CAPÍTULO 01 - megapro
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CAPÍTULO 01
CENA 01. SÃO PAULO/ PARQUE DO IBIRAPUERA/ EXTERIOR/
DIA.
FADE IN. CAM aérea mostra a beleza do parque verde,
contrastando com seu imenso lado no tom azul.
(Fade in trilha “Open Bar” – Pabllo Vittar).
Corta para uma passarela grande, imponente, montada em
meio à sombra das árvores. Várias modelos desfilam,
como em fila indiana, até voltarem ao início da
passarela e formarem uma barreira.
(Fade out trilha anterior/ fade in trilha “Amor,
Amor“- Wanessa).
PLANO FECHADO Mostra uma sandália de salto dourada.
CAM abre em PLANO GERAL e mostra as modelos saindo
pela lateral, enquanto uma mulher (loira, 35 anos,
vestido longo vermelho) desponta no início da
passarela.
Imagens da plateia em êxtase, vibrando, sorrindo.
Várias pessoas assistem ao desfile, nas dezenas de
fileiras em volta da passarela. Poltronas douradas e
devidamente alinhadas. Ao fundo, sobe um telão em
letras vermelhas, com os dizeres: “COLEÇÃO PASSOS DA
PAIXÃO – POR SÍLVIA CARDOSO”.
A mulher desfila pela passarela sob os flashes dos
fotógrafos e delírio da plateia, com um caminhar
gracioso e preciso. Ao chegar à ponta da passarela,
ela sorri e pisca o olho para a CAM. Ela volta até o
início da passarela, sorri para a plateia, que aplaude
de pé.
Um homem da produção vem com um microfone e a entrega.
(FADE OUT TRILHA “amor, amor” – Wanessa).
MULHER - (Emocionada) Agradeço muito a toda a equipe
que esteve comigo, que sempre trabalhou nos bastidores
para que eu brilhasse lá fora e aqui também, para o
meu público. Foram 20 anos de passarela. Comecei e
terminei um ciclo aqui, no Ibirapuera.
Olha emocionada para o horizonte.
MULHER (Voz embargada)- Não é um adeus, até porque
estarei modelando na Fotografia, mas fica aqui
registrado a minha gratidão a todos vocês. Obrigada!
Do fundo do meu coração!
Todos a aplaudem.
MULHER – Para terminar, eu queria agradecer a minha
amiga Silvinha, que fez essa coleção linda para o meu
encerramento. Ela não pode estar aqui, mas lá da Vila
Isabel, tenho certeza que ela acompanhou e torceu para
que tudo aqui desse certo.
Mais aplausos. Uma chuva de pétalas de rosas amarelas
cai sobre a mulher.
(Fade out trilha “Amor, amor” – Wanessa).
CENA 02. BACK-STAGE/ INT./ DIA.
Uma grande tenda branca, fechada também nas laterais,
onde visitantes, modelos e produtores circulam pelo
local.
A mesma mulher da cena anterior, está sentada de
frente para um grande espelho, retirando a maquiagem
de seu rosto, quando um homem (30 anos, cabelo preto,
curto, alto, branco, trajando calça jeans e camisa
polo azul) com as mãos para trás, tem sua imagem
refletida no espelho.
Ela se levanta e vira-se para ele.
MULHER – Eu não sabia que viria.
O homem sorri trás sua mão para frente e revela um
enorme buquê de rosas vermelhas.
HOMEM (ENTREGANDO) – É para você, Maria Fernanda.
Ela sorri, pega o buquê e o cheira.
MARIA FERNANDA – Obrigada, Heitor.
HEITOR – Gostou?
Maria Fernanda olha para o buquê, sorridente. (Fade in
trilha “Pra você guarde o amor” – Nando Reis).
HEITOR – Rosas vermelhas são as suas prediletas,
acertei?
MARIA FERNANDA – Acertou, claro. Mas não cai bem, você
me mandar flores vermelhas. Eu sou uma moça
comprometida e você é casado.
HEITOR – Foi pra poder celebrar essa sua nova fase,
mostrar que você é importante. Eu sei que sou casado,
mal casado, mas sou...
Heitor se afasta.
MARIA FERNANDA – Heitor!
Ele para e vira-se para ela.
MARIA FERNANDA – Eu amei as flores. Obrigado por
sempre acompanhar a minha carreira.
Ele sorri e sai.
(Fade out trilha “Pra você guardei o amor” – Nando
Reis).
CENA 03. AP. ANA LUÍSA/ SALA/ INT./ DIA.
Abre na sala de um apartamento luxuosíssimo, com
esculturas nobres e pinturas de diversos artistas
famosos. Uma mulher (45 anos, alta, magra, elegante,
cabelos cor de mel e lisos até no meio das costas, com
um conjunto saia e blazer preto de bolinhas brancas,
salto alto no mesmo estilo da roupa), ela vem da
cozinha com um copo de água em uma das mãos e o tablet
em outra.
MULHER (olhando o tablet) – Então quer dizer que a
Maria Ondina fez uma festa no Espaço Fama e não me
chamou pra ser a promoter? Tô chocada.
A mulher deposita o tablet numa escrivaninha e se
senta no sofá, tomando água. A campainha toca. Ela se
levanta e vai atender.
MULHER – Constância Edwiges?
(Fade on trilha “Tudo em Paz” – Seu Cuca).
Uma senhora (55 anos, estatura mediana, branca,
cabelos castanhos dourados em um corte Chanel, muito
elegante, com um longo vestido em tom pastel e óculos
escuros), adentra a sala.
MULHER – O que faz aqui, Constância?
CONSTÂNCIA – Eu marquei horário com a sua empregada.
Não lembra, Ana Luísa?
