Ator Rapsodo - Nara Keiserman

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Texto teórico de teatro.

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  • O ator rapsodo: pesquisa de procedimentos para uma linguagem gestual

    ENGRUPEdana 2007 74

    O ATOR RAPSODO: PESQUISA DE PROCEDIMENTOS PARA UMA LINGUAGEM GESTUAL

    Rhapsodic Actor: research of proceedings for a gestural language

    Nara Keiserman

    Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro [email protected]

    Resumo Este artigo aborda o projeto de pesquisa institucional que tem como princpios a teatralizao de obras no dramatrgicas, a pesquisa de procedimentos atoriais para um teatro que se pode chamar de fsico, em que a gestualidade o principal canal de comunicao com o espectador e cuja metodologia est fundada na realizao de laboratrios improvisacionais, que possam ser convertidos em linguagem teatral e numa pedagogia de formao e treinamento para o ator rapsodo. Palavras-chave: Pedagogia do Ator, Ator Narrador, Linguagem Gestual, Teatro Narrativo. Abstract Actor-narrator: research of proceedings for a gestural language. This article describes and analyses some aspects of this research project. The principles of the work are the theatrical of a no-dramatic literature, the investigation of actors techniques on a physical theater, on which the gesture is the main channel of communication with the public. Focusing on the performer as a story teller (or actor-narrator), the final goal of the research is to establish a specific scene language and a proposal of pedagogical training for such actor whom we call rhapsodic. Keywords: Theater-Pedagogy, Actor-narrator, Gestural Language, Narrative Theater. Princpios

    Tenho trabalhado como atriz e diretora num teatro narrativo desde 1975. A primeira

    investida se deu em A Salamanca do Jarau, de Joo Simes Lopes Neto, longa narrativa em

    primeira pessoa, espetculo dirigido por Luiz Arthur Nunes. Depois de algumas experincias

    com Teatro Dana, voltei-me novamento para este teatro em que os dilogos no so

    predominantes e o autor se faz presente na figura de um ou mais narradores.

    O trabalho realizado na Pesquisa sobre o ator rapsodo est fundado no pico teatral,

    com parentescos com o teatro ps-dramtico e com teatro fsico. Caracterizam a pesquisa: o

    uso de textos no escritos para o teatro; os atores estarem em constante aperfeioamento,

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    exercitando corpo, voz e necessidades especficas, afinadas com a linguagem de cena em

    investigao; o treinamento na prtica narrativa atorial, fundamento principal do trabalho.

    Venho testando o uso das categorias verbal e gestual como interferncias diferenciadas

    na comunicao com o espectador, com um foco investigativo preferencial no trabalho gestual

    do ator. A gestualidade trabalhada como princpio e chegada para todos os procedimentos

    cnicos adotados. Na relao entre os textos verbal e gestual dou preferncia, para a

    construo da cena, para os movimentos que vo alm do significado imediato daquilo que

    verbalizado, baseada numa idia simples de que o que dito no precisa ser feito. O

    referencial aquilo que se quer significar, estando as duas instncias a palavra e o gesto - a

    servio de uma idia a ser transformada em significado.

    Trata-se de pensar e exercer a gestualidade para, principalmente, ampliar os

    significados do texto falado, de forma que o movimento seja exercido como uma fisicalizao

    do pensamento do narrador sobre aquilo de que fala. A partitura gestual sempre a deste

    personagem narrador, mesmo quando sua fala pertence a um personagem da histria que est

    sendo narrada e dita na primeira pessoa. Isto significa uma certa primazia do narrador sobre

    o personagem j que, mesmo como personagem, a gestualidade se mantm do ponto de vista

    do narrador. Desta forma, a encenao obtida por uma tessitura formada pelos vnculos que

    se estabelecem entre os textos verbal e gestual, compreendendo a narratividade muito mais

    que uma fala que narra, mas como uma atitude do ator que se comporta como quem cita. Fala

    e gesto tm a qualidade do citativo. Tenho me encaminhado para a compreenso da

    terminologia linguagem gestual, como sendo a totalidade expressiva do ator, constituda de

    fala e de movimento.

