Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde...

81
Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde como objeto das políticas públicas: as práticas do Enfermeiro na Atenção Básica Tese apresentada à Escola de Enfermagem da USP, como parte dos requisitos para o concurso de Livre-Docência junto ao Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva. São Paulo 2013

Transcript of Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde...

Page 1: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

Celia Maria Sivalli Campos

Necessidades de saúde como objeto das políticas públicas: as práticas do Enfermeiro na Atenção

Básica

Tese apresentada à Escola de Enfermagem da USP, como parte dos requisitos para o concurso de Livre-Docência junto ao Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva.

São Paulo

2013

Page 2: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

2

Resumo

Este trabalho buscou refletir sobre as necessidades de saúde tomadas como objeto das

políticas estatais de saúde e sobre as práticas do enfermeiro em resposta a elas, na

Atenção Básica. Recuperou a concepção de necessidades de saúde como necessidades

sociais, traduzidas nas categorias necessidades de reprodução social; necessidade da

presença do Estado e necessidade de participação social e apresentou como o trabalho

do enfermeiro, uma prática social, vem se relacionando com as necessidades sociais de

saúde. As práticas em saúde, dentre elas as do enfermeiro, são orientadas pelas políticas

estatais de saúde, que na atualidade têm induzido brechas na consolidada organização

da AB. No entanto, essas políticas não conseguem regularizar a expansão das ações para

agir sobre os determinantes das necessidades sociais de saúde. Por fim, propõe a

inclusão na política de saúde da reflexão sobre os processos de trabalho, para permitir

aos trabalhadores a compreensão dos limites e das contradições das formas de

regularização do processo de produção em saúde, compreendendo que ao dominar o

objeto na sua amplitude, pela apreensão do conceito de necessidades sociais de saúde e

dos limites das políticas para induzir práticas que respondam mais amplamente a elas,

estarão menos capturados pelas frustrações produzidas pela idealização e mais

fortalecidos para desenvolver práticas emancipatórias, novas práticas que acirrem as

contradições.

Page 3: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

3

Abstract

This study sought to reflect on health needs taken as an object of state health policies

and the nurses’ practices in response to them, in Primary Health Care. Health needs are

seen as social needs, translated into the categories needs of social reproduction; need

for the presence of the State and need for social participation. Nurses’ labor is

presented as a social practice related to social health needs. Health practices, and those

of nurses among them, are guided by state health policies, which at present have

induced some changes in the organization of the consolidated Primary Health Care.

However, such policies can’t regulate health actions expansion by addressing the

society health needs determinants. Finally, we propose the inclusion of the debate of

labor processes as health policy to enable health workers to understand the limits and

the contradictions in regulating the health production process. The apprehension of the

concept of health and social needs and of the limits of political practices to induce them,

in order to respond them more broadly, is reached by mastering the object in its breadth.

So, health workers are less subject to the frustrations produced by idealization of health

work and more empowered to develop emancipatory practices, new practices that

embolden contradictions, thus enabling social transformation.

Page 4: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

4

Apresentação

A categoria necessidades de saúde compõe o núcleo central do campo da Saúde

Coletiva e sua compreensão é fundamental para o desenvolvimento de práticas de

Enfermagem. O desafio reside em explorar sua dimensão teórica e traduzi-la em

categorias mais próximas da realidade, permitindo sua operacionalização nas práticas do

cuidado em saúde. Este estudo discute os elementos envolvidos na operacionalização da

categoria necessidades de saúde nas práticas do cuidado do enfermeiro.

O capítulo 1- Saúde coletiva e necessidades sociais de saúde recupera a

concepção de necessidades de saúde como necessidades sociais, traduzidas nas

categorias necessidades de reprodução social; necessidade da presença do Estado e

necessidade de participação política.

O capítulo 2 - As necessidades sociais de saúde e as práticas de Enfermagem

que compõem o cuidado apresenta como o trabalho da Enfermagem vem se

relacionando com as necessidades de saúde.

O capítulo 3 - O trabalho do enfermeiro como prática social recupera o sentido

da historicidade do trabalho do enfermeiro que demandou a compreensão dessa

articulação com a estrutura e a dinâmica das formações sociais.

No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde como eixo norteador das

práticas busca explicitar como as práticas são induzidas pelas políticas de saúde, assim

como o eixo norteador das políticas de saúde na atualidade: o paradigma da clínica.

O capítulo 5 - As respostas sociais da política estatal e as necessidades de saúde

induzidas aborda como as necessidades tem sido operacionalizadas nas práticas de

saúde, por meio de revisão da literatura. Reconhece-se que as políticas têm induzido

brechas na organização da Atenção Básica; no entanto, não conseguem regularizar a

expansão das ações para agir sobre os determinantes do processo saúde-doença.

O capítulo 6 - As respostas sociais da política estatal e as necessidades de saúde

induzidas na especificidade do cuidado do enfermeiro na AB propõe a inclusão na

política de saúde da reflexão sobre os processos de trabalho, para permitir aos

Page 5: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

5

trabalhadores a compreensão dos limites e das contradições nas formas de regularização

do processo de produção em saúde.

Ao dominar o objeto em sua amplitude, pela apreensão do conceito de

necessidades sociais de saúde e dos limites das políticas para induzir práticas que

respondam mais amplamente a elas, os trabalhadores da saúde, em especial os da

Enfermagem, estarão menos capturados pelas frustrações produzidas pela idealização

sobre seu objeto trabalho e mais fortalecidos para identificar as contradições presentes

em seu cotidiano, para desenvolver práticas emancipatórias, novas práticas que acirrem

as contradições.

O capítulo 7 - Necessidades sociais de saúde e o trabalho do enfermeiro –

propõe uma definição de práticas emancipatórias. São aquelas que possibilitam refletir

sobre a origem dos problemas de saúde, superando ações que incidem no âmbito dos

problemas já instalados, para atingir determinantes do processo saúde-doença;

instrumentalizam os sujeitos dos grupos sociais a acessar direitos e a lutar por eles e

aquelas que incentivam valores de solidariedade.

Práticas emancipatórias resgatam a condição humana como condição social, em

contraposição à naturalização do sujeito como ser biológico.

O capítulo 8 - Para fazer a síntese – retoma o percurso empreendido no

trabalho.

Page 6: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

6

1 - Saúde Coletiva e Necessidades Sociais de Saúde

O campo da Saúde Coletiva, para operacionalizar seu projeto político-ideológico,

buscou um corpo de conhecimentos que propôs a revisão das concepções de saúde e

doença, bem como uma reconceitualização do seu objeto: as necessidades de saúde

(Paim, 2008:164).

Para superar a concepção funcionalista do processo saúde-doença, retomou

conceitos da Medicina Social e incorporou outros das Ciências Sociais, fundamentando

teoricamente a compreensão de que o objeto das práticas em saúde é o coletivo,

constitutivamente heterogêneo, heterogeneidade esta determinada por suas

características sociais, e que o processo saúde-doença do coletivo é produto do processo

de reprodução da vida social (Laurell, 1982).

Ou seja, os perfis saúde-doença estão diretamente associados às distintas formas

com que cada grupo social insere-se na produção e como se relaciona com os demais

grupos sociais (Navarro, 2004; Borrell et al, 2004; Navarro et al, 2006; Blas et al 2008).

Coerentemente com essa perspectiva teórica, o processo de produção em saúde, que

resulta da articulação social dos diferentes processos de trabalho em saúde, tem como

finalidade responder às necessidades sociais (Mendes-Gonçalves, 1992).

Para Heller (1986), necessidade social é um conceito associado a valor positivo,

por ser interpretado como necessidade da sociedade, que tem diferentes significados. O

primeiro deles, bastante relevante na sociedade capitalista, é o de necessidades sociais

como sinônimo de interesse geral da sociedade, sendo definidas acima dos indivíduos e

de suas necessidades pessoais.

Na prática, tais necessidades objetivam-se como necessidades dos grupos

dominantes ou com maior poder de negociação, sob a pretensa imagem de validade

geral, universalidade e sociabilidade. A decisão de quais necessidades da classe são

justas e quais são injustas é tomada por representantes das denominadas necessidades

sociais; as necessidades efetivas da maioria não são consideradas verdadeiras (Heller,

1986: 78).

Page 7: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

7

Isso porque as necessidades de valorização do capital são as que preponderam

sobre as necessidades de desenvolvimento e aprimoramento dos indivíduos em

particular, e o valor econômico não pode ser transcendido por nenhum outro (Heller,

1986).

Na área da saúde, exemplo disso foram os ataques ao Sistema de Saúde

brasileiro em seu aspecto fundamental – a saúde como direito, de caráter universal,

coletivo e gratuito. Por ser financiado pelos cofres públicos, a justificativa das reformas

foi baseada em aspectos técnicos, que se sustentavam na premissa da falta de recursos

públicos para o setor (Puccini, 2002). Sob o pretexto de interesse geral da sociedade, as

reformas foram apresentadas como necessidades sociais.

Necessidades sociais também se identificam com necessidades socialmente

produzidas, que operacionalizam o mecanismo que viabiliza a ampliação do capital,

pois criam demandas de consumo de bens e mercadorias que incorporam valor de troca

(Heller, 1986). Essa demanda, ao mesmo tempo em que é força motriz para a produção

e o consumo de mercadorias, pode representar o limite da riqueza, pois com a produção

da riqueza material da sociedade há a criação da riqueza e da multiplicidade de

necessidades dos indivíduos. Porém, essas necessidades concretizam-se nos indivíduos

de maneira desigual, pois desiguais são os acessos aos produtos que as satisfazem, a

depender do lugar que ocupam na divisão social do trabalho. Essas necessidades são

complexas e sofisticadas para os grupos que se localizam na alta esfera do consumo,

enquanto para outros grupos permanecem nos limites mínimos para a manutenção da

sobrevivência (Heller, 1986).

Essa interpretação de necessidades sociais, segundo Heller (1986), é somente

aplicável a necessidades cuja satisfação viabiliza-se mediante aquisição de produtos

com valor de troca, materiais ou imateriais. São socialmente produzidas as necessidades

humanas alienadas que, por se tornarem constituintes do imaginário e do desejo e por

serem inesgotáveis, foram adquirindo prioridade sobre outras necessidades humanas.

Até mesmo os bens atinentes à esfera dos direitos, como a saúde e a educação,

tornaram-se necessidades socialmente produzidas que passaram a ser comprados no

mercado.

Page 8: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

8

A associação entre o privado e a melhor qualidade da atenção à saúde que faz

parte do imaginário coletivo é uma necessidade socialmente produzida.

Este estudo filia-se à definição de necessidades sociais como as constituídas pela

média das necessidades individuais, desenvolvidas historicamente, e não interpretadas e

determinadas pela perspectiva econômica. Trata-se, segundo Heller (1986: 82), de

uma categoria objetiva: um determinado homem, de uma determinada classe, de uma determinada época, nasce em um sistema e em uma hierarquia de necessidades pré-constituídas (ainda que em evolução) pelos costumes, pela moral das gerações precedentes e sobretudo pelos objetos de suas necessidades.

Esta definição expressa que indivíduos de características singulares portam

necessidades a serem satisfeitas por processos de trabalho realizados em instituições

sociais, destinados à satisfação coletiva, como as necessidades culturais, de

aprendizagem, de proteção e de aprimoramento das condições de saúde, entre outras

(Heller, 1986).

A partir dessa compreensão, neste estudo as necessidades de saúde são

entendidas como necessidades de reprodução das classes sociais, pois se constituem de

modo distinto nos indivíduos de diferentes classes, dado que o acesso desses indivíduos

ao que as satisfaz é desigual. Assim, necessidades de saúde devem ser interpretadas e

respondidas como necessidades sociais, subordinadas às diferenças de classe, no âmbito

de instituições sociais (Campos, Mishima, 2005; Campos, 2009).

Atender necessidades de saúde significa tomar o conceito da determinação social

do processo saúde-doença para instaurar processos de trabalho que respondam a elas no

âmbito dos determinantes e também dos resultados - a doença propriamente dita, e

encaminhar a política pública de saúde na direção do direito universal (Campos,

Mishima, 2005). Isso significa que o objeto das práticas em saúde – as necessidades de

saúde - é amplo, abrangendo, além da dimensão biológica, as dimensões cultural,

econômica, ecológica e política que, no modo de produção capitalista, são comandadas

pela dimensão econômica (Samaja, 2000).

Uma vez que são os serviços de saúde que reconhecem necessidades de saúde e

as transformam em demandas, o sistema de atenção à saúde deve se articular com outros

Page 9: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

9

setores sociais, pois, como afirmam Giovanella, Escorel e Mendonça (2009) somente

com ações intersetoriais é possível alcançar os determinantes do processo saúde-doença.

No entanto, na Atenção Básica os processos de trabalho têm prescindido do

reconhecimento das necessidades de saúde dos usuários (Campos, Mishima, 2005;

Santos, 2009; Shimizu, Rosales, 2009) e são implementados a partir de programas

propostos pelo Ministério da Saúde, ainda bastante voltados ao atendimento e

monitoramento de algumas doenças e agravos, justificados por seus resultados técnicos

e apresentados como necessidades sociais.

Assim, as necessidades de saúde têm sido reconhecidas pela população como

necessidades de serviços de saúde e são tomadas pelos serviços como sinônimo de

problemas de saúde já instalados no corpo bio-psíquico de um indivíduo, que devem ser

corrigidos pelas práticas do serviço, primordialmente as fundamentadas nos

instrumentos da clínica médica (Campos, Bataiero, 2007).

Entretanto, as práticas de saúde configuram-se como trabalho (Mendes

Gonçalves, 1992), como processo de transformação intencional de um dado objeto - as

necessidades de saúde, mediado por instrumentos utilizados pelos trabalhadores de

saúde, resultando em um produto - as necessidades aprimoradas ou atendidas. Assim, é

possível aos trabalhadores buscar a ampliação do objeto de suas práticas, reconhecendo

necessidades ampliadas, que alcancem os determinantes do processo saúde-doença,

expandindo as respostas além da diminuição ou da remissão de sintomas.

As necessidades de saúde devem ser identificadas no conjunto da vida social dos

indivíduos, nas formas de produzir, partilhar e consumir o que é socialmente produzido,

nas formas de trabalhar e nos modos de viver do indivíduo, da família e da classe ou

grupo social à qual pertencem; nas relações que estabelecem com outras pessoas, outros

grupos e com a instituições sociais e nas características ambientais, geográficas e sociais

do território onde vivem. Devem ser identificadas ainda nas doenças, consequências

dessas formas de trabalhar e de viver no corpo bio-psíquico dos indivíduos e das família

de diferentes classes ou grupos sociais(Campos, 2009:148)

Em síntese, a partir do arcabouço teórico da Saúde Coletiva, a necessidades de

saúde são necessidades de reprodução social que constituem a base do processo

Page 10: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

10

saúde-doença que, para serem detectadas e respondidas em sua complexidade,

convocam a necessidade da presença do Estado, que será mais efetiva na

responsabilização pela garantia dos diversos serviços que promovem o bem-estar social

da população e o acesso a direitos universais representados pelos bens produzidos nos

serviços públicos, quanto mais estiver consciente a necessidade de participação

política. É essa instância que possibilita a discussão e o embate das necessidades e dos

interesses das classes e grupos sociais diversos e dos grupos organizados da sociedade

civil, que revela os conflitos sociais encobertos pelos desgastes advindos do mundo do

trabalho contemporâneo e que possibilita a construção de um projeto emancipatório, no

qual estejam postas as necessidades de todos (Campos, 2004).

Nessa perspectiva, reconhecer necessidades de saúde significa identificar as

atinentes à reprodução social de indivíduos e grupos, como ocupação; vínculo

empregatício; horas trabalhadas por semana; benefícios provenientes do trabalho, além

do salário; escolaridade; condições da moradia; número e idade das pessoas residentes

no domicílio; sexo, idade e escolaridade do chefe da família; entre outros indicadores de

condições de trabalho e vida; e também os problemas de saúde; tratamentos e

monitoramento por profissionais de saúde.

Implica ainda identificar as características da presença do Estado, expressa no

acesso das residências a serviços de infraestrutura, como água, iluminação elétrica, rede

de esgoto; pavimentação e arborização das ruas; presença de instituições sociais

públicas, como escolas, serviços de saúde; segurança pública, entre outros. E também

reconhecer a participação dos indivíduos em atividades associativas, como associações,

sindicatos, comitês, entre outras. Acredita-se que dessa forma alcançam-se os

determinantes do processo saúde-doença.

Partindo das redes de conhecimento estabelecidas pela OMS para apoiar a

Comissão sobre os Determinantes Sociais da Saúde, Blas et al (2008: 1684)

identificaram que a ação governamental deve prover ou garantir “direitos humanos e

serviços essenciais; ser propositora de diretrizes políticas que proporcionem um

aperfeiçoamento igualitário das condições de saúde; prover e monitorar informações

que gerem dados a respeito de morbidade, mortalidade e equidade de condições de

saúde da população”, evidenciando que a presença do Estado e a participação da

sociedade civil reduzem desigualdades das condições de saúde de uma dada população.

Page 11: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

11

O estudo empírico desenvolvido por Navarro et al (2006) também demonstrou

que países que implementaram políticas redistributivas visando à redução de

desigualdades sociais apresentaram melhores indicadores de saúde, dentre os

selecionados (mortalidade infantil e expectativa de vida).

Já no tocante à participação social dos indivíduos e grupos sociais, Blas et al

(2008) afirmaram que na esfera da sociedade civil, os movimentos sociais, tanto as

organizações formais como os sindicatos, quanto os grupos comunitários informais,

como os comitês, e os movimentos sociais de larga escala, como o antiapartheid na

África do Sul) estão associados a modificações positivas na esfera social, política e

econômica, que impactam positivamente o aprimoramento das condições de saúde

individual e de toda a população.

É a partir dessa conceituação de necessidades de saúde que este estudo pretende

reconhecer nas práticas realizadas na Atenção Básica, com enfoque nas desenvolvidas

pelos enfermeiros, a potencialidade de atingirem os determinantes sociais dos processos

saúde-doença e constituírem respostas ampliadas às necessidades de saúde.

Page 12: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

12

2 As necessidades sociais de saúde e as práticas que compõem o cuidado de

Enfermagem∗

As considerações que se seguem foram publicadas em Campos, Soares (2013).

O arcabouço teórico que embasa as práticas de Enfermagem acompanhou as

inflexões sofridas pela ciência, associadas ao contexto econômico, social e político em

que se desenvolveu (Silva, 1989; Almeida, Rocha, 1989), posto que a ciência é

historicamente determinada (Mendes Gonçalves, 1992; Silva, 1989).

Em sua origem como trabalho, a Enfermagem esteve mergulhada no contexto

das mudanças sociais de países da Europa, que culminaram com a Revolução Industrial,

a consolidação do capitalismo como modo de produção social e o aumento descomunal

da mortalidade, especialmente entre jovens em idade produtiva.

Nesse contexto econômico, social e político, a necessidade social de saúde

preponderante era o controle ou o combate de surtos ou epidemias. O setor saúde

respondeu à essa necessidade social de controlar o que colocava em risco o capitalismo,

tomando para si o controle social das condições de reprodução social dos grupos

sociais, por meio de práticas normativas de saneamento ambiental urbano e de educação

em saúde.

Assumidas pela Saúde Pública e direcionadas ao proletariado, tais práticas

visavam diminuir ou estabilizar a ocorrência de novos casos. Tornaram-se possíveis de

serem viabilizadas pelo desenvolvimento das ciências naturais, como a matemática, por

exemplo, que permitiu o desenvolvimento de métodos capazes de prever quantos

indivíduos seriam acometidos por uma epidemia, e pelo conhecimento da geografia, que

possibilitou a antevisão de onde os casos ocorreriam (Mendes Gonçalves, 1992;

Sabroza, s.d.).

Uma vez que as concepções de necessidades de saúde estão intrinsecamente

relacionadas às concepções do processo saúde-doença e diante da incontestável

associação entre a distribuição das doenças e mortes na população e o lugar social que

os indivíduos ocupavam na reprodução da vida social, era inegável que responder

∗ As considerações deste capítulo foram publicadas em (Campos, Soares, 2013: 267-277).

Page 13: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

13

socialmente a necessidades de saúde significava implementar mudanças nas condições

de trabalho e de vida desses indivíduos, só factíveis com mudanças na estrutura social.

No entanto, essa concepção era contrária à necessidade social de expansão do

capitalismo, pois as desigualdades sociais constituem uma das premissas do modo de

produção capitalista. Portanto, ficou restrita ao debate em círculos não influentes para

alterar o processo em curso (Mendes Gonçalves, 1992).

Nesse período, a influência das ciências naturais, dessa vez com o

amadurecimento da fisiologia e da patologia, permitiu que fosse ultrapassada a

dimensão da constituição de métodos de identificação de necessidades de saúde

pautados na epidemiologia e na estatística. Além da identificação de necessidades, essas

ciências fundamentaram a interpretação da doença como “alteração morfológica e/ou

funcional do corpo humano” e o corpo biológico individual passou a ser o lugar

privilegiado para a investigação e o cuidado da doença (Mendes Gonçalves, 1992: 69).

