Cachaça Leblon SEBRAE

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A Cachaça Leblon é uma empresa que já nasceu internacional, com sede nos Estados Unidos, pro- dução no Brasil e engarrafamento na França. Por meio de um projeto criativo e inovador, a empresa conquistou mercado lá fora para um produto tipica- mente brasileiro. Este case mostra como a empresa teve início e os passos seguintes em seu processo de expansão no exterior 1 . Histórico Steve Luttmann, um executivo norte-americano que trabalhou na subsidiária brasileira de uma empre- sa multinacional, quando de sua passagem pelo Brasil provou a caipirinha, gostou, e visualizou um grande potencial de mercado para a cachaça no mundo. Essa percepção motivou Luttmann a montar um plano de negócio para criar uma empresa que teria como objetivo lançar uma cachaça de qualidade no mercado internacional. Do plano à ação passou-se pouco mais de um ano e, no mês de junho de 2005, a nova empresa já iniciava suas operações, tendo como base a seguinte estrutura: Sede da empresa: Estados Unidos (no esta- do de Delaware, com escritório na cidade de Nova Iorque); Produção da cachaça: Brasil (no estado de Minas Gerais, região de Pato de Minas); Acabamento e embalagem: França (na re- gião de Conhaque). Essa concepção de empresa levou em considera- ção o posicionamento que Luttmann pretendia dar ao produto, que incluía qualidade superior, exclusivi- dade e estilo de vida moderno, de forma a diferenciá- lo de seus similares nacionais – vistos como artesanais em sua grande maioria – e aproximá-lo das bebidas destiladas de prestígio internacional, tais como o uís- que e a vodca, mas sem perder a característica princi- pal de ser um produto brasileiro. O primeiro ponto do projeto, que estabeleceu a sede nos Estados Unidos, deveu-se ao fato de ser esse o maior mercado do mundo para bebidas destiladas de preço elevado. O segundo elemento da estrutura da empresa atendeu ao cuidado de escolher uma região do Bra- sil que, tradicionalmente, produzisse uma cachaça de qualidade superior e o terceiro elemento surgiu da necessidade de utilizar uma embalagem de luxo, conforme relata Marcio Pavlov, diretor de operações e logística da empresa: “A idéia começou no seguinte: temos que ter uma garrafa de luxo. Onde que está essa garrafa de luxo? Ah, essa garrafa de luxo está na França. Ah é? Então, de repente o melhor que podemos fazer é, ao invés de ficar man- dando (garrafas) para o Brasil e lidando com negócio de porto brasileiro, coisa entra e coisa sai, importação aqui e toda essa com- plicação, pensamos: ‘não, vamos mandar a granel para França e vamos engarrafar lá’ ”. CACHAÇA LEBLON: do alambique à maison 1 Este case foi construído pelos professores Renato Cotta de Mello, do Instituto Coppead de Administração – UFRJ, e Angela da Rocha, do Núcleo de Pesquisas em Negócios Internacionais (NUPIN) da PUC-Rio, com base em entrevistas com executivos da empresa e em consultas a periódicos e outras publicações.

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Estudo de caso Cachaça Leblon Patos de Minas elaborado pelo SEBRAE

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A Cachaça Leblon é uma empresa que já nasceu internacional, com sede nos Estados Unidos, pro-dução no Brasil e engarrafamento na França. Por meio de um projeto criativo e inovador, a empresa conquistou mercado lá fora para um produto tipica-mente brasileiro. Este case mostra como a empresa teve início e os passos seguintes em seu processo de expansão no exterior1.

HistóricoSteve Luttmann, um executivo norte-americano

que trabalhou na subsidiária brasileira de uma empre-sa multinacional, quando de sua passagem pelo Brasil provou a caipirinha, gostou, e visualizou um grande potencial de mercado para a cachaça no mundo.

Essa percepção motivou Luttmann a montar um plano de negócio para criar uma empresa que teria como objetivo lançar uma cachaça de qualidade no mercado internacional. Do plano à ação passou-se pouco mais de um ano e, no mês de junho de 2005, a nova empresa já iniciava suas operações, tendo como base a seguinte estrutura:

• Sede da empresa: Estados Unidos (no esta-do de Delaware, com escritório na cidade de Nova Iorque);

• Produção da cachaça: Brasil (no estado de Minas Gerais, região de Pato de Minas);

• Acabamento e embalagem: França (na re-gião de Conhaque).