    Este evidenciamento do gesto como linguagem, o investimento em uma realizao

    gstica dos significados, aplicados numa cena que privilegia a discursividade narrativa,

    produz um efeito de descotidianizao da cena. Os procedimentos atorais se afastam dos

    padres do realismo psicolgico, aproximando-se de conceitos como impulso e organizao,

    de que fala Grotowski1; da estilizao mencionada por Meierhold2; do distanciamento e

    controle brechtianos. E ainda assim, para usar a terminologia consagrada por Stanislavski em

    seu mtodo, admite recursos como a f cnica, a ao anterior, o objetivo da ao e outros.3

    1 Impulso compreendido como uma pulsao interior, um tensionamento que brota no torso do ator. A ao fsica se constitui numa manifestao organizada dos impulsos. 2 A estilizao refere-se a uma economia no uso de recursos cnicos, a favor das convenes teatrais. Meierhold chega a fazer um teatro que denomina de teatro da conveno consciente. 3 A partir de sua elaborao, o Mtodo de Stanislavski referncia para qualquer pedagogia do ator ocidental.

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    Com base nestes princpios, a pesquisa est justamente em: prover a cena de um texto verbal

    que suporte certo tipo de procedimentos atorais; instrumentalizar os atores para a sua

    execuo, o que engloba um modo de enunciar as falas e de realizar os gestos, para,

    finalmente, transformar esta instrumentalizao numa bateria sistematizada de exerccios

    formativos.

    Metodologia

    A encenao o ponto de convergncia dos campos da dramaturgia, da escrita da cena

    e da pedagogia do ator, nos quais transita a pesquisa. Organizada em etapas, a primeira

    compreende a preparao dos atores (atravs de exerccios da prtica narrativa e de

    laboratrios improvisacionais sobre diferentes tcnicas de Expresso Corporal, em que as

    propostas so selecionadas j levando em conta a sua possvel utilizao na cena) e a pesquisa

    e seleo do material textual em que sero aplicados os resultados dos exerccios propostos.

    Seguem-se os laboratrios improvisacionais, em que se fazem borbulhar os impulsos

    que, exteriorizados em movimentos, vo sendo organizados de forma ainda imprecisa,

    abrindo e mantendo espaos largos para a criao espontnea. Seu objetivo encontrar a

    adequao entre o texto que est sendo trabalhado e os procedimentos tcnicos selecionados.

    Essa adequao refere-se a fisicalizao dos sentimentos e/ou sensaes do personagem

    narrado ou ainda a exposio de significados adjacentes ao texto e que revelam o ponto de

    vista do narrador.

    O foco e preferncia pela plasmao gestualizada dos significados, fez estabelecer

    nesse trabalho uma particularidade em relao ao encaminhamento processual dos ensaios.

    No costumo propor os chamados ensaios de mesa. O texto verbal vai sendo trabalhado em

    ao. A etapa de pesquisa do material textual suficiente para que os atores tenham a

    compreenso e domnio necessrios dos contedos e significados a serem trabalhados, de tal

    modo que se tornam capazes de passar imediatamente sua fisicalizao, atendendo aos

    procedimentos corporais indicados ou respondendo espontaneamente a seu prprio impulso.

    Caminho de mo dupla, os movimentos esclarecem e ampliam os significados verbais,

    imprimindo um modo especfico de enunciado do texto.

    sobre essa matria prima que passo a trabalhar, elaborando-a at sua configurao

    final. O material verbal e gestual vai sendo partiturizado de acordo com o critrio de

    adequao quilo que se pretende expressar. A inteno que o frescor do impulso inicial

    nunca desaparea - falamos em no domesticar o impulso selvagem. Pretende-se que a

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    elaborao final, em partitura dominada de fala e movimento seja, realmente, a exteriorizao

    do impulso interno do ator para aquele momento exato da cena.

    Dentro dessa linha metodolgica, minhas funes como orientadora do conta de

    selecionar a matria prima textual e os procedimentos a serem experimentados, exercitando os

    atores quanto a sua execuo e possveis desdobramentos. Como diretora, me compete:

    estabelecer uma concepo, como princpios ou imagem matriz da cena; indicar uma

    composio espacial determinada; exercer uma interferncia no sentido de garantir que os

    movimentos que formam as partituras atorais que na sua quase totalidade so de criao dos

    atores estejam articulados aos relatos e comunicao com o espectador, nos diferentes

    nveis e relaes almejados.

