BMS_Clube de leitura [A rapariga que roubava livros]

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1 A RAPARIGA QUE ROUBAVA LIVROS SOBRE O AUTOR Markus Zusak [1975- ] Nasceu em 1975, na Austrália. É filho de mãe alemã e pai austríaco, cujas memórias da Segunda Guerra inspiraram-no a escrever este livro. Este é o seu quinto romance e foi distinguido com vários importantes prémios e nomeações internacionais. Permaneceu 40 semanas no top dos livros mais vendidos do New York Times, tendo chegado ao 1.º lugar. Inicialmente classificado como juvenil, este livro tem conquistado leitores de todas as faixas etárias em perto de 30 países do mundo. SOBRE A OBRA Quando a morte nos conta uma história temos todo o interesse em escutá-la. Assumindo o papel de narradora nesta obra, vamos ao seu encontro na Alemanha, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, onde ela tem uma função muito ativa na recolha de almas vítimas do conflito. E é por esta altura que se cruza pela segunda vez com Liesel, uma menina de nove anos de idade, entregue para adoção, que já tinha passado pelos olhos da morte no funeral do seu pequeno irmão. Foi aí que Liesel roubou o seu primeiro livro, o primeiro de muitos pelos quais se apaixonará e que a ajudarão a superar as dificuldades da vida, dando um sentido à sua existência. Quando o roubou, ainda não sabia ler. Será com a ajuda do seu pai, um perfeito intérprete de acordeão, que passará a saber percorrer o caminho das letras, exorcizando fantasmas do passado. Ao longo dos anos Liesel continuará a dedicar-se à prática de roubar livros e a encontrar-se com a morte, que irá sempre utilizar um registo pouco sentimental, embora humano e poético, atraindo a atenção de quem a lê para cada frase, cada sentido, cada palavra. Um livro soberbo que prima pela originalidade e que nos devolve um outro olhar sobre os dias da guerra no coração da Alemanha e acima de tudo pelo amor à literatura. in http://www.wook.pt/ficha/a-rapariga-que-roubava-livros/a/id/201084 COMENTÁRIOS DO CLUBE Há obras que são, verdadeiramente, como os quadros impressionistas e que se vêem melhor, portanto, à distância e esta é uma delas. Também faz lembrar o slogan publicitário pessoano “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, desta feita aplicado não à Coca-Cola, mas a este recente romance australiano. E isto porque se inicialmente este testemunho ficcionado de uma sobrevivente da Segunda Guerra Mundial não parece primar pela qualidade literária, se as primeiras páginas não parecem seduzir logo o leitor com uma narradora inusitada e de

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A RAPARIGA QUE ROUBAVA LIVROS SOBRE O AUTOR • Markus Zusak [1975- ] Nasceu em 1975, na Austrália. É filho de mãe alemã e pai austríaco, cujas memórias da Segunda Guerra inspiraram-no a escrever este livro. Este é o seu quinto romance e foi distinguido com vários importantes prémios e nomeações internacionais. Permaneceu 40 semanas no top dos livros mais vendidos do New York Times, tendo chegado ao 1.º lugar. Inicialmente classificado como juvenil, este livro tem conquistado leitores de todas as faixas etárias em perto de 30 países do mundo. SOBRE A OBRA • Quando a morte nos conta uma história temos todo o interesse em escutá-la. Assumindo o papel de narradora nesta obra, vamos ao seu encontro na Alemanha, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, onde ela tem uma função muito ativa na recolha de almas vítimas do conflito. E é por esta altura que se cruza pela segunda vez com Liesel, uma menina de nove anos de idade, entregue para adoção, que já tinha passado pelos olhos da morte no funeral do seu pequeno irmão. Foi aí que Liesel roubou o seu primeiro livro, o primeiro de muitos pelos quais se apaixonará e que a ajudarão a superar as dificuldades da vida, dando um sentido à sua existência. Quando o roubou, ainda não sabia ler. Será com a ajuda do seu pai, um perfeito intérprete de acordeão, que passará a saber percorrer o caminho das letras, exorcizando fantasmas do passado. Ao longo dos anos Liesel continuará a dedicar-se à prática de roubar livros e a encontrar-se com a morte, que irá sempre utilizar um registo pouco sentimental, embora humano e poético, atraindo a atenção de quem a lê para cada frase, cada sentido, cada palavra. Um livro soberbo que prima pela originalidade e que nos devolve um outro olhar sobre os dias da guerra no coração da Alemanha e acima de tudo pelo amor à literatura.

in http://www.wook.pt/ficha/a-rapariga-que-roubava-livros/a/id/201084 COMENTÁRIOS DO CLUBE • Há obras que são, verdadeiramente, como os quadros impressionistas e que se vêem melhor, portanto, à distância e esta é uma delas. Também faz lembrar o slogan publicitário pessoano “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, desta feita aplicado não à Coca-Cola, mas a este recente romance australiano. E isto porque se inicialmente este testemunho ficcionado de uma sobrevivente da Segunda Guerra Mundial não parece primar pela qualidade literária, se as primeiras páginas não parecem seduzir logo o leitor com uma narradora inusitada e de

