, sem relevantes informações sobre
elas, tornaram-se fatos escassos e sem registros de haver contínua atuação dessas
instituições. Dentro destas iniciativas relata-se a existência, nos anos de 1890, do Ginásio
Estadual Orsina da Fonseca, no Rio de Janeiro; em 1892, da Unidade Educacional Euclides
da Cunha, em Manaus; e em 1909, da Escola Borges de Medeiros e do grupo Escolar
Delfina Dias Ferraz, no Rio Grande do Sul.
Baseado no exposto acima é possível visualizar um caminhar paralelo entre as
escolas regulares e a criação de instituições especiais. Anos mais tarde, classes especiais
dentro das escolas regulares foram propostas e realizadas, constituindo-se como classes
separadas das demais, que recebiam as pessoas com deficiência para a aprendizagem
8A tela de Konrad Grob retrata o educador Pestalozzi, o qual teve seu nome utilizado na denominação de uma
das organizações populares destinadas ao atendimento da pessoa com deficiência – a Sociedade Pestallozi do
Brasil.
34
escolar, porém as isolava dos demais alunos da escola, o que inicialmente contribuiu ainda
mais para a segregação destas. Sobre tal fato, Januzzi (2006) justifica que, com o
surgimento das classes especiais, passaram a existir inspeções nas escolas para separar as
crianças ditas “normais” das ditas “anormais”, sob a justificativa de que uma poderia
prejudicar o desempenho da outra.
Nesse primeiro momento, ambas as opções acabaram por contribuir para uma
segregação, porém se nas instituições especiais havia profissionais com preparo e
disposição para trabalhar com essas pessoas, nas classes especiais das escolas regulares o
atendimento era precário.
A partir, aproximadamente, da década de 60, floresceu a defesa de uma
educação conjunta dos alunos com alguma deficiência com os demais, como reflexo de
vários fatores dos quais pode-se destacar o desenvolvimento de pesquisas científicas
revelando as possibilidades de ensino para as pessoas com deficiência; a proliferação de
movimentos sociais defensores dos direitos humanos que questionavam a segregação e
defendiam o direito de todos aos mesmos sistemas educacionais, além de uma pressão
política mundial dos países desenvolvidos sobre o tema, influenciando os demais países
dependentes destes (MENDES, 2006).
Com possibilidades, propostas e exigências em efervescência no âmbito
mundial, o Brasil comprometeu-se, oficialmente, a elaborar ações políticas referentes ao
assunto.
Como medida inicial, em 1957, o governo brasileiro elaborou campanhas
relacionadas ao atendimento educacional das pessoas com deficiência, sendo a “Campanha
para Educação do Surdo Brasileiro” a ação principiante. Em 1958, criou a “Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação do Deficiente da Visão”, e em 1960, a “Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais” (CADEME) (MIRANDA,
2003).
A educação especial, entendida até então como uma educação voltada
especialmente para pessoas com deficiência em ambientes específicos e separados dos
demais, adquiriu, neste momento, atenção da legislação brasileira com a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 – na
35
qual foi garantido explicitamente, pela primeira vez, o direito dos “excepcionais” à
educação, com organização de uma distribuição de subsídios financeiros para instituições
particulares que atuassem na educação das pessoas com deficiência (RODRIGUES;
KREBS; FREITAS, 2005; BRASIL, 2008). Apesar de elevar a educação das pessoas com
deficiência explicitamente como direito legal, com essas medidas houve um estímulo ao
ensino especial separado e privatizado, e uma evasão do dever federal na elaboração de
ações políticas públicas educacionais à disposição das pessoas com deficiência, uma vez
que essa educação passou a ser permissível de ocorrer em classes especiais, dentro de
instituições particulares.
A ação acima se procedeu dentro de um contexto de ampliação de reflexões
sobre a participação social das pessoas com deficiência. Chamada de normalização, esta
fase, segundo Soler (2005) e Silva, Seabra Júnior e Araújo (2008), fundamentou-se pela
busca de medidas eficazes para proporcionar à pessoa com deficiência a vivência de um
estilo de vida semelhante ao considerado como normal pela sociedade. Ou seja, visava-se
preparar o modo de vida das pessoas com deficiência para que eles pudessem seguir
parâmetros e condições as mais semelhantes possíveis da forma como as demais pessoas
sem deficiência viviam no contexto social padronizado.
Com contínuas discussões a respeito, uma fase denominada de Integração
sucedeu a anterior. Defendeu-se neste momento, a integração física da pessoa com
deficiência nos diversos ambientes sociais, contudo, caberia à própria pessoa se adequar à
sociedade já idealizada. No contexto educacional, as instituições e classes especiais
passaram a ter a função de preparar as pessoas com deficiência para encaminhá-las às
escolas regulares, porém apenas as que apresentavam desenvolvimento próximo dos
padrões considerados normais pelo ensino escolar padronizado eram encaminhadas a este,
uma vez que as escolas não realizavam nenhuma alteração nem adaptação às necessidades
desses alunos (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007).
Compreende-se, portanto, que a integração trouxe a possibilidade da presença
física da pessoa com deficiência nos diversos ambientes, porém não possibilitou uma
participação nesses locais com qualidade de atuação.
Concomitantemente às dificuldades encontradas nesta fase, foi elaborada a
36
primeira política pública referente à educação das pessoas com deficiência. Um “Grupo-
Tarefa de Educação Especial” foi organizado pelo Ministério de Educação e Cultura
(MEC), em 1972, com a finalidade de elaborar uma estruturação da educação especial no
Brasil. Como primeira ação, por meio do Decreto n° 72.425, de 03 de julho de 1973, pelo
Artigo 3°, Inciso VI, o Grupo criou o “Centro Nacional de Educação Especial” (CENESP),
atribuindo-lhe a função de expandir e melhorar o atendimento educacional a essas pessoas,
por meio do desenvolvimento de políticas específicas para esse cenário e capacitação de
recursos humanos para atuarem na área em questão. Sob responsabilidade desse órgão,
foram imbuídos os Instituto Brasileiro de Cegos e Instituto Nacional dos Surdos-Mudos.
Com pouco estímulo e força política, o CENESP teve sua função enfraquecida
readquirindo, apenas em 1993, visibilidade e apoio político, ao transformar-se em
Secretaria de Educação Especial (SEESP). Vale ressaltar que em seguida, no ano de 1990,
essa Secretaria foi extinta e substituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mantido
até os dias atuais (SOLER, 2005; JANUZZI, 2006; GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007).
No caminhar às décadas de 70 e 80, críticas quanto à forma como a integração e
a educação especial vinham se estabelecendo foram vagarosamente proliferando-se devido
à, ainda presente, segregação da pessoa com deficiência.
Uma mudança mostrou-se necessária, abrindo espaço para a defesa e
estabelecimento de uma terceira e atual, até o momento, fase – a da inclusão. Nas décadas
de 80 e 90, os ideais da inclusão se desenvolveram propondo uma modificação na forma
como é vista a pessoa e a sua deficiência, não mais com enfoque apenas no campo
biológico, mas considerando todas as outras dimensões, como a social, afetiva e
psicológica, para que a permanência de qualquer forma de segregação fosse contornada.
A inclusão, conforme definido por Stainback S. e Stainback W. (1999), é
compreendida como a participação de todos nos diferentes setores da sociedade, sendo que
esta se adapta para atendê-los com a mesma qualidade independente de suas diferenças. No
âmbito educacional, as instituições escolares devem receber todos os alunos
proporcionando a mesma qualidade de ensino independente das diferenças ou dificuldades
de cada um. Vale mencionar que no conceito da inclusão são consideradas não apenas as
pessoas com deficiência, mas também as pessoas com quaisquer características que possam
37
dificultar sua participação nas atividades a serem desenvolvidas, como dificuldade de
aprendizagem, diferenças culturais e étnicas, entre outras.
Em 1994, com a já explicitada “Declaração de Salamanca”, a inclusão refletiu-
se definitivamente no plano educacional. Continuamente, vários documentos e eventos
foram organizados defendendo a inclusão em toda a esfera social e estimulando sua
implantação em diversos países.
Defendida e apoiada em âmbito internacional, também o Brasil assumiu o ideal
da sociedade inclusiva. Especificamente no cenário educacional, a própria Constituição
Federal do Brasil de 1988, e a terceira LDB, 1996, determinaram, conforme já mencionado,
o atendimento educacional da pessoa com deficiência preferencialmente na rede regular de
ensino.
Além destes, outros documentos foram publicados como o “O Acesso de
Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular” pelo Ministério
Público Federal, Decretos-Leis estabelecendo normas para a acessibilidade educacional e
social das pessoas com deficiência, além do “Plano de Desenvolvimento da Educação”, em
2001 e em 2012, não apenas defendendo, mas exigindo das escolas o cumprimento da
inclusão educacional (MELO e SILVA, 2004; SILVA, A. M., 2010).
A educação especial deixou, portanto, de ser uma modalidade de ensino
específica de instituições especiais e passou a frequentar as escolas regulares, adquirindo
nova definição e abrindo caminho para uma possível e consequente inclusão educacional.
Já esclarecida e definida legalmente, a inclusão passa a exigir agora a atenção
política para a delimitação de ações que permitam a sua implantação prática na sociedade.
No campo educacional, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 expõe que, para a
inclusão educacional os professores deverão ser capacitados, cabendo aos sistemas de
ensino assegurar material, currículos, métodos, recursos necessários e também professores
especializados para a possível necessidade de um atendimento especializado dentro do
âmbito escolar (BRASIL, 1996). Porém, contrariando essa clara exigência, muitas dessas
medidas estão enfrentando dificuldades para serem estabelecidas na realidade escolar e,
sem respaldo de ações governamentais suficientes para garantir o cumprimento real da
inclusão educacional, divergências e discussões a respeito do tema são frequentes frente a
38
esses obstáculos. Com isso, é constante ainda a presença de atitudes referentes ao processo
de integração, apenas alocando fisicamente as pessoas com deficiência nos espaços
escolares, sem proporcionar a qualidade de ensino a qual são obrigadas legalmente a
fornecerem.
Contudo, tão antigo quanto a sociedade é o sistema de ensino, e pequenas
alterações vem sendo alcançadas, uma vez que as estruturas do sistema educacional
remontam há séculos, exigindo persistentes e competentes ações políticas e pedagógicas
para que alterações efetivas sejam possíveis.
2.2.3 Inclusão escolar – desvendando o tema
A inclusão refere-se a um complexo de dimensões interligadas historicamente,
exigindo mais do que um relato simplicista e superficial. Sem pretensão de alcançar um
patamar completo de conhecimentos sobre o tema, mas objetivando uma compreensão
contextualizada a respeito dessa nova realidade, esse subcapítulo será, em sua integridade,
destinado ao assunto.
Nesse complexo de emaranhados a própria origem da inclusão escolar trouxe
duplos caminhos e múltiplos entendimentos. A proposta inicial da inclusão educacional tem
sido atribuída aos Estados Unidos, país que, no ano de 1975, iniciou uma série de reformas
em seu sistema educacional devido às constantes críticas e pressão da sociedade (SOLER,
2005). Nesta conjuntura, desenvolveram-se dois segmentos da inclusão escolar (MENDES,
2006):
A educação inclusiva – sugerindo que o local mais adequado para a
escolarização das pessoas com deficiência é a escola regular, contudo
contando com o apoio de especialistas e serviços de suporte
especializados para serem usufruídos pelo aluno, caso necessário;
A inclusão total – o qual recomenda que a educação escolarizada dos
alunos ocorra somente na escola regular, independente das dificuldades
ou condição de deficiência destes, e sem a existência de um sistema de
apoio complementar, cabendo todas as medidas necessárias para isso à
39
própria escola.
A posteriori, o conceito de escola inclusiva definiu-se definitivamente com a
Declaração de Salamanca, em 1994 (BRASIL, 1994). Nesta definição, conforme elucidado
em capítulo anterior, a instituição escolar deve atender a todos os alunos, independente de
suas dificuldades ou diferenças (pessoas com deficiência ou com qualquer outra
característica que possa dificultar o processo de ensino-aprendizagem) proporcionando a
mesma qualidade de ensino a todos, respeitando suas individualidades e dispondo de um
processo educativo qualificado e adaptável às necessidades de cada um. Para isso, essa
declaração defendeu uma pedagogia centrada no aluno, contando com a presença de apoio
especializado quando necessário. Complementando, defende ainda uma indispensável
priorização governamental fornecendo apoio político, financeiro e programas de
capacitação profissional à comunidade escolar.
Com as definições e exigências legais em relação à inclusão escolar, uma nova
nomenclatura acompanhou essa realidade - “alunos com necessidades educativas especiais”
(NEE). Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2001b), esta se
refere aos alunos que apresentam algum tipo de dificuldade ou alta capacidade que interfira
no aprendizado, não considerando apenas a deficiência, mas também qualquer outra
dificuldade como timidez e diferenças culturais. Nos documentos políticos atuais, esse
termo, NEE, vem sendo substituído por pessoa com deficiência, altas habilidades /
superdotação e transtorno global de desenvolvimento.
Contudo, a cada nova tentativa de denominações corre-se o risco de
estabelecerem-se novas classificações e exclusões. Ainda com presença constante, o termo
“necessidades educativas especiais” apresenta aprovação por parte de alguns estudiosos e
reprovação por outros.
Defendendo a utilização desta denominação, (NEE), Soler (2005) a considera a
mais correta até então elaborada, por possibilitar um foco nos recursos os quais esses
alunos necessitam e não em suas deficiências. Já Rodrigues, Krebs e Freitas (2005),
questionam a necessidade de utilização desta denominação uma vez que esta poderia
transformar-se em mais um rótulo aos alunos.
Respeitando todas as opiniões, porém corroborando com o pensamento destes
40
últimos autores, torna-se preocupante a forma de utilização e de difusão de nomenclaturas.
A inclusão abarca todos os alunos sendo que em determinados momentos uns terão maior
necessidade de auxílio do que outros. Por conseguinte, estas definições devem ser utilizadas
com cuidado - sem originar nova rotulação dentro da escola -, apenas quando for contribuir
com a elaboração e desenvolvimento de procedimentos didáticos de qualidade. Afinal, se a
inclusão refere-se a todos com suas próprias dificuldades e capacidades, que são distintas
uns dos outros, então todos em algum momento exigirão atenção especial, alguns
temporariamente e outros mais constantemente, podendo ser evitada a utilização de novas
nomenclaturas destinadas especificamente a determinados alunos ou grupos de alunos
dentro do ambiente escolar, sempre que possível. Definições teóricas são úteis para a
elaboração de medidas políticas e educacionais, mas sua difusão como termo corriqueiro do
ambiente escolar pode ressaltar diferenças e proporcionar distanciamento entre os alunos.
Ademais dessas definições teóricas, a inclusão total tornou-se uma preocupação
em relação a sua implantação ao invés de ser uma solução educacional.
Com um sistema de ensino público, em geral, de qualidade questionável e
desigual para a população sem deficiência, as instituições especiais brasileiras atuaram de
forma a preencher uma lacuna há muito negligenciada pela atuação governamental. No
momento no qual a inclusão de alunos com deficiência teve sua implantação iniciada nesse
mesmo sistema de ensino de pouca qualidade, esta se tornou uma questão extremamente
complexa com elementos históricos, econômicos e socioculturais a serem considerados, não
podendo ser simplificada e estabelecida de forma extremista, sem um mínimo
planejamento.
Dessa forma, até que o ensino público ofereça uma educação de qualidade para
todos, bem como um sistema público de saúde e de assistência social eficaz no apoio ao
desenvolvimento global de uma pessoa em condição de deficiência, a interface entre as
escolas regulares e as escolas especiais é imprescindível nesse momento de implantação da
inclusão, uma vez que as escolas especiais ainda atuam em espaços os quais ainda não são
abarcados pelas políticas públicas ou, quando são, deixam a desejar.
Ambos os atendimentos não se excluem nesse momento, e não devem ser
entendidos como opositores. Por conseguinte, necessita-se de uma atuação conjunta ao
41
invés de paralela, transformando-se em grandes aliados ao caminharem de mãos dadas em
direção ao alcance dessa nova proposta inclusiva, assim como ilustrado por Henri Matisse
na Figura 9.9
Figura 9 - Henri Matisse. A Dança (primeira versão). 1909.
Fonte: www.abcgallery.com
Para isso, a transição para o ensino inclusivo não pode ser abrupta, mas deve
ocorrer acompanhado de intensa busca na melhora e preparo do ensino público regular,
numa união entre as escolas regulares e especiais em prol de um objetivo em comum – o
acesso e a permanência numa educação de qualidade para todos na rede regular de ensino.
Isso não significa que a inclusão deve estar à espera da melhoria do sistema educacional
para acontecer, muito menos que o sistema educacional é que deva esperar a chegada
desses novos alunos para se adequar. Reestruturações educacionais devem ocorrer
concomitantemente à inclusão quando não for possível sua ocorrência de forma natural ou
antecipatória à chegada dos alunos. Até que essas mudanças sejam efetivadas, as escolas
especiais tem capacitação suficiente e relevante para auxiliar nesse processo de transição,
fornecendo o apoio necessário às escolas regulares.
9Na tela de Henri Matisse é possível ver um grupo de pessoas de mãos dadas numa mesma dança. Da mesma
forma, na inclusão as pessoas devem estar envolvidas por um mesmo ritmo atuando de mãos dadas em prol
dessa construção educacional. Dessa forma, o quadro vem ilustrar as palavras já ditas no texto.
42
Dessa forma, especificamente no contexto educacional brasileiro, a inclusão
terá maiores possibilidades de ser implantada em prol de todos os envolvidos com
consideração e respeito das realidades social, política e educacional do país.
Uma implantação abrupta, como a proposta da inclusão total, pode desrespeitar
as diferentes realidades, induzindo a ocorrências desvinculadas aos objetivos, como a
manutenção de atitudes e procedimentos de integração ao invés de inclusão.
Exemplificando a questão, segundo dados publicados pelo Ministério da
Educação e Cultura (MEC) (BRASIL, 2012), na ultima década – entre os anos de 2000 e
2010, o número de alunos com deficiência matriculados no ensino regular aumentou
933,6%. Numa taxa percentual tão acentuada, há vários fatos implícitos que merecem
esclarecimentos e considerações. Se por um lado, houve um incentivo das políticas
inclusivas como o aumento no valor financeiro destinado à estrutura e ao planejamento
acessível para os alunos através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica (FUNDEB), por outro esse número pode camuflar a realidade da inclusão
educacional. Com a escola inclusiva estabelecida legalmente, os alunos com deficiência
passaram a frequentar as escolas regulares em maior quantidade, mas isso não garantiu a
qualidade do ensino ao qual estão tendo acesso. Em muitas realidades, esses alunos ainda
estão apenas presentes fisicamente nas escolas como meros espectadores, mas não realizam
as atividades conjuntamente, muito menos estão tendo acesso a um sistema de ensino
aprendizagem de acordo com suas necessidades. Apesar destes quase 934% ser um número
considerável e expressivo, ele não pode definir de fato como e se realmente a inclusão está
ocorrendo nas escolas que receberam todos esses novos alunos.
Contrariando a realidade acadêmica e legislativa, na qual a inclusão está
concretizada conceitualmente, no cenário escolar gigantesca dificuldade para sua
implantação está sendo encontrada. Mesmo com grande discussão e evolução nos campos
teóricos dos estudiosos da inclusão, o que se pode observar na prática é que ainda há pouca
evolução neste sentido, permanecendo uma realidade na qual muitas escolas contrariam a
lei e recusam a matrícula de alunos com deficiência, e os muitos que já ingressaram no
ambiente das escolas regulares encontram rejeição pelo receio e falta de conhecimento dos
profissionais da educação sobre como trabalhar com esses alunos.
43
Acrescentado a essas circunstâncias, há ainda a existência de proeminentes
obstáculos específicos do ambiente escolar que dificultam a implantação da inclusão.
Dentre eles estão a falta de estrutura física e tecnológica das escolas, a ausência do
desenvolvimento de recursos pedagógicos flexíveis e adaptados, a ausência ou precariedade
de um sistema de apoio especializado dentro do espaço escolar, a presença de um sistema
de ensino de baixa qualidade, a falta de conscientização e comunicação entre os pais,
alunos e funcionários da escola e a falta de capacitação dos professores com defasagem ou
ausência de conhecimentos e vivências sobre as principais dificuldades e deficiências dos
alunos, dificultando a tomada das medidas pedagógicas necessárias (BRASIL, 2008).
Consciente dessa realidade, a Declaração de Salamanca e a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, conforme especificado em capítulos anteriores,
propuseram tornar obrigatoriedade governamental a promoção, com apoio político e
financeiro, de um sistema educacional inclusivo e de qualidade em todos os níveis de
ensino (BRASIL, 1994; 2007). Apesar de o Brasil aprovar nacionalmente esses
documentos, as ações relevantes para a consolidação prática da inclusão foram
insuficientes, com um estabelecimento predominantemente teórico e conceitual acerca do
tema.
Para que de fato a efetivação da inclusão escolar seja alcançada, medidas
peculiares são indispensáveis como (STAINBACK, S.; STAINBACK, W., 1999;
VERÍSSIMO, 2001; GLAT et. al., 2003):
Reformulação de todo o sistema educacional com currículo escolar e
plano pedagógico flexíveis,
Adaptação da metodologia de ensino e de avaliação,
Aquisição de equipamentos e recursos tecnológicos apropriados,
Capacitação e cursos de formação continuada para os professores,
Preparo dos funcionários que atuam na escola,
União e participação da família na escola,
Apoio governamental,
Conscientização da escola e de toda a sociedade em relação à aceitação
e ao respeito às diferenças com a realização de projetos educacionais
44
que desenvolvam os ideais de respeito à diversidade,
Atuação de uma direção escolar capacitada para conduzir e implantar a
inclusão adequadamente, e
Equipe especializada de apoio à disposição dos alunos.
Se implantada baseada nos objetivos e definições propostos pelos documentos
acadêmicos e políticos, a inclusão escolar poderá trazer inúmeros benefícios para a
instituição escolar e seus alunos, assim como para toda a sociedade. Dentre eles pode-se
ressaltar o melhor preparo de todas as pessoas para viverem em comunidade, a melhor
capacitação dos professores, melhor relacionamento interpessoal, o desenvolvimento de
valores como compreensão, respeito mútuo, solidariedade, respeito às diferenças, auxilio na
mudança e eliminação de atitudes de discriminação e preconceito, proporcionando o
desenvolvimento de uma comunidade acolhedora e influenciando e contribuindo para o
desenvolvimento de uma sociedade inclusiva como um todo (BRASIL, 1994;
STAINBACK, S.; STAINBACK, W.,1999).
Sabendo que, segundo Salerno (2009), os assuntos referentes à pessoa com
deficiência ainda causam frequente estranhamento devido, principalmente, à ausência de
vivência cotidiana dos indivíduos com uma pessoa com deficiência, a inclusão escolar
pode, de fato, contribuir determinantemente para que essas atitudes e comportamentos
oriundos da ausência de contato e conhecimento sejam transformados em informações e na
eliminando as barreiras.
A sociedade se desenvolveu perpetuando imensas desigualdades e a escola,
sendo uma instituição pertencente a tal ambiente social, as tem refletido e, como
consequência, tem contribuído, direta ou indiretamente, para a exclusão de alguns grupos
desde sua origem. Por sua vez a inclusão, em seus princípios básicos, propõe um sistema
educacional democrático, porém, se a escola está inclusa em uma sociedade que não tem
sido amplamente democrática em relação a diversos fatores econômicos e sociais, como
acesso à educação, ao sistema de saúde com qualidade, moradia, emprego e transporte
dignos, entre outros, torna-se dificultosa a implantação da inclusão na realidade escolar.
Apesar do Brasil ser oficialmente um país com política democrática, há obstáculos nas
diversas dimensões sociais em executar uma democracia efetiva no acesso aos serviços
45
sociais com qualidade, o que não proporciona respeito aos plenos direitos de cada indivíduo
à cidadania, alocando a inclusão escolar no conjunto de tentativas e lutas já presentes no
contexto social.
Pontuando o cenário educacional brasileiro, ainda são encontrados muitos
analfabetos, analfabetos funcionais, evasão escolar e baixa qualidade de ensino, além da
falta de capacitação dos professores uma vez que, ao longo da história houve grande
desvalorização e despreocupação com a qualificação dos profissionais, sem relevantes
medidas políticas que garantissem essa capacitação. Se o sistema escolar brasileiro durante
maior parte de sua historia priorizou a quantidade ao invés da qualidade, conforme
ressaltaram Semler, Dimensteins e Costa (2004), essa tendência perpetuou-se no ensino
inclusivo, com políticas que até o momento zelaram pela presença, pela quantidade de
alunos com deficiência no ensino regular, e não pela qualidade de ensino o qual estes estão
recebendo.
Por conseguinte, esses fatores impediram a consolidação de uma adequada
estrutura organizacional do sistema educacional brasileiro, o qual possibilitaria a
concretização da inclusão de forma menos árdua.
A dificuldade em consolidar a inclusão escolar pode ser justificada por essas
desigualdades do contexto socioeconômico e histórico, contudo não pode ter sua
implantação negada por esses motivos.
Quando se defende a inclusão, essa defesa está sustentada pelos direitos
humanos, pela consciência de que todas as pessoas são diferentes e devem ser respeitadas
por isso. As dificuldades existem e são alimentadas por uma complexa estrutura social, o
que mostra que em hipótese alguma a inclusão seria algo de fácil e rápida implantação, mas
deve ser vista como um desafio a ser assumido por todos.
A falta de conhecimento abre espaço para o surgimento de preconceitos. Duarte
e Lima (2003) enfatizam que um sistema educacional eficaz com informações adequadas
para todos é fundamental, não apenas para a concretização da inclusão nas escolas, mas
para todo o contexto social. Considerando essa entrelaçada relação entre a inclusão escolar
e a social, a luta pela superação desses empecilhos na concretização da inclusão no cenário
educacional pode influenciar uma transformação social.
46
Conforme afirma Paulo Freire (1996) qualquer mudança, em especial no campo
educacional é difícil, porém ela é possível desde que os saberes e conhecimentos nos quais
se baseiam a prática do professor sejam sempre renovados e uma ação politico-pedagógica
seja estruturada de forma adequada para tal.
A inclusão é um reconhecimento de que todos são diferentes e têm a obrigação
de aceitar e respeitar uns aos outros, causa esta que deve ser assumida por toda a sociedade.
Dessa forma, essa luta pela sua concretização e implantação, a qual possui caráter digno e
humano, deve ser de fato realizada, provando que não deve haver superioridade ou
inferioridade entre as pessoas devido às características físicas ou pessoais, todos tem o
direito legal e humano a uma realidade de vida com qualidade, com suas necessidades
atendidas e respeitadas.
47
3 SEPARANDO AS TINTAS - CONTEXTUALIZANDO A
EDUCAÇÃO FÍSICA
O cenário educacional é composto por várias disciplinas inter-relacionadas
entre si, cada qual com suas histórias e conteúdos, assemelhando-se a um quadro, o qual
utiliza de várias cores em sua composição, cores estas com efeitos característicos próprios
que adquirem amplo significado ao serem mescladas.
Dentre essas disciplinas, a educação física apresenta-se como uma área
consolidada no ambiente acadêmico e profissional, contudo, ainda encoberta por confusos
entendimentos e equivocadas ideias, principalmente pelo senso comum.
Ampliando o contexto para além do escolar, pode-se relacionar essa persistente
falta de clareza como consequência das diversas faces e finalidades pelas quais a área foi
explorada.
Discutir sua trajetória neste trabalho torna-se, por conseguinte, relevante, porém
sem o desígnio de traçar justificativas para sua atual situação nem para elaborar
significados estritamente rígidos para a área, mas sim para possibilitar novas alternativas e
contribuições para a continuidade e o amadurecimento da mesma. Para isso, recortes
concisos cedem lugar a narrativas que abarcam períodos mais amplos das práticas de
educação física, porém de forma pontual, possibilitando um entendimento global da área
em questão.
Como ponto de partida, torna-se relevante a conscientização da presença, desde
os primórdios da humanidade, de relatos da prática de atividades físicas em grande
diversidade de territórios. Houve uma evolução concomitante do ser humano e da educação
física, sendo esta utilizada por aquele como auxílio para a conquista de seus objetivos, de
acordo com as necessidades encontradas em cada época.
Esse caminhar foi bem retratado por Ramos (1982). Segundo o autor, e
seguindo a organização cronológica dos fatos, inicialmente na Pré-História, houve o
surgimento do homem e criação, por este, de práticas de movimentos corporais utilizados
para a sobrevivência, para o combate em guerras e também para rituais, cultos e recreação.
Baseadas nessas finalidades foram utilizadas formas primitivas de dança, jogos, nado e
48
exercícios baseados em força e habilidades específicas, como o arco, aqui visualizado na
pintura de Ernest L. Kirchner (FIGURA 10).10
Figura 10 - Ernst Ludwig Kirchner. Arco. 1935.
Fonte: www.paintingmania.com
Já na Antiguidade, ainda segundo o mesmo autor, as atividades físicas passaram
por desenvolvimento e organização enquanto atividade, conjuntamente com o início das
organizações sociais. Neste momento, grandes contribuições foram proporcionadas pelas
civilizações da Grécia – a qual associou a essas atividades finalidades educativas e
guerreiras, além da criação dos Jogos Olímpicos – e de Roma – responsável por estruturar
as primeiras regras para competições ainda com objetivos guerreiros e por instituir o
processo originário das atividades circenses.
No período seguinte, na Idade Média, esse processo embrionário da educação
10
Na pintura de Ernst Ludwig Kirchner há homens praticando a atividade de arco, ilustrando o texto acima o
qual menciona sobre a existência dessa prática desde tempos remotos.
49
física foi negligenciado e as atividades físicas organizadas anteriormente foram ocultadas,
retornando apenas na Idade Moderna, na qual ela dispôs da atenção de estudiosos e
pensadores. Consequentemente, em meados do século XVIII, estruturou-se uma
sistematização de métodos e das práticas de atividades físicas por meio da elaboração e
disseminação dos métodos de ginástica da Alemanha, Suécia e França, principalmente
(RAMOS, 1982).
Neste mesmo século surgiu na Inglaterra, em obras de Locke (1632-1704) e
Spencer (1820-1903), o termo “educação física” (GOELLNER, 2005). Contudo, este
permaneceu ofuscado por muitas décadas pela já difundida nomenclatura de “ginástica”,
num processo lento de ressignificação terminológica.
Dessa forma, a educação física caminhou seus primeiros passos rumo à
configuração como área de conhecimento por meio dos métodos ginásticos, tendo sua
difusão impulsionada pela concretização de um Estado Burguês na Europa e à influência
mundial deste Estado.
Sobre esse momento, Soares (2007) esclarece que, no século XIX, com a
Revolução Industrial, houve desenvolvimento e expansão do sistema econômico capitalista
europeu levando à necessidade imediata de mão de obra para suas produções, acrescentada
à consolidação da burguesia como a classe social dominante e da classe operária como uma
classe baixa e subordinada. Neste contexto, os métodos ginásticos foram elaborados e
empregados segundo os interesses burgueses, objetivando a construção de uma classe
operária dócil, que não questionasse as características sociais vigentes, disciplinada e
eficiente fisicamente como produtora de mão de obra. A Europa, ao ser tida como modelo
de desenvolvimento econômico para os demais países, levou a possibilidade de uso das
atividades físicas aos países que possuíam esses mesmos interesses, conforme ilustrado pela
Figura 11.11
11
Na pintura de Emiliano Di Cavalcante, é ilustrado o parágrafo anterior uma vez que essas transformações
econômicas e sociais mencionadas no texto ocorreram atreladas ao desenvolvimento das indústrias, as quais
exigiam a citada mão de obra a ser adestrada.
50
Figura 11 - Emiliano Di Cavalcanti. Linha de Produção. 1960-70.
Fonte: www.dicavalcanti.com.br
Pode-se extrair dessa explicação que, a partir desse momento, a educação física
foi absorvida e explorada segundo as mais diversas finalidades políticas e socioeconômicas
de cada território.
No Brasil, assim como nos demais países, a prática de diversas atividades
físicas, as quais correspondem aos conteúdos que compõe a educação física – dança, jogo,
luta, esporte e ginástica -, já se faziam presentes na realidade dos indivíduos, porém sem
organização enquanto área específica de conhecimento nem com atribuição de atenção ou
consideração político-econômica ou sociocultural.
A partir do momento no qual a sociedade europeia se fez influente e trouxe
consigo um processo de sistematização dessas atividades, os métodos ginásticos foram
introduzidos no Brasil, sendo recebido por diferentes segmentos sociais, como os militares,
políticos, médicos e educadores, os quais deram um direcionamento da prática segundo
seus interesses próprios, sem a devida preocupação quanto à forma de compreensão e de
atuação da área da educação física no país.
Dentre esses segmentos sociais, caminhando pela década de 30 do século XX,
51
políticos e militares buscavam por meio desses métodos ginásticos a centralização do poder
relacionando-os à disciplina do corpo e à formação moral, objetivando contribuir com a
construção de indivíduos dóceis na intenção de garantir manutenção da ordem político-
social planejada, além de serem aptos fisicamente como força de trabalho eficaz para o
progresso econômico nacional. Até então formando seus profissionais apenas em cursos
técnicos, em 1933, essa influência militar mostrou sua força pelo Decreto n° 23.252, o qual
criou a primeira “Escola De Educação Física do Exército”, destinada à formação de
profissionais com atuação baseada nos métodos da ginástica europeus associados ao
exército. Apenas nos anos seguintes, pelo Decreto-Lei n°1.123 de 1939, foi instituído o
primeiro curso superior em educação física do país em uma instituição educacional, na
Universidade do Brasil (SILVA, R. de F. da, 2004; SOLER, 2005; SILVA; SEABRA
JUNIOR; ARAÚJO, 2008).
Em contrapartida, educadores questionavam o domínio e entendimento militar
sobre a área, compreendendo-a como uma possibilidade de formação humana, a qual
deveria abarcar o desenvolvimento físico, intelectual e também moral do aluno
(LINHARES, 2009).
