ASSESSORIA DE IMPRENSA DO GABINETE - … 8... · O próximo filme a integrar o projeto das sessões...

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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS Edição 54 [ 8/9/2011 a 15/9/2011 ]

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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 54[ 8/9/2011 a 15/9/2011 ]

Sumário

CINEMA E TV...............................................................................................................3O Globo - Seleção brasileira de longas entra em campo em Toronto.............................................3O Estado de S. Paulo - Uma alegria selvagem...............................................................................3O Estado de S. Paulo – E a Vitrine amplia o seu espaço................................................................4O Estado de S. Paulo - A arte de representar, por quem a entende...............................................5O Globo - Começa a corrida da Première.......................................................................................5O Globo - Uma lenda urbana cinéfila a caminho das telas..............................................................6Correio Braziliense - Com licença, vou à luta .................................................................................8

TEATRO E DANÇA......................................................................................................8O Estado de S. Paulo - Cia. de dança Deborah Colker lança peça inspirada em romance russo. .8Correio Braziliense - Memórias de um furacão..............................................................................10Estado de Minas - Criação em movimento....................................................................................11

ARTES PLÁSTICAS...................................................................................................12O Globo - Seis brasileiros em Paris...............................................................................................13O Globo - Quatro expoentes de uma nova geração .....................................................................14O Globo - Um lado pouco conhecido de Mira Schendel ...............................................................15Isto é – Museu de grandes novidades...........................................................................................16

FOTOGRAFIA............................................................................................................17Isto é – Uma semana de fotografia................................................................................................17

MÚSICA......................................................................................................................17Estado de Minas – Banguê: Personagens e ritmos brasileiros .....................................................17Estado de Minas - Com a bênção de Xangô ................................................................................18Correio Braziliense - A canção nua e perfumada..........................................................................19Correio Braziliense - Sereias no samba........................................................................................20Correio Braziliense – O evangelho segundo Gismonti .................................................................21Folha de S. Paulo – Orquestra Espiritual .....................................................................................23O Estado de S. Paulo - Jardim elétrico de lirinha..........................................................................24Folha de S. Paulo - Percussionista das estrelas toca em SP........................................................25

LIVROS E LITERATURA...........................................................................................26La Nacion (Argentina) - Fiesta de la literatura con un Nobel y un homenaje a Brasil....................26Folha de S. Paulo - Livro reúne contos do jovem Guimarães Rosa..............................................27O Globo - Outras leituras possíveis sobre a MPB.........................................................................28Folha de S. Paulo - Na era do e-book, Bienal do Rio é analógica.................................................29Correio Braziliense - Na medida certa...........................................................................................30O Globo - Herança maldita?..........................................................................................................31

MODA.........................................................................................................................32O Estado de S. Paulo - Tecnologia e vida em diálogo..................................................................33

GASTRONOMIA.........................................................................................................33Jornal de Brasília -Os sabores do Brasil na França .....................................................................34

OUTROS.....................................................................................................................34Correio Braziliense - Brasília independente .................................................................................34Estado de Minas - Saindo da sombra ...........................................................................................35O Globo - ArtRio arrecada R$ 120 milhões em 5 dias ..................................................................37Correio Braziliense - África em dois tempos..................................................................................38

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CINEMA E TV

O GLOBO - Seleção brasileira de longas entra em campo em Toronto

Quatro produções de cineastas nacionais participam do Tiff, mostra canadense que começa hoje e serve de vitrine para o Oscar

Rodrigo Fonseca

(8/9/2011) Estrelado por intérpretes de diferentes nacionalidades, com o Anthony Hopkins, Rachel Weisz, Jude Law, Jamel Debbouze e Maria Flor, “360”, de Fernando Meirelles, abrirá a seleção de longas dirigidos por brasileiros no Toronto International Film Festival (Tiff), que começa hoje no Canadá. O filme será exibido amanhã. Para a abertura, nesta noite, foi agendado o documentário “From the sky down”, do americano Davis Guggenheim, sobre a banda U2. Depois de “360”, coprodução entre Áustria, França, Reino Unido e Brasil baseada na peça “Der Reigen”, de Arthur Schnitzler (1862–1931), será exibido “Abismo prateado”, de Karim Aïnouz, no domingo; “Heleno”, de José Henrique Fonseca (no dia 12); e “Girimunho”, de Helvécio Marins e Clarissa Campolino (no dia 14).

Fundado em 1976 e definido pela revista “Variety” como “um rival de Cannes”, o Tiff é hoje um dos mais influentes festivais de cinema do mundo. Aos olhos do mercado exibidor, a mostra, que não tem júri oficial, concedendo apenas prêmios de público, passou a ser encarada como vitrine para os filmes que vão se destacar na corrida pelo Oscar. De lá saíram produções premiadas como “O discurso do rei” (2010), “Quem quer ser um milionário?” (2008) e “Senhores do crime” (2007).

— Muito americanizado, Toronto é mais um festival de negócios do que um espaço competitivo como Cannes, Veneza ou Berlim. Nele, o foco é a venda de filmes para o mercado internacional — explica o produtor Rodrigo Teixeira, que participa da mostra canadense com “Heleno” e “Abismo prateado”. — O longa do Karim entrou aqui pela boa recepção que teve em Cannes. Já o filme do Zé Henrique tem um formato que os americanos adoram: é uma cinebiografia esportiva.

Para Hollywood, o Tiff é um termômetro decisivo para compreender o fôlego que um longa pode ter para chegar ao Oscar. Entre as apostas para a estatueta dourada de 2012, despontam do cardápio de Toronto “Twixt”, uma experiência de Francis Ford Coppola pelo terreno do sobrenatural, a comédia muda francesa “The artist”, que rendeu o prêmio de melhor ator a Jean Dujardin em Cannes, e o drama esportivo “Moneyball”, no qual Bennett Miller (“Capote”) dirige Brad Pitt. Um dos títulos mais comentados é “Albert Nobbs”, produção de Rodrigo García, filho do escritor Gabriel García Márquez, na qual a atriz Glenn Close (também trabalhando como roteirista) encarna uma irlandesa que se vestia como homem no século XIX. As imagens de Glenn travestida garantiram visibilidade ao filme.

O ESTADO DE S. PAULO - Uma alegria selvagem

A dupla Felipe Bragança e Marina Meliande fala de A Fuga da Mulher Gorila e do diálogo com seu outro filme

Luiz Carlos Merten

(9/9/2011) Felipe Bragança e Marina Meliande ainda estão no meio do processo de lançamento de Alegria. O filme estreou em Rio, São Paulo e começa a ganhar outras praças do Brasil (capitais ou grande cidades). Neste momento, eles lançam outro filme, que, apesar das diferenças, tem tudo a ver com o já em cartaz - A Fuga da Mulher Gorila. Como se faz para levar um filme autoral, que não é

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RODRIGO SANTORO em “Heleno”, de José Henrique Fonseca: sessão dia 12

necessariamente de massa, ao encontro do público jovem, que seria, pelo menos em teoria, o mais apto a valorizar esse tipo de produção mais alternativa? Um dos caminhos tem sido a rede, a internet.

"Criamos um perfil para a Luiza (NR - a personagem de Alegria) no Facebook e ela já tem 2 mil amigos", diz Bragança. "Pensei que eram amigos da gente, ou profissionais do cinema, querendo dar uma força, mas é um público diferenciado, que está se deliciando com a Luiza", ele acrescenta. Bragança admite que já está ficando com ciúmes. "Ela tem mais amigos que eu", reclama.

Marina informa que, como realização, Mulher Gorila é anterior a Alegria, mas o outro filme já existia como projeto e estava encaminhado. "Alegria foi um filme mais complexo e estruturado para fazer. Entramos nas leis de patrocínio, ganhamos dinheiro, mas ainda estávamos à espera de liberação, essas coisas. A equipe estava pronta, resolvemos então fazer outro filme no susto. Foi assim que surgiu Mulher Gorila."

Duas mulheres caem na estrada, numa Kombi. Elas levam o show da mulher gorila, a que se refere o título. "Ao contrário do Alegria, que foi muito pensado, muito produzido - é claro que dentro do nosso sistema modesto -, Mulher Gorila foi sendo criado no processo. A Kombi, além de ser objeto de cena, abrigava a produção. Íamos descobrindo as locações na própria estrada. Foram oito dias de aventura", ela explica.

Mais até do que a estrada como metáfora de um cinema que se (re)inventa no cotidiano, Mulher Gorila aborda temas que compõem (e fortalecem) essa mesma metáfora. O duplo, a troca de papéis entre as protagonistas, o jogo de espelhos, tudo isso remete à essência do cinema. E existe a gorila como representação de uma sexualidade intensa, raivosa. O fato de abordar, com tanta força, a sexualidade feminina, teve algum problema? Afinal, Bragança é homem. Marina diz que não. "Trabalhamos juntos há muito tempo, compartilhamos ideias, a tensão, quando existe, é criativa."

O ESTADO DE S. PAULO – E a Vitrine amplia o seu espaço

Luiz Carlos Merten

(9/9/2011) Como uma mãe orgulhosa de seus rebentos - embora ainda seja, basicamente, uma garota -, Sílvia Cruz tem comemorado o sucesso de sua distribuidora Vitrine. Criada para colocar nas telas o cinema mais independente - e autoral -, a Vitrine criou um projeto alternativo que está levando filmes raros a 17 cidades de todo o Brasil. Em agosto, os cinco primeiros filmes lançados pela Vitrine - Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro; Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano; Chantal Ackerman, de Cá, de Gustavo Beck; Morro do Céu, de Gustavo Spolidoro; e Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti - ganharam retrospectiva no Museu da Imagem e do Som, o MIS.

No dia 2, começou a segunda edição do projeto, com os filmes Pacific, de Jonathas Andrade, na sexta passada, e A Fuga da Mulher Gorila, de Felipe Bragança e Marina Meliande, a partir de hoje. Embora também seja distribuído pela Vitrine, Além da Estrada, de Charly Braun, outra estreia de hoje, não integra o projeto. Na terça, enquanto o repórter entrevistava o diretor Charly Braun e a atriz e produtora Guilhermina Guinle, Sílvia Cruz acompanhava o movimento a distância. Acostumada aos lançamentos pequenos, ela comemorava o fato de Além da Estrada estar tendo o que se pode chamar de lançamento "normal", ocupando o circuito em todos os horários, com cópias em película e projeção digital, em São Paulo, Brasília, Salvador, Porto Alegre e Campinas. Na próxima semana, o filme entra também no Rio.O próximo filme a integrar o projeto das sessões alternativas será Os Monstros, do quarteto Pretti/Parenti. Pacific, já lançado, é basicamente um trabalho de montagem do diretor, que não

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coletou as imagens, mas deu uma unidade - e um conceito - ao material doméstico captado pelos integrantes de um cruzeiro marítimo com suas câmeras amadoras.

O ESTADO DE S. PAULO - A arte de representar, por quem a entende

Luiz Carlos Merten

(9/9/2011) Vencer duas vezes o prêmio de melhor atriz em importantes festivais nacionais - o Redentor da Première Brasil, no Festival do Rio, e o Kikito de Gramado - dá a medida da excelente acolhida a Karine Teles e, por extensão, ao filme que ela, além de interpretar, coescreve, com o marido e diretor, Gustavo Pizzi. O curioso é que, no Rio, Riscado - é o título - competia com Além da Estrada, de Charly Braun, que ganhou o prêmio de direção (e também estreia hoje). Uma atriz - não se trata de uma aspirante, mas de uma atriz de verdade - espera o papel que lhe vai trazer reconhecimento. Enquanto isso, executa pequenas tarefas que incluem a representação - o uso de máscaras?

Em Gramado, Pizzi e Karine fizeram mútuas declarações de amor no palco do Palácio dos Festivais, enquanto iam acumulando seus Kikitos. Riscado recebeu os de melhor atriz, roteiro e diretor, mais o troféu referente ao prêmio da crítica. O filme começou a ser escrito por Karine "por necessidade", como ela disse no palco de Gramado. O marido, pai de seus dois filhos - o casal tem gêmeos -, não apenas deu força, como passou a escrever com ela. A diferença é que Pizzi já pensava visualizando o filme que gostaria de fazer, e fez.

Como Além da Estrada e A Fuga da Mulher Gorila, de Felipe Bragança e Marina Meliande, que também estreia hoje, Riscado é autoral, mas isso não significa que todos esses "autores" deem as costas ao mercado. "Esta coisa de não ligar para o mercado podia fazer sentido no tempo do Cinema Novo, quando havia a ditadura e o cinema era um ato de resistência. Os caras marcavam posições políticas e, aí, não fazia tanto mal que o público ficasse a reboque. Hoje, é suicídio não pensar em termos de mercado. E isso não significa ter de fazer concessões. Fizemos, Karine, Cavi Borges, nosso produtor, e eu, o filme que queríamos, pensando nas comunicação, mas sem concessões. Não tem nada em Riscado que se possa dizer - isso está ali para chamar público. Toda a construção dramática, as pequenas como as grandes cenas, visa a elucidar as personagens e a situação geral."

E o filme tem "reverberado", como Pizzi gosta de dizer. "Não só no Brasil, mas nas exibições no exterior, é bacana ver como as pessoas se envolvem com a história e a personagem. Tem gente que chora, veja só." Independentemente de ser sua mulher, Karine é uma atriz de recursos imensos, e é bela. "E eu a amo", diz o marido/diretor, que veio construindo esse filme na cabeça, antes que ele saísse do papel. "Em casa, a gente fez um quadro, um ideograma japonês, montado a partir dos signos referentes a três elementos - trabalho, talento e sorte. A gente ralou muito, e continua ralando para ter um lançamento decente. Talento... acho que também temos. Não sei se é sorte, mas a acolhida positiva e a forma como tanta gente torce pelo filme, isso tem sido reconfortante."

Ao contrário de Charly Braun, de Além da Estrada, que queria misturar atores profissionais e não profissionais - e terminou fazendo seu filme com um casal de amadores, no melhor sentido do termo -, Pizzi escolheu atores profissionais, mesmo para a figuração. "O público nem nota, mas às vezes um figurante lá no fundo da cena pode arruinar um plano. Nosso elenco é todo afinado, e todo mundo pegou junto. Foi um filme feito com muita paixão, e isso se vê."

O GLOBO - Começa a corrida da Première

Festival do Rio 2011 anuncia longas de ficção e documentários na disputa

Rodrigo Fonseca

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Luz própria. Karine Teles em Riscado

(10/9/2011) Depois de Paulínia e de Gramado, chegou a vez de a Première Brasil do Festival do Rio 2011, que acontece entre 6 e 18 de outubro,apresentar sua munição para ganhar a guerra pelo título demais importante mostra competitiva do cinema nacional.

Nove ficções e oito documentários em concurso pelo troféu Redentor foram divulgados ontem pela direção da maratona cinéfila carioca. Na disputa de longas ficcionais, sete títulos são inéditos: “O abismo prateado”, de Karim Aïnouz; “A novela das oito”, de Odilon Rocha; “Amanhã nunca mais”, de Tadeu Jungle; “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”,de Beto Brant e Renato Ciasca; “Girimunho”, de Clarissa Campolino e Helvécio Marins Jr.; “Histórias que só existem quando lembradas”,de Julia Murat; e “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Vinícius Coimbra. Completam a lista os dramas “Mãe e filha”,de Petrus Carity, que foi o vencedor do Cine Ceará, em junho, e “ Sudoeste” , de Eduardo Nunes, que encerrou Gramado, em agosto.

Na safra documental à caçado Redentor, “Olhe pra mim de novo”, de Kiko Goifman e Claudia Priscilla, concorreu em Gramado, e “Os últimos cangaceiros”, de Wolney Oliveira, participou fora de concurso do Cine Ceará. São inéditos seis concorrentes: “Canções”,de Eduardo Coutinho; “A era dos campeões — O filme”,de Cesário de Mello e Franco; “Laiá, laiá”, de Alexandre Iglesias; “Luz, câmera, pichação”, de Marcelo Guerra, Gustavo Coelho e Bruno Cateano; “Marighella”, de Isa Grinspum Ferraz; e “Mentiras sinceras”, de Pedro Asbeg.

‘Xica da Silva’ de volta

Paralelamente à peleja pelo Redentor, oito filmes vão brigar pelo prêmio de melhor filme da mostra paralela Novos Rumos: “Paraíso, aqui vou eu”,de Walter Daguerre e Cavi Borges;“Cru”, de Jimmy Figueiredo;“Dia de preto”, de MarcosFelipe, Daniel Mattos e Marcial Renato; “Rânia”, de Roberta Marques; “Teus olhos meus”,de Caio Sóh; “Vamos fazer um brinde”, de Cavi Borges e Sabrina Rosa; “Circular”, de Adriano Esturilho, Aly Muritiba, Bruno de Oliveira, Diego Florentino e Fábio Allon; e “Espiral”,de Paulo Pons.

