Atenção à crise
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
Atenção a Crise:Hospital Geral
Rio de Janeiro - RJ2014
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Bruna BrumBruno Lemos
Debora AmorimTaciana Cavalcanti
Atenção a Crise:Hospital Geral
Trabalho Acadêmico apresentado na Disciplina de Saúde Mental da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em cumprimento às exigências legais como requisito parcial à obtenção de créditos.
Docente: Erimaldo Nicacio
Rio de Janeiro - RJ2014
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Sumário
Introdução...................................................................................................................3
Proposta do Serviço...................................................................................................4
Perfil do usuário e instalações..................................................................................4
Atividades desenvolvidas..........................................................................................6
O trabalho dos profissionais.....................................................................................7
Dificuldades e desafios..............................................................................................9
Considerações finais...............................................................................................10
Referências...............................................................................................................11
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Introdução
O inicio do processo de reforma psiquiátrica aqui no Brasil começou a partir
dos anos 70 paralelamente ao “movimento sanitário”. Muito antes da reforma, Nise
da Silveira dirigia o Setor de Terapia Ocupacional e Reabilitação (STOR) do então
Centro Psiquiátrico Pedro II. Neste período, a doutora Nise desenvolveu oficinas de
arte, principalmente pintura, como uma tentativa de dar a loucura outra resposta
social.
O trabalho de Nise da Silveira produziu uma reviravolta nas atividades
realizadas como ocupações monótonas e repetitivas na lógica asilar, aproximou-se
de necessidades reais dos pacientes, abrindo novas possibilidades de ação e
participação no mundo para eles, sendo assim uma das pioneiras da luta
antimanicomial.
Diversas pesquisas foram desenvolvidas com o intuito de registrar os
resultados da utilização de atividades como marcenaria, pintura, costura, música,
dança e teatro. Nesta época, os pacientes internados ficavam geralmente
abandonados pelo pátio, excessivamente medicalizados, não eram incentivados e
muito menos encaminhados pelos médicos a essas atividades por não acreditarem
nas oficinas como um novo método de tratamento. Para Nise, com essa atitude os
hospitais colaboravam com a manutenção da doença.
Partindo desse contexto histórico, o grupo visitou o Instituto Municipal Nise da
Silveira localizado no Engenho de Dentro na Zona Norte do Rio de Janeiro, que
recebeu esse nome nos anos 2000 em homenagem a doutora que tanto contribuiu
para a saúde mental. O grupo foi recebido inicialmente pela presidente do Centro de
Estudos e depois conduzidos à visita institucional pelas psicólogas.
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Proposta do serviço
Partindo da proposta da reforma psiquiátrica, o hospital hoje possui como
missão desativar e qualificar os leitos. Essa proposta demanda a troca desses leitos
permanentes dentro do hospital psiquiátrico por leitos menores em hospitais gerais,
outros pequenos hospitais e ampliação da atual rede da assistência a saúde mental,
que, “para oferecer um tratamento não asilar/hospitalocentrico e também não
excludente, tem investido significantemente nos “serviços de atenção à crise” dentre
eles os CAPS (centro de atenção psicossocial), NAPS (Núcleos de Atenção
Psicossocial) e CERSAMs (Centro de Referência de Saúde Mental).” (UNESP, 2007)
A proposta deste serviço passa a se debruçar sobre a reforma psiquiátrica,
promovendo a reinserção do usuário da saúde mental na sociedade, investindo na
humanização das enfermarias que passam a atender somente ao tratamento de
pacientes graves, submetidos a intenso risco psicossocial e que não possuem
adequação as modalidades ambulatoriais de tratamento. Essa internação tem por
objetivo atender ao paciente em crise, ou seja, atender somente o período agudo
dos sintomas para que ele possa retornar a sociedade o mais breve possível.
O modelo de atenção é baseado no trabalho multiprofissional, fugindo ao
modelo asilar/médico-centrado, e a partir dessa diretriz, a unidade vem se
organizando de forma à oferecer assistência a usuários com quadro situacional
agudo, em regime semiaberto – quando aplicado -, de curta permanência,
enfatizando o engajamento para o período pós alta. Os princípios que orientam suas
ações são: vínculo, acolhimento, responsabilidade e resolutividade.
Perfil dos usuários e instalações
De acordo com informações da equipe de psicólogas, a clientela se resume
hoje a pacientes com algum transtorno mental, em sua maioria esquizofrenia e
bipolaridade, sendo em menor quantidade os casos relacionados a neurose. O
hospital, que já chegou a ter 1500 pacientes, hoje funciona no prédio do NAC
(Núcleo de Atenção à Crise) atendendo em torno de 90.
