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A Imputação de Direitos de Voto no Código dos Valores Mobiliários Carlos Osório de Castro * * Advogado, Assistente da Universidade Católica Portuguesa – Porto.

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A Imputação de Direitos de Voto noCódigo dos Valores Mobiliários

Carlos Osório de Castro *

* Advogado, Assistente da Universidade Católica Portuguesa – Porto.

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1. À semelhança do que sucedia já com o Código do Mercado de Valores Mobiliários(CodMVM), também o novo Código dos Valores Mobiliários (CVM)1 consagra deveresde comunicação quando se atinjam ou ultrapassem certas percentagens dos votosinerentes ao capital social de uma sociedade com o capital aberto ao investimento dopúblico (abreviadamente sociedade aberta)2 — a que a lei chama participaçõesqualificadas —, ou quando se desça abaixo de algum de tais patamares3. E era, aliás,obrigatório que assim fosse, visto que se trata de matéria objecto de uma directiva comu-nitária, concretamente da Directiva 88/627/EEC, de 12 de Dezembro, “relativa às infor-mações a publicar por ocasião da aquisição ou alienação de uma participação importantenuma sociedade cotada na bolsa”, e que é vulgarmente conhecida por Directiva datransparência4.

No quadro da regulamentação aplicável aos sobreditos deveres avultam as normas rela-tivas à questão do cômputo das participações qualificadas, ou seja, à definição dosvotos que integram cada participação, pois o legislador tratou de equiparar, aos votosinerentes às acções de que o participante tenha a titularidade ou o usufruto, os votosinerentes a acções detidas por certas outras entidades, que com o participanteapresentem determinadas conexões. Estas normas constam dos arts. 20º e 21º doCVM, e é a elas que se referem os breves apontamentos que a seguir alinhavamos, semoutra pretensão que não seja a de concorrer para o desbravar de um terreno que,como veremos, não é nada isento de escolhos.

De resto, tais preceitos cobram relevo acrescido atento o facto de se remeter para eles apropósito do dever de lançamento de ofertas públicas de aquisição, através da

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1As disposições legais citadas sem outra indicação pertencem ao Código dos Valores Mobiliários, aprovado peloDec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.

2São sociedades abertas aquelas que assim hajam de qualificar-se por aplicação de qualquer um dos critériosprevistos no art. 13º, n.º 1, do CVM.

3Por facilidade de exposição, designaremos todos os casos reconduzíveis às duas primeiras hipóteses por“aquisição de participação qualificada”, e os subsumíveis na última por “alienação de participaçãoqualificada”.

4O que não significa, note-se, que o nosso legislador se tenha atido à mera transposição da Directiva datransparência: bem ao invés, a disciplina editada vai, quanto a alguns pontos, para lá do que exigia a Directiva(é o caso da relevância do limiar dos 90%, e, quanto às sociedades abertas emitentes de acções ou de outrosvalores mobiliários que confiram direito à sua aquisição admitidos à negociação em mercado regulamentadosituado ou a funcionar em Portugal, ainda dos limiares dos 2% e dos 5%), além de que se não aproveitaramtodas as possibilidades temperadoras dos deveres em causa consentidas por este acto comunitário.

5Quando a percentagem é superior a 1/3 dos votos (mas não a metade dos mesmos), não será exigível olançamento da oferta se se demonstrar perante a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários que nem setem o domínio da sociedade, nem se está com ela em relação de grupo, bem como na hipótese de os estatutos

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alterações à estrutura accionista e às relações de poder entre os sócios consequentesdos aludidos eventos ou que estes permitem antever (pense-se sobretudo no caso emque se adquirem posições com vista à tomada de controlo da sociedade)7.

Ocorre assinalar, por outra via, que o art. 16º do CMV tem uma natureza simulta-neamente jurídico-pública e jurídico-privada, já que os deveres de comunicaçãoimpostos ao participante implicam a prestação de informações à Comissão do Mercadode Valores Mobiliários (CMVM), às entidades gestoras de mercados regulamentados emque estejam admitidos à negociação valores mobiliários emitidos pela sociedadeparticipada, e ainda, e finalmente, à própria sociedade participada8 (sendo certo querelevam do direito público todos os deveres a cumprir diante da CMVM, e queintegram o direito privado as normas, ou partes de normas, que disciplinam relaçõesjurídicas entre o participante e a sociedade visada, pois tais relações nunca são relaçõesde supra-infra-ordenação, mesmo quando o participante é um ente público9) —embora o façamos apenas para sublinhar que, não obstante isso, a interpretação dasdisposições que nos ocupam não pode deixar de ser unitária, por isso que é tambémunitário o cumprimento dos deveres consagrados (no sentido de que o dever, quandoexiste, existe necessariamente em ordem a todas as referidas entidades).

Muito importante é o facto, já anotado, de que os arts. 16º e segs. do CVM transpõempara a ordem jurídica interna a Directiva da transparência, o que reclama uma inter-pretação conforme à directiva, nos moldes conhecidos: as normas jurídicas nacionais quetenham como objectivo a transformação de uma directiva, ou que, pelo menos,contendam com o seu âmbito de aplicação, devem ser objecto de uma interpretaçãoconforme a essa mesma directiva, se o teor literal de tais comandos comportar um

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estatuição de que essa obrigação surge quando se ultrapasse um terço5 ou metade dosdireitos de voto correspondentes ao capital social de uma sociedade aberta,“directamente ou nos termos do n.º 1 do art. 20º” (cfr. o art. 187º, n.º 1, do CVM).

2. A correcta interpretação das disposições que nos ocupam supõe que se tenham nadevida conta uma série de factores e de elementos.

Em conformidade com o lugar privilegiado que compete ao elemento teleológico emmatéria hermenêutica, será preciso atentar, em primeiro lugar, na finalidade visada coma estipulação dos deveres de comunicação da aquisição ou alienação de participaçõesqualificadas6.

A este respeito, o Preâmbulo da Directiva da transparência ilumina o caminho aointérprete: trata-se, segundo aí se diz, de melhorar a protecção dos investidores, dereforçar a sua confiança nos mercados de valores mobiliários e de assegurar que essesmercados funcionam correctamente, através da adopção de uma política adequada deinformação dos mesmos investidores.

Compreende-se bem o que está em jogo. A aquisição ou a alienação de uma parti-cipação qualificada são, ou podem ser, factos importantes para a decisão de (des)in-vestimento, do ponto de vista dos investidores, não só devido às suas repercussões nofloat (na quantidade de acções detidas com o propósito de alienação num prazo maisou menos curto), como devido aos seus reflexos na evolução das cotações, por via das

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da sociedade suprimirem o dever, ao abrigo do art. 187º, n.º 4, do CVM.

6A referência à titularidade de participações qualificadas em sociedade aberta surge-nos noutras sedes: cfr.,por ex., os arts. 30º, n.º 2, e 359º, n.º 1, al. d), do CVM. Não obstante, o CVM define as participaçõesqualificadas no seu art. 16º, a propósito da disciplina dos deveres de comunicação (e subsequente divulgação)da respectiva aquisição e alienação (e em cumprimento, como se viu, de uma directiva comunitária); para nós,portanto, é líquido que a noção de participação qualificada e as regras sobre o seu cômputo integram esse ins-tituto, devendo ser lidos à luz das correspondentes valorações — sendo aos resultados assim obtidos que sereportam as remissões constantes de outros lugares da lei. E isto é assim, note-se, também pelo que concerneao art. 187º, n.º 1, do CVM (que, como se disse já, determina que a contagem dos votos, para efeitos do regi-me das ofertas públicas de aquisição obrigatórias, se faça nos termos do art. 20º). A remissão não é uma meratécnica de “cortar-e-colar”, usada pelo legislador para (se for o caso) editar no seio de certo instituto umanorma que, conquanto com o mesmo texto de outra pertencente a instituto distinto, não dispensaria umesforço interpretativo autónomo, em homenagem à especificidade do seu local sistemático. Não: através daremissão, o legislador importa a norma com o sentido que ela tem no seu instituto de origem, precisamenteporque entende existir analogia entre os casos (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador,Almedina, Coimbra, 1983, pág. 107); ressalvadas são sempre apenas as “devidas adaptações”, as quais, todavia,se circunscrevem aos ajustamentos necessários para permitir que aquela mesma regra, com o critério valorativo quelhe estiver subjacente, possa valer num domínio diferente daquele para o qual foi originariamente pensada— não podendo redundar, ao cabo e ao resto, numa substituição desse critério por outro, alegadamente mais

consentâneo com as particularidades do instituto “receptor” (o que, no fundo, redundaria em repudiar aanalogia justamente pressuposta pela lei).

7É duvidoso que a informação sobre participações qualificadas vise não só tutelar a eficiência funcional do mercado decapitais, como ainda proteger individualmente os investidores, possibilitando-lhes reclamar dos infractores culposos aindemnização dos prejuízos sofridos (no âmbito do direito alemão, veja-se, em sentido afirmativo, UWE SCHNEIDER, inWertpapierhandelsgesetz, organizado por ASSMAN/UWE SCHNEIDER, Verlag Dr. Otto Schmidt, 2ª edição, 1999, pré-anotação16 ao § 21, e, no sentido contrário, HÜFFER, Aktiengesetz, VERLAG C. H. Beck, 3ª edição, anotação 1 ao § 21 WpHG). Masjá é seguro, a nosso ver, que à regulamentação dos arts. 16º e segs. do CVMnão podem coligar-se objectivos que algunsassociam aos §§ 21 e segs. da Wertpapierhandelsgesetz (cfr. UWE SCHNEIDER, ob. cit., pré-anotações 17 e segs. ao § 21), comosejam o de obrigar à divulgação dos titulares da responsabilidade última pelas empresas, por razões de ordenaçãopolítica, ou o de permitir aos accionistas, nessa qualidade (que não já na de investidores), aperceberem-se da evoluçãoda estrutura accionista e da criação oumodificação de uma relação de domínio sobre a sociedade.

8É a esta sociedade que incumbe publicar (e de imediato) a comunicação recebida, nos termos do art. 17º, n.º 1, doCVM.

9Neste sentido veja-se UWE SCHNEIDER, ob. cit., pré-anotações 6 e segs. ao § 21.

10Cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal de Justiça von Colson und Kamann (Colecção de Acórdãos, 1984,pág. 1909) e Marleasing (Colecção de Acórdãos, 1990, págs. 4158 e segs.). Sobre os detalhes da interpretação

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qualificada em sociedade aberta constitui contra-ordenação, nos termos dos arts.390º e 400º do CVM13, o que tornará aqui aplicável a proibição da analogia vigentenos domínios penal e contra-ordenacional.

Assim seria, de facto, mas apenas se estivessemos perante matéria do foro exclusiva-mente contra-ordenacional. Não é esse, todavia, o caso: embora o dever do art. 16ºdo CVM seja assistido por uma sanção contra-ordenacional, ele insere-se, vimo-loainda há pouco, no direito do mercado de capitais e reveste até, em parte, carácterjurídico-privado. Ora o respeito da proibição da analogia demandará exclusivamenteque se não recorra a essa técnica para efeitos contra-ordenacionais e apenas para estes. O âmbitodo dever não deixará, portanto, de poder ser estendido, em via analógica; a suaviolação com esse conteúdo assim alargado simplesmente não poderá configurar umacontra-ordenação14.