— Cresceu na Première o equilíbrio entre filmes mais abertos para o público e projetos experimentais. E há um aumento de filmes autorais buscando meios, em sua linguagem,para alcançar uma platéia maior, sem perder identidade. É o caso do inédito “Capitães de areia”, de Cecília Amado, da mostra hors-concours — diz Ilda Santiago, uma das diretoras do Festival, que vai exibir “Reis e ratos”, o primeiro longa de Mauro Lima após o sucesso “Meu nome não é Johnny”, nas atrações fora de concurso.

Uma cópia restaurada de“Xica da Silva” (1976), de Cacá Diegues, será exibida no Festival do Rio, que já assegurou uma retrospectiva do cineasta húngaro Béla Tarr (“O homem de Londres”). Ainda não foi definido o longa de abertura, ma sa direção informa que será uma produção estrangeira.

O GLOBO - Uma lenda urbana cinéfila a caminho das telas

Neville D’Almeida luta para fazer circular ‘Mangue-Bangue’, longa sumido em 1973 e redescoberto no MoMA

Rodrigo Fonseca

(12/9/2011) Sob a euforia de rever imagens rodadas em 1971 e desaparecidas nos EUA há quase quatro décadas, o mineiro Neville Duarte D’Almeida agora traça uma estratégia internacional para apresentar aos cinéfilos um longa-metragem considerado uma lenda urbana do audiovisual brasileiro, por nunca ter sido exibido publicamente em circuito nacional: “Mangue-Bangue”, um manifesto da estética marginal. Levar a Cannes um projeto idealizado em conversas com o artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) e projetá-lo em sessões à meia-noite, em cinemas de arte de todo o Brasil, são os sonhos do realizador de 70 anos, que guarda em seu apartamento, em Copacabana, a lata com os negativos do filme.

— Não mando para cinemateca nenhuma. O filme fica aqui, sob a minha asa — diz Neville.

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Em 2006, uma cópia da produção, esquecida desde 1973 em um arquivo do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, foi redescoberta quando o professor de Literatura Fred Coelho pesquisava dados sobre a obra de Oiticica, que desenhou o pôster do filme. Em 2010, o MoMA incluiu “Mangue-Bangue” em seu acervo e fez uma exibição dele em uma mostra sobre preservação. De quebra, o museu garantiu uma cópia a Neville.

— Quero fazer com “Mangue-Bangue” aquilo que eu sonhava realizar há 40 anos: exibi-lo em Cannes, na Quinzena dos Realizadores, que, em 1969, projetou o

meu prmeiro longa, “Jardim de guerra”. Estou trabalhando para fazê-lo ser visto, pois, em sua época, a violência pós-AI-5 impediu que eu sequer pensasse em levá-lo a um cinema — conta o diretor de “A dama do lotação” (1978). — Desde 1973, quando Hélio e eu exibimos o filme no MoMA, ele era dado como perdido. Havia uma outra cópia, também nunca exibida no Brasil por conta da ditadura, que foi perdida pelo Museu de Arte Contemporânea de Paris.

Fotografado por Pedro de Moraes, “Mangue-Bangue” traz Paulo Villaça, Maria Gladys,Liège Monteiro e o próprio Neville no elenco.

— Havia uma referência ao filme numa carta do Oiticica, referindo-se à exibição no MoMA. Resolvi checar se “Mangue-Bangue” ainda estava lá e descobri uma cópia intocada, sem riscos. Acabei chegando ao Neville, a quem não conhecia, via Orkut — lembra Fred Coelho, hoje professor da PUC.

Embalado por uma trilha sonora que transita de pontos de umbanda ao violão de Dilermando Reis, “Mangue-Bangue” promove uma crítica ao capitalismo e ao moralismo ao registrar rinhas de galo, o banho de lama de um corretor da Bolsa de Valores (Villaça) e o cotidiano de travestis e garotas de programa do Mangue, zona de prostituição carioca que Oiticica apresentou a Neville. Diferentes drogas são consumidas no longa, que traz uma sequência de quase cinco minutos de um banho de Maria Gladys.

— Claudio Marzo, na época ator da Globo, ajudou muito a gente na produção, que teve cenas numa casa onde eu vivia no Humaitá — diz Gladys. — Neville ficava com um caderninho na mão anotando ideias. Era um filme pensando em conjunto.

Neville guarda com orgulho uma carta de Anne Morra, curadora da Cinemateca do MoMA, referindo-se à redescoberta de “Mangue-Bangue” como se fosse “a conquista de um prêmio Nobel de preservação”.

— Em 1971, acabada a filmagem, corri com o longa para fora do Brasil para tentar revelar os rolos de 16mm. Mas em Londres, quando o laboratório viu cenas de gente queimando fumo e injetando drogas, eu cheguei a ser ameaçado de prisão — lembra o cineasta.

Adaptação de peça de Bortolotto

Lamentando a inexistência de cópias em DVD de seus filmes, Neville busca espaço em tela para “Mangue-Bangue” enquanto procura elenco para seu novo longa: uma adaptação da peça “A frente fria que a chuva traz”, de Mário Bortolotto. Será a primeiraficção do cineasta após um jejum de 14 anos. O projeto, sobre jovens de classe média nafavela, foi contemplado com R$ 1 milhão do Fundo Setorial do Audiovisual em 2010.

— Eu e o produtor Marcelo Maia (de “Amarelo manga”) estamos correndo atrás da verba que falta para iniciar “A frente fria...” — diz Neville. — Mas, agora, revendo “Mangue-Bangue”, me pergunto se não seria importante para o cinema investir com mais frequência na recuperação de sua memória

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CORREIO BRAZILIENSE - Com licença, vou à luta

Na quinta edição, mostra Assim Vivemos exibe 28 filmes sobre deficiência, a partir de hoje, no CCBB.

Tiago Faria

Provocar reflexão sobre temas e formas é um objetivo comum entre os festivais de cinema. Mas há aqueles que vão além dessa meta e instigam a ação: inspiram o espectador a tomar partido e narrar as suas próprias histórias. Esse efeito de sedução se nota em mostras brasileiras como o É Tudo Verdade (de documentários) e o Anima Mundi (de animação). E é o que também acontece com o Assim Vivemos — Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência, que chega à quinta edição a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com entrada franca.

Desde a estreia do evento, que é realizado a cada dois anos, aumenta o número de filmes brasileiros que retratam as experiências de pessoas com deficiências. Não por coincidência, na opinião da diretora da mostra, Lara Pozzobon. “O festival estimula a aproximação do tema. Os cineastas passam a ter um olhar mais possível, mais próximo. Nos primeiros anos da mostra, essa tentativa se dava com mais distanciamento, como se os próprios diretores não estivessem à vontade para mostrar os personagens. Hoje, os filmes estão mais à vontade e melhores”, compara. A participação do Brasil no festival, por consequência, nunca foi tão expressiva: são oito curtas.

Um deles, Aloha (de Paula Maia dos Santos), retrata o cotidiano de um grupo de surfistas que rasgam as ondas sob pranchas adaptadas. No delicado Dois mundos (de Thereza Jessouroun), a narrativa revela o contato dos surdos com o universo sonoro, graças aos implantes cocleares. Exibido fora da competição, o documentário História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil, de Aluizio Salles Júnior, promete um diálogo raro na sala de cinema: personagens do filme são convidados para conversar com a plateia, ao fim da projeção. No Rio de Janeiro, onde a mostra foi exibida entre 16 e 28 de agosto, a novidade foi bem recebida pelo público, com sessões lotadas.

Protagonismo

No total, serão exibidos em Brasília 28 filmes de 12 países. O critério da curadoria da mostra é destacar títulos que garantem papel de protagonista à pessoa com deficiência. “São filmes em que elas estão em primeiro plano mesmo. E valorizamos não apenas a qualidade técnica, mas a criativa e narrativa. Analisamos os filmes num sentido mais amplo”, afirma Lara. O próprio festival foi criado quando se observou que, no exterior, havia uma safra já madura de longas e curtas sobre deficiência. Nas sessões, eles são exibidos com audiodescrição (para pessoas com deficiência visual) e com legendas “closed caption” (para pessoas com deficiência auditiva). Há versões em braille dos catálogos.

Na seleção internacional, as abordagens do tema são as mais abrangentes. O britânico Tempo de suas vidas, de Jocelyn Cammack, mostra o modo bem-humorado como mulheres octagenárias e nonagenárias lidam com os incômodos naturais da velhice. No moçambicano De corpo e alma, o diretor Matthieu Bron flagra o dia a dia de três jovens com deficiência. Como complemento à exibição dos filmes, serão realizados quatro debates. “Nós temos um ônibus para escolas e instituições que queiram comparecer às sessões, sempre com lotação esgotada”, informa Lara. Prova de que o Assim Vivemos, como acontece com os melhores festivais temáticos, já encontrou um lugar no mundo.

TEATRO E DANÇA

O ESTADO DE S. PAULO - Cia. de dança Deborah Colker lança peça inspirada em romance russo

Com Tatyana, coreógrafa e bailarina investe pela primeira vez em espetáculo marcado essencialmente pela narrativa

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Ubiratan Brasil

(8/9/2011) Deborah Colker é uma artista incansável. Depois de estabelecer uma gramática para o corpo, que se desenvolveu em trabalhos diversos como Casa, Nó e Cruel, a bailarina e coreógrafa pretende agora contar uma história. Para isso, escolheu uma obra-prima, Eugene Onegin, romance em versos publicado em 1832 por Aleksandr Puchkin (1799-1837), considerado o pai do romance russo. O resultado é Tatyana que, depois de uma temporada no Rio de Janeiro e cidades do Nordeste, estreia amanhã no Teatro Alfa.

"O que me encanta nesse livro é a transformação dos personagens. Por meio deles, decidi falar sobre os sentimentos, mostrar o homem em sua essência", conta Deborah, que tem uma participação especial na montagem vivendo o próprio Puchkin.

A trama é simples: jovem rico, cosmopolita e entediado, Eugene Onegin decide abandonar as diversões da cidade grande para se refugiar em uma propriedade rural herdada do tio. Lá, conhece o jovem poeta Lenski, noivo de Olga Lárina. Onegin é apresentado também à irmã mais velha de Lenski, a contemplativa Tatyana, que se

declara para ele. Onegin, no entanto, a rejeita. A narrativa caminha para um duelo fatal entre os amigos e um doloroso reencontro do casal, quando o passar dos anos deixou vestígios definitivos, transformações profundas e decisivas.

"A história é contada em dois atos, com os dançarinos se revezando nos papéis de Eugene e Tatyana", comenta Deborah, que já exercitara o ato de narrar em Ovo, trabalho que desenvolveu para o Cirque du Soleil, atualmente em cartaz em Calgary, no Canadá. "Ali, aprendi a contar uma história pois trabalhei com atores clownescos, algo que também era novo para mim." E, nessa época em que fazia constantes pontes aéreas entre Rio e Montreal, Deborah já flertava com a literatura russa - afinal, Crime e Castigo, de Dostoievski, era seu livro de cabeceira.

A obra de Puchkin já inspirou diversos artistas - desde a célebre ópera de Tchaikovski (1879) passando pelo filme Paixão Proibida (1999), com Ralph Fiennes, até chegar ao balé de John Cranko. Nada disso, porém, interessou Deborah, que se apaixonou mesmo pela história de Eugene Onegin. "Não pretendi fazer um drama histórico, nem entrar no romantismo ou tampouco localizar a narrativa em São Petersburgo", observa. "O que me interessa são aqueles personagens, especialmente Tatyana, que se revela uma subversiva para a época, pois é uma mulher que escolhe o seu amor e não é escolhida."

Deborah, que pediu para todos os dançarinos de sua companhia lerem o romance, dividiu a história em dois atos. O primeiro vai até o duelo entre Eugene e Lenski e cada personagem é vivido por quatro bailarinos. "Como são corpos diferentes, podemos apresentar diferentes facetas, ou seja, um é mais sedutor, outro mais passivo, um terceiro mais animado", explica Deborah. "Só a dança permite essa diferenciação."

No segundo ato, apenas Eugene e Tatyana estão em cena, interpretados por toda a companhia também no revezamento. E, ao longo de toda a montagem, Deborah surge como Puchkin, interagindo com as ações, desejos, pensamentos e modificações dos quatro protagonistas. A atemporalidade marca o cenário, criado por Gringo Cardia, uma grande árvore metálica, em torno da qual e em cujos ramos os personagens desenvolvem seus sonhos e angústias. Finalmente, a trilha sonora, remixada por Berna Ceppas, baseia-se em compositores russos, como Rachmaninov, Tchaikovski e Stravinski.

''Ovo'' consumiu três anos de preparação

Foram três anos de preparação até Deborah Colker terminar Ovo, trabalho especialmente encomendado pelo Cirque du Soleil, que estreou em 2009. "Foi um trabalho intenso, pois trabalhei

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pela primeira vez com atores vindos do clown e de diferentes países: oito línguas são representadas no espetáculo", relembra Deborah que, apenas em 2008, percorreu 13 vezes o trajeto entre o Rio de Janeiro e Montreal, no Canadá. Tamanho esforço rendeu: ela não apenas conseguiu inserir valiosos colaboradores na equipe (como Gringo Cardia) como pode dar um toque brasileiro sem recorrer ao folclore. "A história dos insetos é contada por meio de um ritmo que é brasileiro mas também universal", conta a coreógrafa, cujo trabalho foi aprovado pelo criador do Cirque, Guy Laliberté. Ovo deve vir ao Brasil, ainda sem data.

CORREIO BRAZILIENSE - Memórias de um furacão

Livro registra a trajetória do diretor Hugo Rodas, personagem fundamental na maturação do teatro no DF. Mestre que formou gerações de intérpretes

Sérgio Maggio

(13/9/2011) - Quando se viu pela primeira vez na tela de cinema, o diretor e ator Hugo Rodas teve a sensação de morte. Olhava para a imagem projetada e parecia não ser ele quem estava ali. Hoje, ao folhear o livro que registra a trajetória pessoal e artística, pressente que experimentará sentimento similar.

— É estranho. É como se roubassem a minha alma.

O “nó” que trava a garganta de Hugo Rodas é típico daquelas pessoas que não podem ser cristalizadas, em sua totalidade, em centenas de milhares de palavras, por mais gentis e históricos que esses vocábulos venham a ser. Quem já ficou diante do criador uruguaio-brasiliense sabe que o homem se converte em energia, em força, quando está diante do palco, seja no processo de criação, seja na exibição do espetáculo. E essa característica efêmera e etérea, como é a natureza do teatro, não pode ser aprendida. Não é palpável.

— Não sei o que as pessoas escreveram sobre mim. Só vi algumas fotos.

Hugo Rodas, o livro, será lançado hoje, às 19h, na Livraria Dom Quixote (CCBB), com bate-papo entre o diretor e o dramaturgo Marcus Mota, que assina, na obra, o capítulo Todos os teatros de Hugo Rodas, no qual resgata o contexto anterior à vinda do homenageado a Brasília. Ele fala de um Uruguai que respirava uma utopia libertadora.

— A história pessoal e artística de Hugo Rodas se sobrepõe sob o horizonte daquilo que depois ficou identificado como contracultura, popularizada sob o emblema do sexo, drogas e rock and roll. Mas a versão uruguaia disso, além de pouco discutida, possui diferentes facetas da brasileira (…). A busca de liberdade por jovens de classe média, essa pulsão por novas experiências, impulsionada por livros e representada pelo cinema, encontrou no Uruguai um espaço estratégico, observa Marcus Mota.

O Hugo Rodas que chega a Brasília em março de 1975 para dar um curso de dança numa escola de balé clássico é, portanto, uma pessoa que tem uma intimidade extrema com a liberdade. Mesmo numa Brasília cerceada pelo governo militar, ele conseguiu ver a amplidão e a preponderância dos espaços.

— Parecia uma grande fábrica, onde todo mundo estava ativo, criando tudo o que ela (a cidade) precisava para ser. Fiquei admirado, me senti novo, pisando no novo. No fim do curso, me perguntaram do que eu precisava para ficar e respondi: “Alunos e um lugar para trabalhar”.

Laboratório no corpo

Foi assim, enlaçado pelo desejo, que Hugo Rodas se fixou em Brasília. No artigo Candango forever, escrito para o livro, ele relata as primeiras impressões sobre Brasília, percebidas da janela do avião. O vermelho intenso da terra, o azul infinito do céu. A paixão daqueles aprendizes por um homem que nunca tinha pensado em ser mestre.

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— A minha vontade de ficar era inexplicavelmente forte, as pessoas, em apenas 15 dias, tinham se apaixonado pelo trabalho que eu havia feito e isso me passou uma segurança que eu não tinha vivenciado. Como resposta, recebi uma lista com 50 nomes e um espaço para dar aulas, que era a sede social do Clube do Congresso, lembra.

