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4 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da RepúblicaMINISTRO We l l i n g to n Mo r e i r a Fra n co

PRESIDENTE Ma r c i o Po chmann

DIRETOR-GERAL Daniel CastroCONSELHO EDITORIAL André Gustavo de Miranda Pineli Alves, Antonio Semeraro Rito Cardoso, Daniel Gonçalves Oliveira, Fernanda Cristine Carneiro, Guilherme Dias, Isabela Vilar, João Cláudio Garcia, Jorge Abrahão de Castro, José Aparecido Carlos Ribeiro, José Carlos dos Santos, Júnia Cristina Perez Conceição, Luciana Acioly da Silva, Márcio Bruno Ribeiro, Maria da Piedade Morais, Marina Nery, Murilo José de Souza Pires, Pérsio Marco Antônio Davison

RedaçãoEDITOR-CHEFE Bruno De ViziaEDITORA DE ARTE Ana Caroline de Bassi PadilhaEDITOR DE ARTE/FINALIZAÇÃO Diogo FélixESTAGIÁRIA Francielly Dayne MegelBRASÍLIA Cora DiasRIO DE JANEIRO Marina NeryJORNALISTA RESPONSÁVEL Bruno De ViziaFOTOGRAFIA Gustavo Granata, Ricardo Beliel e Sidney MurrietaFOTO DA CAPA StockphotosCAPA Virtual Publicidade

ColaboraçãoGeorge da Guia e Giulia Di Vizia

Cartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1517CEP 70076-900 - Brasília, DFdesaf [email protected]

ImpressãoGráf ica Art Printer

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E

DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,

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ECONÔMICA APLICADA (Ipea).

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DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO DO Ipea

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Carta ao leitorA participação popular na elaboração, implementação e fiscalização

das políticas públicas ganha destaque na edição número 65 da revista Desafios do Desenvolvimento. A matéria de capa ressalta a importância da participação popular na concepção de programas como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o ProUni (Universidade para Todos). A participação de cerca de 5 milhões de pessoas nas 73 conferências nacionais temáticas, fundamentais para o diálogo da sociedade com as esferas governamentais, demonstra o interesse de cidadãos em construir desenvolvimento brasileiro.

A presente edição traz uma reportagem na qual são colocados os desafios das telecomunicações no Brasil. As restrições de acesso às tecnologias, as diferenças regionais e os baixos investimentos no setor são alguns desses desafios. Para se ter uma ideia, em 2010, o Brasil alcançou o status de país que possui mais telefones celulares do que habitantes.

A cooperação internacional brasileira é tema de outra matéria desta edição. Acordos internacionais, investimentos em pesquisa e desen-volvimento e parcerias no campo da saúde reforçam a importância do tema. Algumas ações no continente africano, como o combate à Aids e o desenvolvimento agrário são exemplos bem-sucedidos dessa cooperação.

A história do Brasil é revisitada na matéria intitulada Encilhamento: crise financeira e República, que trata da turbulência econômica que abateu o Brasil no fim do século XIX. O episódio teve origem na abolição da escra-vatura, que impôs novas exigências aos produtores rurais do Brasil colônia.

Desafios do Desenvolvimento traz uma matéria que trata de inovação no Brasil. Os parques tecnológicos e incubadoras de empresas são destaques nesse setor estratégico para o país. Em um contexto global, as instituições científicas também ganham importância como atores no desenvolvimento de novas tecnologias nas cinco macrorregiões brasileiras.

Quando se fala de diversidade cultural no Brasil, dificilmente se lembra de que cerca de 210 idiomas são falados no país. Desses, cerca de 180 são indígenas. Essa é uma das características da linguística brasileira, ainda pouco conhecida. A matéria Somos 210 Brasis se debruça sobre essa diversidade, estimada pelo Grupo de Diversidade Linguística do Brasil.

Na entrevista desta edição, Alrich Nicolas, ex-ministro de Relações Exteriores do Haiti, fala sobre a situação do país caribenho. Nicolas, que atualmente dirige o Observatório da Pobreza e Exclusão Social do Haiti, fala de reconstrução, ajuda internacional e da situação política e econômica do país, considerado o mais pobre das Américas. Esta edição ainda traz as seções periódicas e seis artigos de pesquisadores do Ipea.

Boa Leitura!

Daniel Castro, diretor geral da

revista Desafios do Desenvolvimento

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Sumário

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Pag 10 Entrevista – Alrich NicolasEx-ministro das relações exteriores do Haiti destaca a presença brasileira e a recuperação econômica do país

Pag 18 Participação Popular – A construção da democracia participativaSociedade civil participa da elaboração, implementação e fiscalização de políticas públicas no Brasil

Pag 36 Panorama – As distâncias das telecomunicações no BrasilSetor é estratégico para o crescimento econômico e social do país, mas acesso à tecnologias ainda é restrito

Pag 44 Cooperação internacional – Ajuda ao próximo e ao distanteBrasil muda o perfil do auxílio ao desenvolvimento internacional, com programas em todo o globo

Pag 64 História – Encilhamento: crise financeira e RepúblicaObjetivo era promover a industrialização brasileira mas o resultado foi um surto inflacionário

Pag 60 Questões do desenvolvimento – Inovação em pautaParques tecnológicos e incubadoras de empresas auxiliam setor produtivo a inovar

Pag 68 Retratos – Somos 210 BrasisInventário Nacional da Diversidade Linguística lista os 210 diferentes idiomas falados no Brasil

ArtigosPag 34 Instituições Participativas e Governança Democrática

Fabio de Sá e Silva

Pag 35 Ouvidoria pública: elemento estratégico de governança Antonio Semeraro Rito Cardoso

Pag 56 Sobre a formulação de indicadores de avaliaçãoJoão Brígido Bezerra Lima

Pag 57 Mapeando a Cooperação para o desenvolvimentoGuilherme de Oliveira Schmitz

Pag 72 O PPA do governo federal e o desenvolvimento regionalAristides Monteiro Neto

Pag 77 Biocombustíveis e desenvolvimento produtivo: um degrau para além das commoditiesGesmar Rosa dos Santos

6 Giro Ipea

8 Giro

58 Observatório latino-americano

74 Perfil

78 Melhores práticas

82 Circuito

84 Indicadores

90 Humanizando o desenvolvimento

Seções

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GIROipea

Saúde

SUS é mais bem avaliado por quem utiliza o serviço

Estudo

Gasto social tem efeito multiplicado no PIB

Os gastos sociais no Brasil contribuem para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a redução das desigualdades, apontou o Ipea no Comunicado nº 75. Segundo o estudo, que usou como base dados de 2006, cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB, e o mesmo valor investido na saúde gera R$ 1,70. Foram considerados os gastos públicos assumidos pela União, pelos estados e municípios.

Por sua vez, quando se calcula o tipo de gasto social que tem o maior efeito multiplicador na renda das famílias, em primeiro lugar aparece o Programa Bolsa Família. Para cada R$ 1 incluído no programa, a renda das famílias se eleva 2,25%. “A título de compa-ração, o gasto de R$ 1 com juros sobre a dívida pública gerará apenas R$ 0,71 de PIB e 1,34% de acréscimo na renda das famílias”, acrescenta o Comunicado, intitulado Gastos com política social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda. O levantamento afirma ainda que 56% dos gastos sociais retornam ao Tesouro na forma de tributos.

O Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre saúde, divulgado em fevereiro pelo Ipea, aponta que, na opinião de 28,9% dos entrevistados no Brasil, os serviços públicos de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são muito bons ou bons. Proporção semelhante dos entrevistados (28,5%) opinou que esses serviços são ruins ou muito ruins, enquanto 42,6% os consideraram regulares.

Os resultados mostram que os serviços do SUS são mais bem avaliados por aqueles que costumam utilizá-los, quando comparados com aqueles que não os utilizam. Segundo o estudo, entre aqueles que tiveram alguma

experiência com os serviços do SUS nos últimos 12 meses, a proporção de opiniões de que esses serviços são muito bons ou bons foi maior (30,4%) do que entre o outro grupo (19,2%).

O SIPS indicou também que o atendimento pela Equipe de Saúde da Família (80,7% das respostas) e a distribuição gratuita de medi-camentos (69,6%) são os serviços mais bem avaliados. Já os problemas mais mencionados são a falta de médicos (58,1%), a demora para atendimento nos postos ou centros de saúde ou nos hospitais (35,4%) e a demora para conse-guir uma consulta com especialistas (33,8%).

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Engenheiros

Ipea divulga boletim sobre mão de obra no BrasilEm 2020, o Brasil terá entre 1,5 milhão a

1,8 milhão de engenheiros. A previsão está no Boletim Radar nº 12, uma edição especial sobre mão de obra no Brasil e crescimento, divulgado em março, em Brasília. O estudo mostra que a demanda por engenheiros no país deve continuar crescendo e a estimativa é de que em 2020 o Brasil precise de 560 mil a 1,16 milhão de engenheiros, dependendo do crescimento econômico do país.

Embora a quantidade de engenheiros formados até 2020 seja suficiente para suprir a demanda prevista, há o gargalo do desvio ocupacional. Em 2009, apenas 38% dos formados em engenharia estavam no mercado nas suas ocupações típicas. Ou seja: seis em cada dez engenheiros atuam em outras funções que não engenharia. Em 2020, a previsão é de que esse número aumente para 45%. É possível que, em alguns setores como construção civil, mineração, petróleo e gás, haja um

gargalo na oferta de profissionais, caso a economia cresça a níveis muito altos.

O Radar aponta como soluções de curto prazo para a escassez de mão de obra qualificada de engenheiros o aumento de salários, a retenção dos profissionais em vias de se aposentar, o retorno dos já aposentados para reduzir o problema da falta de experi-ência, a capacitação e treinamento. Já para as medidas de longo prazo, o destaque foi para o investimento em educação, com políticas de ampliação da oferta no sistema educacional e a garantia de formação básica com qualidade, a fim de aumentar o numero de jovens aptos para o ensino superior e o mercado de trabalho.

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Desigualdade I

Pobres representam quase 55% dos desempregados

O Comunicado Desemprego e desigual-dade no Brasil metropolitano, divulgado em fevereiro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que mais da metade dos desempregados das seis principais regiões metropolitanas do país (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife) fazem parte da população mais pobre.

De acordo com a pesquisa, a parti-cipação relativa dos desempregados pobres no total de desemprego aberto no mês de dezembro, em 2005, era de 66,9%. Embora tenha havido uma queda

significativa em 2010, os pobres no Brasil ainda representam mais da metade dos desempregados, correspondendo a quase 55% do total.

Apesar dessa desigualdade no desem-prego, a desocupação no país está em queda. Houve um aumento na ocupação e notou-se, também, aumento real do rendimento do conjunto dos ocupados. Entre dezembro de 2005 e 2010, o número de desempregados caiu 31,4%, e o número de ocupados cresceu 12,7. Os dados primários analisados são da Pesquisa Mensal de Emprego, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Desigualdade II

Baixa qualificação é maior entrave para desocupados

Mobilidade

Engarrafamentos e segurança preocupam brasileiros

O Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre mobilidade urbana, divulgado em janeiro pelo Ipea, informa que 44,3% da população brasileira tem no transporte público seu principal meio de deslocamento nas cidades. Na região Sudeste, o percentual atinge 50,7%.

Apesar da importância desse tipo de trans-porte, a quantidade de ônibus em circulação no Brasil cresceu menos, de 2000 a 2010, que a quantidade de veículos particulares. Hoje, há um ônibus para cada 427 habitantes e, em 2000, era um para 649 pessoas. Em relação aos carros, hoje existe um automóvel para cada 5,2 habitantes, enquanto há dez anos essa proporção era de 8,5.

No geral, 69% dos cidadãos disseram que enfrentam engarrafamentos. De cada três brasileiros, dois tiveram a percepção de que a sinalização de trânsito é ruim. Em relação à segurança, 32,6% declararam que não se sentem seguros nunca ou se sentem apenas raramente no meio de transporte que mais utilizam.

Pesquisa do Ipea aponta que 23,7% do total de desempregados no Brasil acusaram a não qualificação como maior causa do desemprego. O problema é mais grave nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A pesquisa amostral contou com 2.770 entrevistas e mostrou que o avanço da formalização do mercado de trabalho não vem sendo acompanhado como deveria pela garantia de direitos trabalhistas. O levanta-mento aponta que 37,2% dos entrevistados com emprego formal disseram enfrentar situações de risco à saúde ou de morte no trabalho, mas menos da metade destes, 43,2%, informaram receber remuneração adicional por insalubridade ou periculosidade.

O estudo, que faz parte do Sistema de Indicadores de Percepção Social, destaca ainda o baixo percentual de pessoas que buscaram instituições para denunciar assédio sexual e moral no ambiente de trabalho: 2,5%. A principal reclamação dos trabalhadores nestas denúncias se relaciona com discriminação por idade.

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GIROAgroindústria

Setor recupera queda de 2009

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A produção da agroindústria brasileira cresceu 4,7% em 2010. O dado, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que, embora o desempenho do setor tenha ficado abaixo do relativo à indústria geral, que teve aumento de 10,5% no mesmo período, houve uma recuperação da queda de 4,8% observada em 2009. A expansão em 2010 é a maior desde 2007, quando a agroindústria nacional cresceu 5%.

O resultado favorável pode ser explicado pelas boas condições climáticas, pelo aumento nas exportações e dos preços das commodities. Segundo o IBGE, o grupo inseticidas, herbicidas e outros defensivos para uso agropecuário cresceu 14,6% e o segmento de madeira, 25,2%.

O setor de produtos industriais derivados da agricultura cresceu 3,6%, com resultados positivos em seis dos oito subsetores pesqui-sados. Os derivados da cana-de-açúcar avan-çaram 8,1%, por causa da maior produção de açúcar cristal (11,5%), impulsionada pelas exportações, e de álcool (4,2%), fruto da expansão da frota de veículos bicombustíveis.

Indústria I

Produção fecha 2010 com alta de 10,5%A produção industrial brasileira

cresceu 10,5% em 2010, em relação ao ano anterior, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2009, a indústria havia recuado 7,4%. Devido ao recuo do ano anterior, esse é o maior crescimento do setor desde 1986.

Entre as categorias industriais, o maior aumento foi registrado entre os bens de capital, com alta de 20,8%. Os bens intermediários tiveram um incremento na produção de 11,4%. Entre os bens de consumo, os duráveis tiveram alta de 10,3% e os semi e não duráveis, de 5,2%. Apesar do crescimento acumulado no ano passado, a indústria teve queda de 0,7% na produção no mês de dezembro.

Esse aumento pode ser explicado pelo desempenho de estados cujo parque fabril está ligado a setores de bens de consumo duráveis, como eletrodomés-ticos e automóveis, pela recuperação das vendas externas das commodities e ainda pela baixa base de comparação no ano anterior, que ainda sofreu os reflexos da crise mundial.

Em 2010, cinco locais registraram altas acima da média nacional (10,5%). O destaque foi o Espírito Santo (22,3%), seguido por Goiás (17,1%), pelo Amazonas (16,3%), por Minas Gerais (15,0%) e pelo Paraná (14,2%), além de Pernambuco (10,2%) e São Paulo (10,1%), que cres-ceram próximos à média da indústria brasileira.

Copa e Olimpíadas

Banco americano vai financiar US$ 1 bilhão em projetos brasileiros para 2014 e 2016

A instituição vai emprestar US$ 1 bilhão para empresas brasileiras envolvidas em projetos da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Esse dinheiro deve ser utilizado para a compra de produtos dos EUA ou serviços de empresas norte-americanas.

O Eximbank equivale nos Estados Unidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) brasileiro. Os projetos da Copa e das Olimpíadas repre-sentam uma parte dos investimentos que a instituição pretende fazer no Brasil. Além do US$ 1 bilhão, o banco norte-americano vai emprestar US$ 2 bilhões para que a Petrobras

também contrate e m p r e s a s o u compre produtos norte-ameri-canos.

O Brasil está entre os nove países que o Eximbank considera prioritários para investi-mentos. Apesar disso, é um dos países em que o crescimento das operações do banco tem ritmo mais lento. O presidente da instituição, Fred Hochberg, espera que o aporte de US$ 3 bilhões na economia brasileira seja o início de um ciclo de crescimento mas vigoroso dos financiamentos do banco no Brasil.

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Desemprego

Brasil teve em 2010 a menor taxa da série histórica

A taxa de desemprego média no Brasil em 2010 foi de 6,7%, a menor da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 2002. Segundo o órgão, o contingente de desocupados foi de 1,6 milhão de pessoas, em média, no ano passado. Em 2009, a taxa havia ficado em 8,1%. Já as pessoas ocupadas somaram 22 milhões, 3,5% a mais do que em 2009.

O número de pessoas com carteira assi-nada no setor privado também atingiu um recorde no ano passado. Foram 10,2 milhões de pessoas, em média, em 2010, ou seja 46,3% do total de pessoas ocupadas. Em 2009, a proporção era de 44,7%.

O rendimento médio real dos trabalhadores em 2010 foi o maior desde 2003: R$ 1.490,61. O ganho foi de 3,8% em relação a 2009 e de 19,0% em relação a 2003.

Indústria II

Emprego tem crescimento recorde de 3,4%

O emprego na indústria brasileira teve crescimento de 3,4% em 2010, em relação ao ano anterior. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa é a maior expansão da série histórica, iniciada em 2002. Em 2009, o número de pessoas ocupadas na indústria havia caído 5,0% em relação a 2008.

De acordo com dados divulgados em fevereiro, as 14 regiões pesquisadas pelo IBGE apresentaram aumento na taxa de emprego no ano passado, com destaque para São Paulo (2,8%), Rio Grande do Sul (4,0%), Rio de Janeiro (5,6%) e Santa Catarina (3,4%), além das regiões Nordeste (5,0%) e Norte e Centro-Oeste (4,2%).

Entre os segmentos industriais, o emprego cresceu em 13 dos 18 ramos pesquisados. As

principais influências para o resultado geral do emprego na indústria vieram dos setores de máquinas e equipamentos (7,3%), produtos de metal (7,0%), meios de transporte (5,9%), máquinas e aparelhos eletroeletrônicos e de comunicações (7,2%), calçados e couro (5,7%), têxtil (6,4%), alimentos e bebidas (1,5%) e metalurgia básica (7,7%).

Já os setores de vestuário (-2,1%) e de madeira (-5,8%) tiveram as principais pres-sões negativas sobre o emprego da indústria. Segundo o IBGE, o bom resultado de 2010 reflete “não só a recuperação gradual do emprego industrial ao longo do ano, mas também a baixa da base de comparação em função dos ajustes realizados no mercado de trabalho em 2009, por conta dos efeitos da crise econômica internacional”.

Inf lação

Índice oficial abre ano com alta de 0,83%O Índice Nacional de Preços ao Consu-

midor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, abriu o ano com alta de 0,83%. A taxa de janeiro, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE), é a maior desde abril de 2005, quando foi verificada elevação de 0,87%.

Em relação a dezembro do ano passado (0,63%), houve aumento de 0,20 ponto percentual. O resultado de janeiro também superou o do mesmo período de 2010, quando a taxa havia ficado em 0,75%.

Nos últimos 12 meses, o índice acumula alta de 5,99%.

O IBGE também divulgou os dados relativos ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que apresentou variação de 0,94% em janeiro e superou em 0,34 ponto percentual o resultado de dezembro de 2010 (0,60%). Considerando os últimos 12 meses, o índice acumula elevação de 6,53%, também acima dos 12 meses imediatamente anteriores (6,47%). Em janeiro de 2010, o INPC havia ficado em 0,88%.

O IPCA se refere às famílias com rendimentos até 40 salários mínimos e abrange nove regiões metropolitanas do país, além dos municípios de Goiânia e de Brasília.

O INPC mede a evolução dos preços tomando como base os gastos de famílias com rendimentos até seis salários mínimos, sendo o chefe assalariado, e também abrange nove regiões metropolitanas do país, além dos municípios de Goiânia e de Brasília.

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Alrich Nicolas

N o f inal de 2009 a ONU (Organização das Nações Unidas) elaborava uma estratégia de saída das forças militares da Minustah (Missão de Paz da Onu para Estabilização do Haiti, na sigla em inglês) do país caribenho, quando em 12 de janeiro de 2010 o país foi devastado por um

terremoto de grandes proporções, cujo epicentro foi próximo à capital, Porto Príncipe.

“Não é somente a solidariedade internacional

que vai fazer avançar a reconstrução do Haiti”

B r u n o D e V i z i a e J o ã o C l a u d i o G a r c i a – d e B r a s í l i a

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O saldo do tremor não se resumiu apenas aos 220 mil mortos, 300 mil feridos, e mais de um milhão de desabrigados, além de um impacto forte sobre a já frágil economia do Haiti. Apesar de ocorrida a mais de um ano, as consequências da catástrofe são sentidas até hoje, quando o país enfrenta a ameaça de doenças como a cólera, que pode afetar quase um milhão de seus habitantes neste ano.

A reconstrução do país caminha, apesar da atenção e dos recursos internacionais terem diminuído significativamente nos últimos meses, contou em entrevista exclusiva à Desafios do Desenvolvimento o ex-ministro das relações exteriores do Haiti, Alrich Nicolas.

Após longa carreira em postos diplomáticos, como professor, e também como diretor do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), atualmente Nicolas dirige o Observatório da Pobreza e Exclusão Social do Haiti, órgão que acompanha polí-ticas públicas voltadas para a mitigação da pobreza e exclusão haitianas.

Há muitos projetos sociais conduzidos pelo Brasil, tanto

no âmbito de construção da paz, quanto na ajuda

econômica e social

Nicolas esteve no Brasil no início deste ano para se reunir com representantes do governo e com o Ipea, com o objetivo de assimilar práticas e políticas sociais que possam ser adaptadas e implementadas no Haiti.

Na entrevista, Nicolas destaca que há um longo trabalho de recuperação que deve ser feito pelos próprios haitianos, e afirma que após o tremor o país planeja uma refundação institucional e social, para que a riqueza e as oportunidades sejam distribuídas por todo seu território. Apesar de ressaltar

que as tropas brasileiras contam com a simpatia da população haitiana, Nicolas conta que aguarda o dia em que não serão mais necessárias intervenções militares em missões de paz em seu país.

Desenvolvimento - O Brasil tem hoje 2,3 mil militares

nas forças de paz da ONU em atuação no Haiti e cerca de

30 projetos sociais e de reconstrução do país. Podemos

considerar o Brasil o principal parceiro internacional do

Haiti hoje, no desenvolvimento do país?

Nicolas - Eu não diria que o Brasil é o principal parceiro do Haiti em matéria ajuda para o desenvolvimento, porque há também os Estados Unidos, o Canadá, Cuba e Venezuela, mas o Brasil está entre os mais importantes. Mas eu devo dizer que a cooperação do Brasil com o Haiti não se trata somente de presença militar, feita por meio da Minustah, mas também há muitos projetos sociais conduzidos pelo Brasil, tanto no âmbito de construção da paz, quanto na ajuda econômica e social. O Brasil nos ajuda no plano energético, com um projeto de construção de uma grande usina elétrica em uma região importante do país. Também nos auxilia em uma região do Haiti com a produção

de horticultura, ajuda as instituições de Porto-Príncipe (capital do Haiti) a desenvolverem seus projetos sociais, nos auxilia com projetos voltados para a juventude, a Viva Rio [ONG brasileira que tem sede na capital haitiana] no Haiti é bem importante, e bastante conhecida nesta área.

Desenvolvimento - É possível ampliar o auxílio ao

desenvolvimento haitiano? De que formas?

Nicolas - Existe a possibilidade de o Brasil nos ajudar também no domínio de polí-ticas sociais. Esta é minha missão aqui, discutir com as autoridades brasileiras e com o Ipea como podemos desenvolver uma cooperação de base.

80%dos ganhos

com exportação no Haiti são destinados a importar alimentos

PerfilAlrich Nicolas nasceu em Porto Príncipe,

capital haitiana, em 1956. Formou-se em Ciências Políticas e em Administração. Iniciou sua carreira no ministério da economia e das finanças do Haiti, em 1976. Entre 1985 e 1995 foi, respectivamente, assistente de pesquisa, pesquisador e professor assistente na Universidade Livre de Berlim, na qual obteve seu doutorado em Ciências Econômicas.

Foi embaixador do Haiti na Alemanha entre os anos de 1997 e 2004, e um ano

depois passa a auxiliar o ministério da cultura do Haiti na elaboração de programas de cooperação cultural internacional. Em 2006 é destacado para economista-chefe do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Em 2008 assume o ministério das relações exteriores do Haiti, cargo no qual permaneceu até o final do ano seguinte.

Atualmente dirige o Observatório Nacional da Pobreza e Exclusão Social, com sede em Porto Príncipe.

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Sidn

ey M

urrie

taSou diretor do Observatório da Pobreza e Exclusão Social, nosso objetivo é de acompanhar a estratégia de exclusão da pobreza no Haiti, e acompanhar todas as políticas públicas aplicadas no país que tratam da pobreza e exclusão social. Como sabíamos que o Ipea tem um papel importante na elaboração e implantação de projetos sociais contra a fome, ou mesmo o programa Bolsa Família, viemos aqui para encontrar esse conhecimento com o Ipea e com o responsável por estas políticas no governo, para que nos auxiliem a pensar nesta questão, que pode aumentar a cooperação do Brasil com o Haiti.

Não é questão de discutir ou não se o Haiti é pobre, mas de discutir também como

os recursos são alocados na sociedade, em primeiro lugar,

e como ela trabalha para produzir riqueza e a reparti-la

de modo mais justo, em um segundo momento

Desenvolvimento - O que é o Haiti além do estereótipo

da pobreza?

Nicolas - Você tem razão em falar deste estereótipo, porque é o que define o Haiti na imprensa internacional, que sempre diz “o Haiti, o país mais pobre deste hemisfério”, ou “60% da população sobrevive com menos de um dólar por dia”, mas isto é apenas uma apreciação estatística, e não quer dizer nada sobre a pobreza no país. Penso que quando analisamos a pobreza no Haiti e sua dinâmica, vemos que ela existe, mas frequentemente nos esque-cemos de falar da produção de riqueza. Temos que falar também dos recursos e

seu controle, por isso no Observatório consideramos importante analisar a política macroeconômica, porque é esta política que decide sobre a alocação dos recursos. A pobreza tem a ver também com a distribuição de recursos.Não é questão de discutir ou não se o Haiti é pobre, mas de discutir também

como os recursos são alocados na sociedade, em primeiro lugar, e como ela trabalha para produzir riqueza e a reparti-la de modo mais justo, em um segundo momento. Então há uma relação histórica da pobreza com a exclusão social, e a análise não pode ser somente sobre a pobreza,

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taporque as duas caminham juntas. Se você analisar a pobreza no Haiti vai ver que os mais pobres são os mais excluídos, seja do sistema de produção, educacional, de saúde. Um combate contra a pobreza é acima de tudo combater a exclusão social, e pela inclusão das populações que foram historicamente excluídas do processo de produção e repartição dos recursos no Haiti. Quando um jornal diz que o Haiti é o país mais pobre, poderia dizer também que é o país na qual a exclusão social foi mais forte.

O que falta ao Haiti agora é a elaboração de um projeto

de desenvolvimento, de uma visão de médio e longo

prazo de desenvolvimento do país, que inclua a maioria da população, e não uma exclusiva, como acontecia

antes do tremor.

Desenvolvimento - Como está a vida econômica do

país, o que é possível produzir em um país que foi devastado

por uma catástrofe? Como será a reconstrução e o que está

sendo feito nesse sentido?

Nicolas - Os efeitos do terremoto no Haiti causaram uma destruição econômica importante, reduzindo o PIB (Produto Interno Bruto) do país entre 2009 e 2010. O que acontece é que 60% da economia do país se concentram em Porto Príncipe, que foi a cidade mais atingida, e o que reflete também a distribuição desigual da riqueza sobre o território. Os efeitos do terremoto sobre a população são conhecidos, o número de mortos, mas há também empresas que foram destruídas ou avariadas, prédios públicos que foram

arrasados, e temos que considerar todos estes fatores. O que estamos discutindo agora é como fazer da reconstrução um momento para unir todos os haitianos, de fede-ralizar a solidariedade, para ir além da reconstrução. E esta deve refletir uma nova organização do território, para evitar esta concentração de riqueza, a concentração de infraestrutura portuária e aeroportuária, que estava reunida em Porto Príncipe, e distribuí-la por todo o território. Queremos criar novos polos de crescimento fora da capital, o potencial existe, falta explorá-lo. Também o que falta ao Haiti agora é a elaboração de um projeto de desenvolvimento, de uma visão de médio e longo prazo de desenvolvimento do país, que inclua a maioria da população,

e não uma exclusiva, como acontecia antes do tremor.

Desenvolvimento - Qual a importância do auxílio da

comunidade internacional ao país, após o terremoto?

Nicolas - Ganhamos bastante auxílio, mas também muitas promessas de ajuda da parte da comunidade internacional não foram oficializadas. Vinte por cento da ajuda prometida foi entregue, ou seja, oitenta por cento da ajuda não foi realizada. O que passa é que os haitianos têm responsabilidades com seu país, não é somente a solidariedade internacional que vai fazer avançar a reconstrução do Haiti. Eu penso também que quanto mais fizermos nosso dever de reconstrução, mais teremos legitimidade para solicitar à comunidade internacional que respeite os acordos assumidos.

