AUTOVACINAS Rolando CURY

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AUTOVACINAS TÉCNICAS DE PREPARO E FATORES DE EFICIÊNCIA Rolando CURY * RSPSP-150 CURY, R. — Autovacinas: técnicas de pre- paro e fatores de eficiência. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 6:371-83, 1972. RESUMO: Verificou-se que a obtenção de excelentes autovacinas é possível usando- se a técnica de semeadura, dos germes a- propriados, isolados de um material clíni- co em meios de cultura selecionados. As condições do cultivo devem ser adequa- das para estimular, ou pelo menos pre- servar, as qualidades antigênicas dos germes. O processo de inativação neces- sita ser cuidadosamente acertado, a fim de não lesar os antígenos presentes. Fo- ram descritos métodos capazes de cum- prir estes requisitos, e que ao mesmo tempo fossem práticos e relativamente simples em sua execução, com equipa- mentos ao alcance de qualquer laborató- rio clínico. UNITERMOS: Autovacinas (Preparo) *; Vacinas *; Imunização*. * Da Disciplina de Patologia e Clínicas das Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina Ve- terinária Preventiva e Saúde Animal, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo Cidade Universitária — São Paulo, SP., Brasil. Chefe aposentado da Secção de Produção (de Soros e Vacinas), do Instituto Biológico de São Paulo; ex-Bacte- riologista do Laboratório Clínico do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo. 1 — INTRODUÇÃO Normas de preparação de autovacinas tinham sido redigidas por nós, quan- do ainda chefiávamos a Bacteriologia do Laboratório Clínico do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, a fim de servirem de guia aos técnicos que conosco trabalhavam. Ocorre-nos, agora, completar e detalhar essas normas, dado o interesse por elas despertado entre os profissionais e os resultados favoráveis obtidos na práti- ca, observados e relatados por médicos clínicos do citado Hospital. Refere-se, considerando-se as circuns- tâncias em que foi estudado, às autova- cinas para uso na espécie humana, em- bora esse uso pudesse facilmente ser adaptado aos animais, dada a similitu- de dos processos patológicos e a inexis- tência de limites entre a bacteriologia do homem e a dos animais. O objetivo deste trabalho é procurar o aprimoramento das técnicas e discutir os fatores de eficiência na preparação de autovacinas. 2 — MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Seleção dos germes a serem utilizados numa autovacina. A seleção das espécies de germes de um material clínico, para incorporação numa autovacina não é, na prática, tão fácil quanto se poderia julgar. Em mui- tos casos surgem dúvidas sobre o papel patogênico de certos germes. Já se tem observado casos de germes considerados saprófitas desempenharem papel patogê- nico em certas ocasiões e sob determi- nadas condições. A recomendação de ordem geral é: sempre que haja dúvida, incluir a espé- cie de germes em questão, na autovacina.

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A U T O V A C I N A S

TÉCNICAS DE PREPARO E FATORES DE EFICIÊNCIA

Rolando CURY *

RSPSP-150

CURY, R. — Autovacinas: técnicas de pre-paro e fatores de eficiência. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 6:371-83, 1972.

RESUMO: Verificou-se que a obtenção deexcelentes autovacinas é possível usando-se a técnica de semeadura, dos germes a-propriados, isolados de um material clíni-co em meios de cultura selecionados. Ascondições do cultivo devem ser adequa-das para estimular, ou pelo menos pre-servar, as qualidades antigênicas dosgermes. O processo de inativação neces-sita ser cuidadosamente acertado, a fimde não lesar os antígenos presentes. Fo-ram descritos métodos capazes de cum-prir estes requisitos, e que ao mesmotempo fossem práticos e relativamentesimples em sua execução, com equipa-mentos ao alcance de qualquer laborató-rio clínico.

UNITERMOS: Autovacinas (Preparo) *;Vacinas *; Imunização *.

* Da Disciplina de Patologia e Clínicas das Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina Ve-terinária Preventiva e Saúde Animal, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia daUniversidade de São Paulo — Cidade Universitária — São Paulo, SP., Brasil. Chefe aposentadoda Secção de Produção (de Soros e Vacinas), do Instituto Biológico de São Paulo; ex-Bacte-riologista do Laboratório Clínico do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo.

1 — I N T R O D U Ç Ã O

Normas de preparação de autovacinasjá tinham sido redigidas por nós, quan-do ainda chefiávamos a Bacteriologiado Laboratório Clínico do Hospital doServidor Público do Estado de SãoPaulo, a fim de servirem de guia aostécnicos que conosco trabalhavam.

Ocorre-nos, agora, completar e detalharessas normas, dado o interesse por elasdespertado entre os profissionais e osresultados favoráveis obtidos na práti-

ca, observados e relatados por médicosclínicos do citado Hospital.

Refere-se, considerando-se as circuns-tâncias em que foi estudado, às autova-cinas para uso na espécie humana, em-bora esse uso pudesse facilmente seradaptado aos animais, dada a similitu-de dos processos patológicos e a inexis-tência de limites entre a bacteriologiado homem e a dos animais.

O objetivo deste trabalho é procuraro aprimoramento das técnicas e discutiros fatores de eficiência na preparaçãode autovacinas.

2 — MATERIAL E MÉTODOS

2.1 — Seleção dos germes a seremutilizados numa autovacina.