A sala de aula ou laboratório de corpo, onde Hugo aplicava técnicas de teatro-dança ainda não vistas em uma Brasília menina, foi demolida. Recentemente, o diretor levou parentes uruguaios para conhecer o seu marco zero e não havia nada lá. A sensação do vazio material, no entanto, contrapõe-se ao bem imaterial que o homem de teatro ergueu na cidade. Como diretor do Grupo Pitu, que alinhou Brasília ao moderno modo de fazer teatro em coletivo, ou como o professor inquieto da Universidade de Brasília, Hugo Rodas amplificou, como um furacão, as rajadas de ventos do DF ao mundo, anunciando que se fazia teatro na capital do poder.

— A história de Brasília e da arte de Brasília é atravessada pela inovadora e clara instigação chamada Hugo Rodas. Com o Grupo Pitu (1977-1981), a Companhia dos Sonhos (1999-2005) e o Tucan (1992-2008), em trabalhos de formação de artistas e plateia. Hugo tem ininterruptamente projetado para si e para a cultura brasileira um compromisso de qualidade e radiante brilhantismo que atravessará gerações, observa Marcus Mota.

ESTADO DE MINAS - Criação em movimento

Começa hoje em Belo Horizonte a oitava edição do 1, 2 na Dança, com artistas brasileiros, da Itália, do Canadá, da Suíça e do Senegal. Projeto se tornou referência nacional no setor

Carolina Braga(14/9/2011) O que é contemporâneo na dança de hoje? A senegalesa Germaine Acogny, que é referência da área na África, prefere nem arriscar. Apenas sugere: “Vá ver meu espetáculo”. Songook Yaakaar é o nome do solo que ela apresenta hoje, na abertura do 1, 2 na Dança. O trabalho reflete o espírito do evento, que se consolida como espaço de experimentação e risco da dança.

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De hoje ao dia 25, além de apresentação de solos e duos de nomes estreantes ou veteranos, o 1, 2 na Dança abre os palcos dos teatros Alterosa e Oi Futuro para trocas de experiências internacionais. “Ele deu uma encorpada com a chegada dos espetáculos inteiros”, avalia Jacqueline de Castro, idealizadora do projeto, em parceria com Wagner Tameirão e Marise Dinis. Pensar o contemporâneo não deixa de ser uma consequência do recorte proposto. “Desde o início, tentamos apresentar um panorama do que chega até nós. Tem um pouco de tudo o que está ocorrendo em cada lugar”, completa.

Na oitava edição, a programação coloca em diálogo criações que estabelecem fortes vínculos com as tradições de países e regiões. “A visão da África, em geral, é como um clichê. Por meio da dança, posso mostrar um olhar mais preciso sobre o sentimento do povo africano”, garante Germaine. Se hoje o solo dela convida o público a conhecer a essência da dança africana, amanhã a pernambucana Cia. Grial propõe um mergulho nas tradições brasileiras com Castanho sua cor.

“É a terceira parte de uma trilogia que questiona os elementos da cultura popular na construção de uma dança. São as elaborações de linguagens brasileiras”, detalha Maria Paula Costa Rêgo. Parceira de Ariano Suassuna desde os 15 anos, hoje, aos 48, a diretora mistura as experiências do mestrado na França com as vivências pelo interior de Pernambuco, sempre com a orientação do autor de A pedra do reino. “Ele é meu mestre, porta-estandarte da companhia, o mastro, estrela-guia. Realmente, me inspira em tudo”, assume.

Assim, não é de se estranhar que os temas abordados pela dança do Grial e, especificamente, o espetáculo que será apresentado no 1, 2 na Dança tenham atmosfera muito parecida com aquelas narradas por Suassuna na literatura. No cenário de Castanho sua cor, por exemplo, peles de bodes espalhadas pelo palco representam as camadas da cultura popular. A peça mistura elementos da dita dança erudita com o secular cavalo-marinho, um dos folguedos mais ricos de Pernambuco.

“Normalmente, a gente se inspira muito na dança europeia ocidental e deixa de lado a africana e a indígena. Discutimos isso na trilogia”, conta a diretora. Para o resultado não parecer mera releitura, Maria Paula foi pessoalmente ao interior do estado buscar referências com quem realmente entende do assunto. “Soube de um cavalo-marinho na Zona da Mata pernambucana e disse: ‘Aí vou eu’. Peguei meu carro e vi uma família dançando junto, animadíssima”, lembra.

Foi o dia em que Maria Paula conheceu Sebastião Martelo, o palhaço da brincadeira, e quem, aos 70 anos, divide a cena com ela em Castanho sua cor. “Essa aproximação me permitiu olhar um outro corpo, que não tem formação erudita, mas tem tanta qualidade quanto. Eles brincam desde pequenos. Têm uma qualidade corporal, uma certeza em cena que me encantou”, explica.

Os movimentos do cavalo-marinho pernambucano de Maria Paula e Martelo e o folclore africano dançado por Germaine Acogny são apenas dois exemplos da diversidade presente na programação do 1, 2 na Dança em 2011. Também foram selecionados outros 15 trabalhos, a maioria de curta duração, que demonstram, segundo Jacqueline de Castro, certo resgate do movimento. “É uma dança dançada, uma coisa mais ligada ao conceito e à performance”, explica.

Cena local A programação internacional também tem o reforço dos solos O suspiro da criatura, do suíço Pierre-Yves Diacon; Ausência de sentido, do canadense Benjamin Kamino; e Diálogo XIX, da italiana Marta Sponzilli. Da cena local, destaque para a apresentação de A projetista, novo trabalho de Dudude Hermann, além de criações inéditas de Marcelo Gabriel (Canibal menu/Crianças de acúcar) e Mário Nascimento (Tourada com fantasmas). “Nosso lema é ‘Viva a diferença’. Tentamos durante essas duas semanas apresentar coisas diferentes umas das outras. Os três trabalhos daqui, por exemplo, são completamente distintos”, garante.

Depois de tanta variedade espalhada pelos palcos, pode ser que ainda seja difícil chegar a alguma conclusão sobre o que é ou não contemporâneo hoje. Mas, o que não se pode negar é que a temporada é propícia para o exercício do olhar.

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ARTES PLÁSTICAS

O GLOBO - Seis brasileiros em Paris

Amilcar de Castro, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Mira Schendel e Sergio Camargo ganham exposição este mês na galeria Gagosian

Cristina Tardáguila

“TTEIA”, instalação que Lygia Pape projetou nos anos 1960 e executou em 2002: a mistura de ouro e luz é uma das 50 peças que irão à filial parisiense da Gagosian

(8/9/2011) Depois de Carlito Carvalhosa ocupar o Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York, Lygia Pape ganhar retrospectiva no Reina Sofia, em Madri, e uma obra de Adriana Varejão ser vendida por US$ 1,7 milhão num leilão da Christie’s em Londres, chegou a hora de a arte brasileira mostrar seu valor em galerias internacionais. No próximo dia 28, a filial parisiense da Gagosian, a maior rede de galerias de arte do mundo, abre ao público a exposição “Reinvenção do moderno”, com 50 obras de Amilcar de Castro (1920- 2002), Hélio Oiticica (1937-1980), Sergio Camargo (1930-1990), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004) e Mira Schendel (1919-1988), suíça que viveu por quase 40 anos no Brasil. No espaço de 200 metros quadrados situado à margem direita do Rio Sena, metade das obras estará à venda, com preços oscilando entre US$ 50 mil e US$ 750 mil.

— Será nossa grande exibição do outono — adianta ao GLOBO o inglês Paul Jenkins, que há dez meses trabalha para o galerista Lawrence Gagosian no Rio de Janeiro e participou da curadoria da exposição. — Estamos muito confiantes com essa primeira mostra de arte brasileira. Ela será um sucesso tanto artístico quanto comercial.

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Em 1959, em oposição ao que enxergava como uma ortodoxia excessiva do movimento concretista, o poeta Ferreira Gullar escreveu um manifesto em que defendia que a arte não deveria ser apenas um objeto, que precisava ter sensibilidade, expressividade e subjetividade, ir além do puramente geométrico. Suas ideias se enraizaram entre os artistas plásticos das décadas de 1960 e 1970 e ganharam expressão em suas produções.

Lygia Clark criou a série de esculturas de metal batizada como “Bichos”. Lygia Pape fez a instalação “Tteia”, com raios de luz e fios de ouro. Sergio Camargo entregou-se a peças como “Orèe”, de madeira pintada de branco com formas orgânicas. Hélio Oiticica mergulhou no guache e produziu os “Metaesquemas”. Mira Schendel deu à luz “Caderno Selos”, com quadrados de acrílico. E Amilcar de Castro esculpiu peças em madeira como a que ilustra o alto desta página. Agora, essas obras, oriundas de coleções particulares sediadas no Brasil, nos Estados Unidos e na França, serão exibidas ao público até o dia 5 de novembro. A Gagosian espera ter casa lotada.

— O movimento neoconcreto brasileiro foi muito intenso, muito produtivo. Teve identidade e alma — defende Jenkins. — Seus representantes, entre eles os seis que selecionamos, conseguiram mostrar que a arte não precisava ser linear, que poderia ser cheia de vida e humanidade, mesmo dentro das fronteiras do abstrato. São peças maravilhosas.

O catálogo de “Reinvenção do moderno” leva a assinatura do curador e crítico de arte Paulo Venâncio Filho, que foi pessoalmente convidado pela codiretora da Gagosian de Paris, Serena Cattaneo, para contribuir.

— Será uma exposição poderosa — ele diz. — É a primeira vez que a obra desses seis artistas é reunida, e em uma das galerias mais importantes do mundo, no mês mais nobre do ano na Europa.

Será um verdadeiro teste de inserção para a arte brasileira no universo das grandes galerias. No texto que escreveu para o catálogo, Venâncio Filho optou por falar sobre como esses seis brasileiros se relacionam:

— O Hélio e as duas Lygias sempre foram tratados como mais experimentais, mais radicais, já o Sergio, o Amilcar e a Mira foram vistos como mais seguidores da ordem, mas eu não concordo com isso — diz o crítico. — Todos foram radicais, e é exatamente essa posição que procurei mostrar no catálogo. Em setembro de 2010, o espaço que abrigará os brasileiros foi ocupado pelo americano Cy Twombly, morto em julho deste ano.

O GLOBO - Quatro expoentes de uma nova geração

Finalistas do Pipa 2011, André Komatsu, Eduardo Berliner, Jonathas de Andrade e Tatiana Blass expõem no MAM

Catharina Wrede

(10/9/2011) Eles têm menos de 35 anos e já são os quatro finalistas da edição de 2011 de um dos mais importantes prêmios de artes plásticas do Brasil, o Pipa. Os paulistanos André Komatsu e

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A GAGOSIAN de Paris, situada no oitavo distrito da cidade, expõe os brasileiros entre 28 de setembro e 5 de novembro

Tatiana Blass, o manauense Jonathas de Andrade e o carioca Eduardo Berliner aguardam ansiosos pelo resultado do prêmio, que dá R$ 100 mil ao vencedor, além de uma residência na prestigiosa instituição Gasworks, de Londres. Enquanto esperam, inauguram hoje, às 15h, no Museu de Arte Moderna (MAM) — instituição apoiadora do prêmio — exposição que mostra seus mais recentes trabalhos.

Prêmio é dado por indicação

Diferentemente do Marcantonio Vilaça, outro prêmio de prestígio da arte brasileira, o Pipa não funciona por inscrição, e sim por indicação. Formado por um comitê, o prêmio é composto por 30 nomes nacionais e internacionais, dentre críticos e curadores de arte (como Michael Asbury, da University of the Arts, de Londres), artistas (como Renata Lucas, vencedora do Pipa 2010), galeristas (como Laura Marsiaj) e os colecionadores Fernanda Feitosa e Paulo Vieira. Cada um deve indicar cinco artistas. Como alguns nomes se repetem, na edição deste ano foram indicados 85 artistas. Destes, os mais indicados são analisados pelo conselho do Pipa, que seleciona os quatro finalistas.

— É claro que o que estes artistas ganham é um estímulo muito grande, mas o que interessa é a dinâmica do prêmio, que abrange o Brasil como um todo — explica Luiz Camillo Osorio, curador do MAM. — Existe um olhar geral sobre a produção contemporânea nacional, com indicadores estrangeiros e de várias regiões do país, dando uma perspectiva ampliada. Assim, saímos um pouco do eixo Rio-São Paulo.

Os quatro jovens artistas participaram do Pipa 2010 e vêm consolidando suas trajetórias: André Komatsu e Jonathas de Andrade ficaram entre os vencedores do Prêmio Marcantonio Vilaça 2011, Eduardo Berliner, entre os vencedores do mesmo prêmio em 2010, e Tatiana Blass participou da 29a- Bienal de São Paulo.

— Acho que todo artista gosta de reconhecimento. Fiquei feliz de ter a oportunidade de expor em um lugar como o MAM. Além disso, o prêmio é fantástico e a parte financeira é para conseguir financiar minha produção. Se eu ganhar, vou usar o dinheiro para comprar material, que é caro, e pagar meu aluguel — diz Berliner, de 33 anos, que expõe uma série de pinturas feitas a partir de desenhos e colagens. — O que me interessa é o ato de narrar as percepções diárias e misturá- las com a memória, criando imagens distorcidas.

Já Tatiana, de 32 anos, exibe três obras distintas: uma pintura da série “Acidente”; o vídeo “Metade de fala no chão — piano surdo” — com imagens da instalação homônima que a artista apresentou na última Bienal, em que um pianista tocava peças de Frédéric Chopin enquanto dois homens derramavam parafina derretida dentro do piano —; e um boneco de cera que derrete com a intensidade de refletores.

Objetos e fotografias na mostra

Com trabalhos que tratam das relações de poder e suas subversões, Komatsu, de 32 anos, apresenta três objetos, dois inéditos — “Base hierárquica” e “Peso morto”— e um que foi exposto apenas na Guatemala. Este, “Desvio de poder”, em que uma tinta derramada atravessa um muro, fala, segundo ele, de como uma ação ordinária pode quebrar uma estrutura estabelecida.

— É uma dicotomia entre um trabalho de arte e o que você pode fazer na rua — diz.

Jonathas, por sua vez, expõe a série “Ressaca tropical”, instalação de fotografias articuladas com páginas de um diário amoroso encontrado no lixo do Recife.

— Isoladamente, os componentes são documentos históricos. Porém, juntos, compõem uma grande ficção de cidade — explica o artista, de 29 anos, por e-mail, do Cairo, no Egito, onde faz uma residência.

Os artistas concorrem ainda a R$ 20 mil, dados por voto popular, onde quem vota é o público da exposição. O vencedor deste voto será anunciado no dia 24 de outubro, e o vencedor do Pipa 2011, no dia 27 do mesmo mês.

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O GLOBO - Um lado pouco conhecido de Mira Schendel

Catharina Wrede

(10/9/2011) Mira Schendel (1919-1988), conhecida por seus fascinantes trabalhos em papel, era, antes de qualquer coisa, pintora. É isso que a grande exposição que será aberta hoje, às 17h, no Instituto Moreira Salles (IMS), quer afirmar. Com 27 obras da artista plástica suíça radicada no Brasil, a mostra “Mira Schendel, pintora” exibe alguns dos melhores exemplos de suas telas, produzidas entre os anos 1950 e 1980, a maioria pertencentes a acervos de coleções particulares.

— Há algo de muito especial nesta mostra: a obra em pintura de Mira é pouquíssimo conhecida pelo público carioca, pois 90% destas telas são de colecionadores privados. Então, é um privilégio poder ver reunidos, em bom estado e em ótimas condições museológicas, estes trabalhos de uma artista que hoje é uma das estrelas da arte brasileira — diz, entusiasmada, a curadora Maria Eduarda Marques.

Durante a carreira, Mira teve apenas duas exposições no Rio de Janeiro: uma grande individual no Museu de Arte Moderna, na década de 1960 — que, de acordo com Maria Eduarda, foi muito pouco visitada, causando uma frustração enorme na artista —, e outra na Funarte, em 1988.

Segundo a curadora, a exposição do IMS apresenta algumas pérolas de Mira, como uma têmpera do fim dos anos 1950, quando ela ainda morava em Porto Alegre, e uma fachada em grande escala da década de 1960, com geometrias sensíveis e linhas irregulares.

— Essas obras são magníficas. A de 1950 é quase bíblica, com um sentido ascético muito grande. Dá até para acreditar em Deus quando se olha para ela — derrete-se Maria Eduarda.

Outro traço marcante na pintura de Mira para o qual a curadora chama a atenção é a

repetição da figura do ovo em suas telas. Para Maria Eduarda, isso tem a ver com o fato de a pintora ter nascido como artista no Brasil, apesar de sempre ter crescido em um ambiente artístico forte na Europa.

Assim que seus pais se separaram, Mira foi morar em Milão, na Itália, com a mãe e o padrasto, que trabalhava como bibliotecário no Palazzo di Brera. Lá, frequentou a escola de arte a partir de 1936, e estudou Filosofia na Universidade Católica. Em 1946, veio para o Brasil.

