Blimunda # 8 Janeiro 2013

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8/10/2019 Blimunda # 8 Janeiro 2013 http://slidepdf.com/reader/full/blimunda-8-janeiro-2013 1/34 N.º 8  ANEIRO  2013 FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO

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N .º 8 J  ANEIRO   2 0 1 3 F U N D A Ç Ã O J O S É S A R A M A G O

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— O futuro será melhor.

— É o que se diz sempre, se o presente

não é bom. Mas quando é bom opresente, ou aceitável, então levamoso tempo a temer o dia de amanhã.

Diálogo entre Ana de Sá e Luís de Camões, na peça Que farei com este livro?  

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Um livro para os temposque correm

Diz o senso comum que todas as gerações pas-sam, em algum momento, por aquela sensaçãodesagradável de estarem a viver tempos compli-cados, difíceis de interpretar, parcos em esperan-ça ou em perspectivas de futuro. O que o sensocomum não diz é que pouco importa se os que nosantecederam e os que nos hão-de suceder tambémtiveram ou terão as suas dores, porque dificilmen-te a dor alheia serve para mitigar a nossa, mesmoquando dias mais críticos nos obrigam aexperimentar essa sensação egoísta.

Os tempos que vivemos não estãopara optimismos e A Instalação do Medo,de Rui Zink, confirma-o sob a forma deuma distopia que, sem esperanças vãsnem moralismos de mudança, faz umaradiografia cruel do modo como o quo-tidiano e o reduto ilusoriamente inviolá-vel de cada indivíduo se transformaramem propriedade dos mercados, essa en-tidade invisível que tudo decide. Numacasa anónima, dois homens batem àporta e apresentam-se como a equipa técnica res-ponsável por efectuar a instalação do medo, umprocedimento obrigatório a que, neste livro, todos

os cidadãos têm de se submeter dentro dos seuslares. A mulher que abre a porta será a tercei-ra personagem da narrativa, interagindo com ostécnicos como se estivesse numa espécie de palco,ilusão vã que a leitura permite manter nas pri-meiras páginas, mas que logo se desfaz. Quandoo drama deixa de ser o da mulher para se revelaro de parte considerável de nós, mesmo sem técni-cos de instalação do medo, percebe-se que a óbviametáfora para os muitos tentáculos que nos vãoinvadindo a vida não é tão inocentemente linearcomo podia parecer. A narrativa assume desde o

início a linearidade da metáfora, com os técnicosdo medo a mimarem passo a passo o processo deinstalação de uma qualquer box de televisão porcabo ou de internet sem fios, e usa o efeito dessalinearidade de um modo quase sádico, como sepreparasse o leitor para um simples exercício desimbolismo social antes de o deixar angustiadocom o retrato dos dias que se têm vivido no ladoocidental da Europa.

Mais do que a metáfora óbvia encarnada pelaequipa de instaladores, é o absurdo que estrutura A Instalação do Medo. Os diálogos encenados dosdois técnicos, mesmo quando ameaçam resvalarpara alguma previsibilidade, são um dos elemen-

tos fortes da narrativa, conferindo-lheritmo, matéria para reflexão e verosi-milhança, mesmo quando o fantásticoassoma por entre as cenas. O mesmose pode dizer da descrição do pânicosentido pela personagem feminina, re-velando gradações e cenários com asquais a identificação do leitor é quaseinevitável, e da deambulação narrativapelos temas que marcam o ar do tempo,do nosso tempo (entre a novilíngua doempreendedorismo e a omnipresençados mercados, a discussão sobre o me-

lhor modo de organizar uma sociedade e a certezade que a existência de forças de segurança capazesde conterem a raiva é mais importante do que as

acções que podiam minorar essa mesma raiva).Mas é no absurdo e na sua exposição de diferentesperspectivas, da linguagem quotidiana ao funcio-namento das instituições que asseguram a cida-dania, que A Instalação do Medo se torna um livropara os tempos que correm, leitura aconselhadapara quem sabe que os técnicos que asseguram omedo não estão tão longe do quotidiano como gos-taríamos de imaginar e, além de tudo isso, exer-cício eficaz de questionamento, tanto mais eficazquanto não se arvora em iluminador de soluçõesinfalíveis.

leitur a s do  mês

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FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGOTHE JOSÉ SARAMAGO FOUNDATIONCASA DOS BICOS

ONDE ESTAMOSWHERE TO FIND USRua dos Bacalhoeiros, LisboaTel: ( 351) 218 802 040www.josesaramago.org [email protected]

COMO CHEGARGETTING HEREMetro Subway Terreiro do Paço(Linha azul Blue Line)Autocarros Buses 25E, 206, 210,711, 728, 735, 746, 759, 774,781, 782, 783, 794

Segunda a Sexta

Monday to Friday10 às 18 horas10 am to 6 pm

Sábado

Saturday10 às 14 horas10 am to 2 pm

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Fundamentalismoameaça TimbuktuC O M A D E S TR UI Ç ÃO D O S B UD AS D EBamiyan, no Afeganistão, o mundo confirmouque a herança do fundamentalismo, qualquer queseja a sua origem, não pode ser outra que não aruína. Agora, o fundamentalismo islâmico ligadoà Al-Qaeda está obcecado com a destruição dosmausoléus de Timbuktu, no Mali, por considerá-

los uma afronta à religião monoteísta. O mesmorisco correm os vários manuscritos medievais epré-islâmicos guardados na cidade, a decoraçãoexterior das mesquitas e outros monumentosque testemunham o esplendor da cidade queencantou exploradores ao longo dos séculos,todos decretados Património da Humanidade pelaUNESCO, uma forma de dar a conhecer o valorcultural e histórico do lugar e de garantir a suapreservação. Como explica Jacinto Antón, numartigo publicado no El País, talvez esse decreto daUNESCO não chegue para salvar aquilo que nemo tempo devia conseguir destruir.

http://cultura.elpais.com/cultura/2012/12/29/actualidad/1356801903_775949.html

Viajar na era doconsumo rápidoO ESCRITOR E JORNALISTA MICHELLaub é uma das mais recentes vozes da opiniãopublicada na Folha de São Paulo. Numa crónica dedezembro passado, o autor disserta sobre o ines-gotável tema das viagens, contrapondo viajantesdispostos ao risco e à descoberta a viajantes obce-cados com a ideia de fugirem ao cliché do turista

ocidental (tantas vezes os mesmos que caem emvários outros clichés, um pouco menos inofensi-vos que o do turista): “Num mundo uniformizado,em que quase todas as experiências são acessíveispor cartão de crédito, resta saber se estamos tãodistantes desse clichê. Existe autenticidade pos-sível em 30 dias de aventuras pré-programadas?Para viver a fantasia de pairar acima da manada,

 basta apenas não usar boné e meias até ao joelho,trocando as fotos da Disneylândia pela praia semeletricidade, o show de ingressos esgotados, o “res-taurantezinho”?” O tom pode não ser meigo, masas linhas de reflexão abertas pelo texto de Laub fa-zem todo o sentido nesta era em que tudo se parti-lha depois de experienciado, como se já não exis-tisse experiência sem essa partilha instantânea eindiscriminada, tantas vezes em tom de basófia,como quem conta quilómetros percorridos, ae-roportos visitados e praias desertas descobertas.Se a preocupação mais urgente quando se viaja éfugir do cliché, talvez se possa seguir o conselhodo autor e trocar a viagem por um livro: Viagemà Roda do Meu Quarto, de Xavier de Maistre, porexemplo.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/michellaub/1204357-motivos-para-viajar-ou-nao.shtml