Assim, à necessidade de conter doenças transmissíveis, agregou-se a necessidade social

de recuperação e manutenção dos corpos nos padrões fisiológicos de normalidade.

Porém, foi apenas no século XX, após o desenvolvimento de medicamentos e

procedimentos, que esse modelo clínico, baseado nos saberes da clínica anátomo-

patológica, ganhou proeminência (Mendes Gonçalves, 1992). A Medicina baseada na

clínica anátomo-patológica serviu bem a esse propósito, alinhando-se às necessidades

sociais de saúde próprias do capitalismo, ou seja, a manutenção e o restabelecimento

dos corpos dos indivíduos em condições para o trabalho, e à premissa do projeto

político-ideológico do capitalismo, o convencimento de que todos somos iguais perante

a lei, o que individualiza cada um, pois também é individualizante. A doença localiza-se

no corpo individual, um corpo abstrato e reduzido às dimensões biológicas,

naturalizando o fenômeno do adoecimento, que “deixa de ser imediatamente social”

(Mendes Gonçalves, 1992: 71).

Coerente com essa concepção de doença, a relação técnica médico-paciente

passou a ser estabelecida entre o médico e o corpo individual do paciente. O hospital,

que até então era depósito de excluídos de toda sorte, passou a ser um local adequado

para sediar tal relação técnica e tornou-se espaço de tratamento, contando com a

presença sistemática do médico (Mendes Gonçalves, 1992). Foi nesse contexto que a

Page 14: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

14

Enfermagem firmou-se como prática social, desenvolvendo práticas para responder às

necessidades sociais de saúde que lhe deram origem.

Para fundamentar suas práticas de cuidado à saúde, a Enfermagem foi se

apropriando, desde meados do século XIX, da influência das ciências naturais, na

tentativa de superar o cuidado realizado por leigos, baseado em saberes do senso

comum. Florence Nightingale, filha da aristocracia inglesa, que diferentemente das

mulheres do seu tempo estudou e tinha domínio da escrita e da estatística, protagonizou

essa inflexão que deu origem à Enfermagem profissional. Ela aceitou o desafio de

cuidar de soldados feridos na Guerra da Criméia em hospitais militares com precárias

condições de higiene, de equipamentos e com insuficiência de recursos humanos (Silva,

1989).

Por adotar a concepção dominante das ciências da fisiologia e da patologia, que

propunha a existência de agente causador da doença no ambiente (os miasmas),

Florence propôs adaptações no ambiente de tratamento nas frentes de batalha, para

permitir a ação da natureza sobre os enfermos, com vistas a sua recuperação. A adoção

de medidas de organização do espaço para afastar contaminantes determinou a

diminuição vertiginosa das mortes entre os combatentes. Florence levou para dentro do

hospital essa concepção e organizou as práticas de Enfermagem para cuidar e para

controlar o ambiente (Silva, 1989).

No hospital, já como local privilegiado para a realização da prática clínica no

corpo do paciente, a Enfermagem centrou suas ações no ambiente, enquanto a medicina

delas se afastou (Almeida, Rocha, 1989).

A Enfermagem passou a ser uma prática social para realizar uma parte do

trabalho do médico, a parte mais manual, pois a complexidade do tratamento do

paciente no hospital inviabilizou que todo o trabalho fosse realizado apenas pela

categoria médica. Constituiu-se assim “a primeira extensão do médico em um

trabalhador coletivo” e seguiu-se a divisão social do trabalho médico, que dividiu partes

do seu trabalho com outros trabalhadores da saúde, mas manteve o domínio e continuou

sendo o determinante do processo ao manter a parte mais intelectual – o diagnóstico, a

prescrição e certas técnicas privilegiadas (Mendes Gonçalves, 1992: 72).

Page 15: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

15

Foi assim que a prática de Enfermagem, que até então era independente, passou

a ser dependente e subordinada à prática médica e o saber médico, preponderantemente

o da clínica anátomo-patológica, que passou a ser o eixo de todas as práticas advindas

da divisão social do trabalho (Almeida, Rocha, 1989). Desde a segunda metade do

século XIX até a década de 1960, a Enfermagem construiu a prática do cuidado sob essa

premissa.

Com o projeto de retomada da independência e de se constituir como prática

autônoma, a Enfermagem buscou desenvolver um corpo de conhecimentos específicos

da profissão.

Foi em busca do estatuto científico para a profissão que, a partir da década de

1960, enfermeiras americanas desenvolveram as teorias de Enfermagem, pressupondo,

como reiterou Horta (1975), que a autonomia profissional dependia fundamentalmente

da adoção da ciência no planejamento e na execução do cuidado.

Foi com essa finalidade que as teorias de enfermagem foram constituídas,

majoritariamente nas décadas de 1960 e 1970, tomando como ponto de partida

conceitos, teorias e linguagem de outras disciplinas ou áreas do saber já estabelecidas,

como a medicina, a psicologia e as ciências sociais (Silva, 1989; Almeida, Rocha, 1989;

Horta, 1979; Mckenzie, 2007), com a finalidade de organizar e sistematizar suas

práticas.

Dessa forma, a Enfermagem, pela mediação das teorias das várias áreas,

construiu métodos para organizar e sistematizar suas práticas, métodos esses que

articulados constituíram o processo de Enfermagem. As teorias de Enfermagem

orientam o cuidado de pacientes, desde a identificação das necessidades de saúde até a

avaliação do cuidado prestado.

Por isso, da mesma forma que Almeida e Rocha, optou-se por reconhecer as

teorias de enfermagem mais como um conjunto de métodos que operacionalizam e

sistematizam o cuidado específico de Enfermagem, baseados em referenciais teóricos de

outras áreas do conhecimento científico, do que um corpo teórico constituído por

saberes particulares da Enfermagem.

Page 16: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

16

Os métodos propostos por Florence, a primeira que aceitou o desafio de

organizar a prática da Enfermagem como profissão (1854 a 1860) e por isso conhecida

como a primeira teorista da Enfermagem, baseavam-se no paradigma positivista que

amparou a construção científica das ciências naturais, introduzindo no cuidado a

influência do meio ambiente, considerado como meio natural, ou seja, como espaço

controlável que faz parte de um sistema que precisa se harmonizar para efetivar a cura.

O hospital, então, foi proposto como espaço em que se podia controlar a

segurança, a higiene e o conforto do doente e os métodos para a sistematização do

cuidado de Enfermagem, denominados teorias de Enfermagem, foram desenvolvidos no

âmbito hospitalar.

Em meados do século XX, acompanhando o movimento crítico da ciência ao

positivismo, que propôs novos paradigmas para interpretar os fenômenos associados às

relações humanas e sociais, a Enfermagem incorporou conhecimentos dos paradigmas

interpretacionista e crítico. Lançou mão de diversas correntes teóricas que tinham em

comum o resgate das características das relações humanas no âmbito afetivo e

emocional, no paradigma interpretacionista, no entanto, sem abrir mão da centralidade

teórica das concepções sistêmicas do paradigma positivista.

No Brasil, é possível identificar essa tendência mais geral no processo de

Enfermagem de Wanda Horta (1979), enfermeira precursora da sistematização do

cuidado pautado no método científico, que ampliou o rol das necessidades humanas

básicas ao incorporar às dimensões fisiológicas, dimensões afetivas e emocionais,

valendo-se da teoria motivacional do psicólogo Abraham Maslow, e aspectos

espirituais, pautando-se na teoria das necessidades humanas básicas do padre João

Mohana, de quem incorporou uma certa classificação de necessidades - as necessidades

psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais.

Um olhar sobre as referências da constituição internacional dos métodos de

sistematização do cuidado de Enfermagem* mostra que foram maciçamente

desenvolvidos por enfermeiras americanas.

* Nursing theories: a companion to nursing theories and model [on line]. Disponível em: <http://currentnursing.com/nursing_theory/ > (22 mar 2012).

Page 17: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

17

No contexto histórico social das décadas de 1960 e 1970, período de

questionamento e discordâncias epistemológicas dos encaminhamentos positivistas

pautados nos saberes da clínica anátomo-fisiológica, a Enfermagem acompanhou a

inflexão da construção do conhecimento científico e foi, a partir desse período,

agregando os saberes dos paradigmas compreensivistas, que incorporaram outras

dimensões à concepção do processo saúde-doença, até então restrita às necessidades

fisiológicas.

Somente depois de um século da proposta de Florence Nightingale para

organizar as práticas de Enfermagem por meio de métodos assentados no paradigma

científico, foi proposto o segundo conjunto de métodos. No entanto, a Enfermagem

apenas agregou esses saberes - da Psicologia, da Sociologia e até da Teologia – aos já

estabelecidos pela tradição positivista, mantendo como eixo central do cuidado os

saberes da Biologia.

A primeira autora a incorporar esses saberes foi Hildegard Peplau†, que em 1952

buscou teorias da área da psicologia para embasar seu método de reconhecimento de

necessidades de saúde, ampliando a possibilidade de identificação de necessidades do

âmbito emocional dos indivíduos. Esse método, a Teoria do Relacionamento

Interpessoal, foi o primeiro de muitos outros desenvolvidos por enfermeiras nos

Estados Unidos.

Essa teoria foi influenciada pelo Modelo Relacional desenvolvido pelo

psiquiatra Harry Stack Sullivan que, partindo do paradigma interpretacionista e em

contraposição à concepção individualista, afirmou que os humanos são seres em

relação, sem as quais é impossível o aprimoramento e a realização da natureza humana.

O método constituído por Peplau também sofreu influência dos estudos científicos

sobre personalidade feitos pelo psicólogo Percival Symonds, além da teoria do

Biofeedback de Neal Elgar Miller, cientista social que utilizava conceitos da Psicologia

Comportamental e da Psicanálise em seus estudos e pesquisas. Utilizou também a teoria

da motivação humana de Abraham Maslow.

† Theory of the interpersonal relations [on line]. Disponível em: <http://currentnursing.com/nursing_theory/interpersonal_theory.html> (24 mar 2012).

Page 18: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

18

A partir dessa articulação de saberes, Peplau adotou a concepção de saúde como

conjunção de vários fatores no âmbito do organismo (dinâmico e que busca equilíbrio),

do ambiente (forças externas ao indivíduo), das condições de saúde e de vida

comunitária, que em harmonia determinam o bem-estar do indivíduo. Portanto,

coerentemente a essa concepção multicausal de saúde, as necessidades de saúde no

método de Peplau são reconhecidas no âmbito desses fatores.

A exemplo de Peplau, outras enfermeiras americanas desenvolveram métodos

para organizar o cuidado de Enfermagem (Teorias de Enfermagem), notadamente entre

as décadas de 1960 e 1970.

De maneira geral, todos esses métodos foram desenvolvidos a partir do

paradigma interpretacionista, principalmente a fenomenologia, o existencialismo e o

holismo, que subsidiam a concepção multicausal do processo saúde-doença. Embora

partam de uma base comum, apresentam nuances que os diferenciam como, por

exemplo, as diferentes escolas teóricas de referência e os diferentes aspectos

privilegiados na determinação das necessidades de saúde.

Vários desses métodos tiveram a influência mais da Teoria dos Sistemas, como a

Teoria dos Sistemas de Betty Newman e a Teoria dos três C’s (core, care, cure) de

Lydia Hall. Outros incorporaram à Teoria dos Sistemas conhecimentos das Ciências

Sociais (funcionalista) e da Psicologia (comportamental), como, por exemplo, o Modelo

de Adaptação (de comportamentos), de Sister Callista Roy; o Modelo dos Sistemas, de

Dorothy Johnson; a Teoria do Alcance de Metas, de Imogene King; e a Teoria dos

Quatro Princípios de Conservação, de Myra Estrine Levine.

Outro conjunto de métodos pautados nos saberes da Psicologia e da Filosofia

acrescentaram mais fortemente a centralidade do indivíduo como sujeito do cuidado ao

rol de necessidades de saúde, incorporando para isso aspectos do desenvolvimento da

consciência, da auto-estima e de auto-aceitação, tanto do paciente quanto do enfermeiro.

Podem ser citados como exemplos dessa perspectiva o Modelo do Relacionamento

Pessoa a Pessoa, de Joyce Travelbee; a Teoria Humanística de Enfermagem, de

Josephine Peterson e Loretta Zderad; a Teoria da Unicidade dos Seres Humanos, de

Marta E. Roger; a Teoria da Saúde como Expansão da Consciência, de Margareth

Page 19: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

19

Newman; a Teoria do Processo de Enfermagem Deliberativo, de Ida Orlando, e a

Teoria da Arte da Ajuda na Enfermagem Clínica, de Ernestine Wiedenbach.

Enquanto essa tendência incentiva a consideração do sujeito desde o

planejamento até a avaliação do cuidado, a Teoria das Necessidades Humanas de

Maslow caracterizou-se por dar ênfase aos aspectos motivacionais dos sujeitos. A

Enfermagem utilizou essa teoria no desenvolvimento da Teoria de Necessidades, de

Virginia Henderson; a Teoria dos 21 Problemas de Enfermagem, de Faye Glenn

Abdellah e a Teoria do Déficit de Auto-cuidado ou Teoria Orientada pela Doença, de

Dorothea Orem. No Brasil, inspirou A teoria das necessidades humanas, de Wanda

Horta. Mais recentemente, entre as décadas de 1980 e 1990, foi também desenvolvida a

Teoria da Enfermagem Transcultural, de Madeleine Leininger‡, embasada em

conhecimentos da Antropologia, particularmente a culturalista.

Associados à teoria dos sistemas como teoria fundante dos métodos de

enfermagem para o cuidado em saúde, seguiram-se métodos de identificação de

necessidades de saúde. As necessidades de saúde, que continuaram tomando por base as

necessidades fisiológicas, foram classificadas de maneira compartimentalizada e

hierarquizadas por sistemas em necessidades físicas, de relação com o ambiente,

emocionais, espirituais e da vida societária.

Portanto, referir-se a necessidades humanas, ou a necessidades humanas básicas,

significa considerar que o processo saúde-doença é determinado por fatores naturais,

num corpo individual que abriga um conjunto de necessidades que podem ser

identificadas separadamente e que em conjunto determinam o gradiente de saúde desse

indivíduo. O que permite essa interpretação é a naturalização do fenômeno saúde-

doença, que prescinde da essencialidade da dimensão social e considera que o corpo

não é nenhum corpo concreto, socialmente determinado em suas relações, mas sim um

corpo relativamente abstrato, reduzido a suas dimensões biológicas (Mendes

Gonçalves, 1989).

Tal interpretação do fenômeno saúde-doença permite no mesmo movimento o

obscurecimento e a naturalização dos determinantes das desigualdades sociais e

‡ Madeleine Leininger [on line]. Disponível em: <http://www.madeleine-leininger.com/en/index.shtml> (24 mar 2012)

Page 20: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

20

possibilita afirmar que a doença, ou o agravo, é igual em todos os indivíduos (Mendes

Gonçalves, 1989). Também permite afirmar que há necessidades universais, iguais para

todos, definidas como o déficit entre o padrão de normalidade, considerado o padrão

ótimo de saúde, e o problema apresentado pelo sujeito.

A partir dessas considerações é possível afirmar que a gastrite, a tuberculose ou

o consumo de drogas são iguais em todos os sujeitos e também é possível definir um

conjunto de necessidades de saúde consideradas naturais, igual para todos (alimentação,

ingestão hídrica, sono e repouso, proteção do corpo, entre outras, consideradas básicas

para a sobrevivência).

Essa afirmação, no entanto, permitiria constatar que o fenômeno saúde-doença

acomete igualmente o proprietário da construtora, o operador de máquinas e o pedreiro;

a executiva da multinacional e a faxineira da empresa terceirizada que limpa sua sala; o

gerente do banco e o office-boy; o dono da confecção e o imigrante ilegal que lá

trabalha; o jovem paulistano do Capão Redondo e o jovem paulistano do Jardim

Paulista. Também seria verdadeiro afirmar que todos esses sujeitos têm o mesmo acesso

ao que responde a suas necessidades. No entanto, objetivamente essas afirmações não

são verificáveis na realidade, mesmo que a comparação restrinja-se a necessidades

atinentes à dimensão biológica e as consideradas básicas à sobrevivência, as que Heller

(1986) nomeou de necessidades necessárias.

Mas, ao se analisar os métodos que organizam o cuidado de Enfermagem, ou

seja, as teorias de Enfermagem, a partir dessa compreensão, evidenciou-se que

expressam a compreensão sistêmica do sujeito e da sociedade e a concepção multicausal

do processo saúde-doença.

A influência do paradigma crítico na produção do conhecimento em

Enfermagem tem sido notada por estudiosos (Weaver, 2006) que indicam a influência

de diferentes abordagens nesse paradigma: estudos feministas, humanistas (nessa

abordagem, principalmente Paulo Freire), movimentos sociais de caráter emancipatório,

e a escola de Frankfurt (principalmente Habermas). Na América Latina esse paradigma

foi desenvolvido particularmente na vertente do materialismo histórico e dialético

(MHD), essencialmente a partir dos escritos de Marx e Engels.

Page 21: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

21

No Brasil, na vertente do MHD, Egry (1996) propôs um método para

sistematizar o cuidado de Enfermagem em Saúde Coletiva, compreendido como um dos

instrumentos do processo de trabalho em saúde, na mesma conjuntura político-social em

que os movimentos pela democratização da atenção à saúde retomaram o paradigma

crítico. Esse método de sistematização do cuidado parte da captação e interpretação de

um fenômeno da realidade, com suas bases no processo de produção e reprodução

social, e chega à proposta de projetos de intervenção e de reinterpretação da aplicação

do método. Foi denominado Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde

Coletiva – TIPESC (Egry, 1996).

Embora tenha sido desenvolvida uma variedade de teorias, métodos e

metodologias (Mckenzie, 2007), e apesar de tentativas de formulação de métodos

críticos no âmbito da academia, os métodos clínicos baseados no padrão de normalidade

do funcionamento do organismo persistem de maneira dominante. Consequentemente,

uma vez que esses métodos são instrumentos de reconhecimento de necessidades de

saúde para a proposição do cuidado, as práticas de Enfermagem tem sido

primordialmente dirigidas a disfunções de órgãos e sistemas.

Assim, para necessidades biopsíquicas no âmbito individual ministram-se

medicações e realizam-se procedimentos prescritos pelo médico e pelo enfermeiro,

como por exemplo: enema para os problemas de eliminação, controle hídrico para os

problemas renais, curativos para lesões, relacionamento terapêutico para o cuidado na

dimensão psíquica/emocional, ambiente seguro e tranquilo para as necessidades de sono

e repouso, apoio familiar, entre outros.

Page 22: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

22

3 O trabalho do enfermeiro como prática social

A hegemonia do paradigma da clínica funcionalista na fundamentação das

práticas não é característica unicamente das práticas dos enfermeiros, e sim das práticas

das profissões da área da saúde.

As práticas de saúde são instrumentos dos processos de trabalho em saúde, um

trabalho que tem como objeto necessidades de saúde. O processo de trabalho em saúde

não se objetiva na produção de um bem material, que no modo de produção capitalista

tomam a forma de produto, que incorporado de um valor de troca, é consumido na

forma mercadoria (Mendes Gonçalves)

Na saúde, o bem produzido incorpora-se imediatamente no próprio vir a ser do

homem individual, ou no vir a ser das condições objetivas de reprodução de suas

relações sociais (Mendes Gonçalves, 1992: 50). Portanto, na abstração do processo, o

bem produzido nos processos de trabalho em saúde não pode tomar forma de

mercadoria, nem poderia ser apropriado como tal. Por isso, justifica Mendes Gonçalves

(1992: 50), o trabalho em saúde terá sempre um estatuto especial, por comparação com

os processos de trabalho que se objetivam em bens materiais.

O processo de produção em saúde compõe o processo de produção mais geral da

sociedade e alinha-se com sua finalidade - a produção de excedentes e o consumo de

bens e serviços que movimentam a economia, na lógica da produção de lucros.

Portanto, a dinâmica que o rege o trabalho em saúde é a do modo de produção

preponderante, a mesma que rege o trabalho capitalista.

Esse quadro teórico geral norteou a discussão sobre necessidades apresentada na

tese de doutorado (Campos, 2004). O intuito era discutir como, a partir da

preponderância do capitalismo nas formações sociais, a relação do trabalho para

responder as necessidades humanas e seu aprimoramento, e o estabelecimento de

relações sociais mais ampliadas e solidárias ficou sobre-determinado pela nova finalidade

primordial do trabalho – a produção de excedentes.

Foi com a determinação do processo de produção que o trabalho humano foi

ficando subsumido aos instrumentos de trabalho e desta forma a atividade pôde ser

Page 23: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

23

realizada sem que o projeto do resultado estivesse guiando e subordinando à vontade do

trabalhador (Althusser, 1999; Antunes, 2000).

Assim, desde que a necessidade social passou a ser a reprodução do capital, a

finalidade do trabalho passou a ser a produção do lucro, para atender os imperativos

expansionistas do capital (Antunes, 2000). Para responder à necessidade de produção de

excedentes o processo de trabalho passou por reorganização, que resultou na divisão

parcelar da produção. Essa divisão, que aparenta ser determinada pelas características

técnicas do trabalho, é na verdade determinada pelas características de inserção de

classe.

