BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 775 · COLUNISTA DO DIA 06/01/2017 ... configurar, no dizer...
Transcript of BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 775 · COLUNISTA DO DIA 06/01/2017 ... configurar, no dizer...
0
BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 775
(Ano IX)
(06/01/2017)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2017
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
5
1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
BoletimConteudoJurıdico
Publicação
diária
Circ
ulaç
ão: A
cess
o ab
erto
e g
ratu
ito
2
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
06/01/2017 Eduardo Luiz Santos Cabette
» WHATSAPP e investigação criminal: reserva de jurisdição e
entendimento do STJ
ARTIGOS
06/01/2017 Andre Vicentini Gazal » Autofinanciamento para o tráfico de drogas
06/01/2017 Dark Blacker de Andrade
» Análise crítica e dogmática dos princípios aplicáveis ao artigo 28 da Lei
11.343 de 2006
06/01/2017 Juliana Vieira Bernat de Souza
» As Agências Reguladoras no Brasil e a Regulamentação no Setor de
Saúde.
06/01/2017 Hevelise Silvana Santos da Silva
» Política pública brasileira: aplicação na assistência municipal
06/01/2017 Carolina Dias Martins da Rosa e Silva
» A constitucionalização do direito de família e seus reflexos nas relações
familiares
06/01/2017 Tauã Lima Verdan Rangel
» O Princípio da Função Social da Propriedade: Painel à luz da
Interpretação Jurisprudencial
5
3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
WHATSAPP E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: RESERVA DE JURISDIÇÃO E ENTENDIMENTO DO STJ
EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE: Delegado de
Polícia, Mestre em Direito Social, Pós ‐ graduado com
especialização em Direito Penal e Criminologia,
Professor de Direito Penal, Processo Penal,
Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal
Especial na graduação e na pós ‐ graduação da Unisal
e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos
Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
A chamada interpretação progressiva ocorre quando um dispositivo
de lei deve ser submetido a atualização por via interpretativa, sempre que
há uma alteração nas circunstâncias sociais e esse dispositivo permite uma
ampliação ou restrição de sentido.
Um exemplo prático dessa interpretação progressiva e ampla do
dispositivo encontra‐se na decisão do STJ no HC 51.531 – RO
(2014/0232367‐7), tendo como Relator o Ministro Nefi Cordeiro,
equiparando mensagens de texto e conversas via whatsapp a
comunicações telefônicas de qualquer natureza preconizadas pela Lei
9296/96 e exigentes de ordem judicial para acesso e transcrição, sob pena
de ilicitude probatória.
Assim se manifesta o Ministro:
“Nas conversas mantidas pelo
programa whatsapp, que é forma de
comunicação escrita, imediata, entre
interlocutores, tem‐se efetiva
interceptação inautorizada de
comunicações. É situação similar às
4
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
conversas mantidas por e‐mail, onde para
o acesso tem‐se igualmente exigido a
prévia ordem judicial. (...). Atualmente, o
celular deixou de ser apenas um
instrumento de conversação pela voz à
longa distância, permitindo, diante do
avanço tecnológico, o acesso de múltiplas
funções, incluindo, no caso, a verificação
da correspondência eletrônica, de
mensagens e de outros aplicativos que
possibilitam a comunicação por meio de
troca de dados de forma similar à telefonia
convencional”.
O “decisum” paradigmático em comento já gera frutos nos Tribunais
Estaduais:
“Direito Processual Penal. Prova.
Realização de interceptação de
comunicação telefônica, informática ou
telemática, ou quebra de segredo de
justiça sem autorização judicial. Teoria dos
frutos da árvore envenenada. 1. Declaro,
de ofício, a nulidade das provas obtidas
pelo aplicativo Watsapp por ausência de
autorização judicial (Precedente STJ – RHC
51.531 – RO, 6ª. Turma) 2. Impõe‐se a
rescisão do julgado quando este for
contrário à evidência dos autos,
desclassificando‐se para o artigo 28, da Lei
de Drogas, com remessa da ação penal ao
Juizado Criminal, prejudicado o exame das
demais teses. 3. Ação revisional julgada
parcialmente procedente” (TJGO – S. Crim
– Rev. Crim. 428199 – 19.2015.8.09.0000
– rel. Lilia Monica de Castro Borges Escher
– j. 21.09.2016 – public. 03.10.2016).
5
5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Seguindo o raciocínio pretoriano, Melo e Silva aduz:
“Nesses casos, o direito à privacidade
não pode ser mitigado em razão do
constante e crescente desenvolvimento
tecnológico que transformou os celulares
em verdadeiros microcomputadores, em
que é possível enviar mensagens de texto,
acessar a internet, verificar e enviar e –
mails e, o mais utilizado ultimamente,
enviar mensagens por meio de aplicativos
utilizando a internet, que funcionam como
verdadeiros e – mails vinculados a uma
conta telefônica.
Daí por que a inquestionável
disponibilização e o crescente uso desses
artefatos tecnológicos da sociedade já
demarcaram a mudança de paradigma no
mundo do armazenamento e da
comunicação de dados e informações. Por
isso, essa atual realidade está a exigir nova
perspectiva hermenêutica da legislação
que disciplina a garantia da privacidade. E
assim deve ser porque as garantias
fundamentais dadas aos cidadãos,
consagradas na Carta Magna de 1988,
devem, em função desse novo quadro da
tecnologia das comunicações, ser vistas
com o olhar do século XXI, para frente, em
uma visão prospectiva”. [1]
O mesmo autor lembra importante marco para reforçar esse
entendimento. Trata‐se da Lei 12.965/14 que assim prevê em seu artigo
7º, incisos I a III:
“Art. 7º. O acesso à internet é
essencial ao exercício da cidadania, e ao
6
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
usuário são assegurados os seguintes
direitos:
I‐inviolabilidade da intimidade e da
vida privada, sua proteção e indenização
pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação;
II‐inviolabilidade e sigilo do fluxo de
suas comunicações pela internet, salvo por
ordem judicial, na forma da lei;
III‐inviolabilidade e sigilo de suas
comunicações privadas, armazenadas,
salvo por ordem judicial”. [2]
Observe‐se que no caso do whatsapp e outros aplicativos similares,
inclusive as comunicações “armazenadas” e não somente aquelas em
“fluxo” são resguardadas por reserva de jurisdição, o que revela o acerto
da doutrina do das decisões jurisprudenciais expostas. Essa reserva,
portanto, emana tanto da Constituição Federal (artigo 5º., incisos X e XII)
como da legislação ordinária específica (artigo 7º, I, II e III da Lei
12.965/14).
Tenha‐se em mente que atualmente, por meio de um aparelho
celular, é viável acessar o conteúdo de conversas e comunicações em
geral, com potencial violador da intimidade ainda maior do que com o
mero acesso a conversas telefônicas que são breves e não deixam registro
escrito. O acesso a um celular pode dar conhecimento não somente de
comunicações verbais e escritas, mas até mesmo de dados bancários,
fotos, documentos, filmagens, mídias em geral. A situação chega a
configurar, no dizer de Melo e Silva, uma verdadeira “interceptação
previamente degravada” a que os órgãos investigativos têm acesso para
simples leitura. [3]
Citando o escólio de Knunik, pode‐se dizer o “novo paradigma
tecnológico” conduz a uma necessária “proteção ao direito probatório de
terceira geração”. Nesse passo, “e – mails ou conversas instantâneas
5
7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
através da internet não podem ser consideradas ‘cartas abertas’ nas mãos
da polícia”. [4]
Por outra banda o mesmo STJ, no RHC 75.800, julgado pela sua 5ª.
Turma, decidiu que se houver ordem de busca e apreensão do celular está
implícita a verificação do conteúdo de quaisquer mensagens, ligações,
textos, fotos, imagens etc. A ordem judicial de busca e apreensão, por
consequência lógica, permitiria o acesso aos dados. Este foi o argumento
do Ministro relator, Felix Fischer, ao afirmar que a ordem de busca “não
possui irregularidades e permite a coleta de mensagens”. Outro
argumento foi o de que a busca do celular seria inútil se não houvesse o
direito de acesso aos dados, já que o aparelho em si, “desprovido de
conteúdo”, não tem serventia “como prova criminal”. [5]
Efetivamente razão assiste ao STJ, pois que a ordem de busca e
apreensão de um celular somente pode ter por finalidade a pesquisa de
seu conteúdo. Afora isso, seria um ato despido de sentido. Seria o mesmo
que afirmar que a ordem de busca e apreensão de uma arma não tem
implícita em si a autorização para a realização de exames periciais no
armamento.
REFERÊNCIAS
KNUNIK, Danilo. Temas de Direito Penal, Criminologia e Processo Penal. A trilogia Olmstead – Katz - - Kyllo: o artigo 5º. da Constituição Federal do século XXI. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
MELO E SILVA, Philipe Benoni. A interceptação previamente degravada verificada a posteriori. Boletim IBCCrim. n. 289, p. 11 – 14, dez., 2016.
RODAS, Sérgio. Busca e apreensão de celular autoriza o acesso a dados de mensagens, diz STJ. Disponível em www.consultorjurídico.com.br , acesso em 23.12.2016.
NOTAS:
8
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[1] MELO E SILVA, Philipe Benoni. A interceptação previamente degravada verificada a posteriori. Boletim IBCCrim. n. 289, dez., 2016, p. 11 – 12.
[2] Op. Cit., p. 12.
[3] Op. Cit., p. 13.
[4] Op. Cit., p. 13. Cf. KNUNIK, Danilo. Temas de Direito Penal, Criminologia e Processo Penal. A trilogia Olmstead – Katz - - Kyllo: o artigo 5º. da Constituição Federal do século XXI. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 179.
[5] RODAS, Sérgio. Busca e apreensão de celular autoriza o acesso a dados de mensagens, diz STJ. Disponível em www.consultorjurídico.com.br , acesso em 23.12.2016.
5
9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
AUTOFINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS
ANDRE VICENTINI GAZAL: Defensor Público do Estado de São Paulo. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Direito Constitucional.
RESUMO: O presente estudo visa analisar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede do REsp nº 1.290.296, relação ao crime de autofinanciamento para o tráfico de drogas.
Palavras-chave: Tráfico de Drogas – Autofinanciamento.
INTRODUÇÃO
A aproximação com o tema em discussão ocorreu em um estudo para apresentação de uma Revisão Criminal sobre uma condenação por tráfico de drogas e autofinanciamento ao tráfico de drogas.
O presente trabalho analisará alguns aspectos do crime de autofinanciamento para o tráfico de drogas, a partir da decisão proferida no REsp nº 1.290.296- PR, apresentando a sua devida aplicação em um caso concreto.
1. BREVE ANÁLISE DO CRIME DE FINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS
Na vigência da Lei nº 6.368/76 o indivíduo que concorresse para o tráfico de drogas por meio de financiamento responderia pelo artigo 12 (atual artigo 33), aplicando a norma do concurso de pessoas do artigo 29 do Código Penal, agravando a pena pelo artigo 62, inciso I, do mesmo diploma legal.
Ocorre que na elaboração da Lei nº 11.343/06 foi inserido um tipo específico para o delito de financiamento ao tráfico de drogas.
10
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
“Em fiel observância a uma das recomendações da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de Viena (art. 3º, § 1º, V), incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto executivo nº 154/1991, o legislador da nova Lei de Drogas resolveu tipificar como crime autônomo a conduta daquele que financia ou custeia a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei nº 11.343/06. Portanto, aquele agente que antes era punido como mero partícipe do crime de tráfico de drogas passa a responder pelo tipo penal autônomo do art. 36 da Lei nº 11.346/06. Cria-se, portanto, mais uma exceção pluralista à teoria monista do concurso de agentes”.[1]
Assim, o legislador criou um tipo específico para a atividade de financiar ou custar o tráfico, afastando-se da regra geral.
O artigo 36 diz: “Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes
previsto nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta lei; Pena – reclusão, de 08 (oito) anos a 20 (vinte) anos, e
pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias multa”.
Os elementos do tipo são dois verbos distintos: Financiar: sustentar os gastos, custear, bancar; Custear: prover despesas e gastos.
Os verbos do tipo devem ser praticados com o objetivo da prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, e 34 da Lei de Drogas.
2. AUTOFINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS
A maior controvérsia surgida com a criação do delito autônomo de financiamento para o tráfico de drogas se refere à hipótese de autofinanciamento. Isso ocorre quando o mesmo agente, além de financiar o tráfico, acaba também praticando condutas típicas do próprio tráfico por ele financiado.
5
11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Exemplificando, um agente custeia a compra de determinada droga por um terceiro, mas ao mesmo tempo, concorre no transporte e armazenamento da droga para consumo.
Na questão acima exemplificada, surgiram três entendimentos doutrinários: 1- Responderia pelo crime de financiamento ao tráfico em concurso material com o delito de tráfico; 2- Responderia pelo crime de tráfico com a majorante prevista no artigo 40, inciso VII, da lei de Drogas; 3- Responderia apenas pelo crime de financiamento ou custeio ao tráfico.
A questão ainda é discutida pela doutrina, mas o Superior Tribunal de Justiça analisando um caso concreto, adotou o segundo entendimento no REsp 1.290.296-PR.
3. RECURSO ESPECIAL Nº 1.290.296- PR
No julgamento do REsp nº 1.290.296-PR o Superior Tribunal de Justiça, através do voto da Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura elucidou a questão:
’”De acordo com a doutrina especialista no assunto, denomina-se autofinanciamento a situação em que o agente atua ao mesmo tempo como financiador e como traficante de drogas. A matéria gera divergências, havendo manifestações no sentido de que haveria concurso material dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 36 da Lei nº 11.343⁄2006; de que o agente responderia pela pena do artigo 33, caput, com a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso VII, da Lei; e de que responderia apenas pelo delito do artigo 36, cuja pena é mais grave que a do artigo 33, caput, da Lei de Drogas.
Com a devida vênia de posicionamentos diversos, creio que a razão está com a Corte Regional, que adotou a segunda solução,punindo os recorridos pelo crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343⁄2006, com a causa de aumento do art. 40, inciso VII, da mesma Lei.
Com efeito, ao prever como delito autônomo a atividade de financiar ou custear o tráfico (art. 36 da Lei nº 11.343⁄2006), objetivou o legislador, em exceção à teoria monista, punir o
12
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
agente que não tem participação direta na execução no tráfico, limitando-se a fornecer dinheiro ou bens para subsidiar a mercancia, sem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ilicitamente.
Por outro lado, para os casos de tráfico cumulado com o financiamento ou custeio da prática do crime, expressamente foi estabelecida a aplicação da causa de aumento de pena do artigo 40, inciso VII, da referida Lei, in verbis:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(…) VII – o agente financiar ou custear a prática do crime. Eventual adoção de entendimento contrário incorreria em
inegável bis in idem, ao permitir a aplicação da aludida causa de aumento de pena cumulada com a condenação pelo financiamento ou custeio do tráfico. Ou, de outro modo, levaria à conclusão de que a previsão do artigo 40, inciso VII, da Lei de Drogas seria inócua quanto às penas do artigo 33, caput, da Lei, ao se atestar a impossibilidade de aplicação daquela causa de aumento em casos de autofinanciamento para o tráfico”. (grifos nossos – Recurso Especial nº1.290.296-PR Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura )[2]
CONCLUSÃO
A decisão do Superior Tribunal de Justiça é importante diante da celeuma criada na doutrina que apresentava três entendimentos diversos ao mesmo caso concreto.
No entanto, a decisão pode até ser questionável no ponto de vista de que a pena desse agente será menos branda em relação ao que atua apenas como financiador.
Assim, a decisão do Superior Tribunal de Justiça evita uma dupla punição pela mesma conduta delitiva, mas parece que a melhor solução
5
13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
seria o agente responder apenas pelo artigo 36 da Lei de Drogas, sendo o tráfico de drogas absorvido através do princípio da consunção, evitando-se o mencionado no parágrafo anterior.
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016
FILHO, Vicente Greco. Tóxicos. 14ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011
GOMES, Luís Flávio; Cunha, Rogério Sanches. Legislação Criminal Especial. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
NOTAS:
[1] Renato Brasileiro de Lima, Legislação Criminal Especial Comentada, Ed. JusPodivm, 4ª ed., pág. 772
[2] Disponível para consulta no site: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea
14
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
ANÁLISE CRÍTICA E DOGMÁTICA DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO ARTIGO 28 DA LEI 11.343 DE 2006
DARK BLACKER DE ANDRADE: Advogado, formado na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Pós-graduado em ciências criminais.
RESUMO: O presente artigo visa analisar de forma crítica os princípios
aplicáveis ao artigo 28 da Lei de Drogas, tipo legal que prevê a conduta de
portar/adquirir drogas para consumo pessoal. O tema, objeto de muitos
debates acadêmicos, encontra‐se em voga em decorrência do início do
enfrentamento de sua inconstitucionalidade pelo plenário do Supremo
Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) 635659. Longe de querer
exaurir todos os valores aplicáveis à temática, perpassaremos por
princípios como o da intimidade, igualdade, lesividade e dignidade
humana. Será realizada uma análise dogmática e, posteriormente,
verificação da legitimidade da incriminação da conduta do usuário frente
aos anseios constitucionais do Estado Democrático de Direito.
PALAVRAS‐CHAVE: ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006 – PRINCÍPIOS
APLICÁVEIS – INTIMIDADE – LESIVIDADE – IGUALDADE – DIGNIDADE
HUMANA.
ABSTRACT: This article aims to analyze critically the principles applicable
to article 28 of the Law on Drugs, a legal type that provides for the conduct
of carrying / purchasing drugs for personal consumption. The subject, the
subject of many academic debates, is in vogue as a result of the beginning
of the confrontation by the plenary of the Federal Supreme Court in
Extraordinary Appeal (RE) 635659 on the unconstitutionality of said
article. Far from wanting to exhaust all the values applicable to the
subject, we will go through principles such as intimacy, equality, lesivity
and human dignity. A dogmatic analysis will be carried out and, later,
5
15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
verification of the legitimacy of the incrimination of the conduct of the
user against the constitutional longings of the Democratic State of Right.
KEYWORDS: ARTICLE 28 OF LAW 11.343 / 2006 ‐ APPLICABLE PRINCIPLES
‐ INTIMACY ‐ LESIVITY ‐ EQUALITY ‐ HUMAN DIGNITY.
. ANÁLISE DO CRIME DE ADQUIRIR/PORTAR DROGAS PARA
CONSUMO PESSOAL
1.1 Artigo 28 da Lei n.° 11.343 de 2006
O Direito Penal regula as condutas humanas que se ajustam aos
seus dispositivos legais, ou seja, ações ou omissões especificadas nos
denominados tipos penais. Destarte, por interlúdio dessas descrições
normativas, busca‐se tutelar os valores mais nobres dos seres humanos, a
exemplo da liberdade, à vida, dentre outros bens jurídicos.
Nessa senda, os elementos insertos nos textos normativos
possibilitam a diferenciação entre os atos de vontade proibidos dos
permitidos, isto é, quando uma pessoa pratica uma ação ou omissão que
se ajuste a um desses comandos descritivo‐normativos, diz‐se que fora
praticada um fato típico. Consoante explicita Zaffaroni e Pierangeli (2011,
p. 387), “obtivemos já duas características do delito: uma genérica
(conduta) e outra específica (tipicidade), ou seja, que a conduta típica é
uma espécie do gênero conduta”.
Assim sendo, são modelos absortos de comportamentos que, se
forem realizados, haverá responsabilização penal. Ainda sobre o tema,
expõe Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 388) que “os tipos penais são
instrumentos legais, logicamente necessários e de natureza
predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de
condutas humanas penalmente relevantes”.
A conduta que ora se analisa e seus demais delineamentos estão
expressos no artigo 28 da Lei de Drogas, segue a redação:
16
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo, para
consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar
será submetido às seguintes penas: I – advertência
sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços
à comunidade; III – medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo. §
1° Às mesmas medidas submeti‐se quem, para
consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas
destinadas à preparação de pequena quantidade de
substâncias ou produto capaz de causar dependência
física ou psíquica. § 2° Para determinar se a droga
destinava‐se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida,
ao local e às condições em que se desenvolveu a
ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como
à conduta e aos antecedentes do agente. § 3° As
penas previstas nos incisos II e III do caput deste
artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco)
meses. § 4° Em caso de reincidência, as penas
previstas nos incisos II e III do caput deste artigo
serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez)
meses. § 5° A prestação de serviços à comunidade
será cumprida em programas comunitários,
entidades educacionais ou assistenciais, hospitais,
estabelecimentos congêneres, públicos ou privados
sem fins lucrativos, que se ocupem,
preferencialmente, da prevenção do consumo ou da
recuperação de usuários e dependentes de drogas. §
6° Para garantia das medidas a que se refere o caput,
nos incisos I, II, III, a que injustificadamente se recuse
o agente, poderá o juiz submetê‐lo, sucessivamente
a: I – admoestação verbal; II – multa. § 7° O juiz
determinará ao Poder Público que coloque à
disposição do infrator, gratuitamente,
5
17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
estabelecimento de saúde, preferencialmente
ambulatorial, para tratamento especializado[1].
Merece ser dito que essa norma pode ser visualizada de acordo com
os seus elementos: os objetivos‐descritivos, os normativos (expressões
que necessitam de uma verificação cognitiva para extrair seus sentidos) e
os subjetivos. É preciso verificar cada uma dessas informações para
entendermos de forma clara e precisa quais comportamentos humanos
que se amoldam ao tipo em comento.
Os verbos ‐ elementos objetivos ‐ são os núcleos do tipo penal
alocados no texto, consubstanciando em ações penalmente relevantes.
Pela redação do artigo retrotranscrito, verifica‐se que foi promovido um
alargamento na criminalização do usuário de drogas. Antes, o artigo 16 da
Lei n.° 6.368 de 1976 previa apenas as condutas de adquirir, guardar e ter
em depósito, sendo acrescido pela nova lei os verbos transportar ou trazer
consigo substâncias ou produtos proscritos pela lei brasileira, ocorrendo à
chamada novatio legis incriminadora.
Praticar a conduta constante no verbo adquirir significa comprar,
angariar mediante o pagamento ou de forma gratuita. Em relação à
expressão guardar, possui o sentido de conservar para utilização em curto
período, proteger. Ademais, trazer consigo denota a ideia de ter junto ao
corpo, na carteira, bolso, ou outro meio. Ter em depósito significa maior
perpetuidade e quantidade relacionada às substâncias psicotrópicas. Por
fim, transportar significa levar de um lugar para outro por intermédio de
veículos, sacolas, malas, e etc.
A posteriori, em seu parágrafo primeiro, o artigo também prevê os
comportamentos de semear (propalar), cultivar (amanhar) ou colher
(recolher) substâncias ou produtos que possam causar dependência física
ou psíquica, não havendo maiores controvérsias quanto ao sentido desses
verbos.
Importante destacar que as condutas de usar ou consumir não
configuram ilícito penal por falta de previsão normativa (em consonância
com o princípio da legalidade). Basta imaginarmos uma pessoa sendo
flagrada após a utilização de alguma substância estupefaciente, a saber, a
18
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
maconha, a cocaína, o crack, dessa forma, terminantemente este
indivíduo não terá praticado qualquer conduta ilícita (ou antijurídica).
Em outro giro, o elemento subjetivo do crime se consubstancia
no dolo, ou seja, na vontade livre e consciente de praticar alguma conduta
descrita como delito. Traçando os contornos do tema, Moraes e
Capobianco afirmam que o crime doloso:
É aquele praticado pelo agente que objetiva o
resultado ou que, no mínimo, assume o risco de
produzi‐lo, isto é, tem consciência da conduta que
pratica. Dolo é a vontade livre e consciente de
praticar a ação ou omissão, de executar o fato
definido como crime pela letra da lei (MORAIS;
CAPOBIANCO, 2010 p.150).
In casu, seria a vontade livre e consciente de adquirir ou trazer
consigo substância entorpecente na forma prevista no artigo 28 da Lei de
Drogas. Não menos importante, porém, que a assunção do risco de
produzir o resultado desejado (dolo), é impreterível à vontade “específica”
de obter a droga para uso pessoal. Sem a presença desse elemento
específico da redação legal, o autor terá praticado crime diverso ou o fato
será irrelevante para o Direito Penal.
Corroborando o exposto, verbi gratia, na hipótese de alguma
pessoa trazer consigo algum tipo de substancia estupefaciente (o crack,
por exemplo) com o objetivo de vendê‐la, ao invés de consumi‐la, estará
inserto na figura prevista no art. 33 da Lei n.° 11.343 de 2006, praticando
o tráfico ilícito de drogas.
Nesse ponto, com o fito de diferenciar o usuário do traficante de
drogas ‐ isso porque as cinco condutas que estão previstas no artigo 28 da
Lei n.° 11.343 de 2006 também aparecem em seu artigo 33 que dispõe
sobre a figura do tráfico de drogas ‐ o § 2° traz critérios objetivos e
subjetivos de diferenciação. Desta maneira, os operadores do direito
como os Delegados de Polícia, Promotores e Juízes deverão se atentar à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições
5
19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoas, bem
como à conduta e aos antecedentes do agente[2].
PANORAMA JURÍDICO
2.1 Questão Principiológica
A criminalização da conduta de obter substância entorpecente para
consumo pessoal entra em colisão com princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito. Dessa maneira, para compreensão do campo de
aplicação e efetividade dos princípios consagrados em nosso
ordenamento jurídico, passemos à sua análise, verificando seus conceitos
e desmembramentos doutrinários, investigando cada uma das normas
que se relacionam com a temática em comento.
Destarte, inegável a importância de tais proposições genéricas na
elaboração e aplicação das leis do ordenamento jurídico. Quando da
regulamentação de determinado interesse social, as autoridades
competentes devem se basear na seleção das cargas valorativas que
fundamentem tal ingerência estatal, assim explicita Paulo Nader:
Quando se vai disciplinar uma determinada
ordem de interesse social, a autoridade competente
não caminha sem um roteiro predelineado, sem
planejamento, sem definição prévia de propósitos. O
ponto de partida para composição de um ato
legislativo deve ser o da seleção dos valores e
princípios que se quer cosagrar, que se deseja
infundir no ordenamento jurídico (NADER, 2007, p.
200).
Toda legislação pressupõe a existência de normas jurídicas que a
norteia e delimita. E não apenas isso, a legitimidade destas mesmas leis
depende, dentre alguns outros fatores, da observância dos princípios
fundamentais em consonância com a Constituição Federal, diploma
regulador de todo sistema de normas. Com clareza de ideias Nilo Batista
afirma que:
20
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Tais princípios básicos, embora reconhecidos ou
assimilados pelo direito penal, seja através de norma
expressa (como, por exemplo, o princípio da
legalidade – art. 1° CP), seja pelo conteúdo de muitas
normas a eles adequadas (como, por exemplo, a
inexistência de pena de morte ou mutilações – art. 32
CP – e o objetivo de integração social na execução da
pena – art. 1° LEP – com relação ao princípio da
humanidade), não deixam de ter um sentido
programático, e aspiram ser a plataforma mínima
sobre a qual possa elabora‐se o direito penal de um
estado de direito democrático (BATISTA, 2007, p. 61‐
62).
Inegavelmente, estes comandos valorativos que permeiam o
ordenamento jurídico brasileiro possuem papel de extrema importância
para consecução da justiça no caso concreto. Por conta disso, passemos,
neste momento, a perquirir sobre sua definição, começando a partir do
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:
Princípio. (latim principium, ‐ii) S. m. 1. O
primeiro impulso dado a uma coisa. 2. Ato de
principiar uma coisa. 3. Origem. 4. Causa primária. 5.
O que constitui a matéria. 6. O que entra na
composição de algo. 7. Opinião. 8. Frase que exprime
uma conduta ou um tipo de comportamento. 9.
Aquilo que regula o comportamento ou a ação de
alguém; preceito moral. 10. Frase ou raciocínio que é
base de uma arte, de uma ciência ou de uma
teoria[3].
No mesmo dicionário podemos obter o significado de princípios –
no plural – consubstanciando o seguinte: “Princípios. (...) 11. O princípio
da vida, as primeiras épocas da vida. 12. Antecedentes. 13. Educação,
instrução. 14. Opiniões, convicções. 15. Regras ou conhecimentos
fundamentais e mais gerais”[4].
