Caderno Viva Rio Policia BAIXA

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 ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO  1  Ano 1 • Nº 1 • Abril de 2015 A polícia que faremos Nova estratégia de segurança para o Estado do Rio de Janeiro VIVARIO Cadernos

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Novas Estratégias para a Policia do rio de Janeiro.Caderno de textos sobre estratégias para modernização da policia.

Transcript of Caderno Viva Rio Policia BAIXA

  • ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO 1

    Ano 1 N 1 Abril de 2015

    A polcia que faremosNova estratgia de segurana para o Estado do Rio de Janeiro

    VIVARIOCadernos

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    O ttulo deste Caderno, A Polcia que Fare-mos, foi pescado numa fala pblica do Coronel Alberto Pinheiro Neto, o novo comandante geral da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ttu-lo ousado, que dialoga com a expresso A Polcia que Queremos, uma proposta articulada de mu-danas validadas em amplo Seminrio realizado pela PMERJ em parceria com o Viva Rio, em julho de 20061. Do desejo ao, a distncia tanta que somos tentados a duvidar. Sabemos, contu-do, que no se trata de uma bravata.

    O Coronel Pinheiro Neto trouxe consigo uma equipe coesa e determinada. Dedicou-se a recuperar planos inovadores antes mesmo de as- sumir, em janeiro ltimo. As ideias e os planos

    Editor ChefeRonaldo Lapa

    Conselho EditorialUbiratan Angelo Sandro CostaJonas ArajoFabiano Monteiro

    Redao e RevisoKarla MenezesCelina CortesSol MendonaCarolina LandiRonald Polito

    Projeto GrficoAnna Carollina BulcoAna Cristina Secco

    FotosTamiris BarcellosVitor MadeiraWalter Mesquita

    Diretor ExecutivoRubem Csar Fernandes

    Vice-Diretora ExecutivaCaroline Caador

    Rua do Russel, 76 - GlriaRio de Janeiro - RJCEP: 22210-010Tel.: (21) 2555-3750Fax: (21) 2555-3763

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    Apresentao

    MARO DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO 3

    preciso derrubar os muros para avanarJos Mariano Beltrame

    Nova estratgia de seguranaCoronel Alberto Pinheiro Neto

    Temos que reformular e modernizar a corporaoCoronel Robson Rodrigues

    Formao e plano de carreiraCoronel Antnio Carballo

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    ndice

    Da esquerda para a direita, no alto: Coronel Antnio Carballo, Coronel Robson Rodrigues e Coronel Alberto Pinheiro Neto. Abaixo: Jos Mariano Beltrame, Coronel bis Pereira e Coronel Frederico Caldas

    VIVARIOCadernos

    foram concebidos no interior da corporao e re-metem por sua vez figura pioneira de Nazar Cerqueira. Em respeito ao peso da ousadia, pro-pomos uma srie de encontros do novo comando com formadores de opinio dos principais vecu-los da mdia do pas. So encontros para um di-logo estratgico, desafiador para ambas as par-tes, policiais e jornalistas.

    Apresentamos aqui a memria do primeiro encontro, de uma srie de quatro (ou mais que quatro). So textos que reproduzem parte das fa-las feitas. Padecem, portanto, da fragilidade pr-pria comunicao oral quando transformada em escrita. Valem pela promessa, o contedo e o registro.

    Rubem Csar Fernandes, Diretor Executivo do Viva Rio

    1 Ver Hayde Caruzo, Luciane Patrcio e Elizabete R. Albernaz: A Polcia que Queremos: Desafios para a Reforma da Polcia Mili-tar do Rio de Janeiro, em Cadernos Adenauer, VII (2006) Nr 3

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    A nova estratgia de segurana para o estado do Rio de Janeiro est sendo pensada em dois sen-tidos: o primeiro a criao de um Comit de Segurana e o outro a implementao de um programa de poltica de pacificao e seu desenvolvimento dentro das comunidades.

    Essa primeira iniciativa segue o exem-plo de Pernambuco, onde estive a convite do ento governador Eduardo Campos.

