Aula 3 - Cultura Brasileira

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Aula 3 – Cultura Popular e Erudita Objetivos: entender que o popular e o erudito são termos ideológicos e de complexa conceitualização; compreender que na prática há um diálogo, entre o conceito de popular e erudito, que dinamiza da cultura; conhecer a concepção do popular e do erudito no Modernismo, na Contracultura e na contemporaneidade; identificar o que é um intelectual por meio de algumas definições clássicas; compreender o papel do intelectual na sociedade e suas relações com o poder; entender a figura do intelectual hoje. O vocábulo erudito vem do latim erudítus, aquele “que obteve instrução, conhecedor, sábio”. A palavra popular, também tem origem no latim populare, significa “de ou do próprio povo”. Os conceitos popular e o erudito são tomados como opostos. Tradicionalmente, esses termos são carregados de ideologias. Ao citar essas palavras em determinados contextos, já se revela a natureza do discurso. Trata-se de dois pólos extremos de um pensamento dicotomizado, maniqueísta e tendencioso. Entretanto, a expressão cultura popular e erudita/elite é criticada por certos estudiosos, como Roger Chartier e Peter Burke, dada a sua extensão e impressão homogeneizante que passa.

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Estácio

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Aula 3 – Cultura Popular e Erudita

Objetivos:

• entender que o popular e o erudito são termos ideológicos e de complexa conceitualização;

• compreender que na prática há um diálogo, entre o conceito de popular e erudito, que dinamiza da cultura;

• conhecer a concepção do popular e do erudito no Modernismo, na Contracultura e na contemporaneidade;

• identificar o que é um intelectual por meio de algumas definições clássicas;• compreender o papel do intelectual na sociedade e suas relações com o poder;• entender a figura do intelectual hoje.

O vocábulo erudito vem do latim erudítus, aquele “que obteve instrução, conhecedor, sábio”.

A palavra popular, também tem origem no latim populare, significa “de ou do próprio povo”.

Os conceitos popular e o erudito são tomados como opostos. Tradicionalmente, esses termos são carregados de ideologias.

Ao citar essas palavras em determinados contextos, já se revela a natureza do discurso. Trata-se de dois pólos extremos de um pensamento dicotomizado, maniqueísta e tendencioso.

Entretanto, a expressão cultura popular e erudita/elite é criticada por certos estudiosos, como Roger Chartier e Peter Burke, dada a sua extensão e impressão homogeneizante que passa.

Chartier1, defende a ideia de que os sujeitos se apropriam e representam as práticas culturais de formas diversas. Já Burke, cunhou o termo “biculturalidade”, para expressar o quanto membros das elites conheciam e participavam da cultura popular, ao mesmo tempo em que preservam sua cultura.

1 Roger Chartier, opõe-se a toda tentativa de estabelecer um nexo entre nível social e nível cultural (popular ou erudito), com base em categorias sociológicas. Para ele, o que define erudito e popular são as práticas. Quanto à cultura popular, torna-se assim impossível identificá-la a partir de textos (artefatos culturais) consumidos por ela. Na verdade, filiando-se ao princípio de circularidade, Chartier mostra que a oposição entre popular e erudito não tem mais sentido, em razão dos empréstimos e intercâmbios. O que interessa é o estudo das práticas, porque elas permitem a apropriação diferente dos materiais culturais.

O autor mostra que há imbricações entre a cultura popular e a erudita e diferentes maneiras de apropriação dos objetos, não sendo, por vezes, possível estabelecer claramente a fronteira entre popular e erudito, encontrando formas originais de cultura do povo como queria alguns historiadores.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. São Paulo, n° 11, 1991.

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O popular e o erudito no modernismo brasileiro

Na visão dos modernistas, somente a arte que integrasse a cultura erudita e a popular poderia representar o Brasil.

O que os modernistas pretendiam era reformular a visão de cultura até então vigente, integrando as duas culturas, para unificá-las em uma só: a cultura brasileira.

Essa visão de cultura popular modificou-se nos anos 60 do século XX, durante o regime militar, por aqueles que organizaram o movimento de contestação de caráter social e cultural chamado Contracultura2.

Assim, um movimento de cultura popular deveria ser fundamentalmente revolucionário e fazer arte com o povo, e não para o povo.

Entretanto, sabe-se hoje, que entre o popular e o erudito não há um abismo, mas uma passagem gradual3.