3. Passando então à análise do art. 20º do CVM, urge dizer, antes do mais, que osentido e a finalidade deste concreto preceito são manifestamente o de imputar aoparticipante os direitos de voto cujo exercício se considere ser por ele influen-ciado ou influenciável, já no uso de alguma faculdade jurídica, já num planopuramente fáctico. Busca-se assegurar a transmissão ao público de um “quadrocorrecto”, ao mesmo tempo que se procura travar o passo às tentativas de circundaçãoda obrigatoriedade da comunicação: o art. 20º representa, portanto, a peça centralda regulamentação relativa à publicidade da aquisição e alienação de participaçõesqualificadas, em sede do combate às estratégias de conflito e de evasão15.

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sentido que seja com ela compatível10 — urgindo ressaltar, em todo o caso, que como aDirectiva da transparência se limita a estipular standardsmínimos, ela não impõe que osEstados-Membros se fiquem pela adopção das regras impostas11, pelo que a suaconsideração não será de nenhum préstimo na opção entre duas possibilidadesinterpretativas, se ambas satisfizerem ao que é exigido.

É também sabido, por outro lado, que, na fixação do sentido imputável a uma direc-tiva, o intérprete deverá pautar-se, grosso modo, pelos princípios hermenêuticos gerais,atendendo, designadamente, aos elementos histórico, teleológico, sistemático egramatical. Há, porém, certas peculiaridades, como seja a que advém da circunstânciade as directivas, tal como os demais actos comunitários, serem vinculativas em váriaslínguas, não podendo deixar de entender-se, por isso, que o texto deve serconsiderado em todas essas línguas. Outra máxima interpretativa cuja observância oTribunal de Justiça das Comunidades Europeias impõe aos órgãos aplicadores dodireito nacional de um Estado-Membro, tratando-se de direito harmonizado (ouseja, editado em cumprimento de uma directiva), é a de que se atenda à forma como adirectiva haja sido transformada pelos demais Estados-Membros e à interpretação queneles se dê aos correspondentes preceitos internos e à própria directiva12.

Recomendar-se-á, ainda de outra banda, uma interpretação lata dos preceitos em causa,como forma de garantir em tanto quanto possível a transparência visada. Osparticipantes aos quais não convenha a comunicação da aquisição ou alienação daparticipação qualificada não deixarão de tentar explorar as insuficiências legais; serámister dificultar-lhes a tarefa, optando-se, na dúvida, pela afirmação da existência dodever. Mas só na dúvida, repisa-se: não poderá concluir-se pela existência do dever se,ponderados os diversos factores interpretativos, a solução contrária for a únicadefensável, ou mesmo apenas a mais defensável.

Dirão alguns, finalmente, que apenas poderá proclamar-se a existência do dever decomunicação se isso for possível em sede exclusivamente interpretativa (seja emboranos moldes latos atrás defendidos) — ou seja, sem o emprego da analogia. É que,alegar-se-á, a omissão da comunicação da aquisição ou alienação de participação

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conforme à Directiva, veja-se ULRICH EVERLING, Zur Auslegung angeglichenen nationalen Rechts, in Zeitschrift für Unternehmens-und Gesellschaftsrecht, 1992, págs. 382 e segs. e, entre nós, SOFIA OLIVEIRA PAIS, O Acórdão Marleasing - Rumo à consagraçãoimplícita do efeito horizontal das directivas?, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1992, pág. 312.

11O que justamente não foi o caso do legislador português, como tivemos já ocasião de observar (cfr., supra, anota 3).

12Cfr. ALBERT BLECKMANN, Probleme der Auslegung europäischer Richtlinien, in Zeitschrift für Unternehmens- und Gesellschaftsrecht,1992, pág. 366.

13Em nossa opinião, a omissão da “comunicação de participações qualificadas” aludida no art. 390º, n.º 2,al. a), apenas tem em vista a aquisição das participações, não a sua alienação (neste caso, não se comunica a par-ticipação, mas precisamente a falta dela); a omissão da comunicação da alienação de participações qualificadas,todavia, configurará do mesmo modo uma contra-ordenação (embora “menos grave”), por força doart. 400º do CVM, que, como catchall provision, vem qualificar como contra-ordenações “menos graves” todasas violações dos artigos do CVM (bem como dos diplomas a que se refere o art. 388º, n.º 2 do CVM) que nãosejam expressamente definidas por outras disposições como contra-ordenações “muito graves” ou “graves”.

14Se a sanção contra-ordenacional for a única prevista, a norma obtida por analogia será, bem entendido, umalei imperfeita. Mas a extensão por analogia não deixará, mesmo assim, de ter interesse, pois os arts. 16º e 20ºdo CVM são normas ad quam em mais do que uma remissão. A aplicação analógica do art. 20º do CVMcobrará relevo, designadamente, graças à remissão provinda do 187º, n.º 1 do CVM, embora — também aqui— apenas para efeitos da aplicação das sanções civis ligadas ao incumprimento do dever de lançamento de umaoferta pública de aquisição (cfr. os arts. 192º e 193º do CVM), e já não da respectiva sanção contra-ordena-cional (cfr. o art. 393º, n.º 2, al. h), do CVM).

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Como, nestes casos, nenhum dos interessados é, por si só, titular do direito de pro-priedade sobre cada acção (ou é proprietário de cada acção tomada como um todo)16,a solução que de imediato acorre ao espírito será a de imputar os votos aos diversoscontitulares, em partes iguais, no caso dos cônjuges, ou na proporção das suas partesalíquotas ou dos seus quinhões hereditários, nas hipóteses, respectivamente, dacompropriedade ou da comunhão hereditária. Falta na nossa lei uma disposição comoa da sec. 208, 7, do Companies Act de 1985, segundo a qual “persons having a joint interest aretaken each of them to have that interest”, e só uma disposição deste tipo poderia justificar aimputação de todos os votos a cada um dos contitulares.

Sem prejuízo da imputação a cada interessado de uma parte das acções, nos termosexpostos, julgamos que em alguns casos se justificará a imputação, a algum ou algunsdeles, de todos os votos.

Isso deverá suceder, desde logo, no caso de comunhão das acções entre cônjuges, peloque se refere ao membro do casal que for considerado como sócio, nas relações com asociedade, em conformidade com o art. 8º, n.º 2, do Código das SociedadesComerciais (CSC). Os votos serão imputáveis a esse cônjuge, como administrador dasacções, por força do art. 20º, n.º 1, al. f), do CVM17.

Nos demais casos, haverá que atentar no regime do art. 303º do CSC (construído emparte por remissão para os arts. 223º e 224º do mesmo diploma), relativo à “contitu-laridade da acção”(onde se nos afigura caber tanto a compropriedade como a co-munhão hereditária), que obriga a que o exercício dos direitos seja feito através de umrepresentante comum, nomeado por deliberação dos contitulares tomada pormaioria, nos termos do artigo 1407º, n.º 1, do C. Cv., salvo se outra regra forconvencionada e comunicada à sociedade, e que permite aos titulares deliberarem,nos mesmos termos, sobre o exercício dos seus direitos. Face a este regime, não

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Isto posto, quais são então os votos imputáveis a um qualquer participante?

4. Nenhuma dúvida se coloca, obviamente, no que concerne aos votos inerentes aacções de que o participante seja proprietário ou usufrutuário, nos termosexpressos do proémio do art. 20º do CVM.

Neste particular, há apenas a sublinhar que, existindo sobre as acções um direito deusufruto, os votos correspondentes serão imputáveis tanto ao proprietário de raizcomo ao usufrutuário, e, além disso, que a imputação ao proprietário (e a umeventual usufrutuário) não é posta em causa pela circunstância de os votos contaremigualmente como integrantes da participação de outra(s) pessoa(s), nos termos dealguma ou algumas das alíneas do sobredito art. 20º, nº 1. Numa palavra, os votosinerentes a acções detidas por certa pessoa que sejam imputáveis a outra nem por issosão deduzidos à participação da primeira, para os efeitos do art. 16º do CVM.

É claro que daqui resulta que a soma dos votos imputáveis a todos os participantes ex-cederá quase invariavelmente 100% dos votos inerentes ao capital social da sociedadeem causa. Mas a lei arranca indiscutivelmente do pressuposto de que os mesmos votospodem ser imputados a uma pluralidade de pessoas, como exuberantemente o atestamas als. b) e c) do art. 20º, para já não falar da al. g). De resto, a solução quedefendemos é a que melhor corresponde à lógica do art. 20º, mesmo nos casos àprimeira vista mais controversos. Uma dessas situações será decerto aquela em quesobre as acções incida um direito de usufruto, e em que poderá parecer injustificável aimputação simultânea dos votos ao proprietário de raiz, que deles foi precisamente“despojado”; mas pense-se em que o direito do proprietário de raiz retomará a suaforma plena aquando da extinção do usufruto, que é um direito necessariamentetemporário (arts. 1439º e 1443º do Código Civil); num certo sentido, portanto, écorrecto dizer-se que o nu proprietário tem o “poder de adquirir os votos” inerentesàs acções dadas em usufruto — o que, justamente, vem a ser uma das circunstânciasdeterminantes da imputação no contexto do art. 20º (cfr., concretamente, o nº 1, al.e))!

5. Quid juris se as acções pertencerem em compropriedade a duas ou mais pessoas,constituirem bens comuns de determinado casal ou integrarem certo patrimóniohereditário?

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15No mesmo sentido, pelo que toca ao § 22 da Wertpapierhandelsgesetz, veja-se UWE SCHNEIDER, ob. cit., anotação 2ao § 22.

16Usamos uma formulação que procura abarcar as diversas situações a que se reporta, e, no caso dacompropriedade ser ainda compatível com as duas formas predominantes de conceber o instituto (a que vê

neste fenómeno “a coexistência de várias quotas-partes da coisa idealmente consideradas”, e a que vê nele “umúnico direito fraccionado em quotas homogéneas”, cabendo a cada consorte uma quota ideal do direito) —cfr. ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, Centelha, Coimbra, 1977, págs. 226 e segs., em nota.

17Bem se sabe que há quem, interpretando o art. 8º, n.º 2, do CSC, conclua no sentido da necessidade doconsentimento do consorte para a prática, pelo cônjuge considerado como sócio, de actos de administraçãoextraordinária de uma participação social comum. Está neste caso, por ex., RITA LOBO XAVIER (cfr. Reflexões sobrea posição do cônjuge meeiro em sociedade por quotas, Coimbra, 1993, Separata do volume XXXVIII do Suplemento ao Boletimda Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, págs. 100 e segs.). Mas não só a autora tem o cuidado de advertirpara o facto de a sua investigação se ter circunscrito às sociedades por quotas e de, portanto, os resultadosalcançados não serem necessariamente transponíveis para sociedades de tipo diferente, nomeadamente para associedades anónimas (cfr. logo a págs. 16 e seg.), como não deixa de reconhecer que a participação nasdeliberações sociais, através do voto, tem em princípio a natureza de um acto de administração ordinária(como tal confiado à administração do cônjuge havido como sócio), só o não sendo em hipóteses como a de“votação numa deliberação de dissolução da sociedade, ou de amortização de quota” (em que a quota seextingue), a de votação numa “deliberação que implique a perda ou a revogação de direitos especiais” (em quea quota se modifica e diminui mesmo de valor) e a de votação numa deliberação de aumento de capital comexclusão do direito de preferência, na medida em que acarrete também diminuição do valor da quota (ob. cit.págs. 111 e segs.). Trata-se, pois, manifestamente, de restrições marcadamente excepcionais, como tal sempreinsusceptíveis de prejudicar a qualificação, como administrador, do cônjuge que o art. 8º, n.º 2, do CSC

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representação20. Pressupõe-se, obviamente, que o mandatário haja adquirido apropriedade das acções; de outro modo os votos serão imputáveis ao mandante, nãoenquanto tal, mas como proprietário dos valores em apreço.