— Mira trouxe uma cultura e um pensamento filosófico europeus muito importantes para a arte pictórica brasileira, e também para o modernismo. Era, sobretudo, uma intelectual muito interessante — diz Maria Eduarda.

Não à toa, sua obra é muito comparada com os trabalhos dos italianos Giorgio Morandi e Lucio Fontana.

Ao longo de sua carreira, Mira trabalhou com diferentes materiais e linguagens, sendo mais conhecidos seus trabalhos em papel, tais como as monotipias e os objetos gráficos. Mas a pintura, de acordo com a curadora, sempre permeou sua trajetória artística.

— Com esta mostra, queremos identificar o lugar da pintura na obra de Mira Schendel. Foi a partir daí que nasceram as obras mais conhecidas dela — diz.

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ISTO É – Museu de grandes novidades

Em retrospectiva, Nelson Leirner apresenta trabalho surpreendente produzido durante o ócio

Paula Alzugaray

(12/9/2011) São toneladas de mickeys, patos donalds, gorilas, pokemons, pretos velhos, bolas de futebol e outros ícones-bugigangas da cultura de massa mundial. Eles se multiplicam à profusão, saltam de uma escultura para outra, investem contra telas, gravuras, instalações. Embora toda essa matéria visual seja organizada na forma de padrões repetitivos, a novidade e o ineditismo expressos na obra de Nelson Leirner são inesgotáveis. Surpresa e exclamação são as emoções proporcionadas pela retrospectiva “Nelson Leirner 2011-1961=50 anos”, em São Paulo, onde mais de 40 obras apresentam a capacidade de reinvenção permanente de Leirner.

A exposição começa com “Banca de Jornais” (2008), instalação que não deixa dúvidas sobre o caráter apropriacionista, colecionista e duchampiano da obra desse grande artista paulista. Posicionado no corredor de entrada da Galeria do Sesi, o quiosque expõe uma coleção de fascículos e revistas recheadas de brindes e quinquilharias. Além de configurar um “readymade” na melhor acepção do termo (principal estratégia artística de Marcel Duchamp, em que eleva o objeto banal ao cerne da obra de arte), a banca é uma representação simbólica do grande intuito de Nelson Leirner: perguntar “o que é arte”.

Com curadoria de Agnaldo Farias, a mostra avança com pujança, dividindo a obra em três fases: os primeiros anos, a maturidade que o artista alcança com uma obra polimórfica e o grande desfecho, com a instalação inédita “Hobby – Um Nenhum Cem Mil” (2011). O trabalho foi realizado, literalmente, na forma de um hobby: cada um dos cartões que compõem a instalação foi produzido em momentos de ócio e intervalos do oficio artístico. “Sempre falo para mim: preciso colecionar alguma coisa e parar de fazer arte. Não consigo encontrar alguma coisa para fazer. A não ser a coleção que eu fiz do “Hobby”, que para mim não era arte, não tinha essa intenção”, diz Nelson Leirner. O resultado é simplesmente um de seus melhores trabalhos.

FOTOGRAFIA

ISTO É – Uma semana de fotografia

Nina Gazire

(12/9/2011) Com expectativa de receber cerca de 7 mil visitantes durante os três dias de evento, a SP-Arte/Foto acontece em São Paulo com a presença de 750 obras de 26 galerias brasileiras e internacionais. Com esses números, a feira se consagra como a maior do gênero na América Latina. Neste ano, além de trazer trabalhos raros ou inéditos de nomes consagrados da fotografia, como Thomas Farkas, Caio Reisewitz, o italiano Massimo Vitali e os peruanos Irmãos Vargas, há também a forte predominância da produção de artistas migrantes de outras artes visuais – como escultura, arquitetura e pintura – em trabalhos experimentais com a técnica fotográfica. Um exemplo é “Walldrawing”, da série “Amostras de Arquitetura”, da artista Lucia Koch, representada pela Galeria Nara Roesler. Nessa série, a artista realiza registros de desenhos e grafismos feitos no interior de caixas de papelão. Sob a lente da artista, esses interiores se parecem com grandes ambientes, como salas, quartos e até mesmo cubos brancos de galerias de arte.

Além de apresentar a produção fotográfica contemporânea, a feira conta com um ciclo de palestras e debates gratuitos com artistas e convidados internacionais, como o curador e crítico peruano Jorge Villacorta, uma das maiores autoridades em fotografia latino-americana da atualidade.

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MÚSICA

ESTADO DE MINAS – Banguê: Personagens e ritmos brasileiros

Ailton Magioli

(9/9/2011) O know-how com certeza fez a diferença. Ex-integrante do grupo Barbatuques, a cantora, compositora e educadora musical Ilana Volcov chega ao primeiro disco solo com a experiência dos mestres. Distribuído nacionalmente pela Tratore, o independente Banguê traz apenas duas canções inéditas (Procissão da padroeira e Contradança), mas a sensação para o ouvinte é de estar diante de algo realmente novo devido aos arranjos, a maioria criação do violonista Michi Ruzitschka, que assina a produção do CD ao lado de Ilana e de Ricardo Mosca.

A experiência com o Barbatuques, no qual cantou de 1996 a 98, foi tão importante, que, segundo a cantora, fica difícil avaliar. “Aprendi a explorar a voz e a música de maneira livre”, diz Ilana, lembrando que há muita gente que barbatuca por aí, hoje, devido ao grande núcleo formado pelo grupo ao longo dos anos. “No Barbatuques também compreendi melhor as células rítmicas”, acrescenta, admitindo que o improviso foi o que mais a encantou no coletivo.

Referência em percussão corporal, o Barbatuques produz música orgânica utilizando o próprio corpo como instrumento. Melodias e diferentes ritmos musicais são criados a partir de efeitos de voz e da exploração de sons produzidos pelo corpo. Resultado: Ilana Volcov acabou se tornando intérprete com experiência das grandes. Com a recente indicação ao 22º Prêmio da Música Brasileira na categoria de melhor canção, por Procissão da padroeira, de Guinga e Paulo César Pinheiro, a cantora resolveu comemorar ao lado de Guinga, apresentando o show de Banguê domingo, no Sesc Ipiranga, em São Paulo.

Segundo revela, tudo começou depois de ela ouvir o choro Recife, cidade lendária, de Capiba, mestre do frevo, na voz de Chico Buarque. A palavra banguê presente na letra da canção chamou a sua atenção, levando-a ao encontro de outras criações musicais que remetem ao cultivo da cana-de-açúcar, aos negros, ao regime escravocrata e à mistura das culturas africana e brasileira.

“Senti vontade de buscar outras canções com personagens e ritmos brasileiros”, recorda Ilana, que ainda recria no disco Estatuinha, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri; O namorico da Rita, de Antônio Mestre e Artur Ribeiro; Onde eu nasci passa um rio, de Caetano Veloso; Encontro, de Paulinho da Viola; Leilão (Scenas coletivas), de Hekel Tavares e Joracy Camargo; O trem, de Karina Buhr; Paixão e fé, de Tavinho Moura e Fernando Brant; Morada, de autor desconhecido; Contradança, de Breno Ruiz e Paulo César Pinheiro; Quando o samba acabou, de Noel Rosa, e Na virada da costeira, de Chico Saraiva e Paulo César Pinheiro.

Ex-estudante de arquitetura que buscou a música para ampliar sua visão de mundo, Ilana Volcov acabou fazendo vocais para Rubens Nogueira e Eduardo Gudin antes de se integrar ao Barbatuques, no qual complementou a formação que a levou a optar profissionalmente pela música. Com o atraente e requintado Banguê, ela promete conquistar fãs, depois de rasgados elogios da crítica.

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Ex-integrante do Barbatuques, Ilana Volcov lança o independente Banguê

ESTADO DE MINAS - Com a bênção de Xangô

A sambista Roberta Nistra, carioca que começou a cantar e tocar no tradicional Bairro da Lapa, lança disco de estreia com composições próprias e parcerias e anuncia turnê

Ana Clara Brant

(9/9/2011) Quem olha pela primeira vez para a cantora e instrumentista Roberta Nistra, uma carioca loira de olhos azuis, nem imagina que “é na roda de samba que ela fica feliz, com a perna bamba de tanto sambar”, como sugere a letra da canção que compôs, Roda de samba. Mas não é somente esse ritmo que faz a cabeça da artista, que acaba de lançar seu CD de estreia. Jongos, carimbós, cavalo-marinho e até o forró dão o tom ao disco, que reúne 12 faixas, nove inéditas. “Sempre me interessei e pesquisei os ritmos afros e brasileiros. Gosto dos ijexás, do candomblé, que é a minha religião, e tudo isso não tinha como não fazer parte desse trabalho. Além, é claro, do samba”, comenta Roberta, que também é cavaquinista e começou a tocar no tradicional Bairro da Lapa, no Rio, em 1995, ajudando a fortalecer aquele cenário musical.

A artista conta que está acostumada com o estranhamento pelo fato de ser uma loira no meio de batuques e afins, mas que esse “preconceito” faz

parte da sociedade, não é uma exclusividade da música. “Sempre me perguntam se sou da Zona Sul, se estudei em colégios caros, essas coisas. Sou de Vila Isabel, que é berço do samba; sempre morei perto da comunidade e isso faz parte da minha formação. As pessoas costumam ficar espantadas também com o fato de eu não apenas cantar samba. Mas também por tocar esse gênero, além de outros afro-brasileiros”, revela.

Trabalho meticuloso O disco, que tem direção artística de Olívia Hime e é um lançamento da Biscoito Fino, foi minuciosamente pensado. E pelo fato de também ser instrumentista, Roberta Nistra pensou em cada detalhe: é responsável por quase todos os arranjos e divide a produção musical com Edu Krieger. “Passei aproximadamente três anos na produção desse álbum. Foi um processo lento, e que demandou muita calma e paciência. Acabei assumindo tudo não só porque tenho uma visão ampla da coisa, mas por questões financeiras e burocráticas também”, diz.

Boa parte das canções faz referência aos orixás, como a faixa que abre o CD, Mãe África, de Sivuca e Paulo César Pinheiro; Afoxé de Oxalá, de Marco Antônio Simas; e Tupi Nagô, de Edu Krieger e Henrique Band. Mas os sambas não deixam de estar presentes, com destaque para Quantas lágrimas, parceria dela com Luís Barcelos. A música que encerra o CD, O céu é meu espelho, outra composição de Roberta, porém desta vez com Luís Filipe de Lima, é uma das mais bonitas do disco e conta com a participação do coral Iyún Asé Orin, grupo de cânticos sagrados.

Roberta lançou seu primeiro trabalho autoral em show no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, e já começa a fechar agenda para se apresentar em outras cidades como São Paulo, Campinas e Brasília. “Belo Horizonte e outros lugares de Minas, que têm uma coisa não só com o samba, mas com outros ritmos brasileiros muito fortes, também certamente vão entrar na nossa turnê”, pontua.

CORREIO BRAZILIENSE - A canção nua e perfumada

José Miguel Wisnik lança o álbum duplo Indivisível, em que passeia livremente por múltiplos gêneros da canção, numa mirada tropicalista perpassada por sutil ironia.

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Roberta Nistra já se acostumou com o preconceito das pessoas, que estranham a presença de uma loura no samba

José Miguel Wisnik, compositor e ensaísta

(10/9/2011) José Miguel Wisnik tem o perfil daquele imaginário jogador de futebol que atua em todas as posições, cruza da linha de fundo e chega na área a tempo de dar uma cabeçada na bola na direção do gol adversário. É instrumentista (estuda piano desde os 7 anos e tocou em orquestra sinfônica), compositor, cantor, letrista, professor de literatura, autor de trilhas sonoras para peças de teatro, ensaísta e ex-jogador de futebol. Se Nelson Rodrigues estivesse vivo, certamente escreveria: “Enfim, um ensaísta que sabe cobrar um escanteio”. Ele acaba de lançar um álbum duplo, intitulado Indivisível em que assume a persona de Zé Miguel Wisnik. Queria que o nome desse a pista de que se trata de um autor de canções de música popular, mas confessa que se arrependeu, pois a brincadeira pode provocar confusão: “Se você procura no Google, vai encontrar José Miguel e não Zé Miguel”, pondera Wisnik, bem-humorado.

Wisnik entrou para a faculdade, na virada da década de 1960, sem saber direito como conciliar os projetos de ser escritor e músico. A Tropicália, de

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Cia., trouxe a resposta, mixando popular, erudito, poesia, artes plásticas, teatro e performance. Zé Miguel leva toda essa mistura para dentro do disco Indivisível, cantando marchinhas, valsas, sambas, temas eruditos adaptados para a canção popular, modas de viola e versões musicais de poemas, sempre perpassados por um olhar oblíquo e dissimulado de ironia, típico da Tropicália: “Acho que o tropicalismo foi muito importante em minha formação em um momento de implosão dos gêneros e das fronteiras. No meu caso, isso já é conquistado. A gente internalizou o direito de habitar os múltiplos campos da canção sem promover separações. No disco anterior, Pérolas aos poucos, isso era mais evidente. Mas, em Indivisível, a mistura e a variedade estão mais decantadas. O disco passa por muitos gêneros, mas tem uma unidade de som, lirismo e ironias sutis que faz com que haja uma fluência entre todos esses registros. Neste sentido, também, ele é indivisível”.

Um exemplo da ironia sutil é Tristezas do Zé, parceria com Luis Tatit, uma canção melancólica, mas temperada pelo senso de humor: “Tudo que é melancolia/Dizem que fui eu que fiz/É só chorar/Em Palmas, Teresina ou Jequié/Já vão avisar/que a origem é a tristeza lá do Zé”. A canção brinca com o clássico Tristezas do Jeca: “Fiquei muito feliz porque você pode rir de sua tristeza. O Jeca descobriu que a tristeza é um filão de sucesso. Por outro lado, é sobre a tristeza de todos e de ninguém”. No samba Sócrates brasileiro, ele homenageia o “pique filosófico” do ex-craque do Corinthians e da Seleção Brasileira.

Tom intimistaTodas as faixas do disco são vazadas em um tom intimista, em arranjos econômicos, quase sempre com Wisnik ao piano e Arthur Nestrovski ao violão. É como se tudo passasse por um filtro de Bossa Nova. Foi uma opção deliberada por apresentar as canções expostas, sem adereços, nuas: “Os arranjos vestem as canções, elas ganham corpo. Mas, nesse disco, eu quis privilegiar a palavra cantada. Só permiti a entrada de um instrumento se a canção estivesse pedindo. Mas não é nenhum programa estético. Já me dá vontade de fazer uma outra coisa no próximo disco. A própria trilha sonora para o Grupo Corpo tem 200 canais em cada faixa”.

No disco, Wisnik apresenta parcerias com um time respeitável: Chico Buarque (a canção Embebedado), Jorge Mautner (a marchinha Tempo sem tempo), Guinga (o samba-canção Ilusão real), Marcelo Jeneci (O primeiro fole) e Luis Tatit (a moda de viola Tristezas do Zé). Além disso, musicou cinco poemas: Medo, de Carlos Drummond de Andrade; Mortal loucura, de Gregório de Matos Guerra; Os ilheus, de Antonio Cícero; Dois em um, de Alice Ruiz; e Tenho dó das estrelas, de Fernando Pessoa.

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Mesmo quem conhece os poemas pode ter uma sensação de estranhamento e da incidência de uma nova luz sobre os textos. O trabalho é resultado da ligação de toda uma vida com a literatura: “Desde os 18 anos sou professor de literatura e a canção é poesia cantada. É verdade que há diferenças de fato entre a palavra falada e a cantada. Mas eu só musiquei os poemas se eles pedissem música. Existem grandes poemas que não pedem nem querem ser musicados. É preciso que haja uma musicalidade latente para a entoação da palavra”.

CORREIO BRAZILIENSE - Sereias no samba

Joyce Cândido e Aline Calixto sobressaem entre as novas cantoras, interpretando com personalidade o tradicional ritmo brasileiro.

(13/9/2011) Quem vê Joyce Cândido em um vídeo no YouTube, tocando piano e cantando serenamente The man I love (George e Ira Gershwin), não reconhece ali a cantora que se mostra à vontade interpretando sambas no álbum O bom e velho samba novo. Mas essa versatilidade não se dá por acaso. Joyce estudou piano clássico, cantou repertório variado em eventos e em bares — no interior de São Paulo (onde nasceu) e na paranaense Maringá (onde fez faculdade de música) — e se mudou para os Estados Unidos para frequentar cursos de canto e dança na Broadway. Paralelo às aulas, começou a se apresentar em espaços dedicados à música brasileira, nas regiões de Nova York e Miami.

Por ironia, em terras estrangeiras a cantora acabou se aproximando ainda mais do ritmo que é a cara do Brasil. “O repertório de samba se destacou muito, porque os músicos brasileiros que vivem lá fazem mais bossa, jazz”, conta. Um amigo brasileiro em solo americano a indicou ao músico e produtor carioca Alceu Maia e dessa aproximação surgiu o segundo disco de Joyce Cândido, lançado agora pela Biscoito Fino — o primeiro, Panapaná, foi feito quando ela ainda morava em Maringá, por meio de leis locais de incentivo à cultura.