Essa concepção de empresa levou em considera-ção o posicionamento que Luttmann pretendia dar ao produto, que incluía qualidade superior, exclusivi-dade e estilo de vida moderno, de forma a diferenciá-lo de seus similares nacionais – vistos como artesanais em sua grande maioria – e aproximá-lo das bebidas destiladas de prestígio internacional, tais como o uís-que e a vodca, mas sem perder a característica princi-pal de ser um produto brasileiro.

O primeiro ponto do projeto, que estabeleceu a sede nos Estados Unidos, deveu-se ao fato de ser esse o maior mercado do mundo para bebidas destiladas de preço elevado.

O segundo elemento da estrutura da empresa atendeu ao cuidado de escolher uma região do Bra-sil que, tradicionalmente, produzisse uma cachaça de qualidade superior e o terceiro elemento surgiu da necessidade de utilizar uma embalagem de luxo, conforme relata Marcio Pavlov, diretor de operações e logística da empresa:

“A idéia começou no seguinte: temos que ter uma garrafa de luxo. Onde que está essa garrafa de luxo? Ah, essa garrafa de luxo está na França. Ah é? Então, de repente o melhor que podemos fazer é, ao invés de fi car man-dando (garrafas) para o Brasil e lidando com negócio de porto brasileiro, coisa entra e coisa sai, importação aqui e toda essa com-plicação, pensamos: ‘não, vamos mandar a granel para França e vamos engarrafar lá’ ”.

CACHAÇA LEBLON: do alambique à maison

1EstecasefoiconstruídopelosprofessoresRenatoCottadeMello,doInstitutoCoppeaddeAdministração–UFRJ,eAngeladaRocha,doNúcleodePesquisasemNegóciosInternacionais(NUPIN)daPUC-Rio,combaseementrevistascomexecutivosdaempresaeemconsultasaperiódicoseoutraspublicações.

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No ano seguinte à sua fundação, a empresa atin-giu um faturamento de US$ 850 mil, contando com um quadro de 35 funcionários, sendo cinco na área administrativa e o restante nas áreas de operação e comercial, com ênfase nessa última.

Nesse mesmo ano os mercados da cachaça Le-blon diversifi caram-se e passaram a incluir a Ingla-terra, sendo sua escolha assim justifi cada pelo diretor de operações e logística da empresa:

“A Inglaterra é o país que infl uencia mais o continente da Europa, as pessoas imitam o estilo de vida que eles têm lá. As inovações partem de lá, a cidade de Lon-dres é o lugar mais internacional, famo-sa por seus drinques e coquetéis. Então, achamos estratégico lançar em Londres”.

Para viabilizar a entrada da sua cachaça nesse mercado, a empresa contratou o que ela denomina de “embaixadores da marca”, que tinham como tarefa principal o desenvolvimento do mercado britânico, fechou um acordo de distribuição com uma empresa especializada em distribuição de bebidas e contratou uma empresa de relações públicas local.

Destaque-se que, por ocasião da realização do festival de cinema de Cannes, em 2006, a empresa realizou eventos promocionais nessa cidade, com o propósito de atrair a atenção dos formadores de opi-nião do mercado norte-americano:

“Em 2006 teve também uma coisa pe-quena na França. Na verdade, eu não diria que nós iniciamos de fato uma presença no mercado francês, mas em 2006 teve o festival de cinema de Cannes, aonde vão muitas celebridades dos Estados Unidos. Nós fi zemos (a promoção) focando o mer-cado dos Estados Unidos, a imprensa dos

Essa decisão levou à busca por um engarrafador para o produto na França, mais precisamente na re-gião de Conhaque, já visando o envelhecimento da cachaça em tonéis de carvalho naquela região fran-cesa. Após alguma pesquisa sobre possíveis fornece-dores, a escolha recaiu na Destilaria Merlet, como indicou Marcio Pavlov:

“Durante esse processo conhecemos a destilaria Merlet, e o Máster Distiller Gilles Merlet, que é o dono da Merlet. Ele é um dos destiladores mais inovadores da região de Conhaque, tendo criado vários outros pro-dutos. Ele tem a cabeça bem aberta e é um cara que está sempre explorando, viajando o mundo inteiro, vendendo os produtos dele”.

Processo de Internacionalização

O início

Viabilizando as suas operações por meio de investi-dores capitalistas, que aportaram os recursos fi nanceiros necessários à empresa, estava criada a Cachaça Leblon.