No primeiro andar encontra-se a emergência do hospital, com 10 leitos de
curta permanência, incluindo 03 leitos destinados a adolescentes, cuja coordenadora
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dessa área é a assistente social. A emergência atende as demandas imediatas de
atenção à crise tanto dos internos, quanto dos pacientes da região que são
encaminhados pelos CAPS e às vezes até mesmo por tentativas de outras regiões
relatando falta de vagas. No dia da visita o grupo conheceu o caso de uma usuária
que precisou ser sedada devido a agressividade no momento de crise e estava bem
machucada.
O segundo andar está desativado devido a um incêndio que destruiu parte
das instalações. O terceiro e quarto andares, onde já foram desativadas as
enfermarias, são destinados ao “Hotel da Loucura”. Funciona também um
restaurante no qual trabalham os pacientes com transtornos mentais que passaram
a ter uma vida fora da instituição. Esse tipo de ocupação é incentivado, pois impede
que as enfermarias sejam reativadas, trazendo um novo olhar ao hospital.
No andar superior funcionam duas enfermarias. A localização dessa área
restante foi a melhor conservação do andar, ou seja, era o único que não precisava
de obras para continuar funcionando. O andar conta com uma ala feminina de 30
leitos e uma ala masculina, que possui em sua maioria homens de meia idade e tem
o mesmo número de leitos. O grupo realizou uma visita acompanhada pelas
psicólogas na ala masculina e pode ter contato direto com os usuários e também
com os demais profissionais, enfermeiros e técnicos. A medicação é controlada e
ministrada pelo técnico de enfermagem, salvo em casos que outro profissional tenha
mais abertura com determinado paciente que se negue a fazer uso dela. No
momento que se iniciou a visita, um dos pacientes se aproximou de uma das
estudantes e deu o braço a ela, permanecendo assim quase o tempo todo da visita.
Por ela já ter tido contato com outros pacientes em casos parecidos não se
assustou, mas notamos um fato interessante, o cuidado das psicólogas com a
possível reação de repulsa do grupo por ser algo novo e também com a reação do
paciente caso isso acontecesse.
Nas enfermarias encontram-se pacientes que estão internados há vários anos
e muitos não possuem mais contato com nenhum parente, passando a impressão de
terem sido esquecidos. Outros foram abandonados pelas famílias devido às
sucessivas crises e alguns desses nem precisariam estar internados, mas a situação
permanece assim devido à falta de condições pessoais e sociais de se manterem.
Na parte externa, encontram-se quatro residências terapêuticas, conhecidas
como RT, que possuem capacidade para aproximadamente 20 moradores no total.
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Todos eles são ex-pacientes que estavam internados no hospital e puderam ter um
novo caminho na vida, ou seja, uma chance de trabalhar sua autonomia e exercer
cidadania. A maioria recebe o BPC - Benefício de Prestação Continuada - e são
tutelados. Um caso que chamou atenção foi do morador de uma RT que assim que
recebeu o dinheiro do seu benefício foi para rua e gastou tudo em drogas e quando
retornou a casa, pediu que fosse controlado, pois não conseguia fazer sozinho.
Dessa forma, pode-se notar que mesmo ocorrendo esses imprevistos, o fato de
trabalhar diariamente a autonomia do indivíduo confere a ele liberdade e até certo
discernimento do que deseja para sua vida. Na área externa encontra-se também
EAT – Espaço Aberto ao Tempo, que é um serviço de atenção diária vinculado ao
IMNS que funciona na lógica do CAPS, mas ainda não se tornou efetivamente um.
Atividades desenvolvidas
No Hotel da Loucura funcionam diversas oficinas para atender não só os
pacientes internados, mas também os ex-usuários do equipamento. Equipes
externas realizam atividades de artes plásticas, músicas entre outras. A ideia é que
esse local se transforme em um espaço de manifestações artísticas e culturais que
auxiliem no tratamento desses pacientes.
No Museu de Imagens do Inconsciente são catalogadas, guardadas ou
expostas todas as obras produzidas dentro do Instituto que conta hoje com mais de
300 mil trabalhos. Alguns já participaram de exposições, mas nenhum foi
comercializado por fazer parte do prontuário dos pacientes. Essa é uma questão que
está em pauta, as obras dos pacientes são parte do que eles constroem dentro do
instituto e traduzem-se em resposta aos tratamentos,logo são de propriedade
interna. Mas se o objetivo é trabalhar a autonomia, as obras poderiam ser de
responsabilidade do próprio paciente ou tuteladas pelo instituto no sentido de serem
revertidas a bens e serviços para os próprios autores. Como se vê é uma polêmica
atual que merece ser analisada pois a própria Nise não era contra a total autonomia
mas criticava alguns pontos.
