Caderno de texto - ennajup final 2.pdf
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Memorial ....................................................................................................................................................................6
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DE DISCUSSÕES OU MEMORIAL – II CURSO DE
FORMAÇÃO POLÍTICA DA RENAJU..............................................................................................................7
Histórico da RENAJU ........................................................................................................................................ 16
REDE NACIONAL DAS ASSESSORIAS JURÍDICAS UNIVERSITÁRIAS: HISTÓRIA, TEORIA E
DESAFIOS ............................................................................................................................................................. 17
Análise de Conjuntura .................................................................................................................................... 30
O MAL-ESTAR DO NEODESENVOLVIMENTISMO .............................................................................. 31
Possibilidades, Contradições e Limites das práticas de AJUP ................................................. 37
UM ESTALO NAS FACULDADES DE DIREITO: PERSPECTIVAS IDEOLÓGICAS DA
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA ............................................................................................... 38
Feminismo ............................................................................................................................................................. 51
PROJETO DIREITOS HUMANOS E GÊNERO- PROMOTORAS LEGAIS POPULARES DO
DISTRITO FEDERAL: FUNDAMENTOS E PRÁTICA............................................................................ 52
AJP – Desafios da Atuação Profissional Popular ............................................................................. 57
“VAMOS CAMINANDO, YO CANTO PORQUE SE ESCUCHA”: A ASSESSORIA JURÍDICA
POPULAR NA PERSPECTIVA DE ADVOGADOS POPULARES......................................................... 58
Desafios da Articulação em Rede ............................................................................................................. 75
CARTA – COMPROMISSO DA REDE NACIONAL DE ASSESSORIA JURÍDICA
UNIVERSITÁRIA................................................................................................................................................ 76
COMPILAÇÃO DE FUNÇÕES E ATIVIDADES DOS EIXOS DA RENAJU................................... 78
DE ONDE SE VEM, PRA ONDE SE VAI: OS MOVIMENTOS HISTÓRICOS DOS QUAIS
EMERGIU A ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR .................................................................... 84
Conjuntura da Educação e seus reflexos na Extensão Popular .............................................. 90
“GRANDES GRUPOS ECONÔMICOS ESTÃO DITANDO A FORMAÇÃO DE CRIANÇAS E
JOVENS BRASILEIROS” .................................................................................................................................. 91
CORTES DE VERBAS AMEAÇAM O CARÁTER PÚBLICO E GRATUITO DAS
INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO............................................................................................... 97
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memorial
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Local: Assentamento João Batista II, Castanhal/PA
Dias: 12 a 16 de Novembro de 2014
Durante os dias 12 a 16 de Novembro de 2014, a Rede Nacional de Assessoria
Jurídica Universitária – RENAJU - esteve reunida no assentamento João Batista II do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na cidade de Castanhal/PA, para a
construção do II Curso de Formação Política da RENAJU. O assentamento materializa a
necessidade de fortalecermos as lutas sociais, especialmente quando dialogamos com os
movimentos populares que historicamente reforçam a imprescindibilidade da organização
popular para que possamos conceber um horizonte político livre das amarras do
capitalismo. Nesse sentido, a comemoração de 16 anos do assentamento durante o
encontro simboliza a crença numa outra sociedade.
O encontro teve como proposta o avanço na concepção da organização política
da RENAJU e o aprofundamento e fortalecimento do debate de opressões, com a
compreensão de ter no espaço o empoderamento dxs sujeitxs oprimidxs, enquanto
protagonistas do combate às opressões que culmine na autonomia daquelxs subjulgadxs
na lógica capitalista.
Nesse sentido, que o espaço de construção do curso se fez extremamente
simbólico, representando a necessidade de radicalizar o diálogo com xs oprimidxs quando
nos desafiamos a realizar o II CFP em um ambiente que concebe o acirramento das
contradições sociais, fato que reforça a compreensão de que não há neutralidade no
processo de luta de classes, posicionando-se a RENAJU ao lado dxs oprimidxs.
EIXOS:
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA RENAJU
No último período, a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária
passou por um processo de autoreconhecimento que trouxe a tona novamente o debate da
identidade “renajuana”, especialmente quando se constata no resgate do percurso
histórico da RENAJU que de modo dialético a rede expressou-se por vezes como um sujeito
político organizado incidindo coletivamente na realidade social e posicionando-se frente
às demandas que a conjuntura lhe indicava, enquanto que em outras conjunturas a
RENAJU traduziu-se em um espaço articulado para fortalecimento das Assessorias
Jurídicas Universitárias Populares e suas trocas de experiências.
O percurso histórico da rede nos traduz que aproximadamente desde o ano de
2006, com o aprofundamento da discussão de identidade e a gênese do debate de modelo
organizativo, por volta de 2009 que a RENAJU se desafiou no sentido de construir uma
formulação sobre sua organização política, objetivando o estabelecimento das condições
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materiais para compreensão do nosso horizonte político, objetivos e capacidade de
intervenção.
Assim, ainda é importante problematizar a identidade “renajuana” a partir da
sua própria história, cumpre a demanda de debater sobre a organização política da
RENAJU, incluindo os princípios norteadores da nossa organização, o acúmulo e o modelo
de organização que compreenda as demandas que a RENAJU se propõe a enfrentar.
A estima de construir o espaço político da RENAJU traduz-se para as AJUP’s,
especialmente nos momento em que essas passam por dificuldades, contextualizando-a na
conjuntura hodierna de precarização e mercantilização do ensino que reforça o modelo de
universidade excludente e opressor. A resistência das AJUP’s na universidade compreende
imprescindível disputa de consciência dos setores inclusos nesse espaço político que não
se encontra deslocado da estrutura social excludente. Assim, RENAJU é um importante
horizonte de articulação (troca de experiências) e concomitante construção coletiva de
disputa por uma universidade plural, livre e popular. Portanto, compreender que a base da
rede encontra-se em cada núcleo, e no fortalecimento destes dialeticamente faz com que a
RENAJU se fortaleça.
O fato de possuir espaços de intercâmbio não impõe à RENAJU o fardo de não
se tornar um sujeito político. O que tem ocorrido é a verificação de uma dupla faceta, tanto
com espaços de acúmulo de forças para os núcleos quanto espaços que buscam articular
metas próprias da organização. Porém, identificou-se também que há uma diferença entre
ser uma ferramenta de luta (no qual se restringe ter espaços formação, troca de
experiências, entre outros espaços de fortalecimento dos núcleos e dos militantes) e ser
um instrumento de luta (que para além disso, busca ter objetivos que afetem, de forma
direta, a sociedade ou uma parcela dela, externamente, a própria organização); pois a
segunda poderia demandar uma estrutura orgânica diferenciada.
Por isso, a questão que se põe a nós hoje é saber como ser esse sujeito
político, como se posicionar, quais critérios adotar, como cada núcleo membro deve se
colocar, de modo a garantir que o espaço não seja inviabilizado por discordâncias pontuais
em detrimento do amplo consenso existente e construido em 16 anos de acúmulo político.
Esse fator nos faz conceber a ideia de a RENAJU constituir-se atualmente como espaço de
unidade da juventude universitária esquerda que se desafia para o diálogo com/para os
movimentos sociais.
Ressalta-se ainda o aspecto da RENAJU construir um espaço complexo e plural
em que cada núcleo traz consigo sua identidade política edificada em outros espaços. Logo,
a construção da identidade política da rede passa pela construção de espaços autônomos
de discussão. Esses espaços cumprirão seu papel adequadamente quando a RENAJU
alcançar um amadurecimento a ponto de ser capaz de estabelecer um limite de
admissibilidade de dissonância de posicionamento.
É nesse processo que se desenrola a compreensão mais nítida das estratégias
contempladas pela organização. E com o estabelecimento do nosso horizonte estratégico,
para produzirmos em diálogo com as impressões advindas da conjuntura os objetivos
táticos a partir dos princípios que elegemos para nos nortear.
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Daí a importância de mantermos a coesão política principiológica, que só pode
ser estabelecida com uma delineação evidente do horizonte estratégico do grupo, porque
todo principio adotado e o entendimento dado a ele só possui sentido se estiver a serviço
do alcance do horizonte escolhido. Essa manutenção de coesão sobre o entendimento
dado aos princípios eleitos se garante tanto com participação nos espaços autônomos de
discussão da rede quanto com o constante debate da rede no interior dos núcleos e com os
espaços de organização política.
Nessa perspectiva, devemos problematizar o conteúdo da horizontalidade que
a RENAJU reivindica para si, especialmente desconstruindo a compreensão de um purismo
principiológico que engesse a organização política interna e os modelos organizativos que
nos contempla. É preciso ainda que se evite o assembleísmo, que tem sido responsável por
boa parte da inviabilização de nossas resoluções. Importante destacar ainda um equilíbrio
entre o assembleísmo e o verticalismo que demanda constante reavaliação para que se
mantenha a horizontalidade desejada.
Essa problematização, perpassa também por reconhecer que os núcleos
membros da organização, sempre estarão em diferentes conjunturas internas, e portanto,
terão limites diversos de como poderão contribuir para a construção da entidade. Por isso,
repensar a horizontalidade exige perceber e reconhecer os diferentes papéis que cada
núcleo terá na construção da RENAJU, sem hierarquizar estes papéis por ordem de
importância, mas atribuindo as tarefas e a autonomia de decisão politica para sua
execução de acordo com o papel que o grupo cumpre para a RENAJU.
Além disso, é necessário problematizar também o entendimento de
coletividade na RENAJU, percebendo quem são os sujeitos que concretizam sua
construção. Para uma coesão da organização, é preciso reconhecer os indivíduos que ao
longo de um período acompanham o processo organizativo da rede, bem como, valorizam
a conservação do acúmulo ao longo deste período, através da construção própria e
coletiva dos indivíduos e seus núcleos na RENAJU. Cabe lembrar que nesse processo
vamos nos arriscar e por vezes cometer erros, o que não deve ser motivo para desanimo
ou culpabilização excessiva que desmonte a construção feita com a identidade
“renajuana”.
Também uma análise da atualidade da RENAJU nos leva a perceber que há o
consenso de que a educação popular é um ponto de confluência das práticas dos núcleos
(referenciando-se, principalmente, em Paulo Freire e no Método Josué de Castro, que
fornecem a base para a reflexão sobre qual entendimento damos aos princípios eleitos até
o momento, pela RENAJU), constatando-se na metodologia assentada pela nossa
organização para assumir a tarefa contra-hegemônica no atual cenário de acirramento das
lutas dos movimentos sociais, diante das contradições capitalistas.
É objetivo da prática “ajupiana” a inserção na disputa pelo direito de dizer o
direito em defesa dos movimentos sociais do campo popular. Mesmo reconhecendo as
limitações do instrumento jurídico na emancipação humana, admite-se a sua importância
tática na luta.
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RENAJU E OPRESSÕES
A atual conjuntura da RENAJU demandou o aprofundamento teórico, político e
metodológico do debate de opressões com intuito de empoderamento dxs sujeitxs
oprimidxs que através dos debates colocados no II CFP Nacional da RENAJU apontam a
necessidade do fortalecimento da auto-organização dentro da rede e a necessidade de um
debate interseccional entre as diversas opressões. Esse momento da rede representa a
confluência de um processo de acúmulo e empoderamento dxs militantes da rede.
Acreditamos que o debate de combate às opressões não está descolado do
debate da superação do modo de produção capitalista, pois entendemos que tal modo de
produção não gera as diversas opressões de raça, gênero e sexualidade, mas delas se
apropria, as potencializando dentro de um contexto explorador.
Portanto, após os produtivos ates dos espaços de formação do curso e da
plenária auto-organizada de mulheres, a RENAJU fortalece seu compromisso com a luta
contra todas as formas de opressão.
- FEMINISMO
O CFP II da RENAJU (Rede Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias)
trouxe como acúmulo para a rede no que tange a feminismo e diversidades de gênero e
sexualidade as seguintes temáticas: a dupla militância da mulher nos movimentos sociais,
pois enquanto mulher a luta pelo feminismo se faz necessária em todos os meios em que
ela está inserida, inclusive no da militância; culpabilizar a mulher, dentro da instituição
familiar, por criar sujeitxs machistas, desconsiderando a superestrutura social na qual
todxs estamos inseridxs.
Acumulamos sobre o histórico das teorias feministas, contextualizando a
primeira onda do feminismo, protagonizado por mulheres brancas de classe média que
reivindicavam, sobretudo, o sufrágio universal. A segunda onda feminista, tida como
radical, define o patriarcado como sistema e aborda a distinção entre sexo biológico e
gênero e como a consequente identificação de um com o outro é usada para oprimir a
mulher.
O feminismo negro criticando o feminismo radical no sentido de questionar a
sua abrangência e sua perspectiva classista quando luta por trabalho e liberdade sexual,
desconsiderando que as mulheres negras sempre trabalharam e são no seu cotidiano
objetificadas sexualmente. Outra crítica em relação ao feminismo radical se dá pela visão
limitada que o patriarcado proporciona da sociedade, reduzindo a opressão da mulher ao
domínio dos homens nos espaços de poder, não pautando a interseccionalidade da luta
feminista.
Partindo do conceito de transfeminismo como questionamento do sujeito do
feminismo, surge nessa perspectiva a pauta de feminismos marginais como o negro, o
lésbico, o transgênero, marginalização essa que é resultado do processo de interferência
na subjetivação da sujeita. Há, no entanto, aquelxs que não se encaixam em nenhuma
categoria, que negam estereótipos, se identificando politicamente como queer. A Teoria
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Queer, que vem numa perspectiva pós-estruturalista (assim como, de certa forma, o
transfeminismo), nega essencialmente o binarismo de gênero.
O plano de fundo pós-estruturalista é a desconstrução do paradigma
cartesiano moderno, que estruturou a sociedade de forma exata, simétrica, determinada, e
que se refletiu no gênero justamente no binarismo. Nesse sentido, o estudo da teoria queer
e do transfeminismo foi importante enquanto estudo da diferença, do que não está
categorizado, e reflete-se no trabalho de AJUP não apenas na temática de gênero, mas no
próprio trabalho de educação popular, afinal, os sujeitos são dotados de processos de
subjetivação singulares.
Debateu-se também a importância da auto-organização das mulheres por ser
um meio para elas se empoderarem e um momento em que elas conseguem perceber
melhor a opressão que sofrem e se sentem confortáveis para discutir esse assunto, e que
ela deve ser mantida em todos os encontros da rede. No entanto, deve-se analisar a
ementa do espaço de feminismo para saber se auto-organização será dentro do espaço ou
em um espaço a parte. Por exemplo, em um espaço para se discutir teoria queer, é
contraditória a auto-organização em moldes binários.
Indicativos:
- AJUP’s incluírem no seu trabalho de educação popular os debates de gênero.
- Fortalecer o diálogo da práxis com temáticas e dispositivos como os
debatidos.
- Mulher deve ser a protagonista da luta feminista mas não se pode excluir os
homens porque eles também sofrem com o machismo.
- NEGRITUDE
O II Curso de Formação Política da RENAJU trouxe a temática de opressões
dentro do sistema capitalista e como elas podem e, em alguns momentos, devem ser
trabalhadas dentro da própria rede a partir das experiências das AJUP’s e de seus
integrantes enquanto sujeitos.
Apesar da incidência da RENAJU, enquanto sujeito político, na pauta concreta
da negritude ser recente, essa discussão perpassa a atuação pontual de cada núcleo, uma
vez que o racismo é uma das formas de opressão de que se vale o capitalismo para
justificar um determinado perfil da população que é marginalizada e excluída de
determinados espaços.
No brasil, o racismo se engendra de uma forma muito bem articulada de modo
que a população aniquila a existência social do negro e o Estado garante o seu extermínio
institucionalizado. Assim, se não é pelas práticas de uma cultura baseada na lógica
patriarcal e escravocrata, o negro é morto pelas mãos do Estado, por meio de um sistema
de hegemonia ideológica e política conservadora, bem como pelo aparato coercitivo do
estado, no qual se destaca a polícia militar.
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Diante dessa realidade que diz respeito ao extermínio do povo preto,
especialmente sua juventude, a RENAJU não pode se calar. Trata-se não só de um bem
jurídico a ser tutelado, trata-se de inserir-se em um debate que discute a ocupação do
jovem negrx na universidade e nos espaços políticos, trata-se de articular o
reconhecimento dos negros e negras da rede e pautar a necessidade de atuar na
desconstrução dessa lógica que, quando não mata, oprime o negro em todas as suas
manifestações de resistência.
A campanha de 2014: “A desmilitarização da polícia e da política” está
intimamente relacionada a esse processo de questionar e combater o uso da máquina
estatal para o genocídio do povo preto e é por isso também que a RENAJU está
caminhando na inserção desse debate.
O encontro contou com um espaço NEGRITUDE que foi antecedido por uma
mística que abordou a recente chacina de jovens negros em Belém (sobre a qual a RENAJU
publicou uma carta) que emocionou muito a todos que participaram daquele momento. É
importante valorizar a importância da mística e dos sentimentos que por ela são
despertados. Para além da formação política, para que a prática aconteça, a militância
também se vale muito da solidariedade dos companheiros para com as causas que lhe são
externas, porém jamais alheias.
Nesse sentido, para os que estavam presentes, fica o exemplo de uma
atividade pensada por negros enquanto sujeitos que sofrem a opressão do racismo e como
o fato desses mesmos sujeitos terem conduzido a mística trouxe uma perspectiva
singularmente enriquecedora para a atividade.
O espaço, por sua vez, foi extremamente rico dentro de suas limitações que
perpassam pela falta de delimitação de um recorte do tema para garantir discussão mais
aprofundada e principalmente, pela falta de um espaço auto-organizado que se mostra
cada vez mais essencial para o avanço dos trabalhos da rede no que se refere ao rol de
opressões.
No entanto, é fundamental ressaltar que esses entraves fazem parte de um
processo de reconhecimento de se inserir nessa luta que perpassa tanto pelos negros e
negras da rede como pelo próprio entendimento da identidade da RENAJU enquanto
sujeito político que, formado por integrantes de AJUP’s, trabalha sob a perspectiva de
colocar-se ao lado e nunca a frente dos movimentos sociais. Ou seja, esse processo se
apresenta enquanto um caminho de respeito ao protagonismo dos sujeitos oprimidos
enquanto autores da aniquilação das lógicas que os oprimem bem como um caminho que é
também a estrada de acúmulos individuais desses sujeitos.
A partir do reconhecimento desses acúmulos individuais e de um princípio
norte na rede que é a horizontalidade, se faz ainda mais evidente a necessidade de
articular a auto-organização de momentos NEGRITUDE, onde se farão ouvidas mais falas
como as que foram expostas nessa atividade. As falas, inclusive, foram de tamanha riqueza
que culminaram na percepção da importância de pensar nesses espaços com facilitadores
negros e inseridos na realidade de assessorias, de preferência que sejam da Rede. Esse
encontro, levando em conta a particularidade mística quase intrínseca ao espaço em que
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foi organizado, está para nos mostrar a importância de se articular a ocupação da RENAJU,
enquanto um órgão político.
No Brasil, o sistema se vale de inúmeros discursos que colaboram na
construção de um imaginário de suprimento das diferenças com intuitos claros de
desarticulação do movimento negro. O discurso da democracia racial caiu por terra e o
movimento negro vive hoje um momento de pós ruptura, combate e enfrentamento direito
sob o pano de fundo de que o racismo é institucionalizado e de que as nossas diferenças
devem ser salientadas.
Nós enquanto negros e negras da RENAJU queremos destrinchar as feridas do
racismo visibilizar nossas inúmeras diferenças: nossa cultura, nossas raízes e nossos
heróis não coincidem com o que nos é apresentado nas escolas e demais instituições
tradicionais.
O teor romântico da miscigenação brasileira tem a função sustentar que
somos todos iguais, novamente com o intuito de suprimir nossas diferenças e desarticular
justamente a unidade do movimento negro que é a própria identificação do negro
enquanto negro. Em um país de pardos, cor de jambo, mulatos (que carrega uma carga
pejorativa desde os tempos de escravidão) nos é negada a identidade de ser negro.
Sob uma estrutura cruelmente incidente que se manifesta pela mídia e suas
formas de criar e difundir padrões de beleza, as crianças negras- especialmente as
meninas considerando as faces de intersecção de opressões de gênero e raça- tem, desde a
infância, negado o direito de existir e resistir no processo de crescimento e interiorização
de valores. A sociedade nos nega uma cultura inteira quando ora omite sua existência, ora
repudia.
Mas, há uma terceira face dessa opressão que se apresenta em função da
dinâmica desse sistema exclusivo que, quando não consegue negar, se apropria de
determinados elos de unidade da população negra. Nessa lógica, os bailes funk não são
mais acessíveis a quem os criou pois, não por acaso, há de ser feito um recorte de classe
para garantir a manutenção da classe trabalhadora enquanto explorada e marginalizada.
Setores reacionários se apropriam da cultura do povo preto, alienando-a dos seus sujeitos
criadores como mais uma forma de impedir o negro de se valer de suas particularidades
para unir-se enquanto sujeitos oprimidos. Querem definir o que somos, pois julgam que
nos categorizar enquanto morenos é benéfico em detrimento de ser negro. Nós somos
negros e não serão mais os outros que nos dirão o que somos.
Estamos para ocupar esses espaços que nos negam e atuar enquanto agentes
da transformação dessa estrutura que nos seleciona como inimigos da sociedade e
criminaliza nossa existência.
De um assunto que não se esgota, um debate atual e que se faz gritante,
sugere-se indicativos para a RENAJU pautar a negritude em sua luta diária:
- Pensar os espaços físicos dos encontros a se valer do acúmulo que nos foi
interiorizado a partir da ocupação do assentamento João Batista II;
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- Reuniões prévias com frentes de trabalho para os encontros a fim de garantir
os espaços auto organizados;
- Realizar uma agenda negra com temas específicos que interseccionem
opressões e contenha o recorte de classe que nos é próximo aos trabalhos realizados nas
AJUP’s;
- Fomentar a valorização da cultura negra para dar visibilidade a história do
negro sem reduzir sua trajetória à escravidão CULTURAIS TEMÁTICAS E BANDEIRAS;
- Sugestões de temas a serem discutidos: extermínio da juventude negra;
política de cotas e a disputa de espaço na Universidade;
- Sugestão de criar uma página no facebook RENAJU NEGRA;
- LGBT +
Nesse CFP pudemos obter acúmulos importante sobre a questão LGBT+ e
refletir sobre a atuação da rede nesse tema.
Constatamos que a articulação auto-organizada dos sujeitos LGBTs que
militam nos núcleos da rede é ainda frágil em contraste à coesão observada nos grupos de
mulheres e de negrxs. Nesse sentido, a RENAJU deve estimular espaços auto-organizados
que possibilitem o empoderamento coletivo de tais sujeitos. As programações dos
encontros da rede devem levar em conta tal responsabilidade.
Os debates devem ser interseccionais, já que as opressões não ocorrem em
contextos isolados. Deve-se levar esse fator em conta na construção de espaços que
melhor contemplam a pluralidade dos sujeitos.
Os debates devem ser interseccionais, já que as opressões não ocorrem
somente em contextos isolados, de forma a melhor abordar também a questão
metodológica e as demandas dxs sujeitxs políticos da RENAJU
O relato das experiências de cada núcleo isolado que trabalha a questão com
mais profundidade garantiu um acúmulo que não é puramente teórico, mas traz novas
perspectivas de atuação tanto para a RNAJU quanto para as AJUPs individualmente.
Podemos compreender que em nossa atuação é fundamental acumulo teórico na corrente
Queer, que deve ser trabalhada numa perspectiva marxista.
O Estado é seletivo na concessão de cidadania. Essa seletividade tende a
excluir a população LGBT+, que tem sua condição humana rebaixada. Os três poderes
atuam nesse sentido. A institucionalização de uma cultura LGBTfóbica é fenômeno
preocupante apto a receber intervenções da rede.
A criminalização da homofobia é uma questão que se põe a nos como tema a
ser aprofundado. Cabe ressaltar que a criminologia crítica pode criar conclusões
academicistas sem compreender essa realidade, trazida nas pautas dos movimentos
populares.
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Uma forma de atuação eficaz possível à mudança social é a publicisação dessa
pauta na academia e no campo popular. Independentemente de um núcleo atuar de forma
direta nesse tema, deve fomentar o debate. Inclusive por que na atualidade, movimentos
sociais com pautas específicas diversas começam a incluir transversalmente esse tema no
debate .
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Histórico da RENAJU
Historico da
Renaju
17
Sumaya Saady Morhy
Pereira Assis da Costa Oliveira
Resumo: O presente artigo apresenta a história da Rede Nacional das Assessorias
Jurídicas Universitárias, com a finalidade de entender como se desenvolveu formação da
identidade renajuana e as implicações decorrentes no seu ativismo político e gestão
interna. De forma complementar, procura-se debater a formação da Rede dentro da
conjuntura político-social de fomento as denominadas redes de comunidades virtuais
identitárias. Por fim, analisam-se os desafios que a Rede terá que enfrentar para assegurar
seu processo de politização e reforço da imagem pública sem descuidar da manutenção de
seus valores e gestão interna
Palavras-chave: RENAJU – Assessoria Jurídica Universitária Popular – teoria das redes
Introdução:
A Rede Nacional das Assessorias Jurídicas Universitárias (RENAJU) é o objeto
em análise no presente estudo.
Esta curiosidade científica surgiu em decorrência de duas constatações:
primeiro, que não existe, apesar da razoável longevidade da Rede, a sistematização de sua
história, a ponto de garantir mínima percepção do desenvolvimento e condicionamentos
que conferiram os cenários e as estruturas apresentadas na atualidade e projetadas para o
futuro; segundo, os últimos acontecimentos produzidos na Rede, que tem colocado em
questão (ou em reflexão) o ativismo político assumido, assim como a dificuldade de
estabelecer as escolhas coletivas de condução democrática necessária à unidade interna
para o diálogo externo.
Porém, antes de tudo, cabe uma introdução: o que é a RENAJU? Esta é
pergunta que deve ser previamente respondida, para contextualizar o debate elaborado
adiante. Em princí- pio, entende-se que a RENAJU é uma rede materializada pela
constituição de uma lista virtual de discussão e que congrega, como membros políticos,
Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUP’s) – atualmente 23 – de todo o Brasil.
Todavia, este conceito será ressignificado ao longo do artigo.
As AJUP’s nasceram como novas propostas de intervenção social do saber
jurídico acadê- mico. A base “existencial” são os cursos de Direito, de onde se originaram
totalidade das assessorias que compõe a Rede, enquanto que o direcionamento
operacional se liga as políticas de extensão – e, de forma minoritária, pesquisa –
universitária, voltadas, principalmente, para o trabalho com grupos socioculturalmente
vulnerabilizados através da educação popular em direitos humanos.
Historicamente, o propósito central das AJUP’s foi o desenvolvimento de nova
gramática à cultura educacional jurídica, a partir da crítica ao modelo tradicional de
extensão universitária. Neste sentido, as assessorias jurídicas se enquadram como
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serviços legais que redefinem o papel da educação como ferramenta de acesso à justiça.
Mas não somente isso, pois esta educação toma os direitos humanos como instrumentos
jurídicos de reivindicações e proposições políticas para a transformação social.
Porém, o presente trabalho delimita sua intervenção no âmbito macro das
AJUP’s, na procura do reencontro com marcos históricos da Rede e problematização de sua
estrutura por meio das teorias das redes. Por fim, anuncia breves explicações sobre a
politização das AJUP’s e o impacto na constituição de sua identidade e gestão.
1. Dez Anos de RENAJU: (Em Busca das) Memórias da Rede:
Qual a idade da RENAJU? Qual seu percurso histórico? As perguntas, por mais
simplórias ou óbvias, não são tão fáceis de responder, sobretudo, não tão fáceis de serem
precisadas. As doutrinas que abordam o ano de surgimento da RENAJU costumam
polarizam em torno de dois períodos: 1996 e 1997.
Para Nara Pereira (2006), o surgimento da RENAJU data de 1996, quando do
período do Encontro Nacional dos Estudantes de Direito (ENED) em Niteroi/RJ, podendo
este “... ser então considerado um marco para a divulgação dos ideais da assessoria.”
(PEREIRA, 2006: 07) Por outro lado, para Carlos Bruno Aguiar (2004) e Ivan Furmann
(2003) a criação da Rede data do ano de 1997, sem proceder a explicações mais
detalhadas do contexto de surgimento.
Sem querer desmerecer os levantamentos realizados pelos autores citados,
ciente de que a imprecisão cronológica se deve a falta de registros históricos sobre o
percurso de vida da Rede, o certo é que tal dualidade leva, ao menos, a indagação de
(re)conhecer, afinal de contas, qual das duas datas é a correta? Para tanto, se estabeleceu o
método de confrontação dos referentes dados com entrevistas realizadas com duas
memórias vivas da Rede, ou seja, pessoas que possuem suas trajetórias de vida imbricadas
no desenvolvimento da RENAJU.
É com base no material obtido nas entrevistas realizadas via correio
eletrônico com Wladimir de Carvalho Luz1 e José Humberto de Góes Junior (Betinho),23
que se vislumbra a possibilidade de demarca como momento inaugural da RENAJU o ano
de 1998, durante o ENED São Leopoldo/RS.
Ainda assim, não é de todo errado trabalhar o ano de 1996, pois ele também
teve importância para o que veio a ocorrer em 1998, substancialmente porque foi o ano de
criação da Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED) e, com isso, de extinção
da Coordenação Nacional dos Estudantes de Direito (CONED).