Mas a ficção do art. 20º, n.º 1, al. a), do CVM, de modo nenhum se reconduzunicamente à figura do mandato.

De um modo geral, há detenção de acções por conta de terceira pessoa, para os efeitosdeste comando, quando ao terceiro compete o essencial dos riscos e das chances eco-nómicas correspondentes a essas acções21. Não é necessário que o terceiro desfrute dapossibilidade jurídica de determinar o sentido do exercício dos votos pelo detentor(que, aliás, normalmente existirá); a cisão entre a titularidade “formal” e atitularidade “económica” leva a lei a supor, juris et de jure, que o terceiro disporá aomenos da possibilidade fáctica de o fazer, e a decretar, em atenção a isso, a faladaequiparação22.

Visados são, pois, sem nenhuma dúvida, designadamente os negócios fiduciários, queatribuem ao fiduciário a plena titularidade de um direito mas o obrigam a exercê-lono interesse de outrem.

Bem se sabe que a admissibilidade do negócio fiduciário é discutível de jure constituto23,condicionada que está pela aceitação da atipicidade das causas translativas reais (que écontrovertida), de tal forma que a causa fiduciae possa ser admitida como fonteprodutora dos efeitos reais24.

Ainda que a nossa lei não reconheça validade aos negócios fiduciários, contudo, averdade é que eles são admissíveis à face de muitas outras legislações. Ora a transmissãodas acções, mesmo que emitidas por sociedades sujeitas à lei portuguesa, não é de modonenhum matéria reservada à competência do direito nacional: atente-se no art. 41º doCVM, convoca a lei pessoal do emitente em termos que deixam de fora os valores

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deverão imputar-se todos os votos ao contitular ou contitulares que “dominem” acolectividade em causa, por força do disposto no art. 20º, n.º 1, al. b), do CVM?

É bem certo que esta norma apenas se refere à relação de domínio entre o participantee uma sociedade. Mas não se olvide que tal sociedade também pode ser uma sociedadecivil e que são ténues as fronteiras entre a sociedade civil e a compropriedade: hácompropriedade “se os condóminos se limitam a receber os rendimentos da coisacomum ou simplesmente a administrá-la”; se, porém, à simples fruição se aliar umqualquer outro fim produtivo ou até simplesmente “especulativo”, já a comunhão se“transforma em sociedade”18.

Se as acções pertencerem a uma sociedade civil cujo contrato confie a administração aapenas um dos sócios ou a pessoa por ele designada, não haverá dúvida de que essesócio dominará a sociedade, pelo que lhe serão imputáveis os votos inerentes às acçõespertencentes à sociedade. Poderá o panorama ser diverso se as acções pertencerem emcompropriedade a diversas pessoas e um dos comproprietários tiver uma quota demais de 50%, podendo portanto decidir da pessoa do representante comum e domodo por que os votos inerentes às acções deverão ser exercidos?

A nós, parece-nos bem que não, e que a noção de sociedade do art. 20º, n.º 1, al. b)não poderá deixar de ser alargada de modo a abarcar a colectividade formada peloconjunto de comproprietários ou de herdeiros, dada a manifesta similitude dassituações19.

6. Por força do art. 20º, n.º 1, al. a), os votos inerentes a acções detidas por terceirosem nome próprio, mas por conta do participante, são imputáveis a este último.

Encontramos noutros lugares esta mesma ideia de se equipararem às acções de queuma pessoa seja titular acções que outra pessoa detenha por conta da primeira, semprecom o propósito de conceder primazia à titularidade fáctico-económica e de frustrar amanobra consistente na dispersão das acções por vários sujeitos. Como exemplo,aponte-se o art. 483º, n.º 2, do CSC..

Segundo a doutrina especializada, tem-se aqui em vista a figura do mandato sem

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considera como sócio, nas relações com a sociedade, para os efeitos do art. 20º, n.º 1, al. f), do CVM: alegitimidade para o exercício do direito de voto quanto à generalidade das matérias (entre as quais subli-nhamos a eleição dos órgãos sociais) pertence-lhe a ele — e não, em cogestão, aos cônjuges, nem concorrencialmentea cada um deles.

18Cfr. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 277, em anotação ao art. 980º.

19Se o alargamento supuser o recurso à analogia, valerão as considerações avançadas supra, sob o n.º 2, in fine.Repisa-se, por outra, que a imputação ao contitular “dominante” da totalidade das acções não afasta a impu-tação aos demais condóminos, na proporção das respectivas quotas, pois esta última assenta na

(com)propriedade das acções (do mesmo modo que a imputação das acções a um sócio dominante não com-promete a imputação à própria sociedade titular dos valores).

20Veja-se ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, Almedina, 1993, pág. 287.

21Assim CHRISTINE WINDBICHLER, pelo que concerne à locução idêntica usada no § 16 da Aktiengesetz (vide AktGGroßkommentar, Walter de Gruyter, 1999, anotação 27 ao § 16).

22A mera influência fáctica não releva, contudo, em si e por si, mas só quando surge coligada às situações que alei especifica (outra dessas situações é a referida no art. 21º, n.º 1, al. e): cfr., infra, sob o n.º 14).

23Em sentido afirmativo, veja-se MARIA JOÃO VAZ TOMÉ/DIOGO LEITE DE CAMPOS, A propriedade fiduciária (trust), Estudopara a sua consagração no direito português, Almedina, Coimbra, 1999, págs. 243 e segs.. Mas a posição tradicional é acontrária: veja-se MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra 1983, pág. 178.

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c) consistindo embora o domínio (também) na possibilidade de exercer umainfluência dominante sobre a sociedade dependente, consagram-se hipóteses emque a afirmação dele prescinde da existência efectiva de uma tal possibilidade;

d) são diversos os casos em que valem como próprias de certa pessoa as acções (ouos respectivos votos inerentes) detidas por outrem;

e) o domínio pode caber a uma pluralidade de sujeitos num leque muito mais vastode situações.

Pela importância que revestem, justificar-se-ão alguns desenvolvimentos, ainda que porforça muito limitados, sobre a noção de influência dominante, bem como sobre as dife-renças a que se alude nas als. c) a e). Comecemos pelo conceito de influência dominante.

8. A referência ao poder de exercer uma influência dominante, constante do art.21º, n.º 1, do CVM, tem manifestamente o alcance de uma remissão para osignificado que o conceito reveste no quadro do art. 486º, n.º 1, do CSC29, atéporque as presunções do art. 21º, n.º 2, do CVM representam indícios também dissomesmo. Se o legislador do CVM tivesse querido consagrar uma noção própria,distinta da do CSC, teria com certeza usado uma outra fórmula, ou cuidado deadvertir o intérprete para a falta de sinonímia29.

Ora que coisa se deve entender, face ao art. 486º, n.º 1, do CSC, por “possibilidadede exercer uma influência dominante”30?

A dependência de uma sociedade significa que a sua vontade não se forma de modointeiramente autónomo. Mas que intensidade há-de uma influência31 revestir para poderconsiderar-se dominante?

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mobiliários não integrados em sistema centralizado (quanto a estes vale o direito doEstado onde se situa o estabelecimento da entidade gestora desse sistema) e os registadosou depositados (quanto a estes vale o direito do Estado em que se situa oestabelecimento onde estão depositados ou registados os valores mobiliários).

Advirta-se, porém, que a fidúcia pode revestir feições diversas, no direito comparado.A sua atendibilidade nesta sede — bem como a de outras figuras, internas ou externas,que aqui não trataremos25 — dependerá da sujeição com êxito ao teste, com o alcanceacima explanado, da “detenção por conta de outrem”26.

7. Como do participante consideram-se ainda os direitos de voto detidos porsociedade com ele em relação de domínio ou de grupo (art. 20º, n.º 1, al. b, doCVM).

A explicitação de ambos os tipos de relação, para efeitos do CVM, surge no art. 21º dessediploma.

Quanto à relação de grupo, o CVM acolhe a noção correspondente do CSC, comuma especialidade apenas: a relação de grupo não pressupõe que as sociedades assimcoligadas tenham a sua sede em Portugal (cfr. o art. 21º, n.º 2, do CVM com oart. 481º, n.º 2, do CSC).

Relativamente à relação de domínio, porém, já o cotejo com o conceito homónimodo CSC (cfr. os art. 21º, n.º 1 e os arts. 481º e 486º do CSC) nos revela outrassingularidades, para além da irrelevância da localização da sede ou domicílio daspartes na relação. É assim, designadamente que:

a) o domínio tem igualmente de incidir sobre uma sociedade27, mas já pode recairsobre uma sociedade de qualquer classe (sociedades comerciais de qualquer tipoou até sociedades civis);

b) a pessoa dominante pode ser qualquer pessoa, singular ou colectiva;

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De outra forma (ou seja, sendo o negócio fiduciário inválido por falta de causa) os interessados terão derecorrer à simulação para obter efeitos semelhantes, fingindo celebrar algum dos negócios translativos causaisadmitidos pela lei — por ex., uma venda — quando na verdade não querem celebrar um tal negócio, mas umoutro, com o que se sujeitarão ao tratamento da simulação: valerá então, nos termos gerais, o negócio dissi-mulado (mandato, etc.), ficando prejudicada a tranferência da propriedade para o simulado adquirente.

25Entre as quais avulta o trust do direito anglo-saxónico (que se distingue da fidúcia na medida em que obeneficiário do trust não é mero credor mas verdadeiro titular da propriedade – da propriedade da utilidade, dapropriedade segundo a equidade –, sendo o trustee o proprietário “jurídico”, com o encargo de administrar obem).

26Pela sua importância realçamos que, no caso de um programa de depository receipts, os votos inerentes às acções

em nome da instituição depositária ao abrigo desse programa serão imputáveis, para efeitos dos patamares doart. 16º do, CVM tanto a essa instituição como ainda –, ao abrigo do art. 21º, n.º 1, al. a), que vem de seranalisado – aos titulares dos depository receipts.

27Isto, obviamente, sem prejuízo da extensão a outras colectividades, por via interpretativa ou analógica (cfr.,supra, no texto, sob o n.º 5, in fine).

28Com exclusão, já o sabemos, da exigência de que os sujeitos activo e passivo da relação sejam sociedades porquotas, anónimas ou em comandita por acções com sede em Portugal.

29A nosso ver, a alusão à “possibilidade de exercer uma influência dominante sobre uma sociedade”, queencontramos amiúde (cfr., a título de exemplo, o art. 13º, 2º, a), III e V do Regime Geral das Instituições deCrédito e Sociedades Financeiras - RGIC) terá justamente, na dúvida, o significado de uma remissãoimplícita para o sentido que é atribuído à expressão no âmbito do art. 486º, n.º 1, do CSC.

30Como a noção provém do direito alemão (concretamente do § 17 da Aktiengesetz), os ensinamentos da doutrinae da jurisprudência germânicas representam um tópico interpretativo incontornável: daí as abundantesreferências que a ambas se fazem na exposição subsequente.

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ou de fornecimento, mesmo quando atribuem à contraparte amplos poderes decontrolo ou de direcção36.

Daqui resulta que os meios propiciadores do domínio vêm a cingir-se, no essencial,ao poder de voto e aos poderes conferidos por determinadas cláusulas do pacto social,ou legalmente atribuídos a certas categorias de associados37. Mas as acções integrantesda participação instrumento do domínio não têm de ser próprias da empresa domi-nante38, bastando que se situem na órbita de influência desta, o que sucederá sepertencerem a uma sociedade dependente ou forem objecto de particulares relaçõescontra-tuais, como sejam negócios fiduciários ou um “acordo de voto”(Stimmrechtbindungsvertrag), ou seja, um contrato pelo qual os titulares dos valores se obri-gam a acatar as instruções da empresa dominante em matéria do exercício do direito devoto39/40.