Existe também um bloco de carnaval chamado Loucura Suburbana, onde
todos são convidados a participar e se unir aos pacientes com transtornos mentais.
Os usuários ajudam na confecção das fantasias e também na venda de produtos
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relacionados. Essa ideia vem sendo difundida e bastante apoiada pela comunidade
no entorno, que parece ter assimilado a ideia de que a inclusão é possível.
O restaurante a lanchonete também são locais onde os usuários realizam atividades
seja no preparo da comida, no atendimento ou na venda dos produtos. O grupo
almoçou no restaurante do hotel e conheceu um usuário que já foi interno e hoje
mora sozinho, mas disse que participa de diversas atividades lá e se mostrou
bastante independente, contando sobre as atividades que realiza com coerência e
mostrando-se bem resolvido em sua condição.
Já os pacientes da enfermaria possuem uma rotina um pouco diferente dos
que não estão mais internados. Embora possam participar dessas atividades, uma
boa parte se reserva ao direito de tomar banho de sol no pátio (alguns possuem
autorização para descerem sozinhos, sendo trabalhada neles a confiança e
autonomia). Os passeios externos são feitos de acordo com a demanda dos
usuários, em menores grupos possíveis ou individualmente, para evitar que sejam
estigmatizados.
O trabalho dos profissionais
Nota-se que, com exceção do trabalho exercido pelo médico, as outras
profissões exercem uma função muito parecida que é enquadrado em técnico em
saúde mental ou profissional de saúde mental. Para ser um técnico de saúde mental
é necessário ter somente o ensino médio completo, posto que as responsáveis pela
admissão de novos funcionários dessa área prescindiam de outros critérios para
seleção além dos acadêmicos. Um deles é a capacidade de se colocar disponível
para realizar as tarefas que lhe fosse solicitada, desde realizar a escuta dos
pacientes nas enfermarias, passear com os mesmos pelo hospital, e até levá-los
para alguma atividade nos CAPS.
As psicólogas afirmaram não ter um trabalho específico de psicoterapia
dentro do hospital, enfatizando que todas as profissões faziam um trabalho
semelhante ao escutar os pacientes. As psicólogas tem como trabalho principal
efetuar escutas, observação e encaminham os pacientes para as residências
terapêuticas ou para os CAPS. Toda a tramitação em relação a documentação que
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algum órgão público solicitasse, todos respondiam pelo mesmo e assinavam
independente da profissão. Além disso, o contato com familiares e com a justiça
também poderia ser feito por qualquer uma das profissões conforme o funcionário se
sentisse a vontade para fazer esse trabalho. Visto que trabalham por meio de
profissional de referência. Por exemplo, a assistente social cuidava mais da parte
judiciária devido ao fato das psicólogas não se sentirem muito bem preparadas para
tratar do assunto.
Outro dado importante quando perguntado a respeito das crises dos
pacientes, os enfermeiros eram solicitados geralmente para cuidar das crises e da
medicação, no entanto, se o paciente não se sentisse bem com o enfermeiro
responsável que estivesse presente naquele momento e se sentisse mais
confortável com outro funcionário seja psicólogo ou assistente social o mesmo
poderia atendê-lo e dar a medicação ao invés do enfermeiro. A idéia das psicólogas
entrevistadas é a de que o modelo de hospital psiquiátrico que se tem lá acabe e se
dê lugar a um novo modelo. O serviço oferecido serve como ponte para os CAPS e
residências então a ideia é a de que o paciente fique o menor tempo possível
internado na enfermaria.
O tratamento dos usuários envolve necessariamente um projeto terapêutico
do qual participam uma equipe interdisciplinar. O foco principal deste projeto é o
usuário, sendo a doença considerada um aspecto secundário, decorrente de
múltiplos fatores inseridos em sua experiência social de vida. Os entrevistados
lembram que as terapêuticas utilizadas na instituição constituem instrumentos
provisórios, que precisam ser adaptados para cada situação e caso.
Existem algumas funções que acabam sendo mantidas pela experiência da
profissão naquela área, por exemplo acaba por ser uma maior atribuição da
assistente social manter contato com o judiciário por deter mais conhecimento a
respeito dessa causa. Podemos perceber a interdisciplinaridade também quando se
tem que prestar contas a alguma instituição ou ao judiciário sobre o caso, onde
então, todos os profissionais se reúnem para discutir e enviar relatórios do caso. A
comunicação pode ser mantida pelo assistente social, mas a análise do caso é feita
por toda equipe. Da mesma forma, o enfermeiro pode cuidar mais da medicação de
um paciente, mas se for necessário que o paciente converse essa atribuição pode
ser feita por qualquer profissão, principalmente o acompanhante territorial, que
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inclusive não precisa ter nível superior, o psicólogo e demais profissões que se
disponibilizem a escutar.