De acordo com o posicionamento pretendido, o preço estabelecido para o produto (que é o preço sugestão para o ponto de venda) foi de US$ 30 por garrafa de 750 ml, que era equivalente aos preços dos uísques e das vodkas de qualidade superior. E o pri-meiro mercado a ser desenvolvido foi o norte-ame-ricano, começando pelo estado da Flórida, seguido por Nova Iorque e, mais tarde, Califórnia. Desde o início de suas atividades, a empresa baseou-se forte-mente em assessoria de relações públicas, de forma a divulgar seu produto por meio de notícias e notas em colunas especializadas na imprensa local. Esse serviço era utilizado não somente por ocasião da entrada da empresa em novos mercados, mas também para a sua manutenção e formação de imagem do produto.

Estados Unidos, mas formalmente apareceu como se fosse uma venda para a França”.

Ainda em 2006, a empresa atendeu a pedidos que tiveram origem na Irlanda, sem que essas fossem ven-das programadas ou, mesmo, esse país estivesse entre as prioridades no projeto original da empresa.

A evolução da produção

A parceria com o engarrafador francês foi sen-do reforçada com o passar do tempo e à medida que Gilles Merlet se envolvia crescentemente com o projeto (como, por exemplo, passando para a sua empresa a responsabilidade pela garantia da quali-dade intrínseca do produto). Além disso, os dirigen-tes da Cachaça Leblon começaram a se preocupar com o fato de a empresa ser totalmente dependen-te de terceiros para o fornecimento de seu insumo principal: a cachaça.

Tal preocupação foi verbalizada por Marcio Pa-vlov da seguinte maneira:

“Ficar dependendo de fornecedores externos tem limites. Se quisermos au-mentar volumes e manter a qualidade, vamos ter problemas, caso não tenhamos uma unidade produtiva nossa, com os nos-sos padrões. Já ficou claro para nós a di-ficuldade que é. No mundo da cachaça de alambique existe uma dificuldade grande porque os produtores que fazem produtos de maior qualidade, de uma forma mais cuidadosa, não lidam com isso como se fosse um negócio. Isso é um hobby para eles. Tem muita gente que se aposenta nas carreiras, monta seu alambique e se dedica a isso. Mas, não está preocupado em ganhar dinheiro. Tem o aspecto do or-gulho de produzir uma cachaça boa, vale

tanto quanto o lucro. Então, se às vezes um lote é recusado, você pode perder um fornecedor porque ele se sente ofendido. E, muitas vezes, ele não atende dentro do padrão de qualidade que você quer.”

Com o intuito de solucionar esse problema, o sr. Gilles Merlet, após diversas visitas à região de Pato de Minas (MG), adquiriu uma destilaria naquela região que passou a se denominar Maison Leblon e iniciou o fornecimento da cachaça, envelhecida em tonéis de carvalho importados da França e engarra-fada nas embalagens do fornecedor francês.

Tipicamente, a produção da cachaça da Maison Leblon era realizada em seis etapas principais2:

1. A cana era cortada manualmente e suas pon-tas eram descartadas, deixando apenas a me-lhor porção. A cana então era rapidamente levada para ser prensada.

2. Após aproximadamente 15 horas o mosto fermentado era levado para alambiques arte-sanais de cobre para ser destilado em peque-nos lotes.

3. O caldo de cana recém prensado era fermen-tado, usando leveduras nativas selecionadas que convertiam o açúcar em álcool, sendo que todos os aspectos da fermentação eram controlados em uma sala de fermentação muito avançada tecnologicamente para os padrões da indústria.

4. Lotes diferentes no decorrer da safra pro-porcionavam diferentes resultados senso-riais. Os lotes eram cuidadosamente com-binados em um processo de blendagem que buscava maximizar a complexidade do sabor e do aroma.

2www.cachacaleblon.com.br/cachaça.Acessoem27.11.2009.

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pode, e deve, ser examinado com cuidado. Principal-mente nos países do hemisfério norte, a disponibili-dade desse serviço é ampla e a qualidade do mesmo costuma ser alta – com custos infinitamente menores do que qualquer mídia de massa. Um serviço de RP pode assessorar a empresa na confecção de uma lista de convidados para visitar o seu estande de vendas em uma feira, acompanhando e confirmando a presença desses convidados, por exemplo. É parte do trabalho de RP inserir notas sobre a empresa e seus produtos na mídia local, entre outros serviços especializados prestados por esse tipo de empresa. O caso da Ca-chaça Leblon demonstra o bom uso desses serviços e a importância que o mesmo teve para o lançamento de seu produto nos diferentes mercados onde atua.

imagens. A própria forma de comunicação da empre-sa expõe o seu propósito, quando se utiliza de even-tos internacionais para divulgar a marca (como foi o caso do festival de cinema de Cannes) e por meio da configuração de seu site na internet que, com forte ênfase nas cores verde e amarelo, divulga receitas de drinques sofisticados preparados por bartenders de renome, tendo como base a cachaça.

