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Capítulo 2 Se lá do céu a fina chuva a nós vier Devolverá coloração aos vegetais Vem como bênção às savanas tropicais Se a ambição da humanidade assim quiser. Mineração, desmatamento, o que houver Tudo que vai talvez não volte nunca mais Não se destroem ecossistemas tão globais Em prol do lucro que o agronegócio quer. Geovane Alves de Andrade

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Capítulo 2Se lá do céu a fina chuva a nós vierDevolverá coloração aos vegetais

Vem como bênção às savanas tropicaisSe a ambição da humanidade assim quiser.

Mineração, desmatamento, o que houverTudo que vai talvez não volte nunca mais

Não se destroem ecossistemas tão globaisEm prol do lucro que o agronegócio quer.

Geovane Alves de Andrade

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Savanas Tropicais: dimensão, histórico eperspectivas

Wenceslau J. Goedert

Elmar Wagner

Alexandre de Oliveira Barcellos

AbstractThe scope of this chapter is to characterize the tropical savanna ecosystem and discuss theperspectives and challenges of using it to meet the needs of humanity in the future, pointingout strategies to pursue equilibrium among society, agribusiness and natural resources.Based mainly on literature information, initially, it was presented a general review aboutgeography, ecology, land use and economy of tropical savannas. In sequence, it wasdiscussed the potential of intensive use of tropical savanna lands for the production of food,water, fiber and energy in order to meet increasing demands of societies, emphasizing the

role of knowledge and technology required to attain a sustainable development.

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais50

Introdução

Savanas são ecossistemas caracterizados pela presença de uma camada

contínua de vegetação herbácea e um dossel descontínuo de arbustos e árvores. Segundo

a Encyclopedia of the Biosphere (2000), as savanas cobrem quase um quarto da superfície

do globo terrestre, sem considerar a área coberta pelos oceanos. São encontradas em

todos os continentes, com acentuada participação em mais de 30 países. Apresentam

uma longa história de uso humano e atualmente abrigam cerca de um quinto da população

mundial. Reconhecidas pelo público como ambiente natural de sobrevivência de animais

selvagens, as savanas têm recebido pouca atenção da pesquisa como ambiente de

potencial para o desenvolvimento sustentável da humanidade.

O principal fator determinante desse ecossistema é o padrão de distribuição anual

das chuvas, com duas estações distintas: seca e chuvosa. A quantidade de precipitação

pluviométrica e a duração dessas estações condicionam o tipo e volume de cobertura

vegetal, o tipo de fauna predominante e, como conseqüência, o nível de uso e de ocupação

humana.

A grande maioria das savanas se situa entre os trópicos de Câncer e Capricórnio,

sendo denominadas savanas tropicais. Representam um enorme potencial para

atividades de produção agrícola (alimentos, fibras, energia, etc), além de outras

atividades de interesse social, econômico e ambiental.

Entre os principais desafios que a humanidade deverá enfrentar nas próximas

gerações, podem ser incluídos alguns que terão uma relação estreita com a agricultura e,

portanto, com o uso mais intensivo das savanas tropicais. Entre eles, podem ser

destacados os seguintes: água, alimentos, energia, meio ambiente e pobreza. O

equacionamento dessas questões tem forte dependência com o uso dos recursos naturais

e com as atividades de produção agrícola.

O estoque de água doce do planeta é finito, e sua escassez tem causado

preocupação crescente, já se constituindo em fator limitante ao desenvolvimento de

muitos países, principalmente daqueles localizados em áreas desérticas e semi-áridas,

entre as quais se insere parte do ecossistema savana. Ademais, é importante lembrar

que as nascentes responsáveis pelo abastecimento dos principais cursos de água do

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 51

planeta estão situadas nas regiões cobertas pelas savanas tropicais, de modo que o uso

intensivo dessas áreas não pode comprometer o fluxo e a qualidade da água.

A demanda por alimentos, em quantidade e qualidade, aumentará na proporção

em que crescerá a população. O atendimento dessa demanda envolve uma equação

complexa, incluindo o aumento de produtividade em áreas atualmente sob exploração e a

expansão para novas áreas, como já vem acontecendo em savanas de alguns países, tais

como Brasil, Zimbábue e Tailândia.

A tendência da matriz energética é o aumento da participação de fontes oriundas

das atividades agrícolas (biomassa, álcool, biodiesel, etc), atividades que representam

mais uma pressão de uso das savanas tropicais.

Em resumo, o equacionamento das questões de água, alimentos e energia

representará uma intensificação do uso das savanas tropicais, aumentando a pressão

sobre o meio ambiente e, como conseqüência, os riscos de degradação e desertificação,

especialmente em ambientes mais frágeis.

A solução da questão da pobreza é seguramente o desafio mais abrangente e

complexo, pois tem origem em aspectos culturais e políticos, presentes em vários países

nos quais as savanas tropicais desempenham um importante papel, especialmente no

continente africano.

Em síntese, fica evidente a estreita relação existente entre o desenvolvimento

sustentável da sociedade e o uso das savanas tropicais. E mais, é possível antever que

esse ecossistema desempenhará o papel mais importante, quando comparado aos

demais, conforme discutido adiante.

Assim, o objetivo geral deste capítulo é caracterizar as savanas tropicais e

discutir as perspectivas de uso desse ecossistema no equacionamento de desafios

futuros da humanidade, indicando estratégias para a busca do equilíbrio entre sociedade,

agronegócio e recursos naturais.

Para tanto, o capítulo abordará os seguintes aspectos: geografia, ambiente,

ocupação e economia das savanas tropicais, finalizando numa discussão sobre as

perspectivas de uso desse ecossistema, enfocando as atividades agrícolas e rurais.

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais52

Geografia

A discussão sobre geografia, ecologia e ocupação atual das savanas tropicais

será fundamentalmente alicerçada em revisão da literatura, em especial sobre

compêndios editados nos últimos 20 anos e que reuniram informações de várias

especialidades e contribuições de diversos especialistas, entre os quais devem ser

destacados: Huntley e Walker (1982), Bourlière (1983), Tothill e Mott (1985), Walker

(1987), Young e Solbrig (1993) e Mistry (2000).

A distribuição geográfica das savanas tropicais, ilustrada pela Fig. 1, mostra que

esse ecossistema ocupa a maior porção da área dos trópicos e subtrópicos,

representando cerca de 50 % do continente africano e significativa percentagem da

América do Sul, Ásia e Oceania.

Uma visão mais detalhada da geografia das savanas tropicais é ilustrada na

Tabela 1, caracterizando que esse ecossistema ocupa área significante de mais de 30

países, cujo total envolve mais de 20 milhões de quilômetros quadrados ou 2 bilhões de

hectares. Os Cerrados brasileiros representam, assim, apenas cerca de 10 % das savanas

tropicais.

Fig. 1. Distribuição geográfica das savanas tropicais no globo terrestre.

Fonte: Young e Solbrig (1993).