    Reunimos diversas secretarias atravs de um decreto. Em um comit, cuja rotina de atuao prev reunies quinzenais lideradas pelo governador, a ideia dar legitimidade efetiva e possibilitar ao governador cobrar de cada rea especfica de atuao o que est sendo feito e o resultado, positivo ou nega-tivo. Tudo registrado em ata. O secretrio de Segurana ser um membro deste comit. Temos de dar legitimidade e fazer com que essa rotina se torne uma poltica do estado do Rio de Janeiro.

    Com relao segunda iniciativa, re-formulamos os protocolos e o conceito de

    preciso derrubar os muros para avanar

    O servio pblico no se comunica como deveria. No h uma articulao entre as

    diferentes instituies.

    Jos Mariano Beltrame

    Jos Mariano Beltrame Secretrio de Segurana Pblica do Rio de Janeiro

    UPP. Em uma tentativa sem precedente no mundo, criamos um policiamento do tipo co-munitrio em mais de 200 favelas. preciso estud-lo. Decidimos transformar essas boas prticas, traduzi-las em um programa para ser internalizado pela prpria Polcia Militar.

    J havamos pensado antes em um ar-remate do que seria a UPP, que no pode-ria crescer como uma polcia diferente, uma resistncia interna pacificao. Evitar esse descompasso sempre foi nosso norte a ser seguido.

    No d para esperar preciso desonerar os comandantes

    das UPPs para que eles faam o que da sua competncia. A Polcia Militar tem 86 proje-tos de preveno que so conduzidos, prati-cados e sustentados por PMs. Isso custa R$ 6 milhes por ano Secretaria de Segurana e, muitas vezes, o policial, em vez de estar na rua, est ocupado com outra atividade. No vamos terminar com os projetos por causa disso, mas no vou ficar esperando que eles

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    sejam feitos pelos rgos competentes, as-sim como no esperei para criar o Centro In-tegrado de Comando e Controle do governo. J tinha a experincia de 2007 e, se no tives-se feito, no teramos o centro. Ento no d para esperar.

    O conceito de segurana sofreu redu-cionismo em funo da m interpretao do que seja segurana pblica e do que seja po-lcia. A tnica de segurana pblica se redu-ziu proteo pela polcia. Ningum conhece os conceitos de segurana primria, secun-dria, terciria, situacional.

    Pouco se sabe efetivamente quais so os efeitos de uma lei produzida em Braslia ou qual a participao do Ministrio Pbli-co e do Tribunal de Justia nas questes de segurana. No se sabe quantas pessoas de-pendentes do crack existem hoje no Brasil. Ento, como construir uma poltica de com-bate ao crack se no se sabe efetivamente quem o cliente, se no se sabe quantos jovens esto em estado vulnervel no Brasil?

    O sistema penitencirio no recupera. E isso no uma crtica ao sistema penitencirio do Rio de Janeiro, uma crtica ao sistema peni-tencirio do Brasil.

    Das 30.300 pessoas presas em Bangu, 14.400 ganharam a liberdade. Entre estas, 3.300 voltaram para o presdio no mesmo ano em que foram soltas. Isso significa di-zer que 3.300 aes policiais tiveram que ser refeitas.

    No Brasil, o servio pblico no se co-munica como deveria. No h uma articula-o entre as diferentes instituies. A segu-rana pblica comea na fronteira, vem para a segurana primria, terciria, passa pelo Legislativo, Ministrio Pblico, chega Justi-a, abrange uma poltica de doenas do crack e termina na penitenciria. Historicamente, no Brasil inteiro sempre foi assim. Infeliz-mente, muitas vezes as questes terminam numa luta de poderes e vaidades. Esses so os muros que devem ser derrubados para que se consiga efetivamente avanar.

    Vista area da Enseada de Botafogo

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    Coronel Alberto Pinheiro NetoComandante Geral da Polcia do Rio de Janeiro

    Quando fomos convidados para assumir o Comando da Polcia Militar do Rio de Janeiro, eu e o coronel Robson Rodrigues t-nhamos mais de 30 anos de servio. J ha-vamos trabalhado como chefes do Estado Maior Operacional e Administrativo, respec-tivamente. O coronel Robson, inclusive, co-ordenou o processo de pacificao, quando criamos o Comando de Polcia de Pacifica-o, alinhado Coordenao de Assuntos Estratgicos, para centralizar todas as aes.

