CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A PEDAGOGIA DE FREINET...

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i CAMILA LOPES DE CARVALHO CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A PEDAGOGIA DE FREINET: PINTANDO UMA POSSIBILIDADE PARA O ALUNO COM SÍNDROME DE DOWN CAMPINAS 2014

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CAMILA LOPES DE CARVALHO

CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A PEDAGOGIA DE FREINET:

PINTANDO UMA POSSIBILIDADE PARA O ALUNO COM SÍNDROME DE

DOWN

CAMPINAS

2014

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CARVALHO, Camila Lopes. Conteúdos da educação Física e a Pedagogia de Freinet:

Pintando uma possibilidade para o aluno com Síndrome de Down. 197f. Dissertação

(Mestrado em Educação Física)-Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de

Campinas, Campinas, 2014.

RESUMO

A inclusão educacional está determinada legalmente no Brasil – tanto a Constituição, de

1988, quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, garantem o direito a uma

educação de qualidade para as pessoas com deficiência na rede regular de ensino. Contudo,

publicações relatam dificuldades de efetivação destas legislações no âmbito do cotidiano

das escolas, principalmente referentes às pessoas com Síndrome de Down, uma vez que o

aspecto intelectual ainda é privilegiado em detrimento dos demais. Neste contexto, a

educação física busca sua consolidação enquanto disciplina escolar em consonância com a

nova realidade inclusiva. Por conseguinte, esse estudo tem por objetivo analisar o processo

de inclusão de alunos com Síndrome de Down nos diferentes conteúdos da educação física

escolar – jogo, esporte, ginástica, luta e dança – e, com fundamentação desses dados,

elaborar uma proposta de trabalho escolar inclusivo por meio da Pedagogia de Freinet. Para

isso, foi desenvolvida revisão bibliográfica exploratória com posterior pesquisa de campo

qualitativa onde, num estudo de caso, foram observadas aulas de educação física durante 1

ano letivo em uma turma de 21 alunos, dos quais dois possuem Síndrome de Down, em

uma escola regular do município de Americana, São Paulo. A coleta de dados foi feita por

observação direta com análise da inclusão em cada aula por meio do “Instrumento de

avaliação da interação entre alunos com e sem deficiência na educação física escolar”, de

Salerno, Araújo e Silva (2009). A análise dos dados foi desenvolvida por categorização,

com representação por tabulação em gráficos e tabelas. Posteriormente, a elaboração de

uma proposta de trabalho inclusiva baseado na Pedagogia de Freinet foi desenvolvida

fundamentada na revisão literária sobre o pedagogo e nos dados observados na realidade

escolar. Como principais resultados observou-se o predomínio dos conteúdos de jogo e

esporte sobre os demais, a ocorrência de algumas interações negativas entre os alunos e

barreiras atitudinais e de conhecimento por parte do professor. Com as técnicas de Freinet,

possibilidades de alteração dessa realidade foram encontradas, como criação de aulas em

cantos com diversos conteúdos trabalhados concomitantemente e com diferentes níveis de

dificuldade, além dos ideais de respeito, cooperação e afetividade que vão ao encontro da

proposta inclusiva. Foi possível concluir que os ideais e técnicas elaborados por Freinet

podem contribuir na superação dos entraves da inclusão, facilitando a construção de uma

educação física escolar inclusiva. Espera-se que novas pesquisas sejam desenvolvidas

acompanhando o caminhar da implantação da inclusão educacional e propondo mais

possibilidades que facilitem esse processo de acordo com as diferentes necessidades.

Palavras-Chaves: Educação Física Escolar; Inclusão, Síndrome de Down; Freinet.

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CARVALHO, Camila Lopes. Contents of Physical education and Freinet pedagogy:

Painting a possibility for the student with Down Syndrome. 197f. Dissertation (Master in

Physical Education)-School of Physical Education. State University of Campinas,

Campinas, 2014.

ABSTRACT

The educational inclusion is determined legally in Brazil - both the 1988 Constitution as the

Law of Education Guidelines and Bases, 1996, guarantees the right to a quality education

for people with disabilities in regular schools. However, publications report effective

difficulties of those laws in the daily life of schools, particularly relating to people with

Down syndrome, since the intellectual aspect is still privileged over others. In this context,

physical education seeks its consolidation as school discipline in line with the new

inclusive reality. Therefore, this study aims to analyze the process of inclusion of students

with Down syndrome in the different content of school physical education - play, sport,

gymnastics, wrestling and dance - and, based on these data, a proposed inclusive school

work by Freinet pedagogy. For this, a literature review was developed with subsequent

qualitative field research where, in a case study, physical education classes were observed

for 1 school year in a class of 21 students, two with Down syndrome in a regular school the

city of Americana, São Paulo. Data collection was done by direct observation with analysis

of inclusion in each class through the "instrument for assessing interactions between

students with and without disabilities in school physical education" of Salerno, Araújo e

Silva (2009). Data analysis was developed by categorization, with tab-representation in

graphs and tables. Later, the development of an inclusive work proposal based on Freinet

Pedagogy was developed based on the literature review on the teacher and the data

observed in the school reality. The main results showed a predominance of game content

and sports on the other, the occurrence of some negative interactions between students and

attitudinal barriers and knowledge from the teacher. With the Freinet techniques, possibility

of alteration of this reality were found, such as creating classes in corners with different

contents worked concurrently and with different levels of difficulty, in addition to the ideals

of respect, cooperation and affection to meet the inclusive proposal. It was concluded that

the ideals and techniques developed by Freinet can contribute to overcome the barriers of

inclusion, facilitating the construction of an inclusive physical education. It is hoped that

further research will be developed following the journey of the implementation of

educational inclusion and offering more possibilities to facilitate such a process according

to the different needs.

Keywords: School Physical Education; Inclusion, Down Syndrome; Freinet.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 01

2 PREPARANDO AS TELAS - SISTEMAS EDUCACIONAIS ................................ 06

2.1 Tela 1 - ensino escolar ................................................................................................. 07

2.2 Tela 2 - escolarização e a pessoa com deficiência ...................................................... 19

2.2.1 A pessoa com deficiência ......................................................................................... 19

2.2.2 Escolarização da pessoa com deficiência ................................................................. 30

2.2.3 Inclusão escolar – desvendando o tema .................................................................... 38

3 SEPARANDO AS TINTAS - CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO FÍSICA .. 47

3.1 Tinta 1 - educação física escolar ................................................................................. 55

3.2 Tinta 2 - teorias da educação física ............................................................................. 60

3.3 Tinta 3 - inclusão na educação física escolar .............................................................. 67

4 ESCOLHENDO AS TONALIDADES – CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA .... 75

4.1 Tonalidade 1 - dança .................................................................................................. 80

4.2 Tonalidade 2 - esporte ................................................................................................ 83

4.3 Tonalidade 3 - ginástica ............................................................................................ 90

4.4 Tonalidade 4 - jogo ..................................................................................................... 94

4.5 Tonalidade 5 - luta ..................................................................................................... 98

5 DELIMITANDO OS PINCEIS: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL – A SÍNDROME DE

DOWN ............................................................................................................................. 102

5.1 Pincel n°1 - Síndrome de Down ................................................................................. 103

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5.2 Pincel n°2 - inclusão educacional das pessoas com Síndrome de Down .................. 109

5.3 Pincel n°3 - aluno com Síndrome de Down na educação física escolar .................. 113

6 O QUADRO DA REALIDADE - A PESQUISA ........................................................ 119

6.1 Metodologia ............................................................................................................... 120

6.1.1 Tipo de estudo......................................................................................................... 120

6.1.2 População ............................................................................................................... 121

6.1.3 Local do estudo....................................................................................................... 122

6.1.4 Procedimentos ........................................................................................................ 123

6.2 O instrumento de avaliação ....................................................................................... 125

7 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÕES..................................................................

128

8 PINTANDO UMA NOVA REALIDADE: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO - A

PEDAGOGIA DE FREINET COMO POSSIBILIDADE .............................................. 147

8.1. Organizando os materiais - a pedagogia de Freinet ................................................. 149

8.2 Uma nova pintura - Freinet como uma proposta de inclusão .................................... 155

8.2.1 Aproximando os conceitos ....................................................................................... 155

8.2.2 As técnicas como possibilidade inclusiva ................................................................ 160

CONSIDERAÇÕES FINAIS – ENTRE AS PINTURAS EXISTENTES E AS

FUTURAS........................................................................................................................ 172

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 177

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ANEXOS ............................................................................................................................192

ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética ......................................................................... 192

ANEXO B – Instrumento de avaliação da interação entre alunos com e sem deficiência na

educação física escolar (SALERNO; ARAÚJO; SILVA, 2009) ...................................... 196

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Aos meus pais pela confiança, apoio e amor

incondicional.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus e Nossa Senhora, que me oportunizaram,

nortearam e protegeram durante o caminhar da realização desse estudo.

Ao Professor Dr. Paulo Ferreira de Araújo, pela oportunidade ao me receber

como sua orientanda, e por toda a atenção, dedicação e aprendizagem proporcionadas por

meio de sua orientação.

Ao grupo de estudos, pelas reflexões constantes que contribuíram com meu

amadurecimento como educadora, e especialmente à Professora Dra. Joseane Filus e ao

Professor Dr. Luís Seabra, pela participação direta na construção dessa pesquisa com

contribuições pertinentes e valorosas como banca, e à Professora Dra. Marina Salerno

pela disponibilidade constante em auxiliar tanto na elaboração desse trabalho quanto nas

demais atividades acadêmicas desenvolvidas durante o curso.

Aos funcionários e docentes da FEF/UNICAMP, pela formação crítica e

autônoma que me proporcionaram.

Ao meu pai Ednei e minha mãe Ana, meus primeiros educadores, que me

proporcionaram a formação como pessoa necessária para que eu compreendesse e

seguisse os valores e ideais corretos, e dispuseram do apoio necessário para que mais essa

etapa fosse alcançada.

A minha irmã, pela cumplicidade e acompanhamento durante essa fase.

Aos amigos e todas as pessoas que me acompanharam e, de alguma forma,

contribuíram com mais essa fase de estudo.

Obrigada!

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Haverá uma melhoria pedagógica na medida em que o dinamismo das novas

forças triunfar sobre essas resistências e souber construir, pedra a

pedra, o mundo novo com que sonhamos

(FREINET, C., 1975, p. 09).

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Rafael Sanzio. A Escola de Atenas. 1510-11 ................................................... 08

Figura 2 – Pieter Bruegel. Jogos e Brinquedos Infantis. 1560............................................ 10

Figura 3 – Candido Portinari. O Lavrador de Café. 1939 .................................................. 13

Figura 4 – Lord Frederick Leighton. Estudo; na mesa de leitura. 1877 ............................. 17

Figura 5 – Pieter Bruegel. Os Aleijados. 1568b ................................................................. 22

Figura 6 – Robert Henri. Cantora Espanhola Cega. 1912 .................................................. 24

Figura 7 – Diego Velazquez. Um Anão Sentado no Chão. 1645 ....................................... 28

Figura 8 – Konrad Grob. Pestalozzi com Órfãos em Stans. 1879 ...................................... 33

Figura 9 – Henri Matisse. A Dança (primeira versão). 1909 ............................................. 41

Figura 10 – Ernst Ludwig Kirchner. Arco. 1935 ............................................................... 48

Figura 11 – Emiliano di Cavalcanti. Linha de Produção. 1960-70 ....................................50

Figura 12 – Edi Cavalcanti. Tempos Modernos. 1961 ....................................................... 56

Figura 13 – Orlando Teruz. Meninos Pulando Carniça. 1972 ........................................... 59

Figura14 – Vicente Van Gogh. Romanos Parisienses. 1888 ............................................. 61

Figura 15 – Eduardo Lima. Inclusão Social. 2009 ............................................................. 70

Figura 16 – Marc Chagall. O Grande Circo. 1968 ............................................................. 77

Figura 17 – Kiki Lima. Dança de Batuque. 2012 .............................................................. 80

Figura 18 – Camille Pissarro. Meninas Jogando Tenis. 1981 ............................................ 86

Figura 19 – Francisco Rebollo. Futebol. 1936 ................................................................... 88

Figura 20 – Giandomenico Tieplo. Polichinelos e Saltimbancos. 1793 ............................ 90

Figura 21 – Fatima Carvalho. Sarau de Ginástica e Eu. 1967 ........................................... 93

Figura 22 – Henri Matisse. Um Jogo de Boliche. 1908 ..................................................... 96

Figura 23 – Rosina Becker do Valle. Capoeira. 1966 ........................................................ 99

Figura 24 – Andrea Mantegna. A Virgem e a Criança. 1495 ...........................................

104

Figura 25 – Karel Appel. Menino Selvagem. 1954 ......................................................... 111

Figura 26 – Jan Joest of Kalkar. Adoração do Menino Jesus. 1515 ................................ 114

Figura 27 – Juan Gris. O Livro Aberto. 1925 .................................................................. 120

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Figura 28 – A inclusão do aluno com Síndrome de Down nas aulas de educação física

escolar fundamentada pela Pedagogia de Célestin Freinet ............................................... 172

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAIDD American Association on Intellectual and Development Disabilities

AAMR American Association of Mental Retardation

ABDEPP Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Freinet

ABDM Associação Brasileira de Deficiência Mental

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

CADEME Campanha Nacional da Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais

CEL Cooperativa de Ensino Leigo

CENESP Centro Nacional de Educação Especial

COESP Comissão de Especialistas

CONADE Conselho Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência

CORDE Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FIMEM Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

ICEM Instituto Cooperativo da Escola Moderna

INES Instituto Nacional de Educação dos Surdos

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

MEC Ministério da Educação e Cultura

NEE Necessidades Educativas Especiais

ONU Organização das Nações Unidas

PCD Pessoa Com Deficiência

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

QI Quociente Intelectual

SEESP Secretaria de Educação Especial

SESu Secretaria de Ensino Superior

UNESCO Conferência da Organização das Nações Unidas

USP Universidade de São Paulo

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APRESENTAÇÃO

Se em alguns momentos uma pesquisa acadêmica exige o distanciamento do

pesquisador com o objeto de estudo para a maior validade deste, em outros incita a

aproximação para que temas sejam delineados e construídos.

Dessa forma, dissertar sobre a relação entre a minha formação e ideais educacionais

e a construção deste trabalho torna-se relevante para a maior compreensão do mesmo.

Em minha formação inicial, no curso de educação física, os primeiros contatos com

a Pedagogia de Célestin Freinet foram realizados, de forma rápida e pontual. Durante esse

curso, as temáticas relacionadas à população com alguma condição de deficiência

ressoaram em minhas reflexões, tanto pelas dificuldades enfrentadas no cenário social

quanto pelas relevantes possibilidades de superação destas por meio da área.

Concomitantemente, os assuntos relacionados ao cenário educacional dessa temática

conquistaram minha preferência pessoal, encaminhando-me para as discussões a respeito da

inclusão educacional dessa população.

Dessa forma, realizei em sequência o curso de especialização em “Educação

especial e educação inclusiva”. Já me atentando aos fundamentos educacionais de forma

mais enfática, iniciei uma segunda formação como contribuição a minha construção

profissional - a de pedagogia. Nesse segundo curso, Célestin Freinet, que até então vinha

adormecido em minhas memórias, foi retomado pelas disciplinas acadêmicas.

Nesse mesmo período, vinha delineando o projeto desse estudo de Mestrado, e

Freinet se mostrou como uma possibilidade de união entre as duas formações, integrando a

educação física e a pedagogia de forma a contribuir com o desenvolvimento da temática já

escolhida como central em minha formação profissional.

Dentre os diversos educadores estudados, Célestin Freinet destacou-se, para mim,

por sua vivência no ambiente escolar e compreensão das diversas dificuldades a serem

superadas no mesmo. Se outros estudiosos construíram teorias em cenários distantes do

educacional, Freinet atuou diretamente neste local, não apenas elaborando sugestões, mas

implantando-as, ele mesmo, em prol da construção de uma educação de qualidade para

todos.

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Por conseguinte, uma crença nas possibilidades de contribuição das teorias desse

educador de forma favorável à construção da educação inclusiva, temática escolhida desde

minha primeira formação acadêmica, tomou forma.

Com isso, concluo enfatizando que, tanto a escolha do tema central quando dos

atores principais para fundamentá-la, vieram do fato de eu acreditar na possibilidade de

superação e transformação de todas as ocasiões escolares em situações mais humanas.

Posso dizer, por fim, que acredito nas capacidades de todo ser humano, possuindo uma

condição de deficiência ou não. Acredito na validade e na intenção sincera de Célestin

Freinet ao desenvolver suas propostas educacionais. Acredito na força da educação física

enquanto disciplina escolar possível de contribuir diretamente com a construção de um

cenário educacional inclusivo. Acredito na necessidade de educadores desenvolverem

trabalhos que propiciem a todos acesso a uma educação de qualidade. Acredito na urgência

dos professores em atuarem de forma a combater os preconceitos e construírem uma

educação digna para todos, inclusive para a pessoa com deficiência. Acredito, portanto, na

contribuição que Freinet pode trazer para a construção de propostas educacionais que

facilitem a inclusão de um aluno com deficiência em todas as disciplinas escolares e, em

especial, na educação física.

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1 INTRODUÇÃO

Interagir com um corpo humano, interagir com um indivíduo, é interagir com a

própria sociedade na qual este está inserido, uma vez que, desde o momento de seu

nascimento o indivíduo é incorporado a uma dada cultura e organização social que moldam

seu corpo e seus conceitos (DAÓLIO, 1996).

No âmbito educacional, a afirmação acima se faz não apenas verdadeira, mas

também determinante para a compreensão da temática deste estudo.

Dessa forma, a inclusão de um aluno com deficiência nas aulas de educação

física de uma escola regular é um tema que traz a obrigatoriedade de compreensão acerca

das questões relacionadas ao contexto da educação física enquanto componente curricular e

da pessoa com deficiência enquanto participante do cenário social, para que de fato possa

ser compreendida a relação estabelecida entre elas na atual proposta da educação inclusiva.

Em relação à Educação Física, nota-se sua constituição enquanto disciplina do

currículo escolar entre os séculos XVIII e XIX, iniciando suas atividades sem a presença de

profissionais da área, mas amparada e influenciada pela instituição militar e pela medicina.

Sendo o corpo, nesse momento, entendido como uma estrutura mecânica, a disciplina

escolar de educação física tinha por objetivo a promoção da saúde para a população e a

contribuição para o desenvolvimento de mão de obra para a sociedade que se estabelecia na

época vigente. Passando a ser explorada por grupos sociais com diferenciados objetivos,

questionamentos dessa realidade emergiram e conduziram às propostas de novas formas de

entendimento e de finalidade da educação física, culminando em sua presente configuração

no cenário escolar baseada na vivência dos diferentes conteúdos da cultura corporal ou de

movimento (BRACHT, 1999).

Concomitantemente, a pessoa com deficiência encontrou resistência para ser

incorporada socialmente sofrendo exclusão, abandono, exposição e até mesmo condenação

à morte. Com propagação de correntes humanistas, sua aceitação enquanto ser humano foi

alcançada, porém com vivência segregada do restante populacional. O sistema educacional

para essa população teve inicio tardiamente, pela educação especial em ambiente separado

dos demais. Familiares e pessoas que se sensibilizaram com a causa foram em buscas de

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métodos educacionais adequados e, posteriormente, ações políticas deram continuidade às

discussões (MIRANDA, 2003).

A partir da década de 1950, no Brasil, organizações não governamentais e

classes especiais dentro do ensino regular expandiram-se. Em sequência, discussões

passaram a defender a participação das pessoas com deficiência conjuntamente com as

demais em todas as disciplinas escolares – incluindo a educação física. Da normalização e

integração, definiu-se a inclusão educacional.

Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, a

educação deve ser inclusiva, ou seja, receber e proporcionar a mesma qualidade de ensino

para todos, independente de suas dificuldades ou deficiência (BRASIL, 1996).

Se antes a pessoa com deficiência (PCD) era desprezada e até mesmo

condenada à morte, hoje possui a garantia pelo Estado em não sofrer nenhum tratamento

desumano ou degradante, possuindo os mesmos direitos educacionais que as demais

pessoas (BRASIL, 2007).

Contudo, a dificuldade em fazer das determinações legais uma realidade escolar

tem sido comum, com a presença de barreiras atitudinais, arquitetônicas e de conhecimento.

O preconceito teve sua origem em muitos anos atrás e, abarcado de fatores históricos e

culturais, ainda se mantem presente, numa sociedade que dita e impõe padrões de pessoas e

de vida, rejeitando as diferenças.

Especificamente em relação às pessoas com Síndrome de Down, sua entrada no

cenário das escolas regulares trouxe relevante impacto em toda a organização, estrutura e

funcionamento da escola, pois ela rompeu com a definição curricular imposta a todos,

rompeu com a estrutura criada há séculos e tão relutante às mudanças. Esse aluno trouxe

explicitamente uma necessidade já enfatizada há muito tempo - a de transformação da

instituição escolar para essa nova forma de organização social. Ele tirou o professor da

comodidade de seguir fielmente um material didático pré-estabelecido, induzindo-o a

planejar e adaptar, a criar mecanismos que facilitem o aprendizado de cada aluno.

Mas, afinal, não é essa a função do professor, de ser um facilitador, um

mediador entre o aluno e o conhecimento?

Frente às inúmeras dificuldades encontradas no cenário educacional não apenas

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relacionadas à inclusão da pessoa com deficiência, mas objetivando maior compreensão dos

alunos e adequação educacional, diferentes profissionais como pedagogos, filósofos e

psicólogos estudaram e propuseram teorias educacionais. Por outro lado, a precariedade na

qualidade de ensino, de formação de professores e de acesso e permanência das crianças e

adolescentes no cenário educacional se mantiveram presentes. Nesse contexto antagônico, o

pedagogo Célestin Freinet buscou a construção de uma educação adequada sem

desconsiderar as diferentes realidades e dificuldades possíveis de serem encontradas. Ainda

no século XX, Freinet propagou ideais educacionais em consonância com os necessários no

momento presente para que uma educação para todos de fato ocorra – fundamentada na

cooperação, afetividade e respeito às diferentes capacidades e dificuldades, numa época na

qual as discussões a respeito da educação inclusiva ainda não estavam em pauta.

A inclusão enfrenta problemas em sua implantação, permeados por aspectos

históricos e sociais, que dificultam a consolidação dos diferentes aspectos necessários à

construção inclusiva, como os referentes à capacitação dos profissionais da área de

educação para atender a todos com qualidade, e à dificuldade de valorização da diversidade

humana e do respeito às diferenças individuais pela comunidade escolar – envolvendo pais,

alunos, profissionais. Com isso, uma aproximação do tema com a proposta de Freinet torna-

se pertinente, uma vez que esta possui uma base epistemológica a qual procura

compreender e transformar aspectos da realidade histórica e social numa busca pela

aceitação e construção de vida digna para todos.

Neste cenário e a partir destas discussões, esse estudo tem o objetivo de analisar

o processo de inclusão de alunos com a condição específica de Síndrome de Down nos

diferentes conteúdos da educação física escolar – jogo, esporte, ginástica, luta e dança –

para, em seguida e fundamentada nesses dados, elaborar uma possibilidade de trabalho

escolar inclusivo por meio da pedagogia de Freinet. A metodologia envolveu uma revisão

bibliográfica exploratória inicial por meio da base de dados Scopus e Edubase com os

termos “educação física escolar”, “adapted physical education”, “educação inclusiva”,

“inclusion school”, “conteúdos da educação física escolar”, “Síndrome de Down”, “Down

Syndrome” e “Célestin Freinet”. Posteriormente foi realizada uma pesquisa de campo

qualitativa composta por um estudo de caso, conforme definição de Ludke e André (1986),

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na qual foram observadas, durante 1 ano letivo, aulas de educação física escolar de uma

sala regular do 2° ano do ensino fundamental a qual possui dois alunos com Síndrome de

Down, em uma escola do município de Americana, São Paulo.

A coleta de dados por observação direta no sentido de identificar ou não a

prática da inclusão em cada aula foi realizada meio do “Instrumento de avaliação da

interação entre alunos com e sem deficiência na educação física escolar”, de Salerno,

Araújo e Silva (2009). A posterior análise dos dados foi desenvolvida por categorização a

qual, segundo Ludke e André (1986), permite uma organização destes em categorias em

prol da sua descrição, interpretação e questionamentos, sendo desenvolvida nesse trabalho

uma organização e representação destes por tabulação em gráficos e tabelas temáticos. Em

seguida, foi desenvolvida a elaboração de uma proposta de trabalho inclusivo baseada na

Pedagogia de Freinet, fundamentada na revisão literária sobre a proposta do pedagogo e nos

dados coletados.

A elaboração desse trabalho vem do resultado das observações referentes à

dificuldade na implantação da inclusão no cenário educacional, em detrimento das

definições legais já estabelecidas, buscando não apenas uma análise da real situação, mas

também uma alternativa contribuinte.

Esse estudo orienta-se pelo entendimento de que, as pesquisas educacionais

relacionadas à temática inclusiva vivenciam um momento no qual, somada a análise de

dada realidade, as dificuldades devem ser identificadas e posteriores soluções devem ser

sugeridas, proporcionando possibilidades de superação das barreiras educacionais em um

caminhar direcionado à efetivação do cenário inclusivo.

Por fim, o estudo se alicerça numa das técnicas principais de Freinet, a livre

expressão por meio de desenhos, a qual valoriza o ato de desenhar como recurso de

desenvolvimento da criatividade e dos comportamentos intelectual, afetivo e cultural. Dessa

forma, o desenrolar da temática é entremeado por pinturas que ilustram os conhecimentos

descritos ao longo do estudo. Para isso, foram trazidas obras de artistas já consagradas no

cenário cultural, sendo estas uma representação dos desenhos livres, da livre expressão

desses pintores.

As pinturas retratam as discussões teóricas ao mesmo tempo no qual a

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construção de todo esse trabalho estrutura-se como a criação de uma nova pintura a tornar-

se tão relevante no cenário sociocultural quanto às demais - a de um desenho livre

composto pela almejada inclusão educacional.

Preparam-se as telas, separam-se as tintas e escolhem-se os pincéis, para que os

quadros já construídos possam ser contemplados criticamente e as novas pinturas sejam

possíveis.

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2 PREPARANDO AS TELAS - SISTEMAS EDUCACIONAIS

O ensino das instituições escolares tem inquestionável importância e espaço na

sociedade contemporânea, sendo o centro das atenções políticas e também das exigências

cidadãs.

Antes de se tornar esse grande pilar sociocultural, a educação escolar percorreu

longo caminhar, surgindo com rígida seletividade em relação às pessoas que dela poderiam

usufruir, até expandir-se e tornar-se uma exigência e direito mundial. Mesmo quando já

estabelecida como fenômeno sociocultural indispensável, muitos grupos sociais

continuaram negligenciados por este sistema de ensino, sendo necessário um longo trajeto

de lutas para seu ingresso acadêmico, como no caso das pessoas com alguma condição

deficiência.

Se ao pintar um quadro, o momento inicial exige um preparo das telas de forma

que estejam suficientemente aprontadas para receber as novas cores e histórias a ali serem

construídas, da mesma forma, ao desenvolver um tema, seu plano de fundo deve ser

profundamente trabalhado para que cada nova informação e conhecimento sejam

devidamente contextualizados e compreendidos.

Por conseguinte, contextualização da instituição escolar e do acesso das pessoas

com deficiência a este ambiente torna-se necessária, de forma a ser compreendida a

situação histórica e social do ambiente no qual se desenvolveu esta pesquisa. Essa

conjuntura traz consequências diretas e considerações explicativas a respeito da realidade

das instituições escolares em relação às pessoas com deficiência na presente sociedade,

considerações estas a serem detalhadas a seguir, como as telas sobre as quais uma nova

história se pinta.

Para isso faz-se necessário uma retomada desde momentos da antiguidade, ao

invés de um recorte histórico mais delimitado, no sentido de ser visualizada a complexidade

do atual processo inclusivo, contrastando os quase dezenove séculos de exclusão e rejeição

aos quase dois últimos séculos de busca pela aceitação e inclusão social.

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2.1 Tela 1 - ensino escolar

A escola pode ser entendida como uma instituição que seleciona e usufrui de

determinados conteúdos e conhecimentos de caráter social e histórico-cultural, objetivando

não apenas transmiti-los, mas possibilitando possíveis transformações e recriações destes.

Numa análise mais profunda, Faria (2004) ressalta que a atuação da escola não é isolada de

fatores externos, recebendo influências políticas, científicas, religiosas, pedagógicas e

econômicas e, ao mesmo tempo, também influenciando essas diversas dimensões.

Anteriormente à criação das escolas, o ensino era desenvolvido por meio da

própria vivência e pela transmissão oral de pais para filhos, sendo apenas com os sofistas o

surgimento dos primeiros relatos de uma atuação parecida a de um educador. Os sofistas

atuaram no período Socrático como educadores pagos por membros da classe social

dominante para ensinarem seus filhos algumas disciplinas específicas, como a matemática e

a gramática, e também os conteúdos relacionados à atuação política e ao bom

desenvolvimento da retórica, como a arte de falar e convencer com as palavras. Após este

período, movimentos filosóficos despontaram com os ideais de Sócrates, Platão e

Aristóteles, os quais deram início às reflexões pedagógicas e às discussões acerca de um

processo educacional (NABÃO, 2011).

Observa-se que o processo educacional, desde esse período principiante no qual

não era exclusivamente desenvolvido em instituições específicas como as escolas, se

desenvolveu estreitamente vinculado à sociedade, sendo utilizado de acordo com as

exigências e interesses desta, num contexto de segregação, a fim de controlar as possíveis

transformações sociais favoráveis às classes subordinadas as quais a educação poderia

possibilitar.

De forma a exemplificar o pensamento acima elaborado, algumas civilizações

da antiguidade podem sem citadas. No Egito Antigo, considerado o berço de todas as

civilizações por ter desenvolvido conhecimentos em áreas diversas, a educação objetivou

explicitamente o desenvolvimento da sociedade, sendo restrita a poucos e com diferentes

conteúdos, os quais eram definidos conforme a classe social. Em Esparta, uma Cidade-

Estado permanentemente em guerras e buscas territoriais, a educação foi baseada num ideal

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denominado de “Kaloskagathia”, o qual se fundamentava na excelência física e moral,

objetivando a formação de capacitados guerreiros; enquanto em Atenas, a Cidade-Estado

impulsionadora do conceito inicial de democracia, a educação era baseada nos ideais de

“paideia”, idealizando o desenvolvimento de cidadãos capazes de atuar na política, como

ilustrado pela tela de Rafael Sanzio, na Figura 11 (MANACORDA, 2004; GILES, 2006).

Figura 1 – Rafael Sanzio. A Escola de Atenas. 1510-11.

Fonte: www.raphaelsanzio.org.

Nos momentos seguintes, o desenvolvimento das sociedades foi desdobrando-

se e adquirindo características e conceitos cada vez mais próximos dos presentes na sua

atual organização, perpetuando esta relação de interdependência entre a educação e a

sociedade. Caminhando ao período da Idade Média, apenas os nobres tinham acesso à

educação, sendo esta manipulada pela Igreja, instituição que, detendo poder sobre as

demais, empenhou-se em manter sua posição de superioridade evitando possíveis

questionamentos. Em período posterior, durante o Renascimento, a valorização e a procura

pelo saber ganharam força, e a educação passou a ser vista em um grau de maior

importância ao haver a conscientização da sua necessidade para o desenvolvimento de uma

nova sociedade, a capitalista, porém os processos educativos ainda continuavam sendo

diferenciados segundo os níveis das classes sociais. Com o Iluminismo, o qual exaltou

1 A tela de Rafael Sanzio ilustra a educação desenvolvida na cidade de Atenas, conforme discutido no

parágrafo referente aos diferentes tipos de educação desenvolvida em civilizações da antiguidade.

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como necessária a busca pelo conhecimento, e com a substituição da maioria das

sociedades absolutistas – que detinham o controle de todo o poder – por instituições

republicanas, a educação finalmente passou a ser pensada como possibilidade de tornar-se

um direito de todos. No século XX, as organizações sociais democráticas consolidaram-se

na maioria absoluta dos países, o que contribuiu para que o Estado passasse a atuar de

modo a possibilitar a criação e difusão de um ensino público que facilitasse o acesso

popular à educação (LUZURIAGA, 2001).

Nesse contexto, o evento do Iluminismo e a Revolução Industrial contribuíram

com novas formas de pensar e de viver socialmente, culminando não apenas no acesso da

população aos processos educacionais, mas também induzindo o surgimento de instituições

especificas para a educação, como a escola. Visualiza-se uma transformação na estrutura

educacional vinculada a uma reestruturação familiar e das sociedades.

Recorrendo a Ariés (1981), anteriormente ao século XVII não existia a

formação de uma consciência das particularidades exigidas pelo período da infância, e nem

mesmo interesse pelas crianças, sendo estas compreendidas apenas como indivíduos em

fase de transição, de aguardo pela idade adulta. Sem consideração relevante nem sequer

atenção especial a essa etapa da vida, não havia instituições escolares, sendo os

conhecimentos transmitidos pelas famílias através da observação e auxílio que as crianças

dispendiam aos adultos em suas tarefas diárias.

Com contribuição dos estímulos proporcionados pela citada Revolução

Industrial, uma nova organização social estruturou-se, fase esta visualizada na pintura de

Pieter Bruegel, na Figura 22.

2Neta tela, o período de transição da indiferenciação entre adultos e crianças e o início das particularidades

infantis pode ser visualizado. Ao mesmo tempo no qual as crianças e os adultos são indiferenciados quanto

aos trajes com crianças vestidas como “mini-adultos”, por outro lado grande diversidade de jogos e

brincadeiras típicos do universo infantil são vivenciadas, dando início à construção de uma cultura típica do

da infância como um período destinado ao brincar.

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Figura 2 - Pieter Bruegel. Jogos e Brinquedos Infantis. 1560.

Fonte: www.pieter-bruegel-the-elder.org

Segundo o mesmo autor, entre os séculos XVI e XVII foram se desenvolvendo

os sentimentos de “paparicação” – o qual, iniciado pelas mulheres, estimulou nas pessoas

um encanto com a ingenuidade e a graça das crianças - e de “disciplinamento” – uma

preocupação em disciplinar e induzir os valores morais -, colaborando com o surgimento

das escolas, instituições que se tornaram responsáveis pela instrução e ensinamentos das

crianças, separando-as do mundo adulto até que se completasse o período de educação

destas. Pode ser notado, por conseguinte, um vínculo entre a origem das instituições

escolares e a importância e atenção destinadas às crianças e aos adolescentes e as suas

particularidades.

Continuamente, a escola se desenvolveu unida aos dispositivos disciplinares,

uma vez que a educação deixou de ser responsabilidade apenas familiar e transferiu-se

também para o poder central, o Estado. Neste caso, entende-se a disciplina como um

conceito criado por Foucault no qual está baseado o funcionamento de instituições

modernas, como a escolar. A disciplina é percebida, portanto, como uma forma de se

exercer o poder sobre outros de maneira a auxiliá-los na conquista de um domínio sobre si

próprio, possibilitando também a organização de multidões de indivíduos e o controle de

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grandes massas populacionais por uma instituição superior (KOHAN, 2003).

Adicionado a esses fatores, a Revolução Industrial consolidou o sistema

capitalista, transformando essa nova faixa etária em mais um mercado consumidor

específico, e alterou as antigas posições sociais estáticas, pré-determinadas e sem

possibilidade de mudanças em classes sociais mutáveis onde a educação tornou-se uma

ferramenta de auxílio para essa modificação, instigando o interesse num sistema

educacional escolar.

Estabelecendo como foco o Brasil, neste período o país estava sendo colonizado

pelos europeus, que se esforçavam não apenas para tomar posse do território, mas também

em povoar a terra, converter religiosamente os habitantes locais e ainda organizar as formas

de trabalho. Junto com os europeus vieram, nos anos de 1549, os jesuítas - missionários

religiosos liderados por Padre Manoel de Nóbrega, incumbidos pelo Rei de Portugal, Dom

João III, de organizar a socialização e a educação da população nativa. Para isso, Hilsdorf

(2003) esclarece que os jesuítas atuaram em duas frentes - de um lado organizaram

agrupamentos de indivíduos nativos com o ensino oral, e de outro inauguraram e

expandiram, nos séculos XVII e XVIII, colégios educacionais para os meninos filhos dos

europeus da classe dominante. Estes colégios eram oriundos de uma aliança baseada em

interesses econômicos entre esses missionários e a Coroa Portuguesa.

Os estudiosos do tema, como o autor acima citado, concluem que os jesuítas

foram os responsáveis pelo primeiro sistema educacional do Brasil. Porém, Aranha (2009)

elucida que apesar do sistema educacional ter tido, finalmente, seu início, esse não foi um

passo glorioso. Quando os missionários chegaram ao Brasil, a sociedade era agrária e

elitista, e como o trabalho na agricultura não exigia qualificação, a educação era utilizada

como forma de converter os índios ou para ocupar o tempo dos filhos dos colonos ricos,

mantendo grande parte da população analfabeta.

Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, por Marquês de Pombal –

Primeiro Ministro do então Rei de Portugal, Dom José I -, a Coroa Portuguesa passou a

realizar diretamente a educação no território brasileiro, e a situação d a educação brasileira

manteve-se na precariedade, com pouca qualidade, dificultando o acesso da população ao

ensino, já que era ausente um planejamento educacional adequado. Com a posterior

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Proclamação da Independência do Brasil, por Dom Pedro I, e com a Constituição do

Império, este declarou a instrução e a educação popular um direito ao organizar a primeira

legislação referente ao cenário educacional brasileiro. Porém, sem definir os responsáveis

por arcarem com o encargo de disponibilizar tal educação, esta tinha sua existência escassa

e, quando da abertura de novas escolas estas dispunham de uma educação sem grande

qualificação para a maior parte da população (SAVIANI, 2002).

Durante período compreendido pelo Império e a Primeira República (1822-

1930), a educação brasileira foi desenvolvida em consonância com o contexto mundial, de

acordo com os interesses das classes sociais dominantes. Enquanto que membros da alta

sociedade deslocavam-se ao exterior para terem acesso a uma educação com alta qualidade,

as classes baixas foram ingressando vagarosamente nas instituições escolares, as quais

tiveram sua construção e disponibilização à população conforme necessário para que os

interesses da elite fossem atendidos. Elucidando o fato, Jannuzzi (2006) cita como grande

impulso contribuinte para o acesso à educação da classe baixa a necessidade de voto e de

mão de obra destas pessoas, que eram essenciais para a classe dominante manter o sistema

social, político e econômico vigente na época.

Com a difusão dessas instituições escolares, discussões sobre a criação de um

sistema nacional de ensino passaram a permear o cenário político nacional. Conforme

esclarecido por Saviani (2002), vários foram os fatores que contribuíram para a proliferação

dessa ideia. Inicialmente, os próprios filhos da aristocracia ao irem ao exterior estudar

voltaram trazendo para o Brasil os ideais democráticos que estavam em efervescência na

Europa. Além disso, havia a necessidade de uma solução para os problemas sociais que

dificultavam a implantação da modernização no país, adicionados ao questionamento das

camadas média e baixa - que passaram a defender o acesso à educação - e a influência do

liberalismo e do movimento da Escola Nova - que culminaram numa série de reformas no

sistema educacional para democratizar o ensino brasileiro.

Contudo, apenas a partir da Segunda República, no período compreendido pela

denominada Era Vargas (1930-1945), a educação adquiriu relevância nacional devido a sua

necessidade para o alcance aos objetivos políticos do governo vigente, uma vez que o país

mantinha-se com grande parte da população analfabeta e rural, como ilustrado pela Figura

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33, em contrapartida a uma crescente urbanização e intenção de modernização.

Figura 3 - Candido Portinari. O Lavrador de Café. 1939.

Fonte: masp.art.br

Com esse cenário conflituoso entre a realidade e as intenções do país, o governo

de Getúlio Vargas assumiu as rédeas da questão num marco no cenário educacional

brasileiro. Com a Primeira Constituição de Vargas, a educação definitivamente passou a ser

considerada como fator de desenvolvimento social e industrial para o país, instigando o

estabelecimento da maioria das bases do sistema educacional brasileiro existente até os dias

atuais. Dentre as medidas e propostas estabelecidas por este documento, Aranha (2009)

ressalta que estavam o planejamento nacional para a educação, o ensino primário

3A tela de Candido Portinari retrata um trabalhador rural, ilustrando o período vivenciado no cenário

brasileiro no qual os trabalhadores da zona rural iniciaram um processo de migração em direção às áreas

urbanas devido à intensa busca por trabalhadores pelas novas indústrias instaladas no país. Industrialização e

urbanização estas instigadas pelo governo brasileiro em prol da construção de um país com desenvolvimento

semelhante aos países desenvolvidos europeus.

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obrigatório e gratuito, a difusão de escolas públicas, a criação de fundos de auxílio para

alunos necessitados, além do início da exigência de concurso para os cargos de magistério

principiando uma atenção referente à qualificação dos profissionais da educação.

Seguindo os interesses políticos e socioeconômicos da época vigente, o sistema

educacional brasileiro passou por 21 reformas desde o ano de 1759 – ano no qual os

jesuítas foram expulsos e o governo português assumiu a atuação educacional no Brasil -

até o ano de 1996 – quando foi promulgada a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional -, reformas estas que alteraram a finalidade e a estrutura da educação, as

características do ensino, a divisão e a duração dos ciclos escolares (MARCILIO, 2005).

Desdobrando esses acontecimentos de forma a esclarecer as ações que

influenciaram e ainda refletem-se no atual cenário da educação brasileira, posteriormente

ao período do governo de Vargas, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB), pela Lei n° 4.024 de 1961. Esta foi uma lei consideravelmente

importante por abarcar todos os níveis de ensino, decretando o ensino primário como

obrigatório e gratuito, e os ensinos do ginásio, colegial e superior como facultativos. A

segunda LDB foi publicada em 1971 pela Lei n° 5.692. Sem muitas mudanças em relação à

anterior, sua principal característica foi a unificação do ensino primário com o ginásio

transformando-os em um primeiro grau obrigatório e gratuito, com a intenção de atender a

demanda social que clamava por maior escolarização (SILVA; FERNANDAES, 2011).

Já em 1996 foi instituída a terceira e última, até o momento, LDB pela Lei n°

9.394, de 20 de dezembro (BRASIL, 1996), norteando o sistema educacional atual. A

legislação em questão regulamentou a educação brasileira – a qual passou a ter por objetivo

o desenvolvimento pleno do aluno, incluindo a cidadania e a preparação para o mercado de

trabalho - e distinguiu a educação da educação escolar. Dessa forma, a educação passou a

compreender todos os processos que auxiliam na formação humana em uma sociedade

como a família, o trabalho, os movimentos sociais, entre outros; e a educação escolar ficou

delimitada à educação desenvolvida especificamente em instituições especiais para esse fim

– as escolas -, com os objetivos acima mencionados. Acrescentadas a essas definições, a lei

acima anda:

Alterou a nomenclatura e a organização dos ciclos educacionais - os

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quais passaram a ser constituídos pelo ensino básico (com a inclusão do

ensino infantil abarcando as crianças de 0 a 5 anos), o ensino

fundamental e o ensino médio;

Iniciou propostas de educação escolar baseada em tempo integral de

permanência do aluno na escola;

Predisse a necessidade de haver um atendimento especializado e

gratuito para os alunos com necessidades especiais preferencialmente

nas escolas regulares;

Proporcionou autonomia para que as próprias escolas estabelecessem

algumas de suas organizações e padrões de funcionamento, como a

criação de seu próprio projeto político pedagógico, com o governo

determinando apenas um conteúdo básico e mínimo como obrigatório;

Propôs uma ampliação do conceito de educação a qual passou a ser

entendida além do ensino escolar, incorporando também as relações nos

diversos ambientes sociais.