ANA LUÍSA – Infelizmente não lembro.
CONSTÂNCIA – Falei, ainda ontem com a Christine.
ANA LUÍSA – Ah, sim... Bom, a Christine deve ter se
esquecido de me comunicar. Mas, o que te traz aqui?
CONSTÂNCIA – É de boa educação convidar as visitas a
se sentarem, sabia?
ANA LUÍSA – Perdoe-me, Constância. Sente-se, por
favor!
As duas se sentam.
ANA LUÍSA – Aceita uma água, um café, um suco?
CONSTÂNCIA – Não, agradecida. O motivo que me trouxe
aqui foi o de planejar um mega evento em um curto
espaço de tempo, você daria conta?
ANA LUÍSA – Sou Ana Luísa Aimi, a promoter mais
badalada, eficiente e inteligente de toda São Paulo.
Pode dizer, o que for eu faço!
CONSTÂNCIA – Bom saber. Daqui um mês, a AROMA, empresa
do meu marido, vai fazer 30 anos, e nós queremos uma
mega festa para lançar a nova linha de produtos
cosméticos e também, para dar um up maior na empresa.
ANA LUÍSA – Proposta interessante. Seria uma festa
intimista?
CONSTÂNCIA – Deus que me livre. De intimista já basta
o que a gente faz no banheiro todos os dias. Quero uma
festa badalada para 500 convidados com champanhe e
canapés a rodo. Quero também: fotógrafos, jornalistas,
umas celebridades, esse pessoal da TV, e os nossos
inimigos. É uma festa para emoldurar o século XXI.
ANA LUÍSA – Eu faço tudo com a maior agilidade. Vários
ambientes, comida, bebida e música da mais alta
qualidade, mas isso gera um custo alto.
CONSTÂNCIA – Eu não vim fazer orçamento, querida. Eu
vim te contratar, saber se você é apta a realizar e
administrar uma festa pra High Society Paulistana.
ANA LUÍSA – Claro que sou. Fiz meu nome na maior
qualidade. Bom, agora vou te mostrar o catálogo de
bufê, fotógrafos, DJ’s, iluminação, flores, tecidos,
tudo que você queira.
Ana Luísa se levanta, vai até a sua escrivaninha e
pega o tablet, volta a se sentar próxima a Constância
e começa a lhe mostrar fotos e a dar sugestões.
CENA 04. PARQUE IBIRAPUERA/ EXT./ DIA.
Várias pessoas caminham pelo local. Algumas saindo do
desfile, outras passeando. De repente, uma mulher (45
anos, morena clara, cabelos avermelhados e ondulados,
magra, de vestido azul) e um homem moreno (38 anos,
cabelo preto e curto, de calça jeans e camisa polo
preta), acabam se esbarrando e se encaram.
MULHER – Bento?
HOMEM – Virgínia? O que você tá fazendo aqui?
VIRGÍNIA – Eu que te pergunto Bento: o que você está
fazendo aqui?
BENTO (sem jeito) – Bom, eu vim... Vim assistir ao
desfile... Circular pelo mundo da moda... Afinal de
contas, promoter de eventos tem que fazer isso.
VIRGÍNIA – Que promoter, Bento? Você me saiu de casa
dizendo que tinha conseguido um emprego numa corretora
imobiliária. Agora tá aí, vendo o desfile de despedida
da Poderosa.
BENTO – Meu amor, você me conhece, sabe que não me
sujeito a qualquer emprego. Preciso arranjar um cargo
a altura da minha capacidade. Aquele negócio de vender
apartamento não tá com nada. O país tá em crise. O
negócio é ter contatos com os endinheirados e tentar
carreira como promoter. Não vê a Ana Luísa Aimi?
Começou assim, indo a eventos e arrumando uns
contatos.
VIRGÍNIA – Eu me mato de fazer faxina na casa dessas
madames do Morumbi e você curtindo desfile. Olha,
Bento, tô cansada de ficar bancando essa sua fantasia
de emprego perfeito. Enquanto isso, a idade passa, e
eu tô pagando luz, compra, telefone e água.
BENTO – Ok! Eu sei que não estou pagando nada em casa,
mas o que você, uma faxineira, estaria fazendo num
desfile de moda?
Virgínia fica apreensiva.
VIRGÍNIA – Eu. (pausa, sua um pouco) Eu também gosto
de moda, ora bolas. Acha que só patricinha é ligada
nessas coisas? Gosto de me atualizar, de estar bonita
para o meu marido. Não posso?
BENTO – Claro que pode. Te confesso que até gosto.
VIRGÍNIA – Então vamos para casa?
BENTO – Não posso. Vai rolar um coquetel daqui a pouco
e eu fui convidado. Um empresário muito importante vai
estar lá e você sabe como é, tenho que tentar
contatos.
VIRGÍNIA – Olha lá hein Bento.
BENTO – Fique tranquila, minha rainha. Eu tô buscando
o melhor para nós.
Bento olha para os lados e, rapidamente, dá um selinho
em Virgínia.
BENTO – Deixa eu ir, não posso me atrasar.
Bento se afasta.
CENA 05. SÃO PAULO / EXT. / DIA.
(Fade in trilha “SAMPA” – Caetano Veloso).
Imagem aérea de pontos estratégicos e conhecidos da
capital. TAKES da Avenida Paulista, o MASP, Memorial da
América Latina, Catedral Metropolitana, e toda a
extensão de avenidas conhecidas, como a Marginal Tietê
e seu tráfego fluindo.
CENA 06. SHOPPING/ INT./ DIA.