    Ao voltar ao comando, retomamos o programa de pacificao e pedimos s equi-pes que trabalhavam na rea estratgica uma avaliao de todos os projetos estrutu-rantes que a Polcia Militar tinha desenvolvi-do a partir de 2009. Precisvamos saber qual era o estgio desse processo e o que pode-ria ser feito. O resultado foi o pior possvel. Todos os bons projetos da Polcia Militar ha-viam sido deixados de lado.

    Mudana de cenrioA desordem operacional estava insta-

    lada em consequncia da inao de deter-minados organismos governamentais. En-contramos indcios de corrupo e desvios de conduta, que podem ter sido fatores ge-radores desse desequilbrio na estratgia de pacificao. Na rea de sade, por exemplo, o sistema da Polcia Militar tinha sido frauda-do, deixando 230 mil pessoas descobertas.

    Em qualquer parte do mundo, as insti-

    Nova estratgia de seguranaCoronel Alberto Pinheiro Neto

    tuies precisam de um alinhamento estra-tgico e de uma direo. Se no houver uma direo, o negcio no ir bem, seja ele p-blico ou privado. Alm disso, as instituies necessitam de um bom canal de comunica-o interna. Sem saber o que vai fazer no seu dia de trabalho, o funcionrio no ter todo o aproveitamento que se espera. Essas so questes bsicas de administrao que precisamos levantar neste momento.

    No final de 2014, observamos um mo-vimento de oscilao no processo de paci-ficao. Houve desequilbrio das foras de suporte, gerando uma desarticulao no sis-tema e nos ndices criminais. O policial, para sobreviver, foi obrigado a ir para a guerra. E, na guerra, ele e a populao sofreram uma srie de danos colaterais.

    Quando o pilar central desorganiza-do, todo o sistema vai junto. No processo de desequilbrio, o Comando de Operaes Especiais (COE) deixou de fazer as aes de interveno e apoiar as grandes operaes que mantinham a estratgia em pleno fun-cionamento. Tnhamos 12 mil policiais em reas pacificadas que recebiam o suporte operacional aqui fora. De uma hora para ou-tra, esse grupo passou a ter que tomar inicia-tivas por conta prpria.

    Os problemasEstvamos desenvolvendo o processo

    de retomada, mas as demandas foram au-mentando. O BOPE no estava mais supor-

    Um desequilbrio de foras, se refletiu na eficcia do sistema

    de pacificao e nos ndices criminais que subiram.

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    tando o volume, porque ele no faz s paci-ficao. Ento, colocamos outros segmentos junto ao BOPE, para que eles assumissem as demandas.

    Nesse contexto, outro problema surgiu: a motivao. Preparamos o policial para um tipo de atividade e, de repente, ele foi obriga-do a tomar iniciativas para as quais no rece-beu treinamento adequado. Era tudo o que ns no desejvamos que acontecesse com os policiais colocados nas reas pacificadas. Ou seja, ter a experincia com o front.

    Hoje comeamos a mudar esse cen-rio. Estamos passando motivao e liderana na Polcia Militar. Criamos uma cadeia de co-mando centrada num alinhamento estratgi-co e de treinamento. Estamos aportando re-cursos materiais e financeiros em um sistema que tem de funcionar muito bem para que exista um resultado satisfatrio. Seria muito fcil chegar aqui e efetuar o discurso padro: O policial vem da nossa sociedade... ou en-to, o que ns temos aqui o que vai ser a polcia...Isso seria muito fcil. Temos, porm, que analisar do ponto de vista da administra-o da gesto de pessoas, com uma viso es-tratgica mais ampla. No estou dando uma desculpa porque o policial no est fazendo o que tem de fazer ou no o faz da forma mais adequada. Essa uma questo clssica das empresas do ponto de vista de gesto.

