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A Mulher Mais Bonita da CidadeCharles Bukowski Traduo: Carolina Peters ca 1 de maio de 2010

Cass era a mais nova e mais bonita das 5 irms. Cass era a garota mais a bonita da cidade. 1/2 ind gena com um corpo estranho e ex vel, um corpo poderoso como de serpente com olhos combinando. Cass era fogo em movimento. Ela era como um esp rito preso num corpo que no a conseguia a conter. Seu cabelo era preto e longo e sedoso e ondulava acompanhando seu corpo. Seu estado de esp rito era ao mesmo tempo elevado ou baix ssimo. No existia meio-termo para Cass. Alguns diziam que era louca. Os mais a estpidos diziam isso. Os estpidos jamais entenderiam Cass. Para os hou u mens ela era simplesmente um objeto sexual e eles no se importavam que a fosse louca ou no. E Cass danava e ertava, beijava os homens, mas exceto a c por uma ocasio ou outra, quando estavam quase l com Cass, Cass j havia a a a desaparecido, deixando os homens iludidos. Suas irms a acusavam de fazer mau uso de sua beleza, de no usar a a a cabea direito, mas Cass tinha cabea e esp c c rito; ela pintava, ela danava, c ela cantava, moldava argila, e quando algum qualquer era machucado f e sica ou emocionalmente, Cass sentia-se profundamente enlutada. Sua mente era simplesmente diferente; simplesmente no era prtica. Suas irms invejavam a a a a forma como ela atra os homens, e se aborreciam por pensar que ela no a a se aproveitava deles. Ela tinha o hbito de ser gentil com os mais feios; os a tidos como belos a revoltavam frouxos, ela dizia, nenhuma atitude. Eles vivem em funo de suas orelhinhas perfeitas e narinas delicadas. . . muita ca embalagem e nenhum contedo. . . Ela tinha um temperamento que beirava u a insanidade, ela tinha um temperamento que alguns chamavam insano. Seu pai fora morto pelo lcool e sua me fugira de casa, abandonando as a a meninas. As meninas recorreram a um parente que as colocou num convento. Os tempos de convento foram tristes, mais para Cass que para as irms. As a meninas sentiam inveja de Cass e Cass arrumava brigas a maior parte das vezes. Ela carregava marcas de navalha em todo o brao esquerdo por ter c se defendido em duas lutas. Havia tambm uma cicatriz permanente ao e longo da bochecha esquerda mas que ao invs de lesar sua beleza apenas e parecia enaltec-la. Eu a conheci no West End Bar vrias noites aps sua e a o sa do convento. Sendo a mais nova, foi a ultima das irms a ser liberada. da a Ela simplesmente chegou e sentou-se ao meu lado. Eu era provavelmente o homem mais feio da cidade e sua escolha talvez tivesse algo a ver com isso. 1

Bebida? eu perguntei. Claro, por que no? a Eu no imagino que hovesse qualquer coisa incomum em nossa conversa a aquela noite, foi simplesmente a impresso que Cass deixou. Ela me escolheu a e foi simples assim. Nenhuma presso. Ela gostou dos drinks e virou um bom a nmero deles. Ela no parecia ter idade mas de qualquer forma foi servida. u a Talvez tivesse esquecido a identidade, eu no sei. De qualquer forma, toda vez a que ela voltava do banheiro e sentava ao meu lado, eu sentia certo orgulho. Ela no era apenas a mulher mais bonita da cidade mas tambm uma das a e mais bonitas que j vira. Eu passei meu brao em torno de sua cintura e lhe a c dei um beijo. Voc acha que sou bonita? ela perguntou. e Sim, claro, mas h algo mais. . . h mais que sua aparncia. . . a a e As pessoas sempre me acusam de ser bonita. Voc realmente me acha e bonita? Bonita no a palavra, mal faz justia a voc. a e c e Cass procurou algo na bolsa. Pensei que fosse um leno. Ela tirou l de c a dentro um longo grampo de cabelo. Antes que pudesse imped ela havia -la furado o nariz com esse grampo comprido, na lateral, logo acima da narina. Eu senti nsia e horror. Ela me olhava e ria, agora me acha bonita? O que a diz agora, cara? eu tomei o grampo e segurei meu leno sobre o sangrac mento. Vrias pessoas, incluindo o bartender, viram a cena. O bartender a veio at ns: e o Olha, ele disse a Cass, mais uma dessas e voc cai fora. No precisae a mos de seus dramas por aqui. Ah, vai se foder, cara ela disse. Melhor tomar conta dela, o bartender me disse. Ela vai car bem, disse. E o meu nariz, posso fazer o que quiser com meu nariz. No, eu disse, isso di em mim. a o Quer dizer que machuca voc quando eu eno um grampo no meu e nariz? Sim, di, falo srio. o e Est certo, no farei novamente. Se alegre. a a 2