Panapaná tinha mais músicas próprias. Neste, o lado autoral foi deixado de lado. “Alceu estava produzindo um disco do Diogo Nogueira e recebia muitas músicas dos compositores. Começou a me mandar algumas. Era tanta música boa! Fiquei encantada, queria gravar todas, e eram compositores que eu nem conhecia. Achei que seria vaidade incluir composição minha só por incluir, nem tinha nenhuma que eu quisesse pôr.” Resultado: O bom e velho samba novo é, ao lado de Flor morena, de Aline Calixto, um dos melhores lançamentos recentes de samba em voz feminina.

O disco traz músicas inéditas de compositores de diferentes gerações, como o próprio Alceu Maia, Ana Costa, Cláudio Jorge, Nelson Rufino e Hermínio Belo de Carvalho. Tem também regravações de dois clássicos, Deixa a menina, de Chico Buarque, e Feitio de oração, de Noel Rosa e Vadico. Foi Chico quem indicou Joyce à Biscoito Fino, depois de ouvi-la interpretar sua música. Reconheceu ali uma nova e boa sambista. “Gosto do rótulo. Canto outras coisas, cresci ouvindo de tudo. Amo Milton Nascimento, por exemplo; gosto de música mais dramática, de musical… Mas essa identidade com o samba é muito forte em mim e o mercado precisa de novas sambistas”, acredita.

Uma das histórias curiosas passadas nos bastidores de O bom e velho samba novo é a que resultou na participação de Letícia Sabatella: “Letícia foi uma surpresa boa. Ela é prima de um grande amigo de Londrina. Quando vim ao Rio para gravar, entrei em contato, ela me ligou, foi ao estúdio e nesse

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Joyce Cândido não se preocupa com o rótulo: "Essa identidade com o samba é muito forte em mim e o mercado precisa de novas sambistas

dia eu estava gravando Feitio de coração. Ela, por acaso, começou a fazer uma segunda voz e aí Alceu sugeriu que gravássemos juntas”. Xande de Pilares é outro convidado. “Como tenho isso do samba clássico, a gente queria um samba mais pra frente, animação, com pegada de roda de samba. Alceu chamou o Xande, de quem é amigo, e ele adorou. Até fez o samba para o disco”, conta Joyce.

O equilíbrio entre tradição e modernidade, explícito já no título do álbum, norteou a produção do disco e ainda é uma preocupação da artista. “Gosto do trabalho do Diogo Nogueira, que tem um estilo tradicional, gravando sambas novos. Tem outros que fazem um samba não tão tradicional, como Roberta Sá, Maria Rita… São trabalhos lindos, mas já um pouquinho misturados. Eu quis gravar o samba clássico, mas apostando numa renovação, de qualquer maneira. Porque a instrumentação e o estilo são os mesmos, mas você dá a sua cara.”

CORREIO BRAZILIENSE – O evangelho segundo Gismonti

Aos 63 anos, o multi-instrumentista celebra a música para devotos da Mostra Internacional de Olinda. Leonardo Cavalcanti

Gismonti no palco, ou melhor, no altar da igreja do Seminário de Olinda: uma pregação instrumental

(13/9/2011) Recife — Se a música é sagrada, que seja reverenciada no altar. E tenha como responsável por tal celebração o multi-instrumentista Egberto Gismonti. É noite de sábado na igreja do Seminário de Olinda, localizado nas ladeiras do Alto da Sé. Chegar aqui, a pé, é por si só uma redenção. Mas é preciso um pouco de calma. São 19h15 e o espetáculo está para começar.

No centro do palco, ou melhor, do altar, Gismonti, um dos mais inventivos artistas atuais, parece doutrinar. É solene, sem afetação. “Reverencio diariamente algo que não existe. Nada me faltará porque a música vai me conduzir”, diz o homem, 63 anos, de turbante encarnado como se entoasse um salmo. Na plateia, leigos, padres, freiras e músicos consagrados, como o percussionista Naná Vasconcelos.

Para Gismonti, a música só passa a existir quando chega ao público. Mesmo no processo final da composição, ela ainda não existe. “Isso só acontece quando o público para e ouve”, disse ele ao continuar o show, que teve a participação da violinista Ana de Oliveira, do pianista André Mehmari, do bandolinista Hamilton de Holanda e do violonista Alexandre, filho de Gismonti.

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Alguns dos devotos chegam a chorar durante a performance. O repertório é variado, incluindo músicas antigas e mais recentes, compostas para o álbum Saudações, lançado pela gravadora alemã ECM, inédito no Brasil. O concerto é um dos 24 da Mostra Internacional de Música de Olinda, a Mimo, que ocorreu entre os últimos dias 5 e 11. Ao todo, mais de 100 artistas transformaram altares em palcos.

A Mimo está na oitava edição e já é o segundo evento mais importante de Olinda, depois, evidentemente, do carnaval. Os shows são gratuitos. A população assiste às performances dentro das igrejas e nos pátios, em telões. Ao todo, mais de 80 mil pessoas viram pelo menos um dos espetáculos.

Gismonti é um entusiasta da mostra, não apenas pelos shows em si, mas pelas oficinas ministradas ao longo do evento, como a do próprio artista ou uma de regência com o maestro Isaac Karabtchevsky. “A chance de compartilhar conhecimento e estimular jovens músicos é o melhor desta mostra”, disse.

RepertórioSão quase 21h. A 200 metros da apresentação de Gismonti, na Igreja da Sé, o pianista Philip Glass começa a tocar. Autor consagrado de trilhas para cinema, teatro e dança, Glass levou para Olinda o concerto “Uma noite de música de câmara”. O convidado é o violinista Tim Fain, um dos representantes da nova geração de músicos eruditos norte-americanos. Fain prepara-se para o show nos aposentos do fundo da igreja.

O show de Gismonti já deveria ter acabado, mas o homem queria mais. Glass assim começa a tocar, afinal, os palcos eram distintos. Mas a proximidade dos dois concertos faz com que, nos fundos da Igreja da Sé, o piano de Gismonti seja ouvido nos intervalos das músicas de Glass.

Desavisado, Tim Fain aguarda para entrar no palco. Ao escutar Gismonti, o músico abandona os aposentos em direção ao palco. “Ele (Glass) mudou o repertório de última hora? Ele mudou o repertório de última hora?” Não, Fain. O repertório é de um outro evangelista, de nome Gismonti.

FOLHA DE S. PAULO – Orquestra Espiritual

Em 3º álbum, Mariana Aydar grava com grupo de percussão e sopros canções compostas após meditação

Marcus Preto

(13/9/2011) Antes de começar a pensar no que viria a ser este seu terceiro álbum, Mariana Aydar passou um período em retiro espiritual, no meio do mato.

Ali, por três dias, não podia falar nem cantar. Comia e dormia só o indispensável.

A situação limite teve efeito imediato. Assim que abriu a boca de novo, as canções lhe começaram a brotar. Em dez dias, compôs, inteiras ou em partes, mais de 30. Um refrão se repetia: "Cavaleiro selvagem, aqui te sigo". Veio daí o nome do disco.

O cavaleiro, diz Mariana, parecia estar com ela e seus músicos como um guia "do que importa", "da mensagem que eu deveria passar".

A segunda parte da canção "Cavaleiro Selvagem" foi escrita pelo rapper Emicida.

"Sozinha, eu não conseguia sair daquele refrão", diz. "Cheguei a ligar pro Carlinhos Brown, mas lembrei que o Emicida consegue começar e acabar qualquer coisa."

Além dessa, apenas outras quatro faixas do álbum são assinadas por Mariana.

As outras oito se dividem entre regravações e canções compostas especialmente para ela. Do último caso, o fado "Porto" (Romulo Fróes/Nuno Ramos) já estava em suas mãos desde o disco anterior.

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Mariana diz que não sabia interpretar a canção até ir a Portugal e ver de perto fadistas "cantando de olhos fechados, sem medo de ser tristes". Resultou em uma das faixas mais pungentes do CD.

Todas as regravações traçam uma espécie de biografia musical de Mariana.

"Passionais" (Dante Ozzettti/Luiz Tatit) faz a ponte com o tempo em que atuava como

backing vocal. "Vai vadiar" (Alcino Corrêa/Monarco), sucesso de Zeca Pagodinho que ela refaz em levada mais lenta, remete ao início da carreira solo, focada em samba.

"Preciso do Teu Sorriso" (João Silva), ao forró da primeira banda em que tocou. E ao documentário sobre o músico Dominguinhos, que ajuda a produzir agora.

A adolescência dos carnavais da Bahia surge na coprodução (com Duani Martins) de Letieres Leite, líder do Orkestra Rumpilezz, grupo baiano de sopros e percussão.

"O cara que bate o tambor na Rumpilezz é o mesmo que batia pra Mãe Menininha do Gantois", ela diz.

"Existe um comprometimento não só musical, mas espiritual. Era essa a energia que eu queria."

O ESTADO DE S. PAULO - Jardim elétrico de lirinha

Pernambucano lança Lira, álbum cooperativo de vigor psicodélico e lírica invulgar

Jotabê Medeiros

(14/9/2011) Ele é o nosso Devendra, o nosso Alex Ebert (de Edward Sharpe and the Magnetic Zeros). Trata-se de José Paes de Lira, o Lirinha, duelista pernambucano que passou 13 anos atiçando as brasas da MPB indie nacional com sua finada banda Cordel do Fogo Encantado.

Um ano depois de fechar a lojinha do Cordel, Lirinha voltou à baila no domingo dando vazão na internet ao disco Lira, um coquetel de lírica & pedais que segue disponível inteirinho no site do cantor e compositor (http://www.josepaesdelira.net/). De vez em quando a música brasileira gesta um disco assim, com esse grau de delírio e modernidade.

Após sacudir a poeira do Cordel do Fogo Encantado (que chegou a São Paulo no rastro do movimento mangue beat e fez história na música brasileira), Lirinha lança-se numa marcante aventura nas águas da baixa tecnologia e das linguagens sintéticas. "Eu sou feito de distorção e mau contato", canta o artista, na faixa Eletrônica Viva, abraçando os privilégios da precariedade. Os shows de lançamento do disco em São Paulo serão nos dias 27 e 28 de outubro, no teatro do Sesc Vila Mariana, às 21 horas.

Lira traz uma participação marcante: o músico Lula Côrtes, que morreu em março, fez sua última arte no disco de Lirinha, na faixa Adebayor, tocando seu tricórdio (cítara marroquina). Lula Côrtes gravou nos anos 1970, com Zé Ramalho, o disco Paêbiru (1975), considerado o mais raro vinil do País e um dos mais disputados do mundo, custando até R$ 4 mil (isso se deu porque um incêndio na fábrica destruiu quase a totalidade das cópias, e Zé Ramalho nunca quis reeditá-lo).

"Entre o planalto da Borborema e as depressões sertanejas/Três espécies de moedas asseguram o mecanismo da troca", canta Lirinha, em um dos bons achados do álbum, Nada a Fazer, prenhe de um psicodelismo meio cordelístico. Lirinha tem uma lírica de grande impacto e sua poesia é visionária e invulgar. Não se prende a um sentido cronístico, mas a um ritmo poético (raramente metrificado

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nesse disco). Sua formação parece desenrolar um novelo que contém Paulo Leminski, William Blake, João Antônio, Raduan Nassar e Patativa do Assaré.Alguns exemplos: "A minha história é canção de bêbados/Feito uma árvore que come pássaros". Ou: "Nunca esqueça as oferendas/quando contar na rua as nossas lendas". Ou: "Sustentando o gesto além/e a mudança dos pedais". Ou ainda: "Recebi uma carta tardia/Num guardanapo de um bar em Berlim/A mesma tristeza/A mesma caligrafia".

Com Jorge du Peixe, da Nação Zumbi, ele compôs Sidarta, um troço estranho, uma espécie de mangue beat budista ibérico ("Onda é o mar do menino azul"). Memória banha-se num mar de teclados que parecem saídos de uma grande faixa de Márcio Greyck, um assalto de cafonismo premeditado.

Filho de uma espécie de armorialismo turbinado, o multiartista agora usa, com sede de ruído, um lençol de guitarras, teclados, sintetizadores e bateria, sonzeira a cargo de Pupillo (também produtor do disco) e Bactéria (do grupo Mundo Livre S/A, que toca sintetizadores, teclados, pianos acústicos e elétricos) e Neilton (do grupo de hardcore Devotos, do Recife, que toca guitarras).

É como se fosse uma cooperativa musical. Participam do disco Ângela Rorô, Otto, Luisa Maita, Junio Barreto, Gustavo Dalua, Cláudia Daibert, Fernando Catatau, Nábia Villela, Laya Lopes e os notáveis Maestro Forró (da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, tocando trompetes), Bozó (violão de 7 cordas e cavaquinho) e Miguel Marcondes (violão).

Como Caetano Veloso fez lá no passado com o filho Moreno, quando este tinha 10 anos, cantando Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê, e o Pato Fu fez mais recentemente em seu álbum Música de Brinquedo, Lirinha também conta com outro auxílio luxuoso: o filho João Paes de Lira, de 9 anos de idade e que vive no País de Gales, compôs e interpreta a faixa que encerra o disco, My Life.

Muita gente conhece Lirinha como "aquele músico meio hippie que foi casado com a Leandra Leal". Ok, é uma referência. Mas o pernambucano começou a carreira aos 12 anos, declamando em Arcoverde, a quase 300 quilômetros da capital. Foi ali que, uma vez, Maurício Kubrusly baixou com sua caravana fantástica de descoberta do Brasil profundo e pôs o som do Cordel Encantado em horário nobre na Globo. Em 2001, sua banda chegou ao extinto Free Jazz Festival, a mais importante mostra de música àquela altura.

O grupo surgiu em 1997, quando Lirinha idealizou e montou o espetáculo cênico musical Cordel do Fogo Encantado, que se tornou seu tour de force artístico dali em diante. "No começo, a ideia era só fazer uma base percussiva para a contação de poesias", disse. Gravaram três discos: Cordel do Fogo Encantado (2000), O Palhaço do Circo Sem Futuro (2002) e Transfiguração (2006). Em outubro de 2005, lançou o DVD MTV Apresenta: Cordel do Fogo Encantado. A repercussão do trabalho os levou a turnês internacionais, mas no ano passado Lirinha resolveu partir para uma nova aventura.

FOLHA DE S. PAULO - Percussionista das estrelas toca em SP

Ao lado da banda Banquet of the Spirits, Cyro Baptista mostra versatilidade musical amanhã no Sesc Pompeia

Brasileiro radicado há 30 anos em Nova York contribuiu para a obra de grandes nomes da música internacional

CARLOS BOZZO JUNIOR

(14/9/2011) Tome fôlego e responda: além da música, o que há de comum entre Herbie Hancock, Laurie Anderson, Paul Simon, Phish, David Byrne, Kathleen Battle, Gato Barbieri, Brian Eno, Ryuichi Sakamoto, Robert Palmer, James Taylor, Carly Simon, Bobby McFerrin, Wynton Marsalis, Spyro Gyra, Jay-Z, Snoop Dogg, Santana, Sting, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Ivan Lins e Marisa Monte?

A resposta é: o metamorfismo sonoro de Cyro Baptista, 59, percussionista brasileiro radicado há 30 anos em Nova York, que se apresenta amanhã no Sesc Pompeia.

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Baptista lidera o quarteto Banquet of the Spirits, que tem Brian Marsella (piano e teclados), Shanir Ezra Blumenkranz (baixo e alaúde) e Tim Keiper (bateria).

Todos os nomes citados no primeiro parágrafo tiveram suas músicas enriquecidas pelos sons transformados, criativos, humorados e inusitados de Baptista.

"Minha música é produto do meio em que vivo. Vivo de mudanças, em constante transformação. Apenas me adapto a elas", disse o artista em entrevista à Folha, por telefone, de Nova York.

O compositor e percussionista Cyro Baptista (2º a partir da esq.) com os músicos de sua banda, Banquet of the Spirits

Ele está realmente mudando de casa, justificando seu notório e bem-sucedido trânsito entre artistas e gêneros musicais tão distintos.

O show será um "mosaico sonoro" de seus últimos três CDs: "Caim", de 2011, "Infinito", de 2009, e "Banquet of the Spirits", de 2008.

Todos lançados pelo selo Tzadik, que tem como proprietário o saxofonista John Zorn, com quem Cyro trabalha desde que se mudou para os Estados Unidos.

O percussionista compôs uma trilha musical para um filme de vampiros encomendado pelo diretor e produtor Francis Ford Coppola.

"Não me lembro do nome. Está uma zona aqui", afirmou o compositor.

Mudanças, contudo, não são a única força propulsora do artista, que usa da criatividade para transformar sons de máquinas de escrever, cadeiras, tubos de PVC e outros objetos em música.

