ATC_973.pdf

31
Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 973.827 - RS (2007/0179072-3) (f) VOTO-VISTA MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se, na origem, de ação ordinária ajuizada por João Felipe Zanella Felizardo, em face do Banco Sudameris Brasil S/A, por meio da qual pretende seja revisado contrato de financiamento para aquisição de veículo. Pelo empréstimo de R$ 7.076,02, comprometeu-se a pagar 36 prestações mensais fixas, no valor de R$ 331,83 cada, no período de 21.8.2003 a 21.7.2006. Pagou apenas as duas primeiras prestações. Diante da inadimplência, o Banco ajuizou, em abril de 2004, ação de busca e apreensão do veículo. Em maio de 2004, o autor ingressou com a presente ação, na qual postula sejam declaradas nulas cláusulas que entende abusivas, requerendo sejam limitados os juros remuneratórios (contratados em 3,16% ao mês e 45,25% ao ano) a 12% ao ano; seja vedada a capitalização mensal de juros e afirmada a impossibilidade de cumulação da correção monetária com a comissão de permanência. Como consequência da revisão pretendida, pede seja determinada a "consignação das (34) prestações restantes e que atualmente montam em R$ 199,72 (cento e noventa e nove reais, setenta e dois centavos) cada uma, acrescidas ainda de correção monetária e juros constitucionais de 1% ao mês (...)" (fl. 15). A sentença julgou improcedente o pedido. Sobre a alegação de capitalização, afirmou o Juiz Oyama Assis Brasil de Moraes: "Destaco que não há que se falar em capitalização de juros, pois o contrato em discussão prevê juros prefixados (...)" (fl. 86). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da apelação, quanto à capitalização, afirmou que "o exame do contrato mostra que foram pactuados juros de 3,16% ao mês e 45,25664% ao ano (fl. 16 dos autos da ação de busca e apreensão convertida em depósito), o que demonstra a prática de cobrança de juros sobre juros mensalmente." De qualquer forma, considerou que "mesmo que pactuada a capitalização mensal de juros, esta é inconcebível, eis que o artigo do Decreto n. 22.262/33 não foi revogado pela Lei 4.595/64". Quanto à MP 2.170/36, reputou-a Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Página 1 de 31

Transcript of ATC_973.pdf

  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 973.827 - RS (2007/0179072-3) (f)

    VOTO-VISTA

    MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se, na origem, de ao

    ordinria ajuizada por Joo Felipe Zanella Felizardo, em face do Banco Sudameris

    Brasil S/A, por meio da qual pretende seja revisado contrato de financiamento para

    aquisio de veculo. Pelo emprstimo de R$ 7.076,02, comprometeu-se a pagar 36

    prestaes mensais fixas, no valor de R$ 331,83 cada, no perodo de 21.8.2003 a

    21.7.2006.

    Pagou apenas as duas primeiras prestaes. Diante da inadimplncia, o

    Banco ajuizou, em abril de 2004, ao de busca e apreenso do veculo. Em maio de

    2004, o autor ingressou com a presente ao, na qual postula sejam declaradas nulas

    clusulas que entende abusivas, requerendo sejam limitados os juros remuneratrios

    (contratados em 3,16% ao ms e 45,25% ao ano) a 12% ao ano; seja vedada a

    capitalizao mensal de juros e afirmada a impossibilidade de cumulao da correo

    monetria com a comisso de permanncia. Como consequncia da reviso

    pretendida, pede seja determinada a "consignao das (34) prestaes restantes e que

    atualmente montam em R$ 199,72 (cento e noventa e nove reais, setenta e dois

    centavos) cada uma, acrescidas ainda de correo monetria e juros constitucionais de

    1% ao ms (...)" (fl. 15).

    A sentena julgou improcedente o pedido. Sobre a alegao de

    capitalizao, afirmou o Juiz Oyama Assis Brasil de Moraes: "Destaco que no h que

    se falar em capitalizao de juros, pois o contrato em discusso prev juros prefixados

    (...)" (fl. 86).

    O Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, no julgamento da apelao,

    quanto capitalizao, afirmou que "o exame do contrato mostra que foram pactuados

    juros de 3,16% ao ms e 45,25664% ao ano (fl. 16 dos autos da ao de busca e

    apreenso convertida em depsito), o que demonstra a prtica de cobrana de juros

    sobre juros mensalmente." De qualquer forma, considerou que "mesmo que pactuada a

    capitalizao mensal de juros, esta inconcebvel, eis que o artigo 4 do Decreto n.

    22.262/33 no foi revogado pela Lei 4.595/64". Quanto MP 2.170/36, reputou-a Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 1 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    inconstitucional (questo objeto de recurso extraordinrio). Considerou admissvel a

    capitalizao anual, com base no art. 591 do Cdigo Civil de 2002 (fls. 145-148).

    O voto vencido, da lavra do Desembargador Carlos Alberto Etcheverry,

    na mesma linha da sentena, assentou: "Contudo, trata-se, na espcie de contrato com

    prestaes de valor pr-fixado, acrescidas de juros compostos, modalidade de

    capitalizao cujo afastamento no vivel, dado que empregada, no sistema

    financeiro tanto para a concesso de mtuos e financiamentos, quanto para a

    remunerao das diversas operaes atravs das quais as instituies financeiras

    captam recursos no mercado. Precisamente por isso encontra permissivo em nosso

    direito, conforme se depreende da leitura do art. 5 da Medida Provisria n 2.170-36.

    Nem haveria, de qualquer forma, sentido prtico em proibir a utilizao de juros

    compostos exercido controle sobre sua eventual excessiva onerosidade, como ocorre

    neste caso." (fl. 151).

    Em sntese, decidiu, por maioria, o acrdo: "inexistindo previso legal,

    incabvel a capitalizao mensal de juros, em contrato de financiamento garantido por

    alienao fiduciria, devendo incidir a anual, nos termos do art. 591 do Cdigo Civil".

    Considerando a existncia de encargos abusivos, foi afastada a mora e decretada a

    improcedncia da busca e apreenso.

    O acrdo tomado do julgamento dos embargos infringentes, relator o

    Desembargador Sejalmo Sebastio de Paula Nery, alm de afirmar a

    inconstitucionalidade da Medida Provisria n 2.170-36, considerou que, no caso, seria

    vedada a cobrana da capitalizao de juros por ausncia de expressa disposio

    contratual, dado que "a falta de indicao adequada e clara sobre a incidncia de

    capitalizao de juros e, tampouco, especificao da periodicidade em que cobrada

    (mensal, semestral ou anual) viola o princpio da boa-f objetiva e do direito bsico do

    consumidor informao (inciso III do art. 6 do CDC)." (fls. 196-203).

    O recurso especial (fls. 208-244) sustenta, entre outros pontos, a

    legalidade da pactuao de capitalizao mensal de juros. Argumenta que "a vedao

    capitalizao de juros sobre juros ... apenas prejudica a necessria transparncia que

    deve haver nos contratos financeiros por forar os bancos a embutir nas taxas nominais

    de juros um adicional equivalente capitalizao". Friza que, no mercado financeiro

    internacional, a no capitalizao de juros mostra-se como exceo que deve ser

    expressamente estipulada, por estranha boa tcnica bancria e que, conforme a Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 2 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    Exposio de Motivos da Medida Provisria n 1963-17, 'ao captar recursos as

    instituies nacionais remuneram os aplicadores com juros capitalizados. At mesmo

    os depsitos da populao para pequenos valores (v.g. caderneta de poupana)

    rendem juros capitalizados." (...) Acrescenta que, no caso, "mostra-se incabvel o seu

    afastamento, haja vista que os juros contratados foram em valores prefixados, de pleno

    conhecimento do Recorrido, pois calculados com base na taxa anual constante do

    contrato."

    Foi interposto, tambm, recurso extraordinrio, sendo ambos admitidos.

    Assim delimitada a controvrsia, passo a apreciar a questo referente

    capitalizao de juros, a nica a respeito da qual ser estabelecida tese para os efeitos

    do art. 543-C do CPC.

    Acompanho o voto do relator, Ministro Lus Felipe Salomo, no que toca

    inexistncia de impedimento ao exame do recurso especial, em que pese a

    repercusso geral da matria reconhecida pelo STF no julgamento do RE 592.377/RS,

    j que sero examinados no recurso especial apenas os aspectos infraconstitucionais

    da causa.

    Igualmente adiro ao seu entendimento no sentido da possibilidade de

    "capitalizao mensal nos contratos bancrios firmados aps 31.3.2000, data da

    publicao da Medida Provisria 1.963-17/00, desde que expressamente. pactuada",

    primeira das teses assentadas para o efeito do art. 543-C do CPC no item 3.6 do seu

    douto voto. Conforme exaustivamente demonstrado pelo eminente relator, a

    jurisprudncia de ambas as Turmas da 2 Seo unnime quanto prevalncia do art.

    5 da referida medida provisria em relao ao art. 591 do Cdigo de 2002.

