Emma Green

CEM FACETAS DO SR.DIAMONDS

Volume 12: Ofuscante

1. Reencontro

Não sei por quanto tempo permaneciali, a fixar o papel de parede dopequeno escritório de meus pais, com osolhos no vazio e cheios de lágrimas.Longos minutos depois desse telefonemadevastador, a voz de Gabriel aindaressoa em minha cabeça. Seus soluçosabafados me arrasaram, não sei maisonde estou, em que planeta, em quedimensão. Suas palavras soaram comouma sentença. Ele me ama, mas ainda aama, a ela também, estou convencidadisso. Eu deveria me odiar por ter sido

tão ingênua, por haver acreditado que eulhe bastaria, que ele não ele não seperturbaria com esse reencontro com suanoiva ressuscitada. Eu deveria gritar,lutar, ligar para ele de novo, obrigá-lo ame dizer mais a respeito, mas estou semforças. La porte en bois clair s’ouvre etma sœur pousse un cri d’étonnement enme voyant là, prostrée.

– Amandine, o que houve dessa vez?Estamos esperando você há meia hora!

– Gabriel e… Eleanor…, digo, semconseguir pronunciar mais do que trêspalavras.

– Ele a encontrou?! Pergunta-me ela,com um brilho de curiosidade no olhar.

Pensei que ela se preocuparia ao meencontrar sentada no chão, em prantos,mas me dou conta de que isso não étípico dela. Camille não é realmenteindiferente, nem egoísta, simplesmentenão sabe como reagir nesse tipo desituação.

Me tomar nos braços e me consolar,já seria um bom começo…

– Sim.– Ela ou sua pista? Ele a viu? Ele a

tocou?– Camille, não está me ajudando

muito…– Se não me contar tudo, não posso

ajudá-la, irmãzinha…, diz docemente,

sentando-se ao meu lado no carpetecinza.

– Ele não me disse mais nada. Só quea tinha encontrado e que estava…perdido.

– Perdido? Você quer dizer que elenão sabe mais onde está? Com relação avocê? Típico dos homens, eles sãoincapazes de fazer uma escolha!

– Camille…, eu disse, quaseimplorando, para que ela pare demergulhar a faca na ferida.

– Amandine, juro a você que se eledeixar você por ela, eu…, eu…

– Chega! Camille, está na hora delevar Amandine para casa! IntervémSilas, vindo de lugar nenhum.

Ver este semblante divino, quasesimilar ao de Gabriel, me arrasa umpouco mais. Rompo em soluços, incapazde controlar a onda de tristeza que meinvade. O gêmeo me ergue suavementedo chão e me conduz até seu carro,enquanto minha irmã se encarrega deavisar aos meus pais e de pegar asminhas coisas. No caminho, o casalpermanece calado, mas troca olharesmisericordiosos. Como se soubessemque minha sorte estava selada, queminha história de amor terminara, queGabriel acabava de escolher e queEleanor tinha vencido.

Há dois dias, não consigo pregar oolho. Não fui trabalhar, não vi ninguém,

quase não engoli nada. Passei horasolhando fixo para as telas do telefone edo computador, mas nada aconteceu.Odeio enormemente Gabriel por meinfligi este silêncio, me manter àdistância, não me poupar todo estesofrimento. A incerteza, a dúvida, nãotem nada pior. « Não sei… Não sei mais» : esta maldita frase não me sai dacabeça, como se alguém tivessedecidido me torturar e apertar o botão «repeat ». Amargamente, eu me dou contade que este alguém é Diamonds. Ohomem a quem amo mais que tudo metrata como alguém desprezível… e euquero mais.

Tenho a impressão de déjà-vu…

Marion me persegue sem cessardesde que Camille lhe explicou asituação. Resisti, não respondi a umúnico telefonema nem aos seus SMS.Ouvir todas as coisas ruins que ela tem adizer sobre Gabriel, não é isso que vaime aliviar.

Se bem que…

Depois de ter assistido vagamente aofilme do domingo à noite, eu me preparopara ir para a cama quando a campainhatoca. Uma vez. Duas vezes. Dez vezes.

Marion Aubrac, vou estripá-la!

É mesmo ela que está atrás da porta,

com um sorriso constrangido nos lábios.Tristan está ao seu lado, encostado àparede. Eu lhes faço sinal para entrar,sem lhes dirigir uma palavra.Finalmente, minha melhor amiga quebrao silêncio e começa as hostilidades.

Espantoso…

– Bom, Amandine, você não vai sedeixar morrer por este cretino!

– Como?– Você ouviu muito bem. Fizemos

bem em vir, estou certa de que há trêsdias você não come! Eu queria ir a suacasa ontem, mas Camille e Tristan meproibiram. Eles me pediram para deixá-la respirar, como se isso fosse mudar

alguma coisa…, acrescenta, lançandoum olhar assassino a seu irmão.

A morena invasora encontra umapanela em meus armários, acende umaplaca de vitrocerâmica e esvazia asacola que levava no ombro.Aparentemente, o cardápio do dia éimposto: bistecas, ratatouille em caixa efondants de chocolate.

– Marion, são 23h00. Quero tudo,menos uma bisteca.

– Eu sei, mas você vai se forçar,você precisa comer, está parecendo umcadáver! Carne vermelha, isso vailevantar as suas forças!

Eu me volta para Tristan para que eleme ajude a colocar sua irmã de volta emseu lugar, mas descubro que esta noite,os Aubrac estão unidos contra mim emeu estômago embrulhado…

– Sinto muito, Amandine, mas poruma vez ela tem razão!

Durante quinze minutos, observo oirmão e a irmã brigarem gentilmente apropósito da refeição. Tristan me serviuuma taça de vinho tinto que bebericopreguiçosamente vendo minha cozinhase transformar em campo de batalha.Marion obriga seu irmão a vestir meuavental rosa bombom e usa o sotaque doMidi quando se dirige a ele. Ao mesmo

tempo irritado e divertido, ele a colocade volta em seu lugar na primeiraocasião, o que lhe vale utensíliosjogados na cara. Não sou trouxa, eu osconheço de cor. Fazem o possível parame fazer esquecer minha dor, medistrair, me fazer rir. E funciona.

Como eu amo esses dois…

Mas muito depressa, a dor volta.Depois de alguns bocados, afasto oprato, incapaz de ir mais longe. Marione Tristan, que comiam com poucoapetite, fazem o mesmo, aparentementeinquietos. Por uma vez, minha melhoramiga não faz comentários e é seu irmãoque mete os pés pelas mãos.

– A vida continua, Amandine. Sei queisso é doloroso, estou em situação desabê-lo, mas você vale mais do queisso.

– Mais do que o quê?– Mais do que bancar a moça

desolada que manda tudo às favas porcausa de um cara que não sabe o quequer. Você precisa reagir, minha bela…,acrescenta Marion, colocandosuavemente sua mão sobre a minha.

– Não quero os vossos conselhos,nem vossa piedade! Os senhores nãosabem do que estão falando! Digo,esquivando-me a esse gesto de ternura.E depois, o que é você sabe a respeitodo amor, Marion? Do verdadeiro, do

grande, daquele que a gente partilhadurante mais de uma semana?

– Amandine, não precisa mostrar asgarras! Não fique com raiva de Marion,ela só quer o seu bem, mesmo quecareça cruelmente de tato…, meresponde Tristan, fitando sua irmã.

– Obrigada, mas sou adulta. Talvezeu não saiba o que você está vivendo,Amandine, mas, enquanto isso, estousempre aqui. Onde está o seuDiamonds?

– Não sei… Certamente está com ela,confessei, enquanto minhas lágrimas sepõem a rolar de novo.

Marion se levanta, vem até mim e meaperta de encontro a ela. Abro as

comportas e explodo em soluços emseus braços, durante uma eternidade. Elaacaricia delicadamente meus cabelospara acalmar meu corpo percorrido porespasmos e ao fim de alguns minutos,Tristan se junta a nós, criando « carinhoem grupo! » Rimos todos os três, astensões já estão distantes e eu agradeçoa eles por esta visite inesperada eapaziguadora. Justo antes de eles iremembora, uma questão importante me vemà cabeça…

– Tristan, teve notícias de Violeta?– Sim e não. Ela me mandou um

longo e-mail para se explicar, masdepois desativou seu endereçoeletrônico e seu número de telefone.

– O que ela diz no e-mail? PerguntaMarion, que não está mais a par do queeu.

– Coisas pessoais. Mas em linhasgerais, ela se desculpa, explicando-meque sua irmã sofreu tanto que ela sesentiu obrigada a ajudá-la. Correndo orisco de passar por uma…

– Peste ignóbil? Intervém Marion.– Louca manipuladora? Acrescentei.– Psicopata? Hipócrita? Feiticeira?

Continua Marion.– Está bem, meninas, já entendemos!

Ralha Tristan, nem um pouco divertidocom as nossas palavras. Risquei Violetade minha vida, as senhoritas deveriamfazer o mesmo.

Quando meu despertador, acertadopelo France Info se põe a gritar, eu medou conta, com horror, que é manhã desegunda-feira. Corro até meu telefoneesperando encontrar um sinal de vida deGabriel, mas a tela touch não me mostranenhuma mensagem.

O dia está começando bem…

Adapto a roupa do dia a meu humor:um vestido curto preto mas apertado, umcolete e sapatilhas combinando, poucamaquiagem e os cabelos soltos.

Marcus vai me perguntar se alguémmorreu…

Ah não, esqueci, ele está de férias!

Este dia está começando MUITObem…

Como se não bastasse minhamorosidade, o caminho até a Agência deModelos Prestígio está cheio dearmadilhas nesta cinzenta manhã desetembro. A chuva torrencial, o metrôlotado, depois bloqueado várias vezes,o Starbucks fechado por causa de obras:a sorte continua! É com carência de sonoe de cafeína que subo até o sétimoandar. A porta metálica se abre e eu jáconto as horas que me separam de minhaliberdade. Sentando-me em meuescritório, dou uma última olhada para

meu celular e vislumbro com surpresaduas mensagens não lidas de Gabrielque datam de mais de uma hora atrás.Como pude não ouvi-las? Meu coraçãobate muito forte.

[Esteja em sua casa esta noite.][Responda-me, Amande.]

Você está sonhando, Diamonds…

Por quem ele se toma?!

Mas o que será que ele ainda me vaianunciar?

Uma parte de mim gostaria de gritarde alívio e de alegria diante da ideia de

reencontrá-lo. A outra parte estádividida entre o medo de perdê-lodefinitivamente e a vontade de fazê-lopagar por sua cruel ausência.Decididíssima a ignorá-lo, façodesaparecer o meu Smartphoneenfiando-o em uma gaveta.

É a minha vez de bancar a rainha dosilêncio…

Vou até a cafeteria para afogar minharaiva em três expressos, mas, em meuspensamentos, quase esbarro no Senhordândi em chefe. Ferdinand deBeauregard, fantasiado em seu últimoterno Armani, me interrompe em meu elãe me mede com seu olhar pensativo.

– Decididamente, a senhorita adoraflertar comigo! Brinca.

– Sinto muito…, digo, murmurando.Bom dia, Ferdinand.