"Já cheguei a levar meia tonelada de tralhas comigo. Falando nisso, você conhece quem poderia me emprestar uma máquina de escrever e um cilindro de ar comprimido?", perguntou o músico, que pretende utilizar os objetos solicitados para interpretar composições próprias.

Entre elas, "Forró for All", que, segundo ele, é "a música que contém todas a músicas", e "Typing with Oswald de Andrade".

"Bird Boy" e "Malinye", do trompetista Don Cherry (1936-1995), também estão no programa que pretende transformar sua maneira de ver, ouvir e sentir a música.

LIVROS E LITERATURA

LA NACION (ARGENTINA) - Fiesta de la literatura con un Nobel y un homenaje a Brasil

Hoy comienza Filba 2011, que contará con la presencia del sudafricano John M. Coetzee

Por Cynthia Palacios

(9/9/2011) Será una fiesta de las letras, en la que participarán medio centenar de escritores argentinos y más de 25 extranjeros, entre los que se destaca el Premio Nobel 2003, el sudafricano John M. Coetzee. Hoy, a las 19, se inaugurará la tercera edición del Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires (Filba), que continuará hasta el domingo 18.

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El festival ofrecerá conferencias, entrevistas, mesas redondas, recitales, performances, workshops y propuestas, que se desarrollarán en diversos espacios culturales distribuidos en nueve sedes.

Autor de Foe, Infancia y Tierras de poniente , Coetzee será una de las principales figuras internacionales que participarán de la edición 2011, pero hay más "platos fuertes", entre ellos el holandés Cees Nooteboom, firme candidato al galardón de la Academia Sueca; Kjell Askildsen y Dag Solstad (ambos de Noruega, disertarán sobre "La otra literatura nórdica"), el danés Erling Jepsen, el chileno Luis Sepúlveda, el italiano Ermanno Cavazzoni, la española Elvira Lindo, la japonesa Minae Mizumura y el galés Richard Gwyn.

"Casualmente, Nooteboom estuvo nominado al Nobel y su poesía fue traducida por Coetzee", explicó a La Nacion el coordinador general del Filba, Patricio Zunini.

También participarán autores argentinos como Mempo Giardinelli, Juan Sasturain, Martín Caparrós y Martín Kohan, y se buscará darles visibilidad a las figuras jóvenes locales Iosi Havilio y Mariana Enríquez, los españoles Andrés Barba y Javier Calvo, el mexicano Yuri Herrera y la chilena Andrea Jeftanovic. "Son grandes escritores por conocer", consideró Zunini.

La inauguración se hará en el Malba y estará en manos del escritor, novelista y ensayista Luis Chitarroni, con la conferencia "Versiones de Babel". En las ediciones anteriores, los encargados de abrir la muestra fueron el italiano Gianni Vattimo y el francés Marc Augé. Este año, el festival tendrá una sección dedicada a la literatura brasileña, así como en la edición anterior se homenajeó a las letras uruguayas. La delegación brasileña está integrada, entre otros, por João Gilberto Noll, Adriana Lisboa, Santiago Nazarian, Vilma Areas, Joca Reiners Terron y el músico Moreno Veloso, que hará una performance poética.

Los invitados recorrerán la obra de grandes de las letras de Brasil como Machado de Assis, Guimarães Rosa y Clarice Lispector.

Además, en esta edición se inaugurará Filbita, un espacio destinado a la literatura infantil y juvenil, que propone tanto actividades lúdicas y literarias para los chicos como paneles y talleres de reflexión sobre la importancia de los libros en la formación de los primeros lectores.

Otra sección, denominada Industria en Foco, debatirá cómo los desarrollos en los soportes tecnológicos generan cambios en la industria editorial y cómo repercuten también en la difusión de los textos y en la producción literaria.Influencia

"En los festivales puede pasar algo que te influya para escribir, como me pasó en un festival en Australia", consideró ayer Nooteboom, que ya escribió varios libros de viajes y encabezará en el Filba una mesa redonda junto con Mizumura y Caparrós.

Coetzee será el encargado de cerrar el festival, con la lectura de un texto de ficción inédito, en el Malba. Será el domingo 18, a las 20, y tendrá retransmisión simultánea en el hall, ya que se espera una gran afluencia de público.

Las sedes del Filba son el Malba (avenida Figueroa Alcorta 3415), Villa Ocampo (Elortondo 1811, Béccar), el Centro Cultural Ricardo Rojas (avenida Corrientes 2038), el Centro Metropolitano de Diseño (Villarino 2498), Centro Cultural de España en Buenos Aires Paraná (Paraná 1159), el auditorio de la Fundación OSDE (avenida Leandro N. Alem 1067) y las librerías Eterna Cadencia (Honduras 5582), Clásica y Moderna (avenida Callao 892) y La Boutique del Libro (Chacabuco 459, San Isidro).

El festival es organizado por la Fundación Filba, entidad sin fines de lucro cuyo objetivo es la promoción de la literatura en sus diversas expresiones. El acceso a todas las actividades del festival es gratuito y estará sujeto a la capacidad de las sedes.

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FOLHA DE S. PAULO - Livro reúne contos do jovem Guimarães Rosa

JOSÉLIA AGUIAR

Aos 21 anos, Guimarães Rosa se parecia mais com Edgar Allan Poe do que consigo mesmo. É o que o leitor vai descobrir ao ler "Antes das Primeiras Estórias", que a Nova Fronteira lança agora.

A antologia reúne quatro contos que o então jovem médico mineiro, vencedor de concursos para estreantes, publicou em "O Cruzeiro" e "O Jornal" entre 1929 e 1930.

Em suas narrativas de fantasia, mistério e certo romantismo, há personagens que se chamam Francis, Elphin e Mabel e vivem em lugares como Highmore Hall.

Só mais tarde o autor descobriria o sertão e inventaria o estilo com que se consagrou. A primeira obra, "Sagarana", sairia quase duas décadas depois.

De parecido com o Rosa da maturidade, o leitor notará que o jovem escritor já se mostra inventivo e com um certo gosto por um vocabulário inequívoco.

"Antes das Primeiras Estórias" é o primeiro de uma série de volumes inéditos que pretende publicar a Nova Fronteira, casa editorial do autor desde a década de 1980.

A existência desses contos não era desconhecida. É a primeira vez, porém, que são publicados em livro.Entre os volumes previstos, um deles terá uma seleção dos cadernos "Boiada", escritos no começo da década de 1950, parte de suas anotações para fazer "Grande Sertão: Veredas".

A Nova Fronteira quer lançar também antologias com escritos de viagens e textos críticos que Rosa fez sobre outros autores.

O curioso é notar que, se destoava dos leitores que apreciavam os modernistas da época, o jovem Guimarães Rosa pode agradar hoje aos leitores de Harry Potter.

O GLOBO - Outras leituras possíveis sobre a MPB

Em ‘Histórias paralelas’, Hugo Sukman propõe olhar sobre a música brasileira que foge da tese de uma só linha evolutiva

Leonardo Lichote

(12/9/2011) A bossa nova já havia feito a revolução e pavimentado o caminho para a geração de Chico Buarque, Edu Lobo, Elis Regina. Parecia que a música popular brasileira seguiria sem acidentes por aquela trilha — a herança de sofisticação samba-impressionismo-jazz fundada pela bossa. Até que, no Festival da Record de 1967, com guitarras e imagens poéticas embebidas da nascente cultura pop, Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram “Alegria, alegria” e “Domingo no parque”, plantando as bases do que seria a Tropicália e mudando para sempre a trajetória da MPB. Ou, como defende o jornalista Hugo Sukman em “Histórias paralelas: 50 anos de música brasileira” (Casa da Palavra), mudando para sempre uma das muitas trajetórias da MPB. No livro, ele propõe outras seis, que passam ao largo da chamada “linha evolutiva da MPB” — consagrado conceito criado por Caetano.

— A ideia da linha evolutiva é tão poderosa que domina as discussões sobre música brasileira — diz Sukman, que lança o livro dia 15, às 19h, na livraria Argumento do Leblon. — Ela tem a força de conceitos marxistas, usados até por não marxistas. Qualquer leitura da MPB passa por ali. Queria outro olhar.

O olhar de Sukman identifica, então, caminhos paralelos. Cada capítulo é dedicado a um deles: o samba, a MPB, a Tropicália; a Jovem Guarda e o brega; o instrumental; a música nordestina; a

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diversidade das cidades. Cada linha com suas revoluções próprias. Um exemplo é o surgimento de Martinho da Vila, numa linhagem que vem de Candeia e deságua no pagode — uma segunda corrente do samba viria de Paulinho da Viola e sua elegância herdeira da velha guarda. Outro exemplo é “Berimbau”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, que instaura, diz ele, a separação entre a bossa e a MPB:

— “Berimbau”, como os afrosambas que viriam depois, reencena a criação da música brasileira. Parte de uma primeira parte modal, africana, e na segunda se torna tonal, acrescido da herança europeia. O afro-samba é tão vanguardista quanto o tropicalismo.E Milton, Edu, Chico, Paulinho e Hermeto são tão modernos quanto Caetano e Gil.

Livro ilumina cenas-chave

Mais que uma pesquisa exaustiva sobre cada uma das linhas, o livro ilumina certas cenas e dá a elas novos significados. O fato de Gil ter feito “Domingo no parque” numa madrugada, tendo Dorival Caymmi na cabeça e a filha dele, Nana, então sua mulher, na cama — o desejo de fazer uma nova canção baiana, num gesto de doce subversão contra o pai de sua companheira. Ou o “não” que o Quarteto Novo dá ao convite de arranjar a mesma “Domingo no parque” ao ouvir Gil citar Beatles como referência — um “não” que o autor vê como um marco para uma música instrumental que se desenvolveria a partir dali sem tomar conhecimento do pop ou do tropicalismo.

— Procuro jogar luz sobre fragmentos como a lista de músicas do disco de Elis de 1966,que trazia toda a geração que seria a MPB e que encerra com a única música que restava à cantora depois de apresentar aqueles nomes: “Carinhoso”, a canção brasileira por excelência. Não é um livro de histórias novas, apesar de algumas serem, como a de Paulo César Pinheiro contando que viu Gil vaiando Chico Buarque (Caetano afirma que Gil defendia Chico) no Festival da Record de 1968 e pensou então em abandonar a música.

A tensão entre Chico e os tropicalistas está no livro, assim como a relação de espelhamento entre ele e Caetano — o segundo “perseguindo” o primeiro. “Alegria, alegria” e “A banda”, “Você não entende nada” e “Com açúcar, com afeto”, “Paratodos” e “Pra ninguém”...

— Chico é a perfeição — define Sukman. — O que Caetano faz com o tropicalismo é empreender uma mudança de gosto a favor dele. Se os padrões de qualidade se mantivessem em Chico, Dori, Jobim, Tamba Trio, como eram, ele não se tornaria tão importante. Mas é uma visão generosa também, pois traz o Brasil excluído, da cultura de massa, do brega. O projeto maior do tropicalismo, porém, era a atualização da música brasileira frente ao que se praticava no mundo. Sua realização maior, portanto, se deu no Rock in Rio de 1985, quando a música brasileira se mostra em pé de igualdade com a cena internacional.

FOLHA DE S. PAULO - Na era do e-book, Bienal do Rio é analógica

Evento brasileiro menospreza livros digitais; visitantes utilizam tablets para acessar redes sociais e tirar fotos Para diretora da feira, mercado ainda não começou no Brasil; Ziraldo autografou tablets com HQ digital

MARCO AURÉLIO CANÔNICO

(12/9/2011) A era do livro digital já começou: e-books são lançados diariamente e os aparelhos para leitura proliferam.

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Quem passeou pela Bienal do Livro do Rio, encerrada ontem, viu poucos sinais desse novo mercado. Em sua 15ª edição, a feira foi um típico evento do século 20, feito para, grosso modo, vender papel. Nas raras editoras em cujos estandes havia algum sinal de e-books, o que se via era um ou dois tablets ou e-readers encostados num canto.

"O mercado do livro digital ainda não começou no Brasil", disse à Folha Sonia Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (que organiza a Bienal). "Ele vai ter uma virada quando os aparelhos digitais de leitura se popularizarem."

Nesse sentido, a feira poderia ter começado a conscientização com seu estande Bienal Digital, onde havia 16 tablets de fabricantes distintos, todos atraindo muitos visitantes -estes, no entanto, nada liam: jogavam, navegavam na web e tiravam fotos.

Os e-books foram mais discutidos do que vistos e lidos -houve palestras sobre eles e um colóquio para debater as bibliotecas da era digital.

Uma das apresentações contrariou a noção de que o mercado do livro digital ainda não começou no país. Carlos Eduardo Ernanny, criador da Xeriph (distribuidora de e-books que reúne mais de 150 editoras), disse já ter um catálogo de mais de 6.000 títulos digitais, a maior parte de editoras pequenas.

Quando se olha para as grandes editoras nacionais, o cenário é diferente: a DLD, distribuidora de e-books que reúne Objetiva, Record, Sextante, Rocco, Planeta e L&PM, tem hoje 650 títulos nesse formato, nem 1% do acervo total dessas editoras.

"Nos bastidores, não há editora no Brasil que não esteja se mexendo", disse Pascoal Soto, da LeYa. "Estamos atrasados em relação a Europa e EUA, mas temos de nos mexer para sobreviver."

Feira de e-books?

Se os efeitos da tecnologia no mercado editorial foram debatidos, a discussão sobre como será uma bienal de e-books ainda é incipiente.

"A gente tem até brincado sobre isso, se perguntando se, quando o mercado migrar para o digital, a feira vai continuar", disse Sonia Jardim.

Um exemplo de como a feira pode continuar existindo em versão digital foi dado por Ziraldo, que lançou uma HQ para o iPad e esteve no estande da editora Melhoramentos para autografar tablets.

O esquema é análogo ao dos livros tradicionais: o leitor leva a obra (no caso, 15 fãs levaram iPads com a HQ) e o autor a autografa (em uma parte criada especialmente para isso) no aparelho.

CORREIO BRAZILIENSE - Na medida certa

Nahima Maciel

(12/9/2011) - Francisco Alvim é um cara apaixonado pelo século 19. Ou melhor, viciado, nas palavras do próprio. É que naqueles tempos valorizava-se a narrativa, a grande prosa. Quando entra em um elevador ou escuta conversas alheias em uma sala de espera, Alvim sempre imagina como Balzac, Tolstoi ou Machado se apropriariam das falas de outros e as transformariam em algo grandioso munidos apenas, digamos, de uma tesoura forjada no século 20. A imagem é boa para mergulhar em O metro nenhum. O novo livro de poemas de Alvim foi um pedido da Companhia das Letras. O poeta aceitou reunir os versos dos últimos 10 anos, todos produzidos após a publicação de Elefante, em 2000. Uma espécie de continuação. “Cobre uma polegada da pegada do paquiderme; para diante”, garante o autor.

O poeta fala na perfeição do metro em poema que rendeu o título e aí reside o compromisso de Alvim com a poesia e o flerte com a narrativa, eventualmente marcante em alguns versos. A perfeição é

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assim: “Aquele ponto fabuloso que a Revolução Francesa nos legou, resultante do encontro do nem o mais com o nem o menos. Na poesia, esse ponto miraculoso soa, ecoa e reboa.” Coisas ouvidas aqui e ali, “algumas toneladas” de cotidiano servem de matéria para o poeta. Quando viram versos, acabam “amarradas com barbante, sem nó cego, fácil de desamarrar”. Assim, muitas vidas valem um poema. Especialmente aquela de Amor, uns versinhos ousados sobre a moça que bolina o namorado no restaurante do aeroporto.

A crítica social também está lá. E o poeta prefere que ela seja abrangente. Fala em crítica à vida, mais do que à sociedade. “Faço as maiores restrições à vida que se leva neste nosso mundo. A despeito das boas coisas: avião, museus atraentes, cidades babilônicas, hospitais e medicamentos miraculosos... próprias da minha classe”, avisa. É uma sensação, ele explica, de que a própria mão não alcança o que tem à frente. E a poesia nisso tudo? Teria ela o poder de reformar o mundo? “Deixamos pra trás a idade das revoluções, ao que parece. Quem sabe agora vai sobrar mão de obra desocupada e teremos condições para dar uma resposta definitiva a essa questão excruciante?”, constata o poeta.

Uma boa resposta ele oferece em Histórias de neto. Essas, no geral, são bem chatas. O aviso vem no primeiro verso. Então Alvim expõe uma escala de valores cruel e aproveita para exercitar a ironia. A babá roubou um quilo de arroz, mas não levou o Cartier. E o bebê, já bem adestrado, ficou preocupado: podiam ter roubado a chupeta. Pois é, os versos de Alvim sempre teimam em contar alguma coisa. Por isso o poeta admite não ser homem de experimentações. Não, pelo menos, de experimentação formalista. “(Aquela) que parte basicamente do reconhecimento do fim do ciclo do verso, mas não apenas: também de um curto-circuito total na capacidade de representação e de expressão do poema”, explica. “Com esse tipo de experimentação, não tenho realmente afinidade. Contudo, sou muito atraído por outro tipo de experimentação: aquela que ocorre com as funções do ritmo em poesia, com o papel da oralidade na construção da linguagem do poema, com o valor semântico das palavras na feitura da frase, com a sintaxe das frases, com os modos pelos quais a tradição pode e deve ser incorporada.”