Ela me beijou, s que mais ria que beijava e segurava o leno no nariz. o c Fomos para minha casa quando o bar fechou. Eu tinha algumas cervejas e sentamos para conversar. Foi assim que percebi o quo gentil e carinhosa a ela era. Ela se doava sem que tomasse conhecimento. Ao mesmo tempo ela poderia retroceder e agir de forma grosseira e incoerente. Contradio. ca Uma linda e espirituosa contradio. Talvez algum homem, alguma coisa, a ca arruinaria para sempre. Esperava que no fosse eu. Fomos para a cama e a depois que apaguei as luzes Cass me perguntou, Quando vai querer? Agora ou pela manh? a Pela manh, eu disse e virei as costas. a De manh eu acordei e preparei duas x a caras de caf, levei-lhe uma na e cama. Ela riu. Voc foi o primeiro homem a recusar a proposta noturna. e Tudo bem, eu disse, no precisvamos tanto disso. a a No, espere, eu quero agora. Me deixe espairecer um pouco. a Cass foi ao banheiro. Voltou logo, parecendo absolutamente maravilhosa, seus longos cabelos negros brilhando molhados, seus olhos e lbios com brilho a umido, ela brilhante. . . Ela revelou seu corpo calmamente, como uma coisa boa. Ela entrou debaixo do lenol. c Vem c, homem. a Eu fui. E ela beijou com paixo mas sem pressa. Eu deixei minhas mos a a percorrerem seu corpo, transpassar seu cabelo. Eu montei. Era quente, e estreito. Comecei a me movimentar devagar, querendo que durasse. Seus olhos taram os meus. Qual o seu nome? perguntei. Que raio de diferena faz? ela perguntou. c Eu ri e segui em frente. Depois ela se vestiu e lhe dei uma carona de volta ao bar mas ela era dif de esquecer. No precisava trabalhar e dormi cil a at as 2 da tarde ento li o jornal. Estava na banheira quando ela entrou e a com uma planta enorme uma folha de orelha-de-elefante. Sabia que estaria na banheira, ela disse, ento trouxe algo com o qual a cobrir aquela coisa, garoto-natureza. Ela atirou a folha de elefante em mim na banheira. Como sabia que estaria na banheira? 3

Eu sabia. Quase todos os dias Cass chegava enquanto estava no banho. Os horrios a divergiam mas ela raramente se atrasava, e l estava a orelha-de-elefante. a E ento far a amos amor. Uma ou duas noites ela me telefonou e tive que liber-la da priso por embriaguez e envolvimento em briga. a a Esses lhos da puta, ela dizia, s porque te pagam alguns drinks o acham que tm acesso `s suas calas. e a c Uma vez que voc aceita um drink voc cria seus prprios problemas. e e o Pensei que se interessassem por mim, no apenas meu corpo. a Eu me interesso por voc e seu corpo. Duvido, entretanto, que a maioria e dos homens veja alm do seu f e sico. Eu deixei a cidade por 6 meses, vaguei por a voltei. Eu nunca esqueci , Cass, mas tivemos algumas discusses e senti que deveria seguir em frente o de alguma forma, e quando voltei imaginei que ela tivesse ido embora, mas estava sentado no West End Bar h 30 minutos quando ela apareceu e sentou a ao meu lado. E a lho da puta, voc voltou. , e Eu pedi um drink pra ela. Ento olhei para ela. Ela usava um vestido de a gola alta. Nunca a tinha visto num desses. E debaixo de cada olho, perfurados, havia 2 alnetes com cabecinhas de vidro. Tudo o que podia ver eram as cabeas dos alnetes, mas os alnetes estavam cravados em seu rosto. c Caralho, ainda tentando destruir sua beleza, eh? No, minha marca, seu bobo. a e Voc louca. ee Senti sua falta, ela disse. H mais algum? a e No no h mais ningum. Apenas voc. Mas estou me prostituindo. a a a e e Custa dez contos. Mas pra voc fao de graa. e c c Tira esses alnetes. No, minha marca. a e Esto me deixando muito triste. a Tem certeza? Porra que sim, tenho certeza. Cass os removeu devagarinho e os guardou na bolsa. 4