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Desenvolvimento - Líderes locais reclamam que após o

terremoto e a comoção inicial a comunidade internacional parou

de se interessar pelo país, diminuindo a ajuda e permitindo que

a problemas tradicionais de situações pós-catastrofes, como

a cólera, matassem milhares de haitianos. O senhor concorda

com esta avaliação?

Nicolas - Há uma grande expressão de solidariedade em relação ao Haiti. É normal o que aconteceu com o Haiti e com todos os países que passaram por catástrofes, há um ciclo, em um primeiro momento há muito interesse e auxílio internacional, e depois isso vai arrefecendo. O que devemos fazer é mostrar também à comunidade internacional que o terremoto abre oportunidades para investimentos externos. Um ano após o tremor acho importante mostrarmos que há possibilidade de investir no social, na infraestrutura. Devemos chamar o capital internacional para participar da reconstrução do Haiti e na região.

Desenvolvimento - A estimativa é que o PIB do Haiti tenha

se contraído 8% em 2010. Ou seja, o cenário econômico do país,

que já era crítico, se agravou por conta do trágico terremoto.

Qual plano de recuperação o senhor poderia sugerir?

Nicolas - As previsões eram de impacto de 8%, mas após correções, verificou-se que houve uma queda de 5% no PIB. O ministério das finanças também prevê um crescimento de aproximadamente 100% da economia, mas isso acontece porque houve uma destruição muito grande, então é claro que o crescimento se torna positivo rapidamente. Há um plano de recuperação feito pelo governo em março do ano passado com políticas públicas a serem aplicadas nos próximos 18 meses, e que foi apresentado à comunidade internacional, que visa a refundação econômica do país, ou seja, a construção de polos econômicos, o estímulo ao investimento externo. Há iniciativas para investir no setor têxtil haitiano, por exemplo, para que as

exportações deste setor tenham vantagens no mercado norteamericano, há projetos para a construção de locais para receber empresas, há também iniciativas para relançar o turismo para regiões precisas do país, como a Norte [menos afetada pelo terremoto].

5%de recuo no PIB do Haiti em 2010

Há também um projeto para construir zonas de investimento na fronteira com a República Dominicana, no Norte, que vai beneficiar o intercâmbio comercial com este país. Temos um projeto de uma refundação institucional, que toma face na reorgani-zação do território, para desconcentrar os investimentos, a infraestrutura portuária, aeroportuária e de comunicação. Estes são os planos para estímulo ao crescimento. Há também um projeto de refundação social, que envolve as organizações sociais, de desenvolver programas de microcrédito, mais inclusivos, de maneira a relançar a produção nacional, além de iniciativas para dinamizar a agricultura haitiana, modernizando-a. Estes planos foram discutidos com a comunidade internacional. Há ainda uma usina sino-coreana que vai se instalar no Haiti, conferindo trabalho a 20 mil haitianos no setor têxtil, dentre outros projetos, mas eles não são suficientes. O plano foi estabelecido para dezoito meses, mas deve passar por uma revisão.

Desenvolvimento - Mais da metade das exportações do

Haiti tem por destino os Estados Unidos. O que fazer para

reduzir esta dependência? É possível superá-la?

Nicolas - O que acontece é que os laços entre o Haiti e os Estados Unidos são muito fortes, mas estamos buscando a diversificação. Como falei, há esforços para a construção de uma usina sino-coreana, os espanhóis tem projetos no setor turístico, a França fará investimentos no Haiti, o Brasil também tem planos no setor têxtil, falam de recursos do México. Estes investimentos buscam a diversificação da economia a partir da diversificação de parceiros, e deste modo desconcentrando as exportações do Haiti, e dinamizando-as.

O que devemos fazer é mostrar também à comunidade

internacional que o terremoto abre oportunidades para

investimentos externos. Um ano após o tremor acho

importante mostrarmos que há possibilidade de investir no

social, na infraestrutura.

Desenvolvimento - Mais de dois terços da força de

trabalho no Haiti não têm emprego formal, e cerca de 65%

da força de trabalho está na agricultura. Como promover

uma qualif icação prof issional que prepare o Haiti para um

futuro mais promissor?

Nicolas - Falando da agricultura, até os anos de 1980 o Haiti tinha autonomia alimentar. Neste período começaram as políticas liberais, primeiro com as importações de carros, e depois autori-zando importações que afetaram toda a economia do país, diminuindo sua capacidade agrícola do país. Fora deste cenário o Haiti tem a possi-bilidade de reconquistar esta autonomia

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alimentar, desenvolver e modernizar sua agricultura. Temos também que interessar aos jovens sobre esta questão, para tentar reverter este problema que faz com que hoje cerca de 80% dos ganhos obtidos com exportações sejam desti-nados a importar produtos alimentares. A solução passa pela modernização do setor, também do sistema financeiro, que dá o crédito agrícola, que no país não alcança os 2% do crédito bancário. Essa seria uma primeira possibilidade de mudar este cenário.

Os investimentos que estão sendo feitos no setor

produtivo no Haiti vão levar a uma nova proporção entre trabalho formal e informal,

reduzindo os fortes índices de desemprego observados nas principais cidades do país. (...) Uma política voltada

para renovação e promoção do setor agrícola e a criação

de um mercado cativo de demanda para produtos

agrícolas haitianos, será o mesmo que redinamizar toda

a economia

Uma segunda possibilidade é diminuir o mercado informal de trabalho por meio dos investimentos formais. Os investimentos que estão sendo feitos no setor produtivo no Haiti vão levar a uma nova proporção entre trabalho formal e informal, reduzindo os fortes índices de desemprego observados nas principais cidades do país. Penso que uma política voltada para renovação e promoção do setor agrícola e a criação de um mercado cativo de demanda

para produtos agrícolas haitianos, será o mesmo que redinamizar toda a economia, e reduzir a dependência de importação de produtos alimentares.

Desenvolvimento - Uma coisa é o país ter sustentabilidade

econômica, outra coisa é ter sustentabilidade política. Qualquer

que seja o vencedor das eleições presidenciais [cujo resultado final

é esperado para meados de abril], ele terá estabilidade política?

Nicolas - Está claro que estas eleições se tornaram um fator de estabilidade política, para que haja investimentos externos e internos, para tanto é necessário afastar uma imagem negativa destas eleições. Temos que passar a imagem de que as eleições foram bem realizadas, e que o governo que emergirá das urnas seja um governo legítimo.

Desenvolvimento - E quanto ao partido opositor Lavalas,

dissolvido nesse processo eleitoral? Podem seus simpatizantes

tentar desestabilizar o novo governo?

Nicolas - O partido Lavalas é o mais importante do país, e foi excluído das eleições, e não houve reação violenta de seus partidários. Não creio que o partido vá reagir violentamente contra as eleições. Suponho que ele vá continuar a declarar que é o maior partido do país, e a dizer que o sistema político deve respeitar seu direito de participar das eleições, questionando a decisão de excluir um partido tão importante. Pode ser que uma das explicações sobre a instabilidade que há hoje é que um partido tão importante não seja parte do processo eleitoral, isso deixa dúvidas sobre a credibilidade, e legitimidade, gerando instabilidade nas eleições. Penso que a estabilidade política do país passa pelo respeito do voto popular, e a legitimidade política não pode ser assegurada se o povo não se reconhece no governo eleito. É possível que haja instabilidade, não posso falar pelo partido, mas suponho que

se há um governo que aplique políticas que respondam às necessidades de mais de um homem, o governo possa ganhar esta legitimidade mesmo sem Lavalas.

Desenvolvimento - O retorno de Jean Claude Duvalier,

(acusado de corrupção e desvio de dinheiro entre 1971 e

1986,  e auxiliado na sua política de controle do país por

forças paramilitares) não signif ica um segundo terremoto na

vida política e social do Haiti?

Nicolas - É claro que não esperávamos sua volta, especialmente neste momento crítico do processo eleitoral, isso surpre-endeu a todos. Sua presença gerou certa reação de rejeição nas pessoas, pois Duvalier não foi tenro com seus adversários quando no poder, então sua presença no país enerva um pouco a maioria da população. Parte das pessoas vê o retorno de um chefe de partido após 25 anos, que contribuiu para o desenvolvimento de seu país, e outra parte não esta pronta para esquecer seu regime, e isso complica as coisas.

60%da economia

do país se concentra na capital, Porto Príncipe

Ao mesmo tempo temos que dizer que 25 anos depois vivemos uma nova geração, um outro Haiti hoje. Penso que o país avançou, há um processo democrático em curso, que tem suas falhas, mas é bastante forte, há liberdade de expressão, ou seja é um outro país, e há bastante gente que não está disposta a abrir mão destas conquistas, penso que a sociedade não está disposta a aceitar seu retorno.

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Os haitianos têm responsabilidades com

seu país, não é somente a solidariedade internacional

que vai fazer avançar a reconstrução do país. Eu penso também que

quanto mais fizermos nosso dever de reconstrução,

mais teremos legitimidade para solicitar à comunidade

internacional que respeite os acordos assumidos

Desenvolvimento - Como desenvolver a democracia em

um país no qual a maior parte dos presidentes deixou o poder

assassinado ou deposto?

Nicolas - Felizmente não temos um chefe de estado assassinado no fim de seu mandado já há algum tempo, mas temos dois exílios forçados. Penso que isso reflete a estabi-lidade política e o processo democrático, que deve se apoiar na vontade popular, e respeitar as diferenças políticas. O processo tem que respeitar o momento político, organizar as eleições, e organizá-las com tempo. Toda vez que excluir o grupo ou partido mais importante das eleições, isso vai se voltar contra o governo que se estabelece, e isso leva à crise política. É necessário sempre respeitar a vontade popular.

Desenvolvimento - Sabe-se que a população haitiana parece

fatigada – por conta de missões de paz anteriores e por conta

da colonização – da presença de militares norte-americanos e

franceses no país. E quanto aos soldados brasileiros, têm uma

receptividade melhor?

Nicolas - Não ficamos contentes de ter a cada três ou quatro anos missões mili-tares estrangeiras em nosso território. Isso reflete o xadrez do sistema político haitiano, porque não somos capazes nós mesmos de resolver nossos problemas, e tem que vir a ONU para nos ajudar a resolvê-los. Não é fácil para a ONU intervir, mas se não fizermos nosso dever de casa, a crise não será resolvida sem ajuda. No que concerne ao Brasil há uma amizade muito forte, que passa pelo futebol, mas a

presença militar do Brasil passa também pela realização projetos sociais. Há muitos problemas que estamos passando no Haiti aos quais o Brasil conhece, ou já conheceu em sua história, por isso há uma sensibilidade maior do Brasil com os problemas haitianos. Há simpatia pela presença brasileira no Haiti. De maneira geral, temos que resolver nossos problemas, trabalhar em nossa força policial, trabalhar para não ter crises políticas a cada três anos. A responsabilidade, em todo caso, é dos haitianos. A esperança é que consigamos desenvolver um governo que respeite a constituição, e que tenhamos meios de resolver nossas crises políticas, sem ter que pedir auxílio internacional.

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participação

POPULAR

A construção da democracia participativa

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Mais de cinco milhões de pessoas ajudaram a formular, implementar ou fiscalizar as políticas públicas no Brasil

S i m o n e B i e h l e r M a t e o s – d e S ã o P a u l o

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P ouca gente, além dos diretamente envolvidos, sabe que boa parte do Programa de Aceleração do Cres-cimento (PAC), todo o Programa

Nacional de Habitação, o plano de expansão das universidades públicas, o ProUni, a criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), as políticas afirmativas contra a discriminação racial, de mulheres e mino-rias sexuais e o amplo conjunto de medidas que impulsionaram enormes avanços na agricultura familiar nos últimos anos foram formulados e decididos com a participação direta de milhões de brasileiros, por meio de inúmeros canais criados ou ampliados para consolidar a democracia participativa no país.

Só as 73 conferências nacionais temáticas realizadas para debater políticas públicas envolveram, em seus vários níveis, cerca de cinco milhões de pessoas. Mais da metade dos conselhos nacionais de políticas

públicas que contam com participação popular foram criados ou ampliados nos últimos oito anos.

A participação popular na elaboração, implementação e fiscalização das políticas públicas ganhou amplitude sem precedentes, contribuindo para aumentar tanto a eficácia e abrangência das ações públicas, como a capacidade de formulação dos movimentos sociais.

Durante esse período, programas estrutu-rantes como as medidas conjunturais relevantes foram decididos e implementados por meio de diálogo direto e da mais ampla negociação com os movimentos sociais. Para isso foram criados ou ampliados diversos canais de interlocução do Estado com os movimentos sociais – conferências, conselhos, ouvidorias, mesas de diálogo etc. –, que já configuram o embrião de um verdadeiro sistema nacional de democracia participativa.

Movimentos sociais ampliaram canais de interlocução com o Estado. Na foto, marcha de trabalhadores rurais na Esplanada dos Ministérios, em Brasília

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Os assuntos abordados e deliberados vão desde

saneamento e habitação a políticas de geração de renda,

reforma agrária, reforma urbana, direitos humanos,

política científica e tecnológica, de uso das águas, estratégias para o desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais (APls), passando por temas

específicos como saúde indígena ou defesa dos direitos

das minorias sexuais

Políticas de desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão social, saúde, educação, meio ambiente, segurança pública,

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defesa da igualdade racial, dos direitos das mulheres ou de minorias sexuais, dentre tantas outras, foram discutidas nas 73 conferências nacionais sobre políticas públicas. Elas repre-sentam 64% do total desses encontros (114) realizados no Brasil nos últimos 60 anos, e abrangeram um leque de temas nunca antes levados ao amplo debate popular pelo poder público (ver tabela 1 pág. 22). Os assuntos abordados e deliberados vão desde saneamento e habitação à políticas de geração de renda, reforma agrária, reforma urbana, direitos humanos, política científica e tecnológica, de uso das águas, estratégias para o desen-volvimento de Arranjos Produtivos Locais (APLs), passando por temas específicos como saúde indígena ou defesa dos direitos das minorias sexuais.

A maior mudança nesse processo demo-crático, segundo Roberto Pires, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, é que “estes espaços de participação têm gerado oportunidades para atores sociais, grupos, movimentos, associações localizarem suas demandas. São grupos que, frequentemente, por representarem minorias políticas, têm grande dificuldade de levar suas demandas aos legisladores e formuladores de políticas públicas”.

Com formato congressual, algumas conferências começam com debates por bairro ou escola (como as de educação), todas têm etapas municipais que discutem teses de um documento base e elegem representantes para o encontro regional ou estadual, de onde saem os delegados nacionais. Delegados dos ministérios participam ativamente de seus grupos de trabalho e das plenárias das conferências nacionais, trazendo dados, opinando, divergindo e interagindo com os participantes desses encontros, boa parte dos quais contou com a participação do próprio presidente da República.

73conferências

nacionais temáticas envolveram cerca de cinco milhões de pessoas

Esses encontros nacionais, em sua maioria

realizados em Brasília, costumam reunir

entre 600 e cinco mil pessoas anualmente ou

a cada dois ou quatro anos, dependendo do

tema. Até brasileiros que vivem no exterior

já puderam participar de duas conferências,

de Comunidades Brasileiras no Exterior, reali-

zadas em julho de 2008 e outubro de 2009.

As diretrizes aprovadas nas diversas

conferências nortearam políticas públicas

elaboradas, fiscalizadas e avaliadas pelos

61 conselhos de participação social que –

integrados por representantes do governo

e da sociedade civil – hoje assessoram as

ações de todos os ministérios. Muitas das suas deliberações já se tornaram decretos, portarias ou projetos de lei aprovados ou em tramitação no Congresso Nacional.

Mas as conferências nacionais não foram os únicos canais de participação ampliados nos últimos anos. Dos 61 conselhos nacionais de políticas públicas com participação popular existentes, 33 foram criados ou recriados (18), ou democratizados (15) desde 2003. Hoje, 45% de seus membros são do governo e 55% da sociedade civil, incluindo, dependendo do caráter do conselho, representantes do setor privado e dos trabalhadores em geral ou de dado setor, da comunidade científica, de instituições de ensino, pesquisa ou estudos econômicos, assim como por organizações de jovens, mulheres e minorias.

Por meio das conferências, conselhos, mesas de negociação, audiências públicas e outros canais, tanto os grandes programas do governo – inclusive o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida –, como as medidas conjunturais mais importantes – como as de combate à crise – foram previa e amplamente discutidos com a sociedade civil organizada. Ao mesmo

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“Estes espaços de participação criados tem gerado oportunidades

para atores sociais, grupos, movimentos, associações

localizarem suas demandas. São grupos que, frequentemente, por representarem minorias políticas, têm grande dificuldade de levar

suas demandas aos legisladores e formuladores de políticas públicas”

Roberto Pires, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea

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tempo, projetos polêmicos – como a trans-posição do rio São Francisco, a construção das duas usinas do rio Madeira e da BR 163 e o plano de Desenvolvimento Sustentável da Ilha de Marajó – foram objeto de diversas audiências públicas nos municípios afetados.

E para temas importantes e específicos – como uma política para a valorização do salário mínimo, a melhoria das condições de trabalho no setor sucro-alcooleiro, as reivindicações das mulheres camponesas, do funcionalismo, dos atingidos por barragens, da moradia popular – foram criadas mesas de negociação permanente.

“Todas as medidas de maior impacto econômico e social do governo foram decididas e implementadas com ampla participação social”, frisa Luiz Soares Dulci, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presi-dência da República. Tradicionalmente um órgão de assessoramento das articulações políticas do governo com o Congresso, com algumas tarefas administrativas relacionadas ao Planalto, a partir de 2003 a Secretaria ganha formalmente a função de articular uma estreita comunicação do governo com a sociedade civil organizada. A partir daí, todas as políticas importantes passam a ser formuladas junto com os movimentos sociais nas conferências, conselhos e mesas de diálogo.

PRocESSo igNoRAdo Apesar do amplo alcance destas políticas, poucos dos afetados sabem que também o Plano Nacional de Habitação, a Lei Nacional de Saneamento e a de Resíduos Sólidos (já aprovadas) ou o Marco Regula-tório da Mobilidade Urbana (em tramitação) refletem essencialmente formulações feitas pelos movimentos sociais no Conselho Nacional das Cidades e nas quatro confe-rências nacionais que este realizou desde que foi criado, em 2003.

Essas duas instâncias deram institucio-nalidade e amadureceram reivindicações dos movimentos comunitários que haviam começado a tomar forma na década de 1980, como o Fórum Nacional da Reforma Urbana. Centrado inicialmente em moradia,

o fórum logo passou a discutir trans-porte, saneamento e mobilidade e acabou convidado a participar da elaboração do programa de governo apresentado no segundo turno das eleições para o primeiro mandato de Lula.

Tabela 1: os principais conselhos nacionais de participação social

conselho Nacional deliberativo consultivo, Normativo

criado emNúmero de membros

Soc. civil governo

1 de Saúde D 1937 40 8

2 de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana C 1964 5 8

3 de Turismo C 1966 37 32

4 de Meio Ambiente C e D 1981 30 76

5 dos Direitos da Mulher D 1985 28 16

6 Curador do FGTS D 1990 12 12

7 de Previdência Social D 1991 9 6

8 dos Direitos da Criança e do Adolescente D 1991 14 14

9 de Assistência Social D 1993 9 9

10 de Educação D 1995 10 14

11 de Ciência e Tecnologia C 1996 14 13

12 de Recursos Hídricos C e D 1997 18 39

13 do Esporte D 1998 15 7

14 de Desenvolvimento Rural Sustentável C 1999 19 19

15 dos Direitos da Pessoa Portadora de Def iciência D 1999 19 19

16 dos Direitos do Idoso D 2002 14 14

17 da Transparência Pública e Combate à Corrupção C 2003 12 8

18 de Desenvolvimento Econômico e Social C 2003 90 12

19 de Aquicultura e Pesca C 2003 27 27

20 de Economia Solidária C 2003 37 19

21 de Promoção da Igualdade Racial C 2003 22 22

22 de Segurança Alimentar e Nutricinal C 2003 38 19

23 das Cidades C e D 2003 49 37

24Comissão Nacional de Desenvolvimento dos Povos e Cumunidades Tradicional

C e D 2004 15 15

25 de Combate à Discriminação C 2005 12 11

26 de Juventude C 2005 40 20

27 de Política Cultural C e D 2005 26 26

28 de Políticas sobre Drogas D 2006 13 10

29 de Política Indigenista C 2006 22 13

30 Brasileiro do Mercosul Social e Participativo D e C 2008 40 20

31 de Segurança Pública D, C e N 2009 20 28

OBS: A lista inclui o principal conselho da área de política pública, excluindo: conselhos políticos, auxiliares, de gestão de fundos ou administração de programas, assim como os conselhos em que a participação popular é muito reduzida ou aqueles em que o próprio governo def ine os representantes da sociedade civil.

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Outra conquista do conselho e das conferências nacionais das cidades foi a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. O fundo contempla financiamento para a faixa de renda de zero a três salários mínimos e, pela primeira vez, abriu a possibilidade de projetos habitacionais autogestionados, nos quais os recursos para casas que serão construídas em mutirão são repassados a entidades comunitárias. A Caixa Econômica Federal conta hoje com uma subgerência social para fazer essa interface com os projetos dos movimentos sociais.

“A Caixa nos trouxe vários projetos de habitação popular que foram refeitos na base da negociação. Graças a esse debate, o Minha Casa Minha Vida 2 prevê, por exemplo, o uso de energia solar para o aquecimento de água, e janelas para o máximo aproveitamento da luz natural”, conta Bartira da Costa, presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam).

Ela lembra que a própria criação do Ministério das Cidades, no primeiro dia do primeiro mandato do presidente Lula, era reivindicação antiga do Fórum Nacional

da Reforma Urbana. “Claro que essas leis e programas não refletem 100% das nossas reivindicações. Mas hoje podemos dizer que o Brasil tem políticas para a reforma urbana que foram elaboradas com ampla participação social, e que os movimentos sociais colocaram na pauta desse debate os temas necessários para construirmos uma cidade mais justa, mais democrática e com mais qualidade de vida”, analisa Bartira.

coNSENSo coNTRA A cRiSE Grande parte das medidas adotadas para combater os efeitos da crise econômica foram decididas através de um amplo diálogo com a sociedade civil organizada. Foi numa mesa de negociação integrada por empresários, centrais sindi-cais e governo que se decidiu promover a desoneração tributária condicionada à manutenção do emprego, e a orientação para que os bancos públicos suprissem toda a demanda nacional por crédito.

O presidente da Central Única dos Traba-lhadores (CUT), Artur Henrique, destaca o papel decisivo que teve nesse processo

o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES), criado em 2003 e integrado por trabalhadores, empresários, movimentos sociais, governo e lideranças de vários setores.

“Ali estabelecemos a agenda positiva para combater a crise, baseada não em demissões, mas em aumento de investimentos, redução de impostos e ampliação do crédito para manter a demanda”, conta Henrique, lembrando que nos meses seguintes à eclosão da crise, o conselho apresentou suas propostas aos bancos públicos e aos empresários da cons-trução civil e do setor automotivo.

Ainda mirando o combate à crise, o governo convocou no mesmo período as quatro maiores organizações nacionais de luta pela moradia para discutir o lançamento de um grande programa habitacional que previa construir 1 milhão de habitações populares para combater os efeitos da crise, o Minha Casa, Minha Vida.

“O governo nos chamou para discutir sua proposta e nós apresentamos as nossas. Como resultado, a lei que regulamenta o programa reflete, na íntegra, a discussão

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“Na verdade, [os movimentos sociais] negociam cada vez

mais uma estratégia nacional de desenvolvimento. Na crise

financeira internacional isso ficou evidente quando as centrais pactuaram com o governo um conjunto de

medidas para evitar a recessão, sustentar o consumo e garantir

o emprego”

Luiz Soares dulci, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República

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acumulada no conselho e no Ministério das Cidades. Graças ao debate passou a incluir, por exemplo, a regularização fundiária. A primeira edição do programa teve de

ser decidida rapidamente para ser usada como medida anticrise, mas suas edições posteriores continuaram a ser aprimoradas pela discussão”, explica Bartira, da Conam.

MAioR AcoRdo coLETivo do MuNdo A polí-tica de valorização permanente do salário mínimo, que assegura ganhos reais anuais para 45 milhões de brasileiros ativos e

Tabela 2: conferências Nacionais dos últimos 20 anos por temas e anos de realização

grupos Temáticos Subtemas Ano de realizaçãoTotal de

conferências

Saúde (9)

Saúde Saúde bucal Saúde do trabalhador Saúde indígena Saúde mental Saúde ambiental Ciência, tecnologia e inovação em saúde Gestão do trabalho e da educação na saúde Medicamentos e assistência farmacêutica

1992/1996/2000/2003/2008 1993/2004 1994/2005 1993/2001/2006 1992/2001/2010 2009 1994/2004 1994/2006 2003

21

Minorias (9)

Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais Povos indígenas Políticas públicas para mulheres Direitos da Criança e do Adolescente Juventude Promoção da Igualdade Racial Comunidades brasileiras no exterior Direitos da pessoa com def iciência Direitos da pessoa idosa

2008 2006 2004/2007 1997/1999/2002/2003/2005/2007/2009 2008 2005/2009 2008/2009 2006/2008 2006/2009

20

Meio ambiente (2)Meio ambiente Infanto Juvenil pelo Meio Ambiente

2003/2005/2008 2003/2006/2008

6

Estado, economia e desenvolvimento (7)

Economia solidária Aqüicultura e pesca Desenvolvimento rural sustentável e solidário Segurança alimentar e nutricional Cidades Segurança pública Comunicação Arranjos Produtivos Locais Ciência, Tecnologia e Inovação Defesa Civil e Assistência Humanitária Recursos Humanos da Admistração Pública Federal

2006/2010 2003/2006/2009 2008 1994/2004/2007 2003/2005/2007/2010 2009 2009 2004/2005/2007/2009 2005/2010 2009

22

Educação, cultura, assistência social e esporte (6)

Educação básica Educação prof issional e tecnológica/Aprendizagem prof issional Educação escolar indígena Educação Cultura Esporte Assistência social

2008 2006/2008 2009 2010 2005/2010 2004/2006/2010 1995/1997/2001/2003/2005/2007/2009

17

Direitos humanos (1) Direitos humanos1996/1997/1998/1999/2000/2001/ 2002/2003/2004/2006/2008

11

TOTAL 80

Fonte: Adaptação de Felix Lopes e Roberto Pires a partir de Pogrebinschi & Santos (2010), complementada pela autora.

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aposentados, também foi fruto de ampla negociação que incluiu todas as centrais sindicais brasileiras.

Em 2005, foi criado um Grupo de Trabalho – integrado pelas centrais sindicais e os ministérios da Previdência, Trabalho e Plane-jamento – para elaborar um programa de valorização do salário mínimo. Desde que passou a vigorar, essa política elevou o salário mínimo em 60%, o que, segundo estudo do Dieese de 2010, impulsionou também o aumento do piso de várias cate-gorias. O plano acordado prevê aumentos reais do mínimo, atrelados ao crescimento, até 2023. “O salário mínimo deixou de ser considerado mero instrumento de custo da previdência social para ser encarado como

instrumento de desenvolvimento”, destaca o ex-ministro Dulci.

Nessa mesa de diálogo com as centrais sindicais foram pactadas também: a nova tabela do imposto de renda – que isentou totalmente mais de 700 mil trabalhadores e reduziu a contribuição dos assalariados médios –, várias medidas de desoneração tributária das classes populares, como a extinção de impostos federais sobre alimentos básicos e materiais de construção; além das iniciativas para expansão do crédito, como o programa de crédito consignado, com juros mais baixos e desconto na folha de pagamento. Esse programa direcionou para o consumo popular e para o aquecimento do mercado interno mais de R$ 105 bilhões.

Como resultado desse diálogo, o governo também enviou ao Congresso um projeto de lei que cria obstáculos à demissão voluntária e outro que estende a convenção coletiva para o setor público.

o diálogo com os movimentos sociais permitiu os programas de ampliação da assistência técnica e as políticas de preços mínimos e para a agricultura familiar

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2bilhões de reaisforam garantidos para a agricultura familiar

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ASSiSTêNciA SociAL Também as políticas de proteção social e transferência de renda para as famílias que viviam abaixo da linha da pobreza foram concebidas, e vêm sendo executadas, em conjunto com centenas de entidades da área social, laicas ou religiosas, em todo o país.

Quatro conferências nacionais de Assis-tência Social discutiram em profundidade essas políticas, cujo carro chefe é o Bolsa Família, mas que incluem também o salário mínimo pago a 3,2 milhões de portadores de deficiências e idosos pobres, os programas de aquisição de alimentos e merenda escolar, o programa de construção de um milhão de cisternas e os quase 6 mil centros de referência da assistência social (Cras) instalados em mais de 4 mil municípios.