(Fade out trilha “SAMPA” – Caetano Veloso). Uma
mulher, 32 anos, magra, alta, morena clara, cabelos
levemente cacheados e na altura do ombro, trajando um
macacão preto, de tecido nobre, muito elegante. Ela
observa as vitrines com muita atenção, até que entra
em uma loja.
CENA 07. SHOPPING/ LOJA/ INT./ DIA.
Uma loja elegante, com cores sóbrias, ambiente
requintado. A mulher da cena anterior está olhando
alguns calçados. Uma senhora, 50 anos, baixa, cabelo
curto e em tom avermelhado, com um uniforme, se
aproxima.
SENHORA – Posso lhe ajudar?
A mulher vira-se, olha à senhora espantada.
MULHER – De você eu não quero nenhuma ajuda, quero
distância.
SENHORA (triste) – Não faça isso comigo, Karen.
MULHER – Eu não sou Karen. Meu nome é Rafaela
Matarazzo. E faz uma coisa, Selma, esquece que me
conhece.
SELMA – Por que você não me aceita?
RAFAELA – Eu não tenho que aceitar ninguém. Cada um
escolhe a vida que quer levar. Eu escolhi a minha, e
nela não cabe você, ou aquela sua família de ratos.
SELMA – É uma pena que você renegue a sua...
RAFAELA (corta/ gritando) – Não ouse pronunciar essa
palavra, sua brega. Velha porca, pobre e brega.
A gerente (mulher branca, alta, entre 45 e 50 anos,
elegante e com um uniforme sofisticado) se aproxima
das duas.
GERENTE – O que tá acontecendo aqui?
SELMA – Não é nada.
RAFAELA – Como não é nada? Essa senhora está me
importunando. Disse coisas horrorosas para mim.
Admira-me muito, uma loja elegante e conceituada, ter
no seu quadro de funcionários uma caipirona velha e
sem educação.
GERENTE – Peço desculpas dona Rafaela. A senhora é uma
cliente vip e garantimos que isso jamais voltará a se
repetir.
RAFAELA – Mas não vai se repetir mesmo. Enquanto essa
senhora estiver aqui, eu não volto a pisar nesse lugar
e direi para todas as minhas amigas fazerem o mesmo.
Vamos boicotar essa loja.
GERENTE – Não precisará fazer isso, a dona Selma está
sendo demitida.
SELMA (surpresa) – O que? Como assim?
GERENTE – Isso mesmo, dona Selma, a senhora está
demitida. Pode ir ao seu armário e pegar suas coisas.
Amanhã a senhora passa no Departamento Pessoal e
acerta suas contas.
SELMA (chorando) – Por favor, me dá uma chance. Eu
tenho família pra cuidar.
GERENTE – Negativo. Pensasse na família que tem pra
cuidar, antes de insultar uma cliente tão fiel, como a
dona Rafaela.
A gerente se afasta. Selma cai num choro e Rafaela
vibra feliz, altiva.
RAFAELA – Isso foi só uma palhinha do meu poder de
munição. Não atravessa o meu caminho não, pois a
próxima vez vai ser muito pior.
SELMA – Pra que fazer isso? Você se diverte com a
desgraça alheia.
RAFAELA – Fiz isso pra você ter noção do seu lugar no
espaço, e mostrar que somos muito diferentes, que
pertencemos a mundos diferentes.
Rafaela sai da loja.
CENA 08. SÃO PAULO/ MARGINAL TIETÊ/ EXT./ NOITE.
(Fade in trilha “Tudo em Paz” – Seu Cuca).
Imagem aérea de um táxi em movimento, em meio ao
tráfego de automóveis.
CORTA PARA O TÁXI: Na parte traseira, Bento e Maria
Fernanda estão sentados e abraçados um ao outro. Ela
bastante cabisbaixa e pensativa.
BENTO – O que foi, meu amor?
MARIA FERNANDA – Não pisar nas passarelas,
profissionalmente, acaba dando uma sensação de vazio.
BENTO – Um ciclo se encerra, para que outro comece.
Agora é hora de você pensar em você. Viajar, casar
comigo, planejar os nossos filhos. Quero uma família
bem grande.
MARIA FERNANDA – Será que eu dou conta de ter uma
família desse porte?
BENTO – E por que não?
MARIA FERNANDA – Você sabe. Eu não tive mãe e nem tive
pai, fui criada naquele orfanato. Criada sem afeto,
sem ter alguém que pensasse em mim, que me abraçasse
no aniversário, que me compreendesse.
Maria Fernanda deixa escorrer uma lágrima.
BENTO – Não chora, meu amor. Você foi maior que esse
passado. Tornou-se uma supermodelo, é reconhecida como
a Poderosa das passarelas.
MARIA FERNANDA (secando o rosto) – Tem razão. É para
frente que se anda. Não vou mais deixar que esse
passado me atormente.
Bento sorri. Os dois se beijam.
(Fade out trilha “Tudo em Paz” – Seu Cuca).
CENA 09. HOTEL DE LUXO/ CORREDOR/ INT./ NOITE.
Um senhor (entre 55 e 60 anos, alto, branco, cabelos
grisalhos, de terno e gravata alinhados) anda por um
enorme corredor, até parar em frente uma porta e tocar
a campainha. A porta se abre sem revelar a outra
pessoa.
SENHOR (com desejo) – Isso tudo é pra mim? Faz assim
não que gamo.
(Fade in “Não tô valendo nada” – Henrique e Juliano).
O senhor sorri e, de repente, uma luva preta, de couro
e muito sensual, o puxa para o interior do quarto e
bate a porta com força.
CENA 10. MANSÃO MATARAZZO/ FACHADA/ EXT./ NOITE.