5
21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
De tais acepções, conseguimos extraídas conotações que nos
remetem ao começo de algo, o que está a princípio, premissas iniciais de
alguma ciência, teoria, de onde emana algo, nascente. Chega‐se à
conclusão que nos vários campos de cognição, sejam relacionados com
uma ciência, teoria etc., princípios designam ideias iniciais que lhes
servem de arrimo, não sendo outro o sentido conferido à Ciência Jurídica.
Posicionando‐se sobre o tema, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald
trazem a seguinte proposição:
[...] Os princípios revestem‐se de grade
relevância porque marcam, basicamente, todo
sistema jurídico. São proposições genéricas que
informam uma ciência. Sua base valorativa. [...] São,
portanto, as bases sobre as quais se constrói o
sistema jurídico. Em outras palavras: constituem as
proposições genéricas que servem de substrato para
organização de um ordenamento jurídico. Daí sua
induvidosa importância no estudo das ciências
jurídicas (CHAVES; ROSENVALD, 2007, p. 35‐36).
Para José Afonso da Silva (2005, p. 92) os princípios são ordenações
que se irradiam e imantam os sistemas de normas. Igualmente, Luiz Flávio
Gomes (2005, p. 01) afirma em seu artigo que “princípios são diretrizes
gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele)”[5].
Conforme demonstrados pelos brilhantes autores
supramencionados os princípios possuem inestimável relevância para
ciência jurídica, por tal razão, faz‐se imperioso esquadrinhá‐los para
compreensão da matéria. Alertando sobre esta necessidade, o autor
Chade Rezek Neto citado por Djalma Eutímio em seu Curso de Direito
Penal aduz:
Desnecessário sublinhar, por evidente, sua
importância na interpretação e aplicação do direito,
pois “com o auxílio dos Princípios Jurídicos, a
interpretação do Direito se modifica para melhor,
enfocando ao aplicador do Direito não apenas a
localização de uma regra para sua aplicação imediata,
22
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
mas, sim, a construção da norma jurídica aplicável ao
problema jurídico. Portanto, os Princípios Jurídicos se
caracterizam por serem de importância fundamental,
em relação à evolução do direito positivo, para a
regulação de novos fenômenos sociais” (REZEK,
2004, p. 44 apud DJALMA, 2007, p. 53).
Vale salientar que a Ciência Jurídica se localiza no campo da cultura,
então, possui como característica a mutabilidade, onde as teorias e
ideologias mudam em conformidade com os discursos que a corroboram.
Bem assim, possui uma linguagem plurívoca, discursos polivalentes
destinados a prescrever modelos de conduta social a serem seguidas.
Não restam dúvidas que a gama de ideias que fundamentam tal
ciência traduzem uma peculiaridade ao conceito de princípios jurídicos,
qual seja, várias designações. No livro dedicado ao tema, “Conceito de
Princípios Constitucionais”, Ruy Samuel Espíndola expõe a seguinte ilação:
Assim, na Ciência Jurídica, tem‐se usado o
termo princípio ora para designar a formulação
dogmática de conceitos estruturados por sobre o
direito positivo, ora para designar determinado tipo
de normas jurídicas e ora para estabelecer os
postulados teóricos, as proposições jurídicas
construídas independentemente de uma ordem
jurídica concreta ou de institutos de direito ou
normas legais vigentes. Essa polissemia não é
benéfica neste campo do saber, em que a confusão
de conceitos e ideias pode levar à frustração da práxis
jurídica ou à sonegação, por uma prática equívoca, de
direitos ou de situações protegíveis pelo sistema
jurídico posto (ESPÍNDOLA, 2002, p. 55).
Nesse diapasão, dependendo do contexto em que se encartam, aos
princípios são conferidas pela Ciência do Direito diferentes funções e
modos de aplicação. Repisando este raciocínio continua Ruy Samuel
Espíndola:
5
23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Ao se tratar de princípios, neste campo das
ciências humanas, deve‐se distinguir claramente
entre a norma e o texto que a contempla; a norma do
discurso sobre a norma; as categorias de normas que
veiculam princípios. E mais: os princípios constantes
nas normas devem distinguir‐se dos princípios
próprios à interpretação das normas. E ao se realizar
esse exercício de distinção, chega‐se à conclusão de
que a noção de princípio antes apontada é apenas o
primeiro momento de uma indagação teórica
tendente a dar conta dos grandes problemas que são
colocados aos operadores do Direito, no momento
de lidarem com os “princípios no Direito”
(ESPÍNDOLA, 2002. p. 56).
Diante da supramencionada polissemia conceitual, surge a
incontornável necessidade de distinguir os princípios jurídicos das regras
de direito. Traçando este perfil exegético e ressaltando obrigatória
distinção acima apontada aduz José Afonso da Silva:
Há, no entanto, quem concebe regras e
princípios como espécies de normas, de modo que a
distinção entre regras e princípios constitui uma
distinção entre duas espécies de normas. A
compreensão dessa doutrina exige conceituação
precisa de normas e regras, inclusive para
estabelecer a distinção entre ambas, o que os
expositores da doutrina não têm feito, deixando
assim obscuro seu ensinamento (AFONSO, 2005, p.
92).
Nessa sistemática, sendo o Direito preponderantemente
dogmático, pois objetiva resolver as pretensões com a menor insegurança
social possível, necessita de mecanismos para este arrefecimento da
realidade fática. As normas, nesse contexto, seriam a forma com que se
identificaria o direito. Alguns doutrinadores, a exemplo de Hans Kelsen,
desenvolveram teorias que colocavam a norma como objeto central,
24
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
senão exclusivo, da Ciência Jurídica. Nesse sentido explica Tércio Sampaio
Ferraz Jr:
[...] Kelsen afirma que os comportamentos
humanos só são conhecidos mediatamente pelo
cientista do direito, isto é, enquanto regulado por
normas. Os comportamentos, a conduta de um ser
humano perante outro, diz ele, são fenômenos
empíricos, perceptíveis pelos sentidos, e que
manifestam um significado. Por exemplo, levantar o
braço numa assembleia é uma conduta. Seu
significado tem um aspecto subjetivo e outro
objetivo. O significado subjetivo desse ato pode ser,
conforme a intenção do agente, um simples
movimento de preguiça, o ato de espreguiçar‐se.
Entretanto, no contexto, esse ato pode ter um
significado objetivo: manifestou‐se, ao levantar a
mão, um voto computável para tomar uma decisão.
Esse significado objetivo é constituído por uma
norma, a norma segundo a qual o ato de votar será
contado pelo erguimento do braço (SAMPAIO, 2007,
p. 98).
Nas próprias palavras de Hans Kelsen:
O que transforma este fato num ato jurídico
(lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu
ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado
pela lei da causalidade e encerrado no sistema da
natureza, mas o seu objetivo que está ligado a esse
ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico
específico, a sua particular significação jurídica,
recebe‐a o fato em questão por intermédio de uma
norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que
lhe empresta a significação jurídica, por forma que o
ato pode ser interpretado segundo esta norma
(KELSEN, 1998, p. 03).
5
25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Essa teoria, chamada de pura, sofreu diversas críticas devido a sua
abordagem extremista, isso porque, o autor isolou a norma de suas
intenções subjetivas, sociais e etc. Não obstante, deve‐se mencionar que
a teoria em comento foi desenvolvida em um momento histórico
denominado de fenômeno da positivação, onde o direito era entendido
basicamente como disposto por atos humanos, atos de legislar.
É certo, porém, que as normas se referem a enunciados verbais
abstratos que projetam como deve ser o comportamento, por isso consisti
em um dever‐ser. Constituem em imperativos a ser observados, ou seja,
caso haja descumprimento se impõe sobre a vontade das pessoas por
intermédio de uma sanção. Trançando estes contornos Paulo Nader aduz:
[...] instrumento de definição da conduta exigida
pelo Estado. Ela esclarece ao
agente como e quando agir. O Direito Positivo, em
todos os sistemas jurídicos, compõe‐se de normas
jurídicas, que são padrões de conduta social
impostos pelo Estado, para que seja possível a
convivência dos homens em sociedade (NADER,
2007, p. 83).
Decorre disso que as normas seriam o gênero do qual derivam as
espécies regras e princípios jurídicos. Robert Alexy expõe esta
diferenciação:
Trata‐se de dois tipos distintos de norma. Regras
são "mandamentos definitivos", quer dizer, que
ordenam fazer uma coisa numa medida previamente
definida. Princípios, por outro lado, são
"mandamentos de otimização", ou seja, ordenam
fazer uma coisa na máxima medida possível. Assim,
regras são normas cuja medida de aplicação já vem
previamente definida, enquanto princípios são
normas cuja medida de aplicação deve ser definida,
pelo julgador, em cada situação de aplicação (ALEXY,
2001, p. 202).
26
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Repisando o quanto exposto Inocêncio Mártires Coelho explica:
Noutras palavras, em se tratando de regras de
direito, sempre que a sua previsão se verificar numa
dada situação de fato concreta, valeta pata essa
situação exclusivamente a sua conseqüência
jurídica, com o afastamento de quaisquer outras que
dispuserem de maneira diversa, porque no sistema
não podem coexistir normas incompatíveis.[...] No
campo da aplicação dos princípios, ao contrário, a
maioria entende que não se faz necessária a
formulação de regras de colisão, porque essas
espécies normativas — por sua própria natureza,
finalidade e formulação — parece não se prestarem
a provocar conflitos, criando apenas momentâneos
estados de tensão ou de mal‐estar
hermenêutico, que o operador jurídico prima
facie verifica serem passageiros e plenamente
superáveis no curso do processo de aplicação do
Direito (MENDES; MÁRTIRES; GONET, p. 53‐55).
Visto a diferenciação entre as espécies de normas jurídicas, torna‐
se imprescindível ressaltar que, nos dias atuais, a doutrina majoritária
reconhece o excessivo grau de juridicidade dos princípios. Assim, afirma
Alexy (2001, p. 86) que “Los principios son normas que ordenan que algo
sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades
jurídicas existentes. Por lo tanto los principios son mandatos de
optimización”[6].
Estes mandamentos valorativos são normas, obrigam, possuem
eficácia jurídica com relação aos comportamentos humanos,
independente da separação conceitual entre Princípios Gerais do Direito
e Princípios Positivos do Direito. Nesse ponto, traçando as principais
características desses dois institutos, Eberhard Grabitz delineia o seguinte:
5
27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Repartem‐se os princípios, numa certa fase da
elaboração doutrinária, em duas categorias: a dos
que assumem o caráter de ideias jurídicas
norteadoras, postulando concretização na lei e na
jurisprudência, e a dos que, não sendo apenas ratio
legis, mas, também, lex, se cristalizam desse modo,
consoante Larenz assinala, numa regra jurídica de
aplicação imediata (1973, p. 240‐241 apud
BONAVIDES, 2000, p. 272).
A partir daí, os princípios gerais do direito podem ser valorados a
partir de premissas falsas ou verdadeiras, em consonância com as
descrições normativas da Ciência Jurídica. De outra parte, os princípios
positivos do direito são estimados conforme o válido ou inválido, vigente
ou não, eficaz ou ineficaz, enquanto sistema lógico de normas positivas.
Inegável é, porém, a normatividade que os acobertam,
independente das diferenciações supracitadas. Sendo assim, o artigo 4° da
Lei de Introdução ao Direito Brasileiro corroborando esta tese, prevendo
estarem insertos os primeiros na locução que os descrevem, e o segundo,
no vernáculo “lei”. Ruy Samuel Espíndola (2002, p. 61) vai além,
conferindo normatividade não só aos princípios que são expressa e
explicitamente contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também
aos que, defluentes de seu sistema, são enunciados pela doutrina e
descobertos no ato de aplicar o Direito.
Enfim, feito tais considerações, passemos agora a análise
principiológica na perspectiva Constitucional, vertente esta de inestimável
relevância para consecução dos objetivos desse trabalho acadêmico.
Como assenta Luís Roberto Barroso (2009, p. 203) “os princípios –
notadamente os princípios constitucionais – são a porta pelo qual os
valores passam do plano ético para o mundo jurídico”.
2.2 Perspectiva Constitucional
O Estado de Direito se consolidou ao longo do século XIX na Europa,
modelo que separa os poderes e protege os direitos individuais, ideologia
esta sublimada pela Revolução Francesa. Na segunda metade do século
28
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
XX com o fim da Segunda Guerra Mundial erguem‐se as Constituições
Normativas, sobrepujando o valorativo papel do Direito nessas mudanças
sociais.
Nesse novo panorama, para que uma norma jurídica possua
validade terminantemente deve estar em conformidade com a
Constituição, norma fundamental de todo o sistema jurídico. Tecendo
ilações sobre o exposto, Luiz Roberto Barroso dar por certo que:
A validade das leis já não depende apenas da
forma de sua produção, mas também da efetiva
compatibilidade de seu conteúdo com as normas
constitucionais, às quais se reconhece a
imperatividade típica do Direito. Mas que isso: a
Constituição não apenas impõe limites ao legislador
e ao administrador, mas lhes determina, também,
deveres de atuação (BARROSO, 2009, p. 244‐245).
O grande marco no Brasil desse novo direcionamento foi a
Constituição Federal de 1988. É estabelecido, incontroversamente, o
caráter humanitário com esteio na nova tábua axiológica idealizada pela
justiça distributiva e igualdade substancial, paralelo aos dois postulados
fundamentais: dignidade humana e solidariedade social. Nesse contexto,
a Carta Magna em seu preâmbulo estabelece que:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembleia Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem‐estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL[7].
5
29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Deste modo, a Carta Superior não é mais vista como um simples
documento essencialmente político, passando a carrear status de norma
jurídica inaugural de uma nova era para os direitos humanos. Assim, nos
dizeres de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
[...] é certo e induvidoso que a Constituição é a
norma suprema do sistema jurídico brasileiro,
devendo‐lhe obediência, formal e material, todos os
demais atos normativos, sob pena de se lhes
reconhecer a inconstitucionalidade, com a
consequente expulsão do sistema (CRISTIANO;
ROSENVALD, 2007, p. 20‐21).
Certamente, os princípios estabelecidos no cume mais alto do
ordenamento, ou seja, em âmbito Constitucional, são as diretrizes
supremas do sistema jurídico brasileira. Tamanha importância é explicada
pelo doutrinador Paulo Bonavides:
A inserção constitucional dos princípios
ultrapassa, de último, a fase hermenêutica das
chamadas normas programática. Eles operam nos
textos constitucionais da segunda metade deste
século uma revolução de juridicidade sem
precedente nos anais do constitucionalismo. De
princípios gerais se transforma, já, em princípios
constitucionais. [...] Impossível deixar de reconhecer,
pois, nos princípios gerais de Direito, conforme
veremos, a base e o teor da eficácia que a doutrina
mais recente e moderna, em voga nas esferas
contemporâneas da Ciência Constitucional, lhes
reconhece e confere, escorada em legítimas razões e
excelentes argumentos (BONAVIDES, 2009, p. 259).
Compactuando das mesmas ideias são os argumentos de Ruy
Samuel Espíndola:
Sem dúvida, a teoria dos princípios é, antes de
tudo, um capítulo deveras rico e inovador na teoria
jurídica contemporânea, na era do pós‐positivismo.
30
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[...] A distinção entre regras e princípios como
espécie do gênero norma, bem como as demais
problematizações dela decorrentes, formam o
alicerce para sólida compreensão da atual natureza
principialista do Direito Contemporâneo. [...] Assim,
é no Direito Constitucional que a teoria dos princípios
ampliou o seu raio de circunferência científica,
ganhando maior vigor, latitude e profundidade para
desenvolver‐se, pois seu campo, agora, é o universo
das constituições contemporâneas, é o estalão das
normas constitucionais, é o da explicitação
conceitual e iluminação das positivações normativas
de realidades jurígenas mais vastas e complexas,
reflexos da estatuição jurídica do político
(ESPÍNDOLA, 2002, p. 75‐76‐77).
Em preciosa análise do tema, Cezar Roberto Bitencourt arremata
dizendo:
Poderíamos chamar de princípios reguladores do
controle penal princípios constitucionais
fundamentais de garantia do cidadão, ou
simplesmente de Princípios Fundamentais de Direito
Penal de um Estado Social e Democrático de
Direito (itálico conforme texto original). Todos esses
princípios são de garantias do cidadão perante o
poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo
texto constitucional de 1988 (art. 5°). [...] Todos esses
princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente,
em nossa Constituição (art. 5°), têm a função de
orientar o legislador ordinário para a adoção de um
sistema de controle penal voltado para os direitos
humanos, embasado em um Direito Penal da
culpabilidade, um Direito Penal mínimo (itálico
conforme texto original) e garantista (BITENCOURT,
2007, p. 10).
5
31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Eis o ponto nevrálgico que pretendíamos chegar com o presente
artigo: analisar a criminalização da conduta de adquirir substâncias
entorpecentes para consumo pessoal imanizada pela luz irradiante dos
princípios constitucionais. Até porque, conforme assenta Eugenio Raúl
Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 125) “a Constituição Federal
constitui a primeira manifestação legal da política penal, dentro de cujo
âmbito deve enquadrar‐se a legislação penal propriamente dita, em face
do princípio da supremacia constitucional”.
2.2.1 Princípio da Igualdade ou Isonomia
Consoante exposto anteriormente, a Constituição Federal de 1988
angariou diversos avanços nas proposições relativas aos direitos e
liberdades individuais em comparação com as Constituições precedentes.
Sem sombra de dúvidas, o princípio da igualdade constitui um dos pilares
do direito penal do Estado de Direito ou, se preferir, do direito penal
liberal, carreando valores fundamentais da Democracia.
A Carta Maior prevê o princípio da igualdade em seu artigo
5°, caput, prescrevendo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo‐se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes[8]:
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu artigo 1°
também cunhou o referido princípio afirmando que os homens nascem e
são livres e iguais em direitos, sendo que as distinções sociais só podem
fundar‐se na utilidade comum[9].
Assim, em sentido formal (isonomia possui intrínseca relação com
o princípio da legalidade), poderia ser externalizado pela expressão:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Em
apressada interpretação ‐ separada do sentido empírico – poder‐se‐ia
chegar à conclusão de que igualdade seria visualizada apenas em relação
32
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
à lei (indistinção subjetiva), ou seja, deveria ser aplicada sem levar em
consideração as pessoas sob sua égide. Maurício Antônio Ribeiro Lopes
explica que:
Entendia‐se, por tradição, que a igualdade de
todos perante a lei se referia, fundamentalmente, à
exigência de igualdade na aplicação da lei. As leis
deveriam ser cumpridas sem que se levassem em
conta as pessoas que viessem a ser por elas
alcançadas (RIBEIRO, 1999, p. 279).
No entanto, qualquer interpretação e aplicação da referida norma
desconexa de sua vertente material desaguariam, indubitavelmente, na
inconstitucionalidade. Sem hesitação, deve‐se buscar a igualdade material
e, corroborando o exposto, Pedro Lenza aduz:
Deve‐se, contudo, buscar não somente essa
aparente igualdade formal (consagrada
no liberalismo clássico), mas, principalmente, a
igualdade material, na medida em que a lei deverá
tratar igualmente os iguais e desigualmente dos
desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso
porque, no Estado Social ativo, efetivador dos
direitos humanos, imagina‐se uma igualdade mais
real perante os bens da vida, diversa daquela apenas
formalizada perante a lei (LENZA, 2008, p. 595).
Essa dissonância interpretativa levou a algumas classificações
doutrinárias que se tornaram desnecessárias diante da orientação já
delineada pela jurisprudência e doutrina, na qual se busca o tratamento
desigual aos desiguais visando à isonomia substancial. Ensina, dessa
maneira, Inocêncio Mártires Coelho:
Como, por outro lado, no texto da nossa
Constituição, esse princípio é enunciado com
referência à lei — todos são iguais perante a lei —,
alguns juristas construíram uma diferença, porque a
consideram importante, entre a igualdade na lei e a
igualdade diante da lei, a primeira tendo por
5
33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
destinatário precípuo o legislador, a quem seria
vedado valer‐se da lei para fazer discriminações
entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a
segunda, dirigida principalmente aos
intérpretes/aplicadores da lei, impedir‐lhes‐ia de
concretizar enunciados jurídicos dando tratamento
distinto a quem a lei encarou como iguais (MENDES;
MÁRTIRES; GONET, 2009, p. 179).
Em diversos momentos a Constituição apregoa esta isonomia
material, exempli gratia, estabelecendo a igualdade entre os homens e
mulheres em direito e obrigações, conferindo às presidiárias condições de
permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação
(artigo 5°, L, da CF). Em outras passagens, o sentido desse princípio deve
ser extraído do conjunto sistêmico da Lei Superior, tendo por objetivo a
igualdade de oportunidades entre as pessoas.
Indubitavelmente, os seres humanos são desiguais por diversos
aspectos, mas, por essência, também podemos ser descritos como
criaturas iguais, pois, em cada um de nós existe um sistema biopsicológico
destinado a nos proporcionar a existência. Essa pluralidade de ângulos que
nos diferem um dos outros constitui a riqueza humana, sendo
extremamente salutar. Todavia, nefastos são os efeitos decorrentes das
diferenças econômicas e sociais, inviabilizadoras de uma vida saudável e
justa.
Enxergando o referido valor na área penal, podemos chegar à
conclusão de que as leis estarão sendo aplicadas corretamente quando,
pessoas de diferentes níveis sociais e econômicos, depois de realizarem
uma conduta típica, serão responsabilizadas de maneira semelhante pelo
estatuto correcional. Assim, a Constituição prevê no próprio texto do
artigo 5°, caput, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, devendo
a lei penal ser aplicada de forma equânime independente das distinções
acima apontadas.
Realizadas tais considerações, passemos agora a analise do artigo
28 da Lei de Drogas em consonância com o referido princípio. Conforme
34
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
ficou estabelecido anteriormente, a Lei n.° 11.343/2006 prevê a figura
típica do crime de adquirir drogas para consumo pessoal, sedimentando
quais as substâncias são consideradas ilícitas por intermédio da Portaria
do Ministério da Saúde.
Ora, senão extremamente incongruente, pelo menos deveria
causar espanto perante nossos olhos tal descrição ilícita analisada em
consonância com o princípio da igualdade. Isso porque, por interlúdio de
uma norma penal em branco, determinam‐se quais as drogas que são
permitidas para consumo e as proibidas, em outras palavras, o que é lícito
ou ilícito, quando ambas possuem potencialidade lesiva ao consumidor.
Nesse sentido afirma Salo de Carvalho:
A ofensa ao princípio da igualdade estaria
exposta no momento em que se estabelece distinção
de tratamento penal (drogas ilícitas) e não‐penal
(drogas lícitas) para usuários de diferentes
substâncias, tendo ambas potencialidade de
determinar dependência física ou psíquica. A
variabilidade da natureza do ilícito tornaria,
portanto, a opção criminalizadora essencialmente
moral (CARVALHO, 2010, p. 270).
Não restam dúvidas que, quando se proíbe determinadas drogas
com o discurso de que causam danos para quem às utiliza, mas se permite
outras substâncias que também causam prejuízos para integridade das
pessoas, claramente faz‐se sangrar a Constituição notadamente em
relação ao princípio da isonomia. O álcool, exemplo de substância lícita, é
indutor de tolerância e síndrome de abstinência, em níveis elevados no
sangue pode causar náuseas e vômitos, diplopia, coma, hipotermia e
morte por parada respiratória.
Em sendo o real objetivo com a proibição de certas drogas a
preocupação com a saúde pública, congruente seria também a decisão de
vedar todas as substâncias que de uma forma ou de outra causassem
efeitos deletérios para o organismo humano. Como pensamos que a
resposta para essa afirmativa é negativa, dever‐se‐iam possibilitar o
consumo de todas aquelas substâncias que provoquem efeitos
5
35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
equivalentes às permitidas, só assim estaria respeitando a tão obnubilada
isonomia constitucional. Nesse ponto, são precisas as lições de Lycurgo de
Castro Santos:
Desse modo, cremos que ou o legislador proíbe
a utilização de todos os tipos de estupefacientes que
cientificamente comprovados prejudicam de
maneira mais ou menos uniforme a saúde, ou
permite o uso e o consumo de todos aqueles que, de
uma maneira ou de outra, provocam em quem os
utiliza situações em certo grau equivalentes. O que
não pode ocorrer, desde uma perspectiva penal, é
uma diversidade de tratamento que compromete
seriamente esse princípio constitucional (LYCURGO,
Tóxicos, pp. 123/124 apud CARVALHO, 2010, p. 270).
Aduz‐se, então, a patente inconstitucionalidade da criminalização
da conduta de adquirir/portar drogas para consumo pessoal em face do
princípio da igualdade, realizando, isto sim, uma discriminação legislativa.
Merecem serem destacadas as ilações proferidas por Maurício Antônio
Ribeiro Lopes (1999, p. 279) no sentido que “o referido princípio não
proíbe que a lei estabeleça distinções, mas que estas não sejam
discriminatórias dando tratamento desigual fundado em categorias
meramente subjetivas”.
A partir dessa circunspecção é insustentável juridicamente a
referida proibição legal prevista no artigo 28 da Lei Antidrogas.
Imiscuindo‐se no tema sobre o manto do princípio da igualdade,
inquestionavelmente situações similares em consequências advindas com
a utilização das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, são arbitrariamente
cuidadas pelo poder legiferante, consubstanciando um verdadeiro
moralismo criminalizador.
2.2.2 Direito à Privacidade
Previsto como um direito dos cidadãos, a privacidade vem expressa
no artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal, consubstanciando um
36
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
mínimo de garantia contra as ingerências ilegais na vida íntima das
pessoas. Dessa forma, o referido artigo aduz o seguinte:
X ‐ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação[10];
Igualmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
em seu artigo XII, regulamenta a matéria:
XII ‐ Ninguém será sujeito a interferências na sua
vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua
correspondência, nem a ataques à sua honra e
reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei
contra tais interferências ou ataques[11].
Imperioso observar que a Constituição Federal de 1988, ao
contrário das anteriores, regulou expressamente o referido princípio. A
doutrina e a jurisprudência inferem dos artigos acima mencionados uma
diferenciação entre o direito a intimidade e o relativo à vida privada. Não
obstante, ambos se assemelham e, quanto se tem o desiderato de
distingui‐los, verifica‐se uma maior ou menor amplitude das referidas
normas jurídicas. Delineando essa variabilidade terminológica sustenta
Manuel Gonçalves Ferreira Filho que:
Os conceitos constitucionais de intimidade e vida
privada (itálico conforme texto original) apresentam
grande interligação, podendo, porém, ser
diferenciados por meio da menor amplitude do
primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do
segundo. Assim, intimidade relaciona‐se às relações
subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações
familiares e de amizade, enquanto vida
privada envolve todos os demais relacionamentos
humanos, inclusive os objetivos, tais como relações
comerciais, de trabalho, de estudo etc. (GONÇALVES,
1997, p. 35).
5
37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
No mesmo sentido são os ensinamentos de Paulo Gustavo Gonet
Branco:
Embora a jurisprudência e vários autores não
distingam, ordinariamente,entre ambas as
postulações — de privacidade e de intimidade —, há
os que dizem que o direito à intimidade faria parte do
direito à privacidade, que seria mais amplo. O direito
à privacidade teria por objeto os comportamentos e
acontecimentos atinentes aos relacionamentos
pessoais em geral, às relações comerciais e
profissionais que o indivíduo não deseja que se
espalhem ao conhecimento público. O objeto do
direito à intimidade seriam as conversações e os
episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações
familiares e amizades mais próximas (MENDES;
MÁRTIRES; GONET, 2009, p. 420).
Inobstante a clareza de opiniões acima proferidas, alguns autores
preferem se referir aos princípios da intimidade e da vida privada como
espécies do gênero direito à privacidade. Este, na hipótese ventilada, seria
uma norma jurídica prenhe de significados, assim, não é outro o
entendimento de José Afonso da Silva:
De fato, a terminologia não é precisa. Por isso,
preferimos usar a expressão direito à privacidade,
num sentido genérico amplo, de modo a abarcar
todas essas manifestações da esfera íntima, privada
e da personalidade, que o texto constitucional em
exame consagrou (AFONSO, 2005, p. 206).