180 150 120 90 60 30 09075

60

45

30

15

0

30 60 90 120 150 90

15

30

45

60

75

75

60

45

30

15

0

15

30

45

60

7590165 135 10590 75 45 15 150 45 75 105 135 165

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 53

Tabela 1. Valores aproximados da distribuição, localização, dimensionamento e população das savanastropicais.

Continentes/ Principais Denominação Área População*formações países local (km2

106) (%)

América do Sul Brasil Cerrado 2,4 6Colômbia e Venezuela Lhanos 0,6

Senegal, Guiné, Costa doÁfrica (Oeste) Marfim, Mali, Gana, Benin, Savanas 5,0

Nigéria, Camarões, Chade eÁfrica Central

Angola, R.D. Congo,África Zâmbia, Malauí, Zimbábue,(Central/Sul) e Moçambique, Namíbia, Miombo 4,5 13

Botsuana, e África do Sul

África (Leste) Etiópia, Somália, Uganda, Savanas 2,5Quênia, Tanzânia

Ásia Índia, Burma, Laos, SavanasTailândia, Vietnam e (Dipterocarp) 2,5 60Camboja

Oceania Austrália Savanas 2,0 1

* População proporcional de cada continente em relação à população mundial.

Embora conhecida por diferentes nomes nos diversos países, a vegetação das

savanas resulta de um padrão de distribuição das chuvas, com alternação de períodos

chuvoso e seco durante o ano. Em áreas com maior precipitação pluviométrica e curtos

períodos de seca, o extrato arbóreo é mais abundante, enquanto, nas áreas com menor

índice de precipitação e períodos mais longos de seca, predominam vegetações de

desertos. Entre tais extremos, ocorre uma mistura de vegetação rasteira e arbórea,

denominada de savanas típicas.

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais54

Ambiente

As savanas constituem-se em ambiente extremamente dinâmico e heterogêneo,

em termos espaciais e temporais. O ambiente savânico resulta da atuação interativa de

diversas variáveis, conhecidas como fatores determinantes. A literatura é rica em

estudos sobre esses fatores, conforme sintetizado em Walker (1987), Young e Solbrig

(1993) e Mistry (2000). Embora existam discrepâncias entre os estudiosos, os principais

determinantes ecológicos responsáveis pela estrutura e funcionamento das savanas são:

disponibilidade de água, disponibilidade de nutrientes, fogo, herbivoria e intervenção

humana. Os dois primeiros são considerados de controle primário, e os demais são

modificadores do ambiente.

A disponibilidade de água para as plantas (DA) é função direta do regime de

chuvas, da capacidade de retenção hídrica do solo e do potencial de evapotranspiração de

cada área. A distribuição espacial e temporal das chuvas é muito variável dentro da

estação chuvosa, durante o ano e entre os anos, dificultando a definição de um padrão

indicador da DA, entre os quais têm sido mais adotados: número de dias úmidos e número

de dias em que a precipitação pluviométrica é maior do que a evapotranspiração

potencial. A DA tem sido considerada o fator determinante de maior relevância para a

ecologia das savanas e, conforme discutido adiante, tem um papel primordial na definição

do potencial agrícola de cada região.

A disponibilidade de nutrientes para as plantas (DN) é reflexo da capacidade do

solo em reter e disponibilizar elementos essenciais para a nutrição vegetal, capacidade

que depende da qualidade física, química e biológica de cada solo. Diversos indicadores

têm sido adotados para representar a DN, entre os quais estão incluídos a soma de bases

(S), a saturação de bases (V %) e o nível de fósforo disponível no solo e no subsolo.

O fogo tem sido utilizado nas regiões sob savanas por diversos motivos, entre eles, a

caça, a guerra, a rebrota do extrato herbáceo e a eliminação da biomassa lenhosa em áreas

incorporadas ao cultivo intensivo. A prática das queimadas é antiga e freqüente nas savanas

tropicais, sendo considerada de grande relevância na fitofisionomia desse ecossistema.

A herbivoria, conceituada como o consumo da vegetação pela fauna de natureza

herbívora, tanto selvagem como domesticada, resulta no controle do dossel vegetativo e

é responsável pela composição botânica desse dossel. Esse fator determinante tem sido

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 55

mais importante para as savanas africanas, onde estão concentradas as grandes

populações de herbívoros selvagens de grande porte (elefantes, zebras, búfalos, gnus, etc)

e de pequeno porte (cupins, formigas, etc.).

A intervenção humana na fisionomia das savanas é tão antiga quanto a existência

do homem, tendo em vista que os estudos antropológicos indicam que a origem do Homo

sapiens foi nos trópicos africanos. A utilização da vegetação arbórea nativa como fonte de

energia, fibras e madeira e da vegetação herbácea para criação de animais tem sido

responsável pela formação das savanas secundárias, derivadas ou antropizadas,

fenômeno mais evidente nas savanas da Índia, onde a intervenção humana é antiga e

intensa. A incorporação das áreas de savanas ao processo produtivo agrícola, como tem

acontecido no Brasil, constitui fator de modificação drástica da fisionomia desse

ecossistema, com resultantes ainda pouco conhecidos.

O clima das savanas tropicais tem sido bem estudado, sendo que os componentes

do clima das regiões sob savanas apresentam grandes variações de local para local,

conforme resumido na Tabela 2, na qual constam variáveis climáticas de dez localidades

representativas, sendo duas na América do Sul, seis na África, uma na Ásia e uma na

Austrália.

Tabela 2. Variáveis climáticas de alguns locais das savanas tropicais.

TMA = temperatura média anual; PPMA = precipitação pluviométrica média anual; EPMA = evapotranspi-ração potencial média anual; EP>PP = número de meses nos quais a evapotranspiração supera a precipi-tação pluviométrica.Fonte: Adaptado de Mistry (2000).

Altitude TMA PPMA EPMA EP > PPLocal País (m) (oC) (mm) (mm) (meses)

Goiânia Brasil 730 22 1.490 1.060 6Calabozo Venezuela 120 28 1.300 1.240 7Jos Nigéria 1.330 22 1.400 1.080 8Menaka Mali 280 30 270 1.400 12Ft. Jameson Zimbábue 1.260 22 1.050 1.070 8Lobito Angola 10 24 220 1.140 12Gambela Etiópia 1.340 27 1.240 1.230 7Lindi Tanzânia 40 26 900 1.200 8Bombay Índia 10 27 2.080 1.250 9Townsville Austrália 10 24 1.330 1.160 10

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais56

Observa-se que esse ecossistema ocorre desde o nível do mar até altitudes acimade 1.300 m, e que a temperatura média anual é função da altitude e da latitude de cadalocal, variando em torno de 24 oC. A variação anual da temperatura é pequena, em tornode 4 oC, embora possa ser superior a 10 oC em regiões de maior latitude. A posiçãolatitudinal determina o comprimento do dia e a distribuição da radiação solar. Aquantidade de radiação solar é grande e, em conjunto com a temperatura, é consideradofator altamente positivo para o crescimento de plantas, nativas ou cultivadas.