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quem os humanos mais fogem durante as suas vidas – a morte –, se até às primeiras 130 páginas o dia-a-dia da protagonista parece começar a tornar-se previsível, se a estratégia narrativa assenta recorrentemente no diálogo e ilustrações (e os adultos não estão habituados à imagem nos seus livros e desvalorizam-nas), se a má tradução, alguns erros ortográficos e, por vezes, uma sintaxe arrevesada poderiam fazer o leitor desistir da leitura integral deste texto, a perseverança mostrá-lo-á que se a tivesse abandonado não teria dado a si mesmo a oportunidade de viver uma experiência intensa, poética e longa como são todas as histórias que suspendem o tempo. Sobre um tema explorado já pela literatura e cinema, e fugindo à tentação dos romances históricos de assentarem em excessivos dados factuais, este livro assalta-nos e vence-nos com as relações de compreensão, afeto, partilha e cumplicidade entre Liesel, a protagonista ainda menina, e Hans (aliás, “o papá”), e entre ela e o seu amigo judeu Max, num contexto tão precário e forçosamente silencioso. Extraordinário também é o narrador conseguir compensar e tornar preferível para o leitor que a história não se desenrole com base no mistério ou suspense, mas sim na explicação do processo inerente a todos os acontecimentos da jovem judia. Aliás, a narradora refere mesmo que não lhe interessa o mistério e que este a enfastia, a sobrecarrega porque “são as maquinações que nos conduzem para lá [para ela, para a morte] que a irritam, confundem, interessam e surpreendem”. Deste modo, temos acesso também ao desenrolar do processo rigorosamente planeado e executado da propaganda e repressão nazis, através de mecanismos vários (Olimpíadas, Juventude Hitleriana, comemorações do aniversário de Führer, campo de concentração de Dachau, recrutamento de atletas e bons alunos para as classes de elite, mas também sinalização de casas judaicas com as estrelas de David, racionamento, etc.). Profundamente humana, esta obra de fundo trágico reveste-se de um lirismo muito natural porque ela é também a história de amor aos livros que Liesel vai roubando, recebendo e escrevendo. Com eles, a protagonista descobre o mundo, descobre-se a si mesma e ao poder das palavras que matam e salvam.

Sónia Pereira [coord.] EXCERTOS ESCOLHIDOS • [paginação de acordo com a 1.ª edição da Bertrand, de 2008] pp.96-97 | Até Liesel sente orgulho em fazer parte da Juventude Hitleriana, porque com a grande fogueira e todos a olharem para eles ela sente-se admirada. p.266 | A morte autojustifica-se por que demora em certos casos e atribui aos humanos a culpa. A morte, à superfície, é resoluta, imperturbável e por baixo nervosa, perturbada e destroçada. Diz que afirmam que a guerra é a melhor amiga da morte, mas a morte diz que a guerra é um chefe que quer sempre mais. p.278 | Max adoece e está bastante mal e sem acordar durante vários dias, e ela lê-lhe O Assobiador para ver se ele acorda.

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pp.333-335 | Marcha dos judeus para o campo de concentração de Dachau. É aqui que ninguém se mexe por vergonha ou medo e Hans dá comida a um idoso e é chicoteado. p.350 | A Gestapo quer Rudy, porque ele é bom aluno e atlético, e querem levá-lo para um grupo de elite de cidadãos alemães em nome de Hiltler. Na escola, ele e os amigos são revistos nus e a enfermeira diz que estão a conseguir gradualmente criar um novo futuro, uma nova classe de alemães, física e mentalmente avançados. p.358 | Marca de cumplicidade entre Hans e Liesel quando Rosa lança um balde de água fria a Hans, porque ele apanhara uma piela antes de ir para o exército alemão. p.362 | Liesel vai até à loja do pai de Rudy com este e “oferece-lhe” um fato que lá está. Chegam tarde a casa e ela diz que Rudy esteve a matar Hitler e isto deixou Rudy genuinamente feliz durante um momento suficientemente longo para ela ficar satisfeita. p.363 | Liesel vê a mãe a segurar o acordeão e percebe que está a presenciar um momento de rara beleza. p.377 | O texto do livro de esboços de Max: A sacudidora de palavras p.433 | Na marcha de Agosto de 1943 ela vê Max. É afastada de Max pelo soldado, mas volta outra vez e é chicoteada. À terceira vez é Rudy e Tommy que a conseguem tirar dali e ela bate em Rudy, sendo um excerto totalmente comovente. p.439 | Rouba um pequeno livro preto da casa de Ilsa e rasga as páginas do livro, porque diz que sem elas não haveria nada daquilo e Hitler não seria nada. pp.440-441 | Ilsa, ao dar-lhe o caderno, deu-lhe uma razão para ela escrever as suas próprias palavras, para ver que as palavras também a tinham feito viver. E escrever era isso. SUGESTÕES DIVERSAS • | Links úteis http://www.youtube.com/watch?v=m7B8ioiZz7M [entrevista com o autor] | Família de livros Há obras que pelos seus temas, personagens e ambientes conduzem o leitor a estabelecer relações entre elas. Estes diálogos intertextuais podem acontecer com textos mais ou menos afastados no tempo e no espaço e com géneros distintos. Acontece reconhecerem-se as obras matriarcas, as suas descendentes e, dentro destas, as verdadeiramente originais e as epigonais ou, numa linguagem comercial, as marcas brancas. Percursos possíveis a partir de A Rapariga que Roubava Livros: Obras História universal da destruição dos livros, de Fernando Baez A Oeste Nada de Novo, de Erich Maria Remarque

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Se isto é um homem, de Primo Levi Diário de Anne Frank Diário de Zlata, de Zlata Filipovic O mundo em que vivi, de Ilse Losa O rapaz do pijama às riscas, de John Boyne Poemas “Viver sempre também cansa” e “Devia-se morrer de outra maneira”, de José Gomes Ferreira “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”, de Jorge de Sena “Porque”, de Sophia de Mello Breyner Andresen