Para Viana, Soares, Campos (2013: 127) é “a divisão social do trabalho em seu

sentido mais amplo, em uma determinada sociedade, que institui as classes

fundamentais (instituídas pelo modo de produção dominante) e as demais classes

oriundas das relações de trabalho/produção nos demais modos de produção”. Para esses

autores “cada classe social ocupa uma posição no conjunto da divisão social geral do

trabalho. As classes fundamentais são a classe produtora/explorada e a classe

dominante/exploradora, que só existem nas suas relações mútuas”. Para viabilizar as

relações de produção e reprodução,

as classes auxiliares da classe dominante são aquelas que executam o trabalho de reprodução das relações de produção dominantes, por meio da direção, normatização, repressão e legitimação (...), que executam a ação de direção e legitimação no sentido de reproduzir as relações de produção capitalistas. As classes subalternas são aquelas que executam atividades subordinadas que visam à reprodução geral da sociedade (Viana, Soares, Campos 2013:127).

Dada a divisão em classes, o acesso a tecnologias, conhecimento e processos de

formação para o trabalho é desigual. A execução das partes mais marginais, menos

valorizadas e menos remuneradas dos processos de trabalho (geralmente as práticas

mais manuais), fica a cargo dos sujeitos das classes sociais mais exploradas. Já a parte

intelectual do trabalho, associada aos processos de criação, planejamento e

gerenciamento da atividade, é executada por sujeitos que tiveram mais acesso aos

processos de formação (Mendes Gonçalves, 1992). É evidente que essa divisão, que se

expressa numa divisão técnica, é sobre-determinada pela divisão social (Viana, Soares,

Campos 2013). As relações sociais são estabelecidas no interior das possibilidades

concretas que essa divisão oferece.

Page 24: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

24

(...) Para Marx e Engels, a consciência não pode ser outra coisa senão o ser consciente. Por conseguinte, não há espaço, nesta concepção, para se pensar a consciência como algo autônomo. A consciência não é separável do ser humano que a desenvolve e este não é um indivíduo isolado e, sim, um ser social (Viana, 2008: 83)

Em estudo que tomou por objeto a divisão de trabalho na enfermagem, Budjoso

et al (2007) abordaram a dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual e, pautando-

se na concepção de ideologia da competência técnico-científica definida por Marilena

Chauí, afirmaram:

Os dirigentes são os que recebem a educação científica e tecnológica, considerados portadores de saberes que os tornam competentes e por isso com poder de mando. Já os executantes apenas executam tarefas sem conhecer as razões e as finalidades de sua ação, por isso são considerados incompetentes e destinados a obedecer. Essa divisão social converteu-se na ideologia da competência técnico-científica, que coloca o "possuidor" do conhecimento como naturalmente dotado de poder de mando e direção, que se propagou nas escolas, hospitais, universidades, serviços públicos, dentre outros, sendo todos separados entre os "competentes" que sabem e os "incompetentes" que executam.

As práticas em saúde, instrumentos dos processos de trabalho em saúde, são

regidas pela mesma lógica. Dessa forma, a submissão do trabalho do enfermeiro aos

instrumentos possibilitou a preponderância da dimensão técnica do trabalho na

formação desse trabalhador, com uma certa desvalorização da dimensão teórica que,

como advertem Abrantes, Martins (2007), é a dimensão que possibilita o

reconhecimento da finalidade do projeto a ser executado e das características do objeto

a ser transformado.

Em decorrência da divisão social do trabalho, à Enfermagem coube a parcela

mais manual do trabalho em saúde, tendo sido atribuído ao médico o domínio do

processo, por assumir a parte mais intelectual – o diagnóstico e a prescrição (Mendes

Gonçalves, 1992). Posteriormente, para a prestação dos cuidados, a Enfermagem

reproduziu a mesma divisão, cabendo ao enfermeiro a parte mais intelectual do trabalho

manual – o planejamento e o gerenciamento do cuidado, ficando a parte mais manual

para os demais integrantes da equipe de enfermagem (Silva, 1989)

O processo de produção capitalista produz a desarticulação teoria-prática que,

dialeticamente, torna-se mecanismo importante de sustentação da divisão que fragmenta

o trabalho. Esse processo expressa-se no trabalho do enfermeiro por meio da reprodução

Page 25: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

25

reiterativa de práticas originadas a partir da disponibilidade dos instrumentos e das

possibilidades de desenvolvimento da consciência, que se processa nas relações sociais

estabelecidas. Essas condições estruturais forjam também mediações particulares do

trabalho em saúde.

Na Enfermagem, uma das mediações é o paradigma da clínica, um dos pilares

do processo de produção em saúde na lógica da produção capitalista. Ele sustenta a

produção do conhecimento que faz desaparecer o ser social, por meio do mecanismo de

conceber o indivíduo como ser biológico, desenvolvendo práticas de cuidado para

responder a necessidades de saúde identificadas como disfunções de partes do

organismo bio-psíquico, com vistas a restabelecer a normalidade funcional.

Um agravante para a superação ou ao menos para a formulação de crítica a

respeito da limitação imposta por esse paradigma às práticas, é certamente o

desenvolvimento limitado da produção de conhecimentos na Enfermagem a partir de

conhecimentos de outras disciplinas.

Page 26: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

26

4 - Políticas de saúde como eixo norteador das práticas

O Estado é a principal dentre as formas de regularização das relações sociais,

controlando e influenciando o funcionamento das demais, na tentativa de garantir a

reprodução das relações de produção e das relações sociais (Viana, 2007).

Parte-se do pressuposto que as políticas públicas de saúde, dispositivos do

Estado, são formuladas para sustentar e viabilizar o processo de produção em saúde,

regido pela mesma lógica do processo de produção mais geral da formação social.

Só é possível compreender a constituição das políticas no interior da totalidade

das relações sociais, considerando que o Estado é o agente do processo e propõe as

políticas no interior de suas contradições internas e pressões externas,

fundamentalmente determinadas em favor dos interesses gerais do capital e das

necessidades da acumulação capitalista. Mas não só, são também respostas a conflitos

de classes, de grupos de interesse e de partidos que dominam o Estado capitalista e

pressionam pela via da pressão popular, dos lobbies, entre outros (Viana, 2006)

As políticas estatais de assistência social, destinadas a atingir amplos setores da

população especialmente os mais desfavorecidos e os trabalhadores, são geradas, por

um lado, para garantir a reprodução da força de trabalho para as empresas capitalistas;

por outro, para responder a pressões de demandas da classe trabalhadora e de outros

grupos; e também pela necessidade de amortecimento de conflitos sociais, que podem

gerar crise de governabilidade ou a transformação social (Viana, 2006: 2)

O SUS, instrumento da política estatal de saúde, foi fruto dessa pressão,

protagonizada pelo movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que trouxe à cena

pública as reivindicações de segmentos da sociedade civil pela democratização do

direito à saúde. A Reforma defendeu a necessidade de democratização da sociedade, do

Estado e das instituições, por meio de um conjunto de transformações capazes de

aprimorar as condições de saúde e permitir a todos o acesso a bens materiais e

imateriais, com vistas ao aprimoramento das condições de saúde (reforma agrária,

reforma urbana, distribuição de renda, rompimento com a dependência externa, controle

social dos meios de comunicação, ensino gratuito, controle do ambiente e acesso à

assistência à saúde) (Paim, 2008:136).

Page 27: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

27

Um dos protagonistas desse movimento, Sérgio Arouca, disse que

operacionalizar os princípios básicos da Reforma Sanitária Brasileira não se resumiam à

criação do SUS, uma vez que para aprimorar as condições de saúde a política deveria

atingir esses âmbitos. “Por isso, era preciso discutir a saúde não como política do

Ministério da Saúde, mas como uma função de Estado permanente”§.

Do ponto de vista político, o projeto do SUS previa a superação dos insuficientes

sistemas de proteção social anteriores e respostas mais amplas às necessidades de saúde,

encaminhando ações de instrumentalização dos grupos sociais. Ao denunciar o desgaste

proveniente das formas de trabalhar diante dos encaminhamentos do projeto político

neoliberal, requeria o aprofundamento das políticas sociais públicas de redistribuição da

riqueza (Campos, Stotz, Soares, 2006).

A concepção política e ideológica do movimento pela Reforma Sanitária

Brasileira defendia a saúde (...) como uma questão social e política a ser abordada no

espaço público (Paim et al, 2011).

Do ponto de vista filosófico, os princípios do SUS constituem a essência do direito à saúde, um direito não mercadorizado, e seu usufruto não deveria depender do lugar em que o indivíduo ou grupo social se encontra na relação capital-trabalho, ou seja, trata-se de um direito cuja satisfação vai além das necessidades de sobrevivência. Nessa direção, as análises convergem para a compreensão de que os princípios da universalidade e da igualdade de atenção à saúde definem de modo mais explícito a essencialidade do direito universal (Calipo, Soares, 2013:4).

Esse direito foi conquista da mobilização de amplos setores da sociedade, no

contexto de lutas por direitos humanos, num período de distensão política do governo

de ditadura militar. O SUS, da forma como foi inscrito na Constituição, foi fruto de

embates entre grupos organizados com interesses diversos (Calipo, Soares, 2013).

Embora o ideário do SUS estivesse alinhado com a concepção de direito

universal, concretamente, o processo da implementação ocorreu no contexto de

reestruturação do processo de produção geral da sociedade (Calipo, Soares, 2013), que

produziu o aprofundamento das desigualdades sociais, o desemprego estrutural e o

§ extraído do verbete Reforma Sanitária, da biblioteca virtual Sérgio Arouca, da Fundação Osvaldo Cruz. Disponível em: http://bvsarouca.icict.fiocruz.br/sanitarista05.html. Acessado em 25 ago.2013

Page 28: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

28

triunfo do neoliberalismo, que alcançou grande êxito no âmbito social, político e

ideológico (Boron, 1999).

Esse sucesso ideológico e cultural do neoliberalismo manifestou-se:

a) na avassaladora tendência à mercantilização de direitos e prerrogativas conquistadas pelas classes populares (...) convertidos agora em “bens” ou “serviços” adquiríveis no mercado. A saúde, a educação e a seguridade social, por exemplo, deixaram de ser componentes inalienáveis dos direitos de cidadão e se transformaram em simples mercadorias intercambiadas entre “fornecedores” e compradores à margem de toda estipulação política. b) no deslocamento do equilíbrio entre mercados e estado, (...) fenômeno objetivo (...) reforçado (...) no terreno ideológico que “satanizou” o estado (...). Potentes definições culturais [foram] solidamente arraigadas na população, [associando] o estatal com o mau e o ineficiente e os mercados com o bom e o eficiente. c) na criação de um “senso comum” neoliberal, (...) que penetra muito profundamente no chão das crenças populares (...). Este conformismo também se exprime no terreno mais elaborado das teorias econômica e sociais, [o chamado] “pensamento único. d) (...) convenceu amplíssimos setores das sociedades capitalistas – e a quase totalidade de suas elites políticas – de que não existe outra alternativa (...) [e rejeita todo discurso] que se atreva a dizer que a sociedade pode se organizar de outra maneira” (Boron, 1999: 9-10).

Essa reestruturação produziu a lógica da globalização econômica - dos

mercados, da produção e do consumo, e por consequência a subordinação do Estado às

leis de mercado mundial, a diminuição do investimento público em políticas, deixando

bens públicos, como a saúde e a educação, ao sabor das leis do mercado (Boron, 1999).

Nas diferentes formas de organização do Estado as políticas sociais públicas

estão intimamente vinculadas ao encaminhamento do projeto de manutenção da ordem

econômica (Laurell, 1997). Assim, as políticas estatais por ocasião da implementação

do SUS instrumentalizaram o rearranjo do núcleo capital/trabalho/Estado, baseando-se

na concepção do modelo neoliberal.

Carvalheiro (2000:12) teceu considerações a respeito da guinada neoliberal da

política estatal de saúde, considerando que a sensibilidade social do setor expressava

com maior nitidez as distorções e discrepâncias de um mundo repleto de aleijões, e

constatando que a ideologia e as propostas revolucionárias dos sanitaristas, que

impulsionaram a Reforma Sanitária Brasileira se chocaram com o “pragmatismo” do

stablishment, dominado pelos economistas (grifo do autor).

Page 29: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

29

Paim (2006) sinalizou consequências para o processo de produção em saúde,

provenientes desse alinhamento das políticas de saúde às políticas econômicas, quando

descreveu que o processo de implantação do SUS esteve alinhado a diversas

concepções e projetos, até se tornar refém da política econômica.

O SUS formal, estabelecido pela Constituição, Lei Orgânica da Saúde e portarias; o SUS democrático, integrante de uma totalidade de mudanças desenhadas pela RSB; o SUS real, com direito a trocadilho com o nome da moeda que simboliza as políticas econômicas monetaristas e de ajuste macro-estrutural, refém da chamada área econômica dos governos e do clientelismo e do patrimonialismo que caracterizam o Estado brasileiro; e o SUS para pobres, como parte das políticas focalizadas defendidas por organismos internacionais (Paim, 2006:36).

Portanto, a adesão do projeto de manutenção da ordem econômica pelo Estado

brasileiro abalou o projeto que estava nas origens do SUS, que intencionava o cuidado à

saúde como direito e a saúde como resultado do acesso a bens e serviços que

favorecessem o aprimoramento das condições de trabalho e de vida dos sujeitos dos

grupos sociais. Também feriu um dos princípios fundamentais do SUS, o da

universalidade (Calipo, Soares, 2013).

Segundo Mészáros (2003:17), pautando-se em Marx:

(...) é impossível existir universalidade no mundo social sem igualdade substantiva. Evidentemente, portanto, o sistema do capital, em todas as suas formas concebíveis ou historicamente conhecidas, é incompatível com suas próprias projeções – ainda que distorcidas e estropiadas – de universalidade (...). A potencialidade da tendência universalizante do capital, por sua vez, se transforma na realidade da alienação desumanizante e na reificação.

Considerando-se as práticas como instrumentos da política e que não há

dissonância entre a indução das práticas pelas políticas estatais de saúde e o recorte de

necessidades de saúde, ou seja, não há base material concreta para conceber o SUS

como provedor do direito universal à saúde e nem a política de saúde como indutora da

ampliação das práticas. Tal idealização tem produzido nos trabalhadores insatisfação

com as práticas que realizam.

O caminho concreto que a implementação do projeto do SUS tomou parece não

ter sido amplamente discutido entre os trabalhadores da saúde. Os que conviveram à

época com o processo da concepção do SUS continuam com olhar nostálgico, voltado

Page 30: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

30

ao ideário da política e a um projeto idealizado de SUS, que não se efetiva. Os

trabalhadores que chegaram depois parecem aceitar a realidade dos serviços de saúde,

esboçando reações um tanto ingênuas que se dirigem à ineficiência do setor público

para prover saúde, o que de alguma forma encobre as verdadeiras direções e

intencionalidades assumidas pelo Estado.

Esse mecanismo pode ser compreendido, em parte, pela crescente despolitização

do espaço público descrito por Calipo, Soares (2008:127), ao abordarem a

deslegitimação do poder político dos espaços públicos de decisão, como o das

Conferências: (...) a política passa a ser coisa de especialistas e não de cidadãos.

As necessidades de saúde - social e biologicamente determinadas - somente

serão reconhecidas socialmente, uma vez que é o sistema de atenção que utiliza critérios

para transformá-las de necessidades auto-referidas pelo indivíduo em um código

reconhecido pelo sistema (Stotz, s.d.), assim como a atenção a elas (Stotz, 2001). É o

sistema de saúde que deverá então organizar suas práticas para responder às

necessidades de saúde.

Uma vez que os processos saúde–doença desenvolvem-se coerentemente com os

perfis de reprodução social dos indivíduos que conformam os diferentes grupos sociais,

“quanto mais desigual for, nestes aspectos, uma sociedade, quanto mais essa

desigualdade for sancionada culturalmente, tanto maior serão as necessidades de saúde

dos diferentes grupos da população” (Stotz, s.d., p.3).

O conceito saúde-doença traz consigo a possibilidade de eleger o objeto do

cuidado (Mendes Gonçalves, 1992) e para toda necessidade há um processo de trabalho

correspondente. Assim, os processos de trabalho em saúde deveriam responder a

necessidades de saúde identificadas com os determinantes e condicionantes do processo

saúde-doença, em direção às necessidades atinentes ao aprimoramento da essência

humana. No entanto, como o processo de produção em saúde é alinhado ao modo de

produção geral da sociedade, os processos de trabalho em saúde serão coerentes com

sua finalidade. As políticas de saúde refletem a intencionalidade do Estado, como fica

evidente na afirmação: os sistemas de atenção à saúde são respostas sociais deliberadas às necessidades de saúde das populações que se expressam, fundamentalmente, nas suas situações de saúde. Por consequência,

Page 31: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

31

deve haver uma sintonia muito fina entre essas necessidades de saúde e a forma como o sistema de atenção à saúde se organiza para respondê-las socialmente (Mendes, 2012: 38).

Por isso, as necessidades de saúde são tomadas como necessidades de

procedimentos realizados pelos serviços de saúde e os processos de trabalho em saúde,

que também reiteram as necessidades, induzem ao consumo de bens e serviços

(consultas, exames, medicamentos, produtos disponíveis no mercado), respondendo a

interesses do processo de produção.

Page 32: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

32

5 - As respostas sociais da política estatal e necessidades de saúde

induzidas∗

Partindo do pressuposto de que as respostas às necessidades de saúde oferecidas

pelos serviços de saúde sofreram impacto com a regulamentação do SUS, Campos e

Bataiero (2007) propuseram um estudo para apreender as tendências dessa

reorganização do processo de produção de serviços de saúde, em publicações científicas

nacionais sobre o tema, por meio da análise das respostas sociais às necessidades de

saúde.

A complexidade do tema das necessidades de saúde e sua relação com os

serviços de saúde já foi abordada em diversos estudos no campo da Saúde Coletiva

(Campos, 2004; Matsumoto, 1999; Schraiber, Mendes Gonçalves, 1996; Stotz, 1991).

Embora partindo de diferentes disciplinas, esses estudos evidenciaram uma mesma

tendência: o conceito de necessidades de saúde eleito pelos serviços de atenção à saúde

tem sido o operacional, aquele utilizado para eleger o objeto da atenção à saúde.

Consequentemente, os projetos de atenção à saúde e a operacionalização das políticas

estatais têm sido determinados por essa perspectiva, associando as necessidades de

saúde ao consumo de um serviço de saúde, geralmente a consulta médica (Schraiber,

Mendes Gonçalves, 1996).

A partir do que foi tomado como objeto e como objetivo, as publicações foram

distribuídas entre as que tinham como centralidade a oferta ou a demanda de ações nos

serviços de saúde (associavam necessidades de saúde à necessidade de consumo de

serviços de saúde); as que abordavam a administração ou planejamento de serviços de

saúde (apresentavam as necessidades de saúde como instrumento para o planejamento

de serviços e de ações de saúde); e as que tinham como centralidade as necessidades de

saúde (tanto no âmbito abstrato quanto operacional do conceito, na perspectiva da

organização da produção de serviços de saúde ou de processos de trabalho, com a

finalidade de ampliação do objeto de atenção em saúde) (Campos, Bataiero, 2007).

∗ As considerações do âmbitos ações que promovem o cuidado direto aos sujeitos foram publicadas no artigo Necessidades de saúde: uma análise da produção científica brasileira de 1990 a 2004 (Campos, Bataiero, 2007).

Page 33: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

33

Dentre os estudos analisados, a maior porcentagem (61,6%) tinha como

centralidade a oferta ou a demanda de ações nos serviços de saúde. Em muito menor

proporção (28,8%), havia os que abordavam a administração ou planejamento de

serviços de saúde e a menor porcentagem era a dos que tinham como centralidade as

necessidades de saúde (apenas 9,6%) (Campos, Bataiero, 2007).

Vale ressaltar que à ocasião do estudo as ações da Atenção Básica (AB) eram

normatizadas pela Norma Operacional Básica de 1996 (NOB/96), que pactuou o

financiamento da AB, por meio de repasse do Piso de Atenção Básica (PAB). Era

repassado aos municípios na forma de um valor fixo per capita, e previa um valor

variável, que dependia da adesão do município ao modelo oficial adotado pelo MS, o

Programa de Saúde da Família (PSF).

A NOB/96 previa as ações que deveriam estar contempladas na AB - dirigidas a

toda a população, para reduzir indicadores e índices (voltadas ao ambiente e a produtos,

a grupos de risco (sem defini-los) e a doenças e agravos, com enfoque nas de

notificação compulsória) e as dirigidas a grupos específicos da população (classificados

por faixa etária, por doenças ou agravos ou por eventos específicos de determinadas

fases da vida fases da vida) (Brasil, 1997). Eram ações de caráter claramente focalizado

em grupos específicos e restritivo no tocante ao impacto que delas se podia esperar,

identificado a com redução de índices e com a relação custo-benefício econômico.

