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Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy” UNIGRANRIO Fátima Cristina Rivas Filipe de Oliveira Poéticas da Tradução e Identidades: Paulo Henriques Britto tradutor de Elizabeth Bishop Duque de Caxias 2014

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Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”

UNIGRANRIO

Fátima Cristina Rivas Filipe de Oliveira

Poéticas da Tradução e Identidades:

Paulo Henriques Britto tradutor de Elizabeth Bishop

Duque de Caxias

2014

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Fátima Cristina Rivas Filipe de Oliveira

Poéticas da Tradução e Identidades:

Paulo Henriques Britto tradutor de Elizabeth Bishop

Dissertação apresentada à Universidade do

Grande Rio ―Prof. José de Souza Herdy‖, como

parte dos requisitos parciais para obtenção do

grau de mestre em Letras e Ciências

Humanas.

Área de concentração: Educação, Linguagem e Cultura.

Orientador: Idemburgo Pereira Frazão Félix

Duque de Caxias

2014

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CATALOGAÇÃO NA FONTE/BIBLIOTECA – UNIGRANRIO

O48p Oliveira, Fátima Cristina Rivas Filipe de. Poéticas da tradução e identidade: Paulo Henriques Britto tradutor de Elizabeth Bishop / Fátima Cristina Rivas Filipe de Oliveira. - 2014.

165 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado em Letras e Ciências Humanas) – Universidade

do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”, Escola de Ciências, Educação,

Letras, Artes e Humanidades, 2014.

“Orientador Prof.º Idemburgo Pereira Frazão Félix”.

Bibliografia: p. 155-165.

1. Letras. 2. Tradutores. 3. Tradução e interpretação – Pesquisa.

4. Britto, Paulo Henriques, 1951-. 5. Bishop, Elizabeth, 1911-1979. 6. Identidade.

I. Félix, Idemburgo Pereira Frazão. II. Universidade do Grande Rio “Prof. José

de Souza Herdy”. III. Título.

CDD – 400

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Fátima Cristina Rivas Filipe de Oliveira

Poéticas da Tradução e Identidades:

Paulo Henriques Britto tradutor de Elizabeth Bishop

Dissertação apresentada à Universidade do Grande Rio ―Prof. José de Souza Herdy‖, como parte dos requisitos parciais para a obtenção do grau de mestre em Letras e Ciências Humanas.

Área de Concentração: Educação, Linguagem e Cultura.

Aprovado em ______de _______________de ________.

Banca Examinadora Orientador: Doutor Idemburgo Pereira Frazão Félix UNIGRANRIO - Universidade do Grande Rio Prof.a Doutora Sara Araújo Brito Fazollo UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Prof.a Doutora Shirley de Souza Gomes Carreira Centro Universitário UNIABEU Prof.a Doutora Vera Lucia Teixeira Kauss UNIGRANRIO - Universidade do Grande Rio

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Aos meus pais, esposo e irmãos.

Aos meus avós paternos e maternos

(in memorian).

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AGRADECIMENTOS

Ao esposo Robinson Antonio de Oliveira, por ajudar no trabalho de pesquisa, pelo

incentivo e pela compreensão da importância deste grau em minha formação

acadêmica e profissional.

Aos meus pais Antonio e Maria Isabel pelo incentivo aos estudos e por tudo que me

proporcionaram.

Em memória de meus avós paternos e maternos que sempre me incentivaram aos

estudos.

A minha irmã Fernanda Rivas pelo trabalho de revisão, apoio e material de

pesquisa.

Ao professor e orientador Idemburgo Frazão pela contribuição no enriquecimento do

trabalho acadêmico.

Aos queridos professores convidados a compor a banca examinadora.

A minha amiga Simone Fernandes por todo o incentivo e material.

À coordenadora Solimar por todo o apoio e confiança ao me deliberar as turmas de

tradução.

Aos professores do mestrado de um modo geral e em memória do Doutor Robson

Dutra pelos livros emprestados e recomendações de leituras.

À professora Sara Araújo pelo empréstimo de material.

Ao professor Marcio Villaça pelo empréstimo de material.

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―Seria o jogo a constante expressional da poesia? Ou é o poeta apenas um demente, um parafrênico que abomina a utilidade do

vocábulo, empregando a palavra como valor plástico e musical para seus delírios?‖

(Oswald de Andrade)

―A arte é uma emoção adicional justaposta a uma técnica apurada.‖

(Charles Chaplin)

―A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.‖

(Albert Einstein)

―A persistência é o caminho do êxito.‖

(Charles Chaplin)

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo investigar questões relativas à ―tarefa do tradutor‖

(uma expressão cunhada por Walter Benjamin), dando ênfase à poética da tradução

do poeta contemporâneo brasileiro Paulo Henriques Britto, e às recriações e

traduções que ele realizou da poeta modernista norte americana Elizabeth Bishop,

além da capacidade criativa que é exigida dos tradutores da lírica, sem deixar de

ressaltar as fortes marcas de suas identidades em seus trabalhos, tendo como apoio

o volume Poemas Escolhidos de Elizabeth Bishop (2012), organizado por ele, por

meio de sua seleção, textos introdutórios, além de traduções propriamente ditas. A

poética da tradução é analisada sob o ponto de vista de Paulo Henriques Britto na

contemporaneidade, além de questões relacionadas às interferências da identidade

e da globalização no modo de ver a tradução atual. Realizou-se um levantamento de

aspectos históricos e técnicos da tradução, levando em consideração os fatores

estilísticos implicados. A menção do termo poiesis tem a intenção de alertar para o

fato de que, no caso da ―tradução poética‖ ou da ―transcriação‖ – para remeter a

tradutores poetas brasileiros como Haroldo de Campos -, está em jogo, além do

conhecimento técnico, uma ―apropriação‖, por parte do tradutor, da obra original.

São estudados aspectos relativos à teoria e à ―prática tradutória‖, trabalhando com

elementos interdisciplinares que aproximam os estudos já realizados sobre as

Histórias da Tradução e da Literatura. Algumas questões político-culturais da história

da tradução moderna e contemporânea são comentadas, através de exemplos de

teorias criadas nesses momentos históricos, inseridos nos aspectos técnicos da

tradução. Fundamentalmente, concentramos esforços no estudo da tradução

poiética e da poética da tradução de Paulo Henriques Britto, dando a conhecer o

tradutor por excelência através do seu profundo conhecimento sobre a vida e a obra

de Elizabeth Bishop.

Palavras-chave: tradução - Paulo Henriques Britto - Elizabeth Bishop - poiesis

- identidade

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ABSTRACT

The aim of this research is to investigate issues related to the "task of the translator"

(an expression created by Walter Benjamin), emphasizing the poetic of translation of

the Brazilian contemporary poet, Paulo Henriques Britto, and his recreations and

translations of the North American modernist poet Elizabeth Bishop, besides the

creative capacity required from the translators of lyric, highlighting the strong signs of

their identities in their work, having as support the book Poemas Escolhidos of

Elizabeth Bishop (2012), organized by his selection of poems, introductory texts and

translations. The poetics of translation is analyzed from the point of view of Paulo

Henriques Britto nowadays, as well as the issues related to the interference of the

identity and globalization in the way the current translation is being faced. We

conducted a survey of the historical and technical aspects of translation, taking into

account the stylistic factors involved. The mention of the term poiesis intends to alert

to the fact that, in the case of the "poetic translation" or "transcreation" - referring to

the Brazilian poet Haroldo de Campos as a translator - the technical knowledge is

important as well as a kind of "ownership" by the translator of the original work.

Aspects related to the theory and the "translation practice" will be studied by means

of interdisciplinary elements that approximate the previous studies made on the

Histories of Translation and Literature. Some political and cultural issues in the

history of the modern and contemporary translation will be mentioned, through

examples of the theories created at these moments and inserted in the technical

aspects of translation. Basically, the studies about poietic translation and the poetic

of translation of Paulo Henriques Britto will be focused, presenting the excellence of

this translator through his deep knowledge of the life and work of Elizabeth Bishop.

Keywords: translation - Paulo Henriques Britto - Elizabeth Bishop - poiesis - Identity

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

T. S. Eliot – Thomas Stearn Eliot

TI – Tradução Indireta

TD – Tradução Direta

HC – Haroldo de Campos

USP – Universidade de São Paulo

PUC – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................13

1 BRITTO E A DESSUBJETIVAÇÃO.......................................................................18

1.1 A Poética e a Tradução de Paulo Henriques Britto............................................ 21

1.2 Formas da Poética............................................................................................. 28

1.3 A Poética na Contemporaneidade......................................................................31

1.4 A Poiesis e a Tradução de Paulo Henriques Britto............................................ 33

1.5 Elizabeth Bishop sob o ponto de vista de Britto......................... ........................38

1.6 A Poética e a Tradução de Elizabeth Bishop na visão de Britto..........................42

2 TRADUÇÃO, TEORIA E IDENTIDADE................................................................ 48

2.1 Traduções e seus aspectos................................................................................ 48

2.1.1 Convergência.................................................................................................. 56

2.1.2 Divergência no Sistema Linguístico................................................................ 58

2.1.3 Divergência de Estilo....................................................................................... 62

2.1.4 Divergência da Realidade Extralinguística...................................................... 66

2.2 Poética da Tradução.......................................................................................... 68

2.3 Teóricos da Tradução..........................................................................................71

2.4 A Visão de Walter Benjamin sobre a Tradução.................................................. 79

2.5 Pound e a Tradução........................................................................................... 86

2.6 Jakobson e a Tradução.......................................................................................90

2.7 Haroldo de Campos e a Transcriação ..............................................................94

2.7.1 Compromisso com a Poética da Tradução em Haroldo de Campos............. 100

2.8 Língua, Linguagem e Identidade...................................................................... 104

2.8.1 Identidade Global e Identidade Nacional na Tradução.................................. 108

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3 ELIZABETH BISHOP NA TRADUÇÃO DE PAULO HENRIQUES BRITTO..... 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 151

BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 155

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Introdução

A realização deste trabalho partiu do interesse em analisar os textos poéticos,

e em especial, os traduzidos, de Paulo Henriques Britto, tendo como objeto de

pesquisa os da poetisa norte-americana Elizabeth Bishop, além das questões que

permeiam os estudos da tradução e sua configuração como disciplina, que se

baseiam em interferências de vivências como marcas de identidade no fazer

literário.

Nesta análise, são abordadas a Poética e a Poiesis da Tradução de Paulo

Henriques Britto, tradutor e poeta brasileiro, dialogando com o seu trabalho de

reflexão nos estudos sobre a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop. São

analisados os dados biográficos; os estilos poéticos e a poiesis no ofício tradutório; e

os métodos utilizados de alguns poemas em seu contexto histórico.

Considera-se que o tradutor enfrenta uma singular tarefa ao assumir trabalhos

de tradução referentes a textos de caráter literário, isso parece ressaltar quando

busca o sentido único da obra original. Nessa busca pela essência – a verdadeira

natureza do ser independente do existir de fato - os textos, em especial o poema,

em detrimento de textos técnico-científicos, apresentam elementos que exigem uma

localização tanto temporal, quanto espacial de quem os observa. Temporal, dada a

importância de se conhecer a época em que cada cultura foi estabelecida. Espacial,

pelo local onde cada conceito foi criado, no caso do Brasil.

Para ressaltar esta questão, apresentamos formas poéticas de realização do

tradutor, sua poiesis e o esforço no levantamento de dados de seu objeto de estudo,

para conferir autenticidade na explanação de seu conhecimento metodológico.

A poética na contemporaneidade é bastante fluída, apropriando-se de

variadas formas estilísticas, em que é analisada a produção cultural do poeta Paulo

Henriques Britto, que utiliza as formas fixas do soneto, dos dísticos, dos versos

livres, entre outros, de forma irônica, de modo a ressignificá-los de sentido. A poiesis

é uma forma de conhecimento do processo criativo e, também, uma forma lúdica

que inclui a noção do termo ―jogo‖ como a capacidade de produção e criação do

saber literário.

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No que concerne à tradução, é analisado o seu livro sobre teoria A tradução

literária (2012a), em que podemos constatar o modo singular como tange seu

trabalho, considerando a tradução parte integrante da cultura brasileira.

A constante pesquisa da poetisa realizada pelo autor de Macau (2003) revela-

se como um profundo conhecimento biográfico e estilístico de seu objeto de

pesquisa para a tradução, editada no livro Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop

(2012). Esse parecer emitido, enfatiza sobriedade e verdade sobre a significação

que despertou dessa impressão através da análise, como, por exemplo, do poema

―Crusoé na Inglaterra‖ contido no texto introdutório ―Bishop no Brasil‖.

Elizabeth Bishop pertence à geração de poetas modernistas, em que os

versos livres eram tidos como sinônimo de liberdade formal, coincidindo com a

tradição de vanguarda brasileira. Ela realizou traduções de artistas do mesmo estilo

como Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, entre outros, o que

demonstra sua afeição pelo país.

No que tange à tradução, à teoria e à identidade em sua forma abrangente,

realizam-se explanações em que são observadas algumas linhas de abordagens

para pontuar certos métodos herdados na teoria e na prática.

O conhecimento das línguas de origem e destino não é suficiente para a

realização de uma boa tradução, há de se considerar o contexto histórico e

geográfico a que pertencem, além de questões culturais e suas técnicas. A

experiência do profissional da área é de grande importância, e o conhecimento da

mecânica do que se escreve da linguagem de origem e destino são aspectos

necessários para o bom desempenho da função. Para tanto, são estudados os

procedimentos técnicos de tradução aplicados por Heloísa Gonçalves Barbosa,

aliados a exemplos de traduções feitas por Elizabeth Bishop e Paulo Henriques

Britto.

A Poética da Tradução é tratada contendo algumas especificidades nas

teorias da tradução, sobre o modo como cada profissional utiliza e aborda o conceito

nos seguintes temas assinalados por Michaël Oustinoff: língua-fonte e língua-alvo,

linguística, poética e crítica das traduções.

São apresentadas, de forma sintética, algumas questões da história da

tradução, visando à reflexão acerca do pensamento referente às definições mais

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recorrentes sobre o ofício descrito em períodos da cultura europeia, norte-americana

e brasileira, e de que modo têm influenciado o conteúdo em sua aplicação, através

de exemplos de teorias criadas em diferentes momentos.

Inicia-se a era do perspectivismo na tradução, que é a visão filosófica de que

toda a percepção e todo o pensamento têm lugar a partir de uma perspectiva que é

alterável; em que a ―distância em tempo que separa o começo do fim está

diminuindo ou mesmo desaparecendo; [...] Há apenas ―momentos‖ – pontos sem

dimensões.‖ (BAUMAN, 2001, p. 138), na época da ―modernidade líquida‖, e os

lugares de fronteira estão desaparecendo, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman.

Nesse contexto, são retratadas de forma mais abrangente, as questões

teóricas dos principais tradutores do século XX: o filósofo Walter Benjamin, o poeta

Ezra Pound, o linguista Roman Jakobson e o poeta Haroldo de Campos.

a) Para o filósofo Walter Benjamin, a tradução tinha como função estender a

vida do texto original, comunicando aquilo que está nas entrelinhas do autor, em seu

texto original, porém com a essência não evidenciada ao leitor. Este modo de dar

sentido e significados às palavras foi chamado de ―Língua Pura‖ e poderia ser

encontrado em todas as línguas para as quais o texto-fonte se destinava como obra

traduzida. A tradução tinha como objetivo dar uma sobrevida ao texto original, uma

vez que a língua e conteúdo foram escritos em determinado idioma e, ao serem

traduzidos, deveriam receber significados correspondentes para que houvesse a boa

tradução. Para o teórico, a tradução não possuía o objetivo de comunicar o conteúdo

do texto original ao leitor, era apenas um meio de manter o texto vivo através das

gerações.

b) Para Ezra Pound, a tradução era o foco central do seu trabalho e a utilizava

nos seus próprios poemas, além de considerar a forma poética um elemento

importante para esta atividade, que não tinha a intenção de reproduzir o significado

das palavras, pois acreditava nas diferenças entre as sintaxes das línguas, além de

considerar que a voz do profissional de tradução deveria aparecer em seus

trabalhos, dentre eles, nos poemas. Seu foco principal é o ―Make it New‖ – a

importância do tradutor ao renovar. A tradução também era considerada por ele

como um exercício de produção de poemas.

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c) O linguista Roman Jakobson também realizou estudos sobre a tradução e

afirmava que o significado de um signo linguístico, tanto para o usuário como para o

linguista, é a própria tradução por outro signo sinônimo. Melhor que traduzir

literalmente sem haver nenhuma compreensão, é interpretar o que compreendeu

com o conhecimento que se tem da língua de destino e com a criatividade que se

possa utilizar, sem ultrapassar os limites da tradução e, ao mesmo tempo, sem

deixar que esses limites interfiram no poder de criação e de adaptação.

d) Os poetas e tradutores Haroldo de Campos e Augusto de Campos foram

importantes na constituição de uma teoria literária no Brasil, onde a atividade era

desprezada e apontada como atividade inferior. O primeiro acreditava na tradução

como tarefa transcriadora e que esta só teria função se trouxesse enriquecimento

cultural para a nação.

O compromisso com a tradição na Poética da Tradução em Haroldo de

Campos está em expandir o conhecimento para várias direções, sem esquecer seus

antecessores. Os tradutores que não inovam o ofício são vistos como acomodados

por não se aprofundarem na pesquisa crítica, apenas transcrevendo o que está

pronto.

De um modo geral, a língua e a linguagem são fatores sociais que constituem

a manifestação das civilizações e o registro de sua cultura, além de possuir a função

de unir tradições, constituindo novas expressões. Nessa solidariedade, o princípio

da continuidade constitui a sobrevivência da língua em relação à influência temporal,

pois esta modifica e se deixa modificar. Com a globalização, as identidades

linguísticas tendem a se homogeneizar culturalmente e a se reforçarem por

resistência na formação de certo hibridismo idiomático.

No aspecto específico, apesar da globalização, a identidade tradutória

nacional é, segundo Haroldo de Campos, mais importante que a estrangeira na

busca de seus referenciais de tradição e cultura. Para Paulo Henriques Britto, as

marcas locais caracterizam a tradução como forma e conteúdo expressivo dos

costumes de seu país natal.

São analisadas algumas traduções de poemas contidos no livro Poemas

escolhidos de Elizabeth Bishop (2012), que o tradutor faz dentro de seu estudo

sobre o conhecimento da língua e da vida da poetisa. É formulado o conteúdo sob o

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viés da transpoetização, teoria descrita por Paulo Henriques Britto e os

procedimentos técnicos apontados, cujo princípio fundamental se baseia em recriar

criativamente a forma e o sentido dos versos publicados.

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1. BRITTO E A DESSUBJETIVAÇÃO

O tradutor Paulo Henriques Britto descreve, no primeiro capítulo de seu livro A

Tradução Literária (2012a):

A tradução é uma atividade tão antiga quanto a humanidade; muito antes da invenção da escrita, a comunicação entre grupos humanos que falavam línguas diferentes se dava através de intérpretes. Mas a teorização sobre essa atividade parece ter iniciado apenas no período romano – o que é compreensível, já que os romanos, herdeiros da cultura helênica, muito se empenhavam em traduzir textos do grego para o latim. Atribui-se a Cícero o comentário mais

antigo que se conhece a respeito das maneiras de traduzir. (...) (p. 11-12)

Paulo Henriques Britto, tradutor de várias obras, dentre elas a da poetisa

Elizabeth Bishop, pode ser considerado, em termos de tradução, um grande

discípulo de Haroldo de Campos - tradutor, escritor, crítico e poeta que evidenciou

os problemas de identidade na tradução nacional, que era tida como atividade

inferior.

No Brasil, não havia uma história da tradução porque não se teorizava sobre

o assunto e um dos motivos principais era o ―status‖ inferior que se atribuía à

atividade. Mesmo assim, esse ofício foi uma ferramenta importante para que alguns

profissionais do meio literário se estruturassem como escritores a partir do século

XIX como, por exemplo, Machado de Assis.

Esse ofício, muitas vezes, requer que se observe a necessidade de aproximar

a tradução de uma obra à cultura local, sem que esta perca sua integridade e ideia

original. Isto acontece por dois motivos: o tradutor realiza este intento

intencionalmente para que haja uma maior afinidade entre o leitor e o autor da obra;

ou o faz involuntariamente, porque vivencia algo diariamente, aplica questões

relacionadas à sua identidade ou à de seu país de origem no momento em que

trabalha um texto, seja este literário ou científico. Os elementos estrangeiros estarão

mesclados aos da nação de origem do profissional.

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Esse trabalho era visto como de pouca relevância, tanto é que, não havia uma

história da tradução literária brasileira até a metade do século XX. Porém, hoje, seu

espaço se amplia através das teorias formuladas e do aparecimento das novas

mídias na era da globalização, que aceleram a chegada das informações que

necessitam ser decodificadas e compreendidas rapidamente. Com isso, a questão

da identidade cultural se manifesta e acaba por modificar a cultura local,

promovendo uma nova acomodação dos conhecimentos adquiridos, para que haja a

internalização e, consequentemente, a reestruturação.

Podemos destacar, também, o fato de a globalização, como a entendemos

em nossos dias, estar vinculada aos interesses brasileiros de tradução pela língua

inglesa, por ser esta dominante na cena atual. O que faz com que mereça uma

atenção mais direcionada a ela está no seguinte fato apontado por Octavio Ianni, em

seu livro Teorias da Globalização (2001):

O inglês pode ser o idioma da globalização. A maior parte dos acontecimentos, relações, atividades e decisões se expressa nesse idioma, ou nele se traduz. Assim se articula a eletrônica, da mesma maneira que a mídia e o mercado, grande parte da ciência, tecnologia, filosofia e arte. Na época da globalização, o inglês se universaliza, comunicativo e pragmático, expressivo e informático.

(IANNI, 2001, p. 219)

Zygmunt Bauman (2005) aborda a questão das inseguranças que surgiram

da modernidade líquida e que são as principais causadoras das nossas várias

identidades ou da falta dela:

Em todo e qualquer lugar eu estava – algumas vezes ligeiramente, outras ostensivamente – deslocado. (...) Estar total ou parcialmente ―deslocado‖ em toda a parte, não estar totalmente em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem que alguns aspectos da pessoa ―se sobressaiam‖ e sejam vistos por outras como estranhos), pode ser uma experiência desconfortável, por vezes perturbadora. (BAUMAN, 2005, p. 18-19)

Ele diz que as pessoas vêem-se diante da tarefa de ―alcançar o impossível",

compara as questões ―comunidade e pertencimento‖ e comenta que estas não

possuem a firmeza de uma rocha, são revogáveis e é responsabilidade do indivíduo

ser persistente em relação às decisões que toma, aos caminhos que percorre, para

que possa reafirmar sua identidade e seu pertencimento. O autor também

acrescenta que as subjetividades flutuam no ar, algumas são de nossa própria

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escolha, mas outras infladas e lançadas por pessoas a nossa volta e é preciso estar

alerta para não perder o rumo, ou o sujeito se sentirá deslocado.

Para Zygmunt Bauman (2005), a identidade é algo a ser inventado, tendo que

haver um esforço. Segundo ele, ela vem do desejo da segurança. Por outro lado,

uma posição fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é atraente,

pois numa sociedade líquido-moderna, estar-se fixo é cada vez mais mal visto, pois

é identificado como inflexível. Não se pode esperar nessa sociedade, que as

estruturas durem por muito tempo, pela fluidez com que os fatos e coisas se diluem.

Muitas coisas surgirão, outras se diluirão.

Ele afirma que as ―identidades humanas – suas autoimagens – se dividiram

em coleções de instantâneos‖ (BAUMAN, 2001, p. 117), pois em vez do sujeito

formar sua individualidade com o passar do tempo, como ―se constrói uma casa‖, o

ser humano está aceitando identidades descartáveis que aparecem de uma hora

para a outra e desaparecem na mesma velocidade, caracterizando-se como

instantâneas, numa cultura que valoriza o esquecimento.

Na sua visão, quando esta ainda era sólida, o indivíduo se identificava de

acordo com a sua função produtiva na divisão social do trabalho e o Estado garantia

a solidez desta atuação do empregado.

Paulo Henriques Britto, nosso contemporâneo, descreve a tradução como

parte integrante da cultura brasileira através da introdução dos elementos não fixos

da cultura local. Ele acredita num ofício de identidade cambiante e igualmente

flexível que poderá receber, a qualquer momento, interferências de culturas

díspares. Como relatou Zygmunt Bauman, em uma entrevista dada a Bennedetto

Vecchi, no livro Identidade:

É nisso que nós, habitantes do líquido mundo moderno, somos diferentes. Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em movimento – lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por

muito tempo. (BAUMAN, 2005, p. 32)

Quanto às diferenças entre as variadas formas de se traduzir uma obra

literária de determinadas influências teóricas, há que se concordar que é uma

ciência, e que o tradutor necessita realizar diversos estudos para chegar à língua de

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destino, sendo o mais fiel possível nos diversos propósitos que o ofício oferece, sem

subverter a cultura da qual se originou o texto literário.

1.1 A Poética e a Tradução de Paulo Henriques Britto

A Poética é parte integrante nos estudos literários, que consiste em analisar a

estrutura verbal de um texto literário ou, em distinção com outro; de um poeta ou, em

distinção com outro; da estrutura métrica de um período ao outro; e de muitas outras

análises correlativas. Indo mais além, na visão de Roman Jakobson ―[...] muitos dos

procedimentos estudados não se confinam à arte verbal. [...]. Em suma, numerosos

traços poéticos pertencem não apenas à linguagem, mas toda a teoria de signos

[...]‖ (JAKOBSON, 1969, p. 119), como, por exemplo, na adaptação de um livro para

o cinema. Com isso, o linguista aproxima o estudo da Poética com o estudo da

Linguística.

No que tange à Poética de Paulo Henriques Britto, podemos ressaltar a

importância do fazer tradutório na sua formação de escritor, tanto quanto foi para

Ezra Pound, que a entendia como relevante no ato de compor seus poemas e de

compreender a literatura. John Milton ressalta:

De fato, duas das obras mais importantes desse século, Ulisses e The Waste Land, estão baseadas até certo ponto em referências diretas ou indiretas a outras obras. Os Cantos de Pound mostram

esse elemento de colecionador no processo criativo de Pound. (MILTON, 1998, p. 83-84)

Paulo Henriques Britto publicou volumes de textos literários em que há

poemas escritos no inglês. O livro Tarde (2007) possui a novidade no conjunto

intitulado ―Quatro autotraduções‖, em que o artista utiliza o recurso de traduzir do

português para o inglês e vice-versa, textos de sua autoria publicados em livros

anteriores como, por exemplo, ―Sonetilho de Verão‖, da publicação do Trovar Claro

(1997), traduzido por ―Summer Sonettino‖, em que reforça o caráter estético que

implica na renovação da língua de chegada, introduzindo um léxico novo com

inovações formais, prosódicas (estudo do ritmo) e sintáticas, como podemos

observar a seguir:

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―SONETILHO DE VERÃO Traído pelas palavras. O mundo não tem conserto. Meu coração se agonia. Minha alma se escalavra. Meu corpo não liga não. A idéia resiste ao verso, o verso recusa a rima, a rima afronta a razão e a razão desatina. Desejo manda lembranças. O poema não deu certo. A vida não deu em nada. Não há deus. Não há esperança. Amanhã deve dar praia.‖

(BRITTO, 1997, p.81)

―II

SUMMER SONETTINO

Seduced and betrayed by words. The world is a hopeless mess. My heart is bruised and hurt. My soul can‘t bear such treason. My body couldn‘t care less. My thoughts won‘t go into verse, my verse refuses to rhyme, my rhymes are adverse to reason, and reason‘s deserted my mind. Lust is in full season. My poetry is on the ropes. My life ins‘t any better. There is no god. No hope. Hmm. Great beach weather.‖

(BRITTO, 2007, p. 48)

Sua obra literária possui um intercâmbio do fazer poético com o acadêmico

filosófico e teórico. Nesse mesmo livro Tarde (2007), no ciclo de poemas intitulados

―Sete peças acadêmicas‖, Paulo Henriques Britto apropria citações do filósofo

Wittgenstein para discutir com ironia conceitos filosóficos, como se observa abaixo:

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―VI Por mais que se fale ou pense ou escreva, eis o veredicto: sobre o que não há de ser dito deve-se guardar silêncio. Ser, não-ser, devir, dasein, ser-pra-morte, ser-no-mundo: Valei-me, são Wittgenstein, neste brejo escuro e fundo sede minha ponte pênsil, escutai o meu não-grito: pois quando não há o que ser dito deve-se guardar silêncio.‖

(BRITTO, 2007, p. 72)

A estrutura de seus poemas constitui-se, em grande maioria, pelas formas

rígidas como, por exemplo, o soneto e o díptico, utilizando palavras cultas

mescladas com as de uso coloquial; mas essas propostas são recursos para ações

críticas, como explica o Mestre em teoria literária e literatura comparada Manuel da

Costa Pinto, no livro Literatura Brasileira Hoje (2005):

Poucos poetas brasileiros trabalham tanto sobre o repertório de formas fixas como Paulo Henriques Britto. Mas o uso que ele faz dos sonetos, dísticos ou quadras é irônico. Britto joga com as formas, olha-as de fora, apropria-se delas. É comum toparmos com sonetos cuja repartição tradicional seja inteiramente redesenhada, com

agrupamentos diferentes dos 14 versos. (COSTA PINTO, 2005, p. 50-51)

Diferente do Modernismo, os temas para a composição de textos literários

nos dias atuais são vistos sobre o ponto de vista de acontecimentos ―suspeitos‖. Os

poetas contemporâneos ironizam a metalinguística por conta da tradicional perda da

aura: advinda do descrédito ao cientificismo que outrora era tido como o futuro

restaurador do progresso; e o fim do nacionalismo, fruto da atual noção de

globalização mundial.

Pode-se observar, nas traduções de Paulo Henriques Britto, uma grande

influência da teoria de tradução de Haroldo de Campos - transcriação. Além de

verificar o toque nacional baseado na sua vivência com a cultura brasileira. Ele

acredita que a tradução sempre terá um pouco da identidade do tradutor e que

nunca terá uma transparência total no texto alvo. Admite tentar ser fiel, sendo que

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sempre haverá interferências da cultura da língua de destino. Portanto, pode-se

compreender que a tradução é bastante interpenetrável, pois receberá as marcas e

intercessões do local e do técnico.

A questão é que as diferenças entre as línguas já começam na própria estrutura do idioma, tanto na gramática quanto no léxico; isto é, na maneira de combinar as palavras e no nível do repertório de ―coisas‖ reconhecidas como tais em cada língua. Pois um idioma faz parte de um todo maior, que é o que denominamos de cultura; e as ―coisas‖ reconhecidas por uma cultura não são as mesmas que as outras reconhecem. (...) Às vezes uma palavra que existe num idioma simplesmente não encontra correspondência em outro, muito embora a realidade a que ambos se referem seja a mesma.

(BRITTO, 2012a, p. 14-15)

Como direcionamento mensurável, seu objeto de tradução, a poetisa norte-

americana Elizabeth Bishop, é o foco de estudo desta pesquisa, tendo como ponto

de apoio o volume Poemas Escolhidos de Elizabeth Bishop (2012), agenciados por

meio de seleção, tradução e textos introdutórios.

Vejamos a seguir um trecho do poema ―Pink Dog‖ de 1979, apontado como o

último escrito pela autora, e a tradução realizada por Paulo Henriques Britto, em que

a apropriação do tema de uma festa regional se faz presente, permitindo a ele uma

flexibilização na construção estética, de modo a enfatizar a identidade nacional, cara

para o texto alvo, no intercâmbio das culturas.

―Pink Dog

[…] Carnival is always wonderful! A depitated dog would not look well. Dress up! Dress up and dance at Carnival!‖ [...] ―O carnaval está cada vez melhor! Agora, um cão pelado é mesmo um horror... Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 384-385)

Observamos que o tradutor utilizou uma pequena expressão da marchinha

―Allah-la-ô‖ de autoria de Haroldo Lobo, muito conhecida pelos brasileiros, para

representar o Carnaval de modo mais nativo, substituindo o verso original ―Dress up!

Dress up and dance at Carnival‖ pelo ―Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!‖, dando

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indícios de uma recriação ao mudar a expressão ―Allah‖ por ―A-lá‖, e de uma

transcriação - teorizada pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, ao substituir a

palavra ―Carnival‖ por este som característico que remete a essa manifestação

popular.

A cultura de cada local, apesar de hoje em dia, viver na era da globalização,

ainda possui características próprias que devem ser respeitadas, pois o

conhecimento de mundo é diferente entre as diversas sociedades, conforme Michaël

Oustinoff (2011) salientou ao comentar a respeito da tradução de Eugene E. Nida,

um especialista em tradução bíblica, dizendo que:

Confrontando com civilizações diversas da nossa, o argumento da equivalência de efeito assume a dianteira sobre qualquer outra consideração; como fazer entender a parábola da boa semente e do joio a indianos do deserto, para os quais todo grão deve ser cuidadosamente enterrado e protegido e não semeado ao vento? Aferrar-se à letra faz correr o risco de uma distorção radical do sentido: naquela civilização, semear é em si um ato aberrante. Não se poderia então, segundo ele, utilizar as mesmas palavras. (OUSTINOFF, 2011, p. 56-57)

Paulo Henriques Britto dedica estudos teóricos para a tradução e possui uma

produção significativa no assunto. É carioca, nascido em 1951. Em alguns períodos,

ele viveu nos Estado Unidos. Entre 1962 e 1964 em Washington; em 1972 em Los

Angeles; e de 1972 a 1973 em São Francisco. Ele estabeleceu contato com a língua

inglesa e sua cultura nestes momentos de distanciamento de seu país; o que lhe

rendera, mais tarde, o conhecimento para a tradução de cerca de 80 livros e muitos

artigos, realizadas de forma direta (inglês-português) e indireta (português – inglês).

Formou-se na PUC do Rio de Janeiro em Letras Português-Inglês e recebeu

o título de mestre em Língua Portuguesa pela mesma instituição. Começou a fazer

suas traduções apenas como complementação de renda quando era professor em

cursos de inglês, mas hoje é profissional. Trabalhou nas obras de Wallace Stevens

(1987), Lord Byron (1989), Charles Dickens (1993), Elizabeth Bishop (1994), dentre

outras. É professor e leciona nas áreas de tradução, literatura brasileira e criação

literária na PUC-RJ, onde se formou. Em 2002, lhe foi concedido o título de Notório

Saber. É escritor de poemas e, também, recebeu notificações importantes como:

Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira pela obra Macau (2004), Prêmio

Alceu Amoroso Lima - Poesia (2004), dentre outros.

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Em seu livro A tradução literária (2012a), o poeta trata de questões como as

da instabilidade e estabilidade dos textos literários no fazer tradutório e que o ponto

focal está na avaliação do tradutor que recria. Ele analisa teóricos como, por

exemplo, Rosemary Arrojo e Paulo Vizioli, para construir a sua própria

argumentação.

Diante dessa análise apontada no parágrafo anterior, ele aborda a tradução

vinculada com o eu (ou das traduções feitas em conjunto) de quem traduz, sendo o

sujeito tradutor parte do texto traduzido e não caberia apenas a tarefa de

recodificação em outra língua como texto puro. O poeta reconhece os méritos dos

desconstrutivistas, mas não deixa que interferências do sujeito caiam no

descontentamento, como expressada na teoria pós-estruturalista.

Em artigo publicado em periódico da Universidade Federal de Santa Catarina

―Desconstruir para quê?‖ (2003b), Paulo Henriques Britto aborda o insucesso dessas

questões desconstrutivistas ou pós-estruturalistas:

Chegamos, pois, à pergunta do título: desconstruir para quê? Qual o saldo deixado pelo empreendimento desconstrutivista no campo da teoria da tradução? A meu ver o saldo é essencialmente positivo. Como espero ter demonstrado, a própria pratica textual dos teóricos da desconstrução revela a impossibilidade de se abrir mão dos pressupostos básicos da textualidade. Porém ao apontar para o caráter artificial desses pressupostos, os desconstrutivistas tiveram o mérito de problematizar muitas categorias que estavam reificadas. (BRITTO, 2003b, p. 46)

No volume Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop (2012), o tradutor leva em

consideração que a maioria das traduções escolhidas reflete as representações de

conhecidos da autora e a tradução está voltada para o entendimento dessa vivência

no Brasil. Tudo isso perpassa pela a identidade cultural, sendo o tradutor o foco

principal de suas escolhas.