– Bom dia, Amandine, estou contenteque esteja de volta. A senhorita estámelhor?

Uma gripe, Amandine, você seausentou por causa de uma gripe!

– Sim, só peguei uma gripe,obrigada…

– A senhorita vai engolir seu litro decafé diário? Eu a acompanho…

Por sorte, não há ninguém por perto enenhum colega nos surpreende, durante

quase trinta minutos, sentados um defrente para o outro da mesa redonda. DeBeauregard está de humor tagarela eaparentemente, está determinado a mefazer falar…

– Diga-me tudo, Amandine, o que éque está atormentando a senhorita?Enquanto patrão, devo cuidar de meusempregados! Acrescenta, vendo-meerguer os olhos para o céu.

– O que faz o senhor dizer que existealguma coisa me… atormentando?

– Começo a conhecer bem asenhorita. Logo a senhorita não terá maissegredos para mim, Amandine…

– Fazer confidências a seu chefe nãoé muito profissional, não?

– Cabe à senhorita julgá-lo.Pessoalmente, não vejo nada de malnisso… E depois a senhorita é tãobonita quando está amuada, deixe-meaproveitar um pouco mais! Acrescenta,dirigindo-me um sorriso com o canto daboca.

– Não tenho mais quatro anos,Ferdinand, não estou amuada, estou…preocupada.

– Diamonds fez novamente das suas?– Pode-se dizer que sim…– Minha opinião importa pouco para

a senhorita, imagino, mas tem uma coisaque não entendo. A senhorita parece nãoser alguém que se deixa pisar… Por queage diferente com ele?

– Porque eu o amo. E o senhoracertou, vossa opinião me interessapouco.

– A senhorita acha realmente que oamor deve forçosamente infligir tantossofrimentos? Que seu milionário não temnada a se censurar?

– Não sou ingênua, tenho consciênciade que nossa história é complicada,mas…

– A senhorita jamais diz a si mesmaque com outro alguém, maiscomprometido, menos egoísta, seriamais simples, mais leve?

– O amor não foi feito para sersimples, muito menos leve!

– Não acredite nisso, Amandine. É

assim que eu amo… Mas isso tambémimporta pouco à senhorita.

Durante longos segundos, nossosolhares se fixam, mergulhados um nooutro. Sou pega de surpresa, asinceridade deste homem, comumentetão jogador, me desarma.

Perigo…

– O que está tentando me dizer? Falo,um pouco hesitante.

– Que é hora de voltar ao trabalho,Senhorita Carinha de Anjo! Clama umpouco alto demais para, presumo,mascarar sua própria perturbação.

Levanta-se sorrindo para mim, medirige uma pequena reverência e toma ocaminho do escritório.

FDB e suas duas facetas:insuportável e sedutor ou insuportávele encantador…

Este dia passou em câmara lenta e eudeixo a agência às 19h00 em ponto,suspirando. Evidentemente não conseguitirar da cabeça os SMS de Gabriel, masaguentei: não lhe respondi. O quesignifica seu « Esteja em casa esta noite»? Por que essa frieza? Será que seprepara para renunciar a nós? Para meanunciar que Eleanor e ele já marcarama data do casamento? Este pensamento

me dá náuseas… Ao sair do edifíciohaussmaniano, levanto a cabeça e cruzocom um rosto familiar.

– Boa noite, senhorita Baumann, o Sr.Diamonds me enviou. Pediu-me quelevasse a senhorita a Bercy.

– Boa noite. Obrigada, mas prefiropegar o metrô. Se o Sr. Diamonds quiserque eu entre no carro, que ele mesmovenha me buscar.

– Entendido, darei o recado. Bom fimde dia, senhorita.

Eu me afasto, esperando não ter feitoeste homem perder o emprego eamaldiçoando Gabriel. O que ele estápensando que é? Nada disso é típico

dele!

Ele vai me deixar, ele vai me deixar,ele vai me deixar…

Penetrando em meu apartamento,quase quarenta e cinco minutos maistarde, sou assaltada pelos eflúviosdivinos de seu perfume. Nenhumadúvida, ele está aí! Um sopro de pânicose apodera de mim, hesito em dar meia-volta e fugir a toda a velocidade. Masele já está plantado na entrada da sala,seu olhar azul-celeste me medindo comdureza. De camisa azul-claro e jeanscru, seus braços bronzeados cruzados deencontro ao peito musculoso, fixa-mesem se desviar e o première pensamento

que me vem à cabeça me exaspera:penso que ele nunca esteve tão bonito.

– Primeiro, você não me responde.Depois, manda embora meu motorista…,diz, com o maxilar crispado.

– Pelo que vejo, nada lhe escapa!Respondo, mordaz.

– Amande…, diz, caminhando emminha direção.

– Não se aproxime de mim! Desta veznão estou brincando. Diga-me o que temque dizer e retire-se!

Ele me pega na palavra e seimobiliza, espantado, depois furioso.

– O que está dizendo? Amandine, eu

estou…– O que? Você está o que dessa vez?

Desolado? Pressionado? Perdido? Vocênão sabe, você não sabe mais? Gritei,insistindo nesta última frase.

– Acalme-se!– Não! Esta foi demais! Desaparecer

por dias, deixar-me morrer em um canto,sem me dizer nada!

– Deixe-me ao menos falar!– Você estava com ela, é isso?

Pronto, você pouco se importa comigo,eu não existo mais!

Ele pula em cima de mim e por maisque eu resista, não consigo. Ele me colabrutalmente à parede e coloca sua mãoem minha boca, para me impedir de

gritar. Seu perfume inebriante inundaminhas narinas e já o calor de sua peleme faz perder a cabeça, apesar de mim.

– Agora você vai fechar sua bocalinda e me escutar, AmandineBaumann…, grita, com uma voz rouca eatrozmente viril. Silas me contou em queestado você ficou depois de meutelefonema. Eu não queria torturá-lamais, então desapareci para acertar asminhas contas com Eleanor e deixá-lafora de tudo isso. Se você acha que vaiusar desse pretexto para se livrar demim, está enganada! Não me diga nuncamais para ir embora, está ouvindo?!Onde quer que você esteja, o quer quefaça, eu sempre a encontrarei e você não

poderá fazer nada para me tirar da suavida! Você me pertence, entendeu?!

Ele retira a mão para liberar minhaboca, mas não tenho tempo deacrescentar nem uma palavra. Seuslábios vorazes e formidáveis já estãosobre os meus e forçam a passagem. Eume abandono ao seu domínio, aturdidacom o que acabo de ouvir. Depois suasmãos de ferro me erguem e me levam nadireção do quarto. Uma a uma, asminhas roupas caem no chão…

Aninhada em seus braços, acordolentamente. Este corpo a corpoapaixonado conseguiu acalmar algumasde minhas angústias, mas não todas…

Continuo sem saber mais a respeito deseu reencontro com a ex-noiva.

– Gabriel? Digo, quebrando osilêncio perfeito que reinava no quarto.

– Hum? Responde, um pouco grogue.– Conte-me… Eleanor…– Mais tarde…, consegue pronunciar,

apertando-me contra si. Estava comtantas saudades…

Fácil demais, Diamonds…

– Preciso saber. Ela está em Paris?– Sim.– Você a viu?– Rapidamente. Mas por ora não

posso dizer mais.

Tento protestar, mas seus lábios já seinsinuam em meu pescoço, suas mãos seaventuram em minha pele nua e asminhas barreiras caem.

Afinal, isso pode esperar…

2. Ciúmes

Gabriel não me largou. Há umasemana, ele me cobre de atenções todasas noites, mas se recusa a me revelar oque trama durante o dia. Ele não procuradissimular a verdade, não me escondeseus « encontros » com Eleanor, mas serecusa obstinadamente a me contá-lasem detalhes.

Em detalhes? Eu me contentariacom um breve resumo!

Mas não, por mais que eu lhe faça e

refaça sempre as mesmas perguntas, meuamante misterioso se contenta em seesquivar e mudar de assunto. Tudo o quesei é que Virgílio logo chega a Paris eque vai ficar com Silas e Camille, paracontinuar afastado de Eleanor. Apesardos segredos, Gabriel se mostraatencioso e romântico, não perde umaoportunidade de me surpreender ou deme fazer subir ao sétimo céu. Fomos àOpéra, jantamos à luz de velas,redescobrimos Paris do deque de umachalana, sobrevoamos a cidade dehelicóptero, corremos no ParqueMonceau de mãos dadas. Meu amadoraramente esteve tão presente e eusuponho que ele tenta se fazer perdoarpor seu cruel silêncio dos dias

anteriores. Mas o que ele não diz meincomoda. Quando estamos juntos, nãoconsigo, como ele, abstrair sua ex-noiva, esquecer a presença de minharival.

Como todas as manhãs desde suavolta, tenho dificuldades para mearrancar a seus braços divinos e maisuma vez, meu amante insaciável tenta mesegurar…

– Beauregard pode passar algumashoras sem você, Amande. Eu, emcontrapartida…, acrescenta, dirigindo-me um olhar voraz e um sorriso vivaz.

– Se eu o escutasse, seria posta portaafora…, digo, tentando sair da cama.

– Venha aqui, que eu mostro tudo oque se pode fazer de encontro a umaporta! Diz, enquanto me cola com forçaa ele, morrendo de rir.

Meia hora mais tarde, saio do banhoarriscando tudo e opto pela primeiraroupa ao alcance da mão no grandecloset: uma calça slim branca, um topliberty e escarpim camel. Pego minhabolsa de mão na entrada, enfio meuimpermeável e me reúno a Diamondsque está lutando com a cafeteira.

– Soledad nunca está quando seprecisa dela! Ele ironiza.

– Sim, ela também mereceria sercolocada porta afora! Acrescentei,

rindo.– Está decidido, vou retirar todas as

suas folgas.– Ou colocar nela uma pulseira

eletrônica para impedi-la de sair?– Excelente ideia! Vou pedir duas.– Para quem será a segunda?– O que acha?

Gabriel se joga sobre mim e me beijaapaixonadamente. Estou mais de vinteminutos atrasada e ignoro como vouconseguir escapar a seu domínio…Finalmente, a cafeteira se digna afuncionar e o toque estridente que elaemite surpreende meu Apolo, que melarga durante um segundo. Aproveitoisso para dar meia-volta e fugir rindo.

Antes que a porta da propriedadeparticular se feche atrás de mim, a vozdivertida de Gabriel chega até mim…

– Fuja, Amande, você não sabe o quea espera! Mas do que uma pulseiraeletrônica, vou encontrar algemas paravocê!

Hum… Flashback…

Marcus enfim voltou da RepúblicaDominicana e me fez rir durante boaparte do dia. A brincadeira do dia:perguntar a todos os nossos colegas oque eles acham de seu « bronzeado ».

– É louco isso, nunca se diz a um

Black que ele está com boa aparência!Enfim, bem, Adèle, da recepção, meconfessou que esta manhã eu era seu raiode sol, já é alguma coisa… Mas mediga, está em forma, Amandine, estoucom inveja!

Tive de suportar este gênero demonólogo durante quase dez horas epercebo até que ponto o escritórioficava calmo sem meu colega preferido.