Vale relembrar que a implementação do PSF ocorreu num contexto econômico

que operou um processo seletivo de privatização dos benefícios sociais, incentivado por

políticas estatais dirigidas à criação de um mercado disponível e garantido (Cohn,

1997). O setor saúde passou a despertar interesse como polo de consumo de

mercadorias industrializadas, independendo da existência ou não de necessidades dos

usuários dos serviços de saúde. Os serviços médico-hospitalares passaram a incorporar

equipamentos de alta densidade de capital, acarretando em custos crescentes da atenção

à saúde (Paim, 2006).

O contexto econômico em que foi eleita a AB para a reorganização do Sistema

de Saúde no Brasil dos anos 1990 se assemelha às origens da reorganização do Sistema

pela APS na Inglaterra dos anos 1920 e a lógica que regeu a eleição das práticas no

PSF, expressas pela NOB/96, parece ser a mesma que permeou as recomendações da

Page 34: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

34

Conferência de Alma Ata, em 1978, para a Atenção Primária à Saúde (APS) (OMS,

1978), coerentes à lógica da focalização da APS as populações pobres, como pode ser

lido no sub item 5, do item das recomendações da Conferência.

a Conferência recomenda que a APS implemente, ao menos, as seguintes atividades: programas educativos relacionados aos problemas de saúde mais freqüentes e aos métodos para identificá-los, preveni-los e combatê-los; promover o fornecimento de alimentos e de uma nutrição apropriada; abastecimento suficiente de água potável e medidas de saneamento básico; assistência materno infantil, incluindo-se o planejamento familiar, a imunização contra as principais doenças infecciosas; prevenção e combate às doenças endêmicas locais, tratamento apropriado de doenças e agravos comuns; promoção da saúde mental e fornecimento de medicamentos essenciais.

O estudo (Campos, Bataiero, 2007) analisou artigos publicados entre 1990 e

2004, contemplou o contexto do período anterior à reorganização da AB pela NOB/96.

No entanto, os resultados das publicações mostraram a preponderância da lógica

orientada na NOB/96, o que condiz com a possibilidade da política de financiamento de

pesquisas ter induzido essa tendência.

Tal preponderância dessa lógica pode ser verificada nos resultados do estudo

(Campos, Bataiero, 2007). Dentre os 45 trabalhos que abordavam a oferta e/ou a

demanda de ações nos serviços de saúde, 36 (80%) centralizavam a oferta e/ou a

demanda em ações dirigidas a doenças e nove (20%) abordavam ações dirigidas a

planejamento familiar ou pré-natal/puerpério, ou seja, tinham como objeto um evento

específico numa fase da vida da mulher - gravidez/parto/puerpério.

Todos esses 45 trabalhos (100%) descreviam ações que se coadunavam com as

ações ou programas previstos pela NOB/96, que orientava a gestão de recursos para a

saúde (Brasil, 1996) regulando, por conseqüência, as políticas de financiamento do SUS

segundo a lógica da racionalização de custos, submetida à relação custo-benefício.

Coerentemente com as orientações da NOB/96 que preconizava que o Estado

financiasse algumas ações para alguns grupos, classificados primordialmente pelo

chamado ciclo vital, dos 45 estudos que tratavam de oferta e/ou demanda de ações nos

serviços de saúde, 34 deles (75,6%) apresentavam ações dirigidas a grupos específicos,

e nove (20%) abordavam ações programáticas, todas descritas na Portaria n. 3925/98

que regulamenta as orientações da NOB 96 (Brasil, 1996).

Assim, todos esses artigos (100%) referiam-se a necessidades de saúde

institucionalmente determinadas, que prescindem a leitura de necessidades dos

Page 35: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

35

indivíduos que ocupam o território de abrangência dos serviços de saúde. Este resultado

evidencia que os serviços de saúde abordavam as necessidades como sinônimo de

necessidades de cuidado a agravos ou, no caso do pré-natal e planejamento familiar,

eventos específicos de um determinado ciclo vital: a fase reprodutiva.

Calipo e Soares (2008) sinalizaram que a reorganização do modelo de atenção

advinda da NOB/96 fere o princípio da universalidade do SUS, uma vez que limita

ações a grupo classificados como de risco (não estão descritos critérios), o que

certamente exclui os que não se enquadrarem. Além disso, ações voltadas a sofrimentos

psíquicos eram reduzidas à sugestão de grupos de autoajuda para evitar internação por

depressão em idosos.

As práticas induzidas são respostas a um conjunto definido de necessidades de

saúde, comum a todos os indivíduos de um determinado grupo (etário, “de risco”,

relacionados a processos tomados como naturais de determinadas fases da vida),

tomado como agrupamento homogêneo no que diz respeito a sua inserção nas condições

de reprodução social, ou seja, sua condição de classe. Além disso, são práticas que

incidem privilegiadamente no âmbito da doença, numa perspectiva funcionalista e

classificatória. Portanto, a indução de práticas na AB feita pelo MS após a promulgação

do SUS expressava uma intencionalidade que não era a da ampliação do objeto da

atenção à saúde.

A partir das publicações científicas que foram objeto do estudo, pode-se inferir

que a tendência dos serviços de saúde continuava sendo a de tomar necessidades de

saúde bastante identificadas com a doença, apreendidas como expressão biológica ou no

máximo como expressão bio-psíquica no corpo individual de um sujeito abstrato.

Considerando-se a circularidade entre necessidades e processos de trabalho, as ações em

saúde reiteravam que necessidades de saúde eram respondidas com o consumo de

procedimentos de saúde, majoritariamente a consulta médica (Campos, Bataiero, 2007).

Posteriormente, utilizando-se os mesmos descritores, na mesma base de dados,

esse levantamento foi ampliado até o ano de 2012, perfazendo um período de 7 anos,

metade do tempo considerado no estudo anterior (1990 a 2004).

Page 36: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

36

Quanto à proporcionalidade da distribuição do tema abordado, a dos estudos

com centralidade na oferta ou na demanda de ações nos serviços de saúde houve

pequena diminuição, guardando semelhança na proporcionalidade com os do período

1990 a 2004 (61,6% e 58,1%, respectivamente). Já entre os que abordavam a

administração ou planejamento de serviços de saúde a diminuição foi

proporcionalmente maior (28,8% e 23,3%). A maior diferença foi observada entre os

estudos que abordavam centralmente as necessidades de saúde, que praticamente

dobraram (9,6% e 18,6%).

Quanto ao conteúdo dos estudos que abordavam a oferta ou demanda de ações

nos serviços de saúde, no geral não foram muito marcantes as diferenças identificadas

nas tendências da reorganização do processo de produção de serviços de saúde, na

comparação entre com os resultados dos estudos dos dois períodos sinalizados, a não ser

pelas ações dirigidas a grupos ou com especialidades antes não previstas na NOB/96,

como aos adolescentes ou ações para saúde ocupacional e saúde mental (Cossetin,

Olschowsky, 2011, Rhis, Sousa, Cypriano, 2010, Lucchese Oliveira Conciani Marcon,

2009, Paula, Duarte, Bordin, 2007, Murta, Tróccoli, 2007, Claro et al, 2006, Mandu,

2005). Esse conjunto de ações não previstas na NOB/96, é parte das ações acrescentadas

na Norma Operacional da Assistência à Saúde/SUS – NOAS-SUS 01/01 (Brasil, 2001),

reiterada na NOAS-SUS 01/02 (Brasil, 2001).

A implantação da NOAS teve o propósito de dar continuidade ao processo

iniciado pela NOB/96 para a operacionalização do SUS, de descentralização da gestão

financeira e de processos e projetos de cuidados antes concentradas no nível federal

para os níveis estadual e principalmente municipal.

A NOAS inscreveu em Portaria “a atenção básica como parte imprescindível de

um conjunto de ações necessárias para o atendimento dos problemas de saúde da

população, indissociável dos demais níveis de complexidade da atenção à saúde e

indutora da reorganização do Sistema” (Brasil, 2001). Embora se propusesse indutora

da reorganização do Sistema, a referida Norma apenas acrescentou ao conjunto anterior

de ações previstas pela AB, “o tratamento dos distúrbios mentais e psicossociais mais

frequentes; o controle das doenças bucais mais comuns e o suprimento/dispensação dos

medicamentos da Farmácia Básica” (Brasil, 2001).

Page 37: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

37

O que diferiu significativamente no conjunto dos estudos de oferta ou demanda

de ações nos serviços de saúde, do período 2005 - 2012, foi a proporção de estudos da

área da odontologia (42,5%). Esse aumento certamente foi resultado da inserção da

equipe de saúde bucal (ESB) (cirurgiões-dentistas (CD), atendentes de consultório

dentário e técnicos de higiene dentária) no PSF a partir do ano 2000. Esses estudos

tinham como centralidade o diagnóstico e a necessidade de tratamento de cáries e outros

problemas bucais.

Estudo crítico sobre as práticas dessa equipe no PSF (Cericato, Garbin,

Fernandes, 2007:18), afirmou que as características do trabalho (predominância do

enfoque assistencial, que prioriza o atendimento clínico individual) não se alteraram

significativamente com a entrada da ESB no PSF. As autoras afirmaram que “muitas

vezes o que ocorre é apenas a transferência linear do espaço de trabalho do CD”.

Atribuíram a dificuldade de mudança do enfoque assistencial ao descompasso

entre o começo da Estratégia e a entrada da ESB no PSF, à formação acadêmica dos

CD, que não contempla a interdisciplinaridade e o preparo para o trabalho em equipe.

Sinalizando a necessidade de motivação para a reflexão e o redirecionamento dessas

práticas, sugeriram como ponto de partida os processos de educação continuada

(Cericato, Garbin, Fernandes, 2007). No entanto, essa não é uma peculiaridade das

práticas da Equipe de Saúde Bucal no PSF (ou Estratégia Saúde da Família – ESF).

A análise da totalidade desses estudos com centralidade em necessidades de

saúde como sinônimo de oferta ou demanda de ações nos serviços de saúde (50 artigos)

focalizava a mesma perspectiva - ações e serviços voltados a aspectos do corpo bio-

psíquico de indivíduos abstratos como resposta a necessidades de saúde. No tocante à

AB, as ações identificadas foram as previstas pelos programas prioritários do Ministério

da Saúde, operacionalizados em unidades de saúde da família (USF). Resultados de

avaliação do atendimento à demanda espontânea no acolhimento em USF reiteram essa

afirmação.

Num desses estudos, realizado em MG, os resultados atestaram que 100% dos

motivos da procura estiveram associados a queixas clínicas, que foram atendidas em

consultas realizadas por médicos ou enfermeiros, ou foram encaminhados a serviços

especializados da rede de atenção à saúde (Esperança, Cavalcante, Marcolino, 2006).

Page 38: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

38

Noutro, realizado em município do interior de SP, a procura por acolhimento associada

a problemas de natureza intrinsecamente biológica foi de 93,9% (Baraldi, Souto,

2011).

Essa perspectiva também se manteve no atendimento processual e grupal, como

se verificou na descrição de grupo educativo realizado em USF, identificado como

programa de educação em diabetes, guiado por protocolo (Staged Diabetes

Management). Pode-se verificar a finalidade da atividade a partir do título do protocolo,

totalmente identificada com o controle de sintomatologia da doença (Santos et al, 2009).

As expectativas dos usuários e os benefícios por eles verbalizados ao final do

programa são identificadas com aspectos bio-psíquicos derivados da doença - controle

emocional e da doença, aceitação da doença, disciplina e cura total foram relatados

como expectativas. Já o controle de parâmetros clínicos, aceitação e uso correto da

medicação, e troca de experiências com o grupo foram relatados como benefícios da

participação no programa (Santos et al, 2009). Resultados semelhantes no atendimento

grupal a diabéticos foram descritos por Torres, Pereira, Alexandre (2011).

Estudos avaliativos da implantação a ESF em municípios com mais de 10 mil

habitantes identificaram a mesma tendência. As práticas desenvolvidas, incluindo as de

enfermagem, seguiam as diretrizes da ESF e eram operacionalizadas para diminuir

fatores de risco de sujeitos pertencentes aos grupos considerados prioritários nas

diretrizes do Ministério da Saúde (Elias et al., 2006; Facchini et al., 2006; Giovanella,

Escorel, Mendonça, 2009; Szwarcwald et al., 2006).

Page 39: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

39

6 As respostas sociais da política estatal e as necessidades de saúde

induzidas na especificidade do cuidado do enfermeiro na AB

A intencionalidade da política de saúde pode ser identificada desde o ingresso do

trabalhador enfermeiro na ESF, pela característica do curso que lhes é ministrado

previamente ao início do trabalho. Martins et al. (2010:284) destacaram que a temática

abordada restringe-se aos grupos de risco (hipertensos, diabéticos, entre outros) ou

grupos prioritários (puericultura, crianças, mulheres em idade reprodutiva, idosos) e que

a atenção é orientada por protocolos.

Embora possa contemplar as desiguais condições de vida e de saúde, uma vez

que advém das secretarias municipais de saúde (Rodrigues, 2008), o protocolo**

utilizado em saúde é relacionada a aspectos bio-psíquicos, para guiar procedimentos,

portanto tem potência para instrumentalizar parte da consulta de Enfermagem. No

entanto, dada a característica do trabalho do enfermeiro - que reproduz práticas a partir

da disponibilidade dos instrumentos – o procedimento pode ficar subsumido a ele e com

isso o procedimento passa a responder à finalidade nele contida.

A consulta de Enfermagem na ESF é guiada por protocolos centrados nos

saberes da clínica, nos moldes da consulta médica. Santos et al. (2008) identificaram o

constrangimento de enfermeiros que, pela fragilidade nos conhecimentos clínicos,

sentiam-se expostos perante colegas e usuários do serviço quando realizavam as

consultas de Enfermagem. Portanto, verifica-se que a centralidade da consulta era o

protocolo.

Vários estudos identificaram que a finalidade das consultas de Enfermagem na

ESF era principalmente a adesão ao tratamento medicamentoso (Ermel, Fracolli, 2006;

Roecker, Marcon, 2011; Shimizu, Rosales, 2009). Resultado de estudo de Ermel,

Fracolli, (2006) identificou também o objetivo de aliviar a agenda do médico.

** Conjunto de regras instituídas ou definidas que permitem um entendimento universal ou em grupos,

dispensando assim a comunicação verbal.

Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/protocolo. Acesso em 25 ago 2013.

Page 40: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

40

Quando utilizada como instrumento de educação em saúde, a consulta de

enfermagem tem tomado como objetivo apresentar um conjunto de normas e regras, nos

moldes de orientação e convencimento, com a finalidade de imprimir ou acompanhar

mudanças de hábitos e instrumentalizar o usuário para o autocuidado,

responsabilizando-o pela manutenção de sua saúde (Ermel, Fracolli, 2006; Roecker,

Marcon, 2011), repetindo acriticamente um dos preceitos da AB recomendado por

organismos multilaterais, para desresponsabilizar o Estado da prestação de cuidados e

racionalizar os custos do Sistema de Saúde.

As práticas de vigilância epidemiológica (VE), por serem amparadas pela

Epidemiologia clássica, também são pautadas nos conhecimentos da clínica e tomam

por objeto as doenças. Portanto, as práticas tem a finalidade de identificá-las e de

prevenir que outros sujeitos sejam atingidos. Resultados de estudos empíricos

confirmam essa afirmação (Nascimento, Nascimento, 2005; Santos, Rigotto, 2010;

Shimizu, Rosales, 2009; Silva et al., 2001; Teixeira, 2008; Thumé, 2001). Como

decorrência, as ações de VE são principalmente mutirões para vacinação, para avaliação

ou realização de exames preventivos (Shimizu, Rosales, 2009).

Coerentemente com o enfoque de consultas e protocolos, as visitas domiciliárias

(VD) assumem um caráter controlador e por vezes invasivo (Nascimento, Nascimento,

2005). São prioritariamente realizadas para usuários inviabilizados de chegar à USF ou

por fazerem parte de grupos de risco ou programas e serem faltosos, ou ainda para

fiscalização e convencimento de mudança de hábitos, incluindo os de higiene

(Nascimento, Nascimento, 2005; Shimizu, Rosales, 2009; Thumé, 2001). O enfoque da

VD é o indivíduo que mobilizou o procedimento e a família é abordada apenas como

contribuinte para a terapêutica (Ermel, Fracolli, 2006; Oliveira, Marcon, 2007).

No que diz respeito às práticas educativas, essas têm sido tomadas como mais

uma tarefa dentre tantas outras do enfermeiro, um instrumento técnico que prescinde de

conhecimento específico e reproduz o modelo biomédico (David, Acioli, 2010).

Utilizam recursos pedagógicos precários e comunicação pouco interativa, com baixa

participação dos usuários (Nascimento, Nascimento, 2005; Oliveira, Marcon, 2007;

Shimizu, Rosales, 2009; Teixeira, 2008; Silva, 2010). Essas práticas têm sido delegadas

aos ACS, com suporte de outros profissionais da USF, quando necessário.

Page 41: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

41

As atividades grupais na ESF envolvem sujeitos considerados de risco pelo MS

(Oliveira, Marcon, 2007; Rodrigues, 2008; Shimizu, Rosales, 2009; Thumé, 2001). O

objetivo é ensinar comportamentos saudáveis (Jesus et al., 2008) para o controle e a

prevenção de doenças (Shimizu, Rosales, 2009; Teixeira, 2008). Assim como as

práticas educativas, embora o grupo seja um instrumento previsto junto a outras práticas

da USF, a o preparo e a competência do trabalhador para realizá-lo não é pré-requisito e

a falta de formação leva o trabalhador a cometer equívocos. Assim como acredita que

dominando o protocolo realizará uma boa consulta, avalia que basta munir-se de jogos

e dinâmicas que envolvam o grupo para realizar uma prática que vá além de atividade

lúdica.

O envolvimento de trabalhadores da saúde com a participação social é escasso

(Martins et al., 2010). O enfermeiro, ainda que timidamente, vem promovendo alguma

forma de participação dos usuários ou da população em espaços de discussões junto às

famílias e aos grupos comunitários (Nascimento, Nascimento, 2005), bem como no

Conselho Gestor da USF (Silva, Motta, Zeitoune, 2010).

A programação em saúde da ESF também define as ações de gerenciamento de

serviços da AB (Martins et al., 2010; Nascimento, Nascimento, 2005; Santos et al.,

2008; Shimizu, Rosales, 2009; Silva et al., 2001). As práticas de gerenciamento dos

serviços têm objetivado o cumprimento de metas associadas à produtividade

quantitativa preconizada pelas diretrizes de avaliação do MS, que representam ganhos

financeiros para a equipe (Brasil, 2012), limitando a participação dos profissionais nas

tomadas de decisões. Essa lógica limita o gerenciamento centrado no cuidado das

necessidades de saúde da população e gera insatisfações na equipe de enfermagem

(Jonas, Rodrigues, Resck, 2011; Spagnuolo, Pereira, 2007).

Embora essas práticas sejam previamente definidas pela lógica programática e

dirigidas preponderantemente aos sujeitos que utilizam exclusivamente o SUS para

assistência à saúde, incoerentemente chamados de SUS dependentes, há diversas

nuances em sua operacionalização por enfermeiros. Se por um lado muitos descrevem

ações circunscritas e restritas aos agravos já estabelecidos (Nascimento e Braga, 2004;

Felipe, Abreu, Moreira, 2008; Freitas et al, 2008) e aos eventos específicos dos ciclos

vitais previstos pela ESF (Oliveira, Tavares, 2010), sem sinalizar a limitação intrínseca,

Page 42: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

42

frente ao modelo prometido pela ESF, por outro há os que identificam as limitações e

sinalizam as incoerências.

Ermell, Fracolli (2006) identificaram que as ações de Enfermagem continuam

preponderantemente dirigidas a agravos, sob a perspectiva teórica da multicausalidade

do processo saúde-doença, distanciadas da proposta de ampliação do objeto das práticas

na AB. Na mesma perspectiva, Fortuna et al (2011) evidenciaram que embora

enfermeiros estejam realizando ações voltadas a coletivos, essas também continuam

majoritariamente ancoradas nos saberes tradicionais da saúde e da educação.

Há estudos que refletem práticas que tencionam essa lógica hegemônica.

Matumoto, Mishima e Pinto (2001) discutiram a necessidade da operacionalização de

práticas ancoradas em marcos teóricos da Saúde Coletiva, ou seja, que a Enfermagem,

uma prática social que não é neutra, tencione seus processos de trabalho tomando

objetos ampliados, sob a ótica da concepção de processo saúde-doença socialmente

determinado e a partir da leitura de necessidades de saúde coerentes com essa

concepção.

Na mesma perspectiva, sob o ponto de vista do processo de trabalho em

gerenciamento, Vilas Boas, Araújo e Timóteo (2008) evidenciaram que a ampliação do

objeto trará consigo a necessidade de instrumentos de trabalho também mais

abrangentes, se incorporados de outros saberes, como a educação emancipatória.

Com o propósito de ampliar o objeto da atenção nas práticas de enfermagem na

equipe na AB, Nakamura et al (2009) apresentaram um instrumento para identificação

de necessidades de saúde que incorpora itens associados a condições de reprodução

social de indivíduos e famílias. Já Matumoto, Mishima et al (2011) propuseram a

ampliação do objeto do cuidado a partir de processos de reflexão com equipes de USF,

utilizando a discussão de casos. Matumoto, Fortuna et al (2011) apresentaram a

ampliação no âmbito das práticas clínicas de enfermeiras da AB, sob a ótica da clínica

ampliada.