A seleção das espécies de germes deum material clínico, para incorporaçãonuma autovacina não é, na prática, tãofácil quanto se poderia julgar. Em mui-tos casos surgem dúvidas sobre o papelpatogênico de certos germes. Já se temobservado casos de germes consideradossaprófitas desempenharem papel patogê-nico em certas ocasiões e sob determi-nadas condições.

A recomendação de ordem geral é:sempre que haja dúvida, incluir a espé-cie de germes em questão, na autovacina.

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Estabelecemos o seguinte esquema,por ordem decrescente de importância:

a) germes considerados agentes etio-lógicos de doenças bem definidas,ou de processos infecciosos diver-sos;

b) germes de infecção secundária;c) germes de ação patogênica duvi-

dosa;d) germes saprófitas de flora normal;e) germes saprófitas ocasionais e ger-

mes contaminantes do material.

Quando isolamos e classificamos osgermes de um material clínico, ao sele-cioná-los para autovacina, procuramossituá-los dentro desse esquema. Isto exi-ge, sem dúvida, conhecimentos de Bacte-riologia e de Patologia Clínica e deve fi-car a cargo do orientador do laboratório.

Os que se enquadram num dos trêsprimeiros grupos devem fazer parte daautovacina. Os do quarto e quinto gru-pos serão excluídos.

Lembrar que a classificação de umaespécie de germe, neste esquema, develevar em consideração a idade do pa-ciente; sabe-se que há germes patogêni-cos para prematuros que não o sãopara crianças e outros são patogênicospara crianças mas não afetam ou poucoafetam os adultos.

Uma questão também a ser considera-da é a do número de espécies de germesa serem incorporados a uma autovacina.

Alguns pesquisadores já alegaram apossibilidade da concorrência de antíge-nos, em prejuízo da imunidade, quandose preparavam vacinas com mais de umaespécie de germe e recomendaram nes-tes casos, vacinar contra cada espécieem separado, usando vacinas monova-lentes.

Todavia, a experiência tem demonstra-do o contrário, conforme os trabalhos deRAMON 15 e após os excelentes resultados

obtidos com o uso dos antígenos mistos.Exemplo: tifo — paratifo — disentéricos,tétano — tifo — paratifo — (Te-TAB),difteria — pertussis — tétano (vac. trí-plice), difteria — pertussis — tétano —poliomielite 13, etc.

Não se deve, pois, ter receio de as-sociar vários germes numa autovacina,embora seja desaconselhável a incorpo-ração de germes sem significação, só pe-lo fato de se encontrarem no materialclínico. Todavia, é evidente que, tendoas autovacinas uma concentração totalde germes (turvação da suspensão),aproximadamente constante, sendo asdoses pré-estabelecidas, quanto menosespécie de germes contiver, maior seráo estímulo antigênico específico paracada germe.

2.2 — Meios de cultura.

No cultivo dos germes aeróbios e anae-róbios patogênicos para o homem e osanimais não existe, atualmente, ummeio de cultura universal, capaz de pre-servar ou estimular as propriedades an-tigênicas de cada um dos microrganis-mos da variada flora já conhecida.

Todavia, é possível selecionar um pe-queno grupo de meios de cultura, de fá-cil preparação em qualquer laboratóriomedianamente equipado, permitindo aobtenção de excelentes cultivos de pra-ticamente toda a flora patogênica habi-tual.

Os poucos meios fora da rotina, po-dem ser preparados na ocasião do uso,ou melhor, com um ou dois dias de an-tecedência, a fim de que sejam subme-tidos a uma prova de esterilidade, isto é,incubados antes da semeadura pelo me-nos durante 24 horas, na estufa, a 37°C.

A nossa experiência, aliada aos dadosda literatura, indica que o laboratóriodeve estar equipado para preparar osseguintes meios de cultura:

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a) caldo simples, com pH 7,4 e suasvariantes:— caldo simples com 1/1.000 de

glicose— caldo simples com 5% de soro

estéril— caldo simples com 0,5% de gli-

cerina estéril.b) ágar simples, com pH 7,4 e suas

variantes:— ágar simples com 3 a 5% de

soro— ágar simples com 3 a 10% de

sangue— ágar simples com 5% de sangue

aquecido (ágar chocolate).c) ágar semi-sólido (0,6 a 0,8% de

ágar - pH 6,8 a 7,0)d) meio de tioglicolato-dextrosee) ágar triptose (uso restrito no pre-

paro de autovacinas).

No laboratório clínico, moderno já éhábito ter-se em estoque meios de cul-tura manufaturados sob forma desidra-tada, postos à venda no comércio porvárias firmas idôneas (Difco, Oxoid,Fisher, etc.). O preparo de um meio decultura nessas condições consiste apenasem reidratar, de acordo com as especi-ficações do fabricante, distribuir em re-cipientes adequados e esterilizar.

O laboratório clínico deve dispor tam-bém dos seguintes ingredientes que per-mitem um preparo rápido de certosmeios de cultura nas ocasiões neces-sárias:a) soro estéril de equino, carneiro, coe-

lho, etc., (inativado a 56°C durante30 minutos) conservado em geladei-ra, em tubos, ou ampolas estéreis;

b) sangue desfibrinado, estéril, de car-neiro, coelho, etc., mantido em gela-deira e renovado sempre que se al-terar.

2.3 — Cultivo.

Obtidas as culturas puras das espé-cies de germes a serem utilizados, serão

eles então semeados em separado nosmeios de cultura mais adequados à pre-paração da autovacina correspondente.