A análise das informações da Tabela 2 revela, contudo, que a precipitaçãopluviométrica apresenta enorme variabilidade, em termos de quantidade e distribuiçãodurante o ano, constituindo-se em fator preponderante na disponibilidade de água para asplantas e, conseqüentemente, na ecologia das savanas e no seu potencial de uso. Tendoem vista que o índice de evapotranspiração é similar, a disponibilidade de água para asplantas é função direta da diferença entre a PPMA e a EPMA.

Entretanto, a análise com base em totais anuais pode induzir a interpretaçãoimprecisa, sendo necessário considerar a distribuição das chuvas durante o ano,informação sintetizada na última coluna da Tabela 2. Quanto maior o período em que aEP > PP, menor será a viabilidade de uso intensivo para a produção agrícola.

O recurso solo é reflexo da interação entre vários fatores, tais como: clima,geologia, geomorfologia, cobertura vegetal e atividade da fauna. Desse modo, observa-segrande heterogeneidade entre os solos das áreas de savanas tropicais, contudo a maioriaocorre em superfícies velhas e intemperizadas. Como conseqüência, predominam solosda ordem dos latossolos (oxisols) e argissolos (ultisols), que se caracterizam por algunsatributos genéticos, entre os quais se deve destacar: grande profundidade, boa drenagem,estrutura estável, predominância de minerais secundários de baixa atividade, baixo teorde matéria orgânica, baixa CTC e saturação de bases, elevada acidez e baixadisponibilidade de nutrientes.

Em regiões onde a rocha matriz predominante é de origem sedimentar (arenitos,sedimentos terciários ou depósitos aluviais), ocorrem os neossolos quartzarênicos(entisols), solos de textura arenosa e de qualidade inferior aos latossolos e argissolos.Tais solos podem ser encontrados em todas as áreas sob savanas, sendo sua freqüênciamaior nos Lhanos, no Cerrado e nas Savanas do oeste africano. Solos arenosos são

frágeis, e seu uso intensivo é limitado e requer tecnologia de manejo diferenciado.

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 57

Em síntese, os latossolos predominam nas áreas sob savanas tropicais, sendo

que, em sua maioria, apresentam boa qualidade física (elevada permeabilidade, baixa

erodibilidade, fácil mecanização e média capacidade de retenção de água), mas com

fortes limitações como provedor de nutrientes para as plantas.

A disponibilidade de água para as plantas é uma resultante da interação entre

clima e solo, constituindo-se em fator determinante da ecologia das savanas, conforme já

discutido. Contudo, a questão da disponibilidade de água é mais profunda quando se

discute o potencial de uso intensivo das savanas, incluindo agricultura de sequeiro e

irrigada.

Um exame da disponibilidade de água doce no ecossistema savanas tropicais

(Tabela 3) evidencia a grande diversidade entre continentes e países.

Tabela 3. Disponibilidade de água em países sob savanas tropicais, distribuídos por continentes ouregiões/países.

Disponibilidade de água (número de países)

Continentes/Países Abundante Suficiência relativa No limite Insuficiente

América do Sul 3Centro-Sul África (Miombo) 2 3 1 1Leste Africano 2 2 3Oeste Africano 3 1 2 2Sudoeste da Ásia 2 3Austrália 1

Total 11 9 5 6

Fonte: Clarke e King (2005).

De 31 países considerados, mais ou menos representativos e com superfícies

variadas, 6 países (Botsuana, Etiópia, Senegal, Tanzânia, Chade e Nigéria) encontram-se

em condições de água insuficiente; 5 países (Zimbábue, Somália, Quênia, Uganda e Benin)

estão no limite de água, alguns já com água escassa; outros 9 países (Namíbia, Malauí,

Moçambique, Mali, Zâmbia, Costa do Marfim, Tailândia, Vietnam e Camboja) apresentam

relativa abundância de água; e 11 países (Brasil, Colômbia, Venezuela, Angola, República

Democrática do Congo, Camarões, Guiné, República Central da África, Burma, Laos e

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais58

Austrália) têm abundante disponibilidade de água. Em suma, dois terços dos países

(65 %) com savanas tropicais não apresentam problemas de deficiência de água. No

limite, encontram-se 16 %, e já com insuficiência de água estão 19 % dos países.

Como a agricultura é a grande usuária de água (~70 %), principalmente para a

irrigação, ela também tem um grande potencial de resolver o problema global de escassez

de água. Qualquer melhoria de processos que se alcance no manejo da água, como o uso

de sistemas de irrigação localizada, e dos solos, por exemplo, com o uso das técnicas de

plantio direto, pode resultar em economia de água de 30 % ou mais.

A flora e a fauna das savanas são extremamente ricas e diversificadas. Grande

quantidade de estudos tem sido realizada e publicada, principalmente sobre a flora,

conforme sintetizado em documentos abrangentes sobre savanas tropicais, entre os quais

se podem citar: Bourlière (1983), Tothill e Mott (1985) e Mistry (2000).

Uma revisão genérica e superficial da literatura mostra que as espécies vegetais

mais comuns nas savanas são capins e árvores, a maioria das quais tendo

características e estratégias específicas de adaptação aos fatores determinantes (DA,

DN, fogo e consumo por herbívoros).

As espécies herbáceas com maior distribuição em todos os continentes

pertencem às famílias das gramíneas e das ciperáceas. Contudo, as espécies arbóreas

predominantes são diferentes em cada continente e constituem-se em marco referencial

para cada bioma de savanas. Assim, por exemplo, nos Cerrados brasileiros, sobressaem

espécies dos gêneros Qualea e Vochysia; no Miombo africano, do gênero Acacia; nas

savanas asiáticas, do gênero Dipterocarpus; e nas savanas australianas, do gênero

Eucalyptus.

Os conhecimentos sobre a fauna são mais limitados quando comparados aos

relacionados à flora, com exceção dos grandes herbívoros que caracterizam as savanas

africanas, a maioria dos quais atualmente ausente nos demais continentes.

A população e a diversidade da fauna têm sido profundamente afetadas pela

intervenção humana, especialmente pela caça e pelo uso da terra para atividades

agropecuárias. Como conseqüência, grande número de espécies está ameaçado de

extinção e incluído em programas oficiais de proteção. A criação de áreas de preservação

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 59

tem sido uma estratégia para minimizar esse problema, contudo a crescente incorporação

das savanas ao processo produtivo agrícola tem resultado na fragmentação de habitat e

restringido a sobrevivência de muitas espécies, como tem acontecido no Brasil. Questões

como essas deverão merecer maior atenção no futuro visando atingir o desejado

equilíbrio entre sociedade, agronegócio e ambiente.

Ocupação

Acredita-se que inicialmente as populações que habitavam tais regiões tinham

como sustento a caça de animais e coleta de alimentos oriundos da vegetação natural,

atividades ainda hoje dominantes em alguns grupos sociais, como os aborígines

australianos.