Uma das conquistas mais importantes dessas conferências foi a criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Com modelo similar ao do Sistema Único de Saúde (SUS), o Suas foi uma deliberação da Conferência de Assistência Social de 2003, debatida e aprovada em outras conferências.

“As conferências foram importantes para que se evitasse o desmonte do orçamento

específico da seguridade social, como ficava implícito em algumas propostas colocadas na discussão sobre a reforma tributária. Além de colocar a assistência social como política pública e não como caridade, o Suas define, mais claramente até que o SUS, a responsabilidade de cada ente federativo no financiamento da área”, opina José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

A voz do cAMPo A mesma lógica participativa está por trás das políticas públicas para o campo. O diálogo com os movimentos sociais permitiu os programas de ampliação da assistência técnica, as políticas de preços mínimos e a criação do seguro investimento

que, em caso de quebra de safra por seca ou enchentes, garante o pagamento não só do financiamento obtido como também de parte dos ganhos previstos.

“O estreitamento do diálogo ampliou não só o volume de recursos, como a eficácia da sua aplicação porque a essência de todos esses programas é fruto de anos de experiências acumuladas por organizações cooperativas e

movimentos sociais do campo, que passaram a ser ouvidos”, avalia a coordenadora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Elisângela Araújo. Criada há cinco anos, a entidade aglutina quase mil sindicatos de agricultores rurais, além de federações de 17 estados.

Entre os avanços obtidos, a dirigente rural menciona o fato de a Embrapa estar começando a se preocupar, também, em desenvolver tecnologias adaptadas à agri-cultura familiar – que, por ter produção diversificada, requer logística diferente das monoculturas das grandes propriedades – e, sobretudo, os avanços no acesso ao crédito: “Antes tínhamos muitíssima dificuldade para dialogar com os bancos e o crédito para agricultura familiar acabava ficando todo no Sul, onde as cooperativas eram mais organizadas. Muitos nem nos recebiam e tínhamos de ocupar as agências. Isso mudou completamente, houve orientação e capacitação para que os bancos dialogassem conosco e o cooperativismo avançou em todo o país”, conta, destacando, porém, o muito que falta por avançar: “nossos diálogos com o governo agora se centram em desenvolver programas de capacitação dos agricultores familiares para que desenvolvam bons projetos”.

Outra iniciativa que espelha uma reivin-dicação antiga das organizações de trabalha-dores do campo é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) pelo qual o governo compra, a preços de mercado, a produção de agricultores familiares locais para abastecer creches, escolas e hospitais.

Criado em 2003, o PAA ampliou-se muito nos últimos três anos, sobretudo no Norte e Nordeste, garantindo R$ 2 bilhões em vendas para o setor em 2010. E, desde o final de 2008, uma lei estabelece que o Programa de Alimentação Escolar compre ao menos 30% dos alimentos de agricultores familiares. Em mais de 300 municípios, essas compras

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conseguirmos conversar com o Itamaraty por mais que um

acordo internacional prejudicasse produtores brasileiros. Hoje temos

interlocutores lá não só para evitar prejuízos como para obter acesso, por exemplo, a linhas de financiamento da Associação

Brasileira de Cooperação Internacional”

Alberto Ercílio Broch, Presidente da CONTAG

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já são feitas localmente, por meio de editais específicos para cooperativas.

“Com esses programas, os agricultores passaram a receber preço justo e ampliaram sua renda, ao mesmo tempo em que asilos, creches, orfanatos, escolas e hospitais passaram a consumir frutas e legumes frescos, em vez

de sopas de macarrão com salsicha e bola-chas, que caracterizavam a alimentação de muitas dessas instituições”, frisa Elio Neves, da Federação dos Empregados Rurais Assa-lariados do Estado de São Paulo (Feraesp), acrescentando que graças a esses programas, apenas uma cooperativa coordenada pela

Feraesp, que congrega 240 famílias, ampliou sua renda em 60% nos últimos dois anos. “O PAA é um programa que fortalece o mercado interno, a produção e a qualidade dos alimentos consumidos”, salienta Neves.

5.000mulheres

do campo vão apresentar suas reivindicações em um diálogo com o governo

cANAiS PARA PAuTAS NAcioNAiS Segundo o presidente da Contag, Alberto Broch, além do conselho e das conferências, o tradicional “Grito da Terra”, que as entidades de trabalhadores rurais promovem anualmente para negociar suas reivindicações com o governo tornou-se outro espaço privilegiado de interlocução: “Realizamos o ‘Grito’ há 16 anos, mas nunca tivemos um diálogo tão fluído e tão próximo como no governo Lula”, diz o dirigente da Contag. Ele dá exemplos bem concretos:

“Antes, era quase impossível conseguirmos conversar com o Itamaraty por mais que um acordo internacional prejudicasse produtores brasileiros. Hoje temos interlo-cutores lá não só para evitar prejuízos como para obter acesso, por exemplo, a linhas de financiamento da Associação Brasileira de Cooperação Internacional”.

Broch destaca que, no ano passado, as entidades que integram o “Grito da Terra” negociaram diretamente com 18 ministros debatendo não só agricultura, assistência técnica e financiamento, como saúde, educação rural e políticas sociais para o campo.

Marcha das Margaridas reúne em Brasília cerca de 5 mil mulheres do campo que vão apresentar suas reivindicações que incluem até questões de gênero e combate à violência doméstica até problemas de educação

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O Grito da Terra é apenas uma das grandes pautas nacionais para as quais o governo criou canais institucionais para facilitar o mais amplo debate. Outro exemplo de movimento cujo canal de diálogo com o governo foi ampliado é a Marcha das Margaridas, que uma vez a cada três ou quatro anos reúne em Brasília cerca de 5 mil mulheres do campo que vão apresentar suas reivindicações, que incluem desde questões de gênero e combate à violência doméstica até problemas de educação, saúde, alimentação e transporte escolar.

“As conferências foram importantes para que se evitasse o desmonte do orçamento específico da

seguridade social, como ficava implícito em algumas propostas colocadas na discussão sobre a

reforma tributária”

José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Como essas pautas nacionais incluem questões relacionadas a diversos ministérios, a discussão geralmente é coordenada pela Secretaria-Geral de Presidência da República. “Não tem sentido um governo que preza a participação popular deixar esses movimentos baterem de ministério em ministério. Então, a Secretaria-Geral discute previamente a pauta com as lideranças, as apresenta aos gestores da participação social dos vários ministérios, coordena longas discussões e negociações e, ao final, entrega aos movimentos um caderno volumoso com as respostas às reivindicações, inclusive as não atendidas”, explica Kleber Gesteira Matos, secretário executivo adjunto da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR).

PoLiTizAção doS MoviMENToS O diálogo intenso aumentou não só a eficácia das políticas públicas, como também o nível de politização dos movimentos sociais. “Estávamos acostumados a reivindicar para outros fazerem, fossem prefeituras, Estado ou patrões. Com os novos canais criados, participamos não só da formulação, como da operacionalização das políticas”, diz Élio Neves, da Feraesp.

Elisângela, agricultora da região sisa-leira da Bahia que há duas décadas milita nos movimentos do campo – primeiro em comunidades eclesiais, logo nos sindicatos e hoje na Fetraf e na CUT Nacional – concorda. “Ampliamos nossa compreensão sobre o funcionamento do Estado e nos tornamos capazes de não só reivindicar como também participar na elaboração, implementação e fiscalização das políticas públicas”.

Dulci lembra que essa maior politização se traduz na intensa participação das centrais sindicais e movimentos sociais não só na

discussão de temas trabalhistas e específicos, como também de aspectos estruturais e conjunturais da política econômica, como a redução dos juros, a ampliação do crédito, os incentivos ao mercado interno, a descen-tralização industrial.

“Na verdade, [os movimentos sociais] negociam cada vez mais uma estratégia nacional de desenvolvimento. Na crise finan-ceira internacional isso ficou evidente quando as centrais pactuaram com o governo um conjunto de medidas para evitar a recessão, sustentar o consumo e garantir o emprego”, avalia o ex-ministro.

coRTAdoRES dE cANA Outra mesa de nego-ciação importante que reflete a ampliação do foco trabalhista para o de um projeto de desenvolvimento foi a instituída para obter a melhoria das condições de trabalho do setor sucroalcooleiro. Nela, ao longo de quase dois anos, usineiros, trabalhadores do setor e

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Ministro da Secretaria de Promoção da igualdade Étnico Racial, Elói Ferreira, participa da posse da coordenação do Fórum de Educação Étnico Racial da cidade de olinda, em Pernambuco

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governo (representado nada menos que por seis ministros) construíram um conjunto de medidas e um amplo compromisso: “Por ter representantes dos três setores, essa mesa deliberou coisas que foram muito além das condições de trabalho, incluindo também estratégias de geração de emprego e um plano nacional de requalificação para facilitar a recolocação dos trabalhadores que ficarão desempregados com a mecanização da colheita”, frisa Élio Neves, da Feraesp, lembrando que o plano prevê requalificar cerca de 25 mil pessoas nos oito estados produtores de cana.

A negociação culminou na elaboração de um protocolo que determina, entre outras coisas, que a contratação de migrantes deveria ser feita pelo Serviço Nacional de Emprego, para garantir que eles já saiam com contratos firmados na origem e que tenham boas condições de transporte. Com isso se elimina a figura do gato, principal responsável pela prática da escravidão por dívida, tristemente famosa entre os trabalhadores migrantes.

Embora seja de adesão voluntária, esse protocolo já foi assinado por mais de 300 das quase 500 usinas em funcionamento no país, “O suficiente para que os outros se sintam pressionados a aderir também”, diz o presidente da Contag, Alberto Broch.

A mesa agora continua para organizar a fiscalização conjunta do cumprimento do acordo. “Tudo foi estabelecido conjunta-mente, do questionário à forma de abordar e entrevistar os trabalhadores, passando por outras estratégias de verificar se eles estão mesmo recebendo os benefícios”, conta o presidente da Contag, que já participou de quatro experiências piloto de fiscalização conjunta com representantes do governo e dos usineiros.

“Ser responsável também pela fiscalização do acordo favorece o entendimento do processo inteiro e imprime uma qualidade

diferente à participação, um outro nível de compromisso para que as coisas funcionem. Não se trata mais de só reivindicar. Em 53 anos nunca vi um processo assim, mas é assim que a democracia mais se fortalece”, pondera Broch.

EducAção Na área da educação, as estra-tégias globais foram estabelecidas pelas quatro conferências nacionais da área, das quais participaram milhares de pessoas, e projetos fundamentais foram decididos e implementados a partir de uma ampla aliança com as mais variadas organizações engajadas na defesa do ensino público. Foi o caso da reforma universitária, do Programa Universidade para Todos (ProUni), do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), do plano de reconstrução e expansão das universidades federais e do piso nacional do magistério.

“Sem essa aliança para neutralizar o lobby privatista, não teria sido possível a elevação do orçamento educacional em 125%, criar 250 novas escolas técnicas (mais que em todo século anterior), inau-gurar 15 novas universidades federais e expandir outras 42, inclusive instalando 131 novos campi pelo interior do país”, frisa o ministro Dulci.

diREiToS ESPEcíFicoS Para além dos direitos econômicos e sociais clássicos, como saúde, educação, emprego, salário e proteção social, a democracia participativa propi-ciou ainda, nos últimos anos, importantes avanços em direitos de segmentos sociais específicos. Dessa forma, desenvolveu-se uma ampla discussão e a adoção de medidas concretas, que incluíram diversas políticas afirmativas, em favor da igualdade racial, do reconhecimento de demandas próprias

“O Brasil é um país complexo, temos desde operariado urbano

sob impacto da alta tecnologia até comunidades tradicionais que não querem se integrar à

lógica capitalista, como ciganos, quilombolas, castanheiros,

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da juventude, de idosos, portadores de deficiência e minorias sexuais.

Para criar e implementar essas políticas pública foram, inclusive, criados órgãos específicos, como as secretarias especiais de Políticas para as Mulheres, de Promoção da Igualdade Racial e de Direitos Humanos. As conferências nacionais dessas três áreas mobilizaram centenas de milhares de pessoas, difundiram valores de tolerância e direito à diferença e produziram conquistas importantes como a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial – depois de dez anos de tramitação –, o programa Brasil Sem Homofobia, pioneiro na América Latina – e a Lei Maria da Penha, contra a violência doméstica contra a Mulher.

Em 2004, foi criada a Secretaria Nacional da Juventude e logo depois o Conselho Nacional dessa área, que conta com a participação de 67 organizações de jovens, da União Nacional de Estudantes (UNE) ao hip-hop, dos trabalhadores rurais aos jovens empresários, da Pastoral da Juventude ao Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT). Mais de 500 mil jovens de todos os estados participaram das várias etapas da Conferência Nacional da Juventude, que teve como principal resultado o ProJovem que, em menos de quatro anos,

atendeu a mais de dois milhões de jovens marginalizados, proporcionando-lhes escola-ridade, inclusão digital, formação profissional e inserção comunitária.

“O Brasil é um país complexo, temos desde operariado urbano sob impacto da alta tecnologia até comunidades tradicionais que não querem se integrar à lógica capitalista, como ciganos, quilombolas, castanheiros, ribeirinhos e povos indígenas. O objetivo dessas instâncias de participação popular é estabelecer um diálogo permanente que permita ao governo desenvolver políticas públicas que deem conta dessa pluralidade brasileira”, diz Gesteira Matos, da SGPR.

PoLíTicA ExTERNA Mesmo a política externa brasileira, antes assunto exclusivo de técnicos e políticos, passou a ser debatida com a sociedade civil. Entidades populares passaram a integrar as delegações brasileiras aos principais foros multilateriais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o G20, as conferências das Nações Unidas sobre clima e direitos humanos ou as cúpulas do Mercosul.

E a cooperação com os países do Sul passou a ser encabeçada também pelos movimentos

sociais. Em 2007, por exemplo, instituiu-se o Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Participativo, além do Instituto Social do Mercosul. No Brasil, encontros com o Mercosul foram realizados em sete estados e quatro grandes cúpulas sociais da região reafirmaram a necessidade de ir além da integração comercial, incorporando à agenda comum temas de educação, cultura, ambientais e étnicos.

A “PREcuRSoRA” Até as viagens que o presidente Lula realizou a cada ano pelo país foram transformadas em canais para estreitar a interlocução do governo com os movimentos sociais. Isso ocorre por meio da “precursora”, grupo de assessores que visita antecipadamente os locais preparando a viagem. Tradicional-mente integrada por profissionais da área de segurança, cerimonial, comunicação e assessores técnicos, desde 2003, a “precur-sora” conta também com a participação de assessores da Secretaria-Geral encarregados de estabelecer contatos com os movimentos sociais locais para prospectar suas reivindi-cações. O diálogo já evitou situações difíceis como a ocupação de uma hidrelétrica durante

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“Ampliamos nossa compreensão sobre o funcionamento do Estado e nos tornamos capazes de não só reivindicar como também participar na elaboração, implementação e fiscalização das políticas públicas”

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uma visita presidencial a Águas de Chapecó, em Santa Catarina, pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

“Eles estavam acampados numa área próxima à usina e planejavam ocupá-la quando o presidente chegasse, para abrir um canal de negociação. Nós chegamos antes, colocamos o pessoal do MAB frente a frente com o ministro das Minas e Energia e com o presidente e abrimos a negociação”, conta Cândido Hilário de Araújo, assessor da Secretaria-Geral e integrante da precursora, mais conhecido como “Bigode”.

Na negociação, os representantes do MAB apresentaram um documento que analisava os problemas locais e nacionais: “Chapecó foi um marco fundamental para que a Secretaria-Geral estabelecesse relações

permanentes com o MAB, a partir daí os consórcios tiveram de aprender a negociar com os afetados pelas usinas, o que culminou em um acordo nacional que estabeleceu um patamar mínimo de compensações para que uma barragem fosse construída”, lembra Bigode.

A precursora mudou até a organização espacial dos eventos dos quais participa o presidente, “Antes a linha de frente ficava reservada para as autoridades, agora é dividida entre essas e populares e colocamos sempre lideranças sociais locais no palco para falarem”, diz Geraldo Magela, secretário nacional adjunto de Estudos e Pesquisas Político-Institucionais da Secretaria-Geral.

“A precursora organiza cerca de 1.000 eventos ao ano, recolhe as demandas locais e procura os órgãos finalistas para que deem continuidade às negociações, todas têm desdobramentos. É um processo rico de aprendizado: o Estado mais poroso à participação social faz os militantes se apro-priarem dele, entenderem como funciona e ajudarem a aprimorá-lo”, diz Magela.

Em 2010 os movimentos sociais do campo negociaram diretamente com 18 ministros políticas voltadas à assistência técnica e financiamento, saúde e educação rural

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32 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

PARTiciPAção, Não cooPTAção O ex-ministro Dulci destaca que toda essa sintonia e a institucionalização desses canais para a parti-cipação popular no governo não implica, de forma alguma, a subordinação ou redução da autonomia organizativa e política dos movimentos.

“É comum divergirem abertamente do governo”, afirma Dulci. Foi o que ocorreu, aliás, durante o primeiro mandato de Lula, no que se refere a aspectos importantes da política macroeconômica: “Os movimentos cobravam uma inflexão desenvolvimentista – redução de juros, expansão do crédito e ampliação do investimento público – que favorecesse o crescimento e a inclusão social”.

Dulci ressalta que essas divergências se expressaram não só nos canais institucionais para esse debate como também em mani-festações de massa. Ele menciona as três grandes marchas da classe trabalhadora com 40 mil ou 50 mil pessoas cada, os “Gritos da Terra”, realizados anualmente pela Contag, os acampamentos nacionais do MST e as Marchas das Margaridas, que reuniram na Esplanada dos Ministérios 30 mil camponesas de todo o país.

O desafio agora, segundo ele, é ampliar a qualificação específica para os processos participativos, tanto no governo como nos movimentos sociais. Com esse intuito, a Secretaria-Geral desenvolveu, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Programa de Formação de Conselheiros. Além de quadros do governo, 4.372 lideranças e militantes frequentaram os cursos e entre as monografias apresentadas há algumas que abrem novas perspectivas teóricas e práticas para a democracia participativa.

Segundo o ex-ministro, justamente para tornar irreversível o aprofundamento da democracia participativa foi elaborado o projeto de Consolidação das Leis Sociais.

Origens da participação popular

As origens de uma certa tradição de participação popular no Brasil remonta à colonização portuguesa e às práticas da esquerda da Igreja e da esquerda em geral. O Conselho Nacional de Saúde, da década de 1950, é o mais antigo a ter representantes da sociedade civil que, durante longos períodos, foram esco-lhidos pelo governo entre entidades e personalidades.

A participação deu um salto na década de 1980, quando diferentes setores da sociedade se mobilizaram pela defesa de seus interesses, multiplicando comitês de fábrica, de bairro, de luta contra a carestia, além das comunidades eclesiais de base. Nessa época tem início o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a Luta por Eleições Diretas. Essa ampla mobili-zação origina várias formas de participação local, com destaque para a experiência do

orçamento participativo, implementada em Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre a partir de 1989 e, posteriormente, estendida para 192 cidades, nem todas administradas pelo PT.

Com a Constituinte, a participação popular na elaboração, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas ganha institucionalidade, já que a Carta prevê a criação de instâncias específicas com este fim, obrigatórias no caso de setores onde existem fundos a serem geridos, como saúde e educação.

Ao longo dos anos 1990, firma-se a ideia da participação em conferências e se multiplicam os conselhos municipais de políticas públicas, com a eleição de representantes da sociedade civil e indicação dos representantes municipais, primeiro nas principais capitais, logo nas cidades médias.

Reivindicação das próprias organizações populares, o projeto se propõe a institucio-nalizar – tornando-as políticas de Estado – os programas sociais e canais de participação

existentes, mantendo, entretanto, sua flexi-bilidade política e organizativa.

Nessa proposta de lei “estava inclusa a ideia de institucionalizar, de dar amparo legal a essas

“Antes a linha de frente ficava reservada para as autoridades, agora é dividida entre essas e populares e colocamos sempre

lideranças sociais locais no palco para falarem”

geraldo Magela, secretário nacional adjunto de Estudos e Pesquisas

Político-Institucionais da Secretaria Geral

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experiências de participação no governo federal”, explica Pires, do Ipea. Apesar de o projeto de lei não ter sido enviado ao Congresso, “esta é uma agenda que permanece nas intenções do governo, talvez não sob esse nome, mas com o objetivo de pensar em alguma forma de dar uma institucionalidade maior a estas instâncias de participação”, acrescenta Pires, destacando que “mesmo não havendo uma lei que consolide e garanta isso junto, esses canais, conselhos e conferências principalmente, têm se tornado gradualmente parte integrante dos processo de formulação e acompanhamento de políticas públicas em cada área”, conclui.

Participação impacta Legislativo e melhora acesso a serviços públicos

Um estudo do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj) que procurou medir o impacto da participação popular na atividade legislativa constatou que um quinto dos projetos de lei e quase metade das propostas de emenda constitucional que tramitavam no Congresso em outubro de 2009 apresentavam forte convergência com deliberações de alguma conferência. A convergência é mais intensa durante o governo Lula: mais de dois terços das leis e 90% das emendas constitucionais que foram aprovadas com convergências com diretrizes das conferências concentram-se nos oito anos dessa gestão. As deliberações das conferências que não se transformaram em decretos ou projetos de lei, no mínimo, se incorporaram à agenda de discussões do governo.

Uma segunda etapa da pesquisa do Iuperj, conduzida por Thamy Pogrebinschi, mostra que a criação de conselhos e realização de conferências específicas sobre políticas públicas pelos direitos

humanos e de grupos tradicionalmente discriminados também se refletiram no legislativo. Resultados preliminares do estudo mostram que projetos de lei com este foco correspondiam a 18% do total que tramitava no Congresso no final de 2009.

Outro estudo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o aumento da participação popular na elaboração das políticas aumenta sua eficácia, ampliando o acesso aos serviços públicos e melhorando o desempenho administrativo. O estudo analisou o acesso a serviços públicos de saúde e educação em cidades com mais de 100 mil habitantes e constatou que aquelas com maior participação popular apresentaram, em proporção à população, um número três ou quatro vezes maior de creches e de matrículas no ensino funda-mental, além de um número de consultas e de leitos do SUS 10% superior às outras. Seu desempenho administrativo também era melhor: com uma receita corrente 70% superior às dos municípios com baixos

níveis participativos, os mais participativos tinham uma receita tributária 112% maior.

“Nestas cidades, a participação se insere em um circuito virtuoso entre demandas políticas e a melhor administração da coisa pública porque para que as políticas sociais deliberadas pelas instituições participativas possam ser implementadas é necessário aumentar a receita”, conclui o pesquisador Leonardo Avritzer, responsável pelo estudo.

Seu levantamento mostra que, entre 1998 e 2008, o número de conselhos municipais de políticas públicas saltou de 274 para 490 e que em todas essas cidades hoje existem mais conselhos do que os que são obrigatórios por lei.

O trabalho também revela que a capacidade deliberativa dessas instâncias vem crescendo progressivamente, à medida que se fortalecem com a realização de conferências municipais e com a criação de comissões temáticas. Em 2009, quase 90% dos conselhos municipais tinha comissões temáticas e 95% deliberavam em reuniões plenárias.

Ministro da ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, participa do Encontro com estudantes da ong Educafro

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Instituições Participativas e Governança Democrática

C omo parte das atividades que selaram a despedida do presidente Lula, o Palácio do Planalto sediou, no último dia 15 de dezembro,

um encontro entre representantes do governo e de diversos movimentos sociais. A ocasião foi marcada por discursos e depoimentos bastante convergentes na celebração de maior abertura do Estado brasileiro às demandas de grupos até então marginais na formulação e na implementação de políticas públicas.

Uma das mais relevantes expressões disso, como então enfatizou o ex-ministro Luiz Dulci, foi a institucionalização da partici-pação social nas políticas federais. Dados mostram que, entre 2003 e 2010, cresceu muito o número e a variedade temática de conselhos criados ou reformulados e de conferências realizadas.

Embora não se possa desprezar esses avanços, a construção de um modelo demo-crático de governança no país está longe de ser acabada. Três desafios, em especial, se colocam para o futuro próximo.

O primeiro é a consolidação e a disse-minação de dados e análises sobre as insti-tuições participativas em âmbito federal. Boa parte dos conselhos e das conferên-cias que compõem a cifra exaltada pelo ex-ministro Dulci vem surgindo em áreas sem grande tradição de participação, nas quais, embora possa sobrar boa vontade, falta conhecimento sobre como estruturar e gerir essas instituições. A criação de um Portal da Participação – à semelhança do conhecido portal da transparência –, reunindo leis ou decretos de criação, composição atualizada, regimentos, atas, notícias e estudos sobre a disseminação

de instituições participativas no âmbito federal ajudaria a suprir essa lacuna e poderia até mesmo estimular os gestores a se aventurarem cada vez mais pelo uso de mecanismos dessa natureza.

O segundo é a criação de uma rotina de aperfeiçoamento das instituições parti-cipativas. Se é verdade que a participação vive um momento forte na agenda política, a literatura acumulada sobre o tema tem documentado várias desilusões com o cotidiano de suas formas organizativas. As críticas passam pelos mais diversos fatores, como um poder de agenda do governo em tese privilegiado em relação à sociedade civil; a presença de linguagem excessivamente técnica nas reuniões, excluindo alguns setores sociais do pleno engajamento nos processos deliberativos; ou a colonização dos ambientes e processos deliberativos por participantes de ofício. Ao invés de desencorajarem o uso cada vez maior da participação, essas críticas devem estimular reflexões sobre como seguir aprimorando-a.

Inovações desse tipo já se acham em curso, como se vê pelo exemplo das conferências-livres. Utilizadas nas Conferências Nacionais de Juventude e de Segurança Pública para permitir o engajamento direto e espontâneo de cidadãos, elas geraram grande ganho de qualidade deliberativa nas etapas nacionais. Ainda assim, a produção e a circulação dessas novas ideias se dão de maneira pouco sistemática. É preciso, portanto, desenvolver estratégias que proporcionem, aos órgãos federais, uma oportunidade de aprendizado constante e coletivo sobre as melhores maneiras de estruturar e manter

em funcionamento as suas respectivas instituições participativas.

O terceiro desafio, por fim, é enraizar o ideário da participação em todo o Estado brasileiro. Até agora, a criação e a dissemi-nação de instituições participativas esteve quase sempre restrita ao Poder Executivo. Mas a governança das políticas públicas não se resume ao Executivo – inclui também, para dizer o mínimo, o Legislativo e o Judiciário. Nestes outros espaços, é sabido que a realização do ideário participativo da Constituição de 1988 tem andado a passos bem mais lentos.

De todo modo, exemplos como a Lei da Ficha Limpa e as correições do Conselho Nacional de Justiça mostram que em cada um deles é possível e desejável avançar mais. O governo federal poderia tomar a liderança desse processo, convocando os demais poderes a celebrar um amplo pacto pela democratização do Estado brasileiro, à semelhança do que já se fez para viabilizar reformas na área da justiça.

Enfrentar esses desafios requererá plane-jamento e coordenação em níveis bem maiores que os exercitados durante a Era Lula. Trata-se de tarefa complexa e traba-lhosa, mas que pode contribuir para que o Brasil enfim experimente um momento verdadeiramente original em sua trajetória de desenvolvimento, no qual a promoção de mudanças estruturais na economia e na sociedade não se apresente como uma contradição com a inclusão de vastas parcelas da população nos processos decisórios.

Fabio de Sá e Silva é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

  F a b i o d e S á e S i l v aArtIgo

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Ouvidoria pública: elemento estratégico de governança

ArtIgo

O debate atual sobre Ouvidoria Pública no Brasil torna-se rele-vante em função do processo de redemocratização e, conse-

quentemente, da consolidação de um novo pacto social, orientado para a valorização da dignidade humana e o fortalecimento dos vínculos de solidariedade.

Esse contexto repercute na exigência de um modelo de organização estatal que seja não apenas transparente e aberto à participação dos cidadãos, mas também promotor de um sentido coletivo de cidadania.

Nesse diapasão, Giddens, em a “Terceira Via”, propôs um novo modelo para o Estado, baseado nas seguintes características: descen-tralização, dupla democratização, renovação da esfera pública e participação direta e ativa dos cidadãos. Assim, a descentralização do poder tornava-se um imperativo juntamente com o processo de “dupla democratização”, entendida “no sentido da delegação de poder de cima para baixo, mas também uma dele-gação de poder para cima”.

O autor destaca ainda a importância do desenvolvimento de novos mecanismos de democracia direta, assim, como do forta-lecimento dos já existentes, pelos quais o governo poderia “restabelecer contato mais direto com os cidadãos, e os cidadãos com o governo”.

Embora as ouvidorias públicas dialoguem bastante com o último aspecto da leitura de Giddens, o fato é que na realidade de países como o Brasil, que enfrentaram processos de redemocratização, essas instituições podem ainda contribuir para a própria consolidação de um sentido coletivo de cidadania, a partir da reconstrução da confiança e do respeito entre os cidadãos e entre estes e o Estado.