Acarretando elogios e críticas por diferentes segmentos da sociedade,

aproximando essas definições da realidade atual, são notórias as contribuições trazidas por

esta Lei, contudo ainda é nítida a falta de desenvolvimento da proposta na realidade da

sociedade brasileira, o que pode ser comprovado quando analisado o fato de que, apesar da

Lei relacionar a educação a outros setores de convivência social, na maioria das vezes as

escolas não realizam essa aproximação do conteúdo escolar com as questões e vivências da

cidadania e das realidades sociais, restringindo-se a cumprir e seguir os conteúdos teóricos

dos materiais didáticos.

Relevante também é mencionar a questão trazida pela Lei sobre a educação

especial, pois apesar de ter o intuito de contribuição para a inclusão escolar, deve-se

esclarecer que apenas devido ao fato do aluno com alguma necessidade especial frequentar

o ambiente da escola regular não denota a inclusão deste de fato, já que não há a garantia de

estrutura e de funcionamento adequados, de conscientização e respeito dos demais alunos e

funcionários sobre a pessoa em condição de deficiência, muito menos de uma boa

qualidade de ensino.

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Outras determinações desta Lei como valorização do professor e garantia de um

padrão de qualidade no ensino ainda estão muito distantes da realidade sem medidas

práticas destinadas à questão. Nota-se, por conseguinte, a ausência de ações efetivas para

que cada item estipulado se consolide, porém a importância desses temas educacionais

serem legalmente estabelecidos não deve ser negligenciada, sendo um passo relevante para

o futuro desenvolvimento de projetos no cenário educacional.

Outro documento importante a ser trazido a essa discussão foi o proclamado

pela Lei n° 10.172, decretada em 09 de janeiro de 2001, a qual instituiu o primeiro Plano

Nacional da Educação (BRASIL, 2001b), orientando o cenário educacional brasileiro. Com

validade para 10 anos, esse plano teve por objetivos a elevação do nível de escolarização da

população, maior qualidade do ensino, a acessibilidade e a permanência do aluno na escola,

e a redução das desigualdades quanto à escolarização. Neste documento, o governo federal

definiu como obrigatório o acesso e permanência de todas as crianças entre 07 a 14 anos no

ensino fundamental. Além disso, garantiu o acesso ao ensino fundamental às pessoas que

não o tiveram na idade estipulada, por meio da educação de jovens e adultos (EJA),

objetivou a ampliação do atendimento dos indivíduos no ensino infantil, médio e na

educação superior, além de valorização dos professores.

Esse Plano foi estruturado, inicialmente, por profissionais da área da educação e

estudantes, além de integrantes da sociedade que, com a conquista de atenção política

exigiram a definição de uma Lei Nacional para a educação, pressionando, para isso, o

governo do período vigente, presidido por Fernando Henrique Cardoso. A exigência foi

acatada pelo governo, todavia, inúmeras mudanças foram sofridas nesta proposta inicial ao

transformar-se no Plano Nacional de Educação aprovado. Uma das maiores críticas,

segundo Valente e Romano (2002), está relacionada ao fato do Plano aprovado não

estabelecer medidas e ações práticas a serem tomadas para desenvolver e aplicar cada item

declarado, tornando-se um documento puramente teórico sem efetivação prática, conforme

ocorreu também com a LDB publicada em 1996.

Já em momento seguinte, no ano de 2006, o governo brasileiro instituiu o

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), por meio da

Emenda Constitucional 53. Este órgão foi incumbido da responsabilidade de organizar a

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distribuição de recursos financeiros para os diferentes segmentos educacionais, os quais

foram renomeados como ensino infantil, fundamental, médio, educação de jovens e adultos

e também educação especial. Além disso, neste mesmo ano foi criada a Lei n° 11.274,

alterando a duração do ensino fundamental obrigatório de 8 para 9 anos ao incorporar as

crianças com 06 anos de idade já completos, as quais anteriormente frequentavam nesse

período a denominada pré-escola (BRASIL, 2009).

Dessa forma, se antes a infância era compreendida somente como um momento

de transição e aguardo pela idade adulta, na sociedade contemporânea esses ideais foram

integralmente transformados com o período infanto-juvenil amplamente considerado em

suas particularidades por um sistema educacional intencionado de uma prática pedagógica

adequada a esse período de desenvolvimento humano, conforme ilustração da Figura 4.4

Figura 4 – Lord Frederick Leighton. Estudo; na mesa de leitura. 1877.

Fonte: www.frederic-leighton.org

Em contrapartida, por ser um país em desenvolvimento, lutando para combater

profundas desigualdades entre sua população, percebe-se nitidamente a diferença ao acesso

4Na tela de Lord F. Leighton pode ser visualizado uma criança estudando representando o início da

construção de um sistema educacional destinado ao período da infância e juventude, em substituição aos

séculos anteriores nos quais as crianças não possuíam local destinado à escolarização.

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e à qualidade de ensino escolar nas diferentes camadas sociais.

Especificamente sobre a questão do acesso e qualidade do ensino – que

constituem a base de todo o sistema educacional -, elaboração de ações objetivando que

todas as crianças e adolescentes obtenham de fato o acesso à escolarização ainda são

corriqueiras e necessárias, considerando que apesar de leis regulamentarem e tornarem

obrigatória e direito do cidadão a escolarização, uma parcela considerável da população,

principalmente aqueles que residem em afastados lugares e com baixas condições

econômicas, encontra-se marginalizada e excluída, sem acesso ao sistema educacional.

Ressalta-se, adicionado a esse tema da acessibilidade, a questão da qualidade da

educação brasileira oferecida gratuitamente. Enquanto as classes mais baixas da população

usufruem do ensino escolar público e gratuito, o qual nesse início do século XXI tem sido

considerado, em sua maior parte, de baixa qualidade, as classes mais altas desfrutam de

outro cenário e contexto em instituições educacionais particulares. Essa diferença na

qualidade de ensino oferecida por essas instituições acarretam consequências em diversas

áreas, como no acesso dos cidadãos ao ensino superior e, por consequência, na sua posição

no mercado de trabalho, desencadeando distorções sociais, econômicas e políticas que

acentuam e propagam as diferenças já existentes.

Repensada continuamente, não apenas pela política, mas também por

educadores, hoje a escola é entendida como um local que proporciona diversos

conhecimentos culturais específicos, disseminando e democratizando-os através do

planejamento de seus conteúdos e métodos de ensino (VELOZO, 2004). Não sendo apenas

transmissora de saberes, a escola tornou-se uma instituição com regras próprias, tendo a

oportunidade de proporcionar a seus alunos a socialização, o aprendizado e ao mesmo

tempo o questionamento dos diversos valores e conhecimentos, de forma a desenvolver a

criticidade dos alunos em relação à sociedade estabelecida. Por conseguinte, tornando-se

uma instituição que permite a vivência, a produção, a transformação e a reinvenção de

conteúdos culturais, a presença de uma escola pública com qualidade torna-se indispensável

para que o país se desenvolva de forma democraticamente justa para todos os cidadãos

(GUIMARÃES et al., 2001; VAGO, 2009).

Deve-se ressaltar que, conforme realçado por Paulo Freire (1996), a escola e

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seu processo educativo tem influência e importância incomensuráveis para o

desenvolvimento mundial, proporcionando aos indivíduos não apenas a reprodução de

determinados conteúdos e ideologias, mas também o próprio questionamento dessas ordens

estabelecidas.

Certamente que a história do sistema educacional brasileiro é complexa, com

inúmeros problemas e dificuldades em sua estrutura e funcionamento, que vão além do que

foi por nós sintetizado até este momento. Contudo, estas são considerações que não podem

deixar de serem citadas, mesmo que de forma sintetizada, para que um olhar crítico e

contextualizado de qualquer tema relacionado à educação atual seja possível.

2.2 Tela 2 - escolarização e a pessoa com deficiência

O caminho transcorrido para a consolidação da instituição escolar na sociedade

foi esboçado anteriormente, possibilitando neste momento uma discussão sobre a

participação da pessoa com deficiência neste cenário inundado por questões

socioeconômicas e políticas.

Primeiramente relegada às condições desumanas, a pessoa com deficiência

passou por longa batalha para ser aceita e considerada como ser humano e cidadão,

paralelamente ao desenvolvimento das escolas. Apenas nos últimos dois séculos as relações

com essas instituições passaram a ser estabelecidas. Nos parágrafos abaixo, é desenvolvida

uma narrativa a cerca da luta dessas pessoas para participarem da sociedade e sua inclusão

nas instituições escolares.

2.2.1 A pessoa com deficiência

Nada mais explicativo do que se atentar para as denominações atribuídas às

pessoas para se compreender a consideração a estas destinada. Em relação às pessoas com

deficiência, foram várias as nomenclaturas impostas durante o decorrer histórico,

influenciadas pelos valores e significados atribuídos a elas nos diferentes momentos

socioculturais vigentes.

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Num panorama cronológico dessa situação, pode-se compreender a condição de

marginalização e exclusão que essa população sofreu ao longo dos anos por uma sociedade

desumana e individualista por meio das denominações a ela atribuída.

Conforme exposto por Bianchetti (1995), nas sociedades primitivas os

indivíduos eram nômades, ou seja, eles se deslocavam pelo mundo em busca de condições

ambientais propícias a uma vida adequada aos seus interesses de sobrevivência, o que fazia

da pessoa com deficiência um empecilho para esses contínuos deslocamentos, sendo

comumente abandonadas. A partir do momento no qual as pessoas passaram a se organizar

em sociedades e fixaram-se em determinados territórios, também foram sendo estipulados e

impostos diferentes ideais e paradigmas. Estabeleceu-se em Esparta, em início marcante

dessa nova etapa de constituição social, o culto a uma forma corpórea ideal induzindo à

condenação de morte os bebês que nascessem com qualquer alteração a esse modelo

corporal pré-estabelecido - como uma deficiência. Já em Atenas, as pessoas com

deficiência deixaram de ser mortas, porém, influenciados por um moralismo místico, suas

deficiências passaram a ser consideradas como consequências de pecados cometidos em

vidas anteriores, sendo continuamente rejeitadas e excluídas. Esse moralismo se fortaleceu

na Idade Média, com a crença de que a presença de uma deficiência estaria associada a

maus espíritos e feitiços. No final desse período, houve a imposição de uma nova teoria

cristã defensora da presença de uma deficiência num individuo como uma possibilidade

oferecida por Deus para que as demais pessoas ao redor deste fossem caridosas e se

salvassem de seus pecados.

Essa concepção do dever em auxiliar pessoas que tivessem em condição de

alguma deficiência, visando à salvação eterna, culminou na inauguração das primeiras

Santas Casas de Misericórdias - casas destinadas ao recebimento e manutenção da

sobrevivência destas (JANNUZZI, 2006). Esse grupo de pessoas deixou de ser condenado à

morte, porém passou a ser isolado e excluso do convívio social dentro destas instituições,

mostrando, por um lado, a conquista da garantia de sobrevivência, e por outro, ampla

rejeição a sua convivência.

Retomando Bianchetti (1995), caminhando ao século XVI a sociedade passou

por profundas transformações – definiram-se novas divisões de classes sociais, as grandes

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navegações e as conquistas territoriais expandiram-se, e um sistema econômico capitalista

foi incorporado à maior parte do mundo –, as quais induziram a um juízo da pessoa com

deficiência como uma pessoa “infuncional”, ou seja, sem função dentro desta nova

sociedade que se organizava.

Restrito aos interesses referentes a uma funcionalidade ao sistema de trabalho e

à sociedade capitalista existiu, conforme afirmação de Zavareze (2009), uma seguinte

denominação de “inválidas” em substituição ao termo anterior, que prosseguiu até o século

XIX, enfatizando o entendimento de serem, estas pessoas, sem função significativa nem

valorosa, apenas um fardo para a família e a sociedade. Prosseguindo ao começo do século

XX, ainda com resquícios do século anterior, o novo termo difundido foi “incapazes”,

enfatizando explicitamente a compreensão de que não poderiam trazer contribuições

sociais, principalmente do ponto de vista da aptidão física e intelectual, necessárias para o

mercado de trabalho.

Já nas décadas de 60 e 80, devido à propagação de movimentos sociais em

defesa dessas pessoas, outros termos foram propostos como: “defeituosos”, “deficientes” e

“excepcionais”, já baseados numa inicial preocupação com a conotação trazida pelas

nomenclaturas, porém carregando ainda vestígios das anteriores características pejorativas

que focalizavam a deficiência em detrimento de uma consideração da pessoa como ser

humano.

Como fruto desses movimentos sociais, o ano de 1981 foi declarado “Ano

Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência” pela Organização das Nações Unidas,

com o objetivo de convocar os países para que promovessem ações referentes ao tema,

desdobrando-se numa série de ações políticas e sociais destinadas à defesa e à valorização

dessas pessoas. Neste momento, novos termos apareceram visando uma forma mais

respeitosa, como “pessoa deficiente”, “pessoa portadora de deficiência” e “pessoas

especiais” (SASSAKI, 2003).

As transformações nas denominações podem ser vistas como reflexo do

surgimento de uma nova forma de compreensão acerca dessa população, com mais respeito

e aceitação, com início de uma conscientização de que todos possuimos capacidades e

dificuldades, e podemos, em algum momento da vida, adquirirmos uma condição de

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deficiência, conforme retratado por Pieter Bruegel na Figura 5.5

Com progressiva atenção dispendida à questão, cada vez mais considerações

foram sendo definidas. O termo “portador”, por exemplo, passou a ser considerado

inadequado por não se referir às condições reais da pessoa que possui uma deficiência, uma

vez que “portar”, segundo definições da língua portuguesa, refere-se a uma atitude

opcional, como quando se porta um objeto qualquer, podendo deixá-lo quando desejar, o

que não é a realidade da pessoa que possui uma deficiência.

Figura 5 – Pieter Bruegel. Os Aleijados. 1568b.

Fonte: http://www.abcgallery.com

Com contínuas e efervescentes discussões a respeito, estabeleceu-se, na década

de 90, o termo “pessoa com deficiência” e “pessoa em condição de deficiência”,

considerados como os mais adequados atualmente. Estes termos idealizaram a consideração

em primeiro momento da pessoa como ser humano, e apenas posteriormente de sua

5 Na tela de Pieter Bruegel cada pessoa com deficiência representa uma classe social distinta, as quais são

analisadas pelas toucas, sendo um rei, um bispo, um soldado, um burguês e um camponês, proporcionando

uma reflexão de que todos podem adquirir uma condição de deficiência, independente da classe social a que

pertence.

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característica de possuir uma dada condição específica, não com o objetivo de minimizar ou

esconder tal característica, mas intencionando tratá-la de forma respeitosa e ao mesmo

tempo dispor dos cuidados necessários exigidos pela condição em questão (SILVA;

SEABRA JUNIOR; ARAÚJO, 2008).

Pesquisadores e documentos legais, em seguida, detalharam e esclareceram

sobre essas novas nomenclaturas. A palavra deficiência consolidou-se, segundo Sassaki

(2005), como uma condição resultante de algum impedimento para a pessoa que a possui,

sendo esta submetida a uma desvantagem em relação a determinados fatores em

comparação com as pessoas que não possuem essa condição.

Completando, a “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”

(BRASIL, 2007) - em definição aceita e reforçada no Brasil pelo “Plano Nacional dos

Direitos da Pessoa Com Deficiência”, instituído pelo Decreto n° 7.612, de 17 de novembro

de 2011 - definiu a pessoa com deficiência como a pessoa que possui algum impedimento

(físico, mental, intelectual ou sensorial) em longo prazo, que possa dificultar sua

participação social quando em contato com alguma barreira, influenciando de forma

dificultosa uma vida social com igualdade de oportunidade entre ela e as outras pessoas

sem deficiência.

Devido à importância do ano de 1981 e seus posteriores documentos e ações

elaborados que contribuíram para essa nova forma de compreensão a respeito da pessoa em

condição de deficiência, a menção de alguns deles torna-se relevante para que o cenário e o

caminhar dessa questão seja elucidado.

Abrindo caminho para a posterior ênfase alcançada no ano de 1981, a

Organização das Nações Unidas proclamou a “Declaração dos Direitos das Pessoas

Deficientes”, em 09 de dezembro de 1975 (BRASIL, 1975). Este documento declamou

sobre a necessidade de prevenção de alguns tipos de deficiência, de apoio e atendimento às

pessoas com essa condição, ressaltando os mesmos direitos destas a uma vida com

qualidade tal qual os outros cidadãos, com atendimento médico assegurado e direito de

segurança social, econômica, à vida em sociedade e proteção contra qualquer forma de

discriminação e exploração. A pessoa com deficiência foi adquirindo respeito as suas

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características e espaço para sua atuação social, numa nova era de aceitação (FIGURA 6).6

Figura 6 – Robert Henri. Cantora Espanhola Cega.1912.

Fonte: www.henrirobert.org

Posteriormente, foi publicada a “Declaração Mundial Sobre Educação para

Todos”, em 1990, intencionando sensibilização governamental a respeito da educação

como um direito de todas as pessoas, incluindo, neste momento, também as pessoas com

deficiência (BRASIL, 1990a).

Ainda no âmbito educacional, uma terceira publicação influenciou suas

estruturas e seu futuro mundial, a “Declaração de Salamanca”, estabelecida em 1994, em

Salamanca, na Espanha (BRASIL, 1994). Este documento foi elaborado durante a

6A pintura de Robert Henri retrata uma nova era de aceitação e de vida em sociedade das pessoas com

deficiência, as quais passam a ter direitos civis e também a vivenciarem diferentes atividades socioculturais,

como a música, não apenas como ouvinte, mas também atuando, como ao tocar um instrumento musical. A

atuação na música representa todos os demais papéis sociais que essas pessoas possam a vir a ter.

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“Conferência Mundial de Educação Especial”, realizada entre os dias 07 e 10 de julho, no

qual 88 países e 25 Organizações Internacionais discutiram sobre uma educação para todas

as pessoas. Neste momento foi definida a escola inclusiva, referindo-se a um sistema

educacional no qual as escolas recebem todas as crianças, independente de suas diferenças

e dificuldades, incluindo a pessoa com deficiência, de forma bem-sucedida e com alta

qualidade de ensino, sendo a própria escola a responsável por adaptar sua estrutura física e

pedagógica de acordo com as necessidades de cada aluno. Propôs ainda que os governos

adotassem a educação inclusiva como sistema de ensino, promovendo ações políticas,

legislativas e financeiras que garantissem sua implantação. A Declaração em questão trouxe

contribuição relevante para o cenário educacional mundial das pessoas com deficiência,

influenciando o modelo educacional de vários países ao redor do mundo.

Em anos sequentes, foi aprovada a “Carta para o Terceiro Milênio”, no dia 9 de

setembro de 1999, em Londres (BRASIL, 1999). Objetivou-se, com a Carta, uma

mobilização da sociedade para a concretização dos direitos humanos estabelecidos

anteriormente nos papéis legislativos, de forma que a inclusão ocorresse de fato em todos

os segmentos sociais, eliminando todas as barreiras para se tornar uma realidade no século

XXI. Propôs, para isso, que os países desenvolvessem programas de acessibilidade e de

apoio à reabilitação da pessoa com deficiência, com metas e cronogramas claramente

definidos para serem cumpridos.

Com proposta semelhante, em 2001, foi aprovada a “Declaração Internacional

de Montreal sobre Inclusão,” no dia 05 de junho, em Montreal, Quebec, no Canadá,

recomendando que todos os segmentos sociais estabelecessem ações de forma a garantir a

plena inclusão da pessoa com deficiência na sociedade – em seus ambientes, produtos e

serviços –, identificando e criando soluções para uma vida inclusiva, por meio de ações

políticas e sociais (BRASIL, 2001a).

Já na data de 13 de dezembro de 2006 foi estruturada a “Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência” e seu Protocolo Facultativo, pela Organização das

Nações Unidas (ONU), aceito oficialmente pelo Brasil em 30 de março de 2007. Composto

por artigos que reafirmaram como obrigatório o cumprimento de direitos civis,

socioeconômicos, políticos e culturais das pessoas com deficiência, este documento trouxe

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o objetivo de combater a discriminação, auxiliar a emancipação dessas pessoas protegendo

e assegurando sua dignidade, o cumprimento dos direitos humanos, a inclusão social, o

respeito pelas diferenças, a aceitação, a acessibilidade e o desenvolvimento de programas,

políticas, pesquisas, serviços e produtos referentes à questão (BRASIL, 2007).

Consequentemente à publicação dos documentos internacionais, o Brasil

estabeleceu, aos poucos, uma série de medidas legislativas referentes ao assunto.

Abrindo caminho, em 1986 foi criada a “Coordenadoria para Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência” (CORDE) visando assegurar os direitos até então

definidos e proporcionar a integração das pessoas com deficiência na sociedade,

considerando todo o contexto social (ARAÚJO, 1999).

Já em 1988, apresentou-se, com a Constituição Federal do Brasil, uma das

medidas preliminares e instigadoras da presença de alunos com deficiência nas escolas

regulares, ao ser redefinida a educação especial como uma educação destinada às pessoas

com deficiência ocorrendo preferencialmente na rede regular de ensino, medida esta

reafirmada pela Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, em artigo do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) (BRASIL, 1988, 1990b).

Seguindo esses princípios, a terceira e atual, e já citada anteriormente, Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, corroborou

com essa nova estruturação da educação especial incorporando, além do dever desta ocorrer

preferencialmente na rede regular de ensino, a necessidade de devida capacitação de

professores e adequação de currículos e procedimentos didáticos, com recursos específicos

para as necessidades de cada aluno.

Outra medida crucial foi a criação da Lei n°10.098, de 19 de dezembro de 2000,

a Lei da Acessibilidade. Por meio desta, critérios visando garantir a plena acessibilidade

das pessoas com deficiência aos produtos, locais, serviços e educação foram determinados,

numa preocupação em eliminar quaisquer tipos de barreiras que poderiam dificultar ou

impedir o acesso dessas pessoas (BRASIL, 1996).

Conjuntamente, decretos e portarias referentes às pessoas com deficiência

foram promulgados. Segundo Silva A. M. (2010), com o Decreto n° 914 de 06 de julho de

1993, foi criada uma “Politica Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

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Deficiência”, garantindo os direitos sociais e também individuais dessas pessoas. Em 1999,

o Decreto n°3.298 reestruturou o citado anteriormente, adicionando explicitamente a

garantia de acesso e permanência das pessoas com deficiência nos diferentes setores da

comunidade por meio de uma integração entre as ações públicas e privadas em diversos

segmentos como a educação, o trabalho, a saúde e a habitação, de forma a atingir a inclusão

social.

Ainda de acordo com o mesmo autor, no ano de 1999, o Decreto n°. 3.076

instituiu o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE),

atribuindo a este a finalidade de acompanhar o caminhar das ações políticas nacionais

referentes à inclusão das pessoas com deficiência nos diversos setores sociais.

O Conade pode ser compreendido como uma tentativa de solidificação das

políticas públicas brasileiras neste assunto, uma vez que intencionou a garantia da

continuidade das ações e buscou evitar estagnações dos decretos da legislação.

Em ações com semelhança de intencionalidade, em 24 de Abril de 2002, a Lei

n° 10.436 regularizou no Brasil a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), não apenas

reconhecendo essa forma de comunicação, mas também abrindo espaço e exigência para a

formação de docentes intérpretes, os quais passaram a ter presença garantida legalmente

nas diversas instituições. Neste mesmo ano, uma permissão legislativa foi adicionada para

que as pessoas com deficiência visual frequentassem tanto lugares públicos como privados

acompanhados de um cão-guia (DIEHL, 2006).

Outra ação em linha de indução de medidas práticas foi o instituído “Plano

Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência” (Plano Viver sem Limites) pelo Decreto

n° 7.612, de 17 de novembro de 2011. O Plano objetivou o respeito e a efetivação dos

direitos da pessoa com deficiência estipulados pela Convenção Internacional sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo Facultativo, reafirmando a garantia

de inclusão social e educacional (SILVA, A. M., 2010).

Tendo por base alguns dos documentos produzidos nas ultimas décadas, como

os citados acima, observa-se que os conceitos e definições legais a respeito da cidadania

das pessoas com deficiência estão determinados e esclarecidos. Contudo, essas deliberações

legais esbarram-se não apenas numa insuficiente concretude prática como também na falta

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de conhecimento e preconceito de grande parte da população, não sendo o suficiente para

garantir a essas pessoas o bem estar e a adequada qualidade de vida a que todos têm direito

(Figura 7).7

Figura 7 – Diego Velazquez. Um Anão Sentado no Chão.1645.

Fonte: http://www.diegovelazquez.org

O pré-conceito é entendido como uma opinião individual ou coletiva concebida

sobre algo, sem haver desenvolvimento de conhecimento suficiente sobre o assunto. Já o

preconceito refere-se a uma repulsa por determinada condição ou fato.

Tanto o pré-conceito quanto o preconceito tornam-se um obstáculo na inclusão

das pessoas com deficiência uma vez que não ocorre de forma isolada, sendo nutridos

7O quadro de Diego Velazquez retrata uma pessoa com nanismo representando, neste trabalho, todas as

pessoas que possuem alguma condição de deficiência e o seu direito ao bem estar e qualidade de vida sem

obstáculos para a concretização de seus direitos, conforme discutido no parágrafo anterior.

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durante toda a história e pelos mais diversos contextos socioculturais.

A pessoa com deficiência foi relegada a um nível inferior de consideração

durante grande parte histórica, considerada inapta para as atividades da sociedade e fora do

padrão estipulado para o ser humano. Com o surgimento de novas concepções filosóficas e

pensamentos humanistas iniciou-se uma luta pelo respeito e aceitação das diferenças,

contudo muito ainda há a ser feito, pois se por um lado o preconceito tem sido

transformado e vivenciado de formas diferentes, por outro continua presente na mídia, nas

relações sociais, no mercado de trabalho, nas produções de produtos que, quando não

ignoram a presença de pessoas com deficiência, colocam-na, na maioria das vezes, como

indivíduos vitimados pela vida, como infelizes, trazendo informações errôneas e

contribuindo indiretamente com a propagação do preconceito e de falsas concepções sobre

a deficiência.

Num movimento de padronização de corpos e de vidas, as diferenças são

rejeitadas pelas pessoas assim como, numa sociedade que negligencia as potencialidades de

cada indivíduo, instala-se o medo de que determinada característica não seja aceita no

padrão social estabelecido.

Apesar de todas as dificuldades para se combater o pré-cconceito, que hoje é

oriundo principalmente da falta de conhecimento e não da repulsa pela deficiência, ideais

como os de Paulo Freire (1996) suscitam a esperança num caminhar de sociedade mais

respeitosa e humana, ao mostrar que qualquer tipo de discriminação e preconceito vai

contra o próprio individuo como ser humano e seus ideais de democracia, além de enfatizar

que por mais estafante e vagarosa que sejam as possibilidades de mudança, elas são

possíveis.

Finalmente, se comparado às mais antigas sociedades que condenavam à morte

essas pessoas, grandes avanços foram alcançados, de forma vagarosa, mas concreta. O

importante é ressaltar que as mudanças ocorreram e ainda ocorrem. Afinal, já nos ensinam

as formigas, que grandes obras às vezes devem ser construídas de grão em grão.

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2.2.2 Escolarização da pessoa com deficiência

As pessoas que possuíam algum tipo de deficiência foram submetidas a

inúmeras barreiras que dificultaram sua aceitação como cidadãs e ser humano durante o

decorrer dos séculos, submetendo-as do menosprezo às precárias condições de vida.

Consequentemente, a área educacional sofreu severos reflexos desse contexto desumano e

preconceituoso que por sua vez contribuiu em muitos momentos para o prosseguimento

desse processo de exclusão, uma vez que ao mesmo tempo em que é influenciada a escola

também influencia a sociedade.

Apoiando-se na contextualização histórica, apura-se que no momento do Pré-

Cristianismo, as pessoas com deficiência eram abandonadas ou condenadas à morte sendo

impensável, portanto, a elaboração de um sistema educacional a elas destinado.

Caminhando à era do Cristianismo, a visão de uma criança com deficiência incapaz de ser

alfabetizada prevaleceu, sendo recebida, em sua maioria, em instituições que apenas a

segregava e isolava da sociedade ou do convívio social. A ruptura desse cenário com as

primeiras tentativas educacionais direcionadas às pessoas com deficiência derivou-se

inicialmente das reflexões filosóficas, com uma iniciativa isolada em 1260, quando da

criação da primeira instituição destinada ao atendimento de soldados que haviam adquirido

deficiência visual, o Hospital Quize Vings, pelo Rei Luís IX, em Paris. Posteriormente,

apenas em aproximadamente 1500 o tema sobressaiu-se, quando Pedro Ponce de Leon

tornou-se o primeiro educador de pessoas com surdez, ensinando os filhos de nobres a ler,

escrever e calcular (MIRANDA, 2003; SILVA, A. M., 2010).

Se por um lado a educação das pessoas que possuíam alguma deficiência foi

iniciada, por outro se ressalta a observação de que apenas pessoas associadas a certo

prestígio social recebiam o privilégio educacional, como filhos da nobreza e soldados que

haviam lutado pelo país. Para o restante, composto pela grande maioria populacional, a

educação continuava a ser algo distante e improvável.

Avançando ao século XVIII, Charles Michel L’Epée destacou-se ao organizar

trabalhos educacionais com pessoas com surdez por meio da criação de um primeiro

método de sinais. Já em 1829, Louis Braille trouxe sua contribuição ao desenvolver o

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Método Braille, composto por um sistema representativo das letras do alfabeto por meio da

combinação de pontos em relevo. Além dessas iniciativas referentes à educação das pessoas

com surdez e cegueira, a deficiência intelectual também foi abarcada nessas primeiras

ações. Em período concomitante, o médico Jean Marc Itard, propôs ser viável um processo

educacional para o menino Victor, que apresentava dificuldades intelectuais por haver

sobrevivido durante anos na selva, propondo um sistema específico. Influenciados por

Itard, Edward Seguin e Maria Montessori deram continuidade a esses conceitos

organizando programas educacionais que, após influenciar países da Europa e da Ásia,

expandiram-se para continentes diversos (MIRANDA, 2003; SILVA, A. M., 2010).

A continuidade da atenção educacional às pessoas com deficiência foi sendo

liderada por médicos baseados em princípios de educação para a vida, com tratamentos

medicinais e ênfase na aprendizagem das atividades diárias e autocuidado. Em seguida, a

área recebeu e incorporou conhecimentos da psicologia e da pedagogia, expandindo o

atendimento dessas pessoas também à aprendizagem escolar (BRASIL, 2008).

Se até o momento as pessoas com deficiência eram isoladas em manicômios e

asilos, a criação desses métodos de ensino influenciou a difusão de instituições

especializadas destinadas também ao desenvolvimento dessa população, ainda segregando-

as da convivência social, mas já com algum caráter educacional. Esmiuçando os fatos,

Stainback S. e Stainback W. (1999) revelam como ponto inicial a inauguração da primeira

instituição especializada, já com caráter educacional, em 1817, por Thomas Gallaudet,

denominada de Asilo Norte-Americano para Educação e Instrução dos Surdos e Mudos.

Neste caminhar, as ações dirigiram-se para a consolidação de uma Educação

Especial, nesta fase, entendida como um sistema educacional destinado ao atendimento de

pessoas com deficiências e outros distúrbios de aprendizagem e comportamento,

desenvolvido separadamente do ensino regular em instituições específicas, mantendo uma

segregação no plano educacional entre os alunos com deficiência e os demais (GLAT;

PLETSCH; FONTES, 2007).

Focalizando o Brasil, as pessoas com deficiência demoraram a usufruir dessas

conquistas educacionais, situação esta agravada pelo descaso político com a questão. Essa

circunstância é ratificada nos estudos de Jannuzzi (2006), ao revelar que a Constituição de

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1824, em seu Título II, Artigo 8°, Item 1°, privava um indivíduo que possuísse uma

condição de deficiência dos seus direitos políticos - o que incluía a educação. Com isso,

pessoas com essas características eram apenas recolhidas em Santas Casas de Misericórdia,

que cuidavam de órfãos e pessoas consideradas inválidas sob a justificativa de que

proporcionariam melhores cuidados, porém com a função camuflada de isolá-las do

convívio social.

A mesma autora ressalta ainda que apenas no século XIX o Brasil iniciou um

processo embrionário de institucionalização da educação especial, fato este instigado pela

proliferação das ideias internacionais. Logo, a primeira instituição destinada à educação das

pessoas com deficiência no Brasil foi criada por meio do Decreto n° 1.428 de 12 de

setembro de 1854, por Dom Pedro II - o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Esse

instituto não se originou por uma sensível consciência dos direitos humanos, mas sim

devido à presença de pessoas com deficiência no ambiente da nobreza. Explanando o fato,

um brasileiro com deficiência visual, José Alvares de Azevedo, integrante do cenário

nobre, buscou instrução educacional em Paris, no Instituto dos Jovens Cegos e, ao voltar ao

Brasil, passou a educar a filha do médico do Imperador, com a mesma condição. Em

seguida, contando com a ajuda de Couto Ferraz, influenciou Dom Pedro II a criar o

instituto em questão que, pelo Decreto n° 1.320 de 24 de janeiro de 1891, transformou-se,

em seguida, em Instituto Benjamin Constant. Além desta, houve também, a criação de uma

segunda instituição, o Instituto dos Surdos-Mudos pela Lei n° 839 de 26 de setembro de

1857, o qual foi transformado em Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), pela

Lei n° 3.198 de 06 de julho de 1957.

Apesar de relevantes, essas iniciativas receberam apenas pequena parcela da

população com deficiência. Além disso, a ampliação desse sistema de ensino não foi

preocupação do sistema político da época, sendo continuado apenas com organizações

populares como a Sociedade Pestalozzi do Brasil – o qual leva o nome do educador suíço

que priorizou os sentimentos e afetividade na educação das crianças, Johann Heinrick

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Pestalozzi (FIGURA 8)8 - e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), na

década de 50 (BRASIL, 2008).

Figura 8 - Konrad Grob. Pestalozzi com Órfãos em Stans. 1879.

Fonte: www.myartprints.com

A autora Jannuzzi (1992) mostra que existiram, paralelamente, alguns indícios

de escolas para pessoas com deficiência no país, contudo, sem relevantes informações sobre

elas, tornaram-se fatos escassos e sem registros de haver contínua atuação dessas

instituições. Dentro destas iniciativas relata-se a existência, nos anos de 1890, do Ginásio

Estadual Orsina da Fonseca, no Rio de Janeiro; em 1892, da Unidade Educacional Euclides

da Cunha, em Manaus; e em 1909, da Escola Borges de Medeiros e do grupo Escolar

Delfina Dias Ferraz, no Rio Grande do Sul.

Baseado no exposto acima é possível visualizar um caminhar paralelo entre as

escolas regulares e a criação de instituições especiais. Anos mais tarde, classes especiais

dentro das escolas regulares foram propostas e realizadas, constituindo-se como classes

separadas das demais, que recebiam as pessoas com deficiência para a aprendizagem

8A tela de Konrad Grob retrata o educador Pestalozzi, o qual teve seu nome utilizado na denominação de uma

das organizações populares destinadas ao atendimento da pessoa com deficiência – a Sociedade Pestallozi do

Brasil.

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escolar, porém as isolava dos demais alunos da escola, o que inicialmente contribuiu ainda

mais para a segregação destas. Sobre tal fato, Januzzi (2006) justifica que, com o

surgimento das classes especiais, passaram a existir inspeções nas escolas para separar as

crianças ditas “normais” das ditas “anormais”, sob a justificativa de que uma poderia

prejudicar o desempenho da outra.

Nesse primeiro momento, ambas as opções acabaram por contribuir para uma

segregação, porém se nas instituições especiais havia profissionais com preparo e

disposição para trabalhar com essas pessoas, nas classes especiais das escolas regulares o

atendimento era precário.

A partir, aproximadamente, da década de 60, floresceu a defesa de uma

educação conjunta dos alunos com alguma deficiência com os demais, como reflexo de

vários fatores dos quais pode-se destacar o desenvolvimento de pesquisas científicas

revelando as possibilidades de ensino para as pessoas com deficiência; a proliferação de

movimentos sociais defensores dos direitos humanos que questionavam a segregação e

defendiam o direito de todos aos mesmos sistemas educacionais, além de uma pressão

política mundial dos países desenvolvidos sobre o tema, influenciando os demais países

dependentes destes (MENDES, 2006).

Com possibilidades, propostas e exigências em efervescência no âmbito

mundial, o Brasil comprometeu-se, oficialmente, a elaborar ações políticas referentes ao

assunto.

Como medida inicial, em 1957, o governo brasileiro elaborou campanhas

relacionadas ao atendimento educacional das pessoas com deficiência, sendo a “Campanha

para Educação do Surdo Brasileiro” a ação principiante. Em 1958, criou a “Campanha

Nacional de Educação e Reabilitação do Deficiente da Visão”, e em 1960, a “Campanha

Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais” (CADEME) (MIRANDA,

2003).

A educação especial, entendida até então como uma educação voltada

especialmente para pessoas com deficiência em ambientes específicos e separados dos

demais, adquiriu, neste momento, atenção da legislação brasileira com a primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 – na

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qual foi garantido explicitamente, pela primeira vez, o direito dos “excepcionais” à

educação, com organização de uma distribuição de subsídios financeiros para instituições

particulares que atuassem na educação das pessoas com deficiência (RODRIGUES;

KREBS; FREITAS, 2005; BRASIL, 2008). Apesar de elevar a educação das pessoas com

deficiência explicitamente como direito legal, com essas medidas houve um estímulo ao

ensino especial separado e privatizado, e uma evasão do dever federal na elaboração de

ações políticas públicas educacionais à disposição das pessoas com deficiência, uma vez

que essa educação passou a ser permissível de ocorrer em classes especiais, dentro de

instituições particulares.

A ação acima se procedeu dentro de um contexto de ampliação de reflexões

sobre a participação social das pessoas com deficiência. Chamada de normalização, esta

fase, segundo Soler (2005) e Silva, Seabra Júnior e Araújo (2008), fundamentou-se pela

busca de medidas eficazes para proporcionar à pessoa com deficiência a vivência de um

estilo de vida semelhante ao considerado como normal pela sociedade. Ou seja, visava-se

preparar o modo de vida das pessoas com deficiência para que eles pudessem seguir

parâmetros e condições as mais semelhantes possíveis da forma como as demais pessoas

sem deficiência viviam no contexto social padronizado.

Com contínuas discussões a respeito, uma fase denominada de Integração

sucedeu a anterior. Defendeu-se neste momento, a integração física da pessoa com

deficiência nos diversos ambientes sociais, contudo, caberia à própria pessoa se adequar à

sociedade já idealizada. No contexto educacional, as instituições e classes especiais

passaram a ter a função de preparar as pessoas com deficiência para encaminhá-las às

escolas regulares, porém apenas as que apresentavam desenvolvimento próximo dos

padrões considerados normais pelo ensino escolar padronizado eram encaminhadas a este,

uma vez que as escolas não realizavam nenhuma alteração nem adaptação às necessidades

desses alunos (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007).

Compreende-se, portanto, que a integração trouxe a possibilidade da presença

física da pessoa com deficiência nos diversos ambientes, porém não possibilitou uma

participação nesses locais com qualidade de atuação.

Concomitantemente às dificuldades encontradas nesta fase, foi elaborada a

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primeira política pública referente à educação das pessoas com deficiência. Um “Grupo-

Tarefa de Educação Especial” foi organizado pelo Ministério de Educação e Cultura

(MEC), em 1972, com a finalidade de elaborar uma estruturação da educação especial no

Brasil. Como primeira ação, por meio do Decreto n° 72.425, de 03 de julho de 1973, pelo

Artigo 3°, Inciso VI, o Grupo criou o “Centro Nacional de Educação Especial” (CENESP),

atribuindo-lhe a função de expandir e melhorar o atendimento educacional a essas pessoas,

por meio do desenvolvimento de políticas específicas para esse cenário e capacitação de

recursos humanos para atuarem na área em questão. Sob responsabilidade desse órgão,

foram imbuídos os Instituto Brasileiro de Cegos e Instituto Nacional dos Surdos-Mudos.

Com pouco estímulo e força política, o CENESP teve sua função enfraquecida

readquirindo, apenas em 1993, visibilidade e apoio político, ao transformar-se em

Secretaria de Educação Especial (SEESP). Vale ressaltar que em seguida, no ano de 1990,

essa Secretaria foi extinta e substituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mantido

até os dias atuais (SOLER, 2005; JANUZZI, 2006; GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007).

No caminhar às décadas de 70 e 80, críticas quanto à forma como a integração e

a educação especial vinham se estabelecendo foram vagarosamente proliferando-se devido

à, ainda presente, segregação da pessoa com deficiência.

Uma mudança mostrou-se necessária, abrindo espaço para a defesa e

estabelecimento de uma terceira e atual, até o momento, fase – a da inclusão. Nas décadas

de 80 e 90, os ideais da inclusão se desenvolveram propondo uma modificação na forma

como é vista a pessoa e a sua deficiência, não mais com enfoque apenas no campo

biológico, mas considerando todas as outras dimensões, como a social, afetiva e

psicológica, para que a permanência de qualquer forma de segregação fosse contornada.

A inclusão, conforme definido por Stainback S. e Stainback W. (1999), é

compreendida como a participação de todos nos diferentes setores da sociedade, sendo que

esta se adapta para atendê-los com a mesma qualidade independente de suas diferenças. No

âmbito educacional, as instituições escolares devem receber todos os alunos

proporcionando a mesma qualidade de ensino independente das diferenças ou dificuldades

de cada um. Vale mencionar que no conceito da inclusão são consideradas não apenas as

pessoas com deficiência, mas também as pessoas com quaisquer características que possam

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dificultar sua participação nas atividades a serem desenvolvidas, como dificuldade de

aprendizagem, diferenças culturais e étnicas, entre outras.

Em 1994, com a já explicitada “Declaração de Salamanca”, a inclusão refletiu-

se definitivamente no plano educacional. Continuamente, vários documentos e eventos

foram organizados defendendo a inclusão em toda a esfera social e estimulando sua

implantação em diversos países.

Defendida e apoiada em âmbito internacional, também o Brasil assumiu o ideal

da sociedade inclusiva. Especificamente no cenário educacional, a própria Constituição

Federal do Brasil de 1988, e a terceira LDB, 1996, determinaram, conforme já mencionado,

o atendimento educacional da pessoa com deficiência preferencialmente na rede regular de

ensino.

Além destes, outros documentos foram publicados como o “O Acesso de

Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular” pelo Ministério

Público Federal, Decretos-Leis estabelecendo normas para a acessibilidade educacional e

social das pessoas com deficiência, além do “Plano de Desenvolvimento da Educação”, em

2001 e em 2012, não apenas defendendo, mas exigindo das escolas o cumprimento da

inclusão educacional (MELO e SILVA, 2004; SILVA, A. M., 2010).

A educação especial deixou, portanto, de ser uma modalidade de ensino

específica de instituições especiais e passou a frequentar as escolas regulares, adquirindo

nova definição e abrindo caminho para uma possível e consequente inclusão educacional.

Já esclarecida e definida legalmente, a inclusão passa a exigir agora a atenção

política para a delimitação de ações que permitam a sua implantação prática na sociedade.

No campo educacional, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 expõe que, para a

inclusão educacional os professores deverão ser capacitados, cabendo aos sistemas de

ensino assegurar material, currículos, métodos, recursos necessários e também professores

especializados para a possível necessidade de um atendimento especializado dentro do

âmbito escolar (BRASIL, 1996). Porém, contrariando essa clara exigência, muitas dessas

medidas estão enfrentando dificuldades para serem estabelecidas na realidade escolar e,

sem respaldo de ações governamentais suficientes para garantir o cumprimento real da

inclusão educacional, divergências e discussões a respeito do tema são frequentes frente a

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esses obstáculos. Com isso, é constante ainda a presença de atitudes referentes ao processo

de integração, apenas alocando fisicamente as pessoas com deficiência nos espaços

escolares, sem proporcionar a qualidade de ensino a qual são obrigadas legalmente a

fornecerem.

Contudo, tão antigo quanto a sociedade é o sistema de ensino, e pequenas

alterações vem sendo alcançadas, uma vez que as estruturas do sistema educacional

remontam há séculos, exigindo persistentes e competentes ações políticas e pedagógicas

para que alterações efetivas sejam possíveis.