O uso atual das terras nas savanas tropicais é muito diversificado entre regiões e

países, mas ainda predominam três atividades: coleta da vegetação arbórea (madeira,

lenha, carvão, etc), pecuária extensiva e cultivo de espécies de ciclo anual.

Potencialmente, as savanas podem ser utilizadas de muitas formas, como esquematizado

na Fig. 2.

Fig. 2. Formas genéricas de utilização das savanas tropicais.

Fonte: Adaptado de MISTRY (2000).

Preservaçãovida selvagem

da Extração depetróleo eminérios

Alimentos e produtosmedicinais nativosMadeira, lenha e

carvão

Criação deanimais

domésticos

Produção decultivos

Florestamento

Recarga de

lençóis freáticosaqüíferos e de Turismo

Savanas

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais60

O uso das savanas está primariamente relacionado com o manejo dos fatores

determinantes primários, ou seja, a disponibilidade de água (DA) e de nutrientes (DN),descritos anteriormente. Adicionalmente, a ocupação guarda uma relação estreita com aestrutura social, o sistema de posse da terra e a política de desenvolvimento vigente emcada país.

Segundo Young e Solbrig (1993), o uso atual das terras sob savanas pode serclassificado em três grupos, considerando-se primordialmente a quantidade de insumosexternos incorporados ao sistema, assim denominados: (a) pastoreio extensivo e

agricultura de subsistência; (b) sistemas intermediários envolvendo alguns inputs; e (c)sistemas intensivos com alto nível de inputs.

Acredita-se ser mais adequado organizar os tipos de uso atual das terras emapenas dois grupos: sistemas extensivos e intensivos, conforme caracterizados a seguir.

Sistemas extensivos

Nesse grupo, predominam atividades de natureza extrativista, sendo maisfreqüentes: pastoralismo, pecuária extensiva, agricultura de subsistência e florestamento.

A atividade pastoril e extensiva de animais ruminantes (bovinos, ovinos ecaprinos) representa hoje o modo mais tradicional e comum de uso das savanas naÁfrica. A produtividade é baixa, mas ecologicamente equilibrada. O sistema pastoralenvolve a posse coletiva da terra por tribos, comunidades ou famílias, tendo como meta aprodução de leite, carne e peles. Tem sido recomendado para áreas com baixaprecipitação pluviométrica (abaixo de 600 mm por ano). Originalmente, predominava opastoreio nômade, orientado pela oferta de forragem da savana. Atualmente, limitaçõesde movimentação dos animais por questões de fronteiras ou políticas governamentaistêm induzido ao superpastoreio e ao conseqüente aumento da degradação ambiental,especialmente pela erosão. Contudo, a introdução de técnicas de controle sanitárioanimal e a construção de poços de armazenamento de água têm resultado em aumentodas taxas de lotação e da produtividade. A sobrevivência desse sistema é duvidosa emvirtude da pressão populacional e competição com atividades agrícolas.

A pecuária extensiva é hoje a utilização mais comum das savanas tropicais, com

destaque para os Lhanos americanos, parte do Miombo africano e as savanas

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 61

australianas. Representa um uso mais intensivo, quando comparado ao sistema pastoral,pois, na maioria dos casos, a posse da terra é privada, utilizam-se cercas, controlesanitário e manejo dos animais e há uma visão de lucro. A carga animal tem crescidoresultando em superpastoreio, diminuição da biodiversidade da flora e fauna nativas edegradação do solo e da água. A tendência, nas últimas décadas, tem sido a substituiçãoda vegetação nativa por espécies forrageiras, cujo exemplo mais relevante é a introduçãode espécies de Brachiaria no Brasil. Como conseqüência, vem ocorrendo uma expansão eintensificação da pecuária extensiva em todos os continentes, sendo que na África issotem causado conflitos com o sistema pastoral comunitário e com o uso da água nadessedentação animal.

A agricultura de subsistência tem-se mostrado viável em áreas com mais de600 mm de chuva, e o sistema de cultivo executado tem relação estreita com adensidade populacional de cada área. Em baixas densidades, predomina o cultivoextensivo e itinerante; médias densidades, o cultivo rotacional e consorciado; e altadensidade, o cultivo contínuo com emprego de subdoses de fertilizantes.

O florestamento de áreas onde a vegetação arbórea foi retirada para lenha oucarvão (por exemplo, Índia e Brasil) tem crescido nos últimos anos. Apesar da baixadiversidade de espécies utilizadas, o reflorestamento representa um avanço importantena proteção do solo e recomposição de biomas.

Sistemas intensivos

A aptidão de uso das terras sob savanas tem como principal fator determinante adisponibilidade de água. A tendência nas terras com maior aptidão é a reposição, parcialou total, da vegetação nativa por forrageiras ou cultivos comerciais, deslocando outrostipos de uso para áreas de menor aptidão, como já vem acontecendo em vários países,principalmente no Brasil.

A retirada da vegetação natural das savanas e a incorporação das terras aoprocesso produtivo intensivo representam uma quebra brusca e profunda do equilíbrionatural e envolvem grandes riscos de degradação ambiental. A minimização dos riscosexige o desenvolvimento e a adoção de tecnologias adequadas para cada local. Ademais,

o uso intensivo envolve o emprego de capital e tecnologia (insumos, serviços, crédito,

infra-estrutura, etc).

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais62

A formação de pastos tem resultado no aumento da produtividade da pecuária,

embora seja limitada pela baixa oferta e qualidade da forragem na época seca do ano.

Ademais, tem-se observado a degradação de grande parte dessas pastagens em virtude,

principalmente, da elevada intensidade de uso (superpastejo), da não reposição dos

nutrientes extraídos, da entrada de pragas e invasoras e do aumento do processo erosivo.

A prática da agricultura comercial tem expandido, em resposta às crescentes

demandas por alimentos, óleos essenciais, fibras e energia, seja para atender a população

dos países ou para exportação.

Em síntese, a adoção de sistemas intensivos com alto nível de inputs tem

causado mudanças drásticas na paisagem das savanas tropicais. Embora seja uma

experiência recente, tal uso tem mostrado avanços positivos no agronegócio e na

economia dos países, contudo restam muitos desafios para se atingir o desejado

desenvolvimento sustentável, conforme discutido adiante.

Economia

Até o final do século XX, o uso das savanas tropicais era direcionado para o

atendimento das necessidades básicas das populações que nelas habitavam. Isso tem

mudado rápida e radicalmente, na medida em que crescem a participação e o efeito das

forças econômicas, os quais têm grande influência no estabelecimento de políticas de

desenvolvimento.

A economia das savanas tropicais é ainda mais diversificada do que os ambientes

que compõem esse ecossistema, tendo em vista que cada grupo social tem seus

costumes, valores e tradições, e cada país tem seus arranjos institucionais e sua política

de desenvolvimento. Assim, a síntese apresentada a seguir abordará aspectos gerais de

cada formação savânica, conforme discriminado na Tabela 1.