    Retomada dos espaosQuando eu era o coordenador de As-

    suntos Estratgicos, desenvolvemos proje-tos estruturantes na Polcia Militar para dar instituio a capacidade de suportar esse movimento de retomada dos espaos que estavam, de certa forma, fora do controle do Estado. Tambm criamos estruturas que fos-sem capazes de suportar as demandas que estavam por vir Copa do Mundo, Jornada Mundial da Juventude e o maior evento da Terra, que ser a Olimpada 2016. Precisva-

    mos criar condies para que a Polcia Militar atendesse esses eventos na forma como se esperava. Trabalhamos em 34 das 39 unida-des em processo de pacificao.

    Fui montanhista no passado e sei que podemos, por exemplo, escalar o Po de Acar por 23 caminhos diferentes. Era o que tnhamos que fazer do ponto de vista estra-tgico na rea de operaes da Polcia Militar do Rio e, ento, descobrir um caminho para dar continuidade ao processo, em franco desenvolvimento, que era a implementao das Unidades de Polcia Pacificadora (UPPs).

    Propostas para reconstruoEsse ambiente tem de ser reconstru-

    do. Nossa ideia trabalhar os quatro pilares: Polcia de Proximidade, Comando de Opera-es Especiais, Otimizao da rea de instru-o e Modernizao dos quartis.

    Polcia de Proximidade o equivalente Delegacia Legal*, para

    que o policial militar retorne vocao origi-nal de preveno. O objetivo recuperar le-gitimidade e resgatar relaes deterioradas. E no focar apenas a reduo dos ndices de criminalidade, sem ouvir a populao. No mais a polcia direcionada somente a caar ou prender usurios de drogas, e, sim, a pol-cia que seja realmente prxima. No a pro-ximidade fsica, psicolgica e emocional, mas uma proximidade dos ideais republicanos. um sonho no s nosso como policiais, mas, acima de tudo, como cidados.

    Comando de Operaes EspeciaisO Comando de Operaes Especiais

    (COE) um grupo de mais de 2mil homens armados, equipados, motivados, treinados, com protocolo. Ele foi o corresponsvel pela ao inicial e pela preparao de terreno. Em funo do que a inteligncia define, o COE executa aes operacionais e d sus-

    tentao regio.Como existem reas com outra mo-

    dalidade de policiamento que precisam de apoio, o COE tambm trabalha nessas regi-es. Isso um sistema. Existe um fio condu-tor entre as Unidades de Polcia Pacificado-ra, o Comando de Operaes Especiais e os comandos de rea que congregam todos os batalhes da Polcia Militar.

    Este segundo pilar sofreu abalos no fi-nal de 2014, quando a estratgia de pacifica-o passou por um momento de oscilao. H uma ao coordenada entre as Unidades de Polcia Pacificadora, o Comando de Ope-raes Especiais e os comandos de rea que congregam todos os batalhes da Polcia Mi-litar. A desorganizao desse pilar central contaminou todo o sistema. Isso impactou o Comando de Operaes Especiais, que deixou de fazer as aes de interveno nas UPPs.

    Otimizao da rea de instruoA ideia tambm admitir em nossos

    quadros policiais militares com nvel supe-rior. Teremos dois mdulos de formao: um mdulo bsico e um mdulo complementar. O primeiro mdulo tem natureza tcnica-pro-fissional e desenvolvido em nossa escola profissional para contemplar justamente os candidatos com nvel mdio que ingressam no nvel bsico da organizao.

    Se for capacitado e tiver curso superior, o candidato poder entrar na academia mi-litar e fazer um mdulo complementar, em um curso com uma carga horria de mais de mil horas. J o segundo mdulo ter um nvel de especializao, como uma ps-graduao lato sensu, com nfase em poltica e gesto de segurana pblica.

    Uma nova concepo de quartelNo falo de obras fsicas, mas de mo-

    dernizao e tecnologia, que vo gerar con-trole e gerenciamento. a racionalizao de recursos administrativos e operacionais me-diante esse choque de gesto, que envolver o mapeamento de processos e tornar a de-

    ciso do comandante muito mais gil, muito mais prxima do tempo real, de forma que tenhamos mais recursos para colocar na rua.

    claro que isso vai gerar iniciativas cor-relatas. Por exemplo: um redimensionamen-to da nossa rea do Centro de Instruo e Aperfeioamento de Praa vai originar uma nova forma de entrar para a polcia, alm de outros modos de treinamento.