Uma enorme casa em formato de palacete, com
arquitetura medieval e esculturas do período romano na
porta de entrada. Planos gerais do jardim, muito
colorido e bem cuidado, com inúmeras flores, dentre
elas: rosas, margaridas, violetas, antúrios e copos-
de-leite, tudo iluminado por luzes que mudam de cor de
segundos em segundos.
CENA 11. MANSÃO MATARAZZO/ SALA/ INT./ NOITE.
Uma enorme sala em tom pastel, com um imenso sofá
branco de couro no meio da sala. No teto há um lustre
gigantesco. Atrás do sofá, uma escadaria toda em
mármore africano, que dá acesso ao piso superior. Numa
das paredes, tem uma enorme pintura do rosto de
Constância, ao lado uma lareira e uma poltrona de
frente para a mesma.
Heitor está conversando com uma mulher (25 anos,
cabelo preto e liso na altura do ombro, rosto
angelical, estatura mediana, branca, usando um vestido
amarelo com bolinhas brancas). Ambos estão sentados no
sofá.
HEITOR – Será que dá tempo de sair a nova linha nessa
festa de comemoração da AROMA?
MULHER – Claro que dá meu irmão. Eu mesma já
desenvolvi as principais essências.
HEITOR – Não sei, Helena. Fico receoso. Você sabe como
o papai é exigente quanto a isso. Se a gente
apresentar porcaria, ele nos frita vivos.
HELENA – Heitor, calma. A paciência é uma virtude dos
fortes. E isso eu sei que você tem. A gente vai
conseguir fazer isso sim, te garanto.
HEITOR – Deus te ouça.
HELENA – Tô com fome. Que horas iremos jantar?
HEITOR – Mamãe deve estar esperando o papai chegar.
HELENA – Ah, cada dia o papai chega mais tarde. Daqui
uns dias, jantaremos ao nascer do sol. Trocaremos o
horário das refeições. Ao invés de café, estaremos
tomando vinho.
HEITOR – Não seja exagerada. Uma horinha a mais, uma a
menos, não faz diferença. Aqui, tenho que te confessar
uma coisa.
HELENA – Diga!
HEITOR (cochichando) – Eu fui ao último desfile da
Maria Fernanda.
HELENA – A Poderosa?
HEITOR – É. Ela tava linda, extraordinária. Você
precisava ver. Eu acompanho o trabalho dela há anos,
tutoriais, desfiles, catálogos, entrevistas... Foi uma
honra falar com ela.
HELENA – Você falou com ela?
Heitor sorri e diz que sim com a cabeça.
CENA 12. SANTOS/ PLANOS GERAIS/ NOITE.
(Fade in trilha “FIREWORK” – Katy Perry). Imagens
aéreas revezando com planos gerais da cidade de
Santos: Igreja e Estação do Valongo, Monte Serrat,
Aquário de Santos, Museu do Café, Pinacoteca Benedito
Calixto.
CENA 13. EDIFÍCIO VILA BELMIRO/ FACHADA/ EXT./ NOITE.
Um enorme prédio todo em pedra. Ao lado da entrada
principal há um portão branco, que combina com as
grades que cercam o prédio, todas em cor branca, com
uma placa sinalizando: ”Garagem”. Nesse instante o
portão é aberto, eletronicamente e um carro preto,
modelo celta, ano 2008, quatro portas, entra. O portão
volta a se fechar.
(Fade out trilha “FIREWORK” – Katy Perry).
CENA 14. EDIFÍCIO VILA BELMIRO/ APTO. CHARLOTE/ INT./
NOITE.
Uma enorme sala, TODA EM TOM CINZA, INCLUINDO: sofá,
lustre, quadros na parede, cortinas, tapetes. O local
está impecavelmente limpo e organizado. Numas das
paredes tem uma TV de plasma de 60 polegadas.
Uma mulher (negra, 35 anos, alta, corpo definido,
cabelo longo e em estilo afro, vestindo uma camisola
branca e curta) está sentada no sofá. De repente, um
homem (branco, 40 anos, alto, malhado, cabelos
levemente longos, barbudo, trajando roupa esportiva)
entra no apartamento.
A mulher logo se levanta e dá um beijo surpresa no
homem.
MULHER – Tô aqui te esperando. Fiz até uma
superprodução. Gosta?
Meio a contragosto, o homem olha a mulher dos pés a
cabeça.
HOMEM (sem animação) – Você tá linda, Charlote.
CHARLOTE – Mas que falta de animação é essa? Caramba,
Márcio. Eu me arrumo pra você, compro camisola nova,
me perfumo, fico horas te esperando e recebo um “você
tá linda”, como se tivesse falando de um par de meias?
MÁRCIO – Desculpa Charlote, são problemas. Não é nada
com você, o problema é comigo.
CHARLOTE – Comigo não é mesmo. Há dois meses que a
gente não tem nada. Nossa cama esfriou de uma maneira
que eu nem sei dizer.
MÁRCIO – Deixa eu tomar um banho. Cheguei suado da
academia, quero poder refrescar e descansar.
CHARLOTE – Ao menos hoje você vai dormir na nossa
cama? Porque há dias que você anda me evitando e
evitando a nossa cama. Não tô entendendo.
MÁRCIO – Já disse, o problema é comigo. Mas eu vou
dormir na “nossa cama”.
Márcio sai e Charlote fica pensativa.
CENA 15. SÃO PAULO/ RESTAURANTE/ INT./ NOITE.
(Fade in trilha “Tudo em paz” – Seu Cuca). Restaurante
elegante, agradável, com pessoas chiques e
requintadas. Em uma das mesas, ao fundo, Maria
Fernanda e Bento estão jantando.
MARIA FERNANDA – Fiquei tão feliz em saber que você
foi ao meu desfile de despedida.