Em seu texto introdutório ―Bishop no Brasil‖, Paulo Henriques Britto fala sobre

alguns dos temas de poemas que escolheu para recriar:

―Manuelzinho‖ e ―Squatter´s children‖ referem-se à família de posseiros que vivia no sítio de Lota. Não eram propriamente empregados da proprietária, mas como viviam de favor em sua terra prestavam-lhe pequenos serviços. As crianças de ―Squatter´s children‖, que de seu só possuem ―palácios de chuva grossa‖ são os

filhos de Manuelzinho. (BISHOP, 2012, p. 39)

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Vejamos uma estrofe do poema ―Squatter‘s Children‖ de Elizabeth Bishop, na

tradução de Paulo Henriques Britto e uma abordagem do seu fazer tradutório:

[…] ―weak flashes of inquiry direct as is the puppy‘s bark. But to their little, soluble, unwarrantable ark, apparently the rain‘s reply consists of echolalia, and Mother‘s voice, ugly as sin, keeps calling to them to come in.‖ […] […] ―fracos lampejos interrogativos, diretos como o latir do cachorro. Mas para as crianças, naquele abrigo solúvel, indesculpável, no morro, a resposta da chuva é tão vazia quanto uma vaga ecolalia, e a voz da mãe, antipática e insistente, manda que entrem imediatamente.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 232-233)

Observamos, acima, que, a palavra ―ark‖, que significa arca, o tradutor alterou

para ―abrigo‖, dando a impressão de aconchego. E no verso ―and Mother‘s voice,

ugly as sin,‖ traduzido na sua forma literal como: ―e a voz da mãe, feia como o

pecado‖, foi descrito por: ―e a voz da mãe, antipática e insistente‖. Isso demonstra

que suas traduções manifestam soluções que acrescentam diversidade no léxico

das palavras.

Constata-se que, nesta posição de ―recriador‖ em seu exercício de tradução,

podemos obter por base que, também nos poemas de autoria de Paulo Henriques

Britto, estão contidas as teorias de contestação que o tradutor delineia no seu fazer

poético, despidos de toda e qualquer aura que as palavras possuem (ou possuíam),

valorizando a língua coloquial. Dito nos versos de um dos poemas de Trovar claro

(1997): ―[...] Palavra que não digo e que não penso/ e, no entanto escrevo – eu sou

você? [...]‖ (BRITTO, 1997, p. 23), intera a passagem no texto ―O risco do Jogo

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(Paulo Henriques Britto)‖ do professor Luiz Costa Lima no seu livro Intervenções

(2002):

A poesia, a arte como bastião do sentido revelado, espécie de religião leiga, tornou-se para o homem das últimas décadas uma forma de mistificação. Daí a repugnância, pela primeira vez entre nós enunciada por João Cabral e agora reiterada por Paulo Henriques Britto, pela poesia ―dita profunda‖; aquela que choca seus ovos de costa para o mundo (o que não impede que, entretanto, esteja atenta

a chamar a atenção do mundo). (LIMA, 2002, p. 203)

1.2 Formas da Poética

Segundo o dicionário Aurélio (1986, p. 1352) a poética é ―a crítica literária que

trata da natureza, da forma e das leis da poesia.‖ Pode ter como referência a ligação

das palavras aos seus significados dentro de um determinado contexto social ou

individual. A poesia é um fato social carregado de ideologia, que se inscreve na

história universal.

Também, na mesma fonte, a poética é ―o estudo ou tratado sobre a poesia ou

a estética‖ (1986, p. 1352). Surge na filosofia antiga, com Aristóteles, que abordava

o método do discurso nas tragédias, em que o autor se faz passar por outro, no caso

de personagem; e, nos poemas, em que o escritor fala de si mesmo, destacando

noções teóricas fundamentais para as considerações futuras.

A reflexão interdisciplinar entre história, sociologia e cultura acerca da

Poética, compartilhando em igualdade com as questões sobre o conhecimento do

ofício de tradutor das obras literárias, foi observada por Susan Bassnett, no seu livro

Estudos de Tradução: fundamentos de uma disciplina (2003) e mostra que a

linguagem e sua prática conferem existência às realidades de um determinado

grupo, estando diretamente ligadas à vida humana num determinado espaço e

tempo, auxiliando no desenvolvimento da literatura e da sociedade.

Quanto à interdisciplinaridade, podemos também mencionar, ao abordar a

Poética, o conceito de crítica dialética discutida por Karl Marx em seu livro Crítica da

Filosofia do Direito de Hegel (2005), no qual destaca uma formulação hermenêutica

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que reflete o significado social na abordagem de fatos históricos como, por exemplo,

na religião ou na ciência.

O sociólogo romeno Arnold Hauser aborda conceitos claros da sociologia da

arte nas escolas burguesas da Europa em seu livro História Social da Arte e da

Literatura (2003), ampliando a ideia interdisciplinar aqui referida.

Muitos poetas, ao deixarem seus testamentos artísticos, conferem arte à vida

e, disso, implantam significados através dos seus diversos discursos, em vários

meios de expressão artística, constituindo, para a função poética, os amplos

caminhos de estudo e análise.

Nesse contexto de significados culturais sobre a poética, em uma reflexão

que examina as relações entre gêneros literários e poéticos, história e cultura, são

analisados processos constituídos no feitio de poemas relacionados como: os

estilos, os temas e as rimas, bem como as estruturas de composição de

determinados artistas.

Os Gêneros Literários são as diversas formas de trabalhar a linguagem

cultural, em detrimento de uma determinada época, fazendo com que essa

linguagem interaja com outras de diferentes contextos. Como afirma Soares (2007,

p. 7):

(...) a caracterização dos gêneros, tomando por vezes feições normativas, ou apenas descritivas, apresentando-se como regras inflexíveis ou apenas como um conjunto de traços, os quais a obra pode apresentar em sua totalidade ou predominantemente, vem diferenciando-se a cada época.

Aristóteles, em sua poética dividiu os gêneros em: lírico (poema), dramático

(tragédia) e épico (narrativa). O gênero a que pertencem os poemas como os de

Paulo Henriques Britto é o lírico. Mas, como se sabe, também a épica pode ser

composta em versos (longos, descritivos). E ―Não podemos esquecer que traços

líricos podem aparecer em textos épicos‖ (...) (SOARES, idem, p. 29). Dentre as

formas líricas, pode-se citar: a balada, a canção, a elegia, a ode, entre outras

(Soares, idem)

Ao examinar as funções poéticas nos estudos da linguística geral, o linguista

Roman Jakobson fala a respeito das particularidades de alguns gêneros poéticos, ao

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abordar na linguística, a influência de hierarquia nas outras funções verbais, no seu

ensaio ―Linguística e Poética‖ de 1969:

(...) As particularidades dos diversos gêneros poéticos implicam uma participação, em ordem hierárquica variável, das outras funções verbais a par da função poética dominante. A poesia épica, centrada na terceira pessoa, põe intensamente em destaque a função referencial da linguagem; a lírica, orientada para a primeira pessoa,

está intimamente vinculada à função emotiva; (...) (p. 129).

A rima confere ao poema o ritmo: pelos determinados números de sílabas;

pelas colocações, regulares ou não, das sílabas tônicas nos versos. O timbre é a

quantidade de rimas ou a ausência nos poemas, quando há versos livres; e o tom

são as pausas dos versos que podem ser lentas, medianas ou rápidas.

A configuração do poema e outros tipos de estrutura verbal variam de acordo

com o tempo, sobre o qual os críticos literários desenvolvem teorias que ajudam a

descrever certos fenômenos da linguagem artística.

Numa perspectiva histórica, a própria noção de gêneros literários também se amplia, pois já não é possível pensar, hoje, apenas em termos de três gêneros tradicionais (o lírico, o épico e o dramático). E nem essa classificação genérica e ampla resolve as invenções

propostas em cada texto em particular. (CARA, 1989, p. 7)

Na contemporaneidade, os artistas e poetas se servem de vários estilos como

forma de expressão. Neste contexto, Paulo Henriques Britto se apropria das formas

fixas e das rimas para compor os seus poemas de temas irônicos. Observemos

estas ocorrências na terceira parte do seu poema ―Três epifanias‖ do livro Mínima

Lírica (2013):

―III A posição de um objeto em seu lugar natural na geometria de um quarto no brilho artificial de uma lâmpada fria é inconfundível sinal de uma ordem manifesta soberana e mineral que desafia os gestos da mão que busca um final.‖

(BRITTO, 2013, p. 57)

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1.3 A Poética na Contemporaneidade

Na Introdução: ―Um ensaio sobre o pensamento‖ do livro O Homem que Sabe

(2011), a doutora em filosofia Viviane Mosé aponta para as mudanças no

pensamento Moderno em relação ao Contemporâneo:

[...] Não vivemos mais o mundo moderno, que se sustentou na ilusão de felicidade, de estabilidade, mas o mundo da desintegração, do desabamento da infinidade de construções que erguemos para sustentar a promessa de uma vida sem sofrimentos, sem perdas,

sem morte. (p. 13)

Como assinala o sociólogo Zygmunt Bauman (2001), vivemos numa

modernidade líquida, a qual figura para uma crise de identidades que é

caracterizada pela fluidez com que os fatos históricos são desviados para novos

significados, causando, assim, um desconforto para o homem do nosso tempo:

A sociedade que entra no século XXI não é menos ―moderna‖ que a que entrou no século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo diferente. O que a faz tão moderna como era mais ou menos há um século é o que distingue a modernindade de todas as outras formas históricas do convívio humano: a compulsiva e opressiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização;

a opressiva e inerradicável, insaciável sede de destruição criativa [...]

(p. 36).

A respeito das características que assinalam as incertezas do período Pós-

moderno, Eleanor Heartney (2002), na introdução do livro Pós-Modernismo, aponta

para a descrença filosófica no progresso da razão na ideia do Iluminismo. No campo

científico, comenta sobre a teoria da relatividade de Albert Einsten que derrubou a

teoria da constância de Isaac Newton e a tese das mudanças de ―paradigmas‖

proposta pelo cientista Thomas Kuhn:

A idéia científica que provavelmente causou o impacto maior na teoria pós-moderna foi a tese proposta por Thomas Kuhn para explicar a evolução do pensamento científico. Em sua obra pioneira The Structure of Scientific Revolutions (1962), Kuhn repudiou a ideia

convencional de que a ciência avança de uma maneira racional, cada nova descoberta sendo construída sobre a anterior e expandindo as ideias que a precederam. Em vez disso, propôs a história da ciência como uma série de rupturas, ou ―paradigmas‖, como as chamava,

que anulavam as suposições anteriores. [...] (HEARTNEY, 2002, p. 8)

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Com isso, as ideias de desconstrução e descontinuidade, vinculadas ao

pensamento contemporâneo, remetem a situações de linguagens com fissuras e

incompletudes de formulações antagônicas, afirmando que falta a verdade aos fatos

e, ao mesmo tempo, afirmando que é verídico os ―constructos ideológicos que

tentam fazer o que é produto de uma cultura ou sistema de pensamento particular

parecer natural e inevitável.‖ (HEARTNEY, 2002, p. 10).

Para Zygmunt Bauman (2001), a sociedade contemporânea está no estado

de fluidez. Esta metáfora é usada para denominar o quanto os fluidos se movem

com facilidade, diferentemente dos sólidos que são contidos e inflexíveis. Hoje, as

formas de sistemas governamentais não são ―dadas‖ e sim ―sugeridas‖ e a opção de

escolha caminha para a oferta do dia.

Nesse momento de fluidez, os artistas estão envoltos em se apropriarem de

toda forma de expressão artística, misturando estilos e gêneros, desconstruindo e

construindo novas ideias, em que a apropriação de um texto, no caso da literatura, é

uma mera causa sem riscos. Como consequência disso, Eleanor Heartney (2002),

ao tratar do conceito de pós-estruturalismo ordenado pelo teórico francês Roland

Barthes sobre ―A morte do autor‖, aponta:

O Texto, por sua vez, é uma rede de significantes entrelaçados e significados prorrogados que compõem o pós-estruturalismo. Ou como descrito por Barthes, o Texto é ―um espaço multidimensional" no qual uma variedade de escritos, nenhum deles original, se mistura e entrechoca. O texto é um tecido de citações extraídas de inúmeros

centros de cultura. (p. 10)

Na pós-modernidade, a utilização de variadas formas estilísticas dos poemas

por artistas literários na publicação de um livro, periódico ou nos posts cibernéticos,

se faz como expressão artística; visto que em tempo de livre movimento dos fluidos,

esta investida se mostra coerente, bem ao ritmo da contemporaneidade.

Um exemplo de artista que trabalha com o repertório da fluidez é o poeta

Paulo Henriques Britto. Ele se apropria das formas fixas dos sonetos, dos dísticos,

das quadras, dentre outros, utilizando-os de modo irônico para dar novos

significados. Seus sonetos são repartidos de forma diferente, modificando a ordem

tradicional estabelecida como, por exemplo, no primeiro dos ―Sete Sonetos

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Simétricos‖, publicado no seu livro Macau, no ano de 2003a, em que separa as

estrofes do soneto da seguinte maneira:

Em torno de uma mesa sem toalha / a discutir a difícil questão: // por que todo argumento sempre encalha / quando se tenta explicar a certeza / que inspira o que dispensa explicação. // Constrangimento geral nesta mesa. / Alguém pigarreia. Ninguém se atreve a / dizer palavra que pareça previa- / mente pensada pra causar surpresa. // Quem sabe a coisa não tem solução. // Não será este silêncio, talvez, a / resposta final? Mas algo atrapalha // o silêncio, impede a

concentração / total. Talvez a falta de toalha. [...] (BRITTO, 2003a, p. 41)

As ironias e os virtuosismos também fazem parte do mundo contemporâneo e

se estabelecem nos assuntos corriqueiros contidos na racionalização de uma perda

que será suplantada por uma próxima descoberta, até que outra ideia surja e se

coloque como sendo a mais nova verdade estabelecida, numa rede de

entrelaçamentos de proposições sem fim.

1.4 A Poiesis e a Tradução de Paulo Henriques Britto

De acordo com o Dicionário Aurélio, Poiesis é uma palavra grega que significa

―ação de fazer algo‖ e Poesia é a sua derivação no português moderno. O uso desta

palavra surgiu de conceitos filosóficos que vêm desde a antiguidade clássica indo

até a modernidade. Poiesis amplia e reforça os estudos da Poética porque é uma

forma de conhecimento do processo criativo e, também, uma forma lúdica que inclui

a noção do termo ―jogo‖ como a capacidade de produção e criação do saber literário.

Ela se faz em mediação com a tradução na medida em que esclarece os dados de

ludicidade da função ―imitativa‖ quando o tradutor se afasta do texto original.

O eu lírico de Paulo Henriques Britto abarca a esfera da ironia sobre a

tradição de ―pureza absoluta‖ do fazer artístico da tradição literária defendido pelo

modernismo. Seus poemas tratam a língua como um ser cambiante, fadado ao

patético das manifestações humanas: ―As coisas mais inocentes,/ que mais se

empedram em si,/ as coisas que menos importam,/ (...) são elas que mais oprimem/

na hora definitiva –/ não há pior testemunha/ que a pureza absoluta.‖ (BRITTO,

2013, p. 55)

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No seu fazer literário observa-se características como: a construção, a ironia

e o jogo de linguagem tanto acadêmica quanto de uso cotidiano. Elas partem da

forma clássica de construção para alcançar o trivial da linguagem. Na edição de

Formas do nada (2012b), Heloisa Jahn analisa sua poiesis na orelha da capa da

obra:

A fruição das palavras, com sons estranhos e proparoxítonas insólitas, aparece nos malabarismos impecáveis da métrica e do ritmo, que enrolam a imaginação do leitor para em seguida desenrolá-la con gusto. Ao mesmo tempo, o procedimento circular vai bem mais longe: se é verdade que ele promove uma espécie de enredamento, também aponta para o sentimento retirado e oculto do

poeta. (BRITTO, 2012b)

Paulo Henriques Britto, na voz de seus poemas, na metalinguística, expressa

o sentido de desconforto que atua nos significados das palavras. Nesse caráter de

decepção, o autor molda seus poemas, como o da ―Mínima poética‖: ―II (...) Palavra

é coisa feita, construída/ de uma matéria turva e densa, impura/ como tudo que tem

a ver com vida. (...)‖ (BRITTO, 2013, p. 101).

Esse olhar de descontentamento está direcionado, também, para a história

literária como, por exemplo, a arte Concreta Brasileira dos anos 1950 e 60,

encabeçada pelos poetas Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de

Campos: ―(...) A pedra só é bela, embora dura,/ se meu desejo em torno dela tece/

uma carne de sentido, e acredita/ que desse modo abranda e amolece/ o que só por

ser áspero me excita./ Nesse momento o cristal é completo,/ e o poema – este, sim –

concreto.‖ (BRITTO, 2013, p. 101).

O tradutor deixou seu testemunho teórico sobre a tradução no livro A tradução

literária (2012a), em que se constata sua forma de traduzir e de olhar o ofício

tradutório com rigor expresso e aprecia-se sua poiética da tradução metamorfoseada

numa linguagem de comparação com o eu lírico.

Numa análise de tradução, onde aponta o passo a passo de um poema de

Emily Dickinson, contida no capítulo intitulado ―A tradução de poesia‖, ele observa

que a tradução literal do verso distorce o significado original porque ―(...) Dickinson

parece estar virando do avesso um lugar-comum, a ideia de que o pensamento

lógico e racional funciona nas situações cotidianas (...)‖ (BRITTO, 2012a, p. 135).

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Como dito anteriormente, Paulo Henriques Britto trata as palavras eliminando

o sentido ―puro‖ que elas poderiam carregar ao questionar a metalinguagem.

Vejamos o poema e sua primeira tradução:

―A "Fé‖ é uma ótima invenção Quando os Cavalheiros enxergam - Mas os Microscópios são prudentes Numa Emergência.‖

(BRITTO, 2012a, p. 138)

A segunda tradução contida, ele procura manter ―a forma poética do original,

ou algo semelhante a ela‖ (BRITTO, 2012a, p. 139):

―Quando se pode enxergar, A ―Fé‖ tem conveniência; Mas Microscópios convêm

Em caso de Emergência.‖

A terceira tradução:

―A ―Fé‖ é um ótimo invento Quando se enxerga a contento; Mas numa Emergência, não: Tenha um Microscópio à mão.‖

(BRITTO, 2012a, p. 142)

A respeito da preservação do conteúdo formal em sua recriação da tradução

do poema de Emily Dickinson, Paulo Henriques Britto (2012a) esclarece: ―(...) a

tradução de um poema que ignore por completo os elementos formais não é apenas

uma má tradução poética: não é nem sequer um poema. (...)‖ (p. 138).

Os poemas de Emily Dickinson possuem uma ironia peculiar encontrada, num

outro viés, nos poemas de Paulo Henriques Britto. Na mesma análise de tradução

da poetisa norte-americana, o autor tece comentário que se aproxima de sua

temática que contém traços que define a autoironia que ele mantém, como por

exemplo, dos limites da linguagem. O tradutor comenta a importância de se

preservar o mesmo tom irônico no conteúdo semântico do texto da poetisa:

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O uso da palavra gentlemen... [―Faith‖ is a fine invention/ When

Gentlemen can see – (...)], ainda mais com inicial maiúscula, tem uma implicação claramente irônica: essas pessoas cuja fé (ou ―fé‖) é uma boa ―invenção‖ nas situações cotidianas são respeitáveis ―cavalheiros‖ vitorianos, que vão à igreja todos os domingos

acompanhados de suas ―damas.‖ (BRITTO, 2012a, p. 141)

De modo a realizar uma relação com o seu processo tradutório e o estilo de

fazer poemas de Paulo Henriques Britto, pode-se destacar que o poeta fala sobre a

preservação do rigor formal da mesma forma como trata a confecção de seus

próprios poemas, em que se mantém ligado com as questões contemporâneas do

fazer artístico. No conjunto de textos intitulado ―Oficina‖, do livro Formas do Nada

(2012b) temos o seguinte soneto:

―II Umas às vezes aparecem sem nem ter sido convocadas.

Não têm razão, origem, nada que se calcule, pese ou meça. E mesmo assim elas se impõem com a força de quem não admite contra-argumentos nem limites, nem desculpas, nem exceções. Há que deixá-las entrar sempre, por dever de hospitalidade e temor supersticioso: pois não se bole impunemente com a contingência, com o acaso, esses deusinhos perigosos.‖

(BRITTO, 2012b, p. 14)

Para entender o rigor formal do soneto e seu sentido histórico, temos a

seguinte conceituação: soneto vem do italiano sonetto, que significa uma pequena

canção, de forma fixa.

O soneto foi criado na Itália por volta do século XII, na Sicília, mas coube ao

florentino Petrarca aperfeiçoar sua estrutura numa forma fixa, contendo 14 versos

com rimas consoantes ABBA ABBA CDC DCD, divididos em duas estrofes de quatro

versos e duas estrofes de três versos.

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O poeta Francesco Petrarca é considerado o primeiro humanista e mestre do

classicismo da Renascença. Iniciou os estudos de textos clássicos que estavam

agrupados nas bibliotecas italianas como, por exemplo: De consolatione de Sêneca;

Fedon de Platão; e Pro arquia de Cícero. Segundo Arnold Hauser (2003), a

retomada dos estudos clássicos gregos e romanos iniciou-se na Itália ―(...) porque a

tradição da Antiguidade Clássica nunca se perdeu inteiramente nesse país, onde

ruínas clássicas são vistas em toda parte. (...)‖ (p. 282).

Nesse princípio de unidade visível como no soneto petrarquino, a lógica

interna do enfoque no período caracteriza o final da Idade Média e o início da Idade

Moderna, a partir do surgimento do Renascimento na Itália. Segundo Arnold Hauser

(2003) a sociologia da arte oferece essa visão sobre o período:

Com os princípios de unidade que inspiram sua arte, a Itália prenuncia o classicismo da Renascença, tal como prenuncia o desenvolvimento do capitalista do Ocidente com seu racionalismo econômico. Pois a Renascença, no início, é um movimento essencialmente italiano, em oposição à Alta Renascença e ao maneirismo, que são movimentos europeus universais. A nova cultura artística aparece pela primeira vez em cena na Itália, pois esse país também lidera no Ocidente em questões econômicas e

sociais [...] (p. 282).

Paulo Henriques Britto está vinculado a uma tradição que remonta o início do

século XX, tendo como base os estudos teóricos de Ezra Pound, que influenciaram

os irmãos Campos, de quem o poeta pode ser considerado discípulo.

Para Ezra Pound, a crítica literária só é válida enquanto exercício de olhar,

escutar e fazer, deixando em segundo plano o teorizar. Para ele, não importava a

quantidade de livros que se lesse falando sobre um determinado quadro, pois só se

realizaria a concepção cognitiva diante da obra original. Ele fundamentou a crítica

como ação, que acabaria com a separação entre obra e leitor.

No contexto tradutório, Ezra Pound praticava o exercício crítico aliado ao

fazer poético, que incluía a tradução como desenvolvimento criativo desta

modalidade em sua recriação. Ou seja, o crítico e tradutor é, antes de tudo, o artista

e o no envolvimento e na interpretação da obra original para uma criação de uma

linguagem desejada, constituindo sua poiesis artística. Em sua opinião, o fazer

poético e a tradução são frutos do confronto direto entre o eu e o outro, tensão pela

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qual o poeta e o tradutor se colocariam diante de uma recriação como: diálogo e

cognição, ambos no processo artístico do ser.

1.5 Elizabeth Bishop sob o Ponto de Vista de Britto

Paulo Henriques Britto, no seu fazer tradutório, desenvolve um exercício

cognitivo, na medida em que, ao traduzir para o português os poemas da norte-

americana Elizabeth Bishop, se aprofunda no estudo de pesquisa sobre a autora,

dando aos seus textos uma autenticidade que o torna um equivalente entre os

melhores de toda a tradução literária, em especial da autora de Geography III.

Segundo textos introdutórios de Paulo Henriques Britto no livro Poemas

Escolhidos de Elizabeth Bishop (2012), ela nasceu em 1911 na cidade de

Worcester, nos Estados Unidos e perdeu o pai, ainda muito pequena. Depois da

perda, sua mãe passou a sofrer surtos psicóticos e foi internada em um hospital

psiquiátrico.

Ela passa a ser criada por inúmeros parentes. Aos cinco anos de idade, foi

entregue aos cuidados dos avós maternos. Em 1917, a criança foi levada para morar

com os avós paternos menos afetuosos e, mais adiante, mudou de lar, passando a

morar com seus tios.

Segundo a visão de Paulo Henriques Britto, a vida de Elizabeth Bishop

sempre solitária, de um lado para o outro, lhe imprime a sensação de que não

pertence a lugar algum, podendo ter sido uma motivação para suas viagens pelo

mundo, que se iniciaram em 1938, para a França, Canadá, Espanha, Inglaterra,

Itália, Marrocos, México e Haiti. ―Daí em diante Bishop viveu como uma expatriada –

pois o Canadá fora a sua verdadeira terra natal - na condição de agregada de

parentes e amigos, sem jamais se sentir realmente em casa.‖ (BISHOP, 2012, p.

32).

Porém o lugar que lhe conferiu um aconchego mais familiar e a sensação de

estar menos sozinha foi o Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro, onde a

escritora passou a experimentar a vivência de um lar, recriando poeticamente sua

vida passada e presente. ―Assim, o extremo norte da vida da poetisa, representado

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pelo Canadá, e seu extremo sul, o Brasil, passaram a tocar-se na sua imaginação.‖

(BISHOP, 2012, p. 32)

O tradutor de Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop (2012) relata que no

início da década de 1950, mais propriamente em 1951, Elizabeth Bishop navega

pela costa da América do Sul, com a renda de uma bolsa de estudos que recebeu e

instala-se num apartamento com Maria Carlota Costallat de Macedo Soares,

arquiteta e urbanista, quem havia conhecido anteriormente em Nova York,

passando, posteriormente, a fixar residência em Petrópolis. Encontrando, então, a

paixão amorosa e o lar que tanto procurava, estes tornam-se os elementos centrais

de sua vida emocional

Os dois primeiros poemas escritos por ela aqui no Brasil foram ―Arrival at

Santos‖ e ―Questions of travel‖. Neste último, como podemos observar e de acordo

com o depoimento do tradutor Paulo Henriques Britto, a poetisa ressalta a paisagem

brasileira que causou nela um sentimento de exagero:

―Questões de viagem

Aqui há um excesso de cascatas; os rios amontoados correm depressa demais em direção ao mar, e são tantas nuvens a pressionar os cumes das montanhas que elas transbordam costa abaixo, em câmera lenta, virando cachoeiras diante de nossos olhos.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 227 – Tradução de Paulo Henriques Britto)

Paulo Henriques Britto atenta para os títulos destes dois poemas que

mostram a necessidade e a procura incessante de Elizabeth Bishop por um lar.

Segue um trecho em inglês e sua tradução do poema ―Arrival at Santos‖

escrito em janeiro de 1952 pela poetisa, um pouco depois dela aportar no Brasil em

dezembro de 1951:

―Chegada em Santos

Eis uma costa; eis um porto; após uma dieta frugal de horizonte, uma paisagem: morros de formas nada práticas, cheios – quem sabe? – de [autocomiseração, tristes e agrestes sob a frívola folhagem,‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 219 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

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Ainda na visão de Paulo Henriques Britto, Elizabeth Bishop não se sentia em

―casa‖ quando estava reunida com os intelectuais locais, pois sentia que estes não a

valorizavam ou que possuíam algum tipo de receio ou olhar crítico em relação aos

Estados Unidos. Com base nas cartas traduzidas de Elizabeth Bishop, Lota de

Macedo tentou aproximá-la do círculo intelectual e criar um ambiente favorável para

o seu convívio com os escritores e notáveis da época.

Elizabeth Bishop adorava a natureza brasileira, o que despertara seu

interesse por conhecer a Amazônia. Amava o Carnaval com suas marchinhas e

considerava a literatura de cordel legítima. Chegou a traduzir algumas marchinhas

para a língua inglesa. ―As melhores [escolas] são mesmo magníficas – centenas de

negros cobertos de sedas e cetins – perucas brancas e trajes Luís XV são muito

comuns, ou então do período colonial brasileiro – com baterias maravilhosas.‖

(BISHOP, 1995, p. 382).

Gostava dos escritores Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,

João Cabral de Melo Neto, Joaquim Cardozo, Clarice Lispector dentre outros e

destacava Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, como

estimado livro, além de Os Sertões de Euclides da Cunha e Infância de Graciliano

Ramos. Indicava Machado de Assis como um dos melhores escritores de prosa, mas

achava o ambiente cultural do Rio de Janeiro muito pobre e limitado. Cita a

cordialidade dos brasileiros que expressam seu afeto por quem não conhecem, a

sua alegria quando se divertem entre amigos tomando um simples café – que

considerava excepcional - ou tocando violão, como características interessantes do

local.

De acordo com Paulo Henriques Britto, a partir de 1960, seus poemas

refletem a realidade do Rio de Janeiro, cidade que não a agradava muito, por

motivos da falta de limpeza, do provincianismo, da pobreza, dentre outras limitações

retratadas no poema ―The Pink dog‖ e a balada ―Going to the bakery‖. Neste último,

pode-se observar a rejeição que Elizabeth Bishop exprime em relação ao ambiente

carioca: ―.../ Com um bafo de cachaça / potente feito uma bazuca / aponta a

bandagem branca / e me diz coisas malucas.‖ (BISHOP, 2012, p. 311)

Podemos observar que a natureza exótica reflete-se na sua poética como

tema de inspiração. O profundo sentimento que o Brasil imprimiu na autora

(nostalgia e repulsa), retrata o horror e o fascínio que os trópicos despertaram na

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poetisa. Pode-se observar isto na passagem de Robinson Crusoé sozinho numa ilha

deserta, no poema ‗Crusoé na Inglaterra‘.

Segundo Paulo Henriques Britto, esse poema, usando a máscara de Crusoé,

numa inversão de gêneros, permite à autora falar de sua vida pessoal com muito

humor, ao narrar o encontro dele com a natureza e com a personagem Sexta-Feira,

numa ilha deserta, evocando sentimentos e percepções sutis sobre o amor, o

homossexualismo e a perda de objetos e da pessoa amada.

―Crusoé na Inglaterra

Um vulcão novo entrou em erupção, dizem os jornais, e li na semana passada que viram de um navio uma ilha nascer: primeiro uma fumaça, a dez milhas de distância; depois um ponto negro – basalto é quase certo – surgiu no binóculo do imediato e cravou no horizonte feito uma mosca. Deram-lhe um nome. Mas a minha pobre ilha não foi redescoberta nem rebatizada. todos os livros erram quando falam nela. [...] Quando pensei que não aguentava mais nem um minuto, chegou Sexta-Feira. (Os relatos desse encontro estão errados). Sexta-Feira era bom. Sexta-Feira era bom, e ficamos amigos. Ah, se ele fosse mulher! Eu queria propagar a minha espécie, e ele também, creio eu, pobre rapaz. Às vezes brincava com os cabritos, corria com eles, ou levava um no colo. - Bonita cena; ele era bonito de corpo.

E um dia vieram e nos levaram embora. [...] O museu daqui me pediu que eu lhe deixasse tudo em testamento: a flauta, a faca, esses sapatos murchos, as calças de camurça a descascar (o couro está cheio de traças), a sombrinha que me deu tanto trabalho lembrar para que lado viram as varetas. Ainda funciona, mas dobrada como está parece uma galinha magra depenada. Como que alguém pode querer coisas assim? - E Sexta-Feira, meu querido Sexta-Feira, morreu de sarampo, vai fazer dezessete anos agora em março.‖

Tradução: Paulo Henriques Britto (BISHOP, 2012, p. 327).

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A escritora, além dos sentimentos de expatriação e de perda, que sempre

acompanharam as suas relações humanas e a sua vida, nos revelará que

―chegando o momento, o amor e a morte atacarão – mas não se tem a mínima ideia

de quando isso acontecerá. Quando acontecer vai pegar você desprevenido‖

(BAUMAN, 2004, p. 17).

Quando a relação de Elizabeth Bishop termina em 1967, após o falecimento

de Lota em Nova York, a poetisa passa a viver na Califórnia, São Francisco. De

acordo com Paulo Henriques Britto, observa-se que, através de cartas escritas para

uma amiga, ficaram impressas na alma da poetisa em questão, saudades do Brasil

―depois de morar em Samambaia e no Rio, nunca mais vou achar graça em

paisagem nenhuma‖. (BISHOP, 1995, p. 558).

Segundo relatos do tradutor no livro Poemas Escolhidos de Elizabeth Bishop

(2012), no final de sua vida, a poetisa adquiriu um apartamento no porto de Boston e

o decorou com muitos artefatos e peças brasileiras desde carrancas do Rio São

Francisco até santos e ex-votos, remontando as lembranças do Brasil. Elizabeth

Bishop inclusive trocava as roupas dos santos de acordo com as festividades no

Brasil.

1.6 A Poética e a Tradução de Elizabeth Bishop na Visão de Britto

Entre 1930 e 1940 a poética inicial de Elizabeth Bishop baseava-se em

poemas ―imagistas‖ e ―surrealistas‖, que podiam ser interpretados como o início de

sua carreira de escritora de poemas. De acordo com o tradutor Paulo Henriques

Britto:

À luz da produção posterior da autora, esses poemas ―imagistas‖ – como também os ―surrealistas‖ da mesma época – têm em comum uma tensão entre, de um lado, a objetividade aparente do olhar, a secura da linguagem, a disciplina da forma, e, do outro, um conteúdo

fortemente emocional... (BISHOP, 2012, p. 19)

O imagismo surgiu na década de 1920 e utilizava linguagem coloquial,

imagem e versos livres que não se preocupava com a métrica e a rima. Este

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movimento de vanguarda é o sucessor do simbolismo francês, só que, em vez de

usar as imagens simbólicas da pintura, usavam as imagens representacionais da

escultura.

Segundo ele, em um dos poemas dela classificados como surrealista, ―The

man-moth‖, ―a figura do homem-mariposa é cômica‖, possui conteúdo emocional

forte, mas ―secura da linguagem‖ e ―disciplina da forma‖ (BISHOP, 2012, p. 19),

muitas vezes personagens associados a questões e papéis sexuais.

Paulo Henriques Britto comenta que Elizabeth Bishop, até 1940, era

interpretada como uma seguidora da poetisa Marianne Moore, quem Elizabeth

Bishop teve o privilégio de ser apresentada, um pouco depois de terminar sua

graduação.

Marianne Moore e sua mãe realizavam as revisões dos seus poemas.

Elizabeth Bishop era admirada por seu ―olhar clínico‖ (grifo nosso), sua habilidade de

descrever e detalhar lugares, animais, além do uso da subjetividade e de grande

teor psicológico em suas obras. No entanto, no poema chamado ―Roosters‖, escrito

em 1940, o mais audacioso até aquele momento, pelo fato do galo representar

―aspectos odiosos e desprezíveis da humanidade com fortes marcas de gênero: .. o

homem é o agressor irracional‖,segundo Paulo Henriques Britto em (BISHOP, 2012,

p.27); Elizabeth Bishop, herdeira do modernismo norte-americano, demonstra

maturidade e segurança em não aceitar as modificações que Marianne Moore

realizou, pois ―todos os elementos ‗desagradáveis‘ – eróticos, escatológicos ou

violentos – são eliminados, como por exemplo, as referências à poligamia dos galos,

à titica e às penas ensanguentadas dos galos mortos.‖ (BISHOP, 2012, p. 21) A

subjetividade era vista por Marianne Moore como ―vulgaridade ou mesmo de

obscenidade‖. (BISHOP, 2012, p. 21) Esse comportamento da não aceitação por

parte de Elizabeth Bishop deixava claro o ganho de autonomia no seu fazer poético.