Com a extinção da CONED também desapareceu a Coordenação de Assessoria
Jurí- dica Universitária (CONAJU), estrutura ligada a CONED. A CONAJU tinha a finalidade
de promover a difusão das práticas de Assessoria Jurídica Popular (AJP), possuindo,
inclusive, boletins com informações sobre como montar uma AJP. Era gerida por
estudantes vinculados ao movimento estudantil tradicional, contando
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[...] com uma diretoria de 12 representantes, sendo seis titulares, dois da região Nordeste e os outros quatro das demais regiões do país, pois, na época, o Nordeste concentrava o maior número de grupos de Ajup. Essa entidade era responsável pela organização do Encontro Nacional de Assistência Jurídica Gratuita, pelo menos até 1992, que ocorria durante o Encontro Nacional de Estudantes de Direito. (RIBAS, 2008, p. 14)
Para a CONAJU, a definição de AJP/AJUP era a de “apoio jurídico popular”, ou
seja, “... uma prática de vanguarda ainda praticamente inédita e que significa, entre outros,
um remodelamento das relações estabelecidas entre o profissional do Direito e a clientela
que bate à sua porta diariamente.” (COORDENAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA
UNIVERSITÁRIA, s./d., p. 01)
Luis Otávio Ribas (2008) argumenta que tal posicionamento denotava tímida
aproximação com as fundamentações da educação popular, pluralismo jurídico e
cidadania, ainda que a principal fixação teórica tenha sido a diferenciação tipológica entre
serviços legais tradicionais e inovadores4 – estabelecida por Celso Campilongo (2000) no
início da década de 90 - na qual se estabelecia o paradigma da assessoria como serviço
legal inovador, em dicotomização antagônica com a assistência jurídica popular,
demarcada no campo tradicional.
Nesse sentido, a assessoria jurídica popular “ [...] relaciona-se diretamente
com os serviços legais inovadores [...] viabilizando o ideal ético de justiça não apenas
através dos mecanismos estatais, mas, também, através das práticas informais e
alternativas de juridicidade.” (COORDENAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA.
s./d.,p.04.)
A presença da CONAJU parece ser um tanto ambígua quando se busca
compreender sua importância para formação das atuais AJUP’s. Por um lado, devido o fato
de a Coordenação ser gerida por representantes diretamente ligados ao movimento
estudantil tradicional, havia muitas críticas, por parte de membros do Serviço de
Assistência Judiciária Universitária da Universidade Federal da Bahia (SAJU/UFBA)5 e do
Serviço de Assessoria Judiciária Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (SAJU/UFRGS)6 – únicas AJUP’s ou SAJU’s até então existentes -- que entendiam ser
espaço que acabava reproduzindo os vícios de politicagem do movimento estudantil
tradicional, além de não possuir organicidade e fundamentação teórica consistente. Por
outro lado, não se pode negar que seu modelo e suas ideias influenciaram decisivamente a
reformulação dos mesmos SAJU’s.
Conforme mencionado, entre 1995 e 1996 ocorrem as reestruturações do
SAJU/UFRGS e SAJU/UFBA, que serviram de base para a organicidade que as AJUP’s
apresentam até hoje.
Primeiramente o SAJU/UFBA, em 1995, onde seus membros, após as
experiências obtidas em decorrência dos projetos de extensão, encontros, seminários e
discussões sobre uma nova forma de atuação no Direito,
[...] constroem no SAJU um imaginário da necessidade da superação da assistência jurídica individual. É criado o Núcleo Coletivo ou Núcleo de Assessoria Jurídica do SAJU, que pretendia atender as demandas coletivas,
20
mediante a proposta da assessoria jurídica popular, sob a égide da extensão e pesquisa universitária. (SAMPAIO OLIVEIRA, 2006, p. 117)
O até então Serviço de Assistência Judiciária Universitária é renomeado para
Serviço de Apoio Jurídico Universitário, com perfil de movimento estudantil, devido ser
realizado por estudantes de forma organizada e autônoma, objetivando “ (...)proporcionar
uma formação acadêmica diferenciada, através da promoção da assessoria jurídica
popular aos movimentos sociais e comunidades, utilizando-se do Direito como
instrumento de libertação e emancipa- ção social.” (SAMPAIO OLIVEIRA, 2006, p.118-119)
Quanto ao SAJU/UFRGS, a mudança ocorreu em 1996, a partir da consolidação
do projeto de extensão denominado Acesso à Justiça, sob orientação da professora Luiza
Helena Moll, desde o qual se passou a ter mais clareza sobre a atuação do SAJU/UFRGS no
campo universitário, influenciada pela concepção do “Núcleo de Assessoria Jurídica
Popular” difundida na CONAJU. (LUZ, 2008)
Desse modo, pode-se perceber que a estruturação da CONAJU teve
consideráveis influências sobre as mudanças organizacionais e ideológicas ocorridas com
os SAJU’s existentes da época.
Trata-se, portanto, de dados que podem indicar aproximação dialógica entre
as distintas instancias do movimento estudantil que, por trás do discurso que ressaltava
mais as contrariedades e diferenciações, tinha possibilitado o enriquecimento de ambos e
a construção, no plano das AJUP’s, de organicidade com fortes sustentabilidades teóricas –
sobretudo nos marcos que embasaram a formação da CONAJU – e a disponibilização dos
espaços do movimento estudantil tradicional para a difusão dos seus ideais aos demais
estudantes de Direito do país, conjuntamente com a construção dos primórdios da
identidade renajuana.
Depois da reestruturação dos SAJU’s e a criação/extinção da CONAJU, outro
evento foi relevante para a constituição, em 1998, da Rede. Constitui-se no surgimento, em
março de 1996, da Rede Nacional dos Advogados Autônomos Populares (RENAAP),9
instituindo novo marco de organização dos advogados populares no Brasil através da
estruturação de espaço que fomentava a criatividade, interação e autonomia,
incrementada pela comunicação informatizada, minimização da burocracia e descarte de
laços institucionais ou formas hierárquicas de trabalho.
Conforme observa Wladimir Luz, “[...] tal tendência organizacional criou fortes
bases no campo da assessoria universitária, o que pode ser percebido na configuração
atual da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU).” (2008, p. 227)
Por fim, ainda explanando sobre a pré-história da RENAJU, outras referências
necessá- rias do período foram os Encontros Nacionais de Assessoria Jurídica
Universitária (ENAJU) que passaram a ocorrer ao longo da década de 90, dentro da
programação dos ENED’s. Ainda hoje, este é o principal espaço de divulgação e
multiplicação das práticas de AJUP, sendo o momento em que estudantes e grupos
estudantis tomam conhecimento da Rede, das entidades existentes e de seus fundamentos
teórico-metodológicos, passando a fomentar as práticas de AJUP em suas regiões e
universidades, abrindo novos campos de ação que são, posteriormente, amadurecidos nas
21
experiências colhidas no Encontro da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária
(ERENAJU), de aspecto mais formador.
Pois bem, foi justamente em um ENAJU ocorrido durante o ENED São
Leopoldo/ RS, em 1998, que se teve a fundação da RENAJU com a presença dos seguintes
membros fundadores: SAJU/UFBA, SAJU/UFRGS, CAJU/CE e SAJU/SE.
O nome RENAJU foi colocado apenas de forma sugestiva e transitória, até que
se tivesse a indicação de outro nome, fato este que nunca chegou a ocorreu.
Devido a preocupação de não excluir das discussões pessoas que não estavam
compondo nenhuma AJUP, em paralelo a criação da RENAJU (e de sua lista) fundou-se a
lista Operadores Jurídicos, onde as pessoas sem entidades podiam tomar conhecimento
dos fundamentos teóricos e ideológicos da AJUP através das discussões que se fariam nela
e, desse modo, possibilitando o fomento de novas entidades ou, ao menos, de difusão dos
ideais.
1.1 A Construção da Identidade Renajuana: Modelando o Corpo de um
Ideal:
Inicialmente, o crescimento de entidades na Rede perpassou a inclusão do
NAJUC/ UFC, via articulação do CAJU/CE. Posteriormente, tem-se a fundação, em ordem
cronológica, das seguintes AJUP’s: Centro de Assessoria Jurídica Popular de Teresina da
Universidade Federal do Piauí (CAJUINA/UFPI), fundado em 1999; e, Núcleo de Assessoria
Jurídica Universitária Popular “Negro Cosme” da Universidade Federal do Maranhão
(NAJUP Negro Cosme), fundado em 2000.
De certa forma, a lista dos Operadores Jurídicos teve mais sucesso que a da
RENAJU, sendo que as próprias AJUP’s fundadoras ou que se formavam não se
identificavam como RENAJU nos espaços de atuação.
Tal fato perdurou até o ENED Brasília/DF em 2000, quando houve deliberação
coletiva para que o CAJU/CE e o NAJUC/CE construíssem proposta de documento que
estabelecesse os princípios, finalidades e critérios para a entrada, permanência e exclusão
na Rede.
No Encontro da Rede ocorrido na cidade de Aracajú/SE, em outubro do
mesmo ano, 13 as duas entidades apresentaram minuta denominada Estatuto da RENAJU,
cujo nome não obteve consenso da Assembleia Geral da RENAJU, pois o termo Estatuto
desconfiguraria a Rede, que se tornaria uma Entidade. (RENAJU, 2006b).
Assim, houve deliberação por unanimidade de que o documento fosse
renomeado para Carta-Compromisso da RENAJU, composta por cinco artigos e que
representou o primeiro movimento pós-fundação de vinculação e fortalecimento das
AJUP’s presentes (as sete até aqui descritas) na identidade renajuana.
22
1.2. Da Identidade ao Sujeito Renajuano: O Ativismo Político da Rede:
O ano de 2005 também marca importante reviravolta nas ações da Rede que
repercutem até hoje, configurando o nascimento de um terceiro movimento de
fortalecimento da identidade renajuana, o qual se passa a denominar de processo de
construção do sujeito coletivo RENAJU.
No segundo semestre de 2005, a RENAJU – e não mais uma ou algumas
entidades – foi convidada a participar do Seminário Nacional Práticas Jurídicas
Emancipatórias e o Ensino de Direito (Seminário EMANCIPAR), organizado numa parceira
entre os Ministérios da Educação (MEC) e da Justiça (MJ), realizado em Brasília/DF, em
novembro de 2005. O objetivo do Seminário era debater os desafios contemporâneos da
assessoria jurídica universitária, bem como elaborar um plano de ação para fortalecer e
potencializar o trabalho dessas assessorias em todo Brasil. (MEC, 2008)
Plano de ação foi outro nome dado a ideia de formular edital de financiamento
das práticas extensionistas de assessoria jurídica universitária. Assim, como
desdobramento dos indicativos elencados no evento e sistematizados em seu relatório
final, MEC e MJ lançaram o Edital RECONHECER em 2006, cujos projetos selecionados
iniciaram atividades ainda em 2006, com conclusão em 2007.
Fato é que, desde a seleção das pessoas que iriam representar a RENAJU no
Seminário até a validação ou não, pela Rede, da proposta de Edital lançada e,
concomitantemente, da possibilidade das entidades pertencentes à Rede concorrerem a
ele, tudo isso foi recortado por novo discurso de que era o momento da RENAJU começar a
se posicionar enquanto Rede nos espaços públicos nacionais e regionais aos quais era
demandada a intervir. (RENAJU, 2005)
Esta argumentação vai repercutir nas ações articuladas no VIII ERENAJU,
realizado na cidade de Fortaleza/CE, em abril de 2006, quando, na Plenária Final, são
aprovadas as seguintes medidas (RENAJU, 2006a): a) Apoio aos movimentos sociais que
lutam contra todas as formas de opressão, devendo ser desenvolvido por meio de atuação
em conjunto e de múltiplas formas, a exemplo de manifestações públicas e cartas abertas;
b) Proposição de construção da Carta de Apoio ao MST e ao Movimento Passe Livre, além
de Carta à UNE sobre extensão universitária; c) Aprovação da realização de campanhas
anuais, com temas a serem definidos dentro de cada ERENAJU, cujo tema 2006/2007 era
Movimentos Sociais e Direito, com o desenvolvimento dos objetivos da campanha (de modo
não obrigatório) por cada entidade componente da Rede, e nos demais eventos em que a
Rede se fizesse presente.
Dentro do mesmo ERENAJU, também houve a integração à Rede das entidades
NAJUP Direito nas Ruas/PE e Estação de Direitos/RN, passando a RENAJU a ser composta
por onze entidades.
Durante o decorrer do ano de 2006, também foi construída e aprovada a Carta
de Repúdio aos Atos de Violência em Fortaleza, assinada em conjunto pelas onze entidades
da Rede, devido ao brutal assassinato de adolescentes por policiais militares, e que
23
reivindicava, no trecho final, apuração célere e transparente desses graves e tristes
acontecimentos, esclarecendo os fatos e responsabilizando todos os envolvidos. (RENAJU,
2007a)
Um pouco devido à ocorrência do fato motivador desta última Carta, acrescido
pelos acalorados debates na sociedade sobre a redução da maioridade penal e
consequente criminalização da juventude, é que no IX ERENAJU, realizado na cidade de
Curitiba/PR, em abril de 2007, foi proposto o tema da Campanha 2007/2008 como sendo
Violência, Infância e Adolescência. (RENAJU, 2007b)
Além disso, outra deliberação que fortaleceu a posição/atuação da Rede
enquanto sujeito coletivo consistiu na produção da Carta Contra a Homofobia, Carta de
Apoio a REPED17 e Carta ao Edital Reconhecer, assim como outra Carta endereçada a
Faculdade Mater Christii/RN para defender a manutenção da entidade Estação de
Direitos/RN em contraposição aos intentos da Faculdade pelo seu fechamento.
Também se deve mencionar que neste evento houve a deliberação para
integração à Rede de número recorde de AJUP’s. No total, dez AJUP’s ingressaram na Rede,
sendo elas: NAJUP Aldeia Kayapó/PA, NAJUP Isa Cunha/PA, PAJE/CE, NAJUP/PUC/RS,
SAJU/USP, NIJUC/RS, NAJUP/UCS/RS, CAJU/PASSO FUNDO/RS e NAJUP/GO.18 Passando a
Rede a se constituir de 21 entidades.
Durante o período posterior ao IX ERENAJU a RENAJU também assinou, junto
com outras entidades nacionais e regionais, a Carta endereçada (em setembro de 2007) a
Câmara de Vereadores de Curitiba/PR, referente às consequências das alterações no
sistema de transporte coletivo previstas com a promulgação da nova lei do transporte
público em trâmite naquela casa.
Outro fato importante, ocorrido ainda em 2007, foi a presença da RENAJU no
Seminá- rio 180 anos do ensino do direito no Brasil e a democratização do acesso à justiça,
realizado em novembro, organizado pelo Ministério da Justiça (MJ) e Associação Brasileira
de Ensino do Direito (ABEDI). Novamente, igual ao que houve no Seminário EMANCIPAR,
em 2005, a Rede foi convidada a comparecer para intervir no espaço que viria a se tornar
o bojo central das deliberações que serviriam para a produção do segundo edital
RECONHECER, lançado em 2008.
Neste evento, as intervenções da Rede se mostraram, acima de tudo,
fragmentadas ou plurais. Os pontos de unidade eram mínimos, impedindo os membros
que a representavam de posicionarem suas falas públicas enquanto discursos de consenso
da Rede. Ao contrário, a diversidade de opiniões quanto à política de editais, reforma
universitária e ensino jurídico, entre outras coisas, demonstrou algo que se vinha
percebendo desde a primeira interven- ção do sujeito coletivo RENAJU, ainda em 2005: a
de que a demanda por seguidas escolhas políticas pela Rede foram marcadas por
pluralidade/diversidade de ideias que poucas vezes (talvez nunca) tinham conseguido
estabelecer consenso, o que acabava levando, muitas vezes, a choques, conflitos e crises
internas – quando as estratégias políticas e a disputa de poder passavam a não mais
respeitar os valores democráticos que tanto prega a Rede.
24
Talvez esta situação tenha ganhado seus contornos decisivos durante a
realização do X ERENAJU, na cidade de São Luís/MA, em março de 2008.
Antes de adentrar nesta questão, cabe mencionar alguns encaminhamentos
importantes tomados na Plenária Final do Encontro e que têm relação direta com o
fomento do sujeito coletivo RENAJU: a) Aprovação da Campanha anual 2008/2009 com o
tema Universidade Popular; b) Construção da Carta de apoio ao MST – depois
confeccionada como Moção de Apoio e Solidariedade da Rede Nacional de Assessoria
Jurídica Universitária à Jornada de Luta das Mulheres Camponesas19 – e da Moção de
Repúdio ao REUNI; c) Definição da posição da RENAJU de ser contrária às políticas de
editais geridas pelo governo federal e não participar mais de suas seleções; d) Alteração
do art. 4º da Carta Compromisso, passando a constar formalmente a necessidade das
entidades pertencentes à Rede de respeitarem os encaminhamentos elaborados nos
encontros, com possibilidade de digressão mediante justificação pública (via lista virtual).
Ocorreu, também, a integração de outras duas AJUP’s no rol de membros da
Rede, sendo elas: NEPE/UFSC e NAJUP Produzindo Direitos/UERJ. Totalizando 23
entidades. Além disso, outra entidade, o CORAJE/PI, também foi convidada a ingressar na
RENAJU, mas preferiu adiar tal inserção formal, para analisar melhor as possibilidades e
conveniências de sua relação com a Rede.
A RENAJU completa 10 anos de existência marcada por novos desafios e
posturas que convergem para um reforço de sua presença pública enquanto sujeito
coletivo, é dizer, enquanto Entidade (no mesmo significado rejeitado por seus membros
em 2000). Quais as implicações da nova intervenção para a constituição da identidade
renajuana? É possível manter a politização da Rede respeitando a autonomia de cada
AJUP? E como operacionalizar uma entidade cujo crescimento numérico não tem sido
seguido pela melhoria de sua gestão e diálogo interno?
2 Teoria das redes: aportes para (uma possível) teorização da RENAJU:
Tomando por base a dialética marxista, é necessário compreender o
conhecimento produzido sempre de forma totalizante e a ação humana como processo de
totalização.
Por totalização não se quer dizer algo que esgote a apreensão cognoscente
sobre qualquer objeto, mas antes como “[...] certa visão de conjunto...” (KONDER, 1998, p.
36) ou estrutura onde os elementos (partes) estejam interligados (provisoriamente,
porque de modo dialético) a dimensões mais amplas e abrangentes que escapam a
qualquer síntese – pois a própria síntese é uma totalização parcial do conjunto.
Não objetivando maiores delongas sobre o conceito de totalização marxista,
importanos sua utilização para a justificação da interlocução com a teoria das redes, que é,
em verdade, forma de buscar compreender o contexto histórico de constituição da
RENAJU como algo totalizado, é dizer, interligado em um conjunto mais amplo – reflexo de
conjunturas políticosociais desenvolvidas desde meados da década de 80 e que demarcam,
25
na década de 90, outra forma de potencializar a ação política dos movimentos sociais,
partidos políticos e ONG’s em suas articulações com organizações populares: as redes.
A título de contextualização, cabe mencionar que ao panorama de eficácia
reivindicativa e de fortalecimento estrutural dos movimentos populares e novos
movimentos sociais preconizados ao longo da década de 70 e no início da década de 80,
seguiu-se, no final da década de 80 e na primeira metade da década de 90, período de crise
destes agentes políticos, o que não significou seus desaparecimentos ou enfraquecimentos,
mas sim “[...] uma rearticulação, interna e externa, de [...] (seus papeis) na sociedade.”
(GOHN, 2005, p. 111)
Uma das estratégias de rearticulação do período de crise para revigoramento
das ações coletivas foi inserção de muitas organizações da sociedade civil em amplas redes
de reivindica- ção de direitos e resistência política, adotando posições mais propositivas
dentro dos marcos da institucionalidade existente preconizada pela redemocratização do
país.
Por meio da constituição de redes buscava-se “... a formação de identidades
coletivas em torno de princípios éticos universalizáveis, sem contudo eliminar as
especificidades ou particularidades comunitárias, regionais, setoriais ou de outra
natureza.” (SCHERER-WARREN, 1996, p. 118)
Em texto posterior, Ilse Scherer-Warren (2000) distingue as ações
decorrentes da mobilização entre manifestações simbólicas massivas, como respostas ao
paradoxo (pós)moderno da exclusão-inclusão social (cuja expressão mais forte na
atualidade são os Fóruns Sociais Mundiais) e, por outro lado, as redes de comunidades
virtuais identitárias, baseadas no intercambio solidarístico e na estratégia de aglutinação
de forças.
Quanto ao segundo ponto, no entendimento de Ilse Scherer-Warren (2000), as
redes de comunidades virtuais identitárias possuem as seguintes características:
– referências simbólicas, de orientação ética e política para os sujeitos
individuais e coletivos situarem-se e agirem em seus contextos sociais;
– canais de solidariedade, intensificados em circunstancias conjunturais em
que os sujeitos são chamados a buscar soluções ou a apoiar, estratégica e simbolicamente,
iniciativas face a problemas que afetam o público-alvo do movimento de referência; –
relativa autonomia de ação, isto é, expressão de um conjunto de práticas sociais,
intercâmbios e cooperações com sujeitos e associações congêneres ou receptivas a
mobilizações em decorrência de uma afinidade ética e política;
– relativa autonomia de ação, isto é, expressão de um conjunto de práticas
sociais, intercâmbios e cooperações com sujeitos e associações congêneres ou receptivas a
mobilizações em decorrência de uma afinidade ética e política;
– referência de reconhecimento de uma condição de sujeito e de um lugar de
pertencimento eticamente qualificado na sociedade contemporânea, em contraposição a
condições sistêmicas de opressão, exclusão ou aniquilamento dos sujeitos.
26
Estas características denotam a compreensão das redes virtuais como espaços
de articulação de atores e movimentos sociais e culturais a partir do objetivo central de se
constituírem numa força de pressão e participação institucional mais ampla (e totalizante,
no sentido marxista), “[...] parte de um tecido social movimentista que envolve
movimentos [sociais] propriamente ditos, ONG’s e até certos espaços de representação
institucional.” (GOHN, 2006, p. 319)
As marcas da teoria das redes na constituição e condução da RENAJU nunca
foram estabelecidas e teorizadas, apesar de esta ser uma rede virtual – portanto, rede de
comunidades virtuais identitárias – que congrega diversidade de entidades distribuídas
pelo Brasil. As estratégias iniciais para a fundação da RENAJU acabam explicando somente
de modo superficial os motivos para o uso do termo rede – como visto no tópico anterior,
nas influenciais advindas da RENAAP.
Com isso, compreender a RENAJU, de forma teórica e estruturalmente,
enquanto rede possibilita sua inserção analítica no aporte da teoria das redes.
Neste sentido, uma primeira decorrência da aproximação é a constatação de
que o sujeito coletivo renajuano se constituiu tardiamente (somente em meados de 2005),
haja vista que sua existência é pré-requisito de identificação das redes, o que por muito
tempo não foi reivindicado pelos atores políticos da RENAJU, sendo muitas vezes
combatido – como no exemplo da discussão sobre a denominação de Estatuto da RENAJU.
Por segundo, tem-se que o sucesso fático do crescimento de entidades que
integram a Rede, a multiplicação do leque de atuações e de inserção da RENAJU nos
espaços públicos, apresentados desde meados de 2005, não deixam de transparecer aos
olhos mais atentos como requisitos para o desenvolvimento do sujeito coletivo RENAJU.
Em terceiro, a “tendência” de reconhecimento da condição de sujeito está
provocando não só crescente tensão dialética com as três outras características
“inerentes” da Rede, mas, em verdade, a subordinação destas – referenciais simbólico,
canais solidários e relativa autonomia de ação – para com a função de sujeito coletivo da
Rede. Fenômeno este representado, no plano do simbólico, pelas recentes exigências de
constituição de identidade política para a Rede; no plano solidário, no direcionamento aos
movimentos sociais como público-alvo privilegiado para atuação com as AJUP’s;20 e, por
fim, no plano da autonomia, na modificação do artigo 4º da Carta-Compromisso da
RENAJU, permitindo maior vinculação (e subordinação) de cada entidade-membro aos
direcionamentos tomados nas assembleias da Rede.
O sujeito coletivo RENAJU cresce na medida em que a Rede passa a adentrar
em práticas e espaços de lutas pela cidadania e direitos humanos que transcendem as suas
reivindicações pontuais ou tradicionais.
Esta transcendência só é possível devido à mediação daquilo que Ilse Scherer-
Warren (1996) denomina de compartilhamento entre os atores da Rede de princípios
éticos mínimos comuns, definidos na RENAJU dentro de sua Carta-Compromisso,
principalmente nos seis incisos que compõe seu artigo primeiro. Tal compartilhamento
27
torna-se pressuposto para se pensar toda ação coletiva que pretenda ter a unidade política
da Rede.
Entretanto, somente vínculos éticos não parecem oferecer garantias de
democracia na gestão do sujeito RENAJU na constituição de suas unidades ou ideias
hegemônicas, principalmente com relação as suas definições identitárias. Com efeito, são
as ideologias21 trazidas por cada AJUP, advindas de seus desenvolvimentos teórico-
metodológicos e das ações e vincula- ções históricas, o outro pólo do contato dialógico-
dialético existente na e pela Rede, e que se tornou evidente no X ERENAJU, para o bem ou
para o mal.
A relação entre valores e ideologias na RENAJU remete a discussão mais
ampla, a da politização das AJUP’s. É a politização, por derradeiro, o marco para se discutir
o sujeito coletivo RENAJU e suas implicações na construção da identidade renajuana.
3 Sujeito Coletivo RENAJU e Politização das AJUP’s:
Defender a politização das AJUP’s é trabalhar a percepção de sua não
neutralidade política. Para além da remição ao fato de autonomia política não significar
isolamento ou abstinência, a politização é mais bem representada pela ênfase no
compromisso com a luta social em parceria com os oprimidos e escolha do conteúdo
político que fundamenta o serviço jurídico, marcas que demarcam, por assim dizer, o
recorte popular das AJUP’s – numa frase: a politização é a exigência de consciência de
classe.
No plano da Rede, o debate da politização – portanto, não politização de cada
entidade, mas sim da Rede, como coletivo – invoca a necessidade de se construir projeto
coletivo de mudança social, ou seja, proposta política da concepção de sociedade da
RENAJU – introduzido no bojo da necessidade de se definir sua identidade.
Ora, compreendendo-se por identidade a somatória de práticas concebidas a
partir de um referencial, (GOHN, 2006) definida, antes de tudo, pelos projetos (enquanto
Rede, primeiramente, e no conjunto das práticas de cada AJUP, secundariamente) na qual
ela se engaja, a menção a procura pela identidade da RENAJU deve ser condizente com o
fato de sua somatória se constituir não somente tendo em vista a existência da Carta-
Compromisso – que elenca série de princípios e valores formalmente acatados por cada
entidade – mas, e fundamentalmente, pelas ações decorrentes do ativismo político da
Rede, ou seja, as cartas, moções, campanhas e propostas defendidas nos espaços públicos
aos quais ela é convidada a se manifestar enquanto Rede.
Todos estes referencias contém conteúdos textuais que permitem encontrar
elementos da identidade renajuana, não só tendo em vista os parceiros/direitos
defendidos ou atos repudiados, mas, em especial, pela forma como argumentam suas
defesas, é dizer, as ideologias e valores que transmite aos endereçados do ativismo
político, o que invoca retorno interno destes valores e ideologias, ao serem apresentados e
representados no sujeito coletivo como pertencentes ao conjunto de AJUP’s que dela
fazem parte.
28
Depreende-se daí a percepção de que este sujeito coletivo RENAJU é
consequência e causa da instauração de novas praticas políticas, abrindo espaços sociais
de interlocução até então inéditos, além de revelar a capacidade e potencialidade de
atuação coletiva em prol da defesa valores democráticos e dos direitos humanos.
Mas será mesmo isso? Ou melhor, essa (nova) atuação da RENAJU tem surtido
efeitos? Tanto externa quanto, e principalmente, internamente? Afinal de contas: qual o
impacto que todas essas cartas e moções têm para o público-alvo direcionado? Em que
elas ajudam a pressionar o poder público ou privado, ou, ao menos, em que elas ajudam a
difundir os fatos e os atores nelas imbricados, conjuntamente com a divulgação da posição
da Rede? Qual a repercussão que as campanhas têm em cada AJUP? Há, de fato,
mobilização em prol de melhor compreender o conteúdo das campanhas e promover
ações para consolidação regional? E, por fim, pode-se falar em unidade política da Rede
para tratar temas sociais relevantes?
Os últimos acontecimentos da Rede, particularmente as impressões retiradas
do X ERENAJU, demonstram a extrema urgência em debater tais perguntas e
problematizar as consequências da gestão deste sujeito, em paralelo à própria
consideração de sua eficácia no retorno à discussão sobre identidade renajuana.
A condição de descentralização administrativa que marca a gestão
democrática da Rede, cujos operadores são as diversas entidades em paridade política,
vem sendo posto a prova pela necessidade cada vez maior de se estabelecer unidade
ideológica sobre pontos que se mostram não consensuais entre as AJUP’s, como: reforma
universitária, política de editais e educação jurídica.
É aqui, talvez, que fique mais nítida a separação entre valores e ideologias.
Valores, entendidos como “ [...] centros significativos que expressam uma preferibilidade
(abstrata e geral) por certos conteúdos [...] integrados num sentido consistente [...] ”,
(FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 112) formulações cujo objetivo é de integração, representativas
do consenso social. E, ideologias, conjuntos mais ou menos consistentes, últimos e globais
de avaliações dos pró- prios valores. (FERRAZ JÚNIOR, 2003)
Ao contrário do que possa parecer, são as ideologias que movimentam,
contextualizam, limitam e hierarquizam os valores, enfim, que condicionam os valores.
Mas que também, e esse é o ponto-central, buscam a hegemonia de umas sobre as outras,
(FERRAZ JÚNIOR, 2003) opondose (ainda que dialogicamente) entre si, funcionando como
mecanismos estabilizadores (dos valores) e de denuncias (de outras ideologias), ao
mesmo tempo.
A leitura dos relatórios de avaliação das AJUP’s sobre o X ERENAJU, enviados
para a lista virtual, possibilita a compreensão de que as avaliações positivas ou negativas
do Encontro estão encharcadas pelas ideologias condizentes a cada entidade, resultando
numa diversidade de modos de alinhar os valores éticos mínimos da Rede e de projetar
seu futuro.