Adicionado às divergências entre educadores e militares, o discurso médico
tinha ampla presença e atuação no período, fundamentando a estruturação de uma
sociedade a qual se pretendia construir. Alicerçada nos ideais europeus totalitários de
higienismo e eugenia, a política nacional buscava o desenvolvimento de uma sociedade
baseada num modelo pré-determinado. Se por um lado o desenvolvimento da
industrialização induziu a crescente urbanização desorganizada com precariedade dos
sistemas de saúde, trabalho e moradia, induzindo à proliferação de diversas doenças, por
outro, conforme Góis Júnior (2013), os médicos atuavam direcionados ao progresso
civilizatório, que era entendido como o constituído por uma população branca, forte e
saudável, englobando à educação física não apenas os métodos ginásticos, mas também
cuidados específicos de higiene. Buscavam controlar, portanto, a saúde familiar, por meio
do tão explorado disciplinamento físico, intelecto e moral.
Essas vertentes associadas a distintos objetivos deram à educação física formas
de atuação diversas com ausência de entendimento sobre a prática em si enquanto ciência.
52
Próximo à década de 60, ainda neste mesmo século XX, a pedagogia tecnicista
influenciou os modelos educacionais e refletiu-se na educação física, cabendo à área, uma
atuação estritamente vinculada ao esporte, numa composição baseada na execução de
técnicas e gestos motores esportivos (SOARES, 1996).
Seja por influência da intenção governamental de alienação da população ou
das práticas europeias, o esporte tornou-se conteúdo dominante da educação física, num
processo de substituição dos ideais biológicos da higiene pela atividades motoras
mecanicistas.
Essa atuação tendenciosa da área foi prolongada por tempo relativamente
grande, sendo apenas a partir do final da década de 70, o início dos questionamentos da
área e das finalidades para as quais estava sendo utilizada. Um período de crise invadiu esse
campo de conhecimento, com questionamentos nas dimensões filosóficas, sociológicas,
biológicas e pedagógicas sobre o, até o momento, vivenciado. Nesse contexto, Tojal (1994)
ressalta que, a crise pode ser considerada como uma grande oportunidade, a partir da qual
melhorias na área começaram a ser refletidas e propostas.
O desencadeamento da crise, neste momento, pode ser associado a uma série de
transformações políticas na sociedade brasileira que, ao vencer a censura e iniciar um
processo de redemocratização, permitiu a proliferação de discussões e questionamentos
também na área da educação física. Esses questionamentos foram alimentados por fatores
inovadores para a área como a ida de professores ao exterior com auxílio governamental
para realizar estudos de pós-graduação, o estabelecimento de convênios e intercâmbios do
país com centros de pesquisas estrangeiros, o início da criação de laboratórios de pesquisa
em universidades brasileiras, e a fundação da pós-graduação em educação física no Brasil,
com o curso de mestrado na Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo
(USP) (CAPARROZ, 2005).
Consequentemente, durante a década de 80, pode ser visualizado um
movimento renovador da área, que passou a se articular com as ciências humanas e sociais
criando propostas pedagógicas alternativas numa constante busca de identidade, de
objetivos e finalidades próprias (BRACHT, 1999).
Várias foram as propostas elaboradas a partir deste momento, denominadas de
53
Teorias ou Abordagens da Educação Física. Dentre as que ganharam maior repercussão
estão a Psicomotricidade, a Desenvolvimentista, a Construtivista-Interacionista, a
Sistêmica, a Crítico Superadora, a Crítico Emancipatória e a Plural. Dessa forma, a
educação física teve seus ideais, conceitos e metodologias discutidos e reconstruídos,
combatendo a ênfase mecanicista ao acrescentar aos conteúdos biológicos uma visão de
movimento humano sob a perspectiva de diferentes dimensões como a sociocultural e a
psicológica.
Frente a essas novas formas de pensar e ao recente espaço conquistado, uma
significação no âmbito legal tornou-se necessária. Após anteriores vagas tentativas de
estabelecer determinações sobre os cursos superiores de educação física, Silva R. de F. da
(2004) destaca a Resolução 03 do MEC, de 1987, como contribuinte para o
amadurecimento e estruturação curricular desta. Segundo esse documento, os cursos
superiores de educação física passaram a realizar sua formação nas áreas da licenciatura
plena ou do bacharelado. Detalhando, o currículo da licenciatura plena deveria ser
composto por dois núcleos de estudo - um com as disciplinas de formação geral e outro
com as de aprofundamentos - e o bacharelado por três núcleos - um composto pelas
disciplinas da área técnica, representando 48% do currículo a ser estudado; outro com as
disciplinas das áreas de humanas, filosóficas e sociais, compreendendo 32% do currículo; e
um último com os conteúdos de aprofundamento, representando os restantes 20% do
conteúdo curricular. Apesar dessas estreitas determinações, essa Resolução também
possibilitou flexibilidade e autonomia aos próprios cursos para constituírem as ementas de
suas disciplinas e complementação curricular.
Posteriormente, ainda segundo a mesma autora, foi criada uma comissão de
especialistas (COESP) que, vinculada à Secretaria de Ensino Superior do Ministério da
Educação (SESu/MEC), organizou as diretrizes curriculares, ou seja, os conteúdos a serem
contemplados por cada curso superior. No caso da educação física foi estipulado em 1999,
com alterações através de Pareceres em 2001, 2002, 2003 e 2004 (que discutiram
principalmente os conceitos e divisão entre licenciatura e bacharelado), como objeto da
área o estudo do movimento humano, garantindo obrigatoriamente uma formação
generalista, humanista e crítica. Definiu ainda, a composição dos currículos dos cursos
54
superiores de educação física em dois núcleos nos quais um deve ser composto pelos
conhecimentos relacionados à sociedade, biologia, conhecimentos científicos e
tecnológicos; e outro pelos conhecimentos específicos da área – como pedagogia, técnicas,
instrumentos e culturas de movimentos.
Na década de 90, a educação física absorveu os conhecimentos relacionados à
qualidade de vida e, no ano 2000, firmou-se em definitivo como uma área de
conhecimento, englobando também temáticas relacionadas às politicas públicas referentes à
área, à formação dos professores e sua atuação pedagógica, à imagem corporal, lazer,
educação especial e educação física adaptada, envelhecimento, saúde, metodologias de
ensino e planejamento pedagógico, dentre outros (ARAÚJO, 2011).
A educação física deixou de ter finalidade subordinada aos interesses
dominantes, tornando-se uma área independente e com objetivos próprios. Essa mudança
foi decisiva para a sua consolidação, amadurecimento e esclarecimento.
Contudo, apesar de essa transformação ter se iniciado nas décadas de 70 e 80,
em muitos momentos ainda são encontrados resquícios da forma como foi explorada nos
períodos anteriores, envolvendo incompreensões, principalmente do senso comum, acerca
da finalidade e forma de atuação desse campo de conhecimento.
Entende-se que foram muitas as décadas de atuação subordinada aos interesses
diversos sem objetivo próprio, possuindo ainda grande caminhar para se fortalecer e se
impor definitivamente nessa nova forma de compreensão.
A área encontra-se constantemente em fase de expansão e consolidação, com
atuações em diversos segmentos sociais como o escolar, o da saúde, o esportivo, o de
reabilitação, entre outros, estruturando e se consolidando como importante parte da
estrutura social, em respeito e em benefício da população. É indispensável, portanto, uma
conscientização cada vez mais profunda e abrangente dos profissionais já formados e em
processo de formação sobre sua história e sua forma adequada de atuação, bem como da
sociedade em geral sobre a atual finalidade e configuração área, para que de fato essa seja
uma área respeitada e possua atuação relevante para todos os envolvidos.
55
3.1 Tinta 1 - educação física escolar
A educação física compreende múltiplos campos de atuação a serem
contemplados pelas suas atividades, incluindo desde ginásios de treinamento esportivo de
alto rendimento às clinicas de saúde e instituições educacionais.
Ponderando que esse trabalho busca uma análise da educação física no âmbito
escolar, torna-se pertinente especificar o entendimento básico da inserção e caminhos
percorridos pela área, especificamente nesta instituição, uma vez que as finalidades
atribuídas e a forma de atuação divergem segundo os objetivos do espaço no qual atua.
Como dado inicial pode-se apontar que a educação física não fez parte do
currículo escolar tão logo a escola ganhou vida. No século XVIII, intenções de incluir a
prática de atividades físicas no ambiente escolar foram despontando por ideias de
filantropos como Pestalozzi (BRACHT, 1989). Porém, com atuação tímida desses
principiadores, apenas no século XIX, na Europa, devido à proliferação de escolas de
ginástica e à importância mundial atribuída a elas, a educação física passou a compor o
ensino escolar, sob a forma de ginástica, composta por exercícios de aptidão física como a
corrida, lançamento, esgrima, e exceções como a dança (SOARES, 1996).
No Brasil, o ingresso oficial da educação física ao sistema escolar – o que não
significa que tais práticas já não ocorressem nesse ambiente de forma não sistematizada e
organizada nos períodos anteriores - ocorreu por meio de Rui Barbosa ao articular a
Reforma Couto Ferraz, em 1851, e o Parecer no Projeto de número 224 denominado de
“Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instituição Pública”,
em 12 de setembro de 1882. Através destes documentos, Rui Barbosa sugeriu que a
ginástica se tornasse um componente curricular escolar, aproximando-a de forma oficial ao
contexto escolar. Contudo, a falta de profissionais qualificados e de conhecimento a
respeito do próprio conteúdo e da finalidade da educação física dificultou, na época, sua
implantação nas escolas (CASTELLANI FILHO, 1991; SEABRA JUNIOR, 2006).
Em sequência, a efetivação da educação física no cenário escolar foi sendo
estabelecida vagarosamente. Recorrendo a Castellani Filho (1991) e Soares (2007), esta
obrigatoriedade legal ocorreu no ensino secundário em 1937 – pela Lei Constitucional n° 1
56
-, no ensino primário em 1971 – com a Lei n° 5692 -, no ensino médio em 1961 – através
da Lei n° 4.024, artigo 22 -, e no ensino superior em 1969 – por meio do Decreto-Lei n°
705. Posteriormente, essas determinações foram sendo alteradas. No cenário atual, desde
1961 pela LDB, e ratificado pela LDB de 1996 e pela Lei n° 10.793, de 1° de dezembro de
2003, a educação física foi integrada oficialmente como componente curricular obrigatório
no ensino da educação básica, sendo ainda nesta ocasião facultativa em algumas situações
como em relação às pessoas com jornada de trabalho igual ou superior a seis horas diárias,
maiores de trinta anos ou em situação militar (BRASIL, 1996).
No âmbito educacional, os posicionamentos higienistas, eugenistas e,
posteriormente, tecnicistas e esportivista discutidos no capítulo anterior foram sentidos pela
educação física. Dentre as atividades da aula, o desenvolvimento das capacidades físicas
relevantes ao progresso e modernização do país era exaltado (modernização esta ilustrada
da Figura 1212
), até o despontar de sua crise e construção das novas propostas pedagógicas
– Teorias da Educação Física – com outras dimensões já abarcadas como a cognitiva, a
social, a afetiva e a psicológica (ARAÚJO, 2011).
Figura 12 – Edi Cavalcanti. Tempos Modernos. 1961.
Fonte: www.dicavalcanti.com.br
12
A tela de Edi Cavalcanti retrata a modernização a qual buscava o Brasil.
57
Essas teorias da educação física, conforme já citado, trouxeram contribuições
ao amadurecimento e consolidação da área, passando a considerar seu objetivo e suas
múltiplas dimensões envoltas ao processo de ensino aprendizagem. Contudo, no âmbito
escolar, a diversidade de definições e de formas de compreender a área, trazidas pelas
abordagens, ocasionaram divergentes interpretações, dificultando a construção de um
consenso coletivo sobre a especificidade da educação física enquanto componente
curricular escolar.
Com isso, ainda hoje a área é entendida por muitos professores de maneira
confusa dentro do ambiente escolar, com resquícios militares, médicos ou heterogeneidade
de abordagens trabalhadas conjuntamente que por si só divergem em seus pontos de vista.
Essa história conturbada, unida à qualidade questionável na formação e qualificação de
seus profissionais, contribuiu para que a educação física sofresse e ainda sofra
marginalização no ambiente escolar em comparação às outras disciplinas numa constante
luta por justificar sua presença e finalidade.
Consciente desse dilema, Bracht (1995) enfatizou que grande parte dos
conflitos e dúvidas que ainda permeiam sobre a especificidade da área decorre do fato dos
profissionais de educação física disporem de possibilidades de atuação em segmentos muito
diversificados. Porém, especificamente na educação física escolar, o autor citado defende a
necessidade de exploração da área enquanto campo pedagógico, a qual deve se
fundamentar nos temas imbuídos de significado cultural e alicerçado pelos fatores
históricos e sociais.
A educação física escolar, portanto, deve ser compreendida como uma área
pedagógica, profundamente vinculada à educação. Não se deve negligenciar o relevante
papel desempenhado pelas pesquisas relacionadas a dimensões técnica, biomecânica ou de
saúde como contribuintes à educação física atual e a sua evolução, uma vez que estas
trouxeram continuamente questionamentos e novos conhecimentos proporcionando maior
fundamentação à área. Contudo, enquanto área educacional, o que se altera é a ênfase em
aspectos educacionais fundamentados em considerações socioculturais em detrimento da
ênfase no alcance de alto rendimento técnico ou esportivo.
Superando esses desentendimentos e discordâncias, a educação física se
58
construiu como componente curricular alcançando algumas considerações relevantes. Ao
analisar que a finalidade da escola é, não só transmitir, mas também praticar e reinventar
dados da cultura, Vago (2009) dispõe sobre a justificativa da presença da educação física
nas escolas. A autora esclarece que os conteúdos da educação física também fazem parte da
cultura humana, sendo importantes de serem considerados como um patrimônio cultural ao
qual os alunos possuem direito ao acesso, tendo, a presença dessa disciplina na escola um
desígnio relevante e justificado.
Hoje a área é compreendida como um campo da pedagogia escolar o qual
abrange os conhecimentos da cultura corporal por meio de por meio de conteúdos culturais
relacionados ao corpo e seu movimento (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
O autor Daólio (1996) propõe ainda que, a partir do contexto de vida e
conhecimento prévio do aluno sobre a cultura corporal e suas diversas possibilidades de
expressão, a aula objetive proporcionar ao aluno que este organize, expanda e desenvolva
autonomia crítica sobre os temas da área. Como acréscimo, Betti e Zuliani (2002) destacam
que para que o aluno consiga usufruir das aulas de educação física escolar e desenvolver,
concomitantemente, um conhecimento crítico que os possibilite não apenas reproduzir, mas
também transformar e produzir novos dados da cultura corporal de movimento, é
indispensável o respeito e a consideração aos interesses, à individualidade e aos
sentimentos do aluno acerca dos diferentes temas, assim como às diferentes dimensões -
como a afetiva, social, cognitiva, motora e psicológica.
Nesse sentido, Vago (2009) defende que a educação física escolar deve ser
baseada em um “projeto de formação cultural da infância e da juventude”, ou seja, deve ser
estruturada e ministrada de forma a permitir que os alunos vivenciem e reinventem as
questões referentes à própria existência humana, como as atividades englobadas pela
cultura da educação física, como ilustrado pela Figura 13.13
13
Na tela de Orlando Teruz é ilustrada a brincadeira de pular carniça, retratando um exemplo de atividade
típica da cultura infantil, as quais, segundo o parágrafo acima, devem ser consideradas pela educação física
escolar.
59
Figura 13 – Orlando Teruz. Meninos Pulando Carniça. 1972.
Fonte: www.teruz.com
Essas novas definições intencionam nortear os trabalhos na área, de forma a
eliminar os resquícios de uma educação física escolar excludente e segregacionista os quais
ainda são presentes em muitos momentos das aulas de hoje, podendo levar ao afastamento
dos alunos da prática, além de traumas e transtornos psicológicos.
Os conceitos e formas de estruturar e desenvolver as aulas de educação física
não serão mudados rapidamente devido apenas a uma definição teórica a respeito de novos
pensamentos e ações referentes à área, afinal, ainda hoje, significativa parte da educação
física escolar encontra-se respaldada no esporte e na aptidão física, sem conhecimento
profundo a respeito dessas novas teorias e da importância delas numa prática. Isso ocorrerá
lentamente, à medida que advier uma difusão e discussão acerca desses novos
conhecimentos produzidos academicamente de forma a conduzi-los à realidade prática.
Bons exemplos de atuação profissional já podem ser encontrados, cabendo aos professores
que continuem esses esforços discutindo, atualizando e esforçando-se para estruturarem
60
uma educação física de forma a permitir com que todos os alunos usufruam desta e de suas
temáticas, extinguindo a antiga atuação a qual, em muitos momentos, originavam situações
desagradáveis aos alunos por serem exclusos ou terem seu desempenho depreciado durante
as aulas.
Ainda que sua história tenha sido conturbada perante as diversas finalidades
para as quais foi empregada, e que sua realidade ainda seja confusa para alguns professores,
a educação física deve ser para todos, e nisso deve se atentar e empenhar os profissionais
em atuação.
3.2 Tinta 2 - teorias da educação física
Se a força de um campo de estudo pode ser vista e comprovada em seu
momento de crise, a educação física mostrou eficácia ao buscar um fortalecimento nesse
momento. Fundamentadas no desenvolvimento científico e na ruptura com o tecnicismo,
novas propostas foram criadas para a área, considerando o desenvolvimento global do
individuo, em suas múltiplas dimensões.
Inicialmente, a criação de novas teorias para a área não se baseou numa
concordância unânime. Os debates a respeito da educação física iniciados nos anos 70
trouxeram discursos causadores de uma dicotomia na educação física entre a visão
biológica e a das ciências sociais, inflando duradouras polêmicas. Numa busca por
justificativa da própria existência e importância da área, Tojal (1994) ressalta que, de
princípio, as teorias dispersaram e dificultaram a formação de uma educação física concisa,
com propostas de diferentes métodos, conceitos, objetivos, definições e funções para a área.
No entanto, Daólio (1996) destaca a importância desses conflitos ao
possibilitarem uma posterior compreensão de que ambas as dimensões estão presentes e são
indissociáveis no campo da educação física, uma vez que o corpo humano é a soma do
biológico com o sociocultural, é a interação de diferentes dimensões, o que permitiu o
amadurecimento dos conceitos e formas de atuação.
Apesar de serem variadas, podendo em alguns aspectos divergirem entre si, a
formulação dessas teorias teve fundamental importância. Por meio delas diferentes visões
61
foram construídas, possibilitando uma análise crítica da área. Afinal, conforme defendido
por Bracht (1995), a criticidade e as discussões educacionais são indispensáveis para o
desenvolvimento adequado das ideias, pensamentos e ações dos profissionais.
Consequentemente a esses múltiplos estudos, representados aqui pela Figura
1414
, destacaram-se como principais abordagens elaboradas, quanto à inovação e magnitude
de espaço alcançado, a Psicomotricidade, a Desenvolvimentista, a Humanista, a
Construtivista-Interacionista, a Crítico Superadora, a Crítico Emancipatória, a Plural e uma
organização das propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além destas, outras
vertentes foram propostas como os Jogos Cooperativos e a Concepção Aberta de
Hildebrandt.
Figura 14 – Vicente Van Gogh. Romanos Parisienses. 1888.
Fonte: www.artchive.com
O passo inicial foi dado com a proposta da Psicomotricidade. Estruturada
majoritariamente por Jean Le Boulch (1983), com base na psicologia e na neuropsiquiatria
14
A figura 14 represente um quadro de Vicente Van Gogh no qual vários livros estão dispostos sobre a mesa.
Esses livros vêm, nesse momento, ilustrar os diversos estudos desenvolvidos e publicados pelos educadores
sobre as teorias propostas para a educação física.
62
infantil, essa teoria foi destinada preferencialmente às crianças, compreendendo o
movimento como uma forma de auxílio ao desenvolvimento global. Propôs como principais
conteúdos o trabalho de consciência corporal, coordenação, lateralidade e auto situação no
espaço, utilizando o movimento como contribuinte ao aprendizado de outras áreas e
disciplinas escolares. Essa proposta elucidou a necessidade de se enfatizar não apenas os
aspectos biológicos e da mecânica do movimento, mas todas as demais dimensões, como a
afetiva, cognitiva e psicológica, contribuindo enormemente com uma primeira inovação nas
considerações a respeito do trabalho da área de educação física.
Contudo, essa primeira produção foi um tanto quanto controversa. Se por um
lado novas dimensões foram trazidas à área e responsabilidades pedagógicas do ensino
escolar foram atribuídas ao professor de educação física, conforme destaca Soares (1996),
por outro, ela não pode ser vista como uma teoria específica desta área ao destinar-se a
outros campos de conhecimento como a pedagogia e psicologia, segundo esclarecimento de
Araújo (2011).
De qualquer forma, a Psicomotricidade abriu as portas para que a educação
física desenvolvesse uma nova forma de pensar o indivíduo, trazendo imensuráveis
benefícios para a posterior evolução da área. Porém, fica nítido que a tão pensada
especificidade da educação física não se concretizou com essa abordagem, por ter sua
atuação um caráter funcionalista, sendo também utilizada por outras áreas.
Seguindo com inovações e críticas, a segunda proposta foi estruturada
principalmente por Tani et al. (1988) e Gallahue e Donnely (2008), que a denominaram de
Teoria Desenvolvimentista. Destinada especificamente para crianças de 04 a 14 anos, esta
considera o movimento como o principal meio e fim da educação física, definindo como
foco da área a aprendizagem motora e seus processos de desenvolvimento na realização de
um movimento, ou seja, propõe um movimento adequado a ser trabalhado de acordo com
uma progressão normal do crescimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social do
aluno. Trazendo um próprio conceito de habilidade motora - a capacidade de resolução dos
problemas e diversidades motoras – a abordagem traz como principais conteúdos os jogos
desenvolvimentistas, dança desenvolvimentista e ginástica desenvolvimentista, baseados
nos movimentos fundamentais de locomoção, manipulação e estabilização (GALLAHUE;
63
DONNELY, 2008).
Esta teoria sofreu críticas de pesquisadores da área por enfatizar apenas as
habilidades e capacidades motoras e fatores biológicos, desconsiderando a amplitude e
diversidade da área e as grandes questões sociais. A crítica fundamental deve-se ao fato
desta abordagem isentar a área da busca por contribuições para soluções dos problemas da
sociedade. Contudo, é inegável que, a partir desta, a educação física foi adquirindo, pela
primeira vez, conteúdo e finalidade própria.
Em outra forma de compreensão, Oliveira V. M. (1985) difundiu a abordagem
Humanista, sugerindo como ponto central da educação a liberdade, e uma prática
pedagógica baseada em uma metodologia exploratória de resolução de situações-problemas
propostas aos alunos, valorizando o homem e aspectos relacionados às emoções, valores
humanos, interação social e ludicidade. Essa abordagem questionou a até então
mecanização da educação física, influenciando a incorporação de aspectos psicossociais à
área e a compreensão de um movimento humano abarcado por um significado cultural
(SILVA; SEABRA JUNIOR; ARAÚJO, 2008; ARAÚJO, 2011).
Em momento seguinte, Freire J. B. (1991) trouxe a teoria Construtivista-
Interacionista. O aluno passou a ser considerado como um ser ativo na construção de seu
próprio conhecimento, uma vez que se entende nesta teoria que o processo educativo ocorre
através da interação entre a criança e mundo. Defendeu-se ainda, nesta proposta, uma
educação física escolar especialista na cultura infantil e em suas atividades lúdicas, tendo
por objetivo respeitar, resgatar e explorar os conteúdos já pertencentes às crianças, porém
respaldados com objetivos educacionais. Dessa forma, o principal conteúdo pedagógico
para as aulas de educação física seria o jogo, por meio do qual outros temas poderiam ser
trabalhados e a presença de brinquedos, brincadeiras, cantigas de rodas e outras atividades
lúdicas típicas do universo infantil seriam permitidas.
A Teoria acima mencionada deu credibilidade ao universo infantil dentro da
educação física, proporcionando o respeito e desenvolvimento ao qual elas têm direito.
Porém, ainda sofre algumas críticas devido ao fato de restringir os conteúdos da área ao
jogo, sendo as demais possibilidades de conteúdos trazidas apenas por meio deste.
No mesmo período, Betti (1991) foi um dos principais estruturadores de uma
64
próxima abordagem – a Sistêmica. Nesta, a educação física foi compreendida como um
sistema aberto, o qual é composto por um conjunto de elementos que interagem entre si,
com possibilidade de interação com o meio no qual estão inseridos. De forma
complementar, defendeu uma aula baseada na vivência de diferentes movimentos,
atividades e conteúdos, com o acesso e participação de todos, inaugurando na área,
explicitamente, a defesa dos princípios da inclusão e da não exclusão (SILVA; SEABRA
JUNIOR; ARAÚJO, 2008).
No ano seguinte, foi elaborada uma proposta com influência relevante ainda
hoje, a Teoria Crítico Superadora. Apresentada no livro “Metodologia do Ensino da
Educação Física”, publicado por um Coletivo de Autores (1992), sugeriu uma área de
conhecimento específico da educação física, denominada de cultura corporal. Nesta, os
principais conteúdos são o jogo, o esporte, a ginástica, luta e a dança, sendo aprofundados
seus conhecimentos conforme os níveis de ensino. Estabeleceu, por conseguinte, que esses
conteúdos sejam explorados relacionando-os ao contexto social e histórico-cultural dos
alunos, de forma a auxiliá-los a adquirirem consciência e capacidade de interpretação e
compreensão de uma dada realidade social, capacitando-os a, posteriormente, interferirem
nesta quando necessário e se assim desejarem.
Seguindo essa mesma linha de compreensão, uma segunda Teoria Crítica foi
elaborada, a Crítico Emancipatória, cujo principal construtor foi Kunz (2005). Esta teoria
aceita como conteúdos os definidos pela teoria Crítico Superadora, porém redefine esse
campo abarcado pela educação física como pertencente à cultura corporal de movimento.
Fundamentada no conceito do “se-movimentar”, exalta como importante não apenas o
movimento em si, mas o indivíduo que o realiza e o significado deste movimento para esse
aluno. Dessa forma, a prática dos conteúdos não deve ser restrita ao saber fazer, mas deve
ser possibilitado aos alunos que os vivenciem, reinventem, critiquem e os transformem. As
aulas devem, ainda, proporcionar ao aluno o desenvolvimento de uma visão crítica da
realidade na qual está inserido, com capacidade de superar as limitações e determinações
impostas socialmente até então. Segundo Darido (2001), esta teoria difere-se da Crítico
Superadora principalmente, pelas críticas elaboradas por Kunz ao questionar, da teoria
anterior, a falta de instrução metodológica norteadora da prática; em contraposição, Kunz
65
propôs a linguagem como fundamental para o desenvolvimento das aulas, abrindo espaço
para os alunos participarem das decisões e planejamento desta. Dessa forma, os alunos são
estimulados a expressarem suas ideias e descobertas decorrentes das atividades
vivenciadas, possibilitando seu desenvolvimento crítico e autônomo ao guiar suas próprias
ações.
Além das teorias citadas, há ainda outras relevantes produções como a
elaboração da Abordagem Cultural, posteriormente definida como Abordagem Plural.
Organizada por Daólio (1996), esta teoria compreende a educação física dentro de uma
perspectiva cultural e antropológica, ou seja, como uma área de conhecimento designada
aos conteúdos relacionados ao movimento construídos pelo homem ao longo da história,
considerando a interação ente as dimensões cultural, psicológica, social e também
biológica. Enfatizou-se, na definição desta teoria, a exigência de uma educação física que
atenda a todos os alunos ao explorar os conteúdos da cultura corporal - jogo, esporte, dança,
luta e ginástica -, sem qualquer tipo de discriminação das características pessoais ou
capacidades e habilidades.
Nota-se, uma preocupação explicita, pela segunda vez na educação física, em
elaborar uma aula para todos os alunos, na perspectiva de combater quaisquer resquícios
que possam ter permanecido de um ideal de exclusão e de aulas direcionadas apenas para as
pessoas consideradas mais aptas fisicamente.
Em seguida, as reflexões alcançaram o plano político. Foram organizados, pelo
Ministério da Educação e do Desporto, os Parâmetros Curriculares Nacionais. Nestes
documentos, o governo desenvolveu orientações fundamentando e organizando a
elaboração dos currículos das disciplinas escolares, servindo como base para os professores
e instituições de ensino. Quanto ao currículo nacional para a educação física, esses
Parâmetros foram elaborados em três etapas, sendo a primeira publicada em 1997 – com a
proposta destinada ao ensino fundamental I, sob influência de diferentes teorias da
educação física -, a segunda em 1998 – com a proposta para o ensino fundamental II, tendo
por base as abordagens críticas – e a terceira em 1999 – com os conteúdos relacionados ao
ensino médio, fundamentada na abordagem da saúde renovada (SILVA; SEABRA
JÚNIOR; ARAÚJO, 2008).
66
Esses Parâmetros consideraram as discussões até então produzidas, mas não
contaram com a participação direta dos educadores e da sociedade na sua elaboração.
Ademais, pode ser visualizada uma tentativa de organização da área para os diferentes
ciclos educacionais, e não uma nova teoria com conceptualizações e entendimentos
próprios. Contudo, Darido (2001) e Araújo (2011) ressaltam a contribuição desses
documentos ao organizar os diferentes conhecimentos exaltando o aluno como foco central
do processo de ensino-aprendizado, vinculando os conteúdos da área ao desenvolvimento
da cidadania, da inclusão educacional, dos temas transversais e demais questões sociais.
Além dessas propostas, algumas outras vertentes, com menor alcance de
destaque, porém com propostas inovadoras, merecem suas citações, como a Concepção
Aberta e os Jogos Cooperativos.
A Concepção Aberta foi elaborada por Hildebrandt e Laging (1986), os quais
defenderam uma atuação do professor de forma a proporcionar aos alunos que, ao mesmo
tempo no qual vivenciem um conteúdo, sejam capacitados a criarem novas situações
relacionadas ao tema, organizando seus próprios objetivos e aprendizagem. Para isso,
sugerem a participação dos alunos no próprio planejamento das aulas, atuando nas decisões
dos conteúdos a serem trabalhados, nos objetivos, organização e transmissão dos
conhecimentos.
Já a vertente dos Jogos Cooperativos, explora o conteúdo do jogo de forma
singular, propondo a substituição dos princípios da competição pelos valores de
cooperação. Por conseguinte, denominaram-se de jogos cooperativos os jogos os quais o
objetivo só é alcançado por meio da cooperação entre os participantes (BROTTO, 1999).
Segundo Darido (2001), nesta concepção é considerada a influencia da própria estrutura
social na qual os alunos estão inseridos que muitas vezes os induzem a competirem entre si
de forma exacerbada, sendo esses jogos uma alternativa e possibilidade de transformação
destes ideais, a ser levada para todas as outras dimensões da vida cotidiana dos alunos. Os
jogos cooperativos podem trazer relevantes contribuições ao serem inseridos nos conteúdos
escolares, como as acima citadas, porém há a necessidade de maior desenvolvimento e
expansão das possibilidades práticas da teoria.
Numa reflexão a cerca das propostas acima mencionadas, pode ser ressaltado o
67
fato de que, as teorias ditas “críticas” – principalmente a Crítico Superadora e Crítico
Emancipatória - oportunizaram uma mudança na maneira de se compreender o movimento
humano, não mais visto absolutamente como gestos mecanizados, mas sim como
constituintes e englobadores de fenômenos sociohistóricos e culturais (BRACHT, 1999).
Estas construíram um senso crítico em contraposição ao caráter alienante
atribuído à área nas ultimas décadas, refletindo-se no desenvolvimento de autonomia
pessoal, social e também política. Neste momento, abriu-se espaço para a possibilidade de
que, por meio da educação física, uma pessoa desenvolvesse a capacidade de se
conscientizar criticamente sobre determinadas ações e realidades sendo capaz de questionar
o proposto e construir uma ideia própria a respeito do exposto, tanto nas questões referentes
à vida em sociedade quanto às atitudes políticas.
Observa-se que, se a década de 80 iniciaram-se uma série de discussões
gerando as primeiras propostas para a área, na década de 90 uma explosão produções
acadêmicas desencadearam-se num processo infindável com, ainda em vigência, constantes
reflexões, contestações e recriações das anteriores elaborações. Por fim, após sucinta
análise dessas teorias, algumas com contribuições mais explícitas outras mais ocultas,
torna-se perceptível a evolução no processo de busca pela consolidação da educação física
no cenário educacional e profissional.
3.3 Tinta 3 - inclusão na educação física escolar
As disciplinas escolares fazem mais do que vivenciar determinados conteúdos,
mas apresenta-os de forma associativa ao preparo do aluno enquanto cidadão. Num
contexto social de luta pela implantação da inclusão, a adaptação das aulas de educação
física não se faz apenas necessária, mas obrigatória.
Embora seja recente essa aproximação da educação física com a inclusão, a
relação entre a atividade física e as pessoas com algum tipo de deficiência remonta de
tempos antigos.
Os primeiros relatos da prática de atividades físicas para pessoas com
deficiência datam de, aproximadamente, 3.000 a. C., tendo finalidades terapêuticas. Sem
68
sobressair-se durante séculos, a concretização desta prática ocorreu apenas após as Guerras
Mundiais, quando o médico Ludwig Guttman incorporou os exercícios físicos,
especificamente os esportes, ao tratamento de reabilitação dos soldados que voltaram
lesionados dos conflitos bélicos (STRAPASSON; CARNIEL, 2007).
Essa forma de reabilitação abriu caminho para as pessoas com deficiência na
educação física, enfaticamente nos esportes. No entanto, na esfera escolar que por si só
estruturou-se de forma segregadora, ao exaltar a aptidão física e os conceitos competitivos
baseados no desempenho motor, as pessoas com deficiência estiveram inicialmente
condicionadas à exclusão (RODRIGUES, D. A., 2003).
Por conseguinte, a aproximação entre a educação física e a pessoa com
deficiência no âmbito escolar teve caminhar mais árduo. Especificando o Brasil, são
encontrados dados repletos de discriminação e exclusão que corroboram com essa
passagem. Com o Decreto n° 21.241 da Portaria n° 13 e 16, de fevereiro de 1938, proibiu-
se que os alunos que tivessem alguma patologia ou características que os impedisse de
participar das aulas de educação física fossem matriculados em instituições de ensino
secundário, conforme exposto por Castellani Filho (1991). Não mais como proibição, mas
ainda como forma de exclusão, Krug (2002) acrescenta que, em 1971, a Lei n° 5.692
dispensou os alunos com alguma deficiência das aulas de educação física, sem considerar
as capacidades e conhecimentos nas diversas dimensões que poderiam ser desenvolvidos
através dos estímulos proporcionados pela sua participação.