Ainda, segundo Paulo Henriques Britto, quanto à trajetória poética de

Elizabeth Bishop:

[...] temos um primeiro momento em que há ao menos uma tentativa de observar alguns princípios do alto modernismo – reticência, impessoalidade, objetividade, elementos imagistas e surrealistas convivendo com uma forte tensão emocional. Aos poucos, sem que a atenção aos detalhes visuais seja deixada de lado, a vocação subjetivista da autora vai se fazendo impor de modo mais explícito, e a obscuridade esquiva dos primeiros poemas dá lugar a uma voz

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mais pessoal e emocionada. Por fim, temos a irrupção do corpóreo, sob os aspectos opostos e complementares da paixão amorosa e do

grotesco. (BISHOP, 2012, p. 24)

Segundo ele, a poética de Elizabeth Bishop também foi influenciada, a partir

de 1950, pelo poeta Robert Lowell, de quem era amiga. Nesta época, o poema nos

Estados Unidos incorpora influências do expressionismo neorromântico. Os seu

trabalho passa a um tom mais pessoal e nostálgico em 1951, depois de encontrar

morada nos Trópicos.

Nesse momento, encontrado o seu lar e amor no Rio de Janeiro, se fixa em

Petrópolis numa residência denominada Casa de Samambaia, onde Elizabeth

Bishop se vê envolvida em muitos cuidados por parte de sua companheira e de toda

a natureza harmônica da região. Toda esta sensação de completa felicidade pode

ser vista no poema ―Song for the rainy season‖ – ―... / a casa que é nossa, / sob a

rocha magnética, / exposta a chuva e arco-íris, / onde pousam corujas / e brotam

bromélias / negras de sangue, liquens/...‖. (BISHOP, 2012, p. 247).

A natureza apaixonante é uma metáfora da relação com sua companheira

Lota de Macedo e à medida que esta vai se intensificando, seu amor pelo Brasil

também se eleva. Segundo o seu tradutor Paulo Henriques Britto:

O que Bishop deixa claro, tanto nos poemas de amor como nas cartas escritas nos anos 1950, é que sua paixão pelo Brasil é sempre mediada pela paixão por Lota. Ou seja, é só na medida em que lhe é possível identificar a terra com a mulher amada que Bishop pode

amar o Brasil. (BISHOP, 2012, p. 37)

Após a volta da poetisa para a Califórnia, Elizabeth Bishop começa a traduzir

escritores brasileiros como: Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Manoel

Bandeira, Joaquim Cardozo, além de seu escritor e poeta favorito, Carlos

Drummond de Andrade, com a intenção de reunir todos numa antologia poética.

No que concerne à influência exercida do português, no que diz respeito à

poética para com sua língua de origem, o inglês, a tradução para a poetisa teve

pouca importância em sua consciência linguística, como declarou em uma entrevista

realizada por Ashley Brown, em 1966:

AB: E a respeito da língua portuguesa? Você acha que ler, falar (e

estar cercada por ela) aumentou sua consciência do inglês?

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EB: Eu não tenho o costume de ler em português – apenas jornais e

alguns livros. Depois de todos esses anos, sou como um cachorro. Compreendo tudo o que dizem, mas não me comunico muito bem. Não acredito particularmente em que minha consciência acerca do

inglês tenha aumentado. (MONTEIRO, 2013, p. 43)

Quanto a sua impressão em relação à língua portuguesa, declarou: ―[...]

parece solto demais – não se pode usar o discurso coloquial dessa maneira.

Gramaticalmente, é uma língua muito difícil. Até mesmo brasileiros de boa formação

escolar se preocupam ao escrever em sua própria língua. [...]‖. (MONTEIRO, 2013,

p. 43)

Elizabeth Bishop achava muito difícil a tradução tanto da língua coloquial

quanto da língua culta, preferindo o meio termo. Por esta razão, optou por traduzir

os poemas feitos em versos livres, principalmente os de Carlos Drummond de

Andrade, num total de sete poemas, incluindo o extenso ―A Mesa‖, iniciada em 1963.

Veja uma estrofe do poema:

“A Mesa

Carlos Drummond de Andrade [...] Agora a mesa repleta está maior do que a casa. Falamos de bôca cheia, xingamo-nos mùtuamente, rimos, ai, de arrebentar, esquecemos o respeito terrível, inibidor, e tôda a alegria nossa,‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 80)

Este trecho do poema, na tradução de Elizabeth Bishop ficou da seguinte

forma: ―The Table

[...] And now the table, replete, is bigger than the house. We talk with our mouths full, we call each other names, we laugh, we split our sides, we forget the terrible inhibiting respect, and all our happiness‖ […]

(BISHOP, 1972, p. 81)

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Apesar de declarar a pouca influência da língua portuguesa para a sua língua

nativa, não é ilícito afirmar que esta tenha influenciado na sua poesia. Elizabeth

Bishop pertence à geração de poetisas modernistas, em que o rigor formal vai se

diluindo, tornando-se mais ―solto‖ e ―livre‖, coincidindo com a escolha dos poetas

brasileiros para a sua tradução que trabalhavam com os mesmos temas e estilos.

Observamos que seus poemas, assim como aqueles que escolheu traduzir,

são, na sua maioria, compostos de versos livres em que não há a preocupação em

escolher palavras que se encaixem na rima do texto-fonte, podendo ser o mais fiel

possível na clareza das palavras.

Como comentado por Paulo Henriques Britto, no plano individual, ocorreu um

fator relevante na poética de Elizabeth Bishop, depois do relacionamento com Lota

de Macedo, pois ―[...] encontrou, nessa mesma época, o lar que tanto procurava na

casa de Lota de Macedo Soares, e com ela conheceu a paixão amorosa que se

tornaria o elemento central de sua vida [...]‖ (BISHOP, 2012, p. 21). É no Brasil, que

os seus poemas passam a ser mais diretos em suas experiências pessoais, como

narrado no poema ―The Shampoo‖.

Com isso, podemos dizer que há uma oblíqua referência em relação à

influência da língua portuguesa na sua poética da tradução, observada no momento

em que a artista vem para o Brasil e nas escolhas de temas semelhantes aos de

Carlos Drummond de Andrade em seus textos literários - ocorridos depois do seu

trabalho de tradução.

Contudo, não há de se negar que tenha sido crucial essa experiência

tradutória, se valermos que a negação dessa língua estrangeira (no caso, a língua

portuguesa) - revelada em entrevista concedida a Ashley Brown em 1966 - poderá

estar associada ao período de instabilidade da sua relação amorosa com Lota de

Macedo, aparentemente iniciada no ano de 1965, após a compra de uma

propriedade em Ouro Preto, longe do Rio de Janeiro e de Petrópolis. Um velho

casarão que batizara com o nome de Casa Mariana, em homenagem à amiga

Marianne Moore, sua primeira mentora literária.

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No texto introdutório ―Bishop no Brasil‖, do livro de obras traduzida Poemas

Escolhidos de Elizabeth Bishop, Paulo Henriques Britto escreve:

Nos primeiros tempos após a compra da casa, Bishop viaja constantemente, dividindo-se entre Ouro Preto, Rio e Seattle, onde aceita um convite para dar aulas no final de 1965. Em Seattle tem um caso com uma jovem recém-separada, mãe de um menino pequeno; é o primeiro sinal concreto de que ela já não tem muitas ilusões

quanto ao futuro de sua relação com Lota. (BISHOP, 2012, p. 51)

Outro fator que impera ao associar seu trabalho com sua poética relacionada

à tradução, foi a memorável recriação do único poema de Vinícius de Moraes

―Soneto de intimidade‖, que lhe valeu uma publicação na revista norte-americana

The New Yorker, antes mesmo do lançamento do livro Brazilian Poetry. Paulo

Henriques Britto ressalta: ―[...] a dicção, as imagens, a estrutura formal, tudo é

captado numa versão que funciona muito bem como um poema inglês [...]‖

(BISHOP. 2012, p. 57)

Segundo Paulo Henriques Britto, Elizabeth Bishop, no seu último livro

Geography III, lançado em 1976, faz um balanço de sua existência, tentando dar a

ela algum significado: mostra a reflexão sobre o seu exílio, seu isolamento, sua

solidão, sua vida forasteira, a dificuldade de se adaptar em terras estrangeiras, a

perda dos objetos pessoais e a dor da perda de pessoas queridas.

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2 TRADUÇÃO, TEORIA E IDENTIDADE

2.1 Traduções e seus Aspectos

A tradução de um texto não é algo que se faz aleatoriamente, sem o

conhecimento de sua função, da sua linguagem, da origem do texto e de seu

destino. O contexto em que o texto-fonte está inserido é característica determinante

do olhar que o tradutor terá em relação à tradução. Deve-se perguntar: ―Quem

escreveu este texto?‖, ―A quem se destina?‖ ―Que gênero textual está trabalhando?‖

―Que tipo de texto é este?‖. A partir destes questionamentos, o tradutor saberá os

melhores procedimentos técnicos a serem utilizados na tradução.

A boa tradução não requer apenas o conhecimento das línguas de origem e

de destino, há técnicas que auxiliam, mas que requerem o conhecimento de

algumas questões que são abordadas neste capítulo. O tradutor deverá se perguntar

―Que texto é esse?‖, estudar as intenções do autor e a língua em seus aspectos

semânticos, gramaticais, fonéticos, sintáticos e culturais, para que possa traduzir

com bom senso. Cada profissional possui uma forma de traduzir que é a sua marca,

seguindo as normas literárias e as propriedades das línguas em questão. Todos

estão sujeitos a interpretar o texto-fonte de acordo com suas perspectivas pessoais

e culturais.

E, em se tratando da tradução de poemas, as dificuldades do tradutor tornam-

se maiores, segundo Paulo Rónai (2012). Ele comparou a tradução destes às de

outros textos quando disse que:

[...] para transmitir a mensagem do seu original, ele tinha de esquecer momentaneamente as palavras em que esta era vazada e reformulá-la na sua língua. Em poesia, porém, não há mensagem vazada em palavras, pois estas fazem parte da mensagem. A sonoridade e o acento dos vocábulos, o seu aspecto visual, a harmonia das rimas, o comprimento e o ritmo dos versos, a composição das estrofes, tudo isso é conteúdo e forma ao mesmo tempo e portanto o tradutor tem de guardá-los presentes ao espírito

enquanto recria o poema em seu idioma. (p. 155-156)

Se observadas duas traduções de um mesmo texto, notar-se-á que haverá

muitas diferenças, pois de acordo com Paulo Rónai (1987) ―não há equivalências

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absolutas, uma palavra, expressão ou frase do original podem ser frequentemente

transportadas de duas maneiras, ou mais, sem que se possa dizer qual das duas é a

melhor.‖ (p. 23). O tradutor é quem terá a tarefa de dar o sentido mais adequado ao

texto, de acordo com sua interpretação e as características das línguas e de suas

culturas em questão. Segundo suas palavras:

Candidatos a tradutor costumam perguntar a quem os contrata se devem fazer tradução literal, mot a mot, ou tradução livre. Na

verdade não existe tradução literal. Uma frase latina tão simples como Puer ridet deve ser traduzida em três palavras por ―O menino ri‖ ou ―Um menino ri‖, embora nenhum dicionário do mundo dê como equivalente de puer ―o menino‖ ou ―um menino‖ [...] Ora, ninguém

pode qualificar essas traduções de livres, já que representam as únicas versões possíveis, exatas e fiéis das fórmulas originais. Daí resulta que a noção de fidelidade implica talvez menos aderência às palavras da língua-fonte do que obediência aos usos e às estruturas

da língua-alvo. (RÓNAI, 1987, p. 22)

Susan Bassnett e Andre Lefevere (1990) comentam que ―traduções

realizadas em épocas diferentes tendem a ser feitas sob condições diferentes e, por

isso, resultam diferentemente, não porque sejam boas ou ruins, mas porque foram

produzidas para satisfazer diferentes exigências.‖ (LEFEVERE; BASSNETT, 1990,

p. 5) E que ―a grande diferença entre um texto e um metatexto é que o primeiro se

encontra fixado no tempo e no espaço e o segundo é variável. Há somente uma

Divina Comédia, mas há inúmeras leituras e teoricamente inúmeras traduções.‖

(BASSNETT, 2003, p. 142).

O teórico Michaël Oustinoff (2011) afirma que as línguas possuem suas

particularidades e diferenças e, portanto, necessitam de adaptações ou adequações

conforme a cultura local. Em sua opinião, o ―decalque‖ – técnica de tradução que

consiste na tradução literal de sintagmas - não seria a forma mais contundente de

realizar uma tradução:

A mais fundamental é, não há dúvida, a seguinte: não existe tradução ―neutra‖ ou ―transparente‖ através da qual o texto original apareceria idealmente como em um espelho, identicamente. Por isso, aqui não há espaço para ―decalque‖, em razão do próprio trabalho (―energeia‖) da língua, seja aquele que se opera no interior da língua ―tradutória‖ ou aquele que se produz no próprio seio da língua original. Desse ponto de vista, escrita e tradução devem ser

situadas exatamente no mesmo patamar. (p. 22)

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Qualquer obra literária está diretamente relacionada à sua cultura, a qual está

intrinsecamente inserida num tempo e num espaço. Estas são características que

interferem diretamente no sistema linguístico e literário da obra. Por este motivo, o

tradutor deve observar estes elementos ao realizar a sua pesquisa, além de verificar

se a rima está ligada ao sentido do poema, pois, ocorrendo isto, deve-se manter o

formato original para não interferir na sua linguagem poética – ―poiesis‖. Ainda

sobre este assunto, Connolly (1998) afirma que ―(...) a linguagem poética é, talvez, a

que mais se distancia da linguagem cotidiana e que, assim, obriga a um esforço

interpretativo suplementar‖. (p. 170-171)

Uma tradução sempre terá algumas marcas do tradutor, da sua compreensão,

dentro de seu tempo e espaço. A respeito desse assunto, Rosemary Arrojo (1992)

explica que:

Qualquer tradução, por mais simples e despretensiosa que seja, traz consigo as marcas de sua realização: o tempo, a história, as circunstâncias, os objetivos e a perspectiva de seu realizador. Qualquer tradução denuncia sua origem numa interpretação, ainda

que seu realizador não assuma como tal. (p. 78)

Os sistemas linguísticos que são utilizados no momento da tradução

determinarão se há a convergência ou a divergência entre a língua de origem e a

língua para a qual este texto será traduzido. Cristina Rodrigues (2000) defende que

―como não existe intercâmbio com perfeito equilíbrio entre duas línguas, nem mesmo

internamente a uma língua, a tradução exige uma reflexão sobre a questão da

diferença, da semelhança, da alteridade do poder.‖ (p. 225).

Paulo Rónai (2012) afirma que um tradutor poderá deparar-se com uma

diversidade de erros que acontecem justamente pelo motivo deste profissional

acreditar que as palavras possuam uma existência autônoma, ou seja, não

necessitam estar dentro de um contexto para apreciarem uma tradução ou

interpretação diferente, não obstante a crença de que todo vocábulo possua um

correspondente em outra língua. E acrescenta com veemência ao ilustrar que:

[...] o nosso vocábulo ―cópia‖ existe em francês, italiano e inglês sob forma quase igual, no sentido de ―imitação‖, ―reprodução‖. Mas copie em francês designa, além disto, trabalho escrito de aluno, assim como manuscrito entregue à tipografia de um jornal, acepções que faltam a copia em italiano e a copy em inglês; em compensação

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estas duas palavras possuem o sentido de exemplar, que falta em

francês e português. (p. 42)

O tradutor mais atento observa a necessidade de aproximar a tradução de

uma obra à sua cultura local sem que esta perca sua integridade e ideia original.

O bom tradutor literário deverá ser bastante atento às pequenas nuances que

um texto possa apresentar, além de ―possuir uma cultura geral que lhe possibilite

identificar os lugares-comuns da civilização, sem o que estes se transformam em

outras armadilhas‖. (RÓNAI, 2012, p.35)

Essa aproximação acontece por dois motivos: o profissional realiza este

intento intencionalmente para que haja uma maior afinidade entre o leitor e o autor

da obra; ou o faz involuntariamente porque vivencia algo diariamente, aplica algo de

sua identidade ou da identidade nacional no momento em que traduz um texto, seja

este literário ou científico.

Ainda de acordo com ele:

Uma curiosidade inteligente, uma desconfiança sempre alerta são condições indispensáveis: senão, o nosso candidato verterá Mémoires de Saint-Simon por ―Memórias de Santo Simão‖, pensará que les trois glorieuses eram três moças (sem se lembrar de que se

deu esse nome aos três dias da Revolução de Julho de 1830), julgará que Union Jack é uma pessoa (sem que lhe ocorra tratar-se da bandeira do Reino Unido, aliás Grã-Bretanha, coisa bem diferente

da Bretanha tout court). (RÓNAI, 2012, p. 35)

Os elementos estrangeiros do texto estarão mesclados aos da tradução do

país de origem do tradutor.

O poeta tradutor Paulo Henriques Britto (2012a) afirma que:

A questão é que as diferenças entre as línguas já começam na própria estrutura do idioma, tanto na gramática quanto no léxico; isto é, na maneira de combinar as palavras e no nível do repertório de ―coisas‖ reconhecidas como tais em cada língua. Pois um idioma faz parte de um todo maior, que é o que denominamos de cultura; e as ―coisas‖ reconhecidas por uma cultura não são as mesmas que as outras reconhecem (...) (BRITTO, 2012a, p. 14) (...) Às vezes uma palavra que existe num idioma simplesmente não encontra correspondência em outro, muito embora a realidade a que ambos se

referem seja a mesma. (p. 15)

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Francis Aubert (1993) confirma a posição do tradutor como aquele que inova

a linguagem do texto em questão para alcançar os objetivos esperados numa outra

língua, que não a do texto-fonte ―transmutando o referente de partida e incluindo-o

no acervo da língua/cultura de chegada.‖ (AUBERT, 1993, p. 45).

Jean-Paul Vinay and Jean Darbelnet (1995) desenvolveram um modelo

baseado no que seria chamado de tradução direta e oblíqua. Na tradução direta – o

que ocorre com aquelas línguas que possuem aproximação do léxico e estrutura -

encontra-se: o decalque, a tradução literal e o empréstimo. Já, na tradução oblíqua –

o que ocorre com as línguas que se distanciam quanto aos aspectos semânticos e

sintáticos - a transposição, a modulação, a equivalência e a adaptação seriam mais

apropriadas. Para esta tradução, deverão ser aplicados recursos estilísticos na

língua de destino, deixando-a mais autônoma.

Andre Lefevere e Susan Bassnett (1990) voltam a comentar que ―a tradução,

como todas as (re)escrituras, nunca é inocente. Sempre haverá um contexto no qual

a tradução é realizada, sempre haverá uma história da qual um texto emerge e para

a qual um texto é transposto.‖ (LEFEVERE & BASSNETT, 1990, p. 11).

A profissão de tradutor, apesar de todos os seus avanços, ainda enfrenta

crenças e pensamentos ultrapassados e tradicionalistas de que ―o processo de

tradução seria um mero transporte de significados‖ (BOHUNOVSKY, 2001, p. 52),

retirando a tarefa de transcriar que o tradutor realiza significativamente.

Os autores aqui comentados comungam da opinião de que o meio cultural

local contribuirá para a adaptação de elementos durante a atividade tradutória e

reconhecem que manter as mesmas características semânticas e sintáticas, dentre

outras da língua do texto-fonte no texto final é uma tarefa muito difícil, caso você

queira manter o conteúdo principal do texto. Francis Aubert (1993) analisa que ―...

uma das dificuldades da tradução será então, encontrar na língua de chegada,

meios de expressão para um referente diverso daquele que o complexo

língua/cultura de chegada usualmente exprime‖ (p. 44).

Rosemary Arrojo (1986), em seus estudos, comenta que:

Cada tradução (por menor e mais simples que seja) exige do tradutor a capacidade de confrontar áreas específicas de duas línguas e duas culturas diferentes, e esse confronto é sempre único, já que suas

variáveis são imprevisíveis. (p. 78)

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Paulo Henriques Britto (2009) em seu artigo “As condições de trabalho do

tradutor” analisa o ofício do tradutor e o valor da tradução dentro da nossa

sociedade há cerca de 20 anos atrás, e relata que esta tarefa era vista como

―mecânica e automática‖ e que o profissional desta área seria logo substituído pelos

computadores. Segundo ele, a área de tradução no Brasil começou a se firmar entre

os anos 80 e meados dos anos 90, quando começou a ser olhada como disciplina.

Ainda em seu artigo, Paulo Henriques Britto (2009) diz que:

A comunicação direta entre tradutor e revisor, que foi muitíssimo facilitada pelo advento da Internet poucos anos depois, foi seguramente um dos fatores responsáveis pela melhoria na

qualidade das traduções nas últimas décadas. (p. 197)

Reconhece que houve duas grandes transformações tecnológicas que

impactaram positivamente na tarefa do tradutor: o surgimento do microcomputador,

na década de 80, e mais tarde, nos anos 90, a Internet. Estas ferramentas

possibilitaram o ganho de tempo na elaboração de pesquisa e da própria tradução e

também no envio do trabalho para a editora. A produtividade do profissional da área

aumentou, pois se deixou de realizar revisões nas folhas de papel impressas e de

ter que ―passar a limpo‖.

O poeta acrescenta que o tradutor também ganhou visibilidade no que tange

à crítica literária, pois ―a prática de incluir o nome do tradutor no cabeçalho das

resenhas torna-se pouco a pouco mais comum, embora não esteja de modo algum

generalizada.‖ (BRITTO, 2009, p. 200). Porém, este procedimento é reduzido

apenas aos poemas, pois são reconhecidos por sua dificuldade de tradução e daí o

tradutor leva o prestígio de seu trabalho também. Todavia, nos outros gêneros como

a prosa, por exemplo, o tradutor é reconhecido quando este é um escritor famoso

também. ―(...) não deveria ser necessário que um tradutor tivesse obra publicada

como autor para receber a devida atenção da crítica como tradutor.‖ (BRITTO, 2009,

p. 201).

A autora Rosemary Arrojo (1993) fala da dificuldade do tradutor na sua tarefa:

Às voltas com uma tarefa que a tradição decidiu tornar fadada ao fracasso e à incompetência, o tradutor está sempre perdido logo à partida, inconsciente do papel autoral que desempenha e, pior ainda,

sempre pronto a aceitar as culpas e a ineficiência que lhe atribuem. (p. 30).

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Quanto aos direitos autorais, Paulo Henriques Britto (2009) diz que temos

―uma legislação moderna, sem dúvida tão sofisticada quanto à da Suécia, que

garante o pagamento dos direitos autorais ao tradutor; o problema, porém, é que a

lei até hoje não pegou (...)‖ (p. 199) e comenta que as editoras redigem um

documento no qual os tradutores ‗concordam‘ em não receber os direitos autorais ao

traduzir um livro. Segundo ele é uma negociação sem esperança. O trabalho do

tradutor, para as editoras, é algo muito pontual, e que não garante o recebimento

dos direitos autorais à medida que os exemplares são vendidos.

Ele conclui que, felizmente, as editoras, atualmente, perceberam que o

sucesso de vendas de um livro depende muito da qualidade da tradução e, portanto,

procuram preservar os seus tradutores.

Paulo Rónai (2012) tinha como opinião que as ―editoras – salvo exceções

respeitáveis - estão interessadas em contratar tarefeiros que executem determinada

tradução dentro do menor prazo possível e pelo menor preço possível.‖ (p. 30) e por

este motivo, em meio a tantos outros, o tradutor é desvalorizado constantemente e,

sobretudo ―em caso de reedição, o editor paga outra vez ao autor, mas o tradutor é

deixado de lado.‖ (p. 30)

A profissão de tradutor, apesar de ter tido avanços nos últimos 30 anos, ainda

é mal remunerada e o argumento da invisibilidade não é viável, segundo Paulo

Henriques Britto (2009), pois há tantos outros profissionais que atuam por de trás

dos bastidores e nem por isso são mal remunerados.

Quanto à Tradução Direta (TD) – da língua estrangeira para a língua materna

- e à Tradução Indireta ou Inversa (TI) – da língua materna para a língua estrangeira

– pode-se afirmar que quando começaram os estudos sobre a tradução, a TI não era

vista de forma positiva pelos estudiosos e pesquisadores e sua importância era

menor que a TD, pois vários tradutores, críticos e teóricos defendiam que um bom

resultado para o trabalho só aconteceria se feito para a língua materna do tradutor.

Peter Newmark (1987), por exemplo, defendia que somente a TD era natural,

apesar de afirmar que a TI fosse muito utilizada, porém os tradutores que se

entregavam a esta tarefa tornavam-se ―motivo de risos para muita gente‖.

(NEWMARK, 1987, p. 20)

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Tanto na TD quanto na TI haverá um distanciamento da intenção do autor ou

do texto-fonte, podendo ser caracterizado pelos aspectos tipográficos, linguísticos e

culturais. Os dois tipos de tradução foram importantes para a difusão do

conhecimento tanto na Europa como no Brasil, como já mencionado anteriormente,

proporcionando enriquecimento cultural ao local de destino. Todavia, por seus

resultados se distanciarem, de certa forma, do conteúdo ou mensagem original,

foram, muitas vezes, desacreditados.

Em se tratando da credibilidade, a TI, também conhecida por tradução de

desvios ou tradução intermediada, foi muitas vezes evitada ou não aceita como

resultado de um trabalho sério. Ela tanto pode ser o produto de uma TD, que será o

texto fonte para esta realização; como pode vir de um texto original propriamente

dito – ainda não traduzido. A tradução direta objetiva a tradução de um texto em um

idioma conhecido pelo tradutor para o idioma natural deste, além de aspectos

relacionados ao profissional da tradução.

Quanto à tradução de textos técnicos, esta necessita que o tradutor seja da

área específica em que está desenvolvendo o trabalho, pois envolve questões muito

específicas da área e da língua.

Como se observa, a atividade de tradução é complexa e ampla e necessita de

uma análise cautelosa do texto que sofrerá a interferência do profissional da

tradução, pois o processo de transcrição ou ―transcriação‖ exige a compreensão do

texto em língua estrangeira com todos os elementos e características da língua

(morfológicos, semânticos e sintáticos) para ser transformado em texto alvo, tendo o

cuidado de não perder a naturalidade da mensagem.

Peter Newmark (1987) acredita que o tradutor conseguirá manter a

naturalidade do texto mantendo certo afastamento do texto-fonte, para não causar

um cansaço mental durante esta conversa contínua entre os textos.

A tarefa de traduzir é muito mais que verter o idioma fonte para o idioma local,

pois não basta apenas conhecer dois idomas para realizar o processo de tradução.

Paulo Rónai em seu livro A tradução Vivida (2012) afirma que ―o conhecimento

ótimo do próprio idioma, a posse pelo menos razoável do idioma-fonte e uma boa

dose de bom-senso são apenas as três primeiras condições‖ (p. 35). E acrescenta

que o profissional desta área deve evitar cair em armadilhas e procurar ler, pois

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―deve o bom tradutor literário possuir uma cultura geral que lhe possibilite identificar

os lugares-comuns da civilização [...] Uma curiosidade inteligente, uma desconfiança

sempre alerta são condições indispensáveis [...]‖ (p. 35).

Segundo Heloísa Gonçalves Barbosa (2004), o tradutor poderá adotar várias

formas de traduzir a fim de não perder a essência do texto. Estes procedimentos

são: a tradução literal, palavra-por-palavra, transposição, equivalência, modulação,

omissão, explicitação, compensação, reconstrução, transferência, adaptação e

decalque.

Os procedimentos técnicos de tradução citados nesta pesquisa foram

retirados do livro Procedimentos Técnicos da Tradução (2004) de Heloísa Gonçalves

Barbosa.

2.1.1 Convergência

A convergência ocorre quando o tradutor observa que há semelhanças no

sentido morfológico da língua, sintático, e inclusive, no estilo e, portanto, poderá

optar pelas traduções literal e palavra-por-palavra.

a) Tradução literal – é aquela em que o profissional terá que seguir e obedecer às

regras sintáticas de cada língua que utiliza no decorrer de seu trabalho, pois terá

que manter o significado real da palavra ou a fidelidade semântica. O que

realmente deve ser ressaltado é que a tradução literal deve obedecer às normas

gramaticais da língua de destino junto às regras de morfossintaxe. Em outras

palavras, o texto traduzido terá o mesmo significado, mas não terá a mesma

ordem frasal e, quando falamos destes aspectos, sabemos que geralmente as

línguas possuem suas diferenças básicas, como se observa no exemplo:

Charlie´s dog is white. = O cachorro de Charlie é branco. – verifica-se que a

ordem das palavras ‗cachorro de Charlie‘ foi alterada, pois houve necessidade de

respeitar as regras da língua de destino – no caso, o português. Porém o significado

se manteve idêntico.

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Veja outros exemplos:

[...] ―of the tragic man” [...] [...] ―do homem trágico” [...]

(BISHOP, 2012. p. 294-295 – Traduzido por Paulo Henriques Britto.)

[...] ―of the talkative man” [...] [...] ―do homem tagarela” [...]

(BISHOP, 2012. p. 294-295 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Observa-se a inversão dos adjetivos e substantivos nas traduções, pois na

língua portuguesa, eles possuem ordem sintática inversa em relação à língua

inglesa.

b) Tradução palavra-por-palavra - é aquela que mantém a mesma ordem das

palavras de uma língua quando traduzida para o idioma de destino, inclusive com

a mesma ordem sintática. No exemplo:

John read a book to me = João leu um livro para mim. – Observamos a

mesma ordem sintática das palavras e significado semântico.

Veja novos exemplos:

[...] ―This is the time‖ [...] [...] ―Este é o tempo‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 294-295 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

[...] ―The city burns tears‖ [...] [...] ―A cidade queima lágrimas‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 338-339 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Nas duas traduções acima, verificamos que todas as palavras foram

traduzidas na mesma ordem sintática das palavras correspondentes em ambas as

línguas.

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2.1.2 Divergência no Sistema Linguístico

Em se tratando de divergência no sistema linguístico, o profissional da área

deverá ter o cuidado de observar qual técnica será mais conveniente na tradução do

texto, para aplicar aquela que se fizer mais adequada. Segundo Heloísa Gonçalves

Barbosa (2004), elas podem ser:

a) Transposição - consiste na necessidade de se mudar a classe gramatical das

palavras traduzidas para a língua de destino quando não há um termo equivalente

da língua a que se destina, de modo que se mantenha a mesma ideia e

significado do segmento que foi trabalhado – a chamada transposição obrigatória.

Outras vezes, a transposição é facultativa, ou seja, o tradutor a utiliza somente por

razões de estilo. Veja um exemplo da não equivalência:

I talked to the governor‘; she said importantly... – importantly (advérbio). Este não

possui palavra equivalente em português e, portanto poderá ser traduzida como:

―com ares de importância‖. = „Falei com o governador‟, ela disse com ares de

importância...

Veja mais um exemplo:

[...] ―uninterruptedly

Talking, in Eternity:‖ [...] [...] ―Falando, uma fala eterna, Uma fala ininterrupta,‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 348-349 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

O advérbio uninterruptedly foi traduzido como adjetivo 'ininterrupta',

mudando, portanto, a classe gramatical da palavra para adjetivo.

Observe o próximo trecho:

[...] ―hoje beija, amanhã não beija,‖ [...] [...] today a kiss, tomorrow no kiss,‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 64-65 – ―Não se mate‖ de Carlos Drummond de

Andrade. Traduzido por Elizabeth Bishop)

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A tradução literal do verso em português seria: [...] today you kiss, tomorrow

you don‘t kiss, [...] para que a classe gramatical da palavra ―kiss‖ continuasse como

verbo. Porém, a tradutora preferiu utilizar a palavra ―kiss‖ como beijo (substantivo),

em que a tradução literal ficou sendo: [...] hoje um beijo, amanhã sem beijo, [...].

Observe novos exemplos:

―[...] Nós todos, animais, sem comoção nenhuma” [...] [...] ―All of us, animals, unemotionally” [...]

(BISHOP, 1972, p. 102-103 – ―Soneto de Intimidade‖ de Vinícius de

Moraes. Traduzido por Elizabeth Bishop)

A locução sem comoção foi traduzida como advérbio unemotionally,

havendo troca da classe gramatical.

b) Equivalência - consiste na substituição de um termo da língua original para outro

termo da língua de destino que seja equivalente. O significado semântico se

mantém, mas a tradução nunca será literal. É uma estratégia utilizada para

traduzir expressões idiomáticas de uma língua para a outra ou aquelas já

cristalizadas. Observe o exemplo abaixo:

It‘s raining cats and dogs. - Está chovendo muito. – Não é possível escrever:

Está chovendo gatos e cachorros. Na língua portuguesa há uma expressão

equivalente que poderia substituí-la: ―Está chovendo canivetes!”.

Veja mais exemplos:

[...] ―She went to the bad.‖ […] [...] ―Ela caiu na vida.‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 348-349 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

[...] ―me saíram bem melhor que as encomendas. De resto, filho de peixe...‖ [...]

[...] ―have turned out a lot better than I bargained for. Besides, chips off the old...‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 68-69 – ―A mesa‖ de Carlos Drummond de

Andrade. Traduzido por Elizabeth Bishop).

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A tradutora utilizou a técnica de equivalência para a expressão ―filho de

peixe‖, pois as expressões são locais e muitas vezes inexistentes em outros países.

c) Modulação - é a técnica responsável pela reprodução de uma mensagem sem

deixar de refletir a forma com que línguas diferentes compreendem a realidade.

Esta técnica pode ser facultativa ou obrigatória, dependendo da necessidade da

língua de destino. Quando utilizada de modo facultativo, será por questões de

estilo. Veja o exemplo:

It‘s difficult to understand. = É difícil de entender. (tradução literal)

Não é fácil entender. (modulação)

Observe outros exemplos:

[...] ―Arthur fired a bullet into him,‖ [...] [...] ―Arthur acertou-o com um tiro” [...]

(BISHOP, 2012. p. 284-285 - Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Ficaria muito redundante na língua portuguesa utilizar a tradução [...] atirou

uma bala nele [...]

Veja outro exemplo:

[...] ―that tells the time‖ [...] [...] ―que marca o tempo‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 294-295 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Na língua portuguesa, o verbo ―tells‖ não ficaria bem traduzido se utilizado

como ―diz‖, no seu sentido original. Todavia, na língua inglesa é comum que ele seja

traduzido dessa maneira.

Observe os exemplos abaixo:

[…] ―None of the books has ever got it right.‖ […] [...] ―Todos os livros erram quando falam nela.‖ [...].

(BISHOP, 2012. p. 326-327 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Observa-se que dizer ―[...] Nenhum dos livros acertou...‖ é o mesmo que dizer:

[...] ―Todos os livros erram...‖

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[...] ―Come and say good-bye‖ […] [...] ―Venha aqui se despedir‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 284-285 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

No verso acima, o tradutor poderia ter traduzido como: [...] Venha e diga

tchau. [...]

Observe um novo exemplo:

[…] ―Because I didn‘t know enough.‖ […] [...] ―Pois eu sabia muito pouco.‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 330-331 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

No verso acima, o tradutor preferiu utilizar a modulação, reproduzindo a

mensagem de outra forma: [...] ―Pois eu sabia muito pouco.‖ [...]. Caso optasse por

traduzir de forma literal, esta seria: [...] Pois eu não sabia muito. [...] (tradução nossa)

Veja outro caso, abaixo:

[...] ―não houvesse tantos desejos.‖ [...] [...] ―there might have been less desire.‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 62-63 – ―Poema de sete faces‖ de Carlos

Drummond de Andrade. Traduzido por Elizabeth Bishop)

Observa-se que, acima, a poetisa preferiu traduzir o verso para a língua

inglesa como: [...] ―poderia ter havido menos desejo.‖ [...], utilizando a técnica da

modulação. Se tivesse utilizado a tradução literal, para se aproximar mais da idéia

do autor do verso, este ficaria: [...] ―there might not have so much desire.‖ [...]