Palavras

Há vários pequeninos nichos em O metro nenhum, mas uma temática ligada ao tempo perpassa boa parte deles. É “tema gasto”, nas palavras do poeta, e vem associado a ideias de casa, aposentadoria, morte, guerra e aniversário.

É o poema Através, o último do livro, o responsável por evidenciar as interseções temáticas de O metro nenhum. “Um pouco mais de tempo para conhecer-nos”, pede um verso. “Tenha um bom (have a nice) weekend”, diz outro. “Viu, lá fora?/A gaivota!”, encerra o poeta. “(Ele) dá uma ideia. Tudo atravessa tudo. Nas asas da gaivota”, diz Alvim. Mas o futuro, com esse ele tem dificuldade. Como o futuro não existe, trata-se apenas de uma possibilidade. “Sou cego e surdo aos sinais que ele pretende emitir desse lugar, melhor dito, desse não-lugar. Na poesia, então... Quanto à desimportância de tudo, é difícil não acreditar nela, ou pelo menos não tentar utilizá-la como barricada, quando se tem em mente a condição danificada do presente.”

O GLOBO - Herança maldita?

Vinte anos após o primeiro disco do Raça Negra, livro toca em tema polêmico e defende que o sucesso dos pagodeiros românticos ajudou a revitalizar o samba tradicional

Luiz Fernando Vianna

(14/9/2011) Felipe Trotta era um jovem que, em vez de Beatles e Rolling Stones, amava o samba quando isso ainda não voltara a ser moda na classe média carioca. Com seu grupo Família Roitman, o músico exaltou a tradição do gênero entre 1991 e 2002. Poderia ter se mantido confortável neste lugar, mas resolveu mexer num vespeiro ao escolher o tema de sua tese de doutorado. “O samba e suas fronteiras — ‘Pagode romântico’ e ‘Samba de raiz’ nos anos 1990”, lançada agora em livro pela Editora UFRJ, pode ser vista como uma defesa dos habitualmente vilipendiados pagodeiros.

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Ao pesquisar a história dos primeiros grupos que fizeram sucesso misturando o compasso do samba com teclados e outros elementos pop, Trotta viu que os paulistas Raça Negra — cujo disco de estreia está completando 20 anos — e Negritude Júnior e o mineiro Só Pra Contrariar tinham criado suas receitas musicais na década anterior à que estouraram, fazendo shows mambembes até serem descobertos pelas gravadoras. Ao contrário do que se costuma dizer, os departamentos de marketing não forjaram os grupos para diluir o que anos antes se chamava de pagode (Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Almir Guineto etc) — ainda que o resultado prático possa ter sido esse.

Mas a “ideia mais ousada da tese”, como ele mesmo diz, é outra. —

O sucesso do pagode possibilitou ao samba ocupar um espaço que tinha dificuldade de ocupar. Além da volta às paradas de sucesso de Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e outros, há a ocupação da Lapa e os discos de novelas dedicados exclusivamente ao gênero, como em “América” e “Celebridade” — diz Trotta, de 40 anos, que vê a renovação da força do samba tradicional derivando não só da abertura de mercado que ocorreu, mas de uma necessidade de resposta ao pagode romântico.

Entre 1991 e 2001, o Raça Negra vendeu 16 milhões de discos. O Só Pra Contrariar teve média anual de 1 milhão, sendo que em 1997 vendeu 3,3 milhões. Na mesma época, Martinho da Vila voltou a ser um campeão (“Tá delícia, tá gostoso”, de 1995, com 1,5 milhão de cópias) e Zeca Pagodinho, após anos de ostracismo, ressurgiu em 1995 numa grande produção (“Samba pras moças”) para no ano seguinte chegar à marca de 1 milhão de exemplares de “Deixa clarear”, não saindo mais do primeiro time. Jorge Aragão, Dudu Nobre, Fundo de Quintal e Arlindo Cruz também se firmaram.

A tese da influência positiva de uma corrente sobre a outra não é tranquilamente aceita. Mesmo Zeca, que já gravou com grupos como Sorriso Maroto e tem boas relações com eles, demarca fronteiras:

— É cada um do seu lado, são estradas diferentes. Nosso samba é de favela, tendinha, terreiro, tem mais gírias. O que eles fazem é legal, mas não tem a ver com o que eu faço. O sucesso deles não me atrapalhou nem me ajudou.

Nei Lopes é o mais articulado formulador dessa separação. Mas é mais como compositor do que como teórico que ele recorda os anos 1990. Chegou a não ter uma canção sequer gravada em 1995 por causa, segundo diz, da banalização de melodias e letras que passou a ser a regra.

— A invenção desse “pagode romântico” não foi nada boa para os autores que procuravam fazer um samba refinado e com conteúdo — reforça. — Acho que isso tudo só ajudou o samba quando mostrou quem era quem. Quando, sem querer, chamou atenção para a diferença. Mas a indústria se esforça para manter o joio misturado com o trigo.

Em jogo, a legitimidade de ser sambista

Há um enfrentamento, abordado por Trotta no livro, sobre a legitimidade de quem diz fazer samba. Para Nei, esse lugar é dos que têm vínculos culturais e religiosos (candomblé) com a tradição do gênero. Ele não se impressiona, por exemplo, com nomes como Raça Negra, Negritude Júnior e Só Preto Sem Preconceito:

— Eles ouviram o galo cantar, mas não sabem onde. Não sei de nenhuma música desses grupos cuja letra tematize a questão do negro no Brasil e que denuncie o racismo e a exclusão.

Nos depoimentos dados a Trotta ou que ele colheu em entrevistas publicadas na imprensa, os representantes desses conjuntos reivindicam a qualificação de sambistas, demonstram mágoa ou raiva de quem lhes nega o termo e percebem que o rótulo “pagodeiros” é pejorativo. Eles procuram se filiar a uma espécie de modernização ou variação do samba.

— Luiz Carlos (líder do Raça Negra) sublinha a não obrigatoriedade de seguir uma determinada tradição do samba. Ele não está querendo disputar. Aposta na diversidade de influências — afirma Trotta, para quem essas bandas contribuíram para uma “elasticidade das fronteiras”. — Já não ouço mais pessoas dizerem que o ExaltaSamba não é samba.

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Para a provável irritação dos antigos sambistas, Luiz Carlos ressalta no livro o profissionalismo de sua banda, contrapondo-o à fama de irresponsáveis que outros artistas do gênero tinham, e assume referências pop:

“Nós nunca tocamos Fundo de Quintal. Eu sempre dizia que o Raça Negra está mais para Tim Maia do que para Fundo de Quintal. Então, era essa mistura de samba com essas influências da black music, mais o samba-rock, o suingue de Jorge Ben Jor (...)”

Quando surgiu em 1980, decorrência das rodas realizadas na quadra do bloco Cacique de Ramos, o Fundo de Quintal deu uma repaginada na corrente principal do samba urbano, aquela que nasce no bairro do Estácio nos anos 1920, passa por Noel Rosa, Cartola, Paulinho da Viola e tantos outros. Ressaltou os improvisos do partido alto e apresentou instrumentos novos, como o banjo (Almir Guineto), o tantã (Sereno) e o repique de mão (Ubirany).

— Fizemos algumas mudanças sem perder a base — diz Ubirany. — Já a outra rapaziada deu margem a um samba romântico totalmente diferente, com aquelas vozes chorosas. Pagodeiros e sambistas são diferentes, e preferimos ficar no grupo dos sambistas. Mas, se não abrimos mão do nosso jeito, por que cobrar que eles abram do jeito deles?

MODA

O ESTADO DE S. PAULO - Tecnologia e vida em diálogo

Estilista brasileiro Carlos Miele mostra uma coleção que define como mundo imaginário perfeito

Tonica Chagas

Desfile. Verão 2012 de túnicas, fendas e cores vívidas

(14/9/2011) Mergulhado numa paisagem digital, Carlos Miele criou uma coleção orgânica, líquida, de cores vívidas e formas esculturais para o verão de 2012, que apresentou segunda, na semana de moda de Nova York. Em Immersive Landscape, o estilista brasileiro também quis mostrar a possibilidade de "uma comunidade global sem fronteiras", com modelos de 12 nacionalidades em seu elenco. O difícil, segundo comentaram várias delas, foi desfilar e não dançar no ritmo de A Tonga da Mironga do Kabuletê, composta nos anos 1970 por Vinícius de Moraes e Toquinho (leia abaixo).

Liderado pela negra francesa Anais Mali, quatro garotas abriram o desfile em cafetãs esvoaçantes de chifom de seda, lembrando o voo aquático de arraias. Sobre maiôs brancos, as peças têm estampas inspiradas em peixes dourados, no interior das conchas das ostras, em recifes e rochedos à beira-mar. Os desenhos voltam em vestidos longos e macacões amplos como palazzos pijamas, peças que Miele também compôs com sedas e crepes brancos ou tons químicos de verdes, alaranjados e azuis.

"Busquei o diálogo entre tecnologia e vida", explicou o estilista, que considera ter como resultado dessa busca "um paraíso artificial". A coleção - que ele define como "um mundo imaginário perfeito e sob um sol perpétuo" - é marcada por fendas frontais, decotes e cavas profundos como o de túnicas gregas, referência ainda para peças com ombros assimétricos. Os 32 looks foram completados por joias de Ivanka Trump e apresentados no Stage, um dos palcos montados para os desfiles da semana no Lincoln Center. Nova York é a única cidade do circuito fashion mundial onde Miele, que vende em mais de 30 países, põe seu trabalho na passarela. Entre representantes de veículos internacionais de moda estavam, na primeira fila, Emmanuelle Alt, editora-

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chefe da Vogue Paris, Suzy Menkes, editora especial do International Herald Tribune, e Virginia Smith, do Figaro.

''Tonga da mironga'' na trilha

O francês Stéfan Jonot, que há vários anos cria trilhas sonoras para os desfiles de Carlos Miele, assustou-se quando o estilista lhe entregou uma gravação do samba A Tonga da Mironga do Kabuletê, dizendo que esta seria a música da apresentação nesta temporada. Não pela dificuldade que ainda enfrenta para pronunciar o título, mas porque a gravação tinha pouco menos de três minutos e Miele a queria com no mínimo 13. Jonot conseguiu fazer isso, mixando e remixando o original em 98 batidas por minuto, o que o deixou com ritmo mais entusiasmante.

No release distribuído às cerca de mil pessoas que assistiram ao desfile, Miele diz que a música, composta há mais de 30 anos por Vinicius e Toquinho, "expressa um contraponto entre o primitivo e o contemporâneo". Com o samba, ele prestou homenagem "à marca profunda que a herança africana deixou na alma brasileira".

Miele deu uma tradução livre à expressão do título, tomando-a como "qualquer lugar, bem longe". Segundo alguns estudiosos, porém, ela seria a mistura de pelo menos três línguas africanas e significaria algo entre o depreciativo e o tenebroso. Para os compositores, ela era um xingamento em nagô e foi assim que passou a ser entendida e usada na cultura popular brasileira.

GASTRONOMIA

JORNAL DE BRASÍLIA -Os sabores do Brasil na França

Chef brasileira comanda semana gastronômica em homenagem ao País em Paris

Marcelo Chaves

(11/09/2011) Considerada uma das chefs de cozinha mais talentosas do Brasil, Samantha Aquim vai mostrar para os franceses neste mês de setembro um pouco do gostinho e do tempero de nosso País. Tudo porque ela foi convidada pelo icônico hotel parisiense Le Meurice para participar da primeira edição da Semana Gastronômica Brasileira, que será realizada de 13 a 18 deste mês, no Restaurante Le Dali, do hotel.

Samantha tomará posse neste período das cozinhas do chef três estrelas Yannick Alléno, com humor e criatividade, para produzir seu menu 100% Brasil. A chef reinterpretará os maiores clássicos da culinária brasileira, como pratos tradicionais da Bahia passando pelo Rio e com toques de sabores do Amazonas.

Caçula da família Aquim, Samantha seguiu uma formação na célebre Lenôtre, uma das melhores escolas culinárias do mundo. Ela ganhou, durante vários anos consecutivos, o prêmio de melhor serviço de bufê do Rio, e obteve os segundo e terceiro lugares nas categorias "Revelação de Chefe" e "Revelação de Chefe Confeiteiro": um encontro raro entre as competências da cozinha e da confeitaria.

Em 2008, foi selecionada pela revista Menu entre os dez jovens chefs brasileiros promissores para o futuro da cozinha brasileira, segundo um júri composto por Alex Atala, Claude Troisgros, Emmanuel Bassoleil, Jun Sakamoto, Paulo Barros e Roberta Sudbrack, entre outros.

Para a semana gastronômica que conta com o apoio da Embaixada do Brasil na França, a chef promete ousar nas caçarolas. “Gosto de pensar em um Brasil ousado. Criando tendência e exportando sofisticação. Por isso, mais do que um festival de brasileirices, proponho um cardápio jovem, delicado e moderno ”, explica ela.

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OUTROS

CORREIO BRAZILIENSE - Brasília independente

(9/9/2011) Assim que perceberam que a tecnologia estava ao alcance e a comunicação, um pouco mais democrática, os amigos Alex Lima, André Gomes, Daniel Spot, Felipe Carvalho e Marcius Fabiani colocaram uma câmera nas mãos e abriram um canal de vídeo no YouTube. Criaram assim o programa Nome na lista, com intuito de entrevistar pessoas que contribuem para a produção cultural de Brasília. Eles acabam de pôr fim à primeira temporada, com 10 entrevistas.

Todas estão disponíveis também no blog do programa: http://nomenalista.wordpress.com, que traz ainda algumas entrevistas na íntegra, a trilha sonora e um breve perfil do entrevistado. Os nomes para a próxima edição já estão escolhidos. Dessa vez, o foco é em pessoas do meio cultural na década de 1990 e no início dos anos 2000.

O fotógrafo oficial do Nome na lista, Marcius Fabiani, observa que, com a diversidade de personagens e regularidade das gravações, as pessoas se interessam em acompanhar o programa. “Apesar de não ter muitos views, a nossa preocupação nunca foi em fazer sucesso.” São cerca de 200 visualizações para cada vídeo, depois de um mês na rede. Todos os integrantes compartilham a opinião de que o importante é fazer o projeto e não conquistar uma fama. Daniel Spot conta que o grupo teve uma surpresa boa ao ler o comentário de um garoto de Fortaleza, que dizia gostar do programa e ter se motivado para criar algo semelhante no estado cearense.

As gravações são feitas na casa de Daniel, o que proporciona um clima intimista e convidativo. Primeiro, o entrevistado escolhe um disco de jazz (o acervo passa por Nina Simone, Wynton Marsalis e chega ao antológico álbum Kind of blue, de Miles Davis e John Coltrane), depois uma garrafa de uísque é colocada na mesa e começa o bate-papo de aproximadamente 1h30, recheado de revelações pessoais, discussões sobre trabalho e impressões sobre a cidade. Até mesmo o movimento circular da câmera tem um propósito: causar a impressão de uma conversa informal. “Quem assiste ao programa diz que tem a sensação de estar aqui, conversando com a gente”, revela Daniel.

Além do rockAntes do programa, Daniel documentava alguns vídeos, com depoimentos de amigos ligados ao rock brasiliense. As primeiras entrevistas do Nome na lista também foram com pessoas próximas. “Mas, a partir da terceira entrevista, percebemos que podíamos conversar não só com a galera que conhecíamos. Pensamos em registrar pessoas de várias áreas, pessoas que produzem e dão esse valor a Brasília.” André Gomes é mais enfático: “Saímos da zona de conforto ligada ao rock, pois pudemos entrevistar personalidades como o designer Jean Mattos, o DJ João Komka e o quadrinhista e artista plástico Lucas Gehre”. Ele conta que, com as entrevistas, passou a ver coisas que não percebia. “Quando falamos com o Rafael Oops, foi uma parada que mudou minha vida. Ele falou: ‘O pessoal de Brasília tem que se produzir, porque senão ninguém te produz’. Aí, tomei a iniciativa e comecei a produzir festas em Brasília. Isso é muito legal”, relata Gomes.

Preocupado com o registro da memória, Daniel Spot acredita que “o grande valor desse programa vai ser dado daqui a 10 anos, porque vamos olhar para trás e ver como era Brasília naquela época”. Ele aponta que há um deficit em relação ao registro de personalidades tanto agora como nas décadas de 1980 e 1990.