Quanto ao âmbito que a influência há-de revestir para poder dizer-se “dominante”,ressaltar-se-á que esta tem de ser genérica, reportando-se à sociedade como um todo —ou seja, à sua “política empresarial e de negócios”41. É a própria lei que fala da

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É óbvio que o domínio não pode pressupor a possibilidade, da parte do sóciodominante, de impor a sua vontade à sociedade dependente, pois um tal poder só existenos casos de relação de grupo (art. 503º do CSC).

Como o CSC presume a existência de influência dominante quando se detém mais demetade dos votos ou se dispõe da possibilidade de designar mais de metade dos mem-bros do órgão de administração (art. 486º, n.º 2, als b) e c))32, a noção não poderápostular uma influência superior àquela que tais meios possibilitam: quem está emcondições de preencher o órgão de administração de uma sociedade (designadamentede uma sociedade anónima33) com gente da sua confiança coloca-se em posição dedeterminar o comportamento dos administradores, no exercício dos seus cargos;estes, mesmo que não nomeados pela pessoa em causa, tenderão a conformar-se comos seus desejos, embora a tanto não estejam juridicamente obrigados, dado o seuinteresse em serem reeleitos. A bottom line do domínio vem a reconduzir-se a uma talprobabilidade de um comportamento da sociedade conforme com a influência que éexercida.

Notar-se-á, por outro lado, que o domínio tem de ser veiculado por instrumentos comcarácter jurídico-societário. Esta é a posição do Bundesgerichtshof e da doutrina alemã pre-valecente34, que também entre nós merece ser acolhida — por ser outra das ilações atirar da luz que as presunções vazadas no art. 486º, n.º 2, do CSC deitam sobre anoção que lhes preside. De fora ficam, por isso, nomeadamente, as circunstâncias denatureza exclusivamente fáctica, como seja “a dependência económica defornecedores, clientes e financiadores” ou o “entrelaçamento pessoal” (personelleVerflechtungen)35; e excluídos devem considerar-se outrossim contratos de financiamento

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31Cujo exercício seja simplesmente possível, deverá acrescentar-se (o domínio não pressupõe a efectiva influen-ciação da sociedade dependente).

32O art. 21º, n.º 2, do CVM também se refere a estas posições, embora lhes atribua um alcance diferente(cfr., infra, sob o n.º 9).

33Noutros tipos societários, o domínio poderá pertencer a quem tenha a maioria dos votos, mesmo que arreda-do do órgão de administração. Assim acontecerá, por ex., nas sociedades por quotas, se os estatutos nãoafastarem a regra de que “os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou suficientes para arealização do objecto social, no respeito pelas deliberações dos sócios” (art. 259º do CSC), da qual resulta que osgerentes devem obediência às directrizes ou instruções provenientes do colégio dos sócios.

34Cfr. CHRISTINE WINDBICHLER, ob. cit., anotação 12 ao § 17 (por entrelaçamento pessoal entende-se aidentidade de titulares dos órgãos sociais em duas ou mais empresas).

35Cfr. CHRISTINE WINDBICHLER, ob. cit., anotação 12 ao § 17..

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KOPPENSTEINER, in Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, Carl Heymanns Verlag KG, vol. 1, 2ª edição, anotação 51 ao§ 17: “a dependência que resulte desses contratos (…) insere-se no risco empresarial normal e por issotambém no risco normal do accionista e do credor”.

37Na sociedade em comandita, por ex., haverá que atender ao dado de só os sócios comanditados poderem sergerentes, se os estatutos não estipularem coisa diversa (art. 470º do CSC).

38No art. 483º, n.º 2, do CSC, a lei enumera, ela própria, os casos de imputação que relevam em sede dofuncionamento das presunções do art. 486º, n.º 2, do CSC.

39Já o mesmo não sucede quando se disponha de um mero direito de adquirir as acções, inclusive quando se tratede uma verdadeira opção: a repercussão antecipada de uma aquisição, pela consideração prestada à posição desocialidade futura, não é bastante, mesmo que redunde na probabilidade de um comportamento da sociedadeconforme com as pretensões do (potencial) adquirente. Falta a base jurídico-societária: “não se trata de umapossibilidade de domínio, mas de uma possibilidade de constituir o domínio” — cfr. CHRISTINE WINDBLICHER,ob. cit., anotação 50 ao § 17.

40KOPPENSTEINER, ob. cit., anotações 39 e seg. ao § 17. Não podem ser já tidas em conta, neste contexto, asacções pertencentes a dada entidade que vota propostas apresentadas por outra voluntariamente (isto é, sem queexista qualquer acordo de voto ou uma pretensão jurídica de fonte diversa a um tal comportamento). Quandomuito, poderemos estar diante de uma coordenação fáctica conducente a uma situação de domínio conjunto(veja-se, infra, o ponto 9, em particular a nota 51).

41Assim GEßLER, in AktG Kommentar, de GEßLER, HEFERMEHL, ECKARDT e KROPF, Verlag Franz Vahlen, Munique,vol. I, anotação 13 ao § 17.

42O art. 21º, n.º 1, do CVM, aliás, também afina pelo mesmo diapasão.

43CHRISTINE WINDBICHLER, ob. cit., anotação 17 ao § 17..

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juntar-se um domínio indirecto (se B domina C, mas é por sua vez dominada por A,ou se se compromete de qualquer forma perante A a exercer os seus votos de acordocom as instruções deste, C será dependente tanto de A como de B)49. Afora estes casos(em que, de resto, do ponto de vista substantivo só há na verdade uma influênciadominante), a ideia prevalecente, na Alemanha — a que aderimos —, é a de que só umainfluência pode ser dominante (“perante duas influências distintas, ou uma édominante e desaloja a outra, ou ambas se excluem mutuamente50”), a menos que,por contrato, tenha havido coordenação entre elas51, ou, tratando-se de umacoordenação fáctica, que esta repouse numa base suficientemente segura (sob pena deo domínio cair por falta do requisito da certeza)52.

9. Ao contrário do CSC, que se limita a prever presunções juris tantum de que umasociedade é dependente de outra, o CVM, no seu art. 21º, n.º 2, elenca três situaçõesem que diz existir, “em qualquer caso”, relação de domínio. Isso passa-se, concretamente,quando uma pessoa singular ou colectiva:

a) disponha da maioria dos direitos de voto;

b) possa exercer a maioria dos direitos de voto, nos termos de acordo parassocial;

c) possa nomear ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração oude fiscalização.

Salvas uma ou outra diferença, de alcance maior ou menor, as alíneas do art. 21º, n.º 2,do CVM correspondem às diversas alíneas do art. 8º da Directiva da transparência53,consabidamente tributário do conceito inglês de control54. Este conceito assenta na

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influência dominante como uma influência exercida sobre a “sociedade” dependente(arts. 486º, n.º 1, do CSC42), pelo que não basta uma influência circunscrita a umaárea individualizada de negócio ou a determinadas medidas43 (embora já sejasuficiente que ela cubra as partes mais importantes da empresa).

A possibilidade do exercício de uma influência dominante requer, por outra via,alguma consistência ou solidez (Beständigkeit) — mas não uma determinada duração44 —,tendo, por outro lado, de ser certa ou segura45. A este respeito, registe-se que é para oefeito bastante a chamada “maioria de assembleia não acidental” — isto é, a maioriapropiciada por uma participação que confere menos de 50% dos votos corresponden-tes ao capital social46, mas que, à luz da experiência da sociedade em causa em matériade presenças em assembleia geral, será presumivelmente suficiente para garantir aaprovação, no futuro, das deliberações sociais pretendidas (pelo menos daquelas paraas quais basta a maioria simples dos votos expressos47/48).

Finalmente, é incontrovertida a possibilidade de que a um domínio directo venha

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Vide, por todos, KOPPENSTEINER, ob. cit., anotação 33 ao § 17, e GEßLER, ob. cit., anotação 32 ao § 17.

45“Isto significa, em primeiro lugar, que não existe dependência quando a sociedade em causa se puder subtraira qualquer momento à influência alheia (…). O mesmo valerá quando a empresa ‘dominante’ não dispõe, porsi mesma, de instrumentos de domínio, e antes depende da cooperação incerta de terceiros ou de outrascircunstâncias por ela incontroláveis” (KOPPENSTEINER, ob. cit., anotação 18 ao § 17).

46E, em geral, independentemente de um qualquer limite mínimo (o qual nos surge, sim, em hipótesesparticulares: veja-se o art. 13º, 2º, a), V, do RGIC, que condiciona a existência de domínio à detenção deuma participação mínima de 20% na pessoa de quem puder exercer a influência dominante).

47KOPPENSTEINER, ob. cit., anotações 36 e seg. ao § 17.

48Assinale-se que se os estatutos exigirem uma maioria qualificada para a eleição dos administradores ou que aproposta seja aprovada por votos correspondentes a uma certa percentagem do capital social, a maioria naassembleia apta a conferir o domínio é apenas a que satisfaça esses requisitos estatutários.

49A admissibilidade de um domínio indirecto é expressamente contemplada pelo art. 486º, n.º 1, do CSC,bem como pelo art. 21º, n.º 1, do CVM. Repise-se que nem o domínio directo afasta o indirecto, nem àsavessas: a dependência é, portanto, dupla (ou até múltipla).

50GEßLER, ob. cit., anotações 71 e segs. ao § 17.

51KOPPENSTEINER, ob. cit., anotação 74 ao § 17. Como o autor refere, mesmo quando dois ou mais sócios selimitam a acordar acerca dos princípios a que deve obedecer a gestão da sociedade (relativamente ao âmbito deactividade, ao pessoal, aos investimentos, etc.), “não há que duvidar sobre a existência do domínio conjunto,visto que a coordenação futura sobre decisões empresariais avulsas torna-se com isso em grande medidasupérflua, ou de todo o modo apenas poderá mover-se dentro de um quadro determinado”. E o autorcontinua a dizer: o mesmo se passa “quando, através de regulamentações procedimentais adequadas, seja

assegurado que haverá continuamente a formação de uma vontade comum. Basta a obrigação de votar emsentido idêntico, mesmo quando esse sentido é decidido pela maioria [no interior do sindicato de voto]”.Também uma empresa constantemente outvoted no seio do sindicato deve considerar-se ainda dominante, vistoque participa e favorece a prossecução de um fim comum em ordem a outra empresa, “porquanto submete oseu potencial de voto à decisão da maioria”. E porque o que conta sempre é que haja mecanismos de formaçãode uma vontade comum (como tal não se configurando meras obrigações recíprocas de consulta prévia),haverá dependência múltipla, inclusive quando se prevêem formas de ultrapassagem de situações de impasse,como seja o recurso à arbitragem.

52Não bastará que vários sócios promovam uma política empresarial comum, na base de uma mera convergênciade interesses, a menos que haja fundamento seguro para presumir que essa convergência se manterá no futuro.

53O n.º 1 deste artigo reza assim: “Para os efeitos da presente directiva, entende-se por ‘empresa controlada’qualquer empresa em que uma pessoa física ou uma entidade jurídica:a) Tenha a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou sócios; oub) Tenha o direito de nomear ou de destituir a maioria dos membros do órgão de administração, de direcçãoou de fiscalização e seja simultaneamente accionista ou sócio dessa empresa; ouc) Seja accionista ou sócio e que, por força de um acordo celebrado com outros accionistas ou sócios dessaempresa, tenha o controlo exclusivo da maioria dos direitos de voto dos seus accionistas ou sócios”.