    Enredo do retornoEsse o enredo do nosso retorno. No

    voltamos porque temos uma cartola de onde vai sair um coelho, infelizmente no h essa possibilidade. Temos um projeto, um dire-cionamento e uma equipe de oficiais e pra-as jovens muito motivados. A Polcia Militar, hoje, tem um efetivo de 50.201 mil pessoas. O nosso policial l na ponta da linha deve ter um bom exemplo. Ele tem de olhar para cima e ver um grupo que se prope a fazer um trabalho srio, que d resultados para a instituio.

    * Programa de informatizao e modernizao das delegacias policiais da Polcia Civil do Estado do Rio de Janeiro, iniciado em 1999. Compreende a padronizao dos registros de ocorrncia (RO) e procedimentos decorrentes, como controle centralizado e criao de um banco central de dados. (http://www.delegacialegal.rj.gov.br/)

    Policial da UPP observa o territrio ocupado

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    Coronel Robson RodriguesChefe do Estado Maior da Polcia Militar do Rio de Janeiro

    Havia uma grande demanda pela pacificao que requisi-tava um enorme esforo da corporao. Tnhamos problemas externos e internos, alm de resistncia a uma mudana radical. Camos em uma armadilha ao aceitar uma trilha equivocada de partirmos para a guerra. Com isso, perdemos a vocao da preveno, o que causou um estrago imenso em nossas estruturas e tornou-se necessrio remodel-las.

    A Unidade de Polcia Pacificadora (UPP) nasce de um acaso feliz, porque aponta para uma possibilidade j reconhecida como im-possvel, de ocupar e retomar locais que j foram vistos como impenetrveis pela polcia.

    No temos oferecido um servio de qualidade porque nossas estruturas no foram reformadas no tempo adequado. As oportunidades surgiram e no avanamos na velocidade desejada. Camos nessa ar-madilha, deformamos nossas estruturas e quando surgiu a oportunidade das UPPs, no tivemos as estruturas adequadas.

    Somadas a estas dificuldades tivemos

    Temos que reformular e modernizar a corporaoCoronel Robson Rodrigues

    outras. Estvamos em plena crise institucio-nal, moral, de credibilidade. Recebemos de-nncias de corrupo que atingiram as mais altas patentes da corporao.

    Temos uma histria de interrupo de comandos, de culturas de processos. Em oito anos de gesto, tivemos sete diferentes co-mandantes. Precisvamos de um tempo de transio para rever os planos, verificar o que foi perdido, que processos foram inter-rompidos. Sabamos que teramos de sanar esta crise.

    Interrupes de processosNenhuma instituio sai ilesa aps su-

    cessivas interrupes de processos. Foi pre-ciso tentar sanar a crise institucional e moral e resgatar a credibilidade no s fora da ins-tituio, mas tambm internamente. Aceita-mos o desafio com algumas condies.

    A primeira delas foi a reformulao dos protocolos e dos conceitos de UPP e de poltica de pacificao. Isso inclui espaos distintos para a segurana pblica e para as polcias Militar e Civil. A PM faria a pacifica-

    No h sustentabilidade se no houver uma

    modernizao da polcia.

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    o junto com as UPPs.Outro ponto ser investir em aes de

    correo a fim de transform-las de reativas em proativas.

    E, por fim, a abertura de um canal de comunicao com a sociedade, um dilogo que garanta a capacidade de resposta e o suporte tecnolgico. Esses so os pontos b-sicos.

    Sabe-se que este um trabalho a ser feito de mdio a longo prazo. As negociaes incluem investimentos e um plano estratgi-co. A pacificao nos proporcionou uma le-gitimidade que nunca tnhamos conseguido. Mesmo sendo uma ao fundamental, no ti-nha sido feita em 200 anos, nem pela polcia nem por outra instituio pblica. Ali estava o caminho, a direo, para que pudssemos reformular a corporao e moderniz-la ao mesmo tempo, com esse novo formato.

    ModernizaoNo h sustentabilidade se no houver

    uma modernizao da polcia. Pagamos caro por uma demanda muito forte e quantitativa e ainda faltou investimento qualitativo para as reformas estruturais.