Em tímidos passos, essa mudança da exclusão para a dispensa da
obrigatoriedade da presença desses alunos mostrou a forma lenta, mas progressiva, na qual
as pessoas com deficiência foram ganhando atenção e consideração nas aulas de educação
física nas escolas.
Em 1952, surgiu na área a definição do termo Educação Física Adaptada, como
uma educação física mista compreendendo também a presença de pessoas com diferentes
necessidades dentro de um grupo de alunos, exigindo a elaboração de atividades segundo as
características de cada um (SILVA; SEABRA JUNIOR; ARAÚJO, 2008). Posteriormente,
alguns autores como Strapasson e Carniel (2007) direcionaram o conceito de educação
física adaptada estritamente às pessoas com deficiência, contudo outros como Seabra Júnior
69
et. al. (2004) ressaltaram a necessidade de englobar no termo quaisquer tipos de
dificuldades apresentadas pelo aluno.
Apesar desta definição não dirigir-se, de início, diretamente à educação física
escolar, possibilitou a abertura de espaço para que a prática de atividades físicas para as
pessoas com deficiência fossem pensadas na área de forma geral.
Posteriormente, em 21 de novembro de 1978 foi aprovada a Carta Internacional
de Educação Física e Desportos, pela Conferência da Organização das Nações Unidas
(UNESCO), proclamando a educação física e o desporto como um direito de todos,
inclusive das pessoas com deficiência, tanto no sistema educacional quanto em outros
setores sociais, cabendo aos professores uma atuação de forma a garantir o
desenvolvimento integral dos indivíduos e a favorecer sua integração social (UNESCO,
1981).
As influências dessa determinação foram vagarosas, porém percebidas. Nos
anos seguintes, os cursos de educação física tiveram seu currículo discutido e reformulado,
inserindo as primeiras disciplinas destinadas ao preparo dos futuros profissionais para
atuarem com as pessoas com deficiência.
Uma pioneira disciplina denominada de “Educação Física Adaptada” integrou
oficialmente os cursos superiores em 1987, através da Resolução n° 03, do Conselho
Federal de Educação. Segundo este documento, a inserção dessa disciplina teria por
objetivo a propagação de conhecimentos destinados ao atendimento das pessoas com
deficiência, discutindo planejamentos, técnicas e métodos que se adequassem às condições
e diferenças de cada um (SOLER, 2005).
Em 1988, foi implantado o primeiro Curso de Especialização em Educação
Física Adaptada, em Uberlândia, Minas Gerais (GORGATTI; COSTA, 2005). Com isso, a
atuação dos profissionais de educação física com as pessoas com deficiência foi adquirindo
competência científica.
Durante sua construção, a educação física relacionada às pessoas com alguma
condição de deficiência recebeu variadas nomenclaturas de acordo com os diferentes
momentos sociais como, conforme citado por Araújo (2011), educação física hospitalar,
educação física corretiva, educação física de reabilitação e educação física especial até
70
adquirir atenção como educação física adaptada, conforme citado em parágrafos anteriores.
A definição da educação física adaptada como uma subárea dentro da educação física
contribuiu trazendo conhecimento e abrindo espaço para a discussão de questões
relacionadas à atividade física para essa população até então negligenciada.
Com a inclusão das pessoas com deficiência em plena discussão no âmbito
social e os currículos dos cursos superiores amoldando-se para atender essa população, a
educação física adaptada foi encaminhada também para as escolas, exigindo preparo dos
professores para adaptarem suas aulas segundo as necessidades dos alunos, superando a
então ideia de ser função do aluno se adaptar e conseguir realizar as atividades propostas.
A partir da década de 80, com a elaboração dos ideais de inclusão, a área
desenvolveu um segundo conceito relevante, o da educação física inclusiva, o qual está
imerso num contexto mais amplo, o da inclusão social, representado aqui pela tela de
Eduardo Lima (FIGURA 15). 15
Figura 15 - Eduardo Lima. Inclusão Social. 2009.
Fonte: http://davincigallery.net
Nesta nova proposta, entende-se que essa área deve permitir a participação ativa
15
A pintura de Eduardo Lima retrata as questões relacionadas à inclusão social, contando com personagens
com deficiência e também outras diversidades como diferenças regionais, ilustrando a temática apresentada.
71
de todos os alunos, com uma organização de atividades e metodologias pelo professor de
forma que todos, independente de suas diferenças, dificuldades ou presença de alguma
deficiência, possam usufruir ativamente destas. Define-se, por conseguinte, como
participação ativa a participação do aluno nas atividades de forma não apenas a observá-la
ou realizá-la mecanicamente, mas também sendo estimulado a compreender, repensar,
recriar e dialogar com o conteúdo.
Nota-se, portanto, a relevância da definição inicial do conceito de educação
física adaptada ao iniciar as primeiras discussões concretas dentro da educação física sobre
a participação das pessoas com deficiência, uma vez que, se nomenclaturas foram propostas
desde a criação da primeira denominação de educação física hospitalar, apenas a partir da
adição do termo adaptada que a área ganhou os contornos e preocupação em permitir a
participação de todos nas suas próprias atividades, e não mais atuar em função de outras
áreas.
Pode-se entender, portanto, que as denominações de adaptada ou inclusiva são
definições sobre como a educação física deve ser em sua totalidade, ou seja, deve
considerar cada aluno em sua individualidade, propondo alternativas que permitam que
todos participem efetivamente e usufruam de seus conteúdos. São, portanto, definições que
permitiram a aproximação da educação física com os ideais da inclusão, buscando garantir
a participação de grupos, em algum momento, menos favorecidos por alguma circunstância.
Foi necessária a criação de disciplinas específicas para explorar os conhecimentos
relacionados a esse tema para que futuramente, com maior competência, seja possível a
concretização de uma educação física única que atenda a todos, conforme a nova proposta,
no entanto, sem a necessidade de uma nomenclatura especial, uma vez que todas as
atividades dentro da educação física devem ser pensadas de acordo com o ambiente,
segundo as necessidades dos alunos, que pode ser uma pessoa gestante, idosa, atleta,
sedentária ou com deficiência.
No contexto atual da educação física inclusiva, a qual possui respaldo legal, a
educação física passou a não apenas possuir deveres de se adaptar e se reestruturar para
essa nova realidade, mas também adquiriu papel relevante na construção de práticas
inclusivas no âmbito social.
72
Para esses objetivos serem alcançados, a área enfrenta acentuados obstáculos,
além das dificuldades já mencionadas para a implantação da inclusão em todo o contexto
educacional. Explicitando a situação, a partir da década de 80 houve proeminente aumento
no número de cursos de ensino superior de educação física, culminando na dificuldade em
manter e garantir boa qualidade dos mesmos, uma vez que alguns foram estruturando-se
com professores desprovidos de formação e capacitação necessária para atuar na área
docente (TOJAL, 1994).
Como fato agravante, Silva, Seabra Junior e Araújo (2008) apontam ainda que
muitos professores em atuação tiveram sua formação realizada há muitas décadas atrás,
com currículos baseados no tecnicismo, os quais ainda não contemplavam disciplinas
destinadas ao trabalho com pessoas com deficiência.
Essas duas situações, somadas às já discutidas dificuldades do sistema de
ensino, dificultaram a implantação da inclusão nas aulas de educação física ainda nos dias
atuais.
Inúmeras discussões a respeito de possíveis soluções a esses problemas
infiltraram-se nas políticas e produções acadêmicas, numa constante busca por alternativas
inclusivas.
Quando de fato essas devidas soluções forem alcançadas, os benefícios a serem
atingidos por meio de uma prática de educação física inclusiva serão reluzentes. Conforme
exemplificado por Rouse (2010), poderá haver um estímulo benéfico e um auxílio na
habilidade de interação entre as pessoas com e sem deficiência, além de incitar melhoria na
socialização no ambiente exterior à escola, proporcionar aos alunos sem deficiência o
aprendizado da convivência, do respeito e o auxilio às pessoas com deficiência quando
necessário, estimular o desenvolvimento da tolerância, do respeito e dos valores éticos, e
possibilitar o desenvolvimento das habilidades motoras, da autoestima e do autoconceito
dessas pessoas.
Sabendo do direito da pessoa com deficiência ao acesso e vivência dos
conteúdos considerados relevantes culturalmente, os benefícios a serem alcançados com
essa prática são ampliados ao considerar-se a função da educação física enquanto
importante pilar para a concretização de um cenário educacional inclusivo. Alguns estudos
73
fazem vários apontamentos justificando a forma como a educação física pode propiciar uma
organização que preconize a inclusão de todos. Em primeiro momento, destacam que esta é
uma área que possibilita maior liberdade e oportunidade para que os alunos se comuniquem
e interajam uns com os outros, alcançando diversas dimensões como a social e psicológica,
além do fato da área permitir ao professor, se comparado aos demais educadores, maior
flexibilidade para escolher os tipos de conteúdos trabalhados e também a forma de explorá-
los, com maiores possibilidades, se comparada às demais disciplinas, de estruturar e
flexibilizar suas aulas de acordo com as necessidades de cada aluno ou cada turma. De
forma complementar, esses estudos ressaltam ainda que geralmente o professor de
educação física possui uma imagem mais positiva com os alunos, em relação aos demais
professores, o que lhe proporciona maior facilidade para elaborar novos projetos e
incentivar novas ideias, com maior probabilidade de aceitação e adesão por parte dos
alunos (GUIMARÃES et. al., 2001; RODRIGUES, D. A., 2003; ROUSE, 2010).
Além dos dados acima mencionados, é compreensível que a educação física
pode estimular o desenvolvimento dos ideais inclusivos de forma mais intensa devido,
também, ao constante convívio social exigido durante as atividades da aula, além de
favorecer o desenvolvimento direto das dimensões psicossociais tão relevantes à questão
inclusiva, como na socialização, no desenvolvimento do autoconceito e da autoestima.
Para isso, cabe ao professor, segundo Strapasson e Carniel (2007), adaptar suas
aulas e atividades de acordo com as necessidades de seus alunos, estimulando o
desenvolvimento de atitudes e valores relacionados ao respeito, solidariedade e construção
de relações afetuosas por meio de suas intervenções pedagógicas.
Independente da disciplina ministrada, o professor deve vivenciar e
proporcionar a experiência da inclusão em suas aulas junto com os alunos, não apenas
defendendo teoricamente este conceito, mas tendo coerência entre seu discurso e sua
atuação dentro da sala de aula (FREIRE, P., 1996). Ou seja, o professor deve agir e
desenvolver seu trabalho educacional de forma inclusiva, respeitando o potencial e as
dificuldades de cada um, para que os alunos espelhem-se em suas atitudes e reflitam a
inclusão e o respeito uns com os outros nas suas próprias relações durante a aula.
A história da educação física e da pessoa com deficiência foi pautada por
74
preconceito e processos excludentes. Quando se unem esses dois temas na educação física
inclusiva, esta se torna uma área que traz consigo todas as lutas que esse campo de
conhecimento e as pessoas com deficiência enfrentaram ao longo do processo histórico,
sendo justificada a dificuldade de sua implantação e seu caminhar tímido.
São inúmeros os obstáculos que essa área terá que ultrapassar, e apesar de
passos lentos, o que importa neste momento não é a agilidade e sim a evolução constante.
75
4 ESCOLHENDO AS TONALIDADES – CONTEÚDOS DA
EDUCAÇÃO FÍSICA
Com as pesquisas e construções de novas abordagens para a educação física,
foram estruturadas e definidas concepções e objetivos pedagógicos com um currículo
próprio ao contexto escolar. Para a compreensão dessa temática, serão utilizadas as
produções do Coletivo de Autores (1992) e dos PCN (BRASIL, 1998, 2000).
O Coletivo de Autores foi selecionado devido à magnitude alcançada por esta
produção dentro da educação física, ao trazer para a área, as reflexões e proposições
baseadas na visão crítico social a qual já dispendia de influências no cenário pedagógico
brasileiro. Num momento de crise vivenciada pela educação física, essa proposta auxiliou
nas bases iniciais de reconstrução da área. Já da escolha referente aos PCN para a discussão
desses conceitos foi por ser este uma proposta de caráter nacional a qual norteia os
professores de educação física na elaboração de seus projetos de atuação na escola.
Iniciando o diálogo com essas produções, o currículo escolar é compreendido,
segundo o Coletivo de Autores (1992), como um rol de conhecimentos selecionados e
organizados metodologicamente pela instituição escolar com a função de proporcionar ao
aluno reflexão sobre sua realidade social, ao adicionar aos conhecimentos prévios deste as
fundamentações científicas. É composto, por conseguinte, pelas disciplinas com seus
conteúdos próprios.
Esses autores destacam ainda que, os conteúdos componentes de cada disciplina
são conhecimentos construídos historicamente com significação humana e sociocultural, os
quais podem ser selecionados segundo os seguintes critérios:
Relevância social do conteúdo: o auxílio do tema para a compreensão da
realidade social do aluno;
Contemporaneidade do conteúdo: temática que esteja associada às
evoluções e modernidades da sociedade contemporânea;
Adequação às possibilidades sociocognitivas do aluno: adaptação de
cada tema às capacidades de desenvolvimento cognitivo momentâneo
76
do aluno e a sua realidade social;
Simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade: trabalho
com os conteúdos de forma simultânea e não por etapismo;
Provisoriedade do conhecimento: entender cada conhecimento como em
constante transformação pelo sujeito histórico, o qual é o próprio aluno.
De forma complementar, os PCN ressaltam que a escolha dos conteúdos
também deve respeitar critérios relacionados à (BRASIL, 2000):
Relevância social: aqueles que possuem presença notória nas dimensões
sociais e culturais do país;
Características do aluno: abarcadoras das peculiaridades regionais e de
nível de desenvolvimento dos alunos;
Características da própria área: as principais temáticas as quais são
compreendidas pela disciplina.
Fundamentado nessas concepções, tanto o Coletivo de Autores (1992) quanto
os PCN (BRASIL, 2000) definiram os conteúdos da educação física escolar como
conteúdos da cultura corporal, ou seja, aqueles compostos por movimentos corporais
construídos e transformados pelo homem durante o decorrer histórico como forma de
representação de sua realidade. Dessa forma, compreendem como conteúdos a dança
(também denominada de atividades rítmicas e expressivas), o jogo, a luta, a ginástica e o
esporte.
Além destes, há ainda a possibilidade de inclusão de outras práticas corporais
alternativas que possuam relevância cultural numa dada região, como atividades circenses
(ilustrada na Figura 16)16
, atividades físicas de aventura, anti-ginástica, dentre inúmeras
outras, cabendo ao professor o resgate e organização educacional destas.
16
A tela de Mar Chagall apresenta uma imagem de um circo sendo utilizada, portanto, como ilustração de uma
das possibilidades de conteúdos alternativos da educação física apresentadas no texto.
77
Figura 16 - Marc Chagall. O Grande Circo. 1968.
Fonte: www.abcgallery.com
Ao desenvolver essas temáticas no contexto escolar, os PCN (BRASIL, 2000)
ressaltam que esse trabalho deve ser alicerçado em discussões relacionadas à história,
contexto social, regras e estratégias básicas de cada conteúdo. Em consonância, o Coletivo
de Autores (p. 87, 1992) defendem que:
[...] os conteúdos da cultura corporal a serem aprendidos na escola devem emergir
da realidade dinâmica e concreta do mundo do aluno. Tendo em vista uma nova
compreensão dessa realidade social, um novo entendimento que supere o senso
comum, o professor orientará, através dos ciclos, uma nova leitura da realidade
pelo aluno, com referências cada vez mais amplas.
Compreende-se, portanto, que, com os diversos conteúdos o professor de
educação física tem a tarefa de apresentar ao aluno novas possibilidades e conhecimentos,
estimulando-o a lidar com esses novos dados de forma a vivenciá-los e também modificá-
los, se assim desejarem, permitindo que o educando se perceba como parte atuante na
constante transformação desta realidade.
Ademais, o professor deve atentar-se para o processo de construção histórico-
78
social de cada conteúdo, no qual alguns foram sendo mais valorizados e explorados em
detrimento de outros. Na constituição da educação física enquanto disciplina escolar, em
momento inicial, as aulas foram limitadas à exigência de gestos motores mecanizados,
fundamentando-se principalmente na aprendizagem e execução dos movimentos
relacionados aos gestos técnicos esportivos. Com isso, o esporte adquiriu ampla hegemonia
durante as aulas de educação física, mantendo-se, durante o passar das décadas, em
superioridade em relação aos demais temas.
Neste momento, cabe exaltar a pertinência em atribuir a todos os conteúdos
espaço de trabalho dentro do ambiente escolar. Contudo, ainda mantem-se resistência por
parte de alguns professores de educação física em trabalhar com determinados temas, como
com a dança, por falta de preparo e capacitação ou de experiência e segurança destes em
trabalhar com este conteúdo, assim como por resistência dos próprios alunos a essas novas
vivências, os quais ainda encontram-se, muitas vezes, condicionados aos conteúdos
esportivizados. Para reverter esse quadro, persistência e determinação mostram-se
indispensáveis, assim como a melhoria na capacitação profissional, de forma a estruturar os
novos alicerces almejados nessa área de atuação.
Em discussão de relevante importância, a temática da inclusão educacional
também desprende de atenção na construção da atual educação física escolar. Imersa na
nova proposta inclusiva, o trabalho com os conteúdos da educação física devem ser
pensados e trabalhados de forma que todos os alunos tenham a possibilidade de
participação efetiva, mesmo quando da presença de uma dificuldade como uma condição de
deficiência. Nesse contexto, compreende-se que é a forma de trabalho do professor, e não o
próprio conteúdo, que estabelecerá se este, naquele momento, será inclusivo ou não.
Resgatando os ideais de Paulo Freire (1996), independente do conteúdo
selecionado para ser trabalhado num determinado momento com os alunos, o professor
deve se conscientizar sobre como ele deverá conduzir aquele conhecimento em uma aula,
uma vez que a maneira como ele ministra um tema traz consequências significativas para o
aluno. Dessa forma, a exploração educacional de cada conteúdo deve sempre estar
relacionada com o desenvolvimento de questões morais, afetivas e sociais do aluno, além
da já implícita motricidade.
79
Em relação à forma de trabalho, os PCN propõem como metodologia mais
adequada para ao processo de ensino-aprendizagem dos diversos conteúdos da educação
física um trabalho baseado em situações globais e diversificadas de práticas corporais
respeitosas do significado pessoal, social e cultural do movimento para os alunos,
permitindo a associação da intenção do sujeito com os estímulos externos proporcionados.
Essa sugestão pode ser entendida como em consonância com os ideais educacionais
inclusivos uma vez que, segundo Brasil (p. 81, 2000):
A presente proposta aborda a complexidade das relações entre corpo e mente num
contexto sociocultural, tendo como princípio a igualdade de oportunidades para
todos os alunos e o objetivo de desenvolver as potencialidades, num processo
democrático e não seletivo.
Especificamente em relação à inclusão nas aulas de educação física escolar,
Rouse (2010) traz como acréscimo algumas atitudes pedagógicas que podem facilitar e
permitir o desenvolvimento de trabalho educacional com os conteúdos de forma inclusiva.
Sugere, por conseguinte, que o educador possibilite o desenvolvimento das habilidades de
forma individual considerando as possibilidades de cada um, que proponha apenas
atividades nas quais todos possam participar ativamente, que utilize de instruções
adequadas de forma que todas as necessidades de compreensão sejam atendidas, e
empregue estratégias durante a aula que estimulem o desenvolvimento dos conceitos e
práticas de respeito e cooperação. O professor deve, portanto, adequar as regras, os
materiais, o espaço, sua metodologia e o que mais for necessário para que todos possam
participar ativamente, evitando realizar uma adaptação para apenas o aluno com deficiência
– o que poderia estigmatizá-lo ainda mais.
Pode-se também incorporar práticas corporais desenvolvidas especificamente
para pessoas com deficiência, como uma opção a mais a ser trabalhada com todos os
alunos, e não apenas com os que possuem essa condição, dessa forma essa temática
possibilita a difusão de conhecimento, respeito e valorização das diferenças.
Com base nessas discussões, discorre-se, a seguir, sobre os principais conteúdos
da área acerca de seus conceitos, classificações, organização educacional e possibilidades
inclusivas, ainda tomando por base as propostas dos materiais do Coletivo de Autores
80
(1992) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, 2000).
4.1 Tonalidade 1 - dança
A dança pode ser compreendida como uma forma de representação dos diversos
aspectos da esfera social e da vida do homem por meio de movimentos alicerçados em
expressões de emoções e sentimentos (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Dispondo de uma pluralidade de formas de manifestações e de possibilidades
de vivências, a dança – ou as atividades rítmicas e expressivas, conforme denominação dos
PCN (BRASIL, 1998) – por meio de seus movimentos rítmicos permite a interpretação, a
conscientização e a comunicação de diversos conhecimentos culturais, possibilitando a
interação com o mundo e com as outras pessoas, temática esta ilustrada na Figura 17).17
Figura 17 – Kiki Lima. Dança de Batuque. 2012.
Fonte: http://allartsgallery.com
17
A pintura de Pablo Picasso ilustra três pessoas praticando a dança, ilustrando a temática discutida no
parágrafo.
81
Complementando as considerações acerca desse conteúdo e permitindo maior
compreensão acerca de sua abrangência, Paoliello (2008) propõe uma classificação para a
dança, categorizando-a em:
Ancestral: composta pelas criações dos povos nativos brasileiros antes
da chegada da Espanha e de Portugal ao país;
Tradicional ou Folclórica: baseada nos traços culturais de determinada
região;
Clássica ou Erudita: fundamentada em habilidades motoras exigentes de
sistemáticos processos de aprendizagem.
Já na esfera escolar, a dança ingressou oficialmente aos currículos acadêmicos
por meio da inserção da disciplina da educação física no ambiente escolar, pela Reforma
Couto Ferraz. Nesta, a ginástica foi destinada aos homens como preparo às atividades
militares e à força de trabalho, e a dança às mulheres, como contribuinte para uma
formação saudável de futuras mães. Enquanto conteúdo da educação física, sua tendência
inicial no cenário educacional seguiu os caminhos da área, baseando-se na execução de
gestos com técnicas e modelos pré-determinados de perfeição, o que dificultava vivências
corporais positivas e prazerosas, expondo e rejeitando as pessoas que apresentassem maior
dificuldade para executar determinado movimento.
Questionada as atuações desse período, com a transformação e reconstrução
educacional da educação física, o Coletivo de Autores (1992) definiu a dança como um
conteúdo escolar cuja finalidade deve ser a exploração das formas de expressão dos
variados tipos de dança sem ênfase em peculiaridades técnicas, as quais devem apenas num
segundo momento serem vivenciadas em seus aspectos formais, caminhando da
interpretação livre à dança formalizada. Contudo, exalta em relação ao trabalho técnico da
dança:
[...] a técnica não pode separar-se das motivações psicológicas, ideológicas,
sociais do executante, da simbologia que produz, da utilização que faz das suas
possibilidades corporais e da consciência que tem dos “outros” a quem comunica.
(COLETIVO DE AUTORES, p. 83, 1992).
Compreende-se, portanto, que a dança deve permitir e explorar a expressividade
82
de cada aluno. As técnicas específicas de cada tipo de dança podem sim serem vivenciadas
junto com as demais dimensões motora, cognitiva, psicológica e social, auxiliando em
maior compreensão da realidade do conteúdo, contudo não deve haver o predomínio do
ensino de gestos técnicos que padronizem momentos e corpos, impedindo a experiência e
expressão de cada indivíduo.
Dessa forma, os PCN (BRASIL, 1998, 2000) sugerem que no ambiente escolar
sejam explorados os aspectos histórico-sociais de cada tipo de dança, a percepção do ritmo
pessoal e coletivo, a relação de espaço e tempo, a expressão por meio de códigos e gestos e
a consciência referente aos próprios limites corporais assim como as possibilidades de
superação destes. Propõe ainda que sejam abordadas as danças em diferentes épocas e
culturas, como as danças brasileiras (como o samba, a catira e o bumba-meu-boi), as danças
urbanas (entre elas o break, a dança de salão e o rap), as danças eruditas (como a clássica, a
moderna, a contemporânea e o jazz), as danças e coreografias atreladas a musicais (como os
blocos de oludum e de afoxé), além das brincadeiras de roda.
O Coletivo de Autores (1992) defende ainda que a temática esteja relacionada
às ações de vida diária dos alunos, aos estados afetivos, às sensações corporais, aos seres e
fenômenos do mundo animal, vegetal e mineral, ao mundo do trabalho, da escola e aos
problemas sócio-políticos atuais.
Diferentes ideais e valores também têm sua possibilidade de trabalho dentro
deste conteúdo. O universo da dança baseado na exploração de vivências criativas pode ser
confrontado com o cenário competitivo, assim como as diferenças de gênero podem trazer a
tona discussões a respeito do homem dançante em oposição à visão preconceituosa de que
homem não dança, ainda presente em muitas culturas (BRASIL, 1998).
Em relação à atual construção de uma educação inclusiva, há uma possibilidade
educacional a mais com a criação da denominada dança adaptada, na qual os movimentos
são alterados ou criados especificamente para uma determinada população, como no caso
da dança em cadeira de rodas, praticada por pessoas com deficiência física. Como
possibilidade de vivenciar novos e diferentes movimentos, Winnick (2004) ressalta que a
dança, para as pessoas com deficiência, pode ser uma forma de autodescoberta e de
melhorar a autoestima, além de favorecer a interação social e o desenvolvimento auditivo,
83
visual, cinestésico, criativo e o equilíbrio, beneficiando a construção de uma imagem
corporal positiva, diminuindo a ansiedade e uma possível depressão e auxiliando-os a
lidarem com seus próprios sentimentos.
Esse mesmo autor propõe ainda, como metodologia específica para pessoas
com Síndrome de Down, que as aulas de dança sejam divididas em pequenas partes com
simples instruções e um ritmo mais lento no início. Há a possibilidade também, de
atividades em duplas, com um demonstrando ao outro as possibilidades de movimentos, em
diferentes partes corporais, estimulando a ampliação da percepção e consciência corporal,
de forma a oportunizá-los, em seguida, a criarem seus próprios movimentos.
A dança é composta por valores culturais inestimáveis ao proporcionar
conhecimento de sociedades de diferentes épocas e valores. Com inúmeras possibilidades
para ser trabalhada no espaço escolar, essa forma de se comunicar com o mundo pode
possibilitar à pessoa com deficiência, e a todos os demais alunos, uma forma de se
autosuperar e autoafirmar como capaz. para si mesmo e para as demais pessoas, iniciando
não apenas o contato com esse tipo de arte, mas possibilitando a inserção dos indivíduos
numa nova forma de enxergar a vida com mais movimento, beleza e possibilidades.
Como forma de expressão, de consciência e compreensão do funcionamento e
estrutura corporal, como possibilidade de comunicação, interação social e conhecimento de
diversas culturas, ou como meio para o conhecimento e exploração dos sentimentos e da
imaginação, a dança no ambiente escolar traz sua contribuição. Diferentes possibilidades
pedagógicas para todos os alunos podem ser atingidas por meio deste conteúdo, sendo
indispensável, para isso, que este seja explorado de forma global, considerando todas as
dimensões e respeitando os interesses e possibilidades de cada um.
4.2 Tonalidade 2 - esporte
O esporte pode ser compreendido como uma produção histórico-cultural
abarcada por códigos, sentidos e significados sociais (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Os PCN (BRASIL, 1998) o conceitua como uma atividade competitiva na qual
há, tanto no contexto do amadorismo quanto no profissionalismo, a delimitação de regras
84
oficiais por federações a nível regional, nacional ou até mesmo internacional, exigindo
condições e equipamentos especiais para sua prática.
Enquanto conteúdo das aulas de educação física escolar, o esporte adquiriu
espaço a partir, aproximadamente, da década de 1970. Explorado pelo governo e pelo
mercado de trabalho como um fator contribuinte para seus interesses sociais, políticos e
econômicos foi imbuído de, no âmbito educacional, difundir os ideais de concorrência e
rendimento já presentes na sociedade. Com isso, passou a reproduzir no cenário escolar o
modelo de esporte de alto desempenho baseado na exclusão e desigualdade, afastando
muitos alunos da possibilidade de uma vivência efetiva.
Sob a influência de uma renovação pedagógica, a qual difundiu os ideais de
uma prática educacional crítico-social focalizada no aluno, críticas a essa forma de atuação
do esporte na escola ganharam força e se expandiram. A transformação desse cenário
ganhou delimitação oficial quando, após definição pela Constituição Brasileira de 1988 do
desporto como um direito de todos e um dever do Estado, foi estabelecida pela Lei Zico
(Lei n° 8.672, de 6 de julho de 1993) e Lei Pelé (Lei n°9.615, de 24 de março de 1998)
uma classificação do esporte, estruturando-o em:
esporte de rendimento – o qual visa o máximo desenvolvimento das
capacidades físicas e habilidades técnicas necessárias para dada
modalidade esportiva, em prol do alcance da vitória no contexto
competitivo ,
esporte de participação – realizado no lazer e no tempo livre
objetivando o bem estar dos participantes,
esporte educacional – destinado a ser trabalhado nas escolas, com o
objetivo de formação integral, cidadania e lazer.
Esclareceu-se legalmente o esporte educacional como uma forma de
oportunizar aos alunos a vivência de diferentes modalidades, respeitando a individualidade
e objetivando a socialização, o desenvolvimento global e o ensino dos valores humanos
(BRASIL, 1998).
Referente a essa discussão, Bracht (1992) traz uma classificação diferenciando
o esporte “na” escola – quando há a presença do esporte de alto rendimento com a ênfase
85
na técnica e a busca pelo alto desempenho, no ambiente escolar - do esporte “da” escola – o
qual é o esporte educacional que deve ser trabalhado pedagogicamente nos ambientes
escolares como forma de vivência e conhecimento. Não cabe uma negação a um tipo ou
outro de esporte, mas uma conscientização de que para cada um dos tipos existe uma
finalidade, um local e momentos diferenciados.
Em relação a essa discussão, os PCN (BRASIL, p. 33, 2000) destacam que o
esporte escolar não deve se restringir ao ensino e execução das técnicas e táticas de
modalidades esportivas, mas que seu ensino deve transcender essas habilidades
possibilitando “...capacitar o indivíduo a refletir sobre suas possibilidades corporais e, com
autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada”.
Dessa forma, enquanto conteúdo escolar, o esporte não deve reproduzir os
valores da sociedade capitalista, mas sim proporcionar conhecimentos de forma que os
alunos possam desenvolver uma visão crítica e respeito da presença e da atuação deste tema
no contexto social, político, econômico e cultural. Os professores devem instigar os alunos
à reflexão sobre os valores e normas que o regulamentam e que o nortearam durante o
contexto sociohistórico pelo qual passou, proporcionando uma compreensão crítica a
respeito dessa complexa questão ao substituir a preocupação exacerbada na competitividade
e no desenvolvimento de talentos pelos valores que exaltam o coletivo sobre o individual
como solidariedade, respeito e consciência do direito de todos à prática (COLETIVO DE
AUTORES, 1992).
Organizando pedagogicamente o esporte no ambiente escolar, o professor pode
auxiliar seus alunos no conhecimento e desenvolvimento das habilidades motoras,
capacidades físicas e cognitivas e a técnica e tática de diversas modalidades, despertar o
interesse pela prática de esporte e atividades físicas ao longo da vida, discutir e transformar
valores, estimular o desenvolvimento da autoconfiança, autoestima e da capacidade de
tomar decisão e estimular a prática de valores como cooperação e respeito (PAES;
BALBINO, 2005). Possibilita, ainda, a diversificação de conhecimento sociocultural a
respeito das diferentes modalidades e seu impacto nas diversas culturas, e a discussão dos
valores que regem a questão da competição, mostrando a importância de um jogo limpo
(fair play) e solidário com respeito às diferenças.
86
Baseado nesse entendimento, as possíveis modalidades a serem trazidas para o
âmbito escolar são muitas, desde as mais conhecidas como voleibol, basquetebol, futebol,
handebol, tênis – ilustrado na pintura de Camille Pissaro (FIGURA 18)18
-, atletismo, até as
menos exploradas nesta cultura como o rugby, futebol americano e hóquei, que podem ser
adaptadas proporcionando difusão de conhecimentos acerca da cultura corporal.
Figura 18 - Camille Pissarro. Meninas Jogando Tenis. 1981.
Fonte: www.camille-pissarro.org
Complementarmente, discussões podem ser desenvolvidas fundamentadas por
esse conteúdo, como acerca da participação da mulher, do negro e da pessoa com
deficiência, a violência no esporte, a construção do esporte como espetáculo pela mídia, as
olimpíadas, a copa do mundo, a existência de esportes não convencionais como os radicais,
de aventura, a compreensão e vivência das diferentes capacidades e gestos motores
específicos de cada modalidade, a compreensão e reconstrução de regras (BRASIL, 1998).
Dentre essas possibilidades de discussão, a presença maciça do esporte
sobressaindo-se sobre aos demais conteúdos também pode ser alvo de reflexão.
Fatores históricos e culturais podem ser considerados como influenciadores da
18
A tela de Camille traz a imagem de duas meninas jogando tênis, ilustrando uma das diversas modalidades
compreendidas pelo conteúdo esporte.
87
hegemonia esportiva sobre os demais conteúdos, uma vez que as diversas sociedades
exaltaram e sobrepuserem a atenção e valoração dessa prática em detrimento de outras.
Dessa forma, uma discussão a respeito dessa realidade e a busca coletiva por uma forma de
trabalho com este conteúdo que não reprima a presença dos demais se torna relevante,
alcançando um equilíbrio da importância cultural do esporte com a abertura de espaço para
a vivência das demais temáticas.
Já dentro do próprio conteúdo do esporte, uma consideração a mais a ser
destacada é a predominância de uma monocultura futebolística. A própria origem do
esporte esteve atrelada ao futebol, contribuindo para a ênfase desta modalidade em relação
às outras. Contudo, assim como o esporte não deve restringir a presença dos outros
conteúdos, o futebol também deve ser trabalhado de forma permitir a vivência das outras
modalidades, sendo este um fator a mais a ser debatido com a sala e considerado pelo
professor no seu planejamento pedagógico, sem descartar a importância cultural do futebol
– ilustrado na Figura 1919
- dentro de determinada sociedade, como a brasileira.
19
A tela de Francisco Rebollo representa dois homens jogando futebol, ilustrando a discussão a respeito dessa
modalidade esportiva.