    Neste ponto, assinalo que o art. 5 da Medida Provisria 1.963-17/00

    tornou admissvel nas operaes realizadas pelas instituies integrantes do Sistema

    Financeiro Nacional "a pactuao de capitalizao de juros com periodicidade inferior a

    um ano"; vale dizer, no contrato bancrio poder ser pactuada a capitalizao

    semestral, trimestral, mensal, diria, contnua etc. O intervalo da capitalizao dever

    ser expressamente definido pelas partes do contrato. Diversa a disciplina legislativa

    dos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitao, "a qual somente em

    recente alterao legislativa (Lei 11.977 de 7 de julho de 2009), previu o cmputo

    capitalizado de juros em periodicidade mensal" (2 Seo, Recurso Especial 1.070.297,

    submetido ao rito do art. 543-C do CPC, relator Ministro Luis Felipe Salomo, DJe Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 3 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    18/9/2009 e 2 Seo, Recurso Especial 1.095.852-PR, DJe 19.3.2012, de minha

    relatoria, no qual ficou decidido, em esclarecimento ao acrdo do Recurso Especial

    1.070.297, que a capitalizao anual j era admitida, como regra geral que independe de

    pactuao expressa, pelo Decreto 22.626/33, antes, portanto, da Lei 11.977/2009).

    Note-se que o art. 15-A da Lei 4.380/64, com a redao dada pela Lei

    11.977/2009, dispe ser "permitida a pactuao de capitalizao de juros com

    periodicidade mensal nas operaes realizadas pelas instituies integrantes do

    Sistema Financeiro da Habitao - SFH."

    Em sntese, desde 31.3.2000, data da publicao da Medida Provisria

    1.963-17/00, admite-se, nos contratos bancrios em geral, a pactuao de capitalizao

    de juros com periodicidade inferior a um ano (a mensal, inclusive); salvo nos contratos

    do Sistema Financeiro da Habitao, em relao aos quais at a edio da Lei

    11.977/2009 somente era permitida a capitalizao anual, passando, a partir de ento, a

    ser admitida apenas pactuao de capitalizao de juros com periodicidade mensal,

    excluda, portanto, a legalidade de pactuao em intervalo dirio ou contnuo.

    II

    O motivo de meu pedido de vista foi a tese assim sintetizada no item 3.6,

    alnea b, do voto do relator: "a pactuao mensal dos juros deve vir estabelecida de

    forma expressa, portanto, necessrio que o contrato seja transparente e claro o

    suficiente a ponto de cumprir o dever de informao previsto no Cdigo de Defesa do

    Consumidor."

    No tenho dvida alguma em aderir s premissas to bem expostas pelo

    relator, amparado na doutrina de Cludia Lima Marques, Rizzato Nunes e Paulo de

    Tarso Sanseverino, acerca da absoluta necessidade de que o contrato bancrio seja

    transparente, claro, redigido de forma que o consumidor, leigo, vulnervel no apenas

    economicamente, mas sobretudo sem experincia e conhecimento econmico,

    contbil, financeiro, entenda, sem esforo ou dificuldade alguma, o contedo, o valor e a

    extenso das obrigaes assumidas. A pactuao de capitalizao de juros deve ser

    expressa. A taxa de juros deve estar claramente definida no contrato. A periodicidade da

    capitalizao tambm. Sobretudo, no deve pairar dvida alguma acerca do valor da

    dvida, dos prazos para pagamento e dos encargos respectivos.

    O que se deve entender, todavia, por "capitalizao de juros", admitida Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 4 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    pela Lei de Usura (Decreto 22.626/33) apenas em intervalo anual; cuja pactuao em

    periodicidade inferior a um ano passou a ser permitida pela MP 1.963-17/00 (atual MP

    2.170-36)?

    Qual o conceito jurdico de capitalizao de juros? Haveria identidade, no

    sistema jurdico vigente, entre os termos "capitalizao de juros", "anatocismo", "juros

    compostos"?

    A pactuao expressa de taxa efetiva em percentual superior ao da taxa

    nominal significaria capitalizao de juros vedada pela Lei de Usura, apenas permitida

    mediante expressa pactuao a partir da entrada em vigor da MP 1.963-17/00 atual MP

    2.170-36? Sendo este o conceito jurdico da capitalizao, seria suficiente, ao perfeito

    esclarecimento do devedor, e, portanto, validade do contrato, a meno expressa ao

    percentual da taxa mensal e anual, sendo esta superior a doze vezes a mensal (4

    Turma, AgRg no REsp 1.231.210-RS, rel. Ministro Raul Arajo, DJe 1.8.2011, unnime;

    REsp. 1.220.930, rel. Ministro Massami Uyeda, deciso singular, DJe 9.2.2011; AgRg

    no REsp 809.882/RS, rel. Ministro Aldir Passarinho, deciso singular, DJ 24.4.2006; 4

    Turma, AgRg no REsp 735.711-RS, rel. Ministro Fernando Gonalves, unnime, DJ

    12.9.2005; 4 Turma, AgRg no REsp 714.510-RS, rel. Ministro Jorge Scartezzini,

    unnime, DJ 22.8.2005)? Ou, ao contrrio, a pactuao expressa da taxa efetiva

    superior ao duodcuplo da taxa mensal no seria suficiente para informar o devedor a

    respeito da capitalizao e, portanto, seria invlida a pactuao (4 Turma, AgRg no

    REsp 1.306.559-RS, rel. Ministro Lus Felipe Salomo, unnime, DJe 27.4.2012 e 3

    Turma, REsp 1.302.738-SC, rel. Ministra Nancy Andrighi, unnime, DJe 10.5.2012)?

    Verifica-se, portanto, que a unanimidade to bem demonstrada pelo

    relator no sentido da legalidade da pactuao expressa da capitalizao mensal de

    juros nos contratos bancrios posteriores a 31.3.2000 no existe a propsito do que se

    deva entender como adequada forma de pactuar a capitalizao.

    Para expor meu entendimento sobre a questo, comeo por extrair do

    sistema jurdico ptrio - mediante a anlise no apenas da literalidade das leis, mas

    sobretudo da respectiva interpretao consolidada pela jurisprudncia deste Tribunal - o

    conceito jurdico do que seja a capitalizao de juros vedada em intervalo inferior ao

    anual pela Lei de Usura e, atualmente, admitida pela MP 2.170-36, desde que

    expressamente pactuada.

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 5 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    A propsito da importncia do estabelecimento dos conceitos presentes

    nas normas jurdicas, invoco a preciosa lio de San Tiago Dantas:

    "Em primeiro lugar, submete as normas a um tratamento indutivo, para evidenciar os princpios que nelas se acham inclusos. As normas jurdicas que a primeira vista so desligadas entre si, desde que ns nos ponhamos a raciocinar sobre elas, comeam a evidenciar parentesco"...."O segundo trabalho do dogmatista fixar os conceitos com que so construdas as normas. Toda a norma jurdica emprega idias que so constantes dentro do mesmo sistema de normas. Quando abrem uma lei que se promulga e que contm uma frase dizendo "o dano ser composto assim"; e depois outra lei, nas compilaes, diz: "no dano observar-se- tal regra", devero saber se a palavra dano significa a mesma coisa nesta e na outra lei, se existe este conceito tcnico de dano na legislao e, se porventura a lei empregar a palavra noutro sentido, precisar que numa lei isto e na outra diferente. preciso construir os conceitos "...."O jurista, alm de fixar os conceitos de dogmtica, tem de fixar a terminologia"....O Direito no dispensa grande estudo dos termos, porque um erro de termos conduz a um erro de direito. A linguagem est para o jurista como o desenho para o arquiteto. A nica maneira de exprimir as categorias lgicas com que ele trabalha fixar a terminologia, outra preocupao da dogmtica." ("Programa de Direito Civil", Teoria Geral, Forense, 3 edio, 2001, p. 7-8).

    Cumpre, portanto, definir o conceito de capitalizao de juros no sistema

    jurdico brasileiro.

    O texto legal a ser tomado como ponto de partida para a anlise do

    significado de "capitalizao", em nosso sistema jurdico, o Decreto 22.626/33, o qual

    assim dispe:

    "Art 1. vedado, e ser punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 6 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    legal (Cdigo Civil, art. 1.062)".

    Art 4. proibido contar juros dos juros; esta proibio no compreende a acumulao de juros vencidos aos saldos lquidos em conta corrente de ano a ano."

    O Decreto 22.626/33, tambm conhecido como "Lei de Usura",

    estabeleceu, portanto, duas restries liberdade pactuar de taxa de juros: no art. 1

    limitou o percentual ao mximo de 12% ao ano (dobro da taxa legal prevista no Cdigo

    de 1916) e, no art. 4, proibiu a contagem de "juros dos juros", salvo a "acumulao de

    juros vencidos aos saldos lquidos em conta corrente de ano a ano".

    O limite previsto no art. 1 ainda est em vigor, no se aplicando, todavia,

    s instituies financeiras, conforme jurisprudncia consolidada na Smula 596 do STF,

    segundo a qual "as disposies do Decreto 22.626 de 1933 no se aplicam s taxas de

    juros e outros encargos cobrados nas operaes realizadas por instituies pblicas ou

    privadas, que integrem o Sistema Financeiro Nacional." Tambm o STJ consolidou o

    entendimento de que "A estipulao de juros remuneratrios superiores a 12% ao ano,

    por si s, no indica abusividade" (Smula 382) e de que "so inaplicveis aos juros

    remuneratrios dos contratos de mtuo bancrios as disposies do art. 591 c/c art.

    406 do CC/02" (2 Seo do STJ no REsp 1.061.530, relatora Ministra Nancy Andrighi).

    Havendo abuso na fixao contratual das taxas de juros, dever ser comprovado caso a

    caso, e invalidado pelo Judicirio com base no Cdigo de Defesa do Consumidor e no

    princpio que veda o enriquecimento sem causa.

    Vale dizer, para as instituies financeiras, no h limite legal fixo; a taxa

    de juros passvel de estipulao contratual legtima varia conforme a conjuntura

    econmica, podendo ser invalidada pelo Judicirio em caso de comprovado abuso.