2.2.3 Inclusão escolar – desvendando o tema

A inclusão refere-se a um complexo de dimensões interligadas historicamente,

exigindo mais do que um relato simplicista e superficial. Sem pretensão de alcançar um

patamar completo de conhecimentos sobre o tema, mas objetivando uma compreensão

contextualizada a respeito dessa nova realidade, esse subcapítulo será, em sua integridade,

destinado ao assunto.

Nesse complexo de emaranhados a própria origem da inclusão escolar trouxe

duplos caminhos e múltiplos entendimentos. A proposta inicial da inclusão educacional tem

sido atribuída aos Estados Unidos, país que, no ano de 1975, iniciou uma série de reformas

em seu sistema educacional devido às constantes críticas e pressão da sociedade (SOLER,

2005). Nesta conjuntura, desenvolveram-se dois segmentos da inclusão escolar (MENDES,

2006):

A educação inclusiva – sugerindo que o local mais adequado para a

escolarização das pessoas com deficiência é a escola regular, contudo

contando com o apoio de especialistas e serviços de suporte

especializados para serem usufruídos pelo aluno, caso necessário;

A inclusão total – o qual recomenda que a educação escolarizada dos

alunos ocorra somente na escola regular, independente das dificuldades

ou condição de deficiência destes, e sem a existência de um sistema de

apoio complementar, cabendo todas as medidas necessárias para isso à

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própria escola.

A posteriori, o conceito de escola inclusiva definiu-se definitivamente com a

Declaração de Salamanca, em 1994 (BRASIL, 1994). Nesta definição, conforme elucidado

em capítulo anterior, a instituição escolar deve atender a todos os alunos, independente de

suas dificuldades ou diferenças (pessoas com deficiência ou com qualquer outra

característica que possa dificultar o processo de ensino-aprendizagem) proporcionando a

mesma qualidade de ensino a todos, respeitando suas individualidades e dispondo de um

processo educativo qualificado e adaptável às necessidades de cada um. Para isso, essa

declaração defendeu uma pedagogia centrada no aluno, contando com a presença de apoio

especializado quando necessário. Complementando, defende ainda uma indispensável

priorização governamental fornecendo apoio político, financeiro e programas de

capacitação profissional à comunidade escolar.

Com as definições e exigências legais em relação à inclusão escolar, uma nova

nomenclatura acompanhou essa realidade - “alunos com necessidades educativas especiais”

(NEE). Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2001b), esta se

refere aos alunos que apresentam algum tipo de dificuldade ou alta capacidade que interfira

no aprendizado, não considerando apenas a deficiência, mas também qualquer outra

dificuldade como timidez e diferenças culturais. Nos documentos políticos atuais, esse

termo, NEE, vem sendo substituído por pessoa com deficiência, altas habilidades /

superdotação e transtorno global de desenvolvimento.

Contudo, a cada nova tentativa de denominações corre-se o risco de

estabelecerem-se novas classificações e exclusões. Ainda com presença constante, o termo

“necessidades educativas especiais” apresenta aprovação por parte de alguns estudiosos e

reprovação por outros.

Defendendo a utilização desta denominação, (NEE), Soler (2005) a considera a

mais correta até então elaborada, por possibilitar um foco nos recursos os quais esses

alunos necessitam e não em suas deficiências. Já Rodrigues, Krebs e Freitas (2005),

questionam a necessidade de utilização desta denominação uma vez que esta poderia

transformar-se em mais um rótulo aos alunos.

Respeitando todas as opiniões, porém corroborando com o pensamento destes

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últimos autores, torna-se preocupante a forma de utilização e de difusão de nomenclaturas.

A inclusão abarca todos os alunos sendo que em determinados momentos uns terão maior

necessidade de auxílio do que outros. Por conseguinte, estas definições devem ser utilizadas

com cuidado - sem originar nova rotulação dentro da escola -, apenas quando for contribuir

com a elaboração e desenvolvimento de procedimentos didáticos de qualidade. Afinal, se a

inclusão refere-se a todos com suas próprias dificuldades e capacidades, que são distintas

uns dos outros, então todos em algum momento exigirão atenção especial, alguns

temporariamente e outros mais constantemente, podendo ser evitada a utilização de novas

nomenclaturas destinadas especificamente a determinados alunos ou grupos de alunos

dentro do ambiente escolar, sempre que possível. Definições teóricas são úteis para a

elaboração de medidas políticas e educacionais, mas sua difusão como termo corriqueiro do

ambiente escolar pode ressaltar diferenças e proporcionar distanciamento entre os alunos.

Ademais dessas definições teóricas, a inclusão total tornou-se uma preocupação

em relação a sua implantação ao invés de ser uma solução educacional.

Com um sistema de ensino público, em geral, de qualidade questionável e

desigual para a população sem deficiência, as instituições especiais brasileiras atuaram de

forma a preencher uma lacuna há muito negligenciada pela atuação governamental. No

momento no qual a inclusão de alunos com deficiência teve sua implantação iniciada nesse

mesmo sistema de ensino de pouca qualidade, esta se tornou uma questão extremamente

complexa com elementos históricos, econômicos e socioculturais a serem considerados, não

podendo ser simplificada e estabelecida de forma extremista, sem um mínimo

planejamento.

Dessa forma, até que o ensino público ofereça uma educação de qualidade para

todos, bem como um sistema público de saúde e de assistência social eficaz no apoio ao

desenvolvimento global de uma pessoa em condição de deficiência, a interface entre as

escolas regulares e as escolas especiais é imprescindível nesse momento de implantação da

inclusão, uma vez que as escolas especiais ainda atuam em espaços os quais ainda não são

abarcados pelas políticas públicas ou, quando são, deixam a desejar.

Ambos os atendimentos não se excluem nesse momento, e não devem ser

entendidos como opositores. Por conseguinte, necessita-se de uma atuação conjunta ao

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invés de paralela, transformando-se em grandes aliados ao caminharem de mãos dadas em

direção ao alcance dessa nova proposta inclusiva, assim como ilustrado por Henri Matisse

na Figura 9.9

Figura 9 - Henri Matisse. A Dança (primeira versão). 1909.

Fonte: www.abcgallery.com

Para isso, a transição para o ensino inclusivo não pode ser abrupta, mas deve

ocorrer acompanhado de intensa busca na melhora e preparo do ensino público regular,

numa união entre as escolas regulares e especiais em prol de um objetivo em comum – o

acesso e a permanência numa educação de qualidade para todos na rede regular de ensino.

Isso não significa que a inclusão deve estar à espera da melhoria do sistema educacional

para acontecer, muito menos que o sistema educacional é que deva esperar a chegada

desses novos alunos para se adequar. Reestruturações educacionais devem ocorrer

concomitantemente à inclusão quando não for possível sua ocorrência de forma natural ou

antecipatória à chegada dos alunos. Até que essas mudanças sejam efetivadas, as escolas

especiais tem capacitação suficiente e relevante para auxiliar nesse processo de transição,

fornecendo o apoio necessário às escolas regulares.

9Na tela de Henri Matisse é possível ver um grupo de pessoas de mãos dadas numa mesma dança. Da mesma

forma, na inclusão as pessoas devem estar envolvidas por um mesmo ritmo atuando de mãos dadas em prol

dessa construção educacional. Dessa forma, o quadro vem ilustrar as palavras já ditas no texto.

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Dessa forma, especificamente no contexto educacional brasileiro, a inclusão

terá maiores possibilidades de ser implantada em prol de todos os envolvidos com

consideração e respeito das realidades social, política e educacional do país.

Uma implantação abrupta, como a proposta da inclusão total, pode desrespeitar

as diferentes realidades, induzindo a ocorrências desvinculadas aos objetivos, como a

manutenção de atitudes e procedimentos de integração ao invés de inclusão.

Exemplificando a questão, segundo dados publicados pelo Ministério da

Educação e Cultura (MEC) (BRASIL, 2012), na ultima década – entre os anos de 2000 e

2010, o número de alunos com deficiência matriculados no ensino regular aumentou

933,6%. Numa taxa percentual tão acentuada, há vários fatos implícitos que merecem

esclarecimentos e considerações. Se por um lado, houve um incentivo das políticas

inclusivas como o aumento no valor financeiro destinado à estrutura e ao planejamento

acessível para os alunos através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica (FUNDEB), por outro esse número pode camuflar a realidade da inclusão

educacional. Com a escola inclusiva estabelecida legalmente, os alunos com deficiência

passaram a frequentar as escolas regulares em maior quantidade, mas isso não garantiu a

qualidade do ensino ao qual estão tendo acesso. Em muitas realidades, esses alunos ainda

estão apenas presentes fisicamente nas escolas como meros espectadores, mas não realizam

as atividades conjuntamente, muito menos estão tendo acesso a um sistema de ensino

aprendizagem de acordo com suas necessidades. Apesar destes quase 934% ser um número

considerável e expressivo, ele não pode definir de fato como e se realmente a inclusão está

ocorrendo nas escolas que receberam todos esses novos alunos.

Contrariando a realidade acadêmica e legislativa, na qual a inclusão está

concretizada conceitualmente, no cenário escolar gigantesca dificuldade para sua

implantação está sendo encontrada. Mesmo com grande discussão e evolução nos campos

teóricos dos estudiosos da inclusão, o que se pode observar na prática é que ainda há pouca

evolução neste sentido, permanecendo uma realidade na qual muitas escolas contrariam a

lei e recusam a matrícula de alunos com deficiência, e os muitos que já ingressaram no

ambiente das escolas regulares encontram rejeição pelo receio e falta de conhecimento dos

profissionais da educação sobre como trabalhar com esses alunos.

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Acrescentado a essas circunstâncias, há ainda a existência de proeminentes

obstáculos específicos do ambiente escolar que dificultam a implantação da inclusão.

Dentre eles estão a falta de estrutura física e tecnológica das escolas, a ausência do

desenvolvimento de recursos pedagógicos flexíveis e adaptados, a ausência ou precariedade

de um sistema de apoio especializado dentro do espaço escolar, a presença de um sistema

de ensino de baixa qualidade, a falta de conscientização e comunicação entre os pais,

alunos e funcionários da escola e a falta de capacitação dos professores com defasagem ou

ausência de conhecimentos e vivências sobre as principais dificuldades e deficiências dos

alunos, dificultando a tomada das medidas pedagógicas necessárias (BRASIL, 2008).

Consciente dessa realidade, a Declaração de Salamanca e a Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, conforme especificado em capítulos anteriores,

propuseram tornar obrigatoriedade governamental a promoção, com apoio político e

financeiro, de um sistema educacional inclusivo e de qualidade em todos os níveis de

ensino (BRASIL, 1994; 2007). Apesar de o Brasil aprovar nacionalmente esses

documentos, as ações relevantes para a consolidação prática da inclusão foram

insuficientes, com um estabelecimento predominantemente teórico e conceitual acerca do

tema.

Para que de fato a efetivação da inclusão escolar seja alcançada, medidas

peculiares são indispensáveis como (STAINBACK, S.; STAINBACK, W., 1999;

VERÍSSIMO, 2001; GLAT et. al., 2003):

Reformulação de todo o sistema educacional com currículo escolar e

plano pedagógico flexíveis,

Adaptação da metodologia de ensino e de avaliação,

Aquisição de equipamentos e recursos tecnológicos apropriados,

Capacitação e cursos de formação continuada para os professores,

Preparo dos funcionários que atuam na escola,

União e participação da família na escola,

Apoio governamental,

Conscientização da escola e de toda a sociedade em relação à aceitação

e ao respeito às diferenças com a realização de projetos educacionais

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que desenvolvam os ideais de respeito à diversidade,

Atuação de uma direção escolar capacitada para conduzir e implantar a

inclusão adequadamente, e

Equipe especializada de apoio à disposição dos alunos.

Se implantada baseada nos objetivos e definições propostos pelos documentos

acadêmicos e políticos, a inclusão escolar poderá trazer inúmeros benefícios para a

instituição escolar e seus alunos, assim como para toda a sociedade. Dentre eles pode-se

ressaltar o melhor preparo de todas as pessoas para viverem em comunidade, a melhor

capacitação dos professores, melhor relacionamento interpessoal, o desenvolvimento de

valores como compreensão, respeito mútuo, solidariedade, respeito às diferenças, auxilio na

mudança e eliminação de atitudes de discriminação e preconceito, proporcionando o

desenvolvimento de uma comunidade acolhedora e influenciando e contribuindo para o

desenvolvimento de uma sociedade inclusiva como um todo (BRASIL, 1994;

STAINBACK, S.; STAINBACK, W.,1999).

Sabendo que, segundo Salerno (2009), os assuntos referentes à pessoa com

deficiência ainda causam frequente estranhamento devido, principalmente, à ausência de

vivência cotidiana dos indivíduos com uma pessoa com deficiência, a inclusão escolar

pode, de fato, contribuir determinantemente para que essas atitudes e comportamentos

oriundos da ausência de contato e conhecimento sejam transformados em informações e na

eliminando as barreiras.

A sociedade se desenvolveu perpetuando imensas desigualdades e a escola,

sendo uma instituição pertencente a tal ambiente social, as tem refletido e, como

consequência, tem contribuído, direta ou indiretamente, para a exclusão de alguns grupos

desde sua origem. Por sua vez a inclusão, em seus princípios básicos, propõe um sistema

educacional democrático, porém, se a escola está inclusa em uma sociedade que não tem

sido amplamente democrática em relação a diversos fatores econômicos e sociais, como

acesso à educação, ao sistema de saúde com qualidade, moradia, emprego e transporte

dignos, entre outros, torna-se dificultosa a implantação da inclusão na realidade escolar.

Apesar do Brasil ser oficialmente um país com política democrática, há obstáculos nas

diversas dimensões sociais em executar uma democracia efetiva no acesso aos serviços

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sociais com qualidade, o que não proporciona respeito aos plenos direitos de cada indivíduo

à cidadania, alocando a inclusão escolar no conjunto de tentativas e lutas já presentes no

contexto social.

Pontuando o cenário educacional brasileiro, ainda são encontrados muitos

analfabetos, analfabetos funcionais, evasão escolar e baixa qualidade de ensino, além da

falta de capacitação dos professores uma vez que, ao longo da história houve grande

desvalorização e despreocupação com a qualificação dos profissionais, sem relevantes

medidas políticas que garantissem essa capacitação. Se o sistema escolar brasileiro durante

maior parte de sua historia priorizou a quantidade ao invés da qualidade, conforme

ressaltaram Semler, Dimensteins e Costa (2004), essa tendência perpetuou-se no ensino

inclusivo, com políticas que até o momento zelaram pela presença, pela quantidade de

alunos com deficiência no ensino regular, e não pela qualidade de ensino o qual estes estão

recebendo.

Por conseguinte, esses fatores impediram a consolidação de uma adequada

estrutura organizacional do sistema educacional brasileiro, o qual possibilitaria a

concretização da inclusão de forma menos árdua.

A dificuldade em consolidar a inclusão escolar pode ser justificada por essas

desigualdades do contexto socioeconômico e histórico, contudo não pode ter sua

implantação negada por esses motivos.

Quando se defende a inclusão, essa defesa está sustentada pelos direitos

humanos, pela consciência de que todas as pessoas são diferentes e devem ser respeitadas

por isso. As dificuldades existem e são alimentadas por uma complexa estrutura social, o

que mostra que em hipótese alguma a inclusão seria algo de fácil e rápida implantação, mas

deve ser vista como um desafio a ser assumido por todos.

A falta de conhecimento abre espaço para o surgimento de preconceitos. Duarte

e Lima (2003) enfatizam que um sistema educacional eficaz com informações adequadas

para todos é fundamental, não apenas para a concretização da inclusão nas escolas, mas

para todo o contexto social. Considerando essa entrelaçada relação entre a inclusão escolar

e a social, a luta pela superação desses empecilhos na concretização da inclusão no cenário

educacional pode influenciar uma transformação social.

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Conforme afirma Paulo Freire (1996) qualquer mudança, em especial no campo

educacional é difícil, porém ela é possível desde que os saberes e conhecimentos nos quais

se baseiam a prática do professor sejam sempre renovados e uma ação politico-pedagógica

seja estruturada de forma adequada para tal.

A inclusão é um reconhecimento de que todos são diferentes e têm a obrigação

de aceitar e respeitar uns aos outros, causa esta que deve ser assumida por toda a sociedade.

Dessa forma, essa luta pela sua concretização e implantação, a qual possui caráter digno e

humano, deve ser de fato realizada, provando que não deve haver superioridade ou

inferioridade entre as pessoas devido às características físicas ou pessoais, todos tem o

direito legal e humano a uma realidade de vida com qualidade, com suas necessidades

atendidas e respeitadas.

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3 SEPARANDO AS TINTAS - CONTEXTUALIZANDO A

EDUCAÇÃO FÍSICA

O cenário educacional é composto por várias disciplinas inter-relacionadas

entre si, cada qual com suas histórias e conteúdos, assemelhando-se a um quadro, o qual

utiliza de várias cores em sua composição, cores estas com efeitos característicos próprios

que adquirem amplo significado ao serem mescladas.

Dentre essas disciplinas, a educação física apresenta-se como uma área

consolidada no ambiente acadêmico e profissional, contudo, ainda encoberta por confusos

entendimentos e equivocadas ideias, principalmente pelo senso comum.

Ampliando o contexto para além do escolar, pode-se relacionar essa persistente

falta de clareza como consequência das diversas faces e finalidades pelas quais a área foi

explorada.

Discutir sua trajetória neste trabalho torna-se, por conseguinte, relevante, porém

sem o desígnio de traçar justificativas para sua atual situação nem para elaborar

significados estritamente rígidos para a área, mas sim para possibilitar novas alternativas e

contribuições para a continuidade e o amadurecimento da mesma. Para isso, recortes

concisos cedem lugar a narrativas que abarcam períodos mais amplos das práticas de

educação física, porém de forma pontual, possibilitando um entendimento global da área

em questão.

Como ponto de partida, torna-se relevante a conscientização da presença, desde

os primórdios da humanidade, de relatos da prática de atividades físicas em grande

diversidade de territórios. Houve uma evolução concomitante do ser humano e da educação

física, sendo esta utilizada por aquele como auxílio para a conquista de seus objetivos, de

acordo com as necessidades encontradas em cada época.

Esse caminhar foi bem retratado por Ramos (1982). Segundo o autor, e

seguindo a organização cronológica dos fatos, inicialmente na Pré-História, houve o

surgimento do homem e criação, por este, de práticas de movimentos corporais utilizados

para a sobrevivência, para o combate em guerras e também para rituais, cultos e recreação.

Baseadas nessas finalidades foram utilizadas formas primitivas de dança, jogos, nado e

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exercícios baseados em força e habilidades específicas, como o arco, aqui visualizado na

pintura de Ernest L. Kirchner (FIGURA 10).10

Figura 10 - Ernst Ludwig Kirchner. Arco. 1935.

Fonte: www.paintingmania.com

Já na Antiguidade, ainda segundo o mesmo autor, as atividades físicas passaram

por desenvolvimento e organização enquanto atividade, conjuntamente com o início das

organizações sociais. Neste momento, grandes contribuições foram proporcionadas pelas

civilizações da Grécia – a qual associou a essas atividades finalidades educativas e

guerreiras, além da criação dos Jogos Olímpicos – e de Roma – responsável por estruturar

as primeiras regras para competições ainda com objetivos guerreiros e por instituir o

processo originário das atividades circenses.

No período seguinte, na Idade Média, esse processo embrionário da educação

10

Na pintura de Ernst Ludwig Kirchner há homens praticando a atividade de arco, ilustrando o texto acima o

qual menciona sobre a existência dessa prática desde tempos remotos.

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física foi negligenciado e as atividades físicas organizadas anteriormente foram ocultadas,

retornando apenas na Idade Moderna, na qual ela dispôs da atenção de estudiosos e

pensadores. Consequentemente, em meados do século XVIII, estruturou-se uma

sistematização de métodos e das práticas de atividades físicas por meio da elaboração e

disseminação dos métodos de ginástica da Alemanha, Suécia e França, principalmente

(RAMOS, 1982).

Neste mesmo século surgiu na Inglaterra, em obras de Locke (1632-1704) e

Spencer (1820-1903), o termo “educação física” (GOELLNER, 2005). Contudo, este

permaneceu ofuscado por muitas décadas pela já difundida nomenclatura de “ginástica”,

num processo lento de ressignificação terminológica.

Dessa forma, a educação física caminhou seus primeiros passos rumo à

configuração como área de conhecimento por meio dos métodos ginásticos, tendo sua

difusão impulsionada pela concretização de um Estado Burguês na Europa e à influência

mundial deste Estado.

Sobre esse momento, Soares (2007) esclarece que, no século XIX, com a

Revolução Industrial, houve desenvolvimento e expansão do sistema econômico capitalista

europeu levando à necessidade imediata de mão de obra para suas produções, acrescentada

à consolidação da burguesia como a classe social dominante e da classe operária como uma

classe baixa e subordinada. Neste contexto, os métodos ginásticos foram elaborados e

empregados segundo os interesses burgueses, objetivando a construção de uma classe

operária dócil, que não questionasse as características sociais vigentes, disciplinada e

eficiente fisicamente como produtora de mão de obra. A Europa, ao ser tida como modelo

de desenvolvimento econômico para os demais países, levou a possibilidade de uso das

atividades físicas aos países que possuíam esses mesmos interesses, conforme ilustrado pela

Figura 11.11

11

Na pintura de Emiliano Di Cavalcante, é ilustrado o parágrafo anterior uma vez que essas transformações

econômicas e sociais mencionadas no texto ocorreram atreladas ao desenvolvimento das indústrias, as quais

exigiam a citada mão de obra a ser adestrada.

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Figura 11 - Emiliano Di Cavalcanti. Linha de Produção. 1960-70.

Fonte: www.dicavalcanti.com.br

Pode-se extrair dessa explicação que, a partir desse momento, a educação física

foi absorvida e explorada segundo as mais diversas finalidades políticas e socioeconômicas

de cada território.

No Brasil, assim como nos demais países, a prática de diversas atividades

físicas, as quais correspondem aos conteúdos que compõe a educação física – dança, jogo,

luta, esporte e ginástica -, já se faziam presentes na realidade dos indivíduos, porém sem

organização enquanto área específica de conhecimento nem com atribuição de atenção ou

consideração político-econômica ou sociocultural.

A partir do momento no qual a sociedade europeia se fez influente e trouxe

consigo um processo de sistematização dessas atividades, os métodos ginásticos foram

introduzidos no Brasil, sendo recebido por diferentes segmentos sociais, como os militares,

políticos, médicos e educadores, os quais deram um direcionamento da prática segundo

seus interesses próprios, sem a devida preocupação quanto à forma de compreensão e de

atuação da área da educação física no país.

Dentre esses segmentos sociais, caminhando pela década de 30 do século XX,

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políticos e militares buscavam por meio desses métodos ginásticos a centralização do poder

relacionando-os à disciplina do corpo e à formação moral, objetivando contribuir com a

construção de indivíduos dóceis na intenção de garantir manutenção da ordem político-

social planejada, além de serem aptos fisicamente como força de trabalho eficaz para o

progresso econômico nacional. Até então formando seus profissionais apenas em cursos

técnicos, em 1933, essa influência militar mostrou sua força pelo Decreto n° 23.252, o qual

criou a primeira “Escola De Educação Física do Exército”, destinada à formação de

profissionais com atuação baseada nos métodos da ginástica europeus associados ao

exército. Apenas nos anos seguintes, pelo Decreto-Lei n°1.123 de 1939, foi instituído o

primeiro curso superior em educação física do país em uma instituição educacional, na

Universidade do Brasil (SILVA, R. de F. da, 2004; SOLER, 2005; SILVA; SEABRA

JUNIOR; ARAÚJO, 2008).

Em contrapartida, educadores questionavam o domínio e entendimento militar

sobre a área, compreendendo-a como uma possibilidade de formação humana, a qual

deveria abarcar o desenvolvimento físico, intelectual e também moral do aluno

(LINHARES, 2009).

Adicionado às divergências entre educadores e militares, o discurso médico

tinha ampla presença e atuação no período, fundamentando a estruturação de uma

sociedade a qual se pretendia construir. Alicerçada nos ideais europeus totalitários de

higienismo e eugenia, a política nacional buscava o desenvolvimento de uma sociedade

baseada num modelo pré-determinado. Se por um lado o desenvolvimento da

industrialização induziu a crescente urbanização desorganizada com precariedade dos

sistemas de saúde, trabalho e moradia, induzindo à proliferação de diversas doenças, por

outro, conforme Góis Júnior (2013), os médicos atuavam direcionados ao progresso

civilizatório, que era entendido como o constituído por uma população branca, forte e

saudável, englobando à educação física não apenas os métodos ginásticos, mas também

cuidados específicos de higiene. Buscavam controlar, portanto, a saúde familiar, por meio

do tão explorado disciplinamento físico, intelecto e moral.

Essas vertentes associadas a distintos objetivos deram à educação física formas

de atuação diversas com ausência de entendimento sobre a prática em si enquanto ciência.

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Próximo à década de 60, ainda neste mesmo século XX, a pedagogia tecnicista

influenciou os modelos educacionais e refletiu-se na educação física, cabendo à área, uma

atuação estritamente vinculada ao esporte, numa composição baseada na execução de

técnicas e gestos motores esportivos (SOARES, 1996).

Seja por influência da intenção governamental de alienação da população ou

das práticas europeias, o esporte tornou-se conteúdo dominante da educação física, num

processo de substituição dos ideais biológicos da higiene pela atividades motoras

mecanicistas.

Essa atuação tendenciosa da área foi prolongada por tempo relativamente

grande, sendo apenas a partir do final da década de 70, o início dos questionamentos da

área e das finalidades para as quais estava sendo utilizada. Um período de crise invadiu esse

campo de conhecimento, com questionamentos nas dimensões filosóficas, sociológicas,

biológicas e pedagógicas sobre o, até o momento, vivenciado. Nesse contexto, Tojal (1994)

ressalta que, a crise pode ser considerada como uma grande oportunidade, a partir da qual

melhorias na área começaram a ser refletidas e propostas.

O desencadeamento da crise, neste momento, pode ser associado a uma série de

transformações políticas na sociedade brasileira que, ao vencer a censura e iniciar um

processo de redemocratização, permitiu a proliferação de discussões e questionamentos

também na área da educação física. Esses questionamentos foram alimentados por fatores

inovadores para a área como a ida de professores ao exterior com auxílio governamental

para realizar estudos de pós-graduação, o estabelecimento de convênios e intercâmbios do

país com centros de pesquisas estrangeiros, o início da criação de laboratórios de pesquisa

em universidades brasileiras, e a fundação da pós-graduação em educação física no Brasil,

com o curso de mestrado na Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo

(USP) (CAPARROZ, 2005).

Consequentemente, durante a década de 80, pode ser visualizado um

movimento renovador da área, que passou a se articular com as ciências humanas e sociais

criando propostas pedagógicas alternativas numa constante busca de identidade, de

objetivos e finalidades próprias (BRACHT, 1999).

Várias foram as propostas elaboradas a partir deste momento, denominadas de

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Teorias ou Abordagens da Educação Física. Dentre as que ganharam maior repercussão

estão a Psicomotricidade, a Desenvolvimentista, a Construtivista-Interacionista, a

Sistêmica, a Crítico Superadora, a Crítico Emancipatória e a Plural. Dessa forma, a

educação física teve seus ideais, conceitos e metodologias discutidos e reconstruídos,

combatendo a ênfase mecanicista ao acrescentar aos conteúdos biológicos uma visão de

movimento humano sob a perspectiva de diferentes dimensões como a sociocultural e a

psicológica.

Frente a essas novas formas de pensar e ao recente espaço conquistado, uma

significação no âmbito legal tornou-se necessária. Após anteriores vagas tentativas de

estabelecer determinações sobre os cursos superiores de educação física, Silva R. de F. da

(2004) destaca a Resolução 03 do MEC, de 1987, como contribuinte para o

amadurecimento e estruturação curricular desta. Segundo esse documento, os cursos

superiores de educação física passaram a realizar sua formação nas áreas da licenciatura

plena ou do bacharelado. Detalhando, o currículo da licenciatura plena deveria ser

composto por dois núcleos de estudo - um com as disciplinas de formação geral e outro

com as de aprofundamentos - e o bacharelado por três núcleos - um composto pelas

disciplinas da área técnica, representando 48% do currículo a ser estudado; outro com as

disciplinas das áreas de humanas, filosóficas e sociais, compreendendo 32% do currículo; e

um último com os conteúdos de aprofundamento, representando os restantes 20% do

conteúdo curricular. Apesar dessas estreitas determinações, essa Resolução também

possibilitou flexibilidade e autonomia aos próprios cursos para constituírem as ementas de

suas disciplinas e complementação curricular.

Posteriormente, ainda segundo a mesma autora, foi criada uma comissão de

especialistas (COESP) que, vinculada à Secretaria de Ensino Superior do Ministério da

Educação (SESu/MEC), organizou as diretrizes curriculares, ou seja, os conteúdos a serem

contemplados por cada curso superior. No caso da educação física foi estipulado em 1999,

com alterações através de Pareceres em 2001, 2002, 2003 e 2004 (que discutiram

principalmente os conceitos e divisão entre licenciatura e bacharelado), como objeto da

área o estudo do movimento humano, garantindo obrigatoriamente uma formação

generalista, humanista e crítica. Definiu ainda, a composição dos currículos dos cursos

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superiores de educação física em dois núcleos nos quais um deve ser composto pelos

conhecimentos relacionados à sociedade, biologia, conhecimentos científicos e

tecnológicos; e outro pelos conhecimentos específicos da área – como pedagogia, técnicas,

instrumentos e culturas de movimentos.

Na década de 90, a educação física absorveu os conhecimentos relacionados à

qualidade de vida e, no ano 2000, firmou-se em definitivo como uma área de

conhecimento, englobando também temáticas relacionadas às politicas públicas referentes à

área, à formação dos professores e sua atuação pedagógica, à imagem corporal, lazer,

educação especial e educação física adaptada, envelhecimento, saúde, metodologias de

ensino e planejamento pedagógico, dentre outros (ARAÚJO, 2011).

A educação física deixou de ter finalidade subordinada aos interesses

dominantes, tornando-se uma área independente e com objetivos próprios. Essa mudança

foi decisiva para a sua consolidação, amadurecimento e esclarecimento.

Contudo, apesar de essa transformação ter se iniciado nas décadas de 70 e 80,

em muitos momentos ainda são encontrados resquícios da forma como foi explorada nos

períodos anteriores, envolvendo incompreensões, principalmente do senso comum, acerca

da finalidade e forma de atuação desse campo de conhecimento.

Entende-se que foram muitas as décadas de atuação subordinada aos interesses

diversos sem objetivo próprio, possuindo ainda grande caminhar para se fortalecer e se

impor definitivamente nessa nova forma de compreensão.

A área encontra-se constantemente em fase de expansão e consolidação, com

atuações em diversos segmentos sociais como o escolar, o da saúde, o esportivo, o de

reabilitação, entre outros, estruturando e se consolidando como importante parte da

estrutura social, em respeito e em benefício da população. É indispensável, portanto, uma

conscientização cada vez mais profunda e abrangente dos profissionais já formados e em

processo de formação sobre sua história e sua forma adequada de atuação, bem como da

sociedade em geral sobre a atual finalidade e configuração área, para que de fato essa seja

uma área respeitada e possua atuação relevante para todos os envolvidos.

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3.1 Tinta 1 - educação física escolar

A educação física compreende múltiplos campos de atuação a serem

contemplados pelas suas atividades, incluindo desde ginásios de treinamento esportivo de

alto rendimento às clinicas de saúde e instituições educacionais.

Ponderando que esse trabalho busca uma análise da educação física no âmbito

escolar, torna-se pertinente especificar o entendimento básico da inserção e caminhos

percorridos pela área, especificamente nesta instituição, uma vez que as finalidades

atribuídas e a forma de atuação divergem segundo os objetivos do espaço no qual atua.

Como dado inicial pode-se apontar que a educação física não fez parte do

currículo escolar tão logo a escola ganhou vida. No século XVIII, intenções de incluir a

prática de atividades físicas no ambiente escolar foram despontando por ideias de

filantropos como Pestalozzi (BRACHT, 1989). Porém, com atuação tímida desses

principiadores, apenas no século XIX, na Europa, devido à proliferação de escolas de

ginástica e à importância mundial atribuída a elas, a educação física passou a compor o

ensino escolar, sob a forma de ginástica, composta por exercícios de aptidão física como a

corrida, lançamento, esgrima, e exceções como a dança (SOARES, 1996).

No Brasil, o ingresso oficial da educação física ao sistema escolar – o que não

significa que tais práticas já não ocorressem nesse ambiente de forma não sistematizada e

organizada nos períodos anteriores - ocorreu por meio de Rui Barbosa ao articular a

Reforma Couto Ferraz, em 1851, e o Parecer no Projeto de número 224 denominado de

“Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instituição Pública”,

em 12 de setembro de 1882. Através destes documentos, Rui Barbosa sugeriu que a

ginástica se tornasse um componente curricular escolar, aproximando-a de forma oficial ao

contexto escolar. Contudo, a falta de profissionais qualificados e de conhecimento a

respeito do próprio conteúdo e da finalidade da educação física dificultou, na época, sua

implantação nas escolas (CASTELLANI FILHO, 1991; SEABRA JUNIOR, 2006).

Em sequência, a efetivação da educação física no cenário escolar foi sendo

estabelecida vagarosamente. Recorrendo a Castellani Filho (1991) e Soares (2007), esta

obrigatoriedade legal ocorreu no ensino secundário em 1937 – pela Lei Constitucional n° 1

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-, no ensino primário em 1971 – com a Lei n° 5692 -, no ensino médio em 1961 – através

da Lei n° 4.024, artigo 22 -, e no ensino superior em 1969 – por meio do Decreto-Lei n°

705. Posteriormente, essas determinações foram sendo alteradas. No cenário atual, desde

1961 pela LDB, e ratificado pela LDB de 1996 e pela Lei n° 10.793, de 1° de dezembro de

2003, a educação física foi integrada oficialmente como componente curricular obrigatório

no ensino da educação básica, sendo ainda nesta ocasião facultativa em algumas situações

como em relação às pessoas com jornada de trabalho igual ou superior a seis horas diárias,

maiores de trinta anos ou em situação militar (BRASIL, 1996).

No âmbito educacional, os posicionamentos higienistas, eugenistas e,

posteriormente, tecnicistas e esportivista discutidos no capítulo anterior foram sentidos pela

educação física. Dentre as atividades da aula, o desenvolvimento das capacidades físicas

relevantes ao progresso e modernização do país era exaltado (modernização esta ilustrada

da Figura 1212

), até o despontar de sua crise e construção das novas propostas pedagógicas

– Teorias da Educação Física – com outras dimensões já abarcadas como a cognitiva, a

social, a afetiva e a psicológica (ARAÚJO, 2011).

Figura 12 – Edi Cavalcanti. Tempos Modernos. 1961.

Fonte: www.dicavalcanti.com.br

12

A tela de Edi Cavalcanti retrata a modernização a qual buscava o Brasil.

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Essas teorias da educação física, conforme já citado, trouxeram contribuições

ao amadurecimento e consolidação da área, passando a considerar seu objetivo e suas

múltiplas dimensões envoltas ao processo de ensino aprendizagem. Contudo, no âmbito

escolar, a diversidade de definições e de formas de compreender a área, trazidas pelas

abordagens, ocasionaram divergentes interpretações, dificultando a construção de um

consenso coletivo sobre a especificidade da educação física enquanto componente

curricular escolar.

Com isso, ainda hoje a área é entendida por muitos professores de maneira

confusa dentro do ambiente escolar, com resquícios militares, médicos ou heterogeneidade

de abordagens trabalhadas conjuntamente que por si só divergem em seus pontos de vista.

Essa história conturbada, unida à qualidade questionável na formação e qualificação de

seus profissionais, contribuiu para que a educação física sofresse e ainda sofra

marginalização no ambiente escolar em comparação às outras disciplinas numa constante

luta por justificar sua presença e finalidade.

Consciente desse dilema, Bracht (1995) enfatizou que grande parte dos

conflitos e dúvidas que ainda permeiam sobre a especificidade da área decorre do fato dos

profissionais de educação física disporem de possibilidades de atuação em segmentos muito

diversificados. Porém, especificamente na educação física escolar, o autor citado defende a

necessidade de exploração da área enquanto campo pedagógico, a qual deve se

fundamentar nos temas imbuídos de significado cultural e alicerçado pelos fatores

históricos e sociais.

A educação física escolar, portanto, deve ser compreendida como uma área

pedagógica, profundamente vinculada à educação. Não se deve negligenciar o relevante

papel desempenhado pelas pesquisas relacionadas a dimensões técnica, biomecânica ou de

saúde como contribuintes à educação física atual e a sua evolução, uma vez que estas

trouxeram continuamente questionamentos e novos conhecimentos proporcionando maior

fundamentação à área. Contudo, enquanto área educacional, o que se altera é a ênfase em

aspectos educacionais fundamentados em considerações socioculturais em detrimento da

ênfase no alcance de alto rendimento técnico ou esportivo.

Superando esses desentendimentos e discordâncias, a educação física se

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construiu como componente curricular alcançando algumas considerações relevantes. Ao

analisar que a finalidade da escola é, não só transmitir, mas também praticar e reinventar

dados da cultura, Vago (2009) dispõe sobre a justificativa da presença da educação física

nas escolas. A autora esclarece que os conteúdos da educação física também fazem parte da

cultura humana, sendo importantes de serem considerados como um patrimônio cultural ao

qual os alunos possuem direito ao acesso, tendo, a presença dessa disciplina na escola um

desígnio relevante e justificado.

Hoje a área é compreendida como um campo da pedagogia escolar o qual

abrange os conhecimentos da cultura corporal por meio de por meio de conteúdos culturais

relacionados ao corpo e seu movimento (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

O autor Daólio (1996) propõe ainda que, a partir do contexto de vida e

conhecimento prévio do aluno sobre a cultura corporal e suas diversas possibilidades de

expressão, a aula objetive proporcionar ao aluno que este organize, expanda e desenvolva

autonomia crítica sobre os temas da área. Como acréscimo, Betti e Zuliani (2002) destacam

que para que o aluno consiga usufruir das aulas de educação física escolar e desenvolver,

concomitantemente, um conhecimento crítico que os possibilite não apenas reproduzir, mas

também transformar e produzir novos dados da cultura corporal de movimento, é

indispensável o respeito e a consideração aos interesses, à individualidade e aos

sentimentos do aluno acerca dos diferentes temas, assim como às diferentes dimensões -

como a afetiva, social, cognitiva, motora e psicológica.

Nesse sentido, Vago (2009) defende que a educação física escolar deve ser

baseada em um “projeto de formação cultural da infância e da juventude”, ou seja, deve ser

estruturada e ministrada de forma a permitir que os alunos vivenciem e reinventem as

questões referentes à própria existência humana, como as atividades englobadas pela

cultura da educação física, como ilustrado pela Figura 13.13

13

Na tela de Orlando Teruz é ilustrada a brincadeira de pular carniça, retratando um exemplo de atividade

típica da cultura infantil, as quais, segundo o parágrafo acima, devem ser consideradas pela educação física

escolar.

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Figura 13 – Orlando Teruz. Meninos Pulando Carniça. 1972.

Fonte: www.teruz.com

Essas novas definições intencionam nortear os trabalhos na área, de forma a

eliminar os resquícios de uma educação física escolar excludente e segregacionista os quais

ainda são presentes em muitos momentos das aulas de hoje, podendo levar ao afastamento

dos alunos da prática, além de traumas e transtornos psicológicos.

Os conceitos e formas de estruturar e desenvolver as aulas de educação física

não serão mudados rapidamente devido apenas a uma definição teórica a respeito de novos

pensamentos e ações referentes à área, afinal, ainda hoje, significativa parte da educação

física escolar encontra-se respaldada no esporte e na aptidão física, sem conhecimento

profundo a respeito dessas novas teorias e da importância delas numa prática. Isso ocorrerá

lentamente, à medida que advier uma difusão e discussão acerca desses novos

conhecimentos produzidos academicamente de forma a conduzi-los à realidade prática.

Bons exemplos de atuação profissional já podem ser encontrados, cabendo aos professores

que continuem esses esforços discutindo, atualizando e esforçando-se para estruturarem

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uma educação física de forma a permitir com que todos os alunos usufruam desta e de suas

temáticas, extinguindo a antiga atuação a qual, em muitos momentos, originavam situações

desagradáveis aos alunos por serem exclusos ou terem seu desempenho depreciado durante

as aulas.

Ainda que sua história tenha sido conturbada perante as diversas finalidades

para as quais foi empregada, e que sua realidade ainda seja confusa para alguns professores,

a educação física deve ser para todos, e nisso deve se atentar e empenhar os profissionais

em atuação.

3.2 Tinta 2 - teorias da educação física

Se a força de um campo de estudo pode ser vista e comprovada em seu

momento de crise, a educação física mostrou eficácia ao buscar um fortalecimento nesse

momento. Fundamentadas no desenvolvimento científico e na ruptura com o tecnicismo,

novas propostas foram criadas para a área, considerando o desenvolvimento global do

individuo, em suas múltiplas dimensões.

Inicialmente, a criação de novas teorias para a área não se baseou numa

concordância unânime. Os debates a respeito da educação física iniciados nos anos 70

trouxeram discursos causadores de uma dicotomia na educação física entre a visão

biológica e a das ciências sociais, inflando duradouras polêmicas. Numa busca por

justificativa da própria existência e importância da área, Tojal (1994) ressalta que, de

princípio, as teorias dispersaram e dificultaram a formação de uma educação física concisa,

com propostas de diferentes métodos, conceitos, objetivos, definições e funções para a área.

No entanto, Daólio (1996) destaca a importância desses conflitos ao

possibilitarem uma posterior compreensão de que ambas as dimensões estão presentes e são

indissociáveis no campo da educação física, uma vez que o corpo humano é a soma do

biológico com o sociocultural, é a interação de diferentes dimensões, o que permitiu o

amadurecimento dos conceitos e formas de atuação.

Apesar de serem variadas, podendo em alguns aspectos divergirem entre si, a

formulação dessas teorias teve fundamental importância. Por meio delas diferentes visões

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foram construídas, possibilitando uma análise crítica da área. Afinal, conforme defendido

por Bracht (1995), a criticidade e as discussões educacionais são indispensáveis para o

desenvolvimento adequado das ideias, pensamentos e ações dos profissionais.

Consequentemente a esses múltiplos estudos, representados aqui pela Figura

1414

, destacaram-se como principais abordagens elaboradas, quanto à inovação e magnitude

de espaço alcançado, a Psicomotricidade, a Desenvolvimentista, a Humanista, a

Construtivista-Interacionista, a Crítico Superadora, a Crítico Emancipatória, a Plural e uma

organização das propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além destas, outras

vertentes foram propostas como os Jogos Cooperativos e a Concepção Aberta de

Hildebrandt.

Figura 14 – Vicente Van Gogh. Romanos Parisienses. 1888.

Fonte: www.artchive.com

O passo inicial foi dado com a proposta da Psicomotricidade. Estruturada

majoritariamente por Jean Le Boulch (1983), com base na psicologia e na neuropsiquiatria

14

A figura 14 represente um quadro de Vicente Van Gogh no qual vários livros estão dispostos sobre a mesa.

Esses livros vêm, nesse momento, ilustrar os diversos estudos desenvolvidos e publicados pelos educadores

sobre as teorias propostas para a educação física.

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infantil, essa teoria foi destinada preferencialmente às crianças, compreendendo o

movimento como uma forma de auxílio ao desenvolvimento global. Propôs como principais

conteúdos o trabalho de consciência corporal, coordenação, lateralidade e auto situação no

espaço, utilizando o movimento como contribuinte ao aprendizado de outras áreas e

disciplinas escolares. Essa proposta elucidou a necessidade de se enfatizar não apenas os

aspectos biológicos e da mecânica do movimento, mas todas as demais dimensões, como a

afetiva, cognitiva e psicológica, contribuindo enormemente com uma primeira inovação nas

considerações a respeito do trabalho da área de educação física.