Nesse contexto as ouvidorias públicas no Brasil, dado o vertiginoso crescimento na última década, se tornaram importante instrumento para essa reconstrução da confiança e do respeito. Dessa forma, esse novo espaço de exercício da democracia tem trazido novos temas para a agenda de discussão sobre ouvidoria pública princi-palmente entre ouvidores, militantes dos direitos humanos e da defesa da cidadania.

Assim, esses segmentos vêm alertando para a fragilidade da rede ouvidorias públicas. Como exemplo, O Prof. Manuel E. Gomes, ao tratar do regime jurídico das Ouvidorias Públicas, alerta para a frágil tipologia das ouvidorias públicas, comprometendo sua efetividade.

Dentro desse contexto, o Prof. Rubens Lyra observa que a missão das Ouvidorias públicas, que consiste em defender e assegurar os direitos do cidadão no âmbito da Admi-nistração Pública, muitas vezes é desvirtuada e mal interpretada. Alerta também que a grande maioria dos ouvidores é escolhida pelo gestor do órgão controlado, não possuindo mandato, nem de status funcional à altura das suas atribuições.

Recentemente entrou na pauta de discussão a reforma da Ouvidoria Geral da União, que está sendo proposta pela Controladoria Geral da União - CGU. O objetivo da reforma consiste em uma mudança de direção na atuação da Ouvidoria Geral da União - OGU por meio da intensificação de parceria com a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento visando a fiscalização da eficiência dos servidores na prestação dos serviços públicos.

Essa mudança de rumo, sem que outras questões fundamentais sejam também colo-

cadas em pauta ou abordadas, pode reforçar as características de fragilidade das Ouvidorias Públicas elencadas por Gomes e Lyra, na qual a Ouvidoria Geral da União está inserida. Ademais, tal mudança, pode significar um reducionismo no verdadeiro papel destinado às ouvidorias públicas no Brasil com reflexo negativo em toda a rede de ouvidorias,

Esse é o momento em que a Ouvidoria Geral da União poderia trazer à pauta de discussão, a construção de um sistema nacional de ouvidorias públicas, autônomas e democráticas, objetivando o fortaleci-mento dos mecanismos de controle social, para se atingir a tão sonhada qualidade das Instituições do Estado e o aprimoramento de suas instituições democráticas. Como consequência da melhoria das Instituições do Estado resultaria a melhoria da eficiência dos servidores na prestação dos serviços públicos.

Esta preocupação decorre do fato que, nos últimos anos, a ação da Ouvidoria Geral da União tem sido um norte para as Ouvidorias Públicas, principalmente as vinculadas a Administração Pública Federal. Assim, no inconsciente coletivo desse universo, mudanças de rumo da OGU, afetam essa rede. Por outro lado, se ficar claro que a OGU é, somente, mais uma ouvidoria dentro do universo das ouvidorias da Administração Pública Federal, há a necessidade de desconstrução dessa percepção e os ouvidores públicos devem retomar o debate sobre o futuro das Ouvido-rias Públicas através de um fórum nacional.

Por fim, Importante olhar a Ouvidoria Pública como elemento estratégico de governança do Estado.

Antonio Semeraro Rito Cardoso é ouvidor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A n t o n i o S e m e r a r o r i t o C a r d o s o

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PANORAMAPu

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As distâncias das telecomunicações

no Brasil

 Setor é estratégico para o desenvolvimento econômico e social do país, mas ainda enfrenta o desafio de superar o baixo investimento e restrições de acesso a tecnologias

J u l i a n a E l i a s – d e S ã o P a u l o

E nviar informações por um terri-tório de 8.514 milhões de Km2, colocando em contato mais de 190 milhões de habitantes, e, além

disso, gerar riqueza e avanço social, não é tarefa fácil. Depende de um intrincado sistema de tecnologias e investimentos, de infraestrutura física e legislação específica. Assim é o setor de Telecomunicações no Brasil, que envolve segmentos de extrema relevância para o desen-volvimento do país, tais como: telefonia fixa e móvel, acesso à internet, TV por assinatura, serviços de comunicação por rádio, teledifusão, transmissões por satélite, dentre outros.

Dificuldades à parte, o fato é que todos os segmentos das telecomunicações influenciam

hoje não só o desenvolvimento e inclusão social do país, mas representam também um setor econômico de peso, que movimenta mais de R$ 180 bilhões por ano, respondendo por aproximadamente 6% do PIB (Produto Interno Bruto).

Um perfil bastante diferente do viven-ciado em 1998, ano em que o sistema Telebrás foi privatizado: à época, as telecomunicações eram um setor de R$ 30 bilhões, ou 3,2% do PIB. Desde então os investimentos já somaram R$ 200 bilhões, e giram hoje em torno dos R$ 15 bilhões ao ano apenas no segmento de telefonia, segundo dados da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil).

Isso faz do setor, inclusive, um importante gerador de renda e emprego. As atividades ligadas à tecnologia e à comunicação respon-deram, em 2008, por 35% de toda a receita com serviços no país. Disto, as telecomunicações respondem sozinhas por 60%. O total inclui ainda a atividade dos mercados editorial, audio-

Em 2010, o Brasil alcançou a incrível marca de possuir mais celulares que habitantes: são hoje

202 milhões de linhas móveis, ou 105 para cada

100 pessoas

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2007, já eram 121 milhões de assinaturas, ou quase 70 celulares para cada grupo de 100.

Em 2010, o Brasil alcançou a incrível marca de possuir mais celulares que habitantes: são hoje 202 milhões de linhas móveis, ou 105 para cada 100 pessoas. É um patamar que se aproxima ao de países europeus e que deixa para trás até mesmo locais como Estados Unidos, onde a penetração dos celulares é de 93%, de acordo com dados da Telebrasil. Na América Latina, a média é de 89,5 aparelhos para cada 100 habitantes e, na Europa, onde estão os maiores índices, são 126. Na China, embora as 850 milhões de linhas habilitadas atualmente sejam mais de quatro vezes o total do Brasil, equivalem a apenas 63% da população.

Na Internet, o fenômeno brasileiro não é diferente: o internauta daqui, segundo o instituto Ibope/NetRatings, é o que passa mais tempo conectado em todo o mundo: são 31 horas online por mês, em média. A presença dominante do país em redes sociais como Orkut, Twitter e Facebook – páginas em que está sempre no topo entre as nacionalidades de maior participação e crescimento – comprova a afinidade do brasileiro com a tecnologia.

Fatos como estes, no entanto, contrastam com uma outra face das telecomunicações no Brasil, em que não só o país sai dos primeiros lugares dos rankings para se comparar aos piores índices mundiais, como também revela profundas contradições internas.

Mesmo seus impressionantes índices da telefonia móvel, comparáveis ao desempenho dos melhores países desenvolvidos, se cingem

Tabela 1: Assinantes de Telefonia Fixa, Celular, TV por Assinatura e Banda Larga

Milhões 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fixos 13,3 14,8 17,0 20,0 25,0 30,9 37,4 38,8 39,2 39,6 39,8 38,8 39,4 41,2 41,5

Celulares 1,4 2,7 4,6 7,4 15,0 23,2 28,7 34,9 46,4 65,6 86,2 99,9 121,0 150,6 174,0

TVA 1,0 1,8 2,5 2,6 2,8 3,4 3,6 3,6 3,6 3,9 4,2 4,6 5,3 6,3 7,5

Banda Larga 0,1 0,2 0,3 0,7 1,2 2,3 3,9 5,7 7,7 10,0 11,4

Quantidade de Assinantes 15,7 19,4 24,0 29,9 42,9 57,7 70,1 77,9 90,4 111,4 134,0 149,0 173,4 208,2 234,3

Fonte: Anatel, ABTA e TelecoNota: Banda Larga inclui apenas acessos f ixos

“Trata-se de uma área que vai desde o desenvolvimento de produtos de informática, um tablet ou um aparelho

celular, até a informatização dos demais serviços, seja

no varejo, nas empresas, na saúde ou na educação”

Fernanda de Negri, técnica em planejamento e pesquisa do Ipea

tecnologias. É uma tendência que está apenas começando”, diz Fernanda.

EVoLução Muita coisa mudou no Brasil desde o início da privatização do sistema de telefonia, no ano de 1998. Naquela época, adquirir uma linha telefônica custava até R$ 2000, a espera chegava a quase dois anos, a telefonia celular existia há apenas sete, só alcançava 2% da população, e a Internet, completando seu terceiro ano, e disponível apenas na versão discada, era ainda luxo restrito à empresas e famílias de alta renda.

Em todos estes segmentos, o avanço foi surpreendente. Para se ter uma ideia, a meta com que trabalhava em 1998 a então recém-criada Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), era de que, em dez anos, o total de linhas móveis subisse da média de 2 aparelhos por 100 habitantes (ver tabela 1) para 16. Foi uma perspectiva bastante humilde: em

visual e de TI (Tecnologias da Informação), segundo apontou o levantamento Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil, do Ipea. O estudo é divido em três volumes, sendo que o primeiro reúne artigos publicados na edição n. 10 do Boletim Radar, do Ipea, e contém um vasto contingente de dados (alguns inéditos) e análises sobre diferentes segmentos das telecomunicações, seus impactos sociais e econômicos, e as mudanças por eles geradas em outros setores da economia.

“Trata-se de uma área que vai desde o desenvolvimento de produtos de informática, um tablet ou um aparelho celular, até a infor-matização dos demais serviços, seja no varejo, nas empresas, na saúde ou na educação”, avalia Fernanda de Negri, técnica em planejamento e pesquisa do Ipea, e autora, junto com Leonardo Costa Ribeiro, de um capítulo sobre tendências tecnológicas, incluído no Panorama. “O mundo inteiro está apostando na disseminação destas

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quando olhados mais de perto. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístia (IBGE), mostra que, apesar de termos mais celulares que brasileiros, 43% de toda a população com mais de 10 anos não possui um celular.

No caso da Internet, mesmo com os usuários brasileiros batendo recordes de todos os tipos mundo afora, a penetração ainda é relativamente baixa: 27,3% dos domicílios possuem compu-tador conectado à rede. Se forem consideradas apenas as conexões em banda larga, o percentual fica ainda menor: não chega a 7% – índice que coloca o acesso à Internet rápida no Brasil em último lugar em uma lista de 31 países levantada pelo Ipea. Nos líderes – Holanda e Dinamarca – a banda larga já chega a 35% da população, e mesmo países como México e Turquia deixam o Brasil para trás.

A colocação nem leva em consideração o custo e a qualidade do serviço: um dos mais altos e um dos piores, respectivamente, no Brasil. Segundo o levantamento do Ipea, o preço médio mensal pago pelo brasileiro, para se ter acesso à Internet de alta veloci-dade, equivale a 4,58% da renda média do país. Na Rússia, esta proporção é de 1,68%

e, nos países desenvolvidos, de 0,5% – caso dos Estados Unidos, que, com preços baixos e um rendimento médio alto, tem um custo de banda larga equivalente a 0,4% da renda per capta, a Internet a mais barata do mundo.

Mesmo pagando um preço alto, por um lado, o Brasil recebe, por outro, uma velocidade extremamente baixa, que não só fica para trás de boa parte do mundo como se quer chega aos mínimos estipulados por padrões internacionais: para a União Internacional de Telecomunicações (UIT), a Internet banda larga caracteriza-se por uma velocidade mínima entre 1,5 Mbps e 2 Mbps. No Brasil, 54% das conexões estão abaixo de 1 Mbps, e outros 15% se estendem até 2 Mbps, indicou o estudo.

As diferenças brasileiras também ficam pungentes se olharmos para as regiões mais afastadas, de menor renda e menor densidade.

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privatização de sucesso, teve alguns erros. O Estado acabou se ausentando totalmente do setor, o que não aconteceu em

outros países, e nossa regulação acabou não premiando a

competição”

João Maria de oliveira, técnico em planejamento e pesquisa do Ipea,

Tabela 2: Receita Bruta do Setor e seus Principais Componentes

R$ Bilhões 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Jan-Set/10

Indústria (Abinee) 7,3 9,9 11,4 7,4 8,8 13,0 16,5 16,7 17,5 21,5 18,4 13,8

Telefonia Fixa 29,2 37,3 46,6 51,6 58,1 64,0 69,1 69,9 71,1 75,4 77,4 57,2

Celular 11,9 16,6 19,0 21,7 28, 35,1 44,8 52,2 50,0 68,5 69,9 55,5

TV por assinatura 1,9 2,1 2,5 2,9 3,5 4,0 4,7 5,5 6,7 9,3 10,7 8,8

SME (Trunking) 0,4 0,6 0,8 0,7 1,0 1,5 2,4 2,8 3,7 4,4 4,6

Total 50,5 66,2 80,0 84,4 99,1 117,0 136,6 146,7 158,0 178,4 180,8 139,8

Fonte: Teleco, ABTA e Abinee

14%dos domicílios

no Nordeste possuem um computador ligado à rede

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No Nordeste, apenas 14% dos domicílios possuem um computador ligado à rede, incluindo conexão discada, e no Norte, são 13% – proporções que equivalem à metade da média nacional. É como se estas regiões estivessem agora chegando a 2005: naquele ano, era esta a média de todo o país.

PREçoS E CoNCoRRêNCiA Consenso entre usuá-rios, empresários e especialistas, os preços dos serviços de telecomunicações no Brasil são a primeira coisa na lista de entraves que ainda impedem que o setor deslanche no país e, com ele, os benefícios de desenvolvimento social e econômico que traz.

“A carga tributária é extremamente alta”, pontua Eduardo Levy, diretor-executivo do do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindTelebrasil). “Apenas o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) chega a representar de 40% a 62% da conta de telefone, variando com o estado. Trata-se de um serviço essencial e que hoje é mais tributado que produtos como cigarro, bebidas ou cosméticos”, exemplifica.

“O tempo gasto com ligações em tele-fonia móvel no Brasil é ainda muito baixo com relação a outros países, e o custo-tarifa com certeza é um dos fatores que inibe isso”, diz Aluízio Byrro, diretor da Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica (Abinee) e também presidente do conselho para a América Latina da fabricante de equipamentos Nokia Siemens. Segundo ele, o brasileiro fala, em média, entre 90 e 100 minutos no celular por mês – na América Latina a média é de 120 minutos, na Índia de 400 e no Estados Unidos chega a 800 minutos por mês.

Uma das razões detectadas para os preços brasileiros é o alto grau de concentração de seu mercado, aponta João Maria de Oliveira, técnico em planejamento e pesquisa do Ipea, e um dos colaboradores do Panorama. “O Brasil, apesar de ter realizado um processo de

benefícios das inovações tecnológicas exten-sivas a toda a sociedade brasileira. De acordo com a UIT, o preço relativo do serviço no Brasil chega a ser de cinco a dez vezes mais alto que nas economias avançadas e está entre os mais altos do mundo”, cita Oliveira em um dos capítulos da publicação do Ipea, produzido em coautoria com os também técnicos em planejamento e pesquisa Luis Claudio Kubota e Rodrigo de Sousa.

Segundo o primeiro volume do Panorama (a publicação tem mais outros dois volumes com artigos que mapeam e analisam o setor de Comunicação no país), há no Brasil hoje mais de 1600 provedores de Internet regis-trados, mas apenas cinco deles – Oi (36%), Net (25%), Telefonica (24%), GVT (6%) e CTBC (2%) – detêm mais de 90% do mercado. Além disso, muitos deles sequer atuam no mesmo mercado; caso, por exemplo, da Telefônica, que está em São Paulo, e a CTBC, que está no Centro-Oeste, Minas Gerais e algumas regiões específicas do estado de São Paulo. Dessa forma, detectou o Ipea, com base em dados da Anatel, em mais de 80% dos municípios um único provedor detém mais de 90% do mercado local. Se forem considerados os municípios com pelo menos 70% do mercado com um único provedor, chega-se a 90% das cidades brasileiras.

Tabela 4: Europa 2009

MilharesTelefones Densidade (por 100/hab)

Fixo Celular Fixo Celular

Alemanha 48.700 105.000 59,3 127,8

Espanha 19.859 52.887 43 114,6

França 35.500 59.543 56,9 95,5

Itália 21.300 90.613 35,6 151,3

Portugal 4.258 15.929 40,1 149,9

Reino Unido 33.615 80.375 54,6 130,5

Rússia 44.802 207.910 31,6 146,5

Outros* 107.382 408.126 13,3 50,5

Europa 315.416 1.020.383 39 126,3

Fonte: Teleco*48 países

5provedores

de Internet detêm mais de 90% do mercado

privatização de sucesso, teve alguns erros. O Estado acabou se ausentando totalmente do setor, o que não aconteceu em outros países, e nossa regulação acabou não premiando a competição”, explica Oliveira. “Em telefonia móvel isso é um pouco maior, mas em telefonia fixa e banda larga temos ou monopólios ou oligopólios”, continua o pesquisador.

“Os preços praticados constituem em grande obstáculo à universalização do acesso à internet em banda larga e aos consequentes

Tabela 3: América Latina

Milhares 2009Densidade

(por 100/hab)

Celulares 518.268 89,57

Telefones Fixos 105.710 18,24

Banda Larga 36.707 6,34

Fonte: Teleco, Operadoras e rg. Regulador

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41Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

EuA Europa Brasil

Setores não ligados às TICs 1,23 0,88 0,4*

Setores de TICs 0,65 0,31 0,1*

Total 1,88 1,19 0,5

Tabela 5: investimentos privados em P&D como proporção do PiB: Europa, Estados unidos e Brasil (%)

Fonte: Lindmark et al. (2008) e, para o Brasil, Ministério da Ciência e Tecnologia (indicadores disponíveis em: <http://www.mct.gov.br>) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica, do Instituto Brasileiro de Geograf ia e Estatística (PINTEC/IBGE) de 2005.

Lugar no ranking Firma Gastos em P&D (em milhões de euros) Sede

1º Microsoft 5.584 EUA

2º Nokia 5.281 Finlândia

3º Samsung 4.438 Coreia do Sul

4º Intel 3.936 EUA

5º IBM 3.931 EUA

6º Matsushita 3.539 Japão

7º Alcatel-Lucent 3.368 França

8º Sony 3.330 Japão

9º Cisco Systems 3.077 EUA

10º Motorola 3.029 EUA

11º Ericsson 2.911 Suécia

12º Hitachi 2.526 Japão

13º HP 2.470 EUA

14º Toshiba 2.412 Japão

15º Canon 2.255 Japão

16º NEC 2.049 Japão

17º Oracle 1.875 EUA

18º BT 1.705 Reino Unido

19º NTT 1.666 Japão

20º Philips 1.604 Holanda

Tabela 6: Vinte firmas de TiCs com maiores gastos em P&D (2007)

Fonte: Turlea et al. (2010).

Esta concentração reduz o acesso à internet de alta velocidade, diminuindo seu alcance e as possibilidades de alteração econômica que ela proporciona. “Pelo aspecto social, a atual dinâmica de difusão de banda larga levou à existência de uma segregação digital, gerada pela distância do conhecimento das ferramentas, infraestrutura disponível ou capacidade econômica entre uma grande parcela da população que não pode sequer experimentar o serviço e a outra parte que tem, de fato, a opção de usufruir dele”, citam Oliveira, Kubota e Souza no estudo.

João Moura, presidente-executivo da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), alerta ainda para as dificuldades de compartilhamento de rede no Brasil: hoje, são as operadoras concessionárias de cada região que detêm a malha central – o chamado backbone –, além dos cabos e fibras óticas que levam as ligações até os usuários, o que dificulta o uso da rede por outras concorrentes. “Esse acesso devia estar previsto de forma automá-tica na regulação do setor. A infraestrura é apenas uma concessão à operadora, como é uma rodovia, e seu uso deveria ser aberto a todos da mesma forma”, diz.

PESQuiSA & DESENVoLViMENTo Outro fator detectado no Panorama são os baixos níveis de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas brasileiras nas chamadas TICs – área que reúne as tecnologias da informação e as comunicações. Nos Estados Unidos, este segmento é líder e responde sozinho por 35% de tudo que o setor privado investe em P&D no país. O total representa 0,68% do PIB norte-americano. Na Europa, é investido o equivalente a 0,31% do PIB (ver tabela 5).

Ambos deixam o Brasil bem para trás: o investimento aplicado pela iniciativa privada nestas áreas no país equivale a 0,1% do PIB, seis vezes menos que nos Estados

Gráfico 1: Déficit comercial dos segmentos do complexo eletrônico – 2008 (em bilhões de dólares)

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-12002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2009* 2010*

Importações Exportações Déficit

Fonte: Secex/MDIC – agregação do BNDES

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42 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Neutralidade para todos?Quando, no ano passado, a Verizon,

uma das maiores operadores de tele-

fonia dos Estados Unidos, anunciou

uma parceria com o Google em que as

páginas da gigante da Internet seriam

acessadas com maior velocidade nos

celulares da companhia, uma discussão

dos primórdios da rede mundial ganhou

novo fôlego: a chamada neutralidade

de rede.

“A grande questão é que a ideia de neutralidade surgiu

em um momento em que ninguém reconhecia que a Internet demandava altos custos. O tráfego era muito

menor, o número de usuários também, e ainda não se

usavam serviços pesados como os atuais, como um jogo online

ou o compartilhamento de imagens e de vídeos”

Marcio Wholers, diretor de estudos e políticas setoriais de inovação,

regulação e infraestrutura

A expressão vêm do princípio de

que todos os usuários da Internet

têm os mesmos direitos ao acessar

a rede, assim como toda e qualquer

página, independente do conteúdo,

deve ser carregada ao internauta sem

diferenciação. O conceito, que existe

desde a virada da década de 1980 para

1990 – praticamente a mesma idade

da Internet comercial –, nasceu como algo inerente ao caráter democrático e supra-governamental do mundo virtual. Em anos mais recentes, no entanto, em que companhias do setor vêm se consolidando como grandes players mundiais – desde as gigantes Micro-soft e Apple até as mais jovens Google e Facebook –, um ferrenho ambiente comercial tomou corpo, e a ameaça à neutralidade se tornou menos distante.

“Agora se pede até que os governos intervenham na regulação disso, sendo que, no princípio, o que se queria era justamente que o Estado ficasse longe da Internet”, diz o economista Marcio Wholers, diretor de estudos e políticas setoriais de inovação, regulação e infraes-trutura do Ipea. “Existem diversos casos, menores que o da Verizon com o Google, de pequenos acordos entre provedores, empresas e fornecedores de conteúdo, em que acontece o chamado gerencia-mento de tráfego”, explica Wholers, se referindo às prioridades de acesso que as provedoras de Internet podem dar a uma ou outra página.

Pode ser, exemplifica Wohlers, um contrato especial da provedora com um banco – em que, para que o banco tenha mais velocidade em sua rede, a veloci-dade de outros usuários é sutilmente reduzida –, ou então da provedora com alguma empresa, beneficiando o carrega-mento de suas páginas em detrimento de outras, ou mesmo o corte temporário de serviços pesados, como um programa de conversação como o Skype ou um site de vídeos como o Youtube, para evitar que o tráfego da rede fique sobrecarregado.

Unidos. “Proporcionalmente, o que estas empresas investem em P&D é bastante em comparação a outras indústrias do país, e mesmo em relação à receita delas”, analisa Fernanda, do Ipea (ver tabela 6). Segundo os dados que levantou, 20% dos investimentos brasileiros em P&D está nas TICs. “No Brasil não há uma indústria forte de hardware e software. Temos poucas empresas e pequenas”, diz a pesquisadora, lembrando que, no mundo, sete das 20 maiores empresas que investem em P&D pertencem ao segmento de TICs.

O baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento é um dos fatores que torna o Brasil um importador líquido de tecnologias e produtos ligados ao setor. “O complexo eletrônico acelerou intensamente sua situação deficitária entre 2002 e 2008. A taxa de crescimento das importações foi bastante superior à taxa de crescimento das exportações”, cita Lucas Ferraz Vasconcelos, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, em um capítulo do Panorama (ver gráfico 1).

Ferraz aponta uma evidência de que o movimento se configura como uma tendência de agravamento do deficit: no primeiro semestre de 2010 as importações cresceram 59,7% frente aos seis primeiros meses do ano anterior, enquanto as exportações avançaram 2,1% em igual intervalo de análise.

Hoje, são as operadoras concessionárias de cada

região que detêm a malha central, além

dos cabos e fibras óticas que levam as ligações até

os usuários, o que dificulta o uso da rede por outras

concorrentes

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43Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Neutralidade para todos?

23mil petabytesde dados por mês trafegaram pela

Internet no ano de 2010

No Brasil, o tema é um dos tópicos de relevância nas discussões acerca do Marco Civil da Internet, projeto de lei em elaboração pelo governo federal para regulamentar as ações na rede. “A ideia é que o marco consagre o direito à neutralidade no país”, conta Carlos Affonso Souza, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), órgão que assessorou o governo na elaboração do marco.

“A grande questão é que a ideia de neutralidade surgiu em um momento em que ninguém reconhecia que a Internet demandava altos custos. O tráfego era muito menor, o número de usuários também, e ainda não se usavam serviços pesados como os atuais, como um jogo online ou o compartilhamento de imagens e de vídeos”, explica Wholers. Para se ter uma ideia, o tráfego de dados pela Internet, em 2010, foi próximo dos 23 mil petabytes por mês – ou 1.000.000.000.000.000 bytes, segundo um levantamento feito pela Cisco. Isto significa uma infinidade incontável de textos, vídeos, fotos e músicas sendo compartilhadas pela rede, volume que vem dobrando a cada ano. Em 1994, indicou o levantamento, eram 0,02 petabyte/mês: um número 1,1 milhão de vezes menor.

MARCo CiViL As discussões em torno dos direitos e deveres que cercam a Internet não só vêm amadurecendo, como vêm também aos poucos ganhando legislações e regulamentações próprias mundo afora.

Em agosto do ano passado, o Chile se tornou o primeiro país a prever a neutralidade de rede em lei, obrigando as operadoras a “não bloquearem, interferirem, discriminarem, impedirem nem restringirem arbitrariamente” o direito do usuário de enviar ou receber informações. Nos Estados Unidos, onde o assunto foi inclusive umas das plataformas de campanha do presidente Barack Obama, a Comissão Federal de Comunicação (FCC, na sigla em inglês), órgão regulador do setor no país, aprovou em dezembro um pacote de regras assumindo a neutralidade de rede para as linhas fixas.

“Quando uma operadora prioriza os serviços de um site a outro, e ainda sem avisar o cliente, ela está ferindo tanto o código do consumidor, quanto o da livre concorrência, podendo se recorrer ao Procon, em um caso, ou ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), no outro”, explica Souza. “Mas, por mais que as relações na Internet possam ser regidas pelas leis gerais, que não foram pensadas para o ambiente de rede, é importante hoje que ela possua uma legislação própria. A Internet tem particularidades que exigem uma regulamentação mais específica.”

A neutralidade de rede está prevista no artigo 12 do Marco Civil, de acordo com o qual “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, conteúdo, serviço, terminal ou aplicativo”. O texto, concluído no final do ano passado após mais de um ano de discussões, aguarda agora aprovação do Executivo para poder seguir para votação no Congresso.

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ferindo tanto o código do consumidor, quanto o da

livre concorrência, podendo se recorrer ao Procon, em um caso, ou ao Cade, no outro”

Carlos Affonso Souza, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade

(CTS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ)

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44 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

COOPERAÇÃOinternacional

Militar das forças armadas brasileiras ajuda a carregar um avião CH-53 Super Stallion na capital do Haiti, Porto Príncipe, em setembro de 2009

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45Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Ajuda ao próximo e ao distante

Projetos nas áreas demandadas, sem contrapartidas e dirigidos a desenvolver capacidades locais

são a marca da crescente ajuda brasileira ao desenvolvimento internacional

S i m o n e B i e h l e r M a t e o s – d e S ã o P a u l o

O que poderiam ter em comum iniciativas tão diversas como: a primeira fábrica de medicamentos contra Aids da África – a ser

inaugurada esse ano em Moçambique –; fazendas experimentais de arroz no Senegal e de algodão em Mali; projetos agropecuários, de combate ao trabalho infantil e de capaci-tação de docentes para o ensino de português no Timor Leste, e a implantação de bancos de leite humano de 22 países da África e América Latina? Pois todos esses projetos são frutos recentes da cooperação do Brasil para o desenvolvimento de outros países.

De fato, os últimos anos de crescimento sustentado com estabilidade e melhoria da distribuição de renda ampliaram muito o protagonismo do Brasil no cenário da cooperação internacional. As ações do país na área se multiplicaram impulsionadas pela crescente demanda pelo compartilhamento de conhecimentos e experiências nacionais bem sucedidas na área de políticas e tecno-logias sociais, agrícolas e de saúde – para

citar apenas as de maior destaque. Essas experiências vêm atraindo o interesse tanto de países em desenvolvimento, que enfrentam problemas similares, como de países ricos e organismos internacionais, que buscam aumentar a eficácia de seus projetos de ajuda ao desenvolvimento por meio da cooperação triangular com o Brasil. Embrapa (Empresa Brasileiro de Pesquisa Agropecuária) e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) já têm escritórios na África.