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2.1.3 Divergência de Estilo

Conforme Heloísa Gonçalves Barbosa (2004), o tradutor deverá ter atenção

para as divergências de estilo e quando houver, ele poderá omitir elementos na sua

tradução, incluir outros, deslocá-los ou reagrupar os períodos e orações do texto

original antes de traduzi-los:

Omissão - a omissão de alguns elementos do texto traduzido se fará

necessária quando estes forem repetitivos e desnecessários à compreensão do

texto, tornando-se redundantes.

The students went to school and then they had lunch. - Os alunos foram para a

escola e depois (eles) almoçaram. - Observem que o termo grifado em negrito foi

omitido na tradução, pois o sujeito agente já havia sido mencionado

anteriormente. Na língua inglesa faz-se necessário utilizar os pronomes antes dos

verbos, pois não há o sujeito oculto ou inexistente, portanto há a repetição dos

pronomes.

A língua portuguesa permite a utilização de orações sem sujeitos explícitos,

declarados. Isso ocorre em três situações: em orações com sujeito desinencial, com

sujeito inexistente ou com sujeito indeterminado.

No caso de sujeitos desinenciais, só é possível supor um sujeito a partir do

momento em que analisamos a desinência do verbo da oração e a associamos a

uma pessoa verbal.

No caso do sujeito inexistente é impossível estabelecer a associação

desinência-pessoa, uma vez que esses verbos descrevem fenômenos da natureza e

não ações desenvolvidas por pessoas, animais ou relacionadas a objetos.

Em caso de sujeito indeterminado, o verbo não nos permite associar de modo

efetivo a pessoa que desenvolveu determinada ação à ação propriamente dita.

No inglês, todas as orações precisam apresentar um sujeito explícito,

declarado.

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Veja outros exemplos:

[...] ―laughing and talking to hide her tears.‖ […] [...] ―rindo e falando para ocultar as lágrimas.‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 280-281 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

O pronome her = dela, suas foi ocultado na tradução, pois já se sabia, pelos

versos anteriores, de quem eram as lágrimas.

Observe estes exemplos:

[...] ―Há um abrir de baús e de lembranças violentas.‖ [...]

[...] ―Opening of tin trunks and violent memories.‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 56-57 – ―Viagem na família‖ de Carlos Drummond

de Andrade. Traduzido por Elizabeth Bishop).

Pode-se observar na tradução feita para a língua inglesa a retirada da palavra

―de‖, pois os artigos e combinações de+o, de+a não são muito utilizados na língua

inglesa. São mais comuns na língua portuguesa. Se os versos tivessem sido escritos

em inglês e fossem, então, traduzidos para o português, configuraria o uso da

técnica de explicitação e, não a de omissão.

b) Explicitação - operação inversa da estratégia ‗Omissão‘ citada no item anterior.

Baseia-se em incluir palavras que se façam necessárias ao melhor entendimento do

texto traduzido. Na língua inglesa, por exemplo, os artigos possuem regras de uso

específico, as quais devem ser observadas no momento da tradução. Observe o

exemplo:

Pets need special attention. - Os animais de estimação necessitam de atenção

especial.

Veja outros exemplos:

[...] ―Since uncle Arthur‖ [...] [...] ―Desde que o tio Arthur‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 284-285 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

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[…] ―This is a Jew in a newspaper hat‖ […] [...] ―Este é um judeu com chapéu de jornal‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 298-299 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Neste verso, além da explicitação ―de‖, há também o uso da técnica literal

quando há a inversão de ―newspaper hat‖ e a técnica palavra-por-palavra na

tradução de ―This is a Jew‖.

No próximo trecho:

[...] ―Porém nada dizia.‖ [...] [...] ―But he didn‘t say anything.‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 58-59 – ―Viagem na Família‖ de Carlos Drummond de Andrade. Traduzido por Elizabeth Bishop)

Verifica-se, na tradução acima, a explicitação de he (ele), pois na língua

inglesa há sempre um sujeito declarado na oração, então, faz-se necessário o uso

deste pronome pessoal para determinar o sujeito da oração.

Se o verso fosse escrito em inglês e a tradução feita para o português,

diríamos que temos o uso da técnica de tradução chamada de omissão, ao invés da

explicitação, pois estaríamos omitindo o pronome He.

c) Compensação – consiste em deslocar um elemento ou palavra do texto original a

ser traduzido, quando este não permite ser traduzido no mesmo ponto ou posição

em que aparece no texto fonte. O tradutor opta por um caminho diferente, de modo a

adaptar as diferenças estilísticas do texto inicial. Em muitos momentos, são

diferenças de formalidade entre as línguas. Observe:

O senhor gostaria de um café? - Would you like some coffee? – Na língua

inglesa, não haveria outra forma para fazer esta pergunta.

Veja outros exemplos:

[...] ―Dreams were the worst.‖ [...] [...] ―O pior eram os sonhos.‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 332-333 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

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Neste exemplo, a tradução ao ―pé da letra‖ seria: Os sonhos foram o pior.

Houve a necessidade de adaptação, pois se trata do uso da forma superlativa dos

adjetivos, em que a estrutura é sempre sujeito+verbo+superlativo, na língua inglesa.

―Assim eu quereria o meu último poema‖ [...] ―I would like my last poem thus” [...]

(BISHOP, 1972, p. 2-3 – ―O último poema‖ de Manuel Bandeira.

Traduzido por Elizabeth Bishop).

No exemplo acima, observa-se a tradução, desta vez, do português para o

inglês, onde se verifica também o deslocamento do conectivo thus de modo a tornar

a tradução mais natural.

d) Reconstrução – Como na língua portuguesa os períodos são muito mais longos

que na língua inglesa, ao se traduzir alguns destes, há a necessidade de

reagrupar as orações e períodos de modo que a tradução não fique confusa.

Veja exemplos:

[...] ―uninterruptedly Talking, in Eternity:‖ [...] [...] ―Falando, uma fala eterna, Uma fala ininterrupta,‖ [...]

(BISHOP, 2012. p. 348-349 – Traduzido por Paulo Henriques Britto)

Observa-se que os versos foram reagrupados, inclusive com modificações na

pontuação.

Observe um novo trecho:

[...] ―Inútil você resistir ou mesmo suicidar-se. Não se mate, oh não se mate, reserve-se todo para as bodas que ninguém sabe quando virão, se é que virão.‖ [...]

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[...] ―It‘s useless to resist or to commit suicide. Don‘t kill yourself. Don‘t kill yourself! Keep all of yourself for the nuptials coming nobody knows when, that is, if they ever come.‖ [...]

(BISHOP, 1972, p. 64-65 – ―Não se mate‖ de Carlos Drummond de

Andrade. Traduzido por Elizabeth Bishop).

Constata-se, na tradução acima, que houve uma reconstrução dos períodos

com alteração dos sinais de pontuação e redução na quantidade de sete para seis

versos.

2.1.4 Divergência da Realidade Extralinguística

Algumas técnicas deverão ser consideradas pelo profissional da área neste

reagrupamento para que a divergência da realidade extralinguística não impeça a

realização de um bom trabalho. Heloísa Gonçalves Barbosa (2004) aponta algumas

delas:

a) Transferência - principalmente na língua inglesa, há um grande número de

vocábulos e expressões que são desconhecidos dos falantes da língua portuguesa.

Muitos destes sofrem um processo chamado de aclimatação e outros permanecem

como estrangeirismos, ou seja, empréstimos de outra língua. No caso deste

trabalho, a comparação se dá entre a língua portuguesa e inglesa, portanto há uma

transcrição do material do objeto de estudo para a língua traduzida.

Alguns exemplos de estrangeirismos ou empréstimos de outra língua são as

palavras: mouse, software, pen-drive, playground, notebook, milk-shake, topless,

dentre muitas outras. Não há palavras equivalentes para estes vocábulos e o

tradutor utilizará as mesmas palavras do texto-fonte.

Como mencionado anteriormente, os casos de aclimatação são aqueles que

possuem palavras equivalentes ou foram adaptados ao nosso vocabulário como

‗picnic‟ = piquenique; ‗team‟ = time, equipe; ‗knockout‟ = nocaute.

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Veja exemplos:

[...] ―Nunca desdenhe o tutu.

Vá lá mais um torresminho. E quanto ao peru? Farofa há de ser acompanhada de uma boa cachacinha,‖

[...] [...] ―Never disdain tutu.**

There goes some more crackling. As for the turkey? Farofa*** needs a little cachaça****

to keep it company, […] ** Dish made of beans mixed with manioc flour. *** Dish made of manioc flour mixed with butter, sausages, eggs, etc. **** Fiery liquor made from sugar cane.‖

(BISHOP, 1972, p. 70-71 – Traduzido por Elizabeth Bishop)

Veja estes exemplos:

[...] Ai grande jantar mineiro

Que seria esse...‖[...] [...] ―Ah, it would be a big mineiro* dinner… […]

*Referring to the State of Minas Gerais.‖

(BISHOP, 1972, p. 68-69 – Traduzido por Elizabeth Bishop)

Elizabeth Bishop, ao traduzir o poema ―A mesa‖ de Carlos Drummond de

Andrade, manteve as palavras que estão em negrito e itálico sem alteração. Houve

também a aplicação da técnica de explicação.

b) Adaptação - é um procedimento muito utilizado quando as línguas de origem e de

destino possuem características extralinguísticas muito diferentes e exigem que se

faça uma substituição de alguns termos como: nomes de locais ou de esportes não

praticados no país, alimentos não comuns, nomes de pessoas, dentre outros

recursos que tornem o texto traduzido mais natural ao país a que se destina aquela

leitura, como forma de conquistar a confiança e o interesse do leitor.

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Outra característica a que o profissional deve estar atento é a ordem dos

adjetivos e substantivos. Cada língua possui suas peculiaridades e a pessoa ou o

profissional que se propõe a realizar uma tradução deverá ser fiel à mensagem do

texto original ao fazer as adequações necessárias e evitar a tradução ―ao pé da

letra‖, pois estará alterando o estilo do autor e a finalidade ou mensagem do texto.

c) Decalque - consiste na tradução literal de sintagmas como: ‗motherboard‘ = placa

mãe; textbook = livro texto, dentre outras.

Todos os procedimentos comentados mostram a importância da atividade do

tradutor e sua experiência na profissão. Sua capacidade de discernir a relevância da

utilização de alguns procedimentos de tradução, o bom senso na aplicação dos

mesmos, o levantamento do nível de intraduzibilidade que o texto-fonte possa

possuir as peculiaridades da cultura para onde se fará a tradução, questões como a

rima, expressões não existentes na língua de chegada, dentre outros, que somente

a experiência do bom profissional ressaltará em seu trabalho.

Embora haja tentativas de substituição do profissional da tradução, seja pela

tradução automática (informatização) ou através da desvalorização da experiência e

importância da atividade humana nesta profissão, o profissional experiente será

sempre a pessoa habilitada e capacitada para realizar tal atividade eficazmente.

2.2 Poética da Tradução

Segundo Michaël Oustinoff, no seu livro Tradução: História, Teorias e

Métodos (2011), no mundo contemporâneo, as Teorias da Tradução têm o seu lugar

de destaque tanto para a Literatura quanto para a Linguística Geral e são

pesquisadas por quatro temas organizacionais: língua-fonte e língua-alvo; linguística

e tradução; poética da tradução; e críticas da tradução.

Segundo o autor, ―língua-fonte‖ e ―língua-alvo‖ são termos cunhados no

século XX e seus significados se encontram na obra fonte, escrita pelo autor, e na

obra traduzida, escrita pelo tradutor, sendo que uns se preocupam mais com o texto

original e outros com o texto traduzido. Dependendo do texto a ser traduzido ―o

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tradutor atuará pró-fonte ou pró-alvo‖ (OUSTINOFF, 2011, p. 55). A maior

preocupação está em uma tradução que corresponda fielmente ao texto original.

Mas, diante das múltiplas dificuldades de se traduzir com fidelidade, o tradutor e o

leitor se perguntarão: como é possível pensar sobre a verdadeira essência da

tradução?

A respeito do assunto, o autor explica:

Contudo, seria uma inconsequência pretender que Chateaubriand ou Goethe, que defendem outra maneira de traduzir, tivessem um domínio insuficiente da língua, o que prova que a simples oposição entre ―pró-alvo‖ e ―pró-fonte‖, por mais cômodo que seja, se

demonstra insuficiente. (OUSTINOFF, 2011, p. 55)

Michaël Oustinoff (2011) comenta que, na observância da língua-fonte e da

língua-alvo, o que está em jogo são as maneiras como cada texto se coloca diante

do tradutor e seu problema vai além da posição entre pró ou contra: ―ela precisa ser

levada em conta em um quadro mais amplo, a começar por suas implicações de

ordem linguística.‖ (p. 57).

A linguística e a tradução têm sua importância no pensamento de Roman

Jakobson (1969), por que: ―Para o linguista como para o usuário comum das

palavras, o significado de um signo linguístico não é mais que sua tradução por um

outro signo [...]‖ (p. 64).

De acordo com Michaël Oustinoff (2011), a influência da linguística na

tradução é evidente para alguns teóricos como, por exemplo, para John Catford: ―a

tradução é uma questão de linguagem; a linguística trata da linguagem; logo, a

tradução é objeto da linguística.‖ (p. 58).

A linguística é uma ciência, e a inclusão da tradução nessa categoria foi

contestada por alguns tradutores que dizem estar no campo da função literária,

afirmando que sua operação é exata, com técnicas e procedimentos próprios da

escrita.

Segundo Michaël Oustinoff (2011), a ―tradução é uma operação linguística,

mas também uma operação literária.‖ (p. 59). E acrescenta que há os que

concordam que a tradução está tanto na esfera da linguística quanto na literária,

como a exemplo do linguista Georges Mounin que acredita que a tradução seja

também uma arte baseada em uma ciência.

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Na visão do teórico, a linguística esclarece o modo como os tradutores

procedem ou devem proceder, e até mesmo fazer uma crítica a esse respeito,

introduzindo novos conhecimentos aos estudos da tradução: ―No século XX, a

situação muda radicalmente: o crescimento da linguística fornece aos teóricos da

tradução poderosos instrumentos de análise.‖ (OUSTINOFF, 2011, p. 60)

E acrescenta que na medida em que se aceita a independência da tradução

como uma ciência autônoma sobre outras operações como a linguística ou a

literatura, por exemplo, surge a existência de uma poética da tradução. E é dentro

desse tema que se poderão investigar as diversas discussões atinentes ao que se

refere à tradução ‖pró-alvo‖ ou ―pró-fonte‖, de acordo com certos pontos de vista

adotados por teóricos ou tradutores ligados a estes estudos. Em outras palavras,

isso quer dizer que, tanto uma visão que favoreça o texto original quanto o texto

traduzido poderão ser instituídas para estudar os procedimentos nas traduções,

ficando a critério de cada teórico ou tradutor, opinar por uma ou outra, de acordo

com o seu entendimento a favor do texto a ser traduzido.

Ainda a respeito do tema da Poética da Tradução, para alguns teóricos ou

tradutores, nas teorias, há a visão dualista que se opõe uma sobre a outra, mas ―a

forma não vem sobrepor-se ao sentido: os dois são indissociáveis‖ (OUSTINOFF,

2011, p. 66), havendo, assim, uma complementaridade entre as duas. Para o

professor, a linguística e a teoria da tradução também são importantes para os

estudos da Poética da Tradução, indagando: ―Quer dizer então que linguística e

teoria da tradução são incompatíveis, sendo a primeira dualista e a outra não?

Podemos pensar o contrário: que elas se completam uma à outra.‖ (OUSTINOFF,

2011, p. 67).

Por fim, Michaël Oustinoff (2011) assinala o tema Crítica das Traduções como

a quarta e última abordagem: ―Graças aos conceitos dos teóricos, como o conceito

de ‗crítica da tradução‘, proposto por Antoine Berman [...]‖ (p. 68). Essa crítica se

volta para a análise do pleno direito de conceder ao texto-fonte a garantia de ser

uma obra independente, reforçando o texto de partida ―da mesma maneira que

existe uma crítica de textos, deve haver também uma crítica das traduções.‖

(OUSTINOFF, 2011, p. 69). Esta possui as mesmas características a respeito das

críticas literárias, uma vez que:

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Ela pressupõe a presença de um tradutor, determinado por três fatores: sua ―posição tradutória‖, ou seja, a maneira com que ele concebe o que é a atividade de tradução; o seu ―projeto de tradução‖, que estabelecerá a maneira como ele traduz; finalmente, o ―horizonte

do tradutor‖. (OUSTINOFF, 2011, p. 69)

2.3 Teóricos da Tradução

Walter Benjamin acreditava no papel da tradução como forma de extrair o

essencial do texto original, aquilo que este não pode dizer na língua do texto-fonte.

Chamava de ―Língua Pura‖ – aquela que se opunha às várias línguas imperfeitas, a

capacidade de leitura daquilo que não foi explicitado no texto fonte, mas estava

sublinhar.

A teoria da tradução de Walter Benjamin é a ―Língua Pura‖ – elo de

significação entre todas as línguas - conceito criado por ele para dar sentido à tarefa

da tradução. Também era chamada de ―Língua de Verdade‖ ou ―Língua Verdadeira‖,

haja vista a impossibilidade de se traduzir fielmente o sentido da palavra do texto

original, uma vez que este foi escrito em época diferente e com assunto e língua

pontuais.

Para ele, a tarefa de traduzir não tinha como alvo transcrever o texto original e

muito menos o de comunicar conteúdos ao leitor, pois não se destinava a ele; mas

possuía o objetivo de dar sobrevida ao texto original.

A ―Língua Pura‖ poderia ser encontrada nos limites das línguas do texto-fonte e

do texto traduzido e, segundo Walter Benjamin, quanto mais distante a relação entre

estas, mais fácil de encontrá-la, de significá-la, uma vez que esta já teria sido

definida no texto original pelo próprio autor de forma não evidente e, portanto, a

tarefa de tradução evidenciaria isso. A tarefa do tradutor é a de, tão somente, dar

vida nova a um texto através do uso desta ―Língua‖ que poderá ser encontrada na

tradução de textos em qualquer idioma, época ou lugar.

A tradução não existiria sem o texto-fonte, nem este teria sentido sem ela. Um

não é mais importante do que o outro, os dois possuem seu valor. E, como

mencionado no parágrafo anterior, isto evidencia a importância da tradução na

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manutenção da vida do texto original através dos tempos, por mais que o objetivo

primordial desta tarefa, para Walter Benjamin, não seja o de comunicar o que estava

escrito, mas sim, o de trazer à tona o que de oculto o texto possuía, através da

―Língua Pura‖, permitindo estender a sua vida e firmando o ―vínculo de vida‖ que o

filósofo acreditava existir em decorrência de suas ideias místico-judaicas.

Fortemente influenciado pelas ideias românticas a respeito do individualismo

nos seus conceitos sobre a teoria da tradução, Walter Benjamin aponta para a

singularidade de cada poeta com sua forma e expressão ao fazer um poema,

cabendo apenas ao autor atribuir seu pleno significado. E, que nem ao leitor -

conhecedor da língua original em que o poema foi escrito ou qualquer outra forma

literária - seria possível o verdadeiro sentido da obra expressa. Com isso, a tradução

é válida porque estaria inserida dentro desse contexto, sendo um fluir constante de

novos significados após cada leitura e cada tradução, cabendo, ainda, ao leitor da

obra traduzida, voltar à obra fonte.

Dentro deste preceito e, consequentemente, baseado nas ideias do

misticismo judeu, o filósofo relaciona a tradução como sendo uma esfera da vida e

seu conteúdo latente de nascimento, desenvolvimendo e morte; ou seja, referindo-se

metaforicamente à tradução, ela não pode ser igual ao original, apenas mostra outra

etapa do texto de partida que é a sua próxima vivência enquanto continuação desta

vida, sendo a história da vida do poema e, assim, travando uma luta para a sua

sobrevivência, como nova etapa da vida, através de outras traduções e

interpretações.

O poeta Ezra Loomis Pound era muito influente nas traduções dos poemas

ingleses e afirmava que o conhecimento de outras línguas era muito importante para

o ensino. A prática da tradução no Brasil foi influenciada por ele que desenvolveu

uma teoria muito importante, cujo tema principal é ―Make it New‖.

Segundo John Milton (1998), Ezra Pound quando traduzia, não tinha a

intenção de reproduzir o significado das palavras, mas sim, manter a forma poética.

Ele analisava a época em que a obra fora escrita e a traduzia no idioma inglês mais

próximo, podendo ser o inglês anglo-saxão, arcaico ou moderno. Não traduzia

palavra-por-palavra, pois acreditava que as línguas possuíam sintaxes diferentes.

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Compreendia a tradução como um exercício importante para que o poeta se

tornasse criativo e pudesse exercer sua criatividade também ao escrever seus

poemas. Desenvolveu uma teoria com fins na estética para melhor traduzir, uma vez

que esta disciplina possuía cunho filosófico, podendo renovar a literatura antiga com

uma linguagem moderna e poética. Seus estudos, em torno dela, deram uma nova

roupagem a esta ciência, que passou a ser vista como tarefa primordial para que o

escritor se tornasse um bom poeta. ―(...) desenvolveu, assim, toda uma teoria da

tradução e toda uma reivindicação pela categoria estética da tradução como

criação.‖ (CAMPOS, 2006, p. 35).

O linguista Roman Jakobson (1975), influenciado pelas teorias de Ferdinand

Saussure, destaca que o conhecimento que se tem das línguas é essencial para

interpretar o que compreendeu, de modo a evitar a tradução literal, realizando-a

criativamente, sem ultrapassar os seus limites e sem deixar, igualmente, que estes

interfiram no poder de tradução criativa. Ainda, segundo Jakobson, há três formas

de se interpretar um signo verbal: tradução intralingual ou reformulação (rewording);

tradução interlingual ou tradução propriamente dita; tradução intersemiótica ou

transmutação.

Roman Jakobson (1975) afirma que não há uma equivalência completa entre

as unidades de código e que havendo deficiência ou diferença entre as línguas,

objeto de pesquisa, haverá a necessidade de se realizar transferências semânticas

ou substituições, aplicações de neologismos, empréstimos linguísticos, dentre

outros. Fidelidade e criatividade se acompanham na realização de uma tradução.

Para o teórico, há sempre como se fazer uma tradução, pois as diferenças entre as

línguas e seus sistemas não a impedem.

Os irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos, nascidos em 1931,

foram influenciados pela teoria da tradução de Ezra Pound. Haroldo de Campos

entendia o princípio da tradução como um desenvolvimento artístico próprio

estimulador da integração das várias culturas, tempos, povos e línguas; realizando a

conexão entre estes elementos, podendo ser observado em traduções de assuntos

que abordem questões universais e que, de algum modo, interessem a toda a

humanidade.

Para o poeta Haroldo de Campos, a tradução nada mais era que ‗transcriação‘

- a liberdade e o cuidado de apropriar as palavras com significados necessários à

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língua local para a melhor compreensão. Ressaltava a importância de se observar a

característica de ‗intraduzibilidade‘ do texto original, levando em consideração a sua

cultura, o seu tempo e a sua tradição e que a tradução deveria ser feita através da

reorganização dos signos onde a mensagem está inserida. A mensagem,

propriamente dita, não tinha tal importância.

Como pode ser observado, o nacional se formará a partir do contato com o não

nacional e, assim, os limites da língua nacional vão se delineando. Mas essa

atividade só será possível mediante o conhecimento que o tradutor tenha das duas

línguas e a capacidade de extrair, através da tradução, significados que o texto

original não alcançou. Ao mesmo tempo em que a tradução é crítica – porque houve

a escolha da obra a ser traduzida e a adequação das melhores palavras para este

fim; é também criação, pois o tradutor, profissional com as habilidades específicas

das duas línguas em questão, é a pessoa mais indicada para adaptar a língua do

texto original à de tradução ou língua de destino.

Haroldo de Campos comparava as traduções convencionais às ‗transcriadas‘, e

dizia que a primeira fazia apenas o trabalho que um dicionário faz, mas a segunda

realiza uma criação a partir do texto-fonte. Sua opinião era a de que a tradução é a

ferramenta que dá ao mundo a possibilidade de conhecer outras culturas e o estudo

da língua e da linguagem é relevante neste trabalho, pois justifica a importância de

se conhecer uma ou mais línguas para se realizá-la apropriadamente.

Seu irmão, Augusto de Campos, traduziu obras de grande importância, dentre

elas, ABC da literatura, de Ezra Pound, juntamente com José Paulo Paes. Livro

didático escrito, inicialmente, com a intenção de se direcionar para os poetas

iniciantes, em que na Terceira Parte intitulada ―Mini-antologia do Paideuma

Poundiano‖, foi incluída, por Augusto de Campos, a tradução de um trecho da peça

Macbeth de William Shakespeare. Vejamos a fala, em inglês, retirada do livro The

Complete Works of William Shakespeare (2006, p. 535) e logo a seguir, em

português, traduzido por Augusto de Campos e retirado da obra de Ezra Pound

citada neste parágrafo:

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ACT5 SCENE 5 - Line 19-28

[...] ―Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow, Creeps in this petty pace from day to day, To the last syllable of recorded time; And all our yesterdays have lighted fools The way to dusty death. Out, out, brief candle! Life‘s but a walking shadow; a poor player That struts and frets his hour upon the stage And then is heard no more: it is tale Told by an idiot, full of sound and fury, Signifying nothing.‖ [...] [...] ‗Amanhã amanhã amanhã amanhã Rasteja em passo parco dia a dia Até a última sílaba do Tempo. E os ontens, todos, só nos alumiam O fim no pó. Apaga, apaga, vela Breve! A vida é só uma sombra móvel. Pobre ator Que freme e treme o seu papel no palco E logo sai da cena. Um conto tonto Dito por um idiota – som e fúria, signi- Ficando nada.‖[...]

(POUND, 2007, p.197 - Tradução de Augusto de Campos)

Ato 5 – Cena 5 [...] Amanhã e amanhã e amanhã Rasteja-se em passo insignificante dia a dia, Para a última sílaba do tempo registrado; E todos os nossos ontens mostraram aos tolos O caminho para a morte. Apaga, apaga, vela breve! A vida é apenas uma sombra móvel; um pobre ator Que se aflige e se escora sobre o palco E depois não se ouve mais: é conto Contado por um idiota, cheio de som e fúria, Significando nada. [...] (tradução nossa)

Algumas técnicas de tradução podem ser observadas neste trabalho de

Augusto de Campos como:

a) Omissão - na tradução do primeiro verso a palavra ―and‖ que significa ‗e‘ é

omitida, apesar do tradutor inserir a palavra ―amanhã‖ quatro vezes ao invés das

três vezes que a palavra ―tomorrow‖ aparece, provavelmente para não se

distanciar tanto da métrica e do efeito sonoro do verso original.

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No verso: ―To the last syllable of recorded time;‖ = ―Até a última sílaba do

Tempo.‖ não se observa a palavra registrado = ―recorded‖.

b) Reconstrução do período - no verso ―And all our yesterdays have lighted fools‖,

que poderia ser traduzido como ―E todos os nossos ontens mostraram aos tolos‖;

foi traduzido como: ―E os ontens, todos, só nos alumiam‖.

E omissão ao retirar da tradução as palavras ―our = nossos‖ e ―fools =

tolos, bobos‖. A palavra ―tolos‖ foi substituída por ―nos‖, como se os tolos

fôssemos nós em ―E os ontens, todos, só nos alumiam‖.

O artigo ―a‖= um, de ―a poor player‖ também foi omitido na tradução.

c) Modulação - ―The way to dusty death. = O fim no pó.‖, como também poderia ser

traduzido como: ‗o caminho para a morte‘ (omissão de dusty) ou ‗o caminho para

o pó‘ (omissão de death=morte).

E omissão ao não traduzir ―way = caminho‖ e ―to dusty = poeirenta‖.

Modulação: no trecho ―his hour upon the stage‖ que foi traduzido por Augusto de

Campos como ―o seu papel no palco‖, quando poderia ser: ―o seu momento no

palco‖; ―a sua hora no palco‖.

d) Recriação do tradutor no verso - ―And then is heard no more: it is tale‖, traduzido

como: ―E logo sai da cena. Um conto tonto‖, literalmente seria traduzido como:

E depois não se ouve mais: é conto.

e) Compensação – Na tradução dos versos:

[…] ―And all our yesterdays have lighted fools

The way to dusty death. Out, out, brief candle! Life‘s but a walking shadow; a poor player That struts and frets his hour upon the stage And then is heard no more: it is tale‖ […]

Tradução:

[...] ―E os ontens, todos, só nos alumiam O fim no pó. Apaga, apaga, vela Breve! A vida é só uma sombra móvel. Pobre ator Que freme e treme o seu papel no palco E logo sai da cena. Um conto tonto‖[...]

A palavra destacada foi traduzida num outro momento quando o tradutor

achou mais significativa a sua utilização, tornando a tradução mais natural.

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Os versos: […] ―Told by an idiot, full of sound and fury,

Signifying nothing.‖ [...]

Em que o tradutor recriou da seguinte forma, omitindo ―full of = cheio de‖:

[...] ―Dito por um idiota – som e fúria,

significando nada.‖ [...]

Numa análise geral de toda a estrofe traduzida por Augusto de Campos,

podemos observar que ele alterou praticamente toda a pontuação dos versos,

alterando os períodos, além de dar nova vida às palavras e enfatizar o sentido de

outras como das palavras ―brief candle!‖, quando separou ―brief‖ de modo a destacar

a palavra ―breve‖. Também ao considerar que ―fools‖ = tolos, fôssemos todos nós; e

separou as palavras ―pobre ator‖, colocando-as num verso único, a fim de

demonstrar a brevidade da vida como uma cena de palco, encenada por alguém que

será esquecido. Manteve a forma poética e o sentido original.

Outro teórico da tradução literária brasileira que se destaca entre nós pela

coerência e transparência é o poeta, tradutor, ensaísta e crítico literário José Paulo

Paes. Para ele, o sistema de signos definido por Roman Jakobson entra em

consonância com as formas do original e da tradução, sendo possível reescrever o

texto num processo contínuo de intersemioses entre o poema, a tradução e a crítica.

As palavras passam do campo poético (sentido) ao campo científico

(metalinguística), numa contaminação com outros ofícios. Sua tradução envolve uma

gama de idiomas como o inglês, grego moderno, espanhol, alemão, francês e

italiano.

José Paulo Paes também compartilha da ideia de que, para haver uma

―transposição criativa‖ de um poema é necessário que seja o tradutor um poeta. Em

seu livro Tradução: a ponte necessária (1990), o autor declara: ―os que mais

competentemente a exercem [a tradução] não são tradutólogos, mas escritores que

optaram por dividir o seu tempo entre a criação propriamente dita e a recriação

tradutória‖. (PAES, 1990, p. 31)

(...) ao perturbar constantemente o primado do sentido lógico do discurso por via de operadores diversivos como a metáfora, a aliteração, a assonância, o jogo paronomásico etc., busca o poeta com isso chamar a atenção do leitor menos para o significado abstrato dos signos do que para a materialidade deles – o seu som, a sua forma, - que é o penhor de serem congeniais das coisas.

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Precisamente porque aspira ao ideoleto originário, o poeta está sempre redescobrindo o mundo, vendo-o como se nunca ninguém o tivesse visto antes, como se fosse ele o primeiro homem sobre a face

da Terra. (PAES, 1990, p. 47)

De acordo com John Milton (1998, p. 213), José Paulo Paes ―adota uma

posição oposta ao entusiasmo demonstrado pelos irmãos Campos quanto à

tradução que segue a forma do original...‖.

José Paulo Paes receia ir contra o poema original e acredita que qualquer

mudança que o tradutor venha a realizar em seu trabalho caracteriza uma

dificuldade do profissional em relacionar palavras do idioma do texto-fonte ao do

texto-alvo, pois o estilo e as sutilezas das palavras podem interferir no sentido

original que o autor intencionou para o seu texto, ironizando o neologismo que

produz o semidecalque.

Vejamos um exemplo de poema de William Carlos Williams traduzido por

José Paulo Paes. WCW, como era conhecido, nasceu em Nova Jersey, poeta

estadunidense associado aos movimentos do modernismo e do imagismo, este

último também influenciou os poetas Ezra Loomis Pound e Elizabeth Bishop. O

imagismo foi um movimento na poesia anglo-americana do início do século 20 que

favoreceu a precisão das imagens e a língua afiada:

“THE SPARROW (To My Father)

This sparrow who comes to sit at my window is a poetic truth more than a natural one. His voice, his movements, his habits — how he loves to flutter his wings in the dust — all attest it; granted, he does it to rid himself of lice but the, relief he feels makes him cry out lustily — which is a trait more related to music than otherwise.‖ […]

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“O PARDAL (A Meu Pai)

Este pardal que vem pousar em minha janela é uma verdade mais poética do que natural. Sua voz, seus movimentos, seus hábitos — como gosta de sacudir as asas na poeira — tudo o atesta; admito que o faça para livrar-se de piolhos mas o alívio que experimenta leva-o a gritar saudavelmente — um traço que tem mais a ver com música do que com outra coisa.‖ [...]

(Traduzido por José Paulo Paes em Estudos AVANÇADOS, Poemas de William Carlos Williams, p. 88.)

Observa-se que José Paulo Paes, ao traduzir, mantém a forma estética do

poema, característica também encontrada nas traduções dos irmãos Campos,

porém, não se observa em seu trabalho as características de transcriação na sua

tradução, mas a fidelidade de ordem semântica e o uso da técnica literal.

2.4 A Visão de Walter Benjamin sobre a Tradução

Na Alemanha, houve um fortalecimento da economia com a unificação alemã

(1871) e, consequentemente, as bases para novas propostas intelectuais como, por

exemplo, a cristalização das ideias socialistas, iniciada com O Manifesto Comunista

de 1848, dos autores Marx e Engels, que questionava a ordem burguesa e o

imperialismo monárquico. O ensaísta, crítico literário, filósofo e tradutor judeu Walter

Benjamin nasceu em Berlin, no seio dessa transformação cultural. Foi influenciado

por autores marxistas e seu trabalho combina ideias antagônicas como o idealismo

alemão, o materialismo dialético e o misticismo judaico. Entre as suas obras mais

conhecidas estão A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936),

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Teses Sobre o Conceito de História (1940) e o seu prefácio da tradução para o

alemão dos poemas de Charlie Baudelaire A Tarefa do Tradutor, obra referência

para os estudos a respeito da teoria da tradução em que enfatiza que a verdadeira

tradução não é possível, ela apenas traduz a obra original, pois ―a importância da

obra poética está mais na forma do que no conteúdo‖ (MILTON, 1998 p. 160).

Para Walter Benjamim, a tradução como mero processo de comunicação

(transcrição) é defeituosa e torna a língua inferior. Em sua concepção, ela não

possui a intenção de expressar o seu original e, portanto não é destinada ao leitor.

Sua única função é o de estabelecer uma pós-vida para o texto original, mantendo-o

vivo e relatando um desdobramento a partir do seu original, aquilo que não se

conseguiu compreender em sua época, mas que já estava presente. A tradução é

como a vida: está sempre se renovando em outra época, em outro idioma.

Seu conceito de ―Língua Pura‖ implica na forma com que esta comunicação

será feita e no prejuízo que esta poderá causar naquilo a que se pretende chegar,

neste caso, a tradução.

Walter Benjamim acreditava que a ―Língua Pura‖ pudesse ser comparada às

ideias imateriais e imutáveis que Platão havia pregado. Considerava inapropriado

levar em consideração a opinião daqueles que leram ou assistiram a qualquer

manifestação da arte, pois a arte produzida por qualquer ser humano possui a

essência deste que a criou e, portanto, este trabalho de interpretação ou tradução de

uma arte era tido como redutivo dela, pois os leitores ou observadores que teriam

contato com a obra traduzida ou interpretada não o teriam tido antes com o ser que

as criou e, todavia, não conheceriam a essência e intenção deste poeta ou artista,

até porque, o próprio artista, em muitos dos casos, não deixou transparecer essa

pureza, ficando a seguinte pergunta formulada pelo filósofo: ―Será que uma tradução

será válida em termos dos leitores que não entendem a obra original?‖ (CAMACHO,

2008, p. 25). Em sua opinião é fundamental o retorno à obra original.