Contudo, essa primeira produção foi um tanto quanto controversa. Se por um

lado novas dimensões foram trazidas à área e responsabilidades pedagógicas do ensino

escolar foram atribuídas ao professor de educação física, conforme destaca Soares (1996),

por outro, ela não pode ser vista como uma teoria específica desta área ao destinar-se a

outros campos de conhecimento como a pedagogia e psicologia, segundo esclarecimento de

Araújo (2011).

De qualquer forma, a Psicomotricidade abriu as portas para que a educação

física desenvolvesse uma nova forma de pensar o indivíduo, trazendo imensuráveis

benefícios para a posterior evolução da área. Porém, fica nítido que a tão pensada

especificidade da educação física não se concretizou com essa abordagem, por ter sua

atuação um caráter funcionalista, sendo também utilizada por outras áreas.

Seguindo com inovações e críticas, a segunda proposta foi estruturada

principalmente por Tani et al. (1988) e Gallahue e Donnely (2008), que a denominaram de

Teoria Desenvolvimentista. Destinada especificamente para crianças de 04 a 14 anos, esta

considera o movimento como o principal meio e fim da educação física, definindo como

foco da área a aprendizagem motora e seus processos de desenvolvimento na realização de

um movimento, ou seja, propõe um movimento adequado a ser trabalhado de acordo com

uma progressão normal do crescimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social do

aluno. Trazendo um próprio conceito de habilidade motora - a capacidade de resolução dos

problemas e diversidades motoras – a abordagem traz como principais conteúdos os jogos

desenvolvimentistas, dança desenvolvimentista e ginástica desenvolvimentista, baseados

nos movimentos fundamentais de locomoção, manipulação e estabilização (GALLAHUE;

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DONNELY, 2008).

Esta teoria sofreu críticas de pesquisadores da área por enfatizar apenas as

habilidades e capacidades motoras e fatores biológicos, desconsiderando a amplitude e

diversidade da área e as grandes questões sociais. A crítica fundamental deve-se ao fato

desta abordagem isentar a área da busca por contribuições para soluções dos problemas da

sociedade. Contudo, é inegável que, a partir desta, a educação física foi adquirindo, pela

primeira vez, conteúdo e finalidade própria.

Em outra forma de compreensão, Oliveira V. M. (1985) difundiu a abordagem

Humanista, sugerindo como ponto central da educação a liberdade, e uma prática

pedagógica baseada em uma metodologia exploratória de resolução de situações-problemas

propostas aos alunos, valorizando o homem e aspectos relacionados às emoções, valores

humanos, interação social e ludicidade. Essa abordagem questionou a até então

mecanização da educação física, influenciando a incorporação de aspectos psicossociais à

área e a compreensão de um movimento humano abarcado por um significado cultural

(SILVA; SEABRA JUNIOR; ARAÚJO, 2008; ARAÚJO, 2011).

Em momento seguinte, Freire J. B. (1991) trouxe a teoria Construtivista-

Interacionista. O aluno passou a ser considerado como um ser ativo na construção de seu

próprio conhecimento, uma vez que se entende nesta teoria que o processo educativo ocorre

através da interação entre a criança e mundo. Defendeu-se ainda, nesta proposta, uma

educação física escolar especialista na cultura infantil e em suas atividades lúdicas, tendo

por objetivo respeitar, resgatar e explorar os conteúdos já pertencentes às crianças, porém

respaldados com objetivos educacionais. Dessa forma, o principal conteúdo pedagógico

para as aulas de educação física seria o jogo, por meio do qual outros temas poderiam ser

trabalhados e a presença de brinquedos, brincadeiras, cantigas de rodas e outras atividades

lúdicas típicas do universo infantil seriam permitidas.

A Teoria acima mencionada deu credibilidade ao universo infantil dentro da

educação física, proporcionando o respeito e desenvolvimento ao qual elas têm direito.

Porém, ainda sofre algumas críticas devido ao fato de restringir os conteúdos da área ao

jogo, sendo as demais possibilidades de conteúdos trazidas apenas por meio deste.

No mesmo período, Betti (1991) foi um dos principais estruturadores de uma

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próxima abordagem – a Sistêmica. Nesta, a educação física foi compreendida como um

sistema aberto, o qual é composto por um conjunto de elementos que interagem entre si,

com possibilidade de interação com o meio no qual estão inseridos. De forma

complementar, defendeu uma aula baseada na vivência de diferentes movimentos,

atividades e conteúdos, com o acesso e participação de todos, inaugurando na área,

explicitamente, a defesa dos princípios da inclusão e da não exclusão (SILVA; SEABRA

JUNIOR; ARAÚJO, 2008).

No ano seguinte, foi elaborada uma proposta com influência relevante ainda

hoje, a Teoria Crítico Superadora. Apresentada no livro “Metodologia do Ensino da

Educação Física”, publicado por um Coletivo de Autores (1992), sugeriu uma área de

conhecimento específico da educação física, denominada de cultura corporal. Nesta, os

principais conteúdos são o jogo, o esporte, a ginástica, luta e a dança, sendo aprofundados

seus conhecimentos conforme os níveis de ensino. Estabeleceu, por conseguinte, que esses

conteúdos sejam explorados relacionando-os ao contexto social e histórico-cultural dos

alunos, de forma a auxiliá-los a adquirirem consciência e capacidade de interpretação e

compreensão de uma dada realidade social, capacitando-os a, posteriormente, interferirem

nesta quando necessário e se assim desejarem.

Seguindo essa mesma linha de compreensão, uma segunda Teoria Crítica foi

elaborada, a Crítico Emancipatória, cujo principal construtor foi Kunz (2005). Esta teoria

aceita como conteúdos os definidos pela teoria Crítico Superadora, porém redefine esse

campo abarcado pela educação física como pertencente à cultura corporal de movimento.

Fundamentada no conceito do “se-movimentar”, exalta como importante não apenas o

movimento em si, mas o indivíduo que o realiza e o significado deste movimento para esse

aluno. Dessa forma, a prática dos conteúdos não deve ser restrita ao saber fazer, mas deve

ser possibilitado aos alunos que os vivenciem, reinventem, critiquem e os transformem. As

aulas devem, ainda, proporcionar ao aluno o desenvolvimento de uma visão crítica da

realidade na qual está inserido, com capacidade de superar as limitações e determinações

impostas socialmente até então. Segundo Darido (2001), esta teoria difere-se da Crítico

Superadora principalmente, pelas críticas elaboradas por Kunz ao questionar, da teoria

anterior, a falta de instrução metodológica norteadora da prática; em contraposição, Kunz

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propôs a linguagem como fundamental para o desenvolvimento das aulas, abrindo espaço

para os alunos participarem das decisões e planejamento desta. Dessa forma, os alunos são

estimulados a expressarem suas ideias e descobertas decorrentes das atividades

vivenciadas, possibilitando seu desenvolvimento crítico e autônomo ao guiar suas próprias

ações.

Além das teorias citadas, há ainda outras relevantes produções como a

elaboração da Abordagem Cultural, posteriormente definida como Abordagem Plural.

Organizada por Daólio (1996), esta teoria compreende a educação física dentro de uma

perspectiva cultural e antropológica, ou seja, como uma área de conhecimento designada

aos conteúdos relacionados ao movimento construídos pelo homem ao longo da história,

considerando a interação ente as dimensões cultural, psicológica, social e também

biológica. Enfatizou-se, na definição desta teoria, a exigência de uma educação física que

atenda a todos os alunos ao explorar os conteúdos da cultura corporal - jogo, esporte, dança,

luta e ginástica -, sem qualquer tipo de discriminação das características pessoais ou

capacidades e habilidades.

Nota-se, uma preocupação explicita, pela segunda vez na educação física, em

elaborar uma aula para todos os alunos, na perspectiva de combater quaisquer resquícios

que possam ter permanecido de um ideal de exclusão e de aulas direcionadas apenas para as

pessoas consideradas mais aptas fisicamente.

Em seguida, as reflexões alcançaram o plano político. Foram organizados, pelo

Ministério da Educação e do Desporto, os Parâmetros Curriculares Nacionais. Nestes

documentos, o governo desenvolveu orientações fundamentando e organizando a

elaboração dos currículos das disciplinas escolares, servindo como base para os professores

e instituições de ensino. Quanto ao currículo nacional para a educação física, esses

Parâmetros foram elaborados em três etapas, sendo a primeira publicada em 1997 – com a

proposta destinada ao ensino fundamental I, sob influência de diferentes teorias da

educação física -, a segunda em 1998 – com a proposta para o ensino fundamental II, tendo

por base as abordagens críticas – e a terceira em 1999 – com os conteúdos relacionados ao

ensino médio, fundamentada na abordagem da saúde renovada (SILVA; SEABRA

JÚNIOR; ARAÚJO, 2008).

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Esses Parâmetros consideraram as discussões até então produzidas, mas não

contaram com a participação direta dos educadores e da sociedade na sua elaboração.

Ademais, pode ser visualizada uma tentativa de organização da área para os diferentes

ciclos educacionais, e não uma nova teoria com conceptualizações e entendimentos

próprios. Contudo, Darido (2001) e Araújo (2011) ressaltam a contribuição desses

documentos ao organizar os diferentes conhecimentos exaltando o aluno como foco central

do processo de ensino-aprendizado, vinculando os conteúdos da área ao desenvolvimento

da cidadania, da inclusão educacional, dos temas transversais e demais questões sociais.

Além dessas propostas, algumas outras vertentes, com menor alcance de

destaque, porém com propostas inovadoras, merecem suas citações, como a Concepção

Aberta e os Jogos Cooperativos.

A Concepção Aberta foi elaborada por Hildebrandt e Laging (1986), os quais

defenderam uma atuação do professor de forma a proporcionar aos alunos que, ao mesmo

tempo no qual vivenciem um conteúdo, sejam capacitados a criarem novas situações

relacionadas ao tema, organizando seus próprios objetivos e aprendizagem. Para isso,

sugerem a participação dos alunos no próprio planejamento das aulas, atuando nas decisões

dos conteúdos a serem trabalhados, nos objetivos, organização e transmissão dos

conhecimentos.

Já a vertente dos Jogos Cooperativos, explora o conteúdo do jogo de forma

singular, propondo a substituição dos princípios da competição pelos valores de

cooperação. Por conseguinte, denominaram-se de jogos cooperativos os jogos os quais o

objetivo só é alcançado por meio da cooperação entre os participantes (BROTTO, 1999).

Segundo Darido (2001), nesta concepção é considerada a influencia da própria estrutura

social na qual os alunos estão inseridos que muitas vezes os induzem a competirem entre si

de forma exacerbada, sendo esses jogos uma alternativa e possibilidade de transformação

destes ideais, a ser levada para todas as outras dimensões da vida cotidiana dos alunos. Os

jogos cooperativos podem trazer relevantes contribuições ao serem inseridos nos conteúdos

escolares, como as acima citadas, porém há a necessidade de maior desenvolvimento e

expansão das possibilidades práticas da teoria.

Numa reflexão a cerca das propostas acima mencionadas, pode ser ressaltado o

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fato de que, as teorias ditas “críticas” – principalmente a Crítico Superadora e Crítico

Emancipatória - oportunizaram uma mudança na maneira de se compreender o movimento

humano, não mais visto absolutamente como gestos mecanizados, mas sim como

constituintes e englobadores de fenômenos sociohistóricos e culturais (BRACHT, 1999).

Estas construíram um senso crítico em contraposição ao caráter alienante

atribuído à área nas ultimas décadas, refletindo-se no desenvolvimento de autonomia

pessoal, social e também política. Neste momento, abriu-se espaço para a possibilidade de

que, por meio da educação física, uma pessoa desenvolvesse a capacidade de se

conscientizar criticamente sobre determinadas ações e realidades sendo capaz de questionar

o proposto e construir uma ideia própria a respeito do exposto, tanto nas questões referentes

à vida em sociedade quanto às atitudes políticas.

Observa-se que, se a década de 80 iniciaram-se uma série de discussões

gerando as primeiras propostas para a área, na década de 90 uma explosão produções

acadêmicas desencadearam-se num processo infindável com, ainda em vigência, constantes

reflexões, contestações e recriações das anteriores elaborações. Por fim, após sucinta

análise dessas teorias, algumas com contribuições mais explícitas outras mais ocultas,

torna-se perceptível a evolução no processo de busca pela consolidação da educação física

no cenário educacional e profissional.

3.3 Tinta 3 - inclusão na educação física escolar

As disciplinas escolares fazem mais do que vivenciar determinados conteúdos,

mas apresenta-os de forma associativa ao preparo do aluno enquanto cidadão. Num

contexto social de luta pela implantação da inclusão, a adaptação das aulas de educação

física não se faz apenas necessária, mas obrigatória.

Embora seja recente essa aproximação da educação física com a inclusão, a

relação entre a atividade física e as pessoas com algum tipo de deficiência remonta de

tempos antigos.

Os primeiros relatos da prática de atividades físicas para pessoas com

deficiência datam de, aproximadamente, 3.000 a. C., tendo finalidades terapêuticas. Sem

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sobressair-se durante séculos, a concretização desta prática ocorreu apenas após as Guerras

Mundiais, quando o médico Ludwig Guttman incorporou os exercícios físicos,

especificamente os esportes, ao tratamento de reabilitação dos soldados que voltaram

lesionados dos conflitos bélicos (STRAPASSON; CARNIEL, 2007).

Essa forma de reabilitação abriu caminho para as pessoas com deficiência na

educação física, enfaticamente nos esportes. No entanto, na esfera escolar que por si só

estruturou-se de forma segregadora, ao exaltar a aptidão física e os conceitos competitivos

baseados no desempenho motor, as pessoas com deficiência estiveram inicialmente

condicionadas à exclusão (RODRIGUES, D. A., 2003).

Por conseguinte, a aproximação entre a educação física e a pessoa com

deficiência no âmbito escolar teve caminhar mais árduo. Especificando o Brasil, são

encontrados dados repletos de discriminação e exclusão que corroboram com essa

passagem. Com o Decreto n° 21.241 da Portaria n° 13 e 16, de fevereiro de 1938, proibiu-

se que os alunos que tivessem alguma patologia ou características que os impedisse de

participar das aulas de educação física fossem matriculados em instituições de ensino

secundário, conforme exposto por Castellani Filho (1991). Não mais como proibição, mas

ainda como forma de exclusão, Krug (2002) acrescenta que, em 1971, a Lei n° 5.692

dispensou os alunos com alguma deficiência das aulas de educação física, sem considerar

as capacidades e conhecimentos nas diversas dimensões que poderiam ser desenvolvidos

através dos estímulos proporcionados pela sua participação.

Em tímidos passos, essa mudança da exclusão para a dispensa da

obrigatoriedade da presença desses alunos mostrou a forma lenta, mas progressiva, na qual

as pessoas com deficiência foram ganhando atenção e consideração nas aulas de educação

física nas escolas.

Em 1952, surgiu na área a definição do termo Educação Física Adaptada, como

uma educação física mista compreendendo também a presença de pessoas com diferentes

necessidades dentro de um grupo de alunos, exigindo a elaboração de atividades segundo as

características de cada um (SILVA; SEABRA JUNIOR; ARAÚJO, 2008). Posteriormente,

alguns autores como Strapasson e Carniel (2007) direcionaram o conceito de educação

física adaptada estritamente às pessoas com deficiência, contudo outros como Seabra Júnior

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et. al. (2004) ressaltaram a necessidade de englobar no termo quaisquer tipos de

dificuldades apresentadas pelo aluno.

Apesar desta definição não dirigir-se, de início, diretamente à educação física

escolar, possibilitou a abertura de espaço para que a prática de atividades físicas para as

pessoas com deficiência fossem pensadas na área de forma geral.

Posteriormente, em 21 de novembro de 1978 foi aprovada a Carta Internacional

de Educação Física e Desportos, pela Conferência da Organização das Nações Unidas

(UNESCO), proclamando a educação física e o desporto como um direito de todos,

inclusive das pessoas com deficiência, tanto no sistema educacional quanto em outros

setores sociais, cabendo aos professores uma atuação de forma a garantir o

desenvolvimento integral dos indivíduos e a favorecer sua integração social (UNESCO,

1981).

As influências dessa determinação foram vagarosas, porém percebidas. Nos

anos seguintes, os cursos de educação física tiveram seu currículo discutido e reformulado,

inserindo as primeiras disciplinas destinadas ao preparo dos futuros profissionais para

atuarem com as pessoas com deficiência.

Uma pioneira disciplina denominada de “Educação Física Adaptada” integrou

oficialmente os cursos superiores em 1987, através da Resolução n° 03, do Conselho

Federal de Educação. Segundo este documento, a inserção dessa disciplina teria por

objetivo a propagação de conhecimentos destinados ao atendimento das pessoas com

deficiência, discutindo planejamentos, técnicas e métodos que se adequassem às condições

e diferenças de cada um (SOLER, 2005).

Em 1988, foi implantado o primeiro Curso de Especialização em Educação

Física Adaptada, em Uberlândia, Minas Gerais (GORGATTI; COSTA, 2005). Com isso, a

atuação dos profissionais de educação física com as pessoas com deficiência foi adquirindo

competência científica.

Durante sua construção, a educação física relacionada às pessoas com alguma

condição de deficiência recebeu variadas nomenclaturas de acordo com os diferentes

momentos sociais como, conforme citado por Araújo (2011), educação física hospitalar,

educação física corretiva, educação física de reabilitação e educação física especial até

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adquirir atenção como educação física adaptada, conforme citado em parágrafos anteriores.

A definição da educação física adaptada como uma subárea dentro da educação física

contribuiu trazendo conhecimento e abrindo espaço para a discussão de questões

relacionadas à atividade física para essa população até então negligenciada.

Com a inclusão das pessoas com deficiência em plena discussão no âmbito

social e os currículos dos cursos superiores amoldando-se para atender essa população, a

educação física adaptada foi encaminhada também para as escolas, exigindo preparo dos

professores para adaptarem suas aulas segundo as necessidades dos alunos, superando a

então ideia de ser função do aluno se adaptar e conseguir realizar as atividades propostas.

A partir da década de 80, com a elaboração dos ideais de inclusão, a área

desenvolveu um segundo conceito relevante, o da educação física inclusiva, o qual está

imerso num contexto mais amplo, o da inclusão social, representado aqui pela tela de

Eduardo Lima (FIGURA 15). 15

Figura 15 - Eduardo Lima. Inclusão Social. 2009.

Fonte: http://davincigallery.net

Nesta nova proposta, entende-se que essa área deve permitir a participação ativa

15

A pintura de Eduardo Lima retrata as questões relacionadas à inclusão social, contando com personagens

com deficiência e também outras diversidades como diferenças regionais, ilustrando a temática apresentada.

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de todos os alunos, com uma organização de atividades e metodologias pelo professor de

forma que todos, independente de suas diferenças, dificuldades ou presença de alguma

deficiência, possam usufruir ativamente destas. Define-se, por conseguinte, como

participação ativa a participação do aluno nas atividades de forma não apenas a observá-la

ou realizá-la mecanicamente, mas também sendo estimulado a compreender, repensar,

recriar e dialogar com o conteúdo.

Nota-se, portanto, a relevância da definição inicial do conceito de educação

física adaptada ao iniciar as primeiras discussões concretas dentro da educação física sobre

a participação das pessoas com deficiência, uma vez que, se nomenclaturas foram propostas

desde a criação da primeira denominação de educação física hospitalar, apenas a partir da

adição do termo adaptada que a área ganhou os contornos e preocupação em permitir a

participação de todos nas suas próprias atividades, e não mais atuar em função de outras

áreas.

Pode-se entender, portanto, que as denominações de adaptada ou inclusiva são

definições sobre como a educação física deve ser em sua totalidade, ou seja, deve

considerar cada aluno em sua individualidade, propondo alternativas que permitam que

todos participem efetivamente e usufruam de seus conteúdos. São, portanto, definições que

permitiram a aproximação da educação física com os ideais da inclusão, buscando garantir

a participação de grupos, em algum momento, menos favorecidos por alguma circunstância.

Foi necessária a criação de disciplinas específicas para explorar os conhecimentos

relacionados a esse tema para que futuramente, com maior competência, seja possível a

concretização de uma educação física única que atenda a todos, conforme a nova proposta,

no entanto, sem a necessidade de uma nomenclatura especial, uma vez que todas as

atividades dentro da educação física devem ser pensadas de acordo com o ambiente,

segundo as necessidades dos alunos, que pode ser uma pessoa gestante, idosa, atleta,

sedentária ou com deficiência.

No contexto atual da educação física inclusiva, a qual possui respaldo legal, a

educação física passou a não apenas possuir deveres de se adaptar e se reestruturar para

essa nova realidade, mas também adquiriu papel relevante na construção de práticas

inclusivas no âmbito social.

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Para esses objetivos serem alcançados, a área enfrenta acentuados obstáculos,

além das dificuldades já mencionadas para a implantação da inclusão em todo o contexto

educacional. Explicitando a situação, a partir da década de 80 houve proeminente aumento

no número de cursos de ensino superior de educação física, culminando na dificuldade em

manter e garantir boa qualidade dos mesmos, uma vez que alguns foram estruturando-se

com professores desprovidos de formação e capacitação necessária para atuar na área

docente (TOJAL, 1994).

Como fato agravante, Silva, Seabra Junior e Araújo (2008) apontam ainda que

muitos professores em atuação tiveram sua formação realizada há muitas décadas atrás,

com currículos baseados no tecnicismo, os quais ainda não contemplavam disciplinas

destinadas ao trabalho com pessoas com deficiência.

Essas duas situações, somadas às já discutidas dificuldades do sistema de

ensino, dificultaram a implantação da inclusão nas aulas de educação física ainda nos dias

atuais.

Inúmeras discussões a respeito de possíveis soluções a esses problemas

infiltraram-se nas políticas e produções acadêmicas, numa constante busca por alternativas

inclusivas.

Quando de fato essas devidas soluções forem alcançadas, os benefícios a serem

atingidos por meio de uma prática de educação física inclusiva serão reluzentes. Conforme

exemplificado por Rouse (2010), poderá haver um estímulo benéfico e um auxílio na

habilidade de interação entre as pessoas com e sem deficiência, além de incitar melhoria na

socialização no ambiente exterior à escola, proporcionar aos alunos sem deficiência o

aprendizado da convivência, do respeito e o auxilio às pessoas com deficiência quando

necessário, estimular o desenvolvimento da tolerância, do respeito e dos valores éticos, e

possibilitar o desenvolvimento das habilidades motoras, da autoestima e do autoconceito

dessas pessoas.

Sabendo do direito da pessoa com deficiência ao acesso e vivência dos

conteúdos considerados relevantes culturalmente, os benefícios a serem alcançados com

essa prática são ampliados ao considerar-se a função da educação física enquanto

importante pilar para a concretização de um cenário educacional inclusivo. Alguns estudos

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fazem vários apontamentos justificando a forma como a educação física pode propiciar uma

organização que preconize a inclusão de todos. Em primeiro momento, destacam que esta é

uma área que possibilita maior liberdade e oportunidade para que os alunos se comuniquem

e interajam uns com os outros, alcançando diversas dimensões como a social e psicológica,

além do fato da área permitir ao professor, se comparado aos demais educadores, maior

flexibilidade para escolher os tipos de conteúdos trabalhados e também a forma de explorá-

los, com maiores possibilidades, se comparada às demais disciplinas, de estruturar e

flexibilizar suas aulas de acordo com as necessidades de cada aluno ou cada turma. De

forma complementar, esses estudos ressaltam ainda que geralmente o professor de

educação física possui uma imagem mais positiva com os alunos, em relação aos demais

professores, o que lhe proporciona maior facilidade para elaborar novos projetos e

incentivar novas ideias, com maior probabilidade de aceitação e adesão por parte dos

alunos (GUIMARÃES et. al., 2001; RODRIGUES, D. A., 2003; ROUSE, 2010).

Além dos dados acima mencionados, é compreensível que a educação física

pode estimular o desenvolvimento dos ideais inclusivos de forma mais intensa devido,

também, ao constante convívio social exigido durante as atividades da aula, além de

favorecer o desenvolvimento direto das dimensões psicossociais tão relevantes à questão

inclusiva, como na socialização, no desenvolvimento do autoconceito e da autoestima.

Para isso, cabe ao professor, segundo Strapasson e Carniel (2007), adaptar suas

aulas e atividades de acordo com as necessidades de seus alunos, estimulando o

desenvolvimento de atitudes e valores relacionados ao respeito, solidariedade e construção

de relações afetuosas por meio de suas intervenções pedagógicas.

Independente da disciplina ministrada, o professor deve vivenciar e

proporcionar a experiência da inclusão em suas aulas junto com os alunos, não apenas

defendendo teoricamente este conceito, mas tendo coerência entre seu discurso e sua

atuação dentro da sala de aula (FREIRE, P., 1996). Ou seja, o professor deve agir e

desenvolver seu trabalho educacional de forma inclusiva, respeitando o potencial e as

dificuldades de cada um, para que os alunos espelhem-se em suas atitudes e reflitam a

inclusão e o respeito uns com os outros nas suas próprias relações durante a aula.

A história da educação física e da pessoa com deficiência foi pautada por

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preconceito e processos excludentes. Quando se unem esses dois temas na educação física

inclusiva, esta se torna uma área que traz consigo todas as lutas que esse campo de

conhecimento e as pessoas com deficiência enfrentaram ao longo do processo histórico,

sendo justificada a dificuldade de sua implantação e seu caminhar tímido.

São inúmeros os obstáculos que essa área terá que ultrapassar, e apesar de

passos lentos, o que importa neste momento não é a agilidade e sim a evolução constante.

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4 ESCOLHENDO AS TONALIDADES – CONTEÚDOS DA

EDUCAÇÃO FÍSICA

Com as pesquisas e construções de novas abordagens para a educação física,

foram estruturadas e definidas concepções e objetivos pedagógicos com um currículo

próprio ao contexto escolar. Para a compreensão dessa temática, serão utilizadas as

produções do Coletivo de Autores (1992) e dos PCN (BRASIL, 1998, 2000).

O Coletivo de Autores foi selecionado devido à magnitude alcançada por esta

produção dentro da educação física, ao trazer para a área, as reflexões e proposições

baseadas na visão crítico social a qual já dispendia de influências no cenário pedagógico

brasileiro. Num momento de crise vivenciada pela educação física, essa proposta auxiliou

nas bases iniciais de reconstrução da área. Já da escolha referente aos PCN para a discussão

desses conceitos foi por ser este uma proposta de caráter nacional a qual norteia os

professores de educação física na elaboração de seus projetos de atuação na escola.

Iniciando o diálogo com essas produções, o currículo escolar é compreendido,

segundo o Coletivo de Autores (1992), como um rol de conhecimentos selecionados e

organizados metodologicamente pela instituição escolar com a função de proporcionar ao

aluno reflexão sobre sua realidade social, ao adicionar aos conhecimentos prévios deste as

fundamentações científicas. É composto, por conseguinte, pelas disciplinas com seus

conteúdos próprios.

Esses autores destacam ainda que, os conteúdos componentes de cada disciplina

são conhecimentos construídos historicamente com significação humana e sociocultural, os

quais podem ser selecionados segundo os seguintes critérios:

Relevância social do conteúdo: o auxílio do tema para a compreensão da

realidade social do aluno;

Contemporaneidade do conteúdo: temática que esteja associada às

evoluções e modernidades da sociedade contemporânea;

Adequação às possibilidades sociocognitivas do aluno: adaptação de

cada tema às capacidades de desenvolvimento cognitivo momentâneo

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do aluno e a sua realidade social;

Simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade: trabalho

com os conteúdos de forma simultânea e não por etapismo;

Provisoriedade do conhecimento: entender cada conhecimento como em

constante transformação pelo sujeito histórico, o qual é o próprio aluno.

De forma complementar, os PCN ressaltam que a escolha dos conteúdos

também deve respeitar critérios relacionados à (BRASIL, 2000):

Relevância social: aqueles que possuem presença notória nas dimensões

sociais e culturais do país;

Características do aluno: abarcadoras das peculiaridades regionais e de

nível de desenvolvimento dos alunos;

Características da própria área: as principais temáticas as quais são

compreendidas pela disciplina.

Fundamentado nessas concepções, tanto o Coletivo de Autores (1992) quanto

os PCN (BRASIL, 2000) definiram os conteúdos da educação física escolar como

conteúdos da cultura corporal, ou seja, aqueles compostos por movimentos corporais

construídos e transformados pelo homem durante o decorrer histórico como forma de

representação de sua realidade. Dessa forma, compreendem como conteúdos a dança

(também denominada de atividades rítmicas e expressivas), o jogo, a luta, a ginástica e o

esporte.

Além destes, há ainda a possibilidade de inclusão de outras práticas corporais

alternativas que possuam relevância cultural numa dada região, como atividades circenses

(ilustrada na Figura 16)16

, atividades físicas de aventura, anti-ginástica, dentre inúmeras

outras, cabendo ao professor o resgate e organização educacional destas.

16

A tela de Mar Chagall apresenta uma imagem de um circo sendo utilizada, portanto, como ilustração de uma

das possibilidades de conteúdos alternativos da educação física apresentadas no texto.

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Figura 16 - Marc Chagall. O Grande Circo. 1968.

Fonte: www.abcgallery.com

Ao desenvolver essas temáticas no contexto escolar, os PCN (BRASIL, 2000)

ressaltam que esse trabalho deve ser alicerçado em discussões relacionadas à história,

contexto social, regras e estratégias básicas de cada conteúdo. Em consonância, o Coletivo

de Autores (p. 87, 1992) defendem que:

[...] os conteúdos da cultura corporal a serem aprendidos na escola devem emergir

da realidade dinâmica e concreta do mundo do aluno. Tendo em vista uma nova

compreensão dessa realidade social, um novo entendimento que supere o senso

comum, o professor orientará, através dos ciclos, uma nova leitura da realidade

pelo aluno, com referências cada vez mais amplas.

Compreende-se, portanto, que, com os diversos conteúdos o professor de

educação física tem a tarefa de apresentar ao aluno novas possibilidades e conhecimentos,

estimulando-o a lidar com esses novos dados de forma a vivenciá-los e também modificá-

los, se assim desejarem, permitindo que o educando se perceba como parte atuante na

constante transformação desta realidade.

Ademais, o professor deve atentar-se para o processo de construção histórico-

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social de cada conteúdo, no qual alguns foram sendo mais valorizados e explorados em

detrimento de outros. Na constituição da educação física enquanto disciplina escolar, em

momento inicial, as aulas foram limitadas à exigência de gestos motores mecanizados,

fundamentando-se principalmente na aprendizagem e execução dos movimentos

relacionados aos gestos técnicos esportivos. Com isso, o esporte adquiriu ampla hegemonia

durante as aulas de educação física, mantendo-se, durante o passar das décadas, em

superioridade em relação aos demais temas.

Neste momento, cabe exaltar a pertinência em atribuir a todos os conteúdos

espaço de trabalho dentro do ambiente escolar. Contudo, ainda mantem-se resistência por

parte de alguns professores de educação física em trabalhar com determinados temas, como

com a dança, por falta de preparo e capacitação ou de experiência e segurança destes em

trabalhar com este conteúdo, assim como por resistência dos próprios alunos a essas novas

vivências, os quais ainda encontram-se, muitas vezes, condicionados aos conteúdos

esportivizados. Para reverter esse quadro, persistência e determinação mostram-se

indispensáveis, assim como a melhoria na capacitação profissional, de forma a estruturar os

novos alicerces almejados nessa área de atuação.

Em discussão de relevante importância, a temática da inclusão educacional

também desprende de atenção na construção da atual educação física escolar. Imersa na

nova proposta inclusiva, o trabalho com os conteúdos da educação física devem ser

pensados e trabalhados de forma que todos os alunos tenham a possibilidade de

participação efetiva, mesmo quando da presença de uma dificuldade como uma condição de

deficiência. Nesse contexto, compreende-se que é a forma de trabalho do professor, e não o

próprio conteúdo, que estabelecerá se este, naquele momento, será inclusivo ou não.

Resgatando os ideais de Paulo Freire (1996), independente do conteúdo

selecionado para ser trabalhado num determinado momento com os alunos, o professor

deve se conscientizar sobre como ele deverá conduzir aquele conhecimento em uma aula,

uma vez que a maneira como ele ministra um tema traz consequências significativas para o

aluno. Dessa forma, a exploração educacional de cada conteúdo deve sempre estar

relacionada com o desenvolvimento de questões morais, afetivas e sociais do aluno, além

da já implícita motricidade.

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Em relação à forma de trabalho, os PCN propõem como metodologia mais

adequada para ao processo de ensino-aprendizagem dos diversos conteúdos da educação

física um trabalho baseado em situações globais e diversificadas de práticas corporais

respeitosas do significado pessoal, social e cultural do movimento para os alunos,

permitindo a associação da intenção do sujeito com os estímulos externos proporcionados.

Essa sugestão pode ser entendida como em consonância com os ideais educacionais

inclusivos uma vez que, segundo Brasil (p. 81, 2000):

A presente proposta aborda a complexidade das relações entre corpo e mente num

contexto sociocultural, tendo como princípio a igualdade de oportunidades para

todos os alunos e o objetivo de desenvolver as potencialidades, num processo

democrático e não seletivo.

Especificamente em relação à inclusão nas aulas de educação física escolar,

Rouse (2010) traz como acréscimo algumas atitudes pedagógicas que podem facilitar e

permitir o desenvolvimento de trabalho educacional com os conteúdos de forma inclusiva.

Sugere, por conseguinte, que o educador possibilite o desenvolvimento das habilidades de

forma individual considerando as possibilidades de cada um, que proponha apenas

atividades nas quais todos possam participar ativamente, que utilize de instruções

adequadas de forma que todas as necessidades de compreensão sejam atendidas, e

empregue estratégias durante a aula que estimulem o desenvolvimento dos conceitos e

práticas de respeito e cooperação. O professor deve, portanto, adequar as regras, os

materiais, o espaço, sua metodologia e o que mais for necessário para que todos possam

participar ativamente, evitando realizar uma adaptação para apenas o aluno com deficiência

– o que poderia estigmatizá-lo ainda mais.

Pode-se também incorporar práticas corporais desenvolvidas especificamente

para pessoas com deficiência, como uma opção a mais a ser trabalhada com todos os

alunos, e não apenas com os que possuem essa condição, dessa forma essa temática

possibilita a difusão de conhecimento, respeito e valorização das diferenças.

Com base nessas discussões, discorre-se, a seguir, sobre os principais conteúdos

da área acerca de seus conceitos, classificações, organização educacional e possibilidades

inclusivas, ainda tomando por base as propostas dos materiais do Coletivo de Autores

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(1992) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, 2000).

4.1 Tonalidade 1 - dança

A dança pode ser compreendida como uma forma de representação dos diversos

aspectos da esfera social e da vida do homem por meio de movimentos alicerçados em

expressões de emoções e sentimentos (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Dispondo de uma pluralidade de formas de manifestações e de possibilidades

de vivências, a dança – ou as atividades rítmicas e expressivas, conforme denominação dos

PCN (BRASIL, 1998) – por meio de seus movimentos rítmicos permite a interpretação, a

conscientização e a comunicação de diversos conhecimentos culturais, possibilitando a

interação com o mundo e com as outras pessoas, temática esta ilustrada na Figura 17).17

Figura 17 – Kiki Lima. Dança de Batuque. 2012.

Fonte: http://allartsgallery.com

17

A pintura de Pablo Picasso ilustra três pessoas praticando a dança, ilustrando a temática discutida no

parágrafo.

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Complementando as considerações acerca desse conteúdo e permitindo maior

compreensão acerca de sua abrangência, Paoliello (2008) propõe uma classificação para a

dança, categorizando-a em:

Ancestral: composta pelas criações dos povos nativos brasileiros antes

da chegada da Espanha e de Portugal ao país;

Tradicional ou Folclórica: baseada nos traços culturais de determinada

região;

Clássica ou Erudita: fundamentada em habilidades motoras exigentes de

sistemáticos processos de aprendizagem.

Já na esfera escolar, a dança ingressou oficialmente aos currículos acadêmicos

por meio da inserção da disciplina da educação física no ambiente escolar, pela Reforma

Couto Ferraz. Nesta, a ginástica foi destinada aos homens como preparo às atividades

militares e à força de trabalho, e a dança às mulheres, como contribuinte para uma

formação saudável de futuras mães. Enquanto conteúdo da educação física, sua tendência

inicial no cenário educacional seguiu os caminhos da área, baseando-se na execução de

gestos com técnicas e modelos pré-determinados de perfeição, o que dificultava vivências

corporais positivas e prazerosas, expondo e rejeitando as pessoas que apresentassem maior

dificuldade para executar determinado movimento.

Questionada as atuações desse período, com a transformação e reconstrução

educacional da educação física, o Coletivo de Autores (1992) definiu a dança como um

conteúdo escolar cuja finalidade deve ser a exploração das formas de expressão dos

variados tipos de dança sem ênfase em peculiaridades técnicas, as quais devem apenas num

segundo momento serem vivenciadas em seus aspectos formais, caminhando da

interpretação livre à dança formalizada. Contudo, exalta em relação ao trabalho técnico da

dança:

[...] a técnica não pode separar-se das motivações psicológicas, ideológicas,

sociais do executante, da simbologia que produz, da utilização que faz das suas

possibilidades corporais e da consciência que tem dos “outros” a quem comunica.

(COLETIVO DE AUTORES, p. 83, 1992).

Compreende-se, portanto, que a dança deve permitir e explorar a expressividade

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de cada aluno. As técnicas específicas de cada tipo de dança podem sim serem vivenciadas

junto com as demais dimensões motora, cognitiva, psicológica e social, auxiliando em

maior compreensão da realidade do conteúdo, contudo não deve haver o predomínio do

ensino de gestos técnicos que padronizem momentos e corpos, impedindo a experiência e

expressão de cada indivíduo.

Dessa forma, os PCN (BRASIL, 1998, 2000) sugerem que no ambiente escolar

sejam explorados os aspectos histórico-sociais de cada tipo de dança, a percepção do ritmo

pessoal e coletivo, a relação de espaço e tempo, a expressão por meio de códigos e gestos e

a consciência referente aos próprios limites corporais assim como as possibilidades de

superação destes. Propõe ainda que sejam abordadas as danças em diferentes épocas e

culturas, como as danças brasileiras (como o samba, a catira e o bumba-meu-boi), as danças

urbanas (entre elas o break, a dança de salão e o rap), as danças eruditas (como a clássica, a

moderna, a contemporânea e o jazz), as danças e coreografias atreladas a musicais (como os

blocos de oludum e de afoxé), além das brincadeiras de roda.

O Coletivo de Autores (1992) defende ainda que a temática esteja relacionada

às ações de vida diária dos alunos, aos estados afetivos, às sensações corporais, aos seres e

fenômenos do mundo animal, vegetal e mineral, ao mundo do trabalho, da escola e aos

problemas sócio-políticos atuais.

Diferentes ideais e valores também têm sua possibilidade de trabalho dentro

deste conteúdo. O universo da dança baseado na exploração de vivências criativas pode ser

confrontado com o cenário competitivo, assim como as diferenças de gênero podem trazer a

tona discussões a respeito do homem dançante em oposição à visão preconceituosa de que

homem não dança, ainda presente em muitas culturas (BRASIL, 1998).

Em relação à atual construção de uma educação inclusiva, há uma possibilidade

educacional a mais com a criação da denominada dança adaptada, na qual os movimentos

são alterados ou criados especificamente para uma determinada população, como no caso

da dança em cadeira de rodas, praticada por pessoas com deficiência física. Como

possibilidade de vivenciar novos e diferentes movimentos, Winnick (2004) ressalta que a

dança, para as pessoas com deficiência, pode ser uma forma de autodescoberta e de

melhorar a autoestima, além de favorecer a interação social e o desenvolvimento auditivo,

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visual, cinestésico, criativo e o equilíbrio, beneficiando a construção de uma imagem

corporal positiva, diminuindo a ansiedade e uma possível depressão e auxiliando-os a

lidarem com seus próprios sentimentos.

Esse mesmo autor propõe ainda, como metodologia específica para pessoas

com Síndrome de Down, que as aulas de dança sejam divididas em pequenas partes com

simples instruções e um ritmo mais lento no início. Há a possibilidade também, de

atividades em duplas, com um demonstrando ao outro as possibilidades de movimentos, em

diferentes partes corporais, estimulando a ampliação da percepção e consciência corporal,

de forma a oportunizá-los, em seguida, a criarem seus próprios movimentos.

A dança é composta por valores culturais inestimáveis ao proporcionar

conhecimento de sociedades de diferentes épocas e valores. Com inúmeras possibilidades

para ser trabalhada no espaço escolar, essa forma de se comunicar com o mundo pode

possibilitar à pessoa com deficiência, e a todos os demais alunos, uma forma de se

autosuperar e autoafirmar como capaz. para si mesmo e para as demais pessoas, iniciando

não apenas o contato com esse tipo de arte, mas possibilitando a inserção dos indivíduos

numa nova forma de enxergar a vida com mais movimento, beleza e possibilidades.

Como forma de expressão, de consciência e compreensão do funcionamento e

estrutura corporal, como possibilidade de comunicação, interação social e conhecimento de

diversas culturas, ou como meio para o conhecimento e exploração dos sentimentos e da

imaginação, a dança no ambiente escolar traz sua contribuição. Diferentes possibilidades

pedagógicas para todos os alunos podem ser atingidas por meio deste conteúdo, sendo

indispensável, para isso, que este seja explorado de forma global, considerando todas as

dimensões e respeitando os interesses e possibilidades de cada um.

4.2 Tonalidade 2 - esporte

O esporte pode ser compreendido como uma produção histórico-cultural

abarcada por códigos, sentidos e significados sociais (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Os PCN (BRASIL, 1998) o conceitua como uma atividade competitiva na qual

há, tanto no contexto do amadorismo quanto no profissionalismo, a delimitação de regras

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oficiais por federações a nível regional, nacional ou até mesmo internacional, exigindo

condições e equipamentos especiais para sua prática.

Enquanto conteúdo das aulas de educação física escolar, o esporte adquiriu

espaço a partir, aproximadamente, da década de 1970. Explorado pelo governo e pelo

mercado de trabalho como um fator contribuinte para seus interesses sociais, políticos e

econômicos foi imbuído de, no âmbito educacional, difundir os ideais de concorrência e

rendimento já presentes na sociedade. Com isso, passou a reproduzir no cenário escolar o

modelo de esporte de alto desempenho baseado na exclusão e desigualdade, afastando

muitos alunos da possibilidade de uma vivência efetiva.

Sob a influência de uma renovação pedagógica, a qual difundiu os ideais de

uma prática educacional crítico-social focalizada no aluno, críticas a essa forma de atuação

do esporte na escola ganharam força e se expandiram. A transformação desse cenário

ganhou delimitação oficial quando, após definição pela Constituição Brasileira de 1988 do

desporto como um direito de todos e um dever do Estado, foi estabelecida pela Lei Zico

(Lei n° 8.672, de 6 de julho de 1993) e Lei Pelé (Lei n°9.615, de 24 de março de 1998)

uma classificação do esporte, estruturando-o em:

esporte de rendimento – o qual visa o máximo desenvolvimento das

capacidades físicas e habilidades técnicas necessárias para dada

modalidade esportiva, em prol do alcance da vitória no contexto

competitivo ,

esporte de participação – realizado no lazer e no tempo livre

objetivando o bem estar dos participantes,

esporte educacional – destinado a ser trabalhado nas escolas, com o

objetivo de formação integral, cidadania e lazer.

Esclareceu-se legalmente o esporte educacional como uma forma de

oportunizar aos alunos a vivência de diferentes modalidades, respeitando a individualidade

e objetivando a socialização, o desenvolvimento global e o ensino dos valores humanos

(BRASIL, 1998).

