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Atualização daDoença de Chagas

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(*) Clínica de Ritmologia Cardíaca do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. E-mail: [email protected]

Figura 1 - Mapa da América Latina mostrando a distribuição daDoença de Chagas.

Figura 2 - Presença de Triatoma infestans no Brasil e sua evo-lução através dos anos.

Doença de Chagas naAmérica LatinaDr. Silas dos Santos GALVÃO FILHO(*)

O mal de Chagas é uma doença de naturezaendêmica, de evolução geralmente crônica, causa-da por um parasita, o Tripanosoma cruzi, e trans-mitida ao homem e a outros animais através de uminseto hematófago triatomíneo. Foi descoberta pelopesquisador brasileiro Carlos Chagas em 1909.

Existem por volta de 18 milhões de pessoasinfectadas e 80 milhões em risco potencial de infec-ção. A cada ano, 300 mil novos casos são apresen-tados e aproximadamente 20 mortes são produzidas,um bom número delas subitamente. Praticamente todosos países da América Latina têm pacientes com estaafecção, que hoje já alcançou também vários estadosdos Estados Unidos devido aos fenômenos imigratórios(figura 1). Amplamente difundida por toda a AméricaLatina, somente no Brasil se calculam os pacienteschagásicos entre 3 e 5 milhões.

O enfoque para o controle da doença é múlti-plo, começando pelo esclarecimento em nível dapopulação geral sobre os riscos desse processo, ocombate ao agente transmissor (o barbeiro) e a me-lhoria das condições das residências, já que, exce-to na doença silvestre, o barbeiro se aloja funda-mentalmente nas casas precárias de barro, palha epau-a-pique.

No Brasil, a distribuição do Triatoma infestansé muita ampla, mas tem sido localizado fundamen-talmente no sudeste do país. Sua presença foi di-minuindo, tal como pode ser observado na figura 2.Também, como se observa na figura 3, a presençano Estado de São Paulo foi sendo reduzida com odecorrer dos anos e as sucessivas campanhas nessesentido.

Quanto a nossa experiência pessoal, apresen-tamos, no XXVIII Congresso de Cardiologia do Es-tado de São Paulo, o papel do estudo eletrofisioló-gico para prever um evento arrítmico potencialmen-te fatal em pacientes chagásicos portadores de umcardioversor-desfibrilador implantável (CDI).

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Figura 3 - Presença de Triatoma Infestans no estado de São Paulo. Em 1951, no mapa da esquerda, e entre 1985 e 1999, à direita,observando-se uma destacada redução neste último.

Nesse estudo, foram incluídos 66 pacientes comdoença de Chagas com idades de 55.5±14.8 anos,53% do sexo masculino, que foram seguidos 34.6±12.1meses. A população foi dividida em dois grupos.Grupo I, 41 pacientes (62%), em quem foi induzidauma TV mal tolerada, e um grupo II, com induçãode uma TV bem tolerada ou não indução de TV (25pacientes, 38%). Foram levados em consideraçãotodos os eventos arrítmicos registrados na memóriado CDI e considerados como TV de alta respostaos episódios primários que se produziram na áreaterapêutica de fibrilação ventricular (freqüência car-díaca >180/minuto).

No grupo I, de TV induzida mal tolerada, com 41pacientes, 9 pacientes (21%) tiveram TV de alta fre-qüência e 32 pacientes (79%) não padeceram da

arritmia. No grupo II, com 25 pacientes, 48% tiveramTV de alta freqüência e 13 pacientes (52%) nãopadeceram da arritmia.

O estudo teve uma sensibilidade de 43%, especi-ficidade de 29%, um valor preditivo positivo de 22%e valor preditivo negativo de 52% para identificar ospacientes que evoluiriam com TV de alta freqüência.

CONCLUSÃO

Sem dúvida, a luta contra esta doença tem queser estabelecida em todos os terrenos em que forpossível. Nossa função de eletrofisiologistas é a pre-venção e o tratamento das arritmias cardíacas, e oestudo eletrofisiológico pode ter um papel importantenesse sentido.

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Cálculo da magnitude e custos

Calcula-se que aproximadamente 100 milhõesde pessoas na América Latina morem em áreasendêmicas com alto risco de contrair essa doença;por sua vez, cerca de 16 milhões se encontram infec-tadas pelo Tripanosoma cruzi; destes, aproximada-mente três milhões apresentam alguma das manifes-tações da cardiopatia Chagásica (CMCh).

A prevalência dessa parasitose se caracterizapor não ser uniforme ao longo do continente america-no; na Colômbia, por exemplo, estima-se entre 5-22por cada 100 habitantes de acordo com as diferentesáreas geoepidemiológicas do país.

A proporção de pacientes infectados portadoresda ECh que são dependentes de um MP não estáclaramente definida, mas, se considerar-se que pelomenos 10% dos pacientes podem ter manifestaçõesclínicas de disfunção do nodo sinusal (variação entre8 e 30%), significa que 300.000 pessoas na AméricaLatina terão significativas alterações para requerê-lo.

As implicações de custos para os sistemas desaúde são enormes dado que só o custo do dispo-sitivo para atender essa população, sem contar aten-dimento médico complementar e hospitalização, seriapor volta de U$ 300 milhões de dólares. Por outrolado, não há uma capacidade instalada para atenderum afluxo de pacientes de tal proporção nem existeo diagnóstico oportuno e seguro dos transtornos doritmo nesta doença. Um cálculo pela OMS de U$1,200 milhões de dólares anuais em gastos relacio-nados com o atendimento médico de pacientes comECh na América Latina é de proporção tão significa-tiva que os gastos relacionados com o implante dedispositivos fica incluído nessa cifra sem que se pos-sa precisar no momento quanto é a porcentagemrelacionada especificamente ao MP (tabela I).