    A segunda ordem de restrio, contida no art. 4 (proibio da "contagem

    de juros dos juros, salvo a acumulao de juros vencidos aos saldos lquidos em conta

    corrente de ano a ano"), a base legal da Smula 121 do STF, segundo a qual "

    vedada a capitalizao de juros, ainda que expressamente pactuada". Esta restrio,

    at maro do ano 2.000, aplicava-se, na linha da pacfica jurisprudncia, tambm s

    instituies financeiras, salvo permisso legal prevista em legislao especial, como

    ocorre com as cdulas de crdito rural, industrial, comercial (Smula 93/STJ). A partir

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 7 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    da entrada em vigor da MP 1.963/00 (atual MP 2.170/01), passou a ser legalmente

    admitida a pactuao expressa da capitalizao de juros em intervalo inferior ao anual.

    Vejamos o que se entende por capitalizao de juros.

    O Vocabulrio Jurdico de Plcido e Silva assim define:

    "CAPITALIZAO. Segundo sua origem, tomado em acepo prpria, capitalizao , seja no sentido jurdico, seja no sentido econmico, quer significar a converso dos rendimentos ou dos frutos de um capital, em capital, unindo-se tais frutos ao principal, para se igualarem ou se acumularem a ele.Desse modo, a capitalizao mostra-se a gnese de novo capital, que se vem anexar ou acumular ao primitivo, de onde se produziu, para aumentar a sua soma.A capitalizao ocorre segundo se ajustar, pois que, no havendo ajuste ou conveno, em regra no se opera a capitalizao, isto , os juros ou as rendas no se acumulam ao capital.Capitalizao. Em acepo especial tambm se chama de capitalizao ao clculo do valor-capital de um bem produtivo, isto , a estimao de sua valia ou de seu preo (capital), tendo-se em conta as suas rendas j vencidas e que nele se computam para efeito desta avaliao."(Forense, Rio de Janeiro, 8 edio, 1984, Volume I, p. 373).

    O mesmo Vocabulrio define anatocismo como sinnimo de

    capitalizao:

    "ANATOCISMO. vocbulo que nos vm do latim anatocismus , de origem grega, significando usura, prmio composto ou capitalizado.Desse modo vem significar a contagem ou cobrana de juros sobre juros.A cobrana ou exigncia de juros sobre juros acumulados no admitida, desde que, resultante de contrato, no exista estipulao que a permita.Quer isso dizer que a capitalizao de juros, isto , a incorporao dos juros vencidos ao capital , e a cobrana de juros sobre o capital assim capitalizado, somente tem apoio legal quando h estipulao que a autorize.

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 8 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    Desde que no haja esta estipulao, os juros no se capitalizam e, em consequncia, no rendero para o credor juros contados sobre eles, mesmo vencidos e escriturados na conta do devedor.Quando se trata, porm, de juros contados em conta corrente , o prprio Direito Comercial (art. 253) permite a acumulao dos juros vencidos aos saldos liquidados de ano a ano, e, em tal caso, se permite a contagem posterior dos juros sobre os saldos ento apurados.O prprio Cd. Civil brasileiro, em seu art. 1.262, permitiu a capitalizao.Havendo conveno, embora o Cdigo fale em capitalizao anual, a contagem dos juros sobre os juros acumulados pode ser permitida semestralmente."(Forense, Rio de Janeiro, 8 edio, 1984, Volume I, p. 151).

    Nos verbetes "JUROS COMPOSTOS" e "JUROS ACUMULADOS", o

    Vocabulrio de Plcido e Silva limita-se a fazer remisso ao verbete "JUROS

    CAPITALIZADOS", o qual tem o seguinte texto:

    "JUROS CAPITALIZADOS: Expresso usada na tcnica do comrcio para designar os juros devidos e j vencidos que, periodicamente, se incorporam ao principal, isto , se unem ao capital representativo da dvida ou obrigao, para constiturem um novo total.So, assim, juros que se integraram no capital, perdendo sua primitiva qualidade de frutos, para se apresentarem na soma do capital assim constitudo.E, neste caso, se capitalizveis, em virtude de estipulao ou determinao legal, passam como parcela do capital a produzir frutos, tal qual ele.Dizem-se, tambm, juros compostos , em oposio aos que no se acumulam, que se dizem juros simples."(Forense, Rio de Janeiro, 8 edio, 1984, Volume III, p. 36).

    O voto do Ministro Lus Felipe Salomo, valendo-se da doutrina de

    Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo Mamoru Nishiyama, define juros capitalizados

    como "juros devidos e j vencidos que, periodicamente (v.g., mensal, semestral ou

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 9 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    anualmente), se incorporam ao valor principal (in Contratos Bancrios - Aspectos

    Jurdicos e Tcnicos da Matemtica Financeira para Advogados, Editora Atlas S/A, So

    Paulo: 2007, p. 36).

    De todas essas definies, extrai-se que a noo jurdica de

    "capitalizao", de "anatocismo", de "juros capitalizados", de "juros compostos", de

    juros acumulados, tratados como sinnimos, est ligada circunstncia de serem os

    juros vencidos e, portanto, devidos, que se incorporam periodicamente ao capital;

    vale dizer, no conceito matemtico abstrato, divorciado do decurso do tempo

    contratado para adimplemento da obrigao. O pressuposto da capitalizao que,

    vencido o perodo ajustado (mensal, semestral, anual), os juros no pagos sejam

    incorporados ao capital e sobre eles passem a incidir novos juros.

    Por outro lado, h os conceitos abstratos, de matemtica financeira, de

    "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos". Dizem respeito ao processo

    matemtico de formao da taxa de juros cobrada. Com o uso desses mtodos

    calcula-se a equivalncia das taxas de juros no tempo (taxas equivalentes).

    Quando a taxa apresentada em uma unidade de tempo diferente da unidade do

    perodo de capitalizao diz-se que a taxa nominal; quando a unidade de tempo

    coincide com a unidade do perodo de capitalizao a taxa a efetiva. Por exemplo,

    uma taxa nominal 12% ao ano, sendo a capitalizao dos juros feita mensalmente.

    Neste caso, a taxa efetiva de 1% ao ms, o que equivalente a uma taxa efetiva de

    12,68% ao ano. Se a taxa for de 12% ao ano, com capitalizao apenas anual, a taxa de

    12% ser a taxa efetiva anual.

    Extraio de trabalho de autoria de Teotnio Costa Rezende publicado no

    site da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

    (www.ufrrj.br/posgrad/ppgem/03/64.pdf) as seguintes noes: (1) em um prazo inferior

    ao perodo de tempo da taxa (ex: perodo de 15 dias para uma taxa de juros mensal), o

    montante dos juros calculados pela sistemtica de juros simples maior do que o

    montante dos juros compostos. Este fato resultante da transformao da taxa para

    perodos menores por meio de taxas proporcionais; (2) no prazo igual ao perodo da

    taxa (por exemplo taxa de juros mensal, com juros apurados mensalmente) o montante

    dos juros calculados pela sistemtica de juros simples igual ao dos juros compostos,

    no havendo distores; (3) num prazo superior ao perodo de tempo da taxa (por

    exemplo, perodo de 6 meses e taxa de juros mensal), o montante dos juros calculados Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 10 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    pela sistemtica de juros simples menor do que o montante dos juros calculados no

    modelo de juros compostos. A diferena tanto maior, quanto for o perodo

    considerado. Essas assertivas somente so vlidas se os juros forem apurados a cada

    perodo, porm quitados no final do prazo.

    Teotnio Costa Rezende tambm esclarece: " comum recebermos

    clculos mirabolantes, onde se pretende demonstrar que uma taxa de juros anual se

    multiplica vrias vezes se a capitalizao passar a ser mensal (por exemplo: uma taxa

    de 12,0% a.a. passaria para 144% etc). Na verdade, o critrio de capitalizao se apura

    atravs de exponenciao e no de multiplicao. Se comearmos a simular taxas

    capitalizadas anualmente, semestralmente, mensalmente, diariamente e

    continuamente, seremos surpreendidos pelos resultados, uma vez que a diferena

    entre estas ir ficando cada vez menor, at atingir um limite". E aps descrever a

    frmula matemtica para a apurao da taxa efetiva, esclarece que medida que se

    aumenta o "n" (perodos de capitalizao) do divisor da taxa nominal, tambm se

    aumenta o "n" exponencial, ou seja, o nmero a ser potencializado torna-se cada vez

    menor. E prossegue: "A ttulo de exemplo, veja o que acontece com a maior taxa

    nominal de juros que praticamos no crdito imobilirio, ou seja, 12,0% a.a. Se

    capitalizada semestralmente = 12,360% a.a; mensalmente, corresponde a 12,683%

    a.a.; diariamente = 12,747% a.a e continuamente = 12,750% a.a. Nota-se que a

    mudana de anual para semestral implicou em um acrscimo de 0,36 pontos

    percentuais; de semestral para mensal de 0,32 pontos percentuais; de mensal para

    dirio de 0,06 pontos percentuais e de dirio para contnuo praticamente no existe

    diferena. Duas lies precisam ser extradas destes comentrios: primeiro - o fato de

    as taxas serem capitalizadas no traz nenhuma mudana astronmica entre taxa

    nominal e efetiva; segundo - medida que se aumenta os perodos de capitalizao,

    reduz-se o impacto em termos de proporo do crescimento da taxa efetiva."