Às descrições que se seguem indicamum volume de meios de cultura e umvolume de suspensões bacterianas que,em condições normais, a prática nosmostrou serem suficientes para a prepa-ração de uma partida individual de au-tovacina destinada a uso humano.

Os meios de cultura a serem utiliza-dos, volumes de meio, pH, temperaturae tempo de incubação, etc. serão, de pre-ferência, os seguintes, conforme a natu-reza dos germes:

a) Streptococcus sp. — preparar oinóculo em meio líquido e semear cercade 5 ml em 50 (a 60) ml de caldo glico-sado (ou, de preferência, caldo-soro ou,melhor ainda, caldo-soro-glicosado), co-locado em um balão de 125 ml de capa-cidade e previamente aquecido a 37°Cem estufa. Incubar 4 a 5 horas a 37°C.No caso de Streptococcus pyogenes épreferível usar 2 balões com 50 (a 60)ml de meio cada um e incubar apenas 2e 1/2 horas 16. Agitar bem, durante 15 a20 segundos em cada hora, evitando mo-lhar o tampão. Após a incubação, veri-ficar a pureza, centrifugar, reunir os se-dimentos (suspensos em alguns ml res-tantes do caldo) em um só tubo, lavaruma vez em salina e ressuspender em10 ml de água fisiológica estéril.

b) Pneumococos — espalhar o inó-culo em duas placas de ágar sangue, in-cubá-las 24 horas a 37°C, em jarra, comatmosfera de 10% de gás carbônico9.Após a incubação, verificar a pureza esuspender o crescimento de cada placaem 3 a 4 ml de salina, com auxílio deuma espátula de Drigalski. Reunir as sus-pensões das duas placas em um só tuboestéril, centrifugar, lavar uma vez emsalina e ressuspender em 10 ml de águafisiológica estéril.

c) Staphylococcus sp. — inóculo emmeio líquido, espalhar 0,5 a 1 ml, com

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espátula de Drigalski, na superfície deágar simples semi-sólido, em placa dePetri (usar duas placas). Incubar 24 ho-ras a 37°C em atmosfera de 10 a 20%de gás carbônico 6,14. Após a incuba-ção, verificar a pureza, suspender a cul-tura crescida em cada placa (delicada-mente, evitando ferir o ágar), com 4 a5 ml de água fisiológica estéril, usandoa espátula de Drigalski. Assepticamente,com pipeta, reunir as suspensões dasduas placas em um só tubo estéril e dei-xar sedimentar as possíveis partículasde meio de cultura (não os germes).Transferir cuidadosamente o sobrena-dante turvo para outro tubo e comple-tar para 10 ml com água fisiológica es-téril.

d) Enterobacteriáceas em geral —cultura em dois tubos, cada um com 10ml de caldo glicosado, pH 7,2 a 7,4 (oucaldo simples ou caldo-soro). Incubar14 a 16 horas a 37C°, agitando de quan-do em quando. Após a incubação, verifi-car a pureza, centrifugar, reunir os se-dimentos dos dois tubos de cultura emum só tubo, lavar uma vez em salina eressuspender em 10 ml de água fisioló-gica estéril.

e) Haemophilus sp. — cultura emduas placas de ágar chocolate (usando10% de sangue e adicionando, para me-lhor crescimento, 1/1000 de extrato delevedo). Incubar 24 horas a 37°C. Apósa incubação, verificar a pureza, suspen-der a cultura crescida em cada placa,com 4 a 5 ml de água fisiológica estéril.Reunir as suspensões das duas placasem um tubo estéril. Deixar sedimentaras partículas do meio de cultura (nãoos germes) e transferir cuidadosamenteo sobrenadante turvo para outro tubo,centrifugar, lavar uma vez em salina es-téril e ressuspender em 10 ml de águafisiológica estéril.

f) Bordetella sp. — cultura em duasplacas de ágar sangue (usando 15 a 20%de sangue e juntando, para melhorcrescimento, 10% de infuso de batata)

ou, melhor ainda, em meio de Bordet eGengou. Incubar 48 a 72 horas a 37°C.Após a incubação, verificar a pureza esuspender o crescimento dos germes decada placa com 4 a 5 ml de água fisio-lógica. Reunir as suspensões em um tu-bo estéril e deixar sedimentar as pos-síveis partículas de meio de cultura (nãoos germes). Transferir então cuidadosa-mente o sobrenadante turvo para outrotubo e completar a 10 ml com água fi-siológica estéril.

g) Pasteurella sp. — cultura em tubocom 15 ml de caldo-soro (ou caldo-soroglicosado). Incubar 24 a 48 horas a 37°C,agitando de quando em quando. Após aincubação, verificar a pureza, centrifu-gar, lavar uma vez em salina e ressus-pender em 10 ml de água fisiológica es-téril.

h) Moraxella sp. — cultura em tubocom 15 ml de caldo-soro. Incubar 48 a 72horas a 37°C, agitando de quando emquando. Após a incubação, verificar apureza, centrifugar, lavar uma vez emsalina e ressuspender em 10 ml de águafisiológica estéril. Procurar preparar aautovacina sem demora, não deixandopermanecerem por longo tempo, as cul-turas ou as suspensões, em ambiente ouem geladeira, porquanto o germe mor-re em 48h à temperatura ambiente, emais rapidamente ainda na geladeira.