Reforça, assim, constatação de que a gestão do sujeito coletivo RENAJU e a
reflexão sobre a identidade renajuana devem ser pressupostas pelo reconhecimento de
que é a pluralidade de concepções ideológicas que fundamenta e fundam os valores (éticos
29
mínimos) da Rede, não podendo haver engajamento político que subestime a interlocução
necessária da busca das hegemonias ideológicas, o que requer maneira
(metodologicamente falando) de realizar tais ações sem enveredar por campos e posturas
de cultura política mais presente no movimento estudantil tradicional, é dizer, de modo a
não cair nas vias falaciosas da politicagem.
Essa é condição de democratização da Rede para os próximos períodos, no
sentido de saber manejar as hegemonias e as formas de se chegar a elas para a
demarcação dos novos passos identitários do sujeito coletivo, de modo a não desrespeitar
(e, assim, oprimir) as minorias que nele possam se estabelecer.
Para tanto, dois aportes serão de extrema utilidade estratégica: o primeiro, a
educação popular freireana, renovando os aportes da politização dialógico-dialética e das
condições metodológicas para discussões e decisões coletivas; o segundo, o tesão, no
sentido de reaprender a lidar com as emoções solidárias e militantes, compreendendo por
tesão, conforme o Estatuto do Tesão criado por membros da Rede em 2003, a paixão, o
entusiasmo, a alegria, a motivação e a juventude necessárias à construção de um mundo
livre e igualitário, onde a felicidade e a beleza sejam experienciais cotidianas, (RENAJU,
2003) reacendendo a postura do querer bem aos sujeitos com os quais se compartilham os
ideais de AJUP, sem o qual, conforme observa Ademar Bogo, “ [...] não é possível construir
a unidade política entre as pessoas e com as forças revolucionárias.” (2006, p.14)
4 Uma Conclusão para Tantas Aberturas:
Em derradeiro, algumas considerações finais a se fazer sobre os principais
conteúdos arguidos.
Primeiro, a história da RENAJU estabelecida neste artigo não pretendeu
esgotar os sentidos que ela teve (e tem) para os construtores máximos dela, as AJUP’s e
seus respectivos membros. Tratou-se, antes de tudo, de esforço de sistematização que
ganha justamente pela parcialidade que assume. Outros fatos e, mesmo, retificações a
pontos aqui apresentados, podem e devem ser feitos, para o bem da própria Rede.
Segundo, a teoria das redes é um aporte teórico privilegiado para a
compreensão da RENAJU, histórico e conjunturalmente. Seu uso, no entanto, se mostra
limitado quando não confrontado ou enriquecido com outros aportes, como a das
tipologias de AJP e da crítica a educação universitária (extensão, pesquisa e ensino).
Devido às delimitações de artigo, estas articulações são provocações para futuras
pesquisas.
Terceiro, a identidade renajuana e a consequente exposição sobre o sujeito
coletivo RENAJU são responsabilidades políticas que põe a prova a capacidade da Rede de
honrar internamente com aquilo que propaga em parceria com seus públicos-alvos de
atuação. A luta pelas hegemonias internas pressupõe qualquer luta pelas hegemonias
externas. Na verdade, é componente ético e estratégico imprescindível às entidades que se
afirmam militante.
30
ANÁLISE DE CONJUNTURA
Analise de
conjuntura
31
Por Giovanni Alves.
O neodesenvolvimentismo é considerado por nós como sendo um novo modo de
desenvolvimento capitalista no Brasil apoiado numa frente política composta, por um lado,
pela grande burguesia interna constituída pelos grandes grupos industriais tais como as
empreiteiras OAS, Odebrecht, Camargo Correia, etc, e os grupos industriais da Friboi,
Brazil Foods, Vale, Gerdau, Votorantim, etc e o agronegócio exportador – todos
beneficiados pelo aumento das exportações focado numa agressiva politica de
financiamento através do BNDES, voltados para promover as empresas e os investimentos
brasileiros no exterior; por outro lado, pelas camadas organizadas do proletariado
brasileiro (velha classe operária) e setores populares – incluindo o subproletariado pobre,
beneficiados pelo crescimento da economia, redução do desemprego aberto e
formalização do mercado de trabalho, oferta de crédito para dinamizar o mercado interno;
aumento do gasto público e políticas de transferência de renda via programas sociais
(Bolsa-família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, etc).
A burguesia interna não é burguesia nacional mas sim a grande burguesia brasileira –
grandes grupos industriais, que não rompendo com o capital financeiro interacional,
manteriam interesses, não apenas no crescimento do mercado interno, mas na política de
financiamento da exportação com recursos do BNDES visando inseri-los na concorrência
no plano internacional e tráfico de influencia e acesso a recursos do Estado político-
oligárquico herdado pelos governos neodesenvolvimentistas.
Diferentemente do velho nacional-desenvolvimento lastreado na burguesia nacional, o
neodesenvolvimentismo baseado nos interesses da burguesia interna se resignou à
mundialização do capital renunciando, deste modo, ao projeto de desenvolvimento
nacional-popular (o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo capitalista na era do
globalismo sob a dominância do capital financeiro). Entretanto, setores populares da
frente do neodesenvolvimentismo apoiam projeto nacional-popular de desenvolvimento
digladiando-se com os interesses da burguesia interna no interior da frente política (por
exemplo, os governos neodesenvolvimentistas, ao mesmo tempo que contemplam o
agronegócio exportador, incrementam uma política de crédito para o pequeno produtor e
assentamentos dos sem-terra; ao mesmo tempo que propicia ganhos aos sindicalismo
como o aumento do emprego no setor público e privado, oficialização das centrais
sindicais, melhoria salarial do funcionalismo público, recuperação do salário-mínimo,
aumento da formalização no mercado de trabalho, o governo neodesenvolvimentista
preserva os interesses estratégicos de acumulação e exploração da burguesia interna
recusando-se a promover uma recuperação dos direitos trabalhistas e sociais corroídos na
década neoliberal. Pelo contrário, mantem-se indiferente à ofensiva patronal que ocorre
no Congresso Nacional e STF pela disseminação da nova precariedade salarial no Pais.
Ao promover ascensão política da grande burguesia interna em aliança com setores
populares – e sem romper com o bloco de poder hegemonizado pelo capital financeiro
internacional – Lula criou o que poderíamos considerar um ornitorrinco político – a frente
32
política do neodesenvolvimentismo – sendo tal arquitetura política o próprio espírito do
“lulismo”.
Fazendo um balanço dos últimos dez anos de governos Lula e Dilma, percebemos que
ocorreu no país um “choque de capitalismo” que, impulsionado pela oferta de crédito e
renúncias fiscais em prol dos monopólios, contribuiu, deste modo, para a expansão dos
negócios, especulação imobiliária e acumulação do capital, e por conseguinte, a
preservação (e ampliação) de formas arcaicas e modernas de degradação do trabalho no
Brasil (o neodesenvolvimentismo – como não poderia deixar de ser – traz em seu código
genético, traços da “modernização conservadora” que caracteriza as entificações
capitalistas hipertardias e dependentes).
A expansão capitalista na era do neodesenvolvimentismo ocorreu no interior da
macroestrutura do capitalismo neoliberal hegemônico no plano do mercado mundial – o
que explicita os limites do neodesenvolvimentismo. Neodesenvolvimentismo não significa
pós-neoliberalismo. Na verdade, neodesenvolvimentismo expõem densas contradições
orgânicas no interior da sua frente política, expostas acima, quanto na relação do governo
neodesenvolvimentista com o Estado neoliberal (sociedade política e sociedade civil)
herdado da ditadura civil-militar e “modernizado” pelos governos neoliberais (1990-
2002). A preservação do Estado político-oligárquico adequado ao capitalismo neoliberal
contribuiu para que se mantivesse (e ampliasse) a corrupção da coisa pública com tráfico
de influencias e propinas nos negócios operados pelas empresas públicas e grupos
industriais da burguesia interna. (vida Operação Lava Jato, etc).
Na medida em que o neodesenvolvimentismo promoveu um “choque de capitalismo” no
Brasil, implementou-se o toyotismo sistêmico no plano da produção do capital. É o que
temos salientado nos últimos anos: a disseminação do espirito do toyotismo nas práticas
de gestão da indústria, serviços e inclusive administração público, a exacerbação do
fetichismo da mercadoria e as múltiplas alienações que permeiam a vida cotidiana, a crise
de sentido e os carecimentos radicais que inquietam camadas médias (e populares) e a
adoção do modo de vida just-in-time contribuíram efetivamente para a inquietação social
que caracteriza as metrópoles brasileiras e a agudização da crise do trabalho vivo.
Com o “choque de capitalismo” da era do neodesenvolvimentismo, o capital impulsionou o
processo de desmonte da pessoa humana nos seus elementos compositivos (subjetividade,
alteridade e individualidade). Na era do neodesenvolvimentismo surgiram novas formas
de precarização laboral que se articulam com a nova precariedade salarial caracterizada
pelas práticas de flexibilização de jornada, remuneração e contratação do trabalho. Nos
dez anos de neodesenvolvimentismo, apesar dos indicadores positivos da macroeconomia
do trabalho expostos acima, cresceram a rotatividade do trabalho e a prática da
terceirização laboral, expondo a formação de um novo e precário mundo do trabalho. A
precarização do homem-que-trabalha ou a degradação da pessoa humana se manifesta no
crescimento exponencial dos adoecimentos laborais.
O neodesenvolvimentismo nos governos Lula e Dilma tinha como estratégia política, o
lulismo que implementou um “reformismo fraco”, evitando o enfrentamento direto não
apenas com o grande capital financeiro internacional que hegemoniza o bloco de poder do
33
capital no Brasil, mas também evitando o enfrentamento com a grande burguesia interna
que compunha a frente política do neodesenvolvimentismo. O mote do lulismo era o lema
“Lula, Paz e Amor” e o lema do governo era “Um Brasil para Todos”. Na verdade, a grande
argúcia política do lulismo foi construir uma estratégia política que deslocasse
politicamente frações do bloco de poder do capital – a burguesia interna – para seu projeto
de governo com apoio de frações da classe trabalhadora organizada e o subproletariado
pobre. O lulismo e a arquitetura da frente política do neodesenvolvimentismo tornaram-se
o espírito da governabilidade do projeto político de governo conduzido por um Executivo
do PT num país capitalista onde a correlação de forças a favor da classe trabalhadora após
o dilúvio neoliberal era bastante desfavorável no plano político-institucional.
Entretanto é preciso salientar que o neodesenvolvimentismo da década de 2000 – os
governos Lula – beneficiou-se da conjuntura favorável da economia mundial baseada, por
exemplo, na bolha financeira e valorização das commodities. Na medida em que a
economia brasileira crescia, reduzia-se o conflito redistributivo entre as classes que
compunham a própria frente do neodesenvolvimentismo e inclusive, os conflitos
redistributivos no interior das classes dominantes que compunham o bloco do poder do
capital. Ao mesmo tempo o realinhamento eleitoral do PT que incorporou a base política
do subproletariado pobre, deu-lhe impulso político, não apenas para Lula reeleger-se mas
depois, eleger a sucessora Dilma Rousseff. Os indicadores positivos da macroeconomia do
trabalho na era Lula compuseram os anos dourados do neodesenvolvimentismo em
contraste, por exemplo, com os anos de chumbo do neoliberalismo da década de 1990. A
última grande performance do neodesenvolvimentismo foi a política macroeconômica
adotada como resposta à crise de 2008, alternativa às políticas de austeridade fiscal e
monetária exigidas pela direita neoliberal e adotadas na União Européia.
Entretanto, a conjuntura da economia mundial se inverteu na década de 2010. A bolha
financeira estourou em 2008 e o preço das commodities despencam no mercado mundial.
Esse é o ponto significativo de inflexão da conjuntura que demarcará os limites do
neodesenvolvimentismo nos governos Dilma. A crise financeira de 2008 alterou a
dinâmica da conjuntura da economia mundial e prolongou-se, com diferentes modulações,
na década seguinte, arrastando-se num longo depresso nas economias centrais (tal como a
crise de 1929). No núcleo orgânico do sistema mundial do capital, emergiu em 2010, com
vigor, a crise da União Européia impulsionada depois pelas medidas de austeridades
neoliberais propostas pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Européia),
atingindo principalmente, os países do sul da Europa, aumentando o desemprego e a
pobreza social, desmontando os rudimentos de Welfare State construídos na era dourada
do capitalismo central. A juventude altamente escolarizada que trabalha – o precariado – é
a parte mais penalizada das políticas neoliberais de austeridade adotadas pelo capital
financeiro nos países do sul da Europa. As perspectivas de recuperação da economia
européia em 2013 frustraram-se e percebeu-se depois em 2014, sinas de desaceleração – e
inclusive recessão – no carro-chefe da economia européia: a Alemanha. Ao mesmo tempo,
apesar de ter saído da recessão., a economia norte-americana cresce a taxas medíocres e a
economia japonesa não consegue sair da estagnação econômica de longa data. Mas um
acontecimento significativo da primeira metade da década de 2010 não é apenas a
persistência da crise européia e o crescimento medíocre da economia dos EUA e
34
estagnação no Japão, mas a desaceleração da economia da China com impactos nos ditos
países emergentes.
As perspectivas da segunda metade da década de 2010 não são promissoras – pelo
contrário, não existem perspectivas de retomada da crise do capitalismo global, colocando
dificuldades candentes para o segundo governo Dilma que herdou os limites do
neodesenvolvimentismo. Internamente o bloco de poder do capital no Brasil se rearticula
na década de 2010 visando não apenas desgastar e implodir a frente política do
neodesenvolvimentismo, mas – no interior da própria frente política do
neodesenvolvimentismo – a grande burguesia interna busca isolar e derrotar os setores
populares no interior da frente política.
Por um lado, o capital financeiro, fração hegemônica do bloco de poder, que faz oposição
sistemática à frente política do neodesenvolvimentista desde 2002, encontrou aliados em
setores insatisfeitos da grande burguesia interna, que, num cenário de crise internacional,
pressionam o governo Dilma para adotar medidas de redução do “custo Brasil”, isto é,
desmonte dos direitos trabalhistas (o movimento parlamentar do PSB e do próprio PMDB
indicam sinais de corrosão da frente neodesenvolvimentista).
O mal-estar do neodesenvolvimentismo ocorreu, num primeiro momento, em 2012 e 2013
– quando o governo Dilma confrontou diretamente o capital financeiro reduzindo as taxas
de juros e utilizando bancos públicos para política de crédito. Naquele momento, a fração
do capital financeiro hegemônica na grande mídia e frações insatisfeitas da grande
burguesia interna que não conseguiram apoio do governo para implementar a Reforma
Trabalhista visando reduzir direitos dos trabalhadores, sitiam o governo Dilma que
encontra a partir de 2013, ano pré-eleitoral, um cenário de desgaste midiático por conta
da queda do crescimento da economia devido a contenção de investimentos privados –
parte do empresariado nacional num cenário de crise mundial recusou-se a investir;
pressões inflacionárias, com novos conflitos distributivos entre as classes e camadas de
classes; e pressões sociais por parte de camadas médias, órfãs do neodesenvolvimentismo.
As jornadas das ruas de 2013, movimento massivo impulsionado, por um lado, pelos
limites do neodesenvolvimentismo, e por outro, enquadrado pela mídia neoliberal
hegemônica, compõem o cenário primordial de mal-estar do neodesenvolvimentismo. As
demandas sociais postas pelos protestos de rua não poderiam ser satisfeitos por um
governo neodesenvolvimentista constrangido pelas contradições orgânicas da frente
política e constrangido pela contradição crucial entre governo neodesenvolvimentista e
Estado neoliberal. A estratégia política do lulismo construída num cenário
macroeconômico favorável para redistribuição de renda sem confrontar o grande capital
(década de 2000), torna-se inócuo num cenário de persistente crise econômica mundial e
candentes conflitos distributivos entre classes e no interior das classes .Deste modo, as
políticas do neodesenvolvismo encontram na metade da década de 2010 um cenário
adverso tanto internamente quanto externamente – embora as duas situações se inter-
relacionem.
Por um lado, o aprofundamento da crise do capitalismo global com a desaceleração da
China, acompanhada pela desaceleração da economia alemã. No centro capitalista,
35
pressões deflacionárias se contrastam com pressões inflacionárias no Brasil que obrigam o
governo a aumentar os juros para contê-las num cenário de desaceleração da economia.
Apesar do baixo crescimento, o governo Dilma mantém o gasto público com programas
sociais, incomodando os setores da ortodoxia neoliberal não apenas ligados ao capital
financeiro mas a grande burguesia interna que exige o ajuste fiscal. A dificuldade de fechar
as contas do governo em 2014 expõem as dificuldades de manter as políticas do
neodesenvolvimentismo que beneficiaram as camadas populares e ameaçam romper a
frente política entre grande burguesia interna e camadas populares.
A corrosão da frente política do neodesenvolvimento em 2014 se explicita tanto no plano
do processo sucessório – as últimas eleições para Presidência da República – quanto na
própria governabilidade. No plano social, os limites do neodesenvolvimentismo se
explicitam pelo menos desde 2013 com a pressão das ruas por reformas sociais. O
governo, refém de suas contradições, constrangido pelo Estado neoliberal – e sendo ele
próprio artífice do ornitorrinco político (a frente politica do neodesenvolvimentismo),
proclama, como palavra de ordem, a Reforma Política visando desatar o nó gordão da
governabilidade espúria. Na verdade, para que ocorram as reformas sociais necessárias
para a democratização do Brasil torna-se necessária uma nova institucionalidade política
capaz de representar efetivamente a vontade popular. Entretanto, o desejo do governo –
pelo menos de parte dele, ligado ao setores mais avançados do PT – implica confrontar-se
com os pilares da frente neodesenvolvimentista que contém larga representação de
frações das classes dominantes do bloco de poder do capital.
As eleições de 2014 significaram no plano da governabilidade maiores dificuldades para o
governo neodesenvolvimentista. Por um lado, um Congresso mais conservador resiste a
reforma política capaz de representar a vontade popular. Por outro lado, num cenário de
desaceleração e inclusive recessão econômica, o projeto de desenvolvimento com inclusão
social não se sustenta. Crescer a economia tornou-se a única saída para preservar a frente
do neodesenvolvimentismo. Ao mesmo tempo, crescem no interior da própria frente
política hegemonizada pela grande burguesia interna, pressões para o governo Dilma
adotar a agenda neoliberal que coloca como pressuposto da retomada da economia, um
profundo ajuste fiscal que penaliza programas sociais e direitos dos trabalhadores.
A pressão pela agenda ortodoxa não é só da burguesia rentista mas de parcelas da
burguesia interna que num cenário de aprofundamento da crise mundial, prepara uma
ofensiva contra os direito dos trabalhadores no Congresso Nacional e no Supremo
Tribunal Federal, por exemplo, aprovando projetos de lei da terceirização ampla e
irrestrita. A alta corte constitucional no Brasil tornou-se a ferramenta da precarização do
trabalho no Brasil vilipendiando a Justiça do Trabalho.
Portanto, no caso do Brasil, a explicitação dos limites do neodesenvolvimentismo leva a
um profundo mal-estar social e político, colocando dificuldades candentes para o último
governo Dilma, impondo-se, mais do que nunca, a pauta da construção de uma nova frente
política hegemonizada pela esquerda capaz de mobilizar a sociedade brasileira e isolar as
forças conservadoras e reacionárias no plano institucional. No plano da governabilidade,
as imensas dificuldades exigem um salto de qualidade de intervenção política do PT, não
apenas no Congresso Nacional, mas principalmente na sociedade civil, onde se dará
36
efetivamente o embate pela preservação da democracia e conquistas populares da era do
neodesenvolvimentismo e ampliação para além do próprio neodesenvolvimentismo da
satisfação das necessidades sociais. A pauta da Reforma Política com constituinte exclusiva
é o sine qua non para todas as reformas necessárias para democratizar o Estado e a
sociedade brasileira. Inclusive, sem Reforma Política capaz de resgatar a representação da
vontade popular no Congresso Nacional, a democratização dos meios de comunicação de
massa não ocorrerá – como não ocorreu nos últimos dez anos de Lula e Dilma.
Entretanto, num cenário de crise da economia, caso o Brasil não cresça capaz de permitir a
inclusão social e a redistribuição de renda sem confrontar os interesses do grande capital,
a disputa política e a luta de classes podem tornar-se uma tarefa política inglória para
setores populares num país onde não existem organizações de massa e direção política de
esquerda capaz de hegemonizar o processo social. Como ocorreu em junho de 2013, num
cenário de inquietação social e campanha midiática voraz, a direita deve pautar o
movimento visando derrubar o governo antes mesmo do pleito de 2018.
37
POSSIBILIDADES, COTRADIÇÕES E LIMITES DAS PRÁTICAS DA AJUP
Possibilidades,
contradiCOES
E LIMITES DAS
PRATICAS DE
AJUP
38
Ana Lia Almeida1
Apresento aqui uma breve síntese de parte das questões discutidas na tese de
doutorado intitulada Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas da
assessoria jurídica universitária popular, na qual desenvolvi uma pesquisa de campo
que contou com a observação participante e entrevistas com oito grupos de AJUP do
Nordeste entre os anos de 2011 e 2015 (NAJUP Negro Cosme/MA, Cajuína/PI, NAJUC e
CAJU/CE, Motyrum/RN, NEP Flor de Mandacaru/PB, NAJUP Direito nas Ruas/PE e
SAJU/BA).
Dentro do tema mais amplo da “educação jurídica”, a AJUP foi analisada a
partir da categoria de ideologia, de acordo com o seguinte problema de pesquisa: quais são
as possibilidades, as contradições e os limites da AJUP enquanto perspectiva ideológica de
enfrentamento ao modelo dominante de educação jurídica? Sendo assim, o objetivo geral
da pesquisa é o de problematizar o tipo de contraponto que a AJUP realiza dentro do
complexo jurídico. O estalo que nomeia a pesquisa – Um estalo nas faculdades de direito –
é o processo ideológico despertado em alguns estudantes de direito ao descobrir as
perspectivas da assessoria jurídica popular. Nesse estalo, que é um processo, os
estudantes vão mudando a sua forma de compreender o mundo ao tempo em que vão
tomando partido nos antagonismos sociais por meio da práxis da AJUP.
Devo o mote a Chico, um dos estudantes entrevistados na pesquisa de campo a
partir da qual se teceram as reflexões deste trabalho, ao contar-me que o Cajuína havia
provocado um estalo em sua cabeça. Ele, que antes era um leitor assíduo da Revista Veja e
um fiel telespectador do Jornal Nacional da Rede Globo, passou a se posicionar ao lado das
lutas sociais devido àquele estalo. O Cajuína, por ser um grupo de assessoria jurídica
universitária popular, faz parte de uma orientação mais ampla ligada ao campo jurídico (a
Assessoria Jurídica Popular) que busca apoiar os trabalhadores e os demais sujeitos
subalternizados em seus enfrentamentos na sociedade de classes.
Esse apoio, implicado em contradições e limitações, significa uma disputa
ideológica com a perspectiva dominante no direito, embora a AJUP tenha se configurado,
contraditoriamente, num momento de refluxo das forças de contestação da ordem em
geral. A sua conformação remete ao contexto de reorientação das esquerdas dos anos
1980 e 1990, tendo como pano de fundo um novo momento do capitalismo. Em função de
uma grave crise emergida nos anos 1970, as forças ligadas ao capital procederam a
profundos rearranjos no plano das relações materiais de produção, com graves
consequências para a vida dos trabalhadores e suas formas de organização. Nesse
processo, o horizonte dos “direitos humanos” e da “cidadania” colocou-se como uma
1 Este material foi elaborado com o propósito de integrar o Caderno de Textos do ENNAJUP 2015,
em Fortaleza, para onde fui convidada a debater a respeito das possibilidades, contradições e limites das
práticas da Assessoria Jurídica Universitária Popular.
39
espécie de substituto histórico do socialismo/comunismo associado aos convencionais
instrumentos de organização da classe trabalhadora.
As perspectivas ideológicas da AJUP encontram-se, desse modo,
profundamente vinculadas aos rumos das esquerdas e das movimentações dos
trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados na sociedade de classes neste atual
período histórico de crise do capital. A menos que esses sujeitos consigam incidir sobre a
base material das relações de produção, alterando radicalmente a forma de organizar o
trabalho, não pode haver nenhuma mudança significativa na ordem social. É evidente que
tal processo não depende do direito, tampouco da educação, muito menos da assessoria
jurídica popular. Portanto as possibilidades, limites e contradições da AJUP como uma
orientação ideológica de contestação da ordem só podem ser analisadas tendo em vista a
sua posição dentro do complexo da educação jurídica e também dentro das
movimentações mais amplas do conjunto das forças de esquerda.
Um estalo na educação jurídica
O primeiro capítulo, Um estalo na educação jurídica: fundamentos para uma
análise das perspectivas ideológicas da assessoria jurídica universitária popular, objetiva
colocar os fundamentos para a análise das perspectivas ideológicas da assessoria jurídica
universitária popular. Tais fundamentos consistem em certa compreensão a respeito da
ideologia e na caracterização da AJUP como uma perspectiva ideológica ligada ao
complexo jurídico.
A noção de ideologia adotada segue na esteira do pensamento de Marx, Lukács
e Mészáros, tendo este último como marco teórico central para compreender a ideologia
como uma “consciência prática da sociedade de classes”. Isso significa que a compreensão
aqui assumida distancia-se da tematização da ideologia como algo alocado apenas no
plano do pensamento, contrapondo-se, especialmente, à redução da ideologia a uma falsa
consciência da realidade. Embora a maior parte dos estudos sobre o assunto expresse tal
orientação gnosiológica, reivindicando amparo no modo como Marx e Engels
apresentaram o problema em A Ideologia Alemã, a perspectiva ontológica compreende a
questão da ideologia como um problema ligado fundamentalmente à práxis. A unidade
entre pensamento e ação, na perspectiva marxiana, justifica o entendimento de que os
processos ideológicos estão fundamentalmente orientados para o modo como os sujeitos
se movimentam e lutam nos embates reais nos quais se posicionam quanto às questões
centrais da sociedade. Por isso a ideologia consiste numa consciência prática da sociedade
de classes.
A assessoria jurídica popular consiste numa orientação ideológica porque
possibilita, dentro do complexo jurídico, o tomar partido pela classe trabalhadora e pelos
demais sujeitos subalternizados na ordem do capital. No entanto, as movimentações
históricas a partir das quais emergiu a AJP e a AJUP conformaram tal perspectiva como um
campo permeado de contradições e limites nos quais também estão implicadas as demais
forças de esquerda no atual período histórico.
Em síntese, o campo da assessoria jurídica popular se conformou a partir do
enfrentamento às forças da ditadura civil-militar, e se pôde consolidar de modo
40
organizado a partir da retomada democrática no Brasil e na América Latina na passagem
dos anos 70 para os 80. Naquele momento prenhe de possibilidades históricas para a
retomada de um projeto de classe para contrapor-se às forças do capital, estavam postas
as possibilidades de conjugar as movimentações “tradicionais” da classe trabalhadora (nos
partidos e sindicatos) com outras movimentações em torno de demandas colocadas por
sujeitos que emergiram no período da retomada democrática, havendo uma fecunda
interação entre estas forças. No entanto, a contra-ofensiva do capital em resposta a sua
própria crise contribuiu para imprimir nessas forças de contestação da ordem os termos
de um projeto de conciliação de classes.
O neoliberalismo, colocado mais contundentemente no Brasil a partir dos anos
90, investiu esforços em obter o consenso dos trabalhadores para a implementação das
medidas necessárias a uma reestruturação produtiva do capital. Nesse processo, a
racionalidade política que pautava a organização para a luta de classes passou a
relacionar-se cada vez mais ao horizonte da cidadania e dos direitos humanos. É verdade
que estes termos simbolizavam, no contexto dos anos 1980, projetos de sociedade que,
embora diversos, estavam ligados a forças progressistas e atuantes no sentido de
aprofundar a participação popular no novo momento democrático que o país atravessava.
No entanto, alcançados pela ofensiva neoliberal, os direitos humanos e a cidadania
passaram a ser compreendidos com cada vez maior deslize semântico-ideológico, até
serem consideravelmente eivados de combatividade.
Era esse o contexto em que a assessoria jurídica popular se consolidava,
propondo-se a realizar uma contraposição ideológica à orientação dominante no complexo
jurídico. A perspectiva da assessoria jurídica estava implicada numa forte crítica ao modo
de funcionamento considerado “tradicional” do direito, concebido como indesejavelmente
“formalista”, “dogmático”, “elitizado”, “assistencialista” etc. O contexto da retomada
democrática ainda reverberava nas universidades, aproximando os estudantes de direito
da educação popular de Paulo Freire e das formulações das teorias críticas do direito como
as do Direito Alternativo, do Pluralismo Jurídico e do Direito Insurgente. As movimentações
progressistas em torno da extensão universitária nesse período também consistiram num
elemento importante para a configuração desse campo, de modo que a AJUP vai se
conformando, a um só tempo, como uma movimentação estudantil, mas alocada
institucionalmente no âmbito da extensão.
Esta conjuntura histórica apresentava (como ainda apresenta), do ponto de
vista das forças de esquerda, um distanciamento da perspectiva socialista/comunista
enquanto projeto de superação da sociedade de classes. Dessa forma, as categorias
manejadas pela tradição marxista para compreender a realidade – totalidade, classe social,
luta de classes, revolução, ideologia, etc. – passam a ser consideradas “fora de moda”. Em
seu lugar, consolidou-se a crença no direito e no Estado como elementos descolados dos
antagonismos sociais, capazes de atender às demandas colocadas pela classe trabalhadora
e pelos sujeitos subalternizados na sociedade de classes.
Tal aposta das esquerdas no campo da institucionalidade, questionando as
implicações de seus enfrentamentos com a luta de classes e apostando na capacidade do
“Estado de Direito” atender às suas demandas, é também uma marca da assessoria jurídica
popular. Este processo de inflexão das forças de esquerda no mais recente período
41
histórico, no qual a AJP está implicada, simboliza-se no próprio modelo organizativo
escolhido por esses sujeitos. Na RENAJU, conformada no final dos anos 90, a tensão entre o
formato de organização “em rede” e a necessidade de conferir unidade e direção política às
práticas da AJUP é própria dos desafios enfrentados pelas esquerdas atualmente.