Com isso, o volume de recursos que o Brasil destina à cooperação internacional Sul-Sul quase dobrou em cinco anos, passando de R$ 384 milhões, em 2005, para R$ 724 milhões, em 2009. O investimento total do período chega a R$ 2,9 bilhões de reais. É o que revela o estudo Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Interna-cional 2005-2009, concluído recentemente pelo Ipea. A pesquisa inédita foi feita a pedido da Agência Brasileira de Coope-ração (ABC), que integra o Ministério das Relações Exteriores, sendo o primeiro

levantamento dos recursos federais desti-nados ao desenvolvimento de outros países. Abarca apenas investimentos 100% a fundo perdido, feitos em governos de outros países, em estrangeiros residentes no Brasil ou em organizações internacionais. Mas contabiliza, pela primeira vez, não só desembolsos em dinheiro, como as horas técnicas dedicadas à transferência de conhecimentos sobre experiências de sucesso, eixo central da cooperação brasileira. Numa segunda etapa, o Ipea planeja fazer o levantamento da cooperação realizada pelo Brasil por

As ações do país na área se multiplicaram impulsionadas

pela crescente demanda pelo compartilhamento de

conhecimentos e experiências nacionais bem sucedidas na

área de políticas e tecnologias sociais, agrícolas e de saúde

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46 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

AngolaCriação do mestrado em saúde pública, Apoio para a criação da Escola Nacional de Saúde Pública, Centro de Formação Prof issional do SenaiCombate à malária

Cabo VerdeCriação da Escola Técnica de SaúdeCentro de Formação prof issionalApoio à universidade da área de Saúde, à criação do Instituto Nacional de Saúde e de doutorado em saúde pública

Guiné BissauCriação da Escola Técnica de SaúdeApoio à criação do Instituto Nacional de Saúde e ao fortalecimento do sistema de saúde

Criação do Centro de Formação das Forças de Segurança

Centro de Formação prof issionalEscola piloto de ensino fundamental

Combate à malária

GanaEscritório da EmbrapaCombate ao HIV-AidsEstruturação do Sistema Nacional de Atenção à Anemia Falciforme

LibériaCombate ao HIV-Aids

MarrocosNúcleo de capacitação prof issional do Senai (em negociação)

São Tomé e PrincipeCombate à maláriaCentro de Formação prof issional (em implantação)

MaliEstação experimental de algodão da Embrapa (a serviço de Mali, Burkina Faso, Chade e Benim)Núcleo de Capacitação Prof issional do Senai (em negociação)

CamarõesCombate à maláriaNúcleo de Capacitação Prof issional do Senai (em negociação)

SenegalEstação experimental de arroz (a serviço do Senegal, Mali, Mauritania e Guné-Bissau)

Serra LeoaCombate ao HIV-Aids

HaitiFazenda para demonstração e validação de tecnologias agrícolasAperfeiçoamento da produção de arroz, feijão, milho, mandioca e hortaliçasConstrução de 70 cisternas comunitárias e capacitação para esse tipo de obra e para o manejo de águaTransferência de tecnologias de construção de baixo custoCentro de Formação Prof issional do SenaiOrganização de um modelo de saúde da família, incluindo capacitação de pessoalFortalecimento da Agricultura familiar e Segurança AlimentarInclusão Social pelo EsporteBanco de Leite HumanoCriação do Instituto Haitiano de ReabilitaçãoCapacitação de Membros do Poder judiciárioConstrução de 3 Unidades de Pronto Atendimento (capacidade para 450 pessoas/dia)Doação de 50 ambulâncias com UTI móvel para integração entre atendimento básico e hospitalarCapacitação para elaboração de Políticas Públicas de Museus por meio da reconstrução do Museu de Arte Haitiana

ParaguaiCentro de Capacitação Prof issionai do Senai(exemplo de sucesso de projeto estruturante: desde sua inauguração, em 2002, foi responsável pela formação de 10 mil prof issionais em 660 cursos)

BolíviaCriação e consolidação do Instituição Pública de Pesquisa Agropecuária

UruguaiTelecentros comunitários

EquadorTelecentros comunitários

CubaTelecentros comunitáriosAssistência técnica para produção de soja

Argélia

Guatemala, República Dominicana, El Salvador e Jamaica Centros Prof issionais binacionais (em negociação)

Mapa da cooperação internacional brasileira

Países em que o Brasil tem projetos de cooperação

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47Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

MoçambiqueEscritório da FiocruzFábrica de medicamentos em implantação em Moçambique (EI)Criação da Escola Politécnica em Saúde, do Instituto nacional para a Mulher e a Criança e de mestrado em saúdeProgramas de capacitação em saúde materna, manutenção de equipamentos e monitoramento e avaliação de programas e serviços de combate a AidsIntrodução ao programa Farmácia PopularProjeto de Desenvolvimento Agrícola da Savana TropicalFortalecimento do Instituto de Investigação AgráriaPlataforma de inovação em tecnologias agrícolasCentro de Formação prof issional (em implantação)Programa de Formação de Professores de Nível Básico e Médio

BotsuanaCombate ao HIV-Aids

Autoridade Nacional Palestina

QuêniaCombate ao HIV-Aids

TanzâniaCombate ao HIV-Aids

ZambiaCombate ao HIV-AidsNúcleo de Capacitação Prof issional do Senai (em negociação)

Timor LesteCentro de Formação Prof issionalApoio à reestruturação e fortalecimento dos sistemas de Saúde, Justiça e Previdência SocialCombate ao trabalho infantilPromoção de empregos VerdesProjetos agrícolasProjetos de Segurança Alimentar (merenda escolar, pesca, agricultura familiar, comercialização e distribuição de alimentos)Formação Prof issionalEnsino de português

UcrâniaCombate à Gripe Inf luenza ARecuperação de lençóis freáticos

ArmêniaCursos de atendimento pré-hospitalar

AzerbajãoCurso de capoeira

Líbano

Arábia Saudita

Kuaite

Síria Cazaquistão

Afeganistão

Vietnã

Filipinas

Coréia do Norte

Nauru

República do CongoCombate à malária

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48 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

meio de governos estaduais e municipais e de Organizações Não Governamentais.

Segundo o estudo, três quartos do total de recursos que o Brasil destinou à cooperação internacional nos cinco anos estudados foram contribuições a organismos ou bancos internacionais, como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Panamericana para a Saúde (Opas), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), entre outros. As bolsas de estudos para estrangeiros ficaram com quase 10%, a cooperação técnica com pouco menos de 9% e a assistência huma-nitária, com 5,5% (ver gráfico página 52).

O levantamento global do Ipea, entretanto, não computa os recursos aplicados pelo Brasil em Operações de Paz, por serem verbas posteriormente reembolsadas pela ONU, mas menciona o aumento da participação nacional também nessa área. Metade das 26 Missões de Paz das quais o país participou desde 1957 concentram-se nos cinco anos analisados pelo estudo. O Brasil investiu nessas operações, realizadas em 13 países, R$ 613,6 milhões. A importância dada pelo país a este tipo de ações evidencia-se pela criação, já em 2005, de um Centro de Instrução para Operações de Paz, no Rio de Janeiro.

O aumento da cooperação brasileira tem especial importância numa conjuntura de crise mundial que piorou o acesso da maioria dos países pobres aos mercados, ao mesmo tempo em que retraiu as ajudas internacionais ao seu desenvolvimento, como mostram os Relatórios dos Objetivos do Milênio de 2007 e de 2008. O total dessas ajudas é inferior ao total dos subsídios agrícolas internos praticados pelos países ricos.

O impacto do Brasil na cooperação inter-nacional, porém, não pode ser medido pelo volume de recursos investidos, muito aquém do montante aportado por outros países emer-gentes como Turquia, Coreia do Sul, China e Índia. “Quanto vale ensinar uma comunidade a resolver um problema? Ajudá-los a conhecer e adaptar nossas soluções?”, pergunta João Brígido, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, e um dos autores do estudo.

“Nossa cooperação se pauta por levar as tecnologias e políticas públicas que estão tendo bons resultados no Brasil para os

países em desenvolvimento que o solicitam, sempre elaborando

e empreendendo os projetos junto com eles para que sejam

adequados às suas necessidades e para que possam continuá-los

depois de forma autônoma”

Ministro Marco Farani, diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC)

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Aula para formação técnico profissional de professores de capoeira, em São Tomé e Príncipe, no litoral africano

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49Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

O Brasil está mudando a cooperação internacional com sua nova forma de praticá-la. Enquanto as nações ricas tendem a oferecer programas que são pacotes prontos, fechados, dirigidos principalmente para países nos quais têm interesses geopolí-ticos, o Brasil pauta sua cooperação pelas demandas recebidas e pela construção de projetos com intensa participação dos países beneficiados – e sempre que possível de suas sociedades civis – tanto na definição das prioridades, metas e estratégias, como na implementação das ações e avaliação dos resultados.

É uma cooperação de mão dupla, na qual o Brasil também aprende muito e fortalece seu poder de influência em fóruns interna-cionais, porque estreita suas relações com outros países, amadurecendo o debate sobre temas de interesse comum. As operações de paz no Haiti, por exemplo, auxiliaram na elaboração das estratégias de retomada e pacificação dos morros cariocas. Também o protagonismo que o Brasil logrou em debates internacionais vem em parte de sua atuação salientando a necessidade de ampliação do acesso dos países pobres às drogas contra Aids.

Por outro lado, enquanto as ajudas ao desenvolvimento oferecidas por emergentes como a China vêm sempre condicionadas à obtenção de contrapartidas comerciais ou garantia de acesso a recursos natu-rais, a cooperação brasileira é sempre desvinculada de qualquer pré-condição ou contrapartida. Parte do princípio de que um mundo mais equitativo e mais desenvolvido social e economicamente é mais estável e melhor para todos. Ela se baseia no respeito à soberania das nações e no desenvolvimento de competências locais que permitam aos países manter depois os projetos de forma autônoma.

O diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ministro Marco Farani, explica: “nossa cooperação se pauta por levar as tecnologias e políticas públicas

que estão tendo bons resultados no Brasil para os países em desenvolvimento que o solicitam, sempre elaborando e empreen-dendo os projetos junto com eles para que sejam adequados às suas necessidades e para que possam continuá-los depois de forma autônoma”.

Nossa cooperação não impõe nenhuma contrapartida. Transferimos tecnologias e produtos que não estão protegidos por patentes,

mas essa aproximação pode perfeitamente se desdobrar

depois em negócios

Antonio Carlos do Prado, coordenador de cooperação da Embrapa

Este tipo de cooperação, acrescenta Farani, representa uma ferramenta de política externa “porque projeta internacionalmente o Brasil como um país que contribui para a construção de um mundo mais justo e mais equilibrado, melhora as relações bilaterais, facilitando o diálogo e a busca de consensos em muitas áreas e fóruns internacionais”.

COOPERAçãO TéCNiCA Foi com esta filosofia definida pela ABC que a Embrapa mergu-lhou em cheio na cooperação internacional. Em 2006 estabeleceu dois pesquisadores na África para prospectar necessidades, participar de seminários, debates e reuniões, assim como para organizar a ida de outros técnicos, agilizando a resposta às demandas que surgiam. “Desde então, por orientação da ABC, estamos passando de projetos de capacitação e treinamento de curto prazo para projetos estruturais mais ambiciosos que duram três ou quatro anos”, explica o coordenador de cooperação da Embrapa, Antonio Carlos do Prado.

A partir de um intenso diálogo com governos e instituições locais de pesquisa, a Embrapa definiu e está implementando com eles dois projetos de âmbito regional. São duas fazendas experimentais para testar a adaptabilidade às condições locais de algumas variedades de algodão (em Mali) e de arroz (no Senegal) desenvolvidas no Brasil às condições locais. Além dos testes, as duas unidades também visam capacitar pesquisadores e transferir tecnologia para a produção local das sementes. Para isso, cada uma das fazendas é coordenada por um experiente pesquisador da Embrapa,

Técnicos brasileiros no projeto de manejo e recuperação da cobertura vegetal da bacia do Mapou, no Haiti

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50 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

US$ 100 mil cada, a serem financiados pelo Banco Mundial. O orçamento inicial da plataforma é de US$ 1 milhão, e a tendência é crescer.

Programas sociais e estratégias participativas desenvolvidos no Brasil também vêm sendo foco de crescente interesse externo e objeto de cooperação. O Sistema Único de Saúde (SUS), que universalizou o atendimento à população investindo em prevenção, saúde da família e atenção básica, é um bom exemplo. Ao menos Peru, El Salvador, Equador e Haiti já começam, com a cooperação brasileira, a reestruturar seus sistemas de saúde em bases similares. Outros países vêm manifestando interesse em conhecer o funcionamento do Bolsa Família e alguns já começam a elaborar, com a ajuda do Brasil, programas próprios inspirados nele.

BANCOS DE LEiTE HUMANO Os bancos de leite humano (BLH) são outro grande exemplo da cooperação técnica brasileira. A combinação de baixo custo e eficácia dos métodos de coleta e controle de qualidade desenvolvidos pela Fiocruz possibilitaram ao Brasil estruturar a maior e mais complexa rede de BLH do mundo. Com 78 postos de coleta, 198 bancos e mais de 114 mil doadoras que alimentam

mas todos os outros técnicos são africanos. A unidade de Mali recebe pesquisadores de Burkina Faso, Chade e Benim, enquanto a fazenda experimental de arroz do Senegal conta com trabalhadores de Mali, Mauritânia e Guiné Bissau. O foco na capacitação é tão grande que a Embrapa criou em Brasília um centro para treinamento de técnicos e pesquisadores estrangeiros.

“Nossa cooperação não impõe nenhuma contrapartida. Transferimos tecnologias e produtos que não estão protegidos por patentes, mas essa aproximação pode perfeitamente se desdobrar depois em negócios. Afinal, com este vínculo estabelecido é mais fácil ser escolhido para a compra de insumos e equipamentos agrícolas”, pondera Prado.

Moçambique é o país com o qual a Embrapa tem mais projetos, com o destaque para a Plafatorma de Inovação Agropecuária, desenvolvida em parceria com os EUA, e para o Projeto Pró-Savana, em conjunto com o Japão. Inaugurada no final de 2010, a plataforma é a primeira iniciativa voltada a estimular a pesquisa conjunta com a África. Trata-se de uma rede virtual que permite prospectar interesses comuns e formatar projetos de pesquisa. Em poucos meses, a rede já aprovou oito projetos de

anualmente 100 mil recém nascidos que não podem ser amamentados pelas mães, a rede brasileira tem hoje o dobro das dimensões que tinha em 2001, quando foi premiada pela Assembléia Internacional de Saúde como a iniciativa que mais contribuiu para a redução da mortalidade infantil no mundo.

“A concepção brasileira de olhar para a saúde integral, desperta muito interesse nos outros países, assim como as

políticas e tecnologias sociais. Eles querem saber como se faz para envolver a população nas ações de saúde, como fazemos na gestão do SUS, nos bancos de leite ou no combate à Aids”

Eduardo Botelho,chefe da assessoria internacional do

Ministério da Saúde

O reconhecimento estimulou a demanda e, nos últimos cinco anos, a experiência brasi-leira serviu de modelo para a implantação de bancos de leite humano em 24 países da América Latina, África e até Europa. Tudo isso graças à cooperação brasileira para transferência de tecnologia barata e eficaz, que inclui desde a esterilização de embalagens de alimentos reaproveitadas até estratégias para envolver a comunidade e aproveitar serviços públicos, como os bombeiros, para a coleta.

Mais de 85 mil recém nascidos são beneficiados no exterior por esses BLH que, segundo os estudos, têm potencial de reduzir a mortalidade infantil em cerca de 13%. Diferentemente de outras redes de leite humano, como a dos Estados Unidos, a rede brasileira não mescla todo o leite, mas analisa e classifica cada amostra segundo suas características nutricionais para fornecer a cada recém nascido o leite com perfil mais adequado às suas necessidades. Tecnologia de Banco de Leite Humano é um dos principais exemplos de cooperação técnica brasileira

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Todos esses são exemplos da cooperação brasileira Sul-Sul na área técnica que envolve, sob a coordenação da ABC, cerca de 120 instituições brasileiras e parcerias com quase 70 países. Dentre eles, os que recebem uma parcela maior dos recursos, segundo o estudo do Ipea, são os países de língua portuguesa (27%) e os da América Latina e Caribe (40%), com destaque para o Mercosul (15%). A África absorve cerca de metade dos recursos brasileiros destinados à cooperação técnica, América Latina e Caribe, 40%; e Ásia e Oriente Médio, 11%. Os países que recebem maiores investimentos são Moçambique, Timor Leste, Guiné Bissau, Haiti, Cabo Verde e Paraguai.

Só na área da saúde, o Brasil desenvolve mais de 160 projetos de cooperação Sul-Sul, tendo realizado mais de 100 missões técnicas ao exterior entre 2005 e 2009. Os maiores programas são os relacionados à prevenção da Aids, os de imunizações e os bancos de leite humano, mas há projetos focados também em malária, anemia falsiforme, fármacos, saúde indígena, mental, gestão participativa e até cirurgia cardíaca. Dois terços são na América do Sul e um terço na África, onde as ações se concentram principalmente nos países de língua portuguesa.

Sob a liderança da Fiocruz, a maior parte dos projetos procura formar recursos humanos e construir capacidades em pesquisa, ensino e serviços e na criação ou fortalecimento de instituições como escolas de saúde pública, universidades ou ministérios. O objetivo é romper com a tradicional transferência passiva de conhecimentos e tecnologias e explorar recursos locais por meio do diálogo. A Fiocruz vem dando especial apoio à estruturação de institutos nacionais de saúde pública nos países africanos de língua portuguesa.

“A concepção brasileira de olhar para a saúde integral, cuidando de seus determi-nantes sociais desperta muito interesse nos outros países, assim como as políticas e tecnologias sociais. Eles querem saber como se faz para envolver a população nas ações de saúde, como fazemos na gestão do SUS, nos bancos de leite ou no combate à Aids”, explica Eduardo Botelho, chefe da assessoria internacional do Ministério da Saúde.

Organismos públicos federais, universi-dades e empresas púbicas como Embrapa, Fiocruz, Sistema S (Sebrae, Senai, Senac, Senar), IBGE, Serpro e, inclusive o Ipea, colocam à disposição dos países seus conhe-cimentos técnicos e recursos humanos,

oferecendo capacitações, treinamentos e transferência de tecnologia, além da elaboração conjunta de políticas públicas e estratégias de atuação. No caso da saúde, as ações são encomendadas pela Fiocruz que, em 2008, inaugurou um escritório na África, em Maputo, Moçambique.

COOPERAçãO TRiANGULAR Desde 2007, um número crescente de projetos vem sendo empreendidos por cooperação triangular, com a participação de países desenvolvidos; e, em 2008, a ABC definiu – sempre aten-dendo a demandas – alguns programas de cooperação com organismos internacionais.

Assim, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil tem em execução ou negociação 16 projetos trilaterais de combate ao trabalho infantil e trabalho, melhoria da seguridade social e promoção de empregos verdes. Com o Japão há um projeto de desenvolvimento agrícola da savana tropical em Moçambique; com os EUA um projeto de apoio à inovação tecnológica nesse país; e com a Alemanha há projetos para a disseminação de políticas ambientais para a Amazônia peruana. Mais recentemente, a ABC passou a trabalhar também com instituições estaduais e organi-zações não governamentais de reconhecida capacidade técnica.

Nos últimos anos, a cooperação interna-cional brasileira passou a priorizar projetos estruturantes, ou seja, projetos maiores, mais abrangentes, de longo prazo e com maior efeito multiplicador.

É o caso das duas fazendas experimen-tais da Embrapa na África, dos centros de formação profissional do Senai e Senac em vários países, assim como o programa de estruturação da atenção primária à saúde no Haiti. Projetos estruturantes facilitam a mobilização de diversas instituições brasileiras que podem cooperar de forma complementar, assim como a atração de parceiros para cooperação triangular.

Técnicos de São Tomé e Príncipe recebem capacitação no Amazonas para o combate à malária

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Exemplo muito bem sucedido desses projetos é o Centro de Formação e Capa-citação Profissional de Hernandárias, no Paraguai. Executado em parceria com o Senai, desde que foi inaugurado, em 2002, já formou mais de 10 mil profissionais em 660 cursos nas áreas de eletroeletrônica, metal-mecânica, construção civil, informática e outras especialidades.

“O país aprendeu muito com a experiência.

Não se pode conceber a atuação das Forças Armadas

nos morros cariocas sem a experiência prévia do Haiti”

Marcos Cintra,pesquisador do Ipea

Na área de saúde, outro bom exemplo de projeto estruturante é a fábrica de medica-mentos genéricos contra Aids, que o Brasil está construindo em Moçambique. Além de fornecer os equipamentos e capacitar técnicos locais para operá-los, o país presta assessoria para que os moçambicanos aprendam a obter as certificações necessárias para que possam exportar os medicamentos para os países vizinhos. Dessa forma, uma cooperação que teve início há vários anos com a doação de remédios e capacitação de médicos para acompanhar os pacientes foi se desdobrando em projetos mais ambiciosos dirigidos a aumentar a autonomia e ampliar o acesso dos países africanos às drogas para o tratamento.

Mesmo temas financeiros e de gestão pública começam a ser objeto da cooperação Sul-Sul. Países como a Jamaica já manifestaram inte-resse em conhecer a estratégia financeira que o governo brasileiro arquitetou para renegociar a dívida de estados e municípios, aproveitando a grande oferta de capitais externos. Outros querem saber como um país das dimensões

do Brasil controla os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), ou ainda como a Caixa Econômica Federal faz a gestão de projetos sociais que muitas vezes são de saneamento de bairros. O Ipea está desenvolvendo um trabalho em parceria com a ABC estudando como esses países poderiam se beneficiar desse tipo de soluções desenvolvidas no Brasil.

Aliás, o próprio estudo do Ipea que é tema dessa reportagem será, em breve, objeto de cooperação internacional. A OCDE (Organi-zação para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) faz esse tipo de levantamentos há décadas, mas nunca usou tecnologia da informação para isso. Para o estudo, o Ipea usou um formulário eletrônico (transformado em software público) que já está sendo tradu-zido, porque há vários países interessados tanto em acessar a base de dados como em usar o software.

RADiOGRAFiA DA COOPERAçãO O estudo Coope-ração Brasileira para o Desenvolvimento Internacional 2005-2009, destaca que a assis-tência humanitária a países em situação de emergência ou calamidade foi a modalidade de cooperação que mais cresceu (73 vezes), passando a ocorrer basicamente na forma de

ajuda direta (97%) e não mais intermediada por organizações internacionais. Nessa assistência predominam ações na área de alimentação, saúde, fretes e direitos humanos, com destaque para a doação de suprimentos. Três quartos dessa assistência humanitária se concentra na América Latina e Caribe, mas inclui também ações em outras regiões, sobretudo em questões de grande apelo, como o envio de ajuda a refugiados palestinos.

A segunda modalidade de cooperação que mais cresceu foi a técnica, quase quadrupli-cando o volume de recursos dedicados a ela. Com isso, em 2009, absorveu 13,5% do que o Brasil investiu no desenvolvimento de outros países, quase o dobro do percentual de cinco anos antes. Ela se concentra basicamente na área de agricultura, saúde, administração e segurança pública e está especialmente dirigida à capacitação de recursos humanos.

Mesmo apresentando crescimento rela-tivo mais modesto (de 50%) que os itens anteriores, as verbas que o Brasil destina a organizações internacionais representaram três quartos do total investido em coope-ração entre 2005 e 2009 e 68% do aplicado em 2009. Quase um terço desses aportes a organismos internacionais foi para o Fundo de Convergência Estrutural e de Fortaleci-mento Institucional do Mercosul (Focem),

Contrib. p/ Org. Internac.(variação + 66%)

Cooperação Técnica(variação + 252%)

Bolsas de estudo para estrangeiros(variação + 21%)

Assistência Humanitária(variação + 7240%)

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0,002005 2006 2007 2008 2009

Gráfico 1: Cooperação Brasileira para o desenvolvimento de outro países 2005-2009

Fonte: Ipea/Cooperação brasileira para o Desenvolvimento Internacional 2005-2009

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O resultado dessas ações, além da excelente convivência

das forças de paz com a população local, foi que os

índices de violência caíram a níveis menores que os dos países vizinhos e a

economia haitiana voltou a crescer, resistindo à crise

financeira internacional e aos furacões de 2008

destinado a reduzir as disparidades regionais. O que mais cresceu, entretanto, foram as contribuições brasileiras para organismos internacionais como a ONU, Opas e OMS – quase triplicaram. O restante foi destinado a outros fundos de bancos regionais que financiam projetos de redução da pobreza em países de baixa renda, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial (Bird) e Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).

O HAiTi é AQUi As ações de cooperação que o Brasil implementa no Haiti talvez sejam um dos melhores exemplos sobre o que significa cooperar para o desenvolvimento e sobre como estabilidade política é indissociável do combate à pobreza.

Desde 2004, quando passou a liderar a Missão das Nações Unidas para a Esta-bilização do Haiti (Minustah), o Brasil rompeu com a visão simplista de soluções puramente militares para instabilidades que se originam em problemas sociais, políticos e econômicos e defendeu que as tarefas da Minustah deviam incluir: a promoção do diálogo de reconciliação nacional; assistência humanitária; e o fortalecimento institucional do Estado, sobretudo nas áreas de direito e promoção do desenvolvimento econômico e social. De fato, o Brasil defendeu essa posição desde que a necessidade de uma missão de paz no Haiti começou a ser debatida na ONU.

O resultado foi uma missão de paz abrangente, multifacetada e integrada, na qual as forças de paz realizaram até obras de infraestrutura – como a pavimentação de vias públicas da capital por demanda das autoridades – engajando-se no enfrentamento das verdadeiras causas do conflito: a fome, a pobreza, a fragilidade das instituições democráticas.

Para além do comando da Minustah, o Brasil também se engajou num amplo programa de cooperação que só se expandiu desde então. Na área agrícola e de segurança

alimentar, estabeleceu uma unidade de vali-dação de tecnologias agrícolas em parceria com o governo do Haiti; tem projetos para o aprimoramento da produção de arroz, feijão, milho, mandioca e hortaliças e projetos para o fortalecimento da agricultura familiar. Na área de meio ambiente, executa manejo e reconstituição da cobertura florestal, devastada por chuvas e furacões.

Na saúde, implementou o programa de imunização e está ajudando a estruturar a atenção básica, com a formação de profissionais e agentes de saúde da família, da gestante e da criança. Para garantir o

abastecimento de água potável, coopera para a construção de 70 cisternas comu-nitárias para captação e armazenamento de água da chuva.

O resultado dessas ações, além da exce-lente convivência das forças de paz com a população local, foi que os índices de violência caíram a níveis menores que os dos países vizinhos e a economia haitiana voltou a crescer, resistindo à crise financeira internacional e aos furacões de 2008.

Boa para o Haiti, essa cooperação trouxe dividendos também para o Brasil: “o país aprendeu muito com a experiência. Não se pode conceber a atuação das Forças Armadas nos morros cariocas sem a experiência prévia do Haiti”, diz Marcos Cintra, um dos pesqui-sadores do Ipea responsável pelo estudo.

No final de 2009, a ONU discutia uma estratégia de saída das forças militares da Minustah e sua substituição por forças civis, quando o país foi devastado por um terremoto que deixou 220 mil mortos, 300 mil feridos, 1,3 milhão de desabrigados e perdas materiais equivalentes a 120% do PIB (Produto Interno Bruto) haitiano. A despeito das dimensões da tragédia, o terremoto não chegou a comprometer os progressos logrados pela Minustah em termos

Envio de medicamentos ao Haiti. Operação envolve também educação, agricultura e segurança

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(UBAS), ações de fortalecimento da vigilância sanitária e capacitação de técnicos em saúde.

Além disso, o Senai está construindo um Centro de Formação Profissional no Haiti e a Polícia Federal colabora para a capacitação da política nacional. Já foram assinados também projetos para a construção do Instituto Haitiano de Reabilitação de Pessoas com Deficiência e o treinamento de pessoal para a implantação de um programa de reabilitação.

Entre os inúmeros projetos em nego-ciação há um segundo centro de formação profissional (do Senac); a construção de um parque tecnológico com pequenas usinas de reciclagem de escombros para posterior capacitação de pessoal em técnicas de construção civil e eficiência energética que usem os materiais reciclados; e um projeto voltado a fortalecer a capacidade política e institucional do país para promoção dos direitos das pessoas com deficiência.

BRASiL LÍDER NO COMBATE à AiDS Não, o Brasil não desenvolveu nenhum dos mais avançados medicamentos contra a Aids, mas lidera a cooperação internacional para que os países

de segurança e consolidação institucional. A ordem pública, ainda que frágil, se manteve.

Como ajuda humanitária emergencial, o Brasil enviou ao Haiti mais de 800 toneladas de alimentos e medicamentos, aumentou seu efetivo no país em 900 militares, além de médicos voluntários, US$ 200 milhões em assistência de emergência, 500 bolsas de conclusão de graduação e pós para estu-dantes haitianos e ainda imprimiu cédulas de moeda haitiana.