Para o filósofo, além do retorno à obra original feita pelo tradutor e pelo fruidor

da tradução (o leitor), há a incomunicabilidade destas traduções quando não se

capta a ―Língua Pura‖, ou seja, quando ambos não visualizam a essência do que o

poeta quis dizer no poema ou em qualquer outra forma literária, visto que, para

Walter Benjamin, até mesmo o artista, autor da obra como tal, não deixaria claro

esta essência, mas ela estaria no ser que a criou. Contudo, se o tradutor ou o fruidor

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não conhecer o autor em toda a sua profundidade estética, haverá apenas a

comunicação ―inessencial‖. Para o teórico, um bom trabalho final deverá conter

essas prerrogativas. ―E assim continuará enquanto a tradução estiver comprometida

a servir o leitor.‖ (CAMACHO, 2008, p. 26).

Em relação à inessencialidade de Walter Benjamin, na tradução de Fernando

Camacho:

Aquelas traduções que escolhem para si o papel de intermediário, que em nome doutro transmite e comunica, não conseguem transmitir senão a comunicação, ou seja, o inessencial. E esta é uma das características por que se reconhece uma má tradução. (CAMACHO, 2008, p. 25)

Para Walter Benjamin, qualquer idioma ou língua nacional utilizada para

transferir ou traduzir um poema ou qualquer outro tipo de comunicação seria sempre

defeituosa, pois seria inferior ao original. A tradução era entendida como ―forma‖, e o

defeito que a língua de destino caracterizava seria potencialmente positivo nestes

estudos, pois o filósofo procurava manter as ideias da ―Língua Pura‖ na

interpretação de uma obra de arte.

Percebeu que, na maioria das obras de arte, o autor não deixa transparecer

de imediato a essência do seu conteúdo artístico, ressaltando, então, a importância

que dava para a tradução. Esta poderia conter a função de captar esta essência,

principalmente quando se tratasse de textos literários, que são manifestações

humanas de cunho estético, fundamental para o desenvolvimento do ser sensível,

como conhecimento e interpretação para a vida de qualquer pessoa. Ao mesmo

tempo ele se refere ao seguinte paradoxo: quanto mais distantes e diferentes forem

as línguas de origem e de destino, mais se notará as afinidades que existem entre

elas através de seus limites no conhecimento desta essência.

Walter Benjamin procura discernir a diferença entre ―traduzibilidade‖ e

tradução e afirma que a tradução nem sempre é necessária, ainda que esta obra

tenha como característica a ―traduzibilidade‖ - característica essencial para a

tradução de alguns textos que determina sua passagem para outra língua.

Na filosofia da história, a palavra ―traduzibilidade‖ tem o sentido de tornar

atual aquilo que precisa ser destruído e recriado. E, muitas vezes, a tradução poderá

revelar algo que não ficou claro na língua original. É como se, a tradução, por ser

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independente do texto original, na opinião do teórico, se distanciasse do sentido

original que o autor quis dar ao texto, mas, ao mesmo tempo, se tornasse cada vez

mais próxima do original, justamente pelos textos terem uma ligação sem

comprometer o sentido original do texto.

Este conceito de "traduzibilidade" para Susana Lages (2002):

Pressupõe, por um lado, a aceitação de uma distância, de uma separação de um fundo textual reconhecido como anterior, por definição, inapreensível em sua anterioridade; por outro, implica a destruição voluntária desse texto anterior a sua reconstituição, em outro tempo, outra língua, outra cultura, enfim em uma situação de

alteridade ou outridade radical. (p. 204).

Quanto às línguas, Walter Benjamin diz haver uma relação muito próxima:

―Essa relação íntima e oculta que podemos percepcionar entre as línguas constitui

uma convergência e união muito particular que nos deixa ver que as línguas não são

estranhas umas as outras‖. (CAMACHO, 2008, p. 29)

Para Walter Benjamin (2001) a tradução é comparada à essência da vida

humana. E qual seria a essência da vida para ele? A essência da vida para o

teórico é a sua mutabilidade. ―Todas as manifestações finalistas da vida bem como

sua finalidade geral, não são conformes, em última instância, às finalidades da vida,

mas à expressão de sua essência, à exposição de seu significado.‖ (BENJAMIN,

2001, p. 195).

A tradução de Walter Benjamin não revela o original e mostra apenas a sua

sobrevivência em sua pós-vida e, diante desta possibilidade, não é possível aceitar a

tradução como mera transcrição de sentidos, pois interrompe a eternidade da vida –

o que é natural, pois o ser humano nasce, cresce, desenvolve-se e morre – para

garantir outra vida, não como uma vida em si, mas em termos benjaminianos:

Na tradução o original evolui, cresce, alçando-se a uma atmosfera por assim dizer mais elevada e mais pura da língua, onde, naturalmente, não poderá viver eternamente [in welchem es freilich nich auf die Dauer zu leben vermag], como está longe de alcançá-la em todas as partes de sua figura, mas à qual no mínimo alude de modo maravilhosamente penetrante, como o âmbito predestinado e interdito da reconciliação e da plenitude das línguas. Jamais o original o alcança até a raiz, integralmente: mas nele está tudo aquilo

que uma tradução ultrapassa a mera comunicação. (BENJAMIN, 2001, p. 201)

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John Milton (1998), em seu livro Tradução Teoria e Prática, esclarece o

pensamento de Walter Benjamin citando a sua própria experiência como leitor:

Minha própria leitura do ensaio de Derrida parte da tradução para o inglês de Joseph F. Graham, e do ensaio de Benjamin acerca da tradução de Harry Zohn. Estamos sempre cercados por uma regressão infinita de traduções. Para uma língua, existir isoladamente significa morrer: ―cada língua está como se estivesse

atrofiada em seu isolamento‖. (p. 163)

A intenção de Walter Benjamin, ao traduzir, não é a de comunicar o conteúdo

do original, pois ele não acreditava na tradução como forma de comunicação do

texto original; muito menos se destinava a passar mensagem ao leitor. Sua

percepção acerca da tradução é positiva, uma vez que se percebe as afinidades que

há entre as línguas, porque ―na tradução o original evolui..." (BENJAMIN, 2001, p.

201).

Walter Benjamin acreditava na existência do elemento ―traduzibilidade‖ que

permite relacionar algum tipo de tradução ao texto: ―A tradução é uma forma. Para

compreendê-la como tal, é preciso retornar ao original. Pois nele reside a lei dessa

forma, enquanto encerrada em sua traduzibilidade.‖ (BENJAMIN, 2001, p. 191). Para

ele, somente o original diz realmente o que pretende e a tradução é um

desdobramento do texto original, pois é posterior ao original, principalmente no que

tange aos livros antigos. Ela é uma ferramenta de sobrevida deste texto que

encontrará uma ideia diferente da que se transmitiu na época que ele foi escrito, pois

o tempo e o espaço são diferentes do texto em questão.

A tradução é vista por ele como um trabalho posterior, que dá continuidade à

vida do original, um desdobramento, uma renovação. Tem como objetivo expressar

a relação próxima que há entre as línguas traduzidas: a ―Língua Pura‖, que é o

conjunto de significações que as várias línguas poderão dar na tradução do original.

Identifica este conceito como algo sublinhar do texto fonte, e que, somente a

tradução conseguiria extrair esta essência do original, pois possui a capacidade de

dar vida à ―Língua Pura‖ que se encontrava adormecida no texto de partida, através

dos vários significados que o texto poderá apresentar ao ser traduzido nos diversos

idiomas.

[...] nenhuma tradução será viável se aspirar essencialmente a ser uma reprodução parecida ou semelhante ao original. Isto porque o

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original se modifica necessariamente na sua ―sobrevivência‖, nome que seria impróprio se não indicasse a metamorfose e renovação de algo com vida. Mesmo para as palavras já definitivamente sepultadas num determinado texto existe um amadurecimento póstumo. Aquilo que em vida de um autor poderia ser uma tendência ou particularidade da sua linguagem poética pode mais tarde desaparecer de todo enquanto que novas tendências de natureza imanente surgirão muito possivelmente das formas literárias. O que dantes era novo pode mais tarde parecer obsoleto e o que era uso

corrente pode soar arcaico. (CAMACHO, 2008, p. 30)

As obras de arte para Walter Benjamin, como já comentado antes, devem ter

somente a essência humana e não a opinião de quem a vê, pois que, para ele, de

que adianta a opinião de quem não conhece a essência do artista ou da obra

original? ―A tradução é em primeiro lugar uma forma. E concebê-la como tal significa

antes de tudo o regresso ao original em que ao fim e ao cabo se encontra afinal a lei

que determina e contém a ―traduzibilidade‖ da obra.”. (CAMACHO, 2008, p. 26). Ele

não quer dizer que toda obra que tiver o elemento da ―traduzibilidade‖ deva ser

traduzida, mas que essa tenha um significado essencial que possa ser transmitido.

A tradução, em sua visão, nunca será exata, mas terá uma ligação um tanto

mais próxima, à medida que, não interfira no original. Ou seja, quanto maior o seu

distanciamento do texto fonte, maior e mais próximo estará o texto original de sua

tradução e isso é possível graças ao elemento da ―traduzibilidade‖, que permite que

haja a compreensão do significado do texto sem afetar o original. ―Do mesmo modo

deverá ser finalidade da tradução expressar a relação mais íntima das línguas.‖

(CAMACHO, 2008, p. 29).

De acordo com sua visão, a teoria tradicional de tradução, ao contrário da

nova teoria, se preocupava com as regras sem pensar no texto em si, na essência

ou significado que ele poderia transmitir. A tradução seria sempre uma reprodução,

nunca o original, pois receberia interferências do tempo, das mudanças que a língua

sofreria neste decorrer e que a tornaria cada vez mais distante do original, pela

necessidade de adequações nas palavras. Também nunca seria uma informação

objetiva, pois o original acabaria se modificando na sua pós-vida – a tradução -, para

que continuasse vivo. Tanto o significado das palavras escritas no texto, objeto de

estudo, poderia se modificar com o passar dos anos, como as próprias palavras

utilizadas para interpretá-las, no exercício da tradução, também se alterariam – a

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língua materna do tradutor. A tradução para Benjamin é o meio ―onde as línguas se

reconciliam e atingem toda a sua plenitude‖. (CAMACHO, 2008, p. 33)

Walter Benjamin acreditava que na tradução não haveria a necessidade de

ser fiel, pois quando do texto original, este fora escrito com conteúdo e língua que

faziam parte de um todo significativo e, ao traduzi-lo para outra língua, este

conteúdo não seria mais adequado à língua da tradução, causando relações

inapropriadas, muitas vezes. ―No original, conteúdo e língua formam uma unidade

determinada, como a do fruto e da casca, enquanto a língua da tradução envolve

seu conteúdo, como um manto real, com dobras sucessivas‖ (BENJAMIN, 1992, p.

20). A tradução resumir-se-ia à tentativa de se chegar a uma ‗língua pura‘, que daria

significados diversos às palavras, sem tentar amarrá-las à questão da fidedignidade

da intenção do autor ou de seu significado próprio, mas sim de dar várias

significações às palavras dentro de suas línguas e culturas a que pertencerão.

Observa-se que, a todo o momento, o autor fala da ―transcriação‖, oposto da

simples tarefa de transposição, pois Walter Benjamin acreditava que no texto original

havia elementos não traduzíveis e que, portanto, necessitavam ser ―transcriados‖ e

poetisados.

Quanto à relação entre conteúdo e língua, vistos anteriormente, ele os

compara como a membrana que envolve o fruto – conteúdo, que parece sempre

desproporcional a sua linguagem, pois esta sempre ganha uma roupagem para

poder trazer ao leitor o sentido que o escritor ou poeta utilizou na sua arte para

atingir a ―Língua Pura‖ (essência da língua), uma vez que, o autor arruma as

palavras de modo a chegar até ―ela‖ e o tradutor necessita encontrá-las, na sua

língua nacional, para trazer sentido e aproximar-se da essência do texto.

No caso do texto original estas relações constituem como que uma certa unidade semelhante à que existe entre o fruto e a pele de que se reveste, enquanto que a língua da tradução implica uma linguagem mais elevada do que ela própria, permanecendo deste modo um quanto forçada, estranha mesmo, e até desproporcionada

ao seu conteúdo. (CAMACHO, 2008, p. 34)

Quanto à fidelidade da tradução e a fidelidade do significado, o autor defende

que há uma grande diferença das palavras inseridas numa frase ou contexto, e

delas soltas. Quando o profissional de tradução se preocupa em manter a fidelidade

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do que foi escrito e apenas verte para outra língua as palavras, de modo isolado, ele

poderá por em questão a intenção do autor em alguns textos, o ―querer dizer‖, e

ameaçar a fidelidade do significado, da intenção do autor.

2.5 Pound e a Tradução

Ezra Loomis Pound trabalhou para formalizar, no início do século XX, toda

uma teoria baseada na estética da tradução enquanto criação e força motriz para o

treinamento do futuro poeta, no ato de escrever poemas e de entender literatura.

Ele acreditava que o conhecimento de línguas estrangeiras era necessário

para o desenvolvimento de uma língua nativa e que o período mais brilhante da

poesia inglesa foi a época de Geoffrey Chaucer, tradutor de Romaunt of the Rose, e

William Shakespeare em adaptações de peças estrangeiras - no que se confere

infiltrações culturais de outros países na Inglaterra do período elizabetano.

Este foi um momento em que a poesia revigorou-se com as influências de

outras línguas europeias que incluiu um novo vocabulário naquele país, onde a

língua foi submergida com os ―italianismos‖, os ―helenismos‖ e os ―latinismos‖.

Para Ezra Loomis Pound, um dos poetas mais influentes do século XX, na

tradução de poemas ingleses, o conhecimento de outras línguas também era

necessário para o ensino: um mestre estaria sempre ampliando a própria gramática,

fazendo com que ela pudesse incorporar algumas mudanças, enriquecendo e

alargando o léxico desses múltiplos ramos do conhecimento acompanhados de

reagrupamentos claros e originais. É assim que Haroldo de Campos, (2006)

comenta sobre o autor de Os Cantos:

Seu trabalho é ao mesmo tempo crítico e pedagógico, pois, enquanto diversifica as possibilidades de seu idioma poético, põe à disposição de novos poetas e amadores de poesia todo um repertório (muitas vezes insuspeitado ou obscurecido pela rotinização do gosto acadêmico e do ensino da literatura) de produtos poéticos básicos,

reconsiderados e vivificados. (p. 36)

Segundo John Milton (1998), Ezra Pound esclarece as definições de três

elementos do próprio poema para melhor abordar o que pode e o que não pode ser

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traduzido, no que se refere ao conhecimento de tradução e prática nas literaturas

poéticas das línguas estrangeiras, que são a melopeia, a fanopeia e a logopeia.

No primeiro elemento, a melopeia, as palavras estão carregadas de

significados simples e de tons musicais que dirigem a maneira do poema, através do

ritmo na cadência do verso, obtidas na sucessão de sílabas átonas e tônicas. Ezra

Pound (2007), a partir da tradução de Augusto de Campos (2003), explica que ela

tem o efeito de ―produzir correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo

da fala.‖ (p. 63)

O segundo elemento, a fanopeia, refere-se à projeção das imagens que são

levadas à imaginação através da leitura do poema. ―Projetar o objeto (fixo ou em

movimento) na imaginação visual.‖ (POUND, 2007, p. 63)

E, finalmente, o terceiro elemento, que é chamado de logopeia, está

relacionado aos hábitos especiais de uso da palavra, do contexto de cada uma delas

e seu jogo irônico como figura de pensamento que não pode ser traduzida e, sim,

parafraseada no trabalho de tradução livre. ―Produzir ambos os efeitos estimulando

as associações (intelectuais e emocionais) que permaneçam na consciência do

receptor em relação às palavras ou grupos de palavras efetivamente empregados.‖

(POUND, 2007, p. 63)

Quanto às ideias de Ezra Pound em relação à tradução, John Milton (1998)

diz que:

Na concepção de tradução de Pound, não se pode manter tudo no original, e a sintaxe da língua-alvo não deve ser influenciada pela sintaxe da língua original. Um dos elementos mais importantes consiste em acrescentar a própria voz do tradutor à voz do poeta. (p.83)

A tradução é o foco central do trabalho de Ezra Pound para traduzir textos

literários de escritores e no trabalho de tradução para a criação dos poemas de Os

Cantos, em que se apropria de fragmentos e obras completas de outros escritores

de diversos períodos e regiões, como, por exemplo, no Canto XXXIV onde utiliza a

Odisséia de Homero, O Paraiso de Dante e As Metamorfoses de Ovídeo; numa

transfiguração em que as línguas são frequentemente justapostas em traduções, na

forma de paráfrase ou transcritas no original da língua. Há, também, na utilização de

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Os Cantos, as retraduções de traduções de poemas indianos já traduzidos para o

inglês e poemas egípcios já traduzidos para o italiano.

Como exemplo de recriação poundiana, analisada por John Milton no livro

Tradução: Teoria e Prática (1998), do clássico em versos latinos Homage to Sextus

Propertius, para o inglês; verifica-se que o tradutor Ezra Pound não se ocupa do

som ou da métrica do autor e expõe seu ponto de vista crítico-social, incluindo uma

―máscara nova‖, até quase a elaboração de um poema novo:

Propertius: ―A valeat Phoebum quicumque moratur in armis! Exactus tenur pumice versus est – Quo me Fama levat terra sublimis ET a me Mata coronatis Musa triumphat equis, ET mecum curru parvi vecantur Amores Scriptorumque meãs turba secuta rotas. Quid frustra missis in me certatis habendis? Non data ad Masas Currere lata via.‖

(MILTON, 1998, p. 97-98) Pound: ―Out-weariers of Apollo will, as we know, continue their Martian generalities. We have kept our erasers in order, A new-fangled chariot follows the flower-hung house; A young muse with young loves clustered about her ascends with me into the ether… And there is no high road to the Muses.‖

(MILTON, 1998, p. 98)

John Milton (1998) comenta em relação à tradução de Ezra Pound:

A versão de Pound é claramente mais moderna e coloquial, com termos como new-fangled (hipermoderno) e frases como We have kept our erasers in order (Mantivemos nossos apagadores em boa

ordem); também não segue o original palavra por palavra. (p. 98)

E acrescenta que, ―a tradução é uma força motriz no ato de escrever poesia e

de entender literatura. É treinamento excelente para o futuro poeta.‖ (MILTON, 1998,

p. 79) e que ―a qualidade da tradução reflete a qualidade da poesia em uma época

literária.‖ (p. 80), ou seja, se a época é um grande momento para a literatura através

dos trabalhos de Ezra Loomis Pound, o será também para as traduções.

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Para o autor, Ezra Pound não tem a intenção de reproduzir o significado das

palavras, mas sim, manter a forma poética. ―Com cada tradução Pound tem de

escolher não só o idioma inglês mais apropriado, mas também o tom. Não usa um

só idioma ou tom para servir a tudo.‖ (MILTON, 1998, p. 106). Ou seja, o tradutor em

questão analisava a época em que a obra fora escrita e a traduzia dentro do idioma,

podendo ser o inglês anglo-saxão, arcaico, ou moderno, mantendo a tradução o

mais próximo possível da época e língua (com suas variantes) em que o original fora

escrito. É como se procurasse por um tom mais próximo da época do original da

obra. Ele tinha como objetivo modificar textos antigos através de suas traduções

criativas, estruturando e atribuindo novos significados, através da estrutura dos

signos constituintes daquela mensagem. A tradução da mensagem em si não era

importante, assim como pudemos observar na teoria de Walter Benjamin.

John Milton (1998) afirma que Ezra Pound não traduzia com o objetivo de

manter o que estava escrito no original, pois não acreditava que a sintaxe das

línguas de origem devesse influenciar a da língua de destino e que a voz do tradutor

deveria aparecer na tradução do poema, como se pode observar no trecho abaixo:

Para Pound [...] a tradução é central. Parecido com o escultor ou com o entalhador, Pound talha, apara e molda, aproveitando os seus longos anos de familiaridade com formas e idéias estrangeiras para

construir um poema. (p. 110)

O poeta Ezra Pound acabou por destacar a importância do tradutor ao

―Renovar‖ – ―Make It New‖ nas suas traduções, mostrando que o profissional de

tradução pode recriar e adaptar sua tradução ―colocando o seu próprio ser dentro

dela‖ (MILTON, 1998, p. 118). O teórico John Milton (1998) comenta que o poeta em

questão via a tradução como um elemento central entre as literaturas, pois permite

que estilos e ideias novas circulem entre as literaturas, além de ser uma prática e um

exercício para que o tradutor se torne criativo em seu processo de produção de

poesias.

Ezra Pound não via a tradução como um ideal metafísico, em que a tradução

tenha que ser transposta para outra língua mecanicamente, alterando apenas a

estrutura desta. Acreditava que o tradutor era capaz de interpretar o teor da obra

literária, apreendendo o seu sentido, ouvindo a voz do texto e trasncriando para a

língua de destino. Criticava a ideia que se tinha do profissional da tradução como

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apenas um mero servo da linguística, uma máquina de traduzir, e defendia que não

deveria haver separação entre a obra e o leitor, seja ela uma obra literária ou obra

de arte.

Segundo ele, só se conhece bem algo quando se vive este algo e o crítico

deveria ser um leitor, deixando de lado a sua função intermediária. A tradução era

vista por ele como traição do original, desatrelando a fidelidade ao texto-fonte e

dando grande valor à opinião, à poética e à interpretação da obra pelo tradutor para

uma recriação do texto. O tradutor captaria a voz da obra e a transcriaria.

Ezra Pound teve grande importância na reconstrução da imagem subjetivista

atribuída ao poeta, pois lutou para que deixasse de ser visto sob a ótica de quem só

sabe expressar os seus sentimentos e fez do tradutor um poeta.

2.6 Jakobson e a Tradução

Roman Jakobson (1975) aborda sobre o bilinguismo e afirma que para ele é

uma questão-problema fundamental da linguística, pois as pessoas acham que

devem separar as línguas em seções estanques, interferindo e segregando as

línguas contíguas. Quanto mais línguas são conhecidas, maior o poder de difusão

de certos fenômenos, estruturas gramaticais que os não bilíngues não possuem.

Isso dá maior poder e prestígio aos bilíngues, porque estes podem influenciar mais

ouvintes, com a sua perspicácia na fala. ―Pierce dá uma definição incisiva do

principal mecanismo estrutural da linguagem quando mostra que todo signo pode

ser traduzido por outro signo no qual ele está mais completamente desenvolvido.‖

(JAKOBSON, 1975, p. 32).

Segundo Roman Jakobson (1975), o significado de um signo linguístico, tanto

para o usuário como para o linguista, é a própria tradução por outro signo sinônimo,

ou seja, poder-se-á converter ‗homem não casado‘ em ‗homem solteiro‘, desde que

torne a tradução mais clara. ―Desde que haja interpretação, emerge o princípio da

complementaridade, promovendo a interação do instrumento de observação e da

coisa observada.‖ (p. 15).

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Com isso, ele nos relata que, melhor que traduzir literalmente sem haver

nenhuma compreensão, é interpretar o que compreendeu com o conhecimento que

se tem da língua de destino e com a criatividade que se possa utilizar, sem

ultrapassar os limites da tradução e, ao mesmo tempo, sem deixar que esses limites

interfiram no poder de criação e de adaptação. É como afirma o grande teórico da

comunicação: ―A tradução é, pois, um desvendamento de formas do conhecimento.‖

(MCLUHAN, 1974, p. 76).

Ainda como exemplo deste primeiro tipo de tradução, podemos dizer que

‗toda criança é menor, mas nem todo menor é criança‘, ou seja, uma unidade de

código de alto nível só pode ser interpretada por meio de uma combinação de

códigos ou de mensagens referentes a esta unidade de código.

Quanto ao segundo exemplo de tradução (interlingual), o autor afirma que

também não há equivalência perfeita entre as unidades de código, e que, por muitas

vezes o tradutor necessita substituir mensagens por outras inteiras de outra língua,

não por unidades de código separadas. O tradutor reescreve como que num

discurso indireto. ―Assim, a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois

códigos diferentes‖ (JAKOBSON, 1975, p. 65).

Segundo o teórico em questão, as atividades de tradução ou a prática

generalizada da comunicação interlingual devem ser objetos de preocupação da

ciência linguística, pois a ―faculdade de falar determinada língua implica a faculdade

de falar a cerca dessa língua.‖ (JAKOBSON, 1975, p. 67). O tradutor tem por

obrigação conhecer a respeito da composição das línguas analisadas, sua formação

cultural, léxica, morfológica e a sintaxe. Desta forma, será possível para ele

determinar o vocabulário correto a ser empregado e revisar suas aplicações. E,

acima de tudo, deverá conhecer bem a língua a que se destina a tradução.

Na opinião de Susan Bassnett (2003), para o linguista, só será possível uma

boa tradução quando houver a ―transposição criativa‖:

Tendo, estabelecido três tipos dos quais o segundo, a tradução interlinguística, descreve o processo de transferência da Língua de Partida para a Língua de Chegada, Jakobson passa de imediato a indicar o problema central nos três tipos de tradução: se bem que as mensagens [recodificadas] sirvam de interpretações adequadas de unidades de códigos ou mensagens, não se obtém normalmente

completa equivalência através da tradução. (BASSNETT, 2003, p. 37)

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Qualquer deficiência ou diferença entre as línguas objetos da pesquisa,

permitirá que o tradutor realize transferências semânticas ou substituições,

aplicações de neologismos, empréstimos linguísticos, dentre outros. Fidelidade e

criatividade se acompanham na realização de uma tradução. Pois, segundo Roman

Jakobson a ―ausência de certos processos gramaticais na linguagem para a qual se

traduz nunca impossibilita uma tradução literal da totalidade da informação

conceitual contida no original.‖ (1975, p. 67)

O teórico enfatiza que caso ―alguma categoria gramatical não existe numa

língua dada, seu sentido pode ser traduzido nessa língua com a ajuda de meios

lexicais‖ (JAKOBSON, 1975, p. 68), pois todo o conhecimento que se tem de uma

língua, seja ele lexical ou gramatical, deve ser aplicado em qualquer língua a que se

destina o objeto da tradução. Também a observação de características importantes

das línguas examinadas como formas duais ou palavras inexistentes em alguns

idiomas. Na língua inglesa, por exemplo, faz-se uso do verbo ‗to miss‘ para

representar ‗saudade‘, uma vez que esta palavra é inexistente em seu vocabulário.

Assim, Roman Jakobson (1975) comenta em seu livro Linguística e

Comunicação que:

Na recente língua literária dos Chunkchees do nordeste da Sibéria, ‗parafuso‘ é expresso por ‗prego giratório‘, ‗aço‘ por ‗ferro duro‘, ‗estanho‘ por ‗ferro delgado‘, ‗giz‘ por ‗sabão de escrever‘, ‗relógio‘

(de bolso) por ‗coração martelador. (p. 67)

O autor quer dizer que formas duais como ‗pais‘, na língua portuguesa tanto

pode significar (pai e mãe = dualidade), como também o plural de pai (pais). Já, na

língua inglesa não há esta característica: ‗pais‘ pode significar ‗parents‘ = ‗pai + mãe‘

ou ‗fathers‘= plural de ‗father‘ (somente os pais – sexo masculino).

Roman Jakobson (1975) diz que é ―mais difícil permanecer fiel ao original

quando se trata de traduzir, para uma língua provida de determinada categoria

gramatical, de uma língua carente de tal categoria.‖ (p. 67) Ele observa que em

algumas línguas temos opções a serem escolhidas pelo tradutor ou deixar ambas à

escolha do leitor, respeitando sua melhor compreensão e relacionamento com o

texto lido.

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O terceiro tipo de tradução (intersemiótica) realiza-se através do uso dos

signos não verbais para se interpretar os signos verbais.

Sabe-se que toda a tradução está sujeita a interpretações do próprio tradutor,

não descartando as possibilidades de compreensão do receptor desta mensagem –

o leitor final, havendo, possivelmente, uma perda de significação ou uma

ressignificação do sentido da oração. Quanto mais completa em termos de sentidos

e contexto, menor será o distanciamento do objetivo do escritor, quando do

momento de sua escrita. Em trechos de uma entrevista dada pelo letrista Carlos

Rennó à Revista Língua Portuguesa a respeito da tradução da música ‗Let´s do it‘

(Let´s fall in love) de Coler Poter, Rennó analisa:

Uma grande dificuldade foi a de sempre, sempre q1 a canção original é escrita em inglês: o inglês é muito mais sintético q o português, e para dizer em nossa língua o mesmo q – digamos – 10 sílabas em inglês, precisamos de umas 17. Isso representa uma dificuldade de ordem técnica difícil de suplantar quando o objetivo é verter

transpondo o sentido do texto original em sua essência. (PERISSÉ, 2013, p. 41) 1

―As línguas diferem essencialmente naquilo que devem expressar, e não

naquilo que podem expressar.‖ (JAKOBSON, 1975, p. 69) Segundo o autor, quando

se trata de poema, as categorias gramaticais possuem um teor muito importante na

tradução ou recodificação. Enquanto que a linguagem, em sua aplicação linguística,

depende pouco do sistema gramatical, pois o nível cognitivo da linguagem admite e

exige a interpretação através de outros códigos como a própria tradução.

“1 O letrista Carlos Rennó gosta dos jogos verbovocovisuais dos concretistas – a ponto de responder a esta entrevista mantendo o uso do

“q”, assim, em abreviação à partícula “que”. Autor de versão de Let s do it.”(Gabriel Perissé)

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2.7 Haroldo de Campos e a Transcriação

O poeta, tradutor e crítico Haroldo de Campos publicou vários textos e

volumes – mais de 30 – a respeito da crítica da tradução, poesia, teoria e tradução

poética, ensaios e artigos sobre a tradução e a poesia. Foi um dos estudiosos da

área a pensar a teoria da tradução em nosso país.

Em 1972, doutor e professor em Letras pela Faculdade de Direito do Largo de

São Francisco, em São Paulo, fundou o grupo de poesia concreta ―Noigrandes‖,

articulado junto com seu irmão Augusto de Campos e Décio Pignatari.

A poesia concreta desestrutura a tradicional, pois prima pela forma de dispor

as palavras visualmente, indo de encontro às formas tradicionais de organizar o

poema, além de dar forças para a tradução criativa.

Segundo John Milton (1998), os irmãos Campos receberam fortes influências

na forma com que traduzem e cita três grandes nomes: Walter Benjamin, Ezra

Pound e Roman Jakobson:

De Benjamin emprestam a ideia da influência da língua-fonte sobre a língua-alvo [...] De Jakobson emprestam a ideia de traduzir a forma da língua-fonte na língua-alvo. E de Pound emprestam a ideia do tradutor como recriador. (p. 207).

No início dos anos 60, o estudo da tradução começa a ter importância para a

literatura do país, separando-se da linguística para se tornar uma ciência autônoma.

A apresentação de uma tese para o III Congresso Brasileiro de Crítica e História

Literária, na Paraíba, em 1962, pelo poeta Haroldo de Campos, intitulada: ―Da

tradução como criação e como crítica”, texto crítico presente no livro Metalinguagem

& outras Metas: ensaios de teoria e crítica literária (1992) foi de extrema importância

para levar o estudo da tradução à categoria de ciência autônoma.

Tanto Haroldo de Campos como seu irmão Augusto de Campos – este

nascido em 1931, em São Paulo - foram influenciados pela teoria da tradução de

Ezra Pound. Ambos desenvolveram o termo ―transcriação‖ onde o principal elemento

da tradução consiste na reconstituição do sistema de signos que compõem a ideia

central de uma determinada tradução, processo que se baseia nas questões

lexicais, semânticas e sintáticas. Com este termo, os tradutores em questão

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intencionaram provar que não havia limites para a tradução. Pode-se ir além do

significado e assim facilitar a adequação das línguas à tradução. Foram de grande

importância na constituição de uma teoria literária no Brasil, pois ao traduzir diversos

textos estrangeiros para a língua portuguesa, contribuíram com a valorização da

tradução como profissão, ressaltando-a como elemento contribuinte da nossa

formação literária e do papel tradutório que sempre foi desprezado e compreendido

como de importância literária inferior.

De acordo com Haroldo de Campos (1981), a forma de se traduzir um poema

dos demais textos é diferente, pois este gênero literário se mostra muito frágil, seu

conteúdo está muito ligado à forma e, portanto, defende que a tradução seja uma

recriação, pois não se deve levar em consideração apenas o conteúdo quando se

trata deste gênero. Acredita na tradução como tarefa ―transcriadora‖: ―a tradução é

também uma persona através da qual fala a tradição‖ (CAMPOS, 1981, p. 191).

Será sempre uma atividade de recriação, opondo-se à literalidade. Considera que

todo o texto será escolhido com base na possibilidade de tradução, e que o tradutor

deverá escolher uma obra estrangeira que faça sentido para o país a que se destina

a tradução, no que concerne ao enriquecimento cultural. Portanto, a tradução é um

ato crítico. Seu pensamento em relação à tradução tem como base a linguagem

poética ou ―poiesis‖, mas também as estruturas sintáticas / gramaticais da língua.

O tradutor e teórico cria o conceito de ―isomorfismo― em seu texto ―Da

tradução Como Criação e Como Crítica‖, ou seja, seu conceito abrange a ideia de

que tanto o texto traduzido como o texto-fonte teriam uma estrutura transparente

(cristalina) – conceito da ―cristalografia‖, mas com composição química diferente, são

―criações paralelas‖. Este conceito é também utilizado no poema e mais tarde o

substituiria por ―paramorfismo‖ (―ao lado de‖).

Segundo Márcio Silva (Dez-97 / Fev-98), o poeta Haroldo de Campos recria

ao traduzir, na medida em que não abandona o sentido semântico das palavras,

usando a palavra e seu sentido, tanto na elaboração de seus poemas como na

tradução de textos, se aproximando bastante da teoria de Ezra Pound.

Sob esta forma de análise do trabalho linguístico, ele realiza uma crítica de

toda uma concepção da linguagem, não em termos de realizar uma crítica à obra,

mas sim, a de realizar um estudo em relação à linguagem utilizada, de forma a

auxiliar o tradutor em seu trabalho.

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Márcio Silva em seu artigo Haroldo de Campos: tradução como formação e

“abandono” da identidade, publicado em 1997-1998, analisa que a obra de Haroldo

de Campos não segue os parâmetros tradicionais que um poema, os ensaios, as

traduções e diversos outros gêneros deveriam ter. O poeta ultrapassa os limites dos

gêneros literários, pois, observa-se que em suas traduções, há a inserção de textos

de outros escritores e criações ou notas em relação à sua opção de escolha do texto

a ser traduzido. Em seus poemas, verifica-se a inserção de trechos de outros

poetas. Márcio Silva (1997-1998) acrescenta que:

HC sempre procurou para as suas traduções textos marcados por intrincados jogos de assonância, aliteração, perpassados por uma teia paralelística de elementos tanto imagéticos como sonoros e semânticos, em suma, HC quase sempre optou por textos os mais distantes possíveis da nossa linguagem cotidiana ou mesmo científica, marcada pela obediência à lógica discursiva. Daí a opção pela segunda parte do Fausto do Goethe – um dos textos mais herméticos da literatura ocidental –, pelo Finnegans Wake – obra que

visou desmontar a estrutura hermenêutica da leitura tradicional do texto como ―busca de um sentido‖, na medida em que levou às últimas consequências o processo de ciframento da escrita – daí a sua opção pelo teatro nô, pelos haicais japoneses e por textos do

Antigo Testamento (...) (p. 164-165).

Seu trabalho foi influenciado pela teoria de Walter Benjamin, no que se refere à

importância do contato com o texto-fonte para a melhor compreensão da tradução,

pois esta última já está inserida no texto-fonte e, portanto, resta ao tradutor

encontrar a ―língua pura‖. A importância do texto-fonte não se sobrepõe à do texto

final e este não tem a função de comunicar aquele. Ambos possuem importância.