Em convergência de entendimentos afirma Dirley da Cunha Júnior:
A novel ordem constitucional oferece,
expressamente, guarida ao direito à privacidade, que
consiste fundamentalmente na faculdade que tem
cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos
na sua vida particular e familiar, assim como de
impedir‐lhes o acesso a informações sobre a
38
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
privacidade e intimidade de cada um, e também
proibir que sejam divulgadas informações sobre esta
área da manifestação existencial humano (JÚNIOR,
2008, p. 636).
Tércio Sampaio Ferraz com clarividência de ideias explicita sua
opinião:
Um direito subjetivo fundamental, cujo titular é
toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou
estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo
conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao
respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio,
isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe
dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de
sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é a
integridade moral do titular (SAMPAIO, 1992, p. 77).
A intimidade constitui uma esfera intangível das pessoas (salvo
algumas exceções), legitimadora, só para ilustrar, dos segredos que
escolhemos não compartilhar. Em havendo transgressões a esse direito
fundamental, incidirão sanções cíveis e criminais sobre o autor do fato,
até porque se trata de uma prerrogativa imprescindível para o
desenvolvimento da personalidade das pessoas.
Com relação à vida privada, esta seria um garantia de
independência dos indivíduos de viverem sua existência da forma que
bem entenderem. Nesse sentido, são precisas as palavras de José Afonso
da Silva:
[...] como conjunto de modo de ser e viver, como
direito de o indivíduo viver sua própria vida. Parte da
constatação de que a vida das pessoas compreende
dois aspectos: um voltado para o exterior e outro
voltado para o interior. A vida exterior, que envolve
as pessoas nas relações sociais e nas atividades
públicas, pode ser objeto das pesquisas e das
divulgações de terceiros, porque é pública. A vida
5
39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
interior, que se debruça sobre a mesma pessoa,
sobre os membros de sua família, sobre seus amigos,
é a que integra o conceito de vida privada, inviolável
nos termos da Constituição (AFONSO, 2005, p. 208).
Evidente, pois, que apesar das diferenciações terminológicas, o
direito à privacidade abrange todos aqueles atributos pessoais
garantidores de uma vida íntima e digna. Dessa maneira, constitui o
gênero do qual decorrem direitos como a imagem, segredos de trabalho,
hábitos, o nome, as relações familiares, os pensamentos e etc.
Para realizar na prática os anseios apregoados em um Estado
Democrático, necessário honrar e valorizar os fatores subjetivos dos seres
humanos, percorrendo, dessa maneira, na direção do progresso,
limitando a ingerência estatal em vista do desenvolvimento dos
indivíduos. Em consonância com essa extensão ideológica, a
criminalização da conduta de consumir substância modificadora dos
sentidos humanos, a nosso viso, constitui intervenção indevida na vida
privada e íntima das pessoas.
As legislações proferidas em âmbito nacional e internacional
criminalizadoras da referida conduta não subsistem a partir da análise do
texto constitucional. Repisando essa afirmação são as conclusões de Maria
Lúcia Karam:
A desautorizada interferência na vida privada
manifesta‐se claramente em legislações nacionais
que, como a brasileira, reproduzem a imposição
explicitamente criminalizadora da Convenção de
Viena. Observa‐se que as regras do artigo 28 da Lei
11.343/2006 mantêm a criminalização da posse para
uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, apenas
afastando a imposição de pena privativa de
liberdade, para cominar a tal conduta as penas de
advertência, prestação de serviços à comunidade,
comparecimento a programa ou curso educativo e,
em caso de descumprimento, admoestação e multa
(KARAM, 2009, p. 30).
40
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Aliás, aproveitando o ensejo, pretensões surgiram objetivando dar
fé a fantasia de que a partir da entrada em vigor do novel diploma (Lei n.°
11.343/06) os consumidores de drogas não iriam mais à prisão, como
forma de nos conformar com a nova legislação interventiva. Ledo engano,
isso porque o não encarceramento já ocorria com a Lei n.° 6.368/76 que
cominava pena de 06 meses a 02 anos e, por causa daquela pena máxima,
a conduta se enquadrava como de menor potencial ofensivo aplicando‐se
a Lei n.° 9.099/95 (Juizados Especiais), introdutora da transação penal e da
suspensão condicional do processo.
Outra questão a ser abordada em relação ao princípio ora
analisado, diz respeito à separação entre o que faz parte do Direito e o
que não esta compreendida nesta esfera. Assim, salienta Salo de Carvalho
que um dos grandes fundamentos da inconstitucionalidade do artigo 28
da Lei de Drogas reside nessa questão:
Os direitos à intimidade e à vida privada
instrumentalizam em nossa Constituição o postulado
da secularização que garante a radical separação
entre direito e moral. Neste aspecto, nenhuma
norma penal criminalizadora será legítima se intervir
nas opções pessoais ou se impuser padrões de
comportamento que reforçam concepções morais. A
secularização do direito e do processo penal, fruto da
recepção constitucional dos valores do pluralismo, da
tolerância e do respeito à diversidade, blinda o
indivíduo de intervenções indevidas na esfera da
interioridade (CARVALHO, 2010, p. 270).
Vale repisar que na atual conjuntura em que vivemos, qual seja,
sobre a égide de um direito penal liberal, não podemos nos resignar com
a definição pelo Estado de padrões de comportamento pertencentes à
esfera privada das pessoas. Mesmo que a conduta em comento interfira
na saúde dos indivíduos que a realizam, não deve ser objeto de
regulamentação pelo Direito Penal, ingerência esta inadmissível em um
Estado Democrático de Direito.
5
41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Destarte, em consonância com o quanto exposto, o Tribunal de
Justiça de São Paulo proferiu o seguinte acórdão:
[...] O artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é
inconstitucional. A criminalização primária do porte
de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável
insustentabilidade jurídico‐penal, porque não há
tipificação de conduta hábil a produzir lesão que
invada os limites da alteridade, afronta os princípios
da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da
vida privada e do respeito à diferença, corolário do
princípio da dignidade, albergados pela Constituição
Federal e por tratados internacionais de Direitos
Humanos ratificados pelo Brasil.
Parece‐nos, pois, que os aplicadores do direito começam a observar
os equívocos perpetrados pela atual ordem jurídica, indubitavelmente,
pela função interpretativa conferida pelos princípios, possibilitando a
correção de eventuais enganos perpetrados pelo legislador em sua função
político‐criminal. Ressaltando o valor desta garantia fundamental, Salo de
Carvalho em livro dedicado ao debate das reformas penais afirma:
Os princípios da inviolabilidade da intimidade e
do respeito à vida privada (art. 5°, inciso X), aliado a
outros dispositivos análogos [...] representam
verdadeira pedra angular de um sistema jurídico
democrático, pois fornecem, no aspecto processual,
uma ferramenta pródiga de
legitimação/deslegitimação da ação (ou omissão) do
poder estatal (atividade legiferante, administrativa
e/ou judicial) em sua relação com o “ser” do cidadão.
Ou seja, por serem princípios diretamente ligados
aos direitos de personalidade, determinam a esfera
de não intervenção dos Poderes Públicos. Lembre‐se
que o respeito destes princípios possibilita não
apenas a averiguação dos níveis de legitimidade do
sistema, mas os graus de justiça e validade de toda
42
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
estrutura jurídica infraconstitucional (BUENO;
CARVALHO, 2005, p. 153).
Segundo Maria Lúcia Karam (2009, p. 33) “condutas desta natureza
dizem respeito tão somente às escolhas pessoais, ao campo em que a
liberdade do indivíduo é absoluta não podendo ser objeto de qualquer
intervenção”. Portanto, a liberdade individual conferida às pessoas
possibilita, da forma como elas bem entenderem, o desenvolvimento da
esfera íntima (desde que não interfiram em outras pessoas), logo, a
contumácia ingerência por parte do Estado nesse direito fundamental
constitui patente inconstitucionalidade.
2.2.3 Princípio da Lesividade ou Ofensividade
Questão imprescindível para compreensão desde princípio e da
própria Ciência Jurídica diz respeito ao Direito e a Moral. Em primeiro
momento, até por conta da inteligibilidade do assunto, teremos que
salientar as discussões acerca do que podemos inserir dentro do âmbito
dogmático‐jurídico e o que está fora desse contexto.
A princípio, o Direito e a Moral possuem algumas similaridades,
pois, nos dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2007, p. 370) “ambos
têm caráter prescritivo, vinculam e estabelecem obrigações numa forma
objetiva, isto é, independentemente do consentimento subjetivo
individual”. Não obstante, eles não se confundem, e traçar essas
desigualdades não é tarefa das mais simples.
Desta forma, uns dos critérios diferenciadores aceitos pela doutrina
correspondem à exterioridade e alteridade do direito. Como restará
demonstrado, podemos colimar uma grande dessemelhança entre os
preceitos morais e as normas jurídicas muito em decorrência daquelas
duas características.
A saber, fatos sociais possuirão importância jurídica se causarem
algum tipo de lesão (ou perigo concreto de lesão) a bem jurídico de
outrem, ao passo que comportamentos internos estão fora dessa análise.
Nessa feita, para que as manifestações humanas obtenham pertinência
jurídica, deveras transpassar as introspecções pessoais (exterioridade)
5
43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
lesando direito de outrem (alteridade). Esse desiderato é corroborado por
Nilo Batista:
No direito penal, à conduta do sujeito autor do
crime deve relacionar‐se, como signo do outro
sujeito, o bem jurídico (que era objeto da proteção
penal e foi ofendido pelo crime – por isso chamado
de objeto jurídico do crime). [...] À conduta
puramente interna, ou puramente individual – seja
pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente – falta
a lesividade (itálico conforme texto original) que
pode legitimar a intervenção penal (BATISTA, 2007,
p. 91).
Curial ressaltar que a diferenciação acima apontada não pode ser
vista como verdade inconteste, de fato, motivos e intenções são
proeminentemente relevantes para o Direito Penal, basta rememorarmos
as questões atinentes aos elementos subjetivos do crime consistentes no
dolo e na culpa. Do mesmo modo, a moral não é alheia à exterioridade da
conduta, até mesmo quando a intenção é boa pode ser pranteada.
Explicando estas características, Tércio Sampaio Júnior aduz:
A despeito da objeção apontada, há uma
diferença importante entre a norma jurídica e o
preceito moral. Enquanto aquela admite a separação
entre a ação motivada e o motivo da ação, o preceito
moral sempre os considera solidariamente. Isto é, o
direito pode punir o ato independentemente dos
motivos ‐ por exemplo, nos caso de responsabilidade
objetiva – mas isto não ocorre com a moral, para a
qual a motivação e ação motivada são inseparáveis
(TÉRCIO, 2007, p. 371).
Por consequência ‐ inobstante a advertência realizada no parágrafo
anterior ‐ questões que não ultrapassem o âmago dos indivíduos,
terminantemente devem ficar restritas à moral. Nessa dimensão
ideológica, a partir do momento que nós, seres humanos, pudermos
resolver nossos problemas sem afetar bem jurídico alheio por intermédio
44
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
do dano (ofensividade), o direito não deve intervir. Repisando esse
raciocínio, Roxin infere a seguinte ilação:
[...] só pode ser castigado aquele
comportamento que lesione direito de outras
pessoas e que não é simplesmente um
comportamento pecaminoso ou imoral [...] o direito
penal só pode assegurar a ordem pacífica externa da
sociedade, e além desse limite nem está legitimado
nem é adequado para a educação moral dos cidadãos
(1981, p. 25 e 28 apud BATISTA, 2007, p. 91).
Outro argumento assaz utilizado diz respeito aos efeitos
decorrentes da inobservância das regras jurídicas, nesse caso, será
infligida ao contraventor uma sanção expressamente prevista na lei
(coerção). Diferentemente, os preceitos morais podem ser realizados
espontaneamente ou não por estar inserido no íntimo das pessoas e, em
havendo vitupério, o castigo não advém de seu conteúdo.
Inobstante as características acima esposadas, os institutos
convergem em algumas situações, até porque a Justiça enquanto fim
almejado pelo direito nada mais é do que um princípio moral regulativo (e
não constitutivo). Doravante, passemos a análise do crime de
adquirir/trazer consigo drogas para consumo pessoal, em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, em face do princípio da lesividade.
O pressuposto lesividade, altaneiro para constituição de crimes,
evidencia o porquê da diferenciação supramencionada. Nos dizeres de
Rogério Greco (2008, p. 53) “remonta ao período iluminista, que por
intermédio do movimento da secularização, procurou desfazer a confusão
que havia entre direito e moral”. Extraído do artigo 5°, inciso XXXV, da
Constituição Federal, explicita que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[12].
Alguns doutrinadores preferem discorrer acerca do escopo
fundamental do Estado Democrático de Direito, a saber, a Dignidade
Humana, para referendarem o referido princípio. A norma jurídica da
lesividade apregoa que, para o legislador erigir uma conduta humana a
5
45 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
crime, faz‐se imperioso que haja efetiva lesão ou, ao menos, um perigo
concreto de lesão ao bem jurídico tutelado.
Nessa senda, bem jurídico nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt
(2007, p. 07) pode ser definido “como o valor da vida humana protegido
pelo Direito, e, como o ponto de partida da estrutura do delito é o tipo de
injusto, representa a lesão ou perigo de lesão do bem juridicamente
protegido”. Prenhe de significados, este conceito revela ser imanente ao
fato delitógeno a ofensa ou ameaça concreta de dano a um valor relevante
ao Direito.
Constata‐se, nesses termos, consoante expõe Fernando Capez
(2004, p. 25) que “não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao
menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão à bem
jurídico”. Trazendo à baila as principais funções do princípio da
ofensividade, Nilo Batista ensina que:
Podemos admitir quatro principais funções do
princípio da lesividade. Primeira: proibir a
incriminação de uma atitude interna [...] Segunda:
proibir a incriminação de uma conduta que não
exceda o âmbito do próprio autor [...] Terceira:
proibir a incriminação de simples estados ou
condições existenciais [...] proibir a incriminação de
condutas desviadas que não afetem qualquer bem
jurídico (BATISTA, 2007, pp. 92, 93 e 94).
Merece ser dito o reflexo deste princípio em dois planos distintos:
um direcionado ao legislador, delimitando as condutas que podem ser
proibidas, e o outro destinado ao operador do direito na sua função
interpretativa, adequando as normas aos princípios norteadores do
Estado de Direito.
Acontece que, a semelhança do flutuar da areia entre os dedos sob
a forte influência de uma ventania, o discurso legitimador do delito
previsto no artigo 28 da Lei de Drogas degenera a teoria criminal acima
coligida. Esta criminalização se atrela aos seguintes fundamentos: a)
46
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
consistir em um crime de perigo abstrato e; b) tutelar o bem jurídico saúde
pública. Nas instruções de Rogério Greco crime de perigo abstrato:
[...] também reconhecido como de perigo
presumido, em que basta a prática do
comportamento previsto pelo tipo para que a
infração penal reste consumada,
independentemente da produção efetiva de perigo
ao bem juridicamente tutelado, a exemplo do que
ocorre com a posse irregular de arma de fogo de uso
permitido (art. 14 da Lei n° 10.826, de 22 de
dezembro de 2003), bem como o art. 306 do Código
de Trânsito brasileiro que, com a nova redação que
lhe foi dada pela Lei n° 11.705, de 19 de junho de
2008, que presume o perigo do comportamento
daquele que é surpreendido conduzindo veículo
automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou
superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de
qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência (GRECO, 2012, p. 39).
Nesse ponto, torna‐se irrelevante para configuração de um crime
de perigo abstrato um dano real, concreto, ao valor que se pretende
tutelar com a norma, visto que, na maioria das vezes não são bens
jurídicos palpáveis, como o exemplo da saúde pública. Esses bens coletivos
justificam a intervenção estatal sobre o fundamento de que, nesses casos,
os indivíduos não podem dispô‐los sem afetar os demais titulares.
Denominados de crimes vagos, não possuem vítimas determinadas.
Dessa maneira, na lição de Damásio de Jesus (1994, p. 184) “são os que
têm por sujeito passivo entidades sem personalidade jurídica, como a
família, o público ou sociedade. Ex: ato obsceno (CP, art. 233)”.
Eis julgado da Turma Recursal do Rio Grande do Sul que corrobora
as teorias legitimadoras do crime previsto no artigo 28 da Lei Antedrogas:
5
47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE.
ART. 28 DA LEI 11.343/2006. SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA.POSSE DE ENTORPECENTES.
Constitucionalidade do art. 28, da Lei de Drogas. A
quantidade de entorpecente apreendida com o
acusado já presume ameaça a bem jurídico que
extrapola a individualidade estrita do agente
possuidor. Conduta típica. Absolvição. Prova
judicialmente produzida se mostra insuficiente a dar
suporte à sentença condenatória. Art. 386, inc. VII,
do CPP.RECURSO PROVIDO. (Recurso Crime Nº
71002404556, Turma Recursal Criminal, Turmas
Recursais, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício,
Julgado em 22/02/2010).
No mesmo sentido, podemos visualizar outro julgado proferido pela
Turma Recursal Criminal do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ART. 28 DA LEI Nº. 11.343/2006. CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. Inexiste inconstitucionalidade, porquanto o art. 28 da Lei de Drogas tenha como objetivo tutelar a saúde pública, que se reveste do caráter de direito coletivo, sobrepondo-se ao direito individual daquele que utiliza substância entorpecente. A conduta de quem porta substância entorpecente, mesmo que ínfima a quantidade, afigura-se típica, o que se constitui em característica do delito em questão. Não se cogita quanto à descriminalização da conduta em face do advento da lei nº. 11.343/06. A infração tipificada no artigo 28 da Lei de Drogas se caracteriza como de menor potencial ofensivo, comportando a aplicação de penas mais brandas, dentre as quais não se insere a privação de liberdade, o
48
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
que não significa a descriminalização da conduta. Jurisprudência majoritária que vê no cometimento do delito em questão dano à saúde pública, bem jurídico tutelado, não se abrindo espaço, portanto, para a aplicação do Princípio da Insignificância (Recurso Crime N° 71003823838, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Fábio Vieira Heerdt, Julgado em 07/08/2012).
Data vênia, tal linha ideológica não encontra mais espaço diante do
contexto teórico que estamos encartados. Em uma ordem jurídica
pautada pelo Estado Democrático de Direito, somente na hipótese (salvo
algumas exceções) de efetiva e concreta investida contra interesse social
relevante, estar‐se‐ia justificada alguma repressão penal (salvo hipóteses
excepcionais, como o porte de arma de fogo de forma irregular). Não é
outro o motivo que, no entender de Cezar Roberto Bitencourt:
Por essa razão, são inconstitucionais todos os
chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito
do Direito Penal de um Estado Democrático de
Direito, somente se admite a existência de infração
penal quando há efetivo, real e concreto perigo de
lesão a um bem jurídico determinado. Em outros
termos, o legislador deve abster‐se de tipificar como
crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo,
colocar e perigo concreto o bem jurídico protegido
pela norma penal. Sem afetar o bem jurídico, no
mínimo colocando‐o em risco efetivo, não há
infração penal (BITENCOURT, 2007, p. 22).
Objetivando impedir que a soberania do Estado, na sua mais alta
expressão, a da Justiça, reduza‐se a arbitrariedades, e traçando os
contornos necessários para mínima garantia dos direitos fundamentais,
evidenciando a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, aduz
Luigi Ferrajoli:
5
49 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
O mesmo pode‐se dizer dos denominados
“delitos de perigo abstrato” ou “presumido”, nos
quais tampouco se requer um perigo concreto, como
“perigo” que corre um bem, senão que se presume,
em abstrato, pela lei; dessa forma, nas situações em
que, de fato, nenhum perigo subsista, o que se
castiga é a mera desobediência ou a violação formal
da lei por parte de uma ação inócua em si mesma.
Também estes tipos deveriam ser reestruturados,
sobre a base do princípio da lesividade, como delitos
de lesão, ou, pelo menos, de perigo concreto,
segundo mereça o bem em questão uma tutela
limitada ao prejuízo ou antecipada à mera colocação
em perigo (FERRAJOLI, 2002, p. 383).
Corroborando a opinião do doutrinado contrária ao denominados
crimes de perigo abstrato instituidores de presunções dentro do Direito
Penal, Luiz Flávio Gomes afirma:
Em virtude do princípio da ofensividade, de
outro lado, está proibido no direito penal o perigo
abstrato. Porte de arma de fogo quebrada ou
desmuniciada: para quem não considera o princípio
da ofensividade, há crime. Essa concepção,
entretanto, segundo nosso ponto de vista, é
inconstitucional (não se pode restringir direitos
fundamentais básicos como a liberdade ou o
patrimônio sem que seja para tutelar concretas
ofensas a outros direitos fundamentais) [...] O
aspecto valorativo da norma fundamenta o injusto
penal, isto é, só existe crime quando há ofensa
concreta a esse bem jurídico. Daí se conclui que o
crime exige, sempre, desvalor da ação (a realização
de uma conduta) assim como desvalor do resultado
(afetação concreta de um bem jurídico). Sem ambos
os desvalores não há injusto penal (não há crime).
Contrariando praticamente toda doutrina do século
50
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
XX, essa é a nossa clara posição a respeito do assunto
(GOMES, 2006, p. 116).
Não se podem punir os seres humanos por intermédio de fatos que
aos olhos de outrem constitua mera imoralidade, ainda mais com a
utilização de uma ferramenta causadora de transtornos irreversíveis como
é o caso do Direito Penal. Inconcebível, pois, por meio de interposto
conjunto de frases se legitimarem o entendimento de que o ato de
adquirir/portar substâncias entorpecentes para consumo pessoal causaria
riscos por si só a coletividade. Inconformado quanto a isso, Salo de
Carvalho faz a seguinte ilação:
O discurso da periculosidade presumida do ato
(expansividade) e do escopo da Lei em tutelar
interesses coletivos e não individuais permite,
inclusive, que a posse de pequena quantidade de
droga seja objeto de incriminação. A impossibilidade
de constatação empírica das teses de legitimação do
discurso criminalizador, decorrente sobretudo da
intangibilidade do bem jurídico, por si só desqualifica
a manutenção da opção proibicionista (CARVALHO,
2010, p. 267).
Como o próprio dispositivo especifica, a conduta prevista no artigo
28 da Lei de Drogas se destina a consumo pessoal, logo, poderá haver
danos à saúde do próprio consumidor. Fato esse que evidencia a
inexistência de expansividade do perigo, não existindo ofensa à saúde
pública quando o único afetado é o usuário de drogas.
Nessa linha ideológica, não há como negar a contraposição entre
ofensa ao bem jurídico abstrato “saúde pública” e a aquisição ou posse
para uso pessoal de drogas, isso porque, a dilatação do perigo é
incompatível com a destinação individual. Com identidade de raciocínio
afirma com clarividência de ideias Maria Lúcia Karam:
A destinação pessoal não se compatibiliza com o
perigo para interesses jurídicos alheios. São coisas
conceitualmente antagônicas: ter algo para difundir
5
51 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
entre terceiros, sendo totalmente fora de lógica
sustentar que a proteção à saúde pública envolve a
punição da posse de drogas para uso pessoal
(KARAM, 1991, p. 126).
O Estado por interlúdio dos direitos e garantias fundamentais
expressos na Constituição Federal se autolimitou, freando o ímpeto
intervencionista que por ventura tenha existido em um dado momento
histórico. Sem sombra de dúvidas a conduta que tem como fim a utilização
de drogas consubstancia autolesão que, a exemplo do suicídio, não deve
ser erigida a crime, decerto, a única lesão ocasionada se direciona ao
próprio autor, nesse sentido Maria Lúcia Karam:
A simples posse das drogas tornadas ilícitas para
uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que
não envolvam um perigo concreto, direto e imediato
para terceiros, são condutas que dizem respeito
unicamente ao indivíduo, à sua intimidade e às suas
opções pessoais. Não estando autorizado a penetrar
no âmbito da vida privada, não pode o Estado intervir
sobre condutas de tal natureza [...] (KARAM, 2009, p.
29).
Em arremate, salientando a imprescindibilidade do princípio em
comento, até porque constitui limite à intervenção na esfera privada das
pessoas, pugna Guilherme de Souza Nucci:
Defendemos, portanto, que a ofensividade ou
lesividade deve estar presente no contexto do tipo
penal incriminador, para avaliá‐lo, legitimá‐lo, sob
pena de se esgotar o Direito Penal em situações
inócuas e sem propósito [...] a ofensividade é um
nítido apêndice da intervenção mínima ou
subsidiariedade do Direito Penal Democrático
(NUCCI, 2007, p. 74/75).
O princípio da lesividade constituiu qualitativamente umas das
maiores conquistas dos indivíduos em sociedade, ao passo que constitui
52
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
óbice à intervenção Estatal nas liberdades de pensamento, ideologias
políticas, filosóficas, de crença, e etc. Em outras palavras, conforme
esclarece Juarez Cirino dos Santos (2008, p. 26), “essas liberdades
constitucionais individuais devem ser objeto da maior garantia positiva
como critério de criminalização e, inversamente, da menor limitação
negativa como objeto de criminalização por para do Estado”.
Como explicita Salo de Carvalho (2010, p. 268) “mecanismos
retóricos abstratos de legitimação da punição aos usuários produz
significativa violência ao núcleo constitucional que deveria sustentar o
direito penal”. Menoscabar o trato com a saúde das pessoas e criminalizar
a conduta com a justificativa de uma pseudo tutela de interesses coletivos,
consubstancia assinar atestado de incompetência referente às políticas
públicas de redução dos danos. Com o atual sistema criminal de drogas
vivenciamos o modelo de direito penal do autor, onde todo o usuário
poderia se tornar em algum momento traficante.
2.2.4 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
É sabido por todos que a Constituição Federal de 1988 sistematizou
regras jurídicas referentes à forma de Estado, à forma de Governo, ao
modo de aquisição e exercício do poder, bem como ao estabelecimento
de seus órgãos e aos limites de suas ações. Aquela, também chamada de
Constituição‐Garantia, visa garantir a liberdade dos seus governados por
meio da limitação do próprio poder. Dessa maneira, vivemos sob a égide
da democracia que, conforme assenta Inocêncio Mártires Coelho:
[...] no plano das relações concretas entre o
Poder e o indivíduo, considera‐se democrático
aquele Estado de Direito que se empenha em
assegurara aos cidadãos o exercício efetivo não
somente dos direitos civis e políticos, mas também e
sobretudo dos direitos econômicos, sociais e
culturais, sem os quais de nada valeria a solene
proclamação daqueles direitos (MENDES; MÁRTIRES;
GONET, 2009, p. 171).
5
53 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Extraída do texto constitucional, a Dignidade Humana evidencia um
dos grandes pilares do nosso corpo jurídico de normas, arrimando,
fundamentalmente, o Estado Democrático de Direito. Dessa forma,
delineando os contornos da República Federativa do Brasil, aduz o artigo
1°, inciso III, da Constituição Federal que, dentre os seus princípios
democráticos a dignidade da pessoa humana estabelece garantia de
incomensurável importância, destinada a assegurar uma ordem social
equânime e pacífica.
O primeiro reconhecedor do princípio ora esboçado foi o filosofo de
Königsberg, Immanuel Kant, um dos maiores expoente na seara da Ciência
Ética. Em artigo dedicado ao tema, Victor Santos Queiroz (2005, p. 1)
afirma que “Kant foi o primeiro a reconhecer que ao homem não se pode
atribuir valor (preço), devendo ser considerado um fim em si mesmo e em
função da sua autonomia enquanto ser racional”[13].
Destarte, o conjunto sistemático de ideias sobre os direitos
humanos, construído posteriori à Segunda Guerra Mundial, consubstancia
resposta aos regimes totalitários (grande parte responsáveis pelos
conflitos) cuja ideologia prescinde os direitos e ressalta os deveres diante
do Estado. Kant foi o defensor da liberdade inerente aos indivíduos, seres
racionais e submetidos às leis morais, fundamentando todo o sistema
internacional de proteção aos direitos humanos.
Immanuel é taxativo ao afirmar a impossibilidade de conceber
qualquer coisa no mundo, ou mesmo fora dele, que possa ser considerada
boa sem qualificação, exceto uma boa vontade, aquela dirigida pelo
imperativo categórico. Por conta disso, fundamenta que os seres humanos
são fins em si mesmo, pois não se concebe a sua vinculação como meio
destinado a alcançar outros fins que não sejam os endomorais.