Mishima et al (2010), Matumoto et al (2009) e Gaioso e Mishima (2007)

mostraram que a satisfação do usuário com o cuidado à saúde no âmbito da AB também

está bastante associada à qualidade das relações estabelecidas com a equipe, sinalizando

Page 43: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

43

a importância da utilização de instrumentos relacionais que viabilizam o vínculo com a

equipe e com o cuidado por ela prestado e, consequentemente, a longitudinalidade da

atenção, um dos pressupostos da AB.

As publicações mostraram que há um tensionamento na análise e na discussão

dos resultados dos estudos, que expõe a limitação das práticas hegemônicas da USF

para responder as necessidades de saúde dos usuários. No entanto, não foram

encontradas publicações que descrevessem práticas que incorporassem em alguma

medida essa ampliação. Dessa forma, pode-se afirmar que o conhecimento que

fundamenta preponderantemente as várias abordagens das práticas permanece o mesmo,

o clínico.

Estudos que buscaram explicar causas dessa constatação (Baraldi, Souto, 2011;

Cericato, Garbin, Fernandes, 2007; Esperança, Cavalcante, Marcolino, 2006),

associaram a limitação na ampliação do objeto do trabalho no acolhimento à

organização do processo de produção em saúde, que não operacionaliza a

intersetorialidade (Baraldi, Souto, 2011), aos processos de trabalho na USF, que não

promovem a interdisciplinaridade e a reflexão a respeito do objeto do trabalho (Baraldi,

Souto, 2011; Cericato, Garbin, Fernandes, 2007; Esperança, Cavalcante, Marcolino,

2006) e a forma de utilização da USF pelos usuários, que buscam o acolhimento com

demandas clínicas e o utilizam nos moldes de pronto- atendimento, inviabilizando a

adequação das práticas às finalidades da ESF (Baraldi, Souto, 2011; Esperança,

Cavalcante, Marcolino, 2006).

A partir dessa interpretação acerca do que limita o acolhimento na ampliação do

objeto da atenção à saúde, prometida pela ESF, esses autores sugeriram formas de

enfrentamento dirigidas aos trabalhadores e aos usuários das USF. Na esfera do

trabalho, sugeriram que além dos da enfermagem, outros trabalhadores de diferentes

áreas disciplinares fizessem parte do acolhimento, para que fossem agregados outros

saberes (Baraldi, Souto, 2011; Esperança, Cavalcante, Marcolino, 2006). Cericato,

Garbin, e Fernandes (2007) sinalizaram a necessidade de capacitação de todos os

profissionais da equipe de saúde da família, exigida por esta nova dinâmica do

processo de trabalho (Esperança, Cavalcante, Marcolino, 2006: 31).

Page 44: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

44

No tocante aos usuários, foi sugerido um trabalho de capacitação, nos moldes

preconizados pela Carta de Otawa, para “empoderar” a população para que ela tenha

autonomia na solução das causas desses problemas (grifo no original) (Esperança,

Cavalcante, Marcolino, 2006: 36).

Esse termo - empowement ou empoderamento, juntamente com o termo

autonomia, que não poucos trabalhadores da saúde repetem acriticamente, tem servido

para culpabilizar os sujeitos por suas condições materiais e de saúde e responsabilizá-

los a encontrar soluções (Stotz, Araujo, 2004). O princípio que subjaz a essas

terminologias trazidas pela Carta de Otawa foi anunciado no item 19 do resumo do

debate da Conferência de Alma Ata e equivocadamente nomeado participação.

A importância da participação plena e organizada e da auto-responsabilidade final da comunidade, de maneira que os indivíduos, as famílias e as comunidades sejam mais responsáveis pela própria saúde. A participação da comunidade na identificação e solução de seus problemas de saúde pode ser facilitada pelo apoio de grupos, tais como os organismos de administração local, as personalidades locais, os grupos de voluntários, os grupos juvenis e femininos, os grupos de consumidores, a Cruz Vermelha e sociedades análogas, outras organizações não governamentais e movimentos de liberação, assim como pela possibilidade de informar devidamente a população (OMS, 1978: 21). (...) a Conferência recomenda aos governos que estimulem e assegurem a plena participação da comunidade, mediante a difusão eficaz da informação pertinente, o incremento da alfabetização e o estabelecimento do marco institucional necessário que permita aos indivíduos, às famílias e às comunidades tornarem-se responsáveis pela sua saúde e bem estar (OMS, 1978: 27).

Portanto, na exemplaridade dessas publicações, de autores três diferentes estados

do país, é possível afirmar que um grande número de trabalhadores, ao se relacionarem

com um projeto idealizado de SUS e do modelo de atenção e não presenciarem sua

efetivação no cotidiano do trabalho, buscam explicações que ora são atribuídas à

ineficiência do setor público, ora aos próprios trabalhadores e suas práticas, ora à

incompreensão dos usuários quanto à finalidade dos processos de trabalho da USF.

Como consequência dessa interpretação, a sugestão das formas de enfrentamento,

também idealizadas, passam ao largo da consciência de que a política estatal é

instrumento das intencionalidades assumidas pelo Estado.

Page 45: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

45

Concretamente, as formas de regularização das relações sociais expressas pela

política nacional de saúde brasileira, na particularidade da AB, induzem práticas

programáticas, que respondem a necessidades de saúde delimitadas pelo recorte de

doenças e agravos priorizados pelo MS, voltadas a populações com dificuldade de

acesso a serviços de saúde oferecidos no mercado, viabilizadas nos municípios pelos

financiamentos federais.

A AB, internacionalmente nominada Atenção Primária à Saúde (APS), tem sua

origem como eixo organizador do sistema de saúde quando foi reconhecida na

Inglaterra como possibilidade para enfrentar os altos custos do sistema, pautada na

atenção médica e marcada por sua crescente complexidade. A proposta foi publicada no

Relatório Dawnson, documento governamental que descrevia a organização do modelo

de atenção em centros de saúde primários e secundários, serviços domiciliares [SD],

serviços suplementares e hospitais de ensino (Matta, Morosini, 2009).

Os centros de saúde primários e os serviços domiciliares deveriam estar organizados de forma regionalizada, onde a maior parte dos problemas de saúde deveriam ser resolvidos por médicos com formação em clínica geral (Matta, Morosini, 2009).

Esse método de racionalização de custos está expresso no relatório da I

Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde, conhecida como a de

Alma-Ata, publicado em 1978. Ao sugerir que as práticas da APS tivessem coerência

com os custos possíveis para a comunidade e para o país suportarem, a Conferência já

sinalizou seu alinhamento à lógica de que os gastos do Estado devem ser mínimos para

políticas sociais e as ações e projetos devem ficar ao máximo sob responsabilidade da

sociedade civil, deixando sob o auspício do Estado apenas projetos para os que não têm

acesso a serviços de saúde privado.

A APS é a assistência sanitária essencial baseada em métodos e tecnologias práticos, cientificamente fundamentados e socialmente aceitáveis, postos ao alcance de todos os indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o pais possam suportar em todas e em cada uma das etapas de seu desenvolvimento, com um espírito de auto responsabilidade e autodeterminação (...) (OMS, 1978: 19).

a APS exige a elaboração, a adaptação e a aplicação de tecnologia apropriada para a saúde, que a população possa utilizar e custear, incluindo o fornecimento suficiente de medicamentos essenciais baratos e de boa qualidade (...) (OMS, 1978: 23).

Page 46: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

46

a necessidade de uma distribuição equilibrada de todos os recursos disponíveis, e em particular dos recursos públicos, de maneira que se preste uma atenção apropriada aos grupos desfavorecidos da população, em matéria de APS e desenvolvimento em geral. As políticas nacionais de saúde devem ser acessíveis a todos, com caráter prioritário (...) (OMS, 1978: 21).

O termo Atenção Básica à Saúde passou a ser adotado a partir dos anos 1990,

para caracterizar a primeira instância de uma rede hierarquizada de serviços de atenção

à saúde. Essa terminologia vem sendo utilizada com a intenção de desfazer a associação

entre a concepção de atenção primária e seletividade das práticas à população que não

tem acesso à assistência à saúde de caráter privado. No entanto, para além da

terminologia, AB abrangente é aquela que orienta o sistema de saúde, articulado em

rede para responder às necessidades de saúde da população (Giovanella, Escorel,

Mendonça, 2009).

Embora tenha adotado a terminologia AB, sua definição de pelo MS brasileiro

não diverge das concepções de APS anteriormente citadas.

A Atenção Básica à Saúde caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde (...), dirigidas a indivíduos e grupos da população de espaços delimitados (área de abrangência do serviço de saúde), utilizando tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade [tecnológica], que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. (...) (Brasil, 2007: 12).

ATENÇÃO BÁSICA – O Saúde da Família é a principal estratégia do Ministério da Saúde para reorientar o modelo de assistência à saúde da população a partir da atenção primária, que é a principal e mais próxima porta de entrada do SUS, capaz de resolver até 80% dos problemas de saúde das pessoas (MS, s/d).

Para realizar esse projeto de AB no território nacional, o governo federal

viabilizou um mecanismo de repasse de verbas federais para os municípios. Embora a

descentralização, um dos pilares de sustentação do Sistema de Saúde brasileiro, só tenha

se efetivado no SUS, a discussão da concepção de que a heterogeneidade das condições

de saúde dos brasileiros só poderia ser respondida com a municipalização da atenção à

saúde teve suas origens no sanitarismo desenvolvimentista dos anos 1950, e foi

apresentada como proposta já na 3a Conferência Nacional de Saúde, em 1963, pelo

Page 47: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

47

então ministro da saúde Wilson Fadul††*. No entanto, como o período de governo

militar posterior favoreceu a centralização e privatização do setor, até meados dos anos

1970 as experiências de ações locais foram desenvolvidas no formato de programas

comunitários, voltados à populações pobres, sem acesso a serviços de saúde, de áreas

rurais ou da periferia urbana, nos moldes do que preconizava a Medicina Comunitária

(Heimann et al, 2000).

O contexto da descentralização do sistema de saúde era o da transição política e

reconfiguração da Federação Brasileira. Segundo Paim et al (2011: 19), a saúde foi o

único setor que implementou uma descentralização radical, com importante

financiamento e ações regulatórias do governo federal.

A descentralização financeira e da gestão do Sistema foi celebrada como

componente democrático do processo de operacionalização do SUS. Na agenda da RSB

essa diretriz era considerada estratégica para a democratização e a viabilização do

Sistema, à medida que tornava imprescindível a descentralização do poder econômico e

de gestão da esfera federal e colocava no jogo das decisões outras instâncias de governo

e da sociedade civil. Era a diretriz que viabilizava a universalidade e integralidade do

Sistema (Noronha, Lima, Machado, 2008). Para efetivá-la foram necessárias reformas

administrativas em todos as instâncias governamentais (Paim et al, 2011), provocando

mudanças nos papéis dos gestores.

É o gestor estadual aquele que fica mais perturbado (...). Seu papel original de executor de ações voltadas para o atendimento da população e de contratante de serviços privados e filantrópicos é substituído por uma função de coordenação, apoio e regulamentação do sistema estadual de saúde (Heimann et al, 2000: 111).

No entanto, as relações entre as secretarias estaduais e municipais foram pouco

efetivadas e a fragilidade das secretarias estaduais no cumprimento desses novos papéis

levou as secretarias municipais a contratar universidades e organizações não

governamentais para instrumentalizar os trabalhadores para as novas demandas

assistenciais e gerenciais (Heimann et al, 2000).

* Wilson Fadul já trazia à tona a discussão da necessidade de se considerar os problemas de saúde de forma mais ampla, asociando-os com as condiçõe de vida da população brasileira (Viana, Soares, Campos, 2013).

Page 48: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

48

Em que pesem as dificuldades, essa reestruturação representou grande inovação

no âmbito político, permitindo que a sociedade civil participasse dos processos de

decisão e apoio à implementação da política nacional de saúde. Foram

institucionalizadas as conferências de saúde, os conselhos de saúde e os comitês

intergestores nos âmbitos estadual (bipartite) e federal (tripartite), para tomadas de

decisões consensuadas (Paim et al, 2011).

A década de 1990 foi de fato um período em que a centralidade política,

administrativa e financeira do âmbito federal perdeu força para a participação de

gestores das demais instâncias de governo (Levcovitz, Lima, Machado, 2001) e a

participação da população foi inserida em instâncias que, ainda que com caráter

opinativo e não decisório (Calipo, Soares, 2008).

Como forma de regularização das relações sociais, a política estatal é

influenciada e controlada pela principal dessas formas, o Estado (Viana, 2007). Assim,

o processo político que carreou o SUS foi moldado pelos programas de ajuste

macroeconômico (Paim et al, 2011: 19).

Levcovitz, Lima, Machado (2001:269) ressaltaram que a descentralização foi a

única diretriz organizativa do SUS que não colidiu com o ideário neoliberal. Por isso foi

efetivada, “ainda que fundado em bases político-ideológicas diferentes - os ideais de

democratização e de redução do tamanho do Estado”. Esse mecanismo de repasse de

verbas “deu mais autonomia aos municípios, mas também expandiu os recursos e

controles do nível federal” (Paim et al, 2011:19). O processo de descentralização

produziu “grande capacidade indutora de política de saúde pelo gestor federal,

mormente pela destinação de recursos financeiros (...)” (Heimann et al, 2011:111).

Concretamente, as formas de regularização das relações sociais expressas pela

política nacional de saúde brasileira, na particularidade da AB, tem induzido práticas

viabilizadas por meio de mecanismos instáveis, casuístas, derivados de projetos de

governo, muitas vezes paralelos à própria política, em editais que contratam serviços de

instituições de ensino superior para investigar temas específicos e financiam secretarias

de saúde municipais para implementar ações, programas e estratégias.

Page 49: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

49

Estudo posterior e complementar ao de Campos e Bataiero (2007), entre 2005 e

2012, identificou que as 20 (22,7%) publicações que abordavam as necessidades de

saúde na perspectiva da administração ou do planejamento de serviços de saúde tinham

enfoque na utilização da rede de serviços que compõem o Sistema de Saúde brasileiro.

Vale ressaltar que 14 (70%) dessas 20 publicações tiveram financiamento de agências

de fomento – 8 do CNPq, 4 do sistema estadual – FAPE..., 1 da CAPES e outro de

institutos internacionais. Portanto, pode-se afirmar que as temáticas desses estudos

foram induzidas pelas agências financiadoras, que elegem as temáticas de interesse dos

âmbitos onde são geradas as políticas estatais de saúde.

Apenas duas (10%) publicações referiram ser do âmbito da AB, quatro (20%)

analisaram o consumo de serviços de média complexidade (rede de atenção à saúde

mental e centros de referência para hanseníase, por exemplo) e 14 (70%) abordaram a

utilização do Sistema de Saúde (acesso a serviços e a consumo de procedimentos –

consultas médicas e exames de imagem, como mamografia e ultrassonografia)

Na maior parte dos artigos que abordavam o acesso à rede de serviços ou a

procedimentos, a justificativa era a necessidade de conhecimento das características dos

usuários dos serviços de saúde e do padrão de acesso ou da utilização das ações e

serviços. Tinham características de estudos avaliativos de oferta, demanda ou impacto

de serviços e práticas.

Santos e Victora (2004) sinalizaram que tem sido realizadas pesquisas em duas

áreas de naturezas complementares, em serviços de saúde: para testar a eficácia de

novos procedimentos ou estratégias de cuidado e para avaliar o resultado dessas

intervenções sobre a saúde de usuários e da população. Para realizar as do primeiro,

sugerem o método proposto por Habicht et al (1999) (Evaluation designs for adequacy,

plausibility and probability of public health programme performance and impact),

composto por dois eixos: 1- indicativo do processo que se quer medir (o processo, o

resultado ou ambos os aspectos do programa), composto por: a) indicadores de oferta,

de utilização e de cobertura, que analisam o processo e b) indicadores de impacto, que

analisam o resultado; 2- composto por avaliações que possam demonstrar que os

resultados observados, tanto de processo quanto de impacto, foram efetivamente

decorrentes da exposição à intervenção (Santos, Victora, 2004). Identificou-se que os

Page 50: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

50

estudos tinham características avaliativas e puderam ser classificados segundo o método

proposto por Habicht et al., citado por Santos, Victora (2004).

Estudos avaliadores de programa – a) indicadores de oferta de serviços:

O único estudo do âmbito hospitalar tomou como objeto a internação,

relacionando-a à insuficiência de oferta de outros serviços do Sistema de Saúde. As

autoras afirmaram que a oferta de serviços ambulatoriais contribui para o uso racional

de internações hospitalares (Castro, Travassos, Carvalho, 2005).

Já os resultados do estudo desenvolvido por Miranda et al (2006) atestaram

insuficiência de oferta de serviço de diagnóstico de deficiência auditiva em PE. A

mesma insuficiência foi atestada em estudos que analisaram a demanda por atendimento

de hanseníase em estados da região Norte do país, sinalizando um represamento da

demanda em serviços de média complexidade (Correia et al, 2008; Ferreira et al, 2008).

Dentre os que abordaram a AB, na ESF, um deles (Piccini et al, 2006) tinha por

objetivo verificar a efetividade na oferta de serviços básicos e sua utilização por idosos

portadores de hipertensão e diabetes. Essa publicação era parte de um estudo em 41

cidades brasileiras, que tinha por objetivo avaliar a implantação da ESF em municípios

com mais de 100 mil habitantes. Para isso o MS contratou pesquisadores de

universidades, por meio de edital - Estudo de Linha de Base do Proesf. Os resultados

atestaram que os piores indicadores econômicos foram identificados na comunidade do

PSF. Embora o desempenho das USF tenha sido avaliado como melhor do que o das

UBS, as deficiências foram sinalizadas como perdas de efetividade na oferta e na

utilização de serviços. Um dos indicadores de avaliação da efetividade era resolução de

no mínimo 80% dos problemas que chegavam na USF.

O outro estudo sobre a ESF (Villela et al, 2009) propôs-se a examinar a oferta de

serviços de Atenção Básica em uma região do município de São Paulo. Os resultados

mostraram que os trabalhadores reconheciam o cuidado na USF centrado na consulta

médica e nos programas prioritários do MS, com limitações para encaminhamentos a

serviços especializados e para o atendimento de outras demandas, como, por exemplo,

situações ligadas à sexualidade e à violência.

Page 51: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

51

Considerando-se a circularidade entre necessidades e processos de trabalho para

respondê-las (Mendes Gonçalves, 1992), ou que as necessidades (tomadas como

sinônimo de demanda) são influenciadas pela oferta de ações e serviços (Castro, 2005),

pode-se supor que a AB tem primado por criar necessidades associadas a consumo de

procedimentos, majoritariamente consultas, exames e medicação, em resposta a

necessidades de saúde.

Estudos avaliadores de programa – a) indicadores de utilização de serviços e de

cobertura

Este item abrigou a maior parte das publicações com centralidade na discussão

das necessidades de saúde na perspectiva da administração ou do planejamento de

serviços de saúde. Uma delas buscou identificar características individuais de usuários

de serviços de saúde associando-as à utilização e super-utilização de consultas médicas

(Capilheira, Santos, 2006). Afirmaram que poderiam tornar-se importante ferramenta

para gestores de saúde, uma vez que esses sujeitos sobrecarregam o sistema

ambulatorial de consultas, “tanto no aspecto tempo (maior demanda para os serviços),

quanto no aspecto financeiro (maior solicitação de exames complementares)”,

focalizando apenas a relação custo-benefício financeiro do procedimento.

Foram identificados estudos que comparavam o acesso da população à rede de

serviços de saúde, por meio de diferentes metodologias. Resultados mostraram que

indivíduos de melhor nível socioeconômico utilizam mais os serviços de saúde em geral,

públicos e privados (Bastos et al, 2011; Dias-da-Costa et al, 2011; Osorio et al, 2011;

Fernandes et al, 2009; Dias-da-Costa et al, 2008; Louvison et al, 2008; Lima-Costa et

al, 2007). Já os resultados de pesquisa realizada com idosos identificou relação

diretamente proporcional entre bons indicadores de saúde e nível de escolaridade, mas

não encontrou relação significativa entre escolaridade e utilização de serviços de saúde

(Barros et al, 2011).

Resultados de estudo de demandas de serviços do SUS por população

estrangeira nas regiões fronteiriças ao Brasil mostraram que as práticas demandadas são

as relacionadas a consulta médica de Atenção Básica e suas consequências, a retirada de

medicamentos e a imunização (Giovanella et al, 2007).

Page 52: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

52

Dias-da-Costa et al (2007) analisaram o acesso a exame clínico de mamas da

população feminina de um município do RS e concluíram que as mulheres de classes

mais baixas tem menos acesso ao exame e, dentre essas, as não brancas foram as menos

examinadas, mesmo dentre as que tiveram acesso a serviços de saúde. Corrêa et al

(2011) analisaram a cobertura mamográfica em GO e identificaram que a oferta de

exames é menor que a demanda e que a produção do SUS é inferior à do sistema

privado.