Tanto para Walter Benjamin quanto para Haroldo de Campos, eram mais

importantes os textos que não possuíam palavras com alto teor semântico, pois

estes proporcionavam uma maior liberdade de criação, sem perder a essência das

palavras e o sentido do texto. Walter Benjamin condenava a preocupação que

muitos tradutores tinham em querer separar o conteúdo da sua estrutura e pensar

que somente o conteúdo fosse importante a ser traduzido, realizando,

consequentemente, uma má tradução – (sua visão).

Para Haroldo de Campos (1981), o original poderá se transformar na tradução

da tradução, pois vista por outro ângulo, a tradução não deverá ser apenas uma

cópia do original; deverá basear-se no texto-fonte e em sua forma para se

transformar em um novo texto transcriado em uma nova língua. Vemos também,

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influências de Walter Benjamin em relação à crença na ―língua pura‖, pois acreditava

que a tradução devesse ser feita com base na intenção do texto original, daquilo que

ele quis dizer ou que não foi dito; e não no conteúdo comunicativo. A tradução ―[...]

intenta, no limite, a rasura da origem: a obliteração do original‖ (CAMPOS, 1981, p.

209).

Segundo Haroldo de Campos (1981):

[...] na perspectiva benjaminiana da ―língua pura‖, o original é quem serve de certo modo a tradução, no momento em que a desonera da tarefa de transportar o conteúdo inessencial da mensagem (trata-se do caso de tradução de mensagens estéticas, obras de arte verbal, bem entendido), e permite-lhe dedicar-se a uma outra empresa de fidelidade, esta subversiva do pacto rasamente conteudístico: [...] a ―fidelidade à re-produção da forma‖, que arruína aquela outra,

ingênua e de primeiro impulso [...] (p. 179).

Uma vez que Walter Benjamin considerava as características que o texto

original possuía e a importância de se referenciar a ele sempre que se fizesse uma

tradução, de modo a transcender ao original e dar-lhe vida nova – uma crença

místico-judaica ou metafísico-mística; Haroldo de Campos viu a necessidade de

ultrapassar a visão de Walter Benjamin - de que o tradutor tivesse apenas a tarefa

angelical de estender a vida do texto - chegando a traduzir textos que já eram

traduções de originais, algo que Walter Benjamin condenava em ―A tarefa do

Tradutor‖.

Haroldo de Campos também se permite influenciar pela teoria ―renovar‖ de

Ezra Pound e manter a forma poética. Recebeu fortes influências dele, no que diz

respeito a intercalar trechos de poemas de outros autores em seus poemas e,

logicamente, mantendo a tradição, pois estendeu a vida desta obra – sobrevida.

Além do termo ―transcriação‖ – atividade de criação da língua nacional com

base numa obra na língua estrangeira (somente para textos que possuem a

característica da intraduzibilidade), criado por Haroldo de Campos, há também o

termo ―transculturação‖, pois, segundo ele, a tradução está investida de influências

culturais e da tradição de um povo, além de possibilitar a expansão da fronteira

linguística com a inserção de novas formas morfológicas, léxicas e sintáticas. Ele

mostra que a tarefa de recriação do tradutor acontece quando este transpõe, de

forma poética, o conteúdo do texto original para o texto traduzido (mantendo o texto

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final no mesmo nível do texto-fonte), interferindo com o seu estilo de tradução,

conectando as obras pela forma, pela estética; porém com conteúdos diferentes –

processo chamado de isomorfia que será tratado mais adiante.

―No ensaio Nos bastidores da Tradução de Ana Cristina César, os irmãos

Campos são citados como tradutores de poemas não muito ortodoxos.‖ (apud.

MILTON, 1998, p. 110). Eles preferem trabalhar com poetas que ―usam a linguagem

como instrumento e que fazem experiência com os vários elementos de uma

língua.‖, o que será chamado de ―Tecnologia poética ou artesanato formal rigoroso‖

(MILTON, 1998, p. 209).

Em entrevista a J. Jota de Moraes, no livro O Arco-íris Branco (1997), Haroldo

de Campos admitiu uma impossibilidade na tradução dos textos. O entrevistador

solicita que ele explique a diferença entre os termos: ―tradução‖, ―transcriação‖ e

―recriação‖: Haroldo de Campos explica que a diferença entre os termos ―tradução

referencial do significado‖ (p. 46) e ―a prática semiótica radical que se enquadra no

paradigma regido pela ideia de trans/criação é uma diferença, por assim dizer,

ontológica.‖ (p. 46). Complementa que o ―tradutor/transcriador, nesse sentido, é um

coreógrafo da dança interna das línguas, valendo o sentido (o assim chamado

conteúdo) como bastidor semântico ou cenário pluridesdobrável dessa coreografia

móvel de signos.‖ (p. 46). Ainda, de acordo com ele, a recriação é uma ―tradução

icônica, é uma operação sobre a materialidade do significante.‖ (p. 46)

Portanto, a sua ideia de transcriação procura manter a forma em detrimento

do sentido do texto, o que denota as suas palavras: ―enquanto que transcriação,

será uma obra de ―reinvenção‖, intensiva, fragmentária muitas vezes, preocupando-

se antes com a forma semiótica do texto, com a sua ―qualidade diferencial‖ enquanto

dicção.‖ (p. 50)

Ainda segundo o poeta, em seu ensaio ―Problemas de tradução em Fausto de

Goethe‖ no livro O Arco-Íris Branco (1997), a tradução de poema é uma ―prática

isomórfica‖ (CAMPOS, 1997, p. 51) e mais tarde ―paramórfica‖, pois a tradução

criativa ―será sempre criação paralela, autônoma, porém recíproca‖ e, segundo ele,

aconteceria o processo isomórfico entre o texto-fonte e o texto traduzido ou

―inventado na língua do tradutor‖ (p. 52), pois o processo de tradução se daria de

forma paralela e se uniriam como ―corpos isomorfos‖ (p. 52). Ele classifica a

tradução isomórfica como ―icônica‖, pois nela dá-se atenção inclusive a

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―propriedades sonoras, de imagética visual‖ (p. 52) sendo o contrário da tradução

literal. Em sua visão, quanto mais complexo e difícil de ser traduzido, mais

possibilidades de tradução, ou melhor, dizendo, de transcriação e recriação haverá.

Ademais, classifica como obras importantes e de grande influência para o seu

estudo e pesquisa, as de Roman Jakobson – On Linguistic Aspects of Translation, a

introdução da tradução alemã do Tableaux Parisiens - de Baudelaire; e a de Walter

Benjamin – A tarefa do Tradutor, além da tradução de Cantos de Ezra Pound, feita

em conjunto com Augusto de Campos e Décio Pignatari, que inclusive foi elogiada

pelo próprio, numa entrevista dada a Murilo Mendes.

E finalmente, de acordo com Fabiano Venturotti (2008), em seu artigo A

Transcrição Bíblica em Haroldo de Campos: A Poética de Gênesis - Revista

Desempenho, Haroldo de Campos participou da tradução da Bíblia. Contudo,

necessitou aprofundar-se no estudo da língua e da Bíblia Hebraica:

Ao final do século XIX, a Bíblia estava traduzida total ou parcialmente em 71 línguas e chegava ao final do ano de 1977 a um total de 1631 línguas. A tradução sempre constante de um texto, neste caso o bíblico, é necessária devido a algumas razões específicas: descoberta de novos manuscritos, evolução das línguas e o avanço

das descobertas semânticas, lingüísticas e teológicas. (p. 28)

Para Haroldo de Campos, as diferenças entre as línguas origem e destino não

seriam empecilho para a realização do trabalho, mas a possibilidade de dar à

tradução a chance de demonstrar o que o próprio original não conseguiu, porque

haveria a alternativa de criar algo diferente e novo, pois é a partir da diferença que

se conseguirá retirar tudo aquilo que a própria obra não conseguiu demonstrar.

Ele mostra sua sagacidade como tradutor criador na tradução da última

estrofe do poema ―The Raven‖ (O Corvo) de Edgar Allan Poe, escritor e poeta norte-

americano. Foi publicado pela primeira vez em 29 de Janeiro de 1845, no New York

Evening Mirror.

“O Corvo

And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting On the pallid bust of Pallas just above my chamber door; And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming, And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor; And my soul from out that shadow that lies floating on the floor

Shall be lifted – nevermore!

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E o corvo, sem revôo, pára e pousa, pára e pousa No pálido busto de Palas, justo sobre meus umbrais; E seus olhos têm o fogo de um demônio que repousa, E o lampião no soalho faz, torvo, a sombra onde ele jaz; E minha alma dos refolhos dessa sombra onde ele jaz Ergue o vôo – nunca mais!

Tradução de Haroldo de Campos‖

Observa-se que Haroldo de Campos, em sua tradução, privilegia a forma em

detrimento do sentido, designando significados diferentes em sua tradução, como

por exemplo, nas palavras ―still is sitting‖, ainda está sentado; ele traduz como: ―para

e pousa‖. A palavra ―seeming‖ foi traduzida como ―fogo‖ ao invés de ―aparência‖. O

verbete ―dreaming‖ foi traduzido como ―repousa‖, ao invés de: sonha; o grupo de

palavras ―Shall be lifted‖ poderia ser traduzido como: ―será levantada‖, porém o

tradutor preferiu: ―Ergue o vôo‖.

A manutenção da forma pode ser observada nas palavras finais de cada

verso, onde ele manteve a rima dos versos ao traduzir justificando a troca dos

significados das palavras citadas no parágrafo anterior.

―Sitting‖ rima com ―dreaming‖; ―door‖ rima com ―floor‖ e ―nevermore‖. Na

tradução as palavras que Haroldo de Campos utilizou para fazer relação com estas

foram: ―pousa‖ rima com ―repousa‖; ―umbrais‖ rima com ―jaz‖ e ―mais‖.

Quando o tradutor utilizou as palavras: ―para e pousa, para e pousa‖, teve a

intenção de manter a aliteração das palavras ―still is sitting, still is sitting.

2.7.1 Compromisso com a Poética da Tradução em Haroldo de Campos

Na época contemporânea, a tradução passou a ter um viés de estudo próprio

que se ramifica nas várias teorias da tradução. No Brasil, é sintomático o estudo

desta disciplina no campo teórico, em que se destaca Haroldo de Campos por ser o

primeiro teórico da tradução a tratar do assunto com mais abrangência no país, a

partir dos anos 50, quando iniciou sua carreira literária.

No tema a Poética da Tradução, verifica-se que as formas e os sentidos de

um texto literário são discutidos entre os críticos litrários. Destacar essas

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características reforça o fato sobre o fazer tradutório. As questões de sentido, forma

ou ambos os assuntos de um texto traduzido, parecem ocupar uma posição de

dificuldade entre os tradutores que privilegiam uma ou outra abordagem; porém, as

barreiras que o assunto comporta são transponíveis em uma ou outra discussão,

longe de encerrarem o assunto.

De um modo geral e reforçando a tarefa que concerne ao tradutor a respeito

da escolha que privilegia a forma, o sentido ou ambos os assuntos de um texto

literário, a mestranda da USP Giselle Migliari, em seu artigo A tradução poética sob

o ponto de vista do perspectivismo (2010), comenta:

Assim, o tradutor, sendo ele também um leitor, molda o seu olhar, no momento da leitura, adapta sua postura interpretativa de acordo com as convenções sociais que permeiam o texto com o qual trabalha, sendo este poético ou prosaico, e realiza a sua interpretação, que

desencadeará uma tradução. (MIGLIARI, 2010, p. 12)

No que se refere aos estudos da tradução na literatura sul-americana, sabe-

se que Haroldo de Campos foi o precursor desta disciplina, referente aos textos

literários no Brasil, contribuindo com seu ponto de vista teórico chamado de:

―Transcriação‖. Para ele, a transposição de um texto literário, em especial um

poema, constitui a formação de um paideuma, isto é, a organização crítica do

pensamento, em nível histórico, em relação ao fazer tradutório.

A definição de paideuma está na introdução do livro ABC da Literatura de

Ezra Pound (tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes [São Paulo:

Cultrix, 2007]), feita por Augusto de Campos: ―a ordenação do conhecimento de

modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rapidamente

possível, a parte viva dele e gastar o mínimo tempo com itens obsoletos‖. (p. 11-12)

Isso equivale a dizer que, para os autores de Cantos – Ezra Pound e de Galáxias –

Haroldo de Campos, o fazer tradutório em seu processo ―transcriador‖ é a

reinvenção de algo que parece ser estático na aparência, mas munido de

temporalidade.

A respeito da influência de Ezra Pound, Haroldo de Campos buscou a

tradução crítica nos poemas e, também nos poetas por ele analisados; teórica e

praticamente concebida de uma forma ―transcriadora‖ para a apreciação de uma

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leitura presente e futura, levando em consideração o aspecto formal (forma) em

detrimento da essência (sentido).

O compromisso com a poética da tradução de Haroldo de Campos é, no

processo de ―transcriação‖, expandir o seu conhecimento por várias direções sem

nunca esquecer seus antecessores. Sua poética de pensamento só poderá ser

entendida como um amálgama que une o poeta, o tradutor, o teórico, o crítico e o

ensaísta em um só corpo. O que vale dizer é que analisamos o seu trabalho sob a

ótica de constituição da Poética da Tradução no seu conteúdo teórico.

Para falarmos de seu processo criador e gerador de conhecimento na

produção teórica de tradução, verificamos um texto do poeta, que pode ser tomado

como uma palavra de ordem de toda sua produção ―transcriadora‖. No seu ensaio

―Problemas de tradução no Fausto de Goethe‖, presente no seu livro O Arco-íris

Branco, de 1997, Haroldo de Campos começa a referir a sua ideia de ―transcriação‖,

como produção de conhecimento no processo de tradução sob o ponto de vista das

influências herdadas ao longo de sua carreira literária: ―O estímulo inicial foi o

exemplo de Ezra Pound, aquele poeta que, como disse uma vez George Steiner,

está para a tradução poética de nosso tempo como Picasso para a pintura.‖

(CAMPOS, 1997, p. 51). E, também, passando em revista esse conceito depois da

publicação do ensaio de 1967, ―Da Tradução como Criação e como Crítica‖

(presente no livro Metalinguagem e outras Metas) na posterior reflexão posta nesse

ensaio, trinta anos depois, Haroldo de Campos (1997) confere a dois teóricos da

tradução a assimilação de melhores formulações em relação a sua poética da

tradução:

À altura em que escrevi meu ensaio, eu não conhecia dois trabalhos que, depois, vim a considerar fundamentais para toda poética da tradução. O de Roman Jakobson, ―On Linguistc Aspects of Translation‖ (1959) e o de Walter Benjamim, ―Die Aufgabe des Uebersetzers‖ (―A Tarefa do Tradutor‖), escrito em 1923 como introdução à tradução alemã de Tableaux Parisiens, de Baudelaire. (p. 52)

Sob a luz desses dois teóricos citados anteriormente, o poeta, em seu ensaio

―Problemas de Tradução no Fausto de Goethe‖, vai expondo sua pesquisa, que

confere o raciocínio referente a linguística da tradução na tese de Roman Jakobson

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e a metafísica da tradução na visão de Walter Benjamim, em detrimento de uma

tradução mais ―brasileira‖:

Nesse contexto, pode-se entender melhor por que um poeta brasileiro (que encara o ―ser brasileiro‖ como um dado modal e não como um constrangimento ontológico: o modo brasileiro de ser universal), para quem a tradução é a melhor forma de leitura da tradição, tenha-se dado à aventura de aproximar-se transcriadoramente do Fausto (em especial do Segundo Fausto de

Goethe). (CAMPOS, 1997, p. 55)

A noção de ―poética sincrônica‖, na concepção de Haroldo de Campos,

significa o estudo crítico que valoriza esteticamente a obra quando inova a tradição,

questionando a ordem dos fatos que se estabelecem no eixo da sucessão

concernente à crítica da tradução. Falando dos problemas desta última, sob o ponto

de vista da ―transcriação‖ nas duas cenas finais do Segundo Fausto, de Goethe, o

poeta esclarece:

Uma tradução icônica, tal como a proponho, é necessariamente intensiva, e não extensiva; trabalha em concentração, não em expansão. Seu campo experimental é, de preferência, o fragmento, o excerto. Opera monadologicamente (para usar um conceito leibniziano repensado por W. Benjamim). É um modelo em miniatura, que lança sobre o original uma luz transpassante, capaz de revelar

as virtualidades do todo numa exponenciação da parte. (CAMPOS, 1997, p. 55-56)

Para o poeta, os tradutores que não inovam a tradução são vistos, à luz dos

ensinamentos de Roman Jakobson e Walter Benjamim, como acomodados e

submissos porque não querem ter o trabalho de aprofundamento na pesquisa crítica,

transpondo o que já está pronto na modalidade cultural da tradição.

Entendo a tradução como forma de leitura apropriada e transformadora da tradição (modalidade cultural da antropofagia oswaldiana, talvez), é claro que a escolha do modelo a transcriar não é ingênua, nem deve ser inócua. Trata-se, fundamentalmente, de

uma operação crítica. (CAMPOS, 1997, p. 56)

Nesse brevíssimo resumo do ensaio citado acima, foram expostas outras

características da teoria de Haroldo de Campos, mencionando seu legado em

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citação das páginas 55 e 56, ao expor criticamente sua tradução do poema Fausto

de Goethe, e a sua proposta teórica denominada ―transcriação‖.

2.8 Língua, Linguagem e Identidade

A língua e a linguagem estão diretamente correlacionadas com o tempo, o

espaço e a cultura. Elas possuem a característica de unir culturas de todos os

lugares, modificá-las e de apresentá-las ao mundo. A língua é a possibilidade que as

civilizações possuem de manifestação e de registro de sua cultura. Constitui fator

social importante.

A língua é, em última análise, uma parte da cultura e pertence teoricamente à antropologia. O seu estudo esclarece muitos problemas antropológicos, e o mesmo se pode dizer da antropologia

para problemas linguísticos. (MATTOSO CAMARA, p. 8 - Revista Língua Portuguesa.).

Mattoso Câmara posiciona a língua como fator identitário de uma sociedade e

seu objeto de estudo. Interliga a língua à antropologia, uma dicotomia importante

que gera aspectos importantes para o estudo de uma sociedade, pois segundo ele,

a língua faz parte de uma cultura e se apoiam mutuamente, sugerindo o princípio

denominado por Ferdinand Saussure de ‗princípio da continuidade‘, pois são fatores

solidários. Ele comenta sobre a relevância do tempo para a sobrevivência da língua,

e que, da mesma forma, a língua sofre influências do tempo.

A linguagem é uma ferramenta de cunho social e inerente à cultura geral.

Sendo assim, a linguística possui elevada importância a todos aqueles que, em

algum momento, farão uso de textos para algum fim. Muitas disciplinas estão

diretamente associadas a ela, ou vice-versa: a antropologia, a psicologia, a história,

a fisiologia e também a filologia.

O linguista Marcos Bagno (2002) diz que a língua não é abstrata, apesar de

necessitar de um veículo que a expresse e este veículo são os seres humanos

dentro de uma realidade histórica, cultural e social; dentro de sua interação social,

pois a língua é um produto desta atividade: é meio e fim:

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A língua não é uma abstração: muito pelo contrário, ela é tão concreta quanto os mesmos seres humanos de carne e osso que se servem dela e dos quais ela é parte integrante. Se tivermos isso sempre em mente, poderemos deslocar nossas reflexões de um plano abstrato – ―a língua‖ – para um plano concreto – os falantes da

língua. (BAGNO, 2002, p. 23)

Roman Jakobson (1975) concorda que é muito difícil estudar uma linguagem

separadamente dos antropólogos, pois estes afirmam que ela faz parte da vivência

social de cada ser e separada da cultura, torna-se difícil analisá-la. O linguista

complementa que:

Com efeito, os antropólogos têm sempre afirmado e provado que a linguagem e a cultura se implicam mutuamente, que a linguagem deve ser concebida como uma parte integrante da vida social, que a

Linguística está estreitamente ligada à Antropologia Cultural. (p. 17).

Uma vez que a ―linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo

impossível conceber um sem o outro.‖ (SAUSSURE, 1970, p. 16), há uma

desconstrução e (re)construção nas identidades dos indivíduos e também em sua

cultura e língua, porque há um intercâmbio e mudança nos grupos sociais.

Segundo o dicionário Aurélio (1986), a palavra identidade [Lat. Identitate]

significa ―caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado,

profissão, sexo, etc‖. A identidade também significa a consciência que as pessoas

possuem ou desenvolvem a respeito delas próprias, distinguindo-as dos outros

indivíduos ou grupos.

O período marcado pela transição político-social no tempo/espaço, definido

por Zygmunt Bauman (2001) sobre a passagem da Modernidade Sólida para a

Modernidade Líquida, o sociólogo aponta:

Na era do hardware, da modernidade pesada, que nos termos de

Max Weber era também a era da racionalidade instrumental, o tempo era o meio que precisava ser administrado prudentemente para o retorno de valor, que era o espaço, pudesse ser maximizado; na era do software, da modernidade leve, a eficácia do tempo como meio de alcançar valor tende a aproximar-se do infinito, com o efeito paradoxal de nivelar por cima (ou, antes, por baixo) o valor de todas

as unidades no campo dos objetivos potenciais. [...] (BAUMAN, 2001, p. 137)

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Stuart Hall (2000) analisa as identidades nacionais frente ao processo de

globalização e faz três constatações:

- As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento

da homogeneização cultural e do ‗pós-moderno global‘.

- Estas mesmas e outras identidades ‗locais‘ ou particularistas estão sendo

reforçadas pela resistência à globalização.

- As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas –

estão tomando seu lugar.

Muitos estudiosos da área da identidade nacional divergem das opiniões.

Para alguns, a Identidade é algo imutável, ao passo que, outros acreditam que ela é

algo que se constrói (subjetivo) e o indivíduo pode fazer parte de diversas

identidades.

Segundo Kathryn Woodward (2000, p.19). ―A cultura molda a identidade ao

dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as várias identidades

possíveis, por um modo específico de subjetividade‖.

Porém, Eva Maria Lakatos (1999) afirma que o processo de mudança na

cultura de um povo pode se dar através de desvios nos traços, características ou

padrões de cada cultura:

O aumento ou diminuição das populações, as migrações, os contatos com povos de culturas diferentes, as inovações científicas e tecnológicas, as catástrofes (perdas de safras, epidemias, guerras), as depressões econômicas, as descobertas fortuitas, a mudança violenta de governo etc. podem exercer especial influência, levando a

alterações significativas na cultura de uma sociedade. (p.143).

Segundo Roger Chartier (2002, p.17) as ―representações não são discursos

neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade, uma

deferência, e mesmo a legitimar escolhas‖, ou seja, ele acredita que qualquer cultura

sofre influência de outras culturas dominantes atuais, cujos interesses são o de

impor a sua ideologia.

Muitos estudiosos do assunto acreditam que com a globalização, as fronteiras

culturais passam a não existir e, assim, as diversas identidades passarão a uma

―identidade global‖. Muitos acreditam que atualmente não se possa falar numa

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identidade nacional brasileira, apesar de reconhecerem a existência de traços

etnoculturais nesta população, através das: danças, religiões, manifestações

populares. Os movimentos em prol do reforço destas marcas e práticas ainda são

muito tímidos.

De acordo com Manuel Castells (2002), alguns observadores têm se

surpreendido quanto ao nacionalismo, pois este se encontra ameaçado por três

questões:

A globalização da economia e a internacionalização das instituições políticas; o universalismo de uma cultura compartilhada, difundida pela mídia eletrônica, educação, alfabetização, urbanização, modernização; e os ataques desfechados por acadêmicos contra o conceito de nações, consideradas ‗comunidades imaginadas‘ (...). (p.44).

A globalização pode ser entendida como um sinal de que teremos que

reforçar cada vez mais nossa identidade através da valorização de nossa cultura.

Este alcance global pode ser visto como consequência da expansão dos

instrumentos capazes de homogeneizar a informação, tais como o rádio, a televisão,

a imprensa e o cinema.

Os meios de comunicação de massa não só apregoam mensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de

pensar, de lutar, de amar. (SANTOS, 2006, p.69)

O autor acredita que esta é uma cultura moldada pela indústria cultural que

dita modos e estilos de vida que irão homogeneizar a civilização.

No entanto, Maria de Andrade Marconi e Zelia Maria Neves Presotto (2005)

justificam que este é um fenômeno de aculturação que, através da globalização,

pode possuir diversas características que, se trocadas entre culturas, poderão

beneficiar ambas ou a uma de forma abrangente sobre a anterior.

Esta padronização de vida que elimina toda e qualquer diferença entre os

povos e que apaga as marcas da cultura local é, portanto, uma forma de aculturação

ou, quem sabe, numa visão mais positiva, a possibilidade da possível convivência

com as diferenças, sem a sobreposição de culturas dominadoras, mas da existência

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de um interculturalismo ou multiculturalismo que reafirme a identidade nacional, não

permitindo que ela fique subjugada às culturas tidas como superiores.

O multiculturalismo chegou a funcionar em alguns países como interpretação ampliada da democracia. Fez-nos ver que esta significa algo mais do que a rotina de votar a cada dois ou quatro anos: participar de uma sociedade democrática implica ter direito a ser educado na própria língua, associar-se com os que se parecem conosco para consumir ou protestar, ter revistas e rádios próprias

que nos distingam. (CANCLINI, 2005, p. 26)

2.8.1 Identidade Global e Identidade Nacional na Tradução

Montserrat Guibernau (1997) atribui o sentimento de pertença de um

determinado grupo constituído de elementos comuns a um processo de falta de

identidade local, mais do que da identidade global, ou seja, quando um grupo

cultural passa pela experiência da falta de identidade, que acontece pela

insuficiência de certezas e referenciais produzidos pela globalização, tenta encontrar

a consolidação das duas identidades na cultura local, elementos do grupo em que

atue e que marque suas características principais, que destaquem a singularidade

daquele perante outros grupos. Desta forma, há dois fatores importantes para a

formação de uma identidade: a continuidade no tempo e a diferenciação em relação

aos outros.

O primeiro fator diz respeito à importância de uma cultura possuir um passado comum, uma tradição, uma história e uma cultura que possa torná-la uma sociedade coesa, ―cultura comum, terra, um mito de origem, a vontade de construir um futuro comum e, quando possível, a língua, são elementos básicos que favorecem o aparecimento de

uma consciência comum‖ (p. 154).

O segundo fator depende do primeiro para que esta sociedade cultural se

destaque das outras por seus valores singulares e se imponha com característica e

marcas únicas de sua cultura.

Todas as mudanças causadas pela globalização incitam uma tensão entre os

níveis local e há uma necessidade de buscar a sua valorização da alteridade e de

suas diferenças culturais.

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Stuart Hall (1999) diz que seria mais acurado pensar numa nova dinâmica

entre o ‗global‘ e o ‗local‘ e não de acreditar que o ‗global‘ vá substituir o ‗local‘. A

globalização é um fenômeno de influência ocidental que traz incertezas e falta de

referenciais fixos, mas, que também serve como uma reafirmação das identidades

locais, da busca de seus referenciais de tradição e cultura.

Acredita-se que uma identidade global está se formando, porém este é um

fenômeno antagônico, pois a palavra ‗identidade‘ quer dizer ‗os caracteres próprios e

exclusivos de cada um‘, ou seja, o sentido da palavra se define pela oposição aos

―outros‖, melhor dizendo, pela exclusão dos outros, e exige uma inclusão seletiva.

Ao mesmo tempo a palavra ‗global‘ indica a não continuidade em relação aos povos.

As autoras Maria de Andrade Marconi e Zelia Maria Neves Presotto (2005)

discriminam a forma com que uma cultura pode influenciar na formação da

identidade nacional.

A cultura é dinâmica e contínua, em virtude de estar constantemente modificando, em face dos contatos com outros grupos ou com suas próprias descobertas e invenções, ampliando, dessa maneira, o acervo cultural de geração em geração. Varia, portanto, no tempo e

no espaço. (p.40)

Para Eva Maria Lakatos (1999):

As culturas mudam continuamente, assimilam novos traços ou abandonam os antigos, através de diferentes formas. As culturas estão sujeitas aos aspectos como crescimento, transmissão de

hábitos, difusão ideológica, estagnação, declínio e fusão. (p.143).

Maria de Andrade Marconi e Zelia Maria Neves Presotto (2005) concordam

que:

A cultura muda continuamente, possui suas variações pois integra novos elementos – crescimento da cultura - e se desassocia de outros. O crescimento da cultura, todavia, não é uniforme; pode haver época de grande desenvolvimento, de paradas e até de retrocessos. A alteração pode ser realizada por substituição ou por acumulação, tomando de empréstimo elementos de outra cultura,

conservando-os ou adaptando-os. (p.40).

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Quanto à questão da língua estrangeira e a língua de um país, Michaël

Oustinoff (2011) fundamenta a questão da língua ―Própria‖ prevalecer ainda sobre a

língua ―Estrangeira‖ com alguns dados que devem ser citados abaixo:

A tradução representa apenas de 2 a 4% das obras publicadas nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, enquanto representa 8 a 12% na França, em torno de 14% na Alemanha, chegando a 25% na Itália e a 39% no Brasil. Contudo, o inglês é, desde o final da Segunda

Guerra Mundial, a língua mais traduzida no mundo. (p. 51-52)

A proposta de Haroldo de Campos é o processo de assimilação entre a

cultura da América Latina em detrimento com a da Europa, cujo princípio

fundamental do processo tradutório é sua singularidade e não uma mera

transposição do original, que impulsiona o intercâmbio entre línguas e culturas. Isso

leva a uma nova dimensão para a discussão da identidade nacional.

Paulo Henriques Britto é um sucessor do teórico, poeta e tradutor Haroldo de

Campos, que é considerado como uma primeira referência da crítica moderna em

relação ao ofício tradutório. Os dois poetas articulam a tradução com enfoque na

noção de identidade nacional. Pode-se dizer que suas contribuições possuem a

intenção de reverter a relação servil tradicional, imprimindo de modo mais nítido a

autoria do tradutor.

O tradutor em seu trabalho imprime suas marcas principais caracterizando a

sua tradução como única e Paulo Henriques Britto ao escolher os poemas em que

Elizabeth Bishop descreve suas impressões do Brasil, por meio de paisagens

brasileiras ou de outra forma, realiza uma atividade de re-tradução a partir da sua

cultura, língua e tradição.

No poema ―The Burglar of Babylon‖ – ―O Ladrão da Babilônia‖, traduzida por

Paulo Henriques Britto, podemos verificar as questões nacionais como fator

identitário do tradutor. Noções como as regionais que envolvem a cidade do Rio de

Janeiro e gírias ou expressões cristalizadas:

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[…] ―But they cling and spread like lichen, And the people come and come. There´s one hill called the Chicken, And one called Catacomb;‖ […] […] ―Pois cada vez vem mais gente. Tem o morro da Macumba, Tem o morro da Galinha, E o morro da Catacumba;‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 264-265)

Embora Elizabeth Bishop ao escrever o poema, acima citado, tenha como

tema os morros do Rio de Janeiro, seu discurso se restringe a poucas vivências de

uma comunidade. Paulo Henriques Britto, ao traduzi-lo, engloba toda a nuance de

um nativo, incluindo os nomes de alguns lugares como a exemplo ―o morro da

Macumba‖.

Observando uma outra parte do poema:

[...] ―The police and the populace Heaved a sigh of relief, But behind the counter his auntie

Wiped her eyes in grief.‖ […] […] ―A polícia e a população Respiraram aliviadas. Porém, na birosca, a tia

Chorava desesperada.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 274-275)

No trabalho acima, o tradutor ao invés de traduzir ―atrás do balcão‖ para as

palavras ―behind the counter‖, preferiu utilizar a palavra birosca, reforçando a

identidade do tradutor em relação à da poetisa.

Analisando a próxima estrofe deste gênero literário:

[...] ―He did go straight to his auntie, And he drank a final beer. He told her, ―The soldiers are coming,

And I‘ve got to disappear.‖ […] […] ―E foi mesmo lá na tia, Beber e se despedir:

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―Eu tenho que me mandar, Os home tão vindo aí.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 266-267)

Aqui, observa-se o uso da língua coloquial de modo a criar um ambiente mais

natural dando mais realidade às falas ou conversas que aparecem no poema.

Verifica-se, que o encontro de uma língua com outra cultura favoreceu a

divulgação de alguns poemas brasileiros de sua geração, através da publicação de

uma antologia feita por Elizabeth Bishop chamada An Anthology of Twentieth-

Century Brazilian Poetry, publicada em 1972. Nesse contexto, analisaremos o objeto

de estudo de Paulo Henriques Britto, na voz da poetisa Elizabeth Bishop.

Podemos dizer que, até a pós-modernidade, a mulher em nossa sociedade

tinha uma identidade marcada pelo trabalho doméstico, na criação dos filhos e pela

submissão materna. Quando ela passa a atuar de forma diferente neste contexto,

assumindo o papel de igualdade entre os sexos, desenvolve uma nova identidade

que, por se tratar de sua inserção no mercado de trabalho, apresenta-se de forma

nova e fragmentada. Elizabeth Bishop, ao traduzir para a língua inglesa poemas de

Carlos Drummond de Andrade, Joaquim Cardozo, Manuel Bandeira, João Cabral de

Melo Neto e Vinícius de Moraes, se encontrava na posição de estrangeira, ligada a

este contexto (da mulher livre).

Elizabeth Bishop surge como uma artista engajada nos Estados Unidos em

plena época da Grande Depressão, através de personagens à margem da

sociedade norte-americana e que se rebela contra essa posição de inferioridade na

família, como mostra nesses fragmentos abaixo do seu poema ―Songs for a Colored

Singer‖, lançado no seu livro de estreia North and South, de 1946:

―I A washing hangs upon the line, but it´s not mine. None of the things that I can see belong to me.‖

[…] (BISHOP, 2012, p. 150)

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―II The time has come to call a halt; and so it ends. He´s gone off with his other friends. He needn´t try to make amends, this occasion´s all his fault.‖

[…] (BISHOP, 2012 p. 152)

Na tradução de Elizabeth Bishop do poema de Vinícius de Moraes, lançada

no livro An Anthology of Twentieth-Century Brazilian Poetry, em 1972, teve como

mérito a inclusão, num periódico americano, do termo de baixo calão: ―mijada‖, em

inglês ―piss‖ pela primeira vez nos Estados Unidos. Paulo Henriques Britto comenta:

Segundo o poeta Lloyd Schwartz, amigo de Bishop, ela vangloriava-se de ter sido a primeira poeta a conseguir estampar um palavrão (piss, ―mijada‖) na revista The New Yorker, onde sua tradução de

―Soneto de Intimidade‖ foi publicada pela primeira vez. (BISHOP, 2012, p. 57)

“Sonêto de Intimidade

Nas tardes da fazenda há muito azul demais. Eu saio às vêzes, sigo pelo pasto, agora Mastigando um capim, o peito nu de fora No pijama irreal de há três anos atrás. Desço o rio no vau dos pequenos canais Para ir beber na fonte a água fria e sonora E se encontro no mato o rubro de uma aurora Vou cuspindo-lhe o sangue em tôrno dos currais. Fico ali respirando o cheiro bom do estrume Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme E quando por acaso uma mijada ferve Seguida de um olhar não sem malícia e verve Nós todos, animais, sem comoção nenhuma Mijamos em comum numa festa de espuma.‖

(BISHOP, 1972, p. 102)

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“Sonnet of intimacy

Farm afternoons, there´s much too much blue air. I go out sometimes, follow the pasture track, Chewing a blade of sticky grass, chest bare, In threadbare pajamas of three summers back, To the little rivulets in the river-bed For a drink of water, cold and musical, And if I spot in the brush a glow of red, A raspberry, spit its blood at the corral. The smell of cow manure is delicious. The cattle look at me unenviously And when there comes a sudden stream and hiss Accompanied by a look not unmalicious, All of us, animals, unemotionally Partake together of a pleasant piss.

Translated by Elizabeth Bishop (BISHOP, 1972, p. 103)

Retornando às questões de identidade, a permanência de Elizabeth Bishop

no Brasil está relacionada ao seu afeto por Maria Carlota Costellat Macedo Soares,

a Lota, arquiteta e urbanista, que conheceu no início da década de 1950,

encontrando a paixão amorosa e o lar que tanto procurava, fixando residência em

Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro.