Dificuldades e desafios
Há uma dificuldade muito grande em reintegrar um paciente, que viveu por
anos a fio a experiência de asilo, à sua família, pois nem ele sabe mais viver
socialmente e nem sua família como lidar com sua loucura. O contato com alguém
próximo do paciente é o primeiro passo para essa ressocialização, mas muitas
vezes há dificuldade em localizar alguma pessoa da família e o paciente acaba
ficando cada vez mais sozinho.
Com a reforma psiquiátrica e a gradual diminuição dos leitos em hospitais
especializados em saúde mental, surge uma questão a ser discutida. O que fazer
com aqueles que perderam completamente sua autonomia e o vinculo com família e
comunidade? Não sendo possível simplesmente jogá-los na rua, e uma vez que
perdera o sentido internações eternas, foi criado no próprio Instituto,as residências
terapêuticas a fim de atender essa demanda pelos pacientes que restaram deste
período nebuloso da psiquiatria.
O maior desafio é evitar a todo custo que o problema social da loucura, ao
entrar no sistema psiquiátrico, seja absorvido pelo antigo modelo manicomial que
cronifica e institucionaliza os pacientes, gerando uma total alienação, sem promover
um real investimento de tratamento.
É preciso que os profissionais da área de saúde mental tomem para si a
responsabilidade do serviço prestado, o que pressupõe um papel ativo na sua
promoção. Se realmente houver indicação psiquiátrica, é preciso que haja uma nova
mentalidade do que é um paciente em crise, o que não é tarefa fácil. É importante é
ressaltar que, por mais desorganizado que se encontre o sujeito em sofrimento, o
momento da crise pode também ser de transformação, de reinvenção ou de uma
nova direção na vida dele, pois suas subjetividades ficam mais aparentes levando a
um diagnóstico mais preciso e individualizado.
Não se pode afastar o paciente do convívio social, seu tratamento não pode
se desvincular de suas relações pessoais e de trabalho. Essa nova forma de tratar a
loucura comprovadamente melhora a qualidade de vida do paciente, interfere
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beneficamente em suas relações pessoais, suas crises ficam mais espaçadas e os
períodos de internação mais curtos, procedimentos estes ligados a
desinstitucionalização.
Considerações finais
De acordo com o texto da revista de psicologia da UNESP, “a palavra crise
pode nos remeter a aspectos sociais, históricos, familiares e pessoais.” Entende-se
que a crise tem relação também com o cotidiano subjetivo e ela pode trazer
sofrimento, desespero, degradação do paciente e requer atenção imediata.Porém,
dependendo do olhar do profissional da saúde e da forma que for conduzida e
tratada, pode significar a libertação de medos, angústias e até mesmo uma mudança
significativa na vida desse usuário, sem que se incentive o momento de crise.
Devem ser fornecidos meios para o tratamento e não só o alívio imediato dos
sintomas do paciente em crise, levando em consideração o projeto singular
terapêutico de cada usuário e baseado nele, saber as condições ideais de ação
nesse indivíduo.
Essa visita institucional fez o grupo repensar na mudança que ocorre no
atendimento ao paciente em crise. Pretende-se eliminar a ideia de que é só uma
ação pontual, seguido de uma forma de retirá-lo do âmbito societário e tratá-lo como
louco incurável. Identifica-se que, cada vez mais, a luta é pela melhora nas suas
condições de vida não só em momentos de crise, mas também em todo aspecto
individual e social.
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Referências
BRASIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.
Comissão Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001. Brasília: Conselho Nacional de
Saúde/Ministério da Saúde, 2202, 213 p.
Interface (Botucatu) vol.11 no.22 Botucatu May/Aug. 2007 - Resistência, inovação
e clinica no pensar e no agir de Nise da Silveira – Eliane Dias de Castro,
Elizabeth Maria Freiro de Araujo Lima Organizadora da III CNSM. Relatório Final da
III Conferência Nacional de Saúde Mental.
FERIGATO, Sabrina Helena - CAMPOS, Rosana T. Onoko e BALLARIN, Maria
Luisa G. S. O atendimento à crise em saúde mental: ampliando conceitos in
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DELGADO, Jaques (Org.). 1991. A Loucura na Sala de Jantar. Ed. Resenha. São
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Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Panorama/ENSP