Cerrado do Brasil

Até três décadas atrás, a economia da região do Cerrado era baseada na pecuária

extensiva (bovinos) e na agricultura de subsistência (arroz, mandioca, etc). Concomitante

com a mudança da capital para o Distrito Federal, políticas e programas de

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 63

desenvolvimento foram estabelecidos e implantados com o objetivo de viabilizar aincorporação dessa região ao processo produtivo intensivo. Um exemplo relevante foi oPrograma Polocentro, direcionado para o uso agrícola intensivo de áreas (pólos) comterras de maior aptidão agrícola e onde havia disponibilidade de insumos, como ocalcário.

Investimentos governamentais na capacitação de técnicos, na pesquisa e nageração de tecnologias para aproveitamento e no uso do Cerrado brasileiro foramdeterminantes na expansão agrícola e aumento na produtividade da região, conformeexemplificado para a cultura da soja (Fig. 3). Torna-se evidente que o aumento daprodução de soja, no período de 1975 a 2005, foi mais em resposta ao desenvolvimentotecnológico do que à expansão de área sob cultivo.

Hoje a região do Cerrado é responsável por cerca de um terço da produção degrãos do País (soja, milho, sorgo, arroz, trigo, café, etc), metade da produção de carnes ea maior parte da de algodão, parte da qual se destina ao mercado externo. Dispõe de boainfra-estrutura logística e um agronegócio bem organizado, gerando benefícioseconômicos e sociais relevantes para a sociedade e para o País. Contudo, enormesdesafios ainda precisam ser enfrentados para se atingir um desenvolvimento equilibrado,

conforme discutido no item “Futuro” deste capítulo.

Fig. 3. Produção anual e área plantada de soja na região do Cerrado noperíodo de 1970 a 20051.

1 Comunicação pessoal de Plínio Itamar de Mello de Souza para Alexandre de Oliveira Barcellos, pesquisado-res da Embrapa Cerrados.

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

Anos

Produção de soja (t)Área plantada (ha)

Área

de

prod

ução

(x10

00)

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais64

Lhanos da Colômbia e Venezuela

O potencial de uso dos Lhanos é similar ao do Cerrado, apesar da maior ocorrência

de solos arenosos. Contudo, a predominância de latifúndios privados, a baixa densidade

populacional e a economia alicerçada no petróleo, especialmente nos Lhanos

venezuelanos, têm contribuído para que a pecuária extensiva continue a ser a principal

atividade econômica da região. Recentemente, observam-se iniciativas de introdução e

expansão de florestamento e de cultivos intensivos de milho e soja, atividades que

deverão crescer face ao incremento mundial da demanda por produtos agrícolas.

Savanas do oeste da África

A socioeconomia dessa região difere das anteriores considerando-se que mais de

60 % da população vive no meio rural, tendo ainda hoje alto consumo de produtos oriundos

da vegetação nativa (sementes, frutos, raízes, lenha, madeira, etc) e da criação extensiva

de animais. A maior parte da produção de cultivos (sorgo, milho, arroz, inhame e

mandioca) se destina ao consumo local e mercado interno.

A produção de produtos para exportação (algodão, amendoim, cacau, café, dendê,

etc) vem crescendo, tendo grande efeito na economia de alguns países, como Costa do

Marfim, Gana e Nigéria. A expansão dessas atividades tem como principal barreira o risco

de desertificação, especialmente nos países com climas mais áridos.

Savanas do centro-sul da África (Miombo)

A economia dessa região ainda é fortemente baseada na exploração da flora e

fauna nativas, causando a eliminação da maior parte da vegetação arbórea em algumas

áreas. Com a colonização européia, as melhores terras foram privatizadas e destinadas

aos colonos, resultando em alto êxodo rural e superpopulação de comunidades nativas.

Assim, por exemplo, no Zimbábue, cerca de 30 % das terras são ocupadas por fazendas

privadas, 20 % para parques e 50 % para comunidades nativas (MISTRY, 2000).

A pecuária extensiva ainda ocupa cerca de 80 % das terras dessa região, sendo a

atividade econômica mais importante, em vários países. Nas fazendas privadas,

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 65

predominam os cultivos de algodão, café, chá, fumo e milho. Adicionalmente, o

florestamento e o cultivo da cana-de-açúcar vêm crescendo, especialmente na África do

Sul.

O potencial de expansão da produção de alimentos, fibras e energia nessa região é

muito grande, principalmente nas áreas com regime pluviométrico favorável.

Apesar das dificuldades de ordem institucional, dos conflitos políticos e das

guerras, tal expansão deverá acontecer, em médio prazo, em resposta à elevada pressão

populacional existente.

Savanas do leste da África

Entre os aspectos que caracterizam essa região, incluem-se a baixa precipitação

pluviométrica e uma população essencialmente rural (> 70 %), com comunidades tribais

muito fortes, como a Maasai. Inclui biomas intensamente ocupados pela fauna nativa,

como o Serengueti na Tanzânia e no Quênia.

Embora predominem a pecuária extensiva e os cultivos de subsistência, a

economia vem crescendo pela produção de algodão, café, fumo e florestamento, além do

turismo rural.

Savanas da Ásia

As Savanas da Ásia, especialmente da Índia, já sofreram profundo processo de

transformação pela intervenção antrópica no uso da flora e fauna nativa como fonte de

madeira, energia e alimento para os animais domésticos. É uma região com elevada

densidade populacional e, portanto, com alto nível de demandas internas de alimentos,

fibras e energia.

Os principais cultivos agrícolas comerciais são: arroz, cana, kenaf, milheto, milho

e seringueira, este último mais significativo na Malásia. A expansão dessas atividades

enfrenta desafios ambientais (destruição de florestas e degradação do solo) e sociais

(realocação de pessoas e comunidades).

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais66

Savanas da Austrália

Entre as características dessa região, duas são contrastantes: longos períodos de

seca e inundações no período chuvoso, fatos que dificultam o uso intensivo. A densidade

populacional e a pressão de uso são baixas. Em conseqüência desses fatos e das

políticas governamentais, grande parte da área tem sido destinada para as comunidades

nativas (aborígines) e para atividades de recreação e turismo.

A pecuária extensiva (ovinos e bovinos), baseada em pastos nativos ou

parcialmente melhorados, é a atividade agrícola mais comum, com pequena participação

de cultivos anuais e hortaliças. Tudo indica que essa será a tendência para o futuro.

Futuro

As perspectivas de utilização das savanas tropicais para atendimento das

crescentes demandas, locais e externas, de alimentos, de óleos essenciais, de fibras,

energia e outros produtos de origem vegetal e animal são muito promissoras. Tal

assertiva se fundamenta, inicialmente, na disponibilidade de recursos naturais ainda

usados abaixo de seu potencial, conforme caracterizado nos itens anteriores, embora seja

evidente que alguns países tenham maior potencial do que outros, principalmente por

contarem com maior disponibilidade de água.