i) Clostridium sp. — cultura em 15 a20 ml de meio de tioglicolato (ou tio-glicolato-dextrose) Difco. Aquecer pre-viamente o meio a temperatura de apro-ximadamente 80° C, deixar esfriar a 37°Ce semear o germe. Incubar 24 horas a37°C. Usar um tubo de cultura cujo diâ-metro permita uma coluna alta do meio,favorecendo assim a anaerobiose. Paraos anaeróbios muito exigentes, pode-secobrir o meio com 0,5 a 1 ml de vase-lina líquida estéril (ou então utilizar omeio de Tarozzi, que já é preparadocom cobertura de vaselina. Todavia de-ve-se, na medida do possível, evitar estaprática, porquanto dificulta a obtenção

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de uma suspensão limpa. Após a incuba-ção, verificar a pureza, e nos casos emque o meio tenha sido coberto com va-selina deve-se aquecer ligeiramente estacamada de vaselina e retirá-la cuidado-samente, por aspiração, com uma pipetamunida de pera de borracha. Retiradaa vaselina, agitar bem o tubo de cultu-ra, deixar em repouso para sedimentaras possíveis partículas do meio de cul-tura (não os germes), e transferir o so-brenadante turvo para outro tubo limpoe estéril. Centrifugar, desprezar partedo sobrenadante e deixar um volume fi-nal de 10 ml para a suspensão.

j) Outros germes aeróbios não espe-cificados dentre os já citados (caso sejulgue conveniente a sua inclusão naautovacina) — cultura e obtenção dasuspensão em 10 ml de água fisiológicade modo igual ao citado para entero-bacteriáceas.

k) Outros germes anaeróbios nãopertencentes ao gênero "Clostridium"(caso se julgue conveniente a sua inclu-são na autovacina) — cultura de modoigual ao citado para os clostrídeos.Após a incubação, proceder, então, demodo diferente. Verificar a pureza, cen-trifugar, lavar duas vezes em salina eressuspender em 10 ml de água fisioló-gica estéril.

Em certos casos especiais podem-sepreparar também autovacinas contrainfecções pelos seguintes microrganis-mos:

1) Pseudomonas sp., (só usar autova-cinas com Pseudomonas nos casos emque seja absolutamente necessário e on-de não haja outro recurso) — culturaem tubo com 15 ml de caldo simplesglicerinado a 0,5%. Incubar 24 horas a37°C.

Após a incubação, verificar a pureza,agitar bem a cultura durante 1 a 2 mi-nutos, centrifugar, lavar duas vêzes emsalina e ressuspender em 10 ml de água

fisiológica estéril.

m) Neisseria sp., (gonococos e me-ningococos) e Gemella sp. — o inóculoé constituído pela suspensão de colôniastípicas do ágar chocolate em 0,5 a 1 mlde caldo glicosado. Espalhar este inó-culo em duas placas de ágar chocolate(para melhor crescimento incorporarao meio 1/1.000 de extrato de levedo).Incubar as placas a 37°C ou, de prefe-rência, se possível a 36°C20, durante 48horas em jarra, com atmosfera úmidae 10% de gás carbônico12. A atmosferaúmida é obtida com disco de papel defiltro molhado2, colocado no fundo dajarra supracitada. Após a incubação, ve-rificar a pureza, suspender o crescimen-to de cada placa em 3 a 4 ml de salina,com auxílio de uma espátula de Drigals-ki e reuní-los em um tubo. Centrifugar,lavar uma vez em salina e ressuspenderem 10 ml de água fisiológica estéril.

n) Brucella sp. — obtido o isolamen-to do germe, cultura em 2 a 3 tubos comágar triptose inclinado (ou ágar-batata),incubar 48 a 72 horas a 37°C. Tratan-do-se de Brucella abortus, incubar ematmosfera com 10% de gás carbônico.Após a incubação, verificar a pureza,suspender o crescimento de cada tubocom 2 a 3 ml de salina, reuní-los emum tubo limpo e estéril, centrifugar, la-var uma vez em salina e ressuspenderem 10 ml de água fisiológica estéril.

2.4 — Verificação de purezadas culturas.

Após a incubação, verificar a pureza,reza das culturas deve ser feita em lâ-mina corada pelo Gram.

a) meios líquidos — um esfregaço decada cultura, em separado;

b) meios sólidos — examinar bem asuperfície do meio e fazer esfregaços, depreferência, das colônias ou regiões sus-peitas do enduto superficial.

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Havendo contaminação das culturas(seja em meios sólidos ou em meios lí-quidos) ou então não havendo cresci-mento do germe ou dos germes, voltarao material inicial fazendo novas semea-duras.

Todavia, nos casos de culturas obtidasem meios sólidos em placa de Petri, ha-vendo contaminação com apenas 2 ou 3colônias diferentes, pode-se procurar,com auxílio de espátula de platina (oude pequena alça) flambada e amornada,retirar e desprezar a parte do meio on-de estão as colônias e assim aproveitara cultura para continuar a preparaçãoda autovacina.

Não sendo possível separar o contami-nante (Bac. subtilis, leveduras, etc.),obter novo material para a preparaçãoda autovacina.

2.5 — Inativação dos germes.

Obtida a suspensão do germe ou ger-mes, devem eles ser mortos para o pre-paro da autovacina.