Referente a essa discussão, Bracht (1992) traz uma classificação diferenciando

o esporte “na” escola – quando há a presença do esporte de alto rendimento com a ênfase

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na técnica e a busca pelo alto desempenho, no ambiente escolar - do esporte “da” escola – o

qual é o esporte educacional que deve ser trabalhado pedagogicamente nos ambientes

escolares como forma de vivência e conhecimento. Não cabe uma negação a um tipo ou

outro de esporte, mas uma conscientização de que para cada um dos tipos existe uma

finalidade, um local e momentos diferenciados.

Em relação a essa discussão, os PCN (BRASIL, p. 33, 2000) destacam que o

esporte escolar não deve se restringir ao ensino e execução das técnicas e táticas de

modalidades esportivas, mas que seu ensino deve transcender essas habilidades

possibilitando “...capacitar o indivíduo a refletir sobre suas possibilidades corporais e, com

autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada”.

Dessa forma, enquanto conteúdo escolar, o esporte não deve reproduzir os

valores da sociedade capitalista, mas sim proporcionar conhecimentos de forma que os

alunos possam desenvolver uma visão crítica e respeito da presença e da atuação deste tema

no contexto social, político, econômico e cultural. Os professores devem instigar os alunos

à reflexão sobre os valores e normas que o regulamentam e que o nortearam durante o

contexto sociohistórico pelo qual passou, proporcionando uma compreensão crítica a

respeito dessa complexa questão ao substituir a preocupação exacerbada na competitividade

e no desenvolvimento de talentos pelos valores que exaltam o coletivo sobre o individual

como solidariedade, respeito e consciência do direito de todos à prática (COLETIVO DE

AUTORES, 1992).

Organizando pedagogicamente o esporte no ambiente escolar, o professor pode

auxiliar seus alunos no conhecimento e desenvolvimento das habilidades motoras,

capacidades físicas e cognitivas e a técnica e tática de diversas modalidades, despertar o

interesse pela prática de esporte e atividades físicas ao longo da vida, discutir e transformar

valores, estimular o desenvolvimento da autoconfiança, autoestima e da capacidade de

tomar decisão e estimular a prática de valores como cooperação e respeito (PAES;

BALBINO, 2005). Possibilita, ainda, a diversificação de conhecimento sociocultural a

respeito das diferentes modalidades e seu impacto nas diversas culturas, e a discussão dos

valores que regem a questão da competição, mostrando a importância de um jogo limpo

(fair play) e solidário com respeito às diferenças.

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Baseado nesse entendimento, as possíveis modalidades a serem trazidas para o

âmbito escolar são muitas, desde as mais conhecidas como voleibol, basquetebol, futebol,

handebol, tênis – ilustrado na pintura de Camille Pissaro (FIGURA 18)18

-, atletismo, até as

menos exploradas nesta cultura como o rugby, futebol americano e hóquei, que podem ser

adaptadas proporcionando difusão de conhecimentos acerca da cultura corporal.

Figura 18 - Camille Pissarro. Meninas Jogando Tenis. 1981.

Fonte: www.camille-pissarro.org

Complementarmente, discussões podem ser desenvolvidas fundamentadas por

esse conteúdo, como acerca da participação da mulher, do negro e da pessoa com

deficiência, a violência no esporte, a construção do esporte como espetáculo pela mídia, as

olimpíadas, a copa do mundo, a existência de esportes não convencionais como os radicais,

de aventura, a compreensão e vivência das diferentes capacidades e gestos motores

específicos de cada modalidade, a compreensão e reconstrução de regras (BRASIL, 1998).

Dentre essas possibilidades de discussão, a presença maciça do esporte

sobressaindo-se sobre aos demais conteúdos também pode ser alvo de reflexão.

Fatores históricos e culturais podem ser considerados como influenciadores da

18

A tela de Camille traz a imagem de duas meninas jogando tênis, ilustrando uma das diversas modalidades

compreendidas pelo conteúdo esporte.

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hegemonia esportiva sobre os demais conteúdos, uma vez que as diversas sociedades

exaltaram e sobrepuserem a atenção e valoração dessa prática em detrimento de outras.

Dessa forma, uma discussão a respeito dessa realidade e a busca coletiva por uma forma de

trabalho com este conteúdo que não reprima a presença dos demais se torna relevante,

alcançando um equilíbrio da importância cultural do esporte com a abertura de espaço para

a vivência das demais temáticas.

Já dentro do próprio conteúdo do esporte, uma consideração a mais a ser

destacada é a predominância de uma monocultura futebolística. A própria origem do

esporte esteve atrelada ao futebol, contribuindo para a ênfase desta modalidade em relação

às outras. Contudo, assim como o esporte não deve restringir a presença dos outros

conteúdos, o futebol também deve ser trabalhado de forma permitir a vivência das outras

modalidades, sendo este um fator a mais a ser debatido com a sala e considerado pelo

professor no seu planejamento pedagógico, sem descartar a importância cultural do futebol

– ilustrado na Figura 1919

- dentro de determinada sociedade, como a brasileira.

19

A tela de Francisco Rebollo representa dois homens jogando futebol, ilustrando a discussão a respeito dessa

modalidade esportiva.

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Figura 19 - Francisco Rebollo. Futebol. 1936.

Fonte: www.fapesp.br

Outro tema relevante com possibilidade de trabalho escolar é a inclusão de

pessoas com deficiência na prática esportiva, associando-a à temática da inclusão

educacional.

Além da adaptação dos esportes convencionais, esse conteúdo proporciona mais

uma possibilidade de trabalho por meio do esporte adaptado, criado para uma população

específica, no caso, as pessoas com deficiência (ARAÚJO, 1999)20

. Inúmeros foram os

avanços e a diversificação de modalidades adaptadas, como o rugby em cadeira de rodas,

esgrima em cadeira de rodas, gollball e vôlei sentado, entre outros. Dessa forma, além de

serem mais uma forma de possibilitar a inclusão nas aulas de educação física, também

podem auxiliar os alunos a terem maior conhecimento a respeito das capacidades das

20

O esporte adaptado foi introduzido no Brasil nos anos de 1950, por iniciativa popular. Robson Sampaio de Almeida e Sérgio Serafim Del Grande, ambos com deficiência física, tiveram contato com o esporte adaptado ao participarem de programas de reabilitação nos Estados Unidos e, voltando ao Brasil, fundaram o Clube dos Paraplégicos e o Clube dos Otimistas, iniciando a prática dessa modalidade no país.

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pessoas com deficiência e também a desenvolverem outras percepções que não as

comumente exploradas, como ao trabalhar com vendas nos olhos.

A exploração dessa temática pode ainda contribuir com o alcance de objetivos

específicos para os alunos com deficiência como a melhora da autoestima, da

autoconfiança, das condições e capacidades físicas, estimulando a independência e a

superação. Ademais, todos os alunos podem ser beneficiados com a melhoria das relações

interpessoais, o estimulo à socialização, os aspectos afetivos e valores humanos

(WINNICK, 2004).

Para que tais benefícios estejam ao alcance de todos, tanto o esporte

convencional quanto o adaptado devem ser pensados quanto a sua forma de trabalho

específica no espaço escolar, substituindo as características do esporte de alto rendimento

pelas de caráter educacional.

É inegável que qualquer tipo de tentativa de abordar o esporte, ou suas

modalidades, intrinsicamente como excludente ou inclusivo deve ser considerada, portanto,

como equivocada, uma vez que, assim como todos os demais conteúdos da educação física,

ele assumirá a função para a qual o professor o destinar.

As possibilidades de exploração deste conteúdo são infinitas. Materiais e

acessórios podem ser criados e até mesmo modalidades podem ser transformadas e

recriadas, exigindo criatividade dos professores para possibilitarem variadas experiências

aos alunos, associando-as ao contexto histórico social e possibilitando maior compreensão

crítica desse fenômeno.

Em tema com tamanho destaque social e diferenciações educacionais, alguns

professores de educação física escolar, quando não tornam suas aulas intencionalmente

esportivizadas, lidam com o esporte como um inimigo que o impede de diversificar suas

temáticas, uma vez que os próprios alunos exigem sua presença. Sendo ambas as atitudes

equivocadas, o professor pode utilizar o esporte como um aliado, por meio do qual pode

inserir os demais conteúdos de forma iniciar uma familiarização dos alunos com temas até

então pouco vivenciados.

O esporte não precisa ser visto como um assunto conturbador dentro do âmbito

escolar. As possibilidades de trabalho proporcionadas são muitas e a riqueza cultural

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abarcada por esse conteúdo imensurável, exigindo do professor de educação física apenas

uma organização pedagógica adequada quanto à realidade educacional e à abrangência de

toda a área da educação física.

4.3 Tonalidade 3 - ginástica

A ginástica é definida, segundo o Coletivo de Autores (1992) como uma forma

de exercitação do corpo a qual abrange experiências corporais de diferentes culturas,

utilizando aparelhos ou não, conforme ilustrado pela pintura de Tiepolo (FIGURA 20).21

Figura 20- Giandomenico Tiepolo. Polichinelos e Saltimbancos. 1793.

Fonte: http://www.abbeville.com

Segundo Paoliello (2008), a ginástica pode ser classificada em três tipos: a

21

A pintura de Giandomenico Tiepolo retrata uma das possibilidades de exercitação da ginástica, ilustrando o

conteúdo aqui discutido.

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formativa – baseada em movimentos de fortalecimento corporal, englobando a ginástica

natural, a qual explora as habilidades motoras especificamente humanas, e a construída ou

calistênica, fundamentada nos movimentos tridimensionais mesclados às diferentes

capacidades físicas como força, resistência e velocidade –, a competitiva – a qual segue

regulamentos competitivos, abarcando a ginástica artística, rítmica, aeróbica, trampolim

acrobático, por exemplo – e a geral – na qual há a apresentação de coreografias em grandes

grupos de pessoas.

Em outra classificação, Nunomura e Tsukamoto (2009) acrescentam às

ginásticas competitivas, as ginásticas de academia – como a localizada, step, aeróbia,

abdominal, pilates, ioga e musculação, por exemplo - e as ginásticas de conscientização

corporal - como alongamentos, anti-ginástica22

e o Método Feldenkrais23

.

Como integrante do currículo educacional, a ginástica inseriu-se como o

conteúdo principal, quando não único, da educação física quando da sua inicial

oficialização no cenário escolar. Neste contexto inicial, esse conteúdo foi explorado como

forma de preparo militar e aptidão física, por meio de métodos ginásticos oriundos

principalmente da Europa, como o alemão, o sueco e o francês. Apesar desta origem

baseada em aspectos fundamentalmente biológicos, a ginástica, assim como todos os

conteúdos, apenas adquiriu a função para a qual fizeram dela naquele momento.

Com a construção da educação física como uma área pedagógica a ginástica,

enquanto conteúdo escolar, também foi transformada em seu caráter e forma de trabalho,

reedificando-se em um tema pedagógico destinado à vivência e conhecimento da cultural

corporal.

A ginástica geral, especificamente, há muito tem sido defendida como uma

possibilidade valorosa de trabalho dentro do âmbito educacional. Nesta, proporciona-se a

participação de todos, sem restrições de idade ou características, objetivando a vivência de

elementos ginásticos de forma não competitiva com base na ludicidade e na busca pelo

22

A anti-ginástica é uma forma de vivência corporal baseada no relaxamento e conscientização das sensações

do copo, proporcionando a eliminação de tensões corporais (COSTA, 1999). 23

O Método Feldenkrais é um trabalho desenvolvido por Moshe Feldenkrais no qual os exercícios corporais

possuem como foco principal a tomada de consciência sobre as diversas formas de se movimentar,

alcançando a mais eficiente e menos cansativa (FELDENKRAIS, 1988).

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prazer da experiência. Abusando da liberdade e criatividade na construção de movimentos,

essa ginástica pode ser feita com ou sem música e equipamentos especiais, e até mesmo

com materiais alternativos como garrafas pets, baldes ou outras construções próprias.

Permite, por conseguinte, a exploração da diversidade, da criatividade e a participação de

todos, tornando-se conteúdo adequado ao contexto educacional.

As diferentes modalidades da ginástica trazem inúmeras possibilidades para

serem empregadas na construção de um projeto pedagógico.

Por meio das experiências proporcionadas pela ginástica, os alunos podem

enriquecer seu conhecimento cultural e construir novas interpretações acerca desse

conteúdo. Para isso, o Coletivo de Autores (1992) propõe, como trabalho educacional, a

exploração dos fundamentos de saltar, equilibrar, rolar, girar, trepar, balançar e embalar,

que são as bases dos exercícios ginásticos e por meio dos quais os educandos podem

vivenciar inúmeras descobertas e compreensões de movimentos corporais num processo de

confronto com as atividades tradicionalmente feitas, estimulando a criação de novas

possibilidades de exercícios.

Complementando, os PCN (BRASIL, 1998, 2000) sugerem que o professor

trabalhe esse conteúdo de forma a conscientizar os alunos sobre a presença dos

fundamentamos da ginástica no dia-a-dia, as sensações afetivas e cinestésicas provocadas

pelos diversos movimentos, a criação de variadas formas ginásticas por meio da

combinação dos fundamentos desse conteúdo, a organização de práticas individuais e

coletivas, o conhecimento das diferentes formas, capacidades e habilidades físicas e

técnicas ginásticas, e a organização de apresentações. Além disso, discorre também como

relevante o trabalho de compreensão sobre as a transformação da ginástica durante o

decorrer histórico e suas diferenças nas variadas sociedades.

Para a exploração desse conteúdo, diversos aparelhos podem ser utilizados

como bolas, halteres, fitas, cordas, trampolim, colchões, banco sueco e arcos, conforme

ilustrado na Figura 2124

. Porém esses materiais são apenas contribuintes às aulas e não

limitadores. Sem a presença destes, como é a realidade de muitas escolas brasileiras, outras

24

A tela de Fátima Carvalho retrata os arcos utilizados na ginástica, ilustrando um dos possíveis materiais a

serem utilizados durante a prática desse conteúdo na educação física escolar.

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possibilidades podem ser desenvolvidas, como a construção de fitas e arcos com jornais e

arame, halteres substituídos por saquinhos de areia, uso de baldes e cabos de vassouras, ou

a organização de uma aula sem materiais.

Figura 21 - Fatima Carvalho. Sarau de Ginástica e Eu. 1967.

Fonte: pintura-de-fatimacarvalho.blogspot.com.br

Especificamente em relação à educação inclusiva, Mayeda e Araújo (2004)

ressaltam que a ginástica pode explorar o desenvolvimento da criatividade e da expressão

como uma forma de cooperação em substituição à competição exacerbada, facilitando a

inclusão por meio de atividades não segregacionistas. Pode ainda proporcionar o

autoconhecimento e o conhecimento a respeito das diversidades culturais, facilitando a

autodescoberta de possibilidades corporais de movimentos, o desenvolvimento da imagem

corporal, e a socialização por meio de vivências e criações em grupos.

A ginástica enquanto conteúdo escolar possibilita a igualdade de oportunidade

de participação de todos os alunos, ao dispor de um leque de opções de práticas e de

movimentos os quais os alunos podem se identificar com determinadas vivências dentre as

expostas e selecionar aquelas as quais preferem se aprofundar, incentivando-os no

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desenvolvimento de seu poder de decisão e independência. Preserva-se, por conseguinte, a

individualidade e o respeito às características de dificuldades e capacidades de um, ao

mesmo tempo no qual a ludicidade do conteúdo estimula a participação de todos

conduzindo desde o desenvolvimento das diversas capacidades e habilidades físicas até a

afetividade e socialização entre todos do grupo (BORELLA; DENARI, 2013).

Mesmo sendo conteúdo principiante na construção da educação física em seu

inicio acadêmico, uma vez que os conteúdos inicias da educação física eram os métodos

ginásticos, atualmente a ginástica não dispõe de muito espaço dentro da educação física

escolar, e quando presente, muitas vezes sucumbe ao tecnicismo esportivizante, o que

limita todos os benefícios que poderiam ser alcançados em prol dos alunos, seja por falta de

conhecimentos a respeito do tema pelo professor, seja por resistência dos alunos e da

própria instituição escolar. Contudo, com persistência e uma organização pedagógica

adequada, as aulas de ginástica podem ser uma oportunidade de envolver os alunos numa

forma de vivência prazerosa e respeitosa às diversidades de cada um.

4.4 Tonalidade 4 - jogo

O conteúdo do jogo abarca inúmeras possibilidades e pode ser explorado em

múltiplas faces. Com isso, não há um consenso entre os estudiosos sobre uma definição

exata desse conteúdo, considerando que o jogo extrapola e não se reduz a conceitos

teóricos.

Considerações pertinentes relacionadas à temática foram desenvolvidas, como

por Huizinga (2004), o qual compreende o jogo como uma atividade lúdica regida por

regras específicas na qual ocorre uma fuga da realidade durante um determinado momento,

com um limite definido de seu início, fim e local. Ainda segundo esse autor, o jogo está

presente no mundo mesmo antes do desenvolvimento das sociedades e da cultura humana,

uma vez que até mesmo os animais desenvolvem espécies intuitivas de jogos entre si, com

ludicidade e algumas regras como a não permissão de morder e machucar durante uma

brincadeira entre dois cachorros.

Já o Coletivo de Autores (1992) conceitua o jogo como uma invenção humana

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baseada na intencionalidade do jogador que, ao buscar um objetivo, passa a compreender o

significado de seus atos e se conscientizar das consequências destes.

Em estudo sobre o tema, Caillois (1990) propôs uma divisão dos jogos em

quatro categorias, sendo elas: Agôn – jogos de competição como corrida e xadrez -, Alea –

jogos de sorte como cara ou coroa e dados -, Mimicry – jogos de simulacro, de imitação de

uma realidade ilusória como nos jogos infantis de faz de conta -, e Ilinx – jogos de vertigem

como movimentos de acrobacia e carrossel.

Posteriormente, da preocupação com o individualismo e competição

exacerbados da sociedade moderna, surgiu uma nova possibilidade: o jogo cooperativo.

Neste, a ênfase é colocada sobre as relações interpessoais numa busca pelo bem comum e o

respeito entre os jogadores. Dessa forma, os participantes relacionam-se uns com os outros

visando a conquista de um objetivo em comum, na qual a finalidade não é jogar contra mas

jogar com o outro (BROTTO, 1999).

Já abarcando essa nova temática, os PCN (BRASIL, 2000) classificam esse

conteúdo quanto a sua forma de exploração, a qual pode ser por meio de caráter

cooperativo, recreativo ou competitivo, conforme ilustrado na Figura 22.25

No referido

documento, os jogos são classificados em jogos regionais, jogos de salão, de mesa, de

tabuleiro, de rua e por brincadeiras infantis.

25

A pintura de Henri Matisse ilustra uma das categorias do jogo: o jogo competitivo, por meio do retrato de

um jogo de boliche.

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Figura 22 - Henri Matisse. Um Jogo de Boliche. 1908.

Fonte: www.abcgallery.com

Como conteúdo educacional, o jogo foi amplamente difundido e sua utilização

passou a ser explorada não apenas pela educação física, como também pelas demais

disciplinas, uma vez que o caráter lúdico passou a ser compreendido como facilitador e

estimulador das múltiplas dimensões do processo de ensino-aprendizagem – como a

psicossocial, motora, cognitiva, afetiva e moral – além da conscientização da capacidade

deste conteúdo em estimular a adaptação e autonomia do aluno ao buscar escolhas mais

adequadas frente aos possíveis erros e acertos. São benefícios que não se restringem a um

conteúdo específico da grade curricular, mas também se refletem no comportamento e na

formação cidadã dos alunos.

Especificamente na educação física, segundo o Coletivo de Autores (1992),

além da vivência de um repertório rico e vasto culturalmente, o jogo possibilita uma

compreensão e modificação de dada realidade, induzindo a criança a pensar e agir

escolhendo suas ações de forma consciente para alcançar determinado objetivo. Baseado na

imaginação torna-se um fator de desenvolvimento ao permitir, por meio da ludicidade, a

compreensão das regras sociais e a ampliação da capacidade de tomada de decisão.

Ainda com fundamentação nos ideais dos autores acima, o trabalho educacional

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com os jogos pode explorar o conhecimento de diversas temáticas como sobre diferentes

materiais e objetos, as relações espaço-temporais, as relações interpessoais, o

desenvolvimento da capacidade de organização dos próprios jogos e recriação de suas

regras, o desenvolvimento do pensamento técnico-tático, conhecimentos sobre a arbitragem

dos jogos e sobre as capacidades físicas empregadas, assim como sobre a relação escola-

comunidade.

Complementando, os PCN (BRASIL, 1998) sugerem que educação física

escolar explore e valorize os jogos cooperativos e recreativos, estimule o trabalho em

equipe e a criação de novas brincadeiras e jogos, reflita sobre a transformação sofrida pelos

jogos e brincadeiras ao longo dos anos e construa técnicas e táticas coletivamente para

solucionar as situações de jogo.

Tal conteúdo também deve ser trabalho com um fim em si mesmo, construindo

conhecimento a respeito da diversidade presente por este tema, como sobre os diferentes

tipos de jogos, as suas variações regionais e classificações.

Ademais, por meio dos jogos, o processo inclusivo pode ser facilitado, uma vez

que esse conteúdo possibilita maior flexibilidade das regras, do local, do material e do

próprio objetivo final, o qual pode ser reconstruído em cada aula segundo as necessidades e

interesses da turma. Abarcado pelo caráter lúdico, cativa os alunos para a atividade

facilitando a interação destes com a aula e sua imersão na realidade inclusiva proposta.

Os jogos tornam-se ferramentas facilitadoras da inclusão, ainda, por

proporcionar a exploração de situações de afetividade, interação e ludicidade, estimulando

a superação da timidez e a maior participação do aluno com alguma condição de deficiência

(o qual pode ter sentimentos de constrangimento devido a sua condição), estimulando a

cooperação entre todos do grupo em prol do alcance de um objetivo, fortalecendo os laços

de união e respeito e valorizando a pessoa com deficiência frente aos colegas com

consequente melhora da autoestima desta (GIL, 2002).

O caráter inclusivo desse conteúdo destaca-se quando se observa que, conforme

apontamento dos PCN (BRASIL, 2000), por meio da simbologia e ludicidade, as regras

passam a exigir a atenção dos participantes e a compreensão destes sobre suas funções,

possibilitando constantes ajustes e reconstruções coletivas destas em prol da participação

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ativa de todos.

Os jogos compreendem um espaço relevante da infância, proporcionando ao

professor uma diversidade de trabalhos os quais já é familiarizados e apreciados pelos

educandos. Sem resistência por parte dos alunos para com essas atividades lúdicas, ideais,

como os inclusivos, são mais fáceis de serem incorporados e discutidos durante as aulas.

4.5 Tonalidade 5 - luta

A luta pode ser compreendida, segundo os PCN (BRASIL, 2000), como um

conjunto de movimentos corporais nos quais há uma disputa com um oponente

fundamentada em ações de ataque e defesa, utilizando, para isso, estratégias de

desequilíbrio, de contundir, imobilizar ou eliminar o adversário.

Segundo Marta (2010), as lutas vivenciadas no Brasil são oriundas, em sua

grande maioria, de imigrantes do Oriente, sendo o Japão o berço do Judô, Karatê, Aikido,

Sumô, Kendo e Jujitisu; a China do Tai Chi Chuan e Kung-Fu; e a Coreia do Sul a

originária do Taekwondo, por exemplo. Dessa forma, trata-se de um conteúdo que

extrapola a sociedade local e proporciona o conhecimento de diferentes culturas.

Visando maior compreensão sobre esse conteúdo, vale ser trazida a

classificação proposta por Gomes (2008). A autora categoriza a luta em: lutas de curta

distância (nas quais os lutadores mantêm-se praticamente em contato direto um com o

outro, utilizando as habilidades de desequilibrar, rolar, projetar, cair, controlar e excluir);

lutas de média distância (onde há situações de aproximação e afastamento entre os

adversários, os quais mantém entre si um espaço moderado e abdicam das habilidades de

tocar, golpear, chutar e socar); e as lutas de longa distância (nestas, há uma distância maior

entre os lutadores, os quais passam a tocar um no outro pela manipulação de um

instrumento, sendo a postura, empunhadura e manipulação as principais habilidades

requeridas).

Um tema a mais possível de ser trabalhado dentro deste conteúdo é a capoeira.

Este trabalho retrata a capoeira no contexto da luta por esta englobar os princípios presentes

nesse conteúdo, como os movimentos simuladores de ataque e defesa e a imprevisibilidade.

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Contudo, seu encaixe dentro do conteúdo de dança, como fazem muitos autores, é

perfeitamente aceitável, uma vez que abarca uma série de movimentos ritmados com

instrumentos musicais específicos. Com divergências entre os estudiosos sobre a

classificação desta prática, a importância é o trabalho com esse elemento da cultura

corporal e sua não negação ou ocultamento no âmbito escolar, seja por meio da dança ou

pela luta.

A capoeira, ilustrada na Figura 2326

, é composta por um conjunto de gestos que

expressam a busca pela liberdade do oprimido por meio do próprio corpo, tendo seus

movimentos e ritmos relação com a luta de emancipação da população negra no Brasil.

Tornou-se um tema cultural riquíssimo a ser explorado pelas escolas, trazendo além das

habilidades motoras, a cultura africana e as questões sócio históricas inculcadas nessa

temática (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Figura 23 – Rosina Becker do Valle. Capoeira. 1966.

Fonte: www.tntarte.com.br

Enquanto conteúdo escolar, tanto a capoeira quanto as demais modalidades da

luta permitem a exploração das diversas habilidades específicas do contexto do tatame e

26

A tela de Rosina B. do Valle retrata uma roda de capoeira, ilustrando a temática discorrida no parágrafo

acima.

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também a compreensão de questões pertinentes à sociedade na qual os educandos estão

inseridos. Segundo os PCN (BRASIL, 1998, 2000), a luta enquanto conteúdo educacional

pode explorar a compreensão da relação histórico cultural deste conteúdo com a

transformação das sociedades, o conhecimento a respeito dos diversos princípios de

filosofia que regem as práticas, a reflexão sobre a diferença entre a luta e a violência social,

o conhecimento das capacidades físicas e habilidades motoras enfatizadas nas diversas

modalidades e a vivência das técnicas, táticas e regras. Propõe ainda que, o educador

desenvolva as atividades pedagógicas fundamentado em atividades recreativas e

competitivas com base nos aspectos históricos e ideais presentes em cada modalidade.

Pouco explorada como conteúdo escolar e vista por muitos como incitadora de

violência e agressividade, devido ao desconhecimento a respeito desse conteúdo, a luta

pode se transformar justamente no oposto, como uma forma de movimento corporal que,

além de proporcionar a compreensão e respeito acerca de culturas de diferentes países,

ainda possibilita o desenvolvimento de valores de cooperação e ética, autocontrole, reflexão

sobre suas próprias atitudes, sem falar das habilidades específicas já mencionadas como

equilíbrio, coordenação, força e rápida reação.

Como dito anteriormente, nenhum conteúdo por si só é benéfico ou nocivo para

os alunos, mas todos são dependentes da forma como o professor os organiza

metodologicamente.

Em relação à inclusão de alunos com deficiência, a luta exige poucas

adaptações, podendo ser executadas atividades com vendas, sentados, e até mesmo com um

único objetivo simples - como tentar deslocar o oponente de uma área -, auxiliando o

ensino para pessoas que possuam maior dificuldade de compreensão, como no caso da

Síndrome de Down, ou com alguma outra condição de deficiência intelectual.

Segundo Gomes (2008), a metodologia mais adequada para o trabalho com esse

conteúdo visando à inclusão escolar é aquela na qual o professor cria novas técnicas em

substituição às tradicionais, enfatizando os fundamentos de ataque e defesa antes do

emprego das técnicas com um trabalho inicial de compreensão da dinâmica interna da

modalidade. Deve-se, por conseguinte, oferecer diferentes meios para executar

determinados movimentos e atividades ao invés de padronizar uma única forma como a

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mais adequada. Assim, todos adquirem a possibilidade de participarem ativamente e de

vivenciarem o conteúdo de forma respeitosa as suas características, e sem menosprezo às

diferentes capacidades para a execução dos movimentos.

Podemos explorar os princípios condicionais das Lutas considerando a

deficiência de um aluno, oferecendo a ele possibilidades e oportunidades de

prática e resolução de problemas. Podemos explorar suas potencialidades em

detrimento das desvantagens que uma determinada deficiência pode provocar. O

tipo de deficiência pode gerar a melhor adaptação de um aluno nos grupos de

aproximação (curta, média e longa distância), porém cabe ao professor promover

a vivência da dinâmica das Lutas em todas as situações, através da utilização de

estratégias e da criação de regras que permitam a utilização de todo o seu

potencial (GOMES, p. 102, 2008).

Pode-se, também, serem trazidas as lutas adaptadas para conhecimento e

vivência dos educandos a respeito dessas modalidades específicas para pessoas com

deficiência, como a esgrima em cadeiras de rodas e o judô para pessoas com deficiência

visual. Modalidades oficiais das paraolimpíadas, estas podem auxiliar na superação dos

estereótipos de debilidade das pessoas com deficiência e na construção dos ideais de

possibilidade de superação e de capacidade presentes em todas as pessoas.

A luta é um conteúdo composto por modalidades oriundas de diferentes

culturas, proporcionando vivências de movimentos corporais enobrecedoras para todos os

envolvidos. Ademais, pode ser mais um facilitador do processo inclusivo ao refletir sobre

essas diferenças culturais, valorizar a diversidade individual e permitir a oportunidade de

participação ativa por meio de aulas flexíveis e possíveis de serem realizadas por todos.

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5 DELIMITANDO OS PINCEIS: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL –

A SÍNDROME DE DOWN

O contexto educacional inclusivo exige preparo, capacitação e adequação do

ensino segundo as necessidades individuais. Essas necessidades são varáveis e mutáveis

assim como a diversidade presente em cada pessoa. Contudo a delimitação de alguns

conhecimentos acerca de formas de atuação e características gerais de determinada

condição se faz necessária ao proporcionar uma base de conhecimentos prévios e

capacitação para atuar em situações de alta probabilidade de ocorrência na prática, como no

caso de uma deficiência específica.

Observando uma pintura da realidade, especificar os pincéis nos quais a

pesquisa foi pensada tem importância relevante. Sendo o tema do trabalho referente à

inclusão de alunos com Síndrome de Down – uma das causas da deficiência intelectual- na

escola regular, um detalhamento dessa população torna-se imprescindível.

A deficiência intelectual é uma condição na qual o funcionamento intelectual é

inferior ao esperado e considerado como padrão, refletindo-se em diversas dimensões como

no relacionamento e comportamento social, psicomotor, cognitivo e afetivo.

Com relação à nomenclatura, reforça-se atualmente o termo “deficiência

intelectual” em substituição ao antigo “deficiência mental”. A alternância da definição em

questão foi de fato consolidada por uma das organizações mais representativas do tema, a

American Association of Mental Retardation (AAMR) – Associação Americana de Retardo

Mental - ao transformar-se em American Association on Intellectual and Developmental

Disabilities (AAIDD) – Associação Americana de Deficiência Intelectual e de

Desenvolvimento -, em 2007. Nesta definição, aspectos funcionais são considerados em

detrimentos dos unidimensionais, englobando as dimensões das habilidades intelectuais,

comportamentos adaptativos, participação, interações e papéis sociais assumidos, saúde e

contexto no qual a pessoa está inserida, conforme entendimento de Pan (2008).

O termo estabelecido teve inicio oficial em 1995, pela Organização das Nações

Unidas, no Simpósio “Deficiência Intelectual: Programas, Políticas e Planejamento para o

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Futuro”, realizado em Nova York, ao entender, segundo Sassaki (2005), a deficiência

intelectual como alterações no funcionamento do intelecto, enquanto a “deficiência mental”

como um termo erroneamente confundido com “doença mental” ou “transtorno mental”,

nos quais há uma alteração na mente em quadros patológicos exigentes de tratamento

medicamentoso.

Uma das principais causas da deficiência intelectual, e com maior presença no

âmbito educacional, é a Síndrome de Down. Com precárias compreensões sobre a

condição, equivocadas ideias pré-concebidas trazem transtornos às pessoas com essa

condição. Especificamente no âmbito escolar, a pessoa com essa condição tem, em muitos

momentos, negada a participação e a sua capacidade de aprendizagem, por

desconhecimento de suas potencialidades e pela ênfase na sua dificuldade em relação aos

aspectos intelectuais (SOLER, 2005).

Especificar essa deficiência é uma forma de esclarecer e propagar

conhecimentos a respeito da mesma, única forma eficiente de estruturar um ensino e uma

convivência qualificados e respeitosos.

5.1 Pincel n°1 - Síndrome de Down

As características mais visíveis da Síndrome de Down foram observadas já na

Antiguidade, mesmo ainda sem conhecimento a respeito dessa condição. Segundo Leite,

Rodrigues e Araújo (2013), referências sobre essa deficiência já foram relatadas na Bíblia e

no Alcorão, no papilo Terapêutico de Tebas em 1552 a. C. e no Código do Hamurabi em

2100 a. C. Apesar desses relatos e de materiais bibliográficos serem escassos, a presença

dessa condição pode ser comprovada, ainda, por pinturas que retrataram essas

peculiaridades, como visualizado na Figura 24.27

27

A tela de Andrea Mantegna traz uma pintura da Virgem Maria com o menino Jesus, o qual é retratado com

as características da Síndrome de Down, sendo esta tela uma das comprovações da presença de pessoas com

deficiência nos séculos anteriores.

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Figura 24 - Andrea Mantegna. A Virgem e a Criança. 1495.

Fonte: www.wikipaintings.org

Sem compreensão e desenvolvimento científico sobre a questão, o transitar das

décadas propagou errôneas e preconceituosas ideias a respeito, relacionando as pessoas

com essas características a uma forma humana primitiva, próxima ao macaco, quando não

aos seres sub-humanos desprovidos de intervenção divina, ou seja, influenciados por maus

espíritos. Apenas a partir do século XVII, com o advento do Iluminismo e o

desenvolvimento científico, a medicina interviu com compreensões baseadas em aspectos

fisiológicos (PESSOTI, 1984).

A ciência ainda galgava tímidos passos e a precariedade de conhecimentos

impediu um amplo entendimento sobre a condição nesse momento. Contudo, os ideais

místicos sobre a deficiência intelectual, os quais contribuíam para a segregação e, muitas

vezes, destinaram à morte essas pessoas, tiveram um início de contestação com abertura de

espaço para outras possibilidades de compreensões - como as científicas.

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Alcançando o ano de 1866, segundo Soler (2005), Stray-Gundersen (2007) e

Leite, Rodrigues e Araújo (2013), o médico inglês John Langdon Down reuniu e descreveu

as características específicas da Síndrome de Down na Real Academia de Londres – com

primária denominação de Idiotia Mongoloide -, diferenciando-as de outras condições e

contribuindo com os primeiros passos para sua descoberta a qual, em 1959, com a evolução

específica da ciência genética, teve sua causa compreendida - uma alteração genética

detectada por meio de um estudo de cariótipo, ou seja, um estudo da organização dos

cromossomos.

O cientificismo proliferou-se norteando os novos conceitos. Se a ciência pode

ser entendida como uma área em constante evolução e permanentemente inacabada, em

relação à Síndrome de Down esse entendimento também se fez presente com

desenvolvimento de questionáveis teorias em busca de respostas definitivas, as quais ainda

hoje são inexatas.

De início, o determinismo biológico adquiriu espaço e consideração científica

promulgando e divulgando o entendimento das características dos seres humanos como

inatas, sendo a medicina ou qualquer outra possibilidade de intervenção ineficaz e incapaz

de atuar em direção às determinações genéticas. Consequentemente, difundiu dois grandes

equívocos - a graduação, com objetivo de ordenar todas coisas ascendentemente, e a

reificação, visando a mensuração de todas as coisas, inclusive das abstratas como a

inteligência (GOULD, 1991).

Com isso, testes de inteligência passaram a ser desenvolvidos objetivando a

mensuração da capacidade intelectual dos indivíduos e a identificação e classificação das

pessoas com condições que desencadeavam a deficiência intelectual. Frente a esse

destaque, entre os séculos XIX e XX, com iniciativas de Alfred Binet, passaram a ser

desenvolvidos testes com o objetivo de mensurar a inteligência denominados de Testes de

Quociente Intelectual (QI). Esses testes classificavam um indivíduo com dificuldades

intelectuais nas categorias “leve”, “moderada” e “severa” ou “profunda”, segundo um

resultado obtido por valoração numérica frente às respostas corretas das perguntas as quais

eram submetidos, perguntas estas com respostas pré-determinadas rigidamente, conforme

explicado por Déa e Duarte (2009).

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Esses testes difundiram-se com finalidades que divergiam desde

encaminhamento dessas pessoas à educação em instituição especiais até à esterilização dos

indivíduos classificados como deficientes em prol de aspectos eugênicos. Posteriormente,

severas críticas baseadas em novas concepções científicas de desenvolvimento de métodos

de pesquisas e de conhecimentos fisiológicos culminaram no questionamento de seu uso

destinado à classificação das pessoas. Tal questionamento foi fundamentado no

entendimento deste ser ineficiente ao analisar apenas uma forma específica de raciocínio

intelectual, sem levar em conta outras dimensões e características, como a própria

capacidade de desenvolvimento de uma pessoa e as influências externas.

Corroborando, Ziliotto (2007) afirma que nestes testes há uma classificação e

rotulação das crianças, as quais devem se adaptar a um exame rígido pré-elaborado. Esses

rótulos podem implicar em negativas consequências para o aluno, uma vez que tendo

resultado inferior à média padronizada, tanto ele próprio quanto seu professor desenvolvem

uma visão de inferior capacidade, denegrindo o autoconceito e estimulando sentimentos de

rejeição. Como se não fosse o bastante, o próprio teste pode induzir a resultados errôneos,

ao ser conduzido inadequadamente ou não considerando a possível falta de compreensão da

criança com o vocabulário do avaliador.

É notório como o próprio progresso científico com compreensões mais

profundas sobre essa condição de deficiência e sobre o desenvolvimento de um ser humano

influenciado por múltiplas dimensões contribuiu para o questionamento da continuidade de

uso desses testes, e para o desenvolvimento de novos conhecimentos.

Dessa forma, foi compreendido pela ciência, por conseguinte, a Síndrome de

Down como uma alteração na qual ocorre a presença de um cromossomo extra em

determinadas células, induzindo a uma heterogeneidade de características e interferências

no desenvolvimento motor, intelectual e psicossocial.

Diferentemente da área científica, para a população em geral essas

compreensões ainda não foram completamente estabelecidas, sendo inexistentes, quando

não escassas, errôneas ideias baseadas em magia ou mito, porém ainda persistindo

desconhecimento a respeito das características dessa condição e até mesmo continuidade no

uso de testes de mensuração de inteligência.

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107

Por conseguinte, faz-se necessário uma retomada de alguns conceitos

biológicos, mesmo que de forma simplicista, visando facilitar a compreensão da Síndrome

e de suas possíveis características, sem abusar de complexas terminologias. Com o auxílio

de Stray-Gundersen (2007), Cunningham (2008) e Déa e Duarte (2009) é esclarecido

melhor nos parágrafos seguintes, o que é e como ocorre a condição em questão, passo

fundamental para maiores esclarecimentos à população e para educadores estabelecerem as

necessidades de adaptações para um ensino com qualidade a essas pessoas, frente às

possíveis adequações que essa condição em particular pode exigir num processo

educacional.

De forma inicial, é sabido que o corpo humano é constituído por unidades

denominadas de células, cada uma destas contendo 23 pares de cromossomos, totalizando

46. Cada cromossomo contém os genes do ácido desoxirribonucleico - o DNA -, o qual

determina todas as características de uma pessoa. Durante o processo de fecundação e

formação de um indivíduo, tem-se como processo inicial a formação de uma nova célula

através da união de 23 cromossomos maternos com mais 23 cromossomos paternos.

Posteriormente, esta célula sofre múltiplas divisões, formando todos os tecidos e estruturas

corporais, assim como suas características.

Na Síndrome de Down, durante esse processo multiplicatório, ocorre uma falha

no número e distribuição dos cromossomos, afetando o desenvolvimento de algumas

estruturas do ser humano a ser formado. Essa falha pode acontecer de três maneiras

distintas: por Trissomia do 21 – na qual ocorre a presença de um cromossomo a mais no par

21 , sendo a causa de cerca de 95% das pessoas com Síndrome de Down -, por

Translocação – quando o cromossomo extra do par número 21 desloca-se para o par 14,

sendo a causa de cerca de 3% das pessoas com a Síndrome – e por Mosaico – quando

algumas células possuem o cromossomo extra e outras não, sendo a causa de apenas 2%

dos casos.

As causas pelas quais essa alteração cromossômica ocorre ainda não foram de

fato esclarecidas no âmbito científico. Alguns fatores são apontados como predisponentes

ao desenvolvimento da Síndrome, porém entre estes, apenas o fator da idade materna

recebeu um consenso entre os especialistas, sendo os outros ainda questionados. Dessa

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forma, considera-se que, em mulheres acima de 35 anos, quanto maior for sua idade maior

será a probabilidade de gerar uma criança com essa condição de deficiência.

A ocorrência dessa alteração genética culmina na apresentação de

características específicas para as pessoas por ela acometidas. No entanto, essas

particularidades são possíveis de aparecerem, mas não uma regra geral, uma vez que apesar

de algumas características serem mais presentes, há grande variação das demais entre as

pessoas com a Síndrome de Down.

Dentre as características apresentadas com maior frequência estão a boca

pequena e com lábios finos, a língua protusa, o palato em ogiva, o nariz mais alargado e

plano com vias nasais mais estreitas, mãos e pés largos com dedos curtos e grossos, cabeça

pequena com sua parte posterior e rosto achatados, cabelos esparsos e finos, fissuras

palpebrais obliquas - olhos com leve inclinação para cima -, olhos com pregas epicânticas -

dobras de pele alocadas no canto interno dos olhos -, orelhas pequenas e com baixa

implantação, baixa estatura e sobrepeso. São ainda possíveis de acometimento alterações

ortopédicas como hipermobilidade articular e coxofemoral e hipotonia muscular;

dificuldades na visão com maior propensão ao desenvolvimento de miopia, estrabismo,

astigmatismo e catarata; maior probabilidade na ocorrência de dificuldades na audição,

doenças cardíacas, problemas no sistema respiratório e gastrointestinais; possíveis

alterações no sistema nervoso central, como epilepsia e mal de Alzheimer; atraso no

desenvolvimento físico e intelectual; dificuldades de equilíbrio, de percepção, e de

manutenção da atenção devido à menor capacidade em reter informações na memória de

curto prazo; dificuldades de linguagem, de comunicação, de habilidades motoras e de

diferenciação da percepção de diferentes sensações - táteis, auditivas, visuais, por exemplo

-; além de possíveis comportamentos agressivos (WINNICK, 2004; GORGATTI; COSTA,

2005; DÉA; DUARTE, 2009).

Dentre as características citadas, o funcionamento intelectual abaixo da média

padrão recebe maior atenção por influenciar diretamente o desenvolvimento cognitivo e a

realização das atividades da vida social, como autocuidado, interação social e desempenho

educacional.

Como visto, as pessoas com Síndrome de Down podem apresentar uma

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heterogeneidade de características e, assim como qualquer pessoa, pode ter maior

dificuldade em uma determinada ação, porém desenvolver outras de forma admirável, além

da influência de uma dimensão sobre as outras que pode facilitar ou não seu

desenvolvimento. A diversidade é intrínseca ao ser humano, e o conhecimento a respeito

das questões e possíveis características referentes a uma Síndrome devem ter a finalidade

de auxiliar no desenvolvimento dessa pessoa, e não de agrupá-las em classes hierarquizadas

– como com a atuação dos testes de inteligência.

Com novas compreensões a respeito da pessoa com deficiência a partir da

década de 60, as questões sociais e culturais também passaram a ser consideradas como

influenciadoras no desenvolvimento das diferentes potencialidades da pessoa com

Síndrome de Down.

No momento atual, segundo afirmações de Leite, Rodrigues e Araújo (2013), o

não investimento, e até mesmo a não crença, nas potencialidades de desenvolvimento de

uma pessoa com deficiência intelectual, tornam-se inaceitáveis.