O museu marítimode ManNO INÍCIO DOS ANOS SESSENTA, UMalemão chegou à Costa da Morte, na Galiza. De-cidido a parar no lugar onde o mar lhe parecessemais forte e a terra mais acolhedora, Man insta-lou-se em Camelle, terra de pescadores, e ali foicriando uma espécie de museu ao ar livre comas esculturas a que dava vida a partir dos roche-

dos e dos detritos que o mar arrastava. Quando,em 2002, o navio Prestige naufragou ao largo daGaliza e inundou as praias com crude, Man viu asua obra e as praias que já eram suas ameaçadaspela mancha negra e acabou por morrer, deixandoaos moradores de Camelle a missão de zelar pelopatrimónio que ali tinha edificado. Os moradoresaceitaram a missão, e criaram uma fundação como nome do criador do estranho museu à beira mar,mas dez anos depois da morte de Man queixam-sedo abandono a que o conselho da cultura galegae as autoridades locais condenaram a obra do ar-tista alemão. No site Sermos Galiza, a história deMan e do museu ao ar livre de Camelle conta-secom detalhe.

http ://www. ser m o sg a liza . c o m /a r tig o /cultura/o-legado-de-man-esmorece-dez-anos-despois/20121214161818008679.html

Camilo Pessanha naOrgia LiteráriaO SITE ORGIA LITERÁRIA TEM DADO A lercríticas, recensões e artigos vários sobre livrose autores, para além de crónicas e entrevistas,sempre com a atenção dividida entre a atualidadeeditorial e a dimensão intemporal dos textos edas obras de alguns escritores. No panoramada internet portuguesa dedicada à literatura e à

edição, é um dos sites que vale a pena acompanhar– pela linha editorial, rigorosa e ao mesmo tempocapaz de dar espaço a cada colaborador, e peloarco de interesses literários. Um dos últimosartigos publicados é dedicado a Camilo Pessanha,autor conhecido pelo volume Clepsidra  mas queassinou dezenas de outros textos, muitos delesdispersos por publicações periódicas e hoje dedifícil acesso. Helena Bento traça o percurso

 biográfico de Pessanha, cruzando os factosconhecidos da sua vida com apreciações alheiasda obra que criou, nomeadamente as de Mário deSá Carneiro, deslumbrado com o verso do poeta,e as de Fernando Pessoa, que chegou a convencerPessanha, avesso a divulgar o seu trabalho, aceder alguns poemas para publicação no número3 da revista  Orpheu  (que nunca chegou a sair).Quem procurar uma pequena síntese sobre aobra de Camilo Pessanha, com as referências

 bibliográficas essenciais e algumas pistas paraleituras mais profundas, tem aqui um bom pontode partida.

http://www.orgialiteraria.org/2012/12/camilo-pessanha-eu-vi-luz-em-um-pais.html

leitur a s do  mês leitur a s do  mês

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8 9  M   E   I

  O  S   C   R   U   Z

  A   D  O  S  :    R   E

   P  O   R   T

  A  G   E   M

    E    B  A

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I     G     U     E     I     R     E     D     O      C     O     S     T     

A    

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PRANCHAS NARRATIVAS E VINHETAScontendo imagens que se organizam para contar algo que já aconteceu nãoserão os elementos que mais rapidamente assomam numa conversa sobrereportagem e jornalismo. Não é apenas pela pouca frequência com queestes dois meios se cruzam, chegando às páginas de jornais, revistas e li-

vros, quando comparamos com as reportagens escritas e fotográficas, masé também pelo pouco consenso produzido quando se discute o resultadode semelhante interseção .

O cruzamento destes dois meios já produziu textos absolutamente pa-cíficos no que às características de cada um diz respeito – Joe Sacco será oexemplo mais reconhecido e consensual –, mas tem produzido igualmentevárias obras que suscitam questionamentos sobre ambos os meios, bandadesenhada e reportagem jornalística. E se o campo da banda desenhadaabre a discussão sobre as fronteiras de um modo mais amplamente reco-nhecido, o da reportagem também não é isento de inquietações ontológi-cas. No livro As Origens da Reportagem – Imprensa (Livros Horizonte, 2009),Jacinto Godinho desenvolve a questão, centrando-a no campo da filosofiae expondo as arestas e as novas dúvidas suscitadas por esta necessidadedefinidora. Sem compromisso com o encerrar do assunto, e preferindosempre explorar essas novas dúvidas, o autor propõe alguns pontos de-finidores: “Quando perguntamos ‘o que é a reportagem?’ perguntamospela sua quididade. A quididade da reportagem é reportar. Se tivermos emconta que a reportagem é uma das formas de perguntar pelo ser das coi-

sas, a resposta que ela dá é que as coisas são ‘reportando-se’ em primeirolugar. A reportagem não pergunta por todas as coisas. Existem coisas (…)na vida moderna que são reportadas. Acima dissemos que seriam algunsfenómenos ou acontecimentos filtrados pela ‘peneira’ própria da reporta-gem. Fenómenos e acontecimentos remetendo-nos para um tempo espe-cífico. São coisas que acontecem num tempo particular e que, por seremfenómenos, ou seja, por terem a particularidade de aparecerem, de con-seguirem evidenciar-se no seu aparecer, ganham a curiosidade de seremperguntados.”(pg.17)

Sem reduzir a discussão sobre as características da reportagem a al-gum tipo de simplicidade, e convocando para o seu âmago o papel funda-mental que as regras do trabalho jornalístico e o seu código deontológicotêm de assumir, é possível reconhecer na essência da reportagem um ele-

E x t e r i o r d o M u s e u d a I n o c ê n c i a , e m Ç u k u r k u m a , I s t a m b u l

M e i o s C r u z a d o s : R e p o r t a g e m e B a n d a D e s e n h a d a M e i o s C r u z a d o s : R e p o r t a g e m e B a n d a D e s e n h a d a

mento preponderante, e esse elemento é a narrativa. Mais concretamente,e voltando a Jacinto Godinho, o elemento essencial da reportagem inscre-ve-se no seu próprio nome e a etimologia das palavras latinas reportare eraportare ajudam a iluminar a sua natureza: “As duas palavras do latimindicam já um destino ambíguo que marcará futuramente o destino do re-portar. Indicam, num mesmo gesto, dois possíveis movimentos, o ato detrazer (portar) ‘algo à presença de alguém’ ou de levar ‘alguém à presençade algo’.” (p.21) O modo como estes dois movimentos se configuram não é,em caso algum, definidor da natureza da reportagem, pelo que acrescentara banda desenhada aos meios possíveis não será exatamente uma rutura .

A CEITANDO A BANDA DESENHADAcomo um meio, uma linguagem, cuja característica mais transversal – masnão única, nem restritiva – assenta na relação entre texto e imagem e entremais do que uma imagem (não necessariamente em sequência narrativa,ainda que essa situação seja comum), e aceitando igualmente a ilustração,assumida em sentido lato, como parte integrante, em diálogo, confronto,união, dessa linguagem, é um gesto lógico recuperar Constantin Guys, opintor que levou Charles Baudelaire a assinar a obra O Pintor da Vida Mo-derna, e ler a sua obra à luz deste cruzamento de dois meios, o da bandadesenhada e o da reportagem.

Apontar Guys como o primeiro autor a cruzar banda desenhada ouilustração e reportagem será tão relevante como todas as afirmações pe-

rentórias sobre quem foi a primeira pessoa a fazer qualquer outra coisa– é um gesto digno de álbum de recordes, ou de uma lista hierárquica, maspouco pertinente para uma reflexão sobre o tema que permita descortinarnuances, limites quebrados, relações inesperadas. No entanto, será talvezpertinente olhar para o caso de Guys como um exemplo possível, e gran-dioso, deste cruzamento de meios, ou melhor, um exemplo de como, nessaaltura, aquilo que hoje propomos sob esta expressão cuidadosa ‘cruza-mento de meios’ era o meio em si, o gesto natural de narrar o que se via esabia para que outros, noutro lugar, pudessem ver e saber também.