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Mais intrincada é a questão seguinte: para efeitos da al. a), que votos se contam?Com certeza que não só os inerentes à participação de que a própria pessoa em causaseja titular “formal”… Mas, então, que regras decidem acerca da imputação de votosde terceiros?

A resposta mais intuitiva será por certo no sentido da aplicação das regras do CVMque justamente se referem ao problema da imputação de direitos de voto, ou seja, dasregras do art. 21º. Mas a verdade é que estas regras respeitam à imputação de direitosde voto relevante para efeitos do cômputo de participações em sociedades abertas, aopasso que o art. 21º tem um âmbito de aplicação mais vasto, onde cabem tambémsociedades fechadas, para além de que não é idêntica a função desempenhada pelosdois artigos citados.

Insistir-se-á, porventura, argumentando com o elemento sistemático, em termos àvolta dos seguintes: o art. 187º do CVM obriga ao lançamento de uma oferta pública deaquisição quando se atinja uma participação de 1/3 dos votos correspondentes ao capitalde uma sociedade aberta, mas admite que o interessado se exima ao cumprimento dodever provando não ter o domínio da sociedade visada58; uma tal prova, todavia, já nãoé admissível quando se ultrapassa o limite da metade dos votos, o que demonstra que arelação de domínio se constitui a partir desse limiar, independentemente de quaisqueroutras considerações; ora o art. 187º é expresso no sentido de que a participação, paraos respectivos efeitos, se conta nos termos do art. 20º, n.º 1. Donde que se imponhaeste silogismo: o art. 21º fornece o conceito de relação de domínio para efeitos doCVM; o art. 187º, por seu turno, revela que há relação de domínio quando se detémmais de 50% dos votos calculados de acordo com o art. 20º, n.º 1; logo, os contornos daqueleconceito não podem ser tais que deixem à margem esta posição.

Mas o raciocínio está viciado. O facto de a lei não admitir a prova de que não hádomínio quando se excedem 50% dos votos, computados segundo o art. 20º, n.º 1,pode querer dizer uma de duas coisas: ou, realmente, que o domínio consiste, semmais, na detenção dos votos, ou, diversamente, que a obrigatoriedade decorre dessadetenção, independentemente de ela configurar, ou não, uma relação de domínio.

Vendo bem, o legislador, no art. 187º, n.º 1, do CVM, não qualifica a detenção demais de 50% dos votos, contados segundo o art. 20º, n.º 1, como consubstanciadorade uma relação de domínio. Limita-se — como se viu já e agora se repisa — aassociar-lhe a obrigatoriedade estrita do lançamento de uma OPA. Mas isto torna

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detenção de posições jurídicas formais, fazendo descaso do facto de as mesmas seremexercidas (ou até de poderem sê-lo), e abstraindo ainda de que, por via delas, seja ou nãoviável uma influência dominante sobre a sociedade em causa55.

Consideremos, a título de exemplo, a detenção da maioria dos votos. À luz do CSC, elaserve de base a uma mera presunção juris tantum de domínio, passível enquanto tal de serilidida, nomeadamente mediante a prova de que, em concreto, a maioria dos votos nãopossibilita decidir da composição maioritária do órgão de administração da sociedadeanónima presuntivamente dependente, atento o quorum deliberativo estatutariamenteexigido56. Diante do CVM, a mesma prova seria feita em pura perda: é que o domínionão se funda aqui na possibilidade de exercer uma influência dominante, mas no factopuro e simples da detenção da maioria dos votos.

Fluem daqui consequências importantes, desde logo ao nível da possibilidade de odomínio competir a diversas entidades. Vimos atrás que, no âmbito do Código dasSociedades Comerciais, só haverá mais do que uma sociedade dominante em situaçõesem que uma das empresa aproveita do instrumento de domínio que compete a outra,gerando-se uma situação em que há um domínio mediato, a par de um domínioimediato, ou então nos casos em que duas ou mais empresas coordenam as suasinfluências. E isto é assim porque o critério é aqui sempre o da possibilidade do exercício de umainfluência dominante. Diante do CVM, porém, ao lado de uma ou mais relações dedomínio baseadas numa tal possibilidade de exercer uma influência dominante (aavaliar nos mesmos termos), é possível que existam outras relações de domínio,assentes na detenção por parte de entidades diversas das posições referidas no art. 21º,n.º 257. A noção de domínio para efeitos do CVM não é unitária: sob um mesmonomen acobertam-se figuras distintas.

10. Há outros pontos que interessa abordar, a respeito do art. 21º, n.º 2, do CVM.

Assim, quanto à al. b), queremos notar que é suficiente a possibilidade de nomear oudestituir a maioria dos titulares de um dos órgãos indicados; se uma entidade dispõedessa possibilidade quanto ao órgão de administração, e outra quanto ao órgão defiscalização, ambas serão consideradas dominantes.

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54Cfr. UWE SCHNEIDER, ob. cit., anotação 51 ao § 22.

55Trata-se de uma “norma de qualificação estrita”, na expressão usada por PAULO CÂMARA (O Governo dos GruposBancários, in Estudos de Direito Bancário, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1999,pág. 144) a respeito do art. 13º, 2º, a), do RGIC, cujas subalíneas I, II e IV se inspiram também no conceitode control (à semelhança do que ocorre com as als. a), b), d) e e) do art. 1º do Dec.-Lei n.º 238/91, respeitanteà consolidação de contas).

56Cfr., supra, a nota 47.

57Mais um ex.: suponha-se que A, dispondo de 51% dos votos correspondentes ao capital social de B, se obriga anão exercer esses votos perante C, que por sua vez dispõe de 25% de tais direitos. Face ao CSC, a relação dedomínio estabelece-se unicamente entre C e B; A realmente não domina B, pelo que poderá infirmar apresunção de que tal sucede, vertida no art. 486º, n.º 2, al. b), do CSC. Ao invés, face ao CVM, B édependente tanto de C como A: do primeiro nos termos do art. 21º, n.º 1, por ele dispor da possibilidade de

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do art. 21º, n.º 2, al. b) — atento que esta vem proceder a uma imputação (a dos votosque se pode exercer em virtude de acordo parassocial) que já decorreria do art. 20º,n.º 1, al. c)!

A que regras obedecerá então a imputação de votos, para os efeitos do art. 21º, n.º 1,al. a), do CVM? Cremos que haverá que lançar mão da regra do art. 483º, n.º 2, doCSC, pois não só todo o art. 21º do CVM aponta para uma aplicação subsidiária doCSC aos pontos que ficaram omissos, como se dá ainda o caso de aquela disposiçãocoincidir com a do art. 8º, n.º 2, da Directiva da transparência, e assegurar, pois,uma correcta transposição desse acto comunitário. E, fazendo-se assim, já a regra doart. 21º, n.º 2, al. b), terá toda a pertinência, por isso que — agora sim — vemreferir-se a um novo fundamento de imputação (a possibilidade de exercer votos emvirtude de acordo parassocial), inoperante no quadro da al. a) precedente61.

De resto, a solução tem paralelo no seio de outros institutos: veja-se o art. 13º, 2º,b), do RGIC, que apenas equipara aos votos do participante os votos “de qualqueroutra sociedade dependente do dominante ou que com este se encontre numa relaçãode grupo, bem como os de qualquer pessoa que actue em nome próprio, mas porconta do dominante ou de qualquer outras das referidas sociedades”, e que, por issomesmo, prevê autonomamente a relação de domínio fundada no controlo da maioriados direitos de voto em virtude de acordo parassocial (art. 13º, 2º, a), IV), bem comoas disposições, em tudo idênticas, que encontramos no diploma que rege aconsolidação de contas (art. 1º, n.ºs 1, al. e) e 2 do Dec.-Lei n.º 238/91).

O art. 21º, n.º 2, do CVM, o art. 13º do RGIC e o art. 1º do Dec.-Lei n.º 238/91são, pois, normas manifestamente aparentadas, o que justifica que as ambiguidades ouinsuficiências do primeiro sejam colmatadas atendendo ao disposto nos demaispreceitos, sobretudo quando eles confortam soluções a que chegamos por outroscaminhos.

11. A questão da determinação da percentagem de votos representada por determinada

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legítimo dizer-se antes que o conceito de domínio foi aqui postergado, para viabilizara emergência de uma noção ainda mais abrangente (a detenção de mais de 50% dosvotos contados nos termos do art. 20º)59.

Não tem que surpreender que o estalão usado para se apreciar o relevo de uma partici-pação numa qualquer sociedade aberta não seja necessariamente aquele que se empregaquando se ergue uma barreira entre o participante e essa sociedade, mercê dainterposição de uma ou várias outras sociedades. Poderá bem entender-se, ao invés,que o distanciamento permite um relaxamento da atitude, que ele justifica a adopçãode um crivo mais alargado. Um exemplo: nos termos do art. 20º, n.º 1, al. d), doCVM, contam como do participante os direitos de voto que ele possa adquirir emvirtude de acordo celebrado com os respectivos titulares; será forçoso que como talhajam de valer também os votos inerentes a acções da sociedade aberta detidas por umaoutra sociedade, se o participante tiver o direito de adquirir a maioria dos votoscorrespondentes ao capital social desta última sociedade60? A resposta só pode sernegativa.

Repare-se — e este é um subsídio interpretativo da máxima importância — que aprópria Directiva da transparência usa critérios diferentes, consoante se trate decomputar as participações na própria sociedade emitente das acções admitidas ànegociação em bolsa, ou de averiguar se uma sociedade sua accionista é ou não“controlada” pelo participante em apreço, com vista a imputar ao último os votos (nasociedade aberta) pertencentes à primeira: neste segundo plano, para apurar se sedetém a maioria dos votos na sociedade interposta, valerão como do participanteapenas os votos detidos por outra empresa por si controlada, ou por pessoas agindoem nome próprio mas por conta do participante ou de outra empresa por sicontrolada (art. 8º, n.º 2) — o que deixa de fora numerosas causas de imputaçãopassíveis de operar no primeiro dos apontados contextos, que vêm referidas no art. 7ºda Directiva. Não há senão que admitir que o mesmo se passa com os arts. 20º e 21ºdo CVM, que precisamente correspondem aos arts. 7º e 8º da Directiva,respectivamente.

A tudo há que acrescentar esta consideração adicional, que a nosso ver mata a questão:se, efectivamente, a maioria dos votos a que se reporta o art. 21º, n.º 1, al. a), doCVM, fosse calculada com apelo às disposições do art. 20º, então seria inútil a norma

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exercer uma influência dominante; e do segundo nos termos do art. 21º, n.º 2, al. a), por ele dispor damaioria dos votos, nada interessando que se tenha comprometido a abster-se do seu exercício.

58Ou não estar com ela em relação de grupo.

59Mais abrangente por comparação com o conceito de domínio tal como concretizado pelo art. 21º, n.º 1,

al. a), do CVM.

60Ainda outro exemplo, quiçá até mais impressivo: se A e B, titulares cada um de 26% dos votos de uma socie-dade aberta C, celebram um acordo no sentido de votar contra uma proposta de aumento de capital apre-sentada pela administração, ficarão obrigados, nos termos do art. 187º, a lançar uma OPA geral sobre a

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A questão não deixará de causar estranheza ao leitor menos versado nestas matérias.Como poderá deixar de ser apenas no sentido descendente, perguntarão; pois não éverdade que a imputação se filia na possibilidade que uma das sociedades tem dedeterminar o modo como são exercidos os votos detidos pela outra? A que a título seadmitirá então que essa imputação também intervenha de cima para baixo (digamosassim)?