Fisiopatologia da lesão ao sistema de conduçãona doença de Chagas

O Tripanosoma cruzi produz lesão miocárdica edo sistema de condução. A lesão do nodo sinusal é

INTRODUÇÃO

A cardiopatia chagásica constitui uma das prin-cipais causas na América Latina de implantação dedispositivos de estimulação cardíaca. Esta doençaparasitária endêmica do continente americano ga-nhou importância não apenas pela grande quantida-de de pessoas infectadas, aproximadamente 16 a 18milhões, mas também pelo fenômeno epidemiológicogerado pelo deslocamento do parasita e seus vetorescorrespondentes das áreas rurais para as grandescidades, causando a urbanização da doença, a do-miciliação dos vetores e o acentuado aumento dehóspedes intermediários humanos.

Adicionalmente, os deslocamentos forçados pormotivos sociais ou por conflitos armados das popula-ções nativas americanas, bem como os processos demigração à América do Norte, obrigaram não somen-te os sistemas de saúde da América Latina mas tam-bém os dos Estados Unidos e do continente europeua tomar uma posição mais ativa com relação às ati-vidades de prevenção, diagnóstico e tratamento dadoença de Chagas (ECh), assim como a consideraro impacto dos custos de tratamento desta parasitose.

A necessidade de unificar recomendações eguias de conduta clínica próprias para a AméricaLatina, baseadas no variado comportamento epide-miológico, imunológico e clínico (compromisso elé-trico diverso) da doença chagásica, em especial naAmérica Central e do Sul, levou a questionar-sesobre a aplicabilidade e a validez da homologaçãofeita das indicações de implantação de marcapassos(MP) e outros dispositivos de estimulação no pa-ciente nativo com ECh, a partir das recomendaçõese guias de conduta emitidas pelas sociedades cien-tíficas européias e norte-americanas.

O MP não é uma solução do problema masparte do problema, de uma patologia que se reves-te de um comportamento clínico variado e muitoparticular, que a torna muito mais complexa queoutras doenças que comprometem o sistema elétri-co de condução cardíaca.

(*) Cardiologista-eletrofisiologista, Hospital Militar Central, Bogotá. Hospital Santa Sofia de Caldas, Manizales, Colômbia. E-mail: [email protected]

Marcapassos naDoença de Chagas

Dr. Diego Ignacio Vanegas CADAVID(*)

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TABELA IMARCAPASSO CARDÍACO NA CARDIOMIOPATIA CHAGÁSICA

MAGNITUDE DO PROBLEMA NA AMÉRICA LATINA

• 200.000 novos casos de doença de Chagas no ano 2000.

• 22.000 mortes anuais.

• 1,200 milhões de dólares por ano em gastos de atendimentomédico (OMS).

• 30% dos soropositivos desenvolvem alterações cardiovasculares,20% deles fazem cardiomiopatia chagásica.

• Prevalência global é de 10%, mas em zonas rurais pode sertão alta quanto 25 a 75%.

• Na Colômbia, calcula-se que 5% da população do leste dopaís esteja infectada, o que corresponde a 700.000 indiví-duos, dos quais 25% poderão desenvolver cardiomiopatiachagásica.

• Nas áreas endêmicas da Colômbia, a taxa de prevalênciavaria de 21,1 por 100 habitantes a 5,2.

• Morte por Chagas em áreas endêmicas é da ordem de 200por cada 100.000 habitantes.

produzida por infiltração inflamatória, com atrofia emiocitólise, bem como substituição fibrosa e de gor-dura, que destrói não só o nodo sinusal mas tam-bém o tecido de conexão atrial, de maneira tal quea disfunção sinusal que acompanha a doença desdeseus primeiros estágios é explicada pela soma dealterações nas células automáticas e os bloqueiosperisinusais; contudo, devem somar-se as alteraçõesdo sistema nervoso autônomo. Uma neurotoxina detripanossomas mortos produz neurofagia com lesãodos cilindros axônicos neuronais causando dener-vação autonômica do nodo sinusal e do coração.

O sistema de condução também pode ser infil-trado por histiócitos e monócitos produzindo-sefragmentação e lesões difusas e generalizadas dascélulas especializadas de condução e substituiçãopor tecido gorduroso e fibroso. Isso gera transtor-nos de condução, principalmente no ramo direito eno hemifascículo anterosuperior esquerdo, produ-zindo o clássico transtorno eletrocardiográfico. Obloqueio do ramo esquerdo é menos freqüente.

A disfunção do nodo sinusal pode apresentar-se isolada ou associada a transtornos de conduçãoA-V (até uns 25%) e arritmias ventriculares. Nessescasos, a evolução eletrocardiográfica rumo a ummaior compromisso se associa a notáveis mudançasestruturais e maior afecção clínica. Quando a disfunçãodo nodo sinusal se apresenta isolada sem altera-ções da condução A-V ou arritmias ventriculares,existe uma alta probabilidade de realizar estimulaçãopreferencialmente atrial com possibilidade de con-dução intrínseca suportada com estimulação ventricularquando necessário. Em outros casos, a disfunção donodo sinusal associada a transtornos da conduçãoA-V requer a utilização de estimulação atrioventricularou desfibrilador quando se documentam arritmiasventriculares associadas.

A lesão grave do nodo atrioventricular é raradevido a que as lesões inflamatórias e degenerativasse encontram preferencialmente nas porções distaisdo sistema de condução ou distais à porção pene-trante do nodo. O bloqueio A-V completo observa-do na CMCh é principalmente intra-hisiano, ou dosistema de condução intraventricular.

As infiltrações crônicas são as responsáveis pe-las alterações elétricas da condução mas, na faseaguda da doença, também pode apresentar-se blo-queio A-V de II e III grau, sendo estas de mal prog-nóstico. Entre 37 e 50% dos pacientes com infecçãoaguda apresentam alterações eletrocardiográficascomo bloqueio A-V de primeiro grau, anormalidadesda repolarização ventricular e de baixa voltagem.

A utilidade dos marcapassos se centra na fasecrônica da doença e suas indicações vão desde adisfunção sinusal isolada à associada com bloque-ios A-V e/ou transtornos de condução intraventricular.