3. Os planos iniciais para o mercado inter-nacional servem como referência e podem ser alterados.

Quando uma empresa estabelece um plano de negócio para iniciar-se no mercado internacional, esse deve ser pensado em seus mínimos detalhes. Mas não significa que não possa nem deva ser al-terado/adaptado, pois, muitas vezes, a realidade com que a empresa se depara difere daquela visualizada previamente. Esse foi o caso da Cachaça Leblon no que diz respeito à uniformidade e à quantidade do suprimento da matéria prima necessária para o bom funcionamento da empresa e o atendimento de sua necessidade crescente de cachaça de qualidade. As-sim, sem abandonar totalmente o projeto inicial, os empreendedores buscaram alternativas de suprimen-to e encontraram a solução junto ao seu fornecedor francês que, vislumbrando um futuro promissor para seu negócio, investiu em produção própria de cacha-ça no Brasil. Não houve nenhuma alteração drástica em seu plano de negócio original; houve, sim, uma adaptação em um dos pilares do negócio concebido, a partir da experiência adquirida com as operações.

4. Um bom serviço de relações públicas pode trazer mais resultados do que a propaganda.

Para as pequenas empresas, o investimento em propaganda é uma alternativa financeiramente inviá-vel, mas os serviços de um bom escritório de relações públicas (RP) no país para onde se deseja exportar

5. A cachaça era refinada por meio de descan-so de até seis meses em barris de carvalho, resultando em sabor ultra suave, ao mes-mo tempo que retinha o aroma espetacular do destilado obtido com a fermentação e destilação em lote único nos alambiques artesanais.

6. A cachaça era então triplamente filtrada, usando um processo orgânico exclusivo de-senvolvido pela família Merlet durante sécu-los de produção de conhaque na França.

Dessa forma, a Cachaça Leblon pôde ser ofereci-da ao mercado com maior garantia de qualidade e em quantidade suficiente para abastecer de modo cres-cente as praças internacionais que a empresa passava a explorar.

Em 2008, esses mercados eram representados por Inglaterra, Irlanda, França, Áustria e Singapura, além do próprio Estados Unidos que, nesse ano, represen-tou cerca de 80% do seu faturamento total de U$ 3 milhões.

Situação em 2009O crescimento da empresa apresentava um de-

sempenho muito positivo e seus executivos estima-vam, naquele ano, que a Cachaça Leblon atingisse um faturamento entre oito e nove milhões de dólares.

Dois novos mercados passaram a ser explorados a partir de 2008: Canadá e Brasil, sendo que para esse último foram contratados três novos funcionários e o preço sugestão estabelecido para o produto foi de R$ 60,00 por garrafa. A expectativa era a de que o volume de vendas da cachaça no Brasil diminuísse a forte participação do mercado norte-americano nas receitas totais da empresa.

LIÇÕES DO CASO: CACHAÇA LEBLON

1. Escolha um bom posicionamentoAo deixar claro o que a sua empresa quer oferecer,

a que público ela quer atender e de que forma a sua oferta será diferente das demais ofertas já existentes, você terá dado o primeiro passo para aumentar as suas chances de sucesso no mercado internacional. Essas orientações são fundamentais para o estabe-lecimento de metas e a escolha dos melhores países para onde dirigir seus esforços de vendas. No caso da Cachaça Leblon, percebe-se que o empreendedor ti-nha respondido às questões formuladas para se obter um bom posicionamento:

a. O que vender? Cachaça brasileira.

b. Para quem? Para um público sofisticado, de alta renda e cosmopolita.

c. Com relação à concorrência? Com qualidade superior, comparável à dos melhores destila-dos do mundo.

2. Nem sempre um produto tipicamente brasileiro precisa estar ligado a samba ou fute-bol.

O posicionamento de um produto no exterior, mesmo aqueles que obrigatoriamente tenham ori-gem no Brasil, como a cachaça, pode adquirir per-sonalidades outras que fujam da obviedade e da ima-gem genérica do país no exterior. O caso de sucesso da Cachaça Leblon demonstra isso claramente, pois o produto da empresa está posicionado como moder-no, de alta qualidade e sofisticado. Os gestores sou-beram escolher desde o seu nome até as praças de lançamento, passando pelo processo produtivo, des-tacando a brasilidade do produto, por meio de cores e