Calmo demais…

Após haver bebido um mojito bemmerecido com ele no fim do dia, pego ometrô para voltar a meu esconderijo.Bem reconfortada por essa conversa

com Marcus, estou determinada a lhesubtrair informações. No curso dasestações, a voz aguda de meu acólito mevolta à cabeça. « Você tem o direito desaber, querida! Os segredos são oveneno dos apaixonados! Pense emMarilyn, olhe aonde isso a levou!Acredite em mim, darling , no seu casotodas as verdades são boas de ouvir!»

Ao sair do metrô, esperopacientemente que o semáforo estejaverde para os pedestres. É nesse exatomomento que eu a reconheço. Nacalçada em frente, Violeta está sentadana parada de ônibus, a cabeça lourainclinada ao telefone. Ela não notaminha presença, nem o fato de eu a fixar

com insistência. Não sei como reagir:gritar, atravessar colocando a minhavida em risco para ir ter com ela,ignorá-la e seguir meu caminho? Achegada do ônibus põe fim a minhashesitações e, consciente de que ela vaime escapar, eu me afobo.

Ela vai subir e desaparecer de novo!

Passe para o verde, passe para overde, passe para o verde!!!

Sinal verde. Lanço-me para diante atoda velocidade e atravesso na faixa depedestres me insinuando entre ostranseuntes, os carrinhos e os cachorrosnas coleiras, mas é tarde demais. O

ônibus voltou a se pôr em marcha ecomo eu temia, Violeta subiu a bordo.Cinco minutos mais tarde, Gabriel merecebe com um grande sorriso, mas eunão consigo disfarçar minhafrustração… nem meu mau humor.

– Amande… amarga? Diz, beijando-me suavemente.

– Amandine Baumann.– Estou vendo… Posso saber o que

está acontecendo?– O que era que Violeta fazia aqui?

Pode-se ler a confusão em seu belorosto. Gabriel certamente esperava queeu voltasse mais tarde, não achava queeu iria cruzar com a irmã de Eleanor.

– Ela chegou sem avisar. Queria falarde Eleanor.

– Então fala disso com todo mundo,menos comigo, é isso mesmo?

– Amande, não comece. Sabe muitobem porque estou fazendo isso.

– Se fizesse isso realmente por seufilho, não guardaria todo esse segredo!Por que é que eu não tenho direito desaber?

– Porque não quero fazê-la sofrermais…

– Então está agindo como um idiota,porque imagine, está me fazendo sofrer!E mais do que pensa!

– O que é que você quer saber?– Tudo!

– Eu a revi cinco vezes. Ela está emestado de alerta, não me revelou muitacoisa, exceto que não quer mais viverescondida e que deseja encontrarVirgílio. Disse a ela que isso levariatempo, que eu precisava que ele tivessenovamente confiança em mim. Eu merecuso a brincar com as emoções de meufilho! Quero ter a prova de que ela estámentalmente bem e de que não o vaiferir de novo.

– Onde você a vê?– Em diferentes lugares.

Restaurantes, cafés, parques.– Nunca aqui?– Não, eu a proibi de vir.– Você aceitaria que eu a

encontrasse?– Não, é cedo demais.– Ela sabe de nós?– Sim, eu lhe disse tudo.– Então ela não procura recuperar

você?– Não.– Tem certeza disso?– …– Eu sabia! Foi por você que ela

voltou! Ela procura nos destruir e se medeixar de lado, vai acabar porconseguir!

– Amandine, isso não tem nenhumaimportância! O que conta é que eu sei oque quero. Ela faz parte de meu passado.Você é meu presente, meu futuro. Entrevocês, fiz minha escolha.

– Você tem maneiras estranhas de memostrar isso…

– Acha?

Sem pedir minha opinião, ele metoma pela mão e me leva até a sala.Tento lhe escapar, sei o que ele tem nacabeça e não tenho o que censurar. Háuma semana, estamos como quemagnetizados um pelo outro, nossoscorpos estão em perfeita osmose e me éimpossível resistir a esta atração aomesmo tempo divina e demoníaca. Emseus braços, esqueço tudo, a doçura e operfume almiscarado de sua pele meinebriam, sua virilidade me faz perder osentido das coisas reais.

9h15. Ferdinand ainda vai me fazersermão, provavelmente acompanhadopor uma pequena observação ao mesmotempo ambígua e fora de propósito.

« Amandine, todos os dias, desdeque vosso milionário reapareceu, asenhorita tem chegado atrasada. Secontinuar, serei obrigado a puni-la… »

Sua voz suave ressoa em minhacabeça enquanto me preparo para entrarna agência, mas meu telefone toca e euparo imediatamente.

– Oi, irmãzinha, é Camille!– Você, de pé a esta hora?!– Silas me acordou de madrugada,

ele foi buscar Virgílio no aeroporto. Epara seu governo, desde que Oscardorme a noite toda, acordo às9h00 todos os dias!

– Que proeza…, digo, sem grandeconvicção. Estou com pressa, queria medizer alguma coisa em particular?

– Queria lhe confiar um segredo, masvisto seu estado de humor, não tenhocerteza de lhe dar esse presente…

– Se me pega pelos sentimentos…Estou escutando, querida irmã maisvelha!

– Assim é melhor. Eu deveria techantagear com mais frequência!

– Camille! Estou com pressa!– OK, OK! Eu vi Eleanor!– O quê?

– Ela contatou Silas ontem, pediu aele que a encontrasse em um café emMontmartre. Evidentemente, você meconhece, fiz uma cena. Sou ciumenta e oassumo! Em resumo, ele acabou poraceitar que eu o acompanhe. Se vocêvisse a cara de Eleanor quando me viuchegar!

– …– Alô? Tem alguém aí?– Eu estou aqui…– Bom, em resumo, ela é bonita,

enfim, mais que bonita, ela é muitobonita. É louco como se parece comvocê! Não leve a mal, mas é você commais classe e mais mulher fatal. Eparece mais jovem do que sua idade,

jamais se suporia que tem um filho de13 anos! Foi muito rápido, ela mal medirigiu a palavra, mas estava muitoemocionada de encontrar Silas. Ele, aomenos, se comportou bem, permaneceufrio, distante. Ele não a poupou, vocêteria adorado! Ainda está aí?

– Sim. E?– E ela sustenta que reapareceu

unicamente por causa de Virgílio, mascusto a acreditar nisso. Desconfie,Amandine, esta moça persegue Gabriel,não tenho nenhuma dúvida!

– Obrigada pela informação. Tenhode ir…, digo, completamentedesapontada.

– Amandine?– Sim?

– É a você que ele ama…

Por ora…

Estou furiosa. Não, a palavra é fracademais. Furibunda. Esta moça assinouminha sentença de morte, enfim, a deminha relação com Diamonds, e sepavoneia em toda a Paris fingindo terboas intenções. Logo vou tomarconhecimento de que meus pais, Marion,Tristan, Marcus e até Janet Jackson aencontraram! Quando penso que Gabrielnão quer me meter nisso, que se recusa ame apresentar a ela… Vou acabar poracreditar que ele não quer me proteger,mas que tem vergonha de mim!

* * *

– Amandine, por uma vez estamossincronizados… Está subindo? Diz meudândi em chefe abrindo a porta doelevador.

– Bom dia, Ferdinand, sinto muitopelo atraso.

– Oh! O senhor sabe, agora écostume.

Não reajo a sua pequena provocaçãoe me contento em fixar as paredes dagaiola metálica. Perdida em meuspensamentos, não me dou conta de quechegamos ao sétimo andar.

– Amandine?

– Sim?– A senhorita pretende sair ou prefere

passar o dia fechada comigo noelevador? Se for um tête-à-tête o que asenhorita deseja, conheço um restauranteitaliano muito bom, pertinho daqui.

– São 9h30 da manhã…– Reserva para duas às 19h30 esta

noite, está marcado!– Não se esqueça de avisar vossa

candidata… Enfim, vossa conquista dasemana.

– Não fraqueje, Amandine, nãosuporto as pessoas que não cumpremcom suas promessas.

– Nem eu…, digo amargamente,pensando em Gabriel.

O grande moreno já foi embora, maisarrumado do que nunca em seu ternoHugo Boss. Será que eu realmente acabode aceitar esse jantar? Não sei o que deuem mim para não mandá-lo passear.Enfim, tenho um plano.

Vingança…

Uma injeçãozinha de ciúme não farámal a você Diamonds…

* * *

– Quase não a vi durante o dia porcausa desses malditos encontros, foitudo bem? Pergunta-me Ferdinand,enchendo meu copo de chianti.

Espanta-me que o chefão , tambémrei da eloquência, deseje falar detrabalho. Desde que nos encontramosnesta bela trattoria e nos instalamos emuma mesa dando para um pátioarborizado, ele se comporte como umverdadeiro cavalheiro. Decididamente,Beauregard é cheio de surpresas.Quando penso haver visto tudo arespeito de sua personalidade, ele meprova o contrário. Enquanto degustamosantepastos, eu o ouço me falar dahistória da agência desde sua criação,até que o assunto se esgota. Quando ogarçom nos traz a sugestão do chefe, umrisoto com camarões e aspargos,Ferdinand já perdeu suas boas

maneiras…

– A senhorita está pensando nele?– Como?– Observei que quando a senhorita

franze vosso belo narizinho, Diamondsnunca está longe. Pelo menos em vossospensamentos. Tranquilize-me, asenhorita não lhe disse nada, ele não mevai quebrar a cara? Acrescenta, rindo.

– Não, ele não sabe que estamosjuntos. Mas não imagine coisas, estejantar não significa nada, aceitei vossoconvite por educação, ponto final.

– Não me faça crer que ele não teriaciúmes ao nos ver nesta mesa!

– Ele confia em mim.– Mesmo? Os homens adoram dizer

isso, mas não pensam em uma sópalavra. A senhorita lhe pertence, ele jáme disse, lembra?

– Sim, foi no começo. Quando eletomava o senhor por…

– Um o quê?– Um colecionador.– De mulheres?– Sim.– Mas eu sou.– Tanto melhor para o senhor.– Eu o serei enquanto não houver

encontrado a boa.– Se é que ela existe.– Talvez ela esteja a minha frente.– Continue procurando. Mas procure

melhor.– Tudo o que sei é que espero aquela

que me entenda, que saiba me colocar denovo em meu lugar e me faça esquecertodas as outras. Como a senhorita o faztão bem.

– …– Perdeu a fala? Consegui perturbá-

la?– Do que está brincando, Ferdinand?– De nada. A senhorita sabe, a

senhorita não é cega. Nem estúpida.– Não sei de nada, exceto que

trabalho para o senhor e que tecemoselos de… amizade.

– Sim, e se for o que a senhoritadeseja, isso não vai mudar.

– Não desejo nada mais, Ferdinand.– Então está combinado.

– Perfeito.– O que é que a senhorita ama nele?– De verdade?– Sim, quero entender.– Tudo. Pode parecer idiota, mas é a

verdade. Mesmo quando ele me fazsofrer, não posso me afastar dele. Ele setornou a minha…, digo, sem conseguirencontrar as palavras.