    Em sntese, o processo composto de formao da taxa de juros

    mtodo abstrato de matemtica financeira, utilizado para a prpria formao da taxa

    de juros a ser contratada, e, portanto, prvio ao incio de cumprimento das obrigaes

    contratuais. A taxa nominal de juros, em perodo superior ao perodo de capitalizao

    (vg, taxa anual, capitalizada mensalmente), equivale a uma taxa efetiva mais alta. Pode

    o contrato informar a taxa anual nominal, esclarecendo que ela (a taxa) ser

    capitalizada mensalmente; ou optar por consignar a taxa efetiva anual e a taxa mensal Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 11 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    nominal a ela correspondente. No haver diferena na onerosidade da taxa de juros e,

    portanto, no valor a ser pago pelo devedor. Trata-se, portanto, apenas de diferentes

    formas de apresentao da mesma taxa de juros, conforme o tempo de referncia. Por

    ser mtodo cientfico, neutro, abstrato, de matemtica financeira, no afetado pela

    circunstncia, inerente cada relao contratual, de haver ou no o pagamento

    tempestivo dos juros vencidos.

    Por outro lado, ao conceito de juros capitalizados (devidos e

    vencidos), juros compostos (devidos e vencidos), capitalizao ou anatocismo

    inerente a incorporao ao capital dos juros vencidos e no pagos, fazendo sobre eles

    incidir novos juros. No se trata, aqui, de mtodo de matemtica financeira, abstrato, prvio ao incio da vigncia da relao contratual, mas de vicissitude intrnseca

    concreta evoluo da relao contratual. Conforme forem vencendo os juros, haver

    pagamento (aqui no ocorrer capitalizao); incorporao ao capital ou ao saldo

    devedor (capitalizao) ou cmputo dos juros vencidos e no pagos em separado, a fim

    de evitar a capitalizao vedada em lei.

    Postos estes conceitos, voltemos ao texto do Decreto 22.626/33. O

    referido diploma legal veda a contagem de juros dos juros; mas estabelece que a

    proibio no compreende a acumulao de juros vencidos aos saldos lquidos em

    conta corrente de ano a ano. A pacfica jurisprudncia do STJ compreende que a

    ressalva permite a capitalizao anual como regra aplicvel aos contratos de mtuo em

    geral. Assim, no proibido contar juros de juros em intervalo anual; os juros vencidos e

    no pagos podem ser incorporados ao capital uma vez por ano para sobre eles

    incidirem novos juros (Segunda Seo, EREsp. 917.570/PR, relatora Ministra Nancy

    Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp. 1.095.852-PR, de minha relatoria, DJe 19.3.2012).

    O objetivo do art. 4 do Decreto 22.626/33, ao restringir a capitalizao,

    evitar que a dvida aumente em propores no antevistas pelo devedor em dificuldades

    ao longo da relao contratual. Nada dispe o art. 4 acerca do processo de formao

    da taxa de juros, como a interpretao meramente literal e isolada de sua primeira parte

    ( proibido contar juros de juros) poderia fazer supor.

    Quanto taxa de juros, a limitao de percentual mximo (e no restrio

    quanto ao mtodo matemtico de formao da taxa) est estabelecida no art. 1 do

    mesmo decreto (12% ao ano) e no se aplica, como j exposto, s instituies

    financeiras. Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 12 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    Como j visto que a taxa nominal tem uma correspondente efetiva (sendo

    esta superior se calculada em perodo maior do que o da taxa), e se no h limite legal

    prefixado para esta taxa efetiva (a qual somente ser invalidada pelo Judicirio se

    comprovadamente abusiva), no me parece coerente com o sistema jurdico vigente, tal

    como compreendido pela pacfica jurisprudncia do STJ e do STF, extirpar do contrato a

    taxa efetiva expressamente contratada em nome da vedao legal capitalizao de

    juros.

    O coerente com o sistema ser, data maxima venia , respeitar o

    contratado, inclusive a taxa efetiva de juros, glosando-a apenas se demonstrado o

    abuso, nos termos da pacfica jurisprudncia assentada sob o rito dos recursos

    repetitivos. Neste caso, o abuso consistir no excesso da taxa de juros.

    A mera circunstncia de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de

    juros no implica, portanto, capitalizao de juros, mas apenas processo de formao

    da taxa de juros pelo mtodo composto.

    Seria incongruente com o sistema admitir, por exemplo, a legalidade da

    contratao de taxa de juros calculada pelo mtodo simples de 12% ao ano e no

    admitir a legalidade da contratao de juros compostos em taxa mensal (expressa no

    contrato) correspondente a uma taxa efetiva anual inferior (tambm expressa no

    contrato).

    Esclarecedor o exemplo imaginado pelo Professor Jos Dutra Vieira

    Sobrinho:"O exemplo a seguir evidencia o absurdo que representa a proibio de se capitalizar juros. De acordo com o entendimento jurdico predominante, um emprstimo poderia ser contratado a juros de 1% ao ms, pelo prazo de um ano, desde que no capitalizado, o que totalizaria 12% no vencimento; entretanto, essa mesma operao no poderia ser contratada a juros compostos de 0,75% ao ms pelo mesmo prazo, embora o total no vencimento, de 9,38%, seja menor que o anterior" (extrado do trabalho "Conflitos Judiciais Envolvendo Conceitos Bsicos de Matemtica Financeira").

    A coerncia, parmetro definidor de um sistema de normas como sistema

    jurdico, enfatizada por San Tiago Dantas:

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 13 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    "Finalmente, o trabalho de dogmtica se conclui pela construo do sistema. Evidenciar os princpios, induzir os conceitos, fixar a terminologia e construir o sistema de normas jurdicas, que formam a regulamentao da vida numa certa sociedade, isto um estudo de dogmtica jurdica, que quer dizer que sempre possvel construir, com qualquer das instituies e com as normas, um sistema coerente, lgico, em que os institutos se acham evidentemente classificados, em que o mais geral abrange o mais particular e em que, portanto, a inteligncia pode penetrar segundo um esquema lgico. Eis porque podemos fazer esta afirmao capital: nem todo corpo de normas um sistema jurdico.Se amanh nos pusermos a legislar para pequena sociedade imaginria ou construda por ns mesmos, e determinarmos normas como estas, "ningum pode matar", todo mundo pode furtar", "ningum est obrigado a reparar o prejuzo que causa", "todo mundo est obrigado a compor o que tiver contratado"; poderemos formar um corpo de leis e aplic-las, mas ningum pode construir sobre este corpo de leis um sistema. No se formar dogmtica deste corpo de normas, porque veremos que estas vrias normas se contradizem, se repelem entre si, e no podemos criar uma cincia jurdica sobre a base de fenmenos desta maneira contraditrios (ob. citada, p. 8-9).

    Assim, embora o mtodo composto de formao da taxa de juros seja

    comumente designado, em textos jurdicos e matemticos, como "juros compostos",

    empregada esta expresso tambm como sinnimo de "capitalizao", "juros

    capitalizados" e "anatocismo", ao jurista, na construo do direito civil, cabe definir a

    acepo em que o termo usado na legislao, a fim de que os preceitos legais e

    respectivas interpretaes jurisprudenciais no entrem em contradio, tornando

    incoerente o sistema.

    Tomando por base essas premissas, concluo que o Decreto 22.626/33

    no probe a tcnica de formao de taxa de juros compostos (taxas capitalizadas), a

    qual, repito, no se confunde com capitalizao de juros em sentido estrito

    (incorporao de juros devidos e vencidos ao capital, para efeito de incidncia de novos

    juros, prtica vedada pelo art. 4 do citado Decreto, conhecida como capitalizao ou

    anatocismo).

    A restrio legal ao percentual da taxa de juros no a vedao da

    tcnica de juros compostos (mediante a qual se calcula a equivalncia das taxas de Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 14 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    juros no tempo, por meio da definio da taxa nominal contratada e da taxa efetiva a ela

    correspondente), mas o estabelecimento do percentual mximo de juros cuja cobrana

    permitida pela legislao, vale dizer, como regra geral, o dobro da taxa legal (Decreto

    22.626/33, art. 1) e, para as instituies financeiras, os parmetros de mercado,

    segundo a regulamentao do Banco Central (Lei 4.595/64).

    Dessa forma, se pactuados juros compostos, desde que a taxa efetiva

    contratada no exceda o mximo permitido em lei (12%, sob a gide do Cdigo Civil de

    1916, e, atualmente, a taxa legal prevista nos arts. 406 e 591 do Cdigo vigente, limites

    estes no aplicveis s instituies financeiras, cf. Smulas 596 do STF e 382 do STJ e

    acrdo da 2 Seo do STJ no REsp 1.061.530, rel. Ministra Nancy Andrighi) no

    haver ilegalidade na frmula adotada no contrato para o clculo da taxa efetiva de juros

    embutidos nas prestaes.