Esse raciocínio tem como premissa que a deficiência de nutrientes é mais viável

de solucionar que a de água. A prática de calagem e adubação de solos já é bem

dominada em algumas áreas tropicais, tendo como principal exemplo o Cerrado brasileiro.

Já a tecnologia sobre uso racional da água está menos disseminada e adotada.

As tecnologias consideradas poupadoras de insumos e a geração de insumos

biológicos serão cada vez mais demandadas nos processos produtivos, conferindo

competitividade e sustentabilidade à atividade agropecuária nas savanas (por exemplo, a

economia de fertilizante nitrogenado no cultivo da soja pelo uso de inoculante).

Entretanto, o uso intensivo das terras sob savanas tropicais envolve grande

número de fatores, de natureza variável, altamente inter-relacionados e portadores de alto

grau de imprevisibilidade. O futuro é incerto e desconhecido! Contudo, uma tendência

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 67

parece inexorável, o crescimento da população mundial e, como conseqüência direta, o

aumento da pressão sobre a base dos recursos naturais. Nesse cenário estão inseridas,

principalmente, as savanas tropicais.

Conforme mencionado na introdução deste capítulo, entre as questões que

deverão ser enfrentadas pela humanidade no futuro incluem-se: água, alimentos, energia,

meio ambiente e pobreza. O equacionamento dessas questões exigirá grande

responsabilidade das sociedades dos países e regiões no qual o ecossistema savana é

preponderante, em termos de desenvolvimento equilibrado do agronegócio. De forma

simplificada, o agronegócio pode ser entendido como o conjunto de atividades, de caráter

familiar e (ou) empresarial, envolvidas na produção, transformação e consumo de

produtos de natureza agrícola.

O desejado equilíbrio entre sociedade, agronegócio e recursos naturais, tema

deste evento sobre savanas tropicais, reserva grandes desafios e abrange decisões

estratégicas. Acredita-se, contudo, que o desenvolvimento tecnológico será o fator

determinante de maior relevância no atingimento desse equilíbrio.

Uma representação esquemática dos principais fatores ou componentes e de suas

inter-relações, envolvidos na busca de um agronegócio sustentável nas terras sob

savanas tropicais é retratada na Fig. 4.

Fig. 4. Representação esquemática e simplificada das interações entre Sociedade/Estado, Ambiente/Recursos Naturais e Conhecimento/Tecnologia, para o equilíbriodo agronegócio nas savanas tropicais.

Sociedade/Estado

Ambiente/Recursos Naturais

AgronegócioConhecimento/Tecnologia

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais68

A sociedade, guiada por seus aspectos políticos, econômicos, culturais edemográficos, exerce pressão e interage com a base de recursos naturais, bióticos eabióticos, determinando a forma de uso das terras das savanas tropicais. Esse processoenvolve desde usos extensivos, como o pastoralismo, até usos intensivos, como aprodução de cultivos comerciais.

Uma breve análise isolada do fator Sociedade/Estado (Fig. 4) revela o primeirogrande desafio para o futuro das savanas tropicais, tendo em vista a grande diversidadeeconômica e social entre os países. Conforme resumido em artigo recente da revista Veja(SCHELP, 2008), a maioria dos países da África encontra-se em situação caótica, emvirtude de diferenças étnicas, rivalidades tribais, paixões religiosas, pobreza e corrupção.As economias nacionais com crescimento positivo têm como bases a extração deminérios e de petróleo, atividades que exigem relativamente pouca mão-de-obra.

Embora a situação socioeconômica de países de outros continentes seja maispositiva, o enfrentamento dessa questão antecede a qualquer iniciativa abrangente para odesenvolvimento agrícola das savanas tropicais. Torna-se urgente a busca de harmoniaentre a sociedade e o Estado de países e regiões, mediante a implementação deestratégias que resultem no aumento da estabilidade política, na diminuição dos conflitose na abertura das economias.

O sucesso dessas estratégias constitui pré-requisito indispensável para adefinição e implantação de políticas e programas, nacionais, regionais e internacionais, dedesenvolvimento sustentável do agronegócio.

Uma análise do fator Ambiente/Recursos Naturais (Fig. 4) já foi feita nos itensanteriores, revelando que o ecossistema savanas tropicais tem uma base rica emrecursos naturais de modo a permitir uma utilização mais intensiva no futuro, embora hajalimitações.

Na medida em que aumenta a pressão de uso sobre a base de recursos naturais,cresce a necessidade de geração de conhecimentos e desenvolvimento e adoção detecnologias ajustadas para cada situação, visando ao atendimento das demandas dasociedade, sem degradar o ambiente.

Nesse processo, os três componentes representados na Fig. 4 são importantes,

mas a tecnologia pode ser destacada pelo papel fundamental de orientar a intervenção da

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 69

sociedade sobre o ambiente, auxiliando na definição de políticas de desenvolvimento e na

construção de modelos de gestão produtiva. Políticas e modelos que, entre outras

resultantes, contemplem o respeito às diversidades sociais, à maximização da força de

trabalho e ao uso racional dos recursos naturais.

A interação harmônica entre os três componentes deve redundar na construção do

agronegócio sustentável para cada país ou região, como já vem acontecendo em alguns

países, especialmente naqueles com situação político-institucional estável e que têm

investido na pesquisa.

O componente tecnológico

Embora os investimentos da sociedade em pesquisa e inovação tenham crescido

em alguns países e regiões, os desafios ainda são imensos para que a tecnologia exerça,

de forma plena, seu papel de orientar a utilização intensiva e racional das savanas

tropicais.

Uma questão crucial no desenvolvimento tecnológico diz respeito à utilização da

água, recurso escasso e já insuficiente em alguns países sob savanas tropicais, conforme

mostrado na Tabela 3. A estratégia de equacionamento envolve dois níveis de

abrangência, o local e o regional. A meta final, contudo, é a mesma, ou seja, obter a

máxima relação produto agrícola por unidade volumétrica de água disponível.

No âmbito local, é necessário desenvolver tecnologias que maximizem o

aproveitamento da água da chuva para fins produtivos e minimizem as perdas inerentes

ao ciclo da água no sistema solo/água/planta/atmosfera. Envolvem técnicas de manejo e

conservação do solo, processos de cultivo e melhoramento vegetal.

O âmbito regional envolve o conhecimento para organizar o fluxo de água de um

local para outro. Abrange técnicas para aumentar o tempo de residência da água no solo e

retardar seu deslocamento, superficial e (ou) subterrâneo, para os cursos ou corpos de

água, constituindo-se numa ação de “produção de água”. Uma alternativa relevante será o

barrageamento da água e posterior utilização para irrigação.

Em adição aos aspectos tecnológicos, o âmbito regional exigirá a cooperação

entre países, tendo em vista que as grandes bacias hidrográficas extrapolam os limites

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais70

geopolíticos. O fato de que as nascentes dos principais cursos d’água, responsáveis pela

recarga dos aqüíferos, estejam localizadas nas áreas de savanas tropicais realça a

importância dessa cooperação.