Dessa maneira, a Dignidade Humana se identifica como uma meta
geral a ser alcançada fundamentando o Estado Democrático de Direito.
Luiz Flávio Gomes inscreve de modo seguro que:
[...] esse princípio é a base de todos os demais,
assim como do próprio modelo de estado que
adotamos (Estado Constitucional e Democrático de
54
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Direito – CF, art. 1°, III). De qualquer maneira, no
âmbito penal, cabe destacar o seguinte aspecto da
sua força normativa: nem a lei e muito menos a pena
pode ser ofensiva à dignidade humana sob pena de
inconstitucionalidade patente (GOMES, 2006, p.
120/121).
Para Alexandre de Morais o referido princípio:
[...] concede unidade aos direitos e garantias
fundamentais, sendo inerente às personalidades
humanas. Esse fundamento afasta a ideia de
predomínio das funções transpessoalistas de Estado
e Nação, em detrimento da liberdade individual. A
dignidade é um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas, constituindo‐
se um mínimo invulnerável que todo estado jurídico
deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre
sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAIS,
2008, p. 22).
Destacam‐se, desta maneira, duas funções exercidas pelo
princípio in concreto, enquanto direito pertencente a indivíduos
determinados e como um valor absorvido por toda uma ordem social. As
pessoas devem ser consideradas dignas seja qual for o objetivo colimado,
somos sujeitos de direitos e não meros objetos.
A tipificação penal e o tratamento criminal dispensado ao
adquirente/portador de drogas para consumo pessoal caminham na
contramão dos preceitos estabelecidos acima, desrespeitando diretos
imanentes aos seres humanos. Assim sendo, o princípio da Dignidade da
Pessoa Humana constitui a viga mestra de todos os direitos
5
55 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
constitucionalmente consagrados, como a liberdade, igualdade,
intimidade, a privacidade, dentre outros.
Claramente, quando o legislador delibera em criminalizar condutas
prenhes de significados pessoais, mesmo que questionados a partir da
moralidade, abnega‐se o referido fundamento constitucional. Consoante
insta Mauricio Antônio Ribeiro Lopes:
[...] somente as infrações mais graves da ordem
social devem ser eleitas pelo Direito Penal como
objeto de sua incidência [...] a importância da lesão
do ordenamento jurídico (fundamentalmente a
hierarquia do bem jurídico lesado) é codeterminante
da gravidade do fato. Portanto, fatos que afetem
bens jurídicos de pouco valor ou que importam
lesões de pouca significância não poderão ser
reprimidos [...] (RIBEIRO, 1999, pp. 254/256).
Continua o supracitado autor afirmando que (1999, p. 243) “muito
embora a tutela dos direitos fundamentais do homem tenha sido expressa
na Constituição, a nosso ver, carece de maior amplitude e pormenorização
aos direitos preservados”. Nesse diapasão, respeitar a dignidade da
pessoa humana pressupõe a proteção dos direitos e garantias
fundamentais. A liberdade não pode ser vista como um simples direito de
existência, devendo ser intangível às escolhas individuais, seja lá qual o
fator determinante para tal, desde que, evidentemente, sejam
respeitados os bens jurídicos alheios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para respeitarmos o Estado Democrático de Direito, deve-se promover uma sociedade equânime que prime pelo reconhecimento da diversidade de valores e comportamentos, ora, democracia é justamente isso, tratar de forma igual e garantir o respeito às minorias ideológicas, até porque todos os seres humanos estão imantados pela dignidade humana.
Sem sombra de dúvidas, de igual importância é o papel do operador do direito na perspectiva de minimizar a criminalização e
56
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
efetivar a Constituição Federal, especialmente devido à densificação do constitucionalismo no século XX. A partir daí, aquele diploma altera a percepção do ordenamento jurídico, passando a servir de filtro a produção legislativa infraconstitucional, ou seja, exercendo seu papel em um Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, no sentido de proceder à máxima efetividade das regras e dos princípios constitucionais, inicia-se o desprendimento acerca da legalidade estrita, criticando-se o saber derivado do positivismo dogmático. Quando se analisa a criminalização do adquirir/portar drogas para consumo pessoas à luz dos princípios constitucionais, observamos uma fragilidade do discurso legitimador da tipificação penal, onde o Estado nos dias atuais se vê obrigado a buscar alternativas para o combate das drogas, guerra esta perdida há muito tempo.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Derechos Sociales Fundamentales. Trad. Ernesto
Garzón Valdés. Madrid: Centro de estúdios Políticos e Constitucionales,
2001.
ASSUNÇÃO, Léo Reis da. A Criminalização da Homofobia no
Brasil. 2012. 71 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade
Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, 2012.
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; Azevedo, Tupinambá Pinto
de. Política Criminal e Direito Penal: histórico e tendências
contemporâneas. Disponível em
<http://www.proppi.uff.br/ineac/curso/nufep/artigos/palestrantes/16/0
1.pdf>. Acesso em: 13 Agost. 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de
Janeiro: Revan, 2007.
5
57 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
BATSITA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis: drogas e juventude
pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
volume . 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Malheiros, 2009, p. 272.
BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998.
BRASIL. Lei 11.343 (2006). Lei . , de de agosto de
. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2006.
BRASIL, RIO GRANDE DO SUL. TJRS, Turma Recursal Criminal. Recurso
Criminal, n° 71002404556. Relator Newton Luís Medeiros Fabrício. Rio
Grande do Sul, 26.02.10.
BRASIL, RIO GRANDE DO SUL. TJRS, Tribunal Pleno. Incidente de
Inconstitucionalidade Nº 686063256. Relator: Milton dos Santos Martins,
Julgado em 14/12/1988.
BRASIL, RIO GRANDE DO SUL. TJRS, Turma Recursal Criminal. Recurso
Criminal, n° 71003823838. Relator Fábio Vieira Heerdt. Rio Grande do Sul,
07.08.12.
BRASIL, SÃO PAULO. TJSP, 6ª Câmara Criminal. Acórdão, n°
01113563.3/0‐0000‐000. Relator José Henrique Rodrigues Torres. São
Paulo, 31.03.08.
BURGIERMAN, Denis Russo. O Fim da Guerra: a maconha e a criação
de um novo sistema para lidar com as drogas. São Paulo: Leya, 2011.
CANDIDO, Rangel Dinamarco. A Instrumentalidade do Processo
Penal. São Paulo: Malheiros, 1990.
58
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
CAMARGO, Monica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência
no Brasil: o conflito entre o punir e libertar. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2005.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, volume 1. São
Paulo: Saraiva, 2004.
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. São Paulo:
Servanda Editora, 2010.
CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Reformas Penais
em Debate. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.
CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: estudo
criminológico e dogmático da lei . / . 5°. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2010.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo:
Editora Malheiros, 2009.
GRABITZ, Eberhard. Der Grundsatz der Verhälnismässigkeit in der
Rechtsprechung de Bundesverfassungsgerichts. Aör, 1973/498. In:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora
Malheiros, 2009, p. 272.
CUNHA, Alexandre dos Santos. A Normatividade da Pessoa Humana:
o estado jurídico da personalidade e o código civil de . Rio de
Janeiro: Forense, 2005.
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria
geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
5
59 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
FILHO, Manuel Gonçalves Ferreira. Comentários à constituição
brasileira de . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
FILHO, Vicente Greco; RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada: Lei
n. . / . São Paulo: Saraiva, 2007.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. vol. 1. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006.
GOMES, Luiz Flávio. Normas, Regras e Princípios. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/7527/normas‐regras‐e‐principios>.
Acesso em 27 Set. 2012.
GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas. Jus Navigandi. 2006.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9180/nova‐lei‐de‐
drogas>. Acesso em: 05 out. 2012.
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches;
OLIVEIRA, William Terra de. Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006.
GRAU, Eros Robert. A Ordem Econômica na Constituição de .
São Paulo: RT, 1990.
GRÉCO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 10. ed. Rio de
Janeiro: Editora Impetus, 2008.
GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 6. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2012.
DUARTE, Paulina do Carmo A. Vieira; ANDRADE, Arthur Guerra
de. Integração de competências no desenvolvimento da atividade
judiciária com usuários e dependentes de drogas. Brasília: Ministério da
Justiça, Secretaria Nacional de Política sobre Drogas, 2011.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 10. ed. rev. Rio de
Janeiro: Forense, 2001.
60
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manoel Cancio. Direito Penal do
Inimigo. trad. André Luis Gallegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005.
JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva,
1994.
JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006.
JÚNIOR, Aury Lopes. O Fundamento da Existência do Processo
Penal. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1060/o‐
fundamento‐da‐existencia‐do‐processo‐penal>. Acesso em 24 setem.
2012.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2. ed.
Salvador: Juspodvm, 2008.
JÚNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito:
técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2007.
JÚNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Sigilo de Dados: o direito à
privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. n. 1, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1992.
KARAM, Maria Lúcia. De crimes, Penas e Fantasias. Niterói: Luam,
1991.
KARAM, Maria Lúcia. Proibições, Riscos, Danos e Enganos: as drogas
tornadas ilícitas. vol. 3. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Batista
Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LARANJEIRA, Ronaldo; NICASTRI, Sérgio. Abuso e Dependência de
Álcool e Drogas. In: ALMEIDA, O.P.; DRATCU, L.; LARANJEIRA, R. Manual
de Psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
5
61 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo:
Editora Saraiva, 2008.
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito
Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
MARQUES, Ana Cecilia Petta Roselli. O Uso do Álcool e a Evolução do
Conceito de Dependência de Álcool e Outras Drogas e
Tratamento. Revista Produção on‐line. Numero 3. São Paulo: IMEC, 200i,
outubro 2001. Disponível em: <http://www.imesc.sp.gov.br/pdf/artigo 5
‐ O USO DO ÁLCOOL E A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DEPENDÊNCIA DE
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS.pdf>. Acesso em 08 nov. 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora
Atlas, 2008.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro:
Forense, 2007.
NETO, Chade Rezek. Princípio da proporcionalidade no estado
democrático de direito. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. In: CARVALHO,
Djalma Eutímio. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007,
p.53.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e
especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 8. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
OLMO, Rosa Del. América Latina y su Criminologia. México: Siglo
Veintiuno, 1984.
OLMO, Rosa Del. A Face Oculta da Droga. Rio de Janeiro: Editora
Revan, 1990.
62
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
POLÍTICA de drogas, cultura do controle e propostas
alternativas. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 25 out.
2012. Disponível em:
<http://www.ibccrim.org.br/site/comissoes/politicaDrogas.php>. Acesso
em: 25 out. 2012.
PRINCÍPIO: In: DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. Brasil: Priberam
Informática, 2012. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo>.
Acesso em: 14 Setem. 2012.
QUEIROZ, Victor Santos. A Dignidade da Pessoa Humana no
Pensamento de Kant. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/7069/a‐dignidade‐da‐pessoa‐humana‐
no‐pensamento‐de‐kant>. Acesso em: 24 Out. 2012.
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito
Penal. Tradução: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
ROXIN, Claus. Iniciación al derecho penal de hoy. trad. F. Muñoz
Conde e D.M. Luzón‐Peña, Sevilha, 1981, ed. Univ. de Sevilha. In: BATISTA,
Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan,
2007.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 3. ed. Curitiba:
Lumen Juris, 2008.
SANTOS, Lycurgo de Castro. Tóxicos: algumas considerações
penais. In: CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil:
estudo criminológico e dogmático da lei . / . 5°. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2010.
SILVA, Davi André Costa. Do Tratamento Diferenciado Dado ao
Usuário de Drogas: medida despenalizadora mista. Jus Navigandi. 2006.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8949/art‐28‐da‐lei‐no‐
11‐343‐06>. Acesso em: 05 out. 2012.
5
63 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
SILVA, José Afonso Da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São
Paulo: Editora Malheiros, 2005.
STF, 1ª Turma, RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
13.2.2007. Informativo n. 456. Brasília, 12 a 23 de fevereiro de 2007.
TEIXEIRA, Eduardo Didonet. Toxicologia e Segurança Pública: livro
didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2007.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2004.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
Direito Penal Brasileiro: parte geral. 9. ed. rev. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. El Enemigo en el Derecho Penal.
Disponível em:
<http://www.geocities.ws/cindeunsch/doc/public/Zaffa03.pdf>. Acesso
em 24 nov. 2012.
NOTAS:
[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 01 Set. 2012.
[2] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 05 Set. 2012.
[3] Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=princ%C3%ADpio>. Acesso em 26 Set. 2012.
[4] Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=princ%C3%ADpio>. Acesso em 26 Set. 2012.
64
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[5] Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/7527/normas-regras-e-principios>. Acesso em 27 Set. 2012.
[6] “Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas existentes. Portanto os princípios são mandamentos de otimização”.
[7] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 02 Out. 2012.
[8] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 03 Out. 2012.
[9] Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em 04 Out. 2012.
[10] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 05 Out. 2012.
[11] Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 05 Out. 2012.
[12] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso 10 Out. 2012.
[13] Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/7069/a-dignidade-da-pessoa-humana-no-pensamento-de-kant>. Acesso em 24 Out. 2012.
5
65 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL E A REGULAMENTAÇÃO NO SETOR DE SAÚDE.
JULIANA VIEIRA BERNAT DE SOUZA: Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, residente jurídico na Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro (2009 - 2011) e residente Jurídico na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (2011 - 2013).
Resumo: O modelo de Estado empresário baseado na intervenção direta
na economia foi substituído a partir dos anos 1990 pelo modelo de Estado
regulador cuja intervenção ocorre por meio indireto. A função regulatória
está ligada ao Poder Executivo, no exercício do poder de polícia
administrativa, na intervenção do Estado na ordem econômica, e na
prestação dos serviços públicos. Tem por escopo garantir a eficiência do
serviço, proteger o administrado e defender a concorrência. Para tanto,
optou‐se por exercer a função reguladora por meio de entidades
reguladoras independentes. As agências reguladoras são autarquias de
natureza especial, criadas por lei, com o objetivo de regulamentar e
fiscalizar a prestação de bens e serviços considerados de relevância
pública. A legislação atribui às agências reguladoras poderes para regular,
emitir normas, controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados. O
regime jurídico especial atribuído às agências reguladoras consiste na
imputação de uma maior independência e autonomia administrativa e
financeira perante o Poder Executivo. Esse regime, por sua vez tem por
objetivo preservar as agências de interferências indevidas, até mesmo por
parte do Estado e seus agentes. Por este motivo, procurou‐se definir uma
autêntica discricionariedade, com preponderância de juízos técnicos
sobre as valorações políticas. Em 2000, com a criação da ANS – Agência
Nacional de Saúde Suplementar ocorreu os primeiros passos no processo
de regulação das operadoras de planos de saúde. A Agência nasceu com o
objetivo de efetivar todas as previsões trazidas pela Lei nº 9.656/98 (Lei
dos Planos de Saúde), e de ajudar a dificultar práticas lesivas aos
66
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
consumidores e, ainda, estimular comportamentos que reduzam os
conflitos e promovam a estabilidade do setor.
Palavras‐chave: Regulação. Agências Reguladoras. Poder Normativo.
Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Abstract: The model based businessman in direct state intervention in the
economy was replaced from 1990 by the regulatory state model whose
intervention occurs by indirect means. The regulatory function is linked to
the executive branch, in the exercise of administrative police, the state
intervention in the economic order, and the provision of public services.
Seeks to guarantee the efficiency of the service, protect and defend the
run competition. For this, we chose to perform the regulatory function
through independent regulators. Regulatory agencies are authorities of a
special nature, created by law in order to regulate and oversee the
provision of goods and services considered to be of public importance. The
law grants powers to regulators to regulate, issue regulations, control and
supervise the delegates utilities. The special legal regime attributed to
regulatory agencies is the attribution of greater independence and
financial and administrative autonomy from the executive branch. This
system, in turn aims to preserve the agencies from undue interference,
even by the state and its agents. For this reason, we sought to define an
authentic discretion, with a preponderance of technical judgments about
the political valuations. In 2000, with the creation of the ANS – Agência
Nacional de Saúde Suplementar was the first steps in the regulation of the
health insurance providers. The Agency was founded with the goal of
effecting all predictions introduced by Law 9.656 / 98 (Law on Health
Insurance), and help hinder practices harmful to consumers and also
encourage behaviors that reduce conflict and promote stability sector.
Keywords: Regulatory. Regulatory Agencies. Normative power. National
Health Agency.
Sumário: Introdução. 1.As Agências reguladoras. 1.1. As agências
reguladoras no Brasil. 1.1.1 Origem. 1.1.2. Natureza Jurídica. 1.1.3.
Características. 1.1.4. Constitucionalidade das Agências Reguladoras no
Brasil. 1.2 Poder Normativo das Agências Reguladoras 2. Regulação no
5
67 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Setor de Saúde. 2.1 ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. 2.1.1
Competência da ANS. 2.1.2. Fiscalização das Operadoras de Saúde
Suplementar no Brasil. 2.1.2.1. Instrumentos de Fiscalização.
3.Considerações Finais. 4. Referências Bibliográficas.
Introdução
A partir da década de 90 do século XX , houve uma redefinição do
papel do Estado brasileiro que se tornou menos produtor e mais
regulador. Optou‐se pelo modelo de regulação setorial, sob o argumento
de que, em prol da eficiência, a prestação dos serviços públicos passaria a
ser realizada pela iniciativa privada.
Contudo, tendo em vista o interesse público, o Estado continuaria
exercendo o controle e a fiscalização desses serviços, por meio da atuação
de entidades dotadas de maior celeridade na implementação de políticas
públicas em razão de sua estrutura especializada.
O art. 174 da Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado,
como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Coube ao Estado promover e regular o desenvolvimento e não ser
o responsável direto pela produção de bens e serviços. Para tanto, fez‐se
imperiosa a criação de entidades que realizassem a supervisão das
atividades e serviços que foram transferidos ao setor privado.
A regulação no ordenamento jurídico pátrio é realizada pelas
agências reguladoras. A função é executar as políticas do Estado de
orientação e planejamento da economia, com objetivo de dar maior
eficiência ao mercado por meio de intervenção direta nas decisões dos
setores econômicos.
As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas
por lei e dotadas de poder de fiscalização e poder regulamentar.
Caracterizam‐se pela independência em face do Poder Executivo, por não
68
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
se submeter a controle hierárquico. Emanam normas que regulamentam
a matéria de sua competência e decidem litígios.
A autonomia desses entes robustece‐se com as seguintes
características: (i) independência política de seus diretores, que possuem
estabilidade diferenciada, mandatos não coincidentes com o mandato do
Chefe do Executivo e por prazo determinado; (ii) independência técnica
decisória, na qual devem predominar motivações fundamentadas em
decisões técnicas; (iii) independência normativa, para o exercício da
competência reguladora dos setores a seu cargo; (iv) independência
orçamentária e financeira ampliada, com recursos próprios.
O foco deste trabalho é analisar, sem esgotar o tema, os principais
aspectos que definem as agências reguladoras.
Especificando o tema, foi escolhida a regulação da saúde,
representada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Tal
autarquia regulatória, vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada pela Lei
nº 9.961, de janeiro de 2000, pela necessidade de regulamentação dos
planos de saúde privados. E tem como objetivo a regulação, o controle e
a fiscalização das atividades e serviços privados médico‐hospitalar ou
odontológico prestados por operadoras de planos de saúde.
A Agência se diferencia das outras agências reguladoras, pois o
setor de saúde suplementar não foi privatizado. Não existia qualquer tipo
de intervenção do Poder Público até a promulgação da Lei nº 9.656/98 (Lei
dos Planos de Saúde), que dispõe sobre a prestação de serviço e
funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde.
. AS AGÊNCIAS REGULADORAS
. . ‐ As Agências Reguladoras no Brasil
1.1.1. ‐ Origem
A compreensão da origem das agências reguladoras implica no
entendimento das modificações nas concepções quanto ao papel do
Estado ocorridas no final do século XX.
5
69 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A redefinição do papel do Estado acarretou intensas
transformações na Administração Pública que passou a adotar os
princípios da desburocratização e descentralização como balizadores de
suas ações.
As experiências de desregulação nos Estados Unidos, e de
desestatização na Europa transformaram‐se em projetos de Reforma do
Estado que se espalhou por vários países, inclusive no Brasil.
Implantou‐se a administração pública gerencial, que constituiu um
afugentamento do sistema burocrático tradicional, conservando‐se alguns
de seus princípios essenciais. O foco da administração gerencial é a
satisfação do indivíduo, devendo o Poder Público assegurar a maior
eficiência e qualidade dos serviços públicos.
Houve uma redefinição da função do Estado perante o cenário
econômico e político. O Estado passa de intervencionista para subsidiário,
aproximando‐se da sociedade, uma vez que a sociedade passa a participar
ativamente da realização do interesse público. Há, pois, uma delegação
social.
A discussão sobre as agências reguladoras no Brasil ocorreu em
1995, por ocasião da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado. O Plano objetivava a descentralização da prestação de serviços
e o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado.
Nesse período de diminuição da intervenção do Estado na
economia, efetivou‐se o Programa Nacional de Desestatização (PND),
instituído pela Lei 8.031/1990, substituída pela Lei 9.491/1997, que criou
regras e diretrizes para o processo de privatização das empresas estatais.
O PND buscou maior eficiência, afastando a burocracia, com o
escopo de tornar o Estado mais gerencial. Dentre seus objetivos, o artigo
1º da referida Lei, dispõe:
Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização –
PND tem como objetivos fundamentais:
70
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
I ‐ reordenar a posição estratégica do Estado na
economia, transferindo à iniciativa privada atividades
indevidamente exploradas pelo setor público;
II ‐ contribuir para a reestruturação econômica
do setor público, especialmente através da melhoria
do perfil e da redução da dívida pública líquida;
III ‐ permitir a retomada de investimentos nas
empresas e atividades que vierem a ser transferidas
à iniciativa privada;
IV ‐ contribuir para a reestruturação econômica
do setor privado, especialmente para a
modernização da infra‐estrutura e do parque
industrial do País, ampliando sua competitividade e
reforçando a capacidade empresarial nos diversos
setores da economia, inclusive através da concessão
de crédito;
V ‐ permitir que a Administração Pública
concentre seus esforços nas atividades em que a
presença do Estado seja fundamental para a
consecução das prioridades nacionais;
VI ‐ contribuir para o fortalecimento do mercado
de capitais, através do acréscimo da oferta de valores
mobiliários e da democratização da propriedade do
capital das empresas que integrarem o Programa.
O estabelecimento desse novo ambiente na administração pública
brasileira teve como resultado a alteração na forma de desempenho do
Estado que passou a atuar indiretamente no setor de infraestrutura.
A redução da participação estatal na economia ordenava,
concomitantemente, o fortalecimento das instituições encarregadas de
estabelecer políticas públicas e de regular os setores desestatizados.
O Estado não exerce mais certas atividades, contudo, conserva,
ainda, suas titularidades. Transfere‐se somente o direito de execução das
5
71 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
atividades pelo particular. O Estado controla tais atividades e as fiscaliza
para a conservação da supremacia do interesse público e das garantias
fundamentais.
A ampliação do poder do Estado sobre a atividade privada exigiu
instrumentos jurídicos e materiais compatíveis com necessidades que
antes eram inexistentes. Desta feita, para regular esses serviços e
atividades foram instituídos órgãos reguladores, conforme se pode extrair
dos artigos 21, XI e 174 da CF/88 [1].
Foram criadas, assim, as agências reguladoras, entidades com
função de controle, que regulam e fiscalizam um setor com eficiência e
qualidade, definindo normas a serem observadas pelos agentes regulados,
com respeito à livre concorrência e ao combate do abuso do poder
econômico para garantir investimentos, equilíbrio dos contratos e a
execução das políticas públicas.
Atualmente o governo federal conta com dez agências reguladoras,
como exemplos: a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criada
pela lei 9.427/1996 e a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações,
Lei 9.472/1997, ANP – Agência Nacional do Petróleo, Lei 9.478/1997, ANS
– Agência Nacional de Saúde Suplementar, Lei 9.961/2000, ANA – Agência
Nacional de Águas, Lei 9.984/2000.
1.1.2. – Natureza Jurídica
As agências reguladoras são pessoas jurídicas de Direito Público,
parte da Administração Pública Indireta, sob a forma de autarquias de
regime jurídico especial, dotadas de características próprias e
caracterizadas por sua autonomia em relação ao Poder Público. São
criadas por leis específicas, nos termos do artigo 37, inciso XIX da CF/88[2].
Marçal Justen Filho define as agências reguladoras como
“autarquia especial, criada por lei para
intervenção estatal no domínio econômico, dotada
de competência para regulação de setor específico,
inclusive com poderes de natureza regulamentar e
72
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
para arbitramento de conflitos entre particulares e
sujeita a regime jurídico que assegure autonomia em
face da Administração direta” [3].
1.1.3. – Características
As agências reguladoras podem ser criadas nas esferas federal,
estadual ou municipal, pois a competência para instituí‐las decorre da
titularidade do serviço público ou da previsão constitucional. Desta forma,
as agências reguladoras podem ser classificadas em agências federais,
estaduais e municipais de acordo com o ente federado instituidor.
As agências podem adotar dois tipos de modelos, de acordo com o
objeto da regulação: unissetorial (uma agência é criada para regular cada
setor específico) e multissetorial (existe apenas uma agência que regula
vários serviços públicos).
Mais uma característica das agências reguladoras é a sua
especialidade técnica. Essas entidades foram idealizadas como entes
administrativos técnicos, especializados, impenetráveis às imposições e
oscilações do processo político. A expertise e a especialidade propiciam as
condições de se decidir pela melhor decisão dentro das especificidades do
setor regulado, legitimando, desta maneira, a função reguladora.
Outra característica das agências é a gestão colegiada. Com um
órgão diretor colegiado, as decisões são tomadas pela composição dos
votos dos membros, repartindo a responsabilidade e conferindo maior
discussão, o que colabora para que exista maior legitimidade e
imparcialidade. Assim, agências possuem imparcialidade e neutralidade
no desempenho de suas funções e insubordinação hierárquica ao
Governo.
As agências têm um regime jurídico especial, que passa por uma
autonomia reforçada. Essa autonomia é normativa, administrativa e
financeira. Essas são três características básicas de todas as agências
reguladoras.
5
73 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A autonomia política‐administrativa se dá em relação ao Ente
central, tendo em vista dois fundamentos: despolitização e necessidade
de celeridade na regulação[4].
A autonomia administrativa da agência é fundamentada em duas
particularidades:
i) Estabilidade reforçada dos dirigentes das agências
reguladoras;
ii) Impossibilidade do recurso hierárquico impróprio.
A estabilidade reforçada dos dirigentes está disposta na Lei nº
9.986/2000[5], que trata do regime de pessoal das agências reguladoras.
A nomeação dos dirigentes não será de maneira livre ou ad nutum. O chefe
do Poder Executivo indica uma pessoa de reputação ilibada e de
conhecimento técnico no setor que será regulado. Após, o indicado passa
por uma sabatina no Senado Federal, que aprova ou não. Se aprovado,
será nomeado pelo Chefe do Executivo para o exercício de um mandato.
Após a nomeação, o dirigente somente poderá ser exonerado se cometer
falta grave comprovada mediante processo administrativo em que haja o
devido processo legal.
A outra particularidade da autonomia administrativa das agências
reguladoras é a impossibilidade de seus atos serem revistos por recurso
hierárquico impróprio. Este, por sua vez, é um recurso que é interposto
para conhecimento e julgamento por autoridade exógena à agência
reguladora. Ou seja, a autoridade que não pertence à autarquia
regulatória que proferiria a decisão recorrida.
O recurso hierárquico impróprio é uma exceção à autonomia da
entidade administrativa, e somente pode ser determinado pela lei de
criação da autarquia especial.
No entanto, a doutrina majoritária discorre que não é possível o
recurso hierárquico impróprio contra as decisões das agências
reguladoras. Na visão tradicional, só há hierarquia dentro do mesmo ente
administrativo. A hierarquia é uma característica interna das entidades
administrativas e, por isso, não existiria hierarquia entre entidades
74
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
administrativas diversas, pois o que existe entre entes diversos é a
chamada vinculação.