88
Figura 19 - Francisco Rebollo. Futebol. 1936.
Fonte: www.fapesp.br
Outro tema relevante com possibilidade de trabalho escolar é a inclusão de
pessoas com deficiência na prática esportiva, associando-a à temática da inclusão
educacional.
Além da adaptação dos esportes convencionais, esse conteúdo proporciona mais
uma possibilidade de trabalho por meio do esporte adaptado, criado para uma população
específica, no caso, as pessoas com deficiência (ARAÚJO, 1999)20
. Inúmeros foram os
avanços e a diversificação de modalidades adaptadas, como o rugby em cadeira de rodas,
esgrima em cadeira de rodas, gollball e vôlei sentado, entre outros. Dessa forma, além de
serem mais uma forma de possibilitar a inclusão nas aulas de educação física, também
podem auxiliar os alunos a terem maior conhecimento a respeito das capacidades das
20
O esporte adaptado foi introduzido no Brasil nos anos de 1950, por iniciativa popular. Robson Sampaio de Almeida e Sérgio Serafim Del Grande, ambos com deficiência física, tiveram contato com o esporte adaptado ao participarem de programas de reabilitação nos Estados Unidos e, voltando ao Brasil, fundaram o Clube dos Paraplégicos e o Clube dos Otimistas, iniciando a prática dessa modalidade no país.
89
pessoas com deficiência e também a desenvolverem outras percepções que não as
comumente exploradas, como ao trabalhar com vendas nos olhos.
A exploração dessa temática pode ainda contribuir com o alcance de objetivos
específicos para os alunos com deficiência como a melhora da autoestima, da
autoconfiança, das condições e capacidades físicas, estimulando a independência e a
superação. Ademais, todos os alunos podem ser beneficiados com a melhoria das relações
interpessoais, o estimulo à socialização, os aspectos afetivos e valores humanos
(WINNICK, 2004).
Para que tais benefícios estejam ao alcance de todos, tanto o esporte
convencional quanto o adaptado devem ser pensados quanto a sua forma de trabalho
específica no espaço escolar, substituindo as características do esporte de alto rendimento
pelas de caráter educacional.
É inegável que qualquer tipo de tentativa de abordar o esporte, ou suas
modalidades, intrinsicamente como excludente ou inclusivo deve ser considerada, portanto,
como equivocada, uma vez que, assim como todos os demais conteúdos da educação física,
ele assumirá a função para a qual o professor o destinar.
As possibilidades de exploração deste conteúdo são infinitas. Materiais e
acessórios podem ser criados e até mesmo modalidades podem ser transformadas e
recriadas, exigindo criatividade dos professores para possibilitarem variadas experiências
aos alunos, associando-as ao contexto histórico social e possibilitando maior compreensão
crítica desse fenômeno.
Em tema com tamanho destaque social e diferenciações educacionais, alguns
professores de educação física escolar, quando não tornam suas aulas intencionalmente
esportivizadas, lidam com o esporte como um inimigo que o impede de diversificar suas
temáticas, uma vez que os próprios alunos exigem sua presença. Sendo ambas as atitudes
equivocadas, o professor pode utilizar o esporte como um aliado, por meio do qual pode
inserir os demais conteúdos de forma iniciar uma familiarização dos alunos com temas até
então pouco vivenciados.
O esporte não precisa ser visto como um assunto conturbador dentro do âmbito
escolar. As possibilidades de trabalho proporcionadas são muitas e a riqueza cultural
90
abarcada por esse conteúdo imensurável, exigindo do professor de educação física apenas
uma organização pedagógica adequada quanto à realidade educacional e à abrangência de
toda a área da educação física.
4.3 Tonalidade 3 - ginástica
A ginástica é definida, segundo o Coletivo de Autores (1992) como uma forma
de exercitação do corpo a qual abrange experiências corporais de diferentes culturas,
utilizando aparelhos ou não, conforme ilustrado pela pintura de Tiepolo (FIGURA 20).21
Figura 20- Giandomenico Tiepolo. Polichinelos e Saltimbancos. 1793.
Fonte: http://www.abbeville.com
Segundo Paoliello (2008), a ginástica pode ser classificada em três tipos: a
21
A pintura de Giandomenico Tiepolo retrata uma das possibilidades de exercitação da ginástica, ilustrando o
conteúdo aqui discutido.
91
formativa – baseada em movimentos de fortalecimento corporal, englobando a ginástica
natural, a qual explora as habilidades motoras especificamente humanas, e a construída ou
calistênica, fundamentada nos movimentos tridimensionais mesclados às diferentes
capacidades físicas como força, resistência e velocidade –, a competitiva – a qual segue
regulamentos competitivos, abarcando a ginástica artística, rítmica, aeróbica, trampolim
acrobático, por exemplo – e a geral – na qual há a apresentação de coreografias em grandes
grupos de pessoas.
Em outra classificação, Nunomura e Tsukamoto (2009) acrescentam às
ginásticas competitivas, as ginásticas de academia – como a localizada, step, aeróbia,
abdominal, pilates, ioga e musculação, por exemplo - e as ginásticas de conscientização
corporal - como alongamentos, anti-ginástica22
e o Método Feldenkrais23
.
Como integrante do currículo educacional, a ginástica inseriu-se como o
conteúdo principal, quando não único, da educação física quando da sua inicial
oficialização no cenário escolar. Neste contexto inicial, esse conteúdo foi explorado como
forma de preparo militar e aptidão física, por meio de métodos ginásticos oriundos
principalmente da Europa, como o alemão, o sueco e o francês. Apesar desta origem
baseada em aspectos fundamentalmente biológicos, a ginástica, assim como todos os
conteúdos, apenas adquiriu a função para a qual fizeram dela naquele momento.
Com a construção da educação física como uma área pedagógica a ginástica,
enquanto conteúdo escolar, também foi transformada em seu caráter e forma de trabalho,
reedificando-se em um tema pedagógico destinado à vivência e conhecimento da cultural
corporal.
A ginástica geral, especificamente, há muito tem sido defendida como uma
possibilidade valorosa de trabalho dentro do âmbito educacional. Nesta, proporciona-se a
participação de todos, sem restrições de idade ou características, objetivando a vivência de
elementos ginásticos de forma não competitiva com base na ludicidade e na busca pelo
22
A anti-ginástica é uma forma de vivência corporal baseada no relaxamento e conscientização das sensações
do copo, proporcionando a eliminação de tensões corporais (COSTA, 1999). 23
O Método Feldenkrais é um trabalho desenvolvido por Moshe Feldenkrais no qual os exercícios corporais
possuem como foco principal a tomada de consciência sobre as diversas formas de se movimentar,
alcançando a mais eficiente e menos cansativa (FELDENKRAIS, 1988).
92
prazer da experiência. Abusando da liberdade e criatividade na construção de movimentos,
essa ginástica pode ser feita com ou sem música e equipamentos especiais, e até mesmo
com materiais alternativos como garrafas pets, baldes ou outras construções próprias.
Permite, por conseguinte, a exploração da diversidade, da criatividade e a participação de
todos, tornando-se conteúdo adequado ao contexto educacional.
As diferentes modalidades da ginástica trazem inúmeras possibilidades para
serem empregadas na construção de um projeto pedagógico.
Por meio das experiências proporcionadas pela ginástica, os alunos podem
enriquecer seu conhecimento cultural e construir novas interpretações acerca desse
conteúdo. Para isso, o Coletivo de Autores (1992) propõe, como trabalho educacional, a
exploração dos fundamentos de saltar, equilibrar, rolar, girar, trepar, balançar e embalar,
que são as bases dos exercícios ginásticos e por meio dos quais os educandos podem
vivenciar inúmeras descobertas e compreensões de movimentos corporais num processo de
confronto com as atividades tradicionalmente feitas, estimulando a criação de novas
possibilidades de exercícios.
Complementando, os PCN (BRASIL, 1998, 2000) sugerem que o professor
trabalhe esse conteúdo de forma a conscientizar os alunos sobre a presença dos
fundamentamos da ginástica no dia-a-dia, as sensações afetivas e cinestésicas provocadas
pelos diversos movimentos, a criação de variadas formas ginásticas por meio da
combinação dos fundamentos desse conteúdo, a organização de práticas individuais e
coletivas, o conhecimento das diferentes formas, capacidades e habilidades físicas e
técnicas ginásticas, e a organização de apresentações. Além disso, discorre também como
relevante o trabalho de compreensão sobre as a transformação da ginástica durante o
decorrer histórico e suas diferenças nas variadas sociedades.
Para a exploração desse conteúdo, diversos aparelhos podem ser utilizados
como bolas, halteres, fitas, cordas, trampolim, colchões, banco sueco e arcos, conforme
ilustrado na Figura 2124
. Porém esses materiais são apenas contribuintes às aulas e não
limitadores. Sem a presença destes, como é a realidade de muitas escolas brasileiras, outras
24
A tela de Fátima Carvalho retrata os arcos utilizados na ginástica, ilustrando um dos possíveis materiais a
serem utilizados durante a prática desse conteúdo na educação física escolar.
93
possibilidades podem ser desenvolvidas, como a construção de fitas e arcos com jornais e
arame, halteres substituídos por saquinhos de areia, uso de baldes e cabos de vassouras, ou
a organização de uma aula sem materiais.
Figura 21 - Fatima Carvalho. Sarau de Ginástica e Eu. 1967.
Fonte: pintura-de-fatimacarvalho.blogspot.com.br
Especificamente em relação à educação inclusiva, Mayeda e Araújo (2004)
ressaltam que a ginástica pode explorar o desenvolvimento da criatividade e da expressão
como uma forma de cooperação em substituição à competição exacerbada, facilitando a
inclusão por meio de atividades não segregacionistas. Pode ainda proporcionar o
autoconhecimento e o conhecimento a respeito das diversidades culturais, facilitando a
autodescoberta de possibilidades corporais de movimentos, o desenvolvimento da imagem
corporal, e a socialização por meio de vivências e criações em grupos.
A ginástica enquanto conteúdo escolar possibilita a igualdade de oportunidade
de participação de todos os alunos, ao dispor de um leque de opções de práticas e de
movimentos os quais os alunos podem se identificar com determinadas vivências dentre as
expostas e selecionar aquelas as quais preferem se aprofundar, incentivando-os no
94
desenvolvimento de seu poder de decisão e independência. Preserva-se, por conseguinte, a
individualidade e o respeito às características de dificuldades e capacidades de um, ao
mesmo tempo no qual a ludicidade do conteúdo estimula a participação de todos
conduzindo desde o desenvolvimento das diversas capacidades e habilidades físicas até a
afetividade e socialização entre todos do grupo (BORELLA; DENARI, 2013).
Mesmo sendo conteúdo principiante na construção da educação física em seu
inicio acadêmico, uma vez que os conteúdos inicias da educação física eram os métodos
ginásticos, atualmente a ginástica não dispõe de muito espaço dentro da educação física
escolar, e quando presente, muitas vezes sucumbe ao tecnicismo esportivizante, o que
limita todos os benefícios que poderiam ser alcançados em prol dos alunos, seja por falta de
conhecimentos a respeito do tema pelo professor, seja por resistência dos alunos e da
própria instituição escolar. Contudo, com persistência e uma organização pedagógica
adequada, as aulas de ginástica podem ser uma oportunidade de envolver os alunos numa
forma de vivência prazerosa e respeitosa às diversidades de cada um.
4.4 Tonalidade 4 - jogo
O conteúdo do jogo abarca inúmeras possibilidades e pode ser explorado em
múltiplas faces. Com isso, não há um consenso entre os estudiosos sobre uma definição
exata desse conteúdo, considerando que o jogo extrapola e não se reduz a conceitos
teóricos.
Considerações pertinentes relacionadas à temática foram desenvolvidas, como
por Huizinga (2004), o qual compreende o jogo como uma atividade lúdica regida por
regras específicas na qual ocorre uma fuga da realidade durante um determinado momento,
com um limite definido de seu início, fim e local. Ainda segundo esse autor, o jogo está
presente no mundo mesmo antes do desenvolvimento das sociedades e da cultura humana,
uma vez que até mesmo os animais desenvolvem espécies intuitivas de jogos entre si, com
ludicidade e algumas regras como a não permissão de morder e machucar durante uma
brincadeira entre dois cachorros.
Já o Coletivo de Autores (1992) conceitua o jogo como uma invenção humana
95
baseada na intencionalidade do jogador que, ao buscar um objetivo, passa a compreender o
significado de seus atos e se conscientizar das consequências destes.
Em estudo sobre o tema, Caillois (1990) propôs uma divisão dos jogos em
quatro categorias, sendo elas: Agôn – jogos de competição como corrida e xadrez -, Alea –
jogos de sorte como cara ou coroa e dados -, Mimicry – jogos de simulacro, de imitação de
uma realidade ilusória como nos jogos infantis de faz de conta -, e Ilinx – jogos de vertigem
como movimentos de acrobacia e carrossel.
Posteriormente, da preocupação com o individualismo e competição
exacerbados da sociedade moderna, surgiu uma nova possibilidade: o jogo cooperativo.
Neste, a ênfase é colocada sobre as relações interpessoais numa busca pelo bem comum e o
respeito entre os jogadores. Dessa forma, os participantes relacionam-se uns com os outros
visando a conquista de um objetivo em comum, na qual a finalidade não é jogar contra mas
jogar com o outro (BROTTO, 1999).
Já abarcando essa nova temática, os PCN (BRASIL, 2000) classificam esse
conteúdo quanto a sua forma de exploração, a qual pode ser por meio de caráter
cooperativo, recreativo ou competitivo, conforme ilustrado na Figura 22.25
No referido
documento, os jogos são classificados em jogos regionais, jogos de salão, de mesa, de
tabuleiro, de rua e por brincadeiras infantis.
25
A pintura de Henri Matisse ilustra uma das categorias do jogo: o jogo competitivo, por meio do retrato de
um jogo de boliche.
96
Figura 22 - Henri Matisse. Um Jogo de Boliche. 1908.
Fonte: www.abcgallery.com
Como conteúdo educacional, o jogo foi amplamente difundido e sua utilização
passou a ser explorada não apenas pela educação física, como também pelas demais
disciplinas, uma vez que o caráter lúdico passou a ser compreendido como facilitador e
estimulador das múltiplas dimensões do processo de ensino-aprendizagem – como a
psicossocial, motora, cognitiva, afetiva e moral – além da conscientização da capacidade
deste conteúdo em estimular a adaptação e autonomia do aluno ao buscar escolhas mais
adequadas frente aos possíveis erros e acertos. São benefícios que não se restringem a um
conteúdo específico da grade curricular, mas também se refletem no comportamento e na
formação cidadã dos alunos.
Especificamente na educação física, segundo o Coletivo de Autores (1992),
além da vivência de um repertório rico e vasto culturalmente, o jogo possibilita uma
compreensão e modificação de dada realidade, induzindo a criança a pensar e agir
escolhendo suas ações de forma consciente para alcançar determinado objetivo. Baseado na
imaginação torna-se um fator de desenvolvimento ao permitir, por meio da ludicidade, a
compreensão das regras sociais e a ampliação da capacidade de tomada de decisão.
Ainda com fundamentação nos ideais dos autores acima, o trabalho educacional
97
com os jogos pode explorar o conhecimento de diversas temáticas como sobre diferentes
materiais e objetos, as relações espaço-temporais, as relações interpessoais, o
desenvolvimento da capacidade de organização dos próprios jogos e recriação de suas
regras, o desenvolvimento do pensamento técnico-tático, conhecimentos sobre a arbitragem
dos jogos e sobre as capacidades físicas empregadas, assim como sobre a relação escola-
comunidade.
Complementando, os PCN (BRASIL, 1998) sugerem que educação física
escolar explore e valorize os jogos cooperativos e recreativos, estimule o trabalho em
equipe e a criação de novas brincadeiras e jogos, reflita sobre a transformação sofrida pelos
jogos e brincadeiras ao longo dos anos e construa técnicas e táticas coletivamente para
solucionar as situações de jogo.
Tal conteúdo também deve ser trabalho com um fim em si mesmo, construindo
conhecimento a respeito da diversidade presente por este tema, como sobre os diferentes
tipos de jogos, as suas variações regionais e classificações.
Ademais, por meio dos jogos, o processo inclusivo pode ser facilitado, uma vez
que esse conteúdo possibilita maior flexibilidade das regras, do local, do material e do
próprio objetivo final, o qual pode ser reconstruído em cada aula segundo as necessidades e
interesses da turma. Abarcado pelo caráter lúdico, cativa os alunos para a atividade
facilitando a interação destes com a aula e sua imersão na realidade inclusiva proposta.
Os jogos tornam-se ferramentas facilitadoras da inclusão, ainda, por
proporcionar a exploração de situações de afetividade, interação e ludicidade, estimulando
a superação da timidez e a maior participação do aluno com alguma condição de deficiência
(o qual pode ter sentimentos de constrangimento devido a sua condição), estimulando a
cooperação entre todos do grupo em prol do alcance de um objetivo, fortalecendo os laços
de união e respeito e valorizando a pessoa com deficiência frente aos colegas com
consequente melhora da autoestima desta (GIL, 2002).
O caráter inclusivo desse conteúdo destaca-se quando se observa que, conforme
apontamento dos PCN (BRASIL, 2000), por meio da simbologia e ludicidade, as regras
passam a exigir a atenção dos participantes e a compreensão destes sobre suas funções,
possibilitando constantes ajustes e reconstruções coletivas destas em prol da participação
98
ativa de todos.
Os jogos compreendem um espaço relevante da infância, proporcionando ao
professor uma diversidade de trabalhos os quais já é familiarizados e apreciados pelos
educandos. Sem resistência por parte dos alunos para com essas atividades lúdicas, ideais,
como os inclusivos, são mais fáceis de serem incorporados e discutidos durante as aulas.
4.5 Tonalidade 5 - luta
A luta pode ser compreendida, segundo os PCN (BRASIL, 2000), como um
conjunto de movimentos corporais nos quais há uma disputa com um oponente
fundamentada em ações de ataque e defesa, utilizando, para isso, estratégias de
desequilíbrio, de contundir, imobilizar ou eliminar o adversário.
Segundo Marta (2010), as lutas vivenciadas no Brasil são oriundas, em sua
grande maioria, de imigrantes do Oriente, sendo o Japão o berço do Judô, Karatê, Aikido,
Sumô, Kendo e Jujitisu; a China do Tai Chi Chuan e Kung-Fu; e a Coreia do Sul a
originária do Taekwondo, por exemplo. Dessa forma, trata-se de um conteúdo que
extrapola a sociedade local e proporciona o conhecimento de diferentes culturas.
Visando maior compreensão sobre esse conteúdo, vale ser trazida a
classificação proposta por Gomes (2008). A autora categoriza a luta em: lutas de curta
distância (nas quais os lutadores mantêm-se praticamente em contato direto um com o
outro, utilizando as habilidades de desequilibrar, rolar, projetar, cair, controlar e excluir);
lutas de média distância (onde há situações de aproximação e afastamento entre os
adversários, os quais mantém entre si um espaço moderado e abdicam das habilidades de
tocar, golpear, chutar e socar); e as lutas de longa distância (nestas, há uma distância maior
entre os lutadores, os quais passam a tocar um no outro pela manipulação de um
instrumento, sendo a postura, empunhadura e manipulação as principais habilidades
requeridas).
Um tema a mais possível de ser trabalhado dentro deste conteúdo é a capoeira.
Este trabalho retrata a capoeira no contexto da luta por esta englobar os princípios presentes
nesse conteúdo, como os movimentos simuladores de ataque e defesa e a imprevisibilidade.
99
Contudo, seu encaixe dentro do conteúdo de dança, como fazem muitos autores, é
perfeitamente aceitável, uma vez que abarca uma série de movimentos ritmados com
instrumentos musicais específicos. Com divergências entre os estudiosos sobre a
classificação desta prática, a importância é o trabalho com esse elemento da cultura
corporal e sua não negação ou ocultamento no âmbito escolar, seja por meio da dança ou
pela luta.
A capoeira, ilustrada na Figura 2326
, é composta por um conjunto de gestos que
expressam a busca pela liberdade do oprimido por meio do próprio corpo, tendo seus
movimentos e ritmos relação com a luta de emancipação da população negra no Brasil.
Tornou-se um tema cultural riquíssimo a ser explorado pelas escolas, trazendo além das
habilidades motoras, a cultura africana e as questões sócio históricas inculcadas nessa
temática (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Figura 23 – Rosina Becker do Valle. Capoeira. 1966.
Fonte: www.tntarte.com.br
Enquanto conteúdo escolar, tanto a capoeira quanto as demais modalidades da
luta permitem a exploração das diversas habilidades específicas do contexto do tatame e
26
A tela de Rosina B. do Valle retrata uma roda de capoeira, ilustrando a temática discorrida no parágrafo
acima.
100
também a compreensão de questões pertinentes à sociedade na qual os educandos estão
inseridos. Segundo os PCN (BRASIL, 1998, 2000), a luta enquanto conteúdo educacional
pode explorar a compreensão da relação histórico cultural deste conteúdo com a
transformação das sociedades, o conhecimento a respeito dos diversos princípios de
filosofia que regem as práticas, a reflexão sobre a diferença entre a luta e a violência social,
o conhecimento das capacidades físicas e habilidades motoras enfatizadas nas diversas
modalidades e a vivência das técnicas, táticas e regras. Propõe ainda que, o educador
desenvolva as atividades pedagógicas fundamentado em atividades recreativas e
competitivas com base nos aspectos históricos e ideais presentes em cada modalidade.
Pouco explorada como conteúdo escolar e vista por muitos como incitadora de
violência e agressividade, devido ao desconhecimento a respeito desse conteúdo, a luta
pode se transformar justamente no oposto, como uma forma de movimento corporal que,
além de proporcionar a compreensão e respeito acerca de culturas de diferentes países,
ainda possibilita o desenvolvimento de valores de cooperação e ética, autocontrole, reflexão
sobre suas próprias atitudes, sem falar das habilidades específicas já mencionadas como
equilíbrio, coordenação, força e rápida reação.
Como dito anteriormente, nenhum conteúdo por si só é benéfico ou nocivo para
os alunos, mas todos são dependentes da forma como o professor os organiza
metodologicamente.
Em relação à inclusão de alunos com deficiência, a luta exige poucas
adaptações, podendo ser executadas atividades com vendas, sentados, e até mesmo com um
único objetivo simples - como tentar deslocar o oponente de uma área -, auxiliando o
ensino para pessoas que possuam maior dificuldade de compreensão, como no caso da
Síndrome de Down, ou com alguma outra condição de deficiência intelectual.
Segundo Gomes (2008), a metodologia mais adequada para o trabalho com esse
conteúdo visando à inclusão escolar é aquela na qual o professor cria novas técnicas em
substituição às tradicionais, enfatizando os fundamentos de ataque e defesa antes do
emprego das técnicas com um trabalho inicial de compreensão da dinâmica interna da
modalidade. Deve-se, por conseguinte, oferecer diferentes meios para executar
determinados movimentos e atividades ao invés de padronizar uma única forma como a
101
mais adequada. Assim, todos adquirem a possibilidade de participarem ativamente e de
vivenciarem o conteúdo de forma respeitosa as suas características, e sem menosprezo às
diferentes capacidades para a execução dos movimentos.
Podemos explorar os princípios condicionais das Lutas considerando a
deficiência de um aluno, oferecendo a ele possibilidades e oportunidades de
prática e resolução de problemas. Podemos explorar suas potencialidades em
detrimento das desvantagens que uma determinada deficiência pode provocar. O
tipo de deficiência pode gerar a melhor adaptação de um aluno nos grupos de
aproximação (curta, média e longa distância), porém cabe ao professor promover
a vivência da dinâmica das Lutas em todas as situações, através da utilização de
estratégias e da criação de regras que permitam a utilização de todo o seu
potencial (GOMES, p. 102, 2008).
Pode-se, também, serem trazidas as lutas adaptadas para conhecimento e
vivência dos educandos a respeito dessas modalidades específicas para pessoas com
deficiência, como a esgrima em cadeiras de rodas e o judô para pessoas com deficiência
visual. Modalidades oficiais das paraolimpíadas, estas podem auxiliar na superação dos
estereótipos de debilidade das pessoas com deficiência e na construção dos ideais de
possibilidade de superação e de capacidade presentes em todas as pessoas.
A luta é um conteúdo composto por modalidades oriundas de diferentes
culturas, proporcionando vivências de movimentos corporais enobrecedoras para todos os
envolvidos. Ademais, pode ser mais um facilitador do processo inclusivo ao refletir sobre
essas diferenças culturais, valorizar a diversidade individual e permitir a oportunidade de
participação ativa por meio de aulas flexíveis e possíveis de serem realizadas por todos.
102
5 DELIMITANDO OS PINCEIS: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL –
A SÍNDROME DE DOWN
O contexto educacional inclusivo exige preparo, capacitação e adequação do
ensino segundo as necessidades individuais. Essas necessidades são varáveis e mutáveis
assim como a diversidade presente em cada pessoa. Contudo a delimitação de alguns
conhecimentos acerca de formas de atuação e características gerais de determinada
condição se faz necessária ao proporcionar uma base de conhecimentos prévios e
capacitação para atuar em situações de alta probabilidade de ocorrência na prática, como no
caso de uma deficiência específica.
Observando uma pintura da realidade, especificar os pincéis nos quais a
pesquisa foi pensada tem importância relevante. Sendo o tema do trabalho referente à
inclusão de alunos com Síndrome de Down – uma das causas da deficiência intelectual- na
escola regular, um detalhamento dessa população torna-se imprescindível.
A deficiência intelectual é uma condição na qual o funcionamento intelectual é
inferior ao esperado e considerado como padrão, refletindo-se em diversas dimensões como
no relacionamento e comportamento social, psicomotor, cognitivo e afetivo.
Com relação à nomenclatura, reforça-se atualmente o termo “deficiência
intelectual” em substituição ao antigo “deficiência mental”. A alternância da definição em
questão foi de fato consolidada por uma das organizações mais representativas do tema, a
American Association of Mental Retardation (AAMR) – Associação Americana de Retardo
Mental - ao transformar-se em American Association on Intellectual and Developmental
Disabilities (AAIDD) – Associação Americana de Deficiência Intelectual e de
Desenvolvimento -, em 2007. Nesta definição, aspectos funcionais são considerados em
detrimentos dos unidimensionais, englobando as dimensões das habilidades intelectuais,
comportamentos adaptativos, participação, interações e papéis sociais assumidos, saúde e
contexto no qual a pessoa está inserida, conforme entendimento de Pan (2008).
O termo estabelecido teve inicio oficial em 1995, pela Organização das Nações
Unidas, no Simpósio “Deficiência Intelectual: Programas, Políticas e Planejamento para o
103
Futuro”, realizado em Nova York, ao entender, segundo Sassaki (2005), a deficiência
intelectual como alterações no funcionamento do intelecto, enquanto a “deficiência mental”
como um termo erroneamente confundido com “doença mental” ou “transtorno mental”,
nos quais há uma alteração na mente em quadros patológicos exigentes de tratamento
medicamentoso.
Uma das principais causas da deficiência intelectual, e com maior presença no
âmbito educacional, é a Síndrome de Down. Com precárias compreensões sobre a
condição, equivocadas ideias pré-concebidas trazem transtornos às pessoas com essa
condição. Especificamente no âmbito escolar, a pessoa com essa condição tem, em muitos
momentos, negada a participação e a sua capacidade de aprendizagem, por
desconhecimento de suas potencialidades e pela ênfase na sua dificuldade em relação aos
aspectos intelectuais (SOLER, 2005).
Especificar essa deficiência é uma forma de esclarecer e propagar
conhecimentos a respeito da mesma, única forma eficiente de estruturar um ensino e uma
convivência qualificados e respeitosos.
5.1 Pincel n°1 - Síndrome de Down
As características mais visíveis da Síndrome de Down foram observadas já na
Antiguidade, mesmo ainda sem conhecimento a respeito dessa condição. Segundo Leite,
Rodrigues e Araújo (2013), referências sobre essa deficiência já foram relatadas na Bíblia e
no Alcorão, no papilo Terapêutico de Tebas em 1552 a. C. e no Código do Hamurabi em
2100 a. C. Apesar desses relatos e de materiais bibliográficos serem escassos, a presença
dessa condição pode ser comprovada, ainda, por pinturas que retrataram essas
peculiaridades, como visualizado na Figura 24.27
27
A tela de Andrea Mantegna traz uma pintura da Virgem Maria com o menino Jesus, o qual é retratado com
as características da Síndrome de Down, sendo esta tela uma das comprovações da presença de pessoas com
deficiência nos séculos anteriores.
104
Figura 24 - Andrea Mantegna. A Virgem e a Criança. 1495.
Fonte: www.wikipaintings.org
Sem compreensão e desenvolvimento científico sobre a questão, o transitar das
décadas propagou errôneas e preconceituosas ideias a respeito, relacionando as pessoas
com essas características a uma forma humana primitiva, próxima ao macaco, quando não
aos seres sub-humanos desprovidos de intervenção divina, ou seja, influenciados por maus
espíritos. Apenas a partir do século XVII, com o advento do Iluminismo e o
desenvolvimento científico, a medicina interviu com compreensões baseadas em aspectos
fisiológicos (PESSOTI, 1984).
A ciência ainda galgava tímidos passos e a precariedade de conhecimentos
impediu um amplo entendimento sobre a condição nesse momento. Contudo, os ideais
místicos sobre a deficiência intelectual, os quais contribuíam para a segregação e, muitas
vezes, destinaram à morte essas pessoas, tiveram um início de contestação com abertura de
espaço para outras possibilidades de compreensões - como as científicas.
105
Alcançando o ano de 1866, segundo Soler (2005), Stray-Gundersen (2007) e
Leite, Rodrigues e Araújo (2013), o médico inglês John Langdon Down reuniu e descreveu
as características específicas da Síndrome de Down na Real Academia de Londres – com
primária denominação de Idiotia Mongoloide -, diferenciando-as de outras condições e
contribuindo com os primeiros passos para sua descoberta a qual, em 1959, com a evolução
específica da ciência genética, teve sua causa compreendida - uma alteração genética
detectada por meio de um estudo de cariótipo, ou seja, um estudo da organização dos
cromossomos.
O cientificismo proliferou-se norteando os novos conceitos. Se a ciência pode
ser entendida como uma área em constante evolução e permanentemente inacabada, em
relação à Síndrome de Down esse entendimento também se fez presente com
desenvolvimento de questionáveis teorias em busca de respostas definitivas, as quais ainda
hoje são inexatas.
De início, o determinismo biológico adquiriu espaço e consideração científica
promulgando e divulgando o entendimento das características dos seres humanos como
inatas, sendo a medicina ou qualquer outra possibilidade de intervenção ineficaz e incapaz
de atuar em direção às determinações genéticas. Consequentemente, difundiu dois grandes
equívocos - a graduação, com objetivo de ordenar todas coisas ascendentemente, e a
reificação, visando a mensuração de todas as coisas, inclusive das abstratas como a
inteligência (GOULD, 1991).
Com isso, testes de inteligência passaram a ser desenvolvidos objetivando a
mensuração da capacidade intelectual dos indivíduos e a identificação e classificação das
pessoas com condições que desencadeavam a deficiência intelectual. Frente a esse
destaque, entre os séculos XIX e XX, com iniciativas de Alfred Binet, passaram a ser
desenvolvidos testes com o objetivo de mensurar a inteligência denominados de Testes de
Quociente Intelectual (QI). Esses testes classificavam um indivíduo com dificuldades
intelectuais nas categorias “leve”, “moderada” e “severa” ou “profunda”, segundo um
resultado obtido por valoração numérica frente às respostas corretas das perguntas as quais
eram submetidos, perguntas estas com respostas pré-determinadas rigidamente, conforme
explicado por Déa e Duarte (2009).
106
Esses testes difundiram-se com finalidades que divergiam desde
encaminhamento dessas pessoas à educação em instituição especiais até à esterilização dos
indivíduos classificados como deficientes em prol de aspectos eugênicos. Posteriormente,
severas críticas baseadas em novas concepções científicas de desenvolvimento de métodos
de pesquisas e de conhecimentos fisiológicos culminaram no questionamento de seu uso
destinado à classificação das pessoas. Tal questionamento foi fundamentado no
entendimento deste ser ineficiente ao analisar apenas uma forma específica de raciocínio
intelectual, sem levar em conta outras dimensões e características, como a própria
capacidade de desenvolvimento de uma pessoa e as influências externas.
Corroborando, Ziliotto (2007) afirma que nestes testes há uma classificação e
rotulação das crianças, as quais devem se adaptar a um exame rígido pré-elaborado. Esses
rótulos podem implicar em negativas consequências para o aluno, uma vez que tendo
resultado inferior à média padronizada, tanto ele próprio quanto seu professor desenvolvem
uma visão de inferior capacidade, denegrindo o autoconceito e estimulando sentimentos de
rejeição. Como se não fosse o bastante, o próprio teste pode induzir a resultados errôneos,
ao ser conduzido inadequadamente ou não considerando a possível falta de compreensão da
criança com o vocabulário do avaliador.
É notório como o próprio progresso científico com compreensões mais
profundas sobre essa condição de deficiência e sobre o desenvolvimento de um ser humano
influenciado por múltiplas dimensões contribuiu para o questionamento da continuidade de
uso desses testes, e para o desenvolvimento de novos conhecimentos.
Dessa forma, foi compreendido pela ciência, por conseguinte, a Síndrome de
Down como uma alteração na qual ocorre a presença de um cromossomo extra em
determinadas células, induzindo a uma heterogeneidade de características e interferências
no desenvolvimento motor, intelectual e psicossocial.
Diferentemente da área científica, para a população em geral essas
compreensões ainda não foram completamente estabelecidas, sendo inexistentes, quando
não escassas, errôneas ideias baseadas em magia ou mito, porém ainda persistindo
desconhecimento a respeito das características dessa condição e até mesmo continuidade no
uso de testes de mensuração de inteligência.
107
Por conseguinte, faz-se necessário uma retomada de alguns conceitos
biológicos, mesmo que de forma simplicista, visando facilitar a compreensão da Síndrome
e de suas possíveis características, sem abusar de complexas terminologias. Com o auxílio
de Stray-Gundersen (2007), Cunningham (2008) e Déa e Duarte (2009) é esclarecido
melhor nos parágrafos seguintes, o que é e como ocorre a condição em questão, passo
fundamental para maiores esclarecimentos à população e para educadores estabelecerem as
necessidades de adaptações para um ensino com qualidade a essas pessoas, frente às
possíveis adequações que essa condição em particular pode exigir num processo
educacional.