Três processos serão utilizados paramatar os germes:

2.5.1 — morte pelo iodo

As suspensões das Enterobacteriáceasem geral, Haemophilus sp., Moraxella sp.,Neisseria sp. e Gemella sp. serão trata-das da seguinte maneira:

a) juntar assepticamente 4 a 6 gotasda solução de iodo para autovacina(I = 1 g, IK = 2 g, H2O = 100 ml), emcada 10 ml da suspensão bacteriana, agi-tar bem e tampar com rolha de bor-racha esterilizada;

b) incubar uma hora a 37°C (em estu-fa ou banho-maria), agitando de quandoem quando;

c) após a incubação, neutralizar as-septicamente, com uma solução esterili-

zada de hipossulfito de sódio a 10%, go-ta a gota, agitando bem após cada gota,até o líquido da suspensão bacterianaficar incolor (usam-se no geral 4 a 6gotas);

d) após a neutralização, examinar ostubos. Aqueles que tiverem partículasde resíduo devem ser agitados bem e aseguir deixados em repouso, para sedi-mentar as partículas (não os germes).Após essa sedimentação, transferir cuida-dosamente e com assepsia o sobrena-dante turvo para outro tubo estéril;

e) centrifugar todos os tubos, lavarduas vezes com água fisiológica e res-suspender os sedimentos finais em 5 mlde água fisiológica mertiolatada a1/10.000.

2.5.2 — morte pelo formol

As suspensões de Diplococcus sp.,Staphylococcus sp., Bordetella sp., Pas-teurella sp., Clostridium sp., Pseudomo-nas sp. e Brucella sp. serão tratadas daseguinte maneira:

a) examinar os tubos das suspensõesmicrobianas. Aqueles que tiverem partí-culas de resíduo devem ser agitadosbem e a seguir deixados em repouso pa-ra sedimentar estas partículas (não osgermes). Após a sedimentação, transfe-rir cuidadosamente o sobrenadante tur-vo para outro tubo estéril;

b) juntar assepticamente, para cadatubo com 10 ml da suspensão bacteria-na, 0,4 ml de uma solução de formalinaa 10%, agitar bem, tampar com rolha deborracha esterilizada. Incubar em estufa72 horas a 37°C, agitando uma ou duasvezes ao dia;

c) após a incubação, centrifugar edesprezar apenas metade do sobrenadan-te, ou seja, 5 ml. O depósito de germesé agitado de novo, ficando ressuspensonos restantes 5 ml.

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2.5.3 — morte pelo calor

A suspensão de Streptococcus sp., étratada da seguinte maneira:

a) dividir os 10 ml da suspensão bacte-riana em vários tubos finos (5 mm x150 mm, parede fina) limpos e estéreis,preparados especialmente para esta fi-nalidade;

b) para matar os estreptococos, in-cubar então os tubos finos em banho-maria a 56°C, durante 15 a 20 minutos(a água do banho-maria deve estar aci-ma do nível das culturas no tubo), agi-tando várias vezes durante este tempo;

c) após a incubação, reunir a sus-pensão dos vários tubos em um novotubo limpo e estéril, centrifugar, lavarduas vezes em salina e ressuspender osedimento final em 5 ml de água fisio-lógica mertiolatada a 1/10.000.

Não havendo indicação especial doclínico, preparam-se, habitualmente, nolaboratório, dois frascos de 10 ml de au-tovacina para cada doente, um conten-do autovacina mais concentrada (vacina"forte") e outro mais diluída (vacina"fraca").

O acerto da turvação é habitualmentefeito usando-se a Escala de Mc FARLAND 5

(ou um nefelômetro).

A vacina "fraca" consiste apenas emdiluir ao dobro parte da vacina "forte"com a turvação já acertada.

No caso de haver na autovacina maisde uma espécie de germe, cada culturaé acertada em separado e a seguir feitaa mistura de culturas, usando-se volu-mes iguais de cada uma. A diluição pa-ra o acerto da turvação é sempre feitacom água fisiológica mertiolatada a1/10.000.

2.6 — Acerto do número de germes porml da suspensão bacteriana eobtenção da autovacina.

Obtida a suspensão do germe ou dosgermes mortos, num volume de 5 mlpara cada cultura, passa-se para outrafase, que consiste em acertar a turva-ção (número de germes por ml) da sus-pensão ou suspensões destinadas à pre-paração de autovacinas.

2.7 — Provas de esterilidade dasautovacinas

As autovacinas obtidas devem ser ro-tuladas e mantidas em geladeira até aocasião do uso. Uma autovacina só po-derá ser liberada para uso após as pro-vas de esterilidade, efetuadas com oproduto embalado.

Semear 2 a 3 gotas em cada um dosmeios de cultura: a) caldo glicosado; b)tioglicolato (com vaselina) ou Tarozzi;c) meio de Sabouraud (2 tubos).

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Incubar a e b a 37°C durante 72 horas;c será incubado em 2 tubos: um emambiente e outro em estufa, a 37°C,observando-se ambos pelo menos du-rante 5 dias.

As autovacinas contaminadas serãoinutilizadas, voltando-se, se possível, àcultura inicial ou então solicitando-senovo material.

2.8 —- Instruções para a aplicação deautovacinas.

As injeções devem ser intradérmicas(de preferência) ou então, em certos ca-sos, subcutâneas ou intramusculares.

A dose inicial é de 0,1 ml aumentadade 0,1 ml em cada aplicação até atin-gir 1 ml (conjunto de 10 injeções). Emseguida, aplicar mais 2 doses de 1 ml(total de 12 injeções). Nas doses acima,de 0,5 ml, torna-se difícil inoculá-las porvia intradérmica num só local, deven-do-se portanto, subdividir a dose emduas partes, inoculando-as em dois lo-cais próximos um do outro.