Portanto, não há a possibilidade da interposição do recurso
hierárquico impróprio, porque este minimizaria a autonomia da entidade
administrativa que profere a decisão recorrida. Ao se admitir o recurso
hierárquico impróprio, admitir‐se‐ia que uma entidade externa reveja a
decisão proferida pela agência reguladora. Haveria, neste caso, um
controle externo.
Em âmbito federal não há lei criadora de agência reguladora que
tenha previsto a interposição do recurso hierárquico impróprio. Por isso,
não cabe recurso hierárquico impróprio para esses entes federais.
Caso algum interessado discorde de ato ou decisão proferidos no
âmbito da agência reguladora, deverá se socorrer no Poder Judiciário.
Outro traço característico das agências reguladoras é a sua
autonomia financeira. Entende‐se que os entes regulatórios possuem
recursos financeiros suficientes para exercerem suas atividades. As
agências podem cobrar as chamadas taxas regulatórias do setor regulado.
Mais uma demonstração dessa autonomia financeira é a
possibilidade das agências elaborarem o próprio orçamento e
apresentarem ao Ministério respectivo ao qual são vinculados, para que
seja incluído nos projetos de leis orçamentárias. Esta tarefa demonstra o
controle com planejamento das receitas e despesas.
A característica mais importante das agências reguladoras é a sua
autonomia normativa. O poder normativo se efetiva por meio dos
decretos regulamentares. Os principais fundamentos dessa autonomia
são: (i) a existência de uma delegação legislativa; (ii) deslegalização; (iii)
princípio da eficiência; (iv) decretos autônomos; e, (v) flexibilidade obtida
com a norma regulamentadora.
Sobre a autonomia normativa discorre o doutrinador Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
5
75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
“Com efeito, está na atribuição de uma
competência normativa reguladora a chave para
operar em setores e matérias em que devem
predominar as escolhas técnicas, distanciadas e
isoladas das disputas partidárias e dos complexos
debates congressuais, pois essas, distintamente, são
métodos mais apropriados às escolhas político‐
administrativas, que deverão, por sua vez, se
prolongar em novas escolhas administrativas, sejam
elas concretas ou abstratas, para orientar a ação
executiva dos órgãos burocráticos da Administração
direta”[6].
Vê‐se, deste modo, que a autonomia das agências reguladoras é um
elemento crucial para construir a sua definição.
1.1.4. Constitucionalidade das agências reguladoras no Brasil
Com as transformações na organização do Estado e na ordem
econômica introduzidas por emendas constitucionais, passou‐se a ter
previsão na CF/88 de entidades reguladoras para os setores de
telecomunicações e petróleo[7].
Essas modificações autorizaram a criação, pelo legislador
infraconstitucional, de agências reguladoras nos setores de
telecomunicações e petróleo. Também ensejaram a criação de outras
autarquias reguladoras independentes nas áreas de energia elétrica,
transportes, saúde, meio ambiente, saneamento e cinema.
Sobre o tema existe a controvérsia quanto à constitucionalidade ou
não da agência reguladora que não tem a sua instituição estabelecida
diretamente na Constituição Federal.
A partir desse aspecto, parte da doutrina começou a defender a
tese de que as únicas agências reguladoras admitidas seriam àquelas
previstas na Constituição Federal, sendo que a criação de outras
autarquias regulatórias atentaria ao preceito do princípio constitucional
da legalidade e do princípio da segurança jurídica.
76
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Todavia, há quem discorde de tal entendimento, como, por
exemplo, Marçal Justen Filho, considerado um dos maiores doutrinadores
em Direito Regulatório. Para este doutrinador, é irrelevante que haja a
previsão constitucional explícita, pois se para se criar uma agência
reguladora fosse necessária a previsão constitucional explícita, as únicas
agências admitidas em nosso ordenamento seriam a ANATEL ‐ Agência
Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo. E,
por consequência tornar‐se‐ia inadmissível a existência de outras. E mais,
para o referido autor:
“as duas entidades previstas
constitucionalmente não são meras autarquias, mas
podem ser configuradas como figuras dotadas de
outros caracteres. Autarquias seriam as demais
figuras criadas legislativamente, sem previsão
constitucional. Já aquelas com assento constitucional
seriam entidades supralegais, às quais se
assegurariam atributos jurídicos excepcionais” [8].
. . Poder normativo das agências reguladoras
O poder regulamentar é a prerrogativa dos Chefes do Poder
Executivo de expedirem atos normativos com o objetivo de conferir maior
exequibilidade a uma lei[9].
Há alguns casos, porém, em que a Constituição autoriza a produção
de atos que emanam diretamente do mandamento constitucional e, por
isso, têm natureza primária. Nessas situações, não existe outro ato
legislativo que paira entre a Constituição e o ato de regulamentação como
ocorre tradicionalmente com o poder regulamentar[10].
O poder normativo das autarquias regulatórias deriva da conexão
existente entre a entidade que regulamenta e a atividade a ser
regulamentada.
Sobre esse poder, há discussão na doutrina administrativista sobre
se as agências reguladoras possuem ou não o poder normativo. Não há,
contudo, consenso sobre o assunto.
5
77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Essa controvérsia pode ser demonstrada por meio de duas posições
doutrinárias:
∙ A primeira corrente admite o poder normativo das agências
reguladoras, uma vez que esse poder normativo foi
estabelecido pela legislação criadora das agências.
O fundamento para esse entendimento é a tese da deslegalização
ou delegificação.
Pela referida técnica, o legislador transfere o tratamento de
determinado assunto do domínio da lei, passando‐o para a competência
da agência reguladora, isto é para o domínio do regulamento.
Então, a matéria que era tratada por lei, passará a ser tratada por
ato administrativo. Desta forma, a entidade administrativa pode
regulamentar o setor, por meio de normas.
Para essa corrente, a deslegalização tem guarida constitucional,
sendo, inclusive, contemplada na Carta. Cita‐se como exemplos o art. 96,
inciso I, alínea “a”, que desloca do Poder Legislativo para o Poder Judiciário
o dispor sobre a competência e funcionamento de seus respectivos
órgãos; o art. 207, caput, que desloca do Poder Legislativo para as
universidades o dispor sobre matérias didáticos‐científicas; e o art. 217,
inciso I, que desloca do Poder Legislativo para entidades desportivas,
dirigentes e associações, o dispor sobre suas organizações e
funcionamento. [11]
A corrente ainda cita outros argumentos: (i) a deslegalização
provém de lei votada e aprovada pelo Congresso Nacional; (ii) os
dirigentes das agências reguladoras, são aprovados após sabatina pelo
Senado Federal; e (iii) as regulações devem ser antecedidas de audiência
pública, dando maior legitimidade aos atos emanados pelas agências
reguladoras .[12]
∙ A segunda corrente considera inconstitucional o poder
normativo amplo às agências reguladoras. Ou seja, nega poderes
normativos às agências, e, também, nega a tese da
deslegalização.
78
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Essa corrente se fundamenta nas leis que criaram as agências
reguladoras. Estas trouxeram apenas princípios genéricos que devem ser
observados pela agência. O legislador não transferiu sua competência
para o administrador público. Não pode haver a chamada delegação
legislativa em branco ou delegação legislativa inominada, pois que esta
violaria dois princípios constitucionais: o princípio da legalidade e o
princípio da separação de poderes.
Para a segunda corrente, o poder normativo das agências
reguladoras é o mesmo poder normativo que qualquer outra entidade
administrativa possui, isto é, um poder normativo limitado, que deve estar
circunscrito aos seus agentes e as suas atividades internas.
Em contra‐argumento a segunda corrente, a primeira corrente diz
que não há a delegação legislativa em branco, pois a delegação em branco
ou inominada pressupõe uma delegação sem nenhum parâmetro ou
critério, e isso não teria acontecido nas leis das agências. Ocorreu o que
se chama de delegation with standards, delegação com parâmetros.
Existem parâmetros delineados na legislação das agências que irão
nortear a confecção das normas a serem editadas pelas autarquias
regulatórias.
Para corroborar o entendimento da primeira corrente, o Supremo
Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade, entendeu
ser constitucional o poder normativo das agências reguladoras, desde que
previstos standards e mesmo que presentes genericamente na lei
instituidora da autarquia regulatória[13].
Assim, entende‐se que a competência das agências reguladoras de
editarem normas não pode ser encarada como uma usurpação da função
legislativa, pois para acompanhar os novos padrões da sociedade é preciso
que exista a confecção mais ágil de normas diretas para tratar de assuntos
específicos.
Apesar de o ato normativo da agência reguladora não se apresentar
como lei em sentido formal, ele se afigura como lei em sentido material,
porquanto disciplina situações jurídicas de forma genérica e abstrata.
5
79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Nesse aspecto, hão de existir limites ao exercício de tal poder
normativo. Se o ato regulatório for perpetrado sem respeito ao
procedimento previsto na lei que criou e disciplinou a agência reguladora,
ou sem a observância da análise de impacto regulatório e da consulta
popular, estará viciado, tendo em vista que a ele carecerá legitimidade na
atuação regulatória, principalmente para estabelecer os interesses a
serem ponderados.
. Regulação no Setor de Saúde
A concretização do direito fundamental à saúde é uma das maiores
dificuldade sobre os problemas sociais enfrentados pelo Brasil.
A preocupação com a saúde vem esculpida na Constituição Federal
de 1988, que tratou do assunto criando uma seção inteira, com cinco
dispositivos voltados à questão sanitária. Embora a existência de direitos
e garantias e de vasta normatização, o sistema público de saúde, no Brasil,
é ineficiente.
A assistência à saúde pode ser dividida em dois sistemas: sistema
público e sistema privado. Nos termos do artigo 195, §1º da CF/88, o
Sistema Único de Saúde ‐ SUS será financiado com recursos do orçamento
da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes. O sistema privado de saúde está
calcado no princípio da livre iniciativa, sendo seu financiamento
proveniente da remuneração paga pelos particulares.
A previsão do sistema de saúde suplementar está prevista na CF/88,
em seu artigo 199, in verbis:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa
privada.
§ 1º ‐ As instituições privadas poderão participar
de forma complementar do sistema único de saúde,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de
direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
80
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
§ 2º ‐ É vedada a destinação de recursos públicos
para auxílios ou subvenções às instituições privadas
com fins lucrativos.
§ 3º ‐ É vedada a participação direta ou indireta
de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à
saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º ‐ A lei disporá sobre as condições e os
requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos
e substâncias humanas para fins de transplante,
pesquisa e tratamento, bem como a coleta,
processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização.
Esse dispositivo é um permissivo constitucional para o
desenvolvimento do setor de saúde suplementar por agentes privados, e,
ainda, confirma a escolha, por parte do constituinte, de não monopolizar
o sistema de saúde. Forma‐se, assim, o chamado sistema de saúde
suplementar.
A prestação de saúde privada é feita por médicos, odontólogos,
laboratórios, clínicas, hospitais. E ela pode ser contratada de forma direta,
ou por intermédio de planos privados de assistência à saúde.
O ingresso ao sistema privado é livre para todos aqueles que se
dispuserem a arcar com o preço do serviço. É um sistema
contraprestacional, de responsabilidade direta dos contratantes dos
serviços.
O contrato de plano de saúde tem por base a mutualidade, visto
que os pagamentos realizados pelos consumidores financiam a prestação
de saúde para aqueles que necessitarem de atendimento à saúde.
A saúde suplementar é uma área controlada pelo Estado, por meio
da legislação regulamentar, por ter caráter público. De acordo com o
artigo 197 da CF/88, cabe ao Poder Público dispor sobre a
regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde.
5
81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Como exemplos dessas legislações regulamentares têm‐se as Leis nºs
9.656/98, 9.961/00, 10.185/2001 e 10.850/2004.
Tais normas são imperativas e limitam a liberdade dos agentes
privados que atuam no financiamento privado da assistência à saúde.
À época que a Lei nº 9.656/98 entrou em vigor, já existia um
segmento econômico, em plena atividade, de planos de saúde. As relações
entre operadoras de planos de saúde e consumidores, não obstante
estejam subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor e à CF/88,
careciam de regulamentação específica até a publicação da Lei nº
9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde – LPS).
Consoante se extrai do art. 1º da Lei nº 9.656/98, estão submetidas
ao aludido diploma legal todas as pessoas jurídicas de direito privado que
operam planos privados de assistência à saúde.[14]Sendo assim, o
primeiro requisito a ser observado para se aferir quem está afeto à
legislação de saúde suplementar é saber se se trata de pessoa jurídica de
direito privado. O segundo requisito consiste em saber se tal pessoa opera
planos privados de assistência à saúde.
Após o advento da citada lei muitas práticas exercidas pelas
operadoras de planos de saúde passaram a ser restringidas ou até mesmo
proibidas. A lei previu, por exemplo, que os planos de saúde deveriam
fornecer a cobertura sem imposição de limite financeiro, em dispositivo
que claramente protege os beneficiários perante práticas tidas como
abusivas[15].
Da mesma forma, a lei limitou os procedimentos que poderiam ser
excluídos da cobertura dos planos de saúde[16]; proibiu o reajuste de
mensalidade para beneficiários com 60 anos ou mais, que contribuíram
para o plano de saúde por mais de dez anos[17]; estabeleceu prazos de
carência[18], entre outras disposições.
Assim, para que atue no mercado de planos de saúde, a operadora
de plano de saúde deverá cumprir o que dispõe a Lei nº 9.656/98 e se
abster de praticar qualquer ato que viole os seus artigos.
82
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
No ano de 2000, foi publicada a Lei nº 9.961, que criou a Agência
Nacional de Saúde Suplementar ‐ ANS, agência reguladora federal
incumbida de fiscalizar, regulamentar e monitorar o mercado de saúde
suplementar.
A Lei nº 10.185/2001 promoveu a equiparação dos seguros de
saúde aos planos privados de assistência à saúde, subordinando‐os à Lei
nº 9.656/98 e à regulação da ANS.
A Lei nº 10.850/2004 atribuiu à ANS competência para a instituição
de programas de incentivo à adaptação de contratos “antigos” de planos
de saúde (aqueles firmados até 02 de janeiro de 1999), com o intuito de
promover o acesso dos consumidores atrelados a esses tipos de contratos
às garantias e direitos definidos na Lei nº 9.656/98.
. . ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar
A regulação da saúde suplementar não resultou de processos de
desestatização. Resultou da necessidade de se intervir no mercado que
atua em uma atividade considerada de relevância pública.
Neste sentido, a ANS iniciou o processo de regulação no setor. A Lei
9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia de
natureza especial, vinculada ao Ministério da Saúde.
A ANS tem como finalidade institucional:
“A ANS terá por finalidade institucional
promover a defesa do interesse público na
assistência suplementar à saúde, regulando as
operadoras setoriais, inclusive quanto suas relações
com prestadores e consumidores, contribuindo para
o desenvolvimento das ações de saúde no País”[19].
A referida Agência foi criada com o objetivo de garantir aos
consumidores de planos de assistência à saúde os serviços contratados,
assim como regular, normatizar, controlar e fiscalizar a prestação de
planos e seguros privados de assistência à saúde.
5
83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A Agência é subordinada às diretrizes fixadas pelo Conselho de
Saúde Suplementar – Consu, órgão colegiado criado pelo artigo 35‐A da
Lei 9.656/98 composto pelo Ministro de Estado da Casa Civil, Ministro de
Estado da Saúde, da Fazenda, da Justiça e do Planejamento, Orçamento e
Gestão.
Tal órgão integra a estrutura regimental do Ministério da Saúde, e
tem por competência estabelecer e supervisionar a execução de políticas
e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar; aprovar o contrato de
gestão da ANS; supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento
da ANS; deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de caráter
consultivo, de forma a subsidiar suas decisões.
O Consu, ainda fixa diretrizes gerais sobre: (i) aspectos econômicos‐
financeiros; (ii) normas de contabilidade, atuariais e estatísticas; (iii)
parâmetros quanto ao capital e ao patrimônio líquido mínimos, bem assim
quanto às formas de sua subscrição e realização quando se tratar de
sociedade anônima; (iv) critérios de constituição de garantias de
manutenção do equilíbrio econômico‐financeiro, consistentes em bens,
móveis ou imóveis, ou fundos especiais ou seguros garantidores; (v)
criação de fundo, contratação de seguro garantidor ou outros
instrumentos que julgar adequados, com o objetivo de proteger o
consumidor de planos privados de assistência à saúde em caso de
insolvência de empresas operadoras.[20]
A direção da ANS é exercida por uma diretoria colegiada, integrada
por cinco diretores, sendo um deles o diretor‐presidente. Os diretores
serão brasileiros, indicados e nomeados pelo Presidente da República,
após aprovação prévia pelo Senado Federal. Somente perderão seus
mandatos em caso de condenação penal transitada em julgado,
condenação em processo administrativo, acumulação ilegal de cargos ou
descumprimento não justificado de objetivos e metas estabelecidos no
contrato de gestão.
A agência está organizada em cinco áreas:[21]
a) Diretoria de normas e habilitação das operadoras: responsável
pela regulamentação, registro e monitoramento do
84
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
funcionamento das operadoras, inclusive dos processos de
regime especial e liquidação extrajudicial;
b) Diretoria de normas e habilitação de produtos: responsável
pela regulamentação, registro e monitoramento dos planos,
inclusive as autorizações de reajustes de contratos;
c) Diretoria de fiscalização: responsável por todo o processo de
fiscalização tanto dos aspectos econômicos‐financeiros, quanto
dos aspectos médico‐assistenciais, além do apoio ao
consumidor e articulação com os órgãos de defesa do
consumidor;
d) Diretoria de desenvolvimento setorial: responsável pelo
ressarcimento ao SUS e pelo desenvolvimento de instrumentos
que viabilizem a melhoria de qualidade e o aumento da
competitividade do setor; e
e) Diretoria de gestão: responsável pelo sistema de gerenciamento
da ANS, o que envolve recursos financeiros, recursos humanos,
suprimentos, informática e informação.
A ANS goza de autonomia administrativa e financeira. Possui
orçamento próprio composto pela Taxa de Saúde Suplementar – TSS,
multas administrativas e multas mora.
2.1.1. Competências da ANS
As competências organizacionais da ANS são[22]:
(i) Regulação da saúde suplementar: conjunto de políticas e
diretrizes gerais, ações normatizadoras e indutoras, que objetivam à
defesa do interesse público e à sustentabilidade do mercado de
assistência suplementar à saúde.
(ii) Qualificação da saúde suplementar: conjunto de políticas,
diretrizes e ações que buscam a qualificação do setor, em relação ao
mercado regulado; qualificação das operadoras, nas dimensões atenção à
saúde, econômico‐financeira, estrutura e operação;
5
85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
(iii) Articulação Institucional: conjunto de políticas, diretrizes gerais
e ações que aperfeiçoem as relações institucionais internas e externas
viabilizando a efetividade do processo regulatório.
Sobre as competências legais da ANS, a Lei 9.961/2000, em seu art.
4º dispõe que cabe à Agência propor políticas e diretrizes gerais ao Consu
para a regulação do setor de saúde suplementar; estabelecer as
características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade
das operadoras; fixar critérios para os procedimentos de credenciamento
e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras;
estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em
assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos
pelas operadoras; estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema
Único de Saúde – SUS, estabelecer normas relativas à adoção e utilização,
pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de
regulação do uso dos serviços de saúde, normatizar os conceitos de
doença e lesão preexistentes, estabelecer normas, rotinas e
procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro
dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde,
autorizar o registro dos planos privados de assistência à saúde, dentre
outros[23].
A ANS intensificou sua atuação com o objetivo de sanear o setor da
saúde suplementar. Por isso, a autarquia tem se destacado em razão da
numerosa quantidade de resoluções, instruções, súmulas e normatizações
que a autarquia tem expedido.
No âmbito de regulação de preços foram implantadas normas para
reajustes e definidos mecanismos de acompanhamento da variação dos
preços, com objetivo de formular uma política de controle, na busca da
sustentabilidade do mercado.
Na seara da assistência, foram regulamentados temas para a
garantia de qualidade da atenção à saúde, como a atualização do rol de
procedimentos de alta complexidade para a aplicação de cobertura parcial
temporária.
86
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
No campo econômico‐financeiro, a Agência classificou as
operadoras de saúde segundo suas peculiaridades. Estabeleceu a
exigência de plano padrão, de envio de informações periódicas, de
publicação de balanços.
Também foi regulamentado e implantado o sistema de
ressarcimento ao SUS, que deve ser ressarcido pelos procedimentos com
cobertura contratual prestados aos consumidores de planos privados de
assistência à saúde.
2.1.2. Fiscalização das operadoras de saúde suplementar no Brasil
Diversas são as medidas adotadas pela ANS para tornar o setor de
saúde suplementar mais justo, competitivo e cristalino, bem como mais
seguro para os consumidores. Para ajudar em tal tarefa, a ANS conta com
em sua estrutura com a Diretoria de fiscalização – DIFIS, que possui as
seguintes atribuições[24]:
“Promover a articulação com o Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor (SNDC); realizar a
fiscalização da assistência suplementar à saúde;
promover ações educativas para o consumo no setor
de planos de saúde e a integração com órgãos e
entidades integrantes do SNDC e da sociedade civil
organizada; gerenciar a Central de Relacionamento,
inclusive o Disque‐ANS, para receber, analisar e
encaminhar respostas a consultas e denúncias;
instaurar e conduzir o processo administrativo de
apuração de infrações e aplicação de sanções por
descumprimento da legislação de saúde
suplementar; promover a mediação ativa dos
interesses para produzir consenso na solução de
casos de conflito; desenvolver e manter, em
articulação com as demais diretorias, sistema de
informações sobre demandas de
consumidores/beneficiários e a atividade de
fiscalização; e definir as operadoras de planos de
saúde a serem fiscalizadas.”
5
87 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A fiscalização realizada pela ANS pode ser dar de duas formas: a
fiscalização direta e a fiscalização indireta.
A fiscalização direta pode ocorrer: de forma planejada, com
fiscalização permanente, com a verificação do cumprimento da legislação;
ou de forma descentralizada, onde há participação da sociedade na
denúncia de infrações cometidas à luz da legislação regente.
A fiscalização direta é exercida por dois programas: cidadania ativa
e olho vivo.
O programa cidadania ativa conta com a participação do
consumidor, que faz denúncias à Agência. Pela dinâmica de tal programa,
o consumidor atua como parceiro das atividades de controle e fiscalização
e melhoria do setor. A partir dessa participação, desencadeiam‐se os
procedimentos que vão do esclarecimento sobre a consulta trazida até a
própria autuação da operadora, quando uma infração à norma é
constatada. Assim, além de fomentar a participação cidadão na defesa de
seus direitos, o programa também tem função saneadora, focado na
mudança de comportamento da operadora de saúde, trazendo melhorias
para os serviços prestados.
O programa olho vivo é um modelo inovador da ação fiscalizadora,
porquanto é uma fiscalização proativa e realizada de forma continuada,
com vistas à crescente adequação das operadoras aos dispositivos
estabelecidos pela legislação.
O programa tem função preventiva e pedagógica, onde se espera a
mudança nas condutas das operadoras de saúde em face de uma maior
responsabilização.
A fiscalização indireta é exercida por meio do acompanhamento e
do monitoramento das operadoras, embasada em dados de sistemas de
informações e no cruzamento de informações.
Os instrumentos da fiscalização indireta são: (i) planos de
recuperação; (ii) regimes especiais, tais como direção fiscal, direção
88
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
técnica e liquidação extrajudicial; (iv) alienação compulsória de carteira; e
(v) leilão.
Os planos de recuperação são exigidos pela Agência quando a
operadora apresenta problemas econômico‐financeiros e precisa de ajuda
para restabelecer o equilíbrio.
Sobre os regimes especiais: a direção fiscal é decretada quando a
ANS constata graves irregularidades econômico‐financeiras das
operadoras; a direção técnica é determinada quando a operadora de
saúde põe em risco a continuidade e/ou a qualidade do atendimento ao
beneficiário; já a liquidação extrajudicial é determinada quando a
operadora não consegue se recuperar financeiramente, sendo
transformada em falência ou insolvência civil, conforme sua organização
societária.
A alienação compulsória da carteira é decretada com o fito de
garantir a continuidade de atendimento aos beneficiários, quando a
operadora não demonstra capacidade de recuperação. Caso a alienação
compulsória não se realize, determina‐se o leilão da carteira, na busca por
outras operadoras de saúde que possam absorver os novos beneficiários.
2.1.2.1. Instrumentos de fiscalização
Os instrumentos de fiscalização da ANS podem ser classificados em
: punitivos e consensuais.
Os instrumentos de fiscalização punitivos são a regra geral para os
processos administrativos inaugurados em consequência de denúncias
que tenham produzido lesão aos direitos dos beneficiários. São aplicações
de penalidades que podem ser: (i) advertência; (ii) multa pecuniária; (iii)
suspensão do exercício do cargo; (iv) inabilitação para exercício do cargo;
(v) cancelamento de autorização; e, (vi) alienação de carteira.
Os instrumentos de fiscalização consensuais possibilitam o
ajustamento da conduta. Caracteriza‐se principalmente pelo Termo de
Ajuste de Conduta – TCAC, previsto artigo 29 e parágrafos da Lei nº
9.656/98 e artigo 4º, inciso XXXIX, da Lei nº 9.961/2000, in verbis:
5
89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Art. 29. As infrações serão apuradas mediante
processo administrativo que tenha por base o auto
de infração, a representação ou a denúncia positiva
dos fatos irregulares, cabendo à ANS dispor sobre
normas para instauração, recursos e seus efeitos,
instâncias e prazos.
§ 1º O processo administrativo, antes de
aplicada a penalidade, poderá, a título excepcional,
ser suspenso, pela ANS, se a operadora ou prestadora
de serviço assinar termo de compromisso de ajuste
de conduta, perante a diretoria colegiada, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial, obrigando‐
se a:
I ‐ cessar a prática de atividades ou atos objetos
da apuração; e
II ‐ corrigir as irregularidades, inclusive
indenizando os prejuízos delas decorrentes.
§ 2º O termo de compromisso de ajuste de
conduta conterá, necessariamente, as seguintes
cláusulas:
I ‐ obrigações do compromissário de fazer cessar
a prática objeto da apuração, no prazo
estabelecido;
II ‐ valor da multa a ser imposta no caso de
descumprimento, não inferior a R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) e não superior a R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) de acordo com o porte econômico
da operadora ou da prestadora de serviço.
§ 3º A assinatura do termo de compromisso de
ajuste de conduta não importa confissão do
compromissário quanto à matéria de fato, nem
reconhecimento de ilicitude da conduta em
apuração.
90
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
§ 4º O descumprimento do termo de
compromisso de ajuste de conduta, sem prejuízo da
aplicação da multa a que se refere o inciso II do § 2o,
acarreta a revogação da suspensão do processo.
§ 5º Cumpridas as obrigações assumidas no
termo de compromisso de ajuste de conduta, será
extinto o processo.
§ 6º Suspende‐se a prescrição durante a vigência
do termo de compromisso de ajuste de conduta.
§ 7º Não poderá ser firmado termo de
compromisso de ajuste de conduta quando tiver
havido descumprimento de outro termo de
compromisso de ajuste de conduta nos termos desta
Lei, dentro do prazo de dois anos.
§ 8º O termo de compromisso de ajuste de
conduta deverá ser publicado no Diário Oficial da
União.
§ 9º A ANS regulamentará a aplicação do
disposto nos §§ 1o a 7o deste artigo.
Art. 4º Compete à ANS:
(...)
XXXIX ‐ celebrar, nas condições que estabelecer,
termo de compromisso de ajuste de conduta e termo
de compromisso e fiscalizar os seus cumprimentos;
O TCAC visa obter dos agentes regulados o cumprimento da
obrigação definida pela lei através de um procedimento que prioriza o
diálogo, o comprometimento e o consenso.
Celebrado o TCAC, a ANS suspende o processo administrativo
sancionador, onde seria aplicada a penalidade, e abre a possibilidade de
ver concretizado o interesse público aspirado com o implemento da
obrigação original.
5
91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
O TCAC é utilizado em processos administrativos decorrentes da
ação fiscalizatória proativa da ANS, no Programa Olho Vivo e da ação de
monitoramento.