    Encenaes

    Vou me referir aos aspectos referentes pesquisa gestual relativa a cada encenao,

    deixando de mencionar as operaes textuais empreendidas4, o uso de recursos como msica,

    cenrio, figurino, iluminao e mesmo o modo de construo cnica. No entanto, parece-me

    interessante uma parada nas ltimas realizaes, em que os fundamentos e realizaes

    aparecem amadurecidos.

    A PROSA DO NELSON, 2000

    Espetculo teatral em que trs diretores, Luiz Arthur Nunes, Demetrio Nicolau e eu,

    trabalharam com diferentes materias de Nelson Rodrigues. Ocupei das reportagens policiais

    escritas pelo autor ao redor de 1930 no jornal Crtica, do seu pai Mrio Rodrigues. Eram

    reportagens que j possuiam o embrio do estilo e paixes rodriguianas.

    O vocabulrio de movimentos ativado para a construo das cenas adveio de dois

    campos: as Seqncias de Manipulao e os Estudos de Meierhold, de que esta escrita no

    comporta o detalhamento.

    BALADAS DE OSCAR WILDE, 2002

    4 Basta acentuar que se trata de uma teatralizao e no de adaptao forma dramtica, dialgica. Nos casos dos textos com franco predomnio de narrao, a ausncia dos dilogos compensada por uma alternncia entre os narradores, garantindo assim a dinmica verbal necessria para a cena.

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    Com textos de Andr Gide (In Memorian) e de Oscar Wilde (O Prncipe Feliz, O

    homem que sabia contar histrias, Tribunal de justia de Deus, Reunio em Paris,

    Balada do Crcere de Reading e De Profundis).

    A preparao corporal para este trabalho, efetuada como aquecimento a cada incio de

    ensaio, esteve a cargo da bolsista-atriz Natasha Corbelino, de acordo com minhas instrues,

    por sua vez determinadas pelas necessidades da cena e visava a formulao de uma

    corporeidade homognea entre os atores, na construo de uma postura longilnea, de

    alinhamento elegante, em que os gestos e os passos fossem leves e fluentes, correspondendo

    imagem que tnhamos do dndi Oscar Wilde. No processo investigativo, uma modificao

    radical na concepo geral da cena fez com que os movimentos usados para aquecimento

    passassem a ter como base a dana Jazz. Alguns desses movimentos foram aproveitados na

    encenao.

    A composio da gestualidade da cena acrescentou ao vocabulrio de movimentos

    resultantes das Manipulaes e dos Estudos de Meierhold, experincias basesadas nas Aes

    Bsicas de Laban.

    IONESCO!, 2003

    Com trechos das peas A Lio, Amadeu ou como se livrar da coisa e Jogo de

    Massacre, de Eugne Ionesco.

    Prosseguem as investigaes sobre os procedimentos gestuais e narrativos j

    trabalhados, acrescentando-se um foco na explorao de objetos reais e imaginrios para a

    instaurao da linguagem rapsdica.

    Assim como nos trabalhos anteriores, cada sesso de trabalho iniciada por um

    aquecimento corporal, diferente para cada um deles. Em Ionesco!, interessava que cada ator

    fosse capaz de exercer por sua prpria conta um treinamento dirio, capaz de estabelecer nos

    seus corpos fsico e psquico as condies necessrias ao trabalho de criao gestual. Com

    essa finalidade, apresentei aos atores os mtodos de Nil Hahoutoff, chamado de Ginstica

    Evolutiva para Todos e que tem como principal mrito a imbricao dos movimentos com o

    ritmo respiratrio e o Movimento para Atores, de Jean Sabatine, um trabalho tcnico

    aproximado da dana. De posse desse material, e utilizando recursos prprios, cada um dos

    atores organizou sua prpria seqncia, em funo de suas dificuldades e temperamento. Esta

    seqncia individual era seguida por outra executada em dupla, sempre improvisada, tendo

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    como base os movimentos de extenso, flexo, toro, rolamentos, equilbrio, apoio e cuja

    realizao s fosse possvel com a presena do outro.