– Razão de viver? Bússola? Droga?– Tudo isso ao mesmo tempo, sim.– Espero que ele tenha consciência

da sorte que tem…– O senhor está se repetindo, não é a

primeira vez que me diz isso…,brinquei, pousando meu copo.

– Não é a primeira vez que tenho

vontade de beijar a senhorita.

Quase sufoco e o fuzilo com o olhar.Os elogios, está certo, mas os avanços,não, obrigada! Por sorte, meu celulartoca e me salva in extremis destasituação mais do que embaraçosa… Afoto de Gabriel aparece na tela e duranteum segundo, hesito em responder.

Marion, Camille, até mesmoPrudence: qualquer um, mas não ele,não agora!

Atendo, tremendo um pouco à ideiade receber as explosões de cólera demeu amante possessivo. Durante o brevetelefonema, Ferdinand olha ao longe, em

outra direção, como se minha conversa odeixasse pouco à vontade.

– Alô?– Amandine, porra, onde você está?

Estou esperando faz mais de uma hora!– Estou no restaurante, esqueci-me de

avisar.– Com quem?– Meu patrão.– Está brincando?– Não, por quê?– Não banque a inocente… Dê-me o

nome do restaurante!– É inútil, estou quase voltando.– Amandine!– Gabriel, pare de berrar! Estou

voltando para minha casa, pode me

encontrar, se quiser, estarei lá em trintaminutos.

– OK. Desaconselho-a a me fazeresperar.

– Como?

Em me preparo para colocá-lo devolta em seu lugar, mas ele já desligou.Sem refletir, eu me levanto da cadeira,agradeço a Ferdinand por esse jantar,me desculpo por sair como uma ladra ecoloco quarenta euros na mesa.

– É por minha conta, Amandine.– Não, não há razão alguma para que

me convide, foi um encontro de amigos.Não cabe galanteria.

– Se a senhorita está dizendo…

Eles todos querem me deixar louca!!

– Até amanhã, Ferdinand.

Gabriel está encostado na entrada demeu apartamento e me observa de longe.Sua insolência assumida e sua belezaenlouquecedora já me exasperam. Chegoaté ele e trocamos um olhar carregadode sentido, em seguida subimos até meuapartamento sem dizer uma únicapalavra. Uma vez batida a porta, sua vozgrave me surpreende.

– Pronto, ele se declarou para você?– Do que está falando?– Você me toma por um imbecil?

Beauregard está louco por você, está na

cara!– Você está mudando de assunto,

Gabriel. Falamos antes de Eleanor.Imagino que saiba que Camille aencontrou?

– Sim, Silas me disse. Ele jamaisdeveria ter aceitado, é uma idiotice, meuirmão nunca pensa em nada, a não sernele.

– Não, ao contrário de você ele levaem consideração os sentimentos danamorada.

– Eleanor acaba de reaparecer depoisde treze anos! Não acha que eu tenhocoisas a acertar com ela antes de lheapresentar a terra inteira?

– A terra inteira? É isso que eu soupara você?

– Não sei, o que é que eu sou paravocê? E Ferdinand?

– Ferdinand não tem nada a ver com ahistória, não inverta a situação!

– Você me censura por recriar umlaço com a mulher que eu pensavadesposar, a mãe de meu filho, mas achanormal bancar a moça romanesca efrívola com este tipo asqueroso? Ele étão perigoso quanto ela, sabe disso?

– Você está confundindo tudo… Tudoo que peço é que você me fale, meexplique o que está acontecendo. E… euqueria encontrá-la.

– Não.– Gabriel, por favor…– Amande, fico louco de imaginar

você com esse tipo. Não compreendeque é a única que me importa, que é aminha obsessão, que me tortura? Pare deme fazer ciúmes com seu dândi e euprometo fazer todo o possível para dar oque você deseja. Dê-me um pouco detempo, deixe-me acertar meusproblemas com Eleanor e verá que nadamais se colocará no meio do nossocaminho.

– Quando?– Quando eu tiver certeza de que está

estável o suficiente para encontrarVirgílio. E encontrá-la.

– Do que você tem medo, Gabriel?– De que ela o abandone de novo. E

de que faça você fugir.– Isso nunca vai acontecer…, digo,

me aninhando em seus braços.

Por volta das 23h00, o telefone deDiamonds se põe a tocar e interrompenosso corpo-a-corpo tórrido. Vejo onome de Silas aparecer e antes que meuamante me impeça, atendo, ativando oalto-falante.

– Gabriel, Virgílio fugiu, faz umahora que o procuramos por toda parte,ninguém o encontra! Ele deve ter dadocom as mensagens de Eleanor, eu nãodeveria ter deixado à vista meu celular!Droga, se acontecer alguma coisa comele…

3. Solidões

Apenas quinze minutos depois dessetelefonema de pesadelo, os dois irmãosjá removeram céus e terras paraencontrar o jovem fujão. Por uma vez,Gabriel não tentou esconder suaangústia. Após haver dado uma dezenade telefonemas, ele foi se isolar emminha varanda e me fez sinal para queeu o deixasse sozinho. Acabei por mereunir a ele e o encontrei ali, andando deum lado para o outro na penumbra, àbeira das lágrimas.

– Ele não teve sorte na vida…,murmura. Uma mãe completamente loucae um pai que o abandona… Não meespanta que deteste todos nós.

– Gabriel, não diga isso. O que vãofazer para encontrá-lo? Com quem vocêfalou?

– Contratei vários rapazes para essetrabalho e Silas chamou a polícia.Acordei o delegado, aguardo notícias.Vamos vasculhar toda a cidade se forpreciso, mas vamos encontrá-lo. Eudeveria ter lhe falado a respeito deEleanor, eu o pus em perigo por causade minhas idiotices…, diz, com um nóna garganta.

– Não vai avisar… sua mãe?

– Não, tudo isso é culpa dela. Ela jáfez estragos bastantes!

Meu amante atormentado treme demedo e de raiva. Eu me aproximo dele etento acalmá-lo, acariciando-lhe obraço. Espero de todo o coração quenão aconteça nada com Virgílio,primeiro por causa do adolescentetorturado, mas também por seu pai. Seeles não o encontrarem são e salvo,Gabriel não se recuperará… Como selesse os meus pensamentos, Diamondsse ergue e tenta fazer uma cara boa.

– Vamos, Amande, não percamostempo.

– Ir aonde?

– Vou deixar você na propriedadeparticular, talvez seja o destino final deVirgílio. Se for o caso, você poderárecebê-lo. Durante esse tempo, Silas eeu passaremos por todos os seus lugarespreferidos em Paris.

– Gabriel, é quase meia-noite, tudoestará fechado…, digo o maissuavemente possível, para não ofendê-lo.

– Eu sei, é exatamente isso que me dámedo. Um menino de 13 anos não temnada a fazer a essa hora, sozinho nasruas…

Entregue a mim mesma nesta casaimensa, tentei não imaginar os piorescenários. Em vão… A campainha enfim

tocou por volta das 2h00 da manhã e eume precipitei para a porta, rezando paraque Virgílio estivesse atrás dela. Griteide alívio ao reconhecer sua cabeçaloura e o tomei em meus braços, sem medar conta de que era a primeira vez queestabelecíamos um contato físico. Emprantos e exausto, ele não reagiu durantealguns segundos, depois, fiel a elemesmo, me rejeitou e foi se plantar nafrente da televisão. Imediatamente ligueipara Gabriel, que me encheu deperguntas para saber como estava seufilho, depois me rogou para que eu nãotirasse mais os olhos dele até suachegada. O que fiz, ignorando totalmenteos olhares sombrios e os comentáriosdesagradáveis lançados em minha

direção.

Ele só tem 13 anos…

Por que se proibiram os castigoscorporais?

Diamonds chega a toda velocidadeberrando « Onde está ele? Onde estáVirgílio? », enfim o percebe, e seprecipita sobre ele. Obrigando-o alargar seu joystick da Xbox 360, ele opega pelos ombros e o fixa dos pés àcabeça, como que para verificar que seufilho está inteiro. Depois, com um gestocheio de emoção, toma a cabeça doadolescente entre as mãos e a colocacontra o peito. Durante um minuto, o

tempo fica suspenso, a terra para degirar. Esta bolha de ternura explodequando a voz grave de meu amante seespalha em todo o cômodo.

– O que foi que deu na sua cabeça,Virgílio? Você me deu o maior susto davida! Sabe o que poderia teracontecido?

– Eu queria encontrá-la… Não sabiamais onde procurar, então desisti e vimaqui.

– É cedo demais para que você aveja, Virgílio.

– Mas é minha mãe!– Sim, mas você não a conhece e…– Culpa de quem? Foi por sua causa

que ela foi embora! Ninguém nunca me

diz nada! Quero uma família normal,uma verdadeira família!

– Virgílio, você tem uma família. Seique ela não é perfeita, mas por ora étudo o que posso dar a você.

– É uma mãe que eu quero! E umpai…

– E eu, eu sou o quê?!– Não sei! Você nunca está presente,

às vezes vivo com você, às vezes comPrudence ou Silas. Ninguém me quer,sou jogado de um lado para o outro,tenho sempre a impressão de incomodar!

– É mentira! Você é meu filho, carnede minha carne, amo você e amareisempre! Mas a vida é complicada,Virgílio. Sei que nem sempre estoupresente, mas quero oferecer a você o

melhor.– Então me deixe ver Eleanor.– Breve.– Amanhã!– Virgílio, confie em mim, é para seu

bem que faço isso.– Você não entende! Sinto-me só…

todo o tempo! Diz a criança enquanto aslágrimas rolam de novo na face.

Gabriel toma o filho nos braços e lhesussurra algumas palavras no ouvido,fora de meu alcance. Ignoro o que elelhe diz, mas o adolescente se põe asoluçar violentamente, depois se acalmapouco a pouco. Finalmente, quando seusdois corpos se afastam, percebo umesboço de sorriso no rosto de Virgílio.

– Então, vou ter meu GoldenRetriever?

– Sim, se você respeitar nossoacordo.

– Papai, eu entendi…– OK, amanhã de manhã ligo para o

criador!– Amandine, vai querer vê-lo?

As duas cabeças louras se voltampara mim e me dirigem um sorrisoradiante. É a primeira vez que Virgíliome dá um presente assim e meu coraçãose aperta. Eu me dou conta de que sintouma profunda afeição pelo adolescente eque um dia, talvez, façamos parte damesma família.

Desde há alguns dias, Gabriel nãotem um minuto para si. Passamos todasas nossas noites juntos, aninhadosamorosamente um contra o outro, masele dedica seus dias a seu filho, seusnegócios e… Eleanor. Não sei nadasobre suas sessões, mas ele começou apagar uma terapia de casal,supervisionada por um dos maisreputados terapeutas da capital. Nãosuporto imaginá-los ruminar o passado,mas Diamonds quer ter uma opinião defora e profissional antes de apresentarVirgílio a sua mãe. Proteger seu filho ésua prioridade absoluta. Enquantoespera, voltou a sorrir graças a Paris,seu cãozinho hiperativo.