Nascido na Holanda, em 1802, foi em França que desenvolveu parteconsiderável do seu trabalho como pintor e aguarelista. Os cafés, as aveni-das cheias de gente em passeio, a ópera, as ruas, tudo Guys registou comtraço rápido e certeiro, conferindo às suas imagens aquela aura onde o rea-

C o n s t a n t i n G u y s ,

G r i s e t t e s a n d

W o r k e r s  

Mathieu Sapin,

Campagne

Présidentielle –

2 0 0 jour s d a n s l e s

pas du candidat

F r a n çoi s H olla n d e

( Da r g a ud , 2 0 1 2 )

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   J   o   e   S   a   c   c

   o  ,   P   a   l   e   s   t   i   n   a

  –   U   m   a

   n   a   ç

   ã   o   o   c   u   p   a   d   a

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   A   l   e   k   s   a   n   d

   a   r

   Z   o   g   r   a   f  ,   B   o   n   s   B   a   i   s   e   u

   r   s   d   e   S   e   r   b   i   e

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M e i o s C r u z a d o s : R e p o r t a g e m e B a n d a D e s e n h a d a

   J   e   a

   n  -   P   h   l   i   p   p   e

   S   t   a   s   s   e   n  ,   C   r   i

   a   n   ç   a   s

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M e i o s C r u z a d o s : R e p o r t a g e m e B a n d a D e s e n h a d a

   R   i   c   a

   r   d   o

   C   a   b   r   a   l  ,   I   s   r   a   e   l   S   k   e   t

   c   h   b   o   o   k

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mais tarde, reconstruiu a partir de fragmentos, desenhos e a sua memória.Bulletins from Serbia (Slab-O-Concrete, 1999; posteriormente publicado emvárias línguas e versões mais amplas) reúne esses trabalhos, permitindoque os leitores acedam a um dos cenário da guerra nos Balcãs a partir dorelato, escrito e desenhado, de uma testemunha privilegiada no que ao ân-gulo de observação diz respeito, mesmo que seja uma testemunha direta-mente implicada na narrativa – e esse facto é o que mais distingue Zografde um repórter, sendo um facto consideravelmente importante para umadiscussão mais alargada sobre os limites do jornalismo e as peculiaridadesda reportagem. De qualquer modo, as tiras de Zograf são um relato parti-cularmente interessante dos bombardeamentos de Pancevo, dando-nos aler/ver tanto o que se passa nas ruas à medida que as bombas vão caindo

como o que se passa dentro de casa, com uma família a não saber está aviver o fim dos seus dias ou a testemunhar um momento que terá, maistarde, oportunidade de partilhar com quem ali não esteve.

Exemplo recente de como a banda desenhada pode ser veículo perfei-tamente adaptado às necessidades narrativas de uma reportagem é o livrode Matheu Sapin, Campagne Présidentielle (Dargaud), em que o autor acom-panha o candidato François Hollande durante duzentos dias da campanhaeleitoral que o levaria à presidência da república de França. Num registovisual que cruza os pormenores realistas com o traço caricatural, Sapindá a ver os bastidores da política francesa assumindo claramente a mis-são de um repórter. Reuniões de campanha, encontros formais, comícios,discussões sobre o melhor modo de fazer passar uma mensagem, tudo éregistado sem subterfúgios aparentes, produzindo um texto que, se nãoacrescenta inovações ou ruturas àquilo que já se conhecia do trabalho deMathieu Sapin, não deixa de ser um documento muito válido para a me-mória futura da campanha de François Hollande. Tal como AleksandarZograf, Sapin não é jornalista e esse aparente pormenor ganha presençaquando se percebe, entre uma e outra vinheta, algum comentário de carác-

ter pessoal, ou um ângulo que não se define pela imparcialidade. Não queristo dizer que Campagne Présidentielle não seja um trabalho de reportagem,tanto mais válido quanto não é comum alguém ter acesso quase perma-nente durante um período temporal tão grande a uma figura com o im-pacto público de Hollande. Podemos debater-nos com a dúvida sobre seteríamos um documento mais rigoroso e imparcial se em vez de MathieuSapin o sta ff  de Hollande tivesse aceite a presença de um jornalista. Maspodemos, por outro lado, discutir se um jornalista é capaz de cumprir emtodas as ocasiões e de todas as formas a regra da imparcialidade, o que nosleva a uma questão muito mais interessante no que à leitura do jornalismodiz respeito, e que é a de sabermos se a imparcialidade apresentada en-quanto valor absoluto e entendida enquanto anulação total do indivíduoque olha e narra (da sua bagagem social e cultural, do seu modo particular

J e a n - P h li ppe S t a s s e n ,

C r i a n ça s   ( A s a , 2 0 0 4 )

R i ca r d o C a b r a l, 

I s r a e l S k e t ch b ook   

( A s a , 2 0 0 9)

de ver, daquilo que sabe relativamente à situação que está a acompanhar,etc) é aquilo que realmente se deseja quando se fala de jornalismo, ou sea imparcialidade não será, antes, um valor primordial que deve ser cum-prido, claro, mas sempre tendo em conta que é um indivíduo, e não umamáquina registadora, que nos dá conta de um determinado facto – o quetalvez explique por que é que preferimos ler um repórter em vez de outro,ou assistir às notícias num canal de televisão e não no outro.

MAIS DO QUE CONSTATAR

uma certa originalidade, ou enfrentar a estranheza de ler/ver jornalismosob as muitas formas e composições que a banda desenhada permite,acompanhar a produção de banda desenhada contemporânea que se cruzacom os territórios da reportagem jornalística permite olhar para a repor-tagem de um modo mais amplo, regressando às suas origens e procuran-do a essência deste género jornalístico longe de fórmulas rígidas. O olharatento à natureza humana que Josh Neufeld assume em  A.D.: New Orleans After the Deluge, sobre a passagem do furacão Katrina por New Orleans, aficção baseada em factos reais de Jean Philippe Stassen sobre o banditismoe a pobreza, em Crianças, o registo próximo de um diário de viagem queRicardo Cabral utiliza em I srael Sketcbook ou o ângulo descontraído, quasea tocar a abordagem televisiva de certas reportagens de entretenimento,que Christophe Blain adota em  En Cuisine Avec Alain Passard , confirmam

a pluralidade temática e de registo. Ler estes e outros livros pode deixar noar a dúvida sobre se o trabalho foi feito com o rigor necessário e o cumpri-mento acertado da deontologia que se espera. Por outro lado, ler a impren-sa diária também pode suscitar essa dúvida. Nivelar tudo pelo patamarmais raso não será a solução, nem ignorar que o jornalismo é uma profis-são que deve ser exercida por profissionais e, sobretudo, por profissionaisque obedeçam a uma deontologia e a um conjunto de regras sem as quais

 já não podemos falar de jornalismo. Mas repensar as fronteiras daquiloque entendemos por reportagem, recuando à sua genealogia e procurandoperceber modos e gestos plurais por entre as suas possibilidades, tem opotencial de questionar as formas possíveis de ler o mundo. Se isso nãofor um desafio, e ao mesmo tempo uma responsabilidade, que outra coisapoderá ser?