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Daniel Spot, Marcius Fabiani e André Gomes, produtores do Nome na lista: cultura registrada

ESTADO DE MINAS - Saindo da sombra

Depois de três anos fechado para reformas, Museu Mineiro será reaberto no fim do ano com novas áreas para exposição e café-restaurante. Instituição tem acervo de 3 mil peças

Mariana Peixoto

(9/9/2011) Um curto-circuito tirou o Museu Mineiro de circulação em outubro de 2008. Ou seja, a instituição pública, mais importante espaço museológico da Superintendência de Museus do Estado de Minas Gerais, está há quase três anos de portas fechadas. Secretária de Estado de Cultura, Eliane Parreiras promete para o fim de novembro, início de dezembro, sua reabertura. “Não temos uma data exata porque vamos fazer ação conjunta com outros projetos do Circuito Cultural Praça da Liberdade (ao qual o museu está ligado)”, afirma.

A partir do curto-circuito, que colocou em risco acervo de 3 mil peças, boa parte delas do período barroco, estudos apontaram outros problemas na instituição, que funciona em edificação tombada pelo patrimônio, do fim do século 19. Nos anos anteriores, com outra gestão, foi construído no jardim da Avenida João Pinheiro, entre os prédios do museu e do Arquivo Público, um café-restaurante. Outra melhoria foi a criação de uma sala de exposição temporária. Ambos estão fechados, aguardando a reforma mais importante, que terá início na segunda quinzena deste mês.

A obra será executada por meio de convênio firmado com a Fiemg. “Diagnóstico do Iepha revelou a necessidade de reforma elétrica no museu, com foco principal no prédio antigo”, continua a secretária. Uma vez finalizado o reparo, serão executados novos projetos luminotécnico, lógico (para rede de computadores) e de prevenção de incêndio. “Como todas essas situações demandaram licitações, a reforma está sendo feita num prazo mais largo do que gostaríamos.” O custo total da reforma (elétrica, forro, luminotécnico, pintura, projeto expográfico e da sala de exposição temporária) é da ordem de R$ 938 mil.

E mesmo quando for reinaugurado, o Museu Mineiro ainda vai demandar outras melhorias. “Ainda não será a revitalização completa. Por uma angústia também nossa, vamos reabrir este ano o museu para o público. Mas há um projeto maior, que está sendo finalização, que passa pelas questões de plano museográfico, digitalização do acervo, novo site. Será a complementação para a estrutura física”, acrescenta a secretária.

No cargo há cinco meses, Léo Bahia, superintendente de Museus e Artes Visuais, lembra que somente depois de sua chegada é que foram feitos novos projetos luminotécnico, lógico e de prevenção de incêndio. “O que existe aqui é muito antigo. Com o tempo e o museu fechado, entrou muita sujeira e há espaços aqui sem condição de receber as peças.” Um bom exemplo são as vitrines, no prédio antigo, que receberam obras importantes do barroco. Além de iluminação fraca, que não destaca as peças, o vidro das vitrines apresenta várias frestas, que contribuem para a entrada de poeira.

A reportagem do Estado de Minas visitou a área expositiva do museu e sua reserva técnica. É ali, numa área trancada, com alarme e fechada ao acesso público (a entrada é permitida somente com autorização e com a presença de um funcionário), que estão guardadas as obras. Um grande salão com pé-direito tão alto que permitiu a criação de dois mezaninos, é depositário das obras. Na parte de baixo estão peças maiores, como de mobiliário e esculturas. No último estão acervos como o das Amigas da Cultura e do Ministério Público, de peças sacras do século 18 roubadas que foram recuperadas nos últimos anos.

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Quem imagina uma sala gélida, com aparelhos de ar-condicionado ligados no último grau, se surpreende. Não há janelas, somente a porta de entrada de ferro. Mas o ambiente está longe de ser opressivo. A climatização é toda mecânica, feita basicamente com ventiladores e umidificadores. Uma dos quatro restauradores do museu, Maria Cecília Drummond lembra que o projeto de climatização implantado no Museu Mineiro venceu, em 1998, um prêmio do setor. “Não precisamos de ar-condicionado, que oscila muito”, afirmou ela. A temperatura e a umidade relativa do ar são medidas regularmente por meio de aparelhos. Com a escassez de chuva dos últimos meses e a consequente secura do ar, vários baldes foram colocados no recinto, na tentativa de aumento da umidade.

No acervo estão várias obras de Manoel da Costa Ataíde, do século 18. Há também achados arqueológicos, conjunto de moedas, prataria, louças, armas etc. Na sala de restauração, que mesmo com o museu fechado continua na ativa, com os profissionais trabalhando na conservação das obras, um dos tesouros do museu repousa num canto. A imagem de São Miguel Arcanjo, também do século 18, sem a balança, espada e as asas, depois de passar por novo processo de limpeza, espera sua hora de voltar a ocupar uma das salas do museu.

Itinerante O acervo do Museu Mineiro, ou pelo menos parte dele, não ficou parado nos últimos três anos. Diferentes ações levaram as obras para cidades, tanto no interior de Minas quanto fora do estado. Em abril, foi realizada em São Paulo a exposição 300 anos da história das vilas de Minas Gerais. Além de outras mostras, as obras estão sendo vistas em projetos itinerantes junto a escolas públicas. “Temos trabalhado para ampliar a acessibilidade pública, para democratizar a arte. Essas ações de revitalização museográfica melhoraram muito o público”, comenta Eliane Parreiras. No ano passado, os museus ligados à Superintendência (Mineiro, em BH, e os museus-casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo; Guignard, em Ouro Preto; Crédito Real, em Juiz de Fora; e Alphonsus de Guimaraens, em Mariana) tiveram um público de 26,1 mil pessoas. Neste ano, somente até julho, o público foi de 26,5 mil pessoas.

Memória literária

Além do Museu Mineiro, outro espaço que está fechado, aguardando reforma, é o Alphonsus de Guimaraens. Desde julho de 2009, época em que parou de funcionar, o espaço onde o escritor morou, entre 1913 e 1921 aguarda reforma. Os recursos para a obra, realizada em parceria com a

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Peças do período barroco estão preservadas e catalogadas na reserva técnica do museu

Associação de Amigos do Museu, foram garantidos pelo Fundo Municipal de Cultura, em Mariana. Mas o início das obras ainda depende de finalização do projeto e de edital público para sua execução.

Colecionismo

As duas exposições que vão marcar a reabertura do Museu Mineiro já foram definidas. No antigo prédio voltará ao cartaz, com algumas melhorias, é claro, o Colecionismo mineiro, que revela as obras mais importante do acervo. Já no espaço de exposições temporárias serão reunidas, pela primeira vez, peças do barroco recuperadas em ação do Ministério Público. Todas foram restauradas por equipe do Museu Mineiro. Já o café, com projeto da arquiteta Marisa Machado Coelho, será administrado pela mesma equipe do Café do Museu, café-restaurante do Abílio Barreto.

O GLOBO - ArtRio arrecada R$ 120 milhões em 5 dias

Primeira feira de arte contemporânea da cidade supera expectativas e recebe 46 mil pessoas no Píer Mauá

Catharina Wrede

(13/9/2011) A opinião ecoou pela cidade nos últimos dias: a primeira feira internacional de arte contemporânea do Rio, a ArtRio, superou as expectativas. Ao término do evento, anteontem, a organização anunciou que as vendas totalizaram R$ 120 milhões — indo além da estimativa de R$ 100 milhões — e que o público chegou a 46 mil pessoas, mais do que o dobro do esperado no Píer Mauá.

— Parece que o carioca realmente estava esperando e querendo muito um evento como esse. O que surpreendeu foi ele abraçar a feira com força: até quem não tem o hábito de comprar arte participou, para incentivar. Sempre quisemos que fosse um evento para a cidade, e ele aconteceu — comemora Brenda Valansi Osorio, uma das organizadoras da ArtRio, ao lado de Elisangela Valadares, Alexandre Accioly e Luiz Calainho.

Os galeristas — cariocas e paulistanos — vibraram. Muitos estandes, como os da Silvia Cintra + Box 4, Luciana Caravello, Galeria Vermelho e A Gentil Carioca, tiveram que repor as obras mais de uma vez, tamanha a velocidade das vendas.

— Vale destacar o “Solo Projects” (espaço independente dos galeristas, com curadoria de Julieta González (Tate Modern) e Pablo León de la Barra, que atua em Londres), diferencial que mostra o quanto a feira pode ser internacional — diz Márcio Botner, da Gentil, que ganhou o prêmio de melhor estande e, com isso, espaço garantido em 2012.

A primeira ArtRio superou, de longe, os números da SP Arte — até então a mais importante feira do gênero no país. A última edição do evento paulistano teve 89 galerias e, em quatro dias de feira, vendeu R$ 30 milhões e viu circularem 18 mil pessoas. No Rio, 83 galeristas venderam R$ 120 milhões em cinco dias. A versão carioca, no entanto, contou com uma ajuda poderosa do governo do estado: a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que totaliza quase 19% do valor de cada obra de arte vendida.

Paul Jenkins, representante no Rio de uma das maiores redes de galerias do mundo, a Gagosian, não participou da primeira edição, mas elogiou o resultado:

— Achei a feira magnificamente bem organizada: foi elegante e excitante, uma difícil (e tipicamente carioca) combinação de se alcançar. Senti que colecionadores, galerias e governo se uniram para tornar o evento um sucesso. Adorei o lugar, as instalações e o espaço. Da abertura até o final, a atmosfera foi incrível, e os colecionadores estavam empolgados para comprar. Acredito que a feira tem um grande futuro — disse ele, sem revelar se vai ou não participar da edição de 2012.

De acordo com Brenda, importantes galerias de SP que ficaram de fora neste ano já garantiram presença em 2012, como Luisa Strina, Fortes-Vilaça e Galeria Leme.

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A organização da feira, porém, deixou a desejar em alguns pontos: muitas obras não estavam etiquetadas com os nomes dos artistas, confundindo o público, e as peças vendidas não estavam sinalizadas. Outro problema foi a alimentação, que, com poucas e caras opções, deixou o visitante na mão. Além disso, as filas para manobristas e táxis eram enormes, o que irritou na hora de ir embora.

— Não esperávamos tantas pessoas, e acho que tivemos momentos colapsados por conta do sucesso. A comida e o Valet estão no topo da lista de coisas que precisamos melhorar em 2012 — admite Brenda.

CORREIO BRAZILIENSE - África em dois tempos

Exposição no Museu da República traz um pouco do que será o principal espaço da cultura afro-brasileira na Bahia

Nahima Maciel

(14/9/2011) A história percorrida pelas exposições que ocupam a galeria principal do Museu Nacional da República tem duas pontas, um começo e nenhum fim. Começa na África e segue ramificações por dois continentes e um oceano. A primeira parada é em Angola, onde o fotógrafo Sérgio Guerra acompanhou grupos da etnia hereros para realizar ensaio homônimo. Ao fundo da galeria está o embrião do que será o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira da Bahia. Duas pontas da África que se encontram graças à curadoria de Emanoel Araújo e do compositor José Carlos Capinam.

A dupla passou parte da última semana na capital para montar a exposição e pedir ao Ministério da Cultura (MinC) a segunda parcela de um repasse de R$ 9,9 milhões destinados ao projeto. O único museu baiano dedicado à cultura afro-brasileira funciona dentro da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tem mais utilidade acadêmica do que comunitária, por isso Capinam idealizou o plano de criar um espaço para a comunidade poder refletir e dialogar com a matriz africana da formação brasileira.

A ideia amadureceu na Sociedade de Amigos da Cultura Afro-Brasileira (Amafro), presidida pelo compositor baiano. “A proposta expográfica é ter um roteiro em que a contribuição africana possa ser vista em várias situações como a língua, a religião, a maneira de se vestir, de ser, a maneira de o negro falar, a capoeira, a arte. Vai contar essa grande influência que temos da matriz africana e da qual não se fala, não se mostra e que não interessa às vezes saber”, diz Capinam, que planeja para novembro a inauguração.

Brasília será a primeira a conhecer o acervo do novo museu. Emanoel Araújo, fundador do Museu Afro Brasil de São Paulo, ficou responsável por reunir a coleção. A instituição baiana já nasce com política de aquisição e o curador contou com R$ 600 mil para comprar as primeiras obras. Além de doações de artistas e da coleção de Carybé, cedida em comodato, Araújo foi em busca de peças capazes de contar a presença negra na arte brasileira desde o século 18.

Esculturas sacras em madeira dividem espaço com instalações como as de Tiago Gualberto, construída com retratos e pequenas garrafas de vidro, e fotografias de Walter Firmo e Eustáquio Neves. A vertente popular de Mestre Didi e dos ex-votos encontra diálogo na erudição de Rubem Valentim e há toda uma sessão para os pintores de origem negra do século 19 e a representação a partir do olhar do branco em gravuras de Jean Baptiste Debret e pinturas de Rugendas.

Emanoel espera assim poder conduzir o público pela história do negro em todo o país. “É um museu abrangente, a ideia é incorporar um acervo nacional porque o que se passa na Bahia não é o mesmo que se passa no Rio Grande do Sul e o que se passa no Rio Grande do Sul não é o mesmo que se passa em Pernambuco. O museu precisa ter uma versatilidade de exatamente envolver, é um projeto mais ambicioso que apenas um museu afro-brasileiro. Pretende envolver questões como os artistas negros, mulatos e mestiços ou até brancos que foram importantes na formação da cultura nacional”, avisa o curador. “Vai entrar arte contemporânea e todas as manifestações que estão ocorrendo no Brasil.” Araújo procurou seguir as mesmas noções que nortearam a fundação do museu paulistano, embora a instituição baiana esteja destinada a ocupar espaço menor.

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Contemporâneo

Emanoel Araújo também foi responsável por selecionar as imagens de Sérgio Guerra para a exposição Hereros, ensaio sobre uma etnia isolada e espalhada entre Namíbia, Angola e Botswana. Guerra estabeleceu o primeiro contato com os hereros há 12 anos, quando fazia uma série de programas para a televisão angolana. Em 2007, decidiu transformar a convivência em um trabalho. Além das imagens expostas no Museu Nacional da República, os hereros serão tema de documentário ainda em fase de edição.

Guerra se limitou a cinco grupos distribuídos pelo deserto no interior de Angola. “Os hereros são uma raiz étnica, vieram do norte da África há mais ou menos 800 anos. Se instalaram na região e se dividiram em grupos. Adquiriram uma língua própria e uma forma de se vestir. No fundo, o que me atraiu foi meu desejo de conhecê-los, de me aproximar de outras lógicas que não eram a minha”, conta o fotógrafo.

Não há intenção documental alguma no ensaio de Guerra. A intimidade cultivada entre os hereros encontra refúgio em retratos expressivos que, vez ou outra, deixam entrever o modo de vida da etnia. “É uma exposição muito estética. Gosto de fotografar pessoas e o que mais me atrai na fotografia é conseguir enxergar pessoas de forma bonita. O ensaio não tem um critério documental e não é antropológico.”

(Três perguntas - Capinam

O que o museu vai acrescentar para o universo da cultura afro?A gente já tem 10 anos de trabalho, há uma cobrança muito grande da comunidade afro-descendente pela importância do negro na formação da cultura brasileira e também por ser Salvador a cidade com cara e alma negras. Isso é muito importante que aconteça. O centro histórico de Salvador hoje está degradado e o museu e outras iniciativas são projetos estruturantes que podem ajudar. É uma casa de produção do conhecimento que vai abordar sobretudo a cultura afro-brasileira, dar visibilidade a essa contribuição à matriz africana. A cidade de Salvador já é um acervo. Porque não é um museu da porta pra dentro, é um museu que existe no exterior dele próprio.

O que é a árvore da memória, uma instalação que você mesmo propôs para o museu?Temos uma memória não com função de voltar ao passado, mas de voltar às matrizes. Os antepassados deixaram muita cultura para nós. E a civilização africana nos trouxe muito saber, muitas formas de pensar e fazer. O que é a árvore da memória? Quando os africanos eram presos e embarcados em navio negreiro, eles passavam por um ritual muito cruel. Eram obrigados a dar voltas

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Emanoel Araújo (de chapéu) e o compositor José Carlos Capinam: parceria para realizar um projeto que une sonhos e corações africanos em dois continentes (Edilson Rodrigues/CB/D.A Press.)

em torno de uma árvore e eram solicitados a dizer que deixavam ali tudo que eram, o nome, a religião, os costumes. Esse ritual se chamava árvore do esquecimento. A árvore da memória é o outro lado, o lado por onde saíram. A primeira tentativa de se inventar esse país saiu dali, eles foram inventando o Brasil, com os índios e o colono português. Criaram este país que gosto de dizer que é a diversidade cultural mais bem-sucedida do planeta. E é isso que a gente quer mostrar.

Por que é bem-sucedida?Porque o Brasil é bonito, é criativo, é inventivo, o povo brasileiro vence as suas dificuldades, chegou até aqui na adversidade. O escravo ganhou a coisa mais importante, deixou o legado mais importante para a civilização brasileira que é o sentido da liberdade, a vontade de ser liberto, de se fazer.

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