O desenvolvimento tecnológico tem sido fortemente direcionado para viabilizar o

aumento da produção de alimentos, fibras e energia, resultando na expansão de áreas sob

cultivo intensivo e aumento da produtividade de alguns cultivos. Pouco tem sido feito para

a melhoria dos processos de transformação, distribuição e consumo desses produtos e

ainda menos, para a minimização dos impactos ambientais.

A maior parte da produção agrícola dos países sob savanas, mesmo aquela

destinada para mercados externos, tem baixo grau de processamento e transformação,

antes de ser consumida. O desenvolvimento de tecnologias direcionadas para essas

etapas das cadeias produtivas de produtos ou conjunto de produtos é essencial,

principalmente para agregação de valor e emprego da mão-de-obra local. De modo similar,

a etapa de distribuição dos produtos até o consumidor exigirá desenvolvimento ou

transferência de tecnologias para diminuir perdas, ganhar eficiência e atender exigências

do mercado consumidor.

Por outro lado, o sucesso do agronegócio tem uma relação direta e estreita com o

uso sustentável dos recursos naturais e com a qualidade do ambiente, inclusive porque

cresce a pressão dos mercados consumidores, mediante exigências de certificação de

origem, de rastreabilidade, etc. Nesse tema, também está reservado um papel

fundamental do fator tecnologia, tanto no sentido de maior conhecimento dos recursos

naturais e de seu potencial de uso, como no melhor entendimento do ecossistema savana

e ainda no de avaliar e minimizar os impactos da atividade agrícola no ambiente. O

emprego de técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento têm-se constituído

em instrumentos valiosos nessas tarefas.

A minimização dos riscos de degradação requer a adoção de um conjunto de

medidas, envolvendo aspectos gerenciais e tecnológicos. A primeira etapa desse

processo se baseia no planejamento de ocupação da área, a começar pela determinação

da aptidão agrícola das terras, visando orientar sua destinação e o nível tecnológico

exigido para que seu uso seja racional. Com a adoção dessas medidas, haverá grande

probabilidade de que um novo equilíbrio seja alcançado, diferente do natural, mas

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 71

sustentável. O monitoramento da qualidade do solo constitui instrumento importante para

avaliar a eficácia do processo produtivo.

Outro tema de crescente relevância para o desenvolvimento do agronegócio diz

respeito à qualidade ambiental, ou seja, produzir sem degradar. Entre os impactos

ambientais se pode destacar: a ameaça sobre componentes bióticos naturais, a

degradação do solo e da água, a desertificação e a emissão de gases responsáveis pelo

aquecimento global.

Felizmente, nos últimos anos, tem aumentado a preocupação da sociedade com a

sobrevivência da espécie humana no planeta, movimento que ganhou força após a

Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo (1972) e na ECO RIO 92.

No que se refere ao ecossistema Cerrado, começam a ganhar força algumas

iniciativas positivas na busca da minimização de impactos ambientais resultantes do uso

intensivo da terra, entre os quais se deve mencionar, a título de exemplo: a recomposição

de matas ciliares, a criação de corredores de conservação da biodiversidade e a

recuperação de pastagens degradadas.

A implantação do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC) em Minas

Gerais, iniciado em 1994, é exemplo de uma iniciativa de sucesso na recomposição de

matas ciliares das nascentes do Rio São Francisco (LOPES et al., 2002). Outra iniciativa,

mais recente, é o Projeto Lucas do Rio Verde Legal, em Mato Grosso, cujo objetivo

principal é conciliar o desenvolvimento agropecuário do município com a conservação

ambiental e a responsabilidade social e tendo meta inicial a manutenção e recomposição

das áreas de preservação permanente, especialmente das matas ciliares.

A expansão das atividades agropecuárias no Cerrado tem resultado na

fragmentação e perda de habitats naturais, com ameaças à biodiversidade. A criação de

corredores naturais e contínuos, tal como o Corredor de Conservação da Biodiversidade

Emas Taquari, em Mato Grosso do Sul, é uma iniciativa promissora para equacionar essa

questão, conforme discutido por Klink et al. (2008).

O uso inadequado de áreas sob pastagem no Cerrado tem acelerado o processo de

degradação. Estima-se que hoje existem cerca de 50 milhões de hectares de pastagem

em algum estágio de degradação, cenário de enorme preocupação em termos ambientais,

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais72

sociais e econômicos. A adoção do sistema integração lavoura-pecuária, inclusive com

plantio direto, constitui-se em outra iniciativa de sucesso (KLUTHCOUSKI et al., 2003).Adicionalmente, a introdução recente de sistemas agrossilvopastoris representa umaevolução promissora, frente à crescente demanda mundial por madeira para finsindustriais, produção de energia e cocção de alimentos.

Talvez mais importante do que os efeitos diretos, iniciativas desse tipo têm umefeito multiplicador para todo o ecossistema savânico e demonstram que agriculturaintensiva e qualidade ambiental são compatíveis.

Desafios e Estratégias

A descrição, embora sucinta, de algumas iniciativas evidencia que é possívelconciliar o uso intensivo das savanas tropicais com a conservação ambiental e, assim,atingir o almejado equilíbrio entre sociedade, ambiente e agronegócio. O atingimentodesse equilíbrio reserva grandes desafios e exigirá a adoção de estratégias eficazes,

envolvendo, principalmente, aspectos políticos, sociais, ambientais, tecnológicos egerenciais. Embora os principais desafios já tenham sido citados e algumas estratégiasexplicitadas, a seguir será apresentada uma síntese compreensiva, procurando-seenfatizar os desafios e estratégias mais pertinentes e específicas para as savanastropicais. Essa síntese é elaborada agrupando-se os desafios e estratégias em cadacomponente envolvido na construção de um agronegócio sustentável, conforme

esquematizado na Fig. 4.

O componente Sociedade/Estado engloba as questões de mais difícil solução, taiscomo o aumento da pressão populacional, a instabilidade política, os conflitos de váriasnaturezas, a posse e uso da terra, a dívida social (educação, saúde, etc) e a corrupção.Embora tais questões sejam mais nítidas e agudas no continente africano, até certo nívelpodem ser extrapoladas para todos os continentes nos quais se distribuem as savanastropicais. O enfrentamento dessas questões é uma tarefa hercúlea que demanda tempo e

extrapola a fronteira dos países. Sem tal equacionamento, qualquer estratégia de usointensivo das savanas tem pouca chance de sucesso. Entre as estratégias de maiorabrangência, podem ser recomendadas: definição de modelos de desenvolvimentoagrícola que incluam a dimensão humana e ecológica, implantação de programas de

incentivo que não premiem apenas a expansão horizontal, criação de programas de

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 73

capacitação da força de trabalho e instituição de programas de cooperação entre países e

internacional.

O componente Ambiente/Recursos Naturais, conforme já abordado no item

“Ambiente”, abrange grande diversidade de recursos bióticos e abióticos cujo uso

intensivo requer, antes de tudo, um planejamento que respeite os limites de cada recurso.