Já resultados de estudo de Andrade et al (2011) mostraram que a oferta de novos

serviços de imagem por empresa privada gerou aumento da demanda pelo exame.

Abordaram essa relação pela perspectiva da economia da saúde, que aborda o

gerenciamento dos recursos financeiros (financiamento), de sua aplicação (custos) e dos

resultados de sua utilização. Para essa gestão várias metodologias são empregadas,

“todas visando avaliar a relação entre o que se gasta e o que se ganha”.

Não foram identificados, na base de dados utilizada (LILACS), publicações de

avaliações que demonstrassem resultados decorrentes da exposição à intervenções.

As publicações que abordavam necessidades de saúde e tinham centralidade na

administração ou no planejamento de serviços de saúde mostraram que os indicadores

de avaliação da rede de serviços pautaram-se na concepção de necessidades de saúde

como sinônimo de necessidades de consumo de serviços de saúde.

Vários estudos mostraram a relação diretamente proporcional entre indicadores

socioeconômicos e utilização de serviços de saúde, e inversamente proporcional quando

se trata do sistema público de saúde, mostrando que a focalização do sistema público à

população pobre prevalece sobre a universalidade.

Essa relação poderia, desavisadamente, ser justificada pelo princípio da

equidade do SUS e provavelmente seria plausível se a análise se restringisse à utilização

da AB, intencionalmente organizada para atender a população das classes exploradas.

No entanto, mostra-se equivocada quando se analisa a oferta e a utilização do Sistema,

em níveis de maior complexidade tecnológica, como evidenciou o estudo realizado por

Dias-da-Costa et al (2007).

Page 53: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

53

Ao contrário da equidade anunciada no SUS, como mostraram Castro Tavares,

Carvalho (2005), a oferta de serviços pelo SUS não é distribuída proporcionalmente às

necessidades de serviços de saúde. Segue o princípio da inverse care law, descrita por

Hart (1971) que, segundo o autor, é mais efetiva quanto mais o sistema de saúde estiver

orientado pelas leis do mercado.

Portanto, as publicações atestaram que parece que os financiamentos do governo

federal estão induzindo pesquisas que tomam por objeto a utilização de serviços

médicos e as características dos usuários.

Pode-se afirmar que na prática o grande mérito do SUS foi melhorar a

distribuição de serviços de saúde e incluir no Sistema um grande contingente de

brasileiros, anteriormente à margem da atenção à saúde oferecida pelo Estado (Cohn,

2009).

Essa constatação foi descrita por Paim et al (2011), que constatou em 1981

apenas 8% da população (9,2 milhões de pessoas) afirmava ter usado serviço de saúde

nos últimos trinta dias, enquanto que em 2008 os que relatavam uso de serviços de

saúde nos últimos quinze dias eram 14,2% (26.866.869 pessoas). Esse aumento foi de

174%. Nesse mesmo período, o aumento da busca por atendimento na AB foi de 450%.

A implantação do SUS passou por diversas tentativas de organização, que

apresentaram em comum o fato de terem sido pautadas pelo financiamento e não pelas

necessidades de saúde da população (Santos, Andrade, 2009).

as necessidades e direitos da população ainda são secundárias na lógica do modelo de gestão vigente onde predominam os interesses da oferta: dos trabalhadores de saúde, dos prestadores de serviços, da indústria de medicamentos e do modelo econômico financeirizado (Santos, 2009:15).

De fato, as orientações tem sido mais voltadas à gestão do Sistema. No que diz

respeito à assistência, o que substituiu a NOB/96 e a NOAS/02, foi o Pacto pela Saúde –

Consolidação do SUS, publicado em 2006, reafirmando a consolidação e a qualificação

da ESF “como modelo de atenção básica à saúde e como centro ordenador das redes de

atenção à saúde do SUS” (Brasil, 2006).

Page 54: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

54

As ações e programas a serem pactuados pelos gestores não apresentaram

modificações significativas às normatizações anteriores. As prioridades pactuadas são

relacionadas à saúde do idoso, ao controle do câncer de colo de útero e de mama

(aumento na cobertura de mamografias); redução da mortalidade infantil e materna

(reduzir óbitos); capacidade de respostas às doenças emergentes e endemias, com ênfase

na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza; fortalecimento da Atenção

Básica e Promoção da Saúde (Brasil, 2006).

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) define a função da AB nas

Redes de Atenção à Saúde (RAS) como coordenadora e ordenadora do cuidado. Na

PNAB mais recente (Brasil, 2012) foram definidas equipes de atenção básica para

populações específicas: equipes do consultórios na rua; equipes de Saúde da Família

para o atendimento da populações ribeirinhas e fluviais (em Unidades Básicas de Saúde

Fluviais).

Em 2011, o Departamento de Atenção Básica (DAB) passou a integrar a

Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) e assumiu, entre outras, as funções de definir e

rever periodicamente as diretrizes da PNAB, pactuando-as com representantes dos

secretários estaduais e municipais de saúde; estabelecer diretrizes nacionais para gestão,

formação e educação permanente dos gestores e trabalhadores da AB; articular as

gestões estaduais e municipais do SUS para institucionalizar a avaliação e qualificação

da AB; articular com o Ministério da Educação estratégias de indução a mudanças

curriculares nos cursos de graduação e pós-graduação na área da saúde visando à

formação de profissionais e gestores com perfil adequado à Atenção Básica (Brasil,

2011).

Foi o DAB que, em 2011, criou o Saúde mais perto de você, composto por

ações, projetos e estratégias. Segundo o Departamento, parte desse conjunto estrutura a

AB. São eles: Academia da saúde, Amamenta e alimenta Brasil, Bolsa família, Brasil

sorridente, equipes de Consultório na rua, Doenças crônicas, ESF, e-SUS AB, Melhor

em casa, NASF, Práticas integrativas e complementares, Prevenção e controle dos

agravos nutricionais, Projeto de expansão e consolidação da ESF (PROESF), Promoção

da saúde e da alimentação adequada e saudável, Programa nacional de melhoria do

acesso e qualidade na AB (PMAQ-AB), Programa nacional de suplementação de

vitamina A, Programa de requalificação das Unidades Básicas de Saúde, Programa

Page 55: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

55

Telessaúde Brasil redes; Programa saúde na escola, Unidade básica de saúde fluvial e

Vigilância alimentar e nutricional.

Por meio do DAB, o MS induz a implementação desses projetos mediante a

contratação de secretarias municipais da saúde. Portanto, serão contemplados com esses

projetos os municípios que o gestor inscrever. A verba é repassada para o município,

que a repassará diretamente à equipe ou contratará serviços.

Uma dessas estratégias foi o Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da

Família (Proesf), que intenciona a expansão da cobertura, a qualificação e a

consolidação da ESF como estruturante da RAS em municípios com população superior

a 100 mil habitantes. Para consolidar o projeto, vigente desde 2002, o MS conta com

recursos financeiros do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento

(BIRD), repassados para os municípios. A fase 1 teve início em 2002 e encerramento

em 2007 e para monitoramento e avaliação do processo, na etapa 2 contou com

processos de avaliação Estudos de Linha de Base - ELB. A fase 2 começou em 2009. A

primeira etapa foi encerrada em mar/2012 e a segunda etapa em mar/2013.

A segunda etapa da fase 2 do PROESF relaciona-se com o atual momento de desenvolvimento da Atenção Básica brasileira marcado pela publicação da Portaria n 2.488, de 21 de outubro de 2011 que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica e para a Estratégia Saúde da Família e da Portaria n. 1.654, de 19 de julho de 2011 que institui o Saúde Mais Perto de Você - Acesso e Qualidade, Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica PMAQ (DAB, 2011).

Os ELB do Proesf foram desenvolvidos com a proposta de monitoramento e

avaliação das equipes e do desempenho dos serviços, com vistas à avaliação da ESF.

Esses processos foram realizados com a contratação de pesquisadores de instituições de

ensino superior e de pesquisa (Brasil, 2003).

Dentre os vários estudos, o de Facchini et al. (2006) avaliou mais de 40

municípios, tendo feito ressalvas quanto à necessidade de aprimoramento conceitual e

operacional da ESF. Foram avaliadas a necessidade de monitoramento e avaliação

regulares da AB, de processos de supervisão da equipe que superem as reuniões de

caráter informativo e a utilização de dados de relatórios periódicos para embasar a

tomada de decisões. O estudo constatou que a gestão da AB necessita de forte estímulo,

Page 56: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

56

não só no tocante a condições materiais, mas principalmente no aperfeiçoamento dos

gestores.

Resultados de outro ELB realizado em quatro capitais revelaram que médicos e

enfermeiros avaliaram positivamente a potencialidade da ESF em alcançar a atenção

integral. Os parâmetros citados por esses trabalhadores foram a capacidade de

trabalhadores da ESF, ao menos o Agente Comunitário de Saúde (ACS), de conhecer e

intervir nos principais problemas de saúde da população, garantir acesso à AB e nessa

instância estabelecer vínculos, acolher a demanda espontânea, realizar atividades

preventivas individuais, acompanhar os grupos prioritários e resolver ao menos 80%

dos problemas atendidos. Foram poucas as descrições de ações intersetoriais, que são as

que têm mais potência para incidir sobre os determinantes do processo saúde-doença

(Giovanella, Escorel, Mendonça, 2009).

Os ELB do Proesf mostraram que as necessidades apreendidas continuam

bastante associadas ao controle e ao monitoramento de agravos, com ações

desenvolvidas internamente à USF e voltadas a grupos prioritários. Para aderir e receber

os recursos financeiros do governo federal, os municípios deveriam fazer as pactuações

relacionadas ao aumento de cobertura pela ESF e o cumprimento de metas, dentre elas a

resolução de ao menos 80% dos problemas que chegassem à USF e cumprir metas

quantitativas de consultas e outros procedimentos (Brasil, 2003). Portanto, o PROESF

induziu o aumento de cobertura de serviços da AB e as práticas associadas aos

programas prioritários do MS.

Na etapa 2 da fase 2 do PROESF o instrumento de indução de práticas foi o

PMAQ-AB (Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção

Básica) e o Incentivo Financeiro PMAQ-AB (Componente de Qualidade do Piso de

Atenção Básica Variável – PAB Variável) (Brasil, 2011).

O PMAQ é composto por 4 fases: 1) adesão e contratualização; 2)

desenvolvimento; 3) avaliação externa e 4) recontratualização (a partir dos resultados

das fases 2 e 3) (Brasil, 2011). Um dos itens de implementação da fase 2 é a auto-

avaliação das equipes. Vale ressaltar que do instrumento (AMQ) constam indicadores

que ampliam o objeto da atenção.

Page 57: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

57

Indicadores vão além dos grupos previstos no pacote mínimo (NOB 96 e o Pacto) para o

cuidado.

A equipe de atenção básica participa de ações de identificação e enfrentamento dos problemas sociais de maior expressão local, com ênfase no desenvolvimento comunitário e na atuação intersetorial.

A equipe participa de iniciativas de desenvolvimento comunitário em conjunto com a população e/ou movimentos sociais. Considerando-se a necessidade de articular e integrar as agendas de intervenção para a modificação dos determinantes sociais do processo saúde–doença, a realização de ações/estratégias/projetos integrados com diversos setores governamentais e não governamentais é de fundamental importância (Brasil, 2012:75).

A equipe de atenção básica reúne-se com a comunidade para desenvolver ações conjuntas e debater os problemas locais de saúde, o planejamento da assistência prestada e os resultados alcançados.

O fortalecimento da participação popular amplia a compreensão dos profissionais de saúde sobre a realidade de vida da população, fortalece vínculos e práticas dialógicas, críticas e reflexivas. O plano de trabalho da equipe inclui agendas de discussão conjunta com a população por meio de reuniões comunitárias, grupos de discussão de ações específicas, reuniões de conselhos e conferências locais de saúde. Além disso, a equipe busca parcerias e/ou articulação com associações, grupos de populações específicas, movimentos sociais, igrejas e ONGs, entre outras (Brasil, 2012:75).

Reconhece-se que a política de indução das práticas via financiamento de ações,

projetos e estratégias permite brechas na consolidada organização da AB. No entanto,

não consegue regularizar a expansão das ações para agir sobre os determinantes do

processo saúde-doença, dada a finalidade das políticas na sustentação do modus

operandi da formação social. Pode-se dizer que os trabalhadores de gestão que induzem

as práticas, da forma que os dos serviços procuram de maneira idealizada atribuir às

brechas a potência para atender as necessidades sociais mais plenamente.

Tomando o processo educativo como aquele que permite a consciência das

contradições que estão nas bases das relações sociais concretas (Almeida, Trapé,

Soares, 2013), propõe-se o desenvolvimento de amplos e profundos processos de

reflexão entre os trabalhadores. Para além de instrumentalizar a resistência à lógica do

mercado como ditador da formulação das políticas de saúde, que também possibilite

processos de trabalho questionadores das práticas hegemônicas, que incluam no

cotidiano do trabalho práticas de cuidado emancipatórias.

Page 58: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

58

Page 59: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

59

7 Necessidades sociais de saúde e o trabalho do enfermeiro‡‡

Partiu-se da compreensão que necessidades de saúde são o objeto do processo de

trabalho da Enfermagem. No entanto, essas necessidades também são objeto das

práticas de cuidado realizadas pelos demais trabalhadores que compõem a equipe

interdisciplinar, um conjunto de profissões atuando de forma parcelar, a partir da

divisão do trabalho do médico e da fragmentação do conhecimento e da ação sobre o

objeto.

Dada a característica parcelar do trabalho e uma vez que as necessidades de

saúde são complexas, somente o conjunto de instrumentos das diversas práticas

profissionais incidindo no mesmo objeto é que terá potência para responder a essa

complexidade.

O cuidado é a essência do trabalho do enfermeiro (Kebian, Acioli, 2010), a

especificidade do trabalho do Enfermeiro para responder necessidades de saúde é o

cuidado de Enfermagem, constituído pelos saberes e tecnologias que lhe são próprios

(Queiroz, Salum, 1996). No entanto, o cuidado não é uma prática de saúde exclusiva

dos trabalhadores de enfermagem, “(...) não está relacionado a um ofício, nem mesmo a

uma profissão” (Ferreira, Kebian, Acioli, 2011: 441).

Como na Enfermagem em Saúde Coletiva o cuidado incide sobre os perfis

epidemiológicos do coletivo, será particularizado para cada grupo social, projetado e

operacionalizado nos espaços sociais de trabalho e vida, em processos intersetoriais,

além do cuidado realizado no espaço interno da UBS.

7.1- Práticas de cuidado emancipatórias: dimensão propositiva

Como trabalho, as práticas em saúde são guiadas por uma intencionalidade,

mesmo que ela não esteja explícita (Mendes Gonçalves, 1992).

Isto porque o trabalho é realizado por humanos, seres que se subjetivam como

sujeitos nas relações sociais que estabelecem para garantir a produção e a reprodução da

vida material (Viana, 2007; Mendes Gonçalves, 1992). As representações que o sujeito

‡‡ Parte das considerações que se seguem foram publicadas em Campos, Soares (2013: 280-288).

Page 60: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

60

elabora a respeito dessas relações com a natureza e a sociedade, sejam elas reais ou

ilusórias, é a consciência. (Viana, 2007:29).

O que permite superar práticas engendradas na concepção da clínica e do

mercado, em direção a práticas emancipatórias, é primeiramente tomar consciência da

intencionalidade do desenvolvimento das práticas induzidas pelas políticas estatais,

enquanto forma de regularização do modo de produção em saúde, que reproduz o modo

de produção social mais geral.

O arcabouço teórico que subsidia a Saúde Coletiva foi buscado para fazer a

crítica radical à abordagem funcionalista da clínica e para produzir novas práticas .

Análise de processo ensino-aprendizagem em uma disciplina de Enfermagem

em Saúde Coletiva (Campos et al, 2009) mostrou que há descompasso entre as teorias

da Saúde Coletiva e as práticas nos serviços de saúde da AB.

Como componente teórico explorou a articulação teoria-prática como relação

indissociável do trabalho essencialmente humano, e as características do ensino que

instrumentaliza trabalhadores para o processo de produção capitalista em saúde.

A práxis é uma categoria potente para explicar a conexão/discussão entre o

conhecimento acumulado (apreensão dos conceitos de Saúde Coletiva pelos

estudantes) e a sua aplicação nas práticas de Enfermagem; trata-se de uma

atividade ajustada a objetivos, guiada pela consciência (atividade teórica) para

transformar um dado objeto, a partir de um projeto intencionalizado (Vásquéz,

2007).

A forma como a consciência está presente na atividade prática do sujeito

configura diferentes níveis de práxis, sendo possível distinguir práxis criadoras

de práxis reiterativas. A práxis reiterativa é uma prática que segue uma lei

previamente traçada, com produtos análogos. A práxis criadora, dado que

advém de projeto consciente, não se adapta plenamente a uma lei previamente

traçada e culmina num produto novo e único(Vásquéz, 2007).

Nessa perspectiva, a produção do conhecimento é determinada por finalidades

práticas, no entanto, o problema prático que o mobilizou - o objeto desse

processo - requer o conhecimento sobre um desconhecido que se necessita

Page 61: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

61

conhecer. Ou seja, sem o domínio do conhecimento não é possível incursionar

no desconhecido [...]. Portanto, a proposição da experimentação ou da

problematização como ponto de partida para a construção do conhecimento

requer, a priori, um domínio conceitual básico. Caso contrário, a decodificação

dos dados identificados pode não alçar a superação de um conhecimento

imediato, circunscrito ao pensamento empírico (Abrantes, Martins, 2007).

É um equívoco privilegiar o conhecimento imediato (empírico) em detrimento

daquele fundamentado em conceitos, na falsa ideia de que a teoria (uma

abstração) é desprovida de objetividade (Abrantes, Martins, 2007). Inexiste

prática sem teoria, bem como teoria desprovida de prática. Nesse movimento

teoria-prática o conhecimento teórico é prenhe de conteúdos empíricos, que,

por sua vez, se configuram como conhecimento verdadeiramente humano, por

suas mediações teórico-abstratas[...] Se, por um lado, as abstrações, os

conceitos se distanciam do objeto, por outro lado, nada há mais apto para se

aproximar de sua essencialidade, uma vez que o verdadeiro conhecimento não

nos é dado pela contemplação viva ou pelo contato imediato. [...] o código

genético (concreto pensado) jamais será apreendido imediatamente pela

observação do sangue (concreto aparente) [...] (Abrantes, Martins, 2007).

O estudo mostrou que é

imprescindível que o educador direcione o educando para elaboração de sínteses, com a finalidade de formar enfermeiros comprometidos com a interpretação da saúde-doença como processo social e da saúde como direito social e, portanto, com a transformação das práticas reiterativas do modelo hegemônico (Campos et al, 2009: 1231)

Da mesma forma, é imprescindível que nos serviços os processos educativos

retomem a leitura da realidade.

O enfermeiro formado no modelo clínico tem uma consciência parcelar da

realidade, ou ilusória.

É o processo educativo que permite o processo de retomada de leitura da

realidade, a partir das bases conceituais de saúde como resultado das relações sociais.

Ou seja, a partir das necessidades sociais de saúde e da concepção de saúde como

direito.

Page 62: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

62

Outra reflexão que permite superar práticas engendradas na concepção da clínica

e do mercado, em direção a práticas emancipatórias, é a discussão sobre o objeto da

Saúde Coletiva, iluminado pela concepção de necessidades sociais de saúde.

Esse processo permitirá aos trabalhadores a percepção da limitação do

instrumental da clínica para transformar a realidade de saúde e dá elementos para o

trabalhador propor novas práticas e novas políticas, que constituam formas de

regularização diferentes das hegemônicas, das que mantém o status quo.

As relações sociais entre os sujeitos, que retroalimentam as formas de

regularização que mantém o modo de produção, dialeticamente reproduzem as

contradições de classe (Viana, 2007).

Logo, é no interior delas que as mudanças se gestam. Os movimentos sociais, a

organização das classes exploradas, são formas de regularização e estas entram em

conflito com as formas de regularização da classe dominante.

em períodos revolucionários, são embriões de novas formas de regularização, formas que expressam uma nova sociedade. (...) A consciência revolucionária existe, embora em grau menor, mesmo em períodos não-revolucionários. Ela existe de forma marginal e muitas vezes sofrendo a influência da consciência burguesa. No entanto, é uma forma de resistência e luta que traz em si o embrião de uma nova forma de consciência que rompe com o capitalismo (...).

Em uma época revolucionária, há a efervescência e o contágio da consciência revolucionária, gerando formas de regularização em visível contradição com as relações de produção existentes e suas formas de regularizações correspondentes (Viana, 2007: 77).

7.2- Práticas de cuidado emancipatórias: dimensão operacional

O relato a seguir refere-se a atividades de ensino prático de uma disciplina da

graduação em enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

(EEUSP), que foram desenvolvidas em uma USF do município de São Paulo. A tutoria

dessas atividades foi realizada por duas docentes que se revezavam semestralmente no

acompanhamento de estudantes no ensino teórico-prático.

A disciplina tinha como finalidade o reconhecimento de necessidades de saúde

de famílias moradoras na área de abrangência da USF e o desenvolvimento de prática

de educação em saúde em resposta a elas.