Tal instrumento tem relativa importância, especialmente para o
incremento da eficiência, redução do abuso de poder, aceitação da
decisão administrativa pelo do setor regulado; melhoramento do
atendimento aos interesses envolvidos; elevação do senso de
responsabilidade dos administrados sobre a coisa pública; e para garantia
de maior aceitabilidade social.
. Considerações Finais
As agências reguladoras brasileiras nasceram após a Reforma do
aparelho estatal, em um contexto de privatização dos serviços públicos e
de fiscalização de tais serviços por meio da regulação.
As agências desempenham papel importante no equilíbrio entre os
interesses dos consumidores, dos concessionários de serviços públicos e
do Estado, com o intento de proteger de determinado segmento
econômico.
A finalidade das agências reguladoras é a estabelecimento de uma
regulação independente, neutra e imparcial, apolítica e técnica. A
independência é necessária, uma vez que garante a imparcialidade e
neutralidade da entidade em relação aos diferentes interesses regulados.
Essa independência pode se ser dividida em diversos aspectos: a)
ausência de vínculo hierárquico com a pessoa administrativa central; b)
autonomia administrativa; c) possibilidade de decidir as questões
controversas postas à sua apreciação; d) autonomia normativa; e, e)
autonomia financeira.
Nesse fim, a legislação infraconstitucional confere às agências
reguladoras poderes para regular, expedir normas de caráter secundário,
controlar e fiscalizar as atividades econômicas em sentido estrito em prol
do interesse público, e aplicar sanções.
92
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Na área da saúde suplementar, o setor somente foi devidamente
regulamentado a partir da publicação da Lei nº 9.656/98, que
regulamentou os planos de saúde, editando normas e regulamentações.
A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, pela Lei nº
9.961/2000, ocorreu apenas dois anos após a entrada em vigor da LSP.
A ANS possui como objetivo efetivar todas as previsões trazidas pela
LPS, bem como centralizar as competências regulatórias e de fiscalização
do setor de saúde suplementar, bem como controlar e punir os agentes
controlados.
O controle é realizado, principalmente, por meio de informações
prestadas pelas operadoras de saúde, e a fiscalização ocorre de forma
ativa, com intervenções quando existem irregularidades que coloquem
em risco os beneficiários e os prestadores de serviço.
A Agência regula o setor: (i) disciplinando critérios de ingresso,
operação e saída do setor de saúde suplementar; (ii) utilizando
instrumentos para o equilíbrio econômico‐financeiro das operadoras; (iii)
aplicando penalidades por descumprimento da lei e regulação; (iv)
estabelecendo procedimentos para controle e adequação de preços,
entre outros.
O que se percebe é que a regulação com propriedade é uma das
funções primordiais da ANS, pois, por meio dela é possível que o setor de
saúde suplementar seja seguro e qualificado, sendo os benefícios dessa
regulação o Estado, o beneficiário direto, e o agente regulado.
. Referências Bibliográficas
BAHIA, Claudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. O papel
das agências reguladoras no Brasil e a regulamentação do setor de
saúde. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do
Consumidor, ano V, n. 28, p. 37‐49, ago./set. 2009.
BRASIL. Lei 9.491 de 9 de setembro de 1997. Altera procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização, revoga a Lei n° 8.031, de 12 de abril de 1990, e dá outras
5
93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 set. 1997. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm#art35>.
BRASIL. Lei 9.656 de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 jun. 1998. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9656compilado.htm>.
BRASIL. Lei 9.961 de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9961.htm>.
BRASIL. Lei 9.986 de18 de julho de 2000. Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 julho. 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9986.htm>.
BRASIL. Lei 10.185 de 12 de fevereiro de 2001. Dispõe sobre a especialização das sociedades seguradoras em planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 fev. 2001. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10185.htm>.
BRASIL. Lei 10.850 de 25 de março de 2004. Atribui competências à Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e fixa as diretrizes a serem observadas na definição de normas para implantação de programas especiais de incentivo à adaptação de contratos anteriores à Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 mar. 2004. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.850.htm>.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em <http://www.ans.gov.br/>.
94
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
CARNEIRO, Luiz Augusto Ferreira (Coord.). Planos de Saúde: aspectos
jurídicos e econômicos. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
CARVALHO F., José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 21ª ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009.
DAHINTEN, Bernardo Franke; DAHINTEN, Augusto
Franke. Judicialização do sistema de saúde suplementar – possíveis
causas. Interesse Público, ano XV, n. 80, p. 155‐185, jul./ago. 2013.
GREGORI, Maria Stella. A saúde suplementar no contexto do Estado
regulador brasileiro. Revista Direito do Consumidor, ano 15, n. 59, p.109‐
126, jul./set. 2006.
JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das agências reguladoras
independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
MEDAUAR, Odete. Regulação e auto‐regulação. Interesse Público, n.
14, p. 48‐53, 2002.
MOREIRA, Egon Bockmann. Agências Administrativas, Poder
Regulamentar e o Sistema Financeiro Nacional. Revista de Direito
Administrativo, v. 218, out./dez. 1999.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. São Paulo:
Renovar, 2003.
NOBRE, Milton Augusto de Brito (Coord); SILVA, Ricardo Augusto Dias
da (Coord). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. 2ª ed.
Belo Horizonte: Fórum, 2013.
OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Regulamentação dos planos de saúde e
proteção da pessoa humana. Revista Direito do Consumidor, ano 13, n.
51, p. 101‐111, jul./set. 2004.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito
Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Método, 2013.
5
95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil das Agências
Reguladoras. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
NOTAS:
[1] Art. 21 da CRFB: Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
Art. 174 da CRFB: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[2] Art. 37, XIX da CRFB: Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. 1ªed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 344.
[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Método, 2013. p. 94.
[5] Art. 5º da Lei 9.968/2000.
[6] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. São Paulo: Renovar, 2003. p. 117.
[7] Art. 21, inciso XI e Art. 177, §2º, inciso III, da CF/88.
[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 392/393.
[9]CF/88. “Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”
96
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[10] CARVALHO F., José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. p. 53.
[11] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 121/123.
[12] WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade civil das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011. p. 151.
[13] ADI nº 1.668 MC/DF. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 20/08/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 16-04-2004
[14] Artigo 1º da Lei 9.656/98 “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)”.
[15] Artigo 1º, inciso I, da Lei 9.656/98.
[16] Artigo 10, incisos I a X, da Lei 9.656/98.
[17] Artigo 15, parágrafo único, da Lei 9.656/98.
[18] Artigo 12, inciso V, da Lei 9.656/98.
[19] Artigo 3º da Lei 9.961/2000.
[20]Artigo 35-A da Lei nº 9.656/98.
[21] GREGORI, Maria Stella. A saúde suplementar no contexto do Estado regulador brasileiro. Revista Direito do Consumidor, ano 15, n. 59, p.121.
[22] http://www.ans.gov.br/acessoainformacao-/institucional. Acesso em: 10/08/2014.
[23] Como exemplos, o artigo 4º, inciso III da Lei nº 9.961/00 dispõe que compete à ANS elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins
5
97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
disposto na Lei 9.656/98 e suas excepcionalidades; o inciso XVIII estabelece a competência da ANS para expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões;
[24] http://www.ans.gov.br/aans/quem-somos/organograma/491-estrutura-e-atribuicoes-na-agencia-nacional-de-saude-suplementar-ans-difis-diretoria-de-fiscalizacao. Acesso em: 11 de agosto de 2014.
98
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA: APLICAÇÃO NA ASSISTÊNCIA MUNICIPAL
HEVELISE SILVANA SANTOS DA SILVA: Contadora e graduanda em direito na UniAGES - Paripiranga-BA.
RESUMO: Este artigo apresenta concepções sobre a assistência social
voltada para as crianças, adolescentes e idosos, que atualmente está
positivada na Constituição Federal de 1988, com um breve relato sobre a
influência causada pela Revolução Industrial, e seu momento histórico.
Fala sobre a importância dos programas que são desenvolvidos pelas
políticas públicas por meios de órgãos estatais, privados, inclusive
participação da sociedade na busca pela melhoria dos necessitados, para
que determinado grupo de pessoas tenha uma vida baseada na dignidade
da pessoa humana, fazendo sempre que possível as abordagens na Esfera
Municipal. Avaliando as questões que regem o direito à saúde em relação
à sociedade, atribuindo uma temática acerca da saúde pública conectada
à assistência social. Levantando em breves palavras um assunto bastante
novo que é a judicialização da saúde, onde o Poder Judiciário toma para si
assuntos políticos ou sociais. E nesse contexto busca‐se um panorama
preciso e voltado às políticas públicas para os vulneráveis, em
consequência de questões constitucionais no Estado Democrático de
Direito.
Palavras‐chave: Assistência Social; Políticas Públicas; Mínimo Existencial;
Reserva do Possível; Criança e Adolescente; Idoso; Saúde; Judicialização.
INTRODUÇÃO
A assistência social carrega como problematização um dever do
Estado prestado aos necessitados por meio de políticas públicas, ou seja,
um dever voltado para todos os setores no qual o indivíduo não possa
5
99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
prover por meio dos seus próprios esforços os recursos mínimos para sua
sobrevivência e de sua família, de maneira razoavelmente digna, sendo
este um dever positivado na Constituição Federal de 1988 e disposto de
modo igualitário para a União, Estados e Municípios. Hodiernamente, de
uma grande importância, tendo em vista que deixou de ter um caráter
residual e um espaço de reprodução da exclusão e privilégios e passou a
ser uma estrutura de distribuição de todas as políticas e de universalização
de direitos sociais.
Com base no caso/problema, para uma melhor compreensão é
preciso entender o conceito, surgimento e o momento histórico do direito
social, denominada de segunda dimensão, e seus seguimentos no Brasil,
o que são as Políticas Públicas e seus reais objetivos e como sendo este
direito um direito a prestações é preciso compreender o que vem ser o
mínimo existencial e a reserva do possível, levando‐se em conta o dever
do Estado de garantir a dignidade humana em confronto com os recursos
econômicos estatais disponíveis. Percebendo que o conceito de
assistência social transforma‐se de caridade pública para proteção legal,
compreendendo o amparo material, moral e jurídico do necessitado e da
sua família. Amparo material, posto que provê os recursos necessários
para a sobrevivência; moral, pois existe órgãos que os cuidam com
conselhos e palestras e jurídico porque existe o Poder Judiciário para
assegurar os direitos que os indivíduos possuem. Porém, apenas alguns
Municípios criam os institutos de políticas públicas, pois mesmo sendo um
direito instituído na Carta Magna ainda não se tem uma total eficácia, e
diante disso é necessária uma análise de como o Judiciário pode ou não
agir no descaso do Estado, principalmente quando se diz respeito ao
direito à saúde.
O objetivo é uma análise na assistência social em âmbito municipal
das crianças, adolescentes e idosos, sendo imprescindível uma abordagem
sucinta sobre o momento histórico e as mudanças legais e jurídicas que
ocorreram com o passar do tempo para que melhor seja garantido, a esses
grupos, um tratamento de respeito e igualdade. Posto que, para alguns
casos existem leis que instituem elemento diferencial, como é o caso do
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso. E também, da
assistência na área da saúde com uma importante abordagem sobre os
100
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
pontos relevantes do assunto, observando que a saúde pública tem
merecido uma especial atenção, por meio de medidas preventivas e
processos de cura em torno das enfermidades que afetam a população,
destacando quais os deveres dos Municípios na preservação da saúde
pública.
Todos esses temas são embasados, primeiramente, na Constituição
Federal de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente, no Estatuto do
Idoso, nas Leis 8.742/93 e 12.435/11, incluindo alguns doutrinadores
como Predo Lenza, José Afonso da Silva, Hely Lopes Meirelles que são
importantes para o entendimento do momento histórico do direito social
e para os seus conceitos. Alguns livros foram importantes para elaboração
deste artigo, incluindo entre eles a obra: o direito achado na rua:
introdução crítica ao direito à saúde, obras de Rogério Gesta Leal e Celson
Antônio Bandeira de Mello.
1. DIREITO SOCIAL – POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
Atualmente, o país, por conta das indústrias, tem grande parte da população aglomerada nas cidades. E isso começou a ocorrer a partir do século XX com a Revolução Industrial, a qual dividiu a sociedade, de um lado a burguesia e do outro a classe operária. É quando a classe operária excluída de seus benefícios, revelada bastante miserável com seus locais de trabalho insalubres, extensas jornadas de trabalho, baixos salários, etc e a crise favorecendo a uma conjuntura socioeconômica, propiciou um movimento da sociedade em direção de uma redemocratização e reorganização da sociedade civil começando a surgir diversos acontecimentos sociais, que tinham inicialmente a finalidade de estabelecer proteções nas relações de trabalho. Houve a instalação da Assembleia Nacional Constituinte e a possibilidade de se estabelecer outra ordem social, tentando inscrever na carta institucional direitos sociais que pudessem ser traduzidos em deveres do Estado, por meio de políticas públicas. As últimas décadas do século XX admitiram reorganizar a política de assistência social para o conjunto da população, com novos parâmetros estabelecidos na
5
101 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
intervenção pública. A partir de então é marcado no Brasil o momento histórico que impulsiona os direitos humanos chamados de 2ª dimensão, com a perspectiva de evidenciação dos direitos sociais, culturais e econômicos, incluído os direitos coletivos e da coletividade correspondentes aos direitos de igualdade, intimamente relacionados ao princípio da solidariedade. Para Pedro Lenza[1] “[...] os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, apresentam-se como prestações positivas a serem implantadas pelo Estado (Social de Direito) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida [...]” (pg. 1076). E para José Afonso da Silva[2]:
[...] direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (pg. 286 e 287)
Quando se trata do direito à igualdade é de grande importância fazer uma observação sobre como seria aplicada essa igualdade. Acima, Pedro Lenza conceitua os direitos de 2ª dimensão dizendo que devem ser implantados conforme a perspectiva de uma isonomia, e para entender essa isonomia como sinônimo de igualdade é fundamental compreender os ensinamentos de Aristóteles que afirma que devem ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais e os ensinamentos de Celson Antônio Bandeira de Mello[3], o qual para o autor existe uma sutil diferença entre igualdade e isonomia, afirmando o mesmo:
A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da
102
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
vida social que necessita tratar equitativamente todos cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e judicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigente. (pg. 10)
Em relação ao momento histórico do direito social no Brasil, foi a Constituição de 1934, influenciada pela Constituição alemã de Weimar (1919), que primeiro o disciplinou, em um título sobre a ordem econômica e social. E, hodiernamente, a Constituição Federal de 1988, estipula um rol de direitos fundamentais de 2ª dimensão, positivados no art. 6°: educação, saúde, alimentação trabalho, moradia transporte, lazer, segurança, etc.
Esses direitos sociais se efetivam por meio de políticas públicas, com objetivo de amparo e proteção social aos mais fracos e/ou pobres e distribuição igualitária para os recursos individuais e coletivos, garantindo uma melhor qualidade de vida, baseada na dignidade humana. É por meio de conjunto de atividades e programas que são desenvolvidos pelo Estado com a ajuda dos entes públicos e/ou privados que se visa assegurar o direito a cidadania, de uma maneira difusa, visto que, essas políticas são direitos positivados na Constituição Federal de 1988, como por exemplo a educação e a saúde que são direitos universais dos brasileiros, cuja participação da sociedade acontece por meio dos Conselhos em nível Nacional, Estadual e Municipal.
As políticas públicas poderão vir a ser criadas por iniciativa dos Poderes Executivo ou Legislativo e por meio de propostas da população, sabendo-se que a participação dessa população na criação, avaliação e fiscalização, em alguns casos, é assegurada na própria lei que a criou. Para Rogério Gesta Leal[4] a Constituição Federal 1988 em seu artigo 3°, elenca os objetivos da República Federativa do Brasil e em análise ele afirma:
5
103 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Deste mandamento constitucional retiram‐se o
significado e a justificativa das chamadas ações
afirmativas, aqui entendidas como políticas públicas
e privadas destinadas a implementar benefícios em
favor de um determinado número de pessoas, dentro
de um contexto sócio‐econômico em que se
encontram em desvantagens por razões sociais. (pg.
116)
Em relação à política de assistência em âmbito dos municípios, os
mesmos fazem parte do Sistema Único de Assistência Social – SUAS – que
foi recentemente implementado pela União depois da publicação da Lei
12.435/11, a qual alterou a Lei 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS. Alterando então o art. 2° da LOAS, que passa a elencar o
seguinte:
Art. 2° A assistência social tem por objetivo:
I – a proteção social, que visa à garantia da vida,
à redução de danos e à prevenção da incidência de
riscos, especialmente:
a) a proteção à família, à maternidade, à infância,
à adolescência e à velhice;
b) o amparo às crianças e aos adolescentes
carentes;
c) a promoção da integração ao mercado de
trabalho;
d) a habilitação e reabilitação das pessoas com
deficiência e a promoção de sua integral à vida
comunitária; e
e) a garantia de 1 (um) salário‐mínimo de benefício
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção ou de tê‐la provida por sua
família;
104
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
II – a vigilância socioassistencial, que visa a
analisar territorialmente a capacidade protetiva das
famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de
ameaças, de vitimizações e danos;
III – a defesa de direitos, que visa a garantir o
pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões
sociassistenciais.
Parágrafo único. Para o enfrentamento da
pobreza, a assistência social realiza‐se de forma
integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos
sociais e provimento de condições para atender
contingências sociais e promovendo a
universalização dos direitos sociais.
Verifica‐se, portanto, que ultimamente a administração das
políticas públicas tornou‐se mais democrática com o Estado
desenvolvendo um papel mais próximo da sociedade. É realizada uma
política menos centralizada, na qual a população tem uma participação
mais efetiva, mas mesmo assim não deixa de ser necessária uma
intermediação, principalmente financeira dos Entes da Federação para a
garantia de uma condição de sobrevivência digna.
2. MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL
É importante entender que os direitos sociais são direitos a
prestações, os quais necessitam de custos especiais devendo‐se entender
em que medida esses direitos, por força do art. 5° § 1° CF/88 estão em
condições de serem aplicáveis. Historicamente a obrigação de
atendimento a esses direitos coordena o Estado à expansão dos serviços
públicos, atualmente, é preciso discutir até que ponto o Estado deve dar
o atendimento a esses direitos ou apenas amparar sua busca, sendo
assunto bastante difícil de ser determinado. A aplicação imediata é o
desejável, mas é utópico acreditar que o Estado brasileiro consiga
assegurar o pleno exercício dos direitos sociais.
O Mínimo Existencial é um indicador de densificação material dos
Direitos Fundamentais Sociais e o Poder Público é instituído para assumir
5
105 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
a responsabilidade de uma tutela política eficaz, coletiva e indeterminada
com o objetivo de satisfação básica da população. É a condição mínima de
sustento e participação social do Estado que leva o cidadão a uma vida
digna, mas existe um problema que envolve essa condição que é a
natureza relacional em face do tempo e do espaço, visto que para cada
ambiente há diferenças e até mesmo questões provocadas por causas
fortuitas e força maior podem alterar a especificidade do mínimo.
Contudo, verifica‐se que o papel fundamental de um Estado Social de
Direito é a garantia de justiça social efetiva aos cidadãos, garantindo o seu
desenvolvimento, com base na dignidade humana e observação ao
ordenamento jurídico (LEAL:2009) [5]. E para uma eficaz garantia de
direito, o Judiciário vem servindo para uma melhor formação de
parâmetros de civilidade e organização comunitária. No Brasil os Direitos
Sociais Constitucionalizados são deveres do Estado, constituindo para as
condições mínimas de uma existência digna principais tarefas e
obrigações, a qual conformando‐se com direitos subjetivos implica em
direito a prestação.
Porém é preciso levar em consideração que qualquer exercício do
direito social, em tese, custa dinheiro, e desde a década de 70 que já
existia a ideia de reserva de caixa financeiro, evidenciando que estes
direitos estão vinculados às reservas financeiras do Estado, devendo ser
custeados pelo erário e os argumentos de escassez de recursos dos cofres
públicos não eliminam os direitos fundamentais, principalmente o que é
relacionado à saúde, estando então sujeitos ao controle jurisdicional o
qual aferi a razoabilidade dos comportamentos institucionais. Um ponto
importante a ser observado é que o Estado Social deve muitas vezes fazer
escolhas, em face de não poder atender a todas as demandas da mesma
maneira e tempo e conforme Rogério Gesta[6] isso será feito de forma
razoável e pública, controlada pela comunidade de intérpretes
democráticos e outro ponto, o Legislador tem o dever de manter o bem‐
estar conquistado e também promover uma satisfação gradual.
O Estado usa argumentos da “reserva do possível”, ligada às
limitações orçamentárias que o mesmo possui, baseando‐se na ideia de
que a obrigação do impossível não pode ser exigida. Essa reserva é
basicamente um limitador de certas políticas públicas, mas esses
106
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
argumentos não o eximem de atendimentos e efetivação dos direitos
sociais, não sendo suficientes para que o Estado deixe de cumprir com
suas obrigações e venha a justificar, no entanto, uma total omissão dos
poderes instituídos.
Quando se trata de educação, algumas decisões de Órgãos
Superiores já são unânimes, como a decisão da Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justiça[7] sobre o reconhecimento da possibilidade
de assegurar a efetivação de direitos fundamentais, mesmo que implique
custos ao orçamento do Executivo. A educação para criança e adolescente
está instituída no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) Lei 8.069/90,
como sendo dever do Estado, o qual assegura a todas as crianças, nas
condições previstas pela lei, a possibilidade desse direito ser exigido em
juízo. Importante salientar que a atividade do dever da educação é
vinculada ao administrador, cabendo ao Judiciário torná‐lo realidade,
mesmo que para tanto resulte em uma obrigação de fazer, o que poderá
então repercutir na esfera orçamentária. A insuficiência do recurso
orçamentário não pode ser considerada uma mera falácia e a tese da
reserva do possível, como vista acima, é questão intimamente ligada à
escassez dos recursos, que resulta em um processo de escolha para o
administrador.
Verificando, portanto, que os direitos fundamentais, incluindo a
educação, não poderão ser limitados em razão da escassez orçamentária.
A real falta de recurso deve ser demonstrada pelo poder público, mas não
se utilizando da tese como desculpa para a omissão estatal, existindo
ressalva apenas para os casos em que a distribuição dos recursos no
atendimento do mínimo existencial só não será possível quando houver
impossibilidade pela falta de orçamento, então nesse caso o Poder
Judiciário não poderá tomar parte nos planos governamentais.
3. POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS VOLTADAS PARA CRIANÇA E ADOLESCENTES
Com a reorientação dos programas e ações sociais, em especial à
redução da pobreza em que se encontravam uma boa parte da população
de jovens, passam eles a terem uma nova exigência das políticas públicas.
Historicamente a construção da assistência a jovens pobres passa por
5
107 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
vários momentos, relatados em breves palavras[8], como a promulgação
do código dos menores de 1927 e a Constituição de 1937 que amplia o
âmbito da proteção e coloca a assistência nos casos de carência do menor
como encargo do Estado. Em 1942 é oferecido à criança e ao adolescente
o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), equiparado ao sistema
penitenciário, sendo destinado aos infratores como forma de
reformatório e as casas de correção aos menores carentes e
abandonados. Surgem, por volta dessa mesma época, novas entidades de
iniciativa e de ação direta do Estado, oferecendo assistência à educação
básica a crianças e jovens, tais como a Legião Brasileira de Assistência
(LBA), Fundação Darcy Vargas, Casa do Pequeno Jornaleiro, Casa do
Pequeno Lavrador, Casa do Pequeno Trabalhador e Casa das Meninas.
A mudança para a Carta Constitucional em 1946 manteve os
mesmos cuidados que a Constituição de 1934 mantinha com o menor,
sendo implantada, nesse período, a Campanha Nacional de Merenda
Escolar e do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência
(SAMDU) e o SAM, anteriormente citado, é revisto como método de
funcionamento decadente. É instituída a Lei 4.513/64 – Política Nacional
de Bem Estar do Menor (PNBEM) como uma lei assistencialista que visava
à padronização das ações por meio de órgão executores iguais em
conteúdo, método e gestão. Seu órgão responsável era a Fundação
Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM) subdividida em Fundação
Estadual de Bem Estar do Menor (FEBEM).
A Constituição de 1967 modificou a esfera da criança e adolescente
na diminuição do limite inicial para o trabalho colocando‐o para 12 anos,
sendo isso tido como retrocesso, e instituiu o ensino obrigatório e gratuito
às crianças de 7 a 14 anos nos estabelecimentos oficiais de ensino. Em
1979 o Código do Menos inseriu o sigilo nas ações que tivessem crianças
em um dos polos como meio de resguardá‐las perante a sociedade. Em
1982 e 1983 juntam‐se o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF),
FUNABEM e Secretaria de Ação Social do Ministério de Previdência e
Assistência Social e então implantam o projeto Alternativas de
Atendimento a Meninos de Rua e em 1984, por conta do crescimento
desse projeto, foi realizado em Brasília o I Seminário Latino‐Americano de
Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninas e Meninos de Rua.
108
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
E a atual Constituição englobou a modificação surgida quanto à família, a
qual passa a ser vista como uma família nuclear, um único instituto, onde
existe espaço, direitos e deveres para todos, prevalecendo a igualdade.
Diante da desatualização do Código do Menor, por força da CF/88
que inclui a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e garantias
e com a promulgação da Lei 8.069/90 (ECA) e da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica
da Assistência Social) é consagrado uma nova abordagem para políticas de
proteção integral com base nas crianças e adolescentes, deixando os
mesmos de serem vistos como portadores de necessidade e passando a
serem sujeitos de direitos, cabendo aos mais velhos a construção de
sistemas de garantias e direitos. E as políticas públicas vêm com o objetivo
de alcance desses direitos, organizando‐se conforme os princípios da
descentralização, ações governamentais e não governamentais,
participação popular e conselhos. E tudo isso começa a ocorrer por conta
da Constituição Federal de 1988 que assegurou às crianças e aos
adolescentes o acesso às políticas de assistência social, quando houver
risco e vulnerabilidade social; às políticas sociais básicas, como educação
e saúde e às políticas de garantias de direitos, em casos de violação de
direitos ou ameaça.
Com relação aos Municípios, os mesmo vêm implantando redes de
atenção à criança e adolescentes com a ajuda dos Conselhos Municipais e
a finalidade de instituir políticas públicas, segundo os princípios do ECA e
da LOAS, enfrentando desafios para construção dessas política, por meio
dos conceitos de atuação e com o compromisso de interlocução e
fortalecimento de todos os que se envolvem.
Os atores principais desse processo são as Prefeituras Municipais, a
quem cabem a responsabilidade de cuidado no âmbito municipal e os
Conselhos Municipais de Criança e Adolescentes, incluindo o CRAS (Centro
de Referências de Assistência Social) e o CREAS (Centro Especializado de
Assistência Social) que são compostos tanto pelo poder público como pela
sociedade civil, desempenhando, juntos, uma estratégia na implantação
da política e no acompanhamento da sua implementação. Esses órgãos
têm como uma das suas funções a realização de políticas de atendimento
a jovens, incluindo os usuários de drogas, podendo perceber que a
5
109 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
situação de desamparo tem condições de ser reduzida, conseguindo,
então, bons resultados para a sua formação pessoal, livrando‐os do
mundo das drogas. Frisando que o lado negativo é que esse acesso e
benefícios não são instituídos em todos os municípios e que, infelizmente,
ainda existem localidades carente de atenção, o que muitas vezes pode se
dar pela má administração política. Mas, quando no município se faz
presente a existência dos órgãos para criação de políticas públicas o
mesmo têm relações com o Conselho Tutelar e o Poder Judiciário.
Para uma melhor estruturação das redes dos programas de políticas
públicas demanda‐se um investimento em infra‐estrutura, com um
sistema de informações e fortalecimento dos Conselhos. Esse
investimento é fundamental para o desenvolvimento da rede, pois pode‐
se realizar diagnósticos amplos e precisos da situação que precisa ser
enfrentada, estruturando o processo de planejamento e direcionamento
dos programas, podendo obter melhores condições de acompanhamento
da execução e avaliação dos resultados, posto que a medida que se
divulgam as informações de modo confiável, sensibiliza‐se a sociedade,
ganhando confiança das parcerias e ainda aumentam o controle social
sobre os programas desenvolvidos. Uma ampla visão do sistema permite
uma contribuição com maior eficácia das políticas sociais, atuando
principalmente nos pontos mais críticos do sistema de atenção e
aumentando o alcance do poder público nos grupos mais vulneráveis pela
exclusão e pobreza.