De forma inicial, é sabido que o corpo humano é constituído por unidades
denominadas de células, cada uma destas contendo 23 pares de cromossomos, totalizando
46. Cada cromossomo contém os genes do ácido desoxirribonucleico - o DNA -, o qual
determina todas as características de uma pessoa. Durante o processo de fecundação e
formação de um indivíduo, tem-se como processo inicial a formação de uma nova célula
através da união de 23 cromossomos maternos com mais 23 cromossomos paternos.
Posteriormente, esta célula sofre múltiplas divisões, formando todos os tecidos e estruturas
corporais, assim como suas características.
Na Síndrome de Down, durante esse processo multiplicatório, ocorre uma falha
no número e distribuição dos cromossomos, afetando o desenvolvimento de algumas
estruturas do ser humano a ser formado. Essa falha pode acontecer de três maneiras
distintas: por Trissomia do 21 – na qual ocorre a presença de um cromossomo a mais no par
21 , sendo a causa de cerca de 95% das pessoas com Síndrome de Down -, por
Translocação – quando o cromossomo extra do par número 21 desloca-se para o par 14,
sendo a causa de cerca de 3% das pessoas com a Síndrome – e por Mosaico – quando
algumas células possuem o cromossomo extra e outras não, sendo a causa de apenas 2%
dos casos.
As causas pelas quais essa alteração cromossômica ocorre ainda não foram de
fato esclarecidas no âmbito científico. Alguns fatores são apontados como predisponentes
ao desenvolvimento da Síndrome, porém entre estes, apenas o fator da idade materna
recebeu um consenso entre os especialistas, sendo os outros ainda questionados. Dessa
108
forma, considera-se que, em mulheres acima de 35 anos, quanto maior for sua idade maior
será a probabilidade de gerar uma criança com essa condição de deficiência.
A ocorrência dessa alteração genética culmina na apresentação de
características específicas para as pessoas por ela acometidas. No entanto, essas
particularidades são possíveis de aparecerem, mas não uma regra geral, uma vez que apesar
de algumas características serem mais presentes, há grande variação das demais entre as
pessoas com a Síndrome de Down.
Dentre as características apresentadas com maior frequência estão a boca
pequena e com lábios finos, a língua protusa, o palato em ogiva, o nariz mais alargado e
plano com vias nasais mais estreitas, mãos e pés largos com dedos curtos e grossos, cabeça
pequena com sua parte posterior e rosto achatados, cabelos esparsos e finos, fissuras
palpebrais obliquas - olhos com leve inclinação para cima -, olhos com pregas epicânticas -
dobras de pele alocadas no canto interno dos olhos -, orelhas pequenas e com baixa
implantação, baixa estatura e sobrepeso. São ainda possíveis de acometimento alterações
ortopédicas como hipermobilidade articular e coxofemoral e hipotonia muscular;
dificuldades na visão com maior propensão ao desenvolvimento de miopia, estrabismo,
astigmatismo e catarata; maior probabilidade na ocorrência de dificuldades na audição,
doenças cardíacas, problemas no sistema respiratório e gastrointestinais; possíveis
alterações no sistema nervoso central, como epilepsia e mal de Alzheimer; atraso no
desenvolvimento físico e intelectual; dificuldades de equilíbrio, de percepção, e de
manutenção da atenção devido à menor capacidade em reter informações na memória de
curto prazo; dificuldades de linguagem, de comunicação, de habilidades motoras e de
diferenciação da percepção de diferentes sensações - táteis, auditivas, visuais, por exemplo
-; além de possíveis comportamentos agressivos (WINNICK, 2004; GORGATTI; COSTA,
2005; DÉA; DUARTE, 2009).
Dentre as características citadas, o funcionamento intelectual abaixo da média
padrão recebe maior atenção por influenciar diretamente o desenvolvimento cognitivo e a
realização das atividades da vida social, como autocuidado, interação social e desempenho
educacional.
Como visto, as pessoas com Síndrome de Down podem apresentar uma
109
heterogeneidade de características e, assim como qualquer pessoa, pode ter maior
dificuldade em uma determinada ação, porém desenvolver outras de forma admirável, além
da influência de uma dimensão sobre as outras que pode facilitar ou não seu
desenvolvimento. A diversidade é intrínseca ao ser humano, e o conhecimento a respeito
das questões e possíveis características referentes a uma Síndrome devem ter a finalidade
de auxiliar no desenvolvimento dessa pessoa, e não de agrupá-las em classes hierarquizadas
– como com a atuação dos testes de inteligência.
Com novas compreensões a respeito da pessoa com deficiência a partir da
década de 60, as questões sociais e culturais também passaram a ser consideradas como
influenciadoras no desenvolvimento das diferentes potencialidades da pessoa com
Síndrome de Down.
No momento atual, segundo afirmações de Leite, Rodrigues e Araújo (2013), o
não investimento, e até mesmo a não crença, nas potencialidades de desenvolvimento de
uma pessoa com deficiência intelectual, tornam-se inaceitáveis.
Vivencia-se, portanto, uma transposição do equivocado modelo de
enquadramento dos alunos às avaliações quantitativas para as possibilidades da pessoa e
formas de adequar qualitativamente o sistema de ensino aprendizagem para todos.
5.2 Pincel n°2 - inclusão educacional das pessoas com Síndrome de Down
O trabalho com todas as diferentes dimensões as quais compõe um ser humano
tem espaço educacional garantido legalmente, conforme definido pela Lei de Diretrizes e
Bases de 1996 (BRASIL, 1996). Contudo, a escola, durante maior parte da sua história e
ainda em muitos momentos atuais, prioriza o desenvolvimento das habilidades intelectuais
em detrimento das outras dimensões.
Sabendo que as principais características da pessoa que possui a Síndrome de
Down são o atraso e a dificuldade no desenvolvimento intelectual, já se antecipa uma
compreensão de serem muitas as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que possuem essa
condição em frequentarem o ambiente educacional.
Contextualizando o dilema, em período anterior à Idade Média, não há
110
literatura nem conhecimento aprofundado a respeito das pessoas com deficiência
intelectual. Posteriormente, começaram a surgir os primeiros relatos de compreensão da
sociedade a respeito das pessoas com essa condição serem também seres humanos e não
objetos, como considerado até o momento anterior. Com isso, de acordo com Pessoti
(1984), no século XVII, na Bélgica, surgiu a primeira instituição destinada ao recebimento
das pessoas com deficiência intelectual, garantindo sua sobrevivência neste primeiro
momento.
Iniciou-se, consecutivamente, um processo de institucionalização, com a
criação de instituições que recebiam as pessoas com deficiência que eram abandonas ou
necessitavam de cuidados especiais. Destaca-se que, entre os séculos XVII e XVIII, esse
processo manteve-se em duas vertentes, na qual as pessoas com deficiência oriundas de alta
classe social recebiam atendimento médico especializado na busca pela cura, e as pessoas
pertencentes às mais baixas classes da sociedade eram apenas afastadas da comunidade em
uma segregação por meio de orfanatos, manicômios e prisões (SILVA; SEABRA JUNIOR;
ARAÚJO, 2008).
Com a influência de ideias liberais e o tímido, porém já inicial, questionamento
das teses do Determinismo, entre os séculos XVIII e XIX, principiaram-se as raízes para o
desenvolvimento de um processo educacional para essas pessoas já num ideal precursor da
possibilidade de educabilidade dessas pessoas. Uma primeira prática educacional aconteceu
em, aproximadamente, 1800. Contrariando a até então conceituação da determinação
genética da incapacidade educacional da pessoa com deficiência intelectual fundamentado
no Determinismo, o médico Jean Marc Itard propôs uma experiência de ensino educacional
baseada em aspectos da neurofisiologia a Victor, um menino selvagem considerado
ineducável do ponto de vista intelectual por ter vivido até o momento isolado em uma selva
de Aveyron, conforme ilustração na Figura 25.28
Itard desenvolveu, por conseguinte, o
início de um método educacional especial destinado às pessoas com alguma deficiência
intelectual. Posteriormente, o também médico francês Edouard Seguin, estudou e
desenvolveu mais profundamente o primeiro método de ensino desenvolvido pelo seu
28
A tela de Karel Appel retrata um menino selvagem, ilustrando a temática do parágrafo anterior referente ao
menino Victor de Aveyron.
111
antecessor com a utilização de materiais didáticos, músicas, cores e atividades
complementares para auxiliar a criança no seu aprendizado. Num terceiro momento, Maria
Montessori, médica e educadora, enfatizou os aspectos pedagógicos ao incorporar ao
sistema de ensino das pessoas com deficiência intelectual o conceito de “autoeducação”, no
qual muitos materiais eram empregados como meio de auxílio ao processo educacional,
como blocos e materiais coloridos, recorte, encaixes e letras em relevo (MATOS, 2003).
Figura 25 – Karel Appel. Menino Selvagem. 1954.
Fonte: www.stedelijkmuseumschiedam.nl
Com influência educacional e científica do exterior, surgiram no Brasil os
primeiros trabalhos educacionais destinados especificamente à educação das pessoas com
essa condição de deficiência. Em 1874, deu-se início a um atendimento desenvolvido junto
ao Hospital Juliano Moreira, em Salvador, na Bahia; e em 1887, foi inaugurada a Escola
México, no Rio de Janeiro (JANNUZZI,1992).
112
O desenvolvimento científico relacionado ao tema, a partir do século XX,
iniciou seu caminhar no país. Em 1900, uma primeira monografia intitulada de “Tratamento
dos Idiotas” foi apresentada por José Carlos Eira no IV Congresso de Medicina e Cirurgia,
no Rio de Janeiro. Em 1913, o livro “Tratamento e Educação das Crianças Anormais de
Inteligência” foi publicado por Basílio de Guimarães. Já em 1963 ocorreu no Rio de Janeiro
o primeiro Congresso Nacional sobre Deficiência Mental e, em 1966, fundou-se a
Associação Brasileira de Deficiência Mental (ABDM), a qual deu início às publicações da
Revista Brasileira de Deficiência Mental (LEITE; RODRIGUES; ARAÚJO, 2013).
Nos aspectos educacionais, a prática da educação especial ocorreu por meio da
criação de instituições especializadas e de classes especiais dentro das escolas regulares,
conforme revelado no capítulo referente à escolarização das pessoas com deficiência. Sem
dispor de relevante atenção política, organizações foram estruturadas propondo um
atendimento baseado em conceitos médicos e, apenas posteriormente, pedagógicos e
psicológicos baseados na difusão das concepções do humanismo, o qual exaltava a
valorização de todos os seres humanos. Dessa forma, foram instituídas, nos anos
posteriores a 1900, a Sociedade Pestalozzi - fundada por Helena Antipoff, destinada
especificamente ao ensino de pessoas com deficiência intelectual – e as Apaes –
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais -, as quais, dentre outras instituições que
foram surgindo, desenvolvem até os dias de hoje atendimento de qualidade para as pessoas
com essa condição, até então desprovidos pelo governo (DIEHL, 2006).
Esse iniciar da educação da pessoa com deficiência intelectual no Brasil em
instituições e classes especiais estruturou-se baseada em duas vertentes, segundo Jannuzzi
(2006). De início uma vertente médico-pedagógica empregou como profissionais para
atuação na área os médicos e os pedagogos especializados fundamentados no higienismo, o
qual buscava identificação e controle de patologias que causassem e propagassem
deficiências, as quais eram entendidas como um entrave para o progresso do país.
Secundariamente, a vertente psicopedagógica, baseada em mensurações e quantificações da
inteligência, atuou na identificação e alocação de pessoas com deficiência intelectual em
ambientes educacionais separados objetivando alta produtividade acadêmica.
O caminhar consecutivo para o acesso às escolas comuns e ao sistema de ensino
113
inclusivo ocorreu concomitantemente com as outras deficiências, conforme elucidado em
capítulos anteriores, seguindo o caminhar sequencial da normalização, integração e por fim,
inclusão. Contudo, nota-se extrema lentidão para o acesso das pessoas com essa deficiência
ao sistema educacional.
Ainda são constantes relatos de escolas que contrariam a lei recusando a
matricula de alunos com essa condição de deficiência, ou quando os recebem, os mantém
apenas fisicamente nas suas estruturas, sem proporcionar o ensino de qualidade previsto
legalmente.
Essa recusa pode ser compreendida como falta de conhecimento e preparo para
desenvolver um trabalho com pessoas com deficiência intelectual, contudo não pode ser
justificada por esses fatores. Os conhecimentos estão à disposição, cabendo às escolas e
seus profissionais buscarem-nos e não esperarem para se atualizarem apenas quando for
imposta uma obrigação governamental.
Deve haver uma consciência, por parte de todos os profissionais envolvidos no
cenário educacional de que a educação é um direito de todos, e cabe a cada atuante desta
área se adaptar, se atualizar e se preparar para proporcionar a todos um ensino de qualidade.
As dificuldades entre os alunos são variáveis, exigindo do profissional um constante estudo
e busca pelo conhecimento a respeito das diferenças encontradas e de como superar as
dificuldades e alcançar o desenvolvimento das potencialidades de cada um.
5.3 Pincel 3 - aluno com Síndrome de Down na educação física escolar
A aula de educação física escolar deve proporcionar conhecimento a respeito
dos diversos conteúdos da cultura corporal, estimulando o desenvolvimento do aluno em
todas as suas dimensões, considerando além dos componentes biológicos, outros como os
relacionados ao ambiente, afetivo e psicossocial.
O aluno com Síndrome de Down deve alcançar esses objetivos juntamente com
os demais alunos. Para isso, a compreensão das diversas características que a pessoa com
essa condição pode apresentar tem indispensável relevância para que o professor, após
conhecimento das possíveis consequências das interações dessas características específicas
114
da condição com a prática de uma atividade física, possa adaptar as atividades e
proporcionar um ensino com qualidade.
Ressalta-se, mais uma vez, que essas particularidades apresentadas nos
capítulos anteriores são acometimentos possíveis, não sendo obrigatoriamente todas
apresentadas pela pessoa que possui a Síndrome em questão. Porém, o professor deve estar
preparado e atento às possíveis características que seus alunos possam apresentar para
adequar as atividades de uma forma que não os prejudique e, ao mesmo tempo, proporcione
a vivência do conhecimento ao qual tem direito. Afinal algumas peculiaridades são visíveis,
já ressaltadas em antigas pinturas como mostrado na Figura 2629
, enquanto outras passam
despercebidas num primeiro momento, como alterações cardíacas.
Figura 26 - Jan Joest of Kalkar. Adoração do Menino Jesus. 1515.
Fonte: medicineisart.blogspot.com.br
29
Na pintura de Jan J. Kalkar, o menino ao fundo, observador do menino Jesus, é retratado com as
características faciais de uma pessoa com Síndrome de Down, ilustrando as peculiaridades ditas como visíveis
dessa condição de deficiência.
115
De forma geral, o desenvolvimento psicomotor do aluno com Síndrome de
Down segue as mesmas fases de desenvolvimento de qualquer criança, porém com uma
velocidade mais lenta e necessidade de maior auxílio em relação à compreensão dos
movimentos motores a serem realizados.
Dentre as crianças que possuem a Síndrome, não há homogeneidade de
características nem de ritmo de evolução no desenvolvimento psicomotor, cada criança
possui suas próprias peculiaridades. No entanto, algumas possíveis especificidades exigem
maior atenção durante uma aula de educação física e devem ser desvendadas.
Inicialmente, uma característica a ser considerada é o fato da possibilidade das
pessoas com essa condição apresentarem hipermobilidade, ou seja, maior flexibilidade
articular, podendo estar associada à instabilidade atlantoaxial e/ou coxofemoral. Isso exige
dos professores cuidados especiais com alongamentos excessivos e com atividades que
causem grande impacto ligamentar, especificamente na articulação da coluna cervical,
como ocorrem nas cambalhotas e cabeceios de bola, uma vez que essa característica
hipermóvel pode facilitar a ocorrência de uma lesão articular e também da própria coluna
cervical (LEITE; RODRIGUES; ARAÚJO, 2013). Nesses casos, exercícios de
fortalecimento da musculatura ao redor das articulações podem beneficiar o aluno
auxiliando a estabilização das mesmas e diminuindo a propensão a lesões.
Já em relação à hipotonia muscular, Winnick (2004) destaca que o professor
deve estar atento às possíveis dificuldades de locomoção, de realização das diferentes
habilidades motoras, de coordenação corporal e equilíbrio, exigindo maior atenção e
instrução. Ademais, atenção excedente deve ser destinada à possível presença de alterações
cardíacas, evitando atividades com grande esforço cardiorrespiratório e monitorando
constantemente as atividades aeróbias.
O mesmo autor enfatiza ainda que, durante o processo de ensino aprendizado,
alguns fatores podem influenciar incisivamente como os problemas de visão e audição, as
dificuldades de reutilização das informações previamente aprendidas, de percepção e de
manutenção da atenção e concentração. Com isso, um ensino concreto baseado na
demonstração das atividades com claras e simples instruções verbais torna-se necessário. O
116
ensino por etapas, sem a exigência da aplicação de muitas habilidades concomitantemente
também é favorável a essa condição, além da utilização de recursos como a exploração de
diferentes tons de voz pelo professor, de materiais coloridos e variados sons, o que o
auxiliam a reter a sua atenção.
Considerando que todos os alunos possuem suas especificidades, dificuldades e
facilidades em distintas atividades, com o aluno com Síndrome de Down não é diferente,
exigindo uma atuação competente e criativa por parte do professor.
A educação física dispende de papel relevante por ser a área que mais
possibilita o desenvolvimento psicomotor através da vivência de diversos movimentos.
Gorla e Araújo (2007) corroboram com essa ideia afirmando que a educação física pode
auxiliar o desenvolvimento da coordenação motora, das capacidades físicas e habilidades
motoras, e até mesmo da alfabetização, o que se reflete na realização das atividades de vida
diária, na socialização, no processo educacional e em toda a qualidade de vida desse
segmento populacional.
Além das questões com ênfase motora, o aluno com Síndrome de Down pode
apresentar ainda dificuldades na fala e na comunicação com os demais. Essas
características, associadas à hipotonia muscular a qual diminui a intensidade das expressões
faciais e emocionais, exigem constante atenção do professor para identificar se a atividade
está sendo adequada e também prazerosa ao aluno. Quanto a essa questão, o estímulo
proporcionado pelo professor para que o aluno com a Síndrome se comunique e utilize
diversas formas de expressão com os demais da turma, pode facilitar o desenvolvimento da
comunicação e socialização deste (GORGATTI; COSTA, 2005).
Considerando enfaticamente as dimensões psicossociais nesse momento, as
pessoas com essa deficiência estão envoltas em sentimentos conflitantes, desde dentro de
sua própria casa – quando seus pais tentam aprender sobre e como lidar com a presença de
uma deficiência – até nos diferentes ambientes sociais no quais se inserem, estando imersos
em atitudes desde a superproteção até a recusa e afastamento pelo desconhecimento da
condição. Dentro da escola, esses conflitos também estão presentes e o desenvolvimento
não apenas físico, mas também psicossocial da criança sofre a influência desses
sentimentos e atitudes comportamentais que ocorrem na família e na sociedade. Por
117
conseguinte, tarefas que facilitem o êxito e evitem o fracasso são importantes para que o
aluno estabeleça uma conexão entre a dedicação em realizar uma tarefa e o consequente
êxito, estimulando sentimentos de bem estar que proporcionam maior motivação para a
continuação na prática e se refletem na vida de forma geral.
Nessa dimensão referente à socialização, as pessoas com Síndrome de Down
possuem menor demonstração de suas emoções devido à hipotonia dos músculos e maiores
barreiras quanto à comunicação, conforme mencionado, o que poderia influenciar
dificultosamente suas relações sociais. Porém, de acordo com Cunningham (2008), essas
pessoas são bastante sociáveis e o professor também tem papel relevante nesse cenário,
estimulando sua compreensão a respeito tanto das atividades quanto da organização social e
do ambiente, contornando possíveis comportamentos agressivos e de fuga e estimulando
seu jeito amigável e carinhoso já exaltado.
O contexto histórico e cultural também deve ser resgatado e considerado pelo
professor para que compreenda que os alunos com essa deficiência podem ter baixa
autoestima e até mesmo negação da própria condição devido a sua exclusão social que se
perpetuou por séculos e pela tendência ainda atual de negar e rejeitar as diferenças, numa
sociedade que visa à homogeneização de hábitos, comportamentos e perfis pessoais. Dessa
forma, o estímulo à conversa e ao desenvolvimento da conscientização das diferenças pode
contribuir com a aceitação da própria pessoa com deficiência e de toda a comunidade
escolar.
A escola tem forte caráter socializador, oportunizando ao aluno com Síndrome
de Down o estabelecimento de vínculos afetivos e a construção de laços de amizade e
companheirismo fora da proteção dos pais. Se estimulado o respeito e a compreensão da
inata diversidade humana, o caráter afetivo e social desses vínculos pode auxiliar no
desenvolvimento dos alunos, porém, se a escola for mais um ambiente de recusa e rejeição,
pode prejudicar e dificultar esse desenvolvimento. Nesse sentido, projetos escolares de
aceitação e valorização das diferenças são muito favoráveis ao desenvolvimento de todos
enquanto seres humanos melhores.
O professor, além de ser consciente dessa realidade para atuar de forma
adequada, também tem a possibilidade de auxiliar os próprios pais e demais funcionários e
118
alunos da escola na forma mais correta de se relacionar com uma pessoa com deficiência, o
que pode parecer simples, porém ainda é uma dúvida frequente entre muitas pessoas. Para
isso, deve se relacionar com a criança com deficiência da forma o mais semelhante possível
da empregada com os demais alunos. As ajudas devem sim ser dadas, porém apenas quando
solicitado ou necessário, sem superproteger o aluno, pois isso poderia limitar e impedir que
ele explorasse seus próprios movimentos e desenvolvesse sua consciência corporal, além
de, desta forma, estar auxiliando-o no desenvolvimento de sua independência e autonomia,
que se refletirá no aumento do autoconceito e autoestima.
Ao praticar a inclusão, o professor estimula o inicio de um processo de
conscientização e maior conhecimento não apenas das deficiências, mas das
potencialidades e forma adequada de conviver com a diversidade.
Todas as dimensões devem ser abarcadas, consideradas e respeitadas num
processo de ensino aprendizagem, sendo esta a única forma de fazer da inclusão algo real e
benéfico para todos.
119
6 O QUADRO DA REALIDADE - A PESQUISA
O tema referente à inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares
vem sendo amplamente discutido nos últimos anos. No meio acadêmico, nomenclaturas,
definições e determinações legais a esse respeito foram debatidos exaustivamente,
proporcionando importância inestimável ao esclarecer academicamente e implantar
conceitualmente o tema na sociedade.
No entanto, após essa primeira fase de pesquisas, a perpetuação de constantes
trabalhos limitados a esses mesmos dados, mesmo quando já definidos, difundiu uma
errônea ideia de que o tema está devidamente retratado.
Torna-se necessário destacar que, enquanto houver dificuldades no trabalho e
na implantação de um sistema educacional inclusivo, as pesquisas e trabalhos acadêmicos
são indispensáveis. Cabe neste momento, o desenvolvimento de pesquisas focalizando os
novos impasses originados referentes ao tema. Para isso, avaliações das diferentes
realidades, análises das dificuldades e facilidades e propostas de ações inovadoras são
pertinentes a essa distinta realidade vivenciada pela questão, fato este que estimulou a
abertura de livros, representado aqui pela tela de Juan Gris (Figura 27)30
, e a disposição
prática para elaborar este estudo.
30
A pintura de Juan Gris ilustra o discurso acima citado sobre a abertura de livros para a elaboração de um
estudo.
120
Figura 27 - Juan Gris. O Livro Aberto. 1925.
Fonte: www.juangris.org
6.1 Metodologia
Esse estudo elegeu como temática central a inclusão do aluno com Síndrome de
Down nas aulas de educação física escolar, objetivando identificar e analisar como está
ocorrendo o processo de inclusão desses alunos nos diferentes conteúdos da área – Jogo,
Esporte, Ginástica, Luta e Dança -, fundamentando, em seguida, a elaboração de uma
proposta de trabalho escolar inclusivo e de possibilidades práticas com esses conteúdos, por
meio da Pedagogia de Freinet.
6.1.1 Tipo de estudo
A natureza desta pesquisa é qualitativa. Segundo Ludke e André (1986), nesta a
coleta dos dados ocorre de forma direta no seu ambiente natural por meio de um
pesquisador, sendo estes dados de natureza predominantemente descritiva. A organização
dos dados de forma quantitativa, por sua vez, também foi empregada com finalidade de
contribuição para o entendimento dos mesmos.
Esse trabalho foi composto por um estudo de caso. Este se refere a uma
121
pesquisa na qual um grupo é delimitado dentro de um ambiente amplo para ter suas
características investigadas, visando uma compreensão acerca de dada realidade e sua
possível forma de ocorrência na sociedade. Por conseguinte, esse tipo de estudo permite a
descoberta de novos elementos, aspectos e respostas de determinado fenômeno, mostrando
as variadas dimensões presentes no problema ao retratá-los de forma mais completa e
profunda e buscando o alcance de diferentes pontos de vistas e diferentes fontes de
informação. Para isso, o estudo de caso é composto por três fases, sendo a primeira uma
fase exploratória com a formulação de uma questão e sua pesquisa na literatura, a segunda
uma fase de coleta dos dados e a terceira uma fase de análise e interpretação dos mesmos
(LUDKE; ANDRÉ, 1986).
Especificamente em relação aos dados, sua coleta ocorreu por observação direta
das aulas de educação física de uma turma que possui em seu grupo de alunos dois
integrantes com Síndrome de Down.
A análise foi realizada por categorização a qual, segundo Ludke e André
(1986), refere-se à organização dos dados em categorias ou temas de análise, buscando não
apenas uma descrição, mas possibilitando sua interpretação e a identificação de novos
questionamentos.
Dessa forma, a análise dos dados por categorização permitiu desmembrar os
diversos aspectos referentes à inclusão escolar e a identificação de novos questionamentos
quanto à forma como esta vem se desenvolvendo, servindo de base para a elaboração da
posterior proposta de intervenção, baseada na pedagogia desenvolvida por Célestin Freinet,
visando a atenuação dos entraves encontrados.
6.1.2 População
Compreendeu-se, nesse estudo, uma turma de uma escola particular do
município de Americana composta por 26 alunos do 2° ano do ensino fundamental I, cuja
faixa etária é compreendida entre 7 e 8 anos, sendo destes, dois alunos com Síndrome de
Down – um menino e uma menina - e seu respectivo professor de educação física, os quais
foram analisados por meio de observação direta. Cabe destacar que os alunos com
122
Síndrome de Down anteriormente estudavam nessa escola com a turma da manhã, sendo
apenas esse ano no qual foram observados que foram transferidos para o período da tarde,
por necessidade dos pais. Sendo, portanto, possível observar o primeiro contato e as
aproximações entre os alunos.
6.1.3 Local do estudo
A escolha do local de estudo deve ser feito, de acordo com Ludke e André
(1986), segundo o tema de interesse e sua manifestação neste da forma mais completa, rica
e natural possível.
Dessa forma, foi selecionada para a pesquisa uma escola particular do
município de Americana, interior do estado de São Paulo, a qual atende o maternal, o
ensino infantil e o ensino fundamental I.
A escolha dessa instituição tornou-se propícia por já ser conhecida da
pesquisadora, devido à anterior realização de um estágio curricular obrigatório nesta. Com
isso, era sabido da existência de apoio da administração escolar no desenvolvimento de
pesquisas, garantindo a realização do estudo em sua completude com menores riscos de
impedimento da continuidade deste em momentos posteriores. Ademais, a existência de
dois alunos na mesma sala com a mesma condição exigida pela pesquisa também já era de
conhecimento, fato este que proporcionou um quadro de observação mais completo e
seguro.
Ludke e André (1986) ressaltam ainda que é preciso compreender o contexto no
qual as ações se manifestam para que seja permitido esclarecimento acerca de possíveis
influências do local estudado nos resultados obtidos.
Por conseguinte, vale discorrer que a escola pesquisada possui 10 anos de
criação, atendendo alunos oriundos da classe média da cidade de Americana, em São Paulo.
Está localizada perto da região central da cidade, em bairro que compreende outras
instituições educacionais.
O Colégio possui sua estrutura física composta por salas de ensino infantil,
playground, tanque de areia colorida, brinquedoteca, sala de recreação, berçário com
123
fraldário, parque para o maternal com tanque de areia colorida, cozinha, refeitório, salas de
administração, coordenação e secretaria no andar térreo. Já no segundo andar há as salas do
ensino fundamental I com ar condicionado, quadra coberta, lanchonete, biblioteca e sala de
informática. Atualmente, está em andamento a construção de um prédio anexo visando o
atendimento do ensino fundamental II, referente ao ciclo do 6° ao 9° ano, nos próximos
anos.
Seu quadro de funcionários apresenta grande rotatividade por parte dos
professores, ocorrendo anualmente a troca de alguns educadores, o que não permite a
existência de uma equipe pedagógica fixa. Já administração conta com equipe permanente,
com coordenação presente e atuante desde as atividades burocráticas até a participação em
intervalos e atividades extras classes. Os recursos materiais disponíveis dentro da sala de
aula contam com equipamentos bem conservados. Por outro lado, os direcionados à
educação física encontram-se sem conservação, aparentando necessidade de trocas.
Em relação ao sistema de ensino, este é desenvolvimento por meio de apostilas
do FTD Sistemas de Ensino.
6.1.4 Procedimentos
Como primeira etapa do estudo foi desenvolvida revisão bibliográfica de caráter
exploratório, a qual, segundo Santos (2002), reúne materiais de diferentes fontes de
informação relacionados à temática - impressos e eletrônicos – permitindo não apenas uma
aproximação com o tema, mas também maior entendimento do contexto no qual o
problema está inserido. Por conseguinte, foram pesquisadas como palavras-chaves
“educação física escolar”, “adapted physical education”, “educação inclusiva”, “inclusion
school”, “conteúdos da educação física escolar”, “Síndrome de Down”, “Down Syndrome”
e “Célestin Freinet” na base de dados online e impressas da Faculdade de Educação Física
da Universidade Estadual de Campinas, e especificamente na base Scopus e Edubase.
Foram selecionados os materiais com conteúdos contribuintes segundo o objetivo da
construção dessa inicial revisão literária.
Após encaminhamento da pesquisa para o Comitê de Ética da Universidade
124
Estadual de Campinas, a qual foi aprovada com número de parecer 166.688, foi contatada
uma escola que possui alunos com deficiência intelectual, especificamente com a Síndrome
de Down, através de contatos telefônicos e pessoal com a coordenadoria da escola. Nesta,
foi solicitado e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, alcançado a
permissão da escola para sua participação na pesquisa.
Como segunda etapa, os dados foram coletados por uma pesquisa de campo
composta por um estudo de caso, no qual foram observadas informações acerca de um
grupo delimitado de alunos na localidade onde acontecem os fenômenos, selecionando para
isso um ambiente que possibilitou reconhecer e analisar algo já delineado e construído na
literatura, conforme definição de Ludke e André (1986).
Dessa forma, foram acompanhadas aulas de educação física ao longo de 1 ano
letivo. O número de aulas de educação física totalizavam 70 aulas anuais das quais apenas
35 tratavam especificamente dos conteúdos da educação física, sendo as demais destinadas
à treinamento esportivo. Destas 35 aulas, 25 foram acompanhadas, correspondendo a uma
porcentagem de 71,4 %. O restante 28,6% de aulas não acompanhadas refere-se a
conteúdos substituídos por atividades escolares extra disciplinares nas quais não houve o
trabalho específico com os conteúdos da educação física – como estudos do meio,
atividades destinadas a datas comemorativas e cancelamento das aulas devido a
organização de outras atividades como reunião de pais – e a feriados.
Cada aula observada dessa turma foi analisada sob o prisma da inclusão por
meio do “Instrumento de avaliação da interação entre alunos com e sem deficiência na
educação física escolar”, de Salerno, Araújo e Silva (2009). Posteriormente, os dados
observados foram analisados por meio de categorização em temas específicos, como
acessibilidade, conteúdos trabalhados, atitudes dos alunos com deficiência, dos alunos sem
deficiência e do professor.
Na terceira e última etapa, após a identificação e análise das dificuldades
relacionadas à inclusão de alunos com deficiência, foi construída uma possibilidade de
superação dos entraves encontrados com a elaboração de uma proposta pedagógica
facilitadora da prática educacional inclusiva.
Nessa proposta, foi aproximado as propostas pedagógicas de Célestin Freinet à
125
realidade da inclusão educacional, elaborando alternativas teóricas fundamentadas nas
técnicas desse educador objetivando facilitar a inclusão de alunos com Síndrome de Down
nas aulas de educação física escolar.
Em um trabalho organizado com os devidos encaixes, ressalta-se que a pesquisa
bibliográfica inicial permitiu contextualizar o tema e as questões envolvidas neste,
tornando-se alicerce fundamental para a elaboração da posterior pesquisa de campo, na qual
foi possível coletar os dados e analisar as questões referentes à inclusão dos alunos com
Síndrome de Down nos diferentes conteúdos da educação física escolar. Já o estudo dos
dados coletados da escola selecionada, por sua vez, serviu de base para a elaboração da
proposta de trabalho inclusiva baseado na Pedagogia de Freinet.
6.2 O instrumento de avaliação
A análise da inclusão dos alunos com Síndrome de Down nas aulas de educação
física da escola pesquisada deu-se por meio do “Instrumento de avaliação da interação entre
alunos com e sem deficiência na educação física escolar”, de Salerno, Araújo e Silva (2009)
– presente em sua íntegra no Anexo B, ao final deste trabalho.
O instrumento em questão foi elaborado com o objetivo de avaliar o processo
de inclusão no cenário escolar, possibilitando serem diagnosticadas as condições de
acessibilidade do prédio escolar, os aspectos relacionados aos profissionais atuantes no
ambiente e a interação entre os participantes da aula de educação física, além da
possibilidade de, por meio deste, politicas públicas serem produzidas ou conduzidas, bem
como reestruturação de prédios e capacitação de profissionais serem feitas (SALERNO,
2009).