Nas últimas décadas, em que se agudizam os antagonismos da sociabilidade
capitalista, as forças ligadas ao trabalho encontram-se fragmentadas e dispersas, sem um
projeto capaz de conferir unidade no enfrentamento ao modo vigente de controle do
metabolismo social. Ainda assim, sempre houve quem se propusesse ao desafio desse
enfrentamento, que se agiganta em nossos tempos de crise sistêmica do capital e não pode
ser levado adiante sem que seja ativado “o poder da ideologia”, como nos ensina István
Mészáros. Diante dessas premissas e dentro desse contexto histórico é que me proponho a
analisar as possibilidades, os limites e as contradições da assessoria jurídica universitária
popular como uma perspectiva ideológica de enfrentamento no interior do complexo
jurídico.
Intrusos
O segundo capítulo, Intrusos: o trânsito da AJUP no terreno jurídico ,
problematiza as movimentações da AJUP no mundo do direito a partir da ideia, lançada
por Manoela (SAJU/BA), de que a AJUP é considerada uma intrusa nas faculdades de
direito:
a postura é assim: “saiam daqui, vocês não pertencem a esse lugar”, entendeu? É muito assim: “saiam! Isso aqui é faculdade de direito, não é lugar pra comunista fazer transformação social, não”. É bizarro porque o SAJU é uma coisa que tem 50 anos, mas a gente sempre parece um intruso nessa faculdade. (Manoela; Entrevista com o SAJU realizada em Salvador no dia 07 de junho de 2013. Meus grifos).
Após caracterizar o modo como a AJUP é considerada uma intrusa na
educação jurídica, apresento a ideia de outra intrusão, o intrometimento de certas análises
marxistas a respeito do complexo jurídico. A orientação dominante a que nossos intrusos
da AJUP se contrapõem com suas perspectivas não constituiria o modo de ser mesmo do
direito? Não seria o direito um mundo inexoravelmente “elitizado”, de todo feito para
paletós e gravatas, onde os trabalhadores, bem como os sujeitos subalternizados em geral,
só podem ingressar dentro de contornos muito limitados? Estas indagações são incômodas
e estranhas, portanto, intrusas, no complexo jurídico porque sugerem seus laços
constitutivos e inescapáveis com a sociedade de classes.
A literatura ligada a uma perspectiva “crítica” do direito vem empreendendo,
desde os anos 80, valiosas caracterizações ideológicas do campo jurídico. Falta-lhes,
contudo, a compreensão de que aquilo que buscam superar, como o dogmatismo acrítico,
o bacharelismo, o gosto pela retórica, o compromisso de classe etc. são aspectos
constitutivos do complexo jurídico. Tais aspectos se expressam despudoradamente, ou
com desfaçatez, por meio das adaptações na ideologia liberal que se configuraram na
periferia do capitalismo, constituindo inescapavelmente o “modelo central” da educação
42
jurídica como algo “elitizado”, “formalista”, afeito à retórica e ao positivismo manualesco
da “dogmática jurídica” etc. São inescapáveis os vínculos do direito com a sociedade de
classes, bem como a implicação da educação jurídica com a reprodução desse tipo de
sociedade.
Pontuei também que tal reprodução tem suas particularidades ligadas ao
modo como o capitalismo se constituiu na América Latina e no Brasil, implicando em
certas adaptações à ideologia liberal importada dos países centrais. Estas adaptações
conformaram um positivismo jurídico periférico, tecendo o complexo jurídico e a
formação de seus especialistas por meio das brutais sutilezas e das sutis brutalidades das
elites brasileiras, evidenciando sem pudores a sua desfaçatez de classe. A ideologia liberal-
positivista periférica, embora apresente matizes diversificadas em seu interior, conforma
uma unidade enquanto consciência prática da sociedade de classes que se manifesta no
direito através do Bloco da Defesa da Ordem. Daí que esta orientação dominante no
complexo jurídico, inadmitindo o mínimo questionamento das suas premissas, boicote a
assessoria jurídica popular difundindo-a como um lugar para “bichas”, “sapatões” e
“comunistas”, associando níveis reciprocamente constitutivos de uma “ameaça” à ordem
na sociedade de classes.
Recorri à ideia de “intrusão” para caracterizar tanto o trânsito da AJUP na
educação jurídica quanto as análises marxistas a respeito do direito. São distintos, no
entanto, os níveis dessa intrusão. A intrusão do marxismo no direito se deve ao fato de
este último ser problematizado como um modo de regulamentar as relações sociais
inexoravelmente ligado às sociedades de classes, a ser extinto caso os trabalhadores e os
demais sujeitos subalternizados consigam superar este tipo de sociabilidade por meio de
um processo revolucionário. A AJUP não é intrusa da mesma maneira, mesmo que
incomode a educação jurídica como uma pedra no sapato. Seus estudantes, em geral, não
compreendem o direito desde um ponto de vista exterior que pretende extingui-lo;
querem substituir o direito opressor da sociedade de classes por outro tipo de direito, em
sintonia com a “transformação social”. A intrusão da AJUP no terreno do direito pretende
assenhorar-se dele, salvando-o de seus males e eternizando a forma jurídica como modo
de regulamentar as relações humanas.
Há uma questão de fundo entre esses dois níveis de intrusão que diz respeito à
concepção de transformação social a que estão associados. Se houver acordo quanto à
necessidade de superar a sociedade de classes, o Estado e a divisão social do trabalho, mas
ainda assim continuar nomeando por “direito” a regulamentação social completamente
diferente que existirá a partir de então, nesse caso, não existe uma grande divergência
entre os adeptos do direito crítico e a perspectiva marxista colocada aqui. Esta
regulamentação estará voltada para solucionar os conflitos que evidentemente
continuarão existindo, embora não mais entre classes antagônicas, e sem o aparato judicial
característico da divisão social do trabalho. Se, no entanto, não há acordo quanto à
necessidade de superar o Estado nem a divisão social do trabalho, tampouco quanto à
necessidade de lutar para resolver o conflito fundamental entre as classes antagônicas
(visto que tal conflito não costuma ser percebido como fundamental e às vezes sequer a
existência da divisão social em classes é reconhecida), então há uma divergência
inconciliável entre essas duas perspectivas. Esta questão de fundo está longe de consistir
num problema meramente teórico. Ela repercute diretamente nas movimentações da
43
assessoria jurídica popular, especialmente na sua disposição para o apoio às lutas mais
radicalizadas dos trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados na sociedade do
capital.
Por conta disso, é necessário problematizar as perspectivas de enfrentamento
à ordem no interior do campo jurídico. Máximas deferências às teorias críticas do direito,
mas as possibilidades de fortalecer tal enfrentamento a partir delas se encontram em
ruínas. Sobre os escombros das teorias críticas do direito, está colocada a tarefa de retomar
o materialismo histórico para analisar o complexo jurídico e sobretudo orientar as
inescapáveis movimentações dentro de seus contornos.
Inúmeros desafios se colocam para essa retomada, como livrar-se da herança
mecanicista, olhando para o real de forma dialética e sem sectarismos. Tais desafios
passam também pela necessidade de agir sobre este real, recusando, portanto, o marxismo
jurídico de paletó e gravata das academias. Implicado nas lutas reais dos trabalhadores e
dos demais sujeitos subalternizados na periferia do capitalismo, a retomada em questão
tem a América Latina e o Brasil como referência, escapando, portanto, ao eurocentrismo de
que o marxismo é acusado, muitas vezes com razão. Este movimento se aproxima das
tentativas de Thiago Arruda e de Diego Diehl, por exemplo, em pensar o significado das
lutas reais latino-americanas em diálogo com o que se entende por direitos humanos.
Implicações semelhantes alargam o campo de análise desta perspectiva para além das
questões restritivamente colocadas dentro da tradição marxista, como se pode ver no
esforço analítico de Roberto Efrem Filho no trato das questões da sexualidade e da
violência.
Uma possibilidade para transitar com o marxismo no direito talvez consista
em retomar a perspectiva da insurgência, já que ela é fundante da assessoria jurídica
popular e pode expressar as movimentações necessárias no terreno jurídico,
compreendendo-o como consciência prática inescapável da sociedade de classes, sem,
contudo, constituir uma nova epistéme jurídica. Para esta possibilidade confluem os
esforços analíticos de Ricardo Pazello, de Luiz Otávio Ribas e de Moisés Alves Soares. Não
se trata de construir as bases para um “novo” tipo de direito, “insurgente”, que
compartilharia, no fundo, das mesmas contradições ligadas ao “direito emancipatório”.
Trata-se da refundação da perspectiva insurgente no direito, reconhecendo, criticamente,
as movimentações históricas que levaram a assessoria jurídica popular ao ponto em que
se encontra hoje, mas apontando com maior firmeza para a necessidade de superar a
sociedade de classes, com ela superando também a dimensão jurídica das relações sociais.
Junto aos esfarrapados do mundo
O terceiro e último capítulo, Junto aos esfarrapados do mundo: aspectos
centrais da prática da AJUP, trata de quatro elementos caracterizadores da prática de
AJUP: a educação popular, a horizontalidade, o protagonismo estudantil e a amorosidade.
O título que nomeia o capítulo, Junto aos esfarrapados do mundo , alude diretamente à
dedicatória de Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, importantes referências, livro e
autor, para a prática da AJUP. Ao introduzir o capítulo, resgatei o modo como a RENAJU e
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os núcleos de AJUP do Nordeste se envolveram nos conflitos urbanos relacionados à Copa
do Mundo de 2014 no Brasil, em apoio às lutas sociais que buscavam resistir às violências
subjacentes aos preparativos daquele grande evento comercial e esportivo. Um dos
elementos configuradores desse tipo de apoio da AJUP é a noção de educação popular,
difundida sob a influência de Paulo Freire, relacionada de algum modo a todos os aspectos
mais importantes da prática em questão.
Em primeiro lugar, busquei caracterizar em que consiste a prática de educação
popular na atuação da AJUP. Problematizei algumas dificuldades encontradas pelos
estudantes nesse tipo de atuação, destacando o modo como eles problematizam seus
distanciamentos em relação ao direito. Tais reflexões, inclusive, caberiam perfeitamente
no capítulo anterior, pois dizem das dificuldades do trânsito da AJUP no terreno jurídico. O
direito é algo tão criticado por eles, que acaba sendo mais fácil voltar sua atuação para o
terreno da “educação” de forma mais distanciada possível das leis e dos tribunais. No
entanto, o fato de não se poder esquivar do direito na sociedade de classes,
marcantemente visível nos processos de criminalização das lutas socais, termina
apontando a necessidade, para os estudantes, de pôr em prática a especialidade da sua
formação.
Também problematizei algumas contradições da AJUP relativas à dificuldade
de relacionar a atuação de educação popular a um projeto mais amplo de transformação da
sociedade. Indiquei que está presente nesse segmento a elasticidade que circula em
relação às diversas leituras de Paulo Freire, do que resulta, entre outras coisas, o
entendimento da educação popular como uma mera metodologia. Este entendimento corre
o risco de deslizar para a tal da “educação popular festiva”, com hora marcada para a
“conscientização” durante as “visitas nas comunidades”. Não creio ser este o caso dos
grupos entrevistados. De todo modo, as dificuldades apresentadas no processo de
formação desse segmento – as tais leituras superficiais que andam em círculos – não
contribuem para clarear a proposta de fundo necessária a uma prática de educação
popular.
Em segundo lugar, a prática da AJUP apresenta uma inclinação à
horizontalidade. O gosto pelo diálogo cultivado também sob a influência de Paulo Freire
configurou nesses grupos a busca por estabelecer relações numa perspectiva horizontal,
questionando a ideia de hierarquia. Caracterizei no que consiste tal horizontalidade,
problematizando a partir de algumas questões reais as contradições e limitações que
permeiam esse aspecto da prática da AJUP. Principalmente, busquei indicar que a
sociabilidade do capital necessita objetivamente de estruturas hierarquizadas de
comando, portanto, não é possível que as relações sociais se estabeleçam em moldes
plenamente horizontais sem que as relações materiais de produção se constituam a partir
do trabalho livremente associado. Discuti, ainda, como a questão da horizontalidade é
tematizada nos polêmicos debates sobre o modelo organizativo da RENAJU, tendo em vista
as diversas avaliações sobre a necessidade de conferir direção coletiva à prática de AJUP
por meio da organização “em rede”. Indiquei a questão de fundo desse debate, que diz
respeito aos processos de tomada de decisão e à direção dos processos organizativos.
Esta questão de fundo também se relaciona ao protagonismo dos estudantes
na direção dessa prática, o que caracteriza na AJUP certa “crise de identidade” entre as
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convencionais movimentações políticas estudantis e a “extensão universitária”. Analisei o
modo como a AJUP transita desconfortavelmente entre estas duas identidades,
caracterizando-a como uma movimentação estudantil, ainda que sua prática não coincida
com aquilo que convencionalmente a política estudantil se propõe a fazer. A AJUP, dessa
forma, só pode ser compreendida a partir de uma caracterização contraditória e híbrida:
nasce do movimento estudantil, mas quer se distanciar dele por criticar seus “vícios” (os
mesmos atribuídos aos partidos e aos sindicatos), pelo que se aproximam da identidade de
“extensão”. Mas o protagonismo estudantil e o teor de combatividade das suas
perspectivas ideológicas emprenham de limites as suas movimentações institucionais,
tornando o lugar da extensão muitas vezes desconfortável.
Problematizei a preocupação dos estudantes em distinguir essas duas
movimentações, mesmo que elas muitas vezes façam parte de um mesmo campo
ideológico e contem com os mesmos estudantes em suas fileiras. Tal preocupação, que
influencia para a identificação da AJUP com a extensão universitária, indica certos
estranhamentos, relacionados às tensões entre as forças de esquerda próprias do atual
momento histórico. Estas tensões resultaram num distanciamento dos estudantes
universitários em relação à política estudantil, concebida, da mesma forma que os partidos
e os sindicatos, como espaços de atuação organizados de forma hierárquica e autoritária,
além de “cheios de vícios” implicados nas disputas em torno das entidades de
representação estudantil. Desse modo, a assessoria jurídica universitária popular se
constitui como uma significativa movimentação de esquerda nas faculdades de direito, ao
tempo em que há um refluxo no movimento estudantil tradicional.
No entanto, percebe-se na AJUP do Nordeste uma recente e intensa
aproximação com o movimento estudantil tradicional. Nas realidades pesquisadas, ou há
uma incidência direta dos estudantes da AJUP nas disputas políticas estudantis, ou há um
período mais refratário em relação a essas disputas, havendo, no entanto, um histórico de
participação nelas. Esta proximidade, por sua vez, coloca os estudantes da AJUP em
contato mais direto com os partidos políticos de esquerda que ainda exercem influência
sobre as movimentações estudantis.
Estas duas ordens de aproximações – com o movimento estudantil tradicional
e com os partidos políticos – colocam em pauta, para os estudantes, a necessidade de
conferir uma maior direção política às movimentações da assessoria jurídica universitária
popular. Daí o polêmico debate sobre a forma de organização da RENAJU, no interior do
qual está em jogo a própria concepção de rede que se colocou como forma de organização
supostamente mais propícia às novas formas de participação político-social que
emergiram no período histórico mais recente.
Essa necessidade de conferir maior direcionamento político às AJUP talvez
esteja relacionada a uma retomada de fôlego para as lutas populares na conjuntura atual.
Se a conformação da AJUP como uma movimentação estudantil distanciada em relação às
tradicionais forças de esquerda se deu numa determinada conjuntura, certamente a sua
aproximação também não está descolada das movimentações mais amplas das esquerdas
no Brasil e no mundo.
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Argumentei que o dilema das AJUP entre a “extensão” e o “movimento
estudantil” aponta para a necessidade de reorientar as disputas ideológicas entre os
estudantes ocupados com a transformação da ordem. Isto porque, por um lado, a rejeição
à política distancia os estudantes de direito das tarefas de organização e representação dos
estudantes; de outro lado, o movimento estudantil atualmente enfrenta grandes
dificuldades em construir vínculos efetivos com a classe trabalhadora e os demais sujeitos
subalternizados na sociedade do capital. Por isso as AJUP acabam servindo como um lugar
de mediação para os estudantes para travar as disputas ideológicas no complexo jurídico,
estando mais próximos das lutas sociais, mas abrindo mão de importantes questões
relativas à organização dos estudantes. Essas duas movimentações talvez não precisassem
se distinguir se os coletivos estudantis “propriamente políticos” consolidassem vínculos
mais contundentes com as lutas exteriores às universidades, ao passo que as AJUP
considerassem mais a fundo a importância da política estudantil.
Tais estranhamentos, mais amplamente relacionados ao processo de
reorientação ideológica das forças de esquerda, influenciaram também para que a AJUP
buscasse formas amorosas de cultivar os laços entre os sujeitos envolvidos nessa prática.
Esta amorosidade consiste numa relevante questão metodológica para os grupos em
questão, como indiquei, configurando algo que costumam denominar de princípio do tesão
ou do prazer, ou, ainda, do apaixonamento. Com isso, colocam-se em um processo mais
amplo de reposicionamento das questões da subjetividade e do afeto nas práticas das
esquerdas, também relacionado a certa ampliação do significado da política para dar conta
de questões como as relações de gênero e de sexualidade, por exemplo. Apontei que esta
amorosidade relaciona-se também ao que se entende por mística nas esquerdas.
Problematizei que a amorosidade da AJUP relaciona-se contraditoriamente a
dois movimentos do processo de reorientação das esquerdas: de um lado, as implicações
destas novas formas de participação político-social na cultura da crise (centrada na
necessidade de produzir consensos que a contraofensiva do capital conseguiu imprimir às
forças de contestação da ordem); de outro, um profundo e necessário questionamento a
certas práticas dos partidos e dos sindicatos que caminhavam na contramão da
perspectiva revolucionária apresentada como bandeira. Desse modo, a amorosidade em
questão pode apresentar-se como um elemento despolitizante porque se contrapõe ao
“conflito”; mas pode também empreender um questionamento necessário da cisão entre a
vida pública e a vida privada que historicamente secundarizou o lugar da subjetividade
nas movimentações das esquerdas.
Estes quatro aspectos centrais da prática da assessoria jurídica universitária
popular apresentam muitas possibilidades, mas também contradições e limites na sua
configuração enquanto alternativa ideológica no interior do complexo jurídico. Procurei
problematizar ao longo deste capítulo algumas questões importantes ligadas ao modo
como a educação popular, a horizontalidade, o protagonismo estudantil e a amorosidade
caracterizam a prática da AJUP, sempre que possível, relacionando as possibilidades e as
dificuldades dessa prática à conjuntura histórica em que ela se movimenta junto às demais
forças de esquerda.
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Encerrando a tese, nas considerações finais, busco problematizar para que
serve a assessoria jurídica universitária popular, considerando toda a minha investigação
sobre as possibilidades, as contradições e os limites da AJUP como uma perspectiva de
enfrentamento ideológico no complexo jurídico. Concluo que tais perspectivas apresentam
contradições e limitações intimamente relacionadas ao amplo alcance do fetichismo
jurídico, sem o qual não poderiam ser cumpridas as funções que o direito exerce na
reprodução da sociabilidade capitalista. Por sua vez, as possibilidades oferecidas pelos
enfrentamentos ideológicos travados pela AJUP relacionam-se às imprevisíveis
possibilidades de retomada de um projeto ligado aos trabalhadores e aos demais sujeitos
subalternizados na sociedade de classes capaz de ir além do capital.
Considerações finais: Para que serve a AJUP?
Se há alguma passagem da história pintada de cinza sobre fundo cinzento, é esta (Karl Marx em O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte).
Para que serve a assessoria jurídica universitária popular?
Perguntados a respeito da finalidade da sua atuação na AJUP, já ao final das
entrevistas, a maioria dos estudantes eram tomados por instantes de profunda reflexão.
Hesitavam ao falar, esperando uns pelos outros a chegada daquela resposta difícil. Afinal
de contas, qual o propósito da tamanha dedicação para com aqueles grupos? Horas e mais
horas por semana em reuniões, discutindo e planejando atividades, após as quais se
reúnem novamente para pôr em prática o planejado, ao que se segue um processo de
avaliação, enfrentando um contexto completamente adverso dentro da faculdade de
direito, onde são marginalizados e não desfrutam de quase nenhum apoio institucional;
além de ter que dar conta de todas as outras obrigações relativas aos estudos e ao
cotidiano da vida em geral... Para quê?
Seria de uma obviedade desconfiável concluir, ao fim desse trabalho,
simplesmente que a AJUP serve para “travar uma disputa ideológica” nas faculdades de
direito ao lado dos trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados na sociedade de
classes, como os estudantes me indicaram em todas as entrevistas. Não é que isso seja
falso. Está fora de dúvida a importância dos enfrentamentos que a assessoria jurídica
popular trava contra o bloco da Defesa da Ordem, sublinhando a riqueza das suas
possibilidades como orientação ideológica ligada à classe trabalhadora e aos grupos
sociais subalternizados. Contudo, nesses embates também se inscrevem as contradições e
os limites do contraponto que representam dentro do complexo jurídico.
A assessoria jurídica popular consiste, de fato, numa orientação ideológica que
possibilita, dentro do complexo jurídico, o tomar partido pela classe trabalhadora e pelos
demais sujeitos subalternizados na ordem do capital. No entanto, as movimentações
históricas a partir das quais emergiu a AJUP inscreveram também nessa orientação certas
contradições e certos limites nos quais também estão implicadas as demais forças de
esquerda no atual período histórico. Portanto, para compreender os enfrentamentos da
AJUP no complexo jurídico, é preciso, antes de tudo, relacionar tais enfrentamentos às
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condições históricas em que as forças de esquerda se encontram atualmente, hesitantes,
dispersas e fragmentadas. Em última análise, as possibilidades de contribuição da AJUP
com as lutas sociais dependem do contexto mais amplo em que se travam essas lutas.
Em meio a estas contradições e limitações, os estudantes da AJUP percebem,
de uma forma geral, que por meio desta prática travam uma “disputa ideológica” no curso
de direito. Tal atuação ofereceria possibilidades para eles se movimentarem no direito de
uma forma diferente, comprometida com as lutas sociais, em um contexto em que as
movimentações estudantis convencionais se encontram mais distanciadas em relação a
essas lutas.
As movimentações da AJUP estariam, dessa forma, inseridas num projeto mais
amplo de transformação da sociedade, que colocaria certas tarefas dentro e fora da
universidade, mas estas tarefas estão mais claras quanto à sua atuação na universidade. É
claro que estas duas ordens de atuação, interna e externa à educação jurídica, não estão
descoladas uma da outra, mas a disputa ideológica nas faculdades de direito é percebida
mais concretamente como o objetivo mais bem-sucedido da AJUP, em detrimento das suas
possibilidades de contribuir com as lutas sociais.
Por isso a AJUP se confunde tanto com os coletivos políticos estudantis, apesar
da crítica de que tais coletivos priorizam as disputas dentro das universidades de modo
distanciado do que se passa do lado de fora de seus muros. Há uma contradição no modo
como a AJUP e o movimento estudantil convencional se estranham por conta de
dificuldades em que ambos estão, mutuamente, implicados. Estas dificuldades dizem
respeito à aproximação dos estudantes com as lutas dos trabalhadores e dos demais
sujeitos subalternizados na sociedade de classes.
Entrecorta-se a isto a rejeição às organizações convencionais da esquerda que
se processou nas últimas décadas, somada à guarida institucional que os grupos de AJUP
encontram na extensão universitária. Para os estudantes em geral, fazer “extensão” parece
mais plausível do que fazer “política”, mesmo quando eles entendem que realizam uma
“disputa política” na extensão. De qualquer forma, ambas as movimentações estudantis no
direito convivem de maneira próxima, dividindo seus integrantes e atuando juntas nos
principais embates dentro da educação jurídica, ao menos no Nordeste. Muitos, a partir da
participação na AJUP, acabam ingressando também em coletivos políticos estudantis
convencionais e vice-versa; os estudantes, a partir da atuação nesses coletivos, se
encaminham para a AJUP.
Não pretendo sugerir que a participação na AJUP oferece mais ou menos
possibilidades de contribuir com a “transformação social” do que a participação nas
disputas políticas estudantis. Pretendo, antes, problematizar que a AJUP faz uma coisa que
o movimento estudantil tradicional não faz, mas poderia fazê-lo, que é estar mais próximo
às lutas sociais. Por outro lado, a AJUP tem certos pudores com a questão do poder e da
política que talvez não contribuam para o fortalecimento dessas lutas. A meu ver, os
estudantes do Nordeste ampliam suas possibilidades de “contribuir com a luta” ao
aproximar a AJUP dos coletivos políticos estudantis de esquerda. Em sentido contrário,
amenizam essas possibilidades ao conceber os enfrentamentos da AJUP como uma
“disputa” da extensão universitária. A identidade com a extensão tende a limitar a atuação
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da AJUP junto às movimentações admissíveis para a ordem institucional, distanciando os
estudantes das lutas mais radicalizadas dos trabalhadores e dos sujeitos subalternizados
dessa ordem.
Além desses dilemas diretamente relacionados ao contexto mais amplo das
movimentações de esquerda do atual período histórico, também se faz necessário
problematizar as implicações do fetichismo do direito no segmento da AJUP. As suas
possibilidades como uma perspectiva de enfrentamento ideológico dependem de um tipo
de trânsito no terreno jurídico que não queira salvá-lo dos compromissos inexoráveis com
a reprodução da sociedade de classes. As dificuldades com esse trânsito certamente se
expressam no modo como a AJUP oferece contra o “direito da ordem” o seu “direito
crítico”, acreditando, em geral, na possibilidade de transcender, com este “outro” direito
(emancipatório), os profundos antagonismos que marcam a sociedade de classes. De um
modo ou de outro, o direito continua sendo a resposta para as questões sociais.
Ademais, juntar-se aos trabalhadores e aos demais sujeitos subalternizados na
sociedade do capital é uma atitude que implica num questionamento profundo da própria
condição de classe, e reside aqui um problema significativo para este segmento. O tipo de
apoio em questão não admite um titubear corporativista, um “que vai ser de mim sem meu
paletó e minha gravata vermelha”. O trânsito da AJUP por entre as inescapáveis cercas do
terreno jurídico é conduzido, portanto, pela questão de fundo do tipo de transformação
social que estão dispostos a apoiar.
Mas o maior problema do titubear da AJUP quanto aos rumos da
transformação social e do modo contraditório como um direito crítico é proposto como
carro-chefe dessa transformação não se localiza nas limitações internas deste minúsculo
campo das esquerdas. Falta algo mais, uma condição indispensável para que esse projeto
se apresente com maior clareza: a organização dos sujeitos políticos dirigentes desta
transformação. Até que as forças do trabalho, antagonistas do capital, reorganizem-se para
conferir direção a estas movimentações fragmentadas e dispersas das esquerdas, a
transformação social permanecerá uma abstração dúbia e hesitante, a ceder espaço para a
crença nas possibilidades emancipatórias do direito.
Não há muita clareza na definição dessa transformação social na atual
conjuntura histórica. Há uma pluralidade de projetos que almejam algum tipo de
transformação, mas, em boa medida, acumulam para a consolidação e o aprofundamento
da sociedade de classes. A sociabilidade do capital está colocada contundentemente na
perspectiva ideológica dominante do campo jurídico, e se adapta rapidamente às novas
exigências de concentração de poder e de riquezas que acentuam a exploração dos
trabalhadores e dos demais sujeitos subalternizados nessa ordem societária.
Em que termos a assessoria jurídica popular pode, de fato, colaborar para o
acúmulo de forças dos sujeitos responsáveis por uma transformação social, contribuir com
a luta, como costumam dizer? Certamente circula entre os estudantes uma visão
idealizada do seu próprio papel nesse processo amplo com o qual eles pretendem
colaborar, sobrevalorizando a sua real capacidade de contribuir para a organização da
classe trabalhadora e dos demais sujeitos subalternizados. A tarefa de organizar os
sujeitos responsáveis pela “transformação da ordem” não cabe à extensão universitária,
50
tampouco à assessoria jurídica popular. Tal tarefa cabe a esses próprios sujeitos, nas
organizações forjadas por eles nos enfrentamentos da luta de classes.
Cheguei à conclusão de que a AJUP pode colaborar na organização dos
estudantes de direito para o enfrentamento ideológico no complexo jurídico, desde que
cultive os vínculos com a classe trabalhadora e com os demais sujeitos subalternizados na
ordem do capital para fazer parte da gestação de uma alternativa a essa forma de
sociabilidade. A contribuição da AJUP neste processo é bastante modesta. Consiste apenas
em restabelecer os mencionados vínculos e estar à disposição, sempre que necessário,
para apoiar e defender aqueles sujeitos quando suas lutas se expressarem no complexo
jurídico. Esta é uma tarefa histórica modestamente grandiosa. É grandiosa porque
necessária, já que os vínculos e o apoio em questão estão fragilizados. É modesta porque
está longe de ser decisiva para a luta de classes. Nestes termos, a AJUP pode colaborar,
sim, modestamente, para uma transformação social, contribuir com a luta, como dizem os
estudantes. Essa é a parte que lhes cabe para colorir este tempo “pintado de cinza sobre
um fundo cinzento”, como disse Marx, referindo-se aos meados do séc. XIX, na França.
Ali, ele também dizia que os homens (e as mulheres) fazem a sua própria
história, mas não nas circunstâncias escolhidas de acordo com a sua vontade. Nas
circunstâncias históricas atuais, acentua-se uma crise sistêmica do capital que anuncia as
proximidades do esgotamento total dessa forma de sociabilidade. Tal crise também deixa
cada vez mais expostos os antagonismos fundantes do capitalismo. O acirramento da luta
de classes é perceptível, por exemplo, no modo como as movimentações dos trabalhadores
e dos demais sujeitos subalternizados vêm sendo cada vez mais criminalizadas por meio
do direito. No entanto, as forças ligadas ao trabalho encontram-se fragmentadas e
dispersas, sem um projeto capaz de conferir unidade no enfrentamento ao modo vigente
de controle do metabolismo social. A ideologia cumpre um papel indispensável na
configuração desse projeto, embora a questão não dependa apenas disso. Por meio das
ideologias, os sujeitos desse processo de transformação podem aumentar suas
possibilidades de mobilizar as forças necessárias para enfrentar o capital.