BENTO – E como eu não iria?
MARIA FERNANDA – Ah, sei lá, você não confirmou. Disse
que tinha uns compromissos no dia.
BENTO – E teria mesmo, mas desmarquei. Tudo pra poder
acompanhar esse passo importante da vida da minha
rainha.
MARIA FERNANDA – Era um passo que precisava ser dado.
Eu construí uma carreira sólida nas passarelas, mas
chega uma hora que a gente tem que abandonar o barco.
É igual aquela calça favorita que não serve mais, uma
hora ela vai ser de alguém, menos sua.
BENTO – O importante é que você foi feliz. Tá com a
cabeça boa e sabe que fez o melhor.
MARIA FERNANDA – Eu não podia desfilar de bengalas né.
(risos).
BENTO – Mas agora, com a vida mais calma, eu acho que
você pode fazer outra coisa... Não sei se é seu sonho,
mas é o meu. Pode parecer egoísmo, mas na verdade
humildade, é amor, é afeto. Não dá pra viver assim, eu
quero mais, eu tenho sede e fome de mais.
MARIA FERNANDA – O que é meu amor?
Bento tira do paletó da blusa, uma caixinha e abre,
mostrando um anel lindíssimo. Maria Fernanda fica
deslumbrada e emocionada.
BENTO – Eu não tenho muito dinheiro, mas juntei
durante esses seis meses que estamos juntos. Poupei
cada tostão para te dar o que pra mim é o melhor.
MARIA FERNANDA – É lindo, meu amor. Eu adorei.
BENTO – Esse anel simboliza o nosso amor... Você
aceita se casar comigo?
MARIA FERNANDA (emocionada) – Casar? Você tá falando
sério?
BENTO – Nunca tive tanta certeza de algo na minha
vida, eu quero me casar com você, Maria Fernanda
Françoso.
Maria Fernanda cai num choro de felicidade, enquanto
Bento coloca o anel em seu dedo anelar direito. Os
dois se beijam.
CENA 16. MANSÃO MATARAZZO/ QUARTO DE CURY/ INT./ NOITE
(Fade out “Tudo em paz” – Seu Cuca). O quarto está
todo escuro e em silêncio absoluto. Quando um senhor,
o mesmo da cena 7, entra no quarto, acende as luzes e
se depara com Constância, deitada na cama, com os
olhos bem abertos. Ele a olha, meio surpreso e, em
seguida, começa a tirar sua roupa.
CONSTÂNCIA (séria) – Você sabe que horas são, Cury?
CURY – Hora da senhora estar dormindo, ou como você
mesma diz, descansando a beleza.
CONSTÂNCIA – Virou rotina chegar tarde agora? Mês
passado era um ou dois dias na semana. Esse mês, não
teve um dia, nem aos domingos, que você não chegasse
tarde, extremamente cansado.
CURY – Você está insinuando o que?
CONSTÂNCIA – Não estou insinuando nada. Não quero
acreditar em ilusões. Mas os fatos falam por si. Eu
não sei onde você trabalha até tão tarde. O Heitor, a
Helena e todos os outros funcionários saem no horário
normal.
CURY – Acontece que o Heitor, a Helena e todos os
outros funcionários não são donos da empresa. O dono
sou eu, sou responsável por empregar milhares de
trabalhadores, direta ou indiretamente. Eu fico até
mais tarde fazendo balancete, vendo a produção,
desenvolvimento de produtos, importação e exportação.
Mas se você quiser, eu fico em casa, janto na hora
certa. É só você ir dar conta disso tudo pra mim.
Os dois ficam se olhando.
CONSTÂNCIA – Vai tomar seu banho. A Setembrina deixou
sua comida arrumada no micro-ondas.
Cury termina de se despir, ficando apenas de cueca, e
vai para a suíte.
CENA 17. SANTOS/ APTO. CHARLOTE/ SALA/ INT./ DIA.
(Fade in trilha “FIREWORK” – Katy Perry). Imagens de
Santos: Praia, Vila Belmiro, Prefeitura. Corta para a
sala do apartamento de Charlote. A campainha toca, e
ela vem do quarto, cara sonolenta, trajando um hobby
vermelho, vai e atende a porta.
CHARLOTE – Pois não?
Um oficial de justiça (50 anos, branco, alto, sério,
trajando terno e gravata) segura uma maleta.
OFICIAL – Será que podemos conversar? Eu sou o oficial
de justiça da primeira vara de Santos.
CHARLOTE – Bom, eu não me lembro de ter feito mal a
ninguém, mas entre, por favor.
O oficial entra.
CHARLOTE – Quer se sentar?
OFICIAL – Não, obrigado! Serei breve. Vim lhe trazer
uma intimação.
O oficial tira um papel e uma caneta da maleta e
entrega a Charlote.
CHARLOTE – Intimação? Mas de que? Eu não fiz nada.
OFICIAL – Intimação de divórcio. O seu cônjuge, Márcio
Amorim, entrou com uma ação no Ministério Público,
pedindo a separação.
CHARLOTE – Deve estar havendo algum equívoco da parte
dos senhores.
Nesse instante Márcio aparece na sala, ainda de
pijamas.
MÁRCIO – Não há equívoco nenhum. Nosso casamento
acabou há muito tempo.
Charlote olha surpresa para Márcio.
(Fade on trilha “Firework” – Katy Perry).
CENA 18. CASA DE SELMA/ SALA/ INT./ DIA.
Uma sala simples, com poucos móveis, que em sua
maioria, estão velhos. Selma está limpando sua casa e
chorando, quando um rapaz (32 anos, alto, moreno,
cabelos pretos, malhado) vem do quarto para a sala e
se depara com Selma aos prantos.