Quando a aplicação é feita por viasubcutânea, ou via intramuscular, apóso conjunto de 10 injeções, aplicar mais4 doses de 1 ml (total de 14 injeções).

O intervalo entre as injeções deveráser sempre de 3 dias (salvo critério mé-dico).

Após a aplicação da primeira série(vacina mais diluída), desprezar o restodo frasco. Aplicar, então, caso seja ne-cessário, a segunda série (vacina maisconcentrada) da maneira já indicadapara a primeira série.

A vacina pode, às vezes, produzir rea-ção local transitória (tumefação, calor,etc.), todavia, é desejável que não seproduza reação geral (febre, mal estar,etc.); no caso de haver reação geral, re-petir a mesma dosagem anterior. Casopersista a ocorrência da reação geral, le-

var a vacina ao Laboratório.

Qundo uma vacina volta ao Laborató-rio, deve-se recorrer ao registro, a fimde verificar se, para sua preparação, fo-ram utilizados germes cuja cultura con-tinha endotoxinas ou exotoxinas:

a) no caso de germes com endotoxi-nas, a vacina deve ser novamente cen-trifugada e ressuspensa em nova soluçãoestéril de água fisiológica mertiolatadaa 1/10.000, ao dobro do volume primi-tivo. Embalar 10 ml deste volume e ve-rificar novamente a esterilidade;

b) quando o germe ou germes produ-zem exotoxinas (transformadas em ana-toxinas pelo formol), procura-se man-tê-las para que a vacina não perca suaeficiência. Neste caso, deve-se apenasassepticamente diluir a vacina ao dobrocom água fisiológica mertiolatada a1/10.000 e verificar novamente a esteri-lidade;

c) nos casos em que a vacina conte-nha mistura de germes capazes de ela-borar exotoxinas e outros que conte-nham endotoxinas, utilizar o indicado noitem b para não se perder a exotoxina,embora no caso das endotoxinas obte-nha-se apenas uma diluição capaz deatenuar as reações observadas, o quemuitas vezes é suficiente ou então pelomenos mais satisfatório.

3 — DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES SO-BRE OS DETALHES DAS TÉCNICASCITADAS NESTE TRABALHO

O problema fundamental do preparodas autovacinas consiste em estimular,ou pelo menos preservar, as qualidadesantigênicas dos germes. Dentro desteprincípio é que foi descrita a partetécnica deste trabalho, devendo ser obe-decida em todos os seus detalhes quan-to à semeadura em separado dos ger-mes de um material clínico, às condiçõesadequadas de meios de cultura, ao tem-po de incubação, ao modo de inativa-

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cão, etc..

A técnica assim detalhada constituina realidade uma utilização e aplicaçãodos conhecimentos fornecidos pelaBacteriologia e pela Imunologia, cujadescrição minuciosa escapa ao âmbitodeste trabalho.

Pode-se, todavia, abordar alguns prin-cípios básicos. Por exemplo, as endoto-xinas, oriundas da desintegração decertos germes, devem ser evitadas, namedida do possível, porquanto de ummodo geral não são bons antígenos (em-bora muitos autores falem de vacinascom endotoxóides), e contribuem paracausar reações locais e gerais desagra-dáveis nos vacinados. A maneira maisprática de diminuir sua presença, umavez que se sabe ser muito difícil, oupelo menos muito complicado, evitá-laspor completo, consiste no uso de cultu-ras novas (incubação inferior a 24 ho-ras). Um exemplo típico é dado pelasendotoxinas de muitas enterobacteriá-ceas. Daí, para evitá-las na medida dopossível, recomendarem se culturas de14 a 16 horas, o que seria tempo neces-sário para semear o germe à tarde e re-tirar o cultivo da estufa no dia seguin-te, no período da manhã.

Em contraposição, as exotoxinas sãobons antígenos (quando transformadaspelo formol em anatoxinas). Daí o fato,com raras exceções, de se estimular suaprodução com o fornecimento de con-dições adequadas. No caso, por exemplo,dos estafilococos21, sabe-se que as cul-turas sem exotoxinas não tem efeito va-cinante e a técnica de cultivo, segundoBURNET6 com pequenas modificações in-troduzidas por PARISH e CLARK14, permi-tem obtenção de exotoxinas em 24 ho-ras (evidentemente nas amostras capa-zes de produzí-las), enquanto que poroutros métodos necessitar-se-iam de vá-rios dias de cultivo. Outro detalhe con-siste na adição do formol, ao invés do

iodo, não só para inativar o germe, co-mo também para transformar a exoto-xina. E ainda o pormenor, neste caso,de não se lavar os germes da culturapara não se perder a exotoxina solubili-zada e sim procurar-se apenas sedimen-tar as partículas maiores (partículas deimpurezas) transvasar o meio de cul-tura com os germes. Na possibilidadede haver teor elevado de exotoxinassolubilizadas, que poderiam provocarreações nos indivíduos hipersensíveis,utilizou-se a centrifugação e o desprezoda metade do sobrenadante.

Os fatos relacionados com a presençaou não de exotoxinas explicam o que foiescrito no texto sob o título "inativaçãodos germes". Quando há exotoxinas queinteressam à imunização, indicou-se ma-tar os germes das culturas com a adi-ção do formol. Nos outros casos, preco-nizou-se o uso do iodo, meio mais rá-pido de inativação.

Muitos pesquisadores admitem que osestreptococos não são antigênicos e queas culturas desses germes dão vacinasineficientes. Isto parece ter sido confir-mado na prática.