Num estudo publicado em 1992, relativo ao regime das OPA’s obrigatórias, tivemosocasião de manifestar o nosso entendimento de que só a imputação em sentidoascendente estava conforme com a lógica das coisas, precisamente por ser “evidenteque uma sociedade dependente não tem qualquer influência sobre os votos inerentesaos valores detidos pela sua dominante”64.

A verdade, porém, é que, numa posterior modificação do CodMVM, o legislador veioconsagrar em termos inequívocos a má solução (a que chamaremos solução ampla). Naverdade, o art. 530º do CodMVM, por remissão para o art. 525º, n.º 2, al. d), domesmo diploma, passou a imputar expressamente a uma sociedade os votos detidospela pessoa singular ou colectiva de que ela dependesse. E o art. 346º, n.º 1, al. c),também do CodMVM, embora menos explícito, navegava nas mesmas águas, aoconsiderar integrantes de uma participação importante os votos detidos, de umabanda, por sociedades em relação de domínio ou de grupo com a sociedadeparticipante, e, de outra banda, “por quaisquer outras sociedades que se encontremdirecta ou indirectamente em relação de domínio ou de grupo” com as primeiras.Visto que o sentido da parte final do art. 346º, n.º 1, al. c), do CodMVM só podiaser o de estender a imputação aos votos detidos por sociedades “irmãs”(ou seja,sujeitas a uma dominante comum)65, era iniludível a conclusão de que a referência àssociedades “em relação de domínio ou de grupo” com a sociedade participante visavatambém a(s) própria(s) dominante(s).

Pelo contrário, no art. 20º, n.º 1, al. b), do CVM, nada há que nos obrigue a acolherum resultado interpretativo ilógico: ele limita-se a aludir à existência de uma relaçãode domínio entre o participante e a sociedade detentora dos votos — o que éliteralmente compatível com a atribuição de relevo apenas à situação de dependência,apenas à situação de domínio ou a ambas essas situações.

Contraporão alguns, porventura, que, se o legislador tivesse querido romper com asolução anterior, teria sido com certeza mais explícito. E rematarão dizendo que aeliminação da hipótese de derrogação da obrigatoriedade do lançamento de uma OPA

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participação, para os efeitos do art. 21º, n.º 2, al. a), do CVM, não estará totalmentedeslindada sem que se esclareça, por um lado, qual o universo relevante, e, por outrolado, se haverá casos em que devam desconsiderar-se votos detidos pelo participante(ou a tal equiparados).

As respostas dependerão sobretudo do significado que se atribua às situações em queos votos se encontrem suspensos, ou haja impedimentos legais ou contratuais ao seuexercício: estão em causa figuras como a da suspensão de votos (ex: acções próprias– art. 324º, n.º 1, al. a) do CSC), inibições legais ao exercício de votos (ex.: art. 192ºdo CVM) e limitações estatutárias ao número de votos passível de ser contado, quandoemitidos por um só accionista (veja-se o art. 384º, n.º 2, al. b), do CSC).

Tudo vai de saber se há ou não casos de verdadeira privação dos votos. Se as acções nãoconferirem votos62, ainda que só temporariamente, o universo terá de considerar-secorrespondentemente diminuído. Nas hipóteses de mera insusceptibilidade deexercício, pelo contrário, os votos afectados não são abatidos nem ao universorelevante, nem à participação do respectivo titular. A razão disto foi já indicada: o quereleva para os fins do art. 21º, n.º 2, al. a), do CVM, é a detenção formal dos votos, não apossibilidade de que o participante (ou outrem) se prevaleça deles63.

12. Não queremos terminar a análise do art. 20º, n.º 1, al. b), do CVM, semdilucidar mais este ponto: no âmbito de uma relação de domínio, a imputaçãofunciona só em sentido ascendente (os votos detidos pela dependente contam comoda entidade dominante), ou em ambos os sentidos (os votos detidos pela dependentecontam como da entidade dominante e vice-versa)?

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referida sociedade, dado o disposto no art. 20º, n.º 1, al. c), do CVM; ora não sendo C, ela mesma, umasociedade aberta, será curial que A e B fiquem vinculados ao lançamento de uma OPA geral sobre a sociedadeaberta D, em que C detenha a maioria dos votos?

61Não se confundam os planos: uma coisa é o plano dos votos passíveis de propiciar a influência dominante (emque contam, no quadro do próprio CSC, os votos à “mercê” da pessoa em causa, em virtude de um acordo devoto — cfr. supra, sob o n.º 8), outra é o plano dos votos que integram a participação quando se trata deapurar se se dispõe de mais de metade dos votos, para efeitos tanto do art. 486º, n.º 2, al. b), do CSC, comodo art. 21º, n.º 2, al. a), do CVM (em que os preditos votos já não contam).

62Isso, a nosso ver, é o que sucede nas hipóteses de suspensão, mas não nos casos de meras inibições ou delimites à contagem. No direito alemão, a posição da doutrina, quanto às acções próprias, é no sentido de queos votos que lhe não inerentes “não existem” enquanto se mantiverem na titularidade da sociedade: sóressurgem com a alienação (cfr., por todos, MARCUS LUTTER, Kölner Kommentar cit., anotação 3 ao § 71; entrenós, parece pronunciar-se em sentido oposto MARIA VICTORIA ROCHA, Aquisição de acções próprias no Código dassociedades, Almedina, 1994, págs. 254 e segs., pesem embora algumas hesitações terminológicas [a Autora, apágs. 255 diz sucessivamente que não se trata de “capital privado de direitos administrativos e políticos” e quea “privação de tais direitos” obedece “ao facto (…) da sua posse pela sociedade emitente, mas cremos que nesteúltimo passo se quer referir a uma mera “privação” do exercício].

63Na Alemanha, em matéria de consolidação de contas, os votos que a empresa participante não possa exercernão são tidos em conta para efeitos de apurar se lhe pertence a maioria dos votos: mas isso é assim em virtudede disposição legal expressa ((§ 291, 4, do Handelsgesetzbuch), apodada pela doutrina de ilógica e de “contrária ao

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rações no interior de um grupo empresarial, e a fazê-lo, para mais,injustificadamente, pois nos casos aqui contemplados a estrutura de controlomantém-se a mesma, vistas as coisas em termos substantivos.

Em conclusão: afastada a solução ampla, a transmissão de uma participação conferindomais de 50% dos votos para uma (outra) sociedade dependente constituirá forçosa-mente esta última no dever de lançar uma OPA geral66, o que, porém, seria inaceitável.

Pela nossa parte, não deixamos de reconhecer que esta consequência da solução maisrestrita é indesejável67. Mas a solução ampla não só não é isenta de efeitos nocivos,como os tem ainda mais inconvenientes.

O ponto é simples68. Suponha-se que o controlo de uma pequena sociedade é adqui-rido por uma holding de um vasto “grupo” empresarial69; como evitar que aquela sedeva considerar obrigada a lançar uma OPA sobre as inúmeras sociedades abertasrelativamente às quais a holding disponha de mais de metade dos votos? É que, porforça do art. 20º, n.º 1, al. b), do CVM, se interpretado em termos amplos, asociedade adquirida terá passado a deter participações que ultrapassam metade dosvotos em todas essas sociedades (por isso que estes lhe não eram anteriormenteimputáveis). Só a solução restrita permitirá arredar este resultado70, ao obstar a que osvotos detidos por certa entidade sejam imputáveis às sociedades dela dependentes.

Não existe, portanto, uma saída totalmente indemne, sem uma intervenção legislativa. Asolução restrita apresenta-se, contudo, de longe como a preferível, mesmo de jureconstituto, pois a sua rejeição implicaria que se desconsiderasse a ratio do art. 20º, n.º 1,al. b), do CVM71, e suporia, ademais, que se aceitasse pagar o correspondente preço,qual seja o de sujeitar cada nova sociedade adquirida à obrigação de lançar uma OPAsobre as sociedades já integrantes do “grupo” que aquela passaria a deter, no sentidorelevante para os efeitos do art. 187º do CVM — o que, apesar de tudo, é muitíssimomenos gravoso do que o embaraço, que ela inegavelmente comporta, à movimentaçãode participações da entidade dominante, no âmbito do respectivo “grupo”72.

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prevista no art. 528º-A, n.º 1, al. e), do CodMVM (“aquisição por uma sociedade devalores detidos por outra sociedade que com ela se encontre em relação de domínioou de grupo ou que seja dominada por uma terceira sociedade que domineigualmente a sociedade adquirente”) só pode ter ficado a dever-se à circunstância de olegislador a reputar completamente dispensável — o que, por seu turno, implica queo art. 20º, n.º 1, al. a), seja objecto da tal leitura mais ampla.

Para se perceber este argumento, diga-se entre parêntesis, será preciso que se tenha emmente que a modificação ou cumulação de circunstâncias determinantes da imputaçãode votos não gera uma nova obrigatoriedade de lançamento de uma OPA. Assim, porex., se alguém adquire acções cujos votos já lhe fossem imputáveis nos termos dealguma das alíneas do art. 20, n.º 1: afinal de contas, para efeitos do regime das OPA’sobrigatórias, aqueles votos já eram “seus”, pelo que a situação não se modifica.

A supressão da referida hipótese de derrogação por parte do legislador do CVM, re-pete-se, só poderia ter ficado a dever-se ao facto de esta ser havida como inútil, o quepor sua vez pressupõe que se tenha acolhido a solução ampla. Se se tivesse queridoenveredar pela via mais restrita, teria sido mister conservar parcialmente a ditahipótese, de maneira a cobrir a circulação dos votos em sentido descendente, sob penade se estar a limitar seriamente a flexibilidade com que poderão efectuar-se reestrutu-

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sistema” (cfr. ADLER/DÜRING/SCHMALTZ, Rechnungslegung und Prüfung der Unternehmen, Schaffer Poeschel, vol. 3,6ª edição, anotação 12 ao § 290 do HGB) precisamente pela razão que aduzimos no texto.

64CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, Os casos de obrigatoriedade do lançamento de uma oferta pública de aquisição, in Problemas Societários eFiscais do Mercado de Valores Mobiliários, Edifisco, Lisboa, 1992, pág. 55.

65De facto, as “netas” ou “descendente em linha de recta” de grau superior já estavam compreendidas naprimeira parte da disposição, como sociedades em relação de domínio (ainda que indirecto) com a própriaparticipante.

66A menos, claro está, que os votos lhe fossem imputáveis devido ao funcionamento de alguma das demaisalíneas do art. 20º, n.º 1, do CVM.

67Que não disparatada, justiça seja. É que a passagem de uma participação que assegura o domínio de umasociedade aberta (sociedade-alvo) para uma outra sociedade, também ligada ao transmitente por uma relaçãode dependência fáctica, não é realmente inócua, vistas as coisas do prisma da sociedade-alvo e dos seus demaisaccionistas. Na verdade, a mera adição de um novo elo à cadeia de controlo altera a situação de domínio dasociedade-alvo, por isso que o exercício de tal domínio passará a ter de atender ao interesse social próprio daentidade interposta (veja-se CARLOS OSÓRIO DE CASTRO, Os casos de obrigatoriedade cit., pág. 14: o interesse dasociedade dependente funciona como critério — ou pelo menos, como limite — da influência que sobre elapode exercer o accionista dominante, no quadro de uma relação de domínio simples ou fáctico). E oproblema agudiza-se na situação em que a sociedade detentora da participação na sociedade-alvo vemposteriormente a libertar-se da dependência face ao anterior accionista de controlo, sem incorrer simultaneamentenuma situação idêntica face a outro sócio ou grupo de sócios. Na vigência do CodMVM, não havia aqui lugar aobrigatoriedade de OPA, fosse no momento em que tal sociedade adquiria a participação (mercê daderrogação introduzida pelo art. 528º-A, n.º 1, al. e)), fosse na ocasião ulterior em que se tornasse“independente”— não obstante existir, a final, uma modificação do titular do domínio que já não podia

qualificar-se como meramente aparente ou formal, a pretexto de que, em última instância, o controlo semantinha nas mesmas mãos. O CVM, pela sua parte, ao impor o lançamento da OPA no momento inicial dapassagem da participação, obvia a um tal resultado e torna o regime mais eficaz. Sem dúvida que poderáquestionar-se a bondade desta opção legislativa, mas já não é lícito afirmar-se que ela não tem nada por si, ouque releva de um puro equívoco.