    Sem interromper o fluxo do movimento iniciado, passava-se aos laboratrios

    improvisacionais. Tendo como base o vocabulrio de movimentos advindo da utilizao de

    procedimentos corporais j pesquisados e das tcnicas de manipulao de objetos reais e

    imaginrios, os atores criavam partituras variadas e complexas, cujo fio condutor estava nos

    temas e/ou situaes previamente determinadas das peas de Ionesco selecionadas.

    (EU) CAIO, 2005

    Com vrios textos de e sobre Caio Fernando Abreu.

    Objetivos da investigao que levaram encenao de (eu)Caio: treinamento na

    atividade improvisacional diante do pblico e com carter performtico; estabelecer com

    clareza as diferenas, em atitude corporal e enunciado verbal, entre os modos dialgico e

    narrativo dos textos de fico e de no-fico, sendo alguns destes de autoria dos prprios

    atores e eventualmente improvisados - o que havamos experimentado apenas em sala de aula,

    nos primeiros exerccios do treinamento na prtica narrativa; o desdobramento do personagem

    narrador, em que o ator vai alm da funo de porta-voz do autor, mas passa a falar em seu

    prprio nome.

    A gestualidade acionada provinha do repertrio j adquirido pelos atores. Em sua

    relao com os textos falados, privilegiou-se a economia, a preciso entendida em seus dois

    significados, de clareza e de necessidade.

    HISTRIA DE AMOR, 2006

    Essa encenao foi resultado da iniciativa dos alunos Karen Coelho e Iury Leite,

    desejosos de levar adiante os contedos trabalhados na disciplina de Expresso Corporal III,

    aplicando-os no conto de Heiner Muller.

    A simplicidade do enredo5 possibilitou a busca por uma narratividade corporal que

    atuasse numa linha paralela ao texto verbal e estabelecesse uma escrita vinculada aos

    sentimentos e contradies internas dos personagens. Histria de amor afirma aspectos j

    5 Em Berlim Oriental, um estudante e uma operria se conhecem numa estao de metr e aps alguns encontros sempre reticentes acabam por se apaixonar. Ela engravida, ele no quer a criana e ela o abandona.

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    estabelecidos da Pesquisa, como a construo de partituras de movimentos atravs de

    improvisaes, a nfase na corporeidade como canal privilegiado de comunicao com o

    espectador e o estabelecimento claro da separao entre ator e personagem, produzindo uma

    forma especfica de atuao e recepo, que neste caso, pode-se chamar de crtico-potica.

    A aplicao de certos conceitos brechtianos conduziu o trabalho a uma via de

    experimentao que valoriza a intensificao constante de conflitos e contradies e ainda a

    produo de espaos que possibilitam ao espectador atravessar a superfcie da histria,

    identificando a prpria estrutura narrativa e os impulsos para a criao. Evita-se, assim, a

    reduo da histria ao acontecimento do palco, ao tempo cronometrado da representao. Foi

    importante para a Pesquisa confirmar que uma encenao com vrios elementos de

    distanciamento, como o uso pelos atores dos pronomes na terceira pessoa, dos verbos no

    tempo pretrito e de uma gestualidade claramente partiturizada de carter no realista,

    mantm sua atuao presentificada e verossmil e, mais do que isto, com forte carga afetiva.

    NS SOMOS OS PROPOSITORES, 2006

    Com as Cartas trocadas entre Lygia Clark e Hlio Oiticica, de 1964 a 1974.

    Atenta ao carter de singularidade presente no prprio ttulo das encenaes j

    realizadas pela Pesquisa, que carregam o nome de seus autores, e vivamente impressionada

    com a fisicalidade expressiva dos alunos ao responderem a propostas de exerccios sensoriais,

    do contedo programtico da disciplina de Expresso Corporal I6, propus-me ter como foco

    investigativo as implicaes estticas dos procedimentos gestuais que acompanham os relatos

    de natureza pessoal, sendo esses ativados em sua memorialstica pelas experincias sensoriais.

    A literatura epistolar pareceu-me ser o material de que precisava.

    As questes da decorrentes so: com que gestos o ator manifesta sua corporeidade ao

    enunciar um texto cujo autor, no momento da sua elaborao est no ato da escrita; como (por

    que caminhos) a sensorialidade manifesta de Clark e Oiticica reverbera na sensorialidade dos

    atores pesquisadores, tornando possvel a sua manifestao atravs de uma gestualidade

    elaborada como partitura cnica performtica.