    Este entendimento encontra apoio na doutrina de Jos Dutra Vieira

    Sobrinho:

    "1.4 O que anatocismoDe acordo com a ampla pesquisa que realizei, anatocismo nada tem a ver o critrio de formao dos juros a serem pagos (ou recebidos) numa determinada data; ele consiste na cobrana de juros vencidos e no pagos, exatamente como conceituado no Novo Dicionrio Brasileiro. E como a legislao brasileira foi inspirada nas leis dos pases europeus como a Frana, Portugal, Alemanha, Itlia, Espanha e Holanda, entendo ser importante transcrever o conceito de anatocismo contido nos cdigos civis e comerciais de alguns desses pases. Embora parte dessas naes tenham promulgado seus cdigos civis posteriormente ao ano de 1850, a legislao vigente na poca j contemplava aquele conceito. Assim, no Cdigo Civil portugus, a definio encontrada endossa plenamente o nosso entendimento: Art. 560 Para que os juros vencidos produzam juros necessria conveno posterior ao vencimento; pode haver tambm juros de juros, a partir da notificao judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalizao. S podem ser capitalizados os juros correspondentes ao perodo mnimo de um ano.No Cdigo Civil italiano encontramos entendimento semelhante: Art. 1283 Na falta de uso contrrio, os juros vencidos s podem produzir juros do dia do pedido judicial, ou por efeito de conveno posterior ao seu vencimento, e sempre que trate de juros devidos

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 15 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    pelo menos por 6 meses. E no Cdigo Civil francs, conhecido tambm por Cdigo de Napoleo, considerado pela maioria dos grandes juristas como o pai de todos os cdigos, o entendimento no diferente: Art. 1154 Os juros vencidos dos capitais podem produzir juros, quer por um pedido judicial, quer por uma conveno especial, contando que, seja no pedido, seja na conveno, se trate de juros devidos, pelo menos por um ano inteiro.Com base nessas evidncias podemos deduzir que o Art. 253 do nosso Cdigo Comercial editado em 1850, copiado literalmente no Art. 4 do Decreto 22626 de 7 de abril de 1933, foi mal copiado ou mal traduzido. Esse artigo tem a seguinte redao: proibido contar juros dos juros; esta proibio no compreende a acumulao de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano. Observa-se claramente que primeira frase deveria ser proibido contar juros dos juros vencidos, ou ainda, proibido calcular juros sobre juros vencidos.

    1.5 Existncia do anatocismo e a prtica dos juros compostosEntendido o anatocismo tal como foi caracterizado, ele somente existiria se aps o vencimento de uma operao o credor cobrasse juros sobre os juros vencidos e no pagos. Vamos esclarecer melhor essa questo como exemplo de um emprstimo de R$ 1.000,00 para ser quitado por R$ 1.225,00 no final de 9 meses. O anatocismo somente ocorreria se aps o vencimento, e num prazo inferior a 12 meses, o credor cobrasse juros tambm sobre os juros de R$ 225,00. importante tambm observar a seguinte questo: o que muda para o devedor ou credor saber, que no exemplo mencionado, a operao custa 2,5% ao ms se calculada a juros simples ou 2,28% se calculada a juros compostos? Para efeitos legais, os dados relevantes so o valor do emprstimo, o valor de resgate e o vencimento; entendo que o critrio utilizado para obteno do valor dos juros absolutamente secundrio!" (extrado do trabalho "Conflitos Judiciais Envolvendo Conceitos Bsicos de Matemtica Financeira").

    No caso em exame, os juros contratados foram prefixados no contrato, no

    qual consta a taxa mensal nominal (3,16% ao ms) e a taxa anual efetiva (45,25% ao

    ano). No foi comprovada a abusividade, em termos de mercado, da taxa efetiva de

    juros remuneratrios pactuada. O valor fixo das 36 prestaes igualmente est Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 16 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    expresso no contrato, no podendo o consumidor alegar surpresa quanto aos valores

    fixos, inalterveis, das 36 prestaes que se comprometeu a pagar. No est prevista a

    incidncia de correo monetria. A expectativa inflacionria j est embutida na taxa de

    juros. Aps pagar duas prestaes, deixou de honrar suas obrigaes e ajuizou ao

    postulando a reduo da prestao acordada em R$ 331,83 para R$ 199,80.

    Na realidade, a inteno do autor/recorrido reduzir drasticamente a taxa

    efetiva de juros, usando como um de seus argumentos a confuso entre o conceito

    legal de "capitalizao de juros vencidos e devidos" e o "regime composto de formao

    da taxa de juros", ambos designados indistintamente na literatura matemtica e em

    diversos textos jurdicos, at mesmo nas informaes prestadas nestes autos pelo

    Banco Central, com o mesmo termo "juros compostos" ou "juros capitalizados".

    No poderia ser, com a devida vnia, mais clara e transparente a

    contratao do que a forma como foi feita no caso concreto em exame: com a

    estipulao das prestaes em valores fixos e iguais (36 prestaes de R$ 331,83) e a

    meno taxa mensal e correspondente taxa anual efetiva.

    Nada acrescentaria transparncia do contrato, em benefcio do

    consumidor leigo, que constasse uma clusula esclarecendo que as taxas mensal e

    anual previstas no contrato foram obtidas mediante o mtodo matemtico de juros

    compostos.

    Sabedor da taxa mensal e da anual e do valor das 36 prestaes fixas,

    fcil ficou para o consumidor pesquisar, entre as instituies financeiras, se alguma

    concederia o mesmo financiamento com uma taxa mensal ou anual inferior, perfazendo

    as prestaes fixas um valor menor.

    As informaes prestadas pelo Banco Central enfatizam que se afastada

    a legalidade/constitucionalidade da formao composta da taxa de juros haver

    "reduo da transparncia (...) dado que cada instituio financeira poder apresentar

    diferentes taxas de juros simples para diferentes prazos, sem que necessariamente

    seja possvel padroniz-las e da compar-las, caso as instituies se especializem em

    operaes com prazos diversos." (e-STJ fl. 323).

    L-se, ainda, nas informaes do Banco Central (referindo-se, neste

    ponto, taxa estipulada sob o regime de juros compostos):

    "Ademais, a capitalizao de juros capaz de gerar uma Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 17 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    padronizao na forma de cmputo e, pela viabilidade do cotejo, fomentar a competio entre as instituies financeiras. Um ambiente mais competitivo mais apto a gerar redues nas taxas de juros e nos spreads praticados. o que concluiu a a Consultoria da Diretoria de Poltica Econmica do Banco Central em estudo elaborado a pedido desta Procuradoria-Geral para subsidiar esta manifestao da Autarquia:Um terceiro aspecto a ser considerado a reduo de transparncia que a deciso [pela inconstitucionalidade] proporcionar, dado que cada instituio financeira poder apresentar diferentes taxas de juros simples para diferentes prazos, sem que necessariamente seja possvel padroniz-las, caso as instituies se especializem em operaes com prazos diversos." (fl. e-STJ 323).(...)"Caso seja declarada inconstitucional a medida provisria que permite a capitalizao, as instituies financeiras no se limitaro a conceder crdito com as mesmas taxas atualmente praticadas. Certamente, iro praticar taxas nominais equivalentes taxa capitalizada. Assim, se notar um desestmulo ao alongamento de prazos, pois, como mostra a referida nota tcnica, sem a capitalizao, quanto maior o prazo, maior a taxa de juros nominais equivalentes, a qual se apura de forma crescente. O tomador logo se sentir desestimulado a operar com prazos mais longos, na suposio, equivocada, de que os juros so maiores e, assim, deixar de contratar em melhores condies". (fl. e-STJ 325).

    Por outro lado, se constasse do contrato em exame, alm do valor das

    prestaes, da taxa mensal e da taxa anual efetiva, tambm clusula estabelecendo "os

    juros vencidos e devidos sero capitalizados mensalmente", ou "fica pactuada a

    capitalizao mensal de juros", por exemplo, como passou a ser admitido pela MP

    2.170-36, a consequncia para o devedor no seria a mera validao da taxa de juros

    efetiva expressa no contrato e embutida nas prestaes fixas. Tal pactuao significaria

    que, no paga determinada prestao, sobre o valor total dela (no qual esto includos

    os juros remuneratrios contratados) incidiriam novos juros remuneratrios a cada

    ms, ou seja, haveria precisamente a incidncia de juros sobre juros vencidos e no

    pagos incorporados ao capital (capitalizao ou anatocismo), prtica esta vedada pela

    Lei de Usura em intervalo inferior a um ano e atualmente permitida apenas em face de

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 18 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    prvia, expressa e clara previso contratual.

    Esta prtica - capitalizao de juros vencidos e no pagos - acabou

    admitida em nosso sistema jurdico, como regra nas operaes bancrias, pela vigente

    MP 2.170-36, editada, como se verifica das informaes do Banco Central, com o intuito

    de resolver a incerteza jurdica sobre a legalidade do sistema de juros compostos,

    comumente tratado como sinnimo de "capitalizao de juros", da qual se valiam maus

    pagadores, gerando o aumento do risco e, portanto, o aumento do spread e das taxas

    de juros, em prejuzo de todo o sistema financeiro.

    A consequncia do texto da medida provisria foi permitir, como regra

    geral para o sistema bancrio, no apenas o regime matemtico de juros compostos,

    mas o anatocismo propriamente dito, o qual tambm tem sua justificativa econmica,

    assim posta nas informaes do Banco Central (fl. 325):

    "Acrescente-se, ainda, que a capitalizao de juros desestimula as instituies financeiras a renegociarem os contratos com periodicidade mensal, situao em que, ao final do ms, o valor emprestado, acrescidos dos juros correspondentes, deve ser quitado. Tal situao enseja o chamado 'anatocismo indireto', bem mais oneroso para o devedor, que seria obrigado a captar recursos em outra instituio financeira para adimplir a primeira operao. Desse modo, sob o ponto de vista econmico, a capitalizao de juros, tal como prevista pela medida provisria impugnada, apresenta-se muito mais benfica ao tomador, atendendo assim aos interesses da coletividade (cf. itens 8 e 9 da Exposio de Motivos 210/MF, de 24 de maro de 2000). Eis a razo pela qual a medida provisria deve ser mantida."