Epidemiologia Molecular

Posto que nem todos os pacientes infectadospelo Tripanosoma cruzi desenvolvem cardiomiopatiacom os conseqüentes transtornos elétricos, cabe per-guntar: quais pacientes o sistema de conduçãoafetará? Como saber de maneira pré-determinadaquais serão os cardiopatas? A epidemiologia mo-lecular determinou recentemente que existem dife-rentes espécies de tripanossomas com caracterís-ticas antigênicas e ecológicas que determinam va-riável lesão do miocárdio e de seu sistema elétrico.Os tripanossomas foram tipificados pelo tipo decadeias antigênicas encontradas em seu DNA. Fo-ram divididos em Tripanosoma cruzi Tipo I ou zimo-dema I e os Tripanosomas cruzi tipo II ou zimodemaIIa-IIe; estes últimos afetam principalmente os paí-ses do cone sul, onde é mais prevalente a afecçãodo cólon e do esôfago enquanto que o T. cruzi tipoI ou zimodema I afeta o miocárdio e se localizaprincipalmente nos países do norte da América doSul e América Central. A capacidade de intercâm-bio genético dos tripanossomas de uma mesmaregião oferece a possibilidade de várias entidadescom características geoepidemiológicas e genéti-cas diferentes.

Características gerais e proporção de pacientescom cardiomiopatia que requerem implante deMP

O implante de MP nos pacientes afetados deCMCh é variável e depende de diversos fatores,entre os quais se encontram os sintomas do paci-ente, a facilidade de acesso a sistemas de saúdecom “sensibilização” para o tratamento desses pa-cientes, o tipo de exames realizados para desmas-carar ou diagnosticar apropriadamente os transtor-

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TABELA IICAUSAS PRINCIPAIS DE IMPANTE DE MARCAPASSOS EM

PACIENTES COM CARDIOMIOPATIA CHAGÁSICA

1. Disfunção do nodo sinusal 52%

2. Bloqueio A-V de segundo e terceiro grau 26%3. FA bloqueada ou bloqueio trifascicular 21%

Extraído de Rodríguez D. Marcapasos en la enfermedad de Cha-gas. En Rosas F., Vanegas D., Cabrales M. (Editores). Enfermedadde Chagas. Sociedad Colombiana de Cardiología. Primera Edición.2007.

TABELA IIIINDICAÇÕES DE MARCAPASSOS EMCARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICA

INDICAÇÃO CLASSE I, NÍVEL DE EVIDÊNCIA C

• Bloqueio A-V de segundo grau avançado e de terceiro grauassociado a:

a) Bradicardia sintomática (incluindo falha cardíaca) atribuívelao bloqueio A-V.

b) Arritmias que requerem fármacos indutores de bradicardiasintomática.

c) Assistolia maior ou igual a 3 segundos ou qualquer ritmo deescape < a 40lpm (Nível de evidência B, C).

d) Posterior a ablação ou modificação por radiofreqüência doNodo A-V (Nível de evidência B, C).

e) Bloqueio A-V pós-operatório que não se espera ser resolvidodepois de cirurgia cardíaca.

f) Doença neuromuscular com bloqueio A-V, assintomático ousintomático.

• Bloqueio A-V de segundo grau com bradicardia sintomática(Nível de evidência B).

nos do ritmo cardíaco, o tempo de evolução dadoença, a magnitude da afecção cardíaca, o segui-mento em clínicas especializadas que permitemavaliar reiterativamente as mudanças clínicas dospacientes, etc.

Na Colômbia, a porcentagem de pacientes comdiagnóstico de CMCh que recebem ou são porta-dores de MP cardíacos flutua entre 9 e 50%. Nãose conhece, contudo, qual é a proporção de pacientesna população global de infectados que deveramser portadores desses dispositivos.

Todos os dados anteriores devem ser considera-dos no contexto do amplo espectro da doença e, emespecial, da subvalorização da proporção de pacientescom características subclínicas, sintomas mínimosou intermitentes. Os grupos etáreos que mais freqüen-temente precisam do implante de MP são os com-preendidos entre 40 e 70 anos de idade.

Indicações de implante de MP na CCh

A afecção do nodo sinusal é a causa mais fre-qüente seguida pelo bloqueio A-V completo, pelobloqueio trifascicular e pela fibrilação auricular blo-queada (tabela II). Deve-se considerar que muitospacientes têm uma disfunção sinusal ou uma reser-va de condução alterada mas sem maiores reper-cussões clínicas, as quais chegam a aparecer como início de fármacos para a condução de arritmiasou de outra comorbilidade. Beta-bloqueadores, amio-darona, cálcio antagonistas podem desmascararalterações na geração e/ou condução do impulso.

As indicações atualmente aceitas para implantede MP na CMCh estão homologadas pelos guiasamericano e europeu. Considera-se, de maneira geral,que um paciente com ECh, segundo critérios da OMS,deve receber um implante de MP como indicaçãoClasse I, nível de evidência C, quando apresentabradiarritmias significativas e sintomáticas, nas quaisse incluem as anormalidades causadas pela disfunçãodo nodo sinusal e os bloqueios A-V (tabela III).

Existe uma longa lista dessas anormalidades,que foram compendiadas pelo grupo de trabalho

conjunto da ESC/AHA/ACC dedicado a implante dedispositivos e suas indicações. Algumas indicaçõesclasse IIA e IIB se basearam na freqüência ou in-cidência da progressão da cardiomiopatia isquêmicaou idiopática sem considerar que a ECh tem umaprogressão diferente.

Nos estudos de Rassi, et al., demonstrou-se queo seguimento em 10 anos de pacientes com bloqueioA-V completo em quem não foi implantado um MP,independentemente do tipo de ritmo de escape ou dapresença de disfunção ventricular esquerda, tem umamaior mortalidade. Além disso, registrou-se que al-guns pacientes com ECh portadores de MCPbicamerais com boa fração de ejeção têm um com-portamento arritmogênico pior que em outras doen-ças, dando ênfase em que essa entidade nosológicaé definitivamente diferente de outras. Nem a cardiopatiaisquêmica nem a cardiomiopatia dilatada idiopáticaexibem uma resposta inflamatória tão profusa e per-manente como a CMCh. Nesta, a lesão imunológicaestá dirigida, por antigenicidade cruzada, ao sistemaelétrico cardíaco e muscular cardíaco, situação dife-rente daquela das outras entidades.