Para Bishop, a casa de Lota em Samambaia representa ao mesmo tempo o reencontro do lar perdido – a Nova Escócia dos seus avós maternos – e a realização da paixão amorosa, uma combinação de domesticidade e sexualidade que ela jamais tinha vivenciado. É somente no Brasil que Bishop conseguirá escrever sobre suas experiências pessoais de modo menos indireto. Num primeiro, momento essas recordações são elaboradas em prosa, do que resultaram textos entre memorialísticos e ficcionais (...). Em seguida, Bishop passa a tematizar na poesia sua vida passada e presente.

(BISHOP, 2012, p. 22-23)

Sua companheira Lota nasceu no Rio de Janeiro, vinda da aristocracia

carioca. Não cursou a universidade, mas teve aulas com o renomado pintor Cândido

Portinari, tornando-se uma artista com conhecimentos profundos em arquitetura e

urbanismo.

No princípio da década de 40, Maria Carlota morou em Nova York, passando

a frequentar cursos no Museu de Arte Moderna. Na vinda ao Brasil, foi convidada

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pelo Governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, para projetar o Parque

do Flamengo recém-aterrado.

O relacionamento com a poetisa Elizabeth Bishop duraria entre 1951 a 1965.

No ano de 1967, afastada da construção do Aterro do Flamengo devido à mudança

do governo, viaja para Nova York para rever sua antiga companheira, vindo a

suicidar-se então por dose excessiva de antidepressivos. Arquiteta autodidata, culta,

viajada e rica, era uma das duas herdeiras do proprietário do ‗Diário Carioca‘ e tinha

um grande círculo de amigos, entre os quais, se encontrava o jornalista Carlos

Werneck Lacerda, que escrevia para o jornal do seu pai e que, mais tarde, se

tornaria governador do antigo Estado da Guanabara.

Aqui no Brasil, a poetisa Elizabeth Bishop aborda um pouco a respeito de sua

intimidade de seu relacionamento com Lota, no sítio em Samambaia. A lírica do

amor e do desejo sexual é também vivenciada com a transitoriedade da vida na

velhice e na morte, como se pode observar no poema abaixo:

“O Banho de Xampu Os líquens – silenciosas explosões nas pedras – crescem e engordam, concêntricas, cinzentas conclusões. Têm um encontro marcado com os halos ao redor da lua, embora até o momento nada tenha se alterado. E como o céu há de nos dar guarida enquanto isso não se der, você há de convir, amiga, que se precipitou; e eis no que dá. Porque o Tempo é, Mais que tudo, contemporizador. No teu cabelo negro brilham estrelas cadentes, arredias. Para onde irão elas tão cedo resolutas? -Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia Amassada e brilhante como a lua.‖ [...] (Uma primavera fria / A cold spring -1955 )

Tradução: Paulo Henriques Britto (BISHOP, 2012, p. 213)

Podemos notar algumas palavras que denotam o amor, a efemeridade da

vida e do corpo, incluindo aspectos complementares da existência física.

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Zygmunt Bauman comenta que os relacionamentos acontecem e que são

―uma incerteza permanente‖. (BAUMAN, 2004, p. 29). Mostra que a mesma

facilidade que se tem para amar que se passa no poema ‗O banho de Xampu‘, no

momento íntimo do banho, pode ser transposta para a ideia de morte através do tom

efêmero que é abordado metaforicamente nos líquens, no tempo e no halo da lua.

Um texto inédito em manuscrito, publicado no livro Poemas Escolhidos de

Elizabeth Bishop, 2012, (p. 397), ressalta um momento de intimidade baseada na

relação que manteve com Maria Carlota, a Lota. Segue um fragmento na tradução

de Paulo Henriques Britto, do poema sem título:

―É maravilhoso despertar juntas No mesmo minuto; maravilhoso ouvir A chuva começando de repente a crepitar no telhado, Sentir o ar limpo de repente Como se percorrido pela eletricidade Numa rede negra de fios no céu. No telhado, a chuva cai, tamborilando, E cá embaixo, caem beijos brandos.‖ [...]

Tradução: Paulo Henriques Britto (BISHOP, 2012, p. 397)

A análise dos poemas e da biografia de Elizabeth Bishop deixa clara a

procura, tão somente, por uma proteção em terras brasileiras, como reforço de sua

identidade. ―Essa atmosfera de ternura e proteção se reflete num punhado de

poemas de intenso lirismo escritos ao longo dos anos de 1950... Casa, rocha,

plantas se integram harmoniosamente...‖ (BISHOP, 2012, p. 35)

Segundo Paulo Henriques Britto, apesar da relação que a poetisa possuía

com a arquiteta Maria Carlota Costellat Macedo Soares, que, de certa forma,

significava um apoio sentimental, por estar num país com cultura e língua bastante

diferentes, nunca a fez sentir-se em casa. ―O fato, porém, permanece: em terra

brasileira Bishop jamais deixou de sentir-se uma exilada.‖ (BISHOP, 2012, p. 38)

A sua relação durante o tempo que esteve no Brasil, de acordo com as

palavras de Paulo Henriques Britto, permite-se pensar que:

O que Bishop deixa claro, tanto nos poemas de amor como nas cartas escritas nos anos 1950, é que sua paixão pelo Brasil é sempre mediada pela paixão por Lota. Ou seja, é só na medida em que lhe é possível identificar a terra com a mulher amada que Bishop pode

amar o Brasil.‖(BISHOP, 2012, p. 36)

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3 ELIZABETH BISHOP NA TRADUÇÃO DE PAULO HENRIQUES

BRITTO

Paulo Henriques Britto é poeta, tradutor e professor na PUC-Rio. Foi autor de

livros de poemas, ficção, ensaio e teoria da tradução. Publicou, como tradutor de

obras poéticas da língua inglesa, os seguintes autores: Elizabeth Bishop, Emily

Dickinson, Charles Dickens, D.H. Lawrence, Lord Byron, entre outros.

Publicou o seu primeiro livro sobre teoria da tradução em 2012, com o título: A

Tradução Literária, no qual aborda seu ponto de vista a respeito do assunto, em que

se dedica a mostrar e exemplificar como uma tradução poderá produzir os mesmos

efeitos, no português, do que foi escrito num outro idioma, nos diferentes gêneros

literários (no caso: prosa e poema).

O poeta mostra sua concepção de ―jogo da tradução‖:

Seguindo a visão de Wittgenstein, porém, eu diria que a tradução de textos segue determinadas regras que constituem o que podemos denominar de ―jogo da tradução‖. Eis algumas regras deste jogo: o tradutor deve pressupor que o texto tem (…) um determinado conjunto de sentidos específicos, tratando-se de um texto literário, já que uma das regras do ―jogo da literatura‖ é justamente o pressuposto de que os textos devem ter uma pluralidade de sentidos, ambiguidades, indefinições etc. Outra regra do jogo da tradução é que o tradutor deve produzir um texto que possa ser lido como ―a mesma coisa‖ que o original, e, portanto deve reproduzir de algum modo os efeitos de sentido, de estilo, de som (no caso da tradução de poesia) etc., permitindo que o leitor da tradução afirma, sem

mentir, que leu o original. (BRITTO, 2012a, p. 28-29)

Paulo Henriques Britto compartilha a opinião do professor Mário Laranjeiras, a

respeito da tradução de textos literários, em especial o poema, em que se baseia na

maior transparência e semelhança possíveis do texto traduzido com a língua-fonte.

Numa entrevista concedida para o periódico digital Cadernos de Tradução (1997),

em perguntas formuladas por Mauri Furlan e Walter Carlos Costa, Paulo Henriques

Britto comenta a respeito do seu posicionamento em relação à tradução:

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No entanto, continuo achando que a minha meta, ao traduzir um texto literário, não pode ser outro que não tentar reproduzir no meu idioma, dentro das minhas possibilidades, os efeitos textuais do original. Ou seja, continuo querendo ser transparente, ainda que não tenha ilusões sobre a possibilidade de uma transparência absoluta. (p. 469)

Ele considera que, ao traduzir um poema, a observação de alguns elementos

como: a métrica, a rima, as aliterações, a aparência visual no papel, etc, devem ser

analisados, cabendo ao tradutor determinar quais desses elementos serão mais

importantes e quais serão descartados por serem menos necessários.

Para exemplificar, apresentamos um trecho do poema ―Roosters‖ de Elizabeth

Bishop, publicado em 1946, no livro North & South.

“Roosters

At four o‘clock in the gun-metal blue dark we hear the first crow of the first cock‖ [...]

(BISHOP, 2012, p.128-129)

Tomando da tradução literal, tal como o original, teremos a seguinte

tradução do trecho do poema:

Galos

Às quatro horas no azul escuro de uma arma em metal ouvimos o primeiro canto do primeiro galo [...] (tradução nossa).

Na tradução de Paulo Henriques Britto, no livro Poemas Escolhidos de

Elizabeth Bishop (2012, p. 129), observa-se aspectos da tradução criativa em que as

alterações do original foram realizadas de modo discreto não descaracterizando

aspectos importantes do poema. Os acréscimos e as omissões também foram feitos

sobre os elementos não principais.

“Galos

Quatro horas. De repente, no azul metálico da noite, a gente ouve o primeiro galo dar um grito estridente‖ [...]

Traduzido por Paulo Henriques Britto.

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O tradutor utilizou algumas técnicas de tradução como:

a) omissão - da preposição ―at‖ = ―às‖ no verso ―At four o‘clock‖ = ―quatro horas‖; e

da palavra ―gun‖ = ―arma‖ no verso ―in the gun-metal blue dark‖, traduzido como ―no

azul metálico da noite‖.

b) reconstrução de períodos - ―De repente‖, utilizado somente na tradução para criar

algum efeito de emergência que os versos escritos na língua inglesa poderiam

sugerir.

c) literal - no verso ―in the gun-metal blue dark‖, técnica normalmente utilizada

quando se tem muito adjetivo. Ao ―pé da letra‖ poderia ser ―no azul escuro de uma

arma em metal‖.

d) transposição - ―dark‖ = ―escuro‖ (adjetivo) foi traduzida como ―noite‖ (substantivo);

mudança da classe gramatical da palavra ―metal‖ (substantivo) para o adjetivo

―metálico‖.

e) modulação - na palavra ―we‖ = nós, traduzida como ―a gente‖.

hear the first crow of the first cock‖ => literalmente seria: ―o primeiro canto do

primeiro galo‖, mas Paulo Henriques Britto transcriou como: ―o primeiro galo dar um

grito estridente‖.

f) compensação - nas palavras ―the first cock‖ = ―o primeiro galo‖ que foram

transportadas para o início do verso ao serem traduzidas, tendo como resultado: ―...

o primeiro galo dar um grito estridente‖ ao invés de ―o canto do primeiro galo‖

(tradução nossa). Esta técnica é utilizada para dar um efeito mais natural para a

tradução, através de alguns deslocamentos que se fazem necessários para tal. O

uso da palavra ―estridente‖ provavelmente devido ao efeito que as palavras ―gun-

metal‖, (gun = arma) deram à estrofe.

Segundo Paulo Henriques Britto (2012a), é importante atentar para a

necessidade que o tradutor, muitas vezes, poderá sentir em relação à criação de

efeitos de reproduções e compara a tradução do poema de Donne, feita pelos

tradutores Vizioli e Haroldo de Campos:

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O poema de Donne foi escrito em versos ingleses de dez sílabas cada um; Campos traduziu-o em decassílabos, e Vizioli em versos de doze sílabas. Era de esperar, portanto, que a tradução de Campos contivesse mais perdas semânticas que a de Vizioli, já que em inglês as palavras são mais curtas que em português e, por conseguinte, é possível dizer mais em dez sílabas em inglês do que em português. (...) As perdas semânticas de Campos foram apenas um pouco maiores que as de Vizioli, e nada do que foi perdido em sua tradução tinha grande importância; por outro lado, a tradução de Vizioli continha muito material semântico que não constava no original. (BRITTO, 2012a, p. 126-127)

Para o poeta, existem critérios a serem levados em consideração em uma

tradução, assim como se faz necessário demonstrar e apontar possíveis problemas

ao avaliar uma tradução, como foi citado em seu estudo de caso acima.

Embora Paulo Henriques Britto demonstre grande afinidade com as teorias e

as traduções, e grande respeito e admiração dos conhecimentos dos irmãos

Campos, sua posição a respeito das proposições dos poetas são também discutidas

e refutadas em seu livro A tradução literária (2012a), em especial, sobre como foi

abordado seu posicionamento tradutório no ensaio de Haroldo de Campos:

―Transluciferação mefistofástica‖, a respeito da ―transcriação‖, que tem como objetivo

suprimir o original através deste método de tradução:

Com todo o respeito que me inspiram o conhecimento e a habilidade de Haroldo de Campos, ouso discordar. Ao designar as traduções dos Campos de ―transcriações‖ ou ―transluciferações‖, não fazemos outra coisa senão cunhar neologismos de gosto discutível. As traduções de poemas feitas por ele e por Augusto são de excepcional qualidade, mas não deixam de ser traduções; e por melhores que sejam, elas só poderiam tomar o lugar dos originais para aqueles que não podem ler Dante, Goethe, Donne ou Hopkins

em seus idiomas respectivos. (BRITTO, 2012a, p. 131-132)

Paulo Henriques Britto afirma que se deve levar em consideração os aspectos

formais que devem ser recriados em uma tradução. Como em um manual, além das

questões formais, os recursos de efeitos semânticos que ocorrem no poema, como,

por exemplo, os jogos de palavras, os duplos sentidos e os trocadilhos, para que o

tradutor tenha consciência de certos critérios para visualizar e utilizar, da melhor

forma possível, em uma tradução poética.

Em seus argumentos em relação à recriação de um poema, ele enfatiza que

não é de todo possível traduzir sem alterar um ou outro sentido ou elemento de um

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texto, mas é necessário que o tradutor tenha em mente a prudência de enfocar em

sua análise o que é mais coerente na língua de partida, para depois lançá-la na

língua de chegada:

Meu pressuposto básico é o de que uma tradução que altere um elemento do original é melhor do que uma que omite um elemento

importante. (...) Toda tradução é obrigada a alterar o original, mas idealmente essas alterações deverão ser discretas, de modo a não descaracterizar aspectos importantes do poema; e as eventuais omissões e acréscimos também devem se dar sobre elementos que não sejam

cruciais. (BRITTO, 2012a, p. 145)

Em entrevista concedida para Cadernos de Tradução (1997), o tradutor Paulo

Henriques Britto resumiu seu modo de traduzir, respondendo a seguinte pergunta

feita por Mauri Furlan e Walter Carlos Costa:

CT: Qual seu método de tradução e como você chegou a ele?

Paulo Henriques Britto: Meu método é dividir a tarefa em três partes:

(1) rascunho, com fartas consultas a dicionários, glossários, enciclopédias, etc.; (2) cotejo entre original e tradução, com consulta principalmente ao dicionário de inglês; (3) revisão final do texto em português, com eventuais consultas principalmente ao dicionário de português. O cotejo é feito ao final de cada capítulo ou divisão da obra; a revisão final é feita quando o texto já está rascunhado e cotejado. O método se desenvolveu naturalmente na minha rotina de

trabalho. (p. 478)

Sua carreira de tradutor iniciou-se no ano de 1974. Nessa declaração em

entrevista para a revista Cadernos de Tradução, fica claro que seu método de

trabalho se aperfeiçoou com o passar do tempo, passando de uma maneira empírica

para depois se aperfeiçoar no meio acadêmico.

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Os poemas apresentados a partir deste momento foram retirados do livro

Poemas Escolhidos de Elizabeth Bishop, publicado em 2012 com a seleção, textos

introdutórios e tradução de Paulo Henriques Britto.

“Going to the Bakery

[Rio de Janeiro] […] The baker, sickly too, suggests the ―milk rolls,‖ since they still are warm and made with milk, he says. They feel like a baby on the arm.‖ […] […] ―O padeiro, doente, sugere ―pães de leite‖ em vez de bolo. Eu compro, e é como levar um bebezinho no colo.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 310-311)

Na tradução desta estrofe, observa-se que Paulo Henriques Britto adicionou a

palavra ―bolo‖, de modo a rimá-la com ―colo‖ e, portanto a tradução literal do 2º verso

desta estrofe que seria: ―os ‗pães de leite,' uma vez que eles ainda estão quentes‖

ficou: ―‗pães de leite‘ em vez de bolo.‖ Este recurso mantém uma aproximação maior

da métrica das palavras deste verso, mantendo o ritmo, sem destoar em relação aos

demais versos.

A tradução das palavras do terceiro verso foi totalmente modificada de: ―e

feito com leite, diz ele. Eles se parecem‖ para ―Eu compro, e é como levar‖ de forma

a não estender demais o verso traduzido em relação aos originais, evitando a perda

sonora. Pois, tanto o segundo verso como o terceiro verso, ambos escritos na língua

inglesa, possuem tamanhos muito próximos:

the ―milk rolls,‖ since they still are warm and made with milk, he says. They feel‖.

Se fossem traduzidos literalmente perderiam o ritmo dado pela poetisa. Veja

uma suposta tradução literal:

―os ‗pães de leite,‘ uma vez que eles ainda estão quentes e feito com leite, diz ele. Eles se parecem‖.

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Distanciam-se tanto em relação aos versos originais, considerando-se ritmo e

extensão, como também entre si, após traduzidos.

Observe a tradução literal da estrofe em questão:

[...] O padeiro, doente sugere os "pães de leite," uma vez que eles ainda estão quentes e feito com leite, diz ele. Eles se parecem com um bebê no colo. [...] (tradução nossa)

Podemos concluir que na comparação entre a tradução literal dos versos 2 e

3 acima, há um distanciamento do ritmo e cadência de um verso para o outro.

Se compararmos o grupo traduzido literalmente para a língua portuguesa com

os versos correspondentes na língua inglesa, percebemos um grande desencontro

poético. Dessa forma, Paulo Henriques Britto optou por recriar ao traduzir,

substituindo palavras por outras que não influenciassem na compreensão do poema,

pois ―uma tradução que altere um elemento do original é melhor do que uma que

omite um elemento importante.‖ (BRITTO, 2012a, p. 145)

Observemos a tradução de outras estrofes do poema ―Going to the Bakery‖

(Elizabeth Bishop) traduzido por Paulo Henriques Britto:

[…] ―In front of my apartment house a black man sits in a black shade, lifting his shirt to show a bandage on his black, invisible side.‖ […] […] ―À sombra negra do meu prédio um negro levanta a camisa pra mostrar um curativo cobrindo negra ferida.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 310-311)

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Nesta estrofe do poema, traduzida por Paulo Henriques Britto, foram

realizadas algumas recriações que garantiram um resultado claro e objetivo, sem, no

entanto, distanciar-se da métrica do poema original, mantendo o ritmo.

Se a tradução fosse feita literalmente, provavelmente teríamos versos mais

longos, como podemos observar numa suposta tradução, que pode ser comparada à

dele.

[...]

Em frente ao meu apartamento um homem negro senta-se a uma sombra, erguendo sua camisa para mostrar um curativo em seu lado invisível e escuro. [...] (tradução nossa)

Muitas vezes o tradutor omite algumas palavras e/ou substitui por outras com

a mesma equivalência e importância, pela necessidade de manter o ritmo e a

métrica, porém, em dado momento, esta mudança ocorre por questões de estilo

e/ou para evitar a redundância. Por exemplo, o verso ―a black man sits in a black

shade,‖ ficaria redundante se fosse traduzido como: um homem negro senta-se

numa sombra negra, pois as sombras são escuras.

Observa-se também a inclusão da palavra ―ferida‖ em seu trabalho final sob a

preocupação de manter a rima com a palavra ―camisa‖

Verifica-se a manutenção das rimas parciais nos 2º e 4º versos, entre as

palavras ―shade‖ /ʃeɪd/ e ―side‖ /saɪd/, em que o tradutor utilizou ―camisa‖ que rima

com ―ferida‖. A palavra ―ferida‖ foi incluída, mas sem causar danos ao sentido, pois

o tradutor deduziu que há uma ferida, uma vez que se tem um curativo; portanto

confirma-se o que Paulo Henriques Britto havia comentado anteriormente, ―...não

descaracterizar aspectos importantes do poema; e as eventuais omissões e

acréscimos também devem se dar sobre elementos que não sejam cruciais.‖

(BRITTO, 2012a, p. 145)

Apesar de fazer parte do trabalho tradutório de Paulo Henriques Britto, que

não nega a sua necessidade de recriação, ao mencionar que a ―tradução é obrigada

a alterar o original, mas idealmente essas alterações deverão ser discretas [...]‖

(BRITTO, 2012a, p. 145), verifica-se o seu cuidado em não ser infiel à proposta do

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texto-fonte, utilizando o mesmo rigor da criação de seus poemas, também em sua

tradução. A tradução de Britto e seus poemas possuem uma simbiose.

Veja a tradução do poema abaixo:

“The Burglar of Babylon […] On the hills a million people,

A million sparrows, nest, Like a confused migration

That´s had to light and rest, […] São milhares, são milhões,

São aves de arribação, Que constroem ninhos frágeis

De madeira e papelão,‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 264-265)

[...] Nas colinas, um milhão de pessoas, Um milhão de pardais, ninho, Como uma migração confusa Que teve que descansar. [...] (tradução nossa)

Podemos observar algumas características importantes presentes na

tradução de poemas por Paulo Henriques Britto quem afirma que ―a poesia não pode

(ou não deve) ser propriamente traduzida, mas sim recriada, ou imitada, ou

parafraseada, ou transpoetizada...‖ (BRITTO, 2012a, p. 119). Portanto, no verso ―On

the hills a million people,/ A million sparrows, nest,‖, o poeta recriou: ―São milhares,

são milhões,/ São aves de arribação,‖; quando literalmente, poderiam ser: Nas

colinas, um milhão de pessoas, / Um milhão de pardais, ninho, (tradução nossa),

não se afastando a mensagem principal dos versos, pois ele afirma que:

(...) no poema, tudo, em princípio, pode ser significativo; cabe ao tradutor determinar, para cada poema, quais são os elementos mais relevantes, que portanto devem necessariamente ser recriados na tradução, e quais são menos importantes e podem ser sacrificados...

(BRITTO, 2012a, p. 120)

Os terceiro e quarto versos desta estrofe foram recriados como podemos

observar: ―Like a confused migration / That´s had to light and rest,‖, pois sua

tradução mais próxima seria: Como uma migração confusa /Que teve que

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descansar. (tradução nossa). No entanto, Paulo Henriques Britto manteve a rima da

última palavra do segundo e quarto versos da estrofe em questão quando: ―nest‖

/nest/ = ninho, rimava com ―rest‖ /rest/; recriou ―arribação‖ e ―papelão‖.

A poiesis de Elizabeth Bishop, nesta estrofe, trata do problema social da

aglomeração de milhares de pessoas que vêm para o Rio de Janeiro, sem terem

como voltar, levando-os a construirem casas frágeis nas enconstas, o que significa

uma migração confusa, se comparada aos pássaros. O tradutor, apesar de ter feito

recriações, não alterou a essência da mensagem quando traduziu os terceiro e

quarto versos da seguinte forma: ―Que constroem ninhos frágeis / De madeira e

papelão,‖, quando a tradução literal feita por nós é: ―Como uma migração confusa

(tradução nossa)‖; e fragilmente construída (como podemos observar na próxima

estrofe):

[…] ―Building its nests, or houses, Out of nothing at all, or air. You´d think a breath would end them, They perch so lightly there.‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 264)

Aqui, observa-se que suas casas são construídas sem nada, nem mesmo

com ar. E que, segundo a tradução de Paulo Henriques Britto:

[...] ―Parecem tão leves que um sopro Os faria desabar. Porém grudam feito liquens, Sempre a se multiplicar.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 265)

Ou seja, o tradutor realizou uma ―transpoetização‖ desta estrofe, pois de

forma bastante poética realizou alterações sem modificar a intenção da poetisa,

objeto de seu estudo. A tradução literal desta estrofe seria a seguinte:

[...] Constroem seus ninhos, ou casas, Sem nada, ou ar. Você pensaria que um sopro acabaria com elas, Elas se apoiam de forma tão leve lá. [...] (tradução nossa)

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Mas a tradução literal não funcionaria tão bem para os versos acima, pois

perderíamos a métrica e rima dos versos, porque como afirmou Paulo Henriques

Britto: ―(...) é possível dizer mais em dez sílabas em inglês do que em português.‖

(BRITTO, 2012a, p. 127), justamente porque a sintaxe e semântica da língua

portuguesa fazem com que tenhamos versos mais longos nesta do que na língua

inglesa.

Continuando a analisar as estrofes que constituem ―Burglars of Babylon‖,

observamos que o tradutor já incluiu a tradução do verso a seguir, na estrofe

anterior.

―But they cling and spread like lichen,‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 264)

E recria o segundo verso ao inserir na tradução: ―Tem o morro da Macumba,‖,

situando o leitor sobre a existência destes morros no Rio de Janeiro e de aspectos

geográficos locais, aproximando mais a autora do poema com o leitor. Observe parte

da estrofe com a sua tradução:

[...] ―And the people come and come. There‘s one hill called the Chicken, And one called Catacomb;‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 264) [...] ―Pois cada vez vem mais gente. Tem o morro da Macumba, Tem o morro da Galinha, E o morro da Catatumba;‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 265)

[...] Mas eles se agarram e se espalham como líquen, E as pessoas vêm e vêm Há um morro chamado o Frango, E um chamado Catacumba; [...] (tradução nossa)

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Na sequência de citações de nomes de morros do Rio de Janeiro,

observamos a preocupação da escritora em citar estes nomes locais como forma de

enfatizar a situação social do Rio de Janeiro, justificando os fatos que se sucedem

no seu poema. Paulo Henriques Brito, ao traduzir, acrescentou a palavra

―Congonha‖ apenas para manter a rima do segundo verso com o último: ―Skeleton‖

/´skelɪtn/ com ―Babylon‖ /´bebɪln/; que na tradução resultou ―Congonha‖, que rima

com ―Babilônia‖.

Ele não necessitou realizar maiores recriações, pois como podemos observar

as estruturas sintáticas e morfológicas do primeiro e últimos versos são semelhantes

à da língua portuguesa, garantindo assim a utilização da técnica de tradução

palavra-por-palavra, o que permite que não haja mudanças na ordem das palavras.

Nos versos dois e três, a tradução segue com algumas inclusões e

mudanças, que, de toda forma, não alteram o sentido principal da estrofe, pois não

foram omitidas as palavras-chave para a compreensão do texto, apenas, (como já

mencionado previamente), houve a inclusão de vocábulos para a manutenção da

rima, ou seja, um efeito de tradução que garantiu que a mensagem do poema fosse

reproduzida com êxito. É como Paulo Henriques Britto afirmou em relação às

traduções de Augusto de Campos quando disse que:

...os efeitos poéticos mais importantes de cada poema foram reproduzidos com êxito, e aqueles que não foi possível recriar ou não eram fundamentais para o efeito geral do poema foram de algum modo compensados pela criação de outros efeitos na tradução.

(BRITTO, 2012a, p. 131)

Observe as ―transcriações‖:

[…] ―There‘s the hill of Kerosene, And the hill of Skeleton, The hill of Astonishment, And the hill of Babylon.‖ […] […] ―Tem o morro do querosene, O Esqueleto, o da Congonha, Tem o morro do Pasmado E o morro da Babilônia.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 264-265)

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Verifica-se que a tradução literal que realizamos mostra pouquíssimas

alterações em comparação com a que Paulo Henriques Britto fez, confirmando que

as inclusões e alterações que ele realizou foram apenas para fins de rima, uma vez

que (como mencionado antes) as estruturas destes versos na língua inglesa são

bastante semelhantes aos da Língua Portuguesa.

Excepcionalmente, nesta estrofe, não foram realizadas alterações motivadas

pela divergência existente entre a Língua Portuguesa e a Língua Inglesa, pois o

tamanho dos versos é similar aos da língua-fonte, não influenciando na cadência e

ritmo. E como o tradutor afirmou em seu livro A tradução Literária (2012), ―é nas

questões de forma que vamos encontrar o que há de mais específico da poesia.

Pois o que caracteriza a poesia acima de tudo é o seu aspecto formal...‖ (BRITTO,

2012a, p. 134).

Compare a tradução literal abaixo com a que o tradutor realizou acima:

[...] Tem o morro do Querosene, E o morro do esqueleto, O morro do Pasmado E o morro da Babilônia. [...] (tradução nossa)

Observe a tradução da próxima estrofe:

[…] ―They don't know how many he murdered (Though they say he never raped), And he wounded two policemen This last time he scaped.‖ […] […] ―Dizem que nunca estuprava, (mas matou uns quatro ou mais). Da última vez que escapou Feriu dois policiais.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 266-267)

Nesta, Paulo Henriques Britto mantém a rima das palavras do original:

―raped‖/reɪpt/ e ―scaped‖ /skeɪpt/ recriando o segundo verso: ―mas matou uns

quatro ou mais‖, quando deveria ser, na tradução literal: ―Apesar de dizerem que ele

nunca estuprou‖, substituindo as rimas das palavras citadas anteriormente por:

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―mais‖ no 2º verso e ―policiais‖ no último verso, além de inverter os versos 3 com o 4.

Segundo Paulo Henriques Britto: ―A tarefa do tradutor de poesia consiste em

identificar as características poeticamente relevantes do texto poético e reproduzir

as que lhe parecem mais importantes.‖ (BRITTO, 2012a, p. 132-133)

Ainda em relação aos versos acima, o comparar a tradução dos dois

primeiros versos da estrofe, verificamos a omissão do primeiro verso na estrofe

traduzida por Paulo Henriques Britto: ―They don't know how many he murdered‖, que

na tradução literal significaria: ―Eles não sabem quantos ele matou‖ (tradução

nossa), e a transposição do segundo verso do poema original para a posição do

primeiro verso, porém com a retirada de algumas palavras que não influenciaram na

ideia original do autor. Percebemos que o tamanho dos versos foi mantido graças às

recriações e inversões que o tradutor realizou, mantendo a forma, ―já que em inglês

as palavras são mais curtas que em português‖ (BRITTO, 2012a, p. 127). Compare

a tradução dele com a nossa, nas estrofes abaixo:

[...] ―Dizem que nunca estuprava, (mas matou uns quatro ou mais). Da última vez que escapou Feriu dois policiais.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 267)

[...] Eles não sabem quantos ele matou (Apesar de dizerem que ele nunca estuprou), E ele feriu dois policiais Nesta última vez, ele escapou [...] (tradução nossa).

Na quadra seguinte, Paulo Henriques Britto continua a tradução dos versos

da poetisa Elizabeth Bishop, ainda do poema ―The Burglar of Babylon‖:

[…] ―They said ―He‘ll go to his auntie, Who raised him like a son, She has a little drink shop On the hill of Babylon.‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 266)

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No primeiro verso ele utiliza a técnica de tradução chamada ―modulação‖,

como forma de dizer uma mensagem sem deixar de refletir a forma com que línguas

diferentes compreendem a realidade. Esta técnica, por razões de estilo, é utilizada

dependendo da necessidade da língua de destino. Ele traduziu ―He‘ll go to his

auntie,‖ como ―Ele vai atrás da tia‖, expressão utilizada para nos referirmos a alguém

que está procurando por ajuda. Literalmente poderia ser traduzida como ―Ele vai

para a sua tia‖.

No segundo verso, o tradutor incluiu ―o sem-vergonha‖, uma interpretação que

ele teve de uma pessoa que só procura a outra quando tem interesses, de forma a

manter a rima com a palavra ―Babilônia‖ no último verso, pois as palavras ―son‖ /sʌn/

e ―Babylon‖ /´bebɪln/ constituem rima na língua original em que foi escrito o texto. No

entanto, foi capaz de manter a essência do texto-fonte, porque a tradução literal

seria: ―Quem o criou como um filho‖.

Utilizou, no terceiro verso, a expressão equivalente já cristalizada aqui no Rio

de Janeiro para caracterizar um bar sem categoria: ―birosca‖ no lugar de palavras

mais formais como ―pequena loja de bebida‖. Manteve a extensão dos versos, a rima

e o ritmo e viu a necessidade de pontuar as orações de forma diferente de modo que

a tradução não ficasse confusa.

Segue a tradução do tradutor em questão e a nossa tradução, de modo a

facilitar a compreensão da estrofe:

[...] ―Disseram: ―Ele vai atrás da tia, Que criou o sem-vergonha. Ela tem uma birosca No morro da Babilônia.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 267)

[...] Eles disseram "Ele vai para a sua tia, Quem o criou como um filho, Ela tem uma pequena loja de bebida No morro da Babilônia." [...] (tradução nossa)

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No quarteto abaixo, segue a continuação do momento de visita à tia:

[...] ―He did go straight to his auntie, And he drank a final beer. He told her, ―The soldiers are coming, And I‘ve got to disappear.‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 266) [...] ―E foi mesmo lá na tia, Beber e se despedir: Eu tenho que me mandar, Os home tão vindo aí.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 267)

[...] Ele foi direto para a sua tia, E ele bebeu uma última cerveja. Ele lhe disse: "Os soldados estão vindo, E eu tenho que desaparecer." [...] (tradução nossa)

Aqui, o tradutor transpoetiza no primeiro e segundo versos ao interpretá-los

poeticamente, não incorrendo no risco de atrapalhar a ideia principal.

Os terceiro e quarto versos foram posicionados inversamente ao serem

traduzidos, de forma a rimar as palavras ―despedir‖, do 2º verso, com ―aí‖, do último,

apesar de ter necessitado fazer alterações como ―Os home tão vindo aí‖ ao invés de

[...] ―os soldados estão vindo‖, demonstrando formas coloquiais da língua portuguesa

falada no Rio de Janeiro, uma vez que ―os home‖ é uma expressão cristalizada local

que significa: os policiais, as autoridades, etc, ―como os recursos de dois idiomas

diferentes nunca são os mesmos, é impossível recriar na língua-alvo os efeitos

poéticos do original...‖ (BRITTO, 2012a, p. 122)

No verso ―And I‘ve got to disappear‖, ―E eu tenho que desaparecer‖, o tradutor

optou por utilizar uma expressão muito corriqueira do Rio de Janeiro: ―Eu tenho que

me mandar‖ como forma de mostrar naturalidade no texto-fonte para apróximá-lo do

leitor, uma vez que este trata de descrever o cotidiano dos moradores locais e como

forma de enfatizar as diferenças na comunicação.

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Quando Paulo Henriques Britto traduziu os versos acima, incluiu as palavras

―cerveja‖ e ―chouriço‖ no 4º verso porque necessitou rimar esta última palavra do

verso com a palavra ―isso‖ do 2º verso, que inclusive recebeu a aplicação da técnica

chamada ―modulação‖ para auxiliar a dizer a mesma coisa de uma forma mais

natural e local, modulando ―Quem quer viver tanto tempo?‖ por ―Nem quero viver

tanto assim!‖

O tradutor afirma que as características de um texto, em especial o poema,

são bastante importantes: ―o significado das palavras, a divisão em versos, o

agrupamento de versos em estrofes, o número de sílabas por verso, a distribuição

de acentos em cada verso, as vogais, as consoantes, as rimas, as aliterações, a

aparência visual das palavras no papel etc.‖ (BRITTO, 2012a, p. 119-120)

Observe a análise feita da próxima estrofe:

[…] ―Ninety years they gave me. Who wants to live that long? I‘ll settle for ninety hours, On the hill of Babylon.‖ […] [...] ―Eu peguei noventa anos. Nem quero viver tudo isso! Só quero noventa minutos, Uma cerveja e um chouriço.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 266-267)

[...] Noventa anos que me deram. Quem quer viver tanto tempo? Eu vou ajustar para 90 horas, No morro da Babilônia. [...] (tradução nossa)

O 1º verso desta estrofe, na realidade, já havia sido escrito de forma bastante

coloquial na língua-fonte, apesar da estrutura sintática da língua inglesa seguir

sempre a ordem sintática: sujeito-verbo-complemento. A poetisa, provavelmente,

escreveu o verso desta forma para aproximá-lo da fala cotidiana (variação

linguística) da população que vive nos morros, que traduzido literalmente: ―Noventa

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anos que me deram.‖. E Paulo Henriques Britto traduziu dentro dos parâmetros da

sintaxe da língua preferindo apenas a utilização de ―peguei‖ ao invés de ―deram-me‖,

de modo a tornar a fala mais informal.