Para isso, o instrumento foi elaborado em eixos temáticos compostos por itens,
os quais são observados quanto a sua ocorrência ou ausência:
Acessibilidade: referente à presença de estruturas físicas específicas da
escola como locais e equipamentos adaptados e presença de sinais
sonoros e visuais.
Conteúdos da educação física: englobando aspectos relacionados a qual
126
conteúdo foi trabalhado, assim como a forma como este foi explorado
pelo professor (de forma competitiva ou cooperativa, como vivência ou
treinamento, em grupo ou individual, com necessidade de materiais
adaptados ou não, com o uso de textos e pesquisas na internet ou não).
Atitudes e estratégias do professor durante o tempo das aulas:
analisando se o professor elaborou as aulas de forma a permitir a
participação de todos, se incentivou ou auxiliou o aluno com deficiência
fisicamente, se estimulou a cooperação e o diálogo entre os alunos, se
ouviu a opinião de todos, se infantilizou, colocou como auxiliar ou em
atividade paralela o aluno com deficiência.
Atitude do aluno com deficiência: observando se o aluno com
deficiência participou das atividades e se essa participação ocorreu de
forma ativa ou passiva, se houve afastamento deste da atividade por
iniciativa própria ou por sugestão do professor e se houve aceitação do
aluno em permanecer nessa situação, se expos suas ideias, se interagiu
com os demais de forma positiva ou negativa, se respondeu às
iniciativas de interação dos colegas, se solicitou auxilio aos professores
ou colegas para a realização das atividades e se apresentou prontidão
para participar das aulas.
Atitude dos alunos sem deficiência: se iniciaram ou responderam às
interações iniciadas pelos alunos com deficiência de forma positiva ou
negativa, se infantilizaram, auxiliaram ou fizeram a atividade no lugar
do aluno com deficiência.
Por fim, vale ressaltar que este instrumento passou por validação de face e
semântica, processo destinado a sua verificação quanto ao alcance das finalidades às quais
se propôs. Findo esse processo, foi publicado (SALERNO, 2009), possibilitando sua
disponibilização para uso. Destaca-se que a fase de validação estatística, destinada à
verificação quanto à clareza do instrumento não foi desenvolvida. Contudo, compreende-se
que as fases anteriores de validação foram esclarecedoras o suficiente para que este
instrumento seja aplicado com segurança e de forma contribuinte à pesquisa. Ademais, esse
127
instrumento traz, de forma inédita, uma reunião de dados e forma de análise englobando
diferentes dimensões relacionadas ao processo de inclusão, o que até o momento era
inexistente na literatura da área.
128
7 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÕES
A relação entre teoria e prática pode se perder e esvaziar-se caso não houver
uma reflexão crítica acerca da prática (FREIRE, P., 1996). Por conseguinte, com dados
coletados e observações reunidas, pode-se dar início às discussões a respeito dos mesmos.
A turma de alunos foi acompanhada durante 1 ano letivo. A sala observada
possui dois alunos com Síndrome de Down, sendo um menino (Aluno 1) e uma menina
(Aluno 2). Vale ressaltar que a análise foi desenvolvida sobre toda a turma e suas interações
e ocorrências, e não centrada apenas nos dois alunos com a condição de deficiência, uma
vez que se entende que a inclusão, sobretudo no ambiente escolar, envolve eventos e
atividades em grupo, e não restritos a esses alunos.
A análise dos dados a seguir, dar-se-á de forma qualitativa por categorização -
com descrições e interpretações referentes aos temas de acessibilidade, conteúdos
trabalhados e atitudes do professor, dos alunos com deficiência e dos alunos sem
deficiência – e quantitativa – agrupando e transformando em expressões numéricas alguns
dos dados coletados visando melhor compreensão dos mesmos. Complementarmente,
relatos descrevendo ocorrências verificadas durante o ano letivo tornam-se pertinentes de
forma a retratar com maior abrangência a realidade encontrada. Afinal, segundo Ludke e
André (1986), em uma pesquisa fundamentada na observação, diferentes formas de
exposição das informações coletadas devem ser exploradas de forma a proporcionar maior
elucidação em sua interpretação.
Inicialmente, uma análise quanto à acessibilidade da estrutura escolar torna-se
pertinente. A instituição em questão possui os itens de acessibilidade mais comumente
encontrados nos variados ambientes, como corrimão nas escadas e banheiros adaptados.
Contudo, alguns itens atuantes como possíveis barreiras permanecem, como a constante
presença de escadas pelo ambiente, sem a existência de outra possibilidade de acesso. Em
relação às pessoas com Síndrome de Down, esses elementos não as prejudicam, porém se o
aluno possuísse outra condição de deficiência, como a física ou motora, sua movimentação
pelo espaço escolar seria comprometida pelos obstáculos, uma vez que o próprio local
destinado à educação física encontra-se no segundo andar, no qual o acesso se dá apenas
129
por meio de escadas. Sinais visuais e sonoros são ausentes, os quais também seriam
imprescindíveis caso o aluno possuísse uma deficiência auditiva ou visual. Observa-se que,
excetuando-se as adaptações de acessibilidade mais comumente realizadas, não são
contempladas todas as necessidades relacionadas às diversas deficiências que podem
apresentar-se em futuros alunos.
Tal observação está em consonância com ocorrências verificadas em algumas
instituições, não apenas escolares, mas em outros âmbitos sociais: a adaptação de locais e
equipamentos apenas a partir do momento no qual uma pessoa com deficiências inicia a
utilização destes, ao invés de prepará-los para estarem disponíveis a todos antes mesmo da
presença de alguma situação específica.
Na próxima temática observada, é desenvolvida uma análise da inclusão dos
dois alunos com Síndrome de Down em relação aos conteúdos ministrados. Dessa forma,
projeta-se, por conseguinte, o seguinte gráfico, para maior conhecimento dos conteúdos:
Gráfico 1 – Número de aulas destinadas a cada conteúdo da educação física
Analisando o gráfico torna-se notória a presença exacerbada dos conteúdos de
Jogo (12 aulas) e Esporte (11 aulas), em detrimento dos demais. Enquanto Dança foi de
menor contemplação durante o período letivo (2 aulas apenas), a Ginástica e a Luta não
2
11
0
12
0 0123456789
10111213141516171819202122232425
Dança Esporte Ginástica Jogo Luta
Nú
me
ro d
e a
ula
s
Conteúdos
130
apareceram durante as aulas observadas.
Vale destacar que as duas aulas de Dança ocorreram apenas próximas à
finalização dos semestres por meio de aulas não diretivas, aquelas em que o aluno possui
liberdade para vivenciar uma atividade, por determinado período de tempo, da forma como
preferir, sem o aprofundamento e vivência do tema como um conteúdo próprio a ser
ensinado ou transmitido.
Apesar das várias propostas elaboradas para a educação física, como a Teoria
Crítico Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992) e a dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1998, 2000), observou-se relevante dificuldade, por parte do
professor, em trabalhar as diferentes temáticas com equidade de consideração.
Vários fatores podem ser elencados como precursores desse tipo de ação, como
a construção de uma educação física com ênfase na esportivização da área, a falta de
segurança dos próprios professores em abordarem os diferentes conteúdos numa formação
acadêmica nem sempre com qualidade para uma atuação adequada com estes, conforme
pontua Tojal (1994), além de uma questão sociocultural na qual muitas vezes os próprios
alunos rejeitam os novos conteúdos com os quais não estão habituados por receio do novo,
ou pela própria escola que, em muitos casos, repreende práticas corporais diversificadas
exigindo trabalhos que possam ser exibidos quantitativamente aos pais, como pontuações e
medalhas em participações de campeonatos esportivos.
Como falar em inclusão nos diferentes conteúdos da educação física, se parte
destes temas ainda é negado aos alunos? Nesse aspecto a inclusão esbarra na própria
estrutura da aula, a qual não comtempla em sua composição a diversidade de possibilidades
práticas. Com isso, nega-se também ao aluno o direito de vivência e conhecimento dos
diversos elementos da cultura corporal, abarcados por essa disciplina, dificultando o
processo inclusivo. A hegemonia de alguns conteúdos, bem como a hierarquização dos
mesmos, fere a individualidade e restringe a possibilidade de cada aluno se aproximar do
tema com o qual se identifique mais, tanto em requisitos de habilidades motoras quanto em
preferências pessoais, induzindo à errônea ideia, por parte dos alunos, de que não possuem
habilidades e competências suficientes para participar qualitativamente de determinadas
aulas de educação física.
131
Ademais, as dificuldades podem ser relacionadas também à própria organização
da escola. Para que a inclusão ocorra com a exploração de todos os conteúdos abarcados
pela educação física, é necessária, além de uma transformação da atuação do professor de
educação física, o apoio e reconstrução de toda a estrutura escolar, afinal, conforme Silva,
Seabra Júnior e Araújo (2008), em muitos momentos a própria estruturação e
funcionamento das escolas restringem e delimitam o trabalho do professor, como por
exemplo, ao exigir quantidade excessiva de tempo para a organização de eventos esportivos
e, até mesmo, competições.
Somando-se a discrepância no tratamento dado aos conteúdos, também foi
notada a ausência de práticas de atividades físicas alternativas (como atividades indígenas,
circenses, anti-ginástica e princípios da yoga). Esses são conhecimentos pertinentes de
serem aproximados da realidade dos educandos uma vez que enriquecem a cultura corporal
dos mesmos. Conforme enfatizado por Betti e Zuliani (2002), durante uma aula de
educação física escolar torna-se indispensável que o professor siga alguns princípios, dentre
os quais, somado à inclusão de todos na sua aula e diferentes estratégias de ensino,
encontra-se a própria diversidade de conteúdos.
Em sequência, foi organizado o tipo de participação, ativa ou passiva, exercida
pelos dois alunos com deficiência em cada um dos conteúdos trabalhados, na Tabela 1.
Entende-se por participação ativa aquela na qual o aluno vivencia e interage
qualitativamente com o conhecimento trabalhado em aula, e como participação passiva
aquela na qual o aluno é mero espectador da aula, mesmo dentro da atividade, porém não
atuando efetivamente na realização da mesma.
Tabela 1 - Número de aulas dos conteúdos de educação física nas quais os alunos com
Síndrome de Down tiveram Participação Ativa ou Participação Passiva
CONTEÚDOS PARTICIPAÇÃO ATIVA PARTICIPAÇÃO PASSIVA
Dança 2 aulas 0 aulas
Esporte 8 aulas 3 aulas
Jogo 10 aulas 2 aulas
132
Vale ressaltar que, permanecendo juntos todo o tempo, um aluno com
deficiência seguia o comportamento do outro. Nesse caso, quando um dos alunos fosse
direcionado a uma atuação passiva, o outro também se deslocava para tal tarefa por
iniciativa própria, assim como em participações ativas, um estimulava e auxiliava a
compreensão do outro acerca da atividade vivenciada.
Pode ser observada uma totalidade de participação ativa dos alunos com
deficiência durante as aulas de Dança. Neste conteúdo, foi permitida pelo professor a
vivência de diferentes ritmos musicais sem a imposição de coreografias ou gestos
padronizados, o que mostrou ser uma oportunidade de inclusão, cada qual vivenciando o
conteúdo segundo suas potencialidades.
Já sobre o conteúdo Esporte, em 37,5% das aulas, houve uma participação
passiva dos Alunos 1 e 2. Apesar de ser observado um esforço por parte desses alunos em
realizar as atividades dentro das regras e definições estipuladas pelo professor em 8 aulas,
nas outras 3 aulas, os alunos com deficiência foram destinados à posição de auxiliar (Aluno
1), ou foram deixados permanecer num canto da quadra quando estes se afastavam e
desenvolviam a atividade de seu próprio modo, sem compreensão ampla acerca da mesma,
com o professor não ensinando nem exigindo que eles fizessem as atividades junto com os
demais (Aluno 2). Essa participação ocorreu em aulas nas quais se enfatizava as técnicas e
táticas específicas do esporte.
Observa-se, portanto que, o conteúdo Esporte trabalhado com caráter de
treinamento afastou os alunos com deficiência das aulas, tanto por vontade própria, por não
conseguirem desempenhar as exigências dos gestos técnicos específicos, quanto pelos
demais alunos que, ao visarem vantagem sobre o time adversário, viam esses alunos como
um empecilho, uma desvantagem para o seu time – como visualizado em momentos
competitivos nos quais os alunos não passavam a bola para o Aluno 1 pré-concebendo que
este não iria conseguir ter a atuação necessária para o alcance do objetivo da vitória.31
31
As aulas de educação física para alunos do 2° ano de ensino fundamental devem ser baseadas na vivência e
descoberta de conhecimentos a respeito dos diferentes conteúdos da cultura corporal, não se restringindo nem
se fundamentando apenas no ensino das regras e conceitos técnico-táticos de qualquer que seja o conteúdo
(BRASIL, 2000). Dessa forma, ressalta-se a equivocada forma de trabalho desenvolvido pelo professor nas
aulas observadas com o conteúdo esporte perante o trabalho pedagógico do esporte adequado a ser
desenvolvido no cenário escolar.
133
Já no conteúdo Jogo, em um total de 10 aulas, em apenas 2 a participação
tornou-se passiva. Nestas, apesar de estarem presentes fisicamente na quadra, os Alunos 1 e
2 não compreenderam as regras das atividades e apenas caminharam pela quadra, sem
participarem ativamente da mesma, não havendo intervenção do professor. Contudo, nas
demais aulas, os alunos participaram de um mesmo objetivo em quadra, visivelmente
empolgados com o caráter lúdico da atividade, com momentos de dispersão, porém com
rápido retorno para a aula.
Pode-se concluir, por fim, que a forma de trabalho com cada conteúdo pode
permitir uma participação ativa ou encaminhar um aluno com Síndrome de Down a uma
atuação de espectador, uma vez que a ênfase na vivência e ludicidade ampliou as
possibilidades de participação ativa enquanto o caráter de treinamento ocasionou
dificuldades inclusivas.
Com dados nos quais o conteúdo Esporte se sobressaiu sobre os demais, torna-
se relevante retomar a elucidação a respeito da diferenciação entre o esporte da escola – o
qual deve ser desenvolvido com adaptação de regras e técnicas com finalidade educacional
e formação humana – da presença do esporte de alto rendimento na escola, conforme
exposto por Bracht (1992). Não pode ser concluído que o esporte é um conteúdo
estimulador da exclusão, mas sim que a forma de trabalhar mecanicamente e
competitivamente um conteúdo, qualquer que seja ele, propicia a rejeição das diferenças e a
dificuldade de oportunidade de participação de todos, principalmente com alunos do ensino
fundamental I.
Para a implantação da inclusão, outro fator a ser considerado é o tipo de
interação entre os alunos com e sem deficiência, as quais podem ser positivas – quando há
aproximação com respeito – ou negativa – quando há alguma atitude de desrespeito ou
rejeição.
Especificamente sobre as atitudes apresentadas pelos alunos sem deficiência em
direção aos alunos com Síndrome de Down, as interações negativas ocorridas em cada
conteúdo trabalhado podem ser visualizadas no Gráfico 2.
134
Gráfico 2 - Percentual das aulas de cada conteúdo lecionado nas quais houve
interações negativas dos alunos da turma para com os alunos com Síndrome de
Down
Com diferença discrepante, mais uma vez, o conteúdo Esporte exalta-se
negativamente em relação à inclusão devido à forma como é trabalhado. Se nas aulas de
Dança, as quais foram desenvolvidas sob o caráter de vivência, foi facilitada a interação,
sem a ocorrência de atitudes desrespeitosas, no conteúdo Esporte em aproximadamente
45% das aulas houve uma interação negativa dos alunos direcionada aos alunos com
deficiência. Nestas pode ser observado um estímulo do professor para que os times se
esforçassem para vencer a competição, enfatizando o resultado final de vitória. Com isso,
desenvolveu-se uma atitude de rejeição dos demais alunos em aceitarem tanto o Aluno 1
quanto o Aluno 2 em seus times, ocorrendo violência velada como ao deixá-los por último
durante a realização do antigo e inadequado método de “tirar time”, e evitando fazer
atividades com esses alunos quando estas se desenvolviam em duplas. Além disso, nos
aproximados 15% de interações negativas dos alunos sem deficiência em direção aos
Alunos 1 e 2 durante o conteúdo Jogo, constantes frases surgiram como “ele é ruim” e “ele
não sabe fazer”. Essas ocorrências foram presenciadas em atividades nas quais o caráter
competitivo e a busca pela vitória foram exacerbados.
Em todas as aulas nas quais advieram as interações negativas, as atividades
0%
45%
16%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Dança Esporte Jogo
Pe
rce
ntu
al d
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tera
çõe
s n
ega
tiva
s
Conteúdos
135
tiveram finalidade competitiva ou de treinamento, o que não ocorreu nas aulas cooperativas
ou com caráter de vivência. Essas atitudes mostraram-se diretamente ligadas ao fato de que,
subestimando ou associando os alunos com Síndrome de Down à falta de capacidade e à
baixa perspectiva de êxito, os demais alunos viam nos Alunos 1 e 2 uma desvantagem em
mantê-los em sua equipe. Exaltando os valores competitivos ao invés da formação humana,
o professor acabou por induzir a expansão desses errôneos preconceitos e dificultou a
interação positiva e inclusão de todos nas atividades.
Vale ressaltar que essa concepção de desempenho inferior não se confirmou
durante as atividades. Apesar do desenvolvimento motor e intelectual mais lento e da
dificuldade em compreender a organização grupal em prol do alcance de um objetivo
coletivo, os alunos com Síndrome de Down demonstraram participação com qualidade nas
aulas fundamentadas em tarefas individuais. Dessa forma, possibilita-se uma reflexão sobre
as origens do pré-conceito presente nos alunos sem deficiência sobre uma possível
capacidade inferior dos alunos com Síndrome de Down. Pode-se sugerir que tal ideia tenha
suas bases em um conjunto de fatores como a observação dos alunos da sala sobre as
dificuldades que os alunos com tal Síndrome apresentam em certas atividades, associando
tal dificuldade a todas as demais ocasiões; o reflexo das próprias atitudes do professor que,
em alguns momentos, consente com a ausência desses alunos durante o desenvolvimento
das atividades de aula por não acreditar na sua capacidade de desempenhar a tarefa
conjuntamente com os demais; e até mesmo a ideias pré-concebidas na família e
comunidade.
Relato de Caso: Numa atividade técnica na qual os alunos deveriam arremessar
a bola na cesta de basquetebol, enfileirados um a um, numa competição entre o time dos
meninos e o time das meninas, os meninos a princípio ficaram receosos quando o Aluno
1arremessava demonstrando claramente falta de crença na sua potencialidade,
exemplificando a acima citada subestimação da turma em relação à capacidade deste.
Contudo, esse aluno não apenas acertou, como foi o maior pontuador entre todos os
meninos, sendo posteriormente glorificado pelos demais. Dessa forma, atividades que
ressaltem a competência desses alunos podem tornar-se possibilidades inclusivas ao exaltar
a capacidade das pessoas com deficiência e superar os estigmas quanto a sua fragilidade e
136
incapacidade.
Apesar desses dados negativos, a maior porcentagem de interações presenciadas
foi positiva. Alternando a apresentação dos dados, conforme pode ser observado no Gráfico
3, obtém-se uma análise sob outro prisma possibilitando uma compreensão mais abrangente
acerca das ocorrências em cada conteúdo ministrado.
Gráfico 3 - Percentual das aulas de cada conteúdo lecionado nas quais houve
interações positivas dos alunos da turma para com os alunos com Síndrome de
Down
O conteúdo de Dança, trabalhado de forma a permitir a vivência, estimulou
interações positivas e a socialização na totalidade das aulas, com um momento de
concretização prática das teorias inclusivas propostas. Pode ser compreendido que a Dança
apresenta-se como uma facilitadora do processo inclusivo, ao ser um conteúdo que, por
meio da ludicidade, estimula a participação de todos e, se trabalhado como vivência
cultural, com conscientização e criação própria de movimentos corporais, rompe
estereótipos de gestos mecânicos possibilitando liberdade de movimento aos alunos, cada
qual de forma diferenciada. Sem estabelecimento de parâmetros de rendimento, a
participação pode ser estimulada e a liberdade de expressão individual favorecida, a
condição de deficiência deixa de ser exaltada e torna-se invisível no grupo, de forma que as
100%
55%
74%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Dança Esporte Jogo
137
vivências de movimentos podem ser vistas apenas como criações distintas e individuais.
Além de explorar a própria criatividade e ritmo, permite não apenas que todos participem
criando seus próprios movimentos, mas também que um aprenda com o outro, ao visualizar
as criações e movimentos dos demais alunos da sala. No caso do aluno com Síndrome de
Down, essa característica da dança pode ser muito explorada, uma vez que esses alunos
aprendem com maior facilidade pela visualização e imitação dos movimentos das pessoas
ao seu redor, auxiliando-os a desenvolverem seu repertório de movimento e ritmicidade,
além da já citada psicossocialização.
Em relação ao conteúdo Esporte, em 55% das aulas as interações entre os
alunos da turma com os dois alunos com Síndrome de Down foram positivas.
Fundamentado nesse percentual, pode-se entender que a inclusão é facilitada por aulas que
permitem a exploração do lúdico pelos educandos em detrimento da complexidade e
seletividade do treinamento. Momentos de vivência com a recriação e transformação das
regras e de materiais também podem contribuir para que todos tenham possibilidade de
participação durante as aulas, tendo por fundamento a consideração de que o esporte
educacional deve objetivar a formação humana, e não reproduzir uma competição de alto
rendimento. Técnicas e táticas podem sim serem trabalhadas, mas, conforme elucidação do
Coletivo de Autores (1992), como forma de vivência e desenvolvimento de conhecimento a
respeito das mesmas, jamais como categorização ou impedimento da participação de alunos
com menor habilidade ou capacidade específica em determinada modalidade. Dessa forma,
a grande preferência dos alunos por esse conteúdo pode ser explorada como auxílio para o
desenvolvimento de um trabalho educacional alicerçado nos ideais de respeito, aceitação e
valorização das diferenças, tornando-o um facilitador do processo inclusivo em substituição
a aqui presenciada forma de trabalho competitiva que dificultou a participação efetiva e
com qualidade de todos os alunos.
Já o conteúdo Jogo permitiu, em mais de 70% de suas aulas, interações
positivas. Fundamentado no caráter lúdico, a interação entre a turma foi favorecida, sendo
notado auxílio de alguns alunos em direção ao Aluno 1, explicando e chamando-o
novamente para a atividade quando este demonstrava não compreender o objetivo do jogo
ou dispersava sua atenção da tarefa. Contudo, interações negativas surgiram quando tal
138
conteúdo foi trabalhado explorando o resultado final de vitória em dado jogo. Nesses
momentos, os alunos sem deficiência menosprezam a participação dos alunos com
Síndrome de Down em seus times. Conclui-se, portanto, que atividades nas quais a união e
a cooperação em grupo são exigidas é possibilitada uma maior aproximação entre os
alunos, sendo a condição de deficiência irrelevante nesses momentos - dessa forma, os
jogos cooperativos mostram-se como uma possibilidade de conteúdo a ser explorado pelo
professor para romper as primeiras ideias preconceituosas já formadas e estimular a
inclusão de alunos com deficiência. Por meio do Jogo, são permitidas aos alunos diferentes
vivências fundamentadas na exploração de suas capacidades individuais e na superação de
possíveis dificuldades que possam aparecer para o alcance de um determinado objetivo.
Sem haver um padrão de comportamento estipulado para ser reproduzido, a individualidade
e as diferentes potencialidades ganham espaço para se manifestarem e serem aceitas. O
lúdico, presente constantemente nesse conteúdo, torna-se ainda um contribuinte a mais ao
processo inclusivo, estimulando a participação de todos e a aceitação dos diferentes ideais e
valores expostos pelo professor.
Tendo em vista a influência dos valores implícitos na forma de trabalhar cada
conteúdo, na sua facilitação ou dificultação ao processo inclusivo, pode-se pressupor que a
incorporação de conceitos de formação humana, como a cooperação, socialização, respeito
e aceitação das diferenças, no trabalho com as diferentes temáticas da cultura corporal, são
de fato eficazes e contributivas para a construção de uma aula que permita a participação de
todos de uma forma ativa.
Se até então a análise tomou por base as atitudes dos demais alunos da sala,
nesse momento, torna-se relevante discorrer sobre algumas atitudes e comportamentos dos
próprios alunos com Síndrome de Down apresentados durante o período observado.
139
Tabela 2 - Porcentagem das atitudes dos alunos com Síndrome de Down ocorridas
durante cada conteúdo das aulas de Educação Física
ATITUDES PORCENTAGEM DE OCORRÊNCIA
Dança Esporte Jogo
Fez outra atividade por conta
própria 0% 16% 18%
Interação positiva com os demais
alunos da sala 100% 90,9% 91%
Interação negativa com os demais
alunos da sala 0% 9,1% 9%
Conforme observado na Tabela 2, em 100% das aulas de Dança, 72% de Jogo e
em 84% de Esporte, os Alunos 1 e 2 permaneceram fazendo a mesma atividade que os
demais, sendo apenas em duas aulas de Jogo (18%) e em outras duas aulas do conteúdo
Esporte (16%) que optaram por realizar outra tarefa. Nesses momentos, tanto no conteúdo
de Esporte quanto no Jogo, pode ser observado que os alunos com deficiência iniciaram as
aulas junto com os demais, porém, durante a aula perderam o interesse e criaram atividades
próprias num dos cantos da quadra, sendo assim deixados pelo professor, o qual apenas
perguntava a esses dois alunos se iriam permanecer nessa outra vivência ao invés de
realizarem a proposta com toda a sala, concordando com qualquer que fosse a decisão
destes.
Tal comportamento pode ser observado de forma associada à falta de
compreensão dos alunos com Síndrome de Down sobre a atividade a qual estava sendo
realizada com a turma. Além disso, nas atividades técnicas, como as de execução e
repetição de um gesto esportivo motor – troca de passes de basquetebol em altura baixa e
média com posicionamento estático, por exemplo -, os alunos com essa condição de
deficiência não identificavam a finalidade da atividade nem a intenção do professor em
relacioná-la com um determinado esporte, sendo este mais um momento de dispersão e
fuga para outra atividade por conta própria. Se esses exercícios de treinamento com ênfase
no aperfeiçoamento de gestos motores mecanizados são não atrativos para os alunos em sua
140
maioria, para as pessoas com Síndrome de Down o desinteresse evidencia-se, uma vez que
há maior dificuldade na capacidade de concentração e fixação numa atividade específica.
Relato de Caso: O Aluno 2, ao observar que a atividade seria a execução e
repetição de trocas de passes em duplas da modalidade de basquetebol, se recusou a
participar. Encostado num canto da quadra pegou uma bola de basquetebol e começou a
manipulá-la, segurando-a, transportando-a de uma mão para outra, jogando-a para cima e
pegando e, posteriormente, batendo-a no chão e segurando. Por fim, tentou jogar a bola no
chão e rebatê-la com as mãos, num movimento semelhante ao de condução de bola durante
o jogo da modalidade em questão, dizendo aos amigos: “olha quantas vezes eu consigo
bater sem parar”. Sem a repetição mecanizada proposta pelo professor, o aluno trabalhou a
modalidade esportiva de forma ativa, desenvolvendo suas potencialidades e superando suas
possíveis dificuldades com as quais se deparava ao executar a atividade. Pode-se entender
que, nesse momento, um aluno em condição de deficiência exemplificou ao próprio
professor, por meio de suas atitudes, uma forma adequada e possível de se estruturar a aula
de forma inclusiva.
Continuando a observação dos dados da tabela, em média de 92% das aulas de
todos os conteúdos – compreendendo 100% das aulas de Dança, aproximadamente 91%, de
Jogos e 90% de Esportes – ambos os alunos com Síndrome de Down tiveram uma interação
positiva com o restante dos alunos da sala, confirmando estudos anteriores, como
Cunningham (2008), de grande interação e comportamento carinhoso dessa população.
Nesta porcentagem de interações positivas, tanto o Aluno 1 quanto o Aluno 2
foram constantemente solícitos, interagindo e permanecendo juntos ao grupo de alunos. A
disposição destes em, não apenas participar das atividades, mas também em permanecerem
com os demais foi imediata, sendo notável a presença de atitudes afetuosas, como abraços e
sorrisos. Pode-se compreender que, se a Síndrome de Down ocasiona, na maioria dos casos,
dificuldades em relação ao desenvolvimento motor e intelectual, por outro lado, tem
inclusão facilitada pela maior tendência de afetividade e socialização das pessoas com essa
condição.
Contudo, o relato de uma aula com interações negativas do Aluno 2 para com
os demais da sala durante o conteúdo Jogo e uma no conteúdo Esporte - representando
141
aproximadamente 8% do total de aulas - advieram. Comportamentos agressivos como
arranhões e tapas aos demais alunos foram executados por esse aluno com deficiência no
início do período letivo, ocorrendo durante as aulas de educação física apenas nessas duas
ocasiões. Com o passar dos meses esses comportamentos desapareceram. Segundo Déa e
Duarte (2009), uma das características da Síndrome de Down é a maior possibilidade de
aparecimento de atitudes agressivas, as quais podem ser agravadas pela dificuldade de
compreensão das regras que regem um ambiente social. Contudo, conforme visualizado na
pesquisa, puderam ser contornado pela mediação dos profissionais da coordenação e dos
professores auxiliando o Aluno 2 na compreensão de quais os comportamentos adequados e
os inadequados socialmente. O Aluno 1 não apresentou comportamentos agressivos
semelhantes durante as aulas.
Os presentes relatos das interações negativas ocorreram em uma atividade de
pega-pega objetivando roubar e estourar a bexiga que o amigo segurava, e em outra na qual
havia troca de passes de handebol. Como esses relatos foram escassos não é possível de se
afirmar que esses comportamentos foram motivados pela ênfase competitiva e até mesmo
agressiva das atividades, sendo essa uma possibilidade apenas. Da mesma forma, não é
possível afirmar que tais comportamentos agressivos relacionam-se diretamente à condição
de deficiência, uma vez que tais atitudes, assim como outros conflitos, são possíveis de
serem apresentadas por todos os alunos, inclusive os que não possuem deficiência, durante
a aula de educação física.
Outra análise relevante a ser feita é baseada na interação entre os dois alunos
com a condição em questão. Por iniciativa própria, esses alunos permaneceram
constantemente unidos, formando um forte laço de afetividade e realizando as atividades
conjuntamente, por iniciativas próprias. Demonstraram compreender um ao outro,
prestavam apoio mútuo durante toda a aula. A socialização pode ter sido favorecida, por um
lado, ao apoiarem-se e incentivavam o desempenho um do outro, mas por outro, em muitos
momentos, eles se afastaram do restante da turma interagindo de forma paralela aos demais,
o que pode facilitar a exclusão dos dois alunos da aula, já que assim são deixados pelo
professor. Entre prós e contras, a presença de mais alguém com a mesma condição pareceu
ser benéfica ao próprio desenvolvimento e participação nas atividades, desde que não
142
permanecessem em interações paralelas. Com uma forma de pensar e se relacionar
semelhantes, eles estimulavam um ao outro a fazerem as atividades e vivenciavam os
conteúdos da forma como entendiam ser adequadas.
Relato de Caso: O Aluno 2 atuava carinhosamente como o responsável pelo
Aluno 1, carregando seu material escolar, chamando-o para o lanche e para as atividades,
pedindo para ter cuidado e não se machucar, e até mesmo chamando-o e alertando-o para
concentrar-se na explicação do professor e na resposta à chamada de nomes, durante a
conferência da presença dos alunos. O Aluno 1, com permanentes atitudes carinhosas,
demonstrava consentimento e gosto em ser cuidado.
Frente aos dados apresentados, pode-se observar a prontidão e a disposição de
ambos os alunos com Síndrome de Down em serem inclusos e em participarem com
qualidade junto aos demais. É notável também que, devido à possível falta de
conhecimento e convívio com pessoas que possuem essa condição, os demais alunos
tiveram um contato inicial receoso com esses alunos no começo do período letivo, contudo,
com o estabelecimento de um relacionamento diário e a consequente construção de
conhecimento por meio deste, no final do ano já interagiam de forma mais igualitária e
semelhante à qual agiam com os demais alunos da turma.
Por fim, uma discussão acerca da atuação do professor se faz necessária, uma
vez que, com os principais acontecimentos das aulas já detalhados, a reflexão sobre a
postura deste enquanto educador e sobre sua organização pedagógica frente à inclusão pode
ser de maior compreensão, assim como buscas de alternativas frente às possíveis atitudes
inadequadas podem começar a serem delineadas, num momento preparatório para o
capítulo seguinte.
Conforme verificado no início desse capítulo, o trabalho com os conteúdos
ocorreu de forma desigual. Com predominância do Jogo e Esporte, os demais temas
tiveram atenção dispensada. Nesse quesito, a seleção dos conteúdos demonstrou ser
aleatória, sem a possibilidade de identificação de uma sequência lógica quanto a sua
escolha e organização. Jogo e Esporte alternavam-se em aulas individuais, não sendo
possível a observação de continuidade entre uma aula e outra.
Quanto à organização pedagógica dos mesmos, a permanente ênfase técnica e
143
tática, assim como a exaltação das regras, capacidades físicas e habilidades motoras com
atividades fundamentadas no aspecto de treinamento, sugerem uma influência da
abordagem tecnicista como norteadora das aulas.
Nesse momento, uma relação da prática pedagógica do educador com o projeto
político pedagógico da instituição escolar seria relevante e contributiva para maiores
compreensões. Contudo, tal documento não foi disponibilizado, impossibilitando a
continuidade de discussões a respeito.
Durante o período letivo foi observado, ainda, a separação de times por gênero.
Tal atitude, em muitos momentos, era solicitada pelos próprios alunos. Sem
aprofundamento acerca dessa temática, vale citar que, nesse caso, deve ser considerado tais
solicitações por parte dos alunos como atitudes comuns a essa faixa etária, uma vez que,
segundo Piaget (2003), a idade compreendida entre 7 e 11 anos é abarcada pelo período
denominado de Estádio Operatório Concreto, o qual traz como influência para o plano
emocional e social, justamente a separação entre um grupo das meninas de um lado e o
grupo dos meninos de outro. Contudo, ao invés de incentivar tal comportamento, seria
relevante um trabalho educacional que exaltasse a interação entre todos e a superação
dessas condutas. Se a inclusão exige o respeito à individualidade e às características de
cada um, uma diferenciação de gêneros – a qual poderia ser uma forma a mais de
padronizar e pré-definir comportamentos esperados de serem desempenhados por cada um-
poderia ser entendida como contrária a esses ideais.