Um dos resultantes desse planejamento será o mapeamento da aptidão agrícola das

terras, tarefa que pode ser acelerada pelo emprego de ferramentas modernas, tais como

geoprocessamento, sensoriamento remoto e modelagem. O uso planejado das terras, de

acordo com sua capacidade, é uma estratégia importante para minimizar os riscos de

degradação dos recursos naturais e comprometimento da qualidade ambiental.

Em termos de Conhecimento/Tecnologia, a estratégia é simples e inequívoca,

investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), ou seja, na realização de

trabalho sistemático e criativo que vise aumentar o estoque de conhecimento e o uso

desse conhecimento para desenvolver novas aplicações, processos ou produtos. Os

Estados que adotaram essa estratégia, como o Brasil e a Austrália, contam com um

acervo tecnológico valioso.

A estratégia de investir em pesquisa exige mais do que decisão política da

sociedade, requer a disponibilização contínua de recursos financeiros, os quais são

escassos em muitos países. A alternativa viável será a união de esforços entre os

setores público e privado e, ainda, do terceiro setor. Adicionalmente, é indispensável o

apoio da comunidade internacional, hoje incipiente e disperso.

O sucesso de um programa de PD&I envolve muitos fatores, mas depende

vitalmente da formação e capacitação de recursos humanos. Tendo em vista a escassez

de recursos financeiros, será necessário definir prioridades, tarefa que deve envolver e

comprometer todos os setores e atores atuantes no agronegócio, desde fornecedores de

insumos até consumidores.

Embora as prioridades sejam distintas para cada região ou país, em função da

interação Sociedade/Ambiente, os projetos de pesquisa devem visar ao desenvolvimento

de um agronegócio sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais e, portanto,

serem executados com uma visão completa de cada cadeia produtiva componente do

agronegócio. Conforme já discutido anteriormente, algumas prioridades abrangentes de

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais74

pesquisa permeiam todas as áreas sob savanas tropicais, entre as quais se pode

destacar:

a) Valoração e aproveitamento da diversidade vegetal das savanas. A manutenção da

vegetação natural associada ao manejo extrativista sustentável pode ser fator

determinante na preservação in situ da biodiversidade e fonte de renda, incluindo

nesse contexto, também, as comunidades indígenas e tradicionais.

b) Avaliação dos recursos naturais e de sua capacidade para o uso intensivo agrícola.

Em termos de clima, deve-se destacar a importância do zoneamento agroclimático e

dos estudos sobre o risco climático aos cultivos, visando minimizar perdas

econômicas e ambientais, incrementando a eficiência no uso dos recursos e insumos.

c) Utilização eficaz dos recursos naturais mais escassos e, por isso, determinantes

primários do sucesso do agronegócio. Hoje o recurso mais escasso é a água, situação

que exigirá concentração de esforços tecnológicos, políticos e gerenciais, no sentido

de otimizar a relação produção/unidade de água disponível para agricultura.

d) Crescimento da produtividade e da agregação de valor na fase de transformação dos

produtos agrícolas, de modo a aumentar a competitividade e o emprego de mão-de-

obra.

e) Equacionamento dos problemas ambientais já observados na região e prevenção de

prováveis impactos no futuro, entre os quais se pode destacar: perda da

biodiversidade da fauna e flora nativas; degradação do solo e da água; desertificação;

emissão de gases contributivos ao aquecimento global, principalmente pelo efeito do

fogo; e interferência das mudanças climáticas globais sobre o uso atual e potencial

das savanas tropicais.

f) Contribuição na formulação de sistemas de suporte para a tomada de decisões no

sentido de orientar o uso intensivo e monitorar os efeitos desse uso sobre o

ecossistema.

Acredita-se que a criação de uma rede internacional de cooperação direcionada

para savanas tropicais constitua-se em estratégia importante para acelerar o intercâmbio

entre os países e, como conseqüência, equacionar os desafios para o uso mais intensivo

desse ecossistema.

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 75

Finalmente, é importante enfatizar que a implementação das estratégias e o

equacionamento dessas prioridades extrapolam o âmbito tecnológico, pois representam a

interação entre os componentes retratados na Fig. 4 e dependem, fundamentalmente, do

direcionamento sinalizado pela sociedade e da decisão soberana de cada Estado.

Considerações Finais

O ser humano é parte da natureza e não apenas seu usuário. Tem o direito de usar

os recursos naturais e o dever de preservar ou melhorar sua qualidade para as gerações

futuras.

As savanas tropicais constituem ecossistemas estáveis, cujos principais

determinantes ecológicos são a disponibilidade de água e de nutrientes. Embora a

existência de grande diversidade, os recursos naturais desse ecossistema suportam uso

mais intensivo do que o atual e, portanto, têm grande potencial agrícola.

A tendência é de aumento da pressão populacional, com crescimento da demanda

por alimentos, água, fibras, óleos essenciais, fármacos e energia. O atendimento dessa

demanda encerra enormes desafios e depende do equilíbrio entre os componentes

sociedade/estado, ambiente/recurso natural e conhecimento científico/tecnologia, atores

maiores no desenvolvimento de um agronegócio sustentável.

Inicialmente, torna-se urgente a busca de harmonia entre a sociedade e o Estado

de países e regiões, mediante a implementação de estratégias que resultem no aumento

da estabilidade política, na diminuição dos conflitos de várias naturezas e na abertura das

economias, especialmente no continente africano. Isso exigirá cooperação entre países e

apoio da comunidade internacional.

Simultaneamente, é urgente investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação

(PD&I), objetivando aumentar o estoque de conhecimento e seu uso no desenvolvimento

de novas aplicações, processos ou produtos. Inúmeras são as prioridades de pesquisa,

contudo ressalte-se a importância de algumas questões, tais como a utilização racional

do limitado recurso hídrico e a minimização dos impactos ambientais.

Para as savanas tropicais, é imprescindível aumentar a relação produção agrícola/

unidade de água disponível e considerar o benefício advindo da agricultura irrigada e de

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais76

suas relações com a agricultura de sequeiro, responsável maior pela “produção” de água

doce.

Utilizar os recursos naturais sem degradar o ambiente deve se constituir num

valor permanente. E mais, direcionar o uso agrícola das savanas tropicais no sentido de

contribuir efetivamente na solução de questões ambientais que hoje afligem toda a

humanidade, tal como, por exemplo, o aquecimento global e suas possíveis

conseqüências. Em vez de emitir carbono para a atmosfera, a atividade agrícola pode

“seqüestrar” carbono!

Por último, a transformação do potencial agrícola das savanas tropicais em

realidade exigirá conhecimento, investimento, inovação, profissionalismo e

empreendedorismo para se atingir o desejado equilíbrio entre sociedade, agronegócio e

recursos naturais, tema central deste evento. Enfim, para se atingir uma compatibilização

entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável.

Referências

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Savannas Tropicais: dimensão, histórico e perspectivas 77

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