Por que voc luta contra sua beleza? eu perguntei Por que no pode e a simplesmente lidar com ela? Porque as pessoas pensam que tudo o que tenho. Beleza no nada, e a e beleza no dura. No faz ideia do quanto sortudo por ser feio, porque se a a e as pessoas gostam de voc pode ter certeza de que h outro motivo. e a O.k., eu disse, Tenho sorte. No digo que voc seja feio. As pessoas pensam que seja feio. Voc tem a e e um rosto fascinante. Obrigado. Tomamos mais um drink. O que tem feito? ela perguntou. Nada. Nem me empolgo. Nada interessante. Nem eu. Se voc fosse mulher poderia se prostituir. e No penso que conseguiria chegar perto de tantos estranhos, tirar a e proveito. Voc tem razo, tirar proveito, todos se aproveitam. e a e Sa mos juntos. As pessoas ainda olhavam para Cass pela rua. Ela era uma mulher bonita, talvez estivesse mais bela que nunca. Fomos ` minha a casa e abri uma garrafa de vinho e conversamos. Comigo e Cass, sempre foi fcil. Ela falava por alguns instantes e eu ouviria e ento eu iria falar. a a Nossa conversa simplesmente u sem constrangimentos. Parec a amos descobrir segredos juntos. Quando descobr amos um bom Cass ria e ria de uma forma como s ela conseguia. Era como alegria sa do forno. Ao longo o da da conversa nos beijvamos e chegvamos mais perto. O clima estava bem a a quente e decidimos ir para a cama. Foi quando Cass tirou seu vestido de gola alta e pude v-la a horr cicatriz serrilhada em sua garganta. Era e vel comprida e grossa. Caralho, mulher, eu disse da cama, caralho, o que voc fez? e Tentei isso com uma garrafa quebrada uma noite. No gosta mais de a mim? Ainda sou bonita? Eu a derrubei na cama e a beijei. Ela se desvencilhou de mim e riu, Alguns caras me pagam os dez contos e quando me dispo eles no querem a mais. Fico com a grana. E bem divertido.

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Sim, eu disse, no consigo parar de rir. . . Cass, vadia, eu amo voc. . . a e para de se destruir; voc a mulher mais v ee vida que j conheci. a Nos beijamos novamente. Cass estava chorando em silncio. Eu podia e sentir as lgrimas. O longo cabelo escuro disposto ao meu lado como um a estandarte da morte. Ns aproveitamos e zemos amor devagar e solene e o maravilhoso. De manh Cass estava de p preparando o caf. Ela parecia a e e bastante tranquila e feliz. Estava cantando. Eu quei na cama e curti sua felicidade. Finalmente ela apareceu e me sacudiu, De p, lho da puta! Joga uma gua fria no rosto e no pau e vem e a aproveitar o banquete! Eu a levei ` praia aquele dia. Era dia de semana e ainda no era vero a a a ento o lugar estava maravilhosamente deserto. Os vagabundos maltrapilhos a da praia dormiam no gramado sobre a areia. Outros sentavam em bancos de pedra repartindo uma unica garrafa. As gaivotas gingavam, despreocu padas ou mesmo distra das. Senhoras setentonas e oitentonas sentavam nos bancos e discutiam a venda de imveis deixados pelos maridos mortos h o a tempos pela correria diria e estupidez da sobrevivncia. Por conta de tudo a e isso, havia um clima agradvel e caminhamos a esmo e nos estiramos na a grama e no dissemos muita coisa. Simplesmente era bom estarmos juntos. a Eu comprei sandu ches, batatas fritas e bebidas e sentamos sobre a areia pra comer. Ento abracei Cass e dormimos juntos por quase uma hora. De ala guma forma foi melhor que fazer amor. Aquilo acontecia sem tenso. Quando a acordamos voltamos pra minha casa e eu preparei o jantar. Depois do jantar sugeri a Cass que acampssemos juntos. Ela esperou um bom tempo, a olhando pra mim, ento disse devagar, No. eu a levei de volta pro bar, a a paguei um drink pra ela e vim embora. Consegui um emprego numa fbrica a no dia seguinte e passei o resto da semana trabalhando. Estava demasiadamente cansado pra aguentar mas mesmo assim fui ao West End Bar naquela noite de sexta. Sentei e esperei por Cass. As horas passaram voando. Despois de sucientemente bbado o bartender me disse, Sinto muito pela sua e namorada. Por que? eu perguntei. Perdo, voc no soube? a e a No. a 6

Suic dio. Ela foi enterrada ontem. Enterrada? eu perguntei. Parecia que ela iria surgir pela porta a qualquer momento. Como poderia ter partido? Suas irms a enterraram. a Suic dio? Se importa de dizer como? Ela cortou a garganta. Entendo. Me v outro drink. e Bebi at a hora de fechar. Cass era a mais bonita das 5 irms, a mais e a bonita da cidade. Dei um jeito de dirigir de volta pra casa e quei pensando, deveria ter insistido que ela casse ao invs de aceitar aquele no. Todas e a as suas aes indicavam que se importava. Eu simplesmente estive muito co distante, preguioso, muito despreocupado. Merecia minha morte e a dela. c Era um cachorro. No, por que culpar os cachorros? Levantei e encontrei a uma garrafa de vinho e bebi com vontade. Cass a garota mais bonita da cidade estava morta aos 20 anos. L fora algum buzinava num carro. Era a e alto e insistente. Larguei a garrafa e gritei: TOMA NO CU, FILHO DA PUTA, CALA A BOCA! A noite foi chegando e no havia nada que eu a pudesse fazer.

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