Marcus certamente teria preferidoHilton…

A adorável bola de pelos se tornou aobsessão de Soledad, ele faz besteirasem cima de besteiras e quebra tudo depassagem, mas recebi ordens para nãointervir. De acordo com Gabriel, cabe aVirgílio tomar conta dele, tendo estanova responsabilidade um impactopositivo em sua moral.

Desde que Médor não ataque osmeus sapatos…

Estou justamente contando as últimasperipécias caninas a meus colegasquando Marcus bate em meu ombro e me

pede para segui-lo.

Oh, oh… O que foi que eu fiz dessavez?

– Baby girl, temos de falar…, diz,admirando-se no grande espelho da salade reuniões.

– Sim, Marcus, sua forma deixariacom ciúmes um manequim filiforme…,respondo, pensando acertar em cheio.

– I know darling , derreti como Mr.Freeze ao sol, mas não é por isso queestamos aqui.

– Ah?– O assunto é muito mais sério…– Marcus, pare de bancar a diva e

fale, está me assustando!

– Ferdinand está apaixonado porvocê, my love . E tenho a impressão deque você sabe disso e de que estábrincando com os seus sentimentos…

– Como?– Flertar, mesmo inocentemente, é

enganar, sabia?– Do que está falando? Estou com

Gabriel, nunca estive tão apaixonada!– Talvez, mas por força de brincar

com fogo, você vai se queimar, honey…e ficar sozinha.

– Não estou brincando, Marcus!Beauregard sabe que não sinto nada porele e isso não vai mudar!

– Então mantenha distância, pare delhe fazer confidências e de se aproximar

dele.– Ele me provoca todas as vezes,

como se supõe que eu reaja?– Ignore-o. Um apaixonado rejeitado

é capaz de tudo, ele poderia destruir suarelação com lover boy .

– Você está falando besteira, ele nãofaria isso! E Gabriel e eu vimospiores…

– Justamente, não é uma boa ideia terrelações sexuais com seu chefe justo nomomento em que a noiva de seumilionário reaparece. Enfim, digoisso…

– Pare. Em primeiro lugar, não estoutendo relações sexuais com ninguém. Emsegundo lugar, ex-noiva. Em terceirolugar, desde quando você é um

especialista em relações amorosas?– Ai, essa doeu! A verdade

incomoda, baby girl…, grita, deixando ocômodo.

Grrr…

Faz uma eternidade que não vejoMarion e ela não para de me censurarpor isso. Para evitar uma briga iminente,decido reservar para ela o meu sábado.No programa: sessão matinal de cinema,almoço gastronômico regado a coquetéismimosa, depois missão compras nasGalerias Lafayette. Aproveito para uniro útil ao agradável e vasculho asprateleiras em busca de um novo vestidopara o aniversário de Gabriel e Silas.

No próximo fim de semana, estaremostodos em L.A. para vê-los soprar astrinta e seis velas.

– Você sabe que Diamonds reservouvossas passagens de avião…, digo aminha melhor amiga, entre duasgôndolas de prêt-à-porter da últimamoda.

– Sim, recebi seu e-mail. Continuosem entender por que ele nos convida, aTristan e a mim.

– Marion, os senhores fazem parte deminha vida, portanto da dele.

– Certamente… E depois é verdadeque se ganha em nos conhecer, osAubrac! Acrescenta, rindo.

Depois de uma dezena de idas emvindas em cabine de provas, minhaescolha recai em um vestido rosa-claroRetrô Americano, bordado e cintado.Quanto a Marion, opta por umacombinação bege impressa, tipo hippiechique. Em frente ao caixa, a Senhoritarainha das gafes não consegue segurar alíngua.

– Que ideia é essa de comprar umvestido de menos de cem euros? Vocêestá saindo com um milionário,Amandine!

– Marion… Aqui não…– Não precisa ter vergonha! Se eu

fosse você, me aproveitaria! Olhe essebustiê Chanel, não a faz sonhar? Vai ser

preciso que você fique nos trinques senão quiser que a primeira it girl quepasse roube o seu homem!

Pare de me provocar, Aubrac…

Pagas as nossas compras, pego minhamelhor amiga pelo punho e a levo àforça para longe da multidão.

– Oh, tudo bem, o tato é para oshipócritas! Ela me diz, depois de terouvido meu sermão.

– Temos os vestidos, passemos aossapatos…, digo, resmungando.

– Você viu os meus? Uns Guess, sóisso! Violeta os esqueceu noapartamento, eu não ia deixá-los

apodrecer em um canto!– Piedade, não me fale desta…– Esqueci-me de dizer a você! Ela me

mandou várias mensagens, cada vez deum número diferente.

– O que ela quer com você?– Ela me pergunta como vai Tristan,

me diz que lamenta tê-lo feito sofrer,que o amava de verdade e eu transmitoas informações.

– Está brincando...– Você vai se espantar, mas acredito

nela. Não sei por que, mas ela parece…sincera. Afinal, talvez ela tenha umcoração!

– Antes um cérebro. E ela sabe muitobem se servir dele. Bem demais.

– Acha que está tentando me

manipular? A mim?!

Sim, você, grande ingênua!!

– Não sei e por ora, pouco meimporta. Onde estão os sapatos? Precisode um bom revigorante!

– Um copo de Louboutin e uma pintade Vuitton, garçom! Brinca Marion.

Minha melhor amiga deve serconsumida em pequenas doses, é areflexão que faço no caminho de volta.Ela é ao mesmo tempo deliciosa ecansativa, genial e insuportável. Mas éonde reside seu encanto: Marion não élisa, ela é autêntica, diz as coisas comopensa, não usa máscara. Por mais que eu

a critique, tenho a consciência de quenunca poderia passar sem ela. Euprecisamente justamente me evadir etomar ar fresco, consegui. Mas depoisdesse tête-à-tête movimentado, só tenhopressa de uma coisa: encontrar Gabriel,voltar à propriedade particular ondeagora me sinto quase como se estivesseem casa.

Disse-o bem, « quase »…

Ao sair do metrô, ligo para meumilionário para saber o que ele mereserva para a noite, mas caioimediatamente em sua caixa demensagens de voz. Não me deixoperturbar e caminho com rapidez até a

grande porta, contando os segundos queme separam dele. Uma vez do lado dedentro, saio em busca de meu amante,mas não o encontro em lugar algum.Custa-me esconder minha decepçãoquando Soledad, que cozinha algumacoisa atrás dos fornos, me anuncia queele não estará de volta antes da meia-noite. Onde está? Ela o ignora, ou talveztenha um prazer maldoso em não medizer… Quanto a Virgílio e Paris, foram« dormir na casa do senhor Silas e dasenhorita Camille ».

Até o cachorro recebe mais atençãoque eu!

Camille deve ter arrancado os

cabelos ao ver chegar o monstro depelos, já é alguma coisa!

Você está ficando amarga,Amandine…

Precisa urgente de um banho deespuma!

Indo para a sala de banhos contígua anossa suíte real, passo diante do quartodo adolescente. Meu olhar detectaimediatamente a foto colada na porta demadeira escura. Percebo que se trata deuma montagem: a foto original data dehá mais de quinze anos, aí se veemGabriel e Eleanor, felizes e sorridentes.Entre eles, a cabeça de Virgílio foi

acrescentada numericamente. Em baixodo negativo, o rapaz rabiscou algumacoisa com o marca-texto. « Papai,mamãe e eu.» Eu me odeio por ser tãofrágil, mas já os meus olhos se enchemde lágrimas. Um misto de ciúme e detristeza. Virgílio tem todo o direito deesperar que seus pais fiquem juntos denovo. E ele certamente não é o único adesejar que este quadro idílico ganhevida, que eu ceda meu lugar a Eleanor.Ou que ela me tome dele.

Submergida pela emoção, não notoimediatamente a presença de Soledad. Agovernanta arranha de leve a gargantapara que eu me vire. Sem dizer umapalavra, me faz sinal para segui-la e me

leva ao subsolo. Com a ajuda de umachave, me faz penetrar em um cômodoescuro cuja existência eu ignorava.Observo o que me cerca, sem saber bemo que estou fazendo aqui. Em umaimensa tela plana, descubro oitoimagens em movimento. A escada dapropriedade particular! A escadaria! Asala! O escritório!

Câmeras!

Diamonds não economiza nasegurança…

Com demasiada frequência esqueçoque ele é milionário e que pode sepermitir tudo…

Soledad interrompe o monólogo deminha vozinha interior e se posta aminha frente, os braços cruzados nopeito.

– Que se fique claro, não faço issopela senhorita, mas por ele. O SenhorDiamonds merece ser feliz e esta mulheré uma víbora.

– …– Perdeu a língua, senhorita

Baumann?– Soledad, o que é que eu estou

fazendo aqui?– Eu não disse nada à senhorita, não

mostrei nada.– Sim, e?– Câmera 3. Hoje, à partir das 16h00.

Depois de me ter comunicado estainformação, de que não sei bem o quefazer, ela gira nos calcanhares edesaparece tão depressa quantoapareceu.

Sempre tão agradável…

Eu me aproximo timidamente dagrande tela e tento decifrar-lhe ofuncionamento. Digito a tecla númerotrês do teclado numérico e a imagem dasala é exibida na tela. Aperto depois naseta rewind e volto o cursor até às16h00. Sinto meu coração bater comforça, ignoro o que estou prestes adescobrir, mas alguma coisa me diz queisso não vai me dar prazer.

O QUÊ?!

16h04. Soledad acompanha umajovem mulher estranhamente idêntica amim até a sala. Eleanor… Só pode serela! Seu semblante fino e perfeitamentedesenhado está calmo, seu corpo esbeltoperfeitamente valorizado em um vestidopreto de grande estilista. « Perfeita », éa única palavra que me vem à cabeça.

Ele tinha me jurado que ela nãocolocaria os pés aqui!

Aparentemente, Gabriel também nãoesperava esta visita. Sentado em um dossofás, ele levanta a cabeça, a reconhecee pede vivamente à governanta que se

vá.

– Obrigada, Soledad, é tudo.

Não, Soledad, volte arraste-a até asaída! Pelos cabelos…

Os dois antigos amantes se medem,imóveis, silenciosos. Depois Gabrielretoma a palavra. Sua voz rouca epotente poderia atravessar as paredes.

– O que está fazendo aqui?– Eu esperava ver meu filho…, diz,

com uma voz firme.– Está brincando? Eu havia dito a

você para se manter à distância! Quertraumatizá-lo?

– Parece que já fiz isso. Enfim, aoouvi-lo falar.

– Não se faça passar por vítima,Eleanor! Cospe-lhe no rosto. O Dr.Adler concorda comigo, é cedodemais…

– Adler é psicanalista, pretendeconhecer as necessidades de Virgílio,mas eu sou sua mãe…

– Não! Grita Gabriel. Você é umaestranha! Fez as malas quando ele tinhaapenas alguns dias, você perdeu os seusprivilégios de « mãe ».

– A sua me forçou a desaparecer, é aela que você tem de censurar, não amim!

– Você se esquiva, como sempre.

Não se sente responsável, não sente umpingo de culpa? Você abandonou seufilho, Eleanor!

– Sim, me sinto culpada, e acrediteem mim, pago pela minha fraqueza todosos dias. Eu jamais deveria tê-lodeixado. Jamais deveria ter deixadovocê…, acrescenta, em um sopro.