RAPAZ – O que houve mãe?
SELMA – Não é nada, Samuel. É só tristeza, vai passar.
SAMUEL – Como nada, mãe? Desde ontem que a senhora não
para de chorar, desde que veio do shopping e...
(Samuel para, pensa) Já sei, foi alguma coisa no seu
serviço, não foi? Levou bronca?
SELMA – Pior, eu fui demitida.
SAMUEL – Como assim, mãe? Como assim demitida?
SELMA – Eles não querem uma velha analfabeta lá, meu
filho. Perdi meu lugar pra uma novinha metida a besta.
SAMUEL – Mãe isso não pode acontecer, não pode.
SELMA – Lei da oferta e da procura, meu filho. Nesse
mundo capitalista, pessoas mais novas, mais estudadas,
ganham.
SAMUEL – Não fica assim. Daqui a pouco a gente reverte
essa situação.
SELMA – Deus te ouça.
Samuel abraça Selma, consolando-a.
Cena 19. APTO. CHARLOTE/ SALA/ INT./ DIA.
Continuação da cena 16. Charlote olha surpresa para
Márcio.
MÁRCIO – Há muito tempo que eu venho te dando dicas
que nosso casamento acabou.
CHARLOTE – Casamento não é jogo, em que você fica
dando dicas sobre o fim. Olha a situação em que você
me colocou.
OFICIAL – Por favor, dona Charlote, eu sou só um
oficial, assine aqui na folha.
CHARLOTE – Eu não concordo com esse circo, não vou
assinar. Acho que estamos passando por uma crise, como
qualquer casal, mas podemos sentar e chegar a algum
acordo.
MÁRCIO – Não tem acordo. Eu não quero mais.
OFICIAL – Dona Charlote, existe o divórcio direto
desde 2010. Mesmo que uma das partes não queira, o
divórcio é decretado. Ninguém é obrigado a ficar
casada contra a própria vontade.
CHARLOTE – Mas a descasar é? Porque é o que tá
parecendo isso aqui. Um complô pra me separar do meu
marido.
MÁRCIO – Facilita. Evita maiores atritos. Você mesma
sabe que o nosso casamento acabou.
CHARLOTE – Isso tudo aqui é uma falta de respeito aos
meus princípios, as minhas crenças. Pra mim o
casamento é indissolúvel.
OFICIAL – Poupe o nosso tempo, dona Charlote. Assina
isso daqui e se livra de uma vez desse casamento
falido.
CHARLOTE – Eu não vou assinar. E o senhor, queira se
retirar. Eu tenho muito que conversar com meu marido.
OFICIAL – Eu tentei, mas é difícil realizar as coisas
amigavelmente com a senhora.
CHARLOTE – E tramar uma separação pelas minhas costas
é algo amistoso, senhor oficial?
O oficial sai do apartamento.
Márcio – Você poderia ter nos poupado deste
constrangimento público. O oficial de justiça não
precisava disso tudo.
CHARLOTE – Você, alguma vez, ao tramar esse divórcio
pelas minhas costas, pensou no tanto que eu sofreria?
Eu não sou nenhum sapato velho, que você descarta
quando não usa mais. Eu tenho sentimentos, sou humana.
Acha que não estou sofrendo?
MÁRCIO – Eu também estou sofrendo, não foi nada fácil
tomar essa decisão. Mas a gente precisa se libertar
disso... A gente precisa ser feliz. Talvez, lá na
frente, a gente analise que somos um para o outro, mas
nesse momento eu preciso respirar, preciso buscar a
minha inspiração, preciso ser eu... Sabe Charlote, eu
me anulei por você. A sua presença, o seu dinheiro, a
sua beleza... Nossa, tudo isso me sufocou demais.
CHARLOTE – Suas justificativas são incoerentes.
Beleza, dinheiro, tudo isso que é qualidade, você tá
colocando como defeito.
MÁRCIO – Eu não quero discutir o meu ponto de vista,
mas saiba que eu quero viver a minha vida. Se vou
conseguir ou não, já é assunto pra próxima parada. O
nosso casamento foi um erro.
CHARLOTE – E por que foi um erro? A gente se gostava
e...
MÁRCIO – Éramos bonitinhos, novinhos, e nos
gostávamos, mas era só isso, o nosso repertório parou
aí. Faltou paixão, faltou amor, faltou cumplicidade. E
relacionamento implica em um ceder para o outro, e a
gente não teve isso.
CHARLOTE – Se o nosso casamento tivesse tido todos
esses defeitos que você pontuou aí, acha que ele teria
durado os quinze anos que durou? Olha pra gente, olha
pra você, tá sob o efeito de alguma biscate da rua e
não enxerga que o nosso casamento tem bases sólidas,
que não pode terminar assim.
MÁRCIO – Nosso casamento terminou há muito tempo, só
você não vê.
Márcio se encaminha em direção ao quarto.
CHARLOTE – Você vai onde?
MÁRCIO – Fazer minhas malas.
CHARLOTE – Se a minha companhia não te agrada, sai de
uma vez. Não perca tempo com malas, isso eu faço e
deixo na portaria e você busca depois.
MÁRCIO – Eu tenho umas roupas na casa de uns amigos.
Eu me viro até amanhã.
CHARLOTE – Amanhã à tarde as suas malas vão estar lá
na portaria. Agora some da minha casa.
Márcio sai e Charlote cai num choro profundo.
CENA 20. MANSÃO MATARAZZO/ SALA DE JANTAR/ INT./ DIA.
Cury, Constância, Rafaela, Heitor e Hélio (28 anos,
cabelos castanhos e na altura do ombro, barbudo,
branco, alto, trajando camiseta e bermuda), tomam café
sentados a mesa.