    Conclui-se, portanto, que a capitalizao de juros vedada pela Lei de

    Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP 2.170-36, diz respeito s vicissitudes

    concretamente ocorridas ao longo da evoluo do contrato. Se os juros pactuados

    vencerem e no forem pagos, haver capitalizao (anatocismo, cobrana de juros

    capitalizados, de juros acumulados, de juros compostos) se estes juros vencidos e no

    pagos forem incorporados ao capital para sobre eles fazer incidir novos juros.

    No se cogita de capitalizao, na acepo legal, diante da mera frmula

    matemtica de clculo dos juros. Igualmente, no haver capitalizao ilegal, se todas

    as prestaes forem pagas no vencimento. Neste caso, poder haver taxa de juros Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 19 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    exorbitante, abusiva, calculada pelo mtodo simples ou composto, passvel de reviso

    pelo Poder Judicirio, mas no capitalizao de juros.

    Pode haver capitalizao na evoluo da dvida de contrato em que

    pactuado o regime de juros simples ou o regime de juros compostos. Isso poder ocorrer, entre outras situaes, em caso de inadimplncia do muturio, quando os juros

    vencidos e no pagos, calculados de forma simples ou composta, forem incorporados

    ao capital (saldo devedor) sobre o qual incidiro novos juros.

    Com base nas premissas expostas acima e na fundamentao anexa,

    passo a sintetizar a concluso do voto.

    Acompanho o voto do relator quanto primeira das teses postas em

    seu douto voto. Penso, todavia, que a redao do enunciado para os efeitos do art.

    543-C do CPC deve espelhar-se no texto legal que a embasa, motivo pelo qual sugiro a

    seguinte redao: " permitida a capitalizao de juros com periodicidade inferior

    a um ano em contratos celebrados aps 31.3.2000, data da publicao da Medida

    Provisria n. 1.963-17/00 (em vigor como MP 2.170-01), desde que expressamente

    pactuada."

    Em divergncia parcial, penso, data vnia, que no configura a

    capitalizao vedada pela Lei de Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP

    2.170-01, a previso expressa no contrato de taxa de juros efetiva superior nominal

    (sistema de juros compostos, utilizado para calcular a equivalncia de taxas de juro no

    tempo). Caso, todavia, prevalea o entendimento de que a mera previso contratual de

    taxa de juros efetiva superior nominal implica a capitalizao a que se refere a

    legislao, adiro ao entendimento no sentido da validade da estipulao, perfeitamente

    compreensvel ao consumidor, notadamente em casos como o presente de juros

    prefixados e prestaes idnticas, invariveis.

    A segunda tese que proponho para os efeitos do art. 543-C , portanto, "A

    pactuao mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa e clara. A

    previso no contrato bancrio de taxa de juros anual superior ao duodcuplo da

    mensal suficiente para permitir a cobrana da taxa efetiva anual contratada."

    Anoto que, no presente caso, a pretenso deduzida na inicial foi a de

    reduzir o prprio valor das 36 prestaes acordadas, cuja evoluo est demonstrada

    no anexo a este voto, ou seja voltou-se o devedor contra a taxa de juros compostos,

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 20 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    especificada no contrato e embutida nas prestaes fixas. Este foi tambm o

    fundamento exclusivo do acrdo para reputar presente a capitalizao ilegal de juros.

    No demonstrada a abusividade em termos de mercado, conforme acentuado no voto

    do Relator, deve ser mantida a taxa efetiva de juros remuneratrios contratada.

    No caso concreto, divergindo parcialmente do relator, voto pela legalidade

    do regime de juros compostos adotado expressamente no contrato como mtodo de

    clculo das prestaes. Mantenho, portanto, as taxas mensal e anual contratadas. No

    havendo ilegalidade na fase de normalidade contratual, restabeleo os efeitos da mora.

    Acompanho o relator quando comisso de permanncia, cuja cobrana

    na fase de inadimplemento no pode ser acumulada com juros remuneratrios, juros

    moratrios e multa contratual.

    No caso concreto, em sntese, dou provimento ao recurso especial

    em maior extenso, restabelecendo os nus da sucumbncia fixados na sentena,

    porque mnima a sucumbncia do banco recorrente.

    como voto.

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 21 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    FUNDAMENTAO ANEXA AO VOTO DO RESP. 973.827 - TABELA PRICE

    As prestaes sucessivas dos diferentes mtodos de amortizao

    abrangem uma parcela de juros (calculados sobre o saldo devedor atualizado, a qual se

    destina a quitar os juros do perodo) e outra de amortizao, de forma que, quitada a

    ltima delas, o saldo devedor seja igualado a zero.

    No caso da Tabela Price, o valor da parcela de juros vai decrescendo, na

    medida em que o da parcela de amortizao vai crescendo, at findar o prazo do

    contrato e o saldo devedor, mantendo-se as prestaes mensais durante todo o

    contrato no mesmo valor (SOUZA LIMA, Roberto Arruda e NISHIYAMA, Adolfo Mamoru,

    "Contratos Bancrios - Aspectos Jurdicos e Tcnicos da Matemtica Financeira para

    Advogados", Editora Atlas S/A, So Paulo: 2007, p. 140-141; SACAVONE, Luiz Antnio

    Junior, "Juros no Direito Brasileiro", RT, 2007, p. 195; DEL MAR, Carlos Pinto, Aspectos

    Jurdicos da Tabela Price, Editora Jurdica Brasileira, 2001, p. 23; RIZZARDO, Arnaldo,

    "Contratos de Crdito Bancrio", RT, 9 edio, p. 143 e PENKUHN, Adolfo Mark, "A

    legalidade da Tabela Price, Revista de Direito Bancrio do Mercado de Capitais e da

    Arbitragem, p. 284). Isso em um ambiente sem inflao ou caso a expectativa de

    inflao j esteja embutida na taxa de juros, como ocorre no caso em exame. De igual

    modo, ocorrer a quitao da dvida no final do prazo contratual se o saldo devedor e as

    prestaes forem reajustados pelo mesmo ndice.

    O entendimento esposado pelo acrdo recorrido, no sentido de que

    dvidas decorrentes contratos em que estabelecida taxa de juros pelo mtodo composto

    so ilegais, alcanaria, pelos mesmos fundamentos, os principais sistemas de

    amortizao adotados internacionalmente e tambm no Brasil, a saber, Tabela Price,

    SACRE (Sistema de Amortizao Real Crescente), SAC (Sistema de Amortizao

    Constante) e SAM (Sistema de Amortizao Misto).

    Assim, os incontveis contratos de mtuo e financiamentos contratados

    diariamente (antes e depois da MP 2.170-01), por instituies financeiras e

    estabelecimentos comerciais diversos, de pequeno ou grande porte, para as mais

    diversas finalidades do setor produtivo, de longo e de curto prazo, estariam destinados

    invalidade, alterando-se as bases em que celebrados os contratos, com prejuzo para o

    contratante de boa-f, pequeno ou grande comerciante ou instituio financeira, para

    planos de aplicao de recursos em cadernetas de poupana, fundos de investimentos, Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 22 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    fundos de previdncia, ttulos de capitalizao e FGTS, em que a remunerao dos

    investidores tambm calculada por meio de juros compostos.

    No sistema financeiro, em que cada muturio ou investidor tem contrato

    com data-base para o dbito ou crdito de juros diversa, sendo o fluxo de recursos

    (emprstimos e pagamentos, crditos e dbitos) dirio, a tcnica de juros compostos

    permite a avaliao consistente de ativos e passivos das instituies e a comparao

    entre as taxas de juros praticadas em cada segmento do mercado.

    Exemplo elucidativo da amortizao de dvida por meio da Tabela Price

    dado por Obed de Faria Junior:

    "Assuma voc, leitor, que existam economias suas amealhadas com seu trabalho e das quais voc no necessita utilizar-se neste momento e que, seu vizinho, amigo de longa data, em face de necessidades inesperadas, lhe venha solicitar um emprstimo de R$ 1.000,00 para ser pago daqui um ano.

    Para efeito de simplificao de todo aconselhvel que desconsideremos os efeitos inflacionrios porque isto implicaria em utilizar critrios, frmulas e clculos que fugiriam do nimo de apresentar uma demonstrao simplista. (...)

    Pois bem, caro leitor, bastante razovel crer que voc no seja um usurrio e, menos ainda, que tente levar vantagens indevidas sobre algum - que dir de um amigo seu de longa data. Contudo, suas economias compem seu patrimnio e decorrem do fruto de seu trabalho, razo porque natural que se estipule alguma remunerao sobre o emprstimo pretendido.

    Portanto, seu senso de justia indica que a cobrana de juros de 1% (um por cento) ao ms so mdicos, justos e, at onde dita o senso comum no Brasil, absolutamente legais. Seu vizinho amigo, muturio nessa relao, concorda com tais encargos e sugere pagar tudo ao final de um ano, isto : R$ 1.120,00. Assim, ele lhe estaria reembolsando o principal de R$ 1.000,00 mais juros de 12% relativos ao ano em que o capital ficaria emprestado.

    Nada impediria que tal ajuste fosse feito nessas bases, entretanto, tanto voc quanto seu amigo tm plena cincia que esse tipo de negcio no usual. Afinal, todas as dividas e obrigaes assumidas pelo brasileiro mdio - como voc e seu vizinho - so contratadas para serem saldadas em prestaes mensais. Ainda, lgico acreditar, inclusive, que tais economias estivessem devidamente aplicadas num Fundo de Investimentos ou Caderneta de Poupana que geram rendimentos, no mnimo, uma vez por ms. Assim, sua contraproposta de que seu vizinho faa amortizaes mensais desse emprstimo, de forma que, ao final, daqui um ano, toda a dvida esteja paga.