Retomando a temática específica da inclusão, pode-se concluir a existência de
uma relação direta entre a forma de atuação do professor e as possibilidades de participação
e atuação de um aluno com deficiência.
Relato de Caso: Em uma das aulas de Esporte, o qual era trabalhado em forma
de treinamento, os alunos foram posicionados em lugares fixos da quadra segundo uma
posição tática do handebol, e deveriam, de forma estática e sem movimentação, trocar
passes de uma posição para a outra, sequencialmente.32
Nesta, o Aluno 2 faltou e o Aluno 1
foi encaminhado pelo professor para permanecer no gol, o qual direcionou-se a essa
32
Vale citar a inadequação na organização pedagógica deste conteúdo, uma vez que as características técnico-
táticas das modalidades esportivas não são recomendadas de serem trabalhadas em sua forma oficial nesse
ciclo educacional, conforme apontamento dos PNC (BRASIL, 1998, 2000).
144
posição sem questionamentos. Ao começar a inquietar-se, uma vez que permanecia no local
sem desempenhar nenhuma atividade na maior parte do tempo, o professor criou uma nova
posição para esse aluno, no canto da quadra ao seu lado, pedindo para que, vez ou outra, o
último aluno arremessasse para ele. Após uma rápida explicação sobre como e para quem
arremessar, o Aluno 1 mostrou total capacidade para realizar a tarefa proposta, expondo a
não necessidade de ter sido colocado em posições inferiores por descrença do professor em
sua capacidade de entendimento e de atuação adequada.
Pode-se observar claramente, uma falta de compreensão do professor sobre as
potencialidades do aluno, e sobre como contornar e superar as dificuldades da condição da
Síndrome de Down. Para a superação desse despreparo, torna-se relevante que, caso não
possua conhecimento prévio específico sobre uma dada condição, ao saber da presença de
um aluno com alguma deficiência ou Síndrome em sua turma, o professor, num processo
contínuo de pesquisa, estudo e busca por conhecimento, encontre materiais que lhe
auxiliem a compreender a condição em todas as suas dimensões e suas possíveis
implicações na prática de atividades físicas, além de ouvir o próprio aluno, aprendendo com
o mesmo sobre suas capacidades e dificuldades, para assim poder adaptar as atividades e se
construir como um educador que possibilita a participação ativa de todos, inclusive desse
aluno.
A notável falta de conhecimento do professor, não apenas sobre as
especificidades da condição de deficiência apresentada pelos alunos, mas também sobre um
planejamento pedagógico dos conteúdos e sua adequação às diferentes faixas etárias,
influenciou sua forma de atuação e pode ter dificultado a inclusão de forma mais rápida e
adequada, uma vez que, com maior conhecimento, este poderia tanto organizar suas
atividades de forma a permitir a participação ativa de todos, quanto auxiliar os demais da
turma a entenderem e respeitarem as características dos dois alunos.
Relato de caso: O professor atuou com os alunos com deficiência de forma
diferenciada. Ao invés de adaptar as atividades segundo as necessidades específicas da
condição auxiliando-os a vivenciarem as aulas respeitando as mesmas regras que os demais
sempre que possível, foi permissivo com os alunos com a Síndrome em todas as questões.
Os Alunos 1 e 2 podiam ir tomar água quando desejassem enquanto aos demais eram
145
estipulados momentos fixos da aula, podiam puxar as roupas dos amigos para tentar agarrá-
los sendo chamada a atenção do aluno agarrado para se afastar desse aluno ao invés de
auxiliar os alunos com a Síndrome a entenderem a situação. As atitudes e a forma de
comportamento do professor tornam-se um exemplo para os demais alunos, o que pode
influenciar no comportamento dos demais e nas relações que estabelecem entre si.
Elucidando o relato, na educação física, tendo ou não alunos com deficiência, o
professor deve demonstrar as atividades - realizando-as ele mesmo se necessário -,
proporcionar auxílio físico, verbal e gestual, permitindo que todos compreendam e
consigam realizá-las segundo suas características individuais, independente de suas
dificuldades. As atividades não devem ser demasiadamente adaptadas apenas para aquele
aluno que possui uma deficiência, já que isso poderia constrangê-lo, ao invés disso, cabe ao
professor propor atividades nas quais todos possam participar. Por conseguinte, a forma de
atuação do professor de educação física deve fundamentar-se em proporcionar um
tratamento o mais igualitário possível aos alunos com deficiência em relação aos demais,
não o superprotegendo nem subestimando sua capacidade, estimulando-o a participar de
todas as atividades de forma que este se sinta parte do grupo de alunos, auxiliando-o sim,
mas apenas quando houver de fato necessidade de tal ajuda (SOLER, 2005).
Com essa análise, pode-se observar que, para a inclusão ser facilitada, as
barreiras atitudinais e de conhecimento são os principais entraves. Um estudo constante,
por parte dos professores, sobre as condições de seus alunos em nível fisiológico,
psicológico, afetivo e social e sua implicação para a prática de atividade física, torna-se
indispensável. Com maior conhecimento, e com a busca pela superação de preconceitos, o
professor pode, e deve, ter atitudes para com os alunos com deficiência de modo a servir de
modelo para os demais alunos da turma, não apenas discursando, mas demonstrando por
meio de seu próprio comportamento um modelo de convivência harmoniosa e respeitosa
entre todos.
Conclui-se, por conseguinte, que a indispensabilidade do professor de educação
física possuir uma formação que o capacite a planejar e ministrar uma aula com os
diferentes conteúdos da educação física para todos, independente de suas dificuldades, o
que facilitará, por conseguinte, a construção da educação física inclusiva, como observado
146
no estudo de Filus (2011), Seabra Junior (2012) e Salerno (2014).
O professor de educação física está inserido e atua numa determinada realidade
sócio-cultural e, conforme afirmado por Daólio (1996), a cultura é recriada e transformada
constantemente pelas pessoas que nela estão inseridas. Dessa forma, o professor possui em
suas mãos uma possibilidade de transformação da realidade em prol da construção dos
ideais os quais acredita, sendo a ferramenta para isso sua própria atuação no cenário
educacional.
147
8 PINTANDO UMA NOVA REALIDADE - PROPOSTA DE
INTERVENÇÃO: A PEDAGOGIA DE FREINET COMO
POSSIBILIDADE
Célestin Baptistin Freinet foi um professor primário que revolucionou os ideais
educacionais ao propor nova visão e técnicas ao ambiente pedagógico baseadas na
expressão infantil em substituição ao trabalho de repetição mecânica de conteúdos.
Nasceu no dia 15 de Outubro de 1896, no sudoeste da França, num vilarejo
denominado de Gars. Filho dos camponeses Joseph Delphin Freinet e Marie Victoire
Toreat, Freinet viveu nesta região até os treze anos, cercado pela natureza e empenhado nos
trabalhos do campo - como a lavoura e o pastoreio de cabras. Dos sete aos treze anos
estudou em uma escola do campo fundamentada em regras severas sendo, em seguida,
admitido no Colégio Comunal – curso primário superior –, em Grasse. Já aos 16 anos, em
1912, entrou na Escola de Formação de Professores, de Nice. Esses estudos foram
interrompidos aos dezenove anos quando da sua convocação para atuar como suboficial nos
conflitos da 1° Guerra Mundial, em 1915, nos quais, em Outubro do mesmo ano, adquiriu
grave lesão pulmonar oriunda de gases tóxicos, sendo por esse motivo retirado das
atividades militares. Neste contexto, efervesciam movimentos sociais e Freinet, atento à
realidade vivenciada, passou a questionar e combater o modelo social e escolar vigentes,
fundamentado pela contestação das experiências das próprias escolas tradicionais nas quais
estudara e pela simpatia aos ideais marxistas, numa constante busca pela paz que, segundo
seus pensamentos, se daria apenas por um modelo socialista (SAMPAIO, 1989; ELIAS,
1997).
Por conseguinte, Freinet empenhou-se em leituras numa aprendizagem
autodidata sobre psicologia, filosofia e pedagogia – estudando principalmente Pestalozzi,
Rousseau, Rabelais, Dewey, Decroly, Montessori, Montaigne e Ferrière de forma crítica,
incorporando o que considerava como contribuições destes estudos, mas também
repreendendo o que concebia como inapropriado. Dessa forma, elaborou, experimentou e
divulgou técnicas de trabalhos pedagógicos alicerçadas numa inovadora visão da educação
148
– humana, cooperativa e expressiva. Já com novas ideias organizadas, assumiu, em 1° de
Janeiro de 1920, o cargo de professor adjunto primário de uma precária escola alicerçada
no ensino tradicional no vilarejo de Bar-sur-Loup, localidade próxima à Grasse e Vence nos
Alpes Marítimos, a qual contava com aproximadamente apenas 1000 habitantes
(OLIVEIRA, V. M., 1995; LEGRAND, 2010).
Nessa mesma década, foi aprovado para atuar como professor de Letras da
Escola Primária Superior de Brignoles, a qual ele próprio recusou. Em 1923, participou do
Congresso da Liga Internacional para a Educação Nova, o qual influenciou decisivamente o
transcorrer de suas propostas pedagógicas (ELIAS, 1997).
No ano de 1927, Célestin Freinet organizou o primeiro Congresso da Impressa
na Escola, em Tour. Neste, recebeu aproximadamente 50 escolas com seus respectivos
professores, discutindo e sanando dúvidas a respeito de suas propostas educacionais. A
partir desse período, preparou congressos, boletins e revistas como ferramentas para
divulgar suas técnicas para o ensino escolar ao mesmo tempo no qual proporcionava um
vínculo com os demais professores. Buscava, portanto, uma união com os educadores para
encontrarem novos caminhos segundo a realidade de cada um, sem o estabelecimento de
regras e técnicas estáticas as quais deveriam ser seguidas fielmente. Dessa forma, os ideais
eram divulgados e discutidos em diversos países como Noruega, Rússia, Romênia, Bélgica
e Espanha. Em seguida, criou a Cooperativa de Ensino Leigo (CEL), em 1928, destinada à
produção e difusão de materiais pedagógicos próprios (SAMPAIO, 1989).
Segundo Sampaio (1989) e a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas da
Pedagogia Freinet (ABDEPP, 2014), entre os anos de 1926 e 1928, Freinet conheceu a
artista plástica Elise Lagier Bruno quando esta iniciou trabalhos com o educador, casando-
se em seguida. Em 1928, Celestin, junto com sua agora esposa Elise, foi transferido para
uma antiga escola de Saint-Paul de Vence. Com constantes questionamentos a respeito dos
tradicionais métodos pedagógicos somados a sua atuação política na área educacional,
instalou-se nessa cidade um ambiente de contestação e desconfianças acerca das novas
propostas do educador, culminando na exoneração deste. Com isso, o casal criou sua
própria escola proletária particular em Vence, no ano de 1933 (FREINET, E., 1983;
OLIVEIRA, A. M. M., 1995).
149
Segundo Sampaio (1989), no ano de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial,
as desconfianças acerca de Freinet levaram-no a ser preso num campo de concentração
nazista sob a justificativa de ser um líder de movimentos clandestinos. Na prisão, agravou-
se seu estado de saúde, já prejudicado pela primeira guerra, sendo libertado apenas após
intensa luta de sua esposa.
Segundo a mesma autora, voltando a Vence após o período de
enclausuramento, Freinet reorganizou a CEL com o auxílio de sua esposa, de pais e
colaboradores e, em 1947, fundou o Instituto Cooperativo da Escola Moderna (ICEM)
destinado às pesquisas educacionais e aperfeiçoamento da própria CEL. No ano de 1957, os
inúmeros seguidores da pedagogia inovadora proposta por ele fundaram a Federação
Internacional dos Movimentos da Escola Moderna (FIMEM), alcançando cerca de 50
educadores de diferentes países. Um “Movimento Freinet” foi iniciado pelo próprio e teve
continuidade pelas ações desses educadores e pesquisadores, que passaram a compartilhar
reflexões e suas atuações na prática escolar. Em 08 de Outubro de 1966, Freinet faleceu em
Vence, na França. Seu trabalho foi continuado por sua esposa Elise até o ano de 1983, no
qual também falece. Após, a continuidade de estudos e divulgação de suas propostas
educacionais foram desenvolvidos por sua filha e por educadores adeptos de seus ideais
espalhados ao redor do mundo.
Enfatizando a defesa de que as pessoas tivessem seus direitos respeitados em
todos os aspectos, esse pedagogo humanista elaborou uma vasta produção literária durante
sua atuação educacional, permitindo ainda hoje a exploração de seus ideais. No Brasil,
constam entre suas obras “Conselho aos pais”, de 1975; “O jornal escolar”, de 1976; “O
texto livre”, de 1976; “O método natural”, de 1977; “O método natural de gramática”, de
1978; “A educação do trabalho”, de 1998; “Ensaio de psicologia sensível”, de 1998; “Para
uma escola do povo”, de 2001 e “Pedagogia do bom senso”, de 2004.
8.1 Organizando os materiais - a pedagogia de Freinet
Ele lutava por tudo aquilo que acreditava ser a verdade. O que mais queria [...]
era educar. Mas nunca fez seu trabalho sozinho, pois acreditava que o resultado
de um empreendimento só seria duradouro e poderoso se fosse realizado por
150
muitas mãos, muitas cabeças que se juntassem para ajudar umas as outras num
pensamento comum (SAMPAIO, 1989, p. 71).
Célestin Freinet elaborou sua proposta pedagógica buscando uma forma de
ministrar aula alternativa ao tradicional ensino enfadonho que havia recebido.
Questionou o modelo escolar tradicional fundamentado na memorização de
conhecimentos de forma desvinculada à realidade dos alunos, o qual pouco ou nada
contribui com a formação do homem para a realidade de sua vida particular. Questionou a
funcionalidade desse antigo padrão para as necessidades da sociedade atual. Questionou
esse padrão de escola organizado aos moldes militares regido por uma lei específica que
não se encontra na realidade de vida dos alunos. Questionou, por fim, o autoritarismo dos
educadores ao imporem tarefas mecânicas a serem executadas com ordem e disciplina,
impedindo o desenvolvimento da criticidade dos educandos (FREINET, C., 2004).
Em educação, a revolução é ainda mais lenta e laboriosa do que nas outras
técnicas de trabalho; as pessoas têm tendência em impor às gerações que se lhes
seguem os mesmos métodos que as formaram, ou deformaram. A cultura
tradicional continua obstinadamente baseada num passado caduco e trava as
forças inovadoras que dinamizam o avanço (FREINET, C., 1974, p. 06).
Em substituição a essa educação, Freinet propôs uma ressignificação de alguns
conceitos ao serem aplicados no âmbito escolar. Ele nomeou a ordem enquanto destinada à
melhor organização do trabalho escolar, a disciplina enquanto cooperação, e a autoridade
enquanto aspecto moral oriundo do respeito e não de ameaças. Defendeu ainda que o
conhecimento se desenvolve apenas com a própria experiência dos alunos, e não pela
imposição de conceitos teóricos. Dessa forma, o professor deve valorizar e organizar sua
prática pedagógica com base no sentir, amar, viver, criar, compreender-se e socializar-se. A
escola deveria, segundo seus ideais, ser benéfica a todos os envolvidos onde o aluno é
estimulado a questionar, refletir e a tomar decisões coletivamente - como na própria
organização de uma atividade - conjecturando para com a democracia em todo o contexto
social (FREINET, C., 2004).
Acreditou numa escola centrada na criança, com esta desenvolvendo sua
personalidade em meio à comunidade em que vive por meio da ajuda do professor.
Para isso, propôs uma Escola Moderna alicerçada por uma metodologia natural,
151
tomando por base a vida do aluno e os elementos culturais que intervém no seu
comportamento atual e futuro, objetivando o despertar da iniciativa e da curiosidade do
aluno por meio de sua expressão livre. Por conseguinte, o mais adequado, segundo o
educador, seria uma aprendizagem por meio da vivência, da afetividade, das sensações, da
experimentação, do erro e do próprio entusiasmo da criança com o objeto de conhecimento,
abrindo possibilidade para o contato da criança com o meio natural no qual está inserida,
antes do emprego de técnicas específicas (FREINET, C., 1975).
Essas propostas foram fundamentadas em suas próprias experiências enquanto
pastor do campo - assimilando suas ideias pedagógicas à realidade de vida e ao trabalho dos
camponeses - e enquanto combatente nas guerras militares – defendendo uma
democratização de acesso à cultura por meio de uma pedagogia socialista, ao notar que as
crianças sofrem as mesmas leis sociais e possíveis opressões que os adultos.
Em relação as suas vivências no campo, Célestin Freinet construiu uma prática
pedagógica de um professor com os seus alunos assimilando-a às experiências de pastores
que conduzem seus animais, ou seja, pressões excessivas e imposição de medo nos animais
ainda muito novos os desencoraja; confiança, bondade, ajuda, servidão e amor auxiliam-nos
em suas tarefas. Dessa forma, esclareceu a importância de não serem impostos conteúdos
aos alunos nem padronizar a forma destes em recebê-los, pois uma imposição e a
obrigatoriedade em desempenhar uma tarefa a torna não apenas enfadonha, mas também
pode criar uma aversão permanente do aluno à atividade. Os educadores devem, por
conseguinte, estimular o aluno a ter vontade de receber o conteúdo, valorizando suas
atuações e desempenhos nas tarefas. Ao avaliar e distribuir notas e ao lidar com os
diferentes comportamentos que os alunos possam vir a ter, o educador deve-se colocar no
lugar do aluno, resgatando seus sentimentos de quando tinha a mesma idade (FREINET, C.,
2004).
Seguindo os ideais acima mencionados, segundo Elias (1997), a proposta base
da pedagogia de Freinet é baseada nos princípios da cooperação – no qual os professores e
alunos organizam-se numa espécie de cooperativa planejando os trabalhos escolares de
forma a contribuir com a formação do ser humano e com a construção de conhecimento
socialmente -, na comunicação – objetivando integrar esse conhecimento -, na
152
documentação – num processo de registro dos conhecimentos produzidos diariamente - e na
afetividade – unindo as pessoas entre si e cada uma delas com o objeto de conhecimento.
Tomando por base os princípios até então detalhados, Freinet propõe uma
educação com foco central no trabalho. No entanto, o trabalho não traz a visão até então
tida pela sociedade capitalista de busca e acúmulo monetário. Nessa nova concepção, o
trabalho é visto como uma atividade natural do homem durante toda a sua vida a qual exige
constante processo de ensino aprendizado, ou seja, o autor associa ao trabalho as atividades
que as crianças podem desenvolver durante toda a sua vida, atividades estas que exigem
criatividade e uma união dos aspectos intelectuais e manuais. Freinet C. (2004) ressalta que
o trabalho seria qualquer atividade que possui um significado para o aluno o qual a faz.
É proposta uma educação que seja importante e útil para a vida do aluno em
substituição aos tradicionais conceitos a serem decorados, os quais se tornarão pilhas
confusas de conteúdos acumulados sem a sua total compreensão, nem exploração na
realidade de vida dos alunos.
Um ponto a ser destacado é o fato do educador Célestin Freinet não apenas
recomendar uma educação que conduza a criança à visão crítica e autônoma, mas também
agir de forma crítica e autônoma na construção dessa proposta educacional. O pedagogo em
questão interage com educadores da escola nova e com pensadores do socialismo, contudo
não se subordina nem reproduz fielmente nenhuma dessas teorias, apenas usufrui o que
cada uma pode proporcionar para a consolidação de seu projeto pessoal de educação,
segundo seus próprios ideais alicerçados no respeito e direito de todos a uma educação
afetiva e atrelada à vida real.
Ressalta-se, ainda, a ênfase de Freinet ao esclarecer que não propõe uma teoria
ou método educacional a ser seguido, mas faz propostas baseadas na realidade
experimentada por ele mesmo durante seus anos de atuação pedagógica. Diferencia-se,
portanto, de outras propostas educacionais ao ver que estas eram derivadas de diversos
profissionais como filósofos, psicólogos e médicos que teorizavam a educação, enquanto
ele de fato atuou na realidade escolar buscando as alterações e transformações educacionais
tão almejadas até então puramente nas teorias. Por conseguinte, Freinet C. (1975) advertiu
que o que propôs são técnicas, ou seja, utensílios já amplamente explorados por ele para
153
que os professores utilizem-nos de forma a tornar mais adequado seu trabalho pedagógico,
e não um método no qual um autor o cria e estabelece seus limites de forma de aplicação.
Dentre as principais técnicas desenvolvidas para serem empregadas durante as
aulas podem ser citadas o livro da vida, a aula-passeio, o texto livre, a imprensa e o jornal
escolar, a correspondência e intercâmbio interescolar, o jornal-mural, o plano de trabalho
por meio de uma cooperativa escolar e o fichário escolar.
Na técnica denominada de livro da vida é desenvolvido um diário da classe no
qual tanto os professores quanto os alunos podem interferir expondo suas opiniões sobre a
aula e acontecimentos do dia-a-dia, colocando críticas, sugestões ou seus próprios trabalhos
do dia. Já a aula passeio se dá pela saída do ambiente escolar nas quais as crianças
observam elementos da cultura e sociedade, realizam pesquisas formulando suas próprias
hipóteses e posteriormente verificando-as, associando os conteúdos escolares à realidade
vivenciada fora do ambiente educacional (LOPES, 2001).
Os textos livres são textos escritos livremente pelas crianças podendo
posteriormente ser socializado com os demais, cabendo ao professor a função de inserir a
criança num contexto pedagógico ao escrever. O tema desses textos deve ser escolhido
pelas próprias crianças a partir das aulas e segundo seus próprios interesses, sem a
imposição de temas e de formas de escrita, o que apenas repetiria a fórmula escolar
tradicional já existente. Esses textos devem se desenvolver em função da vida escolar dos
alunos de forma a explorar a cultura e os conhecimentos destes. Traz ainda a possibilidade
da criação e expressão da criança, motivando-as e auxiliando-as em sua socialização, uma
vez que ela passa a escrever baseada em seus sentimentos e pensamentos, mas também
atenta aos interesses de quem irá ler. Posteriormente, um texto livre, a partir dos textos
produzidos por crianças que desejassem que fossem impressos, é escolhido
democraticamente por votos – nos quais os votos de cada aluno e do professor possuem o
mesmo valor – e aperfeiçoado coletivamente por todos do grupo. Com o desenvolvimento
das crianças, essa pedagogia possibilita um posterior trabalho de edição dos jornais
(FREINET, C., 1974, 1975).
No jornal escolar, por conseguinte, o conteúdo é o texto livre impresso pela
imprensa escolar a qual, segundo a proposta original de Freinet, se compõe por materiais
154
como mimeógrafos ou limógrafos, nos quais o aluno reproduz o próprio texto. Para sua
construção, cada aluno copia o texto livre duas vezes ao menos, uma para ficar no seu livro
da vida, e outra que será enviada para os correspondentes. O ato da cópia também se dá de
forma livre, podendo o aluno explorar a criatividade para ilustrar e expressar o conteúdo do
texto. Posteriormente, ao final de cada mês, o professor reúne as cópias dos diferentes
textos unindo-as em exemplares de jornais e enviando-os aos correspondentes. Caso não
haja possibilidade de impressão dos jornais, as cópias destes podem ser feitas a mão. Por
meio do jornal escolar, pode-se entrar em contato com os diversos espaços escolares,
familiares, sociais e culturais (FREINET, C.,1974).
O intercâmbio interescolar refere-se à troca de materiais entre as escolas,
podendo ainda haver uma correspondência entre os estudantes, nas quais cada aluno
corresponde-se com um aluno específico da outra escola. Há, por conseguinte, trocas de
jornais produzidos ou outros materiais como brinquedos, discos, filmes, ou o que os alunos
acharem oportuno. Posteriormente, abre-se a possibilidade para a ocorrência de um
intercâmbio entre os alunos, nos quais uma turma é levada para visitar a outra (FREINET,
C., 1974).
Já no jornal mural, um canto de uma parede da sala de aula é coberta por uma
folha grande, a qual é trocada semanalmente. Nesta, ao menos três colunas são organizadas
– “Eu Proponho”, “Eu Critico”, “Eu Felicito” -, nas quais os alunos vão escrevendo seu
pensamento sobre os acontecimentos da sala, e ao final da semana uma discussão coletiva
sobre os escritos é estabelecida com os alunos (SAMPAIO, 1989).
O Plano de Trabalho é mais uma das técnicas propostas. Neste, há uma
conversa entre o professor e os alunos, no qual aquele explica os conteúdos curriculares a
serem trabalhados durante o período, e proporciona aos alunos uma discussão e
participação nas decisões a respeito sobre a forma de dividir esse currículo durante o
período e quais estratégias e prazos para seu cumprimento. Com participação ativa de todos
os alunos na organização de seu próprio ensino forma-se o que Freinet chama de
Cooperativa Escolar, na qual os alunos em grupo decidem democraticamente todos os
feitos que venham a ocorrer ou já ocorridos durante o período no qual estão no ambiente
escolar. Durante a realização desse currículo, a sala de aula com cadeiras enfileiradas e
155
crianças necessariamente sentadas e mudas é condenada, uma vez que negam a vivência
que a criança tem no mundo externo. Em contrapartida, Freinet organiza a sala com cantos,
nos quais cada um possui uma atividade diferenciada a ser trabalhada, além de um canto
com as produções dos alunos, as quais são posteriormente analisadas por meio de uma
autoavaliação (SCARPATO, 1999).
Já o Fichário Escolar foi um instrumento pensado frente às necessidades de
haver um material didático à disposição dos alunos, contudo sem servir como um manual
ou material com conceitos pré-definidos a serem apenas absorvidos por eles, como as tão
utilizadas cartilhas didáticas padronizadas. Dessa forma, os professores preparam fichas,
cada qual contendo um material relacionado a diversos assuntos escolares, as quais tinham
suas cópias distribuídas aos alunos que contribuíam com críticas e sugestões, e devolvidas
aos professores, os quais as corrigiam e posteriormente as distribuíam aos assinantes –
educadores que assinavam revistas produzidas e distribuídas por Freinet. O objetivo dessa
técnica, portanto, foi construir um material educacional conjuntamente com os alunos, e
proporcionar uma divulgação aos demais educadores não apenas do material produzido,
mas também da forma como cada sala estava a trabalhar (SAMPAIO, 1989).
Fundamentado nos ideais acima especificados, Elias (1997) explica que Freinet
propõe quatro etapas educativas – o pré-ensino (compreendendo o período do nascimento
até os dois anos da criança), os jardins de infância (abarcando o período de vida entre dois e
quatro anos), o maternal e infantil (compreendendo o período entre quatro e sete anos) e a
escola elementar (com período compreendido pela faixa etária de sete a quatorze anos).
Este trabalho baseia-se, por conseguinte, neste ultimo período, hoje denominado de ensino
fundamental, no qual a pesquisa de campo apresentada anteriormente neste estudo foi
realizada e uma proposta de trabalho inclusivo é, a seguir, desenvolvida.
8.2 Uma nova pintura - Freinet como uma proposta de inclusão
8.2.1 Aproximando os conceitos
A legislação brasileira dispendeu de prorrogadas décadas para alcançar a
156
definição de uma educação adequada para ser estabelecida socialmente, a inclusiva,
definição esta que passou a nortear argumentos defensores da reconstrução do cenário
educacional em vigência. Contudo, desde o início do século XX, um pedagogo atuou de
forma exímia elaborando os ideais e técnicas de uma educação adequada a todos – a
Pedagogia de Freinet.
Ainda sem exploração da temática acerca da inclusão educacional, Célestin
Freinet sistematizou o processo educacional em consonância com os ideais que ainda
estavam por vir, num tempo além do vivenciado. Observa-se que, apesar da ausência,
naquele momento, de discussões e legislações acerca da inclusão de pessoas com
deficiência na rede regular de ensino, Freinet construiu, sem a imposição de nomenclaturas
e rotulações, uma educação a qual é a atualmente almejada – a educação de qualidade para
todos.
A educação brasileira, pela Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), é
definida como uma educação a qual, baseada na liberdade e solidariedade humana, deve ser
adequada às necessidades de cada aluno e desenvolvida de forma vinculada à cidadania e
mercado de trabalho. Enquanto educação inclusiva, garante o acesso e permanência dos
alunos com deficiência a esse sistema de ensino regular, o qual deve se adaptar para
proporcionar a mesma qualidade de educação para todos.
Num quadro comparativo, de forma principiante, Freinet C. (1998, p. 175) já
havia desenvolvido a seguinte consideração acerca desse tema:
A educação deve ser móvel e flexível: ela deve necessariamente adaptar as suas
técnicas às necessidades variáveis da atividade e da vida humana. E educação
deve, de resto, no quadro desta dignidade, preparar tecnicamente, poder-se-á
dizer, o indivíduo para as suas tarefas imediatas.
Nota-se, por conseguinte, ideais correlacionados, contudo elaborados e
vivenciados distintamente. Uma união de tais propostas pode ser contributiva à
consolidação da prática da inclusão educacional ao entrelaçar as bases teóricas da
legislação brasileira às possibilidades de prática proposta pelo pedagogo.
Quando se fala em educação inclusiva se fala em direitos humanos, ou seja,
considera-se o ser humano em primeiro lugar, com seus direitos e sua necessidade de ser
157
respeitado e aceito em sua diversidade de características. Da mesma forma, Freinet propõe
uma educação na qual é fornecida à criança não apenas o domínio intelectual de
determinado conhecimento, mas também o afeto e acolhimento indispensáveis para o
desenvolvimento de cada um enquanto ser humano.
Pela proposta do educador em questão, deve ser repensada a dicotomia entre
teoria e prática existente na educação, sendo esta desenvolvida de forma apropriada apenas
por meio da experiência dos alunos com o conhecimento (FREINET, C., 2004). No âmbito
da inclusão, a distinção entre teoria e prática se faz presente por um lado pelas escolas que
aceitam legalmente sem adaptação as necessidades de cada um, e por outro pelas
universidades ao produzirem conhecimentos teóricos os quais dificilmente alcançam a
maioria das instituições educacionais. Os ideais da prática educacional desenvolvidos pela
experiência se mostram pertinentes para a alteração desse quadro. Além da união entre as
universidades e as escolas visando uma inicial superação das atuações isoladas de ambas, a
inclusão deve ser vivenciada inicialmente para apenas depois ser discutida teoricamente
entre os alunos. Os alunos não irão praticar a inclusão porque decoraram o conceito ou por
serem subordinados a uma legislação nacional, mas por vivenciarem uma realidade de
conscientização das individualidades e de respeito e valorização das diferenças.
Questionando o modelo escolar tradicional o qual conduz os alunos a
armazenarem mentalmente definições teóricas desvinculadas das exigências da vida diária
de cada um, mais uma vez é encontrada consonância desse educador francês com a
proposta inclusiva. Essa escola tradicional também se mostra insuficiente ao aluno com
Síndrome de Down. Por impor o armazenamento de conteúdos, o aluno com essa condição
específica é prejudicado uma vez que possui como característica principal a dificuldade de
concentração, utilização de conhecimentos prévios e de armazenamento de informações.
Continuando a aproximação da Pedagogia de Freinet à temática da inclusão,
ressalta-se a procura de ambas pelo desenvolvimento de uma educação à disposição de
todos independente de suas dificuldades e diferenças tanto de capacidade educacional
quanto social dos educandos. Ambas as propostas, por sua vez, aos trazerem esses ideais
como norteadores, esbarram em mesmos obstáculos: como tornar a educação adequada às
diversas realidades frente às diferenças e dificuldades enfrentadas pelas estruturas
158
organizacional, social e econômica das escolas?
Célestin Freinet contorna essa situação numa proposta de educação que se
adapte frente às diferentes realidades e necessidades dos alunos, sem a exigência de
adequação dos alunos ao ensino pré-moldado. Freinet encontra a solução para as escolas
por meio de um trabalho educacional alicerçado por princípios a disposição de todos,
porém pouco empregados de fato. Se as escolas atuais mecanizaram a relação e o processo
de ensino aprendizagem, o educador enfatiza a importância dos aspectos de afetividade,
cooperação e respeito, com o professor se colocando no lugar do aluno para se
conscientizar dos sentimentos destes, assim como seus medos e incertezas, para a execução
de uma tarefa educacional. Esses aspectos são indispensáveis para a concretização da atual
proposta da inclusão educacional, afinal, para que ela de fato ocorra, além de afetividade,
paciência e cooperação entre todos, a empatia torna-se indispensável.
Pela empatia os alunos colocam-se uns nos lugares dos outros respeitando as
diferenças individuais, os professores vivenciam o papel não apenas do aluno ali presente
com uma deficiência, mas também dos pais destes, com seus receios, inseguranças e muitas
vezes desconhecimento a respeito da condição e também das potencialidades de seu filho,
num ambiente diferente do qual ele ainda não participava – as escolas regulares.
Especificamente em relação à empatia, Freinet (FREINET C. apud FREINET, E., 1975, p.
20) reitera:
O meu único talento de pedagogo é talvez o ter guardado uma tão total impressão
dos meus jovens anos, que sinto e compreendo, como criança, as crianças que
educo. Os problemas que eles põem e que são um tão grave enigma para os
adultos, ponho-os ainda a mim mesmo com as claras recordações dos meus oito
anos e é como adulto-criança que detecto, através dos sistemas e dos métodos
com que tanto sofri, os erros de uma ciência que esqueceu e ignorou as suas
origens.
Ademais, Freinet C. (1975) ressalta que pressões e imposição de características
negativas afastam o ser humano da tarefa podendo até mesmo criar aversão a ela, sendo
apenas por bondade, confiança e amor que o professor consegue, de fato, conduzir uma
criança no seu conhecimento. Transpondo tais entendimentos para a educação inclusiva,
pode-se esclarecer que a imposição da aceitação das diferenças pressionando os alunos a
agirem de determinada forma com um aluno com Síndrome de Down, ou com qualquer
159
outra condição, pode afastar ainda mais esses alunos. Apenas com amor e afetividade, o
professor pode de fato auxiliar todos a compreenderem as diferenças de um aluno com
deficiência e instigá-los a não apenas conviverem, mas respeitá-lo e a criarem vínculos
afetivos assim como com os demais.