CURY – Constância, você já viu com a Ana Luísa sobre a
festa de trinta anos da AROMA?
CONSTÂNCIA – Mas é claro, hoje mesmo trataremos de
assuntos sobre a decoração.
HÉLIO – Faz uma coisa mais thash, mãe. Essas festas
são sempre caretonas demais.
CONSTÂNCIA – Hélio, as festas não são caretas. É você,
meu filho, que não tem gosto refinado. Eu só lamento.
HEITOR – Pai, o senhor já viu quem será a nova garota-
propaganda da nossa marca?
CURY – Tô procurando no mercado publicitário, mas tá
difícil. Não acho uma modelo que seja carismática, que
já tenha uma identificação com o público.
CONSTÂNCIA – Gente talentosa é mais difícil do que
trânsito livre na Margina Tietê.
HELENA – Tem que ser uma mulher bonita, altiva, alto
astral, que passe para os clientes e patrocinadores,
confiança.
CONSTÂNCIA – Mas vejam só, é a chapeuzinho vermelho
dando dicas para o lobo mau.
HELENA – Mãe, por favor, não começa.
CONSTÂNCIA – Achei inusitado você falar de confiança,
de transpor confiança. Logo você...
HELENA – Logo eu, o que?
CONSTÂNCIA – Logo você que é uma corda bamba. É um
barranco em desmoronamento. Uma bomba-relógio que pode
explodir a qualquer momento.
RAFAELA – Mas do que vocês tão falando?
CONSTÂNCIA – De que agora a Helena tá bem. Mas todo
mundo aqui sabe que ela não controla os impulsos, que
bebe, faz vexame. Que bebe e perde a linha.
RAFAELA – Talvez ela precise de uma ajuda.
CONSTÂNCIA – Psicólogo ela fugiu. Analista ela deu uma
surra. Viajou o mundo, morou em Londres. Mas a cana, a
cachaça, foi mais forte que ela.
HELENA – Como é que você me expõe assim, no meio de
todo mundo?
CONSTÂNCIA – Te exponho no meio da sua família, de
pessoas que querem te ajudar. Ao contrário de você,
que expõe o nome da nossa família pra sociedade, com
esses seus porres eméritos.
CURY – Chega Constância. Há muito tempo que a Helena
não faz mais isso.
CONSTÂNCIA – Eu no seu lugar, não estaria cantando
vitória não. Gente bêbada passa por essa fase, mas
daqui a pouco volta a beber e bebe o dobro, o triplo.
Agora se me dão licença, preciso ligar pra minha irmã.
Constância se levanta da mesa e sai.
HELENA – Ela é bruxa.
HEITOR – A mamãe tá magoada. Ontem vieram umas peruas
aqui e zombaram do vexame que você deu no restaurante.
CENA 21. PRAÇA DA SÉ/ EXT./ DIA.
Imagens da Praça da Sé, salientando a beleza da
catedral e tudo a sua volta. Maria Fernanda está
passeando pelo local, com uma felicidade ímpar. Ela se
senta em um banco, logo em seguida aparece uma mulher
(loira, alta, magra, 36 anos, cabelo curtinho,
trajando visual punk) e se senta ao seu lado. As duas
se abraçam, felizes.
MARIA FERNANDA – Ai amiga, desculpa te ligar e te
chamar pra me encontrar em cima da hora?
MULHER – Para de formalidade, somos amigas há tantos
anos. Não tem essa comigo.
MARIA FERNANDA – Ah Gaby, por isso que te amo, você é
a melhor amiga do mundo.
GABY – Eu também amo você, mas tô morrendo de
curiosidade pra saber quais as novidades que você tem.
MARIA FERNANDA – Tá bem. vou contar de uma vez.
Maria Fernanda levanta sua mãe direita, mostrando o
belíssimo anel que está em seu dedo.
GABY (admirada) – Nossa, que lindo! Ai amiga, ficou
perfeito na sua mão, mas isso não é sinal de...
MARIA FERNANDA – Sim. Ele me pediu em casamento ontem.
Eu tô encantada, amei.
GABY – Quer dizer que a minha amiga, a PODEROSA, vai
se casar? Eu preciso comprar meu vestido.
MARIA FERNANDA – Um vestido lindíssimo, porque será a
minha madrinha.
GABY – Pra isso eu preciso emagrecer uns quilinhos.
MARIA FERNANDA – Onde? Me diz, onde Gaby? Você é
linda, magérrima. Tá perfeita.
GABY – Ah amiga, a gente sempre acha um pneuzinho
escondido. Por isso eu aboli almoço da minha vida.
MARIA FERNANDA – Mas você já não janta mais, vai viver
de que? De brisa?
GABY – Tomo shake, faço uma saladinha. Vou vivendo
assim.
MARIA FERNANDA – Vai morrendo assim né.
GABY – Eu moro em São Paulo, numa cidade cara. Pago
aluguel, patrocino uns poucos luxos pra mim, e ainda,
mando dinheiro pra minha família do interior. Eu vivo
do meu corpo, não dá pra descuidar. Daqui alguns anos,
quando eu me aposentar, aí eu volto a comer bobagem.
Maria Fernanda olha Gaby com reprovação.
CENA 22. CASA DE VIRGÍNIA/ QUARTO/ INT./ DIA.
Um quarto simplório, mas muito bem limpo e mobiliado.
Bento está deitado na cama, enquanto Virgínia penteia
os cabelos se olhando no espelho.
VIRGÍNIA – Chegou bem tarde ontem hein. Achei até que
esse jantar iria virar café da manhã.