Diante da dúvida em realizar um implante de-vem ser efetuados estudos não invasivos mais rei-terativos e/ou invasivos para estabelecer a neces-sidade. Também se faz necessário o seguimentode coortes de pacientes com ECh para precisar sealgumas indicações da Classe II A, II B e III da ESC/AHA/ACC são homologáveis a pacientes com EChse, ao contrário, deveriam ser considerados comoindicações Classe I ou II (tabelas IV, V, VI).

MP bicamerais versus unicamerais em CCh

A proporção de implantes de MP unicameraisem pacientes com CMCh é maior que bicamerais.

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TABELA VIINDICAÇÕES DE MARCAPASSOS

EM CARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICACLASSE III

1. Bloqueio A-V de primeiro grau assintomático (Nível de evi-dência B).

2. Bloqueio AV de segundo grau Mobitz I, assintomático (Nívelde evidência B, C).

3. Bloqueio A-V transitório que se espera ser resolvido, combaixa probabilidade de recorrência (toxicidade por drogas,doença de Lyme) e/ou durante hipóxia na síndrome de apnéiado sono na ausência de sintomas.

TABELA VINDICAÇÕES DE MARCAPASSOS

EM CARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICACLASSE IIB

1. Bloqueio A-V de primeiro grau com PR >300 mseg em paci-entes com disfunção do ventrículo esquerdo e sintomas defalha cardíaca nos que o intervalo A-V mais curto produzmelhora hemodinâmica (Nível de evidência C).

2. Doenças neuromusculares com algum grau de bloqueio A-Vcom ou sem sintomas (Nível de evidência B).

TABELA IVINDICAÇÕES DE MARCAPASSOS

EM CARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICAINDICAÇÕES CLASSE IIA

1.Bloqueio A-V de terceiro grau assintomático, em qualquer lo-calização anatômica, com freqüência ventricular em vigília de40 lpm ou mais, especialmente na presença de cardiomegaliaou disfunção ventricular esquerda (Nível de evidência B, C).

2.Bloqueio A-V de segundo grau Mobitz II com QRS normal(Nível de evidência B).

3.Bloqueio A-V de segundo grau Mobitz I, assintomático, infraou intra-hisiano, observado em um estudo eletrofisiológicorealizado por outras indicações (Nível de evidência C).

4.Bloqueio A-V de primeiro ou segundo grau com sintomas simi-lares aos da síndrome de marcapasso (Nível de evidência B).

Muito freqüentemente, a decisão se baseia não nasindicações técnicas específicas mas na tendência aempregar dispositivos mais baratos por restriçõesimpostas pelos sistemas de saúde públicos e priva-dos. Outra consideração faz referência a que o im-plante do MP unicameral é “mais fácil”; no entanto,é fundamental considerar a progressão das anorma-lidades no automatismo e na condução elétrica.

Dessa forma, quando se trata de um implantede MP em um paciente com doença de Chagas éimportante pensar no presente mas também no futuro,especialmente se levar-se em consideração queesse paciente pode desenvolver anormalidades dacondução A-V (no caso de implantar-se um dispo-sitivo AAI) ou fibrilação auricular que requeira tra-tamento invasivo como a ablação do nodo A-V.

É também necessário ter em mente a tendên-cia evolutiva a desenvolver cardiomiopatia dilata-

da, em cujo caso a falta de um eletrodo atrial po-deria ser um fator adverso.

Por outro lado, o MP unicameral foi associadoa uma maior incidência de fibrilação auricular, falhacardíaca e hospitalização em comparação com osportadores de MP bicamerais, como se deriva dosestudos MOST e PASE. Não existem, todavia, esta-tísticas específicas em pacientes com CMCh e emque proporção os pacientes portadores de MPunicamerais se diferenciam clinicamente dos porta-dores de bicamerais ou como os transtornos dacontractilidade e da hemodinâmica se alteram pre-ferencialmente nos primeiros ou por igual em ambosos grupos.

Rassi et al. pesquisaram a importância de que oMP implantado em pacientes chagásicos tenha pelomenos um sensor de freqüência para melhorar aclasse funcional e reduzir a incidência de extrassistoliaventricular. Por outro lado, as bradiarritmias se asso-ciam a arritmias ventriculares e, em 17% dos pacien-tes com disfunção do nodo sinusal, pode induzir-seTV sustentada.

Em geral, deve ser considerada como primeiraopção de implante um MP DDD-R baseados napossibilidade do desenvolvimento de bloqueios A-V. As alterações vagais da CCh podem requererdas funções especiais de estimulação – como aque-las úteis em pacientes com síncope neurocardio-gênica cardioinibitória e também a muito freqüenteexistência de incompetência cronotrópica associa-da a arritmias ventriculares – a importância dadetecção de arritmias atriais.

Os MP unicamerais devem contemplar a fun-ção de aumento modulado da freqüência cardíacaou destinar-se aos pacientes com comorbilidadeimportante, limitados por acidente vascular cere-bral prévio, e perspectiva pobre de sobrevida. Ospacientes em falha cardíaca que cumprem critériospara condução com terapia de ressincronizaçãocardíaca com ou sem desfibrilador devem ser con-templados nessa opção.

Utilidade dos MP na CCh

Desde os tempos de Carlos Chagas é indubitávelque o MP tem benefícios clínicos e sociais que nãopodem ser avaliados; o próprio Chagas faz referên-cia à necessidade de classificar a doença e definira cardiopatia como uma forma da doença com altamortalidade quando se apresenta a assistolia: “nãoem casos infreqüentes, alguns pacientes apresen-tam crise aguda de assistolia terminando em morteem vários casos”.

O estudo de Rassi et al. da sobrevida em pacien-tes com ECh crônica e bloqueio A-V confirmou agravidade das observações feitas por Chagas e afir-

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ma que o MP muda o curso natural da doença aoreduzir a morte súbita arrítmica em pacientes com esem cardiomiopatia dilatada, modificando adicional-mente a qualidade de vida e os sintomas. Na pon-tuação de risco para morte súbita em ECh, abradiarritmia severa causada pelo bloqueio A-V e/ou a disfunção do nodo sinusal se encontram dentrodos preditores maiores junto à disfunção ventricularesquerda, a TV não sustentada e sustentada, a sín-cope e a reanimação de parada cardíaca.