Page 63: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

63

Ao longo de um ano trabalhadores da USF informavam o processo de ocupação

irregular às margens de um córrego no bairro. Esses moradores eram atendidos na USF

nos moldes de pronto atendimento, em folha de prontuário avulsa, que invariavelmente

não era encontrada quando o usuário retornava à unidade. Como parte das atividades

acadêmicas, foi proposto à gerente da USF o reconhecimento de necessidades de saúde

de famílias residentes nessa área de “ocupação”.

As ações descritas a seguir foram planejadas e desenvolvidas ao longo de dois

anos. Inicialmente estabeleceu-se contato com uma das lideranças dos moradores para

apresentar a proposta da disciplina, articulada com a USF, e a metodologia de

reconhecimento de necessidades de saúde. Esse morador reuniu-se com outros

moradores e concordaram com a proposta.

Nos dois semestres desse ano os grupos de estudantes realizaram inquéritos

domiciliares, com o objetivo de identificar condições de reprodução social. O

questionário era composto por indicadores das condições de trabalho, vida e saúde de

famílias residentes em domicílios localizados numa das margens do córrego.

Durante esse primeiro ano os estudantes sistematizaram as respostas e

retornaram os dados aos moradores da “ocupação” e aos trabalhadores da UBS

(principalmente os ACS), enfocando os potenciais de fortalecimento e desgaste

advindos das condições de reprodução social desses moradores, relacionando-os aos

agravos de saúde identificados.

Entre várias reflexões dos moradores destacaram-se as relacionadas às condições

das moradias e às condições de atendimento na UBS. As moradias eram feitas com

material aproveitado, madeira na maior parte, ou alvenaria sem acabamento. Algumas

delas eram do que chamavam “lona” (plástico preto), o que causava a impressão de

estarem ali de passagem, em situação provisória.

Não se sabe se a gente constrói [as casas] de bloco, empata as economias que tem e a prefeitura vem e derruba tudo...

Ao serem relacionadas as poucas atividades de lazer referidas pelos moradores,

uma moradora relatou que por terem ligações elétricas irregulares nos domicílios, “os

gatos”, já houve incêndio e como os moradores da residência incendiada e seus

vizinhos estavam no culto religioso, a família perdeu quase tudo o que tinha.

Page 64: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

64

A gente tem preocupação de sair de casa porque pode haver problema com a luz e a água e se acontecer tem que acudir logo, avisar todos os moradores para arrumar.

Esses depoimentos mostravam a instabilidade nas formas de reprodução social,

que tem como consequência a dificuldade de desenhar um projeto de futuro. Dessa

forma, avaliou-se que além das necessidades do âmbito da reprodução social que

ameaçavam até mesmo a sobrevivência de famílias, também era tênue a presença do

Estado naquela área e era evidente a necessidade de participação social dos moradores,

como descrito no excerto abaixo.

É importante vocês se preocuparem com a gente porque se ninguém der um passo à frente, ninguém vai apoiar a gente. As pessoas que tem endereço é mais fácil ser atendido do que quem não tem endereço, e a gente tem mais condições de adoecer por causa das condições dali. Tem uma instituição que a gente possa cobrar os políticos?

Dado que os moradores reivindicavam melhor atendimento na UBS e que a

gerente da Unidade pretendia organizar o fluxo do atendimento, optou-se por

implementar ação que promovesse a melhor inserção desses moradores na USF,

melhorando o acesso a algum direito de aprimoramento da saúde, por meio de melhora

da presença do Estado naquela área.

Os ACS envolveram-se no processo. Os estudantes visitaram as instituições

sociais do bairro, identificaram atividades realizadas (inclusive as da USF) e

investigaram as formas de acesso desses moradores às atividades. Várias instituições

não sabiam da existência desses moradores no bairro. Na USF eram oferecidas

consultas médicas, exames e medicamentos. Por não terem endereço eles não haviam

sido cadastrados na ESF.

Os estudantes confeccionaram folders, descrevendo as atividades da USF e das

demais instituições, que foram entregues aos moradores em nova reunião, da qual

também participaram ACS, verificando com eles no que a participação naquelas

atividades poderia representar fortalecimento e aprimoramento das condições de saúde.

No primeiro semestre do ano seguinte o grupo de estudantes realizou mais um

conjunto de inquéritos domiciliares, dessa vez com o objetivo de identificar o número

de residências e sua localização naquela área. As ruas e os domicílios foram

Page 65: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

65

representados graficamente, a princípio manualmente e posteriormente foi

confeccionado o mapa da “ocupação” em programa computacional.

No segundo semestre o grupo de estudantes, juntamente com moradores e ACS

nomearam as ruas e vielas e numeraram as casas, valendo-se do mapeamento anterior.

Entregou-se em cada residência um impresso para registro dos membros da família e do

endereço oficioso, que deveria ser levado à UBS quando fossem para algum

atendimento.

Com isso a USF foi aos poucos registrando os moradores em prontuários de

família, que foram sendo guardados organizadamente em prateleiras reservadas para

esses moradores. Dessa forma, encontrou-se uma forma alternativa de organização do

atendimento e os registros passaram a ser facilmente encontrados.

Os moradores passaram a utilizar a UBS sistematicamente e insistiram na

reivindicação de serem incluídos no PSF. No ano seguinte foi refeita a re-

territorialização da área de abrangência e uma das equipes passou a ser referência para

essas famílias.

Assim, ainda que a área da saúde não disponha de instrumentos que incidam

diretamente nos processos de reprodução social e embora as condições materiais de vida

dessas famílias continuassem precárias, as ações empreendidas tornaram os moradores

mais visíveis para as instituições sociais do bairro, inclusive para a USF, possibilitando,

de alguma maneira, o aprimoramento das condições de saúde desses moradores.

No ano seguinte, quando os graduandos voltaram a fazer o levantamento de

necessidades de saúde de outra parcela dos moradores, um aviso judicial circulava entre

eles causando muito desgaste, uma vez que teriam um prazo para desocupar a área.

Os estudantes ajudaram a mobilizar moradores, colhendo seus depoimentos

sobre o processo de ocupação da área e, articulados a trabalhadores da UBS,

conseguiram agendar reunião com a Comissão Municipal de Direitos Humanos de São

Paulo. Nessa reunião participaram moradores da “ocupação”, trabalhadores da UBS,

estudantes e docente da EEUSP e foram vislumbradas opções de encaminhamento.

Nesse processo, um dos direitos humanos importantes, o da moradia, foi

discutido com o envolvimento do setor saúde e moradores, graduandos e trabalhadores

da UBS aprenderam o caminho para desenvolver uma ação intersetorial que,

decididamente, inscreve-se no âmbito das práticas que respondem a necessidades de

Page 66: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

66

reprodução social e da presença do Estado no bairro, promovendo o fortalecimento do

grupo de envolvidos.

Ainda na mesma UBS foi desenvolvido projeto de extensão universitária (Soares

et al, 2009), como resposta a necessidades de saúde identificadas em pesquisa anterior

(Campos, Mishima, 2005). As docentes propuseram um ciclo de oficinas voltadas a

trabalhadores de instituições sociais que tinham ações dirigidas à população jovem do

bairro, com objetivo de os sensibilizar para o tema das drogas e aprimorar o

conhecimento a respeito dos mecanismos contemporâneos de produção, distribuição e

consumo das substâncias psicoativas, especialmente entre os jovens, na perspectiva da

Saúde Coletiva. As oficinas foram implementadas com a ajuda de duas graduandas

bolsistas de iniciação científica (Soares et al, 2009; Soares et al, 2011).

A avaliação ao final do processo educativo mostrou que os trabalhadores das

diferentes instituições sociais apreenderam o envolvimento com as drogas como

fenômeno social, incorporando-o ao objeto de práticas das instituições sociais. A partir

dessa compreensão, propuseram a criação de espaços de discussão nas instituições e a

elaboração de projetos intersetoriais de prevenção do consumo prejudicial de drogas,

especialmente do setor saúde com o da educação (Soares et al, 2009).

Resultados de estudo avaliativo dessas oficinas indicaram que trabalhadores que

participaram do processo continuavam compreendendo o envolvimento com drogas

como necessidade social e perceberam mudanças pessoais em relação à aproximação

com a realidade do envolvimento com drogas no bairro, o que lhes permitiu convivência

e atitudes de apoio a conhecidos envolvidos com o problema. Em contrapartida,

apontavam a dificuldade das instituições em desenvolver ações para responder a essa

necessidade (Soares et al, 2011).

Com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de ações voltadas a essa

necessidade, de forma contínua e com envolvimento intersetorial, procurou-se articular

o ensino e a extensão junto à escola pública de ensino fundamental na qual a USF

desenvolve ações de saúde. Foi então desenvolvida ação educativa como atividade

acadêmica voltada a estudantes da sétima série.

Partindo do depoimento de professores e da coordenação pedagógica, foram

levantadas necessidades provenientes dos padrões instáveis de reprodução social das

famílias e da ausência de Estado no bairro, visível pelos pontos de venda de drogas, pela

Page 67: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

67

violência, entre tantos outros abandonos. A maior preocupação dos professores era com

o que chamavam de “sexualidade exacerbada”.

O processo educativo com os estudantes consistiu de uma série de oficinas que

possibilitou ao grupo de universitários apropriar-se mais plenamente das necessidades,

indicando que elas estavam ligadas a um certo desencaixe social e uma excessiva

desatenção para com os jovens, expressas por eles durante o desenvolvimento das

oficinas. A categoria mediadora, os valores sociais, foi tomada como ponto de partida e

de chegada do processo educativo.

Os educandos mostraram que no espaço das oficinas sentiam-se livres para

conversar sobre assuntos que não conseguiam conversar em casa ou com os professores

e até mesmo com os colegas no cotidiano de sociabilidade. Afirmaram também que

aprenderam a ouvir a opinião dos colegas e que começaram a refletir sobre os próprios

valores a partir daí. Nesse processo, o diagnóstico anteriormente feito pelos professores

fez pouco sentido, visto que as necessidades dos alunos foram representadas por uma

enorme carência de espaço social, de visibilidade, de atenção e de sociabilidade.

Essa articulação ensino-serviço-extensão permitiu, no âmbito da escola do bairro

(extensão), a reinterpretação da necessidade expressa inicialmente pelos professores,

favorecida pela compreensão ampliada das necessidades de saúde, processo esse que foi

discutido com professores e coordenação pedagógica, complementar ao realizado com

os estudantes, e possibilitou à escola a visualização de caminhos para tratar a

problemática trazida anteriormente. No âmbito do serviço houve o estabelecimento de

confiança mútua entre a escola e a UBS, de forma que a direção da escola passou a

participar ativamente da rede de instituições sociais do bairro, capitaneada pela UFS.

No âmbito do ensino na EEUSP, o diálogo entre estudantes de escolas públicas

tão desiguais na sua valoração social, uma universidade considerada de ponta e uma

escola de ensino fundamental negligenciada pela política pública, permitiu que os

estudantes envolvidos no processo como educadores e educandos refletissem sobre seus

valores e que ao final tivessem suas práticas sociais transformadas, certamente

contribuindo para o fortalecimento dos dois grupos.

Os exemplos mostram que é possível implementar o cuidado de enfermagem em

saúde coletiva na dimensão dos grupos sociais:

Page 68: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

68

▪ a partir da identificação de necessidades de reprodução social dos grupos que

habitam o território sob a responsabilidade da USF, superando as ações

programáticas definidas verticalmente nos níveis centrais de gestão;

▪ por meio de interlocução com instituições sociais, para constituir ações sobre os

determinantes das necessidades de saúde;

▪ para efetivar o fortalecimento dos grupos sociais na luta para a emancipação

humana, para o desenvolvimento pleno de todas as suas capacidades.

Page 69: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

69

8 - Para fazer a síntese

O trabalho do enfermeiro, um trabalhador da saúde, é uma prática social

localizada no setor terciário da produção capitalista.

O trabalho do enfermeiro se constitui no interior da divisão social e técnica do

trabalho em saúde.

A divisão técnica na saúde está assentada nos saberes da clínica.

A clínica se desenvolve pela fragmentação dos saberes, em especialidades. Essa

fragmentação permite o isolamento das partes que compõem o organismo e destacar

esse organismo das relações sociais.

Para transformar tal objeto foram se constituindo instrumentos eficazes, o

cuidado de Enfermagem é um conjunto desses instrumentos.

As políticas de saúde são instrumentos do Estado, para manter o processo de

produção em saúde.

As práticas de saúde, induzidas pelas políticas, são instrumentos do processo de

produção.

As políticas estatais também são o resultado da luta social e dos interesses em

disputa nas relações sociais.

O projeto do SUS (a política de saúde) expressava a contradição entre a

concepção de saúde que sustenta a clínica e a concepção de saúde como resultado das

relações sociais e a contradição entre a saúde como mercadoria e a concepção de saúde

como direito.

As políticas de saúde expressavam a tensão entre a intencionalidade do Estado e

as lutas sociais que refletiam os dois projetos em disputa.

As políticas de saúde que se constituíram após o SUS, engendradas pelo ideário

neoliberal, favoreceram o projeto da saúde para o mercado e as políticas

compensatórias.

As práticas de saúde que prosperaram nessa política foram as da concepção da

clínica e do projeto de saúde como mercadoria.

Page 70: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

70

As práticas que fogem da lógica que prosperou seguem dois caminhos, que tem

em comum a concepção de saúde como resultado das relações sociais e a concepção de

saúde como direito.

Um dos caminhos nas instituições estatais de saúde é o de induzir práticas

inovadoras, pela adesão do gestor público a programas especiais, com financiamentos

“diferenciados” por verbas originadas da união, de agências de fomento e de agências

multilaterais. Para concretizar tal caminho as políticas estatais tem oferecido espaço

para o setor privado, que passa a gerenciar esses recursos.

Outro caminho tem sido trilhado no cotidiano pelos trabalhadores que oferecem

resistência às práticas hegemônicas, formulando práticas emancipatórias.

Práticas emancipatórias possibilitam refletir sobre a origem dos problemas de

saúde, superando ações que incidem no âmbito dos problemas já instalados, para atingir

determinantes do processo saúde-doença.

Práticas emancipatórias instrumentalizam os sujeitos dos grupos sociais a

acessar direitos e a lutar por eles.

Práticas emancipatórias incentivam valores de solidariedade.

Práticas emancipatórias resgatam a condição humana como condição social, em

contraposição à naturalização do sujeito como ser biológico.

A proposição de práticas emancipatórias demanda que a universidade assuma

para si a responsabilidade de formar enfermeiros comprometidos com a concepção de

necessidades de saúde como processo social e de saúde como direito, o que leva à

redefinição do objeto sobre o qual incidem as práticas em saúde; à compreensão da

limitação das práticas em função de sua fundamentação no paradigma clínico; a criticar

as políticas de saúde reiterativas do paradigma clínico e a propor novas práticas,

privilegiando a instrumentalização dos grupos sociais que vivem nos territórios sob

responsabilidade da AB para a participação social. Além do ensino, a universidade deve

assumir a responsabilidade de desenvolver pesquisas e projetos de extensão que

transformem as práticas.

Page 71: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Abrantes AA, Martins LM. A produção do conhecimento científico: relação sujeito-objeto e desenvolvimento do pensamento. Interface (Botucatu). 2007;11(22):313-25.

Almeida AH, Trapé CA, Soares, CB. Educação em saúde no trabalho de enfermagem. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de enfermagem. Barueri: Manole; 2013. p. 293-322.

Almeida MCP, Rocha JSY. O saber de enfermagem e sua dimensão prática. 2a ed. São Paulo: Cortez; 1989.

Althusser L. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes; 1999.

Anastasiou LGC. A docência no ensino superior: desafios e possibilidades. Forgrad em Revista. 2006;1:5-8.

Andrade EO, Andrade EN de, Gallo JH. Estudo de caso de oferta induzindo a demanda: o caso da oferta de exames de imagem (tomografia axial computadorizada e ressonância magnética) na Unimed-Manaus. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(2):138-143.

Antunes R. Os sentidos do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Boitempo; 2000.

Baraldi DC, Souto BGA. A demanda do acolhimento em uma unidade de saúde da família em São Carlos, São Paulo. Arq Bras Ciênc Saúde. 2011;36(1):10-17.

Barros MBA, Francisco PMSB, Lima MG, César CLG. Desigualdades sociais em saúde entre idosos. Cad Saúde Pública. 2011;27 Supl2:S198-208.

Barros REM, Tung TC, Mari JJ. Serviços de emergência psiquiátrica e suas relações com a rede de saúde mental Brasileira. Rev Bras Psiquiatr. 2010;32 Supl2:S71-77.

Bastos GAN, Duca GFD, Hallal PC, Santos IS. Utilização de serviços médicos no sistema público de saúde no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública. 2011;45(3):475-454.

Blas E, Gilson L, Kelly MP , Labonté R, Lapitan J, Muntaner C, Östlin P, Popay J, Sadana R, Sen G, Schrecker T, Vaghri Z. Addressing social determinants of health inequities: what can the state and civil society do? The Lancet. 2008;372(9650):684-1689.

Borrell C, Muntaner C, Benach J, Artazcoz L. Social class and self-reported health status among men and women: what is the role of work organization, household material standards and household labour? Soc Sci Med. 2004;58(10):1869-87.

Boron AA. Os “novos Leviatãs” e a pólis democrática: neoliberalismo, decomposição estatal e decadência da democracia na América Latina. In: Sader E, Gentili P, organizadores. Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia? Petrópolis: Vozes; 1999. p.7-67.

Page 72: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

72

Brasil. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado; 1988.

Brasil. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. [Internet]. Brasília; 1990 [citado 2011 abr. 12]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília: Ministério da Saúde/Coordenação de saúde da Comunidade; 1997.

Brasil. Ministério da Saúde. Projeto de Expansão e consolidação da Saúde da Família (PROESF). Brasília: Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica; 2003. p.18.

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM n. 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2011 abr. 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0399_22_02_2006.html.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica [Internet]. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica; 2007 [citado 2011 abr. 23]; p. 68. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/volume_4_completo.pdf.

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM n. 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da rede de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília; 2010 [citado 2011 abr. 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html.

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM n. 1.654, de 19 de julho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro do PMAQ-AB, denominado Componente de Qualidade do Piso de Atenção Básica Variável - PAB Variável [Internet]. Brasília; 2011 [citado 2013 ago. 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1654_19_07_2011.html.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Autoavaliação para a Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: AMAQ [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [citado 2013 ago. 23]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/geral/amaq.pdf.

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM n. 3.925, de 13 de novembro de 1998. Aprova o Manual para a Organização da Atenção Básica [Internet]. Brasília; 17 nov. 1998 [citado 2013 ago. 20];Seção I,p.8-14. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3925_13_11_1998_rep.html.

Bujdoso YLV, Trapé CA, Pereira ÉG, Soares CB. A academia e a divisão social do trabalho na Enfermagem no setor público: aprofundamento ou superação. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(5):1363-1374.

Page 73: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

73

Calipo SM, Soares CB. Saúde como direito. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de enfermagem. Barueri: Manole; 2013. p. 3-48.

Calipo SM, Soares CB. Público e privado na reforma do Sistema de Saúde no Brasil. Sociedade em Debate. 2008;14(1):119-138.

Campaña A. Em busca da definição de pautas atuais para o delineamento de estudos sobre condições de vida e saúde. In: Barata RB, organizadora. Condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 1997. p. 115-65.

Campos CMS. Reconhecimento das necessidades de saúde dos adolescentes. In: Borges ALV, Fujimori E. Enfermagem e a saúde do adolescente na atenção básica. Barueri: Manole; 2009. p. 142-67.

Campos CMS. As necessidades de saúde pela voz da sociedade civil (os moradores) e do Estado (os trabalhadores de saúde) [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2004.

Campos CMS, Bataiero MO. Necessidades de saúde: uma análise da produção científica brasileira de 1990 a 2004. Interface (Botucatu). 2007;11(23):605-18.

Campos CMS, Mishima S. Necessidades de saúde pela voz da sociedade civil e do Estado. Cad Saúde Pública. 2005; 21(4):1260-8.

Campos CMS, Soares CB. Necessidades de saúde e o cuidado de enfermagem em saúde coletiva. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de enfermagem. Barueri: Manole; 2013. p. 265-292.

Campos CMS, Soares CB, Trapé CA, Silva BRB, Silva TC. Articulação teoria-prática e processo ensino-aprendizagem em uma disciplina de Enfermagem em Saúde Coletiva. Rev Esc Enferm USP. 2009; 43(N. esp. 2):1226-1231.

Campos CMS, Stotz EM, Soares CB. Necessidades de saúde e direito à saúde: uma problematização da saúde coletiva. In: [cd-rom]. VIII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e XI Congresso Mundial de Saúde Coletiva; 2006.

Capilheira MF, Santos IS dos. Fatores individuais associados à utilização de consultas médicas por adultos. Rev Saúde Pública. 2006;40(3):436-443.

Carvalheiro JR. O mundo à venda. In: Heimann LS, Cortizo CT, Castro IEN, Kaiano J, Rocha JLR, Nascimento PR, et al. Descentralização do Sistema Único de Saúde: trilhando a autonomia municipal. São Paulo: SOBRAVIME; 2000.