BENTO – Não é pra tanto né meu amor. Assuntos
profissionais demoram.
VIRGÍNIA – E deu certo? Conseguiu o emprego?
BENTO – Não é assim, de uma hora pra outra. A gente
vai analisar tudo. Não posso ir fechando contrato de
exclusividade sem ver vantagens.
VIRGÍNIA – Não entendo nada disso. Bom, o que eu sei é
que vou fazer faxina na casa da dona Maria Ondina, lá
no centro. Vou demorar, nem me espera pra jantar, tá
bem?
BENTO – Tá meu amor, vou sentir saudade.
VIRGÍNIA – Eu também meu bebê.
Virgínia se abaixa para dar um selinho em Bento e
deixa cair, sem perceber, seu aparelho celular.
VIRGÍNIA (saindo) – Fui!
Virgínia sai do quarto. Bento pega seu celular e disca
alguns números.
BENTO (ao cel.) – Alô, minha poderosa delícia? Tô
sozinho em casa, carente, você não quer vir me fazer
companhia (PAUSA) Tá bem, te espero. O endereço é...
CENA 23. APTO. CHARLOTE/ QUARTO/ INT./ DIA.
Charlote está fazendo um amontoado com as roupas de
Márcio em cima da cama. Uma empregada (24 anos, baixa,
gordinha, morena), está lhe ajudando.
CHARLOTE – Ele quer vida nova não é? Então vai ter que
comprar um enxoval novo.
Charlote derrama álcool sobre as roupas, em seguida
risca um fósforo e joga, fazendo uma labareda enorme.
CHARLOTE – Abre esse guarda-roupa, que eu quero tudo
que é dele no fogo. Vou queimar as roupas, a cama, o
sapato e as lembranças. Nada dele vai sobrar pra
contar história.
EMPREGADA – A senhora tá sendo radical demais.
CHARLOTE – Você ainda não viu nada, meu bem. Essa é só
a ponta do iceberg. Uma mulher que se sente traída é
capaz disso e muito mais.
O fogo continua bem aceso, enquanto Charlote coloca
mais roupas na fogueira.
EMPREGADA – Coitadinho do seu Márcio, olha só, vai
ficar sem nada.
CHARLOTE – Eu não sou tão maldosa, deixei ele ir de
pijama. Tudo isso daqui foi patrocinado com o meu
dinheiro, nada mais justo que faça o que bem entender.
CENA 24. CASA DE VIRGÍNIA/ QUARTO/ INT./ DIA.
Maria Fernanda entra no quarto, acompanhada de Bento.
MARIA FERNANDA (admirada) – Sua casa é tão bem
cuidada, tão limpa, tão cheirosa.
BENTO – É a minha irmã que cuida pra mim. Mas eu
também ajudo, não desarrumo.
MARIA FERNANDA – Eu já te disse que você é perfeito?
BENTO – Não.
Maria Fernanda – Então eu digo: você é perfeito.
Bento e Maria Fernanda começam a se beijar.
CENA 25. RUA/ PONTO DE ÔNIBUS/ EXT./ DIA.
Virgínia está de pé no ponto de ônibus, aflita,
andando de um lado para o outro. Ela vê um rapaz
sentado, e resolve falar com ele.
VIRGÍNIA – Aqui, você sabe se o ônibus que vai pro
centro já passou? Tô aqui há mais de meia hora.
RAPAZ – Ih dona, já passou sim, tava vazio e passou
cedo. O próximo é daqui uns 40 minutos e ainda passa
na Casa Verde.
VIRGÍNIA – Nossa assim vou chegar muito tarde ao meu
emprego. Preciso avisar a minha patroa.
Virgínia vasculha a bolsa a procura do celular, mas
não o encontra.
VIRGÍNIA – Esqueci meu celular em casa. Preciso dele.
Virgínia vai embora pra casa.
Cena 26. CARRO DE CURY/ EXT./ DIA.
Um carro importado preto percorre a Marginal
Pinheiros. No interior dele estão Cury (ao volante) e
um senhor (60 anos, cabelos e barba branca, trajando
terno e gravata) no banco do carona.
CURY – Ela é linda. Você não tem noção. Linda da
cabeça aos pés.
SENHOR – Para Cury. Isso é loucura, cara. Na sua
idade...
CURY – Na minha idade o que? Alberto, você acha que
porque sou mais velho, eu não posso atrair mulheres
mais jovens?
ALBERTO – Não é isso, mas você é casado com a
Constância, tem filhos. Em que situação você está
colocando-a?
CURY – Na situação de minha mulher, a única que eu
amo.
ALBERTO – Então por que você tá fazendo isso com ela?
Por que trair?
CURY – É um jogo de sedução. Com ela eu me sinto mais
rejuvenescido, mais garoto. É como se eu estive
explorando um território novo.
ALBERTO – Cuidado. Essa garota ainda pode te colocar
numa fria.
CURY – Eu sei o terreno que tô pisando.
CENA 27. CASA DE VIRGÍNIA/ PORTÃO/ EXT./ DIA.
Virgínia chega apressada, abre o portão e entra.
CENA 28. CASA DE VIRGÍNIA/ QUARTO/ INT./ DIA.
Bento e Maria Fernanda estão se beijando, deitados na
cama e em trajes íntimos.
VIRGÍNIA (entrando) – Acho que eu esqueci meu celular
por... (Virgínia interrompe a fala e olha para os
dois, surpresa).
Bento olha assustado para Virgínia.
VIRGÍNIA – O que está acontecendo aqui?
Bento e Maria Fernanda se olham tensos. Virgínia
segura o choro. (Fade in trilha “O amor em paz” –
Ivete Sangalo).
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FIM DO CAPÍTULO 01.
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