Os municípios que dão uma maior abrangência em relação às
políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes antes tinham
como alvo apenas meninos de rua, atualmente esse alvo são aqueles que
se encontra em uma maior vulnerabilidade, sendo eles amparados por
projetos voltados ao contexto familiar e em relação ao local em que
moram.
O lado bom é que nesses projetos o poder público municipal
começa a se fortalecer, exercendo efetivamente o seu papel de
coordenador das ações voltadas para o alvo aqui destacado, junto com os
conselhos locais. Os Conselhos Municipais e as diversas organizações
participantes dos projetos começam a se profissionalizar, trabalhando
110
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
com uma outra perspectiva. Dessa maneira, os investimentos acima
citados, além de viabilização no atendimento, oferecem retornos
importantes em termos de formação de seres humanos. Os resultados não
podem ser calculados, mas são elementos fundamentais para construção
das políticas públicas. A ideia é que com os avanços conseguidos os
Municípios possam conseguir cada vez mais financiamentos e novos
colaboradores, aumentando a capacitação de recursos para o Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente.
. POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS VOLTADAS AOS IDOSOS
Como visto antes, o cenário muda com a Revolução Industrial, a
mudança de uma sociedade agrária em uma sociedade urbana
industrializada traz também mudanças na “valorização do homem”. A
invenção da máquina ocasiona a expansão do capitalismo,
desmembrando as sociedades e é então que o respeito, prestígio que
tinham os velhos começam a ser perdidos, acarretando em uma
desestruturação do esquema social em que se encontravam. É daí que
nasce o conceito negativo do idoso, imaginando‐se que o velho não tem
como ser produtivo economicamente e esse passa a perder seu espaço,
visto que não se enquadrava em nenhuma função de relevante
importância.
Na sociedade contemporânea passa‐se a questionar essa situação
de desprezo existindo então movimentos em prol da busca da dignidade
e reinserção social do idoso, e a partir de então se verifica a importância
da criação de políticas públicas sobre o envelhecimento. Posto que, ao ser
aposentado, a pessoa afasta‐se do espaço público e a sua sociabilidade é
enfraquecida, pois é no ambiente de trabalho que frequentemente ela é
construída e esse corte feito geralmente de forma abrupta, sem
preparação prévia resulta em uma volta pra o espaço privado, a qual passa
a ficar isolado, inviável e alienado, passando a viver apenas para si,
isolando‐se da sociedade. As funções geralmente destinadas aos idosos
restringem‐se ao meio familiar, o que reduz ainda mais sua identidade
social, tornando‐o discriminado. É fundamental que para o idoso se sentir
útil deve mantê‐lo ocupado e para isso em algumas Prefeituras Municipais
é criado o Conselho Municipal do Idoso, com o objetivo de atividades de
5
111 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
convívio, intercâmbio e participação. Alguns órgãos como o SCFV (Serviço
de Convivência e Fortalecimento de Vinculo); PAIF (Serviço de Proteção e
Atendimento Integral da Família), entre outros, fazem programas de
atendimento aos idosos, realizando atividades físicas e culturais, oficinas
de culinária e artesanatos visando a geração de renda e a inclusão desses
idosos no meio social, além também, do recolhimento em asilo, muitos
dos quais são coordenadas pelas Secretaria Municipal de Assistência
Social por não existirem programas específicos do governo implantados.
Ainda conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS)[9], a
velhice é uma conquista da humanidade no século XX, o que tem sucesso
por conta das políticas públicas e sociais. Mas, para as nações
desenvolvidas ou em desenvolvimento o envelhecimento populacional
poderá ser um problema, caso não venham a ser criadas e executadas
políticas e programas voltados para promoção do envelhecimento digno,
os quais consigam abarcar os direitos, necessidade, preferências e
capacidade das pessoas com 60 anos ou mais. De acordo com a
Organização das Nações Unidas (ONU) em 2050 a população idosa
superará a população menor de 14 anos.
A Constituição Federal de 1988 além de trazer a participação efetiva
da sociedade no desenvolvimento das políticas públicas colabora para
garantir a elaboração de diversas leis, nesse contexto é então elaborada a
Lei 8.824/94 sobre Política Nacional do Idoso, regulamentada pelo
Decreto 1.948/96. Porém, devida a relevância e urgência no
enfrentamento das questões que dizem respeito aos idosos, consagrando
princípios constitucionais e infraconstitucionais e reafirmando direitos foi
promulgado o Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03.
Entretanto, os direitos dos idosos devem por eles ser exercidos
efetivamente, pois o seu efetivo exercício é imprescindível e fundamental
para a inclusão dos mesmos na sociedade, sendo assim consagrada a eles,
quando exercem ativamente seu papel, uma sociedade que o trata com
respeito e dignidade, pois não é apenas necessária a positivação dos
direitos ou faculdades indisponíveis pela legislação, mas que a sociedade
permita o efetivo exercício desses direitos e faculdades. Porém, um ponto
a ser analisado é que isso pode ser uma questão bastante discutida, tendo
112
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
em vista que para alguns estudiosos a criação de uma lei específica pode
ser um fator de reconhecimento do desrespeito a cidadania e dignidade
dos mais velhos. Para o advogado e gerontólogo norte‐americano Leonard
Cain (in Fernandes, 1997)[10], uma sociedade que trata os idosos de uma
maneira igualitária, com dignidade, respeito não necessitaria de uma
legislação para determina que assim o fosse. Para outros a velhice é
realmente uma questão política e que deve ser reconhecida pela
sociedade, sendo necessária a atuação governamental para a criação de
espaços que possam avaliar uma qualidade de vida das pessoas idosas,
sempre baseado nos princípios da igualdade, liberdade, dignidade, justiça
social, entre outros e que tenham o objetivo de fazer com que os idosos
mesmo diante de limitações consigam sentir‐se uteis, usufruindo
momentos de lazer, convivendo com outras pessoas e contribuindo para
a sociedade.
É de fundamental importância a família na vida social de um idoso
estando isto elencado no art. 16 da Declaração dos Direitos Humanos, o
qual fundamenta a família como o núcleo natural e fundamental da
sociedade, e é também positivado no art. 3° do Estatuto do Idoso:
E obrigação da família, da comunidade, da
sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso,
com absoluta prioridade, a efetivação do direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura,
ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária.
É imprescindível, sempre que possível, a assistência social com
intervenção familiar, tendo como objetivo a prevenção de uma ruptura
familiar, promovendo o fortalecimento das relações efetivas,
permanecendo o idoso no vínculo da família, participando e sentindo‐se
pertencente daquele meio. Observando que a família é apontada como
um suporte da rede social do idoso, sendo sempre convidada para assumir
o seu papel na proteção social.
Em relação às medidas de iniciativa publica que conseguem
assegurar aos idosos seus direitos absolutos e personalíssimos e que são
5
113 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
adotadas pelos municípios[11] pode‐se verificar: a garantia de acesso a
rede de saúde e assistência social, o atendimento preferencial, isenção de
tarifas de transporte coletivo e o atendimento preferencial no sistema
único de saúde. Porém, alguns outros direitos ainda não são tão visíveis e
comuns como o direito a uma pensão alimentícia, a concessão de
estímulos à contratação de idosos pelas empresas privada, prioridade de
tramitação judicial e administrativa de processo, prioridade para moradia
própria, atendimento urgente e diferenciado nos hospitais, entre outros.
Porém o efetivo exercício do Estado para criação de políticas voltadas para
os idosos não impede que existam iniciativas de ordem privada nos
municípios, as quais podem promover reuniões periódicas, chás, palestras
sobre direito dos idosos, saúde, bem estar, cursos, viagens, passeios e
incentivos para que a população seja mais participação nesse assunto.
Infelizmente, ainda são grandes as dificuldades encontradas na
aplicação eficaz do estatuto do Idoso para que eles venham a viver com
dignidade, dentre elas está a falta de colaboração e apoio familiar, falta
de ações por iniciativa do poder público municipal e da sociedade e a
baixa‐estima do idoso com a aparição das enfermidades.
. ASSISTÊNCIA SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE
O direito a saúde é uma consequência histórica que evoluiu com o
próprio conceito de direito e com a valorização de uma cidadania global.
André‐Jean Arnaud e Wanda Capeller[12] em seu artigo sobre cidadania e
direito à saúde nos ensinam que “a saúde seja cada vez mais ligada à
cidadania e que ela seja considerada atualmente como um direito
imprescindível do cidadão, isso não é mais contestável ao nível nacional.”
(pg. 43). Ou seja, determina‐se que a saúde é um direito que está ligado a
cidadania e que, portanto, ser cidadão é poder usar/gozar de todos os
direitos.
O direito sanitário que é formado pelo conjunto de normas
jurídicas, tem como objetivo a redução de riscos de doenças e outros
agravos à saúde com uma garantia de acesso aos serviços públicos de
maneira geral e igualitária, observando que o aceleramento desse direito
ocorreu a partir da publicação da Constituição Federal de 1988, por conta
do reconhecimento da saúde como um direito fundamental. Segundo Hely
114
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Lopes[13], em termos municipais o controle sanitário abrange a limpeza
das vias e logradouros públicos, a remoção e o destino final do lixo
coletado em seu território, entre tantas outras coisas que possa constituir
veículo ou foco de moléstia e doenças e tudo mais que possa desfavorecer
a saúde da população
A compreensão da saúde tem vários sentidos, entre eles que a
saúde é a ausência de doença, historicamente a conceituação de saúde
existe desde o século IV a.C., conforme artigo de Sueli Gandolfi
Dallari[14]. Porém é no fim do século XIX e primeira metade do século XX
que duas grandes correntes buscavam conceituar a saúde e o marco inicial
para o debate foi a intervenção política por conta da segunda Guerra
Mundial, existia a necessidade de se promover um pacto e a partir disso
surge a Organização das Nações Unidas o que incentivou a criação de
órgãos para garantir alguns dos direitos considerados essenciais ao
homem. Extrai‐se do artigo que ninguém é individualmente responsável
por sua saúde e que a mesma depende tanto de características individuais,
físicas e psicológicas como também do ambiente social e econômico.
Historicamente, no Brasil, o debate sobre a saúde é algo atual, a não
muito tempo a saúde era destinada ao trabalhador com carteira assinada
e que pagava sua contribuição ou para aqueles que pudessem pagar,
começando a surgir o projeto de reforma sanitária na década de 1980[15].
A visão da saúde modifica‐se a cada ocasião em decorrência do processo
histórico. Em tempos antigos, no Brasil a medicina era para poucos, não
tendo muitos profissionais para atender a população, sendo assistidos os
privilegiados, os que desse privilégio não se valia dependiam dos
curandeiros. Com a independência do Brasil, resultaram‐se as primeiras
faculdades de medicina, porém mesmo assim a população não era
favorecida e não possuindo um modelo de saúde adequado a população
ficava exposta as epidemias, devido ao sistema sanitário ser desordenado.
É quando surge a reforma sanitarista governada por Oswaldo Cruz, o qual
dá ensejo a “Revolta das Vacinas”. Outro marco importante foi a Lei Eloy
Chaves, levando saúde de forma correta para aqueles que tinham
aposentadoria ou pensão.
5
115 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Atualmente a saúde não deve ser vista por uma visão fragmentada
e sim como algo complexo, reconhecida como um direito social e
positivada na Constituição Federal de 1988 em seu art. 196: “A saúde é
direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.” Verifica‐se também que o art. 198 da CF/88 cria
um sistema unificado de atendimento à saudade da população:
Art. 198: As ações e serviços públicos de saúde
integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo
com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada
esfera do governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
III – participação da comunidade.
§ 1° O sistema único de saúde será financiado,
nos termos do art. 195, com recursos do orçamento
da seguridade social, da União, doa Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes.
A cada esfera do Estado é dado um papel na construção da saúde,
com programas e recursos para sua execução eficaz. Atualmente, verifica‐
se que um dos programas implantados é o CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial) meio pelo qual o indivíduo portador de necessidades
especiais passa a ser acolhido, com profissionais capacitados e
especializados, desenvolvendo atividades de reinserção social destes
sujeitos, que muitas vezes são desprezados, tanto pela família como pela
comunidade. O CAPS é de suma importância para a comunidade por
colaborar com as demandas direcionadas a tratamentos psíquicos, dentre
116
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
oficinas terapêuticas com profissionais qualificados, tratando os usuários
com valores igualitários. Em relação aos Municípios, os mesmos podem
editar suas normas contanto que nunca sejam contra as normas da União
e nem do Estado‐Membro ou além delas, podendo supri‐las na sua
ausência ou complementá‐las em suas lacunas, quando se referir à saúde
pública local, de acordo com os art. 24, XII c/c art. 30, I, II e VI ambos da
CF/88. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles[16]:
Ao Município sobram poderes para editar
normas de preservação da saúde pública nos limites
de seu território, uma vez que, como entidade estatal
que é, está investido de suficiente poder de polícia
inerente a toda a Administração Pública para a
defesa da saúde e bem‐estar dos munícipes. (pg. 472)
O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de grande esforço coletivo,
que surge com a finalidade de ofertar cuidados e promoção à saúde para
todos igualitariamente, proporcionando uma melhor qualidade de vida,
porém é ainda um processo em construção. Esse sistema por meio dos
avanços obtidos mostra‐se como um dos maiores sistemas públicos de
saúde do mundo, com proposta de cobertura universal e integral para
mais de 80% da população que não possui plano de saúde privado.
Porém, pode‐se assim observar que apesar de ser a saúde um
direito social, positivado na Carta Magna, com o objetivo da prevenção e
do bem estar, mas acima de tudo igualitária baseada no princípio da
dignidade humana, verifica‐se vários quesitos que vão de encontro às
normas como: as más condições das ambulâncias, o não atendimento
prioritário das crianças e idosos e a infraestrutura notada nos hospitais
que são em alguns municípios degradantes. Nota‐se através disso que o
Estado não estabelece uma estrutura sólida para os atendimentos no SUS,
e muito menos existe preferência para os idosos. E infelizmente são
muitos os descasos diante da desestruturação dos hospitais e
ambulatórios, filas extensas e demoradas e a falta muitas vezes de
medicamentos.
. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE FRENTE A UM DIREITO SOCIAL
5
117 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
O termo judicialização quer dizer que questões de repercussão
política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, um
movimento muito recente no Brasil, iniciado por volta dos anos 90, por
conta de ações para obtenção do coquetel para tratamento da AIDS. O
sistema Judiciário está muito ligado ao casuísmo do poder e não com as
regras gerais positivas, nem com a sociedade. Partindo disso, verifica‐se a
dificuldade que o Ministério Público encontra para defesa da saúde, dos
grupos específicos neste trabalho, sempre em busca aos direitos
fundamentais de acesso às ações e serviços, o que acaba com isso
enchendo o judiciário de pedidos individuais, proteção judiciária essa que
tem como início a operação de direitos coletivos. A situação é um pouco
mais crítica quando são consideradas as ações interpostas em face dos
municípios, por conta dos orçamentos pequenos, sem poder eximir‐se da
responsabilidade imposta pelo Judiciário. Chegando a atuação judiciária
ser desestruturante das políticas sanitárias e do SUS, de um modo geral,
por conta de liminares que multiplicam a irracionalidade no interior do
SUS, dificultando, portanto a gestão de uma saúde pública marcada pelo
subfinanciamento.
Com a promulgação da CF/1988, foi previsto a descentralização dos
recursos do Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Estadual e Municipal
de Saúde com a participação popular na formulação e controle de políticas
públicas. Sendo necessário, portanto, que a sociedade além de atuar nessa
formulação e controle, também fiscalize as ações dos governantes.
Infelizmente verifica‐se que mesmo com o advento da Constituição
e a positivação de normas em relação ao direito à saúde, é claro que os
recursos públicos não são suficientes ou não são bem aplicados ou são
desviados pela corrupção. Por isso a importância do controle pela
população junto com o Conselho de Saúde.
Visto isso, observa‐se a seriedade de se falar em um específico ramo
do direito para cuidar dessas questões, assim como já existe o direito do
consumidor, possuindo o direito à saúde natureza de direito difuso, direito
de todos, tentando dessa forma inibir a corrupção existente, maximizando
os Tribunais de Contas, ficando o cidadão e os órgãos de controle mais
118
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
uteis, favorecendo o controle sobre própria atividade exercida pelo
Tribunal.
E nesse sentido é importante uma contenção racional da
judicialização, tentando conter a diminuição da quantidade e do custo das
demandas judiciais, contando que não tenha prejuízo o exercício do
direito à saúde por parte da sociedade. Sendo um trabalho para todos os
atores envolvidos no processo, devendo haver uma caminhada lado a lado
e a exigência de melhorias no SUS, buscando um sistema de saúde pública
de qualidade, com a finalidade de que problemas judiciais dessa
prerrogativa não sejam mais necessários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, verifica‐se que os direitos sociais necessitam da
intermediação, principalmente financeira dos entes estatais para serem
efetivados, abrangendo o ser humano na perspectiva de que necessita de
condições mínimas de subsistência. Para garantir esses direitos percebe‐
se que é de grande importância um conjunto de ações de iniciativa dos
poderes públicos e das sociedades, que sejam coerentes entre si, eficazes
e entre tudo organizadas. Os Municípios devem estabelecer uma visão a
longo prazo, com relação à crianças e adolescentes, investindo tempo e
recursos para um diagnóstico da situação mais apurado, planejando e
escutando a população e todos os atores envolvidos, negociando, assim,
uma elaboração da política e definindo os diversos projetos a serem
implementados, na redução da criminalidade infanto‐juvenil e maior
efetivação da escolaridade.
Quanto ao envelhecimento ativo é preciso que se tenha uma
participação contínua nas questões culturais, sociais, econômicas,
espirituais e civis e não apenas de estar fisicamente ativo, deve‐se,
portanto incluir qualidade de vida, para o fortalecimento das políticas e
programas de um grupo incluso e coeso para todas as faixas etárias,
sendo, no entanto, um processo de otimização das oportunidades que
tem por objeto melhorar a qualidade de vida à medida que a pessoa vai
ficando mais velha.
5
119 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Diante do que foi explanado em relação à saúde como direito de
todos, mas que infelizmente o descaso político é enorme passando assim
a população de alguns municípios por inúmeras dificuldades junto à
assistência municipal diante das políticas públicas, é preciso reparação da
omissão estatal frente ao cidadão e para isso dá‐se o ensejo a inúmeras
ações na Justiça que tenta de alguma maneira resguarda os direitos
coletivos, que tornam‐se individuais frente a judicialização.
O ideal seria ajustar o mais rápido possível os problemas de maior
urgência da saúde no Brasil, visto que assim muitas dessas ações se
tornariam inofensivas por perda do objeto. Porém, como isso não é
possível, é necessária no momento a adequação e condução desses
processos de maneira consciente, garantindo que, de alguma forma, o
paciente seja sempre atendido quando necessário, mas sem que isso
cause oneração excessiva aos cofres públicos, nem venha a prejudicar a
sociedade, com gastos desnecessários.
REFERÊNCIAS
ARNAUD. André-Jean; CAPELLER, Wanda. O direito achado na rua. Unidade I. Módulo 1. Cidadania e direito à saúde. Brasília, 2008
DALLARI. Sueli Gandolfi. O direito achado na rua. Unidade II. Módulo
1. O conteúdo do direito à saúde. Brasília, 2008
DELDUQUE, Maria Célia. OLIVEIRA. Mariana S. de Carvalho. O direito
achado na rua. Unidade II. Módulo 2. Tijolo por tijolo: a construção
permanente do direito à saúde. Brasília, 2008
LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos
fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16ª ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
120
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiro, 2008 (pgs. 473 e 474)
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio
da igualdade. 3ª ed. 20ª tiragem. São Paulo: Malheiro, 2011
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivado. 25ª ed.
rev. e atual. São Paulo: Malheiro, 2005
http://promenino.org.br/servicos/biblioteca/construindo-politicas-publicas-para-a-infancia-e-adolescencia - acessado em 06/05/2016 as 08:00hrs
https://jurisprudenciaemrevista.wordpress.com/2010/05/24/direitos-fundamentais-reserva-do-possivel-e-minimo-existencial-gasto-orcamentario-direito-creche-stj/ - acessando em 06/05/2016 as 10:00hrs
http://portal.estacio.br/media/3304313/6-politicas-publicas-crianca-brasil-contexto-historico-social-saude.pdf - acessado em 06/05/2016 as 17:00hrs
http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/artigos/envelhecimento-e-politicas-publicas-conquistas-e-desafios-dr.-rodrigo-mendes-pereira - acessado em 06/05/2016 as 20:20hrs
http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/efetiva%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-sociais-atrav%C3%A9s-das-politicas-p%C3%BAblicas – acessado em 06/05/2016 as 22:00hrs
http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/VOL2_N3/ITAMARDASILVASANTOSFILHO.pdf - acessado em 07/05/2016 as 16:50hrs
NOTAS:
[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012
5
121 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[2] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivado. 25ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiro, 2005
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 20ª tiragem. São Paulo: Malheiro, 2011
[4] LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009
[5] LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[6] LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[7] https://jurisprudenciaemrevista.wordpress.com/2010/05/24/direitos-fundamentais-reserva-do-possivel-e-minimo-existencial-gasto-orcamentario-direito-creche-stj/ - acessando em 06/05/2016 as 10:00hrs
[8] http://portal.estacio.br/media/3304313/6-politicas-publicas-crianca-brasil-contexto-historico-social-saude.pdf - acessado em 06/05/2016 as 17:00hrs
[9] http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/artigos/envelhecimento-e-politicas-publicas-conquistas-e-desafios-dr.-rodrigo-mendes-pereira - acessado em 06/05/2016 as 20:20hrs
[10] http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/artigos/envelhecimento-e-politicas-publicas-conquistas-e-desafios-dr.-rodrigo-mendes-pereira - acessado em 07/05/2016 as 14:00 hrs
[11]http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/VOL2_N3/ITAMARDASILVASANTOSFILHO.pdf - acessado em 07/05/2016 as 16:50hrs
122
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[12] ARNAUD. André-Jean; CAPELLER, Wanda. O direito achado na rua. Unidade I. Módulo 1. Cidadania e direito à saúde. Brasília, 2008
[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiro, 2008 (pgs. 473 e 474)
[14] DALLARI. Sueli Gandolfi. O direito achado na rua. Unidade II. Módulo 1. O conteúdo do direito à saúde. Brasília, 2008
[15] DELDUQUE, Maria Célia. OLIVEIRA. Mariana S. de Carvalho. O direito achado na rua. Unidade II. Módulo 2. Tijolo por tijolo: a construção permanente do direito à saúde. Brasília, 2008
[16] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2008
5
123 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES
CAROLINA DIAS MARTINS DA ROSA E SILVA: Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco; Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
RESUMO: O presente artigo visa realizar uma breve análise da estrutura familiar antes e após a Constituição Federal de 1988, desde a família patriarcal e patrimonialista até a família atual, baseada no afeto entre os seus membros. Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da convivência familiar operaram uma verdadeira mudança de paradigma no que concerne à ideia de “família”. Hoje, trata-se de instituto plural, na medida que houve o rompimento da concepção de que o núcleo familiar era unicamente advindo do casamento. Por outro lado, tem-se a igualdade entre os filhos, abolindo-se a classificação discriminatória em legítimos e ilegítimos. Além disso, houve a consagração da igualdade entre o homem e a mulher no que tange aos direitos e deveres referentes à condução da família. E, por fim, tem-se o princípio da afetividade como norteador e condutor das relações familiares. O surgimento de novos paradigmas alterou a sociedade, e é nesse sentido que o advento da Constituição adequou o Ordenamento Jurídico à realidade social.
PALAVRAS-CHAVE: Civil, constitucionalização, família
ABSTRACT: This article aims to give a brief analysis of the family structure before and after the 1988 Federal Constitution, from the patriarchal and patrimonial family to the present family, based on affection among its members. The constitutional principles of the dignity of the human person, of the affectivity and of the familiar
124
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
coexistence have operated a true paradigm change with the idea of "family". Today, it is a plural institute, insofar as there was a break from the conception that the family nucleus was solely of marriage. On the other hand, there is equality between the children, abolishing the discriminatory classification in legitimate and illegitimate. In addition, equality between men and women with regard to the rights and duties related to the conduct of the family. And, finally, we have the principle of affectivity as the guide and driver of family relationships. The emergence of new paradigms changed society, and the advent of the constitution adapted the legal order to social reality.
KEYWORDS: Civil, constitutionalisation, family
SUMÁRIO: 1. Aspectos históricos. 2. A constitucionalização do direito de família. 3. O afeto como elemento determinante das relações familiares. 4. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A família é entidade histórica, e desde os primórdios das civilizações, é a base e o núcleo essencial da sociedade.
Mas é a partir do direito romano que a evolução da família ganha importância para o presente estudo. De estrutura patriarcal e baseada na hierarquia, a família romana era comandada pelo pater famílias, que exercia sua autoridade sobre os demais membros do núcleo familiar.
Apenas durante o período medieval, quando o Cristianismo ganha força, nascem preocupações de ordem moral a respeito da família. A sociedade agrária, contudo, manteve a família patriarcal e patrimonializada, uma vez que o núcleo familiar era visto como uma verdadeira unidade de produção.
Somente com as revoluções surgidas durante o período moderno tem início a reconstrução do conceito de família. A
5
125 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
sociedade passa a questionar o antigo modelo imposto, que ainda perdurou por vários séculos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o direito privado passou por profundas transformações em sua estrutura. Um dos ramos do direito que mais sofreu os reflexos de tais transformações foi o direito civil, em especial o direito de família.
O direito civil, antes de base patrimonialista e individualista, transforma-se em um direito pautado pelo afeto e pela boa-fé, na medida em que o ordenamento jurídico foi totalmente remodelado à luz da dignidade da pessoa humana.
O fenômeno da Constitucionalização do direito civil, assim, consiste na releitura de antigos institutos civilistas à partir dos princípios constitucionais básicos previstos na Lei Maior. Nessa esteira, a Constituição passou a tratar expressamente de institutos de direito privado, que antes eram previstos tão somente no Código Civil. Nesse diapasão, resta totalmente ultrapassada a rígida divisão entre o direito público e direito privado, conforme existente outrora. As Constituições, ao redor do mundo ganham espaço e as codificações vão se tornando obsoletas.
Ocorre, portanto, uma ressistematização do direito civil a partir da instauração de uma nova Ordem Constitucional. Nessa seara, o direito de família passou a ser totalmente reconstruído a partir da isonomia e da solidariedade social.
Não restam dúvidas de que a família constitucionalizada se contrapõe ao modelo discriminatório e inflexível imposto pela antiga lei civilista. Assim, é possível chegar à conclusão de que existe, hoje, um direito de família inteiramente interpretado à luz da Carta Magna.
1. ASPECTOS HISTÓRICOS
No Brasil, o movimento de codificação do direito civil remonta suas origens na Constituição de 1824. Contudo, somente em
126
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
primeiro de janeiro de 1916 foi sancionado e promulgado o Código Civil de 1916.
Sob a influência da lógica iluminista, o referido movimento visava a criação de um sistema de regras que englobasse todos os aspectos da vida privada, com o intuito de reger as mais diversas relações concernentes ao indivíduo.
Nessa linha de pensamento, explicitou Paulo Lôbo: concretizou o ideário iluminista da liberdade
e igualdade dos indivíduos. Todavia, a liberdade era voltada à aquisição, domínio e transmissão da propriedade, e a igualdade ateve-se ao aspecto formal, ou seja, da igualdade formal de sujeitos abstraídos de suas condições materiais ou existenciais. Mas a família, nas grandes codificações liberais burguesas, permaneceu no obscurantismo pré iluminista, não se lhe aplicando os princípios da liberdade ou da igualdade, porque estava à margem dos interesses patrimonializantes que passaram a determinar as relações civis.[1]
Nesse sistema, o direito civil tutelava as relações entre os indivíduos, que eram pautados pela mais ampla liberdade, e ao direito público cabia regrar apenas as relações entre os particulares e o Estado. Segundo Paulo Bonavides, “quanto menos paupável a presença do Estado nos atos da vida humana, mais larga e generosa a esfera de liberdade outorgada ao indivíduo”[2]. Assim, observava-se uma rígida cisão entre o público e o privado.