O MP no paciente chagásico permite, além disso,a documentação de múltiplas arritmias através doseletrogramas intracavitários. São freqüentes a detecçãode arritmias atriais tipo fibrilação atrial, comportamen-to da arritmia depois de tratamento farmacológico,paroxismos recorrentes versus cronicidade, etc.; adiscriminação de arritmias supraventriculares deventriculares; a detecção de arritmias ventricularesassintomáticas ou sintomáticas, detecção de causade morte, etc.

Atualização de MP VVI a DDD

No estudo MOST sobre 2010 pacientes aleato-rizados a VVI-R ou DDDR por doença do nodosinusal, o seguimento em 33 meses demonstrou

uma menor incidência de FA 21% no grupo DDD-Rque no VVI-R, assim como uma taxa mais baixa defalha cardíaca e hospitalização por essa causa.

A atualização de MPs unicamerais VVI-R abicamerais está indicada quando exista atividadeelétrica auricular e quando os pacientes experimen-tem sintomas relacionados com síndrome de MP(fadiga ou dispnéia não específicas) ou falha car-díaca. Deve ser contemplada, outrossim, quandoexiste esgotamento do gerador naqueles pacientesem que existe atividade auricular, encontram-se emboa condição fisiológica e nos quais há perspecti-va de que a aurícula requeira seguimento ou esti-mulação por vários anos, bloqueio AV em pacien-tes com MP AAI, síncope neurocardiogênica ouhipersensibilidade carotídea.

No entanto, deve ser considerado que nem to-dos os pacientes com VVI obterão o mesmo bene-fício, o que é visto primordialmente quando se atua-lizam MP VVI-R a DDDR em pacientes que se en-contram em boa classe funcional. Por outro lado, asíndrome de MP é mais freqüente em pacientes quereceberam MP VVI-R (15-70%), embora possa apre-sentar-se em MP DDD como conseqüência de umamá programação.

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TABELA IESC GUIDELINES (ATUALIZAÇÕES) AGOSTO 2007

Ressincronização ventricular

Classe I (nível A): CF III (NYHA), otimização terapêutica, FE< 35%, VE dilatado e QRS > 120ms.

Ressincronização ventricular com CDIClasse I (nível B): mesmos critérios, sobrevida estimada com

bom controle clínico de mais de 1 ano.

Terapia de Ressincronização Cardíacana Miocardiopatia Dilatada Chagásica

Fernando Mello PORTO(*)

(*) Coordenador do serviço de arritmia e marcapasso da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, médico do Grupo de Arritmia Campinas.Endereço para correspondência: Rua Américo Brasiliense, 333. CEP: 13025-230. Campinas - SP - Brasil. E-mail: [email protected]

Referências sobre estimulações com marcapassosem distintos sítios dos ventrículos e a respostahemodinâmica ocorrida nesses pacientes existemdescritas na literatura desde a década de 1960, po-rém relatos clínicos de implantes em sítios simultâne-os gerando ressincronização das câmaras ventricularesforam inicialmente realizados por Cazeau e colegas,publicados em 1994. Atualmente, há níveis de evi-dência que suportam as indicações comuns de TRC,em relação à melhora da qualidade de vida e aumen-to da sobrevida, apoiadas por vários estudosrandomizados e multicêntricos na literatura.

Porém, a população de pacientes portadoresde miocardiopatia chagásica não esteve presentenesses estudos, devido ao fato de que essa popula-ção, na sua grande maioria, habita países latino-americanos, que nesses grandes estudos multicên-tricos não tiveram participação e pelo fato tambémde os pacientes randomizados serem portadoresde bloqueio de ramo esquerdo, que pode ocorrerno paciente portador da Doença de Chagas, masnão é a forma clássica de distúrbio de conduçãopelos ramos.

Na literatura atual, existem poucos relatos deséries de pacientes portadores de miocardiopatia di-latada chagásica submetidos à TRC.

De acordo com as novas diretrizes européias(European Society of Cardiology), publicadas emagosto de 2007 (tabela I), as indicações de ressincro-nização ventricular incluem pacientes com classefuncional (New York Hearth Association) III e IV,fração de ejeção menor que 35%, dilatação ventri-cular esquerda e intervalo QRS ao eletrocardiogramamaior que 120ms, havendo uma maior abrangênciade indicações, incluindo-se assim uma imensa po-pulação de pacientes portadores da miocardiopatiadilatada chagásica com insuficiência cardíaca dedifícil controle clínico.

Nessas diretrizes européias não foram incluídosmétodos de análise de dissincronismo ventricular,como ecocardiograma tecidual ou ressonância mag-

nética cardíaca, para indicação de TRC, fato quegera muita controvérsia entre especialistas emestimulação cardíaca, sendo que muitos apoiam quepacientes com QRS entre 120 e 150ms devem teruma prova da dissincronia ventricular através des-ses exames. Porém alguns afirmam que os valoresdesses métodos ainda não são totalmente aceitos, enão há ainda estudos com nível de evidência sufi-ciente para avaliar o grau de dissincronismo por taismétodos e identificar pacientes responsivos ou nãoà TRC.

Portanto, a TRC na miocardiopatia dilatadachagásica é promissora, pois existem pacientes por-tadores de bloqueio de ramo esquerdo, dependen-tes de marcapassos cardíacos com necessidade deestimulação ventricular permanente, gerando dissin-cronismo ventricular com intervalos QRS muito alar-gados, e a forma comum nessa miocardiopatia, queé o bloqueio de ramo direito associado ao bloqueiodivisional ântero-superior. Neste último exemplo, talvezdevamos buscar maior comprovação de dissincronismoventricular, pois os grandes estudos encontrados emliteratura, como já citado anteriormente, foram apli-cados em pacientes portadores de bloqueio de ramoesquerdo.