    Tendo como objetivo geral instalar em cena o jogo teatral em que os atores,

    dominando o contedo literrio e o estilo de atuao rapsdica e utilizando diferentes

    6 Sou responsvel pelas disciplinas de Expresso Corporal na Escola de Teatro da UNIRIO. No momento ministro ECO I e ECO III.

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    procedimentos gestuais e de enunciado verbal, pudessem improvisar diante dos espectadores a

    estrutura da prpria performance, de acordo com impulsos ativados pelo canal da

    sensorialidade, procurei respostas utilizando os seguintes procedimentos:

    Leitura em conjunto das cartas, realizada pela orientadora ou pelos atores

    pesquisadores, em voz alta, todos sentados.

    Leitura realizada pela orientadora com os atores pesquisadores j em movimento;

    apresentao de performances preparadas fora dos encontros, a partir de cartas

    selecionadas ao acaso ou por escolha da orientadora e/ou dos bolsistas;

    Relatos performticos das experincias cnicas, em que os atores pesquisadores

    fisicalizavam suas impresses sobre o que haviam realizado. Isto poderia se dar logo

    aps a improvisao matriz, ou os atores redigiam uma espcie de confessionrio que

    era depois transformado em cena;

    Estmulos sensoriais: msica e objetos, sendo estes preferencialmente para o paladar e

    olfato;

    Leitura em conjunto de crticas sobre a obra de Clark e Oiticica, que imprimiam

    princpios para os movimentos a serem realizados logo a seguir; reflexes tericas

    sobre o prprio trabalho j realizado, logo aps o que os atores passavam ao

    movimento.

    Cada encontro tem valor como evento teatral levado a efeito, sendo inclusive assistido

    por um ou mais espectadores, que, a exemplo de Lygia Clark, chamamos de propositores,

    por sua participao efetiva nas performances realizadas.

    As respostas corporais e textuais dadas pelos bolsistas pesquisadores metodologia

    empregada apontaram para resultados performticos no esperados e bastante distintos do j

    experimentado. Isto d a medida da singularidade das suas criaes, do seu grau de

    envolvimento psicofsico, da sua adeso efetiva na busca de uma linguagem especfica para a

    teatralizao das imagens ativadas internamente e que ganham o espao fsico da cena teatral.

    MULHERES SUICIDAS7, 2007

    Fui atrada pelo ttulo do livro: Gerao 90: os transgressores, organizado por

    Nelson de Oliveira. Para esta coleo, Oliveira selecionou os autores alinhados com algum

    7 Performance resultante da etapa atual da Pesquisa, inspirada em textos de diversas autoras, colhidos em pgina na internet com o nome de Escritoras Suicidas.

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    vis da transgressividade literria. Para uma literatura transgressora, avessa aos cnones

    literrios, almejo cena e corpo tambm transgressores. A questo que me move esta: o que

    um corpo transgressor ou como se chegar a um estado de percepes alteradas ou de

    ultrapercepo? Busquei na prpria narratividade a chave que possibilitasse o transporte do

    conhecido para o des-conhecido, da simples figurao para o des-figurado.

    Nada de excepcional ou de novo na pedagogia do teatro: aos movimentos que os

    atores criavam, acrescentavam-se falas conectadas com: aquilo que o ator faz, aquilo que o

    outro ator faz, aquilo que o ator imagina que possa fazer, aquilo que o ator imagina que o

    outro possa fazer. So, no mnimo duas camadas de ao, verbal e gestual, ininterruptas. Digo

    no mnimo, porque a ao mais interna, que alguns chamam de estado profundo est

    subjacente a tudo isso, acrescida das diversas camadas de entendimento daquele que v-ouve:

    o outro ator e o espectador. O acontecimento cnico que se processa nesta modalidade de

    atuao rapsdica acaba por fazer re-significar cada movimento, criando diversas camadas de

    representao teatral. Essa ampliao nos aproxima de modo satisfatrio, mas no completo,

    de uma atuao gestual e narrativa no cannica. O encaminhamento da pesquisa persegue

    este estatuto.

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