Todavia, BAZELEY 3 verificou que o po-lisacáride capsular dos estreptococos éantigênico e que esta cápsula é encon-trada unicamente nas culturas muitonovas (de 4 a 6 horas). A cápsula prati-camente desaparece nas culturas de 8ou mais horas, daí o fato de muitosbacteriologistas não terem obtido suces-so ao usarem culturas no prazo habi-tual de cultivo, ou seja, 24 horas. Noscultivos de 24 horas encontrar-se-iamcertas exotoxinas que, no caso dos es-treptococos, não interessam à imunida-de, conforme afirmou SEASTONE 16.

Preconizamos, neste trabalho, para osestreptococos em geral, cultura durante4 a 5 horas em volume grande de meio(50 a 60 ml), concentrando-se depoispor centrifugação. Entretanto, SEASTO-

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NE 17 observou que para o Streptococcuspyogenes, mesmo esse tempo de 4 a 5horas já é excessivo, recomendando cul-turas de 2 a 21/2 horas, já que a cápsu-la deste germe desaparece após 3 a 4horas de cultura. Neste caso deve-seusar 2 balões com 50 a 60 ml de meiode cultura cada um, para se ter umaquantidade razoável de germes, apósincubação e centrifugação.

Praticamente poder-se-ia estabelecer,segundo os dados citados, para os es-treptococos alfa e gama hemolíticos,uma incubação de 5 horas, e para osbeta hemolíticos, incubação de 2 1/2 ho-ras (excetuando-se o Streptococcus equi,cuja cultura pode ser incubada durante5 horas).

STAMP 18, considerando o fato dos es-treptococos acidificarem progressiva-mente o meio de cultura, observou quenessas condições, e também quando bai-xa o potencial de óxido-redução, o ger-me elabora o enzima proteínase, cujapresença é prejudicial à antigenicidade,sendo esta observação mais um fatorcontra o uso de culturas incubadas portempo prolongado.

E, ainda, no caso especial de estrepto-coco, indicamos, de acordo com BAZELEYet al.4, a inativação da cultura pelo carlor, já que este é o melhor método depreservar a capacidade antigênica dessegerme. A vacina de estreptococos mor-tos pelo formol, na verificação dessesautores, perde rapidamente sua eficiên-cia em temperatura ambiente.

Nossa experiência pessoal no usodestas técnicas permite afirmar que sepode obter boas vacinas de estrepto-cocos.

Recomendou-se cultivar os pneumoco-cos em atmosfera com 10°/o de gás car-bônico, desde que, além de estimular o

crescimento, algumas amostras só cres-cem nestas condições, conforme obser-vou FLEMING 9. Acresce, também, o fatode que a autólise espontânea, já obser-vada em culturas de pneumococos porAVERY & CULLEN 1, pode ser evitada pelocrescimento em atmosfera com gás car-bônico, conforme afirma EATON 18.

No caso da Pseudomonas, recomenda-mos só usá-la em autovacinas quandofor absolutamente necessário e ondenão houver outro recurso, e isto foi di-to com base em nossa experiência pes-soal. Inoculando, por via subcutânea,uma vacina preparada com Pseudomo-nas aeruginosa, morta pelo formol, emanimais de laboratório, obtivemos rea-ções locais mais ou menos severas, exi-gindo tratamento posterior. Esta verifi-cação não nos anima a recomendá-lana vacinação humana, daí as ressalvasjá citadas.

Não foi esquecido também o fato dosHaemophilus necessitarem de fatores Xe Y do sangue, para seu desenvolvimen-to. Todavia, foi indicado o cultivo daMoraxella em meios com acréscimo ape-nas de soro, dada a afirmação de KOL-MER et al.11 de que o sangue integral decarneiro exerce sobre esse gênero açãoimpediente.

Estas considerações sobre alguns as-pectos dos detalhes citados no cultivo ena inativação de certos germes mostram,como já tivemos o ensejo de citar, queos dados fornecidos pela Bacteriologia epela Imunologia foram utilizados, pro-curando-se a obtenção de autovacinasnas melhores condições possíveis em re-lação aos nossos conhecimentos atuais.

Entretanto, convém lembrar que nemsempre uma técnica usada, emboraexcelente, na produção em grande escalade uma vacina comercial pode ser adap-tada à obtenção de autovacinas em con-dições de laboratório.

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4 — CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DEAUTOVACINAS NAS DOENÇAS DOSANIMAIS

As autovacinas em Medicina Veteriná-ria têm tido, até o presente, um usomuito mais restrito do que na espéciehumana.

Várias explicações podem ser admiti-das:

a) as doenças infecciosas dos animaissão consideradas problemas de rebanho,e é hábito encontrar vacinas comerciaispara uso profilático nas regiões ondetais doenças ocorrem;

b) as vacinas comerciais geralmentecontém antígenos para os patógenosmais freqüentes na etiologia de cadadoença; as perdas que podem ocorrernos casos de complicações são conside-radas apenas sob o ponto de vista eco-nômico e admitem-se como sendo ocor-rências praticamente inevitáveis, deriva-das naturalmente dos índices de leta-lidade da doença;

c) existe o hábito já arraigado de setratarem as doenças com medicamentosou com o soro específco, quando estepode ser encontrado;

d) são raros os laboratórios para opreparo de autovacinas veterinárias,tornando assim bem mais fácil a aqui-sição de medicamentos à venda em qual-quer drogaria, farmácia ou casa de ar-tigos agro-pecuários.