Senso assim, estamos frente a muitas pergun-tas em relação à TRC na miocardiopatia chagásica:

- na necessidade de estimulação cardíaca ventri-cular convencional no paciente com insuficiênciacardíaca, devemos ressincronizar ou implantarmarcapassos VVI ou DDD, com risco de piora da

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dissincronia ventricular e consequentemente da in-suficiência cardíaca?

- havendo indicação de ressincronização ventricularclássica, quando associar desfibrilador, pois a estra-tificação de risco de morte súbita nesses pacientesainda nos leva a muitas dúvidas?

- e nos pacientes com BRD com BDAS, busca-mos provas de dissincronismo ventricular por qual

método preferencial? Devemos contra-indicar a TRCbaseados nesses métodos?

São muitas dúvidas e desafios, porém somenteo tempo e a experiência nos trarão respostas, edevemos ter em mente que a TRC é uma formaválida e cabível para muitos pacientes portadoresdessa doença ainda tão comum em nosso meio.

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Ablação Transcateter da TaquicardiaVentricular de Origem Chagásica

(*) Chefe de Eletrofisiologia do Instituto INCOR, São Paulo. E-mail: [email protected]

Dr. Eduardo SOSA(*)

Figura 1 - Taquicardia Ventricular e suas diferentes etiologias. Incor-8 anos.

Farei referência ao problema da TV e suas op-ções terapêuticas na Doença de Chagas. Sem dú-vida, o primeiro escalão terapêutico é constituídopelo tratamento farmacológico, mas não devemosescapar dos numerosos pacientes que não respon-dem a essa terapêutica, dos efeitos tóxicos das dro-gas antiarrítmicas, da necessidade de tomá-las comhorário determinado, da impossibilidade econômicada compra do medicamento, etc. As drogas, em todocaso, têm boa indicação para a prevenção da arritmia.No outro ramo, incluímos o tratamento não farmaco-lógico em sua totalidade. Este compreende os pro-cedimentos ablativos cirúrgico ou transcateter – que,de alguma maneira ao eliminar ou corrigir o substratoarritmogênico, podem ser considerados “curativos” –e os sistemas eletrônicos implantáveis (cardioversor-desfibrilador), que reverterão o episódio uma vezproduzido. É claro que, na década de 1980, o pro-cedimento cirúrgico estava em seu apogeu e, embo-ra a princípio acreditamos que a zona aneurismáticaera a responsável por essas arritmias ventricularesgraves, logo aprendemos que freqüentemente aorigem da arritmia estava longe dela. Como últimamedida quase de exceção, certamente heróica, de-vemos considerar o transplante cardíaco.

No entanto, a ação terapêutica é freqüentementemista ou híbrida, com tratamento farmacológico,ablação cirúrgica ou, melhor ainda, transcateter emuitas vezes o emprego adicional de sistemas ele-trônicos que, em última instância, agirão comosalvaguarda diante da falha dos dois anteriores.

Ablação transcateter

Centrarei minha exposição em nossa experiên-cia de 8 anos com a técnica do título. Tivemos aoportunidade de tratar 598 pacientes com TV. Nafigura 1, estão indicados os pacientes tratados deacordo com distintas patologias. A etiologia maisfreqüente foi a chagásica (46%). Sob a denomina-ção de etiologia não isquêmica, inclui-se uma sériede patologias, como a miocardiopatia dilatada, adisplasia arritmogênica do ventrículo direito, aque-las pós-correção cirúrgica da tetralogia de Fallot, oupós-cirurgia de Batista, algumas doenças valvulares,

pacientes com miocardiopatia hipertrófica, tumorese inclusive TVs idiopáticas. Em nossa série, a TV deorigem isquêmica a segue numericamente, sem dúvidade enorme importância se considerarmos a preva-lência dessa doença.

Mecanismos

Os mecanismos de produção da arritmia sãoclassicamente a reentrada através ou ao redor deuma área de cicatriz, como ocorre majoritariamentena cardiopatia isquêmica ou na doença de Chagas(figura 2). A reentrada interfascicular fundamental-mente na presença de bloqueio de ramo esquerdo,como se observa na miocardiopatia dilatadaidiopática, e os mecanismos focais com aumentodo automatismo, atividade disparada ou micro-re-entradas geralmente não muito bem identificadas.Não obstante, esse mecanismo costuma estar pre-sente na TV de origem chagásica mesmo quandoo mecanismo mais comum nessa patologia seja areentrada ao redor de uma cicatriz.

Em muitos aspectos, a TV relacionada à doençade Chagas é muito similar à TV do infarto póstero-inferior. Em ambas as situações, a parede inferiorpode estar aneurismática. Também no Chagas, foi

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Figura 2 - Ablação de TV em diferentes etiologias.

Figura 3 - Exemplo de tratamento com ablação de TV em pacientechagásico.

Figura 4 - Características histopatológicas das diferentes etiologiasestudadas.

Figura 5 - Mapeamento dos locais mais frequentes de TV nadoença de Chagas.

descrito estreitamento das artérias coronárias quepodem criar zonas isquêmicas. Histologicamente, házonas de tecido miocárdico sobrevivente rodeado pordensas áreas de fibrose que podem ser empregadascomo parte de um circuito reentrante (figura 3).

Se a TV é mapeável, são de utilidade a análiseda atividade elétrica diastólica, seja esta pré-sistólica,meso-sistólica ou contínua (figura 4). Em nossaexperiência com a doença de Chagas, os potenci-ais pré-sistólicos estiveram presentes em 65%, osmeso-diastólicos em 24% e mais raramente obser-vamos presença contínua de atividade elétrica (11%).

Características da TV para a ablação transcateter

Esta deve ser monomórfica, incessante, freqüen-te. Geralmente refratária a outras terapêuticas. Estacondição é especialmente levada em conta em porta-dores de um cardiodesfibrilador. Devem poder serinduzidos, ser mapeáveis durante a avaliação inva-siva de síncope ou de risco de morte súbita.