    Estamos falando aqui da modernizao da corporao. dela que sai, de forma equi-vocada, uma viso reducionista da segurana pblica, que imagina que a pacificao se faz somente com polcia. Somos uma instituio militar e h resistncias internas por causa do tradicionalismo e do forte conservadoris-mo interno.

    Temos que sanar a crise com um plano de comunicao interna e externa, que seria traduzido em aes prticas.

    Batalho de Polcia de Proximidade O projeto do Batalho de Proximidade

    vinha sendo desenvolvido pela Polcia Mili-tar h algumas dcadas, mais precisamente desde 1999, quando foi criada a Delegacia Legal, como programa que revolucionou a atividade da Polcia Civil, trazendo tecnolo-gia, processos, uma arquitetura e um novo

    conceito de atuar.Este batalho completamente dife-

    rente do tradicional, j que prev a descen-tralizao operacional. O comandante da UPP responsvel por alguns bairros e ruas, para que a populao no fique dependen-te de um coronel que, s vezes, respons-vel at por mais de um municpio. preciso ainda atribuir responsabilidade aos policiais daquele comandante para que a sociedade os conhea e se estabelea com ela um canal de dilogo.

    Para o policial militar, o Batalho de Proximidade o equivalente Delegacia Legal para o policial civil, que retorna as-sim sua vocao original de preveno. Acabar com a polcia direcionada a apenas prender usurios de drogas, e resgatar a polcia realmente prxima dos ideais repu-blicanos. O objetivo recuperar a legitimi-dade e resgatar as relaes deterioradas e no mais restringir a polcia ao foco de

    apenas reduzir os ndices de criminalidade, sem ouvir a populao. um sonho no s nosso, como policiais, mas acima de tudo como cidados.

    H muito trabalho a ser feito. Traamos todas as aes necessrias at 2018 para que tudo isso se concretize. Temos corrido muito. J conversamos com os mentores intelectuais do Programa Delegacia Legal e estabelecemos com eles a proposta de um projeto de pesquisa a ser apresentado Fun-dao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) para obter os recur-sos necessrios. Teremos a um cronograma com um projeto bsico. No vai acontecer da noite para o dia, nosso sonho que todos os policiais do estado do Rio de Janeiro rece-bam esse tipo de aprendizado, as boas prti-cas que surgiram com a atuao das polcias nessas UPPs.

    Estamos comeando um projeto-piloto na Tijuca. Um ms depois, implementaremos

    o projeto em Niteri. Isso j est sendo pen-sado h muitos anos a partir de experincias bem-sucedidas em outros pases, como o Chile, a Colmbia e a Guatemala. Trabalha conosco uma equipe do Centro de Estudos de Segurana e Cidadania. No um produto acabado, est sujeito a crticas para que seja aprimorado.

    Estas aes sero avaliadas por uma instituio externa e isenta em trs meses a partir dessa instalao, o que no aconteceu com a UPP, por exemplo.

    Plano de trabalhoNa prtica, o policial vai ter o foco. Exis-

    te um modelo de policiamento chamado po-liciamento orientado para o problema, com uma metodologia por meioda qual o policial que assume o servio j sabe que problema que mais preocupa os moradores daquela rea. Isso colocado no plano de trabalho do policial.

    Em relao ao contingente, a proposta racionalizar os processos. A questo no ser quantidade, mas qualidade. Os bata-lhes no sero to grandes como hoje, se-ro menores, com um suporte tecnolgico e uma arquitetura menor.

    Estamos aproveitando para imple-mentar um projeto bsico que vai englobar quatro bairros: Andara, Vila Isabel, Tijuca e Graja. Algumas cabines sero reaproveita-das, mas j estamos pesquisando um mode-lo mais interessante. Comea pela cabine e a mudana que o capito vai estar l, para se comunicar diretamente com a populao. Tambm vamos fazer isso no prprio coman-do da corporao. Esse capito ser o res-ponsvel local pelas demandas de segurana pblica.

    Tambm no podemos pensar que os terrenos sejam da PM. Eles so do Estado e esto subordinados s instituies de polcia. O importante o que vamos fazer com isso. No caso do 2o BPM, j temos uma propos-ta de aproveitar os terrenos para as compa-nhias. Essa a troca.