Vivencia-se, portanto, uma transposição do equivocado modelo de

enquadramento dos alunos às avaliações quantitativas para as possibilidades da pessoa e

formas de adequar qualitativamente o sistema de ensino aprendizagem para todos.

5.2 Pincel n°2 - inclusão educacional das pessoas com Síndrome de Down

O trabalho com todas as diferentes dimensões as quais compõe um ser humano

tem espaço educacional garantido legalmente, conforme definido pela Lei de Diretrizes e

Bases de 1996 (BRASIL, 1996). Contudo, a escola, durante maior parte da sua história e

ainda em muitos momentos atuais, prioriza o desenvolvimento das habilidades intelectuais

em detrimento das outras dimensões.

Sabendo que as principais características da pessoa que possui a Síndrome de

Down são o atraso e a dificuldade no desenvolvimento intelectual, já se antecipa uma

compreensão de serem muitas as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que possuem essa

condição em frequentarem o ambiente educacional.

Contextualizando o dilema, em período anterior à Idade Média, não há

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literatura nem conhecimento aprofundado a respeito das pessoas com deficiência

intelectual. Posteriormente, começaram a surgir os primeiros relatos de compreensão da

sociedade a respeito das pessoas com essa condição serem também seres humanos e não

objetos, como considerado até o momento anterior. Com isso, de acordo com Pessoti

(1984), no século XVII, na Bélgica, surgiu a primeira instituição destinada ao recebimento

das pessoas com deficiência intelectual, garantindo sua sobrevivência neste primeiro

momento.

Iniciou-se, consecutivamente, um processo de institucionalização, com a

criação de instituições que recebiam as pessoas com deficiência que eram abandonas ou

necessitavam de cuidados especiais. Destaca-se que, entre os séculos XVII e XVIII, esse

processo manteve-se em duas vertentes, na qual as pessoas com deficiência oriundas de alta

classe social recebiam atendimento médico especializado na busca pela cura, e as pessoas

pertencentes às mais baixas classes da sociedade eram apenas afastadas da comunidade em

uma segregação por meio de orfanatos, manicômios e prisões (SILVA; SEABRA JUNIOR;

ARAÚJO, 2008).

Com a influência de ideias liberais e o tímido, porém já inicial, questionamento

das teses do Determinismo, entre os séculos XVIII e XIX, principiaram-se as raízes para o

desenvolvimento de um processo educacional para essas pessoas já num ideal precursor da

possibilidade de educabilidade dessas pessoas. Uma primeira prática educacional aconteceu

em, aproximadamente, 1800. Contrariando a até então conceituação da determinação

genética da incapacidade educacional da pessoa com deficiência intelectual fundamentado

no Determinismo, o médico Jean Marc Itard propôs uma experiência de ensino educacional

baseada em aspectos da neurofisiologia a Victor, um menino selvagem considerado

ineducável do ponto de vista intelectual por ter vivido até o momento isolado em uma selva

de Aveyron, conforme ilustração na Figura 25.28

Itard desenvolveu, por conseguinte, o

início de um método educacional especial destinado às pessoas com alguma deficiência

intelectual. Posteriormente, o também médico francês Edouard Seguin, estudou e

desenvolveu mais profundamente o primeiro método de ensino desenvolvido pelo seu

28

A tela de Karel Appel retrata um menino selvagem, ilustrando a temática do parágrafo anterior referente ao

menino Victor de Aveyron.

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111

antecessor com a utilização de materiais didáticos, músicas, cores e atividades

complementares para auxiliar a criança no seu aprendizado. Num terceiro momento, Maria

Montessori, médica e educadora, enfatizou os aspectos pedagógicos ao incorporar ao

sistema de ensino das pessoas com deficiência intelectual o conceito de “autoeducação”, no

qual muitos materiais eram empregados como meio de auxílio ao processo educacional,

como blocos e materiais coloridos, recorte, encaixes e letras em relevo (MATOS, 2003).

Figura 25 – Karel Appel. Menino Selvagem. 1954.

Fonte: www.stedelijkmuseumschiedam.nl

Com influência educacional e científica do exterior, surgiram no Brasil os

primeiros trabalhos educacionais destinados especificamente à educação das pessoas com

essa condição de deficiência. Em 1874, deu-se início a um atendimento desenvolvido junto

ao Hospital Juliano Moreira, em Salvador, na Bahia; e em 1887, foi inaugurada a Escola

México, no Rio de Janeiro (JANNUZZI,1992).

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O desenvolvimento científico relacionado ao tema, a partir do século XX,

iniciou seu caminhar no país. Em 1900, uma primeira monografia intitulada de “Tratamento

dos Idiotas” foi apresentada por José Carlos Eira no IV Congresso de Medicina e Cirurgia,

no Rio de Janeiro. Em 1913, o livro “Tratamento e Educação das Crianças Anormais de

Inteligência” foi publicado por Basílio de Guimarães. Já em 1963 ocorreu no Rio de Janeiro

o primeiro Congresso Nacional sobre Deficiência Mental e, em 1966, fundou-se a

Associação Brasileira de Deficiência Mental (ABDM), a qual deu início às publicações da

Revista Brasileira de Deficiência Mental (LEITE; RODRIGUES; ARAÚJO, 2013).

Nos aspectos educacionais, a prática da educação especial ocorreu por meio da

criação de instituições especializadas e de classes especiais dentro das escolas regulares,

conforme revelado no capítulo referente à escolarização das pessoas com deficiência. Sem

dispor de relevante atenção política, organizações foram estruturadas propondo um

atendimento baseado em conceitos médicos e, apenas posteriormente, pedagógicos e

psicológicos baseados na difusão das concepções do humanismo, o qual exaltava a

valorização de todos os seres humanos. Dessa forma, foram instituídas, nos anos

posteriores a 1900, a Sociedade Pestalozzi - fundada por Helena Antipoff, destinada

especificamente ao ensino de pessoas com deficiência intelectual – e as Apaes –

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais -, as quais, dentre outras instituições que

foram surgindo, desenvolvem até os dias de hoje atendimento de qualidade para as pessoas

com essa condição, até então desprovidos pelo governo (DIEHL, 2006).

Esse iniciar da educação da pessoa com deficiência intelectual no Brasil em

instituições e classes especiais estruturou-se baseada em duas vertentes, segundo Jannuzzi

(2006). De início uma vertente médico-pedagógica empregou como profissionais para

atuação na área os médicos e os pedagogos especializados fundamentados no higienismo, o

qual buscava identificação e controle de patologias que causassem e propagassem

deficiências, as quais eram entendidas como um entrave para o progresso do país.

Secundariamente, a vertente psicopedagógica, baseada em mensurações e quantificações da

inteligência, atuou na identificação e alocação de pessoas com deficiência intelectual em

ambientes educacionais separados objetivando alta produtividade acadêmica.

O caminhar consecutivo para o acesso às escolas comuns e ao sistema de ensino

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113

inclusivo ocorreu concomitantemente com as outras deficiências, conforme elucidado em

capítulos anteriores, seguindo o caminhar sequencial da normalização, integração e por fim,

inclusão. Contudo, nota-se extrema lentidão para o acesso das pessoas com essa deficiência

ao sistema educacional.

Ainda são constantes relatos de escolas que contrariam a lei recusando a

matricula de alunos com essa condição de deficiência, ou quando os recebem, os mantém

apenas fisicamente nas suas estruturas, sem proporcionar o ensino de qualidade previsto

legalmente.

Essa recusa pode ser compreendida como falta de conhecimento e preparo para

desenvolver um trabalho com pessoas com deficiência intelectual, contudo não pode ser

justificada por esses fatores. Os conhecimentos estão à disposição, cabendo às escolas e

seus profissionais buscarem-nos e não esperarem para se atualizarem apenas quando for

imposta uma obrigação governamental.

Deve haver uma consciência, por parte de todos os profissionais envolvidos no

cenário educacional de que a educação é um direito de todos, e cabe a cada atuante desta

área se adaptar, se atualizar e se preparar para proporcionar a todos um ensino de qualidade.

As dificuldades entre os alunos são variáveis, exigindo do profissional um constante estudo

e busca pelo conhecimento a respeito das diferenças encontradas e de como superar as

dificuldades e alcançar o desenvolvimento das potencialidades de cada um.

5.3 Pincel 3 - aluno com Síndrome de Down na educação física escolar

A aula de educação física escolar deve proporcionar conhecimento a respeito

dos diversos conteúdos da cultura corporal, estimulando o desenvolvimento do aluno em

todas as suas dimensões, considerando além dos componentes biológicos, outros como os

relacionados ao ambiente, afetivo e psicossocial.

O aluno com Síndrome de Down deve alcançar esses objetivos juntamente com

os demais alunos. Para isso, a compreensão das diversas características que a pessoa com

essa condição pode apresentar tem indispensável relevância para que o professor, após

conhecimento das possíveis consequências das interações dessas características específicas

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114

da condição com a prática de uma atividade física, possa adaptar as atividades e

proporcionar um ensino com qualidade.

Ressalta-se, mais uma vez, que essas particularidades apresentadas nos

capítulos anteriores são acometimentos possíveis, não sendo obrigatoriamente todas

apresentadas pela pessoa que possui a Síndrome em questão. Porém, o professor deve estar

preparado e atento às possíveis características que seus alunos possam apresentar para

adequar as atividades de uma forma que não os prejudique e, ao mesmo tempo, proporcione

a vivência do conhecimento ao qual tem direito. Afinal algumas peculiaridades são visíveis,

já ressaltadas em antigas pinturas como mostrado na Figura 2629

, enquanto outras passam

despercebidas num primeiro momento, como alterações cardíacas.

Figura 26 - Jan Joest of Kalkar. Adoração do Menino Jesus. 1515.

Fonte: medicineisart.blogspot.com.br

29

Na pintura de Jan J. Kalkar, o menino ao fundo, observador do menino Jesus, é retratado com as

características faciais de uma pessoa com Síndrome de Down, ilustrando as peculiaridades ditas como visíveis

dessa condição de deficiência.

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115

De forma geral, o desenvolvimento psicomotor do aluno com Síndrome de

Down segue as mesmas fases de desenvolvimento de qualquer criança, porém com uma

velocidade mais lenta e necessidade de maior auxílio em relação à compreensão dos

movimentos motores a serem realizados.

Dentre as crianças que possuem a Síndrome, não há homogeneidade de

características nem de ritmo de evolução no desenvolvimento psicomotor, cada criança

possui suas próprias peculiaridades. No entanto, algumas possíveis especificidades exigem

maior atenção durante uma aula de educação física e devem ser desvendadas.

Inicialmente, uma característica a ser considerada é o fato da possibilidade das

pessoas com essa condição apresentarem hipermobilidade, ou seja, maior flexibilidade

articular, podendo estar associada à instabilidade atlantoaxial e/ou coxofemoral. Isso exige

dos professores cuidados especiais com alongamentos excessivos e com atividades que

causem grande impacto ligamentar, especificamente na articulação da coluna cervical,

como ocorrem nas cambalhotas e cabeceios de bola, uma vez que essa característica

hipermóvel pode facilitar a ocorrência de uma lesão articular e também da própria coluna

cervical (LEITE; RODRIGUES; ARAÚJO, 2013). Nesses casos, exercícios de

fortalecimento da musculatura ao redor das articulações podem beneficiar o aluno

auxiliando a estabilização das mesmas e diminuindo a propensão a lesões.

Já em relação à hipotonia muscular, Winnick (2004) destaca que o professor

deve estar atento às possíveis dificuldades de locomoção, de realização das diferentes

habilidades motoras, de coordenação corporal e equilíbrio, exigindo maior atenção e

instrução. Ademais, atenção excedente deve ser destinada à possível presença de alterações

cardíacas, evitando atividades com grande esforço cardiorrespiratório e monitorando

constantemente as atividades aeróbias.

O mesmo autor enfatiza ainda que, durante o processo de ensino aprendizado,

alguns fatores podem influenciar incisivamente como os problemas de visão e audição, as

dificuldades de reutilização das informações previamente aprendidas, de percepção e de

manutenção da atenção e concentração. Com isso, um ensino concreto baseado na

demonstração das atividades com claras e simples instruções verbais torna-se necessário. O

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116

ensino por etapas, sem a exigência da aplicação de muitas habilidades concomitantemente

também é favorável a essa condição, além da utilização de recursos como a exploração de

diferentes tons de voz pelo professor, de materiais coloridos e variados sons, o que o

auxiliam a reter a sua atenção.

Considerando que todos os alunos possuem suas especificidades, dificuldades e

facilidades em distintas atividades, com o aluno com Síndrome de Down não é diferente,

exigindo uma atuação competente e criativa por parte do professor.

A educação física dispende de papel relevante por ser a área que mais

possibilita o desenvolvimento psicomotor através da vivência de diversos movimentos.

Gorla e Araújo (2007) corroboram com essa ideia afirmando que a educação física pode

auxiliar o desenvolvimento da coordenação motora, das capacidades físicas e habilidades

motoras, e até mesmo da alfabetização, o que se reflete na realização das atividades de vida

diária, na socialização, no processo educacional e em toda a qualidade de vida desse

segmento populacional.

Além das questões com ênfase motora, o aluno com Síndrome de Down pode

apresentar ainda dificuldades na fala e na comunicação com os demais. Essas

características, associadas à hipotonia muscular a qual diminui a intensidade das expressões

faciais e emocionais, exigem constante atenção do professor para identificar se a atividade

está sendo adequada e também prazerosa ao aluno. Quanto a essa questão, o estímulo

proporcionado pelo professor para que o aluno com a Síndrome se comunique e utilize

diversas formas de expressão com os demais da turma, pode facilitar o desenvolvimento da

comunicação e socialização deste (GORGATTI; COSTA, 2005).

Considerando enfaticamente as dimensões psicossociais nesse momento, as

pessoas com essa deficiência estão envoltas em sentimentos conflitantes, desde dentro de

sua própria casa – quando seus pais tentam aprender sobre e como lidar com a presença de

uma deficiência – até nos diferentes ambientes sociais no quais se inserem, estando imersos

em atitudes desde a superproteção até a recusa e afastamento pelo desconhecimento da

condição. Dentro da escola, esses conflitos também estão presentes e o desenvolvimento

não apenas físico, mas também psicossocial da criança sofre a influência desses

sentimentos e atitudes comportamentais que ocorrem na família e na sociedade. Por

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conseguinte, tarefas que facilitem o êxito e evitem o fracasso são importantes para que o

aluno estabeleça uma conexão entre a dedicação em realizar uma tarefa e o consequente

êxito, estimulando sentimentos de bem estar que proporcionam maior motivação para a

continuação na prática e se refletem na vida de forma geral.

Nessa dimensão referente à socialização, as pessoas com Síndrome de Down

possuem menor demonstração de suas emoções devido à hipotonia dos músculos e maiores

barreiras quanto à comunicação, conforme mencionado, o que poderia influenciar

dificultosamente suas relações sociais. Porém, de acordo com Cunningham (2008), essas

pessoas são bastante sociáveis e o professor também tem papel relevante nesse cenário,

estimulando sua compreensão a respeito tanto das atividades quanto da organização social e

do ambiente, contornando possíveis comportamentos agressivos e de fuga e estimulando

seu jeito amigável e carinhoso já exaltado.

O contexto histórico e cultural também deve ser resgatado e considerado pelo

professor para que compreenda que os alunos com essa deficiência podem ter baixa

autoestima e até mesmo negação da própria condição devido a sua exclusão social que se

perpetuou por séculos e pela tendência ainda atual de negar e rejeitar as diferenças, numa

sociedade que visa à homogeneização de hábitos, comportamentos e perfis pessoais. Dessa

forma, o estímulo à conversa e ao desenvolvimento da conscientização das diferenças pode

contribuir com a aceitação da própria pessoa com deficiência e de toda a comunidade

escolar.

A escola tem forte caráter socializador, oportunizando ao aluno com Síndrome

de Down o estabelecimento de vínculos afetivos e a construção de laços de amizade e

companheirismo fora da proteção dos pais. Se estimulado o respeito e a compreensão da

inata diversidade humana, o caráter afetivo e social desses vínculos pode auxiliar no

desenvolvimento dos alunos, porém, se a escola for mais um ambiente de recusa e rejeição,

pode prejudicar e dificultar esse desenvolvimento. Nesse sentido, projetos escolares de

aceitação e valorização das diferenças são muito favoráveis ao desenvolvimento de todos

enquanto seres humanos melhores.

O professor, além de ser consciente dessa realidade para atuar de forma

adequada, também tem a possibilidade de auxiliar os próprios pais e demais funcionários e

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alunos da escola na forma mais correta de se relacionar com uma pessoa com deficiência, o

que pode parecer simples, porém ainda é uma dúvida frequente entre muitas pessoas. Para

isso, deve se relacionar com a criança com deficiência da forma o mais semelhante possível

da empregada com os demais alunos. As ajudas devem sim ser dadas, porém apenas quando

solicitado ou necessário, sem superproteger o aluno, pois isso poderia limitar e impedir que

ele explorasse seus próprios movimentos e desenvolvesse sua consciência corporal, além

de, desta forma, estar auxiliando-o no desenvolvimento de sua independência e autonomia,

que se refletirá no aumento do autoconceito e autoestima.

Ao praticar a inclusão, o professor estimula o inicio de um processo de

conscientização e maior conhecimento não apenas das deficiências, mas das

potencialidades e forma adequada de conviver com a diversidade.

Todas as dimensões devem ser abarcadas, consideradas e respeitadas num

processo de ensino aprendizagem, sendo esta a única forma de fazer da inclusão algo real e

benéfico para todos.

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6 O QUADRO DA REALIDADE - A PESQUISA

O tema referente à inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares

vem sendo amplamente discutido nos últimos anos. No meio acadêmico, nomenclaturas,

definições e determinações legais a esse respeito foram debatidos exaustivamente,

proporcionando importância inestimável ao esclarecer academicamente e implantar

conceitualmente o tema na sociedade.

No entanto, após essa primeira fase de pesquisas, a perpetuação de constantes

trabalhos limitados a esses mesmos dados, mesmo quando já definidos, difundiu uma

errônea ideia de que o tema está devidamente retratado.

Torna-se necessário destacar que, enquanto houver dificuldades no trabalho e

na implantação de um sistema educacional inclusivo, as pesquisas e trabalhos acadêmicos

são indispensáveis. Cabe neste momento, o desenvolvimento de pesquisas focalizando os

novos impasses originados referentes ao tema. Para isso, avaliações das diferentes

realidades, análises das dificuldades e facilidades e propostas de ações inovadoras são

pertinentes a essa distinta realidade vivenciada pela questão, fato este que estimulou a

abertura de livros, representado aqui pela tela de Juan Gris (Figura 27)30

, e a disposição

prática para elaborar este estudo.

30

A pintura de Juan Gris ilustra o discurso acima citado sobre a abertura de livros para a elaboração de um

estudo.

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120

Figura 27 - Juan Gris. O Livro Aberto. 1925.

Fonte: www.juangris.org

6.1 Metodologia

Esse estudo elegeu como temática central a inclusão do aluno com Síndrome de

Down nas aulas de educação física escolar, objetivando identificar e analisar como está

ocorrendo o processo de inclusão desses alunos nos diferentes conteúdos da área – Jogo,

Esporte, Ginástica, Luta e Dança -, fundamentando, em seguida, a elaboração de uma

proposta de trabalho escolar inclusivo e de possibilidades práticas com esses conteúdos, por

meio da Pedagogia de Freinet.

6.1.1 Tipo de estudo

A natureza desta pesquisa é qualitativa. Segundo Ludke e André (1986), nesta a

coleta dos dados ocorre de forma direta no seu ambiente natural por meio de um

pesquisador, sendo estes dados de natureza predominantemente descritiva. A organização

dos dados de forma quantitativa, por sua vez, também foi empregada com finalidade de

contribuição para o entendimento dos mesmos.

Esse trabalho foi composto por um estudo de caso. Este se refere a uma

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121

pesquisa na qual um grupo é delimitado dentro de um ambiente amplo para ter suas

características investigadas, visando uma compreensão acerca de dada realidade e sua

possível forma de ocorrência na sociedade. Por conseguinte, esse tipo de estudo permite a

descoberta de novos elementos, aspectos e respostas de determinado fenômeno, mostrando

as variadas dimensões presentes no problema ao retratá-los de forma mais completa e

profunda e buscando o alcance de diferentes pontos de vistas e diferentes fontes de

informação. Para isso, o estudo de caso é composto por três fases, sendo a primeira uma

fase exploratória com a formulação de uma questão e sua pesquisa na literatura, a segunda

uma fase de coleta dos dados e a terceira uma fase de análise e interpretação dos mesmos

(LUDKE; ANDRÉ, 1986).

Especificamente em relação aos dados, sua coleta ocorreu por observação direta

das aulas de educação física de uma turma que possui em seu grupo de alunos dois

integrantes com Síndrome de Down.

A análise foi realizada por categorização a qual, segundo Ludke e André

(1986), refere-se à organização dos dados em categorias ou temas de análise, buscando não

apenas uma descrição, mas possibilitando sua interpretação e a identificação de novos

questionamentos.

Dessa forma, a análise dos dados por categorização permitiu desmembrar os

diversos aspectos referentes à inclusão escolar e a identificação de novos questionamentos

quanto à forma como esta vem se desenvolvendo, servindo de base para a elaboração da

posterior proposta de intervenção, baseada na pedagogia desenvolvida por Célestin Freinet,

visando a atenuação dos entraves encontrados.

6.1.2 População

Compreendeu-se, nesse estudo, uma turma de uma escola particular do

município de Americana composta por 26 alunos do 2° ano do ensino fundamental I, cuja

faixa etária é compreendida entre 7 e 8 anos, sendo destes, dois alunos com Síndrome de

Down – um menino e uma menina - e seu respectivo professor de educação física, os quais

foram analisados por meio de observação direta. Cabe destacar que os alunos com

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Síndrome de Down anteriormente estudavam nessa escola com a turma da manhã, sendo

apenas esse ano no qual foram observados que foram transferidos para o período da tarde,

por necessidade dos pais. Sendo, portanto, possível observar o primeiro contato e as

aproximações entre os alunos.

6.1.3 Local do estudo

A escolha do local de estudo deve ser feito, de acordo com Ludke e André

(1986), segundo o tema de interesse e sua manifestação neste da forma mais completa, rica

e natural possível.

Dessa forma, foi selecionada para a pesquisa uma escola particular do

município de Americana, interior do estado de São Paulo, a qual atende o maternal, o

ensino infantil e o ensino fundamental I.

A escolha dessa instituição tornou-se propícia por já ser conhecida da

pesquisadora, devido à anterior realização de um estágio curricular obrigatório nesta. Com

isso, era sabido da existência de apoio da administração escolar no desenvolvimento de

pesquisas, garantindo a realização do estudo em sua completude com menores riscos de

impedimento da continuidade deste em momentos posteriores. Ademais, a existência de

dois alunos na mesma sala com a mesma condição exigida pela pesquisa também já era de

conhecimento, fato este que proporcionou um quadro de observação mais completo e

seguro.

Ludke e André (1986) ressaltam ainda que é preciso compreender o contexto no

qual as ações se manifestam para que seja permitido esclarecimento acerca de possíveis

influências do local estudado nos resultados obtidos.

Por conseguinte, vale discorrer que a escola pesquisada possui 10 anos de

criação, atendendo alunos oriundos da classe média da cidade de Americana, em São Paulo.

Está localizada perto da região central da cidade, em bairro que compreende outras

instituições educacionais.

O Colégio possui sua estrutura física composta por salas de ensino infantil,

playground, tanque de areia colorida, brinquedoteca, sala de recreação, berçário com

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123

fraldário, parque para o maternal com tanque de areia colorida, cozinha, refeitório, salas de

administração, coordenação e secretaria no andar térreo. Já no segundo andar há as salas do

ensino fundamental I com ar condicionado, quadra coberta, lanchonete, biblioteca e sala de

informática. Atualmente, está em andamento a construção de um prédio anexo visando o

atendimento do ensino fundamental II, referente ao ciclo do 6° ao 9° ano, nos próximos

anos.

Seu quadro de funcionários apresenta grande rotatividade por parte dos

professores, ocorrendo anualmente a troca de alguns educadores, o que não permite a

existência de uma equipe pedagógica fixa. Já administração conta com equipe permanente,

com coordenação presente e atuante desde as atividades burocráticas até a participação em

intervalos e atividades extras classes. Os recursos materiais disponíveis dentro da sala de

aula contam com equipamentos bem conservados. Por outro lado, os direcionados à

educação física encontram-se sem conservação, aparentando necessidade de trocas.

Em relação ao sistema de ensino, este é desenvolvimento por meio de apostilas

do FTD Sistemas de Ensino.

6.1.4 Procedimentos

Como primeira etapa do estudo foi desenvolvida revisão bibliográfica de caráter

exploratório, a qual, segundo Santos (2002), reúne materiais de diferentes fontes de

informação relacionados à temática - impressos e eletrônicos – permitindo não apenas uma

aproximação com o tema, mas também maior entendimento do contexto no qual o

problema está inserido. Por conseguinte, foram pesquisadas como palavras-chaves

“educação física escolar”, “adapted physical education”, “educação inclusiva”, “inclusion

school”, “conteúdos da educação física escolar”, “Síndrome de Down”, “Down Syndrome”

e “Célestin Freinet” na base de dados online e impressas da Faculdade de Educação Física

da Universidade Estadual de Campinas, e especificamente na base Scopus e Edubase.

Foram selecionados os materiais com conteúdos contribuintes segundo o objetivo da

construção dessa inicial revisão literária.

Após encaminhamento da pesquisa para o Comitê de Ética da Universidade

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124

Estadual de Campinas, a qual foi aprovada com número de parecer 166.688, foi contatada

uma escola que possui alunos com deficiência intelectual, especificamente com a Síndrome

de Down, através de contatos telefônicos e pessoal com a coordenadoria da escola. Nesta,

foi solicitado e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, alcançado a

permissão da escola para sua participação na pesquisa.

Como segunda etapa, os dados foram coletados por uma pesquisa de campo

composta por um estudo de caso, no qual foram observadas informações acerca de um

grupo delimitado de alunos na localidade onde acontecem os fenômenos, selecionando para

isso um ambiente que possibilitou reconhecer e analisar algo já delineado e construído na

literatura, conforme definição de Ludke e André (1986).

Dessa forma, foram acompanhadas aulas de educação física ao longo de 1 ano

letivo. O número de aulas de educação física totalizavam 70 aulas anuais das quais apenas

35 tratavam especificamente dos conteúdos da educação física, sendo as demais destinadas

à treinamento esportivo. Destas 35 aulas, 25 foram acompanhadas, correspondendo a uma

porcentagem de 71,4 %. O restante 28,6% de aulas não acompanhadas refere-se a

conteúdos substituídos por atividades escolares extra disciplinares nas quais não houve o

trabalho específico com os conteúdos da educação física – como estudos do meio,

atividades destinadas a datas comemorativas e cancelamento das aulas devido a

organização de outras atividades como reunião de pais – e a feriados.

Cada aula observada dessa turma foi analisada sob o prisma da inclusão por

meio do “Instrumento de avaliação da interação entre alunos com e sem deficiência na

educação física escolar”, de Salerno, Araújo e Silva (2009). Posteriormente, os dados

observados foram analisados por meio de categorização em temas específicos, como

acessibilidade, conteúdos trabalhados, atitudes dos alunos com deficiência, dos alunos sem

deficiência e do professor.

Na terceira e última etapa, após a identificação e análise das dificuldades

relacionadas à inclusão de alunos com deficiência, foi construída uma possibilidade de

superação dos entraves encontrados com a elaboração de uma proposta pedagógica

facilitadora da prática educacional inclusiva.

Nessa proposta, foi aproximado as propostas pedagógicas de Célestin Freinet à

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realidade da inclusão educacional, elaborando alternativas teóricas fundamentadas nas

técnicas desse educador objetivando facilitar a inclusão de alunos com Síndrome de Down

nas aulas de educação física escolar.

Em um trabalho organizado com os devidos encaixes, ressalta-se que a pesquisa

bibliográfica inicial permitiu contextualizar o tema e as questões envolvidas neste,

tornando-se alicerce fundamental para a elaboração da posterior pesquisa de campo, na qual

foi possível coletar os dados e analisar as questões referentes à inclusão dos alunos com

Síndrome de Down nos diferentes conteúdos da educação física escolar. Já o estudo dos

dados coletados da escola selecionada, por sua vez, serviu de base para a elaboração da

proposta de trabalho inclusiva baseado na Pedagogia de Freinet.

6.2 O instrumento de avaliação

A análise da inclusão dos alunos com Síndrome de Down nas aulas de educação

física da escola pesquisada deu-se por meio do “Instrumento de avaliação da interação entre

alunos com e sem deficiência na educação física escolar”, de Salerno, Araújo e Silva (2009)

– presente em sua íntegra no Anexo B, ao final deste trabalho.

O instrumento em questão foi elaborado com o objetivo de avaliar o processo

de inclusão no cenário escolar, possibilitando serem diagnosticadas as condições de

acessibilidade do prédio escolar, os aspectos relacionados aos profissionais atuantes no

ambiente e a interação entre os participantes da aula de educação física, além da

possibilidade de, por meio deste, politicas públicas serem produzidas ou conduzidas, bem

como reestruturação de prédios e capacitação de profissionais serem feitas (SALERNO,

2009).

Para isso, o instrumento foi elaborado em eixos temáticos compostos por itens,

os quais são observados quanto a sua ocorrência ou ausência:

Acessibilidade: referente à presença de estruturas físicas específicas da

escola como locais e equipamentos adaptados e presença de sinais

sonoros e visuais.

Conteúdos da educação física: englobando aspectos relacionados a qual

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conteúdo foi trabalhado, assim como a forma como este foi explorado

pelo professor (de forma competitiva ou cooperativa, como vivência ou

treinamento, em grupo ou individual, com necessidade de materiais

adaptados ou não, com o uso de textos e pesquisas na internet ou não).

Atitudes e estratégias do professor durante o tempo das aulas:

analisando se o professor elaborou as aulas de forma a permitir a

participação de todos, se incentivou ou auxiliou o aluno com deficiência

fisicamente, se estimulou a cooperação e o diálogo entre os alunos, se

ouviu a opinião de todos, se infantilizou, colocou como auxiliar ou em

atividade paralela o aluno com deficiência.

Atitude do aluno com deficiência: observando se o aluno com

deficiência participou das atividades e se essa participação ocorreu de

forma ativa ou passiva, se houve afastamento deste da atividade por

iniciativa própria ou por sugestão do professor e se houve aceitação do

aluno em permanecer nessa situação, se expos suas ideias, se interagiu

com os demais de forma positiva ou negativa, se respondeu às

iniciativas de interação dos colegas, se solicitou auxilio aos professores

ou colegas para a realização das atividades e se apresentou prontidão

para participar das aulas.

Atitude dos alunos sem deficiência: se iniciaram ou responderam às

interações iniciadas pelos alunos com deficiência de forma positiva ou

negativa, se infantilizaram, auxiliaram ou fizeram a atividade no lugar

do aluno com deficiência.

Por fim, vale ressaltar que este instrumento passou por validação de face e

semântica, processo destinado a sua verificação quanto ao alcance das finalidades às quais

se propôs. Findo esse processo, foi publicado (SALERNO, 2009), possibilitando sua

disponibilização para uso. Destaca-se que a fase de validação estatística, destinada à

verificação quanto à clareza do instrumento não foi desenvolvida. Contudo, compreende-se

que as fases anteriores de validação foram esclarecedoras o suficiente para que este

instrumento seja aplicado com segurança e de forma contribuinte à pesquisa. Ademais, esse

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instrumento traz, de forma inédita, uma reunião de dados e forma de análise englobando

diferentes dimensões relacionadas ao processo de inclusão, o que até o momento era

inexistente na literatura da área.

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7 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÕES

A relação entre teoria e prática pode se perder e esvaziar-se caso não houver

uma reflexão crítica acerca da prática (FREIRE, P., 1996). Por conseguinte, com dados

coletados e observações reunidas, pode-se dar início às discussões a respeito dos mesmos.

A turma de alunos foi acompanhada durante 1 ano letivo. A sala observada

possui dois alunos com Síndrome de Down, sendo um menino (Aluno 1) e uma menina

(Aluno 2). Vale ressaltar que a análise foi desenvolvida sobre toda a turma e suas interações

e ocorrências, e não centrada apenas nos dois alunos com a condição de deficiência, uma

vez que se entende que a inclusão, sobretudo no ambiente escolar, envolve eventos e

atividades em grupo, e não restritos a esses alunos.

A análise dos dados a seguir, dar-se-á de forma qualitativa por categorização -

com descrições e interpretações referentes aos temas de acessibilidade, conteúdos

trabalhados e atitudes do professor, dos alunos com deficiência e dos alunos sem

deficiência – e quantitativa – agrupando e transformando em expressões numéricas alguns

dos dados coletados visando melhor compreensão dos mesmos. Complementarmente,

relatos descrevendo ocorrências verificadas durante o ano letivo tornam-se pertinentes de

forma a retratar com maior abrangência a realidade encontrada. Afinal, segundo Ludke e

André (1986), em uma pesquisa fundamentada na observação, diferentes formas de

exposição das informações coletadas devem ser exploradas de forma a proporcionar maior

elucidação em sua interpretação.

Inicialmente, uma análise quanto à acessibilidade da estrutura escolar torna-se

pertinente. A instituição em questão possui os itens de acessibilidade mais comumente

encontrados nos variados ambientes, como corrimão nas escadas e banheiros adaptados.

Contudo, alguns itens atuantes como possíveis barreiras permanecem, como a constante

presença de escadas pelo ambiente, sem a existência de outra possibilidade de acesso. Em

relação às pessoas com Síndrome de Down, esses elementos não as prejudicam, porém se o

aluno possuísse outra condição de deficiência, como a física ou motora, sua movimentação

pelo espaço escolar seria comprometida pelos obstáculos, uma vez que o próprio local

destinado à educação física encontra-se no segundo andar, no qual o acesso se dá apenas

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por meio de escadas. Sinais visuais e sonoros são ausentes, os quais também seriam

imprescindíveis caso o aluno possuísse uma deficiência auditiva ou visual. Observa-se que,

excetuando-se as adaptações de acessibilidade mais comumente realizadas, não são

contempladas todas as necessidades relacionadas às diversas deficiências que podem

apresentar-se em futuros alunos.

Tal observação está em consonância com ocorrências verificadas em algumas

instituições, não apenas escolares, mas em outros âmbitos sociais: a adaptação de locais e

equipamentos apenas a partir do momento no qual uma pessoa com deficiências inicia a

utilização destes, ao invés de prepará-los para estarem disponíveis a todos antes mesmo da

presença de alguma situação específica.

Na próxima temática observada, é desenvolvida uma análise da inclusão dos

dois alunos com Síndrome de Down em relação aos conteúdos ministrados. Dessa forma,

projeta-se, por conseguinte, o seguinte gráfico, para maior conhecimento dos conteúdos:

Gráfico 1 – Número de aulas destinadas a cada conteúdo da educação física

Analisando o gráfico torna-se notória a presença exacerbada dos conteúdos de

Jogo (12 aulas) e Esporte (11 aulas), em detrimento dos demais. Enquanto Dança foi de

menor contemplação durante o período letivo (2 aulas apenas), a Ginástica e a Luta não

2

11

0

12

0 0123456789

10111213141516171819202122232425

Dança Esporte Ginástica Jogo Luta

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s

Conteúdos

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130

apareceram durante as aulas observadas.

Vale destacar que as duas aulas de Dança ocorreram apenas próximas à

finalização dos semestres por meio de aulas não diretivas, aquelas em que o aluno possui

liberdade para vivenciar uma atividade, por determinado período de tempo, da forma como

preferir, sem o aprofundamento e vivência do tema como um conteúdo próprio a ser

ensinado ou transmitido.

Apesar das várias propostas elaboradas para a educação física, como a Teoria

Crítico Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992) e a dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (BRASIL, 1998, 2000), observou-se relevante dificuldade, por parte do

professor, em trabalhar as diferentes temáticas com equidade de consideração.

Vários fatores podem ser elencados como precursores desse tipo de ação, como

a construção de uma educação física com ênfase na esportivização da área, a falta de

segurança dos próprios professores em abordarem os diferentes conteúdos numa formação

acadêmica nem sempre com qualidade para uma atuação adequada com estes, conforme

pontua Tojal (1994), além de uma questão sociocultural na qual muitas vezes os próprios

alunos rejeitam os novos conteúdos com os quais não estão habituados por receio do novo,

ou pela própria escola que, em muitos casos, repreende práticas corporais diversificadas

exigindo trabalhos que possam ser exibidos quantitativamente aos pais, como pontuações e

medalhas em participações de campeonatos esportivos.

Como falar em inclusão nos diferentes conteúdos da educação física, se parte

destes temas ainda é negado aos alunos? Nesse aspecto a inclusão esbarra na própria

estrutura da aula, a qual não comtempla em sua composição a diversidade de possibilidades

práticas. Com isso, nega-se também ao aluno o direito de vivência e conhecimento dos

diversos elementos da cultura corporal, abarcados por essa disciplina, dificultando o

processo inclusivo. A hegemonia de alguns conteúdos, bem como a hierarquização dos

mesmos, fere a individualidade e restringe a possibilidade de cada aluno se aproximar do

tema com o qual se identifique mais, tanto em requisitos de habilidades motoras quanto em

preferências pessoais, induzindo à errônea ideia, por parte dos alunos, de que não possuem

habilidades e competências suficientes para participar qualitativamente de determinadas

aulas de educação física.

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Ademais, as dificuldades podem ser relacionadas também à própria organização

da escola. Para que a inclusão ocorra com a exploração de todos os conteúdos abarcados

pela educação física, é necessária, além de uma transformação da atuação do professor de

educação física, o apoio e reconstrução de toda a estrutura escolar, afinal, conforme Silva,

Seabra Júnior e Araújo (2008), em muitos momentos a própria estruturação e

funcionamento das escolas restringem e delimitam o trabalho do professor, como por

exemplo, ao exigir quantidade excessiva de tempo para a organização de eventos esportivos

e, até mesmo, competições.

Somando-se a discrepância no tratamento dado aos conteúdos, também foi

notada a ausência de práticas de atividades físicas alternativas (como atividades indígenas,

circenses, anti-ginástica e princípios da yoga). Esses são conhecimentos pertinentes de

serem aproximados da realidade dos educandos uma vez que enriquecem a cultura corporal

dos mesmos. Conforme enfatizado por Betti e Zuliani (2002), durante uma aula de

educação física escolar torna-se indispensável que o professor siga alguns princípios, dentre

os quais, somado à inclusão de todos na sua aula e diferentes estratégias de ensino,

encontra-se a própria diversidade de conteúdos.

Em sequência, foi organizado o tipo de participação, ativa ou passiva, exercida

pelos dois alunos com deficiência em cada um dos conteúdos trabalhados, na Tabela 1.

Entende-se por participação ativa aquela na qual o aluno vivencia e interage

qualitativamente com o conhecimento trabalhado em aula, e como participação passiva

aquela na qual o aluno é mero espectador da aula, mesmo dentro da atividade, porém não

atuando efetivamente na realização da mesma.

Tabela 1 - Número de aulas dos conteúdos de educação física nas quais os alunos com

Síndrome de Down tiveram Participação Ativa ou Participação Passiva

CONTEÚDOS PARTICIPAÇÃO ATIVA PARTICIPAÇÃO PASSIVA

Dança 2 aulas 0 aulas

Esporte 8 aulas 3 aulas

Jogo 10 aulas 2 aulas

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Vale ressaltar que, permanecendo juntos todo o tempo, um aluno com

deficiência seguia o comportamento do outro. Nesse caso, quando um dos alunos fosse

direcionado a uma atuação passiva, o outro também se deslocava para tal tarefa por

iniciativa própria, assim como em participações ativas, um estimulava e auxiliava a

compreensão do outro acerca da atividade vivenciada.

Pode ser observada uma totalidade de participação ativa dos alunos com

deficiência durante as aulas de Dança. Neste conteúdo, foi permitida pelo professor a

vivência de diferentes ritmos musicais sem a imposição de coreografias ou gestos

padronizados, o que mostrou ser uma oportunidade de inclusão, cada qual vivenciando o

conteúdo segundo suas potencialidades.

Já sobre o conteúdo Esporte, em 37,5% das aulas, houve uma participação

passiva dos Alunos 1 e 2. Apesar de ser observado um esforço por parte desses alunos em

realizar as atividades dentro das regras e definições estipuladas pelo professor em 8 aulas,

nas outras 3 aulas, os alunos com deficiência foram destinados à posição de auxiliar (Aluno

1), ou foram deixados permanecer num canto da quadra quando estes se afastavam e

desenvolviam a atividade de seu próprio modo, sem compreensão ampla acerca da mesma,

com o professor não ensinando nem exigindo que eles fizessem as atividades junto com os

demais (Aluno 2). Essa participação ocorreu em aulas nas quais se enfatizava as técnicas e

táticas específicas do esporte.

Observa-se, portanto que, o conteúdo Esporte trabalhado com caráter de

treinamento afastou os alunos com deficiência das aulas, tanto por vontade própria, por não

conseguirem desempenhar as exigências dos gestos técnicos específicos, quanto pelos

demais alunos que, ao visarem vantagem sobre o time adversário, viam esses alunos como

um empecilho, uma desvantagem para o seu time – como visualizado em momentos

competitivos nos quais os alunos não passavam a bola para o Aluno 1 pré-concebendo que

este não iria conseguir ter a atuação necessária para o alcance do objetivo da vitória.31

31

As aulas de educação física para alunos do 2° ano de ensino fundamental devem ser baseadas na vivência e

descoberta de conhecimentos a respeito dos diferentes conteúdos da cultura corporal, não se restringindo nem

se fundamentando apenas no ensino das regras e conceitos técnico-táticos de qualquer que seja o conteúdo

(BRASIL, 2000). Dessa forma, ressalta-se a equivocada forma de trabalho desenvolvido pelo professor nas

aulas observadas com o conteúdo esporte perante o trabalho pedagógico do esporte adequado a ser

desenvolvido no cenário escolar.

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133

Já no conteúdo Jogo, em um total de 10 aulas, em apenas 2 a participação

tornou-se passiva. Nestas, apesar de estarem presentes fisicamente na quadra, os Alunos 1 e

2 não compreenderam as regras das atividades e apenas caminharam pela quadra, sem

participarem ativamente da mesma, não havendo intervenção do professor. Contudo, nas

demais aulas, os alunos participaram de um mesmo objetivo em quadra, visivelmente

empolgados com o caráter lúdico da atividade, com momentos de dispersão, porém com

rápido retorno para a aula.

Pode-se concluir, por fim, que a forma de trabalho com cada conteúdo pode

permitir uma participação ativa ou encaminhar um aluno com Síndrome de Down a uma

atuação de espectador, uma vez que a ênfase na vivência e ludicidade ampliou as

possibilidades de participação ativa enquanto o caráter de treinamento ocasionou

dificuldades inclusivas.

Com dados nos quais o conteúdo Esporte se sobressaiu sobre os demais, torna-

se relevante retomar a elucidação a respeito da diferenciação entre o esporte da escola – o

qual deve ser desenvolvido com adaptação de regras e técnicas com finalidade educacional

e formação humana – da presença do esporte de alto rendimento na escola, conforme

exposto por Bracht (1992). Não pode ser concluído que o esporte é um conteúdo

estimulador da exclusão, mas sim que a forma de trabalhar mecanicamente e

competitivamente um conteúdo, qualquer que seja ele, propicia a rejeição das diferenças e a

dificuldade de oportunidade de participação de todos, principalmente com alunos do ensino

fundamental I.

Para a implantação da inclusão, outro fator a ser considerado é o tipo de

interação entre os alunos com e sem deficiência, as quais podem ser positivas – quando há

aproximação com respeito – ou negativa – quando há alguma atitude de desrespeito ou

rejeição.

Especificamente sobre as atitudes apresentadas pelos alunos sem deficiência em

direção aos alunos com Síndrome de Down, as interações negativas ocorridas em cada

conteúdo trabalhado podem ser visualizadas no Gráfico 2.