Antes da intervenção, são de importância a aná-lise do ECG em ritmo sinusal e, se possível, a da TVclínica padecida pelo paciente. E, da mesma manei-ra, efetua-se rotineiramente um ventriculograma paraconhecer as alterações anatômicas, se houver.

Durante a intervenção, nossos objetivos sãodois: a modificação do substrato e a abolição dodisparador.

Se a TV não é mapeável por autolimitar-se oupela rápida deterioração hemodinâmica do pacien-te, então fazemos uso outra vez da observação daatividade elétrica diastólica, da reconstrução anatô-mica com sistema CARTO ou ENSITE-RPM ou do“pace-maping”, procurando reproduzir a morfologiada TV clínica observada no paciente.

Quanto à eliminação do disparador, compreen-de a ação sobre o potencial de Purkinje e a extras-sistolia ventricular.

Em uma série nossa já publicada sobre 57 pa-cientes, conseguimos induzir a TV em 105 oportuni-dades e mapeá-la em 90. A origem da TV no ventrículodireito foi em geral rara (8%) e a maior freqüência seobteve localizando-a na base diafragmática do VI(73%) (figura 5).

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Figura 6 - Ablação por radiofrequencia comparando endocárdicacom epicárdica em diferentes etiologias.

Figura 7 - Técnica de ablação por catéter via epicárdica.

Figura 8 - Curvas de ablação comparando endocárdica/epicárdicacom endocárdica isolada.

Técnica de ablação epicárdica transtorácica

Já em 1995, frente a uma série de observaçõessobre a origem epicárdica da TV de origem chagásicae a impossibilidade de ablacionar com sucesso apartir do endocárdio, decidimos começar com estatécnica. O procedimento é simples, rápido e absolu-tamente seguro. Consiste na punção seca do espa-ço pericárdico. Para isso, empregamos uma agulhaque se usa para anestesia epidural. Atualmente atécnica é muito similar à descrita por Kirkorian paraa drenagem das efusões pericárdicas (figura 6).

Como todo procedimento invasivo, não estáisento de complicações, as quais dividimos emmaiores e menores. As primeiras são definidas comoaquelas que requerem ou finalizar o procedimentoou então outro método para ser controladas. Emnossa experiência, o hemoperitôneo se apresentouem 0,4%, o hemopericárdio (que requereu corre-ção cirúrgica) em 0,8% e a obstrução coronária emum pequeno ramo da artéria circunflexa em 0,4%.As complicações menores também foram escassas:punção seca do VD em 5%, hemopericárdio drenável(200±98ml) em 10% e, a mais freqüente, o desen-volvimento de uma pericardite mínima em 25%.

As aderências epicárdicas em algumas oportu-nidades atentaram para a facilidade da manobrabi-lidade dos cateteres. Também se procura especial-mente evitar a lesão do nervo frênico. A presençade tecido adiposo pode limitá-la ou circunscrever oêxito.

RESULTADOS

Sobre um total de 257 pacientes tratados, 173pacientes corresponderam à etiologia chagásica. Em65%, empregou-se e se deteve a arritmia, a ablaçãoendocárdica e, em 75%, a epicárdica. Quanto à rein-

dução, sobre um total de 100 pacientes, 60 pacientesforam de etiologia chagásica – neles, quase por partesiguais, não se pôde reinduzir em 77% quando seempregou a ablação endocárdica e, em 76%, quan-do foi epicárdica (figura 7).

Na figura 8, estão comparados os resultados daablação quanto a probabilidades de sobrevida livrede eventos empregando um cateter regular de 4 mm.Obviamente a combinação de ablação endo e epi-cárdica supera a via endocárdia sozinha. Os resul-tados com esta combinação são melhores quanto asobrevida livre de eventos nos pacientes com fraçãode ejeção maior que 40%. Contudo, não atinge ain-da significação estatística.

O procedimento demonstrou ser efetivo e segurona maioria dos pacientes. Considerando a comple-xidade e a inestabilidade do substrato arritmogênico,a ablação com radiofreqüência é considerada umprocedimento complementar.

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O sucesso do procedimento resultou na melho-ra da qualidade de vida, mas a sobrevida dependeda cardiopatia e do grau de disfunção do ventrículoesquerdo. Esperamos que a taxa de sucesso au-mente com o uso de novas fontes de energia (crio,laser, etc.) e com as melhorias nos métodos demapeamento.

A abordagem percutânea da TV na cardiopatiachagásica é considerada uma técnica simples, bara-ta e fácil de ser executada. Permite identificar eablacionar arritmias com origem epicárdica que nãopoderiam ser alcançadas a partir do endocárdio. Por-tanto, sua utilidade está relacionada à prevalênciade circuitos epicárdicos. É segura, embora seja ne-cessário levar em consideração a possibilidade delesão coronariana, que, em nossa série, esteve ausenteou foi excepcional.

CONCLUSÕES

Nosso objetivo não é a demonstração do sucessode uma técnica sobre as demais; a ablação epicár-dica pode melhorar os resultados da abordagemendocárdica convencional.

No entanto, existe uma série de razões paraabordar o epicárdio durante o primeiro procedi-mento. A saber: o ECG da TV clínica padecida pelopaciente nem sempre está disponível; ela podeincluir mais de uma TV (endocárdica, epicárdica,etc.); e existe uma sobreposição importante, no ECG,entre a TV endocárdica e a epicárdica.

Por fim, devemos dizer que o êxito da ablaçãosignifica ablacionar todas, absolutamente todas asTV induzidas, e algumas delas podem ser epicárdicas.Sem dúvida, a melhor proposta terapêutica é resol-ver “todas” as TV em um único procedimento.

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Morte Súbita na MiocardiopatiaChagásica: Papel do

Cardiodesfibrilador ImplantávelDra. Elina VALERO(*)

(*) AFACC, Regular Member HRS, Mestre em Ética Biomédica. E-mail: [email protected]

A presença de arritmias na miocardiopatia cha-gásica crônica, embora seja totalmente conhecida,mostra, nos diferentes trabalhos científicos, umagrande dispersão quanto a sua incidência. Assim,a presença de taquicardia ventricular (TV) autolimitadavaria, de acordo com diferentes autores, entre 5%e 72% e a sustentada, entre 1,4 e 6%.