Nessa linha, o Código Civil de 1916 baseou-se em uma ótica extremamente individualista e patrimonialista, refletindo o patriarcalismo outrora vigente e os padrões sociais da época. Não havia uma preocupação com o “ser”, mas unicamente com o “ter”. Valorizou-se a propriedade privada e o contrato, adotando-se uma ideologia puramente liberal.
5
127 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Com a crise do liberalismo e o advento do Estado Social, de feição nitidamente intervencionista, houve uma verdadeira reestruturação na sociedade. Ocorreu a superação do individualismo e do neutralismo do Estado, tendo como objetivo promover a justiça e a igualdade substancial. As Constituições passam a ser supervalorizadas e as codificações vão perdendo força na medida em que a complexidade da vida dos indivíduos passa a exigir uma interpretação mais aberta e flexível dos institutos de direito privado. Nasce uma nova hermenêutica constitucional.
O advento da Constituição de 1988 trouxe uma profunda reformulação das ideias até então vigentes. A dignidade da pessoa humana passa a ser o centro do Ordenamento Jurídico pátrio, enquanto conceitos egoísticos típicos do liberalismo foram sendo cada vez mais ultrapassados.
Pode-se afirmar que houve uma “constitucionalização do direito privado”, em especial em relação ao direito civil. A Constituição passou a ser o “centro” do sistema jurídico brasileiro, vinculando todos os institutos, seja de direito público, seja de direito privado, e conferindo unidade ao ordenamento. Nessa esteira, ocorreu a formação de uma nova hermenêutica constitucional, de forma que, entre duas interpretações possíveis de uma mesma norma, deve-se dar primazia àquela que se volta para os princípios constitucionais e para direitos fundamentais previstos na Carta Magna.
Conforme ensina Pablo Stolze Gagliano, “(...) a Constituição Federal, consagrando valores como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a igualdade e proteção dos filhos, o exercício não abusivo da atividade econômica, deixa de ser um simples documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária”[3].
A preocupação do direito civil passa a ser com o indivíduo, e não mais com seus bens. Fala-se hoje em função social da
128
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
propriedade, em boa-fé nas relações jurídicas e em afeto nas relações familiares.
2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA
A Constituição Federal de 1988 tratou de diversos aspectos concernentes ao direito privado, de forma que os institutos civilistas, obrigatoriamente, passaram a ser interpretados conforme a Lei Maior. Dessa forma, já não existe mais uma separação rígida entre o direito público e direito privado.
A Constituição fez uma verdadeira releitura dos antigos institutos de direito privado. Hoje não se fala mais em propriedade privada, mas em função social da propriedade; A família não é somente a originada do casamento, mas também a família monoparental, a união homoafetiva e a união estável; Os filhos, advindos ou não do casamento, possuem os mesmos direitos e a mesma dignidade; As relações familiares passam a ser pautadas pelo afeto, e não puramente pelo vínculo biológico. Dessa forma, a família patriarcal perde lugar, cedendo espaço às relações baseadas no afeto e no amor entre os seus membros.
Conforme explica Lourival Serejo, ocorreu um claro rompimento com duas ideias centrais que sustentavam a família: a patrimonialização e a matrimonialização das relações familiares. Segundo o doutrinador, a constitucionalização do direito de família representou a “sensibilidade que o legislador constituinte teve ao perceber os anseios da sociedade, a evolução das relações sociais e o dinamismo das relações familiares”.[4]
Os Princípios Constitucionais trouxeram profundas transformações no direito de Família. Tais princípios, mormente a dignidade da pessoa humana, impuseram uma releitura dos institutos do direito civil, fornecendo às relações de família um tratamento mais equânime e em conformidade com a nova realidade social.
5
129 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A dignidade da pessoa humana, consagrada como base do Ordenamento Jurídico, vincula todos os institutos à realização da personalidade da pessoa humana.[5] No âmbito da família, impõe aos seus membros o dever de respeito e consideração, permitindo assim uma existência pautada pela dignidade e comunhão de vida.
O princípio da igualdade, da mesma forma consagrado pelo texto Constitucional, provocou uma revolução nas relações familiares. Estabeleceu-se que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e que os direitos e deveres da sociedade conjugal serão exercidos igualmente por ambos. Afasta-se assim vestígios de um período discriminatório e declara-se o declínio do patriarcalismo. Relativamente aos filhos, aboliu-se a discriminação entre os mesmos, assegurando-se a estes direitos iguais, independentemente de sua origem.
Como princípio implícito na Carta de 1988, a afetividade trouxe uma visão renovada sobre o instituto da família. Segundo Paulo Lôbo, a afetividade é “o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares.”[6] Nesse contexto, a entidade familiar apenas existirá enquanto existir afeto entre o casal. No momento em que este desaparecer, não haverá mais sentido a comunhão plena de vida.[7] Com relação aos filhos, evidencia-se a afetividade no que tange à igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva, pois os laços afetivos construídos entre pais e filhos prevalecem sobre a verdade biológica.
Os princípios da Convivência familiar e do Melhor interesse da criança vieram assegurar a especial proteção do Estado dada à criança, que, pela sua particular condição de sujeito em desenvolvimento, merece prioridade absoluta e imediata perante o Ordenamento.
A convivência familiar, segundo Paulo Lôbo, “é o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças”[8]. O referido princípio se volta ao direito dos filhos de conviverem no ambiente familiar, direito
130
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
este contemplado pelo art.227 da Constituição de 1988[9]. Dessa forma, mesmo que os pais estejam separados, é assegurada à criança a convivência familiar com cada um dos seus genitores.
3. O AFETO COMO ELEMENTO DETERMINANTE DAS RELAÇÕES FAMILIARES
Hoje, denota-se uma verdadeira preocupação com a valorização de cada membro da família, já que o foco do legislador passou a ser o indivíduo. De acordo com Silvana Maria Carbonera, “Por conseguinte, tem-se uma remodelação dos conteúdos dos papéis familiares, que deixam a inflexibilidade característica da família do primeiro ato para, no segundo ato, conter liberdade, respeito às habilidades e aptidões naturais dos sujeitos, às suas características específicas, desejos, sentimentos.”[10]
A Carta Magna de 1988 trouxe a igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher na família, emancipando a mulher da posição de inferioridade que antes ocupava. Consagrou a igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem, proibindo a discriminação entre os mesmos, além de assegurar absoluta prioridade à criança e ao adolescente.
A concepção de família passa a ser fundada na afetividade, e não mais pelo modo de sua constituição. A Lei Maior superou uma época de desigualdades, preconceito e hipocrisia, prevalecendo atualmente uma visão plural de família, onde os indivíduos tem o direito de escolha quanto à forma de constituição e manutenção da entidade familiar que melhor se adeque ao seu modo de viver.
4. CONCLUSÃO
A família, desde os tempos remotos, apresentou-se como o núcleo essencial da sociedade, sendo de extrema importância no desenvolvimento da personalidade humana. Ao longo do tempo, a entidade familiar passou por inúmeras reformulações até chegar à concepção presente, que valoriza o afeto como elemento básico que une os seus membros.
5
131 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A Constituição Federal de 1988, pautada pela dignidade humana, consagrou a proteção especial à família, tutelando os seus integrantes e conferindo à criança prioridade absoluta. À partir daí, inaugura-se um processo de constitucionalização do direito civil, onde impõe-se a interpretação de toda e qualquer norma de direito de família à partir da Lei Maior. A solidariedade, a igualdade entre os filhos e entre os gêneros e o afeto passam a ser elementos determinantes nas relações familiares, rompendo com o patrimonialismo outrora dominante.
O direito de família, hoje, se inclina para as relações pessoais da família, dando primazia à proteção da dignidade de cada um de seus membros. É o fenômeno da repersonalização do direito de família. A convivência familiar e os laços afetivos construídos no dia a dia das relações familiares prevalecem sobre o vínculo biológico, passando o afeto a ser o elemento determinante. Hoje, temos uma família democrática, pautada pela igualdade e pela solidariedade.
Nesse sentido, as transformações ocorridas na família desde os tempos remotos até os dias atuais demonstra que a mesma não é um instituto estático, mas permanece em constante processo de aperfeiçoamento, com o objetivo de alcançar a sua maior finalidade, que é a felicidade entre os seus membros.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: Limites e possibilidades da constituição brasileira. 5ª edição. Rio de Janeiro: Renovar,2001.
BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 5ª edição. Belo Horizonte:Livraria Del Rey Editora,1993.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.
CÓDIGO CIVIL DE 1916. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-norma-pl.html Acesso em 31.Dez.2016.
132
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Direito de família e o novo código civil. 2ª edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro. 5º Volume. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio: Uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do direito de família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,2001.
GOMES, Orlando. Direito de família, 14ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.
LÔBO, Paulo. Famílias, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
MUJALLI, Walter Brasil. Família e das sucessões. São Paulo: Editora de direito,2000.
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras Nogueira. A filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo:Memória Jurídica Editora,2001. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 4ª edição. São Paulo: Editora Método, 2010.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, Volume I: parte geral. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. V.14ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e o STF. Disponível
5
133 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553.Acesso em 24/08/2010.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
RAMOS, Carmem Lucia Silveira. Família sem Casamento: De Relação existencial de fato à Realidade Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Vol. VI. 27ª edição. São Paulo: Saraiva,2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.33ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.
VENOSA, Sílvio de Sávio. Direito civil: Direito de família.3ª edição. São Paulo: Atlas,2003. NOTAS:
[1] LÔBO, Paulo. Famílias, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.20.
[2] BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 5ª edição. Belo Horizonte:Livraria Del Rey Editora,1993, p. 47.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, Volume I: parte geral. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.92.
[4] SEREJO, Lourival. Direito Constitucional da Família. Belo Horizonte: Del Rey,1999, p.31.
[5]DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.62.
[6]LÔBO, Paulo. Famílias. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.68.
134
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[7] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08.São Paulo: Atlas, 2008, p.84.
[8] LÔBO, Paulo. Famílias. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.68.
[9] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.
[10]CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de Filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000, p.200.
5
135 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: PAINEL À LUZ DA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Evidenciar se faz imprescindível que o sentido de
fundamentalidade da função social da propriedade ‐ que representa, no
contexto da construção histórica dos direitos básicos inerentes à pessoa
humana, uma das expressões mais robustas das liberdades reais ou
concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que
somente se terá por cumprido, no que pertine às instâncias
governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a
promover, de maneira plena, a satisfação efetiva da determinação
ordenada pelo Texto Constitucional. Denota‐se, desta sorte, que,
ultrapassando a simples positivação dos direitos sociais, o que traduz
estágio imprescindível ao processo de afirmação constitucional e que
afigura como pressuposto indispensável à perseguição de sua eficácia
jurídica, recai sobre o Ente Estatal, independente da esfera, o inafastável
liame institucional consistente em conferir manifesta efetividade a tais
prerrogativas elementares. Tal fato decorre da necessidade de permitir,
ao indivíduo, nas situações de injustificável inadimplemento da obrigação,
que tenham eles acesso a um sistema organizado de garantias
136
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
instrumentalmente atreladas à realização, no que se refere às entidades
governamentais, da tarefa imposta pela Carta de 1988.
Palavras‐chaves: Direitos Fundamentais. Função Social da Propriedade.
Interpretação Jurisprudencial.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de
Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve
Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de
Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 O
Princípio da Função Social da Propriedade: Painel à luz da Interpretação
Jurisprudencial.
Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de
Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma
análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar
que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que
a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares
característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação.
Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que
passaram a orientar o Direito, tornou‐se imperioso salientar, com ênfase,
que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram
a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere‐
se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora
sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da
população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta
sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade,
passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação
das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi
5
137 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1].
Deste modo, com clareza solar, denota‐se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas
fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de
que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A
segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está
assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança
privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas
eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de
Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se
robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é
possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá‐la como maciço
axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto
proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento
de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é
contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força,
o seu fascínio, a sua beleza”[ ]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que
apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e
orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode‐se evidenciar que a
concepção pós‐positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via
de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e
profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de
Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução
acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3].
138
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere‐se que
o ponto central da corrente pós‐positivista cinge‐se à valoração da robusta
tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço
normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis.
Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga
à Idade Moderna
Ao ter como substrato de edificação as ponderações
estruturadas, imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da
evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de
direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos
humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma
afirmação e consolidação em determinado período histórico da
humanidade. “A evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa
humana também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos
todos de uma vez, mas sim conforme a própria experiência da vida
humana em sociedade”[4], como bem observam Silveira e Piccirillo.
Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada,
ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno
desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das
informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais
permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante
substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma análise histórica sobre
a construção dos direitos humanos, é possível fazer menção ao terceiro
milênio antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção individual em
relação ao Estado. “O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a
primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os
homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família,
prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”,
como bem afiança Alexandre de Moraes[5]. Em mesmo sedimento,
proclama Rúbia Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
5
139 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a relatar os
direitos comuns aos homens e a mencionar leis de
proteção aos mais fracos. O rei Hamurabi (1792 a
1750 a.C.), há mais de 3.800 anos, ao mandar redigir
o famoso Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito à vida, à
família, à honra, à dignidade, proteção especial aos
órfãos e aos mais fracos. O Código de Hamurabi
também limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar que aos
súditos era proporcionada moradia, justiça,
habitação adequada, segurança contra os
perturbadores, saúde e paz[6].
Ainda nesta toada, nas polis gregas, notadamente na cidade‐
Estado de Atenas, é verificável, também, a edificação e o reconhecimento
de direitos basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a liberdade e
igualdade dos homens. Deste modo, é observável o surgimento, na Grécia,
da concepção de um direito natural, superior ao direito positivo, “pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo da a si mesmo e
lei comum que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e
o que é injusto pela própria natureza humana”[7], consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira, que os direitos
reconhecidos não eram estendidos aos escravos e às mulheres, pois eram
dotes destinados, exclusivamente, aos cidadãos homens[8], cuja acepção,
na visão adotada, excluía aqueles. “É na Grécia antiga que surgem os
primeiros resquícios do que passou a ser chamado Direito Natural, através
da ideia de que os homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e fariam parte dos seres
humanos a partir do momento que nascessem com vida”[9].
O período medieval, por sua vez, foi caracterizado pela maciça
descentralização política, isto é, a coexistência de múltiplos centros de
poder, influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural do
feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas atividade comercial.
Subsiste, neste período, o esfacelamento do poder político e econômico.
140
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
A sociedade, no medievo, estava dividida em três estamentos, quais
sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada na oração e
pregação; os nobres, a quem incumbiam à proteção dos territórios; e, os
servos, com a obrigação de trabalhar para o sustento de todos. “Durante
a Idade Média, apesar da organização feudal e da rígida separação de
classes, com a consequente relação de subordinação entre o suserano e os
vassalos, diversos documentos jurídicos reconheciam a existência dos
direitos humanos”[10], tendo como traço característico a limitação do
poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de documentos escritos
reconhecendo direitos a determinados estamentos, mormente por meio
de forais ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à região em
que vigiam. Dentre estes documentos, é possível mencionar a Magna
Charta Libertati (Carta Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem
Terra, em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões exercidas pelos
barões em razão do aumento de exações fiscais para financiar a
estruturação de campanhas bélicas, como bem explicita Comparato[11].
A Carta de João sem Terra acampou uma série de restrições ao poder do
Estado, conferindo direitos e liberdades ao cidadão, como, por exemplo,
restrições tributárias, proporcionalidade entre a pena e o delito[12],
devido processo legal[13], acesso à Justiça[14], liberdade de
locomoção[15] e livre entrada e saída do país[16].
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna, outros documentos,
com clara feição humanista, foram promulgados, dentre os quais é
possível mencionar o Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações
ao poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o julgamento
pelos pares para a privação da liberdade e a proibição de detenções
arbitrárias[17], reafirmando, deste modo, os princípios estruturadores do
devido processo legal[18]. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o monarca
reconhecesse o sucedâneo de direitos e liberdades insculpidos na Carta
de João Sem Terra, os quais não eram, até então, respeitados. Cuida
evidenciar, ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado com o
fortalecimento e afirmação das instituições parlamentares e judiciais,
5
141 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
cenário no qual o absolutismo desmedido passa a ceder diante das
imposições democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus Act, de 1679, lei
que criou o habeas corpus, determinando que um indivíduo que estivesse
preso poderia obter a liberdade através de um documento escrito que
seria encaminhado ao lorde‐chanceler ou ao juiz que lhe concederia a
liberdade provisória, ficando o acusado, apenas, comprometido a
apresentar‐se em juízo quando solicitado. Prima pontuar que aludida
norma foi considerada como axioma inspirador para maciça parte dos
ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem enfoca
Comparato[19]. Enfim, diversos foram os documentos surgidos no velho
continente que trouxeram o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos
poucos, os marcos de uma transição entre o autoritarismo e o absolutismo
estatal para uma época de reconhecimento dos direitos humanos
fundamentais[20].
As treze colônias inglesas, instaladas no recém‐descoberto
continente americano, em busca de liberdade religiosa, organizaram‐se e
desenvolveram‐se social, econômica e politicamente. Neste cenário,
foram elaborados diversos textos que objetivavam definir os direitos
pertencentes aos colonos, dentre os quais é possível realçar a Declaração
do Bom Povo da Virgínia, de 1776. O mencionado texto é farto em
estabelecer direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal, reafirmou o
poderio do povo, como seu verdadeiro detentor[21], e trouxe certas
particularidades como a liberdade de impressa[22], por exemplo. Como
bem destaca Comparato[23], a Declaração de Direitos do Bom Povo da
Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e independentes,
possuindo direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a
felicidade e a segurança, registrando o início do nascimento dos direitos
humanos na história[24]. “Basicamente, a Declaração se preocupa com a
estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de
poderes”[25], como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele momento
preocupavam‐se, essencialmente, em limitar o poder do soberano,
proteger os indivíduos e exaltar a superioridade do Parlamento, esse
142
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
documento, trouxe avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés
a ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia. Em 1791, foi
ratificada a Constituição dos Estados Unidos da América. Inicialmente, o
documento não mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo menos, nove
das treze colônias. Estas concordaram em abnegar de sua soberania,
cedendo‐a para formação da Federação, desde que constasse, no texto
constitucional, a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos
fundamentais[26]. Assim, surgiram as primeiras dez emendas ao texto,
acrescentando‐se a ele os seguintes direitos fundamentais: igualdade,
liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação
política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade
em matéria penal, princípio da presunção da inocência, da liberdade
religiosa, da livre manifestação do pensamento[27].
Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos
Direitos de Liberdade
No século XVIII, é verificável a instalação de um momento de
crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia,
com grande poderio econômico, não participava da vida pública, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observância dos direitos
fundamentais, até então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento
do modelo feudal, permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo
que a camada mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributação, eram obrigados a sustentar os privilégios das minorias
que detinham o poder. Com efeito, a disparidade existente, aliado ao
achatamento da nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na órbita
política[28]. O mesmo ocorria com a população pobre, que, vinda das
regiões rurais, passa a ser, nos centros urbanos, explorada em fábricas,
morava em subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que
lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta gastasse com seus
supérfluos interesses. Essas duas subclasses uniram‐se e fomentaram o
sentimento de contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamações públicas tomaram conta da França.
5
143 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Em meados de 1789, em meio a um cenário caótico de
insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente para
manterem os interesses dos detentores do poder, implode a Revolução
Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do poder
pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco tempo depois, a
Assembleia Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias,
as imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens
e Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que
tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata[29] e, por isso, universalista. Ressalta‐se
que a Declaração Francesa possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens
e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto
humano; a segunda característica referia‐se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas
se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica
referia‐se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou
de reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos,
estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[30], da igualdade,
da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado
disso, é denotável que o diploma em comento consagrou os princípios
fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio
da legalidade[31], da reserva legal[32] e anterioridade em matéria penal,
da presunção de inocência[33], tal como liberdade religiosa e livre
manifestação de pensamento[34].
Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de
liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial,
propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido
processo legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem
como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão,
associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação
política, diretamente ou por meio de eleições. “Os direitos de primeira
144
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis
ao Estado, traduzem‐se como faculdades ou atributos da pessoa e
ostentam subjetividade”[35], aspecto este que passa a ser característico
da dimensão em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de
oposição perante o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele
das relações individuais e sociais.
O Princípio da Função Social da Propriedade: Painel à luz da
Interpretação Jurisprudencial
Em sede de comentários introdutórios, é possível evidenciar
que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com
profundos sulcos, condicionou a propriedade ao atendimento de sua
função social, de maneira que, uma vez ausente a função social ambiental,
o proprietário se vê obstado do pleno exercício de sua propriedade. Clara
é a dicção do artigo 5º[36], incisos XXII e XXIII, da Carta de Outubro, ao
consagrar, de maneira expressa, que o direito de propriedade é garantido
aos titulares que comprovarem o atendimento de sua função social.
Ao lado disso, é possível verificar que, dentre os baldrames que
norteiam as atividades econômicas, encontra‐se, novamente, prevista a
função social da propriedade, consoante se extrai do conteúdo do inciso
III do artigo 170[37] da Constituição Cidadã. No tocante à propriedade
rural, é observável que a função social da propriedade restará
materializada quando houver a confluência, concomitantemente, dos
seguintes fatores, quais sejam: (i) aproveitamento racional e adequado;
(ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação
do meio ambiente; (iii) observação das disposições que regulam as
relações de trabalho; e, (iv) exploração que favoreça o bem‐estar dos
proprietários e trabalhadores. Ora, com a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, insta salientar que o direito de
propriedade perdeu o aspecto absoluto, ilimitado e intangível,
caracterizados pela concepção individualista contida na Lei Substantiva
Civil então vigente, sendo revestido, por conseguinte, de uma moldura
social como fator de progresso e promoção de bem‐estar de todos.
Quando se diz que a propriedade privada tem uma função social, na
verdade está se afirmando que ao proprietário se impõe o dever de
exercer o seu direito de propriedade, não mais unicamente em seu
5
145 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
próprio e exclusivo interesse, mas em benefício da coletividade, sendo,
precisamente, o cumprimento da função social que legitima o exercício do
direito de propriedade pelo seu titular.
Repise‐se, imperiosamente, que o direito de propriedade não
se reveste de caráter absoluto, porquanto, sobre ele, pesa substancial
hipoteca social, a significar que, uma vez descumprida a função social que
lhe é inerente, estará legitimada a intervenção estatal na esfera dominial
privada, observados, porém, para esses efeitos, os limites, as formas e os
procedimentos afixados no próprio Texto Constitucional. Em
complemento, o acesso à terra, a solução de conflitos sociais, o
aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização
apropriada de recursos naturais disponíveis e a preservação do meio
ambiente substancializam elementos de realização de função social da
propriedade. Assim sendo, a desapropriação, em tal cenário, por exemplo,
na condição de sanção constitucional imponível ao descumprimento da
função social da propriedade, traz à baila importante instrumento
destinado a dar consequência aos compromissos assumidos pelo Estado
na ordem econômica e social.
Ementa: Constitucional. Administrativo. Civil.
Direito de construir. Limitação administrativa. I. ‐ O
direito de edificar é relativo, dado que condicionado
à função social da propriedade: C.F., art. 5º, XXII e
XXIII. Inocorrência de direito adquirido: no caso,
quando foi requerido o alvará de construção, já
existia a lei que impedia o tipo de imóvel no local. II.
‐ Inocorrência de ofensa aos §§ 1º e 2º do art. 182,
C.F. III. ‐ Inocorrência de ofensa ao princípio
isonômico, mesmo porque o seu exame, no caso,
demandaria a comprovação de questões, o que não
ocorreu. Ademais, o fato de ter sido construído no
local um prédio em desacordo com a lei municipal
não confere ao recorrente o direito de, também ele,
infringir a citada lei. IV. ‐ R.E. não conhecido.
(Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE nº
178.836/ Relator: Ministro Carlos Velloso/ Julgado
em 08 jun. 1999/ Publicado no DJe em 20 ago. 1999).
146
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
Ora, em um cenário jurídico no qual a constitucionalização dos
diplomas normativos, bem como os feixes axiológicos advindos do Texto
de 1988, cominam, por consequência lógica, uma relativização do dito
direito à propriedade privada, porquanto, substancialmente plasmado,
aquele encontra vinculação à função social. Isto é, apesar do
reconhecimento do direito à propriedade afigurar no rol dos direitos
fundamentais do indivíduo, este, em uma interpretação sistêmica e
voltada para a promoção, realização e concreção da dignidade da pessoa
humana, não pode ser revestido de aspecto absoluto, intocável; ao
reverso, faz‐se imprescindível alinhar, sobretudo como flâmula hasteada
pelo próprio Supremo Tribunal Federal, a função social da propriedade,
ou seja, a propriedade considerada como meio de potencialização e
atendimento da dignidade da pessoa humana como moldura
interpretativa acerca de tal direito fundamental, guardando, portanto
clara observância aos dispostos nos preceitos basilares do Texto
Constitucional.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na perspectiva social do trabalho. Disponível em: <http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 16 mar. 2016.
5
147 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
CORREIA, Érica Paula Barcha. A relação homoafetiva e o direito de seguridade social – uma leitura a partir dos direitos fundamentais. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (Coord.). Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom
Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
___________. Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789).
Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16
mar. 2016.
___________. Magna Carta (1.215). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
___________ Petição de Direito (1.628). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev.
148
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
NOTAS:
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
[3] VERDAN, 2009, s.p.
[4] SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.
5
149 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[5] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06.
[6] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em:
<http://www.faculdade.pioxii‐es.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016, p. 01.
[7] SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009. Acesso em 16 mar. 2016.
[8] MORAES, 2011, p. 06.
[9] CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história
da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:
<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 16 mar. 2016.
[10] MORAES, 2011, p. 06.
[11] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-72.
[12] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso
em 16 mar. 2016: “Um homem livre será punido por um pequeno crime
apenas, conforme a sua medida; para um grande crime ele será punido
conforme a sua magnitude, conservando a sua posição; um mercador
igualmente conservando o seu comércio, e um vilão conservando a sua
cultura, se obtiverem a nossa mercê; e nenhuma das referidas punições
será imposta excepto pelo juramento de homens honestos do distrito”.
[13] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso
em 16 mar. 2016: “Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado,
ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou
de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos
150
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares ou
pela lei do país”.
[14] Ibid. “A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou retardaremos direito ou justiça”.
[15] Ibid. “Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto espaço
em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto aqueles
aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e pessoas de
países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser tratados como acima
dito”.
[16] Ibid. “Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra como
por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de pedágio
iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em tempo de guerra,
caso sejam do país que está lutando contra nós. E se tais forem
encontrados no nosso país no início da guerra serão capturados sem
prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja sabido por nós, ou
pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do nosso país são
tratados, se foram encontrados no país em guerra contra nós; e se os
nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo no nosso país”.
[17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12.
[18] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de Direito (1.628). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas”.
5
151 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[19] COMPARATO, 2003, p. 89-90.
[20] MORAES, 2011, p. 08-09.
[21] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do
Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Que
todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que
os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer
momento, perante ele responsáveis”.
[22] Ibid. “Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos”.
[23] COMPARATO, 2003, p. 49.
[24] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança”.
[25] SILVA, 2004, p.155.
[26] SILVA, 2004, p.155.
[27] MORAES, 2003, p. 28.
[28] COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
[29] SILVA, 2004, p. 157.
[30] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a
152
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão”.
[31] Ibid. “Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei”.
[32] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.
[33] Ibid. “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.
[34] Ibid. “Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.
[35] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
[36] BRASIL. Constituição ( ). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 5º Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo‐
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [omissis] XXII ‐ é garantido o direito de
propriedade; XXIII ‐ a propriedade atenderá a sua função social”.
5
153 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810
Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
[37] BRASIL. Constituição ( ). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 170. A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [omissis]III
‐ função social da propriedade”.