    Oficial cumprimenta moradora de comunidade pacificada pelas UPPs

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    Aes de prevenoEstamos em processo e j vnhamos

    testando algumas alternativas. Havia um pro-grama de retirar as armas pesadas por causa do estresse da prpria instituio, que acre-dita que a nica resposta vivel o combate. O confronto no d espao preveno. O policial acaba no entendendo que uma ao de preveno pode surtir um efeito positivo e no chegar a uma ao mais conflituosa, que gere o confronto.

    Mapeamos reas onde os indicadores criminais eram muito reduzidos e as chances de confronto armado, muito pequenas. Du-rante o processo de pacificao, havia reas em que no foram feitos disparos por alguns meses;mesmo assim, o policial andava ar-mado at os dentes. O prprio comandan-te-geral, quando era chefe do Estado Maior Operacional, estabeleceu um programa que retirava, aos poucos, esse armamento. Fo-ram retirados de circulao 400 fuzis e in-troduzidas as armas de choque. Houve re-clamao, mas, aos poucos, eles foram se acostumando e verificaram que na prtica no havia necessidade de se usar o fuzil. Ali-s, o fuzil completamente inadequado para aes urbanas e de preveno. Comeamos a mostrar a esses policiais que eles se depa-rariam muito mais com aes de preveno, de mediao de conflito.

    DesmilitarizaoA desmilitarizao, ainda que conside-

    rada, improvvel, porque h uma questo correcional para ser resolvida. O interessan-te tirar o melhor das estruturas militares. E, ao transformar os batalhes, estamos di-zendo o seguinte: no queremos este tipo de estrutura militar porque ela no atende populao.

    O servio de polcia atende s socie-dades democrticas, preciso retirar todo o peso administrativo da lgica militar, cuja estrutura prev a mobilizao e a desmobili-zao rpida de todo um batalho. Esse ba-talho vai ter rancho, vai ter banda, quando

    sai, vai todo mundo junto, at o cachorro vai para a fronteira.

    Controle da foraNossa ltima mobilizao foi na guer-

    ra do Paraguai. Ainda existe uma legislao qual somos subordinados como militares que somos. E no podemos divulgar isso, a no ser que seja o que est na Constituio. Vamos oferecer o melhor com o que temos e o que entendemos ser o melhor para a po-pulao, que mudar toda essa estrutura dentro do possvel na legislao atual. Pode-mos terceirizar servios que no nos digam respeito, como o do rancho, por exemplo. O melhor termo no desmilitarizao, mas modernizao. Isso significa encontrar o ca-minho certo entre a polcia e a sociedade de forma a oferecer o melhor servio.

    Sade policialA partir de pesquisas como a da Fun-

    dao Oswaldo Cruz sobre dimenses do trabalho policial, tivemos a oportunidade de refletir sobre o que impacta positiva e negativamente a atuao policial. Marca-mos algumas dimenses como a sade fsica, a sade mental, o aspecto discipli-nar, moral, a habilidade tcnica a vem a abordagem e, mapeando essas dimenses, estaramos enquadrando o perfil do poli-cial que desejamos. Ao invs de sermos so-mente reativos, ou seja, atuarmos aps o problema ocorrer, o nico aspecto levado em considerao o correcional, que apa-ga outra percepo de problemas estrutu-rais de suporte, de uma qualificao ade-quada, de suporte na sade desse policial, nos nveis de estresse.

    Proficincia da atividadeIniciamos um projeto sobre o progra-

    ma de controle da fora a partir de indica-dores. Cada policial ter essas dimenses mapeadas, o que vai se transformar em um ndice. Cada policial ter seu ndice de profi-cincia analisado pela corporao. A ideia

    que isso nos d a chance de agirmos preven-tivamente quando aquele policial determi-nado comear a apresentar algum problema em um tipo de indicador, que possa acabar em uma conduta equivocada e oferea mais risco pera ele e populao.

    um projeto j iniciado. O Laboratrio de Anlise da Violncia da UERJ est mode-lando estes indicadores. Planejamos a fr-mula de como vamos aplicar essa avaliao em toda a corporao. Para dar institucio-nalidade, vamos incluir este ndice em nossa legislao e regulamento, o que vai nos faci-litar at na ascenso da carreira ou em uma situao oposta, a retirada do policial para um tratamento adequado, para programas corretivos de apoio e suporte, de forma que essa conduta nem sempre parta deliberada-mente dele. No caso de a instituio ter fa-lhado, precisamos corrigir essa falha antes que ocorra algum problema maior.