Confirmando as propostas acima, Freinet C. (1975) destaca que a escola deve,
portanto, adaptar sua forma de funcionamento e atuação educacional em consonância com
o desenvolvimento da sociedade e com os novos ideais os quais os alunos vivenciam, sem
obrigá-los a se enquadrarem numa estrutura escolar organizada segundo determinações e
conceitualizações de momentos históricos anteriores. Deve, portanto, proporcionar uma
aprendizagem significativa relacionada ao contexto sociocultural do aluno.
A pedagogia humanista de Freinet propicia a colaboração, solidariedade,
conhecimento empírico e real na prática, fatores esses necessários e algumas vezes faltantes
na atual escola, falta essa que dificulta a implantação de uma prática inclusiva num
ambiente no qual os alunos são classificados e imersos apenas em teorias, e não práticas de
vida.
Suas proposições a respeito da prática pedagógica são perfeitamente aplicáveis
em qualquer nível de ensino, e possuem a potencialidade de contribuição com a construção
dessa nova proposta de educação inclusiva. A legislação trouxe obrigações inclusivas ao
sistema educacional e necessidade de atualização dos profissionais da educação, contudo
mais do que uma teoria inclusiva, a concretização da inclusão depende de uma
conscientização da necessidade e importância de tais atos, o que se dá apenas por meio de
um trabalho sério fundamentado nos valores humanos, conforme proposta de Célestin
Freinet.
Esse educador defendeu que uma mudança social é possível por meio da
mudança das ações de cada pessoa de forma individual. Pode-se extrair dessa crença que a
inclusão, não apenas educacional mas também social, é sim possível, e a propagação de
conhecimento e aquisição de atitudes e comportamentos inclusivos desenvolvidos por cada
aluno dentro de uma aula irão contribuir decisivamente para todo o âmbito social.
Nessa questão, a proposta de Freinet para uma educação voltada para o
trabalho, que seriam as atividades que o aluno realiza em seu dia-a-dia, pode ser
160
facilitadora da inclusão para o aluno com Síndrome de Down nos demais cenários sociais,
extrapolando o contexto educacional ao enfatizar a realização de tarefas as quais serão
empregadas pelo aluno na sua vida diária. Ademais, os valores explorados na sala de aula
poderão ser levados para a comunidade contribuindo com a formação dos alunos enquanto
futuros cidadãos.
A inclusão envolve mais do que determinações legais e definições em teorias,
envolve o relacionamento humano e valores morais e éticos, os quais são evidenciados por
Freinet.
“A Pedagogia Freinet da Escola Moderna tem a pretensão de contribuir com a
prova de que as teorias generosas dos grandes pedagogos podem actualmente tornar-se
realidade” (FREINET, C., 1975, p. 15).
8.2.2 As técnicas como possibilidade inclusiva
O nosso papel e a nossa função, nesse grau primário que condiciona as
construções posteriores, serão justamente, agir, verificar, comparar, experimentar,
ajustar. Experimentar e ajustar não só materiais brutos ou peças mais ou menos
trabalhados, mas elementos de criação e de vida (FREINET, C., 2004, p.109).
Célestin Freinet propõe uma educação fundamentada em princípios e técnicas
específicas. De forma geral, esta deve ser prática e cooperativa, significativa e vinculada à
realidade cotidiana dos alunos.
Especificamente em relação à inclusão de alunos com Síndrome de Down nas
aulas de educação física escolar, a inclusão pode ser beneficiada com essa proposta. A
permanência de um modelo educacional tradicional que exalta a transmissão de inúmeros
conteúdos dissociados da realidade das crianças dificulta a participação ativa desse aluno e
exige uma restruturação desse padrão escolar antigo. É notório o fato do aluno com
deficiência intelectual ter sua presença contestada em prol da sua dificuldade em incorporar
e armazenar os conhecimentos teóricos os quais, contudo, na maioria das vezes não terão
contribuição decisiva na vida desses alunos ao serem trabalhados por memorização.
Dessa forma, trabalhar os conteúdos da educação física de forma associada à
realidade desses alunos e vinculada aos seus interesses e atividades do cotidiano pode
161
auxiliar o desenvolvimento e o aprendizado de cada aluno, com cada um se desenvolvendo
segundo suas capacidades e realidade. Essa possibilidade de aula se mostra mais adequada
do ponto de vista educacional do que aulas baseadas em níveis de rendimento pré-
esperados as quais, não apenas para o aluno com Síndrome de Down, mas para todos que
apresentarem dificuldade na execução do exercício em questão, não irão trazer
contribuições ao desenvolvimento e formação humana, apenas os afastarão da prática e se
tornarão conteúdos esquecidos, como muitos dos escolares.
Para a execução prática de sua perspectiva pedagógica em contraposição à
realidade escolar até então vivenciada, Freinet buscou técnicas consoantes com a condição
das escolas em locais que sofriam com descasos e dificuldades políticas e econômicas,
defendendo um novo modelo educacional adequado e viável a todos. Da mesma forma,
esse estudo busca alternativas para contribuir com a inclusão tendo consciência das
diferentes realidades escolares brasileiras, nas quais em muitas vezes o descaso e
precariedade tornam-se marca constante das escolas públicas. A aproximação com Freinet,
mais uma vez, é alicerçada em semelhantes dificuldades, contudo, em iguais determinação
e força de vontade de educadores em prol do estabelecimento de uma educação com
qualidade e acessível a todos.
Como ponto principiante na organização de uma aula, a ênfase dada ao aspecto
da cooperação torna-se fundamental para a educação proposta por Freinet, como uma forma
de estimular a solidariedade e a democracia, anulando individualidades que poderiam
sobrepor uns aos outros. Da mesma forma, a inclusão nas aulas de educação física de um
aluno com deficiência, especificamente com Síndrome de Down, exige que o professor
trabalhe de forma a proporcionar o desenvolvimento da cooperação entre os alunos,
desenvolvendo a solidariedade e respeito às diferenças, base fundamental para um projeto
educacional inclusivo.
Num segundo momento, as técnicas desse educador francês podem auxiliar na
inclusão educacional, encaixando-se perfeitamente nesse contexto, apesar de, quando
publicadas, o educador não citar especificamente a inclusão de alunos com deficiência nas
escolas regulares, questão esta ainda não estruturada no momento histórico em questão.
É válido, por conseguinte, uma especificação das possibilidades de trabalho
162
inclusivo com os conteúdos da educação física por meio das técnicas então elaboradas.
Na técnica denominada de “Livro da Vida” – no qual um diário de classe é
construído diariamente com contribuições escritas oriundas das opiniões dos alunos e
professores – o professor pode identificar as compreensões dos alunos acerca da inclusão
educacional estabelecendo relações destas opiniões com os conteúdos em sala trabalhados.
Em posse desses dados, atividades podem ser planejadas buscando trabalhar os conceitos
que se mostrarem necessários.
Da mesma forma, pelo “Jornal-Mural”, com folhas disponibilizadas em paredes
da quadra ou espaço da aula com os itens “Eu Proponho”, “Eu Critico” e “Eu Felicito” a
serem preenchidos pelos alunos quando necessários, os acontecimentos e ideias dos alunos
a respeitos destes eventos serão expostos facilitando uma posterior discussão e reflexão
conjuntamente com o professor nos momentos finais de cada semana, de acordo com as
necessidades da sala. Nesse momento, questões relacionadas às dificuldades específicas da
inclusão poderão ser observadas e identificadas pelo professor, e posteriormente serem
discutidas numa reunião da cooperativa, onde alternativas podem ser encontradas em
comum acordo com os próprios alunos. Estas questões podem ser trabalhadas não apenas
durante a reflexão do acontecimento, mas também em posteriores atividades a serem
planejadas pelo professor, direcionando-as para a exploração de um conceito ou
característica apresentado na reflexão. Com as dificuldades apresentadas explicitamente, a
busca pela solução de cada uma torna-se mais fácil e com maior probabilidade de alcance
de resultados positivos.
Pelo trabalho com os “Textos Livres”, o professor pode solicitar – como tarefa
de casa ou num dia de chuva em uma escola que não possui espaço coberto para aulas
práticas, por exemplo - a construção de textos assim como de propostas de atividades a
serem feitas pelos alunos sobre os diversos conteúdos da educação física, inserindo-os
nesse contexto pedagógico, mas sem a imposição de temas pré-definidos. Posteriormente,
essa construção pode ser feita em grupos visando a colaboração de todos e a participação
ativa do aluno com Síndrome de Down, estimulando também a socialização de forma a
permitir a participação efetiva de todos uma vez que em pequenos grupos é maior a
possibilidade de participação e de interação entre todos do grupo. A partir dessa construção
163
dos alunos, as ideias referentes à inclusão educacional podem transparecer e até mesmo
serem discutidas pelo professor. Dessa forma, uma proposta de atividade escrita por um
aluno pode conduzir a uma discussão a respeito da adaptação dessa atividade para permitir
a participação de todos, explorando não apenas a deficiência intelectual, em questão, mas
várias outras possíveis deficiências e dificuldades que possam vir a serem apresentadas.
Já pelo “Jornal Escolar” – no qual há a reprodução e posterior envio dos textos
livres – as ideias construídas sobre a inclusão nas aulas de educação física, assim como
atividades propostas ao alcance de todos podem ser distribuídas para as famílias e
comunidade. Dessa forma, o ideal inclusivo rompe as estruturas escolares caminhando ao
encontro da sociedade a qual essa escola está inserida. Nesse caso, em substituição aos
antigos mimeógrafos, o computador tem potencial facilitador não apenas proporcionando
uma numerosa e rápida quantidade de cópias, mas também podendo atuar como um veículo
a ser explorado como difusor dos trabalhos produzidos.
Pela técnica do “Fichário Escolar”, podem ser preparadas e trocadas entre os
professores fichas com as atividades de diferentes conteúdos de educação física já
trabalhados em aula e as possíveis adaptações que foram necessárias para a participação
efetiva do aluno com Síndrome de Down. Longe de servir como uma receita, esse fichário
pode divulgar possibilidades de práticas e de adaptações a serem feitas por outros
professores, norteando-os e auxiliando-os em possíveis ações a serem tomadas segundo as
necessidades do momento.
Observa-se, nesse processo inclusivo, os alunos com deficiências indo ao
encontro dos demais alunos. Contudo, por que não os próprios alunos sem deficiência
também irem ao encontro das pessoas com deficiência?
Nesse contexto, as técnicas de intercâmbio e correspondência interescolar
podem contribuir.
Nessas técnicas há uma troca de materiais entre os alunos, que podem ser um
texto, um trabalho ou vídeos produzidos em aula, ou qualquer material que acharem
oportuno. Além da possibilidade de troca desses materiais entre diferentes escolas com o
propósito de discussão sobre a inclusão e as possibilidades que cada uma encontrou,
também pode haver um contato entre uma escola regular e uma escola especial. Após um
164
inicial desconhecimento, principalmente dos alunos das escolas regulares em relação às
escolas especiais, esse contato entre ambas e a instigação da formação de vínculos afetivos
entre elas, pode estimular o desenvolvimento de conhecimento acerca das diferenças, fator
indispensável para o posterior respeito e aceitação das mesmas. A respeito dessa técnica
Sampaio (1989, p. 197) explica: “Nesse processo as crianças estarão aprendendo a respeitar
essas diferenças, a tolerar, admitindo outros modos de vida e aceitando os outros tal qual
eles são”.
Já as correspondências entre professores pode facilitar a troca de experiências,
de materiais pedagógicos e de possibilidades de solução de problemas na implantação da
inclusão.
Numa outra técnica possível de ser empregada, a “Aula-Passeio”, um encontro
entre as duas escolas pode ser organizado, no final do período letivo, fundamentado nos
ideais inclusivos e humanos até então trabalhados. Em aulas-passeio os alunos podem ser
levados até uma aula de educação física de uma escola especial, e posteriormente, podem
conjuntamente com o professor, preparar uma aula para receberem esses alunos em sua
escola. Pela auto-avaliação, o professor pode discutir com os alunos quais aspectos poderão
ser avaliados por eles, brecha fundamental para trabalhar conceitos como a importância da
vivência e participação crítica em cada conteúdo em detrimento da busca pelo desempenho
motor mecanizado. Ademais, nesta técnica, os alunos podem ser levados em locais que
propiciem conhecimento acerca das pessoas com deficiência substituindo o possível
desconhecimento desses alunos pelo respeito e conscientização das potencialidades dessas
pessoas, como em locais de prática de atividades física específica para pessoas com alguma
condição de deficiência, como esportes adaptados ou práticas de dança adaptada.
Já para a organização da aula, Freinet propõe um “Plano de Trabalho” a ser
organizado por meio de uma cooperativa escolar, ou seja, os professores explicam os
conteúdos necessários de serem trabalhados durante o período e os alunos auxiliam na
divisão e organização desse currículo. Dessa forma, o educador, ao respeitar as ideias e
propostas de um aluno com Síndrome de Down, estimula o restante da sala a agir conforme
seu exemplo. Discussões sobre como organizar esse conteúdo perante as diferentes
dificuldades também podem instigar os alunos a pensarem acerca das diferenças e
165
buscarem alternativas respeitosas a todos. Ademais, as possibilidades de exploração dos
conteúdos da educação física tornar-se-ão explicitas aos alunos, auxiliando no rompimento
da monocultura esportiva e na introdução da vivência das diferentes práticas da cultura
corporal compreendidas pela área.
Por fim, uma possibilidade pertinente para a facilitação da inclusão de alunos
com Síndrome de Down na rede regular de ensino é a proposta de Célestin Freinet referente
à organização das aulas em “cantos”, também denominados de “oficinas”, nos quais
atividades diferentes são desenvolvidas concomitantemente.
Sabendo que o objetivo é que todos os alunos vivenciem os diferentes
conteúdos da educação física, conhecendo-os, praticando-os e transformando-os, se assim
desejarem, a aula de educação física pode ser organizada em cantos com cada um
explorando um conteúdo específico da área.
Há, por conseguinte, por meio desta técnica, uma possibilidade de superação da
ainda presente hegemonia de alguns conteúdos – principalmente o esporte e o jogo – sobre
outros, como demonstrado na pesquisa de campo apresentada nesse estudo. Uma
possibilidade de trabalho é um início de aula com apenas dois cantos, associando um
conteúdo já presente na realidade das crianças e de preferências dos próprios, como o
esporte, com outro canto com um conteúdo diferente, como um trabalho com dança, e por
meio desses cantos ir apresentando as diversas outras possibilidades temáticas para os
alunos. Com mediação do professor pode-se, aos poucos, superar a resistência dos alunos
induzindo-os a vivenciarem a diversidade de conteúdos por meio da rotatividade dos
educandos pelos diferentes cantos presentes durante a aula.
Com a aula dividida em cantos, diferentes níveis de desenvolvimento também
são possíveis de serem trabalhados concomitantemente. A aula deixa de propor uma
atividade e um resultado padronizado para todos os alunos, facilitando que todos tenham
vivências positivas, na atividade que mais se adequarem ao seu gosto e nível de
desenvolvimento.
Segundo o educador, as crianças não possuem o mesmo ritmo de
desenvolvimento, sendo necessário respeitar essas diferenças e também auxiliar cada aluno
a se desenvolver de acordo com suas necessidades (ELIAS, 1997).
166
Os alunos com Síndrome de Down possuem características diferentes entre sim,
e não existe uma aula com um formato específico que seja mais adequado para essa
população, uma vez que esta é uma população tão heterogênea entre si quanto o restante
dos indivíduos sem deficiência. Dessa forma, as técnicas de Freinet com aulas em oficinas
que explorem diferentes capacidades e níveis de habilidades poderá permitir a participação
de todos.
Freinet defende ainda que a aquisição de um conhecimento não ocorre pelo
inicial estudo das regras, mas por uma primeira experimentação do conteúdo (ELIAS,
1997). Dessa forma, torna-se adequado oportunizar que inicialmente os alunos tenham
contato com atividades em cada canto, para posteriormente ir incorporando as regras assim
como construindo novas conjuntamente com os alunos, em substituição às aulas
mecanizadas e enfaticamente técnicas que, conforme verificado pelo estudo de caso
anteriormente apresentada, dificulta a inclusão de alunos com Síndrome de Down.
Dessa forma, os alunos podem permanecer em um canto com as atividades mais
próximas ao seu nível de desenvolvimento e sua atual capacidade, e aos poucos ir
explorando os demais cantos nos quais os níveis de dificuldades são maiores,
proporcionando que vivenciem aos poucos as suas dificuldades de forma a superá-las com
determinação e também segurança, sem a imposição nem a obrigação de terem de realizar
determinada atividade com um nível de resultado estabelecido.
Os cantos, segundo Freinet E. (1983), não apenas respeitam a autonomia das
crianças, mas também as suas diferentes necessidades. Com eles, pode-se ora trabalhar um
mesmo objetivo com todos ora com diferentes objetivos segundo os variados níveis de
desenvolvimento e preferências. Sabendo da dificuldade em manter uma participação ativa
dos alunos com Síndrome de Down durante as atividades e com interação positiva entre
esses e os demais alunos, como visualizado na pesquisa desenvolvida, os princípios de
Freinet mais uma vez podem colaborar. Ao saber que a participação ativa foi facilita pelo
caráter de vivência e ludicidade, cantos com atividades vivenciadas ludicamente em
detrimento das convencionais aulas monotemáticas organizadas em moldes de treinamentos
podem propiciar a tão buscada participação ativa de todos em atividades adequadas às
necessidades de cada um.
167
Por conseguinte, pode-se, nesse momento, construir o quadro abaixo, buscando
uma organização dos ideais e das propostas sugeridos até esse momento:
Quadro 1 – As técnicas de Freinet como facilitadoras da inclusão nas aulas de
educação física escolar
TECNICAS DE
FREINET
POSSIBILIDADES PARA A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO
FÍSICA ESCOLAR
Livro da Vida
Registro das compreensões do aluno acerca da inclusão,
permitindo ao professor a identificação dos conceitos
necessários a serem trabalhados.
Jornal Mural
Registro dos conflitos relacionados à questão inclusiva, com
posterior discussão coletiva, buscando construir conhecimento
sobre formas de superá-los e do respeito às diversidades.
Textos Livres
Construção de textos sobre a temática da inclusão na educação
física, e criação de atividades pelos alunos instigando-os a
refletirem sobre a necessidade de participação de todos.
Jornal Escolar
Reprodução e divulgação dos textos e atividades construídas
para a comunidade escolar, propagando os ideais inclusivos.
Fichário Escolar
Construção de fichas sobre as condições de deficiências,
adaptação das aulas e temáticas inclusivas visando nortear o
trabalho dos professores.
Aula Passeio
Visitas à locais de prática de atividades físicas destinadas à
pessoa com deficiência, e à aulas de educação física de escolas
especiais, construindo conhecimento sobre as diferentes
168
realidades e buscando o respeito às diferenças.
Plano de Trabalho –
Cooperativa Escolar
Permitir que os alunos auxiliem na organização os conteúdos
da educação física no planejamento anual, estimulando-os a
criarem possibilidades para permitir a participação de todos
nesses conteúdos ao longo do ano.
Aulas em Cantos
(Oficinas)
Organização da aula em diferentes atividades sendo realizadas
concomitantemente, atividades estas com diferentes níveis de
dificuldades e exigências, permitindo atividades adequadas às
diversidades dos alunos.
Essa diversidade de sugestões educacionais permite ao professor reconstruir
suas aulas constantemente, adaptando-as às necessidades e características da turma. De
forma a exemplificar as discussões até então desenhadas, sugestões quanto ao trabalho com
cada conteúdo são desdobradas abaixo, não para serem reproduzidas em sua integridade,
mas para fornecerem uma ilustração de forma a induzir o desenvolvimento da criatividade
dos educadores para empregarem as técnicas da pedagogia de Freinet em sua organização
didática de diferentes formas, em prol da construção de uma aula inclusiva.
Exemplificando, no conteúdo Jogo, fundamentado pela técnica dos “textos
livres”, os alunos podem ser organizados em pequenos grupos para construírem, ao invés
de textos, jogos a serem vivenciados com os demais da sala, associando os conhecimentos
prévios ao seu potencial criativo. Durante essa construção, os alunos podem ser induzidos a
considerarem questões pertinentes à temática da inclusão, como possibilidades de
organização de uma atividade de forma que todos tenham uma participação ativa e
propostas de soluções para as possíveis dificuldades que possam vir a ocorrer, dificuldades
estas as quais podem ser alertadas pelo professor. Alunos com Síndrome de Down devem
ser estimulados a contribuírem com as criações e com a apresentação da proposta para a
sala, trabalhando com os demais o conhecimento e respeito às características dessa
condição e também formas de auxiliar esses alunos a também participarem e a
169
desenvolverem a tarefa.
Já em sugestão referente ao conteúdo Esporte, pode ser explorada a técnica da
“aula em canto”. Diferentes modalidades podem ser trabalhadas concomitantemente
possibilitando maior equidade de espaço às diferentes temáticas, bem como de respeito ao
desconhecimento e receio dos alunos para com os temas até então não comumente
vivenciados. Há também a possibilidade de organização de um rodízio entre os cantos ao
trabalhar com uma modalidade específica (em um canto pode-se vivenciar um jogo pré-
desportivo, em outro as discussões a respeito de uma temática inclusiva relacionada a tal
prática, no canto seguinte vivências de técnica e tática, e ainda em um último canto uma
vivência próxima à modalidade oficial). Dessa forma, as capacidades de cada aluno são
consideradas ao organizar atividades com diferentes níveis de dificuldades, havendo maior
probabilidade de serem desenvolvidas beneficamente, respeitando as preferências
individuais à variedade de atividades propostas e o nível de desenvolvimento e capacidade
dos mesmos, mesmo quando esse apresenta alguma condição de deficiência como a
Síndrome de Down, sendo uma possibilidade de superação dos ideais pré-concebidos de
limitação e incapacidade destes.
Com o conteúdo Dança, a organização de um “plano de trabalho”
conjuntamente com os alunos, por meio da denominada cooperativa escola, pode ter
relevante validade educacional. A turma pode auxiliar na organização de um determinado
período de aulas, como um mês, definindo a progressão e temática das mesmas com auxílio
e orientações do professor. As propostas de temas a serem trabalhados em cada aula, assim
como as modalidades de danças sugeridas pelos alunos, devem ser consideradas, cabendo
ao professor o posterior planejamento dos planos de aula fundamentados nas escolhas da
turma. Dessa forma, o conteúdo passa a ser valorizado e refletido pelos alunos, além de
possibilitar o desenvolvimento da criatividade e autonomia destes. Respeitando as escolhas
e ideias propostas por um aluno com Síndrome de Down, o professor pode induzir os
demais alunos a fazerem o mesmo, vivenciando com a turma a adequada forma de
interação. Ademais, o professor, ao mesmo tempo no qual valoriza as escolhas dos alunos,
também tem a possibilidade de organizá-las de forma que um aluno com deficiência tenha
uma participação ativa, sendo que tais organizações da sala podem ser discutidas
170
coletivamente, não expondo o aluno com deficiência, mas discorrendo sobre a necessidade
de respeitar as diferenças, de permitir que todos participem efetivamente da aula e desta ser
organizada de forma respeitosa às características de cada um.
Quanto ao conteúdo específico da ginástica, cantos com diferentes materiais e
possibilidades de movimentos podem ser organizados, permitindo que os alunos
movimentem-se entre eles e vivenciem as variedades presentes nesse conteúdo,
compreendendo que poderão encontrar facilidade em uma atividade e maior dificuldade em
outras. Os alunos poderão vivenciar os materiais e encontrar os que os agradam, assim
como os movimentos da ginástica nos quais melhor se adaptam e, posteriormente, com
maior segurança, vão se aproximando aos poucos dos demais cantos e aprendendo novas
possibilidades, segundo seu próprio interesse e não por exigência do professor, o que torna
o aprendizado mais agradável e empolgante ao próprio aluno e, consequentemente, o
estimulará a aprender e a se superar cada vez mais. O professor deve, portanto, servir como
um mediador, um auxiliador e estimulador do aluno, ao mesmo tempo no qual deve
organizar cantos respeitando as necessidades e possibilidades individuais, incluindo todos
os alunos, com atividades de diferentes níveis de dificuldades e preferências.
Por fim, o conteúdo Luta, pode ser explorado por meio de “aulas passeios”.
Visitas a locais de práticas de modalidades específicas podem ser feitas, assim como a
locais referentes às diversas culturas originárias das lutas, possibilitando conhecimento da
história e dos valores imbuídos em tais práticas. Dessa forma, um rompimento com a
relação entre o conteúdo educacional luta e a violência presente na sociedade pode ser
estabelecida. Ademais, os alunos podem ser levados para instituições especiais ou locais
nos quais pessoas com deficiência pratiquem tal conteúdo, explorando o ideal de respeito e
valorização das diferenças, o que facilita a inclusão do aluno com uma condição de
deficiência na turma, como a Síndrome de Down.
Para a inclusão, um sistema educacional segundo as necessidades individuais e
respeitoso às dimensões afetivas e reais da vida prática de aluno – assim como o ideal de
educação proposto por Freinet – é necessário. Uma ruptura ao modelo e conceitos
tradicionais de ensino deve ser estabelecida. E em relação a isso, Freinet C. (2004, p. 342)
esclarece que “é toda uma revolução a operar, uma corrente a restabelecer num leito desde
171
há muito tempo abandonado e obstruído pelos aluviões e pelos troncos vivazes que já
retomaram raízes. Não me iludo sobre as dificuldades da tarefa”.
A implantação dessas técnicas em favor do desenvolvimento da educação
inclusiva poderá não ser simples de ser estabelecida, podendo ter de superar barreiras
diversas, como o próprio receio de profissionais da escola e dos pais. Contudo, as
possibilidades aí se apresentam, exigindo determinação e coragem dos professores, em
busca da construção dessa nova educação física necessária para a contribuição na
construção da atual sociedade inclusiva.
172
CONSIDERAÇÕES FINAIS – ENTRE AS PINTURAS EXISTENTES E
AS FUTURAS
A inclusão exige o reconhecimento e respeito às diferenças. Seria, portanto, um
equívoco associá-la apenas a um sinônimo de dificuldade na educação. Ao contrário, deve
ser compreendida como uma oportunidade de transformação e de amadurecimento não
apenas do espaço acadêmico, mas de todas as diversas organizações sociais (SOLER,
2005).
Fundamentado nesse entendimento, no estudo aqui apresentado foram
associados os ideais de Célestin Freinet ao processo inclusivo de alunos com Síndrome de
Down nas aulas de educação física escolar, de forma desejosa a construir uma educação
respeitosa e de fato adequada a todos, conforme ilustração da figura abaixo.
Síndrome de Down
Educação Física Pedagogia de Freinet
Figura 28 - A inclusão do aluno com Síndrome de Down nas aulas de educação física
escolar fundamentada pela Pedagogia de Célestin Freinet.
No estudo de caso desenvolvido, foi possível observar algumas dificuldades de
viabilizar a inclusão no cenário escolar, como a predominância dos conteúdos de esporte e
de jogo, a ocorrência de interações negativas entre os alunos, a participação passiva dos
alunos com Síndrome de Down em aulas de esporte e de jogo devido a incompreensão
INCLUSÃO
173
destes sobre as atividades que estavam sendo desenvolvidas, além de barreiras atitudinais e
de conhecimento do professor devido a precariedade de conhecimento a respeito das
diferentes condições de deficiência e sobre como planejar uma aula com todos os conteúdos
de forma adequada a todos, independente de suas características.
Dessa forma, reorganizando as principais conclusões oriundas desse trabalho,
pode ser construído, nesse momento, um quadro relacionando os entraves que dificultaram
a inclusão dos alunos com deficiência, observados na pesquisa de campo, com as
respectivas possibilidades de superação desses, segundo as ideias discorridas no capítulo
sobre Célestin Freinet.
Quadro 2 – Quadro comparativo entre as principais dificuldades de inclusão de um
aluno com deficiência nas aulas de educação física escolar, encontradas na pesquisa de
campo, e as alternativas obtidas por meio do estudo da Pedagogia de Célestin Freinet.
Dificuldades observadas Possibilidades obtidas por meio da Pedagogia de Freinet
Predominância de alguns
conteúdos sobre os outros
A técnica de “aula em cantos” possibilita que mais de um
conteúdo seja explorado ao mesmo tempo, incluindo as
atividades alternativas, permitindo a inserção de práticas
pouco vivenciadas conjuntamente com as preferidas pelos
alunos. Já pelo “plano de trabalho por cooperativa escolar”,
os alunos participam da organização curricular, conhecendo a
diversidade e a necessidade de vivência dos conteúdos.
Participação passiva dos
alunos com deficiência
A técnica de “aulas em cantos” permite que atividades com
diferentes níveis de dificuldades e de variadas temáticas
sejam trabalhadas concomitantemente, possibilitando a
participação de todos com tarefas adequadas às capacidades e
preferências de cada aluno. Além disso, é proposto que o
professor estimule a participação de todos, valorize o
desempenho individual e substitua o modelo tradicional de
174
ensino por um adaptado às necessidades da turma.
Barreiras atitudinais -
Interações negativas entre
os alunos
A estimulação do respeito às diferenças pode ocorrer por uma
educação humana, cooperativa e afetiva, baseada na empatia
e na substituição do ideal de individualismo pelo de
solidariedade. Ademais, as técnicas do “livro da vida” e do
“jornal-mural” possibilitam a discussão e busca por soluções
coletivas dos conflitos que venham a ocorrer.
Barreiras de conhecimento
– Atuação despreparada
do educador
As técnicas de “fichário escolar” e “correspondência
interescolar” podem propagar conhecimentos entre os
professores sobre as possibilidades de adaptação e soluções
frente às dificuldades referentes ao processo inclusivo.
Conforme verificado neste quadro, os ideais de Freinet podem ter contribuição
relevante no processo de reconstrução educacional em prol da estruturação de uma
educação acessível e de qualidade. Por meio destas propostas, os conteúdos da educação
física podem ser explorados em diversidade de possibilidades de forma a favorecer a
participação ativa de todos, independente de suas diversidades de características.
Ressalta-se, por conseguinte, a necessidade da escola respeitar a diversidade
existente entre cada indivíduo. Sabendo que essa diversidade é inata e persistente - mesmo
com a intenção mundial de globalizar costumes, hábitos e comportamentos - é impensável
uma tentativa escolar de padronizar exercícios e resultados esperados, sendo a inclusão uma
forma de conscientização das diferenças e do dever de respeitá-las.
O acesso ao sistema escolar regular é garantido pela lei, cabendo agora a
transformação e reconstrução deste para permitir a permanência com qualidade de todos os
alunos, incluindo aqueles que apresentarem alguma condição de deficiência.
A escola tem a difícil e necessária tarefa de transformar seu processo de ensino-
aprendizagem, possibilitando que os alunos recriem e transformem os conteúdos escolares
em substituição à anterior didática fundamentada na memorização de conhecimentos
175
acumulados há séculos. Pode-se, até mesmo dizer, que a inclusão das pessoas com
deficiência nas escolas regulares está auxiliando o sistema educacional a, finalmente, se
atualizar. Os professores são obrigados a repensar sua prática e a escola a repensar sua
função e estrutura.
Convive-se com o medo, o receio e a insegurança diante dessas novas
possibilidades e exigências do ensino escolar. Porém essas incertezas caminham
paralelamente às novas possibilidades de transformação do ensino.
Paulo Freire (1996) ressalta que os seres humanos são condicionados, mas não
determinados, aos diversos fatores, o que traz a possibilidade de transformação de sua
realidade. Pode-se dizer, portanto, que a sociedade está condicionada a enquadrar-se em
padrões e rejeitar as diferenças, e sendo isso apenas condição, esta pode ser alterada, com
muito empenho, perseverança e uma atuação pedagógica eficaz, iniciando na escola uma
mudança fundamentada no desenvolvimento dos valores e ideais de respeito e da aceitação
das diferenças, que pode se refletir em toda a sociedade.
Dessa forma, é indispensável uma aproximação entre a teoria e prática, uma
formação reflexiva nos cursos superiores e a propagação dos conhecimentos produzidos no
cenário acadêmico para os professores que não se encontram mais nesse meio de forma a
permitir a atualização profissional destes (SILVA, SEABRA JUNIOR, ARAUJO, 2008).
Por conseguinte, pesquisas a essa temática precisam continuar a serem
desenvolvidas e chegarem até os ambientes escolares, acompanhando o desenvolvimento
da prática inclusiva e propondo alternativas às possíveis dificuldades encontradas.
Esse trabalho foi desenvolvido por meio de um estudo de caso, com limitações
quanto à quantidade de alunos, eventos, locais e interações observados. Nesse momento,
alguns pontos de reflexões são possíveis de serem alcançados, com presumíveis propostas
de estudos a serem elaboradas em vistas da ampliação do entendimento desse contexto:
Estudos aplicando diferentes propostas e metodologias educacionais
visando facilitar e contribuir com o processo inclusivo tornam-se
pertinentes, nesse momento, com o desenvolvimento de pesquisas de
intervenção.
Estudos com número maior de salas ou escolas observadas, assim como
176
com diferentes condições de deficiência podem ser relevantes para o
estabelecimento de uma compreensão mais abrangente acerca da
temática da inclusão escolar, assim como sobre as possibilidades da
diferentes propostas, como a Pedagogia de Freinet, para cada condição
de deficiência.
A capacitação dos professores para atuarem com metodologias
específicas, adaptando-as ao contexto inclusivo é um espaço ainda
pouco explorado e exigente de maiores estudos. Propostas diversas
podem ser elaboradas, assim como métodos de capacitação dos
profissionais para atuarem com estas.
A importância da equipe multidisciplinar é ressaltada para a construção
de um cenário escolar inclusivo. Professores, professores especialistas,
médicos, gestores escolares e funcionários devem atuar de forma
integrada para maior compreensão das condições particulares dos alunos
e para a construção de uma organização pedagógica adequada às
necessidades individuais. Estudos sobre essa atuação conjunta, assim
como sobre propostas de organização da equipe multidisciplinar tornam-
se relevante para a elaboração e consolidação de propostas
diversificadas, como a da implantação da Pedagogia de Freinet.
A estrutura social se transforma continuamente desencadeando e exigindo
também alterações no âmbito educacional. Torna-se preciso, portanto, conforme o Coletivo
de Autores (1992), desestabilizar a realidade escolar atual, para ser possível estruturar,
convencer e consolidar um novo projeto educacional que caminhe ao encontro da
democracia do país.
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192
ANEXOS
ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética
193
194
195
196
ANEXO B – Instrumento de avaliação da interação entre alunos com e sem
deficiência na educação física escolar (SALERNO; ARAÚJO; SILVA, 2009)
197