    O negcio est evoluindo bem e seu amigo concorda com a estipulao de

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 23 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    pagamentos mensais. Assim, ele lhe prope que, a cada ms e durante doze meses, pagaria R$ 10,00 (dez reais), que representam exatamente 1% do valor do emprstimo e, no ltimo vencimento, daqui um ano, saldaria tambm o principal. Isso equivaleria aos mesmos R$ 1.120,00, porm, pagos de uma forma mais razovel, como se a todo ms ele "renovasse" o emprstimo.

    Apesar de seu inegvel senso de justia, voc entende que mais justo que sejam pagos, a cada ms, no s os juros, mas tambm parcelas do principal emprestado, o que seu vizinho aceita meio a contragosto, pois afinal ele precisa do dinheiro.

    Ento, voc sugere a seu amigo dividir o valor total em doze vezes, isto R$ 1.120,00: 12 meses, o que implicaria em pagamentos mensais de R$ 93,33. Ou seja, 12 parcelas de 83,33 que representariam os R$ 1.000,00 do emprstimo, mais 12 parcelas de R$ 10,00, que equivaleriam a 1% ao ms sobre o valor emprestado.

    Seu vizinho coa a cabea e, constrangido, lhe informa que tal forma no seria correta, porque se ele estaria pagando, a cada ms, parte do emprstimo, no seria justo que pagasse o mesmo valor de juros todo ms sobre o montante total.

    A partir disso, ele sugere as 12 parcelas do principal, no caso, R$ 83,33 a cada ms e, no final os juros sobre elas. Voc, obviamente, diz que em princpio isso seria bom, contudo, no saberia dizer qual o valor dos juros ao final de um ano. Seu amigo, mais que depressa, toma papel e caneta e faz a seguinte conta:

    Hoje, voc me empresta 1.000,00Devolvo daqui 1 ms -83,33 1% -0,83Devolvo daqui 2 meses -83,33 2% -1,67Devolvo daqui 3 meses -83,33 3% -2,50Devolvo daqui 4 meses -83,33 4% -3,33Devolvo daqui 5 meses -83,33 5% -4,17Devolvo daqui 6 meses -83,33 6% -5,00Devolvo daqui 7 meses -83,33 7% -5,83Devolvo daqui 8 meses -83,33 8% -6,67Devolvo daqui 9 meses -83,33 9% -7,50Devolvo daqui 10 meses -83,33 10% -8,33Devolvo daqui 11 meses -83,33 11% -9,17Devolvo daqui 12 meses -83,33 12% -10,00Total da devoluo daqui a 1 ano -1.000,00Pago os juros daqui 12 meses ? -65,00

    Voc olha bem para o clculo de seu vizinho e, mesmo assim, acha que no ficou bom, porque vocs j haviam concordado que ele iria pagar, todo ms, tanto os juros como parte do emprstimo. O nico problema seria que sua conta de R$ 93,33 todo ms estava errada.

    Ento, voc comea a refazer a conta, considerando que devam ser pagos, todos os meses, juros e parcelas do valor do emprstimo:

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 24 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    Emprstimo hoje 1.000,00Juros de 1% 10,00Pagto. dos juros daqui 1 ms -10,00Pagto. parte do emprstimo daqui 1 ms -83,33 -93,33 1 Pagto.Saldo 916,67Juros de 1% 9,17Pagto. dos juros daqui 2 meses -9,17Pagto. parte do emprstimo daqui 2 meses -83,33 -92,50 2 Pagto.Saldo 833,34Juros de 1% 8,33Pagto. dos juros daqui a 3 meses -8,33Pagto. parte do emprstimo daqui 3 meses -83,33 -91,66 3 Pagto.Saldo 750,01Juros de 1% ...

    Seu vizinho interrompe seu clculo e diz que os valores mensais de juros que voc

    est calculando so iguais aos que ele havia calculado, s que "de trs para frente".

    Portanto, seguindo tal raciocnio, os valores das parcelas que voc estaria calculando

    seriam:

    Hoje, voc me empresta 1.000,00Devolvo daqui 1 ms -83,33 -10,00 -93,33Devolvo daqui 2 meses -83,33 -9,17 -92,50Devolvo daqui 3 meses -83,33 -8,33 -91,66Devolvo daqui 4 meses -83,33 -7,50 -90,83Devolvo daqui 5 meses -83,33 -6,67 -90,00Devolvo daqui 6 meses -83,33 -5,83 -89,16Devolvo daqui 7 meses -83,33 -5,00 -88,33Devolvo daqui 8 meses -83,33 -4,17 -87,50Devolvo daqui 9 meses -83,33 -3,33 -86,67Devolvo daqui 10 meses -83,33 -2,50 -85,84Devolvo daqui 11 meses -83,33 -1,67 -85,01Devolvo daqui 12 meses -83,33 -0,83 -84,17Total da devoluo daqui a 1 ano -1.000,00 -65,00 -1.065,00

    Ento os amigos parecem ter chegado a um consenso, pois desta forma, voc receberia todos os meses os juros e parcelas proporcionais do emprstimo e seu vizinho desembolsaria, ao final, os mesmos R$ 65,00 de juros calculados por ele prprio.

    Contudo, apesar da concordncia, ambos entendem que melhor seria se todas as parcelas tivessem o mesmo valor todos os meses, para facilitar o controle dos pagamentos e recebimentos.

    Nesse ponto, voc e seu amigo comeam a confabular para encontrar uma soluo que seja adequada. No verso daquele papel relacionam as contas que fizeram at ento:

    Todo o emprstimo daqui um ano 1.000,00Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 25 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    + Juros sobre tudo daqui um ano 120,00Total 1.120,00

    Todo o emprstimo daqui um ano 1.000,00+ 12 parcelas de juros de R$ 10,00 120,00Total 1.120,00

    Tudo dividido em 12 x R$ 93,33 1.120,00(esse est errado)

    O emprstimo em 12 x R$ 83,33 1.000,00+ Juros sobre tudo daqui um ano 65,00Total 1.065,00

    Tudo em 12 parcelas de valores diferentes (93,33;92,50; ...) 1.065,00

    Voc e seu vizinho j esto quase fechando o negcio, porm, no chegam a um valor que seja idntico todos os meses e que satisfaa o interesse de ambos.

    Seu vizinho, entretanto, vai buscar em casa um velho livro de matemtica financeira que ele utilizou no "colegial" e que possui vrias tabelas no apndice. L, voc localiza uma tal de "Tabela Price" onde identifica:

    (...)

    Diante disso, seu amigo faz o novo clculo:

    Valor do emprstimo = R$1.000,00Taxa de juros = 12% a.a.Nmero de prestaes = 12Fator da TP = 0,088849Valor da prestao :R$1.000,00 x 0,088849 = R$ 88,85

    Tudo dividido em 12 x R$ 88,85 = 1.066,20

    Voc no fica muito convencido e questiona seu amigo porque o resultado, afinal, no seria muito mais do que o R$ 83,33 por ms que, inclusive com os juros, haviam totalizado R$ 1.065,00 no outro clculo anterior. Ele, entretanto, diz que o clculo com o qual vocs concordaram tambm alcanava a cifra total de R$ 1.065,00 e dessa forma, tambm no chegaria aos R$ 1,120,00 daquela conta que voc mesmo havia reconhecido que estava errada.

    Diante disso - e pondo um ponto final nas tratativas - os valores das prestaes e do total de pagamentos foram aceitos como corretos por ambos, porque se situaram num nvel intermedirio e aparentemente razovel. Assim, o negcio foi fechado nessa forma: Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 26 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    voc entregou os R$ 1.000,00 a seu amigo e ele se comprometeu a pagar 12 prestaes mensais de R$ 88,85.

    Entretanto, dias depois, aps ter pego o dinheiro e utilizado para o que necessitava, seu amigo retornou at sua casa e lhe disse que no iria mais pagar os R$ 88,85 por ms, porque ele leu em algum lugar que a Tabela Price seria ilegal e que voc estaria abusando da situao de necessidade em que ele se encontrava.

    E voc, que sempre agiu dentro da maior honestidade, ficou espantado com a reao de seu amigo, que lhe pediu um favor, concordou com todas as condies no momento de tomar o emprstimo e, depois, veio alegando que no iria pagar o combinado porque teria sido enganado.

    Por certo, uma amizade de longo tempo vale mais que R$ 1.000,00. Entretanto, o que certo certo! Perguntou voc a seu amigo qual a alternativa que ele encontrava para o pagamento da dvida. Ele, cheio de brios, invocou parmetros mais justos como so utilizados por povos mais adiantados do que o brasileiro. Assim, sugeriu que fossem buscadas na "Internet" frmulas de clculo dentro de parmetros americanos ou europeus.