Castro MSM, Travassos C, Carvalho MS. Efeito da oferta de serviços de saúde no uso de internações hospitalares no Brasil. Rev Saúde Pública. 2005;39(2):277-284.

Cericato GO, Garbin D, Fernandes APS. A inserção do cirurgião-dentista no PSF: uma revisão crítica sobre as ações e os métodos de avaliação das Equipes de Saúde Bucal. RFO UPF. 2007; 12(3):18-23.

Page 74: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

74

Claro LBL, March C, Mascarenhas MTM, Castro IAB, Rosa MLG. Adolescentes e suas relações com serviços de saúde: estudo transversal em escolares de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(8):1565-1574.

Cohn A. Reforma sanitária brasileira após 20 anos do SUS: reflexões. Cad Saúde Pública. 2009;25(7):1614-9.

Cohn A. Mudanças econômicas e políticas de saúde no Brasil. In: Laurell AC, organizadora. Estado e políticas sociais no Neoliberalismo. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 1997.

Corrêa RS, Freitas-Júnior R, Peixoto JE, Rodrigues DCN, Lemos MEF, Marins LAP, Silveira ÉA da. Estimativas da cobertura mamográfica no Estado de Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(9):1757-1767.

Correia CMF, Pimentel NSN, Fialho VML, Oliveira RML de, Gomide M, Heukelbach J. Fatores associados à alta demanda de pacientes com hanseníase em centro de referência em Manaus, Amazonas. Cad Saúde Colet. 2008;16(2):169-180.

Cossetin A, Olschowsky A. Avaliação das ações em saúde mental na estratégia de saúde da família: necessidades e potencialidades. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):495-501.

Couto MCV, Duarte CS, Delgado PGG. A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(4):390-398.

Cubas MR, Egry EY. Práticas inovadoras em saúde coletiva: ferramenta re-leitora do processo saúde-doença. Rev. esc. enferm. USP. 2007;41(espe):787-792.

David HMSL, Acioli S. Mudanças na formação e no trabalho de enfermagem: uma perspectiva da educação popular em saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):127-31.

Dias-da-Costa JS, Gigante DP, Horta BL, Barros FC, Victora CG. Utilização de serviços de saúde por adultos da coorte de nascimentos de 1982 a 2004-5, Pelotas, RS. Rev Saúde Pública. 2008;42 Supl2:S51-59.

Dias-da-Costa JS, Olinto MTA, Soares SA, Nunes MF, Bagatini T, Marques MC, et al. Utilização de serviços de saúde pela população adulta de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil: resultados de um estudo transversal. Cad Saúde Pública. 2011;27(5):868-876.

Dias-da-Costa JS, Olinto MTA, Bassani D, Marchionatti CRE, Bairros FS de, Oliveira MLP de, et al. Desigualdades na realização do exame clínico de mama em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23(7):1603-1612.

Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método em enfermagem. São Paulo: Ícone; 1996.

Egry EY, Oliveira MAC, Ciosak SI, Maeda ST, Barrrientos DMS, Fonseca RMGS, Chaves MMN, Hino P. Instrumentos de avaliação de necessidades em saúde aplicáveis na estratégia de Saúde da Família. Rev. esc. enferm. USP;2009;43(espe2): 1181-1186.

Page 75: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

75

Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão Jr A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc saúde coletiva. 2006;11(3):633-41.

Ermel RC, Fracolli LA. O trabalho das enfermeiras no Programa de Saúde da Família em Marília/SP. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):533-9.

Esperança AC, Cavalcante RB, Marcolino C. Estudo da demanda espontânea em uma unidade de saúde da família de uma cidade de médio porte do interior de Minas Gerais, Brasil. REME: Rev Min Enferm. 2006;10(1):30-36.

Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV et al. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Ciênc saúde coletiva. 2006;11(3):669-81.

Felipe GF, Abreu RNDC, Pereira TMM. Aspectos contemplados na consulta de enfermagem ao paciente com hipertensão atendido no Programa Saúde da Família. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(4):620-7.

Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Utilização dos serviços de saúde pela população coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2009;43(4):595-603.

Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Utilização dos serviços de saúde pela população coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Rev. Saúde Pública [Internet]. 2009 [citado 2013 ago. 18];43(4):595-603. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000400005&lng=en&nrm=iso.Ferreira VA, Kebian LVA, Acioli S. O cuidado de enfermagem no campo da saúde pública: reflexões sobre suas possibilidades. Saúde debate. 2011;35(90):437-44.

Ferreira MLT, Pontes MAA, Silveira MIS, Araújo LF, Kerr LRS. A demanda de um centro de referência nacional para hanseníase no nordeste brasileiro: por que o excesso de pacientes?. Cad Saúde Colet. 2008;16(2):243-256.

Fortuna CM, Matumoto S, Pereira MJB, Mishima SM, Kawata LS, Camargo-Borges C. O enfermeiro e as práticas de cuidados coletivos na estratégia saúde da família. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011; 19(3):581-8.

Freitas CASL, Silva Neto AV, Ximenes Neto FRG, Albuquerque IMN, Cunha ICKO. Consulta de enfermagem ao portador de Hanseníase no território da Estratégia da Saúde da Família: percepções de enfermeiro e pacientes. Rev Bras Enferm. 2008;61 (N. esp.):757-63.

Gaioso VP, Mishima SM. Satisfação do usuário na perspectiva da aceitabilidade no cenário da saúde da família. Texto contexto - enferm. 2007;16(4):617-25.

Giovanella L, Escorel S, Mendonça MHM. Estudos de caso sobre implementação da estratégia saúde da família em quatro grandes centros urbanos: relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: ENSP/DAPS/NUPES; 2009.

Page 76: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

76

Giovanella L, Guimarães L, Nogueira VMR, Lobato LVC, Damacena GN. Saúde nas fronteiras: acesso e demandas de estrangeiros e brasileiros não residentes ao SUS nas cidades de fronteira com países do MERCOSUL na perspectiva dos secretários municipais de saúde. Cad Saúde Pública. 2007;23 Supl2:S251-266.

Heller A. Teoria das necessidades em Marx. 2ª ed. Barcelona: Península; 1986.

Hino P, Ciosak SI, Fonseca RMGS, Egry EY. Necessidades em saúde e atenção básica: validação de instrumentos de captação. Rev. esc. enferm. USP [Internet]. 2009 [citado 2013 ago.15];43(espe2):1156-1167 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342009000600003&lng=en&nrm=iso

Horta WA. O processo de enfermagem. São Paulo: EPU/EDUSP; 1979.

Horta WA. Bases of a nursing science. Enf Novas Dimensões. 1975;1(3):105-106.

Jesus MCP, Santos SM, Amaral AMM, Costa DMN, Aguilar KSM. O discurso do enfermeiro sobre a prática educativa no Programa Saúde da Família em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Rev APS. 2008;11(1):54-61.

Jonas LT, Rodrigues HC, Resck ZMR. A função gerencial do enfermeiro na Estratégia Saúde da Família: limites e possibilidades. Rev APS. 2011;14(1):28-38.

Kebian LVA, Acioli S. As diferentes práticas de cuidado na história da enfermagem em Saúde Pública brasileira. Rev enferm UFPE on line. 2010;4(N. esp.):1124-130.

Laurell AC. Avançando em direção ao passado: a política social no neoliberalismo. In: Laurell AC, organizadora. Estado e políticas sociais no neoliberalismo. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 1997. p.151-78

Laurell AC. A saúde-doença como processo social. Rev Latinoamericana de Salud. 1982;2:7-25.

Levcovitz E, Lima LD, Machado CV. Política de saúde nos anos 90: relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas. Ciênc saúde coletiva. 2001;6(2):269-291.

Lima-Costa MF, Loyola Filho AI de, Matos DL. Tendências nas condições de saúde e uso de serviços de saúde entre idosos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998,2003). Cad Saúde Pública [Internet]. 2007 [citado 2013 ago. 18];23(10):2467-2478.

Louvison MCP, Lebrão ML, Duarte YAO, Santos JLF, Malik AM, Almeida ES de. Desigualdades no uso e acesso aos serviços de saúde entre idosos do município de São Paulo. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):733-740.

Lucchese R, Oliveira AGB, Conciani ME, Marcon SR. Saúde mental no Programa Saúde da Família: caminhos e impasses de uma trajetória necessária. Cad Saúde pública. 2009;(9):2033-2042.

Page 77: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

77

Mckenzie R. The personal must be the political: how and why. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2007;14(3):223-225.

Mandu ENT. A expressão de necessidades no campo de atenção básica à saúde sexual. Rev Bras Enferm. 2005;58(6):703-709.

Mandu EN, Peduzzi M, Carvalho BG, Silva AMN. Literatura brasileira sobre o trabalho de enfermagem fundamentada em categorias marxianas. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):766-773.

Martins AR, Silveira DS, Siqueira FV, Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, et al. Práticas dos trabalhadores de saúde na comunidade nos modelos de atenção básica do Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(12):2279-2295.

Matta GC, Morosini MV. Atenção primária à saúde. In: Pereira IB, Lima JCF, organizadores. Dicionário da educação profissional de saúde. 2a ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2009.

Matumoto S, Fortuna CM, Kawata LS, Mishima SM, Pereira MJB. A prática clínica do enfermeiro na atenção básica: um processo em construção. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):123-30.

Matumoto S, Mishima SM, Fortuna CM, Pereira MJB, Almeida MCP. Discussão de famílias na estratégia saúde da família: processo de trabalho em construção. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):603-10.

Matumoto S, Mishima SM, Fortuna CM, Pereira MJB, Almeida MCP. Preparando a relação de atendimento: ferramenta para o acolhimento em unidades de saúde. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(6):1001-8.

Matumoto S, Mishima SM, Pinto IC. Saúde Coletiva: um desafio para a enfermagem. Cad Saúde Pública. 2001;17(1):233-41.

Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012.

Mendes-Gonçalves RB. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo: Secretaria Municipal da Saúde; 1992. (Cadernos CEFOR, 1).

Mészáros I. O século XXI: socialismo ou barbárie? São Paulo: Boitempo; 2003.

Miranda GMD, Queiroga BAM de, Lessa FJD, Leal MC, Caldas Neto SS. Diagnóstico da deficiência auditiva em Pernambuco: oferta de serviços de média complexidade – 2003. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(5):581-586.

Mishima SM, Pereira FH, Matumoto S, Fortuna CM, Pereira MJB, Campos AC, et al. A assistência na Saúde da Família sob a perspectiva dos usuários. Rev Latino-Am Enfermagem. 2010;18(3):436-43.

Murta SG, Tróccoli BT. Stress ocupacional em bombeiros: efeitos de intervenção baseada em avaliação de necessidades. Est Psicol. 2007;24(1):41-51.

Page 78: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

78

Nakamura E, Egry EY, Campos CMS, Nichiata LYI, Chiesa AM, Takahashi RF. O potencial de um instrumento para o reconhecimento de vulnerabilidades sociais e necessidades de saúde: saberes e práticas em saúde coletiva. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(2):253-8.

Nascimento AAM, Braga VAB. Atenção em saúde mental: a prática do enfermeiro e do médico do programa saúde da família de Caucaia-CE. Cogitare Enferm. 2009;9 (1):84-93.

Nascimento MS, Nascimento MAA. Prática da enfermeira no Programa de Saúde da Família: a interface da vigilância da saúde versus as ações programáticas em saúde. Ciênc saúde coletiva. 2005;10(2):333-45.

Navarro V. Inequalities are unhealthy. Monthly review [Internet]. 2004 [cited 2011 Sep 27];56(2). Available from: http://monthlyreview.org/2004/06/01/inequalities-are-unhealthy#top.

Navarro V, Muntaner C, Borrell C, Benach J, Quiroga A, Rodriguez-Sanz M, et al. Politics and health outcomes. The Lancet. 2006;368(9540):1033-37.

Noronha JC, Lima LD, Machado CV. O Sistema Único de Saúde – SUS. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 1a reimp. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009.

Oliveira JCA, Tavares DMS. A atenção ao idoso na estratégia de saúde da família: atuação do enfermeiro. Rev Esc Enferm. USP. 2010;44(3):774-81.

Oliveira MAC, Veríssimo MDeLÓR, Püschel VA, Riesco MLG. Desafios da formação em enfermagem no Brasil: proposta curricular da EEUSP para o bacharelado em enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(N. esp.):820-5.

Oliveira RG, Marcon SS. Trabalhar com famílias no Programa de Saúde da Família: a prática do enfermeiro em Maringá-Paraná. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):65-72.

Organización Mundial de la Salud. Alma-Ata, 1978. Conferencia Internacional sobre Atención Primária de Salud [Internet]. Ginebra; 1978 [citado 2013 ago. 08]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/9243541358.pdf.

Osorio RG, Servo LMS, Piola SF. Necessidade de saúde insatisfeita no Brasil: uma investigação sobre a não procura de atendimento. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(9):3741-3754.

Paim JS. Reforma sanitária brasileira: contribuições para a compreensão crítica. Salvador: Edufba; 2008.

Paim JS. Eqüidade e Reforma em Sistemas de Serviços de Saúde: o caso do SUS. Saúde soc. 2006;5(2):34-46.

Paim JS, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet. 2011;377(9779):1778-97.

Page 79: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

79

Paula CS, Duarte CS; Bordin IAS. Prevalence of mental health problems in children and adolescents from the outskirts of Sao Paulo City: treatment needs and service capacity evaluation. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):11-17.

Piccini RX, Facchini LA, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV et al. Necessidades de saúde comuns aos idosos: efetividade na oferta e utilização em atenção básica à saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2006 [citado 2013 ago. 14];11(3):657-667. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232006000300014&lng=pt.

Puccini P T. Limites e possibilidades de uma proposta de humanização dos serviços públicos e satisfação dos usuários na luta pelo direito à saúde [dissertação]. Campinas: Faculdades de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas; 2002.

Queiroz VM, Salum MJL. (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo). Reconstruindo a intervenção de Enfermagem em Saúde Coletiva [Comunicação Coordenada apresentada ao Congresso Brasileiro de Enfermagem;1996; São Paulo]. Prêmio Isaura Barbosa Lima (mimeografado).

Rihs LB, Sousa MLR, Cypriano S, Abdalla NM. Desigualdades na distribuição da cárie dentária em adolescentes de Indaiatuba (SP), 2004. Ciênc saúde coletiva. 2010; 15(4):2173-2180.

Rodrigues LCR. Programa Saúde da Família: analisando a prática do enfermeiro [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2008.

Roecker S, Marcon SS. Educação em saúde: relatos das vivências de enfermeiros com a Estratégia da Saúde Familiar. Invest Educ Enferm. 2011;29(3):381-90.

Rosa S, Cavicchioli MGS, Brêtas ACP. O processo saúde-doença-cuidado e a população em situação de rua. Rev Latino-Am Enfermagem. 2005;13(4):576-582.

Sabroza PC. Concepções sofre saúde e doença [Internet]. [s.d.]. [citado 2012 mar. 25]. Disponível em: http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/13%20CNS/SABROZA%20P%20ConcepcoesSaudeDoenca.pdf.

Samaja J. A reprodução social e a saúde. Salvador: Casa da Qualidade; 2000.

Santos AL, Rigotto RM. Território e territorialização: incorporando as relações produção, trabalho, ambiente e saúde na Atenção Básica à Saúde. Trab Educ Saúde. 2010;8(3):387-406.

Santos IS, Victora CG. Serviços de saúde: epidemiologia, pesquisa e avaliação. Cad Saúde Pública. 2004;20(Sup 2):337-341.

Santos L, Andrade LOM. SUS: espaço da gestão inovada e dos consensos interfederativos. 2ª ed. Campinas: Saberes Editora; 2009.

Page 80: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

80

Santos MA, Péres DS, Zanetti ML, Otero LM, Teixeira CRS. Programa de educação em saúde: expectativas e benefícios percebidos por pacientes diabéticos. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):57-63.

Santos NR. A reforma sanitária e o SUS: tendências e desafios após 20 anos. Rev Saúde debate. 2009;81(33):13-26.

Santos SMR, Jesus MCP, Amaral AMM, Costa DMN, Arcanjo RAA. A consulta de enfermagem no contexto da Atenção Básica de Saúde, Juiz de Fora, Minas Gerais. Texto contexto - enferm. 2008;17(1):124-30.

Schraiber LB, Mendes-Gonçalves RB. Necessidades de saúde e atenção primária. In: Schraiber LB, Nemes MIB, Mendes-Gonçalves RB, organizadores. Saúde do adulto: Programas e ações na unidade básica. São Paulo: Hucitec; 2000. p. 29-47.

Shimizu HE, Rosales C. As práticas desenvolvidas no Programa Saúde da Família contribuem para transformar o modelo de atenção à saúde? Rev Bras Enferm. 2009; 62(3):424-9.

Silva EM, Nozawa MR, Silva JC, Carmona SAMLD. Práticas das enfermeiras e políticas de saúde pública em Campinas. Cad Saúde Pública. 2001;17(4):989-98.

Silva GB. Enfermagem profissional: análise crítica. 2a ed. São Paulo: Cortez; 1989.

Silva JL. A prática educativa como expressão da prática profissional no contexto da Equipe de Saúde da Família no município do Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010.

Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. A prática do enfermeiro na Estratégia Saúde da Família: o caso do município de Vitória/ES. Rev Eletr Enferm. 2010;12(3):441-8.

Soares CB, Campos CMS, Berto JS, Pereira EG. Avaliação de ações educativas sobre consumo de drogas e juventude: a práxis no trabalho e na vida. Trab Educ Saúde. 2011; 9(1):43-62.

Soares CB, Campos CMS, Leite AS, Souza CLLS. Juventude e consumo de drogas: oficinas de instrumentalização de trabalhadores de instituições sociais, na perspectiva da saúde coletiva. Interface (Botucatu). 2009;13(28):189-99.

Spagnuolo RS, Pereira MLT. Práticas de saúde em Enfermagem e Comunicação: um estudo de revisão da literatura. Ciênc saúde coletiva. 2007;12(6):1603-10.

Stotz EN. Os desafios para o SUS e a educação popular: uma análise baseada na dialética da satisfação das necessidades. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Ver – SUS. Brasília: Cadernos de Textos; 2004.

Stotz EN. Necessidade de Saúde: Mediações de um Conceito [tese]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 1991.

Stotz EN. A cultura e o saber: linhas cruzadas, pontos de fuga. Interface (Botucatu). 2001;5(8):132-4.

Page 81: Celia Maria Sivalli Campos Necessidades de saúde …fortalecimentoedesgaste.com.br/wp-content/uploads/2015/07/celia-ld.pdf · No capítulo 4 - intitulado As políticas de saúde

81

Stotz EN, Araujo JWG. Promoção da Saúde e Cultura Política: a reconstrução do consenso. Saúde soc. 2004;13(2):5-19.

Szwarcwald CL, Mendonça MHM, Andrade CLT. Indicadores de atenção básica em quatro municípios do Estado do Rio de Janeiro, 2005: resultados de inquérito domiciliar de base populacional. Ciênc saúde coletiva. 2006;11(3):643-55.

Teixeira E. Modos de sentir e aprender entre mulheres em um projeto de educação popular em saúde. Esc Anna Nery. 2008;12(1):57-62.

Thumé E. Enfermagem em Atenção Básica na saúde coletiva: práticas da especialidade na região sul do Rio Grande do Sul. Divulg saúde debate. 2001;(23):64-73.

Torres HC, Pereira FRL, Alexandre LR. Avaliação das ações educativas na promoção do autogerenciamento dos cuidados em diabetes mellitus tipo 2. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [citado 2013 ago. 18];45(5):1077-82. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342011000500007&lng=en&nrm=iso.

Viana N. Senso comum, representações sociais e representações cotidianas. Bauru: Edusc; 2008.

Viana N. A consciência da história: ensaios sobre o materialismo histórico-dialético. Rio de Janeiro: Achiamé; 2007.

Viana N. A Constituição das Políticas Públicas. Rev Plurais [Internet]. 2006 [citado 2013 ago. 18];1:94-112. Disponível em: http://www.nee.ueg.br/seer/index.php/revistaplurais/article/viewFile/69/96.

Viana N, Soares CB, Campos CMS. Reprodução social e processo saúde-doença: para compreender o objeto da Saúde Coletiva. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de saúde coletiva e o cuidado de enfermagem. Barueri: Manole; 2013. p. 107-142.

Villas Boas LMFM, Araújo MBS, Timóteo RPS. A prática gerencial do enfermeiro no PSF na perspectiva da sua ação pedagógica educativa: uma breve reflexão. Ciênc saúde coletiva. 2008;13(4):1355-60.

Villela WV, Araújo EC, Ribeiro SA, Cuginotti AP, Hayana ET, Brito FC et al. Desafios da atenção básica em saúde: a experiência de Vila Mariana, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública [Internet]. 2009 [citado 2013 ago. 18];25(6):1316-1324. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000600014&lng=en.

Weaver K, Olson JK. Understanding paradigms used for nursing research. J Adv Nurs. 2006;53(4):459-69.

World Health Organization. Primary Health Care Now More than Ever. Geneva; 2008 (WHO Technical Report Series).