A Minustah ajudou na reconstrução física e na assistência humanitária, empregando nessas ações materiais e mão-de-obra produ-zidos no mercado local, a fim de estimular a geração de empregos e o mercado interno. Com o mesmo intuito, o Brasil passou a defender em fóruns internacionais que fossem eliminadas todas as tarifas para a importação de manufaturados fabricados ou montados no Haiti.

O terremoto ampliou os esforços do Brasil no Haiti. Em menos de um mês, o Congresso converteu em lei a medida provisória que destinava R$ 135 milhões para a recuperação do sistema sanitário do país, com a doação de quatro unidades básicas de assistência sanitária

em desenvolvimento – os mais afetados pela epidemia – consigam implementar, com auto-suficiência crescente, programas de tratamento e prevenção, e para que tenham acesso aos medicamentos.

“Essa forma de trabalhar ouvindo as necessidades, discutindo as propostas e respeitando a agenda do país tem feito toda a

diferença e recebido muito reconhecimento”

Mauro Figueiredo, chefe da divisão de projetos de cooperação do

Ministério da Saúde

Em 1996, porém, quando lançou o programa baseado na universalização do fornecimento da terapia na rede pública, a comunidade internacional encarou com ceticismo: não viam o Brasil em condições de gerenciar um programa que implicava implementar sofisticadas terapias em dezenas de milhares de pacientes.

O reconhecimento veio um ano depois, com os primeiros resultados: queda substancial das doenças oportunistas, das internações e da mortalidade por Aids, adesão similar à dos países desenvolvidos, sem aparecimento de altos níveis de resistência viral. E o mais surpreendente: boa relação custo-benefício – o investimento representou economia expressiva de recursos gastos com o tratamento das consequências da doença.

Com isso, o programa nacional de combate à epidemia tornou-se uma referência internacional e, em 2001, foi premiado pela ONU. Hoje, 23 países da América Latina, Ásia e, sobretudo, África mantêm projetos de prevenção e tratamento da Aids estruturados a partir da cooperação brasileira e sete deles utilizam medicamentos fabricados e doados pelo Brasil.

A cooperação internacional do Brasil para o combate à Aids teve início primeiro com

Embaixador do Brasil em Moçambique, Antônio José Maria de Souza e Silva, assina acordo de cooperação de projetos na área de saúde com o Ministro moçambicano Paulo ivo Garridova

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O Brasil é ainda um dos principais responsáveis por

organizar a Conferência Mundial sobre os Determinantes

Sociais da Saúde

os países de língua portuguesa da África, para os quais foi organizado um curso para o planejamento, implementação e avaliação de programas. Em 1999, por demanda das embaixadas locais, o país passou a colaborar também com África do Sul, Namíbia, Quenia e Zimbabwe. Foram feitas duas missões para diagnóstico e discussão com esses países das áreas de interesse mútuo para cooperação.

Todos os técnicos que atuam na área frisam: não se trata de exportar o modelo brasileiro, mas de aproveitar as lições da experiência nacional. Por isso, a cooperação vai do planejamento conjunto das ações de prevenção e combate à capacitação de recursos humanos locais para sua implementação, gerenciamento e avaliação até, em vários casos, a doação dos remédios. Em 2009, mais de 4 mil pessoas desses países eram tratadas com medicamentos doados pelo Brasil.

“Essa forma de trabalhar ouvindo as neces-sidades, discutindo as propostas e respeitando a agenda do país tem feito toda a diferença e recebido muito reconhecimento”, diz Mauro Figueiredo, chefe da divisão de projetos de cooperação do Ministério da Saúde.

Além da cooperação bilateral, o Brasil tem influído de maneira decisiva nos fóruns internacionais para ampliar e melhorar o formato da cooperação multilateral para o combate à Aids, aumentando o protagonismo dos países beneficiários nos programas. O Brasil é o idealizador, por exemplo, do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, criado pela ONU em 2001. Desde então, com recursos obtidos com doações de países desenvolvidos, o fundo já financiou US$ 19,8 bilhões em projetos que são admi-nistrados sempre por organizações indicadas pelos países beneficiários. Também fomenta iniciativas voltadas a garantir o acesso aos medicamentos, como a Estratégia Mundial sobre Inovação, Propriedade Intelectual e Saúde Pública na Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em 2005, com o objetivo específico de criar capacidades técnicas locais e susten-

táveis para a implantação dos programas nacionais de combate à Aids, o Brasil criou o Centro Internacional de Cooperação Técnica em HIV e Aids, em parceria com o Programa Conjunto sobre HIV/Aids das Nações Unidas (Unaids).

No mesmo ano, o país lança o compro-misso de prover os anti-retrovirais que fabrica – os genéricos usados nas primeiras fases do tratamento – a todos os pacientes de países lusófonos em desenvolvimento (Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste), além de Bolívia e Paraguai. Também se envolve em ações de capacitação para a auto-suficiência para o manejo clínico, em ações de prevenção e de fortalecimento da sociedade civil.

“Hoje nos centramos em estruturar programas de DST/Aids mostrando aos outros países como trabalhar com a socie-

dade civil nesse processo, porque esse foi um elemento essencial para o sucesso do programa brasileiro”, explica Figueiredo.

O que o país ganha com isso? Carlos Passa-relli, do Programa de Cooperação em Aids do Ministério da Saúde, destaca que o Brasil aprende muito com a troca de experiências, vendo novos enfoques e ângulos de problemas que não tem solucionado internamente: “Além disso, ganhamos novos aliados para debater nos fóruns multilaterais temas como a importância de estratégias específicas para o combate à epidemia nos grupos mais vulneráveis ou sobre as barreiras para o acesso universal ao tratamento, a necessidade de flexibilizar a propriedade intelectual para medicamentos de alto custo, entre outros. De fato, a cooperação internacional é a principal responsável pela América do Sul estar falando em uníssono pela primeira vez na Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre várias questões, entre as quais a defesa do acesso aos medicamentos”. O Brasil é ainda um dos principais respon-sáveis por organizar a Conferência Mundial sobre os Determinantes Sociais da Saúde, a ser realizada no Rio de Janeiro, em outubro de 2011, conclui Passarelli.

Fazenda experimental da Embrapa no projeto Apoio ao Desenvolvimento da Rizicultura do Senegal

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Sobre a formulação de indicadores de avaliação

ArtIgo

A cooperação brasileira para o desenvolvimento realiza-se na implementação de ações de apoio a países com dificuldades na supe-

ração de obstáculos ao seu desenvolvimento socioeconomico. Essa cooperação se utiliza de práticas desenvolvidas internamente que são repassadas aos parceiros mediante processo de adaptação às realidades locais. Trata-se de abordagem que vem sendo aperfeiçoada em anos recentes, consistente com uma visão contemporânea da realidade e da sociedade e alinhada ao projeto de nação concebido na Constituição de 1988.

As modalidades dessa cooperação ganharam em importância não pelo montante de recursos financeiros investidos pelo Poder executivo, mas pela qualidade, flexibilidade e consistência das respostas acumuladas nas instituições e pela efetiva participação de órgãos e entidades públicas, universi-dades, organizações da sociedade civil e da iniciativa privada.

A abordagem brasileira busca a horizonta-lidade na relação entre parceiros, eliminando a prevalência de condicionantes econômicas e comerciais e qualquer medida de caráter intervencionista. Nesse sentido, mais de setenta organismos públicos estão compar-tilhando suas experiências e boas práticas no âmbito da cooperação internacional na América Latina, África e Ásia.

A cooperação brasileira tem se ajustado às determinantes que caracterizam as relações Sul-Sul e ocorre simultaneamente ao crescente protagonismo do país na comunidade inter-nacional e à superação das metas relacionadas à redução da pobreza estabelecidas nos

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) acordados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

O Brasil investiu R$ 2,9 bilhões em assistência humanitária, bolsas de estudo para estrangeiros e cooperação técnica, científica e tecnológica e com as contri-buições para organizações internacionais; bancos regionais no período de 2005 a 2009 conforme dados que constam no estudo intitulado Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional 2005-2009. Entretanto, esse número não valora os aspectos de competência, apren-dizagem organizacional e fortalecimento institucional, por exemplo, repassados aos profissionais locais na superação de problemas de crescente complexidade que prevalecem no ambiente em que atuam em seus países e regiões.

Em outras palavras e a título de exemplo, o valor da hora técnica do perito brasileiro da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa); ou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ou do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) possibilita o cálculo dos recursos investidos pelo governo brasileiro, mas não tem consistência quando adotado como indicador da qualidade da cooperação técnica, científica e tecnológica na formulação ou no suporte dado a proce-dimentos de aperfeiçoamento de política macroeconômica, ou na implementação de unidades de saúde para o atendimento permanente às populações; ou na execução de técnicas de manejo e de reconstituição da cobertura vegetal em áreas devastadas.

Competências adequadas e interdisci-plinares que caracterizam a cooperação brasileira fortalecem as organizações dos países no enfrentamento dos problemas locais e têm merecido grande aceitação, reforçando a necessidade de apreciação mais detida de aspectos conceituais da abordagem brasileira em uso.

Ao mesmo tempo em que se reconhece a magnitude do levantamento, sua relevância e o significado do trabalho desenvolvido no resgate dos investimentos realizados pelo governo federal na cooperação internacional para o desenvolvimento, é importante atentar quanto à ingente necessidade de se promover debates sobre aspectos conceituais e de aprimoramento dos procedimentos de registro e de carac-terização das ações de apoio a países com dificuldades na superação de obstáculos ao seu desenvolvimento no momento em que se vivencia crescente internacionali-zação das instituições públicas federais brasileiras.

É patente a deficiência de indicadores para a avaliação da qualidade das modalidades adotadas na cooperação para o desenvol-vimento e uma simultânea adequação dos procedimentos em uso. O levantamento dos recursos investidos não expressa a eficiência das ações e não possibilitam aos governos uma maior clareza da situação, permitindo-lhe planejar de forma mais eficaz o direcionamento das políticas públicas a partir de indicadores confiáveis e atualizados.

João Brígido Bezerra Lima é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

J o ã o B r í g i d o B e z e r r a L i m a

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Mapeando a Cooperação para o desenvolvimento

ArtIgo

A lguns países em desenvolvimento vêm crescendo mais rapida-mente do que os desenvolvidos há algum tempo, sobretudo,

durante a última década. Nações como Brasil, Índia e China passaram a ter maior participação na economia inter-nacional e, por conseguinte, aumentaram sua parcela no comércio global. Índices econômicos mostram que este crescimento é acompanhado por melhorias relativas na condição socioeconômica de parcela de suas populações, em setores como educação, saúde, combate à fome e à miséria e avanços em direitos humanos. No Brasil, essas melhorias são mostradas por meio de índices que comprovam que será possível cumprir com todas as metas dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, antes do prazo de 2015. E, não obstante os desafios do desenvolvimento que ainda precisam ser contornados internamente, o país tem feito sua parte em contribuir com que outros aprimorem sua condição social, econômica e humanitária.

Neste sentido, o lançamento do estudo de Cooperação Brasileira para o Desenvol-vimento Internacional é a primeira tentativa do governo federal de sistematizar todos os dados da cooperação brasileira. O caráter inédito do documento possibilita que se tenha, de forma organizada, ciência de fração significativa das ações nacionais no âmbito da Cooperação Sul-Sul e explicita que as formas e modalidades de cooperar brasileira aproximam-se daquelas oferecida pelos países desenvolvidos, com contornos mais amplos e natureza mais complexa do que se imaginava. A ajuda prestada ultrapassa

o modelo clássico de “cooperação técnica entre países em desenvolvimento” (CTPD), englobando, igualmente, modalidades como a assistência humanitária, a concessão de bolsas de estudo a estrangeiros, contribui-ções a organismos internacionais e bancos regionais, participação em missões de paz e auxílio a refugiados. Esta é a realidade da cooperação brasileira, engajada em inicia-tivas de intercâmbio tecnológico e expertise, parcerias interinstitucionais, cooperação financeira e promoção de investimentos. Ao mesmo tempo, os programas brasileiros diferenciam-se da contribuição dos países desenvolvidos, pois costumam apresentar maior preocupação com temas como a habi-litação do comércio internacional, inovação tecnológica, geração de emprego e renda, muito mais do que com a boa governança e transparência.

As ações de cooperação podem ser consideradas como investimentos que, futuramente, resultariam em ganhos de segurança, ao promover estabilidade de regiões vizinhas e de interesse nacional; em ganhos econômicos e comerciais, com a aproximação internacional como fator propulsor para negócios; e em ganhos políticos, ao possibilitar a concerto de decisões em arenas internacionais, com a inclusão de temas caros aos países do eixo sul, como o do desenvolvimento. Além disso, as trocas de experiências e a trans-missão de conhecimento adquirido por meio de políticas públicas bem-sucedidas ajudam a consolidar posições comuns em diversos setores.

No entanto, se por um lado, o estudo permitiu que se tivesse um conhecimento

dos dados da cooperação prestada, por outro, explicitou desafios que ainda precisam ser trabalhados. Primeiramente, faz-se neces-sário persistir no estudo metodológico da pesquisa, bem como no aperfeiçoamento do registro dos dados nas instituições executoras do governo federal, com vistas a retratar por meio de levantamento, cada vez melhor, as ações do Brasil, incluindo atos de reestruturação de dívida e créditos subsidiados. E, posteriormente, adentrar em modelos de avaliação da cooperação internacional.

Apenas a vontade política de investir recursos em ações de cooperação inter-nacional para o desenvolvimento tem se mostrado insuficiente para alterar o hiato de desenvolvimento existente entre os países desenvolvidos e em desenvolvi-mento, ou entre estes. Para tanto, faz-se ainda necessário esforço para se avaliar e monitorar a ajuda, de forma a explicitar os reais impactos na sociedade e de otimizar as iniciativa, ao identificar os desperdícios ao longo do processo.

Por fim, a participação do país em trazer estratégias para sanar o desafio do desen-volvimento anda em passo mais largo que a capacidade do legislador de prever tais mecanismos. A lacuna legislativa existente na área da assistência humanitária e da cooperação técnica são exemplos de que o tema é ainda incipiente no debate interno, mas também de que existe a vontade de se progredir cooperando com outros países na busca pelo desenvolvimento.

Guilherme de Oliveira Schmitz é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

g u i l h e r m e d e o l i v e i r a S c h m i t z

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OBSERVAT RIOlatino-americano

Haiti

Um ano após terremoto, caos e desespero ainda marcam o país

Pesquisa

Empresas latino-americanas entre as mais otimistas do mundo

Livre circulação

Mercosul terá placa de veículos unificada

Milto

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BNSP

Os veículos dos países que integram o Mercosul deverão rodar usando placas unificadas dentro de até dez anos. A medida vai permitir a livre circulação de carros, motos, ônibus e caminhões entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai.

A unificação das placas foi aprovada pelos chanceleres dos países do bloco, que participam de encontro em Foz do Iguaçu, em dezembro de 2010. A placa será igual para os países do Mercosul, com uma alusão ao bloco, mas a combinação alfanumérica vai continuar a ser determinada por cada uma das autoridades nacionais.

Segundo o Itamaraty, hoje os veículos de carga e de passageiros (ônibus e caminhões) circulam entres esses países com o Certificado de Inspeção Técnica Veicular que atesta o cumprimento das condições de segurança para o deslocamento na região. Esses veículos serão os primeiros a receber a placa do Mercosul, o que deve ocorrer a partir de 2016. Em 2018, as placas começarão a identificar também os veículos novos.

As empresas latino-americanas são as mais otimistas do mundo em relação ao comportamento da economia em 2011. A conclusão é da companhia internacional de contabilidade Grant Thornton. De acordo com a pesquisa, os empresários latino-americanos mostram um índice líquido de otimismo de 75%, em uma escala entre -100% (pessimismo total) e 100% (otimismo total).

As empresas chilenas são as mais otimistas com a economia em 2011, com um índice líquido de 95%. O Brasil aparece em quinto

entre os 39 países pesquisados, sendo o segundo país latino-americano com o maior índice de otimismo (79%). Além do Chile e do Brasil, a pesquisa mostra um grande otimismo entre as empresas argentinas (70%, em 10º lugar no ranking) e mexicanas (64%, em 14º).

O otimismo das empresas brasileiras está em seu maior nível desde que o país começou a ser incluído na pesquisa, em 2007, quando o índice ficou em 47%. No ano passado, o índice de otimismo das empresas brasileiras foi de 71%.

O terremoto no Haiti gerou comoção mundial e reações por parte de organizações estrangeiras, de entidades civis e da comunidade internacional. Mas, depois de um ano do tremor ainda há um milhão de pessoas em alojamentos improvisados. Responsável pela morte de 3.481 pessoas e o registro de 157 mil casos de contaminação, a epidemia de cólera agrava a situação de alerta. Imagens de prédios destruídos, lixo e falta de estrutura básica ainda marcam o país.

A Organização das Nações Unidas (ONU) informou que apenas 19% da população no Haiti tem acesso à água, ao saneamento e à higiene. Para especialistas, o baixo acesso às condições de higiene explica o agrava-mento das epidemias. A falta de comida e

de emprego é outro fator de preocupação

das entidades estrangeiras.

A expectativa era que o país recebesse

um bilhão de dólares, mas apenas 72% desse

valor foram repassados, registrando deficit de

US$ 400 milhões. Há promessas de repasses de

US$ 3 bilhões, que serão investidos em

projetos de diferentes áreas. Só para o controle

da cólera são necessários US$ 174 milhões.

Colin

Cro

wley

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59Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Unasul

Bloco aprova protocolo contra golpes no continente

Os líderes da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) aprovaram, no final de 2010, a criação de um protocolo “antigolpe” na América do Sul, que prevê sanções econô-micas e políticas a países cujos governos democráticos sofram atentados.

O “protocolo democrático” estabelece a suspensão dos países do âmbito da Unasul que sofram um golpe de Estado e autoriza os países vizinhos a aplicar um bloqueio comercial.

Elaborada pelo Equador, que passou a presidência temporária do bloco à Guiana, a proposta chegou a gerar desentendimento entre os chanceleres da região sobre seus critérios de aplicação. Mas o documento final foi aprovado pelos presidentes.

A medida chancelada pelo bloco pode ajudar a evitar o efeito cascata de desestabi-lização na região, tendo como precedente a deposição do presidente hondurenho Manuel Zelaya, no ano passado.

Cepal

América Latina e Caribe devem crescer 6% em 2010

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) estima que a economia da região vai crescer em torno de 6% em 2010, uma significativa recuperação em relação à queda de 1,9% no ano anterior.

A recuperação será dirigida especial-mente pelos países da América do Sul, com o Brasil à frente, em razão de sua impor-tância econômica. Mas o Brasil não terá o maior crescimento percentual da região, apesar da Comissão calcular expansão de 7,7% para a economia nacional.

De acordo com relatório divulgado em dezembro do ano passado, pela secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, em Santiago do Chile, as maiores evoluções ocorrerão no Paraguai (9,7%), Uruguai (9%), Peru (8,6%) e Argentina (8,4%).

As estimativas técnicas da Cepal apontam ainda crescimentos de 7% para

a República Dominicana, 6,3% para o Panamá, 5,3% para o Chile e o México. Os demais países da região terão expan-sões abaixo de 4%, enquanto Venezuela e Haiti terão retrações de 1,6% e de 7%, respectivamente.

Técnicos da Cepal estimam que para 2011 o crescimento regional será de 4,2% e que o Haiti deve liderar o crescimento, em torno de 9%, por causa da ajuda externa para reconstrução do país, depois do terremoto de janeiro de 2010.

Stoc

k

Eleições

Quatro países latino-americanos vão eleger novos presidentes em 2011A América Latina terá neste ano um

período de eleições presidenciais. Em quatro países – Peru, Guatemala, Argentina e Nicarágua – os eleitores irão às urnas para escolher o novo chefe de Estado. No México e na Venezuela, as eleições estão marcadas para 2012. Os primeiros a viver o clima de campanha serão os peruanos, em abril.

No Peru, quatro candidatos têm possi-bilidade de suceder o atual presidente, Alan Garcia. São eles Luis Castillo e Alejandro Toledo, além de Keiko Fujimori (filha do ex-presidente Alberto Fujimori) e Ollanta Humala.

Na Guatemala, a corrida às urnas será em setembro. Uma das candidas é Sandra Torres, a atual primeira-dama, mulher do presidente Álvaro Colom. Também disputa as eleições o ex-general Otto Pérez Molina.

Os argentinos escolherão o sucessor da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em outubro. A morte do ex-presidente Néstor Kirchner, no fim do ano passado, deixou um vazio no cenário político local, segundo especia-listas. Na lista de candidatos estão Elisa Carrió, Fernando Pino e o vice-presidente Julio Cobos.

Em novembro, será a vez de os eleitores da Nicarágua irem às urnas. O atual presi-

dente, Daniel Ortega, tenta a reeleição, mas na disputa estão também os candidatos Arnoldo Alemán e Fabio Gadea.

No México, ao longo deste ano, serão esco-lhidos governadores de 11 estados. O governo federal, comandado pelo presidente Felipe Calderón, lançou uma campanha nacional e pede o apoio dos governos estaduais no combate aos grupos organizados que atuam no tráfico humano e de drogas.

Stoc

k

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60 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Divu

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ão

Cena do filme “Minhocas”. Empresa incubada desenvolve primeiro longa-metragem brasileiro de animação stop-motion.

questões do

Desenvolvimento

Inovação em pauta

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61Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

C onsiderados habitats de inovação, os parques tecnológicos tornam-se, cada vez mais, ferramentas estra-tégicas para o desenvolvimento

econômico e tecnológico na economia do conhecimento. Ponte entre universidade e mercado, são responsáveis por desenvolver novos produtos, abrigar centros de pesquisa de grandes empresas, e dar suporte a novos empreendimentos, a partir das incubadoras.

Surgem da integração entre universidades, institutos de pesquisa, setor privado e órgãos públicos, para assegurar o desenvolvimento de atividades intensivas em conhecimento e tecnologia, com a criação de um ambiente favorável ao surgimento de novas empresas de base tecnológica. É muito comum que grandes empresas desenvolvam centros de pesquisa nesses habitats de inovação. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras, por exemplo, está localizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, emprega duas mil pessoas distribuídas em uma área de 122 mil metros quadrados.

As incubadoras e parques têm como objetivo criar novas gerações de líderes empresariais, que nasçam com a inovação no DNA. “As empresas de um país como o Brasil precisam ter três características: inovadoras, sustentáveis e globais”, afirma Guilherme Ary Plonski, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec).

O Brasil possui parques tecnológicos de inovação em quase todos os estados, com exceção do Acre e de Roraima. As 400 incuba-doras do país e 42 parques tecnológicos abrigam

oito mil empresas e já graduaram, ou seja, já lançaram no mercado 1,7 mil novos empre-endimentos. Estimativas mostram que esses negócios geram uma receita de R$ 3,5 bilhões por ano e criam 35 mil empregos diretos de mão de obra qualificada.

No Brasil, a inovação é vista como questão de política pública desde 2004, quando foi regulamentada a Lei 10.973, para criar um ambiente adequado para que as empresas inovem, enfatizando principalmente programas cooperativos entre setor produtivo e Insti-tuições Científicas e Tecnológicas.

Os habitats de inovação estimulam um movimento empreendedor no entorno, “os mecanismos de incubação completam o triângulo do crescimento formado por pesquisa, ensino e inovação, já que 85% dos parques e incubadoras do país estão próximos a universidades, onde estão 80% dos pesquisadores”, explica Plonski, acres-centando que a meta é criar dez mil empresas inovadoras até 2020.

ParquEs do futuro Um dos modelos de parques existentes no país, o Sapiens Parque, localizado na cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, possui 4,5 milhões de m2 e deve abrigar o Instituto do Petróleo, da Petrobras e um laboratório de farmacologia pré-clínica do Ministério da Saúde, ambos em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina. “Queremos consolidar um grande shopping de inovação”, explica o diretor executivo do Sapiens, José Eduardo Fiates, destacando as quatro áreas conside-

Parques tecnológicos e incubadoras de empresas auxiliam setor produtivo a inovar e garantem desenvolvimento tecnológico ao país

radas de base: experiência, ciência, arte e meio ambiente.

1,7mil

novos empreendimentos ja foram lançados no mercado

Dez empresas de grande e pequeno porte já atuam no parque, desde a inauguração do marco zero, em abril de 2006. A AnimaKing, por exemplo, instalada em 2007, desenvolve animações gráficas para televisão e cinema e os 22 profissionais trabalham no primeiro longa-metragem brasileiro de animação stop-motion, chamado “Minhocas”, com previsão de lançamento para este ano.

Os novos parques tecnológicos que estão surgindo no mundo têm como objetivo não só desenvolver novos produtos e empreen-dimentos, como também atrair pessoas com opções de cultura, lazer e educação. Isso porque o conceito original de um parque comum, como um espaço dedicado somente a empresas, está mudando. “Devem ser criados espaços mais abertos, para os quais não serão atraídas somente empresas, mas também pessoas, os chamados trabalhadores do conhecimento. Portanto, serão áreas habitadas, bairros, onde

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62 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

há residências, espaços para lazer, colégios e também incubadoras e empresas, explica Maurício Guedes, presidente da Associação Internacional de Parques Tecnológicos.

Outro exemplo é o Porto Digital, parque tecnológico localizado no Bairro do Recife, na

entidade realizar contratos de gestão com o setor público, auxiliou a promoção da interiorização do conhecimento no estado de Pernambuco, bem como a revitalização daquele bairro histórico de Recife. Um dos principais destaques do parque é o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), que possui 95 empresas, 400 funcio-nários e parcerias com IBM e Microsoft, entre outras do setor. No total, o parque possui 135 empreendimentos.

InCubadoras As incubadoras possuem a função de fazer com que projetos tornem-se empresas, que depois do estágio de incubação podem lançar seus produtos no mercado. Além de espaço físico para a instalação de escritórios ou laboratórios, as incubadoras oferecem salas de reunião, auditórios, área para demonstração dos produtos, secretaria e bibliotecas, além de consultorias gerenciais e tecnológicas, que configuram os mais importantes serviços. Assim, o empreen-

Mapa da Inovação – Instituições científicas e parques tecnológicos distribuidos por região

os ícones são referentes às regiões brasileiras:

instituições Científ icas e tecnológicas (iCt)

Parques tecnológicos em operação ou em implantação Fontes: MCT e ANPROTEC - Cora Dias

16

36

15

59

17132

133

6

região nordesteCeará: Lei nº 14.220, de 16 de outubro de 2008

Pernambuco: Lei nº 13.690, de 12 de dezembro de 2008

Alagoas: Lei nº 7.117, de 12 de novembro de 2009

Sergipe: Lei nº 6.794, de 02 de dezembro de 2009

Bahia: Projeto de Lei nº 17.346/2008

região sudesteMinas Gerais: Lei nº 17.348, de 17 de janeiro de 2008

Espírito Santo: Lei Municipal nº 7.871, de 21 de dezembro de 2009

Rio de Janeiro: Lei nº 5.361, de 29 de dezembro de 2008

São Paulo: Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008

região sulSanta Catarina: Lei nº 14.348, de 15 de janeiro de 2008

Rio Grande do Sul: Lei nº 13.195, de 13 de junho de 2009

região Centro-oesteMato Grosso: Lei Complementar nº 297, de 7 de janeiro de 2008

região norteAmazonas: Lei Estadual nº 3.095, de 17 de novembro de 2006

capital pernambucana. Assim como grande parte dos parques tecnológicos, o Porto Digital surgiu a partir de uma universidade, o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Estruturado como organização social, o que permite à

nico

lau P

riant

e Fil

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Incubadoras sociais ganham impulso no brasil. na foto, processamento de couro de jacaré na Coorimbatá (Ms)

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63Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

dedor pode se dedicar mais à pesquisa e ao desenvolvimento do produto até que ele tenha viabilidade de estar no mercado.

Para receber esse serviço, a empresa incu-bada precisa pagar uma taxa de condomínio. No caso do Centro Incubador de Empresas (Cietec) – espaço de empreendedorismo e inovação de São Paulo que está situado na cidade universitária da Universidade de São Paulo (USP) e é a maior incubadora do país –, o condomínio para empresas residentes é de R$ 1 mil. As 122 empresas do Cietec, desde sua criação em 1998, já receberam R$ 58,2 milhões em recursos de programas como os da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É a partir desses financiamentos que as empresas desenvolvem seus projetos para que, num período de três anos, possam ser graduadas e chegar à fase mercadológica.

Em doze anos de incubação, as empresas do Cietec faturaram cerca de R$ 175,8 milhões. As exportações renderam às incubadas U$ 290 mil. De acordo com José Carlos Lucena, do Cietec, 30% das empresas incubadas fecham – o mesmo índice das empresas da incubadora que obtêm sucesso no mercado nacional.

Outro modelo que começa a ganhar impulso no país é o de incubadoras sociais. Também ligadas a universidades e centros de pesquisa, essas incubadoras auxiliam o desenvolvimento econômico de comunidades de baixa renda. É o caso da Arca Multincu-badora, vinculada ao escritório de inovação tecnológica da Universidade Federal do Mato Grosso, e que abriga a Cooperativa de Pescadores e Artesãos de Pai André e Bonsucesso (Coorimbatá).