68Cfr., aliás, já a nossa obra citada, a págs. 57.

69Usamos a expressão grupo de sociedades no sentido corrente, que abrange as sociedades ligadas por relaçõestanto de grupo como de mero domínio de facto.

70Tanto mais que o CVM, ao contrário do seu antecessor, não contempla a possibilidade de uma dispensa do

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doórgão de administração, directamente oupor interposto conselho geral.

Procurando desvendar a ideia do autor do CVM, cremos que ela terá sido a seguinte: parao mercado é importante tomar conhecimento da celebração de qualquer acordo relativoao exercício de direitos de voto em que um titular de uma participação qualificada sevincule perante outrem a exercer os seus votos de determinada forma, ou que representeuma “aliança”, não importa para que efeito, entre titulares de votos que, adicionados,excedam qualquer dos limiares do art. 16º do CVM — seja pelo significado que taisacordos assumam em si mesmos, seja pelo que prenunciam de possíveis entendimentosfuturos.

Registar-se-á, por último, que a imputação não atinge necessariamente todos os outor-gantes de um acordo que regule o exercício de direitos de votos, mas só os intervenientesque tenham o direito de exigir o respeito pela disciplina instituída, e apenas pelo queconcerne aos votos a que esse direito se reporte. Excluído da imputação fica, pois — e éesse o sentido a atribuir à parte final do art. 20º, n.º 1, al. c), do CVM —, todo aqueleque, no que tange ao exercício dos direitos de voto, apenas contraia obrigações75/76.

Será importante sublinhar que neste art. 20º, n.º 1, al. c), do CVM deparamos com aúnica causa determinante de imputação que pode funcionar em termos biunívocos:em nenhum dos demais casos a situação ou acto relevantes determinam a imputaçãorecíproca dos votos dos interessados envolvidos (a imputação é unívoca, funcionaapenas num dos sentidos possíveis).

14. O art. 20º, n.º 1, al. d), do CVM (imputam-se a uma sociedade participante osdireitos de voto detidos pelos membros dos seus órgãos de administração e de fis-calização), não suscita grandes dificuldades. Caberá aqui apenas advertência de que a

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13. Prosseguindo no exame das causa de imputação de votos, segue-se a que se contém naal. c) do n.º 1 do art. 21º do CVM: como do participante contam-se os votos detidospor quem for com ele parte num acordo tendente a disciplinar o respectivoexercício “salvo se, pelo mesmo acordo, estiver vinculado a seguir instruções deterceiro”.

A comparação entre este preceito e o que lhe correspondia, no âmbito do CodMVM,é aqui particularmente elucidativa. O art. 346º, n.º 1, al. e) do CodMVM, decalcadono essencial do art. 7º, 3º travessão, da Directiva da transparência, dispunha, na parteque para aqui releva: “consideram-se como integrantes de uma participaçãoimportante (…) os direitos de voto detidos por pessoa que tenha celebrado com ointeressado ou com qualquer das sociedades referidas nas als. b), c) e d) um acordoescrito que o obrigue a adoptar, através de um exercício concertado de direitos devoto, uma política comum em relação às deliberações em assembleia geral ou à gestãoda sociedade em causa (…)”.

As diferenças, visíveis a olho nu, não podem efectivamente deixar de levar-se à contade uma evolução da mens legis.

Em primeiro lugar, passa a atender-se ao acordo de voto ainda que ele não revistaforma escrita, embora não deixe de ser necessário que se trate de uma convençãojuridicamente vinculante, e não de ummero gentlemen’s agreement.

Por outro lado, o mesmo acordo assume agora relevo qualquer que seja a sua incidência, eainda, pois, que tenha um carácter pontual e diga respeito a um assunto determinado, total-mente estranho à condução dos negócios sociais73. No domínio do CodMVM, ao invés, amenção de uma “política comum”pressupunha claramente acordos com carácter duradouro74,ao passo que a referência “às deliberações da assembleia geral”, com a utilização do definido,inculcava que o acordo as havia de ter genericamente por objecto; ademais desses, visavam-seapenas os atinente à gestão da sociedade,maxime os relativos à eleição ou destituição de titulares

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dever de lançar a OPA, por decisão da CMVM.

71Vale a pena sublinhar que também a Directiva da transparência adopta naturalmente a solução restrita: veja-seo seu art. 7º, 2º travessão (os votos que se imputam ao participante são os detidos por empresas por sicontroladas).

72A intervenção legislativa que se antolhe desejável consistirá, pois, tão somente, na previsão de uma hipóteseadicional de derrogação do art. 187º, capaz de abarcar os casos em que uma sociedade dependente adquirevotos já imputáveis à sua entidade dominante (e não, de forma alguma, na substituição da solução mais restritapela solução ampla).

73Pode tratar-se, por ex., de um acordo no sentido de votar favoravelmente uma certa distribuição de divi-dendos, de votar contra uma proposta de alteração dos estatutos apresentada por outro sócio, etc., etc..

74De uma “política comum duradoura” fala expressamente o art. 7º, 3º travessão, da Directiva, mas essa adjecti-vação terá sido considerada redundante pelo autor do CodMVM.

75O “exercício” aludido no art. 20º, n 1, al. c), do CVM, não se refere exclusivamente aos direitos de voto dacontraparte, antes pode abarcar os do participante; e a ressalva prevista na segunda parte da alínea respeita aosacordos em que o participante se vincula a votar segundo as instruções de outrem (de terceiro ou dacontraparte) — ou, a pari, de acordo com as regras estabelecidas na própria convenção —, mas nada pode porseu turno exigir, quanto ao exercício dos votos por outrem.

76Por enquanto ficam de remissa as hipóteses em que o acordo é celebrado, não com o próprio participante,mas com entidades “próximas” dele, as quais têm a ver com o problema da “imputação em cadeia”, que seráabordado mais adiante (cfr., infra, sob o n.º 16).

77É a própria lei que se exprime assim (conforme, de resto, já sucedia com o art. 346º, n.º 1, f), do CodMVM),mas cremos tratar-se de uma fórmula elíptica (o que pode adquirir-se, de facto, são as acções a que os votossão inerentes). A incorrecção do modo de dizer idêntico empregue no § 21 da Wertpapierhandelsgesetz é denun-ciado pela doutrina alemã (cfr. UWE SCHNEIDER, ob. cit., anotação 20 ao § 21) face ao princípio da indivi-sibilidade da acção, acolhido também pelo nosso CSC (art. 276º, n.º 4). Está proibida qualquer divisão oufraccionamento — qualquer destaque — em resultado da unicidade da posição de socialidade: “os direitos que

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entendimento. Desta forma, os votos objecto de uma mera promessa de vendacontam, desde logo, como se fossem do beneficiário dessa mesma promessa80. Sóassim não será, se a promessa (ou aliás, genericamente, o direito de adquirir) estiversujeita a uma condição suspensiva (mas não a um mero termo) — desde que não setrate de uma condição potestativa, em que o evento condicionante proceda da vontadedo beneficiário da promessa —, pois, como se sabe, o credor não terá então ainda odireito a adquirir, mas uma mera expectativa de vir a ser investido nesse direito821: aimputação desencadear-se-á aquando da verificação da condição82.

Não é exacto dizer-se, todavia, que a ratio legis será aqui apenas de, desde cedo, in-formar os investidores da eventual aquisição futura de uma participação qualificada.Não. O legislador, talqualmente sucede no quadro do art. 21º, n.º 1, al. a), doCVM83, arranca, bem ou mal, da ideia de que o mero direito de adquirir confere logoao seu titular alguma influência sobre os votos, ainda que de cariz meramente fáctico.A al. e) inspira-se nestas duas ordens de considerações, e não apenas na primeira.

É esta a conclusão a tirar da exigência de que o acordo seja celebrado com os titulares dosvotos. Este requisito não consta do § 22, (1), 6 da Wertpapierhandelsgesetz, pelo que naAlemanha é possível sustentar a relevância até das opções de compra adquiridas embolsa, ou de vendas a descoberto, em que o vendedor não é ainda accionista e se nãosabe se virá a estar em condições de cumprir84.

O contrário é entre nós pacífico. Se o vendedor ou o sujeito passivo da opção não étitular dos votos, falta um dos pressupostos da aplicabilidade do art. 21º, n.º 1, al. e):num tal circunstancialismo, efectivamente, que votos poderiam dizer-se“influenciáveis” pelo comprador ou pelo detentor da opção de compra85?

Aliás, no caso das opções de compra, o problema nem chega a por-se se o seu titularnão puder exigir a respectiva liquidação física, mediante a transmissão das acções. Abem dizer, sendo o cash settlement86 a forma de liquidação prevista (obrigatoriamente oupor vontade do sujeito passivo), o titular da opção não tem o direito de adquiriracções (ou votos).

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imputação abrange os votos detidos por membros eleitos ao abrigo de regras especiais(por ex., das do art. 392º do CSC), ou permanentemente desalinhados das posiçõesque obtêm vencimento nos órgãos respectivos.

A alínea seguinte (imputação dos votos que o participante possa adquirir77 emvirtude de acordo celebrado com os respectivos titulares) já carece de maisexplicitações.

Relativamente à disposição que lhe correspondia no CodMVM, notam-se, tambémaqui, diferenças significativas. De facto, segundo o art. 346º, n.º 1, al. f), doCodMVM, e na esteira do art. 7º, 6º travessão da Directiva da transparência, exigia-seque o acordo fosse escrito (o que foi, inquestionavelmente, abolido) e, bem assim,que a aquisição pudesse ter lugar “por exclusiva iniciativa” do titular do corres-pondente direito.

Alguns entendiam que os votos só podiam ser adquiridos “por exclusiva iniciativa” decerta pessoa no caso de a aquisição não depender senão de uma declaração unilateralsua, ou seja, se ela dispusesse de uma verdadeira opção78; uma mera promessa de ven-da não seria, por isso, suficiente neste domínio, pois para que, nessa hipótese, aaquisição se verifique, é imprescindível que o promitente emita a necessáriadeclaração negocial, ou, admitindo-se a execução específica, que os efeitos dessadeclaração sejam produzidos por uma sentença judicial. Outros, pelo contrário,interpretavam a locução “por sua exclusiva iniciativa” no sentido apenas de a vontadedo titular dos votos não ser já um pressuposto da aquisição pelo participante, ou dodireito deste a exigir que a mesma se efectivasse79.

Ao deixar cair a locução em apreço, o legislador veio abraçar claramente este segundo

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formam o conteúdo da posição de socialidade estão inextrincavelmente ligadas a esta última, não podendoseparar-se desta para autonomamente serem objecto de quaisquer negócios jurídico-reais” (cfr. CARLOSOSÓRIO DE CASTRO, Valores mobiliários: conceito e espécies, Universidade Católica Editora, 2ª edição, págs. 57 e seg.).Este princípio não era tão pouco desmentido pela referência constante do art. 346º, n.º 1, al. e), doCodMVM, à possibilidade de se transferirem direitos de voto (“provisória e remuneradamente”), contantoque essa “transferência” fosse concebida, como se impunha, de modo puramente obrigacional. Desta forma, éapenas por facilidade de linguagem que, aliás tal como a lei, nos referiremos doravante à possibilidade de osvotos serem “vendidos” ou “adquiridos”.