– Não mude de assunto. Estamosfalando de Virgílio, unicamente deVirgílio, está me ouvindo?

– Amandine não foi feita para você,Gabriel. Ela é só um engodo. Atravésdela, é comigo que você quer estar, éflagrante.

– Cale-se!– Ela é idêntica a mim, não vai me

fazer acreditar que é um acaso!

– Saia daqui!– Sempre tão protetor… Você não

mudou, Gabriel, houve um tempo em queera eu quem você queria proteger a todocusto. Lembra disso?

– Sim, e você me traiu. Abandonoutudo e me deixou com um recém-nascidonos braços. Achei que estivesse morta,Eleanor, você não poderia me fazersofrer mais!

– Era eu que mais sofria e foi vocêque partiu! Você me deixou sozinha, àmercê de Prudence! Não tive forças pararesistir a ela, foi ela que destruiu anossa vida!

– …– Amo você, Gabriel. Jamais

deixarei de amá-lo e de lutar para quevocê abra os olhos. É nosso destinoficarmos juntos, você e eu. Esperarei otempo que for preciso…, conclui, antesde sair do campo de visão da câmera e,suponho, de sair dali.

Na tela, vejo Gabriel se descompor.Ele toma o rosto entre as mãos e urra deraiva. Raiva, é justamente o que sintoneste instante.

4. Confissões

– Amandine, pode-se saber no quevocê está pensando? Não disse nadadurante todo o voo! Ao contrário deMarion…, precisa Camille, lançando-lhe um olhar de ódio.

– Você está exagerando! Não fui euque fiquei conversando com todas asaeromoças! Sobretudo para pedir Vittelem vez de Évian… Você poderia medefender ao invés de continuar calada,Amandine…, retruca minha melhoramiga.

– A Évian tem um gosto ruim, não éculpa minha se sou… difícil…,resmunga minha irmã.

– Difícil… Eu não teria dito melhor!Conclui Marion, jogando-se sobre amala.

Minha vontade é plantá-las lá, noaeroporto, e fugir para o lugar maislonge possível. Camille e Marionadoram se provocar, se testar, até queuma delas se ponha a urrar e a fazer umacena, se possível em público. Dito isso,elas têm razão, não estive muito falantedurante o trajeto. De fato, desde há umasemana. Assistir a esta cena entreEleanor e Gabriel literalmente merevirou. Para proteger Soledad e evitar

uma briga magistral com meu amante,não toquei no assunto. Nem uma únicavez. Mas não me falta a vontade…

Dediquei muito tempo a meutrabalho, saí, vi gente… e passei omínimo de tempo com Diamonds. Evitá-lo talvez não seja a solução, mas nãoencontrei nada melhor. Esperavasecretamente que ele mesmo abordasseo assunto, que me falasse de suadiscussão com Eleanor, mas isso nãoaconteceu. Gabriel tomou o avião ontempara L.A., acompanhado por Silas,Virgílio, Paris e Tristan, sem suspeitarda tortura mental que me inflige. Nãoespero deixá-lo livrar-se disso tão fácil,vou acabar mesmo por lhe pedir

explicações, mas quando?

É aniversário dele, a vila Diamondsvai fervilhar de gente durante trêsdias… Má ideia.

Isso lhe daria uma boa lição!

Continuo a não me acostumar esegundo suas caras de espanto, Camillee Marion tampouco. A residênciaDiamonds, ou melhor, o palácio deManhattan Beach, brilha com mil luzesquando chegamos ao grande portão.Tenho pressa em reencontrar a calma, aserenidade deste lugar gigantesco eprotegido do resto do mundo. Camillenos deu muitos sustos na estrada, mas

insistiu em pegar o volante e em fazercara feia para a limusine enviada aoaeroporto especialmente para nós.

– Aluguei este carro para poder serautônoma, mas Silas não via interessenisso… Ao contrário de você,Amandine, nem sempre deixo meuhomem decidir por mim!

– Camille, você sabe muito bem quenão vai se servir do fim de semana…

– Pouco importa, ao menos, tive aúltima palavra!

Cresça, Camille!

Nosso comitê de boas-vindas estácompleto. Paris pula em cima da gente,

com a língua pendente e babosa. Depoischega a vez de nossas respectivas caras-metades: Silas beija Camilleavidamente, Tristan aperta a mão de suairmã para lhe fazer raiva e Gabriel mepuxa para ele para pousar um beijoardente em meu pescoço. Algunsminutos mais tarde, Prudence e Celeste,sublimes em seus vestidos vaporosos, sedignam a descer de seus pedestais paravir nos cumprimentar. Contato glacialcom a Rainha Mãe e troca de olhares decumplicidade com a irmã de meuamante.

Seríamos quase… amigas?!

Ah não, é verdade, tenho com o que

chantageá-la…

Depois, o « alegre » grupo se separae cada um volta aos seus apartamentospara passar a noite. O brunch de amanhãiniciará as festividades, os primeirosconvidados chegarão no fim da manhã.De mãos dadas, Gabriel e eu nosdirigimos à ala Este da morada,acompanhados pelos Aubrac. O irmão ea irmã mal conseguem dissimular suaestupefação quando meu milionárioabre, uma após a outra, as portas de seusquartos. Eles são decorados em umestilo ao mesmo tempo moderno erefinado, devem ter aproximadamentequarenta metros quadrados e contêmuma sala de banhos e um pátio

privativos. Divertido com suas caras deadmiração, Gabriel deseja a eles umaboa noite. Lanço uma piscadazombeteira a Marion e Tristan, que merespondem estirando a língua, depois mejunto a Diamonds em nossa suíte real. Odiálogo Eleanor/Gabriel me volta àcabeça, como uma caixinha desurpresas.

Não esta noite, você acabou dereencontrá-lo, aproveite…

Vou tirar seu couro, vozinhainterior…

Antes que eu tenha tempo de desfazeras malas, Gabriel, que está de humor

para brincadeiras, me ergue e me leva àforça para a ducha à italiana. Por maisque eu lhe grite que se ele molhar meuvestido novinho em folha ele vai mepagar, meu amante aciona a maçaneta.Em alguns segundos, estou ensopada emseus braços, mordendo-lhe o ombro paraque ele me solte. Rimos a bandeirasdespregadas, como dois idiotas, depoisnos beijamos langorosamente parasaborear enfim esse encontro.

* * *

– Gabriel, você não vai comer essasporcarias! Exclama Prudence vendo seufilho se servir de cereais. Virgílio quera todo custo que eu lhe compre, cedo

porque ele ainda é uma criança. Voupedir a Jane para preparar para vocêovos mexidos e frutas frescas!

– Para preparar para nós, Prudence.Amandine está sentada ao meu lado,talvez você não a tenha visto?Responde-lhe Gabriel em um tommoralizante.

Começou…

– Será que os senhores podem nosdeixar tomar o café da manhã em paz?Ou então acertem as contas agora, masnão estraguem meu aniversário!Intervém Silas.

– A paz não é o forte de Prudence…,ironiza meu amante.

A mãe e o filho trocam um olharelétrico, sem dirigir a palavra um aooutro. A dona da casa desaparece paradar suas ordens à cozinheira, depoisvolta com a cara fechada.

– Gabriel, será que realmente vale apena falar disso?

– A que você se refere? Diz, fingindoignorância.

– Muito bem, não percamos tempodiscutindo. Mas pare de me censurar porcoisas pelas quais não sou responsável.E tenha a decência de me considerarcomo sua mãe, não sua inimiga.

– Prudence…– Você está me evitando desde que

chegou a L.A.! Fala comigo como se eu

fosse um cachorro e faz de tudo para meridicularizar!

– Talvez porque você seja. Ridícula?Não, antes lamentável. Só uma pessoadesesperada faria o que você faria.

Agora assisto sozinha a esse duelo detitãs. Virgílio e Silas há muitoescaparam, provavelmente sentindo queo confronto adviria…

– Pode desenvolver? Pergunta aRainha Mãe, dando a cara a tapa.

– Você orquestrou o desaparecimentodo Eleanor. Fez nós todos acreditarmosque ela tinha morrido, viu seus filhossofrerem um martírio por sua causa, masjamais cedeu. Tudo isso faz parte do

passado, decidi perdoá-la paraprogredir, mas não esquecerei de nada.Nunca mais terá minha confiança e podese considerar feliz por não revelarmos averdade a Virgílio. Se ele soubesse oque você fez, que você o privou de umamãe, ele a odiaria…, diz Gabriel o maiscalmamente possível.

O semblante de Prudence empalideceà evocação de seu neto. Aparentemente,neste exato momento, o medo de perdê-lo é mais forte que sua carapaça demulher fria e altaneira. Antes dedesaparecer com a cabeça erguida, elaacrescenta:

– Fiz isso pelos senhores: por você,

por Silas, e mesmo por Virgílio. Eleanoré fraca, nociva, tóxica, ela teria feitomal aos senhores. E não esqueça o papelque tive junto ao seu filho todos essesanos. Tenho consciência do que fiz, masnão me arrependo de nada. Você é livrepara me odiar, me detestar, sentir pena,mas sou sua mãe e isso, ninguém poderámudar. Não vamos falar mais nisso, nãoestraguemos esta grande festa ruminandohistórias ultrapassadas.

Onde fica a emergênciapsiquiátrica?!

Gabriel segue friamente sua mãe como olhar, até que ela tenha saído de seucampo de visão. Em seguida, como se

esta conversa não o houvesse atingido,dirige a mim um sorriso sedutor e mepropõe um mergulho antes da chegadados convidados. Aceito, aliviada porsair desse cômodo onde pairam ondas…nefastas.

O burburinho que reina no imensoterraço arrumado para o evento me dávertigem. O luxo onipresente e aostentação ambiente não parecem chocarninguém, exceto eu.

Marcus, quanto a ele, daria gritosde alegria estridentes… e passaria emrevista os piores looks.

Ao menos ele me faria rir…

Darling não é a mesma sem seuhoney…

Suponho que Marion e Tristan estãoimpressionados, mas têm a boca repletademais de salgadinhos para articulartrês palavras. Desde que soaram as dozebadaladas da meia-noite, os gêmeoscirculam entre os convidados. Gabrielestá radiante em sua roupa de verão degrife. Tem sempre a mesma graça, querse dirija a um ministro ou a um garçom,e eu me surpreendo a observá-lo delonge, às escondidas. Este homem não éfácil de decifrar, ele tem o dom demanter uma distância polida entre ele e aterra inteira, mas não há um pingo dehostilidade ou de perversidade nele.

Então por que me esconder sua conversacom Eleanor? Por que não me confessarque ela ainda o ama, que quer recuperá-lo, e me tranquilizar, jurando-me queisso não vai acontecer?

Talvez porque não esteja tão certodisso…

Finalmente decidi vestir meuvestidinho Retrô Americano, muitoapropriado para este brunch, e de manterem segredo minha roupa do dia seguinte.Esta « pequena festa-surpresa » regada achampanhe e coquetéis multicoloridosacompanhados pelos pratos mais finosnão é senão um aperitivo. Amanhã seráo grande dia, a apoteose do fim de

semana, o momento em que os irmãosDiamonds festejarão seus 36 anos,cercados pelos seus e por toda a altasociedade de Los Angeles. Gabriel vaiquerer me apresentar a toda essaaristocracia… e eu vou fugir como umacovarde, pretextando uma enxaqueca.