    Assim, foram ambos a frente do computador e l, aps pesquisarem alguns dicionrios virtuais, descobriram os seguintes termos em outros idiomas para fazer uma busca:

    "Loan payment calculator" - em ingls"Calcul dmortissement financier" - em francs"Calcolo rata di mutuo" - em italiano"Calculadora de prestamo" - em espanhol; e "Anleihe kalkulation" - em alemo.A tela multicolorida do computador comeou a retornar pginas que continham

    calculadoras virtuais de financiamentos e emprstimos, tanto nos Estados Unidos da Amrica como na Europa. Obviamente, foram inseridas as informaes dos emprstimos combinado, para aferir-se o resultado. O que se descobriu, ao final de tal busca, foi que:

    - em outros pases, assim como no Brasil, perfeitamente possvel ajustar amortizaes parciais ou liquidao antecipada de mtuos o que, em si, reduz o valor das parcelas e dos juros pagos;

    - as taxas de juros praticadas em economias mais slidas que a do Brasil so inferiores do que as que aqui se praticam; e

    - quando o interesse do muturio pagar prestaes de valor igual durante todo o perodo de emprstimo, sem nenhuma amortizao parcial, o resultado da conta absolutamente igual ao do clculo feito com base na Tabela Price." ("Da inocorrncia do anatocismo na Tabela Price: uma anlise tcnico-jurdica", texto extrado do Jus Navegandi )

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 27 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    No caso concreto em exame no REsp. 973.827-RS, o valor do financiamento foi de R$ 7.076,02 (R$ 6.980,00 mais R$ 96,02 do IOF), com taxa mensal de 3,16000% e taxa anual efetiva de 45,25664% expressamente consignadas no contrato (conforme consta do acrdo recorrido). O pagamento foi acordado em 36 prestaes fixas e iguais (fato incontroverso afirmado na inicial e na contestao), estabelecidas no contrato no valor de R$ 331,83, o que indica que o mtodo de amortizao adotado foi a Tabela Price, cuja caracterstica , precisamente, possibilitar o pagamento de prestaes iguais de amortizao e juros, ficando quitada a dvida com o pagamento da ltima prestao. O esquema abaixo simula a evoluo das prestaes, ms a ms, em situao de adimplemento contratual:

    Data Num. Prestao Juros Amortizao Prestao Saldo Devedor

    21-jul-03 - - - -

    7.076,02

    21-ago-03 1 223,60 108,29

    331,89 6.967,73

    21-set-03 2 220,18 111,71

    331,89 6.856,02

    21-out-03 3 216,65 115,24

    331,89 6.740,78

    21-nov-03 4 213,01 118,88

    331,89 6.621,89

    21-dez-03 5 209,25 122,64

    331,89 6.499,25

    21-jan-04 6 205,38 126,52

    331,89 6.372,73

    21-fev-04 7 201,38 130,51

    331,89 6.242,22

    21-mar-04 8 197,25 134,64

    331,89 6.107,58

    21-abr-04 9 193,00 138,89

    331,89 5.968,69

    21-mai-04 10 188,61 143,28

    331,89 5.825,41

    21-jun-04 11 184,08 147,81

    331,89 5.677,60

    21-jul-04 12 179,41 152,48

    331,89 5.525,12

    21-ago-04 13 174,59 157,30

    331,89 5.367,82

    21-set-04 14 169,62 162,27

    331,89 5.205,55

    21-out-04 15 164,50 167,40

    331,89 5.038,15

    21-nov-04 16 159,21 172,69

    331,89 4.865,46

    21-dez-04 17 153,75 178,14

    331,89 4.687,32

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 28 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    21-jan-05 18 148,12 183,77

    331,89 4.503,55

    21-fev-05 19 142,31 189,58

    331,89 4.313,97

    21-mar-05 20 136,32 195,57

    331,89 4.118,40

    21-abr-05 21 130,14 201,75

    331,89 3.916,64

    21-mai-05 22 123,77 208,13

    331,89 3.708,52

    21-jun-05 23 117,19 214,70

    331,89 3.493,81

    21-jul-05 24 110,40 221,49

    331,89 3.272,33

    21-ago-05 25 103,41 228,49

    331,89 3.043,84

    21-set-05 26 96,19

    235,71 331,89

    2.808,13

    21-out-05 27 88,74

    243,16 331,89

    2.564,98

    21-nov-05 28 81,05

    250,84 331,89

    2.314,14

    21-dez-05 29 73,13

    258,77 331,89

    2.055,37

    21-jan-06 30 64,95

    266,94 331,89

    1.788,43

    21-fev-06 31 56,51

    275,38 331,89

    1.513,05

    21-mar-06 32 47,81

    284,08 331,89

    1.228,97

    21-abr-06 33 38,84

    293,06 331,89

    935,91

    21-mai-06 34 29,57

    302,32 331,89

    633,60

    21-jun-06 35 20,02

    311,87 331,89

    321,73

    21-jul-06 36 10,17

    321,73 331,89

    0,00

    Verifica-se, do esquema acima, que os juros sempre incidem sobre o saldo devedor do ms anterior, no havendo incorporao de juros ao capital. Por exemplo: ao final do primeiro ms, sobre o valor inicial de R$ 7.076,02 x 3,16% a.m, temos juros de R$ 223,60. Como a prestao foi de R$ 331,89, a diferena, R$ 108,29 foi amortizada na dvida, resultando em saldo devedor de R$ 6.967,73. Ao final do 2 ms, sobre o capital (saldo devedor do ms anterior), R$ 6.967,73, incidiram juros de 3,16% a.m no valor de R$ 220,18, sendo amortizado o valor de R$ 111,71. Novamente os juros incidiram apenas sobre o capital e, assim, sucessivamente, o valor da quota de juros foi decrescendo e o da amortizao aumentando, at que, na 36 prestao (R$ Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 29 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    10,17 de juros e R$ 321,73 de amortizao, perfazendo a prestao fixa de R$ 331,89), foi quitada integralmente a dvida.

    A capitalizao de juros somente ocorrer, no caso concreto em exame, em face do inadimplemento do devedor, se o credor fizer incidir novos juros remuneratrios sobre o valor dos juros vencidos e no pagos (embutidos estes nas prestaes no pagas no vencimento).

    Diversamente, em contratos de longa durao, em que as prestaes so contratualmente sujeitas a ndice de correo diferente do ndice adotado para a correo monetria do saldo devedor, como o caso dos contratos de financiamento habitacional celebrados no mbito do sistema financeiro da habitao, frequente a situao em que o valor da prestao mensal deixa, ao longo do contrato, de ser suficiente para o pagamento dos juros do perodo. Acontecer, ento, a capitalizao vedada pela Lei de Usura, a qual somente passou a ser admitida, no SFH, com a entrada em vigor da Lei 11.977/2009. O anatocismo , todavia, consequncia no da frmula matemtica da Tabela Price, utilizada para o clculo da prestao inicial do contrato, mas do descompasso entre os ndices de correo das prestaes (salrio do muturio) e do saldo devedor (TR), no curso da evoluo do contrato. Neste caso, a soluo que vem sendo preconizada pela jurisprudncia, inclusive do STJ, a contagem dos juros vencidos em conta separada, sobre a qual incide apenas a correo monetria (cf, entre outros, AgRg no REsp 954113 / RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, 1 Turma, pub. DJe 22/09/2008).

    Neste ponto, registro que trabalhos de autoria do j citado Teotonio Costa Rezende do conta da ampla utilizao da Tabela Price nos sistemas jurdicos de diversos pases (Estados Unidos, Canad, Frana, Espanha, Portugal, Mxico, Uruguai, Argentina, Chile, Colmbia), com destaque para o caso da Colmbia, onde o Poder Judicirio proibiu a capitalizao de juros em qualquer perodo, quando se trata de crdito imobilirio, porm adotou a Tabela Price (com o nome de Sistema de Amortizacin Gradual ou Sistema de Cuota Constante) como sistema-padro exatamente por considerar que tal sistema de amortizao no contempla capitalizao de juros ("Sistemas de amortizao e retorno do capital" e "Lei de Usura, Tabela Price e capitalizao de juros", publicados na Revista do Sistema Financeiro Imobilirio, n. 32 e 33, nov. 2010 e abr. 2011, respectivamente).

    Por fim, lembro o esforo de Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo

    Mamoru Nishiyama, aps ressaltar o amplo emprego do Sistema Francs de

    Amortizao no Brasil, tanto por instituies financeiras (emprstimos e

    financiamentos), quanto no comrcio (vendas parceladas), ao justificar a procura por

    um sistema de amortizao no concebido mediante o uso de juros compostos, em Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 30 de 31

  • Superior Tribunal de Justia

    substituio Tabela Price, cuja legalidade no sistema jurdico ptrio questionada:

    "No se trata de buscar reduo nas taxas de juros, pois os juros so determinados pelo mercado. Uma metodologia com juros simples implicaria ou na alterao das taxas pactuadas (para ficarem equivalentes s taxas compostas) ou no processo de embutir juros ao preo. Em ambos, o resultado financeiro o mesmo, mas com grande diferena de ser estritamente legal (SCAVONE-JNIOR, 1999).(...)No uma tarefa fcil obter uma frmula que, dado o valor de principal (P), juros (i) e o nmero de prestaes (n), resulte em:- Prestaes (PMT) iguais (de valores constantes);- a soma do valor presente, calculado pelo mtodo dos juros simples, de todas as prestaes (PMT), seja igual ao principal (P)." (ob. citada, p. 141-152)

    E, aps elaborar clculos complexos, prope uma frmula acoplada a

    uma tabela, ressalvando:

    "A utilizao da tabela possui limitaes, sendo a mais evidente a impossibilidade de prever todas as possveis combinaes de taxas de juros e nmero de prestaes. E, nesse caso, a soluo realizar o clculo para o caso especfico, ou utilizar uma aproximao do valor correto da prestao." (ob. citada, p. 152)

    No me parece, data maxima vnia, favorvel aos direitos do consumidor,

    ao princpio da transparncia e segurana jurdica, proscrever a Tabela Price, mtodo

    amplamente adotado, h sculos, no mercado brasileiro e mundial, substituindo-a por

    frmula desconhecida, insatisfatria, conforme reconhecido pelos esforados autores

    que a conceberam, em nome de interpretao meramente literal e assistemtica da Lei

    de Usura.

    Documento: 22113594 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 31 de 31