Com a ajuda de pesquisadores da universi-dade, a Coorimbatá, criada em 1997, conseguiu prospectar novos negócios, além da pescaria e do processamento da carne de um peixe abundante no Rio Cuiabá, o Curimbatá. Hoje, 36 cooperados atuam no processamento de frutas regionais na forma de passas e doces, e outros 50 cooperados trabalham no processamento da carne de jacaré, vinda de abates na cidade de Poconé.

Porto digital, parque tecnológico localizado na capital pernambucana, auxiliou a promoção do conhecimento e a revitalização do bairro do recife

Além de espaço físico para a instalação de

escritórios e/ou laboratórios, as incubadoras oferecem

salas de reunião, auditórios, área para demonstração dos produtos, secretaria

e bibliotecas, além de consultorias gerenciais e

tecnológicas, que configuram os mais importantes serviços

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64 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Encilhamento: crise financeira e República

HIST RIA

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65Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

1900, São Paulo, SP. Largo do Tesouro

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A umento do trabalho assalariado, grandes levas de imigrantes estran-geiros, forte crescimento industrial, e aceleração do dinamismo das

atividades econômicas. Este era o cenário exuberante vivenciado no Brasil após a proclamação da República, em 1889. O reverso destas mudanças, entretanto, foi a crise que se abateu sobre o país nos anos 1890 e 1891, particularmente nas praças comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo. A turbulência econômica ficou conhecida como Encilha-mento, expressão extraída do vocabulário utilizado em hipódromos, e que designava o clima de confusão, desordem e febril jogatina que reinava nos locais das corridas onde os jóqueis encilhavam seus cavalos.

No final do Império a riqueza do Brasil dependia das atividades rurais: 80% da produção agrícola tinha por destino a expor-tação. A venda de café, açúcar e borracha ao exterior gerava recursos em moedas estrangeiras, necessários para o consumo e formação de capital nacional, além de auxiliar no pagamento da dívida externa e no finan-

ciamento do próprio governo. A abolição do trabalho escravo, embora já fosse esperada, provocou, no entanto, novas exigências. Os fazendeiros passaram a precisar de recursos para pagar seus trabalhadores agrícolas e também as hipotecas, antes garantidas por seus escravos.

O Império, pressionado pelos fazendeiros e vendo a monarquia em perigo, promoveu uma reforma do sistema bancário, por meio do Decreto nº 3.403, de 24 de novembro de 1888, para assegurar maior liquidez ao mercado. Os bancos recebiam esse dinheiro do Tesouro sem juros, por prazos que variavam de sete a 22 anos. Deviam emprestar à lavoura o dobro do empréstimo recebido, num prazo de vencimento de um a 15 anos, com juros de 6% ao ano.

Os bancos que receberam esses emprés-timos, chamados “auxílios à lavoura” (daí a expressão popular “salvação da lavoura”), viviam uma situação de privilégio, e logo cresceu a procura pelas ações dessas insti-tuições. Fundar bancos era o grande negócio daquele momento, pois estas novas instituições

usufruíam dos mesmos favores que eram concedidos aos bancos antigos. O governo imperial esperava que o resultado final desse processo fosse a formação de um sistema bancário forte, mas ele redundou numa severa crise econômica, que iria influenciar a política da República nascente.

O abalo causado pela queda do Império, em 1889, repercutiu nos negócios. O novo regime inquietou os banqueiros e comerciantes, que, diante da instabilidade política, fizeram grandes remessas de ouro para o exterior. Rui Barbosa, primeiro ministro da Fazenda republicano, encontrou a praça comercial e bancária do Rio de Janeiro e São Paulo em franca ebulição, vivendo uma onda de negócios inédita no Brasil, sendo que esse quadro se estendia a outras capitais. Entre 13 de maio de 1888, data da Abolição, e 15 de novembro de 1889, dia da Proclamação da República, o Rio de Janeiro (então a capital do país) registrou um crescimento extraordinário do capital das companhias. Por isso, Rui Barbosa considerou que era

A intenção era promover a industrialização brasileira e estimular a atividade econômica do país. Mas o resultado foi um dos maiores surtos inf lacionários do Brasil

O Brasil foi dividido em três regiões bancárias (Norte, do Amazonas à Bahia; Centro, incluindo os estados do Rio

de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná

e Santa Catarina; e Sul, abrangendo Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás),

autorizadas a emitir dinheiro mediante a garantia de apólices

da dívida pública

Imagem de Rui Barbosa utilizada na nota de 10 cruzados em 1987

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67Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

preciso uma expansão monetária de grandes proporções para atender as necessidades crescentes dos novos negócios.

O novo plano econômico, transformado em lei pelo decreto de 17 de janeiro de 1890, conservava a essência da Lei Bancária de 1888: mantinha os empréstimos à lavoura e autorizava a utilização de títulos públicos como cobertura para a emissão. O Brasil foi dividido em três regiões bancárias (Norte, do Amazonas à Bahia; Centro, incluindo os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina; e Sul, abrangendo Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás), autorizadas a emitir dinheiro mediante a garantia de apólices da dívida pública. Os bancos deviam formar um fundo de 10% sobre seus lucros brutos e, com esses recursos, amortizariam a dívida pública.

24/11de 1888

foi a data do Decreto nº 3.403, que promoveu uma reforma no sistema bancário brasileiro

O privilégio dos bancos emissores, entre-tanto, provocou manifestações contrárias, levando o governo a admitir que outros estabelecimentos fossem também creden-ciados a emitir dinheiro. Com isso houve um aumento exponencial na quantidade

de papel-moeda, que passou a ser emitido

num volume bem acima das necessidades

econômicas da sociedade. Para ganhar a boa

vontade dos fazendeiros e comerciantes, Rui

Barbosa autorizou ainda os bancos privile-

giados a emitirem notas lastreadas em bônus

do governo. Isso atendeu ao interesse da elite

proprietária, mas facilitou ações desonestas

e o descalabro que se registrou na Bolsa

de Valores. As transações limitaram-se no

princípio aos negócios legítimos, restringindo-

se aos títulos bancários. Depois, havendo

dinheiro abundante na praça, surgiram em

pouco tempo centenas de novas sociedades

comerciais, cujas ações eram vendidas na

Bolsa sem qualquer garantia real, a não ser

a esperança de que servissem de lastro para

um futuro empreendimento industrial.

No segundo semestre de 1891, em meio

a uma forte crise monetária, Rui Barbosa foi

substituído pelo barão de Lucena, que tentou

salvar o governo fazendo crescer as atividades

econômicas e encorajando os bancos emissores

a ampliarem o crédito. A crise acabou derru-

bando não apenas o ministro, mas o próprio

presidente, Deodoro da Fonseca, substituído

pelo vice, Floriano Peixoto.

A palavra Encilhamento passou a designar

tanto a política econômica como a crise

financeira do período. Embora três ministros

tenham sido responsáveis pelo comando da

economia no período – visconde de Ouro

Preto, Rui Barbosa e barão de Lucena –, o

estigma da crise ficou associado à gestão de

Rui. Sua política monetária expansionista é

comumente apontada como responsável pelos

descalabros financeiros do período.

O abalo causado pela queda do Império, em 1889, repercutiu nos negócios. O novo regime

inquietou os banqueiros e comerciantes, que, diante da

instabilidade política, fizeram grandes remessas de ouro

para o exterior

A primeira crise econômica da República não foi muito diferente de outras que a sucederam. A queda da atividade econômica, tanto ontem como hoje, provoca desemprego, inflação, recessão e crise cambial. Os papéis negociados na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, ao caírem de preço, levaram à ruína milhares de pequenos investidores e mesmo alguns fazendeiros fluminenses. A excitação dos negócios, a especulação e a inflação acabaram transformando o breve experimento do ministro Rui Barbosa numa aventura. Como não havia um banco central ou outro órgão de supervisão bancária para regulamentar essas operações, a ideia de moeda crédito transformou-se em sinônimo de anarquia.

Apesar de tudo, muitas das companhias surgidas naqueles dias sobreviveram e se tornaram prósperos empreendimentos industriais. O exemplo mais notável foi o das companhias têxteis, cujo capital integra-lizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro mais que dobrou, entre maio e novembro de 1890. Em São Paulo, de fevereiro a julho de 1890, surgiram mais de duzentas sociedades anônimas, e em agosto do mesmo ano foi fundada a Bolsa de Valores daquele estado.

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68 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Somos 210 Brasis

retrAtos

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69Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

uantas línguas são faladas hoje no Brasil – um país de dimensões continentais, com rica cultura indí-gena, colonizado por portugueses

e que recebeu imigrantes dos quatro cantos do globo? Estimativas do Grupo de Diversidade Linguística do Brasil (GTDL) comprovam que são mais de 210 idiomas: 180 indígenas, 30 falados por comunidades de imigrantes, duas línguas de sinais usadas por comunidades surdas, fora o próprio português, que possui variações regionais e de classes sociais. A diversidade étnica do país está também na boca do povo brasileiro. No entanto, é difícil pensar que há pouco mais de 500 anos, antes dos portugueses aportarem suas caravelas em terras tupiniquins, 1.078 diferentes idiomas eram falados nesse território.

O número de línguas indígenas faladas em 1500 foi reduzido em 85%, ou seja, quase duas línguas foram extintas por ano, desde que Pedro Álvares Cabral ancorou sua caravela em terras brasileiras. O Estado português e, depois da independência, o Estado brasileiro, tiveram como política de unificação impor o português como a única língua legítima. Os indígenas não foram as únicas vítimas da política linguística: os imigrantes, que chegaram ao país principalmente depois de 1850, e seus descendentes também passaram por violenta perseguição. O Estado Novo (1937-1945) marcou o ponto alto da repressão às línguas estrangeiras, por meio do processo que ficou conhecido como “nacionalização do ensino” e

que tinha por objetivo acabar com as línguas de imigração, como o japonês, o polonês, o ucraniano, o pomerano, o hunsrückisch, o talian e línguas ciganas.

Em 2006, o GTDL foi criado como o obje-tivo de desenvolver o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e o Livro de Registro das Línguas, como parte da estratégia de valorização do patrimônio cultural imaterial. Em dezembro do ano passado, o presidente Lula assinou o decreto que finalmente institui o Inventário, um meio de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas faladas no Brasil. Seu objetivo é mapear, caracterizar, diagnosticar e dar visi-bilidade às diferentes situações relacionadas à pluralidade linguística brasileira, de modo a permitir que as línguas sejam objeto de políticas patrimoniais que colaborem para sua continuidade e valorização.

De acordo com Márcia Sant’Anna, diretora do departamento de patrimônio imaterial do

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a língua corresponde a uma cultura e as políticas públicas precisam se adaptar a essa diversidade. “Serviços públicos, como saúde e educação, devem contemplar a língua falada em determinada comunidade. Existem lugares no país, como São Gabriel da Cachoeira, AM, onde o português é pouco falado (nessa cidade foram reconhecidas como línguas oficiais, além do português, mais três idiomas: o nheengatu, o tukano e o baniwa falados pela maioria dos habitantes, dos quais 85% são indígenas). Com essas inicia-tivas, queremos criar mais escolas bilíngues, produzir livros e programas de rádios em outras línguas. É uma questão de firmação de identidade dessas comunidades”, explica.

180idiomasdos 210 falados hoje

no Brasil são indígenas

Esta nova política de reconhecimento e salvaguarda das línguas faladas no Brasil é resultado das atividades desenvolvidas pelo GTDL, que, além do Iphan – representa o Ministério da Cultura –, é constituído por

Inventário Nacional da Diversidade Linguística destaca a pluralidade dos 210 idiomas falados no país,

e aponta para uma políticas públicas voltada à preservação da diversidade linguística brasileira

Em 2006, o Grupo de Diversidade Linguística do

Brasil foi criado com o objetivo de desenvolver o Inventário

Nacional da Diversidade Linguística e o Livro de Registro

das Línguas, como parte da estratégia de valorização do

patrimônio cultural imaterial

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representantes de diversos órgãos públicos (Câmara dos Deputados, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), da sociedade civil (Ipol) e da Unesco. Para a efetiva implantação do Inventário, foram realizados projetos-piloto (ver página 71) com línguas de categorias ou situações socio-linguísticas diferentes, com o objetivo de permitir uma melhor previsão de custos, prazos e metodologias adequadas.

“Queremos criar mais escolas bilíngues, produzir

livros e programas de rádios em outras línguas”

Márcia Sant’Anna, diretora do departamento de patrimônio imaterial do Iphan

As línguas inventariadas receberão o título de “Referência Cultural Brasileira”, a ser expedido pelo ministro da Cultura, e, com isso, serão focos de ações de valorização e promoção por parte do poder público. Além da institucionalização do Inventário, o governo incluiu do quesito “língua falada”no Censo Demográfico 2010. Este quesito, que abarca apenas as pessoas que se declaram indígenas

representa um progresso significativo, segundo Nilza de Oliveira Martins Pereira, da diretoria de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “As informações sobre a filiação linguística ou étnica, dentre outros aspectos, são de extrema importância para a caracterização da realidade indígena em qual-quer país e não eram objeto de investigação nos censos anteriores. Para estabelecer ações e políticas públicas que atendam às demandas da população indígena, é fundamental o conhe-

cimento do seu comportamento demográfico e social”, afirma Nilza.

A pesquisadora conta ainda que as reco-mendações internacionais para censos na investigação da língua sugerem adoção dos seguintes conceitos: língua materna, definida como o primeiro idioma falado na infância em casa; o idioma principal, definido pelo que a pessoa se expressa melhor; o idioma atualmente falado em casa ou no trabalho e o conhecimento de idiomas, definidos como habilidade de escrever um ou mais idiomas designados. “Nas discussões do GTDL, foi selecionado o idioma atualmente ‘falado em casa’, para o Censo de 2010, com a finalidade de se obter o repertório de línguas indígenas faladas no país; o número de falantes de cada língua, sem distinção de graus de proficiência; a distribuição espacial da língua e o grau de bilinguismo em relação ao português”, detalha Nilza.

A conservação da diversidade linguística falada no Brasil, de acordo com Márcia, do Iphan, é tão importante quanto a manutenção do português como língua que unifica o país: “a ideia desse longo projeto é que a segunda língua conviva com o português, para que a sociedade brasileira possa se compreender”. O trabalho está apenas começando.

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Índios da aldeia Ngahünga em oficina do projeto de Diversidade Linguística para desenvolver mapas etnohistóricos

Cerca de 30 idiomas falados por comunidades de imigrantes foram reconhecidos pelo levantamento do GDLB

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Veja a lista de projetos-piloto*:

LevANtAMeNto SóCio-LiNGUÍStiCo e DoCUMeN-

tAção DA LÍNGUA e DAS trADiçõeS CULtUrAiS

DAS CoMUNiDADeS iNDÍGeNAS NAhUkwA e MAtipU

Do ALto-XiNGU Trata-se da identificação de variantes de uma mesma língua, a Língua Karib do Alto Xingu – LKAX. A LKAX é composta por duas variantes, cada uma delas composta por sub ou co-variantes:

Co-variantes kuikuro e uagihütü, da variante falada pelas etnias Kuikuro e Matipu antigo (este último, daqui em diante, Uagihütü).

Co-variantes matipu, nahukwa e kalapalo faladas pelas etnias matipu, nahukwa e kalapalo.

O inventário diz respeito às co-variantes uagihütü, matipu e nahukwa.

iNveNtário DA LÍNGUA GUArANi-MByá A língua guarani-mbya (família tupi-guarani, tronco linguístico tupi), possui grande expressão e representatividade no Brasil, já que está presente em mais de 60 (sessenta) muni-cípios de seis estados: RS, SC, PR, SP, RJ e ES. Estima-se que, atualmente, haja cerca de 50 mil indígenas Guarani na América do Sul, divididos em diferentes grupos e falando variedades distintas de Guarani. O grupo Guarani-Mbyá conta com cerca de sete mil indivíduos no Brasil.

iNveNtário DA LÍNGUA AyUrU Língua wayoro (ayuru, ajuru) da família Tupari, tronco tupi. Foi feito o levantamento na terra indígena Guaporé, no sul de Rondônia, também chamado de Posto Ricardo Franco.

A LÍNGUA ASUriNÍ Do toCANtiNS Os Asuriní são falantes de uma língua da família tupi-guarani, moram na terra indígena Tocará, próxima ao Rio Tocantins, no estado do

Pará. De acordo com dados da Funasa, 384 pessoas compõem o grupo dos Asuriní. Atualmente todos os Asuriní falam com fluência o português, sendo que os jovens e as crianças comunicam-se quase que exclusiva-mente nesta língua.

A LiBrAS No NorDeSte: UM LevANtAMeNto

LiNGUÍStiCo DAS vAriANteS USADAS NAS

CoMUNiDADeS De SUrDoS De João peSSoA-pB

e reCife-pe A pesquisa está sendo realizada nos municípios de João Pessoa e Recife. A coleta dos dados dos sujeitos nela envol-vidos ocorre nas Associações de surdos e escolas municipais.

pArA UM iNveNtário DA LÍNGUA JUrUNA Os juruna vivem em Mato Grosso, em quatro aldeias, no Parque Indígena Xingu, com uma população de 241 pessoas. São todos falantes da língua indígena, sendo que os homens falam o português e as mulheres compreendem, mas não falam.

iNveNtário DA DiverSiDADe CULtUrAL DA

iMiGrAção itALiANA: o tALiAN e A CULiNáriA O talian constitui uma autodenominação dos falantes da RCI (Região de Colonização Italiana do RS) para uma variedade supra-regional intracomunitária e intercomunidades (coiné) do italiano como língua alóctone em contato com outras variedades do italiano e com o português do Brasil, vinculada historicamente aos dialetos provenientes do norte da Itália, mas com características próprias, derivadas do contexto brasileiro

que a diferem da matriz original e também de outras regiões brasileiras.

LevANtAMeNto etNoLiNGUÍStiCo De CoMU-

NiDADeS Afro-BrASiLeirAS: MiNAS GerAiS e

pArá A língua inventariada é o português afrobrasileiro: designa aqui uma variedade constituída pelos padrões de comportamento linguístico de comunidades rurais compostas em sua maioria por descendentes diretos de escravos africanos que se fixaram em localidades remotas do interior do país, praticando até os dias de hoje a agricultura de subsistência. Muitas dessas comunidades têm a sua origem em antigos quilombos de escravos foragidos e ainda se conservam em um grau relativamente alto de isolamento. Dessa forma, o português afro-brasileiro guardaria uma especificidade no universo mais amplo do português popular rural brasileiro (ou, mais precisamente, norma popular rural do português brasileiro), não apenas pelas características sociohistóricas próprias às comunidades em que ele é falado, mas, sobretudo, pelas características linguísticas que o distinguiriam das demais variedades do português popular do Brasil (ou melhor, da norma popular brasileira).

*Informações cedidas pelo Iphan

A linguagem de sinais utilizada no nordeste faz parte de um dos projetos piloto

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k

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O PPA do governo federal e o desenvolvimento regional

ArtIgo

O novo governo brasileiro já se prepara para produzir o novo plano plurianual (PPA) para o período 2012-2015. Os grandes

rumos que o governo federal, em conjunto com governos subnacionais, pretende imprimir para o desenvolvimento nacional serão definidos nos próximos meses. Do ponto de vista dos requerimentos necessários para o desenvolvi-mento das regiões menos desenvolvidas, Norte e Nordeste – em meio às sinalizações sobre o fortalecimento dos projetos do pré-sal, da Copa 2014, das Olimpíadas 2016 e do trem de alta velocidade (São Paulo-Campinas-Rio de Janeiro), todos espacialmente localizados na grande região mais desenvolvida do país –, as preocupações se avultam relacionadas com o futuro (sombrio?) que as disparidades regionais de desenvolvimento poderão assumir.

Há um otimismo, talvez exagerado, em torno da ideia de que, em particular, a região Nordeste já se encontra no rumo certo e que os investimentos feitos recentemente são capazes de alterar o ritmo e a trajetória de seu crescimento. Estariam a produzir este otimismo as taxas de crescimento do PIB da região no período recente (2003-2008), de 5,3% ao ano, contra os 4,7% anuais verificados para o país como um todo. Investimentos públicos em infraestrutura em curso (refi-narias, transposição do rio São Francisco, construção da ferrovia Transnordestina e duplicação da BR-101) e expansão dos gastos sociais foram (e estão sendo) os principais responsáveis pela injeção de ânimo e vigor na região.

O que devemos nos perguntar neste exato momento é como garantir que este ciclo de

investimentos, agora num patamar mais elevado, continue a se expandir e, ademais, tenha sua sustentabilidade e longevidade garantidas. A questão se impõe para os plane-jadores do governo federal (e nos governos estaduais) nesta oportunidade de elaboração do PPA, pois apesar da sempre boa vontade dos planos nacionais com as regiões mais deprimidas, o cidadão nordestino médio participou, em 2008, com 46,8% (menos de metade) do PIB per capita nacional. Praticamente a mesma proporção que havia em 1960 (de 46,4%), quando Celso Furtado, preocupado com o fosso que se alargava entre o Nordeste e o chamado Centro-Sul do país, deu os passos fundantes da política brasileira de desenvolvimento regional.

Um alerta para os que elaborarão o PPA é que, para vislumbrar uma trajetória de fato modificadora da participação relativa do Nordeste no cenário produtivo nacional, não olhem apenas para o crescimento – de resto benéfico e louvável – dos anos recentes, em que as taxas da região foram superiores às do país como um todo. Olhem, entretanto, para o longo período que vai de 1960 a 2008 – quando políticas regionais tiveram mais ímpeto – de forma a perceber que os PIBs totais, respectivamente, do Nordeste e do Brasil expandiram-se ao ritmo de 4,2% e 4,3% ao ano. Logo, todo o esforço das políticas resultou apenas em levar a região a acompanhar o ritmo de expansão econômica que o conjunto do país experimentou.

O PPA precisa – para o Nordeste e o país como um todo – levar em conside-ração não somente que o investimento em regiões deprimidas deve ser elevado, mas

também ser capaz de dimensionar uma trajetória desejada para o esforço a ser realizado. Por exemplo, imaginemos que o PPA do governo da presidenta Dilma deseje criar, a partir de agora, uma trajetória de elevação da proporção do PIB per capita do Nordeste com relação ao do país que saia dos atuais 47,6%, em 2008, para algo em torno de 75% até 2030. Sabendo-se que a taxa de expansão do PIB per capita do Brasil foi de 3,65% ao ano entre 2003-2008, e admitindo-se (por hipótese) que continuará a crescer a essa taxa até 2030, então a região Nordeste precisará crescer à taxa de 5,89% ao ano para atingir a meta desejada de 75% de R$ 34.873,00 (PIB per capita do Brasil em 2030, em valores de 2008). Isto é, pretenderá atingir o montante de R$ 26.154,00 por habitante. O esforço que a região necessita realizar – com a política pública sendo capaz de contribuir para criar as condições de investimento (público e privado) – é de produzir um adicional na taxa de crescimento do PIB por habitante de 2,24% ao ano para além dos atuais 4,15% anuais verificados entre 2003-2008.

Muito mais que identificar projetos a esmo para serem objeto da ação do gasto público, em investimento ou no gasto social, as regiões deprimidas e/ou de menor desenvolvimento precisam ter trajetórias de crescimento mais bem delineadas, principalmente num cenário como o atual, que se descortina já de forte concentração de investimentos nas regiões bastante desenvolvidas.

Aristides Monteiro Neto é técnico em planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A r i s t i d e s M o n t e i r o N e t o

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PERFILPa

ulo

Frei

re

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75Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Educar para transformarCom a ideia clara de que ler e aprender são condições essenciais para a cidadania autêntica e a transformação do mundo, o educador, professor de escola, pesquisador, político e inovador Paulo Freire dedicou a vida à educação e levou seu método educativo aos cinco continentes do planeta

trudes, mãe de Paulo Freire, ensinou-o as primeiras palavras, que permitiriam ao menino ler o mundo à sua volta. Aos dez anos mudou-se com a família para Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife. Nos campos de futebol da cidade, ele conviveu com a camada mais pobre da cidade, jogando peladas com meninos camponeses e filhos de operários que moravam em morros e brincavam em córregos. Com o convívio, Paulo Freire descobriu uma forma diferente de pensar e de se expressar: a linguagem popular, que ele sempre privilegiou, e usou mais tarde em suas teorias como educador.

Depois do início tardio do primeiro ano de ginásio, Paulo Freire entrou, aos 22 anos, na Faculdade de Direito do Recife. Naquela época, o curso de direito era a única alternativa na área de ciências humanas. Nesse período,

conheceu a professora primária Elza Maia Costa Oliveira, alfabetizadora, cinco anos mais velha do que ele, com quem se casou em 1944, e teve cinco filhos.

Paulo Freire iniciou a vida profissional no mesmo colégio que o acolheu como bolsista na adolescência, ao ser contratado

uando o jovem pernambucano, de Recife, entrou, aos 16 anos, no primeiro ano do ginásio – que começou tardiamente, por causa

das dificuldades financeiras da família – não sabia que um dia lecionaria em Harvard, ou que colaboraria no desenvolvimento do programa nacional de alfabetização da Guiné Bissau. Paulo Reglus Neves Freire ficou muito conhecido pelo método que desenvolveu de educação para adultos, um sistema inovador e uma pedagogia revolucionária, que procurava alfabetizar utilizando elementos do cotidiano destes alunos.

Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921. O quintal da casa da Estrada do Encanamento, 724, no bairro Casa Amarela, no Recife, foi o espaço de sua alfabetização. À sombra das mangueiras, a senhora Edel-

Durante mais de 15 anos, entre as décadas de 1950

e 1960, Paulo Freire dedicou-se às experiências no campo da educação de

adultos em áreas proletárias e subproletárias, urbanas e

rurais, em Pernambuco

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como professor de língua portuguesa. Em 1947, assumiu o cargo de Diretor do Setor de Educação do Sesi (Serviço Social da Indústria) do Recife, em que conviveu com a questão da educação de adultos trabalha-dores e percebeu a necessidade de centralizar esforços na alfabetização destes operários. Durante mais de 15 anos, entre as décadas de 1950 e 1960, Paulo Freire dedicou-se às experiências no campo da educação de adultos em áreas proletárias e subproletá-rias, urbanas e rurais, em Pernambuco. Seu método de alfabetização nasceu dentro do MCP – Movimento de Cultura Popular do Recife – a partir dos Círculos de Cultura, onde os participantes definiam as temáticas junto com os educadores.

20 milcírculos

de cultura seriam beneficiados com a utilização do seu método, interrompido em 1964

A partir dessa experiência, Freire desen-volve uma de suas principais teorias: a de que a educação tem papel imprescindível no processo de conscientização e nos movimentos de massas. Ele a considerava desafiadora e transformadora, e defendia que para alcançá-la são essenciais o diálogo crítico, a fala e a convivência. Na sua concepção, a educação é um momento do processo de humanização, um ato político, de conhecimento e de criação.

Paulo Freire viveu intensamente o ambiente histórico-político efervescente, que vai da Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964. Convidado por Paulo de Tarso,

então ministro da educação do Governo João Goulart, o educador assumiu o cargo de coordenador do recém-criado Programa Nacional de Alfabetização, a partir do qual, utilizando seu método, pretendia alfabetizar cinco milhões de adultos em mais de 20 mil círculos de cultura. Criado em janeiro de 1964, o Programa foi extinto pela Ditadura Militar, logo depois do golpe.

Depois de ser preso por duas vezes, Freire, com 43 anos, exilou-se na Bolívia, antes do fim de 1964. A trajetória no exílio permitiu que o educador levasse suas ideias para os cinco continentes do mundo. Saiu da América do Sul em 1969, quando foi convidado para lecionar na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, onde ficou por dez meses e deu forma definitiva ao livro Ação Cultural para a Liberdade. Nesse período, escreve também dois de seus livros mais conhecidos: Educação Como Prática da Liberdade e Pedagogia do Oprimido.

Em seguida, foi transferido para Genebra, na Suíça, onde assumiu o cargo de consultor do Conselho Mundial das Igrejas. Ao lado de outros brasileiros exilados, fundou o Instituto de Ação Cultural (IDAC), cujo objetivo era prestar serviços educativos, especialmente aos países do Terceiro Mundo que lutavam por sua independência. Em 1975, Freire e a equipe do IDAC receberam o convite para colaborarem no desenvolvimento do programa nacional de alfabetização da Guiné-Bissau.

Entre 1975 e 1980, Freire trabalhou também em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Angola, ajudando os governos e seus povos a construírem suas nações recém-libertadas do domínio português, através de um trabalho de educação popular. Nesse período, Paulo Freire levou seus conhecimentos a países dos cinco continentes, mas de modo espe-cial à Austrália, Itália, Nicarágua, Ilhas Fiji, Índia, Tanzânia e aos países de colonização portuguesa.

“Eu acho que uma das coisas melhores que eu fiz

na minha vida, melhor do que os livros que eu escrevi, foi não deixar

morrer em mim o menino que eu não pude ser

e o menino que eu fui.”