Está totalmente aceito que a presença de umaTV sustentada, ainda assintomática, implica, paraseu tratamento, a indicação do implante de umcardiodesfibrilador (CDI), já que a recorrência éalta, superando 35%. Quanto à prevenção primária,não está totalmente aceito o valor preditivo da TVautolimitada nessa cardiopatia, e isso se deve àgrande variabilidade do “gênio arrítmico” das váriaslinhagens de tripanossomas, ao estágio da doençacom diferente grau de lesão miocárdica, alterandode forma dissímil a função ventricular.

Estudo Eletrofisiológico em pacientes com TVautolimitada

Estudos como o de Ferrara da Silva et al. de-monstram uma induzibilidade da TV sustentada de32% e de fibrilação ventricular, de 5,1%, em pacien-tes com antecedentes de TV autolimitada no registroHolter de 24hs. Embora também se deva destacarque o estudo foi negativo para induzibilidade em37,2% dos pacientes. A análise de regressão logísticamostrou que a indução no estudo eletrofisiológicoera um fator independente e uma variável principalpara predizer eventos subseqüentes e morte cardía-ca (probabilidade de 2,56 e 2,17 respectivamente).O teste chi-quadrado Mantel-Haenszel evidenciouque a probabilidade de sobrevida e o tempo livre deeventos eram significativamente menores no grupoinduzível.

A sobrevida livre de eventos e a porcentagemde sobrevida foram significativamente maiores nospacientes não induzíveis (p=0,007). Ainda que a TVnão sustentada não seja um marcador indepen-

dente de risco de morte súbita, sua presença seassocia a um pior prognóstico. Mas seu tratamentonem sempre melhora a sobrevida.

Rassi A. e col. publicaram recentemente umaanálise multivariada das variáveis prognósticas nes-ses pacientes demonstrando que o sexo masculino,classe funcional (NYHA) III/IV, maior duração do com-plexo QRS, presença de cardiomegalia, disfunçãoventricular esquerda e detecção de TV não susten-tada determinavam um pior prognóstico com signifi-cação estatística em todos os casos (p<0,001).

Registro Latino-Americano LABOR

Em 1995, iniciou-se na América Latina um re-gistro prospectivo voluntário dos pacientes implanta-dos com CDI Biotronik (LABOR) qualquer que fossesua patologia. Na última atualização, em novembrode 2007, haviam sido incluídos 1.254 pacientes pro-venientes de 10 países latino-americanos com 180pesquisadores participantes. Nesta oportunidade, ana-lisaremos 291 pacientes com cardiopatia chagásica,que constituem 23% da população do registro (figu-ra 1). O total desses pacientes, cujas característicasclínicas são analisadas na tabela I, recebeu implan-te por prevenção secundária. O sexo feminino temuma presença importante (40,5%), significativamen-te maior que nas cardiopatias coronariana e dilatada(p=0,003). Observa-se que existe um predomínio dasclasses funcionais I e II sobre as III e IV, que éestatisticamente significativo (p<0,006). Essa dife-rença se mantém quando se analisa de acordo comcada sexo (figura 2).

Quando se compara a população chagásica comoutras patologias, observa-se que a média da fraçãode ejeção é significativamente maior que a da cardio-patia coronariana e a miocardiopatia dilatada idiopáticae, obviamente, menor que o grupo de miscelâneasque inclui predominantemente pacientes com trans-tornos elétricos e sem cardiopatia estrutural (Síndromesdo QT longo, Brugada, etc.) (tabela II).

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Figura 1 - A cardiopatologia chagásica é a segunda indicação deCDI depois da cardiopatia coronariana, que é a maisfreqüente.

Figura 2 - Predomínio da classe funcional (NYHA) I e II sobre asIII e IV em ambos os sexos.

TABELA IFEVE VI (FRAÇÃO DE EJEÇÃO DO VENTRÍCULOESQUERDO). DDVE (DIÂMETRO DIASTÓLICO DO

VENTRÍCULO ESQUERDO)

TABELA IIAS ABREVIATURAS DESTA TABELA ESTÃO

INCORPORADAS NA PRÓPRIA TABELA

Limiares de desfibrilação

A determinação dos limiares de estimulação edesfibrilação no momento do implante permitiuanalisar um dado importante: apenas 7,5% apre-sentou um limiar maior que 20 J. Em um seguimen-to médio de 34±31 meses (1-177 meses), não fo-ram encontradas diferenças quanto à mortalidadeentre os pacientes com limiares maiores ou meno-res que 20J. Cabe destacar que 97,6% dos pacien-tes com doença de Chagas com limiar <20J rece-biam amiodarona cronicamente, e por isso a análi-se permitiu descartar a ação potencialmente nega-tiva dessa droga sobre os limiares de estimulaçãoe/ou desfibrilação.

Mortalidade

Na doença de Chagas, a mortalidade foi de17%, sendo 68% delas de causa cardíaca sem queexistissem diferenças entre ambos os sexos. Amortalidade não diferiu da total do registro (12%)nem mesmo ao compará-la com as cardiopatiascoronariana (14%) e dilatada (14,5%) (figura 3). Afração de ejeção dos pacientes falecidos foi signi-ficativamente menor (32,6% vs. 38,5% p=0,0003)(figura 4). A maior mortalidade foi produzida nospacientes em classe funcional III/IV.

CONCLUSÕES

No registro LABOR:1. Os pacientes chagásicos foram todos implan-

tados por prevenção secundária.2. A classe funcional I/II e a menor deterioração

da fração de ejeção predominam no momentodo implante com respeito a outras patologias.

3. A mortalidade é maior na classe funcional III/IV com menor fração de ejeção.

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Figura 4 - A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ésignificativamente menor nos pacientes falecidos.

Figura 3 - Curvas de sobrevida na cardiopatia coronariana e chagásicasem diferenças estatisticamente significativas.

4. Não existem diferenças significativas na mor-talidade no que se refere ao sexo.

5. Não se registram diferenças na evolução comrespeito a outras patologias.