O Intelectual

Para tratarmos do intelectual vamos considerar três definições clássicas do termo:

Orgânico

Pensado pelo cientista político italiano Antônio Gramsci. Na ideia de Gramsci, intelectual não requer uma formação acadêmica específica, mas uma ação social, um sujeito mediador de poder, que trabalha por meio do censo crítico.

Para Gramsci certo tipo de agente é capaz de fazer a ligação entre a “superestrutura4” e a “infraestrutura5”, independente de sua escolaridade específica, mas relacionada diretamente com o “lugar” que ocupa nas relações materiais/sociais de uma determinada produção social.

Como alguém sustentado por uma base material econômica e por uma ideologia emanada desta base que procura mantê-la, e aqueles que estão fora do poder, mas produzindo para este poder e afetados por sua ideologia.

A mediação se daria por meio da organização e formação de um senso crítico, junto a esse grupo, construído com a contribuição dos intelectuais.

2 A Contracultura, no Brasil, entendia cultura popular como sendo as representações do povo que deveriam ser usadas de forma a modificar, ou seja, a politizar este mesmo povo. Assim, eles faziam a distinção entre cultura erudita e popular. A primeira seria aquela que existiria como “instrumento de dominação”, “alienada e alienante”, visto que, segundo eles, não humanizava. Já a segunda seria a cultura que levaria o homem a assumir sua posição de sujeito da própria criação cultural e de operário consciente do processo histórico em que se acha inserido.3 Esses conceitos estão imbricados, como pólos de um mesmo fenômeno. Deste modo. deve-se pensá-los á lu de um sistema dialógico em que se observa um constante processo de troca.4 Superestrutura: a base ideológica de uma sociedade, isto é, as crenças, o direito, a política, a moral, as ideias, a religião, a arte.5 Infraestrutura: relações materiais de produção.

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Engajado

Teorizado por Sartre. Este autor considera o intelectual o escritor de atualidades, aquele que opina e intervém em todos os acontecimentos relevantes, à medida que vão se sucedendo uns aos outros, num estado de vigília permanente.

O intelectual é uma figura que intervém criticamente na esfera pública, transgredindo a ordem e criticando o existente, inclusive, a forma e o conteúdo da própria atividade das artes, ciências, técnicas, filosofia e direito.

Um “personagem” engajado que é contra todas as formas de exploração e dominação vigentes; é a favor da emancipação ou da autonomia em todas as esferas da vida econômica, social, política e cultural, o que o diferencia do ideólogo que fala a favor da ordem vigente, justificando-a e legitimando-a.

Universal

Pensado pelo filósofo francês Michel Foucault. Para ele o intelectual é aquele cuja função passa por denunciar a produção da verdade – que se faz pelo eixo poder-saber – e examiná-la enquanto resultado de um “jogo de forças”.

O intelectual apresentado por Michel Foucault pode ser qualquer um, já que segundo ele a estrutura de poder deve funcionar em uma sociedade por meio de um sistema disciplinar disperso, que funciona anonimamente, através de um controle incessante que se faz valer de práticas discursivas para aplicar-se sobre os sujeitos; sujeitos estes que aparecem sujeitando-se, como efeito de operações de poder.

Tal poder disciplinar está intrinsecamente ligado às ciências humanas, enquanto sistemas de conhecimento sobre seres humanos, dentre os quais a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise assumem posição privilegiada.

Enquanto mediador simbólico, os intelectuais são os agentes que constroem, por exemplo, a identidade nacional; são os artífices desta identidade e da memória nacionais, desempenhando a tarefa de mediadores simbólicos.

Todos se dedicam a interpretar o país cuja identidade será o resultado do jogo das relações apreendidas por cada autor, podendo ser chamados de mediadores simbólicos.

A construção da identidade nacional necessita desses mediadores, pois são eles que descolam as manifestações culturais de sua esfera particular e as articulam a uma totalidade que as transcendem.

Embora as concepções do intelectual engajado de Sartre e do intelectual orgânico de Gramsci estejam presentes até hoje, sobretudo entre os pensadores ditos de “esquerda”, a urgência

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hoje, passa por uma reformulação desta moral do engajamento, desta “vontade de servir” (ou dever).

Talvez hoje seja indispensável reavaliar a relação indivíduo/sociedade e consequentemente a relação entre intelectual e grupo social.

Para se entender melhor o papel dos intelectuais hoje, seria preciso definir novos tipos de relações que unem o indivíduo aos grupos.