A conversa do ladrão da Babilônia com sua tia permanece neste próximo

quarteto. Observe a estrofe e sua tradução:

[…] ―Don‘t tell anyone you saw me. I‘ll run as long as I can. You were good to me, and I love you, But I‘m a doomed man.‖ […] [...] ―Brigado por tudo, tia, A senhora foi muito legal. Vou tentar fugir dos home, Mas sei que eu vou me dar mal.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 266-267) [...] Não diga a ninguém que me viu. Vou correr o mais que eu puder. Você foi bom para mim e eu te amo, Mas eu sou um homem condenado. [...] (tradução nossa)

Podemos observar que a poetisa Elizabeth Bishop mantém a rima do 2º e 4º

versos. Paulo Henriques Britto ao realizar o seu trabalho de recriação omitiu o 1º

verso e o substituiu pela fala coloquial do carioca ―Brigado...‖ para criar um efeito

mais natural e real, alterações estas que não prejudicaram a intenção da poetisa na

estrofe. Na tradução literal deste primeiro verso teríamos ―Não diga a ninguém que

me viu‖, e ele a traduziu como: ―Brigado por tudo, tia,‖.

O 2º verso em inglês foi transpoetizado no 3º verso de sua tradução e, para

dar um pouco mais de realismo ficou da seguinte forma: ―Vou tentar fugir dos home‖

ao invés de ―Vou correr o mais que eu puder‖. Note que ainda na mesma estrofe o

tradutor utilizou a gíria: ―home‖, muito comum quando o carioca quer referir-se às

autoridades policiais; além da omissão da última consoante de modo a aproximar da

variação linguística das pessoas com menor poder aquisitivo e oportunidades de

estudo, causando um efeito de fala mais natural.

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O 2º verso traduzido por Paulo Henriques Britto foi uma recriação do 3º verso

do poema original: ―You were good to me, and I love you,‖ que na nossa tradução

seria: ―Você foi boa para mim e eu te amo,‖, no entanto o tradutor resumiu: ―A

senhora foi muito legal‖ com a preocupação de encaixar a palavra ―legal‖ na rima

com a palavra ―mal‖ do quarto verso que também foi ―transpoetizado‖, pois nas

palavras do poema original seria: ―Mas eu sou um homem condenado.‖

A palavra ―legal‖ também é um modo bastante informal de se dirigir a uma

senhora, refletindo, mais uma vez, a informalidade da língua.

Manteve as rimas que apareciam no 2º e 4º versos entre as palavras ―can‖

/kæn/ e ―man‖ /mæn/, através de ―legal‖ e ―mal‖, na língua portuguesa.

Observe a quadra seguinte e a sua tradução:

[…] ―Going out, he met a mulata Carrying water on her head. ―If you say you saw me, daughter, You‘re just as good as dead.‖ […] […] ―Encontrou uma mulata Logo na primeira esquina. ―Se tu contar que me viu Tu vai morrer, viu, minha fia?‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 266-267)

[...] Saindo, ele conheceu uma mulata Transportando água em sua cabeça. "Se você disser que me viu, filha, Você vai acabar morta." [...] (tradução nossa)

Paulo Henriques Britto utilizou a técnica de tradução ―omissão‖ quando não

traduziu a palavra ―he‖, pois a omissão de alguns elementos do texto traduzido é

utilizada quando estes forem desnecessários à compreensão do texto, tornando-se

redundantes, a exemplo dos pronomes pessoais.

O segundo verso foi recriado pelo tradutor no sentido de poder manter a rima

entre os versos 2 e 4, em que Elizabeth Bishop rimou as palavras ―head‖ /hed/ e

―dead‖ /ded/, que se fossem traduzidas literalmente corresponderiam à ―cabeça‖ e

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―morte‖ não surtindo o efeito esperado. Ele substituiu todo o segundo verso:

―Carregando água em sua cabeça‖ por ―Logo na primeira esquina‖ a fim de rimar

―esquina‖ com ―fia‖ (4º verso). Há detalhes semânticos que não foram recriados na

língua portuguesa porque não apresentam relevância para a compreensão do

poema, mas de alguma forma foram compensados por outras palavras e efeitos.

No terceiro verso, a palavra ―daughter‖ (filha) foi deslocada para o último

verso e para a constituição da rima com ―esquina‖. Também sofreu uma variação

linguística como forma de marcar a forma mais coloquial de tratamento entre as

pessoas do ambiente tratado aqui.

Como afirmado anteriormente, Paulo Henriques Britto observa que a maioria

das traduções realizadas por ele reflete as representações de vivências da autora no

país e a tradução sempre estará voltada para o entendimento do leitor brasileiro,

com algumas interferências culturais e escolhas do profissional que traduziu a obra.

Na próxima quadra a poetisa Elizabeth Bishop faz menção a uma parte da

história do século XVIII, da colonização do Rio de Janeiro, ao comentar sobre o

Morro da Babilônia, que faz divisa entre bairros de Botafogo, Urca, Leme e

Copacabana, onde os portugueses construíram uma fortificação para vigiar a

entrada da Baía de Guanabara de modo a visualizar a chegada dos franceses.

Observe as recriações:

[…] ―There are caves up there, and hideouts, And an old fort, falling down. They used to watch for Frenchmen From the hill of Babylon.‖[…] [...] ―Lá no alto tem caverna, Tem esconderijo bom, Tem um forte abandonado Do tempo de Villegaignon.‖[...]

(BISHOP, 2012, p. 266-267)

[...] Há cavernas lá em cima, e esconderijos, E um velho forte, caindo. Eles usaram para assistir franceses Através do morro da Babilônia. [...] (tradução nossa)

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Podemos observar que Paulo Henriques Britto realiza uma tradução criativa

ao traduzir o quarto verso fazendo referência ao almirante francês Nicolas Durand

de Villegagnon que ocupou a Ilha de Villegagnon erguendo o Forte Coligny, quando

da tentativa de estabelecimento da França Antártica. Isto está de acordo com o

método transcriativo em que a tradução é a ―forma de leitura apropriada e

transformadora da tradição...‖ (CAMPOS, 1997, p. 56).

O tradutor preferiu recriar o último verso ao comentar a respeito do tempo de

Villegaignon, omitindo ―From the hill of Babylon‖, uma vez que para o leitor já estava

claro que a história se dá no Morro da Babilônia. Esta mudança pode ser vista como

um subterfúgio para combinar a rima de ―Villegaignon‖ com a palavra ―bom‖,

presente no 2º verso. Observa-se também que o tradutor tinha dados suficientes no

poema que lhe deram autonomia para substituir ou omitir informações, e até

deslocá-las, pois se analisarmos a estrofe, veremos que a palavra ―esconderijos‖ foi

deslocada para o 2º verso, enquanto que ―old fort, falling down‖ que dá a ideia de um

forte caindo, foi traduzido no 3º verso como ―forte abandonado‖.

O 3º verso do poema original: ―They used to watch for Frenchmen‖, somado

ao 4º verso: ―From the hill of Babylon.‖ resultou em uma recriação que contém

informações históricas e, incluindo a menção do Forte de Villegaignon. Sabe-se que

―a escolha do modelo a transcriar não é ingênua, nem deve ser inócua. Trata-se,

fundamentalmente, de uma operação crítica.‖ (CAMPOS, 1997, p. 56)

Veja, abaixo, o trecho original do poema, seguido de sua tradução:

[…] ―Below him was the ocean. It reached far up the sky, Flat as a wall, and on it Were freighters passing by,‖ […] [...] ―Micuçu olhava o mar E o céu, liso como um muro. Viu um navio se afastando, Virando um pontinho escuro,‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 268-269)

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[...] Abaixo dele estava o oceano. Chegou até o céu, Plano como uma parede, e sobre ela Cargueiros foram passando, [...] (tradução nossa)

Paulo Henriques Britto realiza diversas interpretações a começar do primeiro

verso quando comenta que ―Micuçu olhava o mar‖ ao invés de ―Abaixo dele estava o

mar‖. Micuçu era o nome do ladrão, comparado a uma cobra perigosa do Norte, que

a poetisa explica em uma nota para o leitor.

No terceiro e quarto versos, o tradutor transpoetiza ao incluir o último verso

bastante criativo, como forma de combinar as rimas de ―escuro‖ com ―muro‖ do 2º

verso, mantendo a forma do poema original, que segundo Haroldo de Campos ―a

tradução de textos criativos...será sempre criação paralela, autônoma, porém

recíproca‖. (CAMPOS, 1997, p. 51)

Mais um grande exemplo de tradução criativa pode ser observado abaixo,

quando o tradutor transpoetiza os versos de Elizabeth Bishop, em que podemos

perceber a leveza dos versos sem comprometer a essência da poesia.

Veja a sua tradução criativa:

[...] ―Or climbing the wall, and climbing Till each looked like a fly, And then fell over and vanished; And he knew he was going to die.‖ [...] [...] ―Feito uma mosca, um mosquito, Até desaparecer Por detrás do horizonte. E pensou: ―Eu vou morrer.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 268-269)

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[...]

Ou escalar a parede, e subir Até que cada um se parecesse uma mosca, E, em seguida, caiu e desapareceu; E ele sabia que ia morrer. [...] (tradução nossa)

Ao compararmos a tradução dele com a tradução literal, pode-se observar

seu poder de ―transcriação‖, como dizia Haroldo de Campos, e a poeticidade na

colocação e arrumação das palavras. ―Na sua leitura do poema, o tradutor precisa

estar atento para eventuais duplos sentidos, as conotações, os trocadilhos, as mil e

uma sutilezas que podem estar presentes num poema.‖ (BRITTO, 2012a, p.133).

O tradutor, assim como Walter Benjamin e Haroldo de Campos, preocupou-se

com a forma ao manter a rima das palavras ―desaparecer‖ e ―morrer‖ da mesma

forma que a poetisa, ao utilizar as palavras ―fly‖ (2º verso) e ―die‖ (4º verso).

Verifica-se que também que ele manteve o tamanho dos versos, mesmo com

sua forma criativa de brincar com as palavras e, especialmente, no 2º verso, em que,

em um primeiro momento, nos parece que a extensão do verso foi alterada, uma vez

que houve a troca de seis palavras na língua inglesa por apenas duas na língua

portuguesa.

A tradução não comprometeu a mensagem real do poema quando o tradutor

interpretou que escalar a parede até que se parecesse uma mosca, poderia

corresponder à oração ―até desaparecer‖, comparando a mosca a uma pequena

mancha escura como recriado na quadra anterior, ao dizer que o navio se afastou

até que virasse um pequeno pontinho.

No terceiro verso: ―E em seguida caiu e desapareceu‖, o tradutor recriou-o

comparando a um ―horizonte‖ que afastava a visão.

Segundo Britto, Elizabeth Bishop escreveu esta balada popular, forma típica

inglesa para descrever histórias com crimes, motivada por uma cena que viu da

janela de seu apartamento no Leme, retratando o impacto dos acontecimentos

cotidianos no seu tema, recurso que a poetisa utilizava em seus poemas.

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Analisemos o poema abaixo:

“The armadillo (O Tatu) For Robert Lowell ―This is the time of year when almost every night the frail, illegal fire ballons appear. Climbing the mountain height,‖ […] ―Estamos no periodo junino e à noite balões de papel surgem – frágeis, ígneos, clandestinos. Vão subindo no céu,‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 250-251)

Esta é a época do ano quando quase todas as noites os frágeis, ilegais balões de fogo aparecem. Subindo a montanha, [...] (tradução nossa)

No poema acima, é possível encontrar a rima cruzada ou alternada ABAB, em

que a palavra ―year‖ /jIₔr/ rima com ―appear‖ /ₔ´pIₔr/ e ―night‖ /naIt/ rima com ―height‖

/haIt/. Logicamente que, para a manutenção das rimas, o tradutor necessita de bom

senso, além de conhecimento do assunto para recriar com inteligência. Paulo

Henriques Britto fez isso primorosamente neste poema, mantendo o tamanho dos

versos, o ritmo e a rima. Quanto à rima na tradução, ―junino‖ passa a rimar com

―clandestinos‖. A ideia de uso da palavra ―clandestinos‖, provavelmente surgiu por

sua semelhança com o significado da palavra ―ilegais‖. Enquanto que a palavra

―junino‖ foi utilizada por questões culturais locais, momento do ano que se solta

balões em homenagem a São João.

No poema original não se falou na palavra ―papel‖, contudo podemos

observar a perspicácia do profissional ao colocá-la em sua tradução, uma vez que

sabemos que os balões são feitos, em sua maioria, de papel, produzindo a rima

esperada.

O quarto verso surgiu também da interpretação do profissional aqui analisado,

pois que, pelo motivo de balões não subirem montanhas, ele preferiu transcriar

como ―Vão subindo no céu,‖, já que, mais alto que a montanha estaria o céu. Paulo

Henriques Britto comenta que ―[...] muitas vezes um jogo de palavras que funciona

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numa língua não é possível em outra.‖ (BRITTO, 2012a, p. 134). A poetisa fez uso

dos recursos metafóricos ao dizer que balões sobem montanhas e, obviamente, o

tradutor pode manter isto, uma vez que se trata de um texto artístico, ou aproximá-lo

do conhecimento do leitor.

Na seqüência, temos uma nova estrofe:

[...] ―Once up against the sky it‘s hard to tell them from the stars – planets, that is - the tinted ones: Venus going down, on Mars,‖ [...] [...] ―Lá no céu, se transformam em pontos de luz mais ou menos iguais às estrelas – isto é, aos planetas coloridos, Marte ou Vênus.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 250-251)

[...] Uma vez lá em cima no céu, é difícil discerni-los das estrelas – Isto é – dos planetas coloridos Vênus e Marte, [...] (tradução nossa)

O tradutor ―transpoetizou‖ os versos que dizem ―em pontos de luz mais ou

menos iguais às estrelas‖, ao invés de usar uma tradução mais literal como ―É difícil

para discerni-los das estrelas-‖, ou seja, traduziu de forma extremamente poética

causando uma sonoridade mais interessante a este trecho, sem deixar de seguir à

risca a forma da estrofe, mantendo a rima nos versos 2 e 4 das palavras ―menos‖

com ―Vênus‖, que, originalmente encontravam-se entre ―stars‖ /stɑ:r/ e ―Mars‖ /mɑ:z/.

―Ora, sabemos que um texto produzido num idioma não pode ser recriado com

exatidão num idioma estrangeiro; quanto a esse ponto, todos estamos de acordo.‖

(BRITTO, 2012a, p. 50).

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Observem a nova sequência abaixo:

[…] ―or the pale green one. With a wind, they flare and falter, wobble and toss; but if it‘s still they steer between the kite sticks of the Southern Cross,‖ […] […] ―Se venta, eles piscam, estrebucham; sem vento, sobem ligeiros rumo às varetas cruzadas da pipa estelar do Cruzeiro‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 250-251)

[...] ou o verde pálido. Com vento, eles incendeiam e perdem a força, balançam ; mas se está tranquilo eles se orientam entre as varetas das pipas do Cruzeiro do Sul, [...] (tradução nossa)

Percebe-se que a autora utilizou alguns adjetivos redundantes como (wobble

e toss) que significam oscilar, balançar. Este último, provavelmente, para fazer a

rima do segundo com o quarto verso entre as palavras ―toss‖ /tɒs/ e ―Cross‖ /krɒs/.

Poderíamos nos perguntar o porquê dela não ter omitido a palavra ―wobble‖, visto

que se significado se assemelha a ―Cross‖, e verificamos que o tamanho do verso 2

também acompanha o do último verso. Portanto, ao ser traduzido, Paulo Henriques

Britto manteve a rima do segundo e último versos nas palavras ―ligeiros‖ e

―Cruzeiro‖, manteve a contagem de sílabas poéticas.

Quanto à poética na tradução, Paulo Henriques Britto omitiu a tradução das

palavras ―wobble‖ e ―toss‖ que significam ―oscilar‖, inseriu novos verbetes, além de

substituir algumas palavras sinônimas por outras que poeticamente enriqueceram

ainda mais este trecho em relação à sonoridade e à semântica relativa aos

vocábulos balões e Festa Junina.

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Observe a análise feita da tradução de Britto no trecho do poema ―Anáfora‖:

“Anaphora (in memory of Marjorie Carr Stevens) Each day with so much ceremony begins, with birds, with bells, with whistles from a factory; such white-gold skies our eyes first open on, such brilliant walls that for a moment we wonder ―Where is the music coming from, the energy? The day was meant for what ineffable creature we must have missed?‖ Oh promptly he appears and takes his earthly nature instantly, instantly falls victim of long intrigue, assuming memory and mortal mortal fatigue.‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 160)

“Anáfora (in memoriam de Marjorie Carr Stevens) Cada dia, cerimonioso, começa com pássaros, e fábricas a apitar, estrepitosas; diante de céus aurialvos tão claros nossos olhos se abrem, e por um instante perguntamos: ―De onde esta força, esta melodia? Para qual inefável criatura que não vimos, foi feito este dia?‖ Logo, logo ela surge, e assume sua natureza terrena e cai vítima da intriga, sob o ônus da memória, da mortal, mortal fadiga.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 161)

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Cada dia com tanta cerimônia começa, com aves, com sinos, com sirenes de uma fábrica; com os céus aurialvos, nossos olhos primeiro enxergam, como paredes brilhantes que por um momento nos perguntamos " De onde está vindo esta música, a energia? O dia foi feito para que criatura inefável temos de ter perdido?" Oh prontamente ele aparece e leva sua natureza terrena instantaneamente, cai instantaneamente vítima de uma longa intriga, memória assumindo e mortais fadiga mortal. [...] (tradução nossa)

No poema ―Anáfora‖, tecnicamente, podemos observar que ele é formado de

versos livres, ou seja, com diferentes números de sílabas poéticas e sem rimas,

apesar de apresentar palavras terminadas com o mesmo som fonético numa

distância irregular entre os versos. Estas palavras são: ceremony / factory / energy /

promptly; bells / walls / falls; wonder / creature / nature; e intrigue / fatigue.

Na tradução, foi utilizada a técnica da ―transposição‖, aquela em que o

tradutor vê a necessidade de mudar a classe gramatical da palavra, neste caso,

―ceremony‖ (substantivo) que significa cerimônia e que optou por traduzi-la como

―cerimonioso‖ (adjetivo). Omitiu a palavra ―bells‖ (sinos), uma vez que havia a

palavra whistles (apitos, sirenes), ―brillant walls‖ (paredes brilhantes), ―instantly‖,

dentre algumas outras. A palavra ―assuming‖ aplicada com o sentido de ―presumir‖

foi substituída por ―sob o ônus‖, e ―energy‖ por ―melodia‖ como parte da recriação do

profissional da tradução. Utilizou também a técnica conhecida como compensação,

que consiste em substituir um trecho quando este não permite ser traduzido no

mesmo ponto ou posição, na pergunta ―Where is the music coming from, the

energy?‖ como ―De onde esta força, esta melodia?‖.

Em relação à poética da tradução observamos que o tradutor preocupou-se

mais em transpoetizar do que recriar com palavras novas. Paulo Henriques Britto

acredita que a tradução sempre mostrará parte da identidade do tradutor e que

nunca terá uma transparência total. Apesar de ser transparente no trabalho de

tradução, sempre haverá interferências da cultura da língua de destino.

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Veja, agora, a tradução de parte do poema ―Songs for a colored Singer‖:

“Songs for a Colored Singer I A washing hangs upon the line,

but it‘s not mine. None of the things that I can see

Belong to me. The neighbors got a radio with an aerial;

we got a little portable. They got a lot of closet space;

we got a suitcase.‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 150)

―[...] Tem roupa no varal, limpinha,

só que não é minha. Tem muita coisa aqui espalhada,

mas eu não tenho nada. Tem um rádio grande no vizinho;

nós temos um pequenino. Lá tem armário até a sala;

nós temos uma mala.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 151)

[...]

A roupa paira sobre o varal, mas não é minha. Nenhuma das coisas que eu posso ver pertencem a mim. Os vizinhos tem um rádio com uma antena; temos um pequeno portátil. Eles têm um monte de espaço no armário; temos uma mala. [...] (tradução nossa)

Este poema é composto de oitavas com rimas emparelhadas ou paralelas,

que foram mantidas pelo tradutor. A extensão dos versos permaneceu a mesma

pois, para o profissional em questão, a ―tradução de um poema que não leve em

conta as opções de forma tomadas pelo poeta pode nem sequer ser um poema.‖

(BRITTO, 2012a, p. 120)

Poeticamente falando, a transpoetização do poema se deu com sutilezas que

são importantíssimas para a compreensão do texto poético na língua portuguesa,

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pois certas palavras necessitam de adaptações e do bom senso, além do

conhecimento do tradutor para que não percam suas propriedades semânticas ao

serem traduzidas. Paulo Henriques Britto comentou acima sobre Vladimir Nabokov,

romancista russo, e a sua tradução.

(...) o poeta utiliza de modo particularmente complexo e sutil os recursos de seu idioma; ora, como os recursos de dois idiomas diferentes nunca são os mesmos, é impossível recriar na língua-meta os efeitos poéticos do original, e portanto não se deve sequer tentar

fazer tal coisa. (BRITTO, 2012a, p. 122)

Com isso, observamos que no poema analisado, a palavra ―washing‖ em uma

de suas traduções literais seria ―lavagem / limpeza / roupa lavada, etc.‖, que na

língua inglesa são bastante esclarecedoras, porém, se o tradutor não for perspicaz e

traduzir literalmente com o sentido de ―lavagem‖ incorremos no risco de modificar o

sentido proposto pelo autor, pois na língua portuguesa seu campo semântico não se

restringe somente ao de lavar algo, mas também a conhecida ―lavagem‖ (restos de

comida que se dava aos porcos, etc), a exemplo.

Tecnicamente, o tradutor poderia ter omitido os pronomes pessoais ―nós‖ nos

versos ―nós temos... – we got a...‖, mas observou a necessidade de mantê-los para

compor a extensão dos versos, obtendo praticamente a mesma contagem de sílabas

entre o original e o texto traduzido.

Utilizou uma magnífica interpretação ao traduzir os versos três e quatro:

―None of the things that I can see / Belong to me‖ como: ―Tem muita coisa aqui

espalhada / mas eu não tenho nada‖, pois se alguém diz que: Nenhuma das coisas

que vejo / pertencem a mim, é o mesmo que dizer que há muita coisa espalhada,

mas eu não tenho nada. Também transferiu a conotação negativa do verso três para

o verso quatro.

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Observe a análise desta próxima estrofe:

[…] ―I sit and look at our backyard

and find it very hard. What have we got for all his dollars and cents?

- A pile of bottles by the fence. He‘s faithful and he‘s kind

but he sure has an inquiring mind. He‘s seen a lot; he‘s bound to see the rest, and if I protest.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 150)

[…] ―Eu fico olhando pro quintal

e penso: vamos mal. Todo o dinheiro que entra em nossa vida

se gasta em bebida. Ele é fiel, ele é carinhoso,

mas é muito curioso. Correu meio mundo e quer correr o resto,

e se eu protesto‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 151)

[...] Eu sento e olho para o nosso quintal e acho muito difícil. O que conseguimos com todos os seus dólares e centavos? - A pilha de garrafas por cima do muro. Ele é fiel e é carinhoso mas ele com certeza tem uma mente curiosa. Ele viu muito; e está disposto a ver o resto, e se eu protesto [...] (tradução nossa)

Elizabeth Bishop a compôs com oito versos (oitava) e utilizou rimas paralelas

AABBAABB como podemos observar na fonética das palavras ―backyard / hard‖;

―cents / fence‖; ―kind / mind‖; ―rest / protest‖. Paulo Henriques Britto mostra o seu

talento tanto na feitura de seus poemas como na tradução que realiza de textos

literários, ao afirmar em seus apontamentos que o ―que torna um poema um bom

poema é a mesma coisa que torna um romance um bom romance: palavras

cuidadosamente escolhidas para realizar um determinado efeito estético.‖ (BRITTO,

2012a, p. 122),

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Mais uma vez, no terceiro e quarto versos, fica clara a excelente interpretação

de Paulo Henriques Britto ao traduzir poeticamente: ―O que conseguimos com todos

os seus dólares e centavos? / - A pilha de garrafas por cima do muro.‖ como: ―Todo

o dinheiro que entra em nossa vida / se gasta em bebida.‖

Veja a análise feita da tradução de Britto no poema abaixo: “[…]

II

The time has come to call a halt; and so it ends. He‘s gone off with his other friends. He needn‘t try to make amends,

this occasion‘s all his fault. Through rain and dark I see his face across the street at Fossie‘s place. He‘s drinking in the warm pink glow to th‘ accomplishment of the piccolo. *

*jukebox [...]‖

(BISHOP, 2012, p. 152)

―[…] Agora não dá mais. Ah, tenha dó!

chega de briga. Ele saiu lá com os amigos. Nem vem de conversa comigo:

agora a culpa é dele só. Está escuro, e chove, e mesmo assim eu vejo ele, lá no botequim, bebendo e ouvindo a música simpática que sai da vitrola automática.‖ [...]

(BISHOP, 2012, p. 153)

[...] Chegou a hora de dar um basta; e assim termina. Ele se foi com seus outros amigos. Ele não precisa tentar fazer as pazes, esta ocasião é tudo culpa dele. Através da chuva e do escuro eu vejo seu rosto do outro lado da rua na casa de Fossie. ele está bebendo num lugar aconchegante acompanhado da vitrola automática. [...] (tradução nossa)

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Nesta estrofe de nove versos, também chamada de nona, observa-se a

grande recriação do tradutor sem interferir no sentido original que a autora

intencionou. Paulo Henriques Britto, com muita maestria, insere expressões

pertencentes ao mesmo grupo semântico em questão, de forma poética.

Fica claro que esta nona possui um jogo de rimas bastante atípico,

semelhante ao que chamamos de rimas Opostas ou Interpoladas, onde a palavra

final do 1º verso rima somente com a palavra final do 5º verso. Os versos 6 e 7

rimam entre si e o mesmo se dá para o penúltimo e último versos.

Na sequência do trecho abaixo:

[…] ―Go drink your wine and go get tight.

Let the piccolo play. I‘m sick of all your fussing anyway. Now I‘m pursuing my own way.

I‘m leaving on the bus tonight. Far down the highway wet and black I‘ll ride and ride and not come back. I‘m going to go and take the bus and find someone monogamous.‖ […]

(BISHOP, 2012, p. 152)

[...] ―Vai, bebe, bebe, até ficar bem zonzo,

Canta essa música baixinho. Pois eu enjoei do teu carinho, Eu vou tomar o meu caminho.

Comprei passagem no ônibus das onze. Eu vou-me embora, e não volto mais, por essa estrada, sem olhar para trás. Mesmo que eu vá parar em deus-me-livre eu acho alguém que não me ponha chifre.‖ [...]‖

(BISHOP, 2012, p. 153)

[...] Vai beber o seu vinho e vai ficar apertado. Deixa a vitrola automática tocar. De qualquer forma, estou farto de toda a sua agitação. Agora estou buscando o meu próprio caminho. Vou-me embora no ônibus hoje à noite. Estrada abaixo molhada e escura Vou seguir e seguir e não voltarei. Eu estou indo para tomar o ônibus E encontrar alguém monogâmico.[...] (tradução nossa)

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Paulo Henriques Britto manteve as rimas dos versos nas mesmas posições,

porém alterou o tamanho deles em alguns momentos da tradução, como

observamos em dois exemplos: o 2º verso se tornou um pouco mais longo; e

também o 5º verso.

Quanto à poeticidade dos versos, observamos a recriação no 5º verso

traduzido como: ―Comprei passagem no ônibus das onze.‖, quando o verso falava

apenas: ―Vou-me embora no ônibus hoje à noite.‖. Inclusive no 6º verso

transpoetizado ―por essa estrada, sem olhar para trás.‖, quando poderia ser apenas

transcrito como: ―Estrada abaixo molhada e escura.‖. O tradutor manteve a rima com

o poema original. O penúltimo verso, além de completa recriação, recebeu a

expressão popular ―deus-me-livre‖ sinalizando um lugar muito distante que o eu-

lírico terá de buscar para ser feliz.

No último verso, vemos a interpretação da palavra ―monogamous‖ através da

aplicação de uma expressão local da língua portuguesa: ‗pôr chifre‘, comumente

utilizada no Brasil, de modo a registrar os vícios regionais e manter a rima correta.

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Considerações Finais

A questão abordada em relação à tradução refere-se, principalmente, não

como um sistema inerte, mas como um conjunto em movimento dinâmico e

complexo, em que o assunto não poderá ser refletido do ponto de vista da precisão,

mas dentro do meio cultural próprio da língua para o qual ela foi traduzida, ou seja,

da língua-alvo ou da língua de chegada. Em relação às ideias de um ―sistema-alvo‖,

do linguista e teórico da tradução belga André Lefevere, o teórico John Milton

comenta que a tradução deve ser observada e estudada dentro de uma ―rede de

relações‖ (1998, p. 184) que possua as características da língua de origem.

Em essência, o mundo moderno abrigou e mantém uma série de teóricos e

praticantes da tradução que tornam inesgotável a abordagem desse assunto,

ficando apenas registrados alguns teóricos nos subcapítulos desta pesquisa.

É essencial refletir sobre as teorias da tradução nos diversos contextos

culturais de outrora e atualmente, tendo em vista a globalização e sua influência nas

teorias contemporâneas, seu sistema de rede e suas interpelações culturais das

línguas de partida e de chegada.

A questão da identidade nos revela muito mais que as aparências nos

mostram, pois ela está inserida nas formas de traduzir, relatando a tradição literária

e cultural a que pertence cada profissional, a sua língua e a do seu objeto de

pesquisa. Estas relações permeiam a vivência que o tradutor tem com o seu país e

sua cultura dentro do momento histórico, transpondo-o para os sistemas de signos

vigentes, através do levantamento contextual da língua de origem.

Nesse trabalho, analisamos algumas traduções dos poemas de Elizabeth

Bishop, em que Paulo Henriques Britto realizou um intenso e primoroso trabalho de

transpoetização e tradução, tornando visível a sua preocupação em manter a forma

sem alterar a mensagem principal de cada obra.

A maioria dos poemas aqui analisados, excetuando ―Anáfora‖ e ―Songs for a

Colored Singer‖, os quais foram escritos antes da poetisa ter vindo para o Brasil,

formam um conjunto de impressões que Elizabeth Bishop teve do Brasil e os

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sentimentos que essa convivência com os costumes causaram na sua produção

literária, somadas a sua identidade de tradição norte-americana.

Paulo Henriques Britto, ao realizar a tradução destas obras, procura

ressignificá-las com marcas da identidade nacional e pessoal, de forma consciente

ou não, afastando a ideia servil que o ofício recebera durante períodos anteriores,

que diminuiu sua importância dentro do círculo literário nacional, tendo o seu

reconhecimento na segunda metade do século XX, como a entendemos na

contemporaneidade.

Quando lemos os poemas de Elizabeth Bishop, observamos quanto o Brasil e

seu costume passou a ser tema, mesmo que de forma indireta, na composição das

mesmas, pois há textos que relatam a fauna e flora brasileiras; outros que mostram

a sua paixão pelo país diretamente relacionada pela intensidade de seu sentimento

por Lota, Maria Carlota Costellat Macedo Soares, e a casa em que viveram em

Petrópolis; e sua aproximação com a sociedade local, tanto da população abastada,

quando compõe os poemas ―Squatter‘s children‖ e ―Manuelzinho‖, quanto da

intelectual, ao lançar An anthology of twentieth-century Brazilian poetry (1972). Tudo

isso contribuiu para uma relação temática de suas obras que relatam o impacto que

teve, seja ele positivo ou negativo, durante a sua permanência nesse território.

O tradutor assimila e retrata este conjunto de impressões em seu trabalho de

―transpoetização” e recriação dos poemas da autora norte-americana, sem perder de

vista a marca temática, a poesia e ao mesmo tempo em que se preocupa em manter

a forma na poética dos textos que traduz, levando em consideração a cultura da

língua de destino e os conceitos atuais sobre a tradução, o que o torna digno de

excelência no trabalho ampliado de Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop (2012)

que ―incluía todos os poemas anteriormente publicados em Poemas do Brasil

(1999), com alguns retoques nas traduções‖ (BISHOP, 2012, p. 11). Numa

observação mais profunda, nos encantamos com a capacidade do tradutor em

questão de manter a dualidade: ‗forma‘ e ‗fidelidade à mensagem‘ com muita

criatividade.

Nas traduções criativas, transfigura o ser poético do profissional através das

diversas interpretações das leituras que se orienta, levando em consideração o seu

―conhecimento de mundo‖ em relação ao assunto em questão. Por outro lado, as

traduções literais abstêm o tradutor das suas ideologias, diferenças culturais que

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poderiam interferir no trabalho final, além de maquiar as diferenças que há entre as

línguas, ou, poeticamente falando, a tradução literal poderá distanciar-se também do

texto original, porque as línguas podem possuir divergências, não sendo, portanto,

uma garantia de fidelidade à mensagem.

Em uma entrevista dada por Paulo Henriques Britto ao Cadernos de Tradução

(1997), quando questionado sobre até que ponto as duas atividades que desenvolve

(a de tradutor e escritor) se complementam, ele responde que não possui dúvidas de

que ao fazer a tradução e leitura de poetas como Bishop e Ginsberg, reforçou a sua

vontade em utilizar mais ―a língua coloquial‖ (p. 474)

Nessa simbiose, observamos que os sons são reproduzidos através do jogo

de palavras e da forma com que as arruma em seu trabalho poético. Toda a sua

intelectualidade se mistura com a vida urbana, com o cotidiano, com pitadas de

ironia, enfim, mostrando a forma com que algumas situações se delinearam para o

autor contemporâneo. Valendo-se do recurso de escrever uma carta, o autor

demonstra uma clara forma de construção estilística e coloquial como a do exemplo:

―(21 de dezembro)‖, terceiro soneto de ―Até segunda ordem‖, lançada no livro Trovar

claro, (1997):

―Sim, recebi a carta do João. Só que o seu telefonema da sexta já havia alterado a situação completamente. É, o Bento é uma besta, mas você, também...Nessas horas é que se vê que falta faz um profissional. Você nunca vai ser como era o Alex. Mas deixa isso pra lá. O principal é que o negócio está de pé, ainda. O que não pode é pôr tudo a perder a essa altura do campeonato. Não diga nada, nada, à dona Arminda. Toma cuidado. Conto com você. Aguarde o nosso próximo contato.‖

(BRITTO, p. 39)

O trabalho do tradutor perpassa a metalinguagem e outros assuntos em

questão, na poeticidade dada aos versos por meio de sua grande experiência e na

sagacidade em realizar as tarefas de forma fluída, criativa e inteligente.

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A função de ―transpoetizador‖ não se resume a transcrever somente e

independe da experiência do profissional que a realiza. E, como vimos, não há uma

fórmula mágica para a tradução quando esta, por si só, nos fornece a possibilidade

de conhecermos obras estrangeiras e de ampliarmos nossos conhecimentos para

muito além da possibilidade de lermos uma única obra traduzida e/ou recriada, uma

vez que lhe foi aplicada às experiências dos tradutores e toques personalizados.

O exercício da tradução será sempre alvo de polêmica, uma vez que não há

uma receita fixa para realizá-lo nos diversos contextos culturais, como também

dependerá do bom senso e da experiência do profissional que o realiza. Sua função

não é a de somente apresentar uma forma escrita na língua de origem, mas

transfigurar a possibilidade de ser registrado em outros idiomas e de transmitir as

marcas de diferenças culturais. Na visão do filósofo Walter Benjamim, a

possibilidade de transpor para outro idioma confere ao texto fonte uma ideia de

―sobrevida‖ da obra, numa indivisível ligação dos textos literários com o ser humano.

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