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Gráfico 2 - Percentual das aulas de cada conteúdo lecionado nas quais houve

interações negativas dos alunos da turma para com os alunos com Síndrome de

Down

Com diferença discrepante, mais uma vez, o conteúdo Esporte exalta-se

negativamente em relação à inclusão devido à forma como é trabalhado. Se nas aulas de

Dança, as quais foram desenvolvidas sob o caráter de vivência, foi facilitada a interação,

sem a ocorrência de atitudes desrespeitosas, no conteúdo Esporte em aproximadamente

45% das aulas houve uma interação negativa dos alunos direcionada aos alunos com

deficiência. Nestas pode ser observado um estímulo do professor para que os times se

esforçassem para vencer a competição, enfatizando o resultado final de vitória. Com isso,

desenvolveu-se uma atitude de rejeição dos demais alunos em aceitarem tanto o Aluno 1

quanto o Aluno 2 em seus times, ocorrendo violência velada como ao deixá-los por último

durante a realização do antigo e inadequado método de “tirar time”, e evitando fazer

atividades com esses alunos quando estas se desenvolviam em duplas. Além disso, nos

aproximados 15% de interações negativas dos alunos sem deficiência em direção aos

Alunos 1 e 2 durante o conteúdo Jogo, constantes frases surgiram como “ele é ruim” e “ele

não sabe fazer”. Essas ocorrências foram presenciadas em atividades nas quais o caráter

competitivo e a busca pela vitória foram exacerbados.

Em todas as aulas nas quais advieram as interações negativas, as atividades

0%

45%

16%

0%

10%

20%

30%

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tiveram finalidade competitiva ou de treinamento, o que não ocorreu nas aulas cooperativas

ou com caráter de vivência. Essas atitudes mostraram-se diretamente ligadas ao fato de que,

subestimando ou associando os alunos com Síndrome de Down à falta de capacidade e à

baixa perspectiva de êxito, os demais alunos viam nos Alunos 1 e 2 uma desvantagem em

mantê-los em sua equipe. Exaltando os valores competitivos ao invés da formação humana,

o professor acabou por induzir a expansão desses errôneos preconceitos e dificultou a

interação positiva e inclusão de todos nas atividades.

Vale ressaltar que essa concepção de desempenho inferior não se confirmou

durante as atividades. Apesar do desenvolvimento motor e intelectual mais lento e da

dificuldade em compreender a organização grupal em prol do alcance de um objetivo

coletivo, os alunos com Síndrome de Down demonstraram participação com qualidade nas

aulas fundamentadas em tarefas individuais. Dessa forma, possibilita-se uma reflexão sobre

as origens do pré-conceito presente nos alunos sem deficiência sobre uma possível

capacidade inferior dos alunos com Síndrome de Down. Pode-se sugerir que tal ideia tenha

suas bases em um conjunto de fatores como a observação dos alunos da sala sobre as

dificuldades que os alunos com tal Síndrome apresentam em certas atividades, associando

tal dificuldade a todas as demais ocasiões; o reflexo das próprias atitudes do professor que,

em alguns momentos, consente com a ausência desses alunos durante o desenvolvimento

das atividades de aula por não acreditar na sua capacidade de desempenhar a tarefa

conjuntamente com os demais; e até mesmo a ideias pré-concebidas na família e

comunidade.

Relato de Caso: Numa atividade técnica na qual os alunos deveriam arremessar

a bola na cesta de basquetebol, enfileirados um a um, numa competição entre o time dos

meninos e o time das meninas, os meninos a princípio ficaram receosos quando o Aluno

1arremessava demonstrando claramente falta de crença na sua potencialidade,

exemplificando a acima citada subestimação da turma em relação à capacidade deste.

Contudo, esse aluno não apenas acertou, como foi o maior pontuador entre todos os

meninos, sendo posteriormente glorificado pelos demais. Dessa forma, atividades que

ressaltem a competência desses alunos podem tornar-se possibilidades inclusivas ao exaltar

a capacidade das pessoas com deficiência e superar os estigmas quanto a sua fragilidade e

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136

incapacidade.

Apesar desses dados negativos, a maior porcentagem de interações presenciadas

foi positiva. Alternando a apresentação dos dados, conforme pode ser observado no Gráfico

3, obtém-se uma análise sob outro prisma possibilitando uma compreensão mais abrangente

acerca das ocorrências em cada conteúdo ministrado.

Gráfico 3 - Percentual das aulas de cada conteúdo lecionado nas quais houve

interações positivas dos alunos da turma para com os alunos com Síndrome de

Down

O conteúdo de Dança, trabalhado de forma a permitir a vivência, estimulou

interações positivas e a socialização na totalidade das aulas, com um momento de

concretização prática das teorias inclusivas propostas. Pode ser compreendido que a Dança

apresenta-se como uma facilitadora do processo inclusivo, ao ser um conteúdo que, por

meio da ludicidade, estimula a participação de todos e, se trabalhado como vivência

cultural, com conscientização e criação própria de movimentos corporais, rompe

estereótipos de gestos mecânicos possibilitando liberdade de movimento aos alunos, cada

qual de forma diferenciada. Sem estabelecimento de parâmetros de rendimento, a

participação pode ser estimulada e a liberdade de expressão individual favorecida, a

condição de deficiência deixa de ser exaltada e torna-se invisível no grupo, de forma que as

100%

55%

74%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Dança Esporte Jogo

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vivências de movimentos podem ser vistas apenas como criações distintas e individuais.

Além de explorar a própria criatividade e ritmo, permite não apenas que todos participem

criando seus próprios movimentos, mas também que um aprenda com o outro, ao visualizar

as criações e movimentos dos demais alunos da sala. No caso do aluno com Síndrome de

Down, essa característica da dança pode ser muito explorada, uma vez que esses alunos

aprendem com maior facilidade pela visualização e imitação dos movimentos das pessoas

ao seu redor, auxiliando-os a desenvolverem seu repertório de movimento e ritmicidade,

além da já citada psicossocialização.

Em relação ao conteúdo Esporte, em 55% das aulas as interações entre os

alunos da turma com os dois alunos com Síndrome de Down foram positivas.

Fundamentado nesse percentual, pode-se entender que a inclusão é facilitada por aulas que

permitem a exploração do lúdico pelos educandos em detrimento da complexidade e

seletividade do treinamento. Momentos de vivência com a recriação e transformação das

regras e de materiais também podem contribuir para que todos tenham possibilidade de

participação durante as aulas, tendo por fundamento a consideração de que o esporte

educacional deve objetivar a formação humana, e não reproduzir uma competição de alto

rendimento. Técnicas e táticas podem sim serem trabalhadas, mas, conforme elucidação do

Coletivo de Autores (1992), como forma de vivência e desenvolvimento de conhecimento a

respeito das mesmas, jamais como categorização ou impedimento da participação de alunos

com menor habilidade ou capacidade específica em determinada modalidade. Dessa forma,

a grande preferência dos alunos por esse conteúdo pode ser explorada como auxílio para o

desenvolvimento de um trabalho educacional alicerçado nos ideais de respeito, aceitação e

valorização das diferenças, tornando-o um facilitador do processo inclusivo em substituição

a aqui presenciada forma de trabalho competitiva que dificultou a participação efetiva e

com qualidade de todos os alunos.

Já o conteúdo Jogo permitiu, em mais de 70% de suas aulas, interações

positivas. Fundamentado no caráter lúdico, a interação entre a turma foi favorecida, sendo

notado auxílio de alguns alunos em direção ao Aluno 1, explicando e chamando-o

novamente para a atividade quando este demonstrava não compreender o objetivo do jogo

ou dispersava sua atenção da tarefa. Contudo, interações negativas surgiram quando tal

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conteúdo foi trabalhado explorando o resultado final de vitória em dado jogo. Nesses

momentos, os alunos sem deficiência menosprezam a participação dos alunos com

Síndrome de Down em seus times. Conclui-se, portanto, que atividades nas quais a união e

a cooperação em grupo são exigidas é possibilitada uma maior aproximação entre os

alunos, sendo a condição de deficiência irrelevante nesses momentos - dessa forma, os

jogos cooperativos mostram-se como uma possibilidade de conteúdo a ser explorado pelo

professor para romper as primeiras ideias preconceituosas já formadas e estimular a

inclusão de alunos com deficiência. Por meio do Jogo, são permitidas aos alunos diferentes

vivências fundamentadas na exploração de suas capacidades individuais e na superação de

possíveis dificuldades que possam aparecer para o alcance de um determinado objetivo.

Sem haver um padrão de comportamento estipulado para ser reproduzido, a individualidade

e as diferentes potencialidades ganham espaço para se manifestarem e serem aceitas. O

lúdico, presente constantemente nesse conteúdo, torna-se ainda um contribuinte a mais ao

processo inclusivo, estimulando a participação de todos e a aceitação dos diferentes ideais e

valores expostos pelo professor.

Tendo em vista a influência dos valores implícitos na forma de trabalhar cada

conteúdo, na sua facilitação ou dificultação ao processo inclusivo, pode-se pressupor que a

incorporação de conceitos de formação humana, como a cooperação, socialização, respeito

e aceitação das diferenças, no trabalho com as diferentes temáticas da cultura corporal, são

de fato eficazes e contributivas para a construção de uma aula que permita a participação de

todos de uma forma ativa.

Se até então a análise tomou por base as atitudes dos demais alunos da sala,

nesse momento, torna-se relevante discorrer sobre algumas atitudes e comportamentos dos

próprios alunos com Síndrome de Down apresentados durante o período observado.

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Tabela 2 - Porcentagem das atitudes dos alunos com Síndrome de Down ocorridas

durante cada conteúdo das aulas de Educação Física

ATITUDES PORCENTAGEM DE OCORRÊNCIA

Dança Esporte Jogo

Fez outra atividade por conta

própria 0% 16% 18%

Interação positiva com os demais

alunos da sala 100% 90,9% 91%

Interação negativa com os demais

alunos da sala 0% 9,1% 9%

Conforme observado na Tabela 2, em 100% das aulas de Dança, 72% de Jogo e

em 84% de Esporte, os Alunos 1 e 2 permaneceram fazendo a mesma atividade que os

demais, sendo apenas em duas aulas de Jogo (18%) e em outras duas aulas do conteúdo

Esporte (16%) que optaram por realizar outra tarefa. Nesses momentos, tanto no conteúdo

de Esporte quanto no Jogo, pode ser observado que os alunos com deficiência iniciaram as

aulas junto com os demais, porém, durante a aula perderam o interesse e criaram atividades

próprias num dos cantos da quadra, sendo assim deixados pelo professor, o qual apenas

perguntava a esses dois alunos se iriam permanecer nessa outra vivência ao invés de

realizarem a proposta com toda a sala, concordando com qualquer que fosse a decisão

destes.

Tal comportamento pode ser observado de forma associada à falta de

compreensão dos alunos com Síndrome de Down sobre a atividade a qual estava sendo

realizada com a turma. Além disso, nas atividades técnicas, como as de execução e

repetição de um gesto esportivo motor – troca de passes de basquetebol em altura baixa e

média com posicionamento estático, por exemplo -, os alunos com essa condição de

deficiência não identificavam a finalidade da atividade nem a intenção do professor em

relacioná-la com um determinado esporte, sendo este mais um momento de dispersão e

fuga para outra atividade por conta própria. Se esses exercícios de treinamento com ênfase

no aperfeiçoamento de gestos motores mecanizados são não atrativos para os alunos em sua

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maioria, para as pessoas com Síndrome de Down o desinteresse evidencia-se, uma vez que

há maior dificuldade na capacidade de concentração e fixação numa atividade específica.

Relato de Caso: O Aluno 2, ao observar que a atividade seria a execução e

repetição de trocas de passes em duplas da modalidade de basquetebol, se recusou a

participar. Encostado num canto da quadra pegou uma bola de basquetebol e começou a

manipulá-la, segurando-a, transportando-a de uma mão para outra, jogando-a para cima e

pegando e, posteriormente, batendo-a no chão e segurando. Por fim, tentou jogar a bola no

chão e rebatê-la com as mãos, num movimento semelhante ao de condução de bola durante

o jogo da modalidade em questão, dizendo aos amigos: “olha quantas vezes eu consigo

bater sem parar”. Sem a repetição mecanizada proposta pelo professor, o aluno trabalhou a

modalidade esportiva de forma ativa, desenvolvendo suas potencialidades e superando suas

possíveis dificuldades com as quais se deparava ao executar a atividade. Pode-se entender

que, nesse momento, um aluno em condição de deficiência exemplificou ao próprio

professor, por meio de suas atitudes, uma forma adequada e possível de se estruturar a aula

de forma inclusiva.

Continuando a observação dos dados da tabela, em média de 92% das aulas de

todos os conteúdos – compreendendo 100% das aulas de Dança, aproximadamente 91%, de

Jogos e 90% de Esportes – ambos os alunos com Síndrome de Down tiveram uma interação

positiva com o restante dos alunos da sala, confirmando estudos anteriores, como

Cunningham (2008), de grande interação e comportamento carinhoso dessa população.

Nesta porcentagem de interações positivas, tanto o Aluno 1 quanto o Aluno 2

foram constantemente solícitos, interagindo e permanecendo juntos ao grupo de alunos. A

disposição destes em, não apenas participar das atividades, mas também em permanecerem

com os demais foi imediata, sendo notável a presença de atitudes afetuosas, como abraços e

sorrisos. Pode-se compreender que, se a Síndrome de Down ocasiona, na maioria dos casos,

dificuldades em relação ao desenvolvimento motor e intelectual, por outro lado, tem

inclusão facilitada pela maior tendência de afetividade e socialização das pessoas com essa

condição.

Contudo, o relato de uma aula com interações negativas do Aluno 2 para com

os demais da sala durante o conteúdo Jogo e uma no conteúdo Esporte - representando

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aproximadamente 8% do total de aulas - advieram. Comportamentos agressivos como

arranhões e tapas aos demais alunos foram executados por esse aluno com deficiência no

início do período letivo, ocorrendo durante as aulas de educação física apenas nessas duas

ocasiões. Com o passar dos meses esses comportamentos desapareceram. Segundo Déa e

Duarte (2009), uma das características da Síndrome de Down é a maior possibilidade de

aparecimento de atitudes agressivas, as quais podem ser agravadas pela dificuldade de

compreensão das regras que regem um ambiente social. Contudo, conforme visualizado na

pesquisa, puderam ser contornado pela mediação dos profissionais da coordenação e dos

professores auxiliando o Aluno 2 na compreensão de quais os comportamentos adequados e

os inadequados socialmente. O Aluno 1 não apresentou comportamentos agressivos

semelhantes durante as aulas.

Os presentes relatos das interações negativas ocorreram em uma atividade de

pega-pega objetivando roubar e estourar a bexiga que o amigo segurava, e em outra na qual

havia troca de passes de handebol. Como esses relatos foram escassos não é possível de se

afirmar que esses comportamentos foram motivados pela ênfase competitiva e até mesmo

agressiva das atividades, sendo essa uma possibilidade apenas. Da mesma forma, não é

possível afirmar que tais comportamentos agressivos relacionam-se diretamente à condição

de deficiência, uma vez que tais atitudes, assim como outros conflitos, são possíveis de

serem apresentadas por todos os alunos, inclusive os que não possuem deficiência, durante

a aula de educação física.

Outra análise relevante a ser feita é baseada na interação entre os dois alunos

com a condição em questão. Por iniciativa própria, esses alunos permaneceram

constantemente unidos, formando um forte laço de afetividade e realizando as atividades

conjuntamente, por iniciativas próprias. Demonstraram compreender um ao outro,

prestavam apoio mútuo durante toda a aula. A socialização pode ter sido favorecida, por um

lado, ao apoiarem-se e incentivavam o desempenho um do outro, mas por outro, em muitos

momentos, eles se afastaram do restante da turma interagindo de forma paralela aos demais,

o que pode facilitar a exclusão dos dois alunos da aula, já que assim são deixados pelo

professor. Entre prós e contras, a presença de mais alguém com a mesma condição pareceu

ser benéfica ao próprio desenvolvimento e participação nas atividades, desde que não

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permanecessem em interações paralelas. Com uma forma de pensar e se relacionar

semelhantes, eles estimulavam um ao outro a fazerem as atividades e vivenciavam os

conteúdos da forma como entendiam ser adequadas.

Relato de Caso: O Aluno 2 atuava carinhosamente como o responsável pelo

Aluno 1, carregando seu material escolar, chamando-o para o lanche e para as atividades,

pedindo para ter cuidado e não se machucar, e até mesmo chamando-o e alertando-o para

concentrar-se na explicação do professor e na resposta à chamada de nomes, durante a

conferência da presença dos alunos. O Aluno 1, com permanentes atitudes carinhosas,

demonstrava consentimento e gosto em ser cuidado.

Frente aos dados apresentados, pode-se observar a prontidão e a disposição de

ambos os alunos com Síndrome de Down em serem inclusos e em participarem com

qualidade junto aos demais. É notável também que, devido à possível falta de

conhecimento e convívio com pessoas que possuem essa condição, os demais alunos

tiveram um contato inicial receoso com esses alunos no começo do período letivo, contudo,

com o estabelecimento de um relacionamento diário e a consequente construção de

conhecimento por meio deste, no final do ano já interagiam de forma mais igualitária e

semelhante à qual agiam com os demais alunos da turma.

Por fim, uma discussão acerca da atuação do professor se faz necessária, uma

vez que, com os principais acontecimentos das aulas já detalhados, a reflexão sobre a

postura deste enquanto educador e sobre sua organização pedagógica frente à inclusão pode

ser de maior compreensão, assim como buscas de alternativas frente às possíveis atitudes

inadequadas podem começar a serem delineadas, num momento preparatório para o

capítulo seguinte.

Conforme verificado no início desse capítulo, o trabalho com os conteúdos

ocorreu de forma desigual. Com predominância do Jogo e Esporte, os demais temas

tiveram atenção dispensada. Nesse quesito, a seleção dos conteúdos demonstrou ser

aleatória, sem a possibilidade de identificação de uma sequência lógica quanto a sua

escolha e organização. Jogo e Esporte alternavam-se em aulas individuais, não sendo

possível a observação de continuidade entre uma aula e outra.

Quanto à organização pedagógica dos mesmos, a permanente ênfase técnica e

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tática, assim como a exaltação das regras, capacidades físicas e habilidades motoras com

atividades fundamentadas no aspecto de treinamento, sugerem uma influência da

abordagem tecnicista como norteadora das aulas.

Nesse momento, uma relação da prática pedagógica do educador com o projeto

político pedagógico da instituição escolar seria relevante e contributiva para maiores

compreensões. Contudo, tal documento não foi disponibilizado, impossibilitando a

continuidade de discussões a respeito.

Durante o período letivo foi observado, ainda, a separação de times por gênero.

Tal atitude, em muitos momentos, era solicitada pelos próprios alunos. Sem

aprofundamento acerca dessa temática, vale citar que, nesse caso, deve ser considerado tais

solicitações por parte dos alunos como atitudes comuns a essa faixa etária, uma vez que,

segundo Piaget (2003), a idade compreendida entre 7 e 11 anos é abarcada pelo período

denominado de Estádio Operatório Concreto, o qual traz como influência para o plano

emocional e social, justamente a separação entre um grupo das meninas de um lado e o

grupo dos meninos de outro. Contudo, ao invés de incentivar tal comportamento, seria

relevante um trabalho educacional que exaltasse a interação entre todos e a superação

dessas condutas. Se a inclusão exige o respeito à individualidade e às características de

cada um, uma diferenciação de gêneros – a qual poderia ser uma forma a mais de

padronizar e pré-definir comportamentos esperados de serem desempenhados por cada um-

poderia ser entendida como contrária a esses ideais.

Retomando a temática específica da inclusão, pode-se concluir a existência de

uma relação direta entre a forma de atuação do professor e as possibilidades de participação

e atuação de um aluno com deficiência.

Relato de Caso: Em uma das aulas de Esporte, o qual era trabalhado em forma

de treinamento, os alunos foram posicionados em lugares fixos da quadra segundo uma

posição tática do handebol, e deveriam, de forma estática e sem movimentação, trocar

passes de uma posição para a outra, sequencialmente.32

Nesta, o Aluno 2 faltou e o Aluno 1

foi encaminhado pelo professor para permanecer no gol, o qual direcionou-se a essa

32

Vale citar a inadequação na organização pedagógica deste conteúdo, uma vez que as características técnico-

táticas das modalidades esportivas não são recomendadas de serem trabalhadas em sua forma oficial nesse

ciclo educacional, conforme apontamento dos PNC (BRASIL, 1998, 2000).

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posição sem questionamentos. Ao começar a inquietar-se, uma vez que permanecia no local

sem desempenhar nenhuma atividade na maior parte do tempo, o professor criou uma nova

posição para esse aluno, no canto da quadra ao seu lado, pedindo para que, vez ou outra, o

último aluno arremessasse para ele. Após uma rápida explicação sobre como e para quem

arremessar, o Aluno 1 mostrou total capacidade para realizar a tarefa proposta, expondo a

não necessidade de ter sido colocado em posições inferiores por descrença do professor em

sua capacidade de entendimento e de atuação adequada.

Pode-se observar claramente, uma falta de compreensão do professor sobre as

potencialidades do aluno, e sobre como contornar e superar as dificuldades da condição da

Síndrome de Down. Para a superação desse despreparo, torna-se relevante que, caso não

possua conhecimento prévio específico sobre uma dada condição, ao saber da presença de

um aluno com alguma deficiência ou Síndrome em sua turma, o professor, num processo

contínuo de pesquisa, estudo e busca por conhecimento, encontre materiais que lhe

auxiliem a compreender a condição em todas as suas dimensões e suas possíveis

implicações na prática de atividades físicas, além de ouvir o próprio aluno, aprendendo com

o mesmo sobre suas capacidades e dificuldades, para assim poder adaptar as atividades e se

construir como um educador que possibilita a participação ativa de todos, inclusive desse

aluno.

A notável falta de conhecimento do professor, não apenas sobre as

especificidades da condição de deficiência apresentada pelos alunos, mas também sobre um

planejamento pedagógico dos conteúdos e sua adequação às diferentes faixas etárias,

influenciou sua forma de atuação e pode ter dificultado a inclusão de forma mais rápida e

adequada, uma vez que, com maior conhecimento, este poderia tanto organizar suas

atividades de forma a permitir a participação ativa de todos, quanto auxiliar os demais da

turma a entenderem e respeitarem as características dos dois alunos.

Relato de caso: O professor atuou com os alunos com deficiência de forma

diferenciada. Ao invés de adaptar as atividades segundo as necessidades específicas da

condição auxiliando-os a vivenciarem as aulas respeitando as mesmas regras que os demais

sempre que possível, foi permissivo com os alunos com a Síndrome em todas as questões.

Os Alunos 1 e 2 podiam ir tomar água quando desejassem enquanto aos demais eram

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estipulados momentos fixos da aula, podiam puxar as roupas dos amigos para tentar agarrá-

los sendo chamada a atenção do aluno agarrado para se afastar desse aluno ao invés de

auxiliar os alunos com a Síndrome a entenderem a situação. As atitudes e a forma de

comportamento do professor tornam-se um exemplo para os demais alunos, o que pode

influenciar no comportamento dos demais e nas relações que estabelecem entre si.

Elucidando o relato, na educação física, tendo ou não alunos com deficiência, o

professor deve demonstrar as atividades - realizando-as ele mesmo se necessário -,

proporcionar auxílio físico, verbal e gestual, permitindo que todos compreendam e

consigam realizá-las segundo suas características individuais, independente de suas

dificuldades. As atividades não devem ser demasiadamente adaptadas apenas para aquele

aluno que possui uma deficiência, já que isso poderia constrangê-lo, ao invés disso, cabe ao

professor propor atividades nas quais todos possam participar. Por conseguinte, a forma de

atuação do professor de educação física deve fundamentar-se em proporcionar um

tratamento o mais igualitário possível aos alunos com deficiência em relação aos demais,

não o superprotegendo nem subestimando sua capacidade, estimulando-o a participar de

todas as atividades de forma que este se sinta parte do grupo de alunos, auxiliando-o sim,

mas apenas quando houver de fato necessidade de tal ajuda (SOLER, 2005).

Com essa análise, pode-se observar que, para a inclusão ser facilitada, as

barreiras atitudinais e de conhecimento são os principais entraves. Um estudo constante,

por parte dos professores, sobre as condições de seus alunos em nível fisiológico,

psicológico, afetivo e social e sua implicação para a prática de atividade física, torna-se

indispensável. Com maior conhecimento, e com a busca pela superação de preconceitos, o

professor pode, e deve, ter atitudes para com os alunos com deficiência de modo a servir de

modelo para os demais alunos da turma, não apenas discursando, mas demonstrando por

meio de seu próprio comportamento um modelo de convivência harmoniosa e respeitosa

entre todos.

Conclui-se, por conseguinte, que a indispensabilidade do professor de educação

física possuir uma formação que o capacite a planejar e ministrar uma aula com os

diferentes conteúdos da educação física para todos, independente de suas dificuldades, o

que facilitará, por conseguinte, a construção da educação física inclusiva, como observado

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no estudo de Filus (2011), Seabra Junior (2012) e Salerno (2014).

O professor de educação física está inserido e atua numa determinada realidade

sócio-cultural e, conforme afirmado por Daólio (1996), a cultura é recriada e transformada

constantemente pelas pessoas que nela estão inseridas. Dessa forma, o professor possui em

suas mãos uma possibilidade de transformação da realidade em prol da construção dos

ideais os quais acredita, sendo a ferramenta para isso sua própria atuação no cenário

educacional.

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8 PINTANDO UMA NOVA REALIDADE - PROPOSTA DE

INTERVENÇÃO: A PEDAGOGIA DE FREINET COMO

POSSIBILIDADE

Célestin Baptistin Freinet foi um professor primário que revolucionou os ideais

educacionais ao propor nova visão e técnicas ao ambiente pedagógico baseadas na

expressão infantil em substituição ao trabalho de repetição mecânica de conteúdos.

Nasceu no dia 15 de Outubro de 1896, no sudoeste da França, num vilarejo

denominado de Gars. Filho dos camponeses Joseph Delphin Freinet e Marie Victoire

Toreat, Freinet viveu nesta região até os treze anos, cercado pela natureza e empenhado nos

trabalhos do campo - como a lavoura e o pastoreio de cabras. Dos sete aos treze anos

estudou em uma escola do campo fundamentada em regras severas sendo, em seguida,

admitido no Colégio Comunal – curso primário superior –, em Grasse. Já aos 16 anos, em

1912, entrou na Escola de Formação de Professores, de Nice. Esses estudos foram

interrompidos aos dezenove anos quando da sua convocação para atuar como suboficial nos

conflitos da 1° Guerra Mundial, em 1915, nos quais, em Outubro do mesmo ano, adquiriu

grave lesão pulmonar oriunda de gases tóxicos, sendo por esse motivo retirado das

atividades militares. Neste contexto, efervesciam movimentos sociais e Freinet, atento à

realidade vivenciada, passou a questionar e combater o modelo social e escolar vigentes,

fundamentado pela contestação das experiências das próprias escolas tradicionais nas quais

estudara e pela simpatia aos ideais marxistas, numa constante busca pela paz que, segundo

seus pensamentos, se daria apenas por um modelo socialista (SAMPAIO, 1989; ELIAS,

1997).

Por conseguinte, Freinet empenhou-se em leituras numa aprendizagem

autodidata sobre psicologia, filosofia e pedagogia – estudando principalmente Pestalozzi,

Rousseau, Rabelais, Dewey, Decroly, Montessori, Montaigne e Ferrière de forma crítica,

incorporando o que considerava como contribuições destes estudos, mas também

repreendendo o que concebia como inapropriado. Dessa forma, elaborou, experimentou e

divulgou técnicas de trabalhos pedagógicos alicerçadas numa inovadora visão da educação

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– humana, cooperativa e expressiva. Já com novas ideias organizadas, assumiu, em 1° de

Janeiro de 1920, o cargo de professor adjunto primário de uma precária escola alicerçada

no ensino tradicional no vilarejo de Bar-sur-Loup, localidade próxima à Grasse e Vence nos

Alpes Marítimos, a qual contava com aproximadamente apenas 1000 habitantes

(OLIVEIRA, V. M., 1995; LEGRAND, 2010).

Nessa mesma década, foi aprovado para atuar como professor de Letras da

Escola Primária Superior de Brignoles, a qual ele próprio recusou. Em 1923, participou do

Congresso da Liga Internacional para a Educação Nova, o qual influenciou decisivamente o

transcorrer de suas propostas pedagógicas (ELIAS, 1997).

No ano de 1927, Célestin Freinet organizou o primeiro Congresso da Impressa

na Escola, em Tour. Neste, recebeu aproximadamente 50 escolas com seus respectivos

professores, discutindo e sanando dúvidas a respeito de suas propostas educacionais. A

partir desse período, preparou congressos, boletins e revistas como ferramentas para

divulgar suas técnicas para o ensino escolar ao mesmo tempo no qual proporcionava um

vínculo com os demais professores. Buscava, portanto, uma união com os educadores para

encontrarem novos caminhos segundo a realidade de cada um, sem o estabelecimento de

regras e técnicas estáticas as quais deveriam ser seguidas fielmente. Dessa forma, os ideais

eram divulgados e discutidos em diversos países como Noruega, Rússia, Romênia, Bélgica

e Espanha. Em seguida, criou a Cooperativa de Ensino Leigo (CEL), em 1928, destinada à

produção e difusão de materiais pedagógicos próprios (SAMPAIO, 1989).

Segundo Sampaio (1989) e a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas da

Pedagogia Freinet (ABDEPP, 2014), entre os anos de 1926 e 1928, Freinet conheceu a

artista plástica Elise Lagier Bruno quando esta iniciou trabalhos com o educador, casando-

se em seguida. Em 1928, Celestin, junto com sua agora esposa Elise, foi transferido para

uma antiga escola de Saint-Paul de Vence. Com constantes questionamentos a respeito dos

tradicionais métodos pedagógicos somados a sua atuação política na área educacional,

instalou-se nessa cidade um ambiente de contestação e desconfianças acerca das novas

propostas do educador, culminando na exoneração deste. Com isso, o casal criou sua

própria escola proletária particular em Vence, no ano de 1933 (FREINET, E., 1983;

OLIVEIRA, A. M. M., 1995).

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Segundo Sampaio (1989), no ano de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial,

as desconfianças acerca de Freinet levaram-no a ser preso num campo de concentração

nazista sob a justificativa de ser um líder de movimentos clandestinos. Na prisão, agravou-

se seu estado de saúde, já prejudicado pela primeira guerra, sendo libertado apenas após

intensa luta de sua esposa.

Segundo a mesma autora, voltando a Vence após o período de

enclausuramento, Freinet reorganizou a CEL com o auxílio de sua esposa, de pais e

colaboradores e, em 1947, fundou o Instituto Cooperativo da Escola Moderna (ICEM)

destinado às pesquisas educacionais e aperfeiçoamento da própria CEL. No ano de 1957, os

inúmeros seguidores da pedagogia inovadora proposta por ele fundaram a Federação

Internacional dos Movimentos da Escola Moderna (FIMEM), alcançando cerca de 50

educadores de diferentes países. Um “Movimento Freinet” foi iniciado pelo próprio e teve

continuidade pelas ações desses educadores e pesquisadores, que passaram a compartilhar

reflexões e suas atuações na prática escolar. Em 08 de Outubro de 1966, Freinet faleceu em

Vence, na França. Seu trabalho foi continuado por sua esposa Elise até o ano de 1983, no

qual também falece. Após, a continuidade de estudos e divulgação de suas propostas

educacionais foram desenvolvidos por sua filha e por educadores adeptos de seus ideais

espalhados ao redor do mundo.

Enfatizando a defesa de que as pessoas tivessem seus direitos respeitados em

todos os aspectos, esse pedagogo humanista elaborou uma vasta produção literária durante

sua atuação educacional, permitindo ainda hoje a exploração de seus ideais. No Brasil,

constam entre suas obras “Conselho aos pais”, de 1975; “O jornal escolar”, de 1976; “O

texto livre”, de 1976; “O método natural”, de 1977; “O método natural de gramática”, de

1978; “A educação do trabalho”, de 1998; “Ensaio de psicologia sensível”, de 1998; “Para

uma escola do povo”, de 2001 e “Pedagogia do bom senso”, de 2004.

8.1 Organizando os materiais - a pedagogia de Freinet

Ele lutava por tudo aquilo que acreditava ser a verdade. O que mais queria [...]

era educar. Mas nunca fez seu trabalho sozinho, pois acreditava que o resultado

de um empreendimento só seria duradouro e poderoso se fosse realizado por

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150

muitas mãos, muitas cabeças que se juntassem para ajudar umas as outras num

pensamento comum (SAMPAIO, 1989, p. 71).

Célestin Freinet elaborou sua proposta pedagógica buscando uma forma de

ministrar aula alternativa ao tradicional ensino enfadonho que havia recebido.

Questionou o modelo escolar tradicional fundamentado na memorização de

conhecimentos de forma desvinculada à realidade dos alunos, o qual pouco ou nada

contribui com a formação do homem para a realidade de sua vida particular. Questionou a

funcionalidade desse antigo padrão para as necessidades da sociedade atual. Questionou

esse padrão de escola organizado aos moldes militares regido por uma lei específica que

não se encontra na realidade de vida dos alunos. Questionou, por fim, o autoritarismo dos

educadores ao imporem tarefas mecânicas a serem executadas com ordem e disciplina,

impedindo o desenvolvimento da criticidade dos educandos (FREINET, C., 2004).

Em educação, a revolução é ainda mais lenta e laboriosa do que nas outras

técnicas de trabalho; as pessoas têm tendência em impor às gerações que se lhes

seguem os mesmos métodos que as formaram, ou deformaram. A cultura

tradicional continua obstinadamente baseada num passado caduco e trava as

forças inovadoras que dinamizam o avanço (FREINET, C., 1974, p. 06).

Em substituição a essa educação, Freinet propôs uma ressignificação de alguns

conceitos ao serem aplicados no âmbito escolar. Ele nomeou a ordem enquanto destinada à

melhor organização do trabalho escolar, a disciplina enquanto cooperação, e a autoridade

enquanto aspecto moral oriundo do respeito e não de ameaças. Defendeu ainda que o

conhecimento se desenvolve apenas com a própria experiência dos alunos, e não pela

imposição de conceitos teóricos. Dessa forma, o professor deve valorizar e organizar sua

prática pedagógica com base no sentir, amar, viver, criar, compreender-se e socializar-se. A

escola deveria, segundo seus ideais, ser benéfica a todos os envolvidos onde o aluno é

estimulado a questionar, refletir e a tomar decisões coletivamente - como na própria

organização de uma atividade - conjecturando para com a democracia em todo o contexto

social (FREINET, C., 2004).

Acreditou numa escola centrada na criança, com esta desenvolvendo sua

personalidade em meio à comunidade em que vive por meio da ajuda do professor.

Para isso, propôs uma Escola Moderna alicerçada por uma metodologia natural,

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151

tomando por base a vida do aluno e os elementos culturais que intervém no seu

comportamento atual e futuro, objetivando o despertar da iniciativa e da curiosidade do

aluno por meio de sua expressão livre. Por conseguinte, o mais adequado, segundo o

educador, seria uma aprendizagem por meio da vivência, da afetividade, das sensações, da

experimentação, do erro e do próprio entusiasmo da criança com o objeto de conhecimento,

abrindo possibilidade para o contato da criança com o meio natural no qual está inserida,

antes do emprego de técnicas específicas (FREINET, C., 1975).

Essas propostas foram fundamentadas em suas próprias experiências enquanto

pastor do campo - assimilando suas ideias pedagógicas à realidade de vida e ao trabalho dos

camponeses - e enquanto combatente nas guerras militares – defendendo uma

democratização de acesso à cultura por meio de uma pedagogia socialista, ao notar que as

crianças sofrem as mesmas leis sociais e possíveis opressões que os adultos.

Em relação as suas vivências no campo, Célestin Freinet construiu uma prática

pedagógica de um professor com os seus alunos assimilando-a às experiências de pastores

que conduzem seus animais, ou seja, pressões excessivas e imposição de medo nos animais

ainda muito novos os desencoraja; confiança, bondade, ajuda, servidão e amor auxiliam-nos

em suas tarefas. Dessa forma, esclareceu a importância de não serem impostos conteúdos

aos alunos nem padronizar a forma destes em recebê-los, pois uma imposição e a

obrigatoriedade em desempenhar uma tarefa a torna não apenas enfadonha, mas também

pode criar uma aversão permanente do aluno à atividade. Os educadores devem, por

conseguinte, estimular o aluno a ter vontade de receber o conteúdo, valorizando suas

atuações e desempenhos nas tarefas. Ao avaliar e distribuir notas e ao lidar com os

diferentes comportamentos que os alunos possam vir a ter, o educador deve-se colocar no

lugar do aluno, resgatando seus sentimentos de quando tinha a mesma idade (FREINET, C.,

2004).

Seguindo os ideais acima mencionados, segundo Elias (1997), a proposta base

da pedagogia de Freinet é baseada nos princípios da cooperação – no qual os professores e

alunos organizam-se numa espécie de cooperativa planejando os trabalhos escolares de

forma a contribuir com a formação do ser humano e com a construção de conhecimento

socialmente -, na comunicação – objetivando integrar esse conhecimento -, na

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documentação – num processo de registro dos conhecimentos produzidos diariamente - e na

afetividade – unindo as pessoas entre si e cada uma delas com o objeto de conhecimento.

Tomando por base os princípios até então detalhados, Freinet propõe uma

educação com foco central no trabalho. No entanto, o trabalho não traz a visão até então

tida pela sociedade capitalista de busca e acúmulo monetário. Nessa nova concepção, o

trabalho é visto como uma atividade natural do homem durante toda a sua vida a qual exige

constante processo de ensino aprendizado, ou seja, o autor associa ao trabalho as atividades

que as crianças podem desenvolver durante toda a sua vida, atividades estas que exigem

criatividade e uma união dos aspectos intelectuais e manuais. Freinet C. (2004) ressalta que

o trabalho seria qualquer atividade que possui um significado para o aluno o qual a faz.

É proposta uma educação que seja importante e útil para a vida do aluno em

substituição aos tradicionais conceitos a serem decorados, os quais se tornarão pilhas

confusas de conteúdos acumulados sem a sua total compreensão, nem exploração na

realidade de vida dos alunos.

Um ponto a ser destacado é o fato do educador Célestin Freinet não apenas

recomendar uma educação que conduza a criança à visão crítica e autônoma, mas também

agir de forma crítica e autônoma na construção dessa proposta educacional. O pedagogo em

questão interage com educadores da escola nova e com pensadores do socialismo, contudo

não se subordina nem reproduz fielmente nenhuma dessas teorias, apenas usufrui o que

cada uma pode proporcionar para a consolidação de seu projeto pessoal de educação,

segundo seus próprios ideais alicerçados no respeito e direito de todos a uma educação

afetiva e atrelada à vida real.

Ressalta-se, ainda, a ênfase de Freinet ao esclarecer que não propõe uma teoria

ou método educacional a ser seguido, mas faz propostas baseadas na realidade

experimentada por ele mesmo durante seus anos de atuação pedagógica. Diferencia-se,

portanto, de outras propostas educacionais ao ver que estas eram derivadas de diversos

profissionais como filósofos, psicólogos e médicos que teorizavam a educação, enquanto

ele de fato atuou na realidade escolar buscando as alterações e transformações educacionais

tão almejadas até então puramente nas teorias. Por conseguinte, Freinet C. (1975) advertiu

que o que propôs são técnicas, ou seja, utensílios já amplamente explorados por ele para

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153

que os professores utilizem-nos de forma a tornar mais adequado seu trabalho pedagógico,

e não um método no qual um autor o cria e estabelece seus limites de forma de aplicação.

Dentre as principais técnicas desenvolvidas para serem empregadas durante as

aulas podem ser citadas o livro da vida, a aula-passeio, o texto livre, a imprensa e o jornal

escolar, a correspondência e intercâmbio interescolar, o jornal-mural, o plano de trabalho

por meio de uma cooperativa escolar e o fichário escolar.

Na técnica denominada de livro da vida é desenvolvido um diário da classe no

qual tanto os professores quanto os alunos podem interferir expondo suas opiniões sobre a

aula e acontecimentos do dia-a-dia, colocando críticas, sugestões ou seus próprios trabalhos

do dia. Já a aula passeio se dá pela saída do ambiente escolar nas quais as crianças

observam elementos da cultura e sociedade, realizam pesquisas formulando suas próprias

hipóteses e posteriormente verificando-as, associando os conteúdos escolares à realidade

vivenciada fora do ambiente educacional (LOPES, 2001).

Os textos livres são textos escritos livremente pelas crianças podendo

posteriormente ser socializado com os demais, cabendo ao professor a função de inserir a

criança num contexto pedagógico ao escrever. O tema desses textos deve ser escolhido

pelas próprias crianças a partir das aulas e segundo seus próprios interesses, sem a

imposição de temas e de formas de escrita, o que apenas repetiria a fórmula escolar

tradicional já existente. Esses textos devem se desenvolver em função da vida escolar dos

alunos de forma a explorar a cultura e os conhecimentos destes. Traz ainda a possibilidade

da criação e expressão da criança, motivando-as e auxiliando-as em sua socialização, uma

vez que ela passa a escrever baseada em seus sentimentos e pensamentos, mas também

atenta aos interesses de quem irá ler. Posteriormente, um texto livre, a partir dos textos

produzidos por crianças que desejassem que fossem impressos, é escolhido

democraticamente por votos – nos quais os votos de cada aluno e do professor possuem o

mesmo valor – e aperfeiçoado coletivamente por todos do grupo. Com o desenvolvimento

das crianças, essa pedagogia possibilita um posterior trabalho de edição dos jornais

(FREINET, C., 1974, 1975).

No jornal escolar, por conseguinte, o conteúdo é o texto livre impresso pela

imprensa escolar a qual, segundo a proposta original de Freinet, se compõe por materiais

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como mimeógrafos ou limógrafos, nos quais o aluno reproduz o próprio texto. Para sua

construção, cada aluno copia o texto livre duas vezes ao menos, uma para ficar no seu livro

da vida, e outra que será enviada para os correspondentes. O ato da cópia também se dá de

forma livre, podendo o aluno explorar a criatividade para ilustrar e expressar o conteúdo do

texto. Posteriormente, ao final de cada mês, o professor reúne as cópias dos diferentes

textos unindo-as em exemplares de jornais e enviando-os aos correspondentes. Caso não

haja possibilidade de impressão dos jornais, as cópias destes podem ser feitas a mão. Por

meio do jornal escolar, pode-se entrar em contato com os diversos espaços escolares,

familiares, sociais e culturais (FREINET, C.,1974).

O intercâmbio interescolar refere-se à troca de materiais entre as escolas,

podendo ainda haver uma correspondência entre os estudantes, nas quais cada aluno

corresponde-se com um aluno específico da outra escola. Há, por conseguinte, trocas de

jornais produzidos ou outros materiais como brinquedos, discos, filmes, ou o que os alunos

acharem oportuno. Posteriormente, abre-se a possibilidade para a ocorrência de um

intercâmbio entre os alunos, nos quais uma turma é levada para visitar a outra (FREINET,

C., 1974).

Já no jornal mural, um canto de uma parede da sala de aula é coberta por uma

folha grande, a qual é trocada semanalmente. Nesta, ao menos três colunas são organizadas

– “Eu Proponho”, “Eu Critico”, “Eu Felicito” -, nas quais os alunos vão escrevendo seu

pensamento sobre os acontecimentos da sala, e ao final da semana uma discussão coletiva

sobre os escritos é estabelecida com os alunos (SAMPAIO, 1989).