Que falta de inspiração…

Por um segundo considero a hipótesede me trancar em meus aposentos, masCeleste me pega de surpresa. Mais umavez, ela está um arraso em seu longorosa choque, contrastando perfeitamentecom a cor acetinada de sua pele. Semme deixar escolha, ela me pega pelopunho e me leva para longe das

mundanidades. Por mais que sejafiliforme, ela detém uma força incrível!

Malditos Diamonds e seus poderessobrenaturais…

A liana negra me conduz até o jardiminferior, onde foi disposto um sublimemobiliário de jardim, provavelmentepara os convidados em busca detranquilidade…

Errado…

Estão todos lá, quer dizer, quase:Silas, Camille, Marion, Tristan,Barthélemy. Suspiro de alívio aodescobrir que Prudence não foi

convidada para esta reunião secreta,mas imediatamente me desapontoquando o gêmeo toma a palavra.

– Amandine, temos de falar…, diz,com um tom solene que me dá frio naespinha.

– Silas, vai assustá-la! ExclamaCamille, dirigindo-me um pequenosorriso encorajador.

– O que pretende fazer a respeito deEleanor? Intervém Celeste.

– Como? Perguntei, totalmente pegade surpresa.

– Ao menos não vai deixá-lamanipulá-lo? Reforça a irmã deDiamonds.

– Gabriel me parece bem grandinho

para gerenciar sua vida como bementender, não vejo interesse em…,ensaia Tristan.

– Você está em condições de saberque algumas mulheres sãomaquiavélicas o suficiente para virar asua cabeça! Responde-lhe Marion.

– O que é que vocês esperam de mim,exatamente? Perguntei ao grupo.

– Que a coloque novamente no lugardela de uma vez por todas! Ela decidiufugir, abandonar seu homem e seu filho,mesmo assim ela não acha que podevoltar depois de tudo isso! Ignoro o queGabriel tem em mente, mas você tem delutar por ele, Amandine, não largarnada…, clama Celeste.

– Amo Gabriel mais do que tudo e

não conto deixá-la ganhar, mas cabe aele fazer uma escolha, cabe a ele riscá-la definitivamente de sua vida, nãoposso tomar esta decisão no lugar dele!

– Virgílio precisa de uma mãe, elajamais desaparecerá completamente desua vida, Amandine… nem da nossa,murmura Silas observando a reação deCamille.

– Ela que tente…, ameaça minhairmã.

– Estão vendo?! O que quer que eufaça, ela terá o que deseja! Jamais vaideixar de nos perseguir, de colocar emperigo o que tenho de mais precioso!Berrei, sob o efeito da cólera.

– Você não está sozinha, Amandine,

não a deixaremos agir…, concluiCeleste antes de concluir este encontrosecreto.

Todo mundo se dispersa e eu ficosozinha com Barthélemy. O grandemoreno não tentou nem uma única vez seexpressar durante toda a conversa, massua língua parece enfim ter se soltado.

– Não a julgo, Amandine, sei peloque está passando atualmente. Celesteama outra mulher, acabei porcompreendê-lo… Mas não mearrependo de nada, eu a amo a tal pontoque encontrei forças para suportar a suainfidelidade. Não quero perdê-la e seique se eu lhe lançasse um ultimato, não

seria eu que ela escolheria. Entãoaprendi a aceitar dividi-la…

– Não acho que eu seria capaz disso.Quero dizer, dividi-lo. Não vejo comoconsiderar um futuro a… três.

– Comece por viver o presente; ofuturo é outra história…

Barthélemy, um. Amandine, zero.

Não sei se tudo isso me abriu osolhos, mas agora tenho a certeza de quemeu silêncio não vai levar a nada.Confrontar Gabriel na frente de seusconvidados não é uma opção, mas ficapara outra vez. Enquanto espero,vagueio por este pequeno canto deparaíso, saltando de conversa em

conversa, forçando-me a sorrir e aesconder meu sofrimento. Meumilionário tenta por várias vezesestabelecer contato comigo, mas eu oevito ao máximo, para não correr o riscode perder a calma. No fim da tarde,quando ele me envia um SMS, adivinhoque ele deseja colocar as cartas namesa.

[Pare de fugir de mim, Amandeamarga. Junte-se a mim na pool house, amenos que tenha coisa melhor parafazer…]

Você vai ver, Diamonds…

Gabriel me vira as costas quando

adentro a casinha isolada do resto domundo. Ele não nota imediatamenteminha presença, ocupado demais emestudar um quadro naïf pendurado naparede. Lembro-me de já havercolocado os olhos nesta tela e de tersentido algo de indescritível. Um mistode emoções contraditórias, maravilhosase perturbadoras.

– Eu a estava esperando…, murmurameu amante sem se voltar.

– Você me pediu que viesse, estouaqui.

As palavras que pronuncio sãoanódinas, mas o tom de minha voz não.Diamonds percebe minha cólera e se

digna me encarar. Seu olhar franco ebondoso me interroga, mas não chego ame enternecer.

– O que você quer?– Passar um pouco de tempo com a

mulher que amo. É pedir demais?– Não, mas achei que você tinha

c o i s a melhor para fazer… , digo,fazendo alusão a sua última mensagemde texto.

– Estas mundanidades me cansam,esta… situação me cansa. Eu queria quetudo parasse, que nada mais existisse,além de você e de mim.

– Você é o único que tem esse poder,não posso combater por você.

– E combater por nós?

– É só isso que faço há umaeternidade, Gabriel. Desde o primeirodia em que você colocou os olhos emmim, quando decidiu me atrair para oseu mundo, o seu clã…

– Não é mais meu clã, é o nosso.– Está tão certo disso?

Diamonds faz uma pausa. Ele nãoresponde a minha pergunta, mas sintoque tudo está desarrumado em suacabeça, que ele está a dois passos de serender, de capitular.

– Eleanor veio a Monceau no últimofim de semana.

– Sim?– Ela queria me surpreender e ver

Virgílio.– E?– Ele não estava.– Então está tudo bem! Exclamei,

com ironia.– Ela me disse que… me esperaria.– E o que respondeu a ela?– Nada. Ela partiu como uma ladra

depois de ter desabafado.– …– Amo você, Amande. Mais do que

ela, mais que tudo. Você é o amor daminha vida, não tenho nenhuma dúvida aesse respeito. Mas você tem queentender, tem de se colocar no meulugar. Eleanor é a mãe de meu filho, elanão vai desaparecer de minha vidaenquanto ele precisar dela.

– Você me ama mais do que ela?Então… você também a ama?

– Sim, mas de outra maneira. Nãodeve haver rivalidade entre vocês, sei aquem meu coração pertence. A você,Amande. Você é meu futuro, ela é meupassado, mas uma pequena parte de mimjamais deixará de amá-la.

– Por quê? Depois de tudo o que elalhe fez!

– Jamais a perdoarei, sobretudoquando me dou conta do quanto ela fezmal a nosso filho. Mas ela não éinteiramente responsável por isso.

– Você bebe as suas palavras!Acredita em tudo o que ela lhe diz, elaconseguiu manipulá-lo! Berrei, fora de

mim.– Não, enfim consegui me distanciar.

O Dr. Adler…– Pouco me importa a terapia de

casal! Tudo que eu sei, é que ela virou asua cabeça! Marion tinha razão, todoseles tinham razão. E eu que acreditavaque você não se deixaria levar…

– Mas você não está ouvindo o queestou dizendo, merda?! Você é o amorda minha vida, você me faz melhor, vocêfez de mim o homem que eu queria ser!Jamais farei isso com você, não aperderei por nada no mundo! Eleanor fazparte de minha vida, quer isso a agradeou não, mas ela não ocupa o primeirolugar! Você é quem eu quero, aquela porquem eu seria capaz de tudo!

– Prove-o.– Como?– Escolhendo entre ela e eu. Agora.– Já escolhi, Amandine! Desde o

primeiro dia em que a vi, em que meuinstinto me disse para possuí-la e nuncamais deixa-la escapar… Eleanordesapareceu de meu pensamento nestedia. Sofri durante treze anos, achei quejamais me recobraria disso. Só esperavaisso, que ela ressuscitasse, quereaparecesse, mas desde que vocêentrou em minha vida, a questão não secoloca mais. Você está aqui, e é tudo oque me importa!

Uma força invisível nos transporta,de repente nossos corpos se acham

colados um ao outro e nossas bocas,nossas línguas se percutem, se unem,violentamente, desesperadamente.

Por uma vez, Gabriel não procura daro primeiro passo. Seu deseja aumenta,assim como o meu, no decorrer dessebeijo apaixonado, mas suas mãos nãovêm se aventurar em minha pele ardente.Certamente por respeito, por precaução.Depois de suas confissões dilacerantes esua declaração inflamada, ele esperaque eu tome a iniciativa. Mas é fácildemais se ancorar, se ele acha que euvou conduzir a dança, se engana. Emtodo caso, por ora…

– Eleanor foi a primeira? Perguntei,

depois de lhe ter mordido a língua parainterromper esse beijo.

– Ai! Sim…, ele me responde, umpouco desconcertado.

– Foi bom com ela? Você gozava?– Amandine…– Responda-me! Foi bom?– Sim.– Melhor que conosco?– Não.– Está dizendo isso para não me

vexar?– Não, digo isso porque nenhuma

mulher me deu tanto prazer quanto você!Resmunga, para tentar pôr fim àdiscussão.

– Como assim?– Você é mais… primitiva que

minhas antigas amantes. Por trás destafachada de garota comportada e aprimeira da classe se esconde umamulher instintiva, liberada e… dotada.

– É bom saber…, digo, fazendo carase bocas.

– Pois que está com humor parabrincadeiras, conte-me as suasexperiências, Amande…

– Não, esta noite sou eu que faço asperguntas.

– Não se esquive! Diga-me quem afez gozar antes de mim… e como…, meordena Diamonds colocando-me suavemas firmemente contra a parede.

Nossos corpos quase se tocam, seucalor me irradia, seu perfume viril me

dá vontade de arrancar as suas roupaspara devorá-lo cru. Eu me controlo,recusando-me a lhe dar esta satisfação.

– Dois homens me proporcionaramalguns raros orgasmos antes de você.Um terceiro tentou, sem nuncaconseguir…, acrescentei, observandosua reação.

– Homens? Rapazes pré-púberes,você quer dizer!

– Pouco importa, o resultado era omesmo…, respondo para coloca-lo denovo em seu lugar.

Ignoro se minhas respostas lheconvêm ou não, mas tanto faz. Gabriel éde longe o melhor amante que jamais

tive, só ele soube domesticar meu corpoperfeitamente, mas suas reações medivertem. Percebo nisso uma pontinhade ciúme, e também uma suspeita deexcitação. Sua respiração se torna maisentrecortada, seu olhar mais penetrante.

– Com que idade a senhorita perdeu avirgindade, senhorita Baumann?Sussurra ele, tentando esconder suaperturbação.