Todavia, embora seja indiscutível aimportância do uso profilático de vaci-nas nos animais, é desejável que sejammudadas as demais idéias com relaçãoàs chamadas "perdas inevitáveis", quan-do na realidade muitas delas poderiamser evitadas.

Quanto ao uso das medicações: qui-mioterápica, antibiótica ou sintomática,nada impede que sejam empregadassinergicamente com as autovacinas.

É interessante lembrar que nem sem-pre os agentes etiológicos são sensíveis

a determinados antibióticos ou sulfas, eque as medicações sintomáticas podem,às vezes, trazer apenas alívio temporá-rio dos sintomas.

Muitos surtos ocorrem onde não seencontram patógenos comuns, e sim ou-tros menos freqüentes, capazes de pro-vocar sintomas semelhantes e para osquais não é de hábito encontrar vacinasjá prontas no comércio. É o caso dasenterites dos bezerros, onde não se en-contra a Salm. dublin e sim outrasbactérias também enteropatogênicas ouos casos de enterites dos leitões ondenão se isolam Salm. kunzendorf e Salm.choleraesuis. É o caso, também, das in-fecções piogênicas, nem sempre devidasaos estreptococos e estafilococos. E issosem mencionar as mastites, cujos agen-tes etiológicos podem ser tão variados,que desanimam o uso das medicaçõesbiológicas profiláticas ou curativas es-pecíficas que poderiam ser encontradasno comércio.

Na Medicina Veterinária o emprego deautovacinas se reveste de aspecto pró-prio diferente do da Medicina Humana.

No homem, a autovacina é empregadacom efeito curativo quase sempre ape-nas no próprio indivíduo, reservando-seas vacinas de estoque para uso profilá-tico nas populações.

Em veterinária, uma autovacina podeser usada no próprio animal a títulocurativo, mas, dadas as possibilidadesde contágio dos que estão no mesmorebanho, em muitos casos é aconselhá-vel usar o mesmo germe ou germes daautovacina, para o preparo de vacinasde uso profilático nos animais ainda sa-dios do rebanho, conviventes com osdoentes ou expostos à infecção do reba-nho, impedindo assim que se disseminea doença.

A nossa experiência permite sugerir oemprego de autovacinas (ou, em certoscasos, talvez melhor seja dizer apenasvacinação curativa) nas seguintes doen-

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ças dos animais: enterites infecciosas,mastites, infecções estafilocócicas e es-treptocócicas, piobacilose, coriza bacilar,vibriose, leptospirose (quando se conse-gue isolar o agente), etc. Dizemos suge-rir, porquanto são raros, ou mesmoinexistentes, os trabalhos a respeito deautovacinas, ou ao menos só de vacino-terapia curativa, para muitas destasdoenças.

Evidentemente, considerando o quedissemos no início deste trabalho, a su-gestão prevalece para os casos crônicosdas doenças citadas.

E, finalmente, a propósito de auto-vacinas veterinárias, frisamos que o úni-co tipo de autovacina que nos foi soli-citado algumas vezes, durante todos osanos em que chefiamos a Secção deProdução de Soros e Vacinas do Insti-tuto Biológico de São Paulo, foi aquelacontra a papilomatose bovina, doençacausada por vírus.

5 — CONCLUSÕES

Desejamos salientar os seguintes itensfundamentais:

a) é possível preparar excelentes au-tovacinas usando-se a técnica de semea-dura, em separado dos germes isoladosde um material clínico;

b a obtenção de autovacinas eficien-tes é subordinada ao cultivo dos ger-mes em condições adequadas para esti-mular, ou pelo menos preservar, suasqualidades antigênicas;

c) a concentração de uma cultura, ométodo de inativação dos germes, o es-tímulo à produção de exotoxinas e oprocesso de se evitarem endotoxinas sãofatores que devem ser levados em con-sideração na obtenção de uma boa va-cina;

d) é errôneo acreditar na pouca efi-ciência das autovacinas em geral, quan-

do a realidade nos mostra que o maiorfator de ineficiência reside na má pre-paração das mesmas ou no seu uso ina-dequado. Na obtenção de boas vacinasautógenas, ou mesmo heterólogas, é im-prescindível a aplicação dos conheci-mentos atuais fornecidos pela Imunolo-gia e pela Bacteriologia, abandonando-sequaisquer processos ou métodos contrá-rios a estes conhecimentos e nuncausá-los a pretexto de serem mais cô-modos, menos trabalhosos ou mais tra-dicionais.

RSPSP-150

CURY, R. — [Autogenous vaccine: prepa-ration technique and efficiencyfactors] Rev. Saúde públ., S. Paulo,6:371-83, 1972.

SUMMARY: A very good autogenousvaccine may be obtained by inoculation,in a separate medium, of microorganismscollected from clinical material. A se-lected culture medium and adequate cul-ture conditions are necessary to stimu-late or at least preserve the antigenicproperties of microorganisms. Theinactivation process must be usedcarefully in order to prevent damage toexisting antigenous contents of thebacteria. A description of a methodcapable of covering every requirementand which would at the same time bepractical and of a relatively simpleexecution, with the equipment availablein any clinical laboratory was attemptedin this study. This method has beenselected from the best present know-ledge of bacteriological technique. It isnot considered beyond improvement, inpart or in whole, as new and betterknowledge is added to Immunology andBacteriology.

UNITERMS: Autogenous vaccine (Prepa-ration) *; Vaccines *; Immunization *.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 9-10-1972

Aprovado para publicação em 25-10-1972