    Fachada da UPP dos morros Chapu Mangueira e Babilnia

  • 18 ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO 19

    H um eixo estruturante sobre o modelo de ingresso e de ascen-so na carreira do policial militar. Tradicionalmente, nosso sistema fragmen-tado. Temos dois modelos: um que voltado para os praas e outro, para os oficiais. Mas estamos trabalhando na minuta final de um estatuto para criar o novo modelo de carrei-ra nica, de forma que possamos valorizar o conhecimento e o capital intelectual de cada um dos nossos policiais. A ideia tambm admitir, em nossos quadros, policiais milita-res com nvel superior.

    O candidato civil que desejar ingressar na corporao poder faz-lo na condio de oficial, mas precisar cursar o mdulo bsico, igual para todos os policiais. No haver dis-tino na formao bsica do policial. Tanto o oficial como o praa passaro pelo mesmo processo formativo e para isso um esforo de nivelamento est sendo planejado. Estamos fechando uma parceria com universidades e rgos do prprio Estado para os que ainda no possuem diploma de graduao terem a oportunidade de fazer o curso tcnico em

    Formao e plano de carreiraCoronel Antnio Carballo

    segurana pblica. H uma expectativa de ni-velar, em no mximo trs anos, os policiais militares que se interessarem. O novo mode-lo ser implementado assim que o processo administrativo for concludo.

    Atualmente, o curso na Academia de Polcia Militar tem durao de trs anos e o da Escola de Formao de Praa, 27 sema-nas. Com o novo modelo, a carga horria para a formao do oficial ser reduzida, porque ser exigido do candidato o terceiro grau completo.

    Para ingressar na academia, o candida-to civil ter de cursar o modo bsico dos de-mais policiais e passar tambm pelo mdulo complementar. No caso dos oficiais, haver uma reduo no curso de formao, de trs anos para um ano e meio, no mximo. Tere-mos um ganho do ponto de vista da carrei-ra, possibilitando ao policial militar que fez o curso bsico ascender ao posto mais alto da organizao. Manteremos uma janela de oxi-genao aberta para o candidato do mundo civil. Vamos ganhar ento em termos de mo-tivao e de estmulo carreira profissional.

    certo que vamos ter um choque entre um velho

    e um novo modelo.

    Coronel Antnio CarballoResponsvel pela rea de Assuntos Estratgicos da PMERJ

  • 20 ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO 21

    RefnsDurante muito tempo, ficamos refns

    de uma situao politicamente engendrada que at hoje custa muito caro para ns: a fa-migerada promoo por tempo de servio. Isso causa um marasmo interno em relao possibilidade de o policial militar se desen-volver profissionalmente, porque ele fica de braos cruzados, aguardando para ser pro-movido. Uma das aes j implementadas foi a abertura do curso de formao de sar-gentos, o que no ocorria desde 2006. Antes disso, a promoo era em funo do tempo de servio. Com isso, esperamos melhorar a qualidade desse policial, que na prtica um elo de ligao entre o oficial e o soldado que executa o trabalho na rua diuturnamente. Teremos ento um corpo de sargentos mais bemcapacitado, mais bemhabilitado para exercer esta funo de liderana.

    Em relao ao plano de carreira, existe algo semelhante no Distrito Federal e em Mi-nas Gerais, mas nossa proposta mais radi-cal. Nosso objetivo criar um novo ambiente na instituio, onde os praas se sintam mo-tivados a agir com comprometimento.

    Aproximao entre polcia e comunidade: um dos pilares das UPPs

  • 22 ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO 23

  • 24 ABRIL DE 2015 | CADERNOS VIVA RIO

    www.vivario.org.br