78Neste sentido veja-se, no quadro da doutrina alemã, KÜMPEL, Bank- und Kapitamarktrecht, Verlag Dr. OttoSchmidt KG, 1995, pág. 1149.

79UWE SCHNEIDER, ob. cit. anotações 104 e segs. ao § 22.

80Sem prejuízo, recorde-se, de continuarem a ser imputados ao proprietário das acções, até à realização do ne-gócio prometido.

81Veja-se MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil,Coimbra Editora, 1976, pág. 448.

82Na mesma linha de raciocínio, deverá negar-se que a concessão de uma mera preferência seja, em si e por si,de molde a desencadear a imputação, já que o preferente só tem o direito de adquirir se o obrigado sedispuser à alienação (a imputação produzirá efeitos aquando do oferecimento à preferência). No caso de umput, como é patente, nenhuma das partes tem o “direito de adquirir” o mesmo se diga ainda que haja putsrecíprocos, e mesmo quando eles configurem uma das modalidade possíveis da cláusula dita da “roleta russa”,muito divulgada como técnica de superação de impasses (cada uma das partes tem o direito de impor que aoutra adquira as suas acções, ao preço que indicar, mas à destinatária é dada a possibilidade de se eximir àcompra se, em resposta, vier exercer o seu próprio put, ao mesmo preço).

83Cfr., supra, sob o n.º 6.

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convencional. Assim, por ex., os votos inerentes às acções pertencentes a ummenor sãotambém imputáveis a quem as administre no exercício do poder paternal. Da mesmaforma, os votos inerentes a acções que integrem um fundo de investimento serãoimputáveis à respectiva sociedade gestora90.

16. Finalmente, no art. 21º, n.º 1, al. g), do CVM, somos confrontados com a pro-blemática da “imputação em cadeia”.

No nosso citado estudo sobre as OPA’s escrevemos, a respeito do art. 530º doCodMVM: “as ficções não são comunicáveis, no sentido de que os valores, pertencentes acerta entidade, contados como de outra (como “oferente”), por força de certa ficção,são apenas as que pertençam à primeira, não quaisquer outros que, tomada agora estacomo “oferente”, lhe sejam por seu turno imputados (a menos que a imputação re-sulte do funcionamento, em ordem a eles, da mesma ou de diferente ficção)”91.

O autor do CVM, querendo consagrar a orientação contraposta, veio dizer, na al. g)do art. 21º, n.º 1, que se consideram como do participante os votos “imputáveis aqualquer das pessoas referidas numa das alíneas anteriores por aplicação, com asdevidas adaptações, de critério constante de alguma das outras alíneas”. Acontece que,sendo boa a ideia, foi escolhida uma fórmula bastante mal inspirada.

Para comprovarmos que assim é, basta atentar no seguinte: se A, titular de 1.000acções, promete vender a B apenas metade dos seus títulos, será incontrovertível, faceao art. 20º, n.º 1, al. e), que só os votos inerentes a 500 acções serão imputadas a B,pois só estas podem ser adquiridas pelo participante. Ora salta à vista que se aimputação não tem necessariamente por objecto todas as acções de que o própriopromitente-vendedor seja titular, muito menos poderá abarcar valores detidos poroutras entidades, ainda que mais ou menos próximas do promitente-vendedor.

Outro ex.: A, titular de 1.000 acções, encarrega a instituição B, depositária de apenas400 dessas acções, de exercer os respectivos direitos de voto, e confere-lhe poderesdiscricionários para o efeito. Ninguém se lembrará, por certo, de imputar a B os votoscorrespondentes às restantes 600 acções, depositadas noutro banco ou conservadaspor A em seu poder — e menos ainda, que a imputação se estenda aos votos detidospor uma sociedade dependente de A, pelo mero facto de interceder entre ambos umarelação de domínio.

O legislador disse genericamente mais do que pretendia. Impõe-se, assim, uma inter-

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Outras situações em que funciona a imputação da al. e) são, por ex., a celebração daprópria compra e venda, quando esta tem efeitos meramente obrigacionais (exceptua-do o referido caso da venda a descoberto) — até por maioria de razão, relativamente àhipótese da simples promessa — e o mútuo das acções (a imputação ao mutuantefunda-se aqui no direito que ele tem à restituição), enquanto o mutuário as nãoalienar a um terceiro.

15. O art. 21º, n.º 1, al. f), do CVM, imputa ao participante os direitos de votoinerentes a acções que lhe sejam dadas em garantia, ou que sejam por eleadministradas ou depositadas junto dele, “se os direitos de voto lhe tiverem sidoatribuídos ou se lhe tiverem sido conferidos poderes discricionários para o seuexercício”.

Requer-se, portanto, ou que ao participante sejam atribuídos os direitos de voto (asacções são-lhes dadas em penhor, prevendo-se que o exercício dos direitos de votocompita ao credor), ou que o participante tenha a administração ou seja depositáriodas acções com poderes discricionários em matéria de exercício dos direito de voto.

A existência de poderes discricionários pressupõe que o participante disponha de umamargem de apreciação própria em matéria do exercício dos votos87; não é suficiente,note-se, que a discricionaridade exista nas relações externas — ela há-de estender-seao plano das relações internas com o titular. Não devem confundir-se, por outrolado, poderes discricionários com poderes de decidir no interesse próprio. O facto deo participante estar obrigado a votar no respeito pelos interesses do accionista nãoafasta a imputação88.

A imputação tão pouco é postergada pela circunstância de os poderes discricionáriosse terem de mover no espaço deixado livre pelas instruções do titular: ela basta-se como não exercício do direito de dar instruções que porventura exista89.

Tanto dá, ainda por outra via, que os poderes de administração tenham fonte legal ou

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84Assim UWE SCHNEIDER, ob. cit., anotações 97 e segs. e 111 e segs. ao § 22.

85Também neste contexto se remete, todavia, para o que diremos infra, sob o n.º 16, a respeito da “imputaçãoem cadeia”.

86Quando o exercício da opção dá lugar a uma liquidação meramente financeira, o titular da opção não recebeas próprias acções, mas uma importância em dinheiro [correspondente à diferença negativa entre preço deexercício da opção — dito strike price — e o valor de mercado das acções à data desse exercício (está claro que, se adita diferença for positiva, o titular da opção deixará que ela se extinga por caducidade)].

87Não será esse o caso, por ex., se o participante estiver vinculado a votar a favor de todas as propostas que sejamapresentadas pelo órgão de administração ou que mereçam a aprovação deste.

88Cfr. UWE SCHNEIDER, ob. cit., anotação 114 ao § 22.

89Vide UWE SCHNEIDER, ob. cit., anotação 114 b ao § 22.

90E, sublinhe-se, por força da al. g) de que se falará a seguir, à respectiva entidade dominante, o que nem sem-

Page 17: Cad-1.Merc.Val.Imob.7 2000 3PP - CMVM...1.ÀsemelhançadoquesucediajácomoCódigodoMercadodeValoresMobiliários (CodMVM),tambémonovoCódigodosValoresMobiliários(CVM)1 consagradeveres

Esta solução poderia defender-se, quanto muito, onde a imputação, em qualquer grau,se fundasse na al. b) (se a imputação no grau precedente se tivesse baseado na al. d)) ouna al. d) (se a imputação no grau precedente se tivesse baseado na al. d)). A cadeia deimputações poderia então ser objecto de sucessivas ramificações: e cada um dos braçossó se deteria quando a imputação viesse a assentar, ou em alíneas diversas das b) e d), ouentão numa qualquer desta alíneas, mas, neste caso, se (e apenas se) à entidadedependente ou ao membro do órgão de administração ou fiscalização só fossemimputáveis votos inerentes a acções de que eles tivessem a propriedade ou o usufruto93.

Nem isso, contudo, cremos que seja admissível: a lei diz que o critério em que seapoia a imputação em cadeia há-de constar de uma “das outras alíneas” — o que exclui aprópria al. g). A al. g), portanto, só permite que se ascenda a um segundo patamar94

(assim, podem imputar-se a uma sociedade os votos detidos por uma sociedadedependente e por um membro do órgão de administração desta, mas já não os votosdetidos por uma sociedade que este último domine95). A alternativa, aliás, seria umregime feito de cadeias de imputações labirínticas e inextricáveis, capaz de sacrificar,ao ideal de uma perfeição lógica, as mais elementares exigências de praticabilidade ede aderência às realidades das coisas.

pretação restritiva, capaz de adequar o texto ao pensamento legislativo.

Para tanto deverão distribuir-se as als. a) a f) do art. 20º, n.º 1, por três grupos: umprimeiro, compreendendo as als. b) e d), um segundo, abarcando as als. a) e f), e umterceiro, formado pelas als. c) e e).

A redacção do art. 21º, n.º 1, al. g), convém às alíneas do primeiro grupo, e apenasa essas92. Nos casos das als. b) e d), a relação com outra entidade não se estabelece apropósito de quaisquer concretos direitos de voto; pela sua natureza, ela legitima quese imputem ao participante todos os votos detidos por essa outra pessoa — pelo quefacilmente se compreende que a imputação se estenda ainda aos votos contados comodessa entidade nos termos das demais alíneas. Está bom de ver, por ex., que a mesmainfluência dominante que chama para a órbita de uma sociedade as acções detidas poruma dependente será de molde a atrair também as acções que um terceiro detenhapor conta desta.

Nas hipóteses das demais alíneas, ao invés, a relação entre o participante e a outra en-tidade, determinante da imputação, tem por objecto certos e determinados votos: em conformi-dade, a imputação tem de confinar-se precisamente a esses votos, não podendo alargar-sea quaisquer outros, inteiramente alheios à sobredita relação.

O que pode e deve dizer-se — e aliás apenas quanto às als. c) e e) — é apenas que aimputação não postula que os votos sejam detidos pela própria entidade que contratacom o participante, bastando que contem como dele nos termos do art. 20º, n.º 1,do CVM (ex.: uma sociedade obriga-se perante o participante a fazer com que umaentidade dependente exerça os seus direitos de voto em determinado sentido) — com aprecisão de que, fundando-se a imputação no direito à aquisição de acções, não bastaráque o obrigado “tenha acesso” apenas a direitos de voto detidos por terceiros (se Apromete vender a B 500 acções de que não é titular, serão imputáveis a B os votoscorrespondentes às 100 acções pertencentes a C, dependente de A, mas não os votosinerentes a acções de que A seja simples depositário, ainda que com poderesdiscricionários para o seu exercício).

Por último, caberá questionar se a al. g) é passível de funcionar por mais de uma vez.

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pre será advertido.

91Os casos de obrigatoriedade cit. pág. 55.

92Algo de similar se passa com respeito à regra vertida no art. 188º, n.º 1, al. a), do CVM sobre a contrapartidamínima da oferta, também ele a clamar, portanto, pela necessária interpretação restritiva. Só se compreendeque o oferente seja chamado a honrar o preço praticado em compras feitas por sua conta, ou levadas a cabopor sociedades dependentes ou pelos membros dos órgãos de administração e de fiscalização destas, ou dopróprio oferente: pois a que título, por ex.,, se “responsabilizará” um banco pelo preço de compra das acçõesque um cliente deposita junto dele, atribuindo-lhe o poder discricionário para exercer os respectivos votosinerentes?

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