Em junho de 1980, aos 57 anos, Paulo

Freire desembarca no aeroporto de Viracopos

em Campinas, regressando definitivamente

ao país que havia deixado em 64, sob o

comando dos militares. Na gestão da prefeita

Luiza Erundina, Paulo Freire assume o cargo

de Secretário de Educação da cidade de São

Paulo, em janeiro de 1989, e promove reforma

nas escolas, reestruturação dos colegiados,

reformulação do currículo escolar, capaci-

tação dos professores e formação de pessoal

administrativo e técnico.

Em parceria com os movimentos populares,

Paulo Freire criou o Mova-SP (Movimento

de Alfabetização da Cidade de São Paulo),

destinado a jovens e adultos. Era a fórmula

para fortalecer os movimentos sociais

populares e estabelecer novas alianças entre

sociedade civil e Estado. Antes de morrer,

em dois de maio de 1997, aos 75 anos de

idade, Freire tornou-se um dos membros

do Júri Internacional da Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (Unesco). Apesar de todo reco-

nhecimento internacional e a importância de

sua pesquisa para a educação, Paulo Freire

afirma: “Eu acho que uma das coisas melhores

que eu fiz na minha vida, melhor do que os

livros que eu escrevi, foi não deixar morrer

em mim o menino que eu não pude ser e o

menino que eu fui.”

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77Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Biocombustíveis e desenvolvimento produtivo: um degrau para além das commodities

ArtIgo

O Congresso Nacional iniciou, em 2010, ajustes no marco regulatório do biodiesel, com alterações nas regras de produção do etanol. Esses

biocombustíveis têm grande relevância na economia nacional, atingindo R$ 35 bilhões, mais de um milhão de empregos e perspectiva de dobrar de tamanho em 20 anos. Dezenas de anteprojetos de lei foram anteriormente debatidos, até se chegar ao PL 219/2010 – Política Nacional sobre Biocombustíveis –, da Comissão de Infraestrutura do Senado. Dada a expectativa de políticos, governo e setor produtivo, as perguntas do momento são: mudar o quê e para quê? Aonde o País pode ou quer chegar com os biocombustíveis?

Além de mudanças no monitoramento e controle, o PL prevê diretrizes para normas de certificação e ajustes técnicos para tornar o etanol uma commodity. Para as etapas agrícola e industrial as mudanças são frágeis, principalmente para o biodiesel, pela falta de instrumentos de integração produtiva e de medidas de inserção social, principalmente no Norte e Nordeste. O debate em plenário pode avançar para além das quatro novidades do PL, que são:

1. possibilidade de uso do óleo vegetal nas máquinas e transporte agrícola, com economia de até 40% no consumo de diesel na agricultura. Essa medida pode ajudar a regionalizar a produção, com novas oleaginosas e tecnologias também para o biodiesel em menor escala. Necessita mais controle e fiscalização contra a produção e o comércio ilegais;

2. criação da Etiqueta de Eficiência Ener-gética e Emissão de Gases Poluentes, para os fabricantes de veículos, após regulamentação. Esse instrumento

terá efeito positivo para a saúde dos brasileiros somente se combinado com melhorias na gasolina e diesel, que estão entre os mais poluidores do mundo. De forma isolada é apenas resposta aos importadores.

3. permissão de novas rotas tecnológicas, mantendo a transesterificação como a principal, mas incorporando a do craqueamento. Medida positiva para incentivar pesquisa e desenvolvimento (P&D), pois deixa de ser restritiva a novas tecnologias;

4. criação do Programa Nacional de Cooperativas, cujo foco são pequenos produtores de etanol. O nobre objetivo é gerar mais emprego e renda, dar competitividade econômica aos produ-tores e diminuir o peso da intensidade de capital. É importante, mas depende muito da organização dos cooperados, de financiamento e da capacitação técnica dos agricultores.

Com tanta novidade, pode-se perguntar: o que ainda falta?

Falta ousadia. Os biocombustíveis têm sido comparados ao petróleo da camada pré-sal, estimando-se que 15 milhões de hectares de cana-de-açúcar e 16 milhões de palma/macaúba superem a energia do petróleo do Pré-Sal em 45 anos, prevendo-se proteção das áreas de preservação permanente, rios e outras, nas regiões dos cultivos. Para a sustentabilidade há, porém, de se desestimular a concentração da terra e da renda com a atividade.

O país possui acúmulo de conhecimento que possibilita um salto maior, a mudança de patamar nessa área. O tamanho do mercado interno de energia possibilita, por exemplo, o desenvolvi-mento de P&D e inovação em equipamentos

com baixa emissão de CO2, questão ausente no PL 219/2010, porque ele segue descolado de uma Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Nessa rota, o Brasil estaciona no degrau das commodities e continua no ponto em que “quase” domina a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico em energia limpa.

Ousar é induzir e direcionar esforços para o patamar de mais patentes e equipamentos para a produção do etanol, do biodiesel e outros. Isso exige incentivos e sintonia do marco regulatório de mais de um setor produtivo. Exige apostar menos em commodity como um fim em si, e mais no mercado interno e na indústria de equipamentos, visando o longo prazo.

Há recursos. Entre 2010 e 2019, a previsão do Ministério de Minas e Energia é de inves-timentos da ordem de R$ 1 trilhão no setor energético, desde a produção até a distribuição (superior à soma dos recursos previstos para investimentos em saúde e educação). Foram mais de R$ 30 bilhões para os biocombustí-veis, de 2006 a 2010; outros R$ 66 bilhões são previstos até 2019. O foco, entretanto é o incentivo à produção nos padrões atuais.

Além de mais diálogos, a mudança de patamar pode ser impulsionada se, em conjunto com uma robusta PDP e com as novidades do PL 219, for alocada fatia maior dos investimentos públicos para planejar e direcionar a etapa agrícola dos biocombustíveis e a geração de energia elétrica. Já investimentos privados e em parte públicos devem induzir o desen-volvimento tecnológico dos fornecedores de equipamentos. Este é o movimento dos países desenvolvidos e das empresas líderes. O Brasil não tem muito tempo a perder.

Gesmar Rosa dos Santos é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

g e s m a r r o s a d o s S a n t o s

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MELHORES PRÁTICAS

Técnicas de plantio, irrigação, reciclagem e captação de água de chuva são desenvolvidas em um sítio laboratório, aberto para comunidades da região

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79Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Colhendo cidadania no sertão

Projeto mostra como usar criatividade para mudar a paisagem e a realidade do semiárido nordestino

A s imagens tradicionais sobre o sertão do Nordeste brasileiro remetem à paisagem predominantemente desértica, de miséria, fome e anal-

fabetismo. Isso porque a região concentra 70% dos municípios com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. E foi para começar a mudar esta percepção que na cidade de Teixeira, na Paraíba, bem próxima à divisa com Pernambuco que, em 1986, foi criado o Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS).

O CEPFS tem como principal objetivo transformar a paisagem e a vida das pessoas que vivem no semiárido. Com o projeto Convivência com a realidade semiárida, promovendo acesso à água, solidariedade e cidadania, o centro trabalha diretamente com 1.200 famílias agrícolas, divididas em 39 comunidades, de Teixeira e de quatro cidades próximas, na construção de cisternas, armazenamento de sementes, educação ambiental e outras muitas atividades.

O projeto, que venceu a 3ª edição do prêmio de Objetivos do Milênio (ODM), é financiado basicamente por Organizações não-governatentais estrangeiras, a partir de Fundos Rotativos Sociais (FRS) que, desde

2003, têm uma gestão descentralizada nas associações das famílias do projeto. Como o próprio nome já diz, os FRS devem receber de volta os recursos empregados, em prazos compatíveis. Caso o agricultor não tenha dinheiro, é possível efetuar o pagamento a partir de um trabalho combinado entre os associados.

Buscando o primeiro dos oito ODM (“erradicar a fome e a miséria”), o Centro já construiu, desde sua criação, 199 cisternas, com capacidade para 16 mil litros de água

potável cada uma, e já trabalhou com 46.177 pessoas nos cinco municípios em que atua. Para desenvolver técnicas de plantio, irrigação, reciclagem e captação de água de chuva, o CEPFS possui uma espécie de sítio laboratório, na zona rural de Maturéia, também na Paraíba. Com muita criatividade e poucos recursos, o Sr. José Dias, coordenador do projeto, mostra, por exemplo, como captar água da chuva do telhado, separando água limpa do que eles chamam de água de lavagem, ou primeira chuva, que é sempre muito suja, com uma

O CEPFS que atende 1.200 famílias agrícolas de 39 comunidades da região de Teixeira, PB

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Projeto vencedor do 3º ODM concilia criatividade, transferência de conhecimento e solidariedade, para transformar a paisagem do sertão nordestino

garrafa PET e dois canos de PVC (Para entender outros mecanismos desenvolvidos no sítio laboratório, veja o esquema ao lado).

O acesso constante à água e o desenvolvi-mento de uma economia agrícola sustentável trazem mais do que qualidade de vida e saúde para as pessoas que participam do CEPFS. “Essas pessoas não dependem mais de carro pipa, enviado por políticos, para ter água limpa. Elas começam a se sentir fortes e independentes, o que melhora sua auto-estima. Essa é a questão transforma-dora do projeto, que traz mais dignidade e cidadania para as comunidades”, explica o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Cleandro Krause, que visitou o CEPFS em janeiro de 2010.

O pioneirismo feminino na gestão dos Fundos Rotativos é outro ponto marcante do

projeto. Dona Francisca Barbosa da Silva, da comunidade Coronel, por exemplo, é quem cuida dos recursos da sua associação, que soma 20 associados. “Não precisamos mais buscar água na cacimba e andar com balde na cabeça. Com as cisternas, temos água de qualidade e não temos mais diarréia”, conta. Além da construção de cisternas, o dinheiro do fundo também é empregado na compra de remédios e de alimentos. Francisca explica que muitos da comunidade Coronel pagaram ao fundo auxiliando na construção da sede da associação. “Também aceitamos doações de cimento, pias e vasos sanitários, como forma de pagamento”, finaliza Dona Francisca.

A mobilização dessas pessoas, que traba-lham em associação de forma organizada e contam com a transferência de tecnologia do CEPFS, transformou o solo pobre do semi-

árido nordestino em terra fértil e próspera. Lá, existem plantações de feijão, milho, caju e, pelo visto, cidadania e sustentabilidade também dão aos montes por essas bandas.

“Essas pessoas não dependem mais de carro pipa, enviado por políticos, para ter água limpa. Elas começam a se sentir fortes e independentes, o que melhora

sua auto-estima. Essa é a questão transformadora do projeto, que traz mais dignidade e cidadania

para as comunidades”

Cleandro Krause, técnico em Planejamento e Pesquisa do Ipea

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1, 2, 3. Canos são colocados no alto de penhascos e pedras para captar a água da chuva4. Cisterna do Centro de Educação Popular e Formação Social5. Sistema de captação da chuva com boia que permite a lavagem do telhado. Uma garrafa PET dentro de um dos canos faz com que a água suja da primeira chuva

seja separada da água limpa6. Sr. José Dias explica como a CEPFS produz gás de cozinha a partir de fezes animais

1

3

5

2

4

6

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82 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

ciência&inovação

CIRCUITO

Inmetro

Ação garantirá registro de produtos no mercado internacional

O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) iniciará já no começo deste ano o processo de adesão aos atos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) como país não membro. A iniciativa permitirá que testes e estudos realizados em laboratórios nacionais, reconhecidos pelo instituto, sejam aceitos pelos 31 países da organização internacional.

De acordo com o Inmetro, a ação possibilitará que empresas brasileiras de agrotóxicos e produtos químicos industriais consigam desenvolver os estudos necessários em labora-tórios brasileiros, a baixo custo, e registrar seus produtos em países da Europa e nos Estados Unidos, além de aumentar o faturamento e as exportações.

Petróleo

Dois novos laboratórios para a indústria nacionalO Instituto de Pesquisas Tecnológicas

(IPT) inaugurou em dezembro do ano passado, na cidade de São Paulo, o novo Laboratório de Metrologia de Vazão de Óleo. A unidade está vinculada ao Centro de Metrologia de Fluidos (CMF) do instituto, e tem por objetivo atender às necessidades da indústria nacional do petróleo e dos órgãos reguladores do setor na realização de calibrações, testes, ensaios comparativos, pesquisas e desenvolvimentos em diferentes tipos e modelos de medidores e componentes de sistemas de medição de vazão de óleo e de derivados.

O laboratório realizará ensaios estáticos e dinâmicos de fadiga de longa duração em estruturas e equipamentos de grande porte, que são aplicados em elementos de ancoragem de plataformas offshore, risers, umbilicais, dutos flexíveis e rígidos, entre outros. No total, foram investidos R$ 6,7 milhões.

Na mesma data foram inaguradas as obras civis do novo prédio de Ensaios de Estruturas Pesadas do instituto, que recebeu investimentos superiores a R$ 21 milhões. A unidade irá atuar no suporte técnico, prin-cipalmente à Petrobras, para a exploração e produção de petróleo do pré-sal.

além de aumentar as exportações.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) divulgou um balanço sobre concessão e pedidos de patentes em 2010. De acordo com o instituto, foram concedidas 3,6 mil patentes, o que representa um aumento de 14,8% quando comparado a 2009. Segundo o instituto esse crescimento deve-se, principalmente, ao incremento da produtividade.

Em relação aos pedidos de patentes, a esti-mativa é superar 30 mil solicitações, incluindo as de residentes e não-residentes no país. Segundo o INPI, nos últimos quatro anos este índice deverá crescer cerca de 40%. Além disso, o prazo médio para concessão de patentes foi reduzido em um ano – de 9,3 anos, em 2009, para 8,3 anos, em 2010 –, medida que procura atender à demanda crescente do público.

Inovação

Sebrae começa a operar novo programaO Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e

Pequenas Empresas (Sebrae) implementou, no início de janeiro, uma nova versão do Sebraetec, programa direcionado para os empreendi-mentos de pequeno porte interessados em inovar. O valor destinado para a iniciativa soma R$ 787,5 milhões, o que corresponde a um terço do orçamento total da instituição para programas de inovação e tecnologia.

O montante será aplicado nos próximos três anos em projetos que promovem a competitividade, a inovação e o desen-volvimento sustentável das micro e pequenos empresas. Espera-se, com a iniciativa, reduzir os desperdícios, aumentar a produtividade e adequar os produtos para competir no mercado interno e externo.

Stoc

k

Propriedade industrial

Pedidos e concessões de patentes crescem em 2010 St

ock

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83Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Marco legal

Nova lei impulsiona a inovação tecnológica no Brasil

Cooperação

Brasil e Alemanha contra a seca no Nordeste

Rede

Programa nacional de pesquisa chega a Manaus

A Rede Nacional de Pesquisa (RNP), que interliga todas as sedes das universidades e os labo-ratórios e institutos de pesquisa públicos, chegou ao norte do país, mais especi-ficamente ao estado do Amazonas, no final de 2010, com uma velocidade de 1 gigabit. A velocidade de conexão via RNP varia entre 155 megabits (Mbps) a 10 gigabits (Gbps).

A iniciativa permite, por exemplo, a realização de videoconferência entre os mais de 57 hospitais universitários e comunicação de voz pela internet, o que confere à rede o posto de primeiro lugar em telemedicina da América Latina. Hoje, mais de 600 instituições de ensino e pesquisa do país estão interligadas pela RNP.

A estrutura alcança os 26 Estados da federação e o Distrito Federal, contemplando mais de um milhão de usuários. A RNP está conectada às redes acadêmicas latino-americana (RedClara), europeia (Géant) e norte-americana (Internet2), além de ter conexão própria com a internet mundial.

Desde 1991, a RNP opera a infraestru-tura de rede que provê a comunicação e colaboração entre instituições federais de ensino e pesquisa. Em 2007, a Rede passou a desenvolver projetos que contemplam, diretamente, outros setores da sociedade. As suas redes metropolitanas, com capacidade de 1 Gbps de saída, atendem também escolas municipais, instituições privadas, bibliotecas e museus.

A Lei nº 12.349/2010, que cria um novo mecanismo de apoio à inovação tecnoló-gica, foi sancionada em dezembro do ano passado. A legislação, criada a partir da conversão da Medida Provisória 495 de 2010, dá preferência, nas licitações públicas, para produtos e serviços produzidos no país, com o objetivo de incentivar a produção de tecnologia no Brasil.

Pela norma, os governos estaduais e a União poderão, ao comprar produtos que envolvam tecnologia nacional, pagar até 25% a mais do que produtos similares desenvolvidos no exterior. A prioridade terá que ser justificada em estudos que levem em consideração a geração de emprego e renda, a arrecadação de tributos, o desenvolvimento e a inovação tecnológica realizados no Brasil. A margem de preferência poderá ser estendida, total ou parcialmente, aos bens e serviços originários

dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul).

A medida provisória altera ainda a Lei 8.958/1994, que rege o relacionamento entre agências de fomento e fundações de apoio à pesquisa, ensino e extensão das instituições científicas e tecnológicas (ICTs).

Pela nova norma, as instituições federais de ensino superior (Ifes) e as demais ICTs poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, por prazo determinado, com fundações que visem apoiar projetos de ensino, pesquisa e extensão.

A legislação também autoriza a Financia-dora de Estudos e Projetos (Finep), o CNPq e as agências oficiais de fomento a realizarem convênios e contratos com as fundações de apoio, com a finalidade de auxiliar as Ifes e às ICTs, inclusive na gestão administrativa e financeira dos projetos.

Manaus

O Brasil e a Alemanha fecharam acordo de cooperação bilateral, com o objetivo de propor estratégias e tecnologias para a miti-gação da escassez de água no Nordeste do Brasil. Os temas em destaque são reuso de águas, manejo e recarga artificial e manejo integrado dos recursos hídricos.

A parceria foi firmada em dezembro de 2010, em uma audiência entre o reitor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Thompson Fernandes Mariz, o diretor do Instituto Nacional do Semiá-rido (Insa), Roberto Germano Costa, e o representante da Universität Göttingen, da Alemanha, Bernd Rusteberg. O projeto também tem como uma das instituições responsáveis a Agência Nacional de Águas (ANA), e conta com a participação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária – Semiárido (Embrapa) e de outras dez universidades brasileiras e agências do setor. Na Alemanha, o projeto conta com o apoio de onze instituições.

Stoc

k

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84 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

inDicADores

Pesquisa mostra que 39,5% dos brasileiros não possuem conta bancária

Feminino Masculino

Não sabe ou não respondeu

Não serve para nada

oferecer produtos e serviços

Pagar contas

emprestar dinheiro

Guardar dinheiro

Movimentar dinheiro

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0%

1,81,0

2,52,4

12,313,3

19,114,1

3,65,4

22,919,3

37,744,5

Gráfico 3: Principal função de um banco, por sexo

55 anos ou mais

45 a 54 anos

35 a 44 anos

25 a 24 anos

18 a 24 anos

6,6

3,1

4,6

4,2

3,5

0,0% 1,0% 2,0% 3,0% 4,0% 5,0% 6,0% 7,0%

Gráfico 4: Principal função é empréstimo de dinheiro, segundo faixa etária

Gráfico 1: Principal função de um banco, por grandes regiões

80

70

60

50

40

30

20

10

0Brasil % sul (%) sudeste (%) nordeste (%) norte (%) centro-oeste (%)

62,1

29,5

4,5

67,1

26,8

3,4

57,6

33,2

3,4

62,2

26,4

5,5

57,8

33,3

6,1

63,8

20,6

3,1

Movimentar / guardar dinheiro oferecer produtos e serviços / pagar contas emprestar dinheiro

Gráfico 2: Principal função de um banco, por faixa de renda

80706050403020100

67,1

26,8

5

57,6

33,2

4,8

62,2

26,4

2,7

57,8

33,3

3,1

63,8

20,6

7,1

Até 2 sM (%) De 2 a 5 sM (%) De 5 a 10 sM (%) De 10 a 20 sM (%) Acima de 20 sM (%)

Movimentar / guardar dinheiro emprestar dinheirooferecer produtos e serviços / pagar contas

PercePção da função de um banco

Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que tipo de percepção os brasileiros têm dos bancos no país. Em sua quinta edição, o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) mostra que, para a população brasileira, as instituições bancárias têm como função primordial movimentar e guardar dinheiro (62,1%), enquanto apenas 4,5% enxergam o empréstimo de dinheiro como papel principal dos bancos. A pesquisa também concluiu que 39,5% dos brasileiros – o equivalente a 53 milhões de pessoas – não têm conta em banco.

“Nas regiões mais desenvolvidas econo-micamente (Sudeste e Sul), há uma menor percepção da relevância da concessão de crédito em comparação com o resultado nacional, enquanto nas regiões menos desenvolvidas economicamente (Nordeste e Norte) os entrevistados atribuem uma

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85Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Gráfico 5: Posse de conta bancária, por grandes regiões

Brasil sul sudeste centro-oeste Nordeste Norte

sim, há mais de 5 anos 39,0 47,1 47,0 37,7 29,6 23,9

sim, entre 1 e 5 anos 16,1 17,1 13,8 24,0 14,8 17,3

sim, há menos de 1 ano 5,4 5,9 5,1 7,2 3,0 8,8

Não tem 39,5 30,0 34,1 31,2 52,6 50

Inclusão bancárIa e PercePção famIlIar no brasIl

Gráfico 6: Posse de conta bancária, por sexo

34,355,5

44,266,0

Feminino

Masculina

Hoje 5 anos ou mais

Gráfico 7: Posse de conta bancária, de acordo com grau de escolaridade

superior incompleto, completo e pós-graduação

2º grau completo ou incompleto

De 5ª a 8ª série do 1º grau

Até 4ª série do 1º grau

63,688,5

39,669,3

33,354,8

32,444,4

Hoje 5 anos ou mais

maior relevância a essa função dos bancos”, afirma o estudo, que foi apresentado pelo presidente do Ipea, Marcio Pochmann, e por Lisa Gunn, coordenadora-executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em janeiro.

“Há uma penalização da população de baixa renda, que, por não ter conta bancária, paga juros maiores no varejo”, afirmou Poch-mann. “Os que têm renda estão incluídos no sistema bancário. Os que não têm, só agora começam a fazer parte. Mas devemos discutir se o sistema bancário brasileiro é adequado à realidade nacional”, destacou o presidente do Ipea.

Lisa Gunn acrescentou que a boa avaliação da segurança na realização das operações bancárias em agências e da satisfação com relação ao horário de atendimento deve ser vista com ressalvas, pois tais instituições aparecem entre as recordistas de reclamações por parte dos consumidores. Segundo o SIPS, 71,2% dos entrevistados estão satisfeitos com a segurança nas agências.

Quanto à posse de conta, a situação é pior no Nordeste, onde 52,6% dos entrevistados disseram não tê-la. Dentre os brasileiros que não têm conta em banco, 40,6% declararam que gostariam de abrir uma, e 26,6% se consideram em condição financeira neces-sária para isso.

As mulheres constituem a maior parte da população excluída do sistema bancário e a população jovem está tendo acesso mais cedo ao sistema, enquanto os maiores de 45 anos tiveram um avanço menor.

Quanto ao processo de escolha do banco, o gráfico 9 traz a distribuição

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86 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

Gráfico 9: motivação para a escolha do banco (%)

Brasil sul sudeste centro-oeste Nordeste Norte

era a única opção, pois não existe outro banco aqui

2,5 2,4 1,7 1,4 3,1 6,1

outro motivo 12,1 5,2 9,0 17,2 16,9 21,2

Foi a empresa em que trabalho que escolheu

35,3 37,6 39,2 31,2 27,8 35,2

eu / minha família sempre trabalhou com este banco

17,5 31,4 17,9 10,4 14,4 7,9

eu conf io neste banco 17,2 10,1 10,3 28,1 29,4 20,6

Fica próximo da minha casa / trabalho

14,4 10,1 21,7 10,9 7,8 9,1

Não sabe ou não respondeu 1,0 3,1 0,3 0,9 0,6 0,0

Muito satisfeito 7,0%

satisfeito 71,2%

indiferente 7,5%

insatisfeito 12,3

Muito insatisfeito 1,4

Não sabe ou não respondeu 0,6

Tabela 1: segurança na realização das operações bancária na agência

50,559,4

44,757,8

47,166,1

37,665,0

11,851,9

Mais de 54 anos

45 a 54 anos

35 a 44 anos

25 a 34 anos

18 a 24 anos

Hoje 5 anos ou mais

Gráfico 8: Posse de conta bancária, faixa etáriaregional dessas motivações. A motivação para a escolha do banco tem características regionais bem definidas. A escolha por parte da empresa onde trabalha o cidadão é a única exceção, porque é decisiva em todas as regiões do país, sendo o maior índice o da Região Sudeste.

Já a tradição no relacionamento com o banco (pessoal ou familiar) tem muita relevância na Região Sul, sendo seu valor quase o dobro do índice nacional, enquanto no Norte há menos influência desse fator sobre a decisão de escolha. A confiança no banco como fator decisivo para escolha tem maior importância nas regiões menos desenvolvidas economicamente, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com destaque para esta última, em que essa razão foi apontada por quase 40% dos respondentes. Nas regiões mais desenvolvidas (Sudeste e Sul) o fator de confiança tem influência reduzida na decisão em comparação aos outros motivos.

A localização do banco tem peso desta-cado como fator decisivo de escolha na Região Sudeste e a falta de alternativas, na Região Norte.

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89Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 65

A correspondência para a redação deve ser env iada para desaf [email protected] ou para SBS Quadra 01 - Ed i f íc io BNDES - Sala 1517 - CEP: 70076-900 - Bras í l ia - DF

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.ipea.gov.br

CArtASTECNOLÓGICA

Boa a seção sobre minha cidade, Santa Rita do Sapucaí. O município, conhecido como o "Vale do Silício" brasileiro, tem muito a oferecer ainda para as empresas de tecnologia de Minas e do Brasil. As empresas vem crescendo, e com elas crescem a cidade e a economia do estado. As incubadores e laboratórios ainda vão contribuir muito para a pesquisa em tecnologia no Brasil.

Marcos OliveiraSanta Rita do Sapucaí - MG

BANCO DE DADOS

Prezado(a)s, Cumpre, enquanto usuário e cidadão,

parabenizar o Ipea e as Equipes Técnicas e servidores(as) que direta e indiretamente contribuem com o melhor dos seus esforços para, primeiro, a produção do conhecimento da realidade social e econômica do país; e, segundo, fazem sua indispensável e neces-sária disseminação via essa riquíssima, em termos de dados e informações, Desafios do Desenvolvimento, verdadeiro e bem acessível banco de dados da/para a socie-dade brasileira.

Pedro James De Souza GuedêlhaSão Luis - Maranhão

CODE

Participei da Code (Conferência do Desenvolvimento) em Brasília, e pude acompanhar de perto o esforço do Ipea para disseminar conhecimento. Gostei da reportagem sobre a Conferência, mas acho que ela poderia ter falado mais dos painéis, que foram muito bons. Parabéns pela iniciativa!

Lisandra Martins OliveiraEstudante

São Carlos – SP

CRISE

Não creio que a crise tenha acabado para o Brasil, conforme reportagem da edição n. 64 da revista Desafios do Desenvolvi-mento. Enquanto os países desenvolvidos não recuperarem plenamente suas econo-mias, ficaremos sem um grande mercado para as exportações brasileiras. E nossa dependência das exportações nos coloca junto com eles na crise.

Antônio NavesContagem – MG

CRISE II

Enquanto as populações apertam os cintos, os banqueiros “de olhos azuis”, que causaram a crise, ainda mandam nas instituições financeiras, e recebem bônus polpudos. A crise, para eles, foi apenas uma maneira de ganhar mais dinheiro. Basta ver o documentário “Trabalho interno”, que recomendo.

Saulo Garcia MoutinhoProfessor

São Paulo-SP

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Visite o site e veja algumas das fotografias da campanha: http://www.ipc-undp.org/photo/

humanizando o

DESENVOLVIMENTO

Como você vê o desenvolvimento? Como retratar uma face humana do desenvolvimento? Como os programas e iniciativas do desen-volvimento melhoram a vida das pessoas? A Campanha Mundial de Fotografia Humani-zando o Desenvolvimento” busca mostrar e promover exemplos de pessoas vencendo a luta contra a pobreza, a marginalização e a exclusão social. Chamando-se a atenção para os sucessos obtidos, a campanha pretende contrabalancear as imagens frequentes que mostram desolação e desespero. Uma galeria de fotos será permanentemente localizada no escritório do IPC (Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo)e será aberta para visitação pública. Uma série de exposições fotográficas também será organizada em diversas cidades ao redor do mundo.

Nós temos o prazer de anunciar as 50 fotos selecionadas pela campanha. Nós gostaríamos de agradecer aos participantes de mais de 100 países que nos enviaram suas fotos e suas histórias, e compartilharam sonhos e desafios. Nós agradecemos as Instituições Parceiras e membros do Comitê de Seleção por suas contribuições para a campanha. Todos vocês tornaram a campanha uma realidade e nos ajudaram a destacar e promover o desenvolvimento através de novas lentes. Parabéns aos participantes.

COMPUTADOR DO FUTURO – Adama estuda exercícios em html/css no chão da escola, durante corte de luz da aula de computação. Fotografia feita na Etiópia.

Ian Terney