– Com 18 anos, senhor Diamonds.

Seu risinho de canto de boca me irritaprofundamente. Ele não precisa seexpressar em voz alta, sei o que ele diza si mesmo nesse momento: « Ao menosela era maior de idade. Boa e pequena

Amandine », ou alguma coisa do gênero.

– Foi no banco de trás de umconversível, ele tinha dez anos a maisque eu e era muito bem dotado!Acrescentei tolamente para ferir seu egode macho dominador e possessivo.

E funciona, Gabriel paraimediatamente de sorrir e seus olhos melançam torpedos. Na realidade, tenhouma péssima lembrança de minhaprimeira vez, mas isso meu amante nãoprecisa saber.

– E com Ben? Prossegue Diamondscom uma voz rouca.

– Com ele era muito clássico. Nada

de extraordinário, exceto por uma vezem que ele me…

– Basta!

Ele me interrompe, cobrindo minhaboca com uma mão e com a outra sobebruscamente meu vestido. Rio desurpresa e de excitação, orgulhosa porter conseguido desestabilizá-lo. Suaereção tensa como um arco já se esfregacontra minha anda e dolorosamente mefaz desejá-lo. Depois seus lábios febrisse colocam novamente sobre os meus,sua língua furiosa me vasculha, depoisvem fazer cócegas em minha orelha,onde começa minha nuca, em meudecote, antes de descer entre minhascoxas. Arquejo violentamente, não

estando meu corpo totalmente preparadopara tal invasão…

Hum… É… divino…

– Vou fazer você se esquecer detodos, Amande. Seu corpo e seu espíritome pertencem e vou lhe provar isso…

Gabriel libera seu sexo magistral emal me dá tempo para eu admirá-lo.Pega minha perna direita e a apoia deencontro a sua anca, depois me penetraprofundamente, soltando um grunhidobestial. Eu o sinto ir e vir em mim eperco um pouco mais a cabeça a cadauma de suas investidas, cada um de seusataques. Faz um calor de matar, nossas

peles escorregam uma contra a outra,nossas respirações respondem uma àoutra, nossos estertores de prazerressoam em todo o cômodo. Quando aperna que me mantém de pé começa afraquejar, meu amante dominador opercebe e me ergue do chão. Enrolo osmeus membros em volta de seu corpoescultural e me afundo maisprofundamente em sua estaca imensa.Minhas mãos desarrumam sua cabeleiradourada, meus olhos se perdem nosseus, minha intimidade se torna maismaleável para melhor acolhê-lo edepois de longos minutos desta divinatortura, estamos à beira da explosão.

Eu me contorço e me arqueio mais

para ir ao encontro de sua lança afiada,Gabriel aproveita para aumentar o ritmoe me esmagar com uma velocidadelouca. Minhas costas se esfregam deencontro à parede, sinto ligeirasqueimaduras a cada vai-e-vem e estasdores só fazem intensificar meu prazer.Prestes a ser submersa por um orgasmotranscendente, jogo minha cabeça paratrás e quase me acabo. Finalmente, oprazer se insinua em cada célula de meucorpo e eu subo ao sétimo céu, gemendoruidosamente. Meu amante ofegante mepenetra uma última vez, me agarraviolentamente as nádegas e se derramaem mim, gritando meu nome. Depoissuas pernas cedem e nós desabamos nochão, em câmera lenta, ainda estupefatos

com este gozo monumental.

– Eu a marquei com ferro em brasa,Amande. Nenhum outro homem a não sereu poderá tocá-la, possui-la…, brinca,meio que desenhando com a ponta dosdedos as marcas que acaba de deixar emmeu traseiro.

– Enquanto você me foder assim, nãoficarei tentada a procurar por aí…

– Gosto quando você fala mal,Amande crua…

– Gosto quando você me faz mal,Diamonds cruel.

Durante uma meia-hora,permanecemos deitados no assoalhoencerado, seminus e totalmente exaustos

por causa desta sessão de sexoimprovisada. Gabriel me descreve osconvidados, listando os pequenossenões de cada um deles, o que me fazgargalhar. Meu sublime amantetransborda de afeição e me falaabertamente, sem nenhuma censura.Neste instante, a osmose entre nós éperfeita e eu me surpreendo a pensar emtodas essas coisas que eu tanto queriapartilhar com ele. Se pelo menos otempo pudesse parar, se Eleanor ePrudence pudessem desaparecer, se esteinstante de plenitude pudesse durar umaeternidade… Mas Gabriel não perde devista suas obrigações e já me anunciaque tem de voltar para junto de seusconvidados. Antes de levantar para se

vestir, ele me beija uma última vez,terna e amorosamente.

– Você não me facilita as coisas, meuamor. A cada vez é um pouco maisdifícil deixá-la…, me sussurra aoouvido.

– Então fique, fique comigo.– Impossível, todas essas pessoas

vieram por mim…– Por Silas, também. Ele pode ocupá-

los por mais alguns minutos…– É justamente o que me preocupa…

Em alguns microssegundos,Diamonds está de pé, perfeitamentepronto, e toma a direção da saída. Pormais que estejamos no mesmo cômodo,

eu já me sinto cruelmente sozinha. Saltosobre os meus pés, decidida a nãodeixá-lo escapar. Percorro a distânciaque nos separa, me apodero de suagravata rosa-claro combinando com meuvestido (por acaso) e colo brutalmentemeu amante fujão à parede. Eleesbugalha os olhos, visivelmenteespantado com a minha força.

– Amande, diz, tentando se subtrair ameu império. Realmente não é omomento.

– Desta vez, sou eu quem decide se éou não o momento. Você vai meobedecer, Diamonds… e me dar o queeu estou pedindo.

Ele morre de rir diante de minharepentina temeridade, depois tentanovamente se subtrair aos meus desejos.

– Não resista, Gabriel, você não vaia parte alguma.

– Acha mesmo, Amande? Pergunta,desafiando-me.

– Desta vez você não vai ganhar.

Meus dedos ágeis desfazem o nó desua gravata, desabotoam sua camisa esua calça, baixam sua cueca boxer semjamais hesitar nem tremer. Meu Apolose retesa imediatamente, da cabeça aospés, depois tenta me beijar. Evito seubeijo e afasto seu busto de encontro àparede. Estou no comando, ele vai ter de

se acostumar!

– Amande, do que está brincando?Murmura, com uma voz perturbada.

– De nada. Só estou aproveitandoaquilo que me pertence.

– Muito justo…

Coloco um dedo autoritário na boca elhe ordeno que se cale, o que ele faz sempestanejar. Depois, colocando as minhasmãos em seus ombros, eu o guio paratrás até o sofá rutilante e o empurrosuavemente para que ele se sente. Semnunca deixar de olhá-lo, eu meposiciono escarranchada sobre seucorpo bronzeado e me divirto eminstigar sua ereção roçando-a com as

minhas nádegas. Ele grunhe váriasvezes, guardando-se para não inverter ospapéis. Finalmente, ao fim de algunsminutos desse joguinho, ele nãoconsegue mais conter a frustração.

– Porra, Amandine, você vai medeixar louco!

– O que você quer, Diamonds?– Quero entrar em você, sentir as

suas paredes deslizarem contra meusexo, ouvir você gemer, arquejar, ver osseus seios endurecerem de desejo,mordê-los, massageá-los…

– Psiu… espere um pouco…

Continuo a fazê-lo enlanguescerdurante alguns minutos. Insinuo um dedo

em minha feminilidade, depois dois eme toco debaixo de suas vistas, paraenlouquecê-lo. Eu me enredo em minhaprópria armadilha e rapidamente meudesejo se torna ardente, sinto anecessidade urgente de aplacá-lo. Eu meplanto em sua estaca pouco a pouco, nomeu ritmo e escutando a respiração deGabriel se intensificar. Alojada no maisprofundo de mim, sua ereção mepreenche. Inicio um vai-e-vemperfeitamente calculado e cubro suaboca com a minha mão, para impedi-lode me apressar. Pequenos ruídos lheescapam, uma mistura de estertores, degemidos e de suspiros. Meu corpo flutuaacima do seu, arqueio a bacia e inclino acabeça para trás para melhor desfrutar

desta extraordinária ascensão. Depoisminha intimidade se faz mais gulosa,mais ávida e eu aumento o ritmo,mergulho mais profundamente, maisavidamente em seu sexo, até não podermais. Retiro a mão de sua boca e asubstituo por meus lábios. No momentoem que o orgasmo nos soterra, nós nosbeijamos apaixonadamente, febrilmente,nossos corpos imbricados, nossosespíritos confusos.

Uma lágrima rola em minhabochecha, meu queixo, em seguida vemcair no peito de meu bem-amado.

5. Explosões

Que noite! Os convidados deixaram asublime propriedade algumas horasdepois de haver admirado o pôr-do-sol,com exceção de alguns irredutíveis queaguentaram até o raiar do dia: Marion,Tristan, Silas, Camille, Gabriel, seuprimo Oliver, Barthélemy e… eumesma, para minha maior surpresa. Épreciso crer que minha última conversacom Diamonds me tenha dado asas e aforça para ficar acordada. Dançamosneste cenário grandioso, cantamos,pulamos inteiramente vestidos na

piscina, reformamos o mundo escrutandoas estrelas, brincamos como crianças ebebemos mais do que devíamos.

Depois de apenas três horas de sono,Gabriel já está em pé de guerra. Paracomemorar seu aniversário em duo,Silas e ele planejaram saltar deparaquedas e, enquanto ele se preparapara se divertir, eu toco o fundo. Com acabeça escondida debaixo dotravesseiro, o estômago embrulhado,faço todo o possível para me tornarinvisível a fim de que meu milionárionão me veja neste estado. Mas de nadaadianta: no momento de partir, ele seinclina na cama king size, arranca apreciosa almofada de minhas mãos rindo

e me beija ternamente. Depois meuApolo sai, deixando-me sozinha nestequarto imenso e silencioso. Fecho osolhos. Tenho vertigens. Olho a hora:10h25. Dentro de sete horas, a vila seránovamente invadida por uma horda depessoas afortunadas e de VIPs aos quaisdeverei ser apresentada. Empunho opequeno espelho prateado colocadosobre minha mesinha de cabeceira einspeciono os estragos.

Estou com cara de Macabéia…

Lição a gravar: nunca mais aceitarum copo oferecido por Silas!

Mesmo sob coação…

Depois de uma ducha interminável ebenfazeja, enfio meu maiô de banho comlistras amarelas e brancas e desço emdireção ao jardim. No grande hall daresidência familiar, cruzo com Celeste eBarthélemy em trajes de golfe.

– Pelo que vejo, Bart não foi o únicoa abusar das boas coisas a noitepassada…, ironiza a Senhora Perfeita aoperceber meu rosto marcado pelocansaço.

– Você perdeu, Celeste. Agora, se meder licença, vou mergulhar! Acrescentei.

– Não esqueça de colocar as boias!Brinca Barthélemy.

Este conselho idiota nos faz rir, todos

os três, e eu me dou conta de que enfimfui aceita. Por eles dois, ao menos. Pormais que Celeste não me poupe, ela metrata