Ao lado deles, podem estar os estudantes da assessoria jurídica universitária
popular. Portanto, os caminhos e descaminhos das lutas dos trabalhadores e de todos os
“esfarrapados do mundo” no processo histórico de desafiar a ordem posta são também os
da AJUP. É nessa caminhada que se colocam as possibilidades, as contradições e os limites
dos estalos que me propus a analisar neste trabalho.
51
feminismo
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Lívia Gimenes Dias da Fonseca Cíntia Mara Dias Custódio
Introdução:
O projeto de extensão “Direitos Humanos e Gênero: Promotoras Legais
Populares”, vinculado à Faculdade de Direito da UnB e à linha de pensamento de O Direito
achado na Rua, atua em duas vertentes: 1) Como um grupo de estudos e pesquisa
multidisciplinar de “Gênero e Direito”; 2) Na coordenação do curso de formação de
Promotoras Legais Populares do Distrito Federal (PLPs/DF).
Em relação à primeira vertente, o grupo de estudos e pesquisa é composto por
estudantes de graduação e mestrado dos cursos de Direito, Antropologia, Geografia,
Serviço Social, Relações Internacionais e Economia, e já teve em sua composição
estudantes de Pedagogia, Biblioteconomia e Psicologia, que se organizam para debater,
refletir e pesquisar sobre o que aprendem na prática extensionista de coordenação do
curso de PLPs/DF. Essas reflexões já repercutiram na organização de duas semanas de
debate sobre “Gênero e Direito”, abertas a toda a comunidade acadêmica, de um encontro
do Fórum de Promotoras Legais Populares, objetivando promover uma maior integração
entre as alunas formadas e formandas, bem como a publicação de monografias, artigos
acadêmicos, um manual sobre tráfico de pessoas e uma revista.
Já a coordenação do curso de PLPs/DF é realizada pelo projeto de extensão
desde 2005, sendo que, atualmente, se dá em parceria com o Núcleo de Gênero Pró-Mulher
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), embora já tenha contado
com as parcerias do Centro Dandara de Promotoras Legais Populares e da Organização
Não Governamental Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE). Na
realização das oficinas, a coordenação conta ainda com o apoio de
diversas entidades da sociedade civil, em especial, do Fórum de Promotoras
Legais Populares do DF, constituído a partir das estudantes formadas pelo próprio curso
de PLPs/DF.
Nesse contexto, o curso de Promotoras Legais Populares do DF configura-se
como uma ação afirmativa em gênero, baseada na visão do direito conjuntamente
construído a ser concretizada por meio da Educação Jurídica Popular (EJP). Essa proposta
educativa possui como um de seus elementos principais proporcionar a todas as
estudantes um espaço ativo de fala, a fim de que se libertem da antiga forma de educação
na qual um/a ensina e o/a outro/a aprende, com o objetivo de capacitá-las para atuarem
na defesa dos direitos femininos e na transformação da realidade social.
53
Princípios da Educação Jurídica Popular
A forma tradicional de educação é denominada por Paulo Freire de “bancária”.
Nela o que ocorre é uma ação de transferência, imposição e depósito do conhecimento
científico para e sobre aqueles/as que não o detêm. Os/as alunos/as são os “sem luz”
(alumnos) que devam ser “iluminados” pela sabedoria dos/as professores/as.
Na educação bancária, a realidade das pessoas envolvidas no processo de
aprendizado não é relacionada com o conhecimento tratado em aula, isso mantém de
forma oculta as razões que explicariam as relações sociais a que estão submetidos/as e o
como e o porquê se dão as condições de sua existência.
Os seres humanos, ao não serem capazes de refletir a realidade que vivenciam
a partir dos conhecimentos que possuem, são colocados como objetos da ação daqueles/as
que detêm o poder e que “ditam” o conhecimento, já que fazem isso de acordo com esses
interesses. Esta situação, que se denomina de “opressora”, retira dos indivíduos a condição
“seres para si”, transformando-os em “seres para o outro”.
A EJP propõe outra prática pedagógica que se insira na luta pela humanização
ao desconstruir com os/as oprimidos/as a ordem injusta a que estão submetidos/as,
buscando uma ampliação do conceito de direito capaz de modificar a ordem social. Dessa
maneira, o conhecimento é colocado dentro de um espaço de diálogo coletivo em que se
reconhece que ninguém sabe tudo, como também ninguém ignora tudo11, como também
que “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens e
mulheres se educam em comunhão, mediatizados/as pelo mundo”.
Por que uma ação afirmativa em gênero?
A proposta educativa do curso de PLPs/DF pretende construir um espaço de
diálogo e
reflexão em que os diversos conhecimentos são compartilhados e
problematizados a partir de um recorte transversal de gênero.
Gênero é uma categoria de análise relacional da divisão histórico-cultural de
papéis diferenciados na sociedade para homens e mulheres, ou seja, “não trata apenas das
mulheres, mas inclui as relações entre as próprias mulheres, entre os próprios homens,
assim como as relações entre mulheres e homens. Por isso, não se pode confundir o termo
gênero com mulher”.
Essa categoria de gênero foi trabalhada pelas feministas de maneira a apontar
o silêncio da História sobre as mulheres e também de criticar a ideia de “neutralidade” da
ciência moderna. As pensadoras feministas demonstram que essa divisão de papéis
acabou por relegar às mulheres o espaço privado do lar, do cuidado do marido e dos/as
filhos/as, como o único possível.
54
Nesta direção, o poder e as decisões, tanto dentro da família como na política,
estariam restritas ao “patriarcado”, isto é, como um privilégio mantido para os homens.
Destarte, a produção de conhecimento deu-se, historicamente, a partir de uma visão
masculina, que “naturaliza” a condição de opressão das mulheres na sociedade.
Visando desnaturalizar e superar essa forma de injustiça social culturalmente
construída, o projeto de extensão permite que somente mulheres possam se integrar ao
curso de formação. Assim, “se garante, neste caso, às mulheres uma vantagem frente à
discriminação histórica que têm vivido”. A ideia fulcral é que as mulheres passem a ocupar
em maior número o espaço público da palavra, da ação política e sejam protagonistas no
combate a toda forma de opressão e violência a que estão submetidas.
A crítica ao positivismo e O Direito Achado na Rua
O positivismo jurídico é uma forma de pensamento moderno que se faz ainda
hoje presente no senso comum dos juristas e da sociedade. Nesse pensamento, o Direito é
tratado como tão somente equivalente à lei em uma perspectiva técnica pretensamente
neutra. Mas vale observar que “não há técnica neutra, assexuada”.
Nesta direção, as legislações tiveram um papel historicamente relevante na
doutrinação dos corpos femininos. Pode-se citar a lei penal que cria vários tipos
específicos, como aborto, infanticídio, abandono de menores, com a função de manter a
estrutura de gênero na sociedade, reforçando o papel de reprodutora relegado à mulher e
que serviria também para assegurar o domínio patriarcal à medida que garante “o regime
de transmissão da propriedade e na formação dos patrimônios”.
Já para O Direito Achado na Rua, o Direito emana dos espaços públicos, nos
quais se dá a formação de sociabilidades e onde se promove a conscientização de novos/as
agentes promotores/as da cidadania e da democracia.
Vistas sob esse enfoque, as reivindicações feministas seriam um projeto
coletivo de luta por liberdade e justiça que molda os direitos das mulheres, ainda que não
estejam refletidos na “ordem jurídica vigente”.
Diante disso, no curso de PLPs/DF, o direito positivado é discutido de forma
crítica, de maneira que as mulheres reconheçam a sua autonomia como sujeitos, na
construção de um Direito que contemple as demandas específicas que as relações
desiguais de gênero provocam. Assim, as Promotoras Legais Populares são mulheres
capazes de exercer o respeito às/aos demais, a tolerância, a solidariedade e que possuem o
compromisso com o combate à exclusão social, com a transformação da comunidade em
que atuam, com a superação do formalismo legal e da burocratização das instituições,
tendo o processo de libertação das mulheres como meta a ser atingida.
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O Curso de PLPs/DF na prática
No curso de PLPs/DF, as oficinas são metodologicamente pensadas para
possibilitar o empoderamento das mulheres e a socialização de conhecimentos a partir da
valorização não apenas do saber técnico-jurídico ou acadêmico, mas também dos saberes
populares advindos da experiência e da vida cotidiana. Tal se dá mediante a apropriação
de conhecimentos teóricos e práticos que permitam as mulheres a atuarem na efetivação
dos direitos postos e não postos em leis.
O curso tem duração de cerca de nove meses, ocorrendo em encontros
semanais de três horas. Geralmente, as atividades são realizadas em ambiente circular e
horizontal, no qual todas as mulheres podem se ver e interagir num mesmo nível. As falas
são organizadas de modo a proporcionar a todas as participantes a oportunidade de se
expressar, respeitando o momento de manifestação de cada uma e dos
intermediadores/as.
Contando com a colaboração de diferentes voluntárias/os, o curso emprega
místicas de relaxamento e interação, minicursos e palestras interativas, oficinas
estimuladoras de sensações e pensamentos, discussões de situações reais ou fictícias,
debates sobre temas de interesse, visitas guiadas, entre outras práticas. O caráter
multidisciplinar permeia todas as práticas metodológicas empregadas no curso.
O conteúdo do curso de formação abrange, sempre com o recorte de gênero,
noções sobre: teorias feministas, gênero e movimentos feministas articulados;
desigualdade de classe, de raça e de gênero; Direito, organização e estrutura do Estado e
instrumentos de participação popular; violência contra a mulher, formas de
enfrentamento e instrumentos legais de amparo; exploração sexual e tráfico de seres
humanos; políticas de direitos humanos, internas e externas; saúde, doenças sexualmente
transmissíveis, direitos sexuais e reprodutivos; proteção à criança, ao adolescente, ao
idoso e ao deficiente; direito de família, à previdência, à educação, ao trabalho, à moradia e
ao meio ambiente; economia solidária, além de outras questões que envolvam as mulheres
e que culminem em atividades de mobilização social.
Ao final do curso, as mulheres que tiveram, no mínimo, 75% de frequência
recebem o título simbólico de Promotoras Legais Populares, que lhes é outorgado em
cerimônia de formatura. E, com vistas a permitir que a reflexão e o diálogo sobre os
conhecimentos compartilhados e adquiridos no curso perpetuem-se, as portadoras desse
título asseguram o direito de participar do fórum permanente de PLPs, no qual terão a
oportunidade de aprofundar o estudo em temas específicos e de articular movimentos
concretos de atuação.
Conclusão
O projeto PLPs/DF, como prática de educação jurídica popular feminista,
busca na relação das mulheres com o mundo a sua existência à comunicação, o que é a
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essência do “ser da consciência” e serve à sua libertação da condição de “seres para o
outro”, passando à condição de “seres para si”, significando a sua autonomia ao se
descobrirem dotadas de um saber próprio indispensável para a transformação de uma
normativa a que elas se encontram submetidas como cidadãs, mas que não reflete as suas
realidades.
O curso, a partir da educação jurídica popular, que derruba os privilégios do
conhecimento acadêmico-científico e valoriza a voz e o saber das estudantes, e as lutas
feministas e a ação afirmativa, que conscientiza as estudantes de seu pertencimento a um
grupo marginalizado, desnaturaliza os papéis sociais que lhes foram historicamente
impostos e possibilita sua emancipação, tanto como grupo, quanto como sujeito
autônomo, assim, promove a libertação das mulheres. As mulheres se descobrem sujeitos
de um Direito desvencilhado do monopólio técnico-jurídico e condizente com a igualdade
e a solidariedade entre os seres humanos.
Portanto, o curso tenta proporcionar às mulheres um espaço de libertação das
amarras do machismo, que por séculos aprisionou as mulheres ao espaço privado, para
que, por meio desse processo educativo, elas se sintam empoderadas a liberar sua voz e
seus sonhos no espaço público da política e a realizarem, dessa maneira, uma
transformação da sua realidade e de toda a coletividade. Dessa forma, todas e todos os/as
envolvidos/as no processo de aprendizagem, tanto educador/a quando educandos/as, são
colocados/as como sujeitos do pensar criticamente os seus “achados”. Em suma, o curso
de PLPs/DF serve de porta para que as mulheres saiam de casa para construir os seus
Direitos na rua.
57
Ajp –
desafios da
atuacao
profissional
popular
58
A assessoria jurídica popular traduz-se em diversas práticas. Não tem “um
modelo, uma fórmula”, “existem experiências”. Assim concebem os(as) advogado(as)
individualmente entrevistados(as), e, em outra fala comum, dizem que “tem um corte
mínimo que faz com que seja parecido com AJP”, “há princípios norteadores da conduta”.
Um dos advogados, sobre o assunto, destaca que não seria interessante haver um só
modelo de assessoria jurídica popular, “senão a gente vai reproduzir o que estamos
combatendo do modelo único desrespeitando realidades, comunidades e modos de vida
diferentes”.
As diversas práticas nascem da concretude das assessorias constituídas junto
a determinados grupos:
[...] você atuar, por exemplo, com o movimento indígena, é diferente
de você atuar com o MST que é diferente de você atuar com o MCP ou o Fórum de Zona Costeira. São sujeitos diferentes. Quando a gente quer fazer uma assessoria que na verdade é um diálogo com esses assessorados, não é simplesmente eu chegar lá e ser instrumentalizado ou instrumentalizar; se é um diálogo tem troca. Se existem sujeitos diferenciados, as trocas também são.
[...] é uma advocacia que tenta levar em consideração os saberes dos movimentos, e não só levar em consideração, como também trocar esses conhecimentos, meio que aprender junto, construir junto em cima daquela demanda especifica.
Discorrendo sobre as características intrínsecas a AJP, os(as) advogados(as)
distinguem o seguinte: a) a busca pela compreensão da realidade, “do entendimento da
vivência do modo de vida dos assessorados”; b) “identidade com a causa” do movimento
por parte do assessor jurídico popular; c) construção de um diálogo com os assessorados;
d) “horizontalidade da relação entre assessor e assessorado”; e) a “relação da assessoria
com o assessorado” como um “processo pedagógico”; f)“a importância da articulação, [da]
participação [dos assessorados] nos processos como essencial para conseguir o direito”; g)
ideia de que “o Direito [Estatal] pode ser usado como um importante instrumento de
disputa”; h) pensar no Executivo e no Legislativo como outros espaços de concretização de
direitos, além do Judiciário472; i) atuação por meio de estratégias jurídico-políticas, sendo
essa característica expressa na fala dos(as) advogados(as) da seguinte maneira:
[...] a estratégia jurídica tem que estar bem relacionada com a estratégia
política, não numa relação de subordinação, o movimento traça uma estratégia política e você submete a estratégia política daquilo ali. Por exemplo, o movimento tirou uma estratégia de ocupar um imóvel e a gente acha que juridicamente aquilo vai ser completamente inviável para a finalidade e que pode ter uma repercussão política por causa da limitação jurídica, que vai ser pior para a luta, o assessor jurídico tem que apresentar. [...] o assessor jurídico não pode assumir acriticamente a pauta do movimento. [...] você traça e estratégia política com a jurídica, mas não submetendo a jurídica à política e nem o contrário, porque pode acontecer também do movimento social num primeiro momento reproduz[ir] a lógica repressora da assessoria jurídica,
é o advogado do MST, mas é um advogado, a palavra do advogado tem peso não porque ele vem do movimento, mas porque ele é advogado, aí entra
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naquele problema [...] daqueles princípios de buscar uma relação horizontal, desmistificadora, que tem a ver inclusive com os aspectos da linguagem, da vestimenta e dos rituais do direito. [...] o que marca a nossa atuação [...] é você traçar essas duas estratégias relacionadas, sendo que [...] o que é mais relevante é a política, [e] em determinados momentos pode ser o jurídico.
Expressam também como característica da Assessoria Jurídica Popular:
[a] compreensão do papel do direito, [...] que é muito semelhante entre nós, de não se prender simplesmente ao que está positivado, de reconhecer outros direitos que vem a partir das demandas e das lutas sociais, e usar isso de alguma forma defensável [...]. Eu como advogada reconheço uma ocupação, embora se acha que é ilegal em último caso.
Ao serem convidados a refletir sobre uma definição de Assessoria Jurídica
Popular, as resposta, em geral, descrevem a práxis. Duas falas, no entanto, apresentam
amplas definições que contêm dois aspectos nucleares: a) a busca da emancipação e da
superação de várias formas de opressão; b) disputa por um papel transformador do
Direito:
É a busca dessa emancipação que ainda não entendemos bem o que é
que significa é ou como é que se faz. Acho que a constatação de que essa realidade que tenta ser imposta e única é pobre, oprime muito as pessoas em muitas realidades. Dentro do aspecto em que a gente trabalha, é formado e tudo o mais, a gente tenta contribuir.
É um movimento dentro do direito que visa disputar o direito a partir
de uma concepção de sociedade. Que compreende o direito, tanto em seu papel opressor dentro da sociedade, tanto no papel transformador que ele possa ter.
Por sua vez, ao serem questionados sobre o que concebem como emancipação
as respostas são igualmente diversas, expressando pensamentos comuns, quais sejam: a)
emancipação como autonomia, possibilidade de “viver de acordo com [a] [...] realidade
coletiva”; b) emancipação como superação do modo de (re)produção humana capitalista e
da divisão da sociedade em classes; c) emancipação como afirmação de modos de vida não
capitalistas, em que não haja “exploração de uma pessoa sobre outra pessoa”; d)
emancipação como superação das opressões existentes hoje na sociedade (sexuais, de
gênero, geracionais, econômicas, provenientes da relação de dominação da Natureza e
exploração do meio ambiente natural, étnicas, raciais etc); e) emancipação como um
processo sempre a tecer-se. As falas seguintes abordam esses aspectos diversos presentes
nos diálogos realizados com os(as) advogados(as):
[...] as grandes obras, por exemplo, é uma visão imposta pela imprensa
que é dominada por pequenos grupos empresariais. É uma questão imposta por esse ser abstrato que é o mercado, que deve haver essas grandes obras das mesmas empresas que vão ganhar as licitações. As mesmas oligarquias vão ganhar nas desapropriações. Mas aí tem o discurso do ‘vou gerar emprego, isso e aquilo’. Em todas as comunidades que não tem poder de decisão sobre essa realidade, vão aceitar. Porque eles vivem de acordo com o que outros decidem, embora pareça que haja unanimidade. Emancipação é a gente poder dialogar e viver de acordo com nossa realidade coletiva. [Emancipar-se] desse modelo posto.
A emancipação pela qual lutamos é da sociedade que a gente vive
hoje, a capitalista, de classes, que não é só a sociedade capitalista que tem classes, a
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classe é anterior à sociedade capitalista. Penso na emancipação como libertação humana, não no âmbito individual ou coletivo. Consigo pensar muito nas amarras que existem hoje com relação à questão de gênero, que reflete na sexualidade, na forma como as pessoas se relacionam; às lutas de classes tão fundamentais, que refletem e condicionam todas as outras, não só... Ah! Quer dizer que se a sociedade é socialista não tem mais machismo? É claro que tem. A forma como a gente lida com o meio ambiente e o direito defende essa visão antropocêntrica, considerada avançada no direito ambiental. Não acredito nessa dominação do homem sobre a natureza, acho que a relação não é essa. É assim, essa emancipação nas diversas dimensões da humanidade, entre classes, entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, velhos e adultos, de forma geral. Um pouco o fim das opressões, seria isso. O fim das opressões que temos hoje não representa o fim das contradições e de outras questões, talvez outros tipos de opressão surjam dentro da humanidade. Se a gente não chegar até esse estado de barbárie e não criar outras coisas.
Então eu vejo a emancipação como um ato consciente do povo de negar a forma de reproduzir a vida que hoje é o capitalismo e afirmar uma outra forma de reproduzir a vida, que é a não exploração de uma pessoa sobre outra pessoa. [...] A prática da assessoria jurídica popular é muito desafiadora, cansativa, ela em si já é muito exaustivo, a gente se cansa mesmo, fisicamente, a gente se cansa muito, mas como sujeito que penso como te falei, na necessidade de se superar, eu acho que a gente busca isso, a gente se organiza e se se prepara para isso, para construir um processo emancipatório.
Não distinguem a Assessoria Jurídica Popular da Advocacia Popular.
Concebem a advocacia popular como uma atuação profissional, advocatícia, da assessoria
jurídica popular. A fala de um advogado expressa essa percepção enunciada pelos(as)
demais advogados(as) entrevistados(as). Conta-me ele:
Na oficina[...], Seu [fulano] pergunta assim: “o que é que significa
advogado?”, ele perguntou! Se não estou enganado é dar a voz não é? Quando ele me perguntou isso na hora eu fiquei surpreso com a pergunta né! Era um momento muito intenso, estavam todos cansados, já era noite, e começou pela manhã, tão cansados, foi muito bonito sabe, todos cansados, mas estava muito empolgante, aí estavam discutindo sobre questões criminais, e dando exemplo de pessoas, um rapaz que havia sido torturado numa viatura, estava lá na oficina, teve gente que tinha sido ameaçada, sido presa, aí eu senti que ele estava emocionado com o momento de debate e tal! Ter dois advogados contribuindo com o debate, ter estudantes de direito que é uma coisa muito distante, então eu falei, joguei para o pessoal: “Gente, o que é advogar? Advogar é dar a voz”, eu não neguei, eu não desconstruí o que é advocacia tradicional e nos afirmei depois, eu disse: “Olha, é um pouco do que a gente faz, o nosso trabalho aqui nada mais é do que junto com o movimento, em determinado momento, dar a voz de vocês, só que usando nosso trabalho, usando a nossa atuação”, eu acho que advocacia popular ela é uma advocacia, [...] aí vejo a advocacia popular, eu vejo muito como prática, mas falar sobre isso é também um momento de reflexão teórica que é importante para romper com a atuação do próprio direito que é limitado, o processual é muito limitado, mas se a gente consegue na nossa atuação colocar isso, eu vejo aí a advocacia popular, a assessoria jurídica popular. Assessor jurídico popular tem essa relação interna com o movimento, decide sobre o trabalho, mas discute esse trabalho com o movimento.
Dizem que os princípios da Assessoria Jurídica Popular podem ser praticados
por diversas profissões jurídicas. Analisam, principalmente, a potencial atuação em AJP na
Defensoria Pública. Um dos advogados expõe: “eu conheço defensores públicos que tem
61
uma atuação que tem essas referências [...]. Essa relação de proximidade, de identidade, de
conhecimento, de compreensão da pauta política [...]”.
Outro advogado diz que professores(as) universitários, membros do
Ministério Público e mesmo da magistratura podem atuar nos princípios da AJP, “pela
causa que estão pegando, contra maré, de certa forma contribuem pra mostrar esses
direitos invisibilizados; não é que eles se identifiquem [como assessores jurídicos
populares]”. Ao ser inquirido sobre um exemplo de quem faz advocacia popular no Ceará,
o mesmo advogado, sorrindo, respondeu:
O Dragão do Mar, Chico da Matilde. Ele não era advogado, mas fazia
lutas por direitos. Estava positivado que não podia ter tráfico, ele foi lá, organizou o povo, era um discurso único que tinha, pôs todos numa jangada pra libertar os escravos.
Outra advogada discorre:
Eu acho que a gente não deve aceitar tanta ampliação do campo que trabalha com direitos humanos, com comunidades, eu acho que tem um corte mínimo que faz com que seja parecido com AJP, e aí dentro disso você vai ter muitas diferenças práticas.
E, quanto à prática de princípios ligados a Assessoria Jurídica Popular por
diversas profissões jurídicas, a mesma advogada reflete:
Eu me lembro de uma discussão que teve na aula de direito de família. A professora estava falando que hoje em dia as varas de família que são mais modernas contavam com o apoio de psicólogos, de assistentes sociais, porque o juiz não sabia falar. Aí eu questionei, e a professora respondeu que o juiz não tinha essa formação, a formação dele não permite. E a minha crítica era, claro que o juiz não vai ter uma formação de psicólogo e nem é pra ter porque não é pra saber de tudo, e a psicóloga ou a assistente social vão fazer um outro tipo de trabalho, que é diferente do trabalho do juiz. Mas por que que o juiz tem que ser aquela pessoa que não consegue falar com, entendeu? Que não consegue alcançar a realidade [...]?
Um advogado pondera que as muitas práticas de Assessoria Jurídica Popular
ligam-se a concepções diversas de Direito. Diz que “tem desde experiências mais simples,
Balcões de Direito, que as pessoas se preocupam em romper a relação cliente e advogado”
e que “essa pluralidade de experiências é da própria característica da disputa no direito,
desde as concepções mais maduras, digamos os assessores do MST [...] (não colocando em
uma escala) [...] e uma prática mais tradicional de atendimento, essa dinâmica faz parte da
disputa do Direito”. Ao descreverem como veem a participação deles(as), como
advogados(as) populares, junto aos movimentos, falam sobre as limitações de suas
contribuições como assessores jurídicos, não se colocam em primeiro plano ou em uma
perspectiva heroica, de “salvadores do povo”, mas se percebem como necessários, capazes
de contribuir através da AJP:
[Advogada] [...] é porque o pessoal idealiza tanto isso, eu não me sinto
essas coisas toda não, tu entende? [Pesquisadora] Não, tu acha que idealiza como?
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[Advogada] [...] é que [...] Eu acho que não sou para salvar ninguém, acho que assessoria jurídica... Não sei, não sei nem qual a palavra certa que eu use, nos princípios, mais tipo assim a assessoria que a gente presta, não vai salvar, não vai influenciar no movimento como um todo, num vai né [...].
[Advogado] Nós somos tão poucos. E poucos também nessa área do direito, que é bem elitista. Então, minha contribuição não é a definitiva nem a que vai fazer muita diferença, mas também é necessária. Sou mais um no sentido positivo.
Os(As) Advogados(as), ainda, percebem que a Assessoria Jurídica, por si, não
concretiza direitos. Assim, a organização e a atuação dos movimentos são vistas como as
forças principais que proporcionam as conquistas de suas próprias demandas:
[...] é a ideia de você não ser o sujeito, mais você ser minimamente um instrumento para concretizar alguma luta, ou pelo menos ajudar em alcançar um objetivo, por exemplo, o objetivo é a demarcação de terra, mas existem 50 processos de reintegração de posse questionando pedaços daquela terra, então eu vou atuar ali para garantir que aquela posse seja mantida, o movimento vai correr por fora para conseguir a demarcação [...]. Por exemplo, a demarcação quem faz é a FUNAI, então é um processo administrativo, então a gente pode apoiar o movimento na administração? Pode, apoiando o que? Apoiando manifestações [...], isso tudo vem da assessoria jurídica num é, ou não, a gente pode dar um apoio participando com a FUNAI daqui, participando com a FUNAI de Brasília, pensando como vai ficar a demarcação, quais são os empecilhos, como vamos pensar os processos no meio disso tudo, mas não é uma coisa que é o principal, porque se o movimento não ficar falando com a FUNAI, com a rédea bem curtinha, o negocio não sai, não depende da gente, a gente apoia.
Explicitam diferenciações entre a AJP e outras práxis jurídicas, outros modos
de atuação profissional no Direito:
Geralmente os advogados com carreira mais elitista que chegam
nessas comunidades onde a comunicação não tem um ponto de identidade/toque, vão dar uma de iluminados.
[...] o advogado particular é mais restrito, é mais jurídico-técnico
simplesmente, “Qual o seu problema? O remédio é esse.” Sabe... E a nossa diferença é que a gente tenta minimamente conhecer as pessoas, conhecer a história, conhecer o que eles esperam daquilo, pensar estrategicamente, ver aquela demanda em uma pauta bem mais ampla, acho que essa é a diferença.
Até o que a gente lutou e conquistou como movimento social, um
ordenamento jurídico que fala de princípios belíssimos para atuarmos segundo esses, acho que a advocacia popular está procurando ter essas vias. As instituições é que não estão; a advocacia padrão é que não está.
No meu caso, tenho essa característica muito forte: estou a serviço da
organização. Assim, não estou lá pra defender uma causa jurídica. Estou ali pra defender interesses que, muitas vezes, nem vão ter respaldo na lei. Usar instrumentos jurídicos que não são a finalidade, mas são meios e estratégias utilizadas pra conquista de direitos maiores. Acho que a diferença é essa.
Como a gente lida com conflitos sociais, isso é... Uma diferença... Na
nossa atuação, em determinado momento, e aí depende dessa relação com o movimento, a gente vai fortalecer o conflito, no sentido de ver o conflito como um processo de mobilização social, de garantia de direitos, então é o que a gente
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sempre bate quando vai debater a questão da ocupação versus invasão e toda uma jurisprudência que tem em torno disso aí e tal.
Como principais diferenças entre a Assessoria Jurídica Popular e outras práxis
no Direito, indicam a busca pela apreensão da realidade inerente aos assessorados, o
reconhecimento e a valorização do saber dos assessorados, e a conquista conjunta com
esses de estratégias jurídico-políticas presentes na AJP. A fala de uma advogada é bastante
representativa nesse ponto:
[...] a gente tá com essa história da petição, e hoje quando eu tava
vindo pra cá eu tava ate pensando, meu deus a gente tá escrevendo uma petição sobre os [...], tudo bem que a gente já tem muito contato com eles, de viver lá e de conversar muito, mais a gente tá construindo o histórico nesse momento, e porque que a gente não vai lá na dona [liderança indígena antiga] para pegar o histórico com ela, eu tava me perguntando assim, as vezes a gente quer fazer tão diferente mais na correria acaba, num é... Aí eu vou propor isso hoje, assim da gente se organizar para ir conversar com [...], que são lideranças que pegaram todo esse começo da luta. [É] importante colocar o histórico vindo deles, quem sou eu na luta dos [...]? Eu não era nem nascida no começo, não vivi, não sei das dificuldades, aí eu acho que parte muito disso, da horizontalidade na relação, mais respeitando limites deles, e também essa questão da valorização do saber, no caso tradicional, ou não, no saber histórico, cultural, deles... acho que é uma das principais diferenças [entre a AJP e outras práticas].