O Plano de Trabalho é mais uma das técnicas propostas. Neste, há uma

conversa entre o professor e os alunos, no qual aquele explica os conteúdos curriculares a

serem trabalhados durante o período, e proporciona aos alunos uma discussão e

participação nas decisões a respeito sobre a forma de dividir esse currículo durante o

período e quais estratégias e prazos para seu cumprimento. Com participação ativa de todos

os alunos na organização de seu próprio ensino forma-se o que Freinet chama de

Cooperativa Escolar, na qual os alunos em grupo decidem democraticamente todos os

feitos que venham a ocorrer ou já ocorridos durante o período no qual estão no ambiente

escolar. Durante a realização desse currículo, a sala de aula com cadeiras enfileiradas e

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155

crianças necessariamente sentadas e mudas é condenada, uma vez que negam a vivência

que a criança tem no mundo externo. Em contrapartida, Freinet organiza a sala com cantos,

nos quais cada um possui uma atividade diferenciada a ser trabalhada, além de um canto

com as produções dos alunos, as quais são posteriormente analisadas por meio de uma

autoavaliação (SCARPATO, 1999).

Já o Fichário Escolar foi um instrumento pensado frente às necessidades de

haver um material didático à disposição dos alunos, contudo sem servir como um manual

ou material com conceitos pré-definidos a serem apenas absorvidos por eles, como as tão

utilizadas cartilhas didáticas padronizadas. Dessa forma, os professores preparam fichas,

cada qual contendo um material relacionado a diversos assuntos escolares, as quais tinham

suas cópias distribuídas aos alunos que contribuíam com críticas e sugestões, e devolvidas

aos professores, os quais as corrigiam e posteriormente as distribuíam aos assinantes –

educadores que assinavam revistas produzidas e distribuídas por Freinet. O objetivo dessa

técnica, portanto, foi construir um material educacional conjuntamente com os alunos, e

proporcionar uma divulgação aos demais educadores não apenas do material produzido,

mas também da forma como cada sala estava a trabalhar (SAMPAIO, 1989).

Fundamentado nos ideais acima especificados, Elias (1997) explica que Freinet

propõe quatro etapas educativas – o pré-ensino (compreendendo o período do nascimento

até os dois anos da criança), os jardins de infância (abarcando o período de vida entre dois e

quatro anos), o maternal e infantil (compreendendo o período entre quatro e sete anos) e a

escola elementar (com período compreendido pela faixa etária de sete a quatorze anos).

Este trabalho baseia-se, por conseguinte, neste ultimo período, hoje denominado de ensino

fundamental, no qual a pesquisa de campo apresentada anteriormente neste estudo foi

realizada e uma proposta de trabalho inclusivo é, a seguir, desenvolvida.

8.2 Uma nova pintura - Freinet como uma proposta de inclusão

8.2.1 Aproximando os conceitos

A legislação brasileira dispendeu de prorrogadas décadas para alcançar a

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definição de uma educação adequada para ser estabelecida socialmente, a inclusiva,

definição esta que passou a nortear argumentos defensores da reconstrução do cenário

educacional em vigência. Contudo, desde o início do século XX, um pedagogo atuou de

forma exímia elaborando os ideais e técnicas de uma educação adequada a todos – a

Pedagogia de Freinet.

Ainda sem exploração da temática acerca da inclusão educacional, Célestin

Freinet sistematizou o processo educacional em consonância com os ideais que ainda

estavam por vir, num tempo além do vivenciado. Observa-se que, apesar da ausência,

naquele momento, de discussões e legislações acerca da inclusão de pessoas com

deficiência na rede regular de ensino, Freinet construiu, sem a imposição de nomenclaturas

e rotulações, uma educação a qual é a atualmente almejada – a educação de qualidade para

todos.

A educação brasileira, pela Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), é

definida como uma educação a qual, baseada na liberdade e solidariedade humana, deve ser

adequada às necessidades de cada aluno e desenvolvida de forma vinculada à cidadania e

mercado de trabalho. Enquanto educação inclusiva, garante o acesso e permanência dos

alunos com deficiência a esse sistema de ensino regular, o qual deve se adaptar para

proporcionar a mesma qualidade de educação para todos.

Num quadro comparativo, de forma principiante, Freinet C. (1998, p. 175) já

havia desenvolvido a seguinte consideração acerca desse tema:

A educação deve ser móvel e flexível: ela deve necessariamente adaptar as suas

técnicas às necessidades variáveis da atividade e da vida humana. E educação

deve, de resto, no quadro desta dignidade, preparar tecnicamente, poder-se-á

dizer, o indivíduo para as suas tarefas imediatas.

Nota-se, por conseguinte, ideais correlacionados, contudo elaborados e

vivenciados distintamente. Uma união de tais propostas pode ser contributiva à

consolidação da prática da inclusão educacional ao entrelaçar as bases teóricas da

legislação brasileira às possibilidades de prática proposta pelo pedagogo.

Quando se fala em educação inclusiva se fala em direitos humanos, ou seja,

considera-se o ser humano em primeiro lugar, com seus direitos e sua necessidade de ser

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respeitado e aceito em sua diversidade de características. Da mesma forma, Freinet propõe

uma educação na qual é fornecida à criança não apenas o domínio intelectual de

determinado conhecimento, mas também o afeto e acolhimento indispensáveis para o

desenvolvimento de cada um enquanto ser humano.

Pela proposta do educador em questão, deve ser repensada a dicotomia entre

teoria e prática existente na educação, sendo esta desenvolvida de forma apropriada apenas

por meio da experiência dos alunos com o conhecimento (FREINET, C., 2004). No âmbito

da inclusão, a distinção entre teoria e prática se faz presente por um lado pelas escolas que

aceitam legalmente sem adaptação as necessidades de cada um, e por outro pelas

universidades ao produzirem conhecimentos teóricos os quais dificilmente alcançam a

maioria das instituições educacionais. Os ideais da prática educacional desenvolvidos pela

experiência se mostram pertinentes para a alteração desse quadro. Além da união entre as

universidades e as escolas visando uma inicial superação das atuações isoladas de ambas, a

inclusão deve ser vivenciada inicialmente para apenas depois ser discutida teoricamente

entre os alunos. Os alunos não irão praticar a inclusão porque decoraram o conceito ou por

serem subordinados a uma legislação nacional, mas por vivenciarem uma realidade de

conscientização das individualidades e de respeito e valorização das diferenças.

Questionando o modelo escolar tradicional o qual conduz os alunos a

armazenarem mentalmente definições teóricas desvinculadas das exigências da vida diária

de cada um, mais uma vez é encontrada consonância desse educador francês com a

proposta inclusiva. Essa escola tradicional também se mostra insuficiente ao aluno com

Síndrome de Down. Por impor o armazenamento de conteúdos, o aluno com essa condição

específica é prejudicado uma vez que possui como característica principal a dificuldade de

concentração, utilização de conhecimentos prévios e de armazenamento de informações.

Continuando a aproximação da Pedagogia de Freinet à temática da inclusão,

ressalta-se a procura de ambas pelo desenvolvimento de uma educação à disposição de

todos independente de suas dificuldades e diferenças tanto de capacidade educacional

quanto social dos educandos. Ambas as propostas, por sua vez, aos trazerem esses ideais

como norteadores, esbarram em mesmos obstáculos: como tornar a educação adequada às

diversas realidades frente às diferenças e dificuldades enfrentadas pelas estruturas

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organizacional, social e econômica das escolas?

Célestin Freinet contorna essa situação numa proposta de educação que se

adapte frente às diferentes realidades e necessidades dos alunos, sem a exigência de

adequação dos alunos ao ensino pré-moldado. Freinet encontra a solução para as escolas

por meio de um trabalho educacional alicerçado por princípios a disposição de todos,

porém pouco empregados de fato. Se as escolas atuais mecanizaram a relação e o processo

de ensino aprendizagem, o educador enfatiza a importância dos aspectos de afetividade,

cooperação e respeito, com o professor se colocando no lugar do aluno para se

conscientizar dos sentimentos destes, assim como seus medos e incertezas, para a execução

de uma tarefa educacional. Esses aspectos são indispensáveis para a concretização da atual

proposta da inclusão educacional, afinal, para que ela de fato ocorra, além de afetividade,

paciência e cooperação entre todos, a empatia torna-se indispensável.

Pela empatia os alunos colocam-se uns nos lugares dos outros respeitando as

diferenças individuais, os professores vivenciam o papel não apenas do aluno ali presente

com uma deficiência, mas também dos pais destes, com seus receios, inseguranças e muitas

vezes desconhecimento a respeito da condição e também das potencialidades de seu filho,

num ambiente diferente do qual ele ainda não participava – as escolas regulares.

Especificamente em relação à empatia, Freinet (FREINET C. apud FREINET, E., 1975, p.

20) reitera:

O meu único talento de pedagogo é talvez o ter guardado uma tão total impressão

dos meus jovens anos, que sinto e compreendo, como criança, as crianças que

educo. Os problemas que eles põem e que são um tão grave enigma para os

adultos, ponho-os ainda a mim mesmo com as claras recordações dos meus oito

anos e é como adulto-criança que detecto, através dos sistemas e dos métodos

com que tanto sofri, os erros de uma ciência que esqueceu e ignorou as suas

origens.

Ademais, Freinet C. (1975) ressalta que pressões e imposição de características

negativas afastam o ser humano da tarefa podendo até mesmo criar aversão a ela, sendo

apenas por bondade, confiança e amor que o professor consegue, de fato, conduzir uma

criança no seu conhecimento. Transpondo tais entendimentos para a educação inclusiva,

pode-se esclarecer que a imposição da aceitação das diferenças pressionando os alunos a

agirem de determinada forma com um aluno com Síndrome de Down, ou com qualquer

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outra condição, pode afastar ainda mais esses alunos. Apenas com amor e afetividade, o

professor pode de fato auxiliar todos a compreenderem as diferenças de um aluno com

deficiência e instigá-los a não apenas conviverem, mas respeitá-lo e a criarem vínculos

afetivos assim como com os demais.

Confirmando as propostas acima, Freinet C. (1975) destaca que a escola deve,

portanto, adaptar sua forma de funcionamento e atuação educacional em consonância com

o desenvolvimento da sociedade e com os novos ideais os quais os alunos vivenciam, sem

obrigá-los a se enquadrarem numa estrutura escolar organizada segundo determinações e

conceitualizações de momentos históricos anteriores. Deve, portanto, proporcionar uma

aprendizagem significativa relacionada ao contexto sociocultural do aluno.

A pedagogia humanista de Freinet propicia a colaboração, solidariedade,

conhecimento empírico e real na prática, fatores esses necessários e algumas vezes faltantes

na atual escola, falta essa que dificulta a implantação de uma prática inclusiva num

ambiente no qual os alunos são classificados e imersos apenas em teorias, e não práticas de

vida.

Suas proposições a respeito da prática pedagógica são perfeitamente aplicáveis

em qualquer nível de ensino, e possuem a potencialidade de contribuição com a construção

dessa nova proposta de educação inclusiva. A legislação trouxe obrigações inclusivas ao

sistema educacional e necessidade de atualização dos profissionais da educação, contudo

mais do que uma teoria inclusiva, a concretização da inclusão depende de uma

conscientização da necessidade e importância de tais atos, o que se dá apenas por meio de

um trabalho sério fundamentado nos valores humanos, conforme proposta de Célestin

Freinet.

Esse educador defendeu que uma mudança social é possível por meio da

mudança das ações de cada pessoa de forma individual. Pode-se extrair dessa crença que a

inclusão, não apenas educacional mas também social, é sim possível, e a propagação de

conhecimento e aquisição de atitudes e comportamentos inclusivos desenvolvidos por cada

aluno dentro de uma aula irão contribuir decisivamente para todo o âmbito social.

Nessa questão, a proposta de Freinet para uma educação voltada para o

trabalho, que seriam as atividades que o aluno realiza em seu dia-a-dia, pode ser

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facilitadora da inclusão para o aluno com Síndrome de Down nos demais cenários sociais,

extrapolando o contexto educacional ao enfatizar a realização de tarefas as quais serão

empregadas pelo aluno na sua vida diária. Ademais, os valores explorados na sala de aula

poderão ser levados para a comunidade contribuindo com a formação dos alunos enquanto

futuros cidadãos.

A inclusão envolve mais do que determinações legais e definições em teorias,

envolve o relacionamento humano e valores morais e éticos, os quais são evidenciados por

Freinet.

“A Pedagogia Freinet da Escola Moderna tem a pretensão de contribuir com a

prova de que as teorias generosas dos grandes pedagogos podem actualmente tornar-se

realidade” (FREINET, C., 1975, p. 15).

8.2.2 As técnicas como possibilidade inclusiva

O nosso papel e a nossa função, nesse grau primário que condiciona as

construções posteriores, serão justamente, agir, verificar, comparar, experimentar,

ajustar. Experimentar e ajustar não só materiais brutos ou peças mais ou menos

trabalhados, mas elementos de criação e de vida (FREINET, C., 2004, p.109).

Célestin Freinet propõe uma educação fundamentada em princípios e técnicas

específicas. De forma geral, esta deve ser prática e cooperativa, significativa e vinculada à

realidade cotidiana dos alunos.

Especificamente em relação à inclusão de alunos com Síndrome de Down nas

aulas de educação física escolar, a inclusão pode ser beneficiada com essa proposta. A

permanência de um modelo educacional tradicional que exalta a transmissão de inúmeros

conteúdos dissociados da realidade das crianças dificulta a participação ativa desse aluno e

exige uma restruturação desse padrão escolar antigo. É notório o fato do aluno com

deficiência intelectual ter sua presença contestada em prol da sua dificuldade em incorporar

e armazenar os conhecimentos teóricos os quais, contudo, na maioria das vezes não terão

contribuição decisiva na vida desses alunos ao serem trabalhados por memorização.

Dessa forma, trabalhar os conteúdos da educação física de forma associada à

realidade desses alunos e vinculada aos seus interesses e atividades do cotidiano pode

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auxiliar o desenvolvimento e o aprendizado de cada aluno, com cada um se desenvolvendo

segundo suas capacidades e realidade. Essa possibilidade de aula se mostra mais adequada

do ponto de vista educacional do que aulas baseadas em níveis de rendimento pré-

esperados as quais, não apenas para o aluno com Síndrome de Down, mas para todos que

apresentarem dificuldade na execução do exercício em questão, não irão trazer

contribuições ao desenvolvimento e formação humana, apenas os afastarão da prática e se

tornarão conteúdos esquecidos, como muitos dos escolares.

Para a execução prática de sua perspectiva pedagógica em contraposição à

realidade escolar até então vivenciada, Freinet buscou técnicas consoantes com a condição

das escolas em locais que sofriam com descasos e dificuldades políticas e econômicas,

defendendo um novo modelo educacional adequado e viável a todos. Da mesma forma,

esse estudo busca alternativas para contribuir com a inclusão tendo consciência das

diferentes realidades escolares brasileiras, nas quais em muitas vezes o descaso e

precariedade tornam-se marca constante das escolas públicas. A aproximação com Freinet,

mais uma vez, é alicerçada em semelhantes dificuldades, contudo, em iguais determinação

e força de vontade de educadores em prol do estabelecimento de uma educação com

qualidade e acessível a todos.

Como ponto principiante na organização de uma aula, a ênfase dada ao aspecto

da cooperação torna-se fundamental para a educação proposta por Freinet, como uma forma

de estimular a solidariedade e a democracia, anulando individualidades que poderiam

sobrepor uns aos outros. Da mesma forma, a inclusão nas aulas de educação física de um

aluno com deficiência, especificamente com Síndrome de Down, exige que o professor

trabalhe de forma a proporcionar o desenvolvimento da cooperação entre os alunos,

desenvolvendo a solidariedade e respeito às diferenças, base fundamental para um projeto

educacional inclusivo.

Num segundo momento, as técnicas desse educador francês podem auxiliar na

inclusão educacional, encaixando-se perfeitamente nesse contexto, apesar de, quando

publicadas, o educador não citar especificamente a inclusão de alunos com deficiência nas

escolas regulares, questão esta ainda não estruturada no momento histórico em questão.

É válido, por conseguinte, uma especificação das possibilidades de trabalho

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inclusivo com os conteúdos da educação física por meio das técnicas então elaboradas.

Na técnica denominada de “Livro da Vida” – no qual um diário de classe é

construído diariamente com contribuições escritas oriundas das opiniões dos alunos e

professores – o professor pode identificar as compreensões dos alunos acerca da inclusão

educacional estabelecendo relações destas opiniões com os conteúdos em sala trabalhados.

Em posse desses dados, atividades podem ser planejadas buscando trabalhar os conceitos

que se mostrarem necessários.

Da mesma forma, pelo “Jornal-Mural”, com folhas disponibilizadas em paredes

da quadra ou espaço da aula com os itens “Eu Proponho”, “Eu Critico” e “Eu Felicito” a

serem preenchidos pelos alunos quando necessários, os acontecimentos e ideias dos alunos

a respeitos destes eventos serão expostos facilitando uma posterior discussão e reflexão

conjuntamente com o professor nos momentos finais de cada semana, de acordo com as

necessidades da sala. Nesse momento, questões relacionadas às dificuldades específicas da

inclusão poderão ser observadas e identificadas pelo professor, e posteriormente serem

discutidas numa reunião da cooperativa, onde alternativas podem ser encontradas em

comum acordo com os próprios alunos. Estas questões podem ser trabalhadas não apenas

durante a reflexão do acontecimento, mas também em posteriores atividades a serem

planejadas pelo professor, direcionando-as para a exploração de um conceito ou

característica apresentado na reflexão. Com as dificuldades apresentadas explicitamente, a

busca pela solução de cada uma torna-se mais fácil e com maior probabilidade de alcance

de resultados positivos.

Pelo trabalho com os “Textos Livres”, o professor pode solicitar – como tarefa

de casa ou num dia de chuva em uma escola que não possui espaço coberto para aulas

práticas, por exemplo - a construção de textos assim como de propostas de atividades a

serem feitas pelos alunos sobre os diversos conteúdos da educação física, inserindo-os

nesse contexto pedagógico, mas sem a imposição de temas pré-definidos. Posteriormente,

essa construção pode ser feita em grupos visando a colaboração de todos e a participação

ativa do aluno com Síndrome de Down, estimulando também a socialização de forma a

permitir a participação efetiva de todos uma vez que em pequenos grupos é maior a

possibilidade de participação e de interação entre todos do grupo. A partir dessa construção

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dos alunos, as ideias referentes à inclusão educacional podem transparecer e até mesmo

serem discutidas pelo professor. Dessa forma, uma proposta de atividade escrita por um

aluno pode conduzir a uma discussão a respeito da adaptação dessa atividade para permitir

a participação de todos, explorando não apenas a deficiência intelectual, em questão, mas

várias outras possíveis deficiências e dificuldades que possam vir a serem apresentadas.

Já pelo “Jornal Escolar” – no qual há a reprodução e posterior envio dos textos

livres – as ideias construídas sobre a inclusão nas aulas de educação física, assim como

atividades propostas ao alcance de todos podem ser distribuídas para as famílias e

comunidade. Dessa forma, o ideal inclusivo rompe as estruturas escolares caminhando ao

encontro da sociedade a qual essa escola está inserida. Nesse caso, em substituição aos

antigos mimeógrafos, o computador tem potencial facilitador não apenas proporcionando

uma numerosa e rápida quantidade de cópias, mas também podendo atuar como um veículo

a ser explorado como difusor dos trabalhos produzidos.

Pela técnica do “Fichário Escolar”, podem ser preparadas e trocadas entre os

professores fichas com as atividades de diferentes conteúdos de educação física já

trabalhados em aula e as possíveis adaptações que foram necessárias para a participação

efetiva do aluno com Síndrome de Down. Longe de servir como uma receita, esse fichário

pode divulgar possibilidades de práticas e de adaptações a serem feitas por outros

professores, norteando-os e auxiliando-os em possíveis ações a serem tomadas segundo as

necessidades do momento.

Observa-se, nesse processo inclusivo, os alunos com deficiências indo ao

encontro dos demais alunos. Contudo, por que não os próprios alunos sem deficiência

também irem ao encontro das pessoas com deficiência?

Nesse contexto, as técnicas de intercâmbio e correspondência interescolar

podem contribuir.

Nessas técnicas há uma troca de materiais entre os alunos, que podem ser um

texto, um trabalho ou vídeos produzidos em aula, ou qualquer material que acharem

oportuno. Além da possibilidade de troca desses materiais entre diferentes escolas com o

propósito de discussão sobre a inclusão e as possibilidades que cada uma encontrou,

também pode haver um contato entre uma escola regular e uma escola especial. Após um

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inicial desconhecimento, principalmente dos alunos das escolas regulares em relação às

escolas especiais, esse contato entre ambas e a instigação da formação de vínculos afetivos

entre elas, pode estimular o desenvolvimento de conhecimento acerca das diferenças, fator

indispensável para o posterior respeito e aceitação das mesmas. A respeito dessa técnica

Sampaio (1989, p. 197) explica: “Nesse processo as crianças estarão aprendendo a respeitar

essas diferenças, a tolerar, admitindo outros modos de vida e aceitando os outros tal qual

eles são”.

Já as correspondências entre professores pode facilitar a troca de experiências,

de materiais pedagógicos e de possibilidades de solução de problemas na implantação da

inclusão.

Numa outra técnica possível de ser empregada, a “Aula-Passeio”, um encontro

entre as duas escolas pode ser organizado, no final do período letivo, fundamentado nos

ideais inclusivos e humanos até então trabalhados. Em aulas-passeio os alunos podem ser

levados até uma aula de educação física de uma escola especial, e posteriormente, podem

conjuntamente com o professor, preparar uma aula para receberem esses alunos em sua

escola. Pela auto-avaliação, o professor pode discutir com os alunos quais aspectos poderão

ser avaliados por eles, brecha fundamental para trabalhar conceitos como a importância da

vivência e participação crítica em cada conteúdo em detrimento da busca pelo desempenho

motor mecanizado. Ademais, nesta técnica, os alunos podem ser levados em locais que

propiciem conhecimento acerca das pessoas com deficiência substituindo o possível

desconhecimento desses alunos pelo respeito e conscientização das potencialidades dessas

pessoas, como em locais de prática de atividades física específica para pessoas com alguma

condição de deficiência, como esportes adaptados ou práticas de dança adaptada.

Já para a organização da aula, Freinet propõe um “Plano de Trabalho” a ser

organizado por meio de uma cooperativa escolar, ou seja, os professores explicam os

conteúdos necessários de serem trabalhados durante o período e os alunos auxiliam na

divisão e organização desse currículo. Dessa forma, o educador, ao respeitar as ideias e

propostas de um aluno com Síndrome de Down, estimula o restante da sala a agir conforme

seu exemplo. Discussões sobre como organizar esse conteúdo perante as diferentes

dificuldades também podem instigar os alunos a pensarem acerca das diferenças e

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buscarem alternativas respeitosas a todos. Ademais, as possibilidades de exploração dos

conteúdos da educação física tornar-se-ão explicitas aos alunos, auxiliando no rompimento

da monocultura esportiva e na introdução da vivência das diferentes práticas da cultura

corporal compreendidas pela área.

Por fim, uma possibilidade pertinente para a facilitação da inclusão de alunos

com Síndrome de Down na rede regular de ensino é a proposta de Célestin Freinet referente

à organização das aulas em “cantos”, também denominados de “oficinas”, nos quais

atividades diferentes são desenvolvidas concomitantemente.

Sabendo que o objetivo é que todos os alunos vivenciem os diferentes

conteúdos da educação física, conhecendo-os, praticando-os e transformando-os, se assim

desejarem, a aula de educação física pode ser organizada em cantos com cada um

explorando um conteúdo específico da área.

Há, por conseguinte, por meio desta técnica, uma possibilidade de superação da

ainda presente hegemonia de alguns conteúdos – principalmente o esporte e o jogo – sobre

outros, como demonstrado na pesquisa de campo apresentada nesse estudo. Uma

possibilidade de trabalho é um início de aula com apenas dois cantos, associando um

conteúdo já presente na realidade das crianças e de preferências dos próprios, como o

esporte, com outro canto com um conteúdo diferente, como um trabalho com dança, e por

meio desses cantos ir apresentando as diversas outras possibilidades temáticas para os

alunos. Com mediação do professor pode-se, aos poucos, superar a resistência dos alunos

induzindo-os a vivenciarem a diversidade de conteúdos por meio da rotatividade dos

educandos pelos diferentes cantos presentes durante a aula.

Com a aula dividida em cantos, diferentes níveis de desenvolvimento também

são possíveis de serem trabalhados concomitantemente. A aula deixa de propor uma

atividade e um resultado padronizado para todos os alunos, facilitando que todos tenham

vivências positivas, na atividade que mais se adequarem ao seu gosto e nível de

desenvolvimento.

Segundo o educador, as crianças não possuem o mesmo ritmo de

desenvolvimento, sendo necessário respeitar essas diferenças e também auxiliar cada aluno

a se desenvolver de acordo com suas necessidades (ELIAS, 1997).

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Os alunos com Síndrome de Down possuem características diferentes entre sim,

e não existe uma aula com um formato específico que seja mais adequado para essa

população, uma vez que esta é uma população tão heterogênea entre si quanto o restante

dos indivíduos sem deficiência. Dessa forma, as técnicas de Freinet com aulas em oficinas

que explorem diferentes capacidades e níveis de habilidades poderá permitir a participação

de todos.

Freinet defende ainda que a aquisição de um conhecimento não ocorre pelo

inicial estudo das regras, mas por uma primeira experimentação do conteúdo (ELIAS,

1997). Dessa forma, torna-se adequado oportunizar que inicialmente os alunos tenham

contato com atividades em cada canto, para posteriormente ir incorporando as regras assim

como construindo novas conjuntamente com os alunos, em substituição às aulas

mecanizadas e enfaticamente técnicas que, conforme verificado pelo estudo de caso

anteriormente apresentada, dificulta a inclusão de alunos com Síndrome de Down.

Dessa forma, os alunos podem permanecer em um canto com as atividades mais

próximas ao seu nível de desenvolvimento e sua atual capacidade, e aos poucos ir

explorando os demais cantos nos quais os níveis de dificuldades são maiores,

proporcionando que vivenciem aos poucos as suas dificuldades de forma a superá-las com

determinação e também segurança, sem a imposição nem a obrigação de terem de realizar

determinada atividade com um nível de resultado estabelecido.

Os cantos, segundo Freinet E. (1983), não apenas respeitam a autonomia das

crianças, mas também as suas diferentes necessidades. Com eles, pode-se ora trabalhar um

mesmo objetivo com todos ora com diferentes objetivos segundo os variados níveis de

desenvolvimento e preferências. Sabendo da dificuldade em manter uma participação ativa

dos alunos com Síndrome de Down durante as atividades e com interação positiva entre

esses e os demais alunos, como visualizado na pesquisa desenvolvida, os princípios de

Freinet mais uma vez podem colaborar. Ao saber que a participação ativa foi facilita pelo

caráter de vivência e ludicidade, cantos com atividades vivenciadas ludicamente em

detrimento das convencionais aulas monotemáticas organizadas em moldes de treinamentos

podem propiciar a tão buscada participação ativa de todos em atividades adequadas às

necessidades de cada um.

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Por conseguinte, pode-se, nesse momento, construir o quadro abaixo, buscando

uma organização dos ideais e das propostas sugeridos até esse momento:

Quadro 1 – As técnicas de Freinet como facilitadoras da inclusão nas aulas de

educação física escolar

TECNICAS DE

FREINET

POSSIBILIDADES PARA A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO

FÍSICA ESCOLAR

Livro da Vida

Registro das compreensões do aluno acerca da inclusão,

permitindo ao professor a identificação dos conceitos

necessários a serem trabalhados.

Jornal Mural

Registro dos conflitos relacionados à questão inclusiva, com

posterior discussão coletiva, buscando construir conhecimento

sobre formas de superá-los e do respeito às diversidades.

Textos Livres

Construção de textos sobre a temática da inclusão na educação

física, e criação de atividades pelos alunos instigando-os a

refletirem sobre a necessidade de participação de todos.

Jornal Escolar

Reprodução e divulgação dos textos e atividades construídas

para a comunidade escolar, propagando os ideais inclusivos.

Fichário Escolar

Construção de fichas sobre as condições de deficiências,

adaptação das aulas e temáticas inclusivas visando nortear o

trabalho dos professores.

Aula Passeio

Visitas à locais de prática de atividades físicas destinadas à

pessoa com deficiência, e à aulas de educação física de escolas

especiais, construindo conhecimento sobre as diferentes

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realidades e buscando o respeito às diferenças.

Plano de Trabalho –

Cooperativa Escolar

Permitir que os alunos auxiliem na organização os conteúdos

da educação física no planejamento anual, estimulando-os a

criarem possibilidades para permitir a participação de todos

nesses conteúdos ao longo do ano.

Aulas em Cantos

(Oficinas)

Organização da aula em diferentes atividades sendo realizadas

concomitantemente, atividades estas com diferentes níveis de

dificuldades e exigências, permitindo atividades adequadas às

diversidades dos alunos.

Essa diversidade de sugestões educacionais permite ao professor reconstruir

suas aulas constantemente, adaptando-as às necessidades e características da turma. De

forma a exemplificar as discussões até então desenhadas, sugestões quanto ao trabalho com

cada conteúdo são desdobradas abaixo, não para serem reproduzidas em sua integridade,

mas para fornecerem uma ilustração de forma a induzir o desenvolvimento da criatividade

dos educadores para empregarem as técnicas da pedagogia de Freinet em sua organização

didática de diferentes formas, em prol da construção de uma aula inclusiva.

Exemplificando, no conteúdo Jogo, fundamentado pela técnica dos “textos

livres”, os alunos podem ser organizados em pequenos grupos para construírem, ao invés

de textos, jogos a serem vivenciados com os demais da sala, associando os conhecimentos

prévios ao seu potencial criativo. Durante essa construção, os alunos podem ser induzidos a

considerarem questões pertinentes à temática da inclusão, como possibilidades de

organização de uma atividade de forma que todos tenham uma participação ativa e

propostas de soluções para as possíveis dificuldades que possam vir a ocorrer, dificuldades

estas as quais podem ser alertadas pelo professor. Alunos com Síndrome de Down devem

ser estimulados a contribuírem com as criações e com a apresentação da proposta para a

sala, trabalhando com os demais o conhecimento e respeito às características dessa

condição e também formas de auxiliar esses alunos a também participarem e a

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desenvolverem a tarefa.

Já em sugestão referente ao conteúdo Esporte, pode ser explorada a técnica da

“aula em canto”. Diferentes modalidades podem ser trabalhadas concomitantemente

possibilitando maior equidade de espaço às diferentes temáticas, bem como de respeito ao

desconhecimento e receio dos alunos para com os temas até então não comumente

vivenciados. Há também a possibilidade de organização de um rodízio entre os cantos ao

trabalhar com uma modalidade específica (em um canto pode-se vivenciar um jogo pré-

desportivo, em outro as discussões a respeito de uma temática inclusiva relacionada a tal

prática, no canto seguinte vivências de técnica e tática, e ainda em um último canto uma

vivência próxima à modalidade oficial). Dessa forma, as capacidades de cada aluno são

consideradas ao organizar atividades com diferentes níveis de dificuldades, havendo maior

probabilidade de serem desenvolvidas beneficamente, respeitando as preferências

individuais à variedade de atividades propostas e o nível de desenvolvimento e capacidade

dos mesmos, mesmo quando esse apresenta alguma condição de deficiência como a

Síndrome de Down, sendo uma possibilidade de superação dos ideais pré-concebidos de

limitação e incapacidade destes.

Com o conteúdo Dança, a organização de um “plano de trabalho”

conjuntamente com os alunos, por meio da denominada cooperativa escola, pode ter

relevante validade educacional. A turma pode auxiliar na organização de um determinado

período de aulas, como um mês, definindo a progressão e temática das mesmas com auxílio

e orientações do professor. As propostas de temas a serem trabalhados em cada aula, assim

como as modalidades de danças sugeridas pelos alunos, devem ser consideradas, cabendo

ao professor o posterior planejamento dos planos de aula fundamentados nas escolhas da

turma. Dessa forma, o conteúdo passa a ser valorizado e refletido pelos alunos, além de

possibilitar o desenvolvimento da criatividade e autonomia destes. Respeitando as escolhas

e ideias propostas por um aluno com Síndrome de Down, o professor pode induzir os

demais alunos a fazerem o mesmo, vivenciando com a turma a adequada forma de

interação. Ademais, o professor, ao mesmo tempo no qual valoriza as escolhas dos alunos,

também tem a possibilidade de organizá-las de forma que um aluno com deficiência tenha

uma participação ativa, sendo que tais organizações da sala podem ser discutidas

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coletivamente, não expondo o aluno com deficiência, mas discorrendo sobre a necessidade

de respeitar as diferenças, de permitir que todos participem efetivamente da aula e desta ser

organizada de forma respeitosa às características de cada um.

Quanto ao conteúdo específico da ginástica, cantos com diferentes materiais e

possibilidades de movimentos podem ser organizados, permitindo que os alunos

movimentem-se entre eles e vivenciem as variedades presentes nesse conteúdo,

compreendendo que poderão encontrar facilidade em uma atividade e maior dificuldade em

outras. Os alunos poderão vivenciar os materiais e encontrar os que os agradam, assim

como os movimentos da ginástica nos quais melhor se adaptam e, posteriormente, com

maior segurança, vão se aproximando aos poucos dos demais cantos e aprendendo novas

possibilidades, segundo seu próprio interesse e não por exigência do professor, o que torna

o aprendizado mais agradável e empolgante ao próprio aluno e, consequentemente, o

estimulará a aprender e a se superar cada vez mais. O professor deve, portanto, servir como

um mediador, um auxiliador e estimulador do aluno, ao mesmo tempo no qual deve

organizar cantos respeitando as necessidades e possibilidades individuais, incluindo todos

os alunos, com atividades de diferentes níveis de dificuldades e preferências.

Por fim, o conteúdo Luta, pode ser explorado por meio de “aulas passeios”.

Visitas a locais de práticas de modalidades específicas podem ser feitas, assim como a

locais referentes às diversas culturas originárias das lutas, possibilitando conhecimento da

história e dos valores imbuídos em tais práticas. Dessa forma, um rompimento com a

relação entre o conteúdo educacional luta e a violência presente na sociedade pode ser

estabelecida. Ademais, os alunos podem ser levados para instituições especiais ou locais

nos quais pessoas com deficiência pratiquem tal conteúdo, explorando o ideal de respeito e

valorização das diferenças, o que facilita a inclusão do aluno com uma condição de

deficiência na turma, como a Síndrome de Down.

Para a inclusão, um sistema educacional segundo as necessidades individuais e

respeitoso às dimensões afetivas e reais da vida prática de aluno – assim como o ideal de

educação proposto por Freinet – é necessário. Uma ruptura ao modelo e conceitos

tradicionais de ensino deve ser estabelecida. E em relação a isso, Freinet C. (2004, p. 342)

esclarece que “é toda uma revolução a operar, uma corrente a restabelecer num leito desde

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há muito tempo abandonado e obstruído pelos aluviões e pelos troncos vivazes que já

retomaram raízes. Não me iludo sobre as dificuldades da tarefa”.

A implantação dessas técnicas em favor do desenvolvimento da educação

inclusiva poderá não ser simples de ser estabelecida, podendo ter de superar barreiras

diversas, como o próprio receio de profissionais da escola e dos pais. Contudo, as

possibilidades aí se apresentam, exigindo determinação e coragem dos professores, em

busca da construção dessa nova educação física necessária para a contribuição na

construção da atual sociedade inclusiva.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS – ENTRE AS PINTURAS EXISTENTES E

AS FUTURAS

A inclusão exige o reconhecimento e respeito às diferenças. Seria, portanto, um

equívoco associá-la apenas a um sinônimo de dificuldade na educação. Ao contrário, deve

ser compreendida como uma oportunidade de transformação e de amadurecimento não

apenas do espaço acadêmico, mas de todas as diversas organizações sociais (SOLER,

2005).

Fundamentado nesse entendimento, no estudo aqui apresentado foram

associados os ideais de Célestin Freinet ao processo inclusivo de alunos com Síndrome de

Down nas aulas de educação física escolar, de forma desejosa a construir uma educação

respeitosa e de fato adequada a todos, conforme ilustração da figura abaixo.

Síndrome de Down

Educação Física Pedagogia de Freinet

Figura 28 - A inclusão do aluno com Síndrome de Down nas aulas de educação física

escolar fundamentada pela Pedagogia de Célestin Freinet.

No estudo de caso desenvolvido, foi possível observar algumas dificuldades de

viabilizar a inclusão no cenário escolar, como a predominância dos conteúdos de esporte e

de jogo, a ocorrência de interações negativas entre os alunos, a participação passiva dos

alunos com Síndrome de Down em aulas de esporte e de jogo devido a incompreensão

INCLUSÃO

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destes sobre as atividades que estavam sendo desenvolvidas, além de barreiras atitudinais e

de conhecimento do professor devido a precariedade de conhecimento a respeito das

diferentes condições de deficiência e sobre como planejar uma aula com todos os conteúdos

de forma adequada a todos, independente de suas características.

Dessa forma, reorganizando as principais conclusões oriundas desse trabalho,

pode ser construído, nesse momento, um quadro relacionando os entraves que dificultaram

a inclusão dos alunos com deficiência, observados na pesquisa de campo, com as

respectivas possibilidades de superação desses, segundo as ideias discorridas no capítulo

sobre Célestin Freinet.

Quadro 2 – Quadro comparativo entre as principais dificuldades de inclusão de um

aluno com deficiência nas aulas de educação física escolar, encontradas na pesquisa de

campo, e as alternativas obtidas por meio do estudo da Pedagogia de Célestin Freinet.

Dificuldades observadas Possibilidades obtidas por meio da Pedagogia de Freinet

Predominância de alguns

conteúdos sobre os outros

A técnica de “aula em cantos” possibilita que mais de um

conteúdo seja explorado ao mesmo tempo, incluindo as

atividades alternativas, permitindo a inserção de práticas

pouco vivenciadas conjuntamente com as preferidas pelos

alunos. Já pelo “plano de trabalho por cooperativa escolar”,

os alunos participam da organização curricular, conhecendo a

diversidade e a necessidade de vivência dos conteúdos.

Participação passiva dos

alunos com deficiência

A técnica de “aulas em cantos” permite que atividades com

diferentes níveis de dificuldades e de variadas temáticas

sejam trabalhadas concomitantemente, possibilitando a

participação de todos com tarefas adequadas às capacidades e

preferências de cada aluno. Além disso, é proposto que o

professor estimule a participação de todos, valorize o

desempenho individual e substitua o modelo tradicional de

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ensino por um adaptado às necessidades da turma.

Barreiras atitudinais -

Interações negativas entre

os alunos

A estimulação do respeito às diferenças pode ocorrer por uma

educação humana, cooperativa e afetiva, baseada na empatia

e na substituição do ideal de individualismo pelo de

solidariedade. Ademais, as técnicas do “livro da vida” e do

“jornal-mural” possibilitam a discussão e busca por soluções

coletivas dos conflitos que venham a ocorrer.

Barreiras de conhecimento

– Atuação despreparada

do educador

As técnicas de “fichário escolar” e “correspondência

interescolar” podem propagar conhecimentos entre os

professores sobre as possibilidades de adaptação e soluções

frente às dificuldades referentes ao processo inclusivo.

Conforme verificado neste quadro, os ideais de Freinet podem ter contribuição

relevante no processo de reconstrução educacional em prol da estruturação de uma

educação acessível e de qualidade. Por meio destas propostas, os conteúdos da educação

física podem ser explorados em diversidade de possibilidades de forma a favorecer a

participação ativa de todos, independente de suas diversidades de características.

Ressalta-se, por conseguinte, a necessidade da escola respeitar a diversidade

existente entre cada indivíduo. Sabendo que essa diversidade é inata e persistente - mesmo

com a intenção mundial de globalizar costumes, hábitos e comportamentos - é impensável

uma tentativa escolar de padronizar exercícios e resultados esperados, sendo a inclusão uma

forma de conscientização das diferenças e do dever de respeitá-las.

O acesso ao sistema escolar regular é garantido pela lei, cabendo agora a

transformação e reconstrução deste para permitir a permanência com qualidade de todos os

alunos, incluindo aqueles que apresentarem alguma condição de deficiência.

A escola tem a difícil e necessária tarefa de transformar seu processo de ensino-

aprendizagem, possibilitando que os alunos recriem e transformem os conteúdos escolares

em substituição à anterior didática fundamentada na memorização de conhecimentos

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acumulados há séculos. Pode-se, até mesmo dizer, que a inclusão das pessoas com

deficiência nas escolas regulares está auxiliando o sistema educacional a, finalmente, se

atualizar. Os professores são obrigados a repensar sua prática e a escola a repensar sua

função e estrutura.

Convive-se com o medo, o receio e a insegurança diante dessas novas

possibilidades e exigências do ensino escolar. Porém essas incertezas caminham

paralelamente às novas possibilidades de transformação do ensino.

Paulo Freire (1996) ressalta que os seres humanos são condicionados, mas não

determinados, aos diversos fatores, o que traz a possibilidade de transformação de sua

realidade. Pode-se dizer, portanto, que a sociedade está condicionada a enquadrar-se em

padrões e rejeitar as diferenças, e sendo isso apenas condição, esta pode ser alterada, com

muito empenho, perseverança e uma atuação pedagógica eficaz, iniciando na escola uma

mudança fundamentada no desenvolvimento dos valores e ideais de respeito e da aceitação

das diferenças, que pode se refletir em toda a sociedade.

Dessa forma, é indispensável uma aproximação entre a teoria e prática, uma

formação reflexiva nos cursos superiores e a propagação dos conhecimentos produzidos no

cenário acadêmico para os professores que não se encontram mais nesse meio de forma a

permitir a atualização profissional destes (SILVA, SEABRA JUNIOR, ARAUJO, 2008).

Por conseguinte, pesquisas a essa temática precisam continuar a serem

desenvolvidas e chegarem até os ambientes escolares, acompanhando o desenvolvimento

da prática inclusiva e propondo alternativas às possíveis dificuldades encontradas.

Esse trabalho foi desenvolvido por meio de um estudo de caso, com limitações

quanto à quantidade de alunos, eventos, locais e interações observados. Nesse momento,

alguns pontos de reflexões são possíveis de serem alcançados, com presumíveis propostas

de estudos a serem elaboradas em vistas da ampliação do entendimento desse contexto:

Estudos aplicando diferentes propostas e metodologias educacionais

visando facilitar e contribuir com o processo inclusivo tornam-se

pertinentes, nesse momento, com o desenvolvimento de pesquisas de

intervenção.

Estudos com número maior de salas ou escolas observadas, assim como

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com diferentes condições de deficiência podem ser relevantes para o

estabelecimento de uma compreensão mais abrangente acerca da

temática da inclusão escolar, assim como sobre as possibilidades da

diferentes propostas, como a Pedagogia de Freinet, para cada condição

de deficiência.

A capacitação dos professores para atuarem com metodologias

específicas, adaptando-as ao contexto inclusivo é um espaço ainda

pouco explorado e exigente de maiores estudos. Propostas diversas

podem ser elaboradas, assim como métodos de capacitação dos

profissionais para atuarem com estas.

A importância da equipe multidisciplinar é ressaltada para a construção

de um cenário escolar inclusivo. Professores, professores especialistas,

médicos, gestores escolares e funcionários devem atuar de forma

integrada para maior compreensão das condições particulares dos alunos

e para a construção de uma organização pedagógica adequada às

necessidades individuais. Estudos sobre essa atuação conjunta, assim

como sobre propostas de organização da equipe multidisciplinar tornam-

se relevante para a elaboração e consolidação de propostas

diversificadas, como a da implantação da Pedagogia de Freinet.

A estrutura social se transforma continuamente desencadeando e exigindo

também alterações no âmbito educacional. Torna-se preciso, portanto, conforme o Coletivo

de Autores (1992), desestabilizar a realidade escolar atual, para ser possível estruturar,

convencer e consolidar um novo projeto educacional que caminhe ao encontro da

democracia do país.

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ANEXOS

ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética

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ANEXO B – Instrumento de avaliação da interação entre alunos com e sem

deficiência na educação física escolar (SALERNO; ARAÚJO; SILVA, 2009)

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