M e i o s C r u z a d o s : R e p o r t a g e m e B a n d a D e s e n h a d a M e i o s C r u z a d o s : R e p o r t a g e m e B a n d a D e s e n h a d a

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O trabalhador de um cartório ea sua coleção de registos estão no cen-tro da narrativa de Todos os Nomes, oromance que José Saramago publicouem 1997. Para a capa da edição alemã,Alle Namen (Rowohlt), o designer Wal-

ter Hellmann utilizou a fotografia deum arquivo de madeira, com pequenasgavetas e um espaço para a identifica-ção do seu conteúdo, numa alusão di-reta à função arquivística que um car-tório também tem. segundo explicou àBlimunda, “a imagem foi o resultado devárias horas de procura em arquivosfotográficos, mas a decisão final só sealcançou após uma escolha feita pelaeditora e pelos responsáveis do marketing, que sedecidiram por esta versão entre as seis que lhesapresentei”.A disposição dos elementos tipográficos que com-põem o título e o autor oferece uma espécie de ilu-são de ótica, proporcionada pela inclinação daslinhas do arquivo cuja imagem estrutura a capae pelo acompanhar dessa inclinação. No entanto,as palavras estão perfeitamente alinhadas com oretângulo que define a área da capa, instalando ainquietação antes mesmo de se iniciar a leitura deum romance que suscita, ele próprio, essa sensa-ção. sobre a escolha das fontes e a sua disposição,Hellmann diz o seguinte: “A minha ideia originalpara a tipografia desta capa era alcançar aque-le aspeto old fashion, mas com um toque de mo-dernidade. As fontes foram, por isso, escolhidasde modo intuitivo, seguindo o instinto do gosto eprocurando a harmonia entre os diferentes tiposusados, Bertold City para o nome do autor e da

editora, Walbaum Bold em itáli-co para o título.” Neste processonão houve grande interferênciado editor, que apenas pediu queo nome do autor tivesse um des-taque percetível. Mas importa

devolver a palavra a Hellmannpara se perceber a mudançaoperada nos últimos anos re-lativamente ao modo como aseditoras se relacionam com otrabalho dos designers: “Como

 já expliquei, a escolha da foto-grafia e das fontes, bem como da‘arrumação’ dos elementos dacapa, foi o resultado das minhas

propostas. A editora só recomendou que a capanão fosse demasiado ‘intelectual’ ou ‘narrativa’.Nessa altura, em 1999, a Rowohlt Publishers nãotinha um logótipo fixo que tivesse de ser colocadoem algum lugar definido da capa e também nãohavia uma regra que definisse o aspeto e a linhagráfica das capas para uma determinada tempo-rada. Entretanto, o tempo passou e quase todas aseditoras têm regras específicas sobre o design dasua empresa e sobre as suas expectativas relativa-mente ao marketing e às vendas. Não estou certode que essas regras ajudem realmente a uma me-lhor colocação dos livros nas livrarias ou às suasvendas. Na minha opinião, estas regras tão aper-tadas de muitas editoras e dos seus responsáveisde marketing acabam por ser mais o resultado deum desejo ilusório do que baseadas em factos.”Seria, talvez, a altura certa para voltar a dar a pa-lavra aos designers com mais frequência? Fica aproposta de reflexão.

de r e la nc e

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Em janeiro, apareceram dois gatos por aqui. Gatuno, de “O Livro dos Quintais”, e o Gato Letrado,uma coleção sobre promoção da leitura da editora brasileira Pulo do Gato. Mero acaso, nestereinício, a que rapidamente passa o cheiro a novo quando os dias se começam a repetir e o tempo apassar. Por isso oferecemos leituras sobre possibilidades, e possibilidades de fazer melhores leitores,esperar e ter esperança. Porque o tempo do futuro não se faz sem passado, abrimos com um poemade Manuel António Pina que está num livro para adultos, mas também é possível que seja paracrianças. Para alimentar o acaso, sobre Gatos.

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(QUASE) TUDO É,AINDA, POSSÍVEL

 And reia Brite s Fotografias d e Lu ísa Fer rei ra

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U  MA P  ROSA SOBRE OS M  EUS G ATOS

Perguntaram-me um dia destesao telefonepor que não escreviapoesia (ao menos um poema)sobre os meus gatos;mas quem se interessariapelos meus gatos,cuja única evidênciaé serem meus (digamos assim)e serem gatos(coisa vasta, mas que acontece

a todos os da sua espécie)? Este poderia(talvez) ser um tema(talvez até um tema nobre),mas um tema não chega para um poemanem sequer para um poema sobre;porque é o poema o tema,forma apenas.Depois, os meus gatosescapam de mais à poesia,ou de menos, o que vai dar ao mesmo,são muito longe

ou muito perto,e o poema precisa do tempo certode onde possa, como o gato, dar o salto;o poema que fizesse faria deles gatos abstractos,literários, gatos-palavras,desprezível comércio de que não me orgulharia(embora a eles tanto lhes desse). Por fim, não existem «os meus gatos»,existem uns tantos gatos-gatos,um gato, outro gato, outro gato,

que por um expediente singular (que, aliás, também absolutamente lhes

desinteressa)me é dado nomear e adjectivar,isto é, ocultar,tendo assim uns gatos em m inha casae outros na minha cabeça.Ora só os da cabeça alcançaria(se alcançasse) o duvidoso processo da poesia. Fiquei-me por isso por uma prosa,E mesmo assim excessivamente corrida e judiciosa.

Manuel António Pina, In Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança, Assírio e Alvim, 1999, pp. 48, 49As fotografias da Luísa Ferreira foram publicadas em Manuel António Pina, o refúgio da Poesia, revista LER n.º 68, em 2006 

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A coleção Gato Letrado é uma fonte pri-vilegiada onde os mediadores podem ir beber. O

curriculum dos escritores ajuda, mas o aspeto maisrelevante desta coleção da editora brasileira Pulo doGato é que os seus textos não são instrutivos, algunsserão até pouco óbvios para quem procura estraté-gias para aplicar no terreno.

Ainda bem. O mediador, especialmente o profis-sional, mas não só, tem de se afastar do seu universoe ler, o que se aplica tão seriamente ao texto literáriocomo à teoria sobre leitura, promoção, educação, li-teratura. Não o fazendo, corre um risco muito sériode se deixar instrumentalizar por estratégias e ferra-mentas restritivas, que limitarão o mundo dos seusleitores.

Dar a ler requer uma prática continuada de lei-tura crítica, pensante. É isso que os seis livros que jáforam editados oferecem.

Lançados coletivamente em 2012, contam comnomes maiores da promoção da leitura: duas co-lombianas, Sílvia Castrillon e Yolanda Reyes, duas

argentinas, Maria Teresa Andruetto e Cecília Ba-jour, um mexicano, Daniel Goldin e uma brasileira,Marina Colassanti compõem o catálogo que se faz,essencialmente, de comunicações apresentadas emCongressos, Encontros e Feiras do Livro. Cada livroé prefaciado por um autor brasileiro de qualidade,como Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos deQueirós ou a própria Marina Colassanti. É uma for-ma de fazer chegar ao Brasil um conjunto de vozesessenciais, e dar início a um compromisso da edito-ra: fazer livros para crianças e jovens leitores e livrospara formadores de crianças e jovens leitores.

Há sempre uma espécie de magia numa história bem contada. Marina Colassanti, para além de o sa-

 ber dizer, também o sabe escrever, como comprova asua vasta e premiada obra. Quando a história é bio-gráfica e narrada com aquele efeito de sinceridade, aemoção do leitor é quase certa. A juntar a tudo isto,a curiosidade de saber como se chega a um determi-nado lugar. A história que Colassanti partilha é a dasua construção leitora, juntando aos livros que leu,as metáforas e os símbolos que pretendem significaros seus efeitos e que traduzem, para além disso, asubjetividade e singularidade da própria literatura.Depois de Como se fizesse um cavalo, discorrer sobremecanismos e artificialidades do mercado traça umparalelo perfeito entre o bom e o mau.

Também o editor Daniel Goldin começa, noensaio “Os Dias e os Livros”, que dá nome ao li-vro, por narrar a sua experiência de construçãoleitora: dos tempos em que o distante pai lia emvoz alta para os filhos à conceção da leitura comopassaporte para o conhecimento e o prestígio so-

cial. Da infância à idade adulta, Goldin expõe osvários estádios por que passou, os preconceitosque alimentou e que se viu forçado a abandonar.O caminho das emoções e da aceitação da ficçãocomo realidade fez-se desacreditando e soman-do novos parceiros de partilha, até chegar a umaconclusão surpreendente: as viagens que os li-vros nos proporcionam ultrapassam sempre asviagens reais. “Viajei para a Europa por ter lidoNietzsche, Cortázar, Breton. Ao chegar a Paris,a cidade já me parecia conhecida. Havia chega-do antes com os livros. Mas nunca se cumpriu o

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COLEÇÃO GATO LETRADOEm defesa do leitor

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que eu esperava ao lê-los. De fato, poucas vezesas promessas foram cumpridas, as portas fo-

ram transpostas ou o cofre me permitiu chegarao verdadeiro tesouro. E, ainda assim, quando oconsegui, a completude foi efêmera. A dimensãoque os livros iluminam é a da incompletude e dapromessa de acalmá-la. A armadilha que nos co-locam é que só se pode chegar com sua própriamatéria, a linguagem.”

Grande parte da obra é dedicada à formação deleitores, questionando as supostas relações de cau-sa-efeito entre leitor e livro, entre escola e leitor, entreleitor e família.

Sobre a mediação entre pais e filhos, em “A Pa-ternidade e os Livros: divagações sobre a hospitali-dade da leitura”, Goldin reitera a impossibilidade deuma identificação perfeita entre os mediadores paise os leitores filhos, que leem o mesmo texto mas queo sentem de formas diferentes, que se tocam, masnunca se abraçam. A voz do adulto chega a funcio-nar como duplo, porque é a voz de alguém queridopela criança e ao mesmo tempo a voz da história, nãose distinguindo em grau de importância.

 A construção do leitor é sempre distinta, nãoapenas em relação aos outros leitores, com memó-rias diferentes, relações sociais e afetivas várias, mastambém em relação a si próprio, no tempo. Por isso,o editor destaca uma dimensão histórica, temporal,na formação de leitores, e diagnostica a necessidadede se encontrarem, simultaneamente, elementos decontinuidade, ao longo da tradição escrita e oral queterá tido e continuará a ter efeito na construção iden-titária das crianças. “Para pensar na formação de

leitores como processo não falta somente definir atrama de continuidades entre os campos biológicos

e culturais, psíquicos e sociais. É preciso tambémdescobrir recortes em que, superficialmente, vemoscontinuidades.”

No livro Por uma Literatura sem Adjeti-vos, a escritora Maria Teresa Andruetto debruça--se sobre questões relacionadas com a literaturadita infantil e juvenil, a escrita, o mercado edito-rial, a escola, o cânone. A sua experiência conferea cada uma das comunicações (proferidas em se-minários, feiras do livro e encontros de especialis-tas) uma subjetividade enriquecedora, que ultra-passa o mero sentido impressivo e serve de basea todas as suas reflexões teóricas e diálogos comoutros pensadores, filósofos e escritores.

No ensaio “Algumas questões em torno do câ-none”, a autora (que foi distinguida com o Prémio

Hans Christian Andersen, em 2012) traça umaanálise muito acurada sobre o sentido do cânone.Se o entende como uma resistência ao mercadodos livros efémeros e sem qualidade, recusa ter-minantemente o seu valor absoluto consideran-do-o falacioso, limitativo da experiência leitora decada um, e perigoso, já que funciona como contro-lo social.

“Não se trata exatamente dos melhores livros,mas daqueles que nos disparam uma flecha que,como o amor, como o amado, não atinge todosigualmente. Não entesouramos o livro mais bemescrito, mas aquele que, possuidor de um punc-

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tum que o aloja em nossa memória, continua nosquestionando acerca de nós mesmos.”

Parte da ideia dinâmica de que para haver câ-none é necessário que existam livros fora dele e deque essa dialética não é estática, alterando-se emfunção do tempo, dos agentes mediadores, e des-sa, por vezes terrível, ação do mercado.

Para o explicitar, partilha a experiência sobreo seu contributo para a construção de um campus

literário, na Argentina pós ditadura e os inevitá-veis erros de juízo que cometeu.

“O que, a nosso ver, era então recomendável e,quase sem exceção, o que perdurou dos anos 1980até nossos dias, nós o canonizamos (refiro-me aoconjunto de instituições, publicações, congressose editoras que surgiram naquela época) em nos-sos cursos, seminários, campanhas de leitura, re-vistas, reconhecimentos públicos e resenhas. (…)muitas vezes, não soubemos distinguir – entreos inúmeros livros editados que chegaram maistarde – os que podiam nos revelar algo sobre nósmesmos de outros que eram puro papel inútil, le-tra impressa incapaz de dizer qualquer coisa.”

Chama ainda a atenção para o destaque que aseditoras dão aos autores e as formas como os ven-dem, como produto de marketing, aos principaisagentes compradores: as escolas, e como esse fe-

nómeno desvia a leitura do livro para o substituirpor figuras que o representam, é certo, mas queem última análise podem não levar à leitura.

Importante, e tese recorrente ao longo dos dozeensaios, é que a literatura infanti l não deve ser pen-sada em função do destinatário e apenas como li-teratura. Assim deve ser o ofício do escritor: umabusca da sua voz, da sua unicidade, e não um pre-enchimento de espaços dentro do que se pressupõecorreto. A literatura, toda ela, deve ser singular,sem obedecer a adjetivos que a cataloguem e limi-tem. Sobre a receção, haverá boas surpresas.

Também Cecilia Bajour reflete sobre aquestão do cânone, do ponto de vista da sua cons-trução. Como se tecem relações entre o tradicionale o contemporâneo, como se ultrapassam fron-teiras geográficas ou ainda, como pode cada me-diador conceber um cânone que materialize umaideia individual de literatura infantil e de culturada infância.

Também a promoção da leitura em contextoescolar merece a sua atenção crítica e uma pro-posta de recolocar as atividades de leitura livre,pensadas para formar leitores pensantes, ao ser-viço da própria aprendizagem da leitura.

Ao contrário de Andruetto, esta crítica lite-rária e mediadora tem um estilo discursivo maisprático, recorrendo menos a argumentações deâmbito filosófico e mais a exemplos de experiên-cias ou situações vivenciadas em contexto de pro-moção da leitura.

“Ouvir nas Entrelinhas, o valor da escuta naspráticas de leitura”, ensaio inaugural do livro como mesmo nome, é um bom exemplo. Aqui, CecíliaBajour defende a partilha social da leitura, a suainterpretação coletiva como arma para o alarga-mento da própria leitura. Para o mediador, a res-

ponsabilidade é grande: em primeiro lugar, obri-ga a uma seleção de leituras acutilantes, depois auma capacidade para despoletar juízos, silêncios,dúvidas, emoções, prazer e rejeição, sem nuncaceder à tentação de fechar sentidos apenas porquetal lhe parece apaziguador, finalmente a saber lernos leitores os seus sinais. “Além de aprender aescutar os silêncios dos textos e colocá-los em jogonas experiências de leitura, os mediadores podemaguçar o ouvido aos modos particulares que osleitores têm de se expressar e de fazer hipótesessobre seus achados artísticos.”

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literatura (e não exclusivamente sobre lite-ratura infantil e juvenil) e um olhar críticosobre a história e o presente dos seus paí-ses, fá-los defender alguns pontos essen-ciais para a leitura e a formação leitora:a literatura é uma fonte de subjetividadecriativa, um ato singular, e a leitura dialo-ga com o texto na mesma medida; a escola

não pode instrumentalizar a leitura e a es-crita em função de relações de causa-efeitolimitadas a meras estruturas sintáticas emorfológicas ou a uma tradição literáriasimplificada e redutora, mal concebida pormanuais e dicionários escolares. Partilharleituras, ler em voz alta, falar sobre o quese lê, escrever para alimentar a imaginaçãoe, numa estreita ligação, conhecermo-nos,conhecermos o mundo e alcançarmos essamagia dinâmica do devir da literatura.

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 Silvia CastrillonO Direito de Ler e de Escrever 

Marina ColassantiComo se fizesse um cavalo 

Daniel GoldinOs Dias e os Livros – Divagações sobrea Hospitalidade da Leitura 

Cecília BajourOuvir nas Entrelinhas – O Valor da Escutanas Práticas de Leitura 

Yolanda ReyesLer e Brincar, Tecer e Cantar – Literatura,Escrita e Educação 

Maria Teresa AndruettoPor uma Literatura sem Adjetivos 

Quer o livro de Silvia Castrillon quer oassinado por Yolanda Reyes dialogam e comple-mentam a linha de pensamento de Cecília Bajour.

A defesa política da leitura pública e das bi-bliotecas, assim como a da formação de bibliote-cários, é um dos temas centrais de O Direito a Ler

e a Escrever.  Especialista na área da promoçãoda leitura (atualmente preside à Associação Co-lombiana de Leitura e Escrita), Sílvia Castrillonaponta ainda o dedo ao ensino, aos preconceitos emetodologias instaladas, pugnando, por exemplo,pela revalorização da escrita, apagada pela leitu-ra, que, ainda assim, não floresce tanto ou tão bemcomo poderia.

Neste sentido caminha também YolandaReyes, ao centrar os seus quatro ensaios noprocesso de escrita e no ensino. A promotorade leitura, fundadora e diretora do InstitutoEspantapájaros, aponta o dedo à frágil relaçãoentre a produção textual das crianças, dema-siado dependente das estruturas linguísticas,e a leitura, especialmente a literária. Critica aobjetivação escolar da literatura, a assunção deum sentido único e correto para a interpretaçãoe apela à recuperação de uma ideia subjetiva,

construtiva, singular, da própria linguagem ar-tística. No ensaio “Ler e brincar, tecer e cantar:apontamentos a partir de oficina de criação li-terária”, a mediadora apresenta os vários mo-mentos que desenvolveu numa oficina de cria-ção literária: primeiro, ajudar os participantesa encontrarem a sua própria matéria de escrita,depois dispô-la e contextualizá-la, finalmente,dotá-la de um sentido literário. Não será ale-atória a proximidade entre os momentos queReyes destaca e os grandes eixos retóricos dacomposição literária. Todavia, o que a autora

pretende destacar é sobretudo a necessidade deajudar cada um a encontrar-se e a dificuldadeque o potencial escritor, adulto ou criança, temem levar para o texto a sua formação literáriae uma capacidade de brincar, de imaginar, dese permitir sentir fora dos grilhões próprios dosistema linguístico. Falta, no ensino, esta am-plitude: “(...) temos de pedir à escola (...) tudo o

que se negou a tantos escritores durante tantasgerações de analfabetismo funcional. Se essaferramenta que é a língua e se essa “educaçãosentimental” que se nutre da herança literária –da herança simbólica de nossa espécie humana– se fomentasse em nossas escolas desde a maistenra infância, estou certa de que teríamos maispossibilidade para explorar a própria possibili-dade nas oficinas de escrita.”

A sua mensagem fica muito clara no capítu-lo seguinte, “Escrever para os Jovens na Colôm-

 bia”, quando explicita a urgência de escreversobre um quotidiano cruel e violento e deixatestemunhos e situações reais que impressio-nam quem os lê. “(...) talvez, ao oferecer o queler, possamos dar a cada criança, para que cadaum monte – sabe-se lá de que textos cada umnecessita – uma caixa de ferramentas que a aju-de na tarefa de inventar a sua própria vida, en-

tre o dado e o possível. (E, quem sabe, com algode impossível, com algo de utopia.)”

Uma leitura comparativa dos livrosque integram a coleção permite ao leitor encon-trar muitos pontos de consenso, e nenhum (pelomenos relevante) de discórdia. A proximidadedestes mediadores, escritores, editores, com opúblico, um vasto conhecimento teórico sobre

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É   sabido que os adultos se recordamdos seus tempos de infância como tempos maislentos, em que as férias eram imensas, e qualquerbom momento parecia durar para sempre. Tudoera medido pelo prazer, e tudo se fazia para oalcançar e manter. O maior pesadelo: parar paratomar banho, jantar, dormir. Na infância não sealimentam impossibilidades, porque tudo é possívele a realidade e o sonho caminham muito juntos.

Nos livros da editora portuguesa PlanetaTangerina, o tempo marca uma forte presença. Éagente e às vezes até protagonista da ação. Diacronia,mas também sincronia são os eixos principais daabordagem que traz para o álbum infantil umaperspetiva que aproxima adultos e crianças: a deque o tempo é um mundo de possibilidades.

O Livro dos Quintais, que integra a trilogia HistóriasParalelas, narra o quotidiano de um quarteirão,visto pelos quintais contíguos, ao longo dos dozemeses do ano. A duas vozes, relatam-se episódios da

vida dos seus habitantes, e a rotina do gato Gatuno.Diacronia e sincronia estão entrelaçadas, nãoapenas pelas duas narrativas, como pela relação desimultaneidade que se estabelece entre as ações dosmoradores daqueles quintais.

De forma mais ou menos explícita, muito doque acontece é condicionado pela época do ano:as flores do Sr. Catarino e a horta da D. Otília, asbrincadeiras das crianças, as roupas estendidas, aslimpezas grandes, a sardinhada, os dias de piscina,as pequenas obras de manutenção, as decoraçõesde Natal… Também Gatuno tem os seus rituais:apanhar sol nos meses frios e escolher uma boa

sombra nos meses quentes. E das rotinas nascemmudanças, que o texto assinala enriquecendo

o passar do tempo com uma vizinha nova queintroduz as meninas Lopes na arte do yoga, umrepuxo no jardim do Sr. Inácio, uma bicicleta comdois lugares… São novas possibilidades, novascontinuidades e, a fechar, uma surpresa. Elege-seo aparentemente insignificante para dar sentidoà vida e substituem-se os grandes feitos pelospequenos nadas que, como as brincadeiras dascrianças, constroem a nossa biografia, a nossahistória, a nossa felicidade.

O mesmo acontece em  Praia Mar,  o segundoálbum sem texto que Bernardo Carvalho dedicaà praia e que acompanha os banhistas, enquantoa maré enche. Três planos gerais apresentam oespaço e as suas alterações, funcionando comoenquadramento e dando a conhecer o estádio emque a praia se encontra. Ali estão as personagens,que depois serão seguidas, mais de perto, em planos

médios ou grandes planos. Há quem chegue, quemestenda toalhas, quem procure bivalves escondidosna areia molhada, e depois na areia coberta de mar;outros trepam às rochas que servirão de pranchade mergulho quando a maré subir. Chapinha-se naspoças e espera-se, para ver a onda chegar e molharo corpo. Depois nada-se, observam-se peixes, lê-secom os pés dentro de água.

Nesse tempo, inúmeras hipóteses se oferecem,repetindo gestos ou experimentando outros. Maisuma vez o tema liga o leitor ao quotidiano de umaexperiência comum e recoloca-o no epicentro detodas as sensações, as que já viveu e as que apenas

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4 ÁLBUNS DOS PLANETA TANGERINAO Tempo como Possibilidade

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imagina, como possibilidade. A simultaneidade decomportamentos na praia e a mudança que se vaioperando servem, uma vez mais, como expansãoda relação entre a experiência individual vivida e oinfinito de vidas que um livro também abre, apenasno seu tempo de leitura.

Um Livro Para Todos os Dias será o mais emble-mático no que concerne às possibilidades no tem-po. Um conjunto de oposições sucede-se a partir deexpressões linguísticas comuns no discurso quoti-diano sobre o valor dos dias. Esta medida de tempo,

sempre igual, abarca todo o tipo de emoções, em re-sultado de todo o tipo de acontecimentos ou vonta-des, das mais banais e exequíveis, às mais existen-ciais, éticas, políticas, nivelando-as por igual. “Hádias em que precisamos de um café. E dias em queprecisamos de um abraço.” Também as ilustraçõesoperam um diálogo desviante com o texto, litera-lizando sentidos figurados e, inversamente, aden-sando semanticamente meras denotações. Assimse apagam as fronteiras sobre os limites da ação decada um e se alargam, até como desafio, as possibi-lidades sobre os dias. O próprio título assim o su-gere.

 Já O Mundo Num Segundo  explora a ideia desincronia. Respondendo ao mote ‘O que podeacontecer, em simultâneo, num segundo?’, IsabelMinhós Martins volta ao recurso enumerativopara enunciar, com a contenção que lhe era maiscaracterística nos primeiros livros, diversassituações que acontecem ao mesmo tempo, numsegundo, nos dois hemisférios do globo. Mais umavez, a diversidade de situações não se esgota, enão é essa claramente a intenção do álbum. Pelocontrário, o que cada momento propõe é umasituação amplamente diferente da anterior, jogandocom a geografia e a dimensão do acontecimento:um vulcão que entra em erupção e uma laranjaque cai têm o mesmo peso, mesmo que no primeirocaso tudo esteja a começar e no segundo a açãoesteja concluída, sem danos colaterais (pelo quenos é dado ler no texto e nas imagens).

Ao negar a continuidade, cada quadroapresenta-se suspenso: o leitor não saberá se a

 bola vai partir o vidro, se o ladrão chega a sua casa,ou se a mulher que fecha os olhos para dormirdormirá, ou até morrerá. Um segundo mostra-seimenso, impossível de reter porque acontece aomesmo tempo em milhões de lugares, a biliões depessoas, em espaços sem ninguém… Se é, por umlado, inapreensível na sua totalidade, é igualmenteínfimo, diminuto, incompleto. A sincronia dosegundo transforma a curiosidade pelo outro

numa curiosidade maior, que reclama duração.Assim é, em suma, a tensão permanente com

o tempo. Na sua abstração e na sua infinitude, otempo condiciona-nos, quer por nos limitar, querpor nos abrir possibilidades que nunca vamosconseguir alcançar. Sem almejar a dissertaçõesfilosóficas, estes livros têm em comum, para alémde uma noção rigorosa sobre o conceito, umaintenção que subjaz a grande parte da obra daeditora: a eleição do insignificante, do irrisório,do ordinário como epicentro de ação, sensação ouemoção. Reaproximar o leitor do seu quotidiano,valorizá-lo, permite reler o mundo a partir damemória e da biografia de cada um, e transformaa ideia de tempo enquanto entidade exterior eintangível numa ideia de possibilidade subjetiva. Otempo, como os dias, somos nós que o fazemos, aocontarmos a sua e nossa história.

O Livro dos Quintais Isabel Minhós Martins, Bernardo Carvalho,Planeta Tangerina, 2010Praia Mar Bernardo Carvalho, Planeta Tangerina, 2011Um Livro Para Todos os Dias Isabel Minhós Martins, Bernardo Carvalho,Planeta Tangerina, 2004 (1a edição), 2012(4a edição revista)O Mundo num Segundo Isabel Minhós Martins, Bernardo Carvalho,Planeta Tangerina, 2008

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Esperar e teresperançaDAVIDE CALI É UM ESCRITOR PROFÍCUOe versátil. Tem o dom da economia discursiva,da contenção e da suspensão. Domina a retóricada repetição enunciativa, da anáfora à estruturanarrativa e cria, com a mesma aparente leveza,situações de comédia e de drama. Os seus livros

denotam uma observação detalhada do compor-tamento humano, seja ele individual ou coletivo.O universo do quotidiano convive com o da fábu-la, tão bem como os adultos protagonistas convi-vem com as crianças, ou os animais, ou os obje-tos protagonistas. Do insignificante aos grandestemas existenciais, tudo pode ser matéria para aescrita do autor suíço.

 Arturo  tem tudo isso, e ainda um efeito emo-cional impossível de ignorar. Não é arrebatador,como Eu Espero, mas obedece ao mesmo princípioirónico da contingência da vida. Ora tudo se repe-te, ora tudo se altera.

Arturo sofre com o desaparecimento de umente querido. Onde pode estar? No álbum suce-dem-se as hipóteses de busca, e a frustração doprotagonista, por nunca ter sucesso. Não fora umálbum, isto é, não tivesse a imagem, e nunca sa-beríamos quem é Arturo. Suspeitaríamos de que

seria uma pessoa, incansavelmente à procura deoutra. Pelo monólogo, identificam-se as marcas:“Pensei perguntar à senhora onde compras sem-pre o pão se ela te tinha visto. Não tinha.”, ou maisà frente “Estou muito preocupado.”

Pela capa e pelas fotografias que preenchem atotalidade das páginas da direita, sabemos aindasem ler que Arturo é um cão. E a leitura do textofica imediatamente condicionada por esta alte-ração do que se considera ser a realidade. O jogonasce da inversão de papéis: é o cão quem procura

o dono, recorrendo a todas as estratégiascomuns a quem tenta encontrar um animal per-dido.

As fotografias a cores de Ninamasina colocamum pequeno cão de lã, com olhos castanhos defeltro em todos os ambientes de que o texto fala:o parque, a montra da pastelaria, a mesa do café,a janela de casa. Assim se reforça a desconstru-ção das fronteiras entre a realidade e o imagináriopela identificação da experiência vivida. O bonecoganha a doçura e a tristeza no olhar assustado, e a

afabilidade do pelo, reconfortante ao toque. Ape-sar da evidência, como acontece em tantas anima-ções, animiza-se a personagem, que ultrapassa afronteira da representação e confere ao álbum umpoder emocional surpreendente.

O cão repete as rotinas do dono, percorre osseus locais preferidos, regressa a casa. A cadanova ideia, uma esperança. A cada constatação,uma angústia maior. A descrição das buscas é in-tercalada com perguntas retóricas, que adensamo sentido dramático da situação. O livro acabasem um final feliz. Resta a espera, enquanto durara esperança.

 Arturo é o quinquagésimo livro de Davide Cali,e foi lançado no final de 2012, em edição original,pela portuguesa Bruaá.

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O último livrode Maurice SendakESTÁ QUASE A SAIR O ÚLTIMO LIVRO QUEMaurice Sendak escreveu e ilustrou antes de mor-rer.  My Brother’s Book  tem lançamento previstopara fevereiro e a sua editora, a americana HarperCollins, já permitirá a venda online a partir de dia2. No site da editora é possível ler a sinopse da obra,na qual Sendak presta homenagem ao irmão maisnovo, cruzando amargura com amor, numa com-posição poética que vai beber a William Blake e aShakespeare algumas referências. A faixa etária doleitor ideal sobe bastante, destinando-se a maioresde 13 anos. Para o confirmar, será preciso esperarmais alguns dias para ler o livro. Certo é que tam-

 bém o dramaturgo e argumentista Tony Kushner,numa crónica dedicada ao amigo, no final de 2012,no The Guardian, considera esta obra dura e espe-cialmente destinada aos adultos que cresceramcom os álbuns de Sendak. Cinquenta anos depoisde escrever Where the Wild Things Are, terá Sendakvoltado a criar uma obra de rutura? Acreditandonas palavras de Kushner, surpreendente será. E“inteiramente nova”...

Prémio ManuelAntónio PinaA FECHAR O ANO, A EDITORA PORTUGUESATcharan anunciou a criação do prémio ManuelAntónio Pina, de literatura infantil e juvenil. Opoeta desapareceu prematuramente em outubrode 2012, deixando uma das obras mais arrojadasno universo contemporâneo da literatura infantilportuguesa. Em homenagem à sua escrita, o pré-mio distinguirá o texto, independentemente dacomponente de ilustração que os livros a concur-so possam ter.Até ao fim de fevereiro, poderão concorrer ao pré-mio livros para crianças e jovens publicados em2012, de qualquer país de expressão portuguesa,através dos seus autores ou editoras. A possibi-lidade de poderem participar autores espanhóisestá ainda a ser analisada. O júri será compostopor três elementos, um em representação da edi-tora, o escritor português Álvaro Magalhães eoutro convidado. O primeiro prémio terá o valorde 1500€ e haverá ainda lugar a uma menção hon-rosa no valor de 500€. Por enquanto, Adélia Car-valho e Marta Madureira não contam com apoiosexteriores, pelo que canalizarão para o prémio osvalores sobre os direitos de autor do livro O Paísdas Pessoas de Pernas para o Ar , que Manuel Antó-

nio Pina lhes cedeu. Esta obra, a primeira de lite-ratura infantil que escreveu, em 1973, foi reedita-da pela Tcharan pouco depois da sua formação,em 2011, com ilustrações de Marta Madureira. Oanúncio dos vencedores já tem data e local: a feirado livro do Porto, que decorre habitualmente en-tre finais de maio e meados de junho.

http://www.tcharan.pt/

Salão do Livro Infantile Juvenil de MadridO SALÃO DO LIVRO INFANTIL E JUVENILde Madrid, o mais importante do género em Es-panha, abriu portas pela 36.ª vez, entre 13 de de-zembro e 5 de janeiro. Como tem vindo a ser um(bom) hábito, a programação privilegiou o contac-to do público e dos mediadores com o livro. Pas-seando por entre os expositores, detendo-se noespaço das bibliotecas ou recorrendo aos livreirospresentes, os visitantes podiam facilmente ler emanusear o livro impresso. Mas não só. Tambémebooks e aplicações várias foram disponibilizadasnum espaço de 250 m2, destacando-se a apresen-tação do novo tablet da Clan, pela RTVE.

O 10.º Encontro com Ilustradores Profissio-nais, que decorreu na Casa del Lector, também secentrou no livro digital, nos novos paradigmas decriação e promoção da leitura e dos autores. Deentre os diversos projetos digitais apresentados,constou o da editora portuguesa Pato Lógico, deAndré Letria, que prepara para o final de janeiroa Conferência “ABC da Edição Digital”.

Ao contrário do que poderá parecer aos maisdesatentos, o tema desta edição uniu na perfei-ção o digital ao impresso, por tudo o que a leitu-ra tem de sensorial.“A Que Sabe Este Livro?” foi

o mote para ateliers plásticos e de escrita, bemcomo para momentos de narração oral ou deapresentação de livros e conversas com escrito-res e ilustradores, abarcando literatura e divul-gação científica.

http://salondellibroinfantilyjuvenil.com/

Imaginaria, revistado virar do milénio IMAGINARIA  É UMA DAS REVISTAS DIGI-TAIS mais relevantes no universo da literaturainfantil e juvenil e da promoção da leitura. Existedesde 1999 e foi criada pelos argentinos RobertoSotelo e Eduardo Abel Gimenez, que continuam acumprir a periodicidade quinzenal da publicação.Várias vezes distinguida com prémios na Argen-tina, a revista conta com artigos de fundo que po-dem destacar temas da literatura infantojuvenil,reflexões teóricas sobre literatura, leitura e escrita,e ainda análise de obras de autores. Maria TeresaAndruetto e Cecília Bajour são dois dos nomes queassinam alguns destes artigos. Nesta secção,  Leitu-ras, podemos ainda encontrar entrevistas a algunsautores essenciais, como Anthony Browne, Ro-

 berto Innocenti ou Jutta Bauer. No site da revista,à direita sucede-se a lista de secções, onde constam

 biografias de escritores, recensões a livros, linkspara artigos e revistas desta área temática, notícias,e outros tópicos. Também se pode aceder aos 310números da revista e, mais recentemente, à sualivraria virtual, que visa dinamizar e viabilizar aprópria publicação, que se deparou com proble-mas financeiros durante o ano de 2011.

Para receber o boletim quinzenal da Imaginaria

no email, basta subscrevê-lo, na página própria dosite. Para além da atualidade, esta revista ofereceum património vastíssimo sobre a própria históriada leitura e da literatura para crianças e jovens novirar do milénio.

http://www.imaginaria.com.ar/

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SARAMAGUIANA

oaquim josébeni tesara

  mago

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O ano de 2012 terminou deforma triste para o Teatrocom a morte do fundador daCompanhia de Teatro de Al-mada, o criador do Festivalde Teatro daquela cidade, oencenador Joaquim Benite.A Blimunda relembra oamigo de José Saramago,levando-nos de volta a repre-

sentações de A Noite ou QueFarei com Este Livro? Parao futuro ficará a memóriade um “construtor de teatro”,de um construtor de vida.

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 p á g i n a s s e g u i n t e s 

Q u e F a r e i c o m E s t e L i v r o ?  , P a n f l e t o p a r a o s t r a b a l h a d o r e s

d o A r s e n a l d o A l f e i t e , 1 9 8 0

Q u e F a r e i c o m E s t e L i v r o ?  , C a n t o e C a s t r o , A n t ó n i o

A s s u n ç ã o e C a r l o s S a n t o s , G r u p o d e C a m p o l i d e ,

A c a d e m i a A l m a d e n s e , 1 9 8 0

Q u e F a r e i c o m e s t e l i v r o ? , C a n t o e C a s t r o e T e r e s a G a f e i r a ,

G r u p o d e T e a t r o d e C a m p o l i d e , A c a d e m i a A l m a d e n s e , 1 9 8 0

 p á g i n a a n t e r i o r 

M e m o r i a l d o C o n v e n t o  , C o m p a n h i a d e T e a t r o d e A l m a d a ,

T e a t r o d a T r i n d a d e / T e a t r o M u n i c i p a l d e A l m a d a , 1 9 9 9

Joaquim Benite

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Q u e F a r e i c o m E s t e L i v r o ?  , P r o g r a m a ( I n t e r i o r ) , G r u p o

d e T e a t r o d e C a m p o l i d e , A c a d e m i a A l m a d e n s e , 1 9 8 0

Q u e F a r e i c o m E s t e L i v r o ?  , P r o g r a m a ( C a p a ) , G r u p o

d e T e a t r o d e C a m p o l i d e , A c a d e m i a A l m a d e n s e , 1 9 8 0

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Joaquim Benite

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M e m o r i a l d o C o n v e n t o  , P r o g r a m a , C o m p a n h i a d e T e a t r o

d e A l m a d a , 1 9 9 9 , T e a t r o d a T r i n d a d e ,

T e a t r o M u n i c i p a l d e A l m a d a

 p á g i n a s s e g u i n t e s 

M e m o r i a l d o C o n v e n t o  , 1 9 9 9

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Joaquim Benite

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 Diretor 

Sérgio Machado Letria

 Edição e redação

Andreia Brites

Sara Figueiredo Costa

 Design e paginação

 Jorge Silva/Silvadesigners

Capa

Elisabete Gomes/Silvadesigners

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