Algumas questões revelam-me, de modo mais subjetivo, os sentidos e
significados atribuídos à Assessoria Jurídica Popular por esses(as) advogados(as).
Arguidos sobre o que lhes faz sentir como advogados(as) populares, o que lhes move a
atuar na Assessoria Jurídica Popular, situações na assessoria jurídica que os(as)
marcaram, músicas, místicas e rituais que os fazem lembrar de suas atuações junto aos
movimentos, respondem:
O que me faz sentir como advogado popular é] essa sensibilidade.
Essa busca. [...] Posso simplesmente entrar no meu trabalho concreto, ver somente como uma petição, um recurso e tudo o mais, [...] mas para aquilo eu procurei dialogar com a comunidade, entender a vivência dela. É a busca dessa construção diferenciada que faz. O que me move a estar é que tem os momentos de satisfação, de se estar feliz por conseguir ajudar e tem a questão da identidade. Você termina sendo atraído, participa das discussões, entende que é o mais parecido com o que deseja de mundo.
Assim eu não vou dizer o toré no geral, [...] mas tem algumas musicas
que são mais... Ai tem uma, [...] “quem deu esse nó”476 [...]. Eu acho muito assim forte o
significado [...]. Aí sempre que tem assim alguma retomada, ou algum momento extremo de reivindicação, “quem deu esse nó” vai lá a fundo, como no dia que os Tapeba fizeram uma manifestação lá na Justiça Federal. Imagine aquela praça da Justiça Federal, cheia de índios dançando toré...
Como advogada, existe esse papel de contribuir de alguma forma na
emancipação. Não só usando o Direito Estatal, mas toda essa concepção de sociedade, que também é outro direito. Eu acho que o direito não acaba em uma sociedade não-capitalista. Existem formas de regulação completamente diferentes do que existe hoje. Tipo assim, esse papel de educação também, de convencimento por essa outra sociedade, porque o povo é machista, violento, competitivo. Propor
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isso tudo como pessoa, como advogado e militante, trazendo isso um pouco pra nossa prática, todas as relações. Acho importante manter essa coerência, sabendo que é difícil, mas que é importante tentar manter para todos os níveis de relação que a gente possa ter. Teve um momento muito importante [...], que foi marcante. Que foi um grande conflito de terra no Município de [...], era um acampamento numa área improdutiva, [...] e se arrastava o conflito por muito tempo. E aí a gente criou uma relação, a gente fez vários momentos de formação em direito humanos com os acampados, levamos os estudantes da época da REAJU pra fazer a formação, então teve um caráter forte formativo, que faz parte da assessoria jurídica popular... Por que que foi marcante pra mim? Primeiro pela dimensão do conflito [...]. A fazenda, era uma fazenda do agronegócio, era uma antiga fruticultura [...]. Se aproximou da vistoria, começou a ter uma pressão sobre os acampados, pros acampados saírem, pressão dos proprietários e de trabalhadores do fazendeiro. Nessa fazenda teve ameaças, teve contaminação da água que o pessoal bebia, o pessoal bebia água nos poços, foram contaminados, jogavam restos de animais... É... era uma situação bem complicada. O pessoal andava vários quilômetros pra pegar água em outro assentamento. Que era um assentamento em que o MST tinha um trabalho. Criou uma solidariedade entre os dois grupos. Além do trabalho do movimento. [...] Em uma dessas reuniões prévias foi quando recebi a notícia que eu tinha passado na OAB. Eu tava no acampamento [...], foi muito emocionante, eu tava na reunião com os acampados, aí dei a notícia que eu tinha passado na OAB, que eu ia poder advogar agora, foi bem marcante... A fazenda não foi desapropriada, eu voltei lá na fazenda depois, é um grande empreendimento do agronegócio, e foi uma experiência que a gente colocou pro INCRA como uma derrota pra reforma agrária no Ceará.
Ao descrever suas atividades, a atuação técnico-processual judicial agrega-se a
articulações e encaminhamentos no âmbito administrativo junto a órgãos públicos,
Defensoria Pública, Ministério Público; aos momentos para conhecer a realidade e
demandas dos assessorados e para realizar a construção conjunta de estratégias jurídico-
políticas. Esses momentos podem se dar em reuniões, assembleias, manifestações,
audiências públicas, encontros, visitas em caso de necessidade etc. Tuíra diz que tenta
estar presente também em “eventos diversos, festas e viagens conjuntas”, explicando:
A gente vai para conhecer os problemas, para ver qual é a dinâmica do movimento, observar as dificuldades que eles estão falando, pra ver junto com eles o que [se] pode fazer para ajudá-los, eu participei de muitas reuniões, e das reuniões de conselho de associações, na ideia de saber o que aquela comunidade, aldeia específica, pedaço do povo está pensando, cada um tem sua reunião, e ai cada aldeia dessa convida a gente, e nos vamos participar também, saber o que aquele povo tem como problema.
A relação estabelecida entre os Povos Indígenas assessorados e Tuíra parece
ser de proximidade e confiança, respondendo à pergunta sobre quando eles a procuravam,
se era apenas nos momentos de maior urgência, ela diz: “aqui o movimento procura em
qualquer momento, [...] uma festa, uma reunião na comunidade a gente sempre vai!”. A
educação popular emerge em meio aos diálogos realizados com os(as) advogados. Percebo
que a expressão “educação popular” é utilizada para nomear a compreensão, por parte
dos(as) advogados(as), de que é necessário possibilitar a aprendizagem do que existe
como direito posto em normas jurídicas estatais e o sistema estatal de defesa,
reconhecimento, proteção e promoção desses direitos, refletindo, problematizando sobre
esses e buscando elaborar conhecimentos e estratégias jurídico-políticas conjuntamente
(assessores e assessorados). Bem como os(as) advogados(as) concebem que há saberes no
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campo do Direito que pulsam nos movimentos assessorados, e que, portanto, a educação é
dialógica. A educação é praticada ou em momentos pré-planejados e previamente
organizados, como cursos, encontros, formações, capacitações; ou incorporados no
cotidiano do trabalho desses assessores.
Como exemplo, cito a elaboração de uma cartilha em que um advogado,
juntamente com assessorados, elegeu como metodologia a realização de momentos de
educação em direitos a fim de colher elementos para fazer a cartilha, tanto a fim de
identificar as demandas que precisam ser tratadas na cartilha, como para explicitar as
falas e a realidade vivenciada pelos assessorados na cartilha. O advogado relata que
A ideia da cartilha é a defesa de situações de [conflitos
socioambientais]... Eu disse, olha, vamos aproveitar e fazer uma formação. [...] quem é que não sabe o que é uma situação de despejo, uma forma de mediar com oficial de justiça, os itens fundamentais para o despejo, [...] o povo [...], eles veem o conflito de outro aspecto, aí resolvemos fazer a formação e a formação vai servir de elementos para a gente construir a cartilha.
Os(As) advogados(as) reconhecem, no entanto, que o ritmo de trabalho, a
constante urgência das demandas, e a falta de um planejamento mais voltado à educação
popular ocasionam menos momentos do que acreditam ser necessários e importantes
para que a troca entre eles(as) e os movimentos assessorados sejam equânimes. Os
assessores jurídicos acreditam que aprendem mais com os movimentos do que o
contrário: “a gente vai perceber muito mais coisas novas que podemos aproveitar deles do
que o contrário”.
Uma advogada, problematizando a prática da Educação Popular na AJP, diz que:
[...] se bem que até essa coisa da relação horizontal também passa por um fetiche porque às vezes o pessoal que ir para a comunidade e quer só discutir [...]. Depois vão compreender que não é bem assim. Eles acham tanto que na educação popular você não pode impor nada que nenhum conhecimento vale mais que o outro que eles querem ir para a comunidade para discutir. Mas a comunidade não quer discutir, eles querem saber o que é que é. Em que aquele conhecimento que ele não tem, técnico, pode ajudar na realidade deles. E aí o que serve, você ficar ouvindo abstratamente as pessoas falarem da comunidade, ou você estar instrumentalizando todo aquele seu conhecimento para uma luta?
A mesma advogada, sobre a possibilidade de organização de uma comunidade
desde a perspectiva do Direito, assim assevera:
Se eu chegar numa comunidade, pelo menos faço isso, não vou dizer que elas têm de lutar por terem algum direito. Elas já estão em um processo de luta, não vou organizar ninguém, isso já antecede. Vou questioná-las de que elas estão lutando por terem necessidades, por terem alguma intenção de viver melhor e aquilo que querem está no ordenamento jurídico de tal forma. Esse discurso político sobre direitos humanos é mais pra reforçar, já que estão dentro dessa lógica também, que se sintam melhores. Não como isso sendo fundamento. Não é papel nosso organizar as pessoas em torno dos direitos, pois elas têm alguma compreensão, e é isso o que vai motivá-las a fazerem suas estratégias de luta.
Dentre os(as) advogados(as) pesquisados(as), Tuíra parece ser a que mais
tem oportunidades de realizar momentos planejados e metodologicamente organizados
66
de educação popular com os Povos Indígenas. Acredito que a causa disso relaciona-se com
o fato de que o local em que ela trabalha possui projetos voltados a esse objetivo. Esses
momentos são, inclusive, consensualizados e planejados com os Povos Indígenas
assessorados. Ela nos conta que:
O CDPDH trabalha muito com formação, mais com formação do que
com assistência técnica. [...] nós temos formação em direito, e a gente senta com eles para ver as demandas, então nós estamos organizando agora uma cartilha... [...] nesse ultimo planejamento que a gente teve nós já perguntamos, “e aí, quem vocês querem que venha falar?”.
Mesmo no desenvolvimento de temas em que há mais dificuldades em se
vislumbrar a prática de uma educação dialógica, noto o esforço de Tuíra para
proporcionar espaços onde haja construção conjunta de conhecimentos e respeito por
saberes e vivências dos assessorados:
[Tuíra] [...] no nosso dia-a-dia a gente procura fazer aqui formações mais voltadas para educação popular, nem sempre a gente consegue num é... Por vários motivos [...].
[Pesquisadora] Porque? [Tuíra] Porque tem muitos temas. [Por exemplo,] gestão financeira
que eles querem aprender, prestação de contas, é muito difícil fazer, assim eu não consigo até mesmo porque eu não sei, eu não sei trabalhar com isso, aí a gente procura uma pessoa para falar, e a gente tenta ali dar um norte na oficina, mas nem sempre é possível, porque como é que você vai fazer uma metodologia para tornar lúdico, assim né... Para ver o que eles sabem, para depois, tá entendendo? Explicar uma planilha, disso e daquilo outro, tem temas que a gente não consegue. [Nesse caso], é meio que palestra, outros não, tipo, a gente procura construir junto, nós fizemos uma oficina sobre direito indígena com adolescentes, foi muito bacana, assim [...] eles dizendo o que eles achavam, e a gente construindo os conceitos em cima da vivência deles mesmo, foi muito rico. Até mesmo os temas a gente procura sempre dialogar com eles, o próximo tema já foi eleito, é a questão previdenciária. Aí é outro tema que a gente vai ter que “queimar as pestanas”. Acho que dá até para fazer sabe... Mas, a gente tem que ver aí bem direitinho uma metodologia. [...] Eles tem muitos problemas com o INSS.
Consoante já informado por integrantes do MST em entrevistas realizadas, há
atividades de formação, entre esses, o curso prolongado, em que os(as) advogados(as)
participam como educadores(as). Sobre a participação no curso prolongado no ano de
2010, a advogada do MST relata:
[...] a gente trabalhou primeiro a questão da criminalização. Perguntei
o que eles achavam que era a criminalização, eles disseram “é que colocam a gente à margem do Estado”, e é exatamente isso. “eles acham que ocupar é igual a invadir”. [...] Fui trabalhar a questão do processo de ocupação e desapropriação pra mostrar que a criminalização se expressava nas leis do Estado, aí coloquei alguns crimes. E aí você discute muitas coisas, como é a reintegração de posse, quem é o juiz, o delegado, o defensor público, o ministério público. Como é que funcionava o processo de desapropriação, as fases e as dificuldades. De tarde discutimos como fazer uma petição, eu discuti com eles, eles foram pros grupos e escreveram, tipo como se faz um ofício [...].
A prática da Educação Popular, por meio de cursos ou momentos pré-
planejados, é identificada como uma ausência no trabalho de Luiz Gama, por falta de
67
oportunidade e inserção em algum projeto que lhe permita atuar como educador popular
nesse viés. Luiz Gama, entretanto, compreende que pratica a educação popular como
elaboração dialógica no cotidiano do seu trabalho. Em suas palavras:
[A educação popular] Tem como se fazer no dia a dia, só que se precisa de mais tempo para fazer. E, para isso, também são necessárias condições materiais. O que o institucionalizado permite é ter tempo para fazer um trabalho sério, senão fica algo pontual, perdido.
A mesma percepção, de que a educação popular pode ser incorporada à
atuação profissional do advogado popular na práxis da AJP, é também expressada
pelos(as) outros(as) assessores jurídicos. Em suas palavras:
Acho que quando você entende a estratégia jurídica dentro de uma
dimensão maior de direitos e de lutas acho que isso já é educação popular. Não importa se eu vou chegar lá e dar uma palestra, ou se eu vou chegar lá e dar uma oficina. O povo já está construindo. [...] eu acho que muitas vezes não é um momento específico. Por exemplo, só o fato de eu estar lá, num assentamento, explicando pro pessoal o que é a reintegração de posse, explicar os efeitos jurídicos disso, [...] que isso pode ser perdido e a gente ter uma decisão lá junta, como é que vai ser, eu acho que é uma prática de educação popular.
Os(As) advogados(as), como expressei há pouco, concebem que “a relação da
assessoria com o assessorado” é um “processo pedagógico”, e que isso “caracteriza a
advocacia popular”:
Então tem esse duplo caráter, e que é intrínseco, né? E um pra quem
se propõe a ser um educador popular também, pra além de um advogado popular, ter momento também de educação popular. Toda vez que eu vou em um acampamento, ou vou em uma comunidade que está em luta, eu faço um momento de formação. Todo momento que a gente vai, tem um momento de encontro, vamos reunir as pessoas, vamos nos encontrar, vamos contar história da luta, e a gente fala um pouquinho também. Tanto do problema jurídico ou da demanda que a gente acompanha, mas ajuda também em algum debate... [conta determinado conflito em que está presente]. “Tá aqui o advogado”. É uma determinada forma de proteção, as vezes até simbólica, aí a gente aproveitou pra falar de um debate do Direito, função social da propriedade, da importância da luta, a gente deu aquela animada na luta... Colocar isso como prática cotidiana no trabalho. Eu não fui explicar o processo, “gente, a reintegração de posse foi concedida”, eu fui muito pra além disso, colocar isso no cotidiano... Tenho dúvida se [a educação popular] é pontual. Porque você vai criando uma relação com o movimento. Eu fui na [...], falar do processo... [...] e aí eu usei uma expressão lá, “a pessoa pode ter a propriedade, mas a posse é nossa”, “a posse é a vida, é o trabalho”, eu me encontrei depois com uma liderança do movimento, e ele foi me falar “cara, teve uma audiência pública, e apareceu lá o proprietário da fazenda, e ele disse, olha vocês vão ter que sair, vamos negociar a saída de vocês, e eu disse, olha você pode até ser proprietário, mas a posse é nossa” [risos]. Se a gente consegue construir uma prática. Aí é que tá. [...] Aí, por outro lado, pra terminar essa questão, dependendo você pode melhor organizar um processo de formação, fazer um curso. [...] o ideal é a gente criar uma organização que possam ir melhor aproveitando essas oportunidades de estudo, de formação.
Outros meios de formulação comum de estratégias jurídico-políticas são
proporcionados na assessoria jurídica popular realizada pelo(as) advogados(as). A feitura
conjunta de peças judiciais aparece na fala de Tuíra481. No caso de Luiz Gama, este remete
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a diálogos com a comunidade de Curral Velho acerca dos possíveis caminhos a se seguir,
decidindo em conjunto com os assessorados:
É muito nessa linha de buscar a partir da realidade dessas comunidades, como elas entendem um enfrentamento em relação a essas demandas jurídicas para poderem escolher dentro da margem do que se tem qual seria a melhor estratégia, o que teria mais ou menos ônus. E elas também tomarem conhecimento de certas informações do Direito, saber se isso é importante para a realidade delas, se modifica alguma coisa esse conhecimento para a realidade delas, se elas podem usar ou ressignificar.[...] Na verdade é um diálogo [...].
Sobre a relação entre eles(as), como advogados(as), e os movimentos
assessorados, relatam a importância da constituição de um vínculo de confiança, que nasce
da proximidade, da convivência, do conhecimento da realidade dos povos. Acham que “se
você é um advogado que chega demonstrando saber muito sobre jurídico, mais sem
demonstrar nenhuma relação estabelecida, geralmente eles não confiam”, pois:
[...] o que eu acho que o movimento procura é uma pessoa que não seja totalmente distante, ou seja, se você procura conhecer, participar da dinâmica, vivenciar o movimento indígena por dentro mesmo, estabelecer uma relação de confiança, acho que é mais fácil, agora lógico que tem que ter o conhecimento, lógico que sempre que houver um fogo tem que apagar, tem que evitar reintegração, e isso tudo vai consolidando essa relação de confiança, mas vai mais da proximidade com a demanda e tudo, com os problemas, do que com o próprio conhecimento.
Ao discorrer sobre a relação com os assessorados, os(as) advogados(as)
também demonstram reconhecer a autonomia política dos movimentos (“eu acho
importante o movimento caminhar com as próprias pernas, porque a gente tá como
apoio”), e que lhes cabe o respeito às decisões tomadas pelos assessorados (“[tem] a
questão de autonomia, do assessor não interferir na dinâmica”). Um advogado identifica
três tipos de relações possíveis entre assessor jurídico e assessorados:
Com os advogados identificados com a advocacia popular, pode ter basicamente três situações, desde reproduzir uma relação tradicional, “é o nosso advogado”, [...] “ele tem nós não temos, se ele falou tá falado”. Ele pode reproduzir isso. Pode ter uma relação, que é a que eu acho a mais interessante, que é de debater a estratégia jurídica com a estratégia política, ter uma relação de respeito, diferenciar as particularidades, diferenciar as identidades, as culturas. Mais pelo debate das estratégias jurídicas e políticas da maneira mais aberta possível. Respeitando as duas posições de um lado e de outro. E pode ter uma posição, que eu acho que teria um certo desvio, teria um certo erro, um desvio, e você confundir a sua atuação como advogado que é necessário [com a militância no movimento] [...]. E, eu acho que eu acho que a gente tem que tentar buscar uma mediação, que eu acho que seria esse debate claro das estratégias jurídicas e políticas.
Flor de Liz informa que as dinâmicas presentes no MST-CE a conduzem
dialogar não só com a Coordenação Estadual do movimento, mas também a constituir
estratégias com base em decisões de acampamentos e assentamentos ligados ao MST,
respeitando a autonomia política das comunidades envolvidas:
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[...] as decisões que a direção têm junto com o acampamento são do acampamento. Claro que a direção tem uma decisão, que vai discutir junto com eles, mas a decisão é das comunidades. O movimento tem uma proposta, mas ele coloca pra comunidade o que a comunidade quer. Coloca o problema e a gente discute, e a partir disso se toma uma decisão. Já passei por várias experiências dessas.
Na ida à uma ocupação do MST com Flor de Liz, observei que ela e o integrante
da coordenação do MST na região dialogaram com os militantes do movimento que lá
estavam acampados, informando-os sobre o procedimento judicial, respondendo as
dúvidas destes sobre Direito Estatal (aplicado à situação em tela), e ouvindo-os acerca de
diversas questões referentes à ocupação. Foram discutidas, também, estratégias jurídico-
políticas com a coparticipação do coordenador, dos militantes e da advogada.
Sobre essa autonomia na avaliação de Tuíra, o Movimento dos Povos
Indígenas no Ceará está caminhando, também, para uma desnecessidade de assessoria
jurídica popular junto a alguns Povos. O fato de que o Ministério Público Federal do Ceará
(MPF-CE) cumpre bem seu papel, que há relação já consolidada entre esses Povos
determinados e o MPF-CE, bem como com a FUNAI, além de várias lideranças indígenas
que detêm um conhecimento acerca do Direito dos Povos Indígenas reconhecidos pelo
Estado e das vias administrativas e judiciais necessárias à consecução destes484. Tuíra
observa também que há (em âmbito nacional e estadual) indígenas graduando-se em
Direito, e a tendência é que esses realizem a assessoria jurídica junto aos Povos Indígenas.
Lamenta, no entanto, que não esteja tendo oportunidades de atuar mais
diretamente junto a Povos Indígenas que lutam pelo reconhecimento e a demarcação de
suas terras há menos tempo. Tuíra pensa que há necessidade de se atuar por meio da
Assessoria Jurídica Popular junto a essas sociedades indígenas, bem como de maior
articulação junto ao movimento dos Povos Indígenas no Ceará. Assevera que:
[...] assim, eu já te falei que a gente tá chegando num esgotamento da assessoria jurídica com alguns Povos, num foi? Mas, hoje em dia [há uma realidade diferente [em] outros Povos, as pessoas não tem o conhecimento básico do que tem e do que não tem direito e muitas vezes a pressão exercida pelos fazendeiros, pelos poderosos da região, é considerada como uma verdade, e fica por isso mesmo. Ou até tem o sentimento de injustiça, mas as pessoas se sentem enfraquecidas e sozinhas, isoladas em alguns casos. [Fala de Povos que, por estarem iniciando agora, ainda precisam de assessoria jurídica] [...] tem outro Povo chegando no movimento [...], [...] lá a situação é bem complicada. [...] lá precisa muito de uma assessoria jurídica, de preferência uma próxima mesmo, de um apoio, porque eles estão cercados por canaviais, são grandes fazendeiros de cana, lá na região é muito presente, não é só flor que tem em São Benedito, também tem muita cana de açúcar, e [...] tá havendo uma expansão muito grande dessa indústria de cana de açúcar, e tá de um jeito que eles estão expulsando, derrubando as cercas, e entrando nos quintais, então as pessoas não têm direito a plantar nem nos quintais, é muito violento. [...] para onde você olha é cheio de cana, e as pessoas não tem espaço para plantar o que eles estavam acostumados que era a subsistência mesmo. É horrível! É triste, só vê cana, até o cemitério [deles] é cercado de cana. [...] [essas etnias indígenas] que vivem essa realidade e que tá num processo inicial de luta, eles merecem uma atenção especial não só de uma assessoria jurídica, mas também do próprio movimento.
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Tuíra apresenta uma estratégia de atuação. Informa que a ONG em que atua
tem atividades de intercâmbio de sociedades indígenas, onde as etnias conhecem a
realidade umas das outras e que pretendem “priorizar esses povos que estão nesse
processo inicial”:
Aí vai ser muito bacana, por que aí proporciona para esses povos
daqui [assessorados pela ONG] uma releitura, de conhecer o processo, e para eles que vão receber então... [...] a gente tenta assim, pontualmente, tentar contribuir, mais é mais proporcionando a articulação. Porque o movimento realmente é muito autônomo, o pessoal vai viajar e vai para essas comunidades, e conversa com as lideranças e faz reuniões [...].
Os(As) quatro advogados(as) pesquisados(as) relatam que há o cuidado para
que não haja a confusão entre o advogado e o movimento, ou seja, entre o advogado como
assessor jurídico do movimento e a participação dele no movimento. A advogada e o
advogado do MST expressam que:
[...] tem que ficar muito claro o papel do assessor do movimento, não
somente do advogado. Dos professores, se forem assessores, dos assistentes sociais, dos engenheiros agrônomos, porque o povo fica muito empolgado com aquele movimento, mas tem que ter claro quem são os sujeitos e os seus papéis. E existe muito essa preocupação de o assessor não virar o movimento, porque ele não é. Eu sou advogada, não sou a sem terra, nunca fui, não sei o que é ser, não vou dizer o que o sem terra tem que fazer, no sentido de que não é meu papel, aquela realidade não é minha. [...] Os assessores têm um papel fundamental pra luta, mas têm que entender o seu papel de assessoria, as estratégias elas se criam nas organizações populares.
Eu me considero no movimento sem terra! E o movimento me
considera deles, só que uma coisa que eu repito para o movimento, “Eu sou advogado do MST”, eu não sou sem terra, são aspectos culturais, são aspectos de vida, de história, não sou sem terra, eu não sou dirigente. Eu sou advogado do movimento, eu tenho uma história e tal.... [...] eu sou um advogado, de fora, que quer compreender e atuar na estratégia política daquele movimento, ou daquela comunidade, ou daquela organização, então eu vejo bem essa separação [...].
Consoante avalia outro advogado, a confusão entre o papel do assessor
jurídico e sua possível atuação de militância no movimento por ele assessorado alcança
outra via, a de invisibilizar a Assessoria Jurídica Popular como algo de onde emergem
“discussões próprias”. Hoje compreende que há uma mudança: “quando se cria o espaço
da assessoria jurídica se discute o seu papel junto ao movimento, [...] ela já deixou de ser
objeto e vira de alguma forma sujeito, porque está discutindo a sua atuação; é confuso e
meio contraditório mesmo, porque ao mesmo tempo em que ela é um sujeito nesse
sentido, só existe, só tem sentido com
os movimentos”.
Sobre os tipos de demandas em que atuam, reúnem causas coletivas ou de
repercussão coletivas e, em determinados casos, há a especificidade da matéria com que
trabalham:
[...] [no CDPDH] sempre vi como prioridade a questão da terra, mas os
outros advogados que passaram por aqui pegavam de tudo, então quando eu
71
cheguei aqui tinha processo criminal, e ai gente fez um levantamento dos processos da terra realmente que existia, que a gente tava deixando de pegar porque tava pegando os individuais. [...] foi mais de um ano, e aí a minha principal dificuldade foi os conflitos com as lideranças [...] porque eu não peguei uma separação ou alguma coisa assim. Eu sou muito chata, eu digo mesmo, sou sincera, assim... Foi sendo tranquilo, está sendo tranquilo, hoje em dia está bem mais [...].
Outros(as) advogados(as) também relatam semelhantes situações desta fala,
dizendo que foram constituindo com os movimentos o tipo de causas e atividades em que
atuariam, com diálogos e com base nas experiências vivenciadas com os movimentos, mas
também desde o que compreendem (como assessores jurídicos) como sendo inerente à
práxis da AJP. Questionados sobre como ocorreu a educação deles(as) como assessores
jurídicos populares, respondem que o movimento estudantil, a atuação em projetos
universitários de Extensão em Assessoria Jurídica Popular, estágios em entidades que
prestam AJP constituíram valiosos espaços de formação. A fala de uma advogada expressa
a sua percepção de que hoje a formação dos assessores jurídicos populares acontece
também, nos movimentos assessorados.
Tuíra, que já atuava como estagiária no CDPDH, conta que a convivência
profissional com um antropólogo que trabalhava nessa organização na época constituiu
importante aprendizagem para, dentre outros, estabelecer uma relação com os Povos
Indígenas assessorados:
E naquela época a gente tinha um antropólogo, hoje em dia a gente
não tem mais, e eu era a sombra do antropólogo, porque é muito interessante. [...] eu acho que assim eu devo a ele toda a forma de me relacionar, essa questão étnica assim... Do que eu posso fazer e do quer eu não posso, das coisas do movimento, dos rituais, eu devo tudo a ele, assim de como conviver. Que é uma relação pessoal que você acaba tendo com a pessoa mais sem ultrapassar fronteiras, que eu percebo muito isso, as pessoas às vezes se aproximam muito e levam muito para uma esfera pessoal, e eu devo muito isso ao [antropólogo], ave Maria... Essa questão do toré eu não esqueço, ele “oh! você não pode entrar no toré sem ser convidada, você não pode ir para roda pequena, você não pode chegar na bebida sagrada chegar lá e tomar, tem que ser uma liderança que tem que te dar” […].
Dentre as dificuldades enfrentadas na advocacia popular, os(as)
advogados(as), unanimemente, apontam o Poder Judiciário:
[pesquisadora] Quais os principais nós que você tem que desatar no
seu cotidiano de advogada popular? Acho que é o conservadorismo do judiciário, o poder do latifundiário, são os principais, o resto a gente desata, esses são os mais difíceis, esses são os nós cegos! [...] a [nome de uma pessoa] sempre coloca a necessidade de nós fazermos uma parceria com a Justiça Federal, para fazer formações mesmo, para falar de direito indígena, para explicar tudo isso para esse povo, mas nunca deu certo, eu acho que é uma boa ideia dela, porque a gente vê muito juiz fazendo juízo de valor, dizendo que não é índio porque está com celular. Porque o judiciário é um sistema muito hermético, fechado.
Luiz Gama pondera sobre a importância de atuarem (os(as) advogados(as)
populares) em articulação com outras organizações e o Sistema Estatal de Justiça. Não
apenas encaminhando demandas, mas também constituindo parcerias (seminários
conjuntos, por exemplo), articulando-se em determinados espaços (como na Ordem dos
Advogados do Brasil Secção Ceará - OAB-CE), e no estabelecimento de relações
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democráticas com órgãos de acesso à Justiça (como a Defensoria Pública). Em minhas
observações percebi que os(as) advogados(as) atuam junto ao Poder Judiciário, e casam
essa atuação a articulações com órgãos ligados ao Sistema de Justiça (Defensoria Pública e
Ministério Público, em âmbitos estadual e federal). Essas atuações/articulações, contudo,
não ocorrem apenas para encaminhamentos judiciais, mas também para a elaboração
conjunta de atividades diversas, tal qual enuncia Luiz Gama.
Os(As) quatro advogados(as) pesquisados(as) definem a Rede Nacional de
Advogados e Advogadas Populares (na qual se inserem) como:
[...] a RENAP é um mote para nos organizarmos. Acabam por surgir
bandeiras internas na advocacia para tornar algumas práticas mais progressistas, mais fáceis para o movimento. É um espaço para essas pessoas tentarem criar esse debate e, também, acho que a identidade são as causas. A maioria dos advogados particulares pode por sensibilidade e solidariedade trabalharem numa causa ou outra. A RENAP funciona como uma organização que sistematicamente se volta a essas causas, então é diferente.
[...] são advogados populares de várias áreas, que atuam com vários
movimentos e que utilizam esse espaço para fortalecer essas atuações, e pra trocar mesmo experiências e tentar se posicionar sobre alguns temas, tentando interferir nessa lógica do Direito.
A Assessoria Jurídica Popular é vista como uma via de acesso à justiça por
teóricos e assessores jurídicos. À pergunta sobre se a atuação desses(as) advogados(as)
proporciona o acesso à justiça para os assessorados, no entanto, faz emergir reflexões,
representativas nas falas seguintes:
Proporcionam mais campos de luta por acesso a justiça. Não é que eu vá entrar com uma ação e essa ação vai permanentemente conceder o acesso a justiça. Mas se essa ação for dialogada, construída estrategicamente junto aos movimentos. [...] A estratégia judiciária, às vezes cria um espaço pra se chegar a esse acesso à justiça. Pode ser ate com a não vitória da ação judicial, mas é algo que segurou que deu fôlego, que deu animo. A depender do grau de organização da comunidade e do movimento e da experiência das pessoas, às vezes só o advogado estar lá, já dá um animo. [...] Talvez a estratégia não seja nada jurídica, ou judicial, seja uma ação direta deles, mas é importante, teve o animo de saber que pra passar pra uma outra esfera da briga, nós também temos os nossos pra brigar. [Pesquisadora] E o que tu acha que faz com que essa comunidade tenha acesso à justiça? Às vezes o Judiciário tá vinculado ao direito posto, e o direito de justiça da comunidade pode ser algo que não está no direito posto. Digamos assim, essa constituição mais aberta pros direitos humanos, nos permite fazer pros movimentos uma interpretação mais ampla, que faça caber inclusive os direitos que não estão lá expressados, inicialmente postos. Pra quem for mais conservador, não vai estar. O Judiciário, ou o jurista que faz essa leitura vai achar que os direitos não estão postos. Então eles têm um entendimento de justiça que pode ir para além do ordenamento jurídico, em uma interpretação mais conservadora e pra nós, que é a nossa luta lá, a gente tenta dizer que está dentro, que é a nossa luta lá, no âmbito institucional também pra reforçar. Então quando a gente fala que acesso ao judiciário não é necessariamente acesso á justiça porque essas conquistas podem ter sido alcançadas sem ter se chegado necessariamente ao judiciário, uma conquista de fato. Que não precisou de decisão judicial, precisou mais de uma força política.
73
Eu acho que às vezes nem é bom ter esse acesso. Por que a que justiça que a gente quer ter acesso? A essa justiça burguesa? Não, muitas vezes a ação é para minimizar. Mas eu acho que sim, porque é muito diferente você falar com um acampamento que está isolado, que você parte do princípio de que tudo pode acontecer porque são pobres e pronto, e ter um advogado. Que questione o processo, acompanhe, que use o Código Civil, e dá uma auto-estima danada. No sentido de eles se sentirem tendo esse acesso à justiça, de se sentirem cidadãos, embora não sejam de um conceito marxista, não são cidadãos. De se sentir como uma pessoa que tem direitos, acho que é importante isso daí.
O acesso à justiça, significado pelos assessores jurídicos populares como
acesso ao Judiciário é questionado como via de concretização de direitos demandados
pelos movimentos assessorados; seja porque o Judiciário pode interpretar aquela
demanda de modo mais conservador (sem atentar para outras interpretações possíveis);
ou porque a luta em âmbito político foi mais propícia à conquista do que almeja o
movimento; ou, ainda, porque o Judiciário aparece mais como meio de, possivelmente,
minimizar o impacto de violações e violências contra os assessorados do que como
concretizador de suas demandas. Os(As) advogados(as) concebem, no entanto, a ideia de
que o acesso ao judiciário pode servir de estímulo à luta realizada por esses movimentos
no campo jurídico-político.
Em um dos diálogos informais realizados com uma das advogadas, estávamos
acompanhadas de outra advogada popular não envolvida nesta pesquisa. Perguntei a ela
se acreditava que sua atuação proporcionava acesso à justiça ao movimento assessorado.
Antes de responder, a advogada que nos acompanhava disse que isso era muito delicado,
pois poderia provocar a institucionalização da luta, ou seja, o movimento passar a pleitear
suas demandas apenas por via judicial. A advogada partícipe desta pesquisa ponderou e
disse que sempre percorria todos os caminhos possíveis em busca da consecução das
demandas dos assessorados, inclusive por via judicial.
Os(as) outros(as) advogados(as) envolvidos(as) nesta pesquisa também
relataram a importância de provocar o Poder Judiciário na busca por mais um mecanismo
que possa fortalecer a luta jurídico-política dos movimentos assessorados pela conquista
de seus direitos, ainda que em meio às dificuldades anteriormente apontadas no que tange
ao Poder Judiciário. Como exemplos, cito as atuações de Luiz Gama junto a Curral Velho e
Lapa.
O advogado que acompanha a comunidade de Curral Velho atua como
assistente de acusação em uma ação impetrada pelo Ministério Público Estadual contra
carcinicultores e seguranças armados que teriam usado de violências (físicas, prática de
ameaças e disparos de armas de fogo) contra um grupo de moradores que partiram
desarmados, em defesa do território que ocupam e do mangue. Luiz Gama também atua
em uma ação fundiária na defesa da terra de um dos moradores, cuja ação é vista como
simbólica pela comunidade, fortalecendo a luta desta; e vem buscando, junto a Defensoria
Pública do Estado, constituir uma Ação Civil Pública cujo pedido principal, dentre outros,
envolve reparação de danos causados por fazendas de carcinicultura aos(às)
moradores(as) de Curral Velho.
74
Quanto a comunidade da Lapa o advogado, em conjunto com a Defensoria
Púbica da União, procura estratégias jurídico-políticas que buscam o ressarcimento de
prejuízos causados à comunidade pela construção da barragem; e a garantia de que os(as)
moradores(as) serão reassentados próximos ao local e em condições similares às que
vivem hoje; além de vir, o advogado, em conjunto com universidades e outros advogados
populares, trabalhando na defesa do patrimônio histórico, arqueológico e cultural da
comunidade que habita na Lapa. Além de outras atuações no campo jurídico-político do
advogado que se articulam junto à organização dessas comunidades.
Findo aqui o relato das falas, história e canções entoadas no decurso desta
pesquisa. Ouvi-las, observar, dialogar, caminhar, sentir, deixar-me afetar por, e
experienciar junto aos(às) advogados(as) envolvidos(as) na pesquisa e aos movimentos
populares por eles(as) assessorados; tudo isto me conduziu a refletir sobre a práxis da
Assessoria Jurídica Popular; a qual se encontra intimamente relacionada às resistências e
reivindicações de movimentos assessorados; e, nesse contexto, constitui-se como práxis
jurídica.
A vasta riqueza de experiências advindas da práxis da Assessoria Jurídica
Popular instiga, por fim, os últimos fios a tecer a renda os quais se movem na parte
conclusiva deste trabalho.
75
Desafios da
articulacao
em rede
76
Art. 1º A Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária, RENAJU, é a união de
Entidades Vinculadas a Instituições de Ensino Superior, que prestam assessoria jurídica
popular e obedece aos seguintes princípios e finalidades:
I – Lutar por uma sociedade justa e democrática, valorizando a pluralidade de idéias e a
dignidade da pessoa humana;
II – Promover a integração das Entidades a ela filiadas, através do intercâmbio de idéias e
projetos de assessoria jurídica popular;
III – Lutar pela discussão e aprofundamento a respeito do exercício dos Direitos Humanos,
encaminhando propostas que visem à garantia dos mesmos;
IV – Fomentar a criação de núcleos que defendam a efetivação dos direitos mencionados
no inciso anterior, com respaldo ao acesso à justiça;
V – Funcionar enquanto instrumento crítico do conteúdo acadêmico adquirido pelo
estudante de direito, almejando ser um elo entre a universidade e a sociedade;
VI – Desvinculação de qualquer ideologia político-patidária.
Parágrafo único – Considera-se assessoria jurídica popular a atuação na defesa de
demandas coletivas e individuais e/ou serviço de educação jurídica popular, objetivando o
acesso à justiça e à efetivação dos direitos humanos e da cidadania.
Art. 2º - Podem compor a RENAJU as entidades que preencham cumulativamente os
seguintes requisitos:
I – Comprometimento com os princípios supramencionados;
II – Autonomia estudantil na gerência da entidade, ainda que haja orientação de docente
designado pela universidade;
III – Apresentação de um projeto, com execução iniciada e que atenda aos princípios e
finalidades deste documento;
IV – Participação mínima no período corresponde à realização de três edições
consecutivas do ERENAJU, em dois encontros promovidos pela RENAJU, sendo que o
primeiro desses dois encontros pode ser ou um ERENAJU, ou um Encontro Regional ou um
ENAJU e que o segundo deles deve ser um ERENAJU.
Parágrafo único: No que tange à participação em um ENAJU citada no inciso IV do presente
artigo, entenda-se participação necessariamente como construção do Encontro, não
bastando a mera presença nele.
77
Art. 3º - A Assembléia Geral, soberana em suas decisões, é o fórum máximo de deliberação
da RENAJU e realizar-se-á no Encontro Nacional de Assessoria Jurídica (ENAJU) e no
Encontro da Rede Nacional de Assessoria Jurídica (RENAJU).
Art. 4º - A Assembléia Geral será composta das Entidades que compõe a Rede, todas com
direito a voto, sendo assegurada a livre manifestação aos estudantes que integram as
Entidades.
§ 1º - As deliberações da Assembléia serão tomadas mediante voto aberto, por maioria das
entidades presentes, não admitindo voto por procuração.
§ 2º - A Assembléia Geral decidirá, preliminarmente, sobre a validade do voto por
correspondência, que só será considerada mediante envio de justificativa pela entidade
quanto a sua não participação.
§3° - Os encaminhamentos da Rede devem ser cumpridos pelos projetos
independentemente de consenso na deliberação. (Alterado na Plenária Final do X Erenaju
em São Luís/MA)
§4° - Se os projetos, no uso de sua autonomia, descumprirem encaminhamentos, deverão
manifestar publicamente que agem contrariamente à posição da RENAJU e comunicar a
mesma acerca de seu posicionamento. (Alterado na Plenária Final do X Erenaju em São
Luís/MA)
§5° - Os posicionamentos contrários a encaminhamentos da RENAJU manifestados pelos
projetos deverão ser inseridos na programação do próximo ERENAJU, para fins de
reavaliação acerca dos encaminhamentos, e, sempre em último caso, de aplicação das
medidas cabíveis aos projetos, que deverão ser aprovadas por, no mínimo, 2/3 das
entidades filiadas. (Alterado na Plenária Final do X Erenaju em São Luís/MA)
Art. 5º - Compete à Assembléia Geral:
I – Apreciar e submeter à votação as propostas levantadas pelas Entidades;
II – Indicar a Sede do Encontro da RENAJU;
III – Decidir sobre o ingresso e exclusão de Entidades na Rede;
IV – Deliberar sobre modificações ao presente documento.
§ 1º - As deliberações que versam sobre exclusão de Entidade serão feitas desde que 2/3
das entidades filiadas se manifestem favoravelmente e que haja ausência injustificada da
entidade a ser excluída em dois ERENAJU consecutivos.
78
§ 2º - As deliberações que versam modificações do presente documento serão feitas desde
que 2/3 das entidades filiadas se manifestem favoravelmente.
§ 3º - Não será admitido o voto por correspondência no caso dos incisos III e IV, do
presente artigo.
Última atualização: ERENAJU 2014 – MA Disposições gerais do modelo organizativo atual da RENAJU (divisão de
atribuições por eixos):
Os eixos serão, preferencialmente, divididos de forma o mais equânime possível
ou que seja proporcional às atribuições delegadas ao eixo. Os eixos serão
compostos, preferencialmente, com representação das duas regionais (ERE13);
Preferencialmente que haja rotatividade da composição dos eixos, sendo a troca
anual. Porém, tente-se que um dos núcleos permaneça compondo o eixo por mais
um ano para que seja garantido o repasse do eixo, possibilitando a superação de
problemáticas vivenciadas. Que o eixo sistematize um repasse do que ocorreu, no
mesmo, (problemáticas e avanços) ao longo do ano e transmita esta
sistematização para a nova composição do eixo (ERE13);
Os eixos deverão, preferencialmente, ser constituídos em sua maioria por núcleos
que compõem a Rede (ERE13);
Fomentar a inserção dos núcleos que já constroem a Rede (oficial e não
oficialmente) nos eixos (ERE13);
Que os eixos apresentem o repasse de suas atividades (desenvolvidas em reuniões
mensais, conversas ou em outras formas de comunicação que o eixo adote) em
reuniões mensais da RENAJU que ocorrerão no último domingo do mês. Caso não
haja reuniões dos eixos, deverá ser apresentado isso (a não ocorrência da reunião
e o porquê) na reunião geral da RENAJU (ERE13/14);
Nos ERENAJUs devem-se trazer avaliações dos eixos (ERE14);
Resgate e Valorização do PPP Geral da Rede a serem feitos pelo Eixo Formação
(ERE14).
79
Eixo Campanha (ERE11):
“Conceito campanha”: entendida campanha como dispositivo para a
materialização da Rede no dia a dia dos núcleos, como ação voltada para a
divulgação da prática da AJUP, o fomento de novos projetos e viabilização de uma
ação externa da Rede enquanto sujeito coletivo perante a sociedade (ERE11);
Objetivo do eixo campanha: Organizar e acompanhar a Campanha Nacional a
partir da formulação feita na plenária final do ERENAJU, auxiliando os núcleos que
tiverem dificuldade em executá-la e fornecendo elementos para a sua construção
democrática. Viabilizar o contato entre núcleos, para que estes se apóiem, não
necessariamente somente as núcleos da comissão (art. 5º ERE12);
O eixo campanha tem por finalidade “organizar” a campanha nacional da Rede,
atividade de divulgação nacional da RENAJU, deliberada nas plenárias finais dos
ERENAJUs. O eixo deve auxiliar os núcleos com dificuldades em executar a
campanha, assim como sugerir (ou pensar) elementos de sua construção
deomocrática.
§ - Como parte da campanha da Rede, haverá uma
jornada/semana da campanha, nas quais os núcleos desenvolverão atividades
de âmbito local, com a finalidade de divulgar/destacar a campanha da RENAJU
(ERE13);
Tirar a data da semana da campanha nesse ERENAJU -> Indicativo para que os
núcleos discutirem sobre a realização da semana/jornada da campanha (ERE13);
Produção de ementa explicando a escolha da campanha e seus objetivos para
nortear a atividades dos núcleos (ERE13);
Eixo campanha deve ajudar na elaboração da apostila sobre a campanha (ERE13);
Articulação com outras entidades que trabalhem o mesmo tema de campanha,
para coleta de assinaturas, assim tendo um abaixo assinado unificado e com força
(ERE13);
Articulação com outras entidades na campanha (ERE13);
Oficina sobre a temática da campanha da RENAJU no ENED (ERE13);
Criação da identidade visual da campanha, que deve preferencialmente ficar
pronta em tempo hábil para lançamento no ENED (ERE13);
80
Ampliar o repasse e a publicidade do que os núcleos fizeram com a temática da
campanha (ERE13).
Eixo Comunicação (ERE11):
Funções do eixo comunicação: 1) Atuar na divulgação da rede e no estímulo a
atuação externa da RENAJU; 2) Ser um agente facilitador da troca de experiência
entre os Núcleos da Rede (art. 7º, II e III, ERE12);
Disponibilizar projetos de institucionalização das AJUPs online (ERE13);
Criar e atualizar uma ferramenta virtual (site/blog). Quanto ao seu conteúdo, ter o
histórico da Rede, artigos e monografias (dissertação, teses...) de companheiros da
RENAJU (isto seria um embrião para uma possível criação de uma revista
eletrônica no FUTURO), biblioteca virtual, notícias, notas produzidas pelos núcleos
de AJUP que constroem a Rede, carta compromisso atualizada, mapa de conflitos,
contatos dos núcleos, atualizações da rede (ERE13);
Criação de meios de comunicação interna: skydre (Renajudrive – HD virtual) para
carregamento de arquivos e um grupo institucional de emails (gmail) que
congreguem os núcleos que estão compondo a Rede organicamente. Na
composição do grupo de emails, estarão núcleos componentes da Rede (ERE13);
Atualização de contatos dos integrantes da rede (SAJU-USP ficará de enviar todas
as informações em relação aos contatos que conseguiu durante a realização do
Erenaju 2013) (ERE13);
Criação de página no Facebook com senha aberta para a Rede a fim de divulgar as
atividades das AJUPs nas manifestações. Pode também o núcleo marcar a página e
ser publicado o post diretamente na página. A criação de página no Facebook será
feita pelo eixo comunicação e Odival (PAJUP-MA) a fim de divulgar as atividades
das AJUPs , disponibilizando-se a senha para que os núcleos de maneira subsidária
possam divulgar suas atividades e textos relacionado aos temas manifestações e
Copa e campanha. As demais temáticas poderão ser postadas pelo eixo
comunicação, bem como os núcleos após discussão em Rede (ERE14).
Eixo Encontros (ERE12):
Apresentar uma proposta inicial de Plano Político Pedagógico do ERENAJU a ser
discutido e aprofundado pelos núcleos em assembleias, e auxiliar a sede no que
precisar. (O ERENAJU é prioridade para o eixo) (Mais de um núcleo deverá
participar do eixo a fim de não sobrecarregar nenhum núcleo) (art. 7º ERE12);
81
É função do eixo dos encontros: 1) Propor uma metodologia e objetivos para os
espaços de ENAJU e ERAJU´s; 2) Acompanhar a construção dos ENEDEX e
EREDEX, repassando as informações para a RENAJU; 3) Incentivar que os núcleos
da rede estejam presentes no ENAJU e ERAJU's e buscar garantir a presença de ao
menos um núcleo (art. 8º ERE12);
O eixo encontros também funciona para ajudar, apoiar ou mesmo, assumir, as
tarefas extra-estruturais (propor ementas para os espaços, ajudar a elaborar o
caderno de textos, a enviar os convites, buscar facilitadores etc.) da organização
dos encontros da Rede, a fim de aliviar a enorme carga de afazeres que recaem
sobre esta. Além disso, é papel da sede, a fim de facilitar atuação conjunta,
comparecer na reuniões virtuais do eixo, mesmo que não o componha. Bem como,
também é responsabilidade deste eixo garantir a construção de espaços externos
da Rede, que seja de interesse dela (ERE13);
Necessidade de ser composto por membros das duas regiões diferentes (ERE13);
O PPP deverá realizar um planejamento bianual, pensando conjuntamente as
premissas e objetivos dos encontros (nacional, regional e CFP), das reuniões, dos
eixos e da campanha. O PPP deve estar pronto antes do próximo ERENAJU, já que
este deverá estar baseado nele (ERE13);
O PPP deverá ser pensado pelos eixos encontro e formação. A cada “bloco”
pensado, será apresentado em reunião ordinária para discussão, edição e
aprovação (ERE13);
Prezar pela garantia do tempo livre dos encontros, de modo que este não seja
suprimido, respeitando a intencionalidade prevista antecipadamente (ERE13);
Há indicativo de as atribuições das CPPs serem discutidas na construção do PPP.
Sendo que se pensarão no papel das CPPs de forma diferenciada para cada tipo de
encontro, já que os encontros são diferentes um do outro (ERE13);
Promover, articular e auxiliar na construção de espaços em conjunto com
entidades parceiras (IPDMS e FENED, por exemplo). Prioritariamente aqueles que
a Rede é convidada a realizar (ENED, por exemplo) e em segundo lugar outros
espaços que a Rede consiga concretizar em parceria com elas, ao longo do ano
(ERE13);
Acompanhar de forma próxima o IPDMS, construindo a Seção Estudantil e o GT
Assessoria Jurídica, Educação Jurídica e Educação Popular (ERE13);
82
Eixo Formação (ERE12):
Fomentar a construção de uma identidade teórica da RENAJU e garantir a
formação continua da Rede (art. 6º ERE12);
O eixo formação tirará uma proposta de caderno de textos (embasando-se no PPP
do encontro) a ser trabalhado no encontro da Rede em questão (ERE13);
Modificação da ementa do eixo: especificar as atividades do eixo, criar/compilar
textos de formação em AJUP (e como criar uma), místicas, dinâmicas, ideias que
ajudem na formação dos núcleos, temáticas que permeiem a AJUP (ERE13);
O eixo formação elaborará a biblioteca virtual que será publicizada no site da
RENAJU (ERE13);
Criação de uma apostila para afinar os núcleos em torno do tema campanha e
outra para as novas AJUPs. Sendo que a apostila da campanha deve ser feita até 1º
julho devido ao lançamento da campanha poder ocorrer no ENED e os núcleos já
deveriam estar afinados com a temática (ERE13);
Resgatar a cartilha “como criar uma ajup?”, complementando-a com informações
sobre dinâmica da rede e como está a conjuntura atual (ERE13);
Promover formação em Feminismo, diversidade sexual e de gênero, Negritude e
Antiproibicionismo (ERE13);
Lançamento de um caderno de textos virtual antes dos encontros (ERE13);
O eixo formação deve ajudar o eixo encontros na construção do PPP (ERE13);
Resgate e Valorização do PPP Geral da Rede a serem feitos pelo Eixo Formação
(ERE14).
Eixo Articulação Interna (ERE13):
Mobilizar os núcleos para as reuniões: contatando os núcleos para as reuniões,
avisando com antecedência data, horário e pautas destas (ERE13);
83
Fazer um levantamento das AJUPs novas e antigas. Seria um instrumento interno
para facilita a mobilização da AJUPs (ERE13);
Acompanhar a participação dos núcleos da rede, diagnosticar os núcleos que estão
afastados e, se possível, articular com os núcleos do estado (ou dos estados mais
próximos) para auxiliar a reaproximação (ERE13);
O eixo articulação interna acumula a função de acompanhar o calendário de lutas
da Rede (ERE14).
GT Financeiro (ERE14):
Extingui-se o eixo financeiro (criado no ERE13), atribuindo suas funções ao GT
Financeiro (ERE14);
Fica como indicativo para o Eixo (GT) Financeiro tentar elaborar formas
alternativas de financiamento (tendo como uma sugestão a venda e produção de
artigos,como camisetas,bottons, canecas...). O Eixo (GT) possui total autonomia,
para avaliar sua capacidade de por em prática uma determinada uma determinada
tática de arrecadação, portanto o encaminhamento não torna cogente essa
ação"alternativa" do Eixo (GT), mas sim,deixa ao seu crivo para julgar sua validade
dentro da conjuntura da RENAJU e do próprio eixo (GT). Entretanto, caso a forma
de arrecadação de verbas, proposta pelo eixo (GT), exija esforços de grupos
externos ao mesmo, deve ser aprovada em reunião ordinária da Rede. Caso seja de
força de trabalho exclusiva dos membros do eixo (GT), eles possuem autonomia
de colocarem prática seus planos,dando um informe na reunião ordinária
(ERE13);
O eixo (GT) financeiro deverá atender as demandas da Rede, sendo seu recurso
destinado a financiar os encontros e as demais atividades da RENAJU que forem
deliberadas em reunião geral, assim com as demandas dos eixos, aprovadas
também em reunião geral.
§ - O dinheiro destinado aos encontros deverá ir,
prioritariamente, para o encontro nacional deliberativo (que tem a
fundamental necessidade da presença de militantes de cada núcleo
membro com fins de representatividade); secundariamente, para os
encontros regionais ou CFP, e subsidiariamente para os espaços da Rede
em outros encontros, como no ENED, no IPDMS e outros (sendo que em
encontros que não são propriamente da Rede o auxílio deverá ser
ponderado se será possível tal ajuda em reunião geral da RENAJU)
(ERE13);
Elaboração do livro-ouro para ser efetivado no próprio eixo (GT), bem como
outras propostas pensadas para o mesmo concretizar seus objetivos.
84
§ - No encontro a sede tem a responsabilidade de elaborar um
licro-ouro (que congrega a explicação do que será o encontro e o
orçamento respectivo), repassá-lo para o eixo (GT) financeiro que terá a
responsabilidade de usá-lo, repassando para a Rede o uso desse livro-ouro
pelos núcleos como forma de arrecadação de dinheiro para o ERENAJU.
Assim, os núcleos usarão o livro-ouro para pedir financiamento em seus
contatos próximos (professores, universidade, sindicatos, parceiros em
geral) e repassá-los para o eixo (GT) financeiro (ERE13).
GT Memória (ERE13)
Criação de um GT Memória da RENAJU que resgata os documentos da Rede (carta
compromisso, atas, cartas de apoio, notas etc.), e criar um acervo histórico da
Rede a partir desse levantamento, buscando torná-lo público. Também será
responsável, em conjunto com o eixo formação, por apresentar propostas de
atualização da carta compromisso da Rede a serem discutidas e revisadas nas
reuniões ordinárias. Depois, em seu conjunto, passarão por aprovação na plenária
final do ERENAJU (ERE13).
Ana Lia Almeida
O processo de conformação da assessoria jurídica popular no Brasil remonta
ao enfrentamento da ditadura civil-militar por parte de certos profissionais e estudantes
do campo jurídico. As contingências históricas levaram alguns advogadas(os) à defesa
judicial de desaparecidos, presos políticos e perseguidos do regime. De fato, estes sujeitos
se engajaram na defesa dos perseguidos pela ditadura desde o primeiro momento em que
ele foi deflagrado, atuando no contexto das lutas contra a exploração no campo e também
nas lutas dos trabalhadores e do movimento estudantil na cidade. Muitas advogadas e
advogados chegaram a ser perseguidos e até assassinados pelas forças do regime,
sobretudo aqueles que atuavam em conflitos na área rural, a exemplo de Eugênio Lyra,
assassinado na Bahia diante de sua companheira grávida, em 1977.
Por sua vez, o contexto estudantil estava fortemente implicado em certas
movimentações do “mundo da cultura” que conformavam uma intelectualidade ligada ao
povo na passagem dos anos 1950 aos 1960, como analisa José Paulo Netto (1990: p.44 a
85
52). Antes mesmo do golpe, os estudantes organizaram-se autonomamente para o
exercício de atividades que dessem conta de uma prática jurídica e de uma aproximação
com o povo, ambas ausentes nas faculdades de direito. Assim foram fundados o SAJU –
UFGRS (1950) e o SAJU – BA (1963). Mas, na medida em que estas entidades passavam a
se politizar cada vez mais no contexto de agitação política que o país atravessava, foram
completamente desarticuladas pelas forças da ditadura contra as movimentações
estudantis, interrompendo os vínculos com o povo por meio da repressão e também de
uma política cultural-educacional própria, de todo acrítica e funcional à manutenção da
ordem.
Estas forças de contestação no campo jurídico – entre os advogados e os
estudantes de direito - já estavam presentes, portanto, desde o período que antecedeu ao
golpe de 1964, e passaram imediatamente a atuar contra o regime ditatorial que a partir
de então se instalou. Mas é com o enfraquecimento e o fim dele que estes sujeitos passam a
se articular de forma mais organizada, com a retomada da democracia no país.
A RETOMADA DEMOCRÁTICA
Os países latino-americanos em geral, com o fim dos regimes ditatoriais,
vivenciavam uma conjuntura de maior liberdade para a agitação social e a mobilização
política. No Brasil dessa época, vimos surgir várias organizações importantes ligadas à
classe trabalhadora, dentre as quais se destacam o Partido dos Trabalhadores (1980) e a
Central Única dos Trabalhadores (1983). Além destes sujeitos políticos coletivos que se
organizavam num modelo “clássico” ou “tradicional”, concebidos enquanto entidades de
classe – partidos e sindicatos; a retomada democrática também possibilitava o surgimento
de outros sujeitos políticos, cuja emergência está relacionada às modificações pelas quais
passou este mesmo mundo do trabalho em que se referenciavam as organizações de tipo
“velho”.
Desse modo entra em cena, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais Sem Terra (1984), a partir de rearranjos na realidade do campo que
de alguma forma levava a configurações diferenciadas das que giravam em torno dos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Da mesma forma, surgem diversas organizações
feministas e de mulheres, ligadas à luta contra o racismo e à opressão sexual etc. A
interação entre essas forças mais tradicionalmente ligadas à classe trabalhadora e os
sujeitos políticos “novos”, menos próximos da referência organizativa da classe, foi
responsável por um período extremamente rico do ponto de vista político no Brasil, cheio
de possibilidades históricas para o real aprofundamento da nossa democracia. O processo
político da Constituinte, em que interagiam e incidiam essas forças de contestação da
ordem, resultou num período de grande Importância para a conformação da assessoria
jurídica popular.
A aparição histórica dos sujeitos organizados do campo jurídico está
implicada, portanto, num período de grande agitação e interação entre diversas forças de
contestação na retomada democrática pela qual o Brasil e a América Latina passavam no
período, com a derrubada de regimes ditatoriais. É uma contradição esta efervescência
política ter ocorrido num período de crise econômica tão severa, sendo os anos 1980
conhecidos como uma “década perdida” para o Brasil.
86
A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL
Essa ofensiva das forças de esquerda no período da redemocratização
consistia numa resposta das classes subalternizadas à crise que se desenhava no Brasil e
no mundo. A contradição reside no fato de que era apesar dessa grave crise econômica e
por causa dela que emergia toda essa efervescência política. Estas forças conseguiram
obter os ganhos políticos e sociais que foram plasmados na Constituição de 1988, num
verdadeiro processo democratizante.
No entanto, a profunda transformação na estrutura do Estado brasileiro que
elas poderiam ter impulsionado foi frustrada por uma contra reforma cujo marco inicial
pode ser localizado na eleição de Fernando Collor de Melo (1989), e sobretudo a partir de
1995, com o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando se coloca com mais força o
projeto neoliberal no Brasil. Se a efervescência política dos anos 1980 era uma resposta à
crise que se instalava no Brasil e no mundo por parte das classes subalternizadas; o
neoliberalismo foi a resposta do capital a esta mesma crise.
Na verdade, embora os efeitos desta crise tenham alcançado o Brasil nos anos
1980, ela já havia se instalado no mundo há mais tempo, de modo que muitas análises a
situam no início dos anos 1970, com a crise do petróleo. No entanto, conforme as análises
de István Mészáros em O Poder da Ideologia (2004), mas, sobretudo, em Para Além do
Capital (2011), os sinais desta crise já apareciam desde o final da década de 1960. Para
este pensador contemporâneo, por muitos considerado um atualizador do trabalho de
Karl Marx em O Capital, tal situação de colapso se prolonga até os nossos dias, pois esta
não se configura como mais uma crise cíclica do capital. Estamos diante de uma novidade
histórica: uma crise estrutural do sistema sócio-metabólico do capital. Esta crise,
diferentemente das que a antecederam, tem caráter universal, em vez de estar restrita a
uma esfera particular da atividade produtiva; o seu alcance é verdadeiramente global, em
vez de situado em um conjunto particular de países; a sua escala de tempo é
extensa/contínua/permanente, em vez de limitada e cíclica; por fim, o seu modo de se
desdobrar é mais rastejante quando comparado aos colapsos anteriores, mais
espetaculares e dramáticos (MÉSZÁROS: 2011, p.795 e 796).
Os contornos mais gerais deste quadro crítico são assim sintetizados por
Ricardo Antunes (2009, p.31): 1. Queda da taxa de lucro, com a redução dos níveis de
produtividade do capital; 2.esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista; 3.
Hipertrofia da esfera financeira, ganhando relativa autonomia frente aos capitais
produtivos e priorizando a especulação; 4. Maior concentração de capitais por conta da
fusão entre as empresas monopolistas e oligopolistas; 5. Crise do Welfare State ou do
“Estado de bem-estar social”, acarretando crise fiscal e retração dos gastos públicos,
transferindo-os para o capital privado; 6. Aumento das privatizações, tendência às
desregulamentações e flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de
trabalho.
87
A crise estrutural em curso é uma verdadeira crise de dominação em geral,
como a define Mészáros (2011, p.800), alcançando todo o conjunto das relações humanas
que se desenrolam sob o sistema sócio-metabólico do capital. Sendo assim, “reverbera
ruidosamente em todo o espectro das instituições políticas” (Idem), exigindo novas
configurações diante das condições socioeconômicas cada vez mais instáveis. Foi
justamente em nome destas garantias que desapareceu o Estado de Bem Estar Social,
dando lugar a novos arranjos institucionais em torno da “política de consenso”, típica do
neoliberalismo. Dessa forma, o Estado neoliberal –“um Estado mínimo para o trabalho e
máximo para o capital”, na síntese de José Paulo Netto (2004, p.72) - deve ser
compreendido como uma resposta à crise, acompanhado de uma profunda reestruturação
produtiva (mutação nos padrões de acumulação, mas sem alterar o modo de produção),
como analisa Ricardo Antunes (2009, p.33). A reestruturação produtiva engendrou, no
Brasil, algo que Ana Elizabete Mota (2000) identifica como uma cultura política de crise, a
partir da premissa ideológica de que a crise atingia a todas as classes, indistintamente, e só
poderia ser enfrentada com a união entre elas. Sendo assim, a cultura política da crise é
gestada em função dos interesses do capital não só de realizar a reestruturação produtiva,
mas de fazê-lo com o consentimento das classes trabalhadoras. Para isso, foi necessário
enfraquecer os instrumentos de organização política de que a classe dispunha para se
contrapor às forças do capital.
A cultura política da crise acarretou significativas mudanças no campo de
contestação da ordem, fazendo emergir sujeitos com experiências organizativas bem
distantes das que os trabalhadores experimentaram nos anos 1980, a exemplo das
campanhas em favor da cidadania contra a fome, pela ética na política etc. Tais
movimentações acabam por afastar qualquer elemento de direção política explícita, já que
se definem como suprapartidárias, suprapolíticas e supraideológicas (Idem). Em nome do
consenso, houve uma fragmentação de uma postura anticapitalista no interior das
esquerdas que invisibilizou a luta de classes de tal forma que a própria noção de classe
social passa a ser questionada nas práticas e nos discursos dessas novas movimentações.
Como observa o historiador Eric Hobsbawn em A era dos Extremos (1995, p. 407), as
transformações no mundo do trabalho, ao final do “breve século XX”, levaram a um
enfraquecimento dos sindicatos e também dos partidos trabalhistas. Na década de 1970,
vários de seus seguidores “abandonavam os partidos de esquerda por movimentos de
mobilização mais especializados – notadamente os de defesa do “meio ambiente‟,
feministas e outros chamados “novos movimentos sociais” (Idem, p.406). Havia, nesse
contexto, uma rejeição à “velha política” e o surgimento de uma nova “política de
identidade”, como aponta o historiador.
Estas novas configurações no modo de fazer política, empreendidas por outros
sujeitos que não os trabalhadores organizados em sindicatos e os partidos - apontados
como “novos movimentos sociais”, são, de fato, um dado novo, e sua emersão na história
precisa ser devidamente relacionada às modificações ocorridas no mundo do trabalho com
a reestruturação produtiva. Dessa forma, a expressão “novos movimentos sociais”
identifica um novo protagonismo na reivindicação de demandas (tradicionais e inéditas)
88
dos contingentes vulnerabilizados pela reestruturação das relações de produção e do
Estado (NETTO: 2004, p.74). Importa destacar que as transformações acarretadas pela
reestruturação produtiva estão relacionadas às novas formas de participação política que
emergem a partir dos anos 1970 e 1980 no Brasil e no mundo.
Acompanhando este movimento mais amplo de reorientação das forças de
esquerda, surgem nos anos 1990 duas importantes organizações do campo da assessoria
jurídica popular: a Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP) em 1995 e a Rede
Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU) em 1998. O próprio modelo de
organização escolhido por estes sujeitos do campo jurídico que se reuniram na RENAJU e
na RENAP permite situá-los historicamente na referida reorientação das esquerdas a
partir da reestruturação produtiva. Isto porque a noção de rede se apresentou como um
contraponto às estruturas organizativas consideradas rígidas ou indesejavelmente
hierarquizadas, próprias dos sindicatos e dos partidos políticos.
A ideia de rede está associada à de articulação, interação, troca de
experiências. Nesses termos, a concepção “horizontal” da rede questiona
fundamentalmente a hierarquia, mas também a necessidade de unidade política e
ideológica daquele tipo de organização. Neste questionamento está implicado certo
afrouxamento dos processos de direção política, e aqui reside uma tensão nas experiências
organizativas em formato de “rede”: elas surgem numa tentativa de responder
criticamente ao modelo considerado “rígido” e “hierarquizado” das organizações
tradicionais de esquerda, mas, ao mesmo tempo, a organização em “rede” não evita a
configuração de processos de direção política, simplesmente porque a política não se
opera sem direção. Nas redes, desse modo, tende a se conformar uma direção política
velada, não assumida.
Importa assinalar que a forma rede ganha prestígio no momento em que
entram em declínio os modelos organizativos da classe trabalhadora, e evidentemente
essa inflexão não se limita a um remodelamento formal, dizendo antes de uma
reorientação ideológica nas forças de esquerda. Tal reorientação cumpre, a um só tempo,
com a função de realizar uma necessária crítica à forma de fazer política das organizações
tradicionais de classe, mas também diz de um recuo quanto ao horizonte revolucionário de
rompimento com a ordem. De fato, havia e há muito a ser repensado quanto aos modelos
organizativos tradicionais da classe trabalhadora, e também quanto à amplitude de suas
reivindicações. Mas a reorientação que se processou nas esquerdas contribuiu para a sua
fragmentação e para o distanciamento de uma alternativa de classe à crise estrutural do
capital.
***
Em síntese, são essas as movimentações históricas que possibilitaram a
emersão da assessoria jurídica popular. Esta prática se fez no enfrentamento às forças da
ditadura civilmilitar, e se pôde consolidar de modo organizado a partir da retomada
democrática. Fazia parte das movimentações mais amplas das esquerdas naquele
momento prenhe de possibilidades históricas para a retomada de um projeto de classe
89
para superar a ordem do capital, que se encontra numa crise global mais fortemente
percebida no Brasil desde os anos 80. No entanto, a contra-ofensiva do capital, em
resposta a sua própria crise, conseguiu reorientar essas forças nos termos de um projeto
de conciliação de classe. O neoliberalismo investiu esforços em obter o consenso dos
trabalhadores, num processo cujo horizonte político tornou-se não mais a superação da
luta de classes, mas a conquista de demandas “democráticas” por dentro da ordem.
Esta nova conjuntura histórica apresenta, dessa forma, um distanciamento da
perspectiva socialista e comunista. As categorias manejadas pela perspectiva marxista
para compreender a realidade – classe, luta de classes, revolução, ideologia, etc – passam a
ser consideradas “fora de moda”, cedendo lugar, cada vez mais, à crença na “democracia”
(dentro do capitalismo) e na realização da “cidadania” e dos “direitos humanos”. É verdade
que estes termos eram e ainda são utilizados por forças progressistas e atuantes no
sentido do real aprofundamento da democracia para as classes populares. Contudo,
alcançados pela ofensiva neoliberal, passaram a ser compreendidos com cada vez maior
deslize semântico, até serem consideravelmente eivados de combatividade.
Como disse Karl Marx no Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (1852), os
homens [e as mulheres] é que fazem a própria história, embora não escolham as condições
em que a fazem. Cabe aos sujeitos hoje implicados na assessoria jurídica popular
compreender de que lugar da história vem essa prática para decidir aonde a levarão.
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Conjuntura
da educacao
e seus
reflexos na
extensao
popular
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Em entrevista exclusiva, novo reitor da UFRJ, Roberto Leher, aponta os impactos
da lógica mercantilizada sobre a educação brasileira e aponta que como grupos
financeiros tentam dominar a educação pública.
Por Luiz Felipe Abulquerque
Um grande negócio. É assim que o novo reitor da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, enxerga o novo momento da educação brasileira.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor titular da Faculdade de Educação
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ traça um panorama do atual
estágio da educação no Brasil, e as conclusões não são nada animadoras.
Para Leher, que tomará posse nesta sexta-feira (3), os recentes processos de
fusões entre grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, e a criação de
movimentos como o Todos pela Educação representam a síntese deste processo.
No primeiro caso, ocorre uma inversão de valores, em que o primordial não é
mais a educação em si, mas a busca de lucros exorbitantes por meio de fundos de
investimentos. No segundo, a defesa de um projeto de educação básica em que a classe
dominante define forma e conteúdo do processo formativo de crianças e jovens
brasileiros.
O movimento Todos Pela Educação é uma articulação entre grandes grupos
econômicos como bancos (Itaú), empreiteiras, setores do agronegócio e da mineração
(Vale) e os meios de comunicação que procuram ditar os rumos da educação no Brasil.
Para o professor, o movimento se organiza numa espécie de Partido da classe
dominante, ao pensarem um projeto de educação para o país, organizarem frações de
classe em torno desta proposta e criar estratégias de difusão de seu projeto para a
sociedade.
“Os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e
jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como
classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções clara de formação, de modo a
converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano”, observa o professor.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato - Muitos setores denunciam a atual mercantilização da
educação brasileira. O que está acontecendo neste setor?
Roberto Leher - De fato há mudanças no que diz respeito a mercantilização da
educação, diferente do que acontecia até 2006 no Brasil. Os novos organizadores dessa
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mercantilização são organizações de natureza financeira, particularmente os chamados
fundos de investimento.
Como o próprio nome diz, os fundos de investimentos são fundos constituído
por vários investidores, grande parte estrangeiro, como fundos de pensão, trabalhadores
da GM, bancos, etc, que apostam num determinado fundo, e esse fundo vai fazer negócios
em diversos países.
Em geral, os fundos fazem fusões, como é o caso da Sadia e Perdigão no Brasil.
Mas é o mesmo grupo que também adquiri faculdades e organizações educacionais com o
objetivo de constituir monopólios.
Esse processo levou a Kroton e a Anhanguera - fundo Advent e Pátria - a
constituírem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que
hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes, mais do que todas as universidades
federais juntas.
O que muda com essa nova forma de mercantilização da educação?
O negócio do investidor não é propriamente a educação, é o fundo. Ele investiu
no fundo e quer resposta do fundo, que cria mecanismos para que os lucros dos setores
que eles estão fazendo as aquisições e fusões sejam lucros exorbitantes. É isso que valoriza
o fundo.
A racionalidade com que é organizada as universidades sob controle dos
fundos é uma racionalidade das finanças. São gestores de finanças, não são administrados
educacionais. São operadores do mercado financeiro que estão controlando as
organizações educacionais.
Toda parte educacional responde uma lógica dos grupos econômicos, e por
isso eles fazem articulações com editoras, com softwares, hardwares, computadores,
tablets; é um conglomerado que vai redefinindo a formação de milhões de jovens.
No caso do Brasil, cinco fundos têm atualmente cerca de 40% das matrículas
da educação superior brasileira, e três fundos têm quase 60% da educação à distância no
Brasil.
Quais os interesses dessas grandes corporações para além do
econômico?
A principal iniciativa dos setores dominantes na educação básica brasileira é
uma coalizão de grupos econômicos chamadoTodos pela Educação, organizado pelo setor
financeiro, agronegócio, mineral, meios de comunicação, que defendem um projeto de
educação de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para o
conjunto da sociedade brasileira.
Em outras palavras, os setores dominantes se organizaram para definiram
como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de
classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções clara de
formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano.
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Em última instância, é com isso que eles estão preocupados: em como fazer
com que a juventude seja educada na perspectiva de serem um fator da produção. Essa é a
racionalidade geral, e isso tem várias mediações pedagógicas.
A aparência é de que estão preocupados com a alfabetização, com a
escolarização, com o aprendizado, etc. E de fato estão, mas dentro dessa matriz de classe,
no sentido de educar a juventude para o que seria esse novo espírito do capitalismo, de
modo que não vislumbrem outra maneira de vida que não aquela em que serão
mercadorias, apenas força de trabalho.
De que maneira eles interferem nas políticas educacionais do Estado?
Como sociedade civil, os setores dominantes buscam interferir nas políticas de
Estado. O Todos pela Educação conseguiu difundir a sua proposta educativa para o Estado,
inicialmente por meio do Plano Nacional de Educação (PNE) - que aliás foi homenageado
com o nome Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, em referência ao
movimento. Com isso definiram em grandes linhas o que seria o PNE que está vigente.
Articulam por meio de leis, mas também da adesão de secretários municipais e
estaduais às suas metas, aos seus objetivos. Articulam com o Estado, que cria programas,
como o programa de ações articuladas, em que a prefeitura, quando apresenta um projeto
para o desenvolvimento da educação municipal, tem que implicitamente aderir às metas
do movimento Todos pela Educação.
Temos um complexo muito sofisticado que interage as frações burguesas
dominantes, as políticas de Estado e os meios operativos do Estado para viabilizar esta
agenda educacional.
Mas como se dá isso na prática?
Quando um município faz um programa de educação para a sua região, ele já
deve estar organizado com base no princípio de que existe uma idade certa para educação,
que os conteúdos não devem se referenciar nos conhecimentos, mas sim no que eles
chamam de competências, que o professor não deve escapar deste currículo mínimo que
eles estão desenvolvendo por meio de uma coerção da avaliação.
A escola que não consegue bons índices no Idep [Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica] é penalizada, desmoralizada, sai nos jornais, e isso cria um
constrangimento que chega ao cotidiano da sala de aula, e as prefeituras pressionadas por
esses índices acabam sucumbidos às fórmulas que o capital oferece. A mais importante
delas é comprar sistemas de ensino, apostilas, que são fornecidos pelas próprias
corporações.
O professor está em sala de aula, recebe apostilas, exames padronizadas que
foram feitos pela corporação, e na prática, ao invés do professor desenvolver um papel
intelectual, criador, ele tem que ser muito mais um aplicador das cartilhas, um entregador
de conhecimento, e isso obviamente esvazia o papel do professor que tem consequências
diretas com o processo de formação.
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A formação esperada do educador não é uma formação enquanto intelectual,
mas sim como alguém que sabe desenvolver técnicas para aplicar aquelas pacotes que as
corporações preparam.
E há resistências a isso?
Existe um complexo de situações onde as resistências, as tensões são muito
grandes, o que traz infelicidade aos professores e aos estudantes, mas tudo isso é muito
difuso. As resistências acontecem na forma de lutas sindicais, quando fazem greve
criticando a chamada “meritocracia”, os sistemas de avaliação.
Aparecem aqui e ali, mas é forçoso reconhecer que existe um complexo de
controle sobre as escolas que restringem muito a margem de manobra dos trabalhadores
da educação para desenvolverem um projeto pedagógico autônomo e crítico.
Essa situação é agravada quando a própria direção da escola, que deveria
pensar como a escola se auto governa, vem sendo ressignificada como um papel de gestão.
O diretor e os coordenadores são pensados como gestores na lógica de uma empresa, que
deve cumprir metas, fiscalizar o cumprimento delas e tentar atingir essas metas de todas
as formas.
Temos uma mudança de referências quando a própria equipe de coordenação
da escola se torna uma equipe de gestores. No documento Pátria Educadora há uma
possibilidade de punição dos professores que não cumprirem as metas.
Por sinal, o Pátria Educadora é um dos programas carro chefe do
governo federal. Como você avalia este documento?
Não casualmente, esse documento foi elaborado pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE), atualmente dirigido pelo ministro Mangabeira Unger. Ele parte de um
diagnóstico de que o modelo de desenvolvimento baseado em commodities se esgotou
com a crise mundial, com seus preços despencando depois daquele período de ouro entre
2004 e 2009.
Com a desvalorização dessas commodities, Mangabeira chama atenção para o
fato de que o Brasil deveria buscar outra forma de inserção na economia mundial que não
fosse apenas de commodities.
E a minha hipótese é que eles estão sinalizando nesse documento que o Brasil
deveria ser uma espécie de plataforma de exportação, assim como já existe na fronteira
norte do México, em alguns países asiáticos - o modelo chinês foi isso nos anos 90, de ser
um local em que a força de trabalho é muito explorada, recebe um treinamento específico
que permite uma exploração muito grande, e esses países entram em circuitos de
produção industrial de maneira subalterna, explorando o que seriam sua vantagens
comparativas: baixo custo de energia, da força de trabalho, baixa regulamentação
ambiental, e isso daria vantagens competitivas novamente ao país.
O drama é que a concepção do Pátria Educadora tem como correspondência a
ideia de que a formação da maior parte da força de trabalho no Brasil deve ser por um
trabalho mais simples, e isso tem consequências pedagógicas muito grande.
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Se é para formar para o trabalho simples, a maior parte das escolas podem ser
instituições estruturadas para a formação de um trabalho de menor complexidade, que
seria desdobrados em processos de formação técnica de cursos de curta duração, cujo
exemplo mais conhecido é o Pronatec, em que grande parte dos cursos são aligeirados
para a formação de uma força de trabalho simples - tanto aquela que já estará inserida no
mercado quanto aquela que constitui o que podemos denominar de um exército industrial
de reserva.
O documento Pátria Educadora altera a racionalidade da organização da
escola quando vislumbra escolas que vão formar forças de trabalho de menor
complexidade. É importante destacar que no documento encontramos uma formulação
muito perigosa de enormes consequências para o futuro da educação brasileira, que é a
referência que o Mangabeira faz da adoção de um modelo tipo SUS (Sistema Único de
Saúde).
O que é isso?
O modelo SUS teve como objetivo assegurar o direito ao atendimento à saúde
de maneira universal, e isso poderia ser feito tanto pelo órgãos públicos quanto pelas
entidades privadas.
Quando Mangabeira reivindica o modelo SUS, claramente está sinalizando que
a formação do conjunto da classe trabalhadora deveria ser feita em nome de uma suposta
democratização, realizada tanto pelas instituições públicas quanto pelas organizações
privadas.
Isso é congruente com o PNE aprovado em 2014, ao estabelecer que a verba
pública é aquela utilizada nas instituições públicas, mas também em todas as parcerias
público-privadas, como o FIES, PROUNI, Ciências Sem Fronteira, PRONATEC, Pronacampo,
sistema S, tudo isso entra como recurso público.
A rigor, estamos diante de uma política que pode indiferenciar as instituições
públicas e privadas em detrimento do público, já que as corporações também se acercam
da educação básica.
Em setembro acontecerá o 2° Encontro Nacional dos Educadores e
Educadoras da Reforma Agrária (Enera), em Brasília. Como o Enera se insere nesta
conjuntura?
Tenho uma expectativa muito positiva em relação ao segundo Enera. No
primeiro Enera tivemos a constituição de outra perspectiva pedagógica para a educação
brasileira, que foi a Educação do Campo, uma conceituação do que seria uma educação
pública voltada para o campo, mas com um horizonte de formação humana que ultrapassa
o campo.
Foi certamente uma proposta que promoveu sínteses brilhantes entre uma
perspectiva crítica que vem do campo marxista, da ideia da escola unitária, do trabalho, ao
compreender que o trabalho deveria ser um elemento simbólico, imaginativo, capaz de
nos constituir como seres humanos, e que portanto a escola é o lugar da cultura, da arte,
da ciência, da tecnologia, e não uma instituição livresca. É uma instituição que tem
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interação com o mundo, com a vida, com os processos de trabalho, com a produção real da
cultura em diversos espaços, como pensar no que significa a agricultura no Brasil.
Foi uma proposta pedagógica que promoveu sínteses incorporando
pensamento critico marxista, tradição latino-americana de educação popular,
particularmente com Paulo Freire, e criou bases para um pensamento pedagógico
socialista.
O segundo Enera, a meu ver, está desafiado pela conjuntura a fazer um
balanço do que foi essa mercantilização e de como o capital está tentando se apropriar do
conjunto da educação básica.
Ao fazer essa reflexão, certamente o Enera vai ajudar a criar bases para uma
perspectiva de educação pública unitária capaz de contrapor a educação frente à lógica de
movimentos empresariais como o Todos pela Educação.
Pode haver incorporações de elementos novos na nossa reflexão sobre a
pedagogia socialista que respondam desafios da ofensiva do capital, mas sobretudo
respondam os anseios que estão pulsando em todo o país em torno da educação pública.
Como as últimas greves na educação?
Podemos problematizar a fragmentação das lutas pela educação, o fato de que
muitas vezes são lutas econômicas e corporativas, que estão vinculadas as políticas
municipais e estaduais, mas não tenho dúvidas de que essas lutas que estão pulsando no
país estão enfrentando aspectos dessa pedagogia do capital, criticando a meritocracia, a
racionalidade das competências e dos sistemas centralizados de avaliação, o uso de
cartilhas.
Temos críticas reais a essa lógica de controle que o capital está buscando
sobre a educação básica, mas precisamos sistematizar isso com outros fundamentos
pedagógicos, e aprofundando a experiência que foi construída a partir do primeiro Enera.
No segundo Enera acredito que novas dimensões para essa pedagogia
socialista vão ser esboçados, e não como o resultado de um processo em que os
especialistas de educação do MST vão se reunir e pensar o que seria essa agenda.
Ao contrário, como resultado de uma articulação de movimentos que estão
fazendo educação pública e estão buscando uma educação criativa, que estão fazendo as
lutas de resistências com as greves, mobilizações, com a participação de estudantes.
Esta riqueza de produções que estão em circulação nas lutas em defesa da
educação pública que podem criar uma sistematização maior. Creia condições para que
possamos ampliar esta aliança entre experiências da luta urbana com as que vieram do
campo, produzindo novas sínteses e novas possibilidades para que a classe trabalhadora
tenha sua própria agenda para o futuro da educação pública.
É um processo longo e exigirá um esforço organizativo e intelectual de enorme
envergadura. Temos que ter uma produção pedagógica mais sistematizadas, mais
profunda, para criarmos a base desse pensamento pedagógico crítico, que assegure uma
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formação integral, mas uma educação que recusa a divisão dos seres humanos em dois
grupos: um que pensa e mando, outro que executa e obedece.
Essas bases para uma proposta socialista estão sendo gestadas nas lutas, mas
com o ENERA podemos ganhar um momento de qualidade no terreno da elaboração,
articulação e organização em defesa desse projeto de novo tipo.
A política econômica neoliberal, iniciada no Brasil na década de 90 e
aprofundada pelos governos Lula e Dilma, foi intensificada neste ano de 2015 com a
ampliação de políticas de austeridade, resultando em ataques aos direitos trabalhistas,
aumento de juros, corte de verbas em políticas sociais, entre outros.
No âmbito da Educação, seguindo a agenda neoliberal, os cortes
orçamentários nas instituições públicas ocorrem ao mesmo tempo em que são o governo
transfere recursos públicos para instituições educacionais privadas, por meio do FIES, e
renuncia arrecadação de impostos, através do PROUNI. Desse modo, enquanto os cortes
do orçamento do Ministério da Educação, em 2015, representam aproximadamente R$12
bilhões, o governo liberou R$ 17,7 bilhões para o FIES e renunciou arrecadação de R$ 970
milhões para o PROUNI.
No caso das IFE, os cortes orçamentários colocam em risco o funcionamento
dessas instituições e ocorrem em um momento de expansão precarizada, produzida pelo
REUNI, que ampliou o número de instituições, cursos e estudantes, sem haver aumento
compatível de investimentos financeiros e contratação de servidores via concurso público.
Dessa forma, qualquer corte no repasse de recursos representa enorme prejuízo e
inviabiliza a democratização do ensino superior.
A priorização do governo federal em destinar recursos para instituições
privadas de ensino superior, em detrimento das Instituições Públicas, se insere em um
projeto estrutural de privatização da Educação Superior que se manifesta de duas formas:
Parcerias Público-Privadas entre as IFE e o mercado, como forma de suplementação
orçamentária, já que estas estão sucateadas com os cortes, e endividamento do Estado,
mediante utilização de títulos do Tesouro Nacional, para custear o financiamento das
instituições privadas via FIES, tendo como consequência o atrelamento da educação
superior brasileira aos ditames do mercado e o endividamento da juventude brasileira.
Nesse contexto de ataques aos trabalhadores, aos serviços públicos e,
especificamente, às Instituições Federais de Ensino (IFE), os docentes iniciaram uma greve
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que já dura mais de dois meses, em resposta ao sucateamento das IFE. O movimento se
une pela defesa do caráter público da universidade; garantia de autonomia; contra a
precarização das condições de trabalho; desestruturação da carreira; valorização salarial
de ativos e aposentados, mas principalmente contra os cortes de verbas que inviabilizam o
pleno funcionamento das IFE.
Dentre as ações de mobilização, foi lançada a campanha “ABRE AS CONTAS
REITOR (A)!”, com o objetivo de pressionar as reitorias a fornecer dados precisos sobre os
cortes de recursos, promovidos pelo governo na Educação Federal, e apontar seus
impactos imediatos e futuros no funcionamento das IFE. Além disso, foram solicitadas
informações precisas sobre a distribuição das vagas de concursos públicos para
professores e técnicos nas IFE, e sobre a criação de novas vagas. Desta forma, a campanha
buscou divulgar amplamente os efeitos da política de ajuste fiscal e corte em áreas sociais
no desenvolvimento das atividades acadêmicas.
No contexto da precarização das condições de trabalho nas IFE nos
defrontamos com a falta de transparência nas informações sobre vagas de concursos
públicos para docentes. Sobre esse assunto o governo apresenta dados superficiais e
inespecíficos. Afirma que existem 9 mil vagas autorizadas, mas não apresenta a planilha de
distribuição das vagas e nem se posiciona sobre a abertura de novas vagas. De igual
maneira os reitores não fornecem dados sobre as vagas distribuídas em suas IFE,
demonstrando uma conivência com o governo e falta de disposição no fornecimento de
dados que deveriam ser públicos.
Os dados informados pelas reitorias durante a campanha “ABRE AS CONTAS
REITOR (A)!”, até o momento confirmam a restrição orçamentária de 10% nos valores de
custeio e 47% nos valores de capital. Os cortes são ampliados pelos valores de dívidas dos
anos anteriores. A supressão dos valores no custeio das atividades acadêmicas afetaram os
serviços essenciais como transporte, apoio, administrativo, limpeza, segurança,
fornecimento de água e energia, combustível, bem como suspensão nas diárias e
passagens para a participação de docentes em eventos acadêmicos. Além disso, algumas
reitorias apontam a suspensão ou irregularidade no pagamento de bolsas de pesquisa,
extensão, monitoria e assistência estudantil. Os cortes recaíram de forma importante
também nos contratos de mão de obra terceirizada, se materializando em recorrente
atraso no pagamento dos salários e demissões de diversos trabalhadores. Os dados
fornecidos confirmam também cortes de 75% na pós-graduação em programas como
PROAP e PROEX. Neste sentido, entidades científicas solicitam a reversão dos cortes,
divulgando notas de repúdio que alertam para a urgência da situação.
A redução orçamentária na liberação das verbas de capital comprometeu de
forma acentuada a continuidade das obras já iniciadas e impediu o início de outras de vital
importância para as universidades. São prédios, laboratórios, refeitórios cuja construção
foi interrompida em função dos cortes. Outros investimentos importantes como aquisição
de equipamentos, investimentos em tecnologia e bens duráveis em geral também foram
cancelados, inviabilizando o funcionamento e expansão das IFE.
A previsão que as reitorias fazem sobre a continuidade das atividades no ano
de 2015 não é muito satisfatória, impondo aos reitores a submissão à política do “pires na
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mão”. Reduções drásticas nos gastos mensais com água, luz, transporte e contratação de
mão de obra terceirizada, inviabilizam no funcionamento cotidiano das IFE. Isso amplia a
precarização decorrente da expansão desordenada, colocando em risco a qualidade da
educação bem como de seu caráter público ameaçando expansão futura e debilitando a
capacidade de manter atividades já iniciadas, podendo inclusive gerar retrocesso em
conquistas alcançadas.
É importante que os comandos locais de greve dêem continuidade a campanha
“ABRE AS CONTAS REITOR(A)!” para cobrar a abertura das contas e a publicização dos
impactos dos cortes no funcionamento das atividades acadêmicas. Além de reivindicar que
as os dados sejam repassados ao Comando Nacional de Greve, para que seja construído um
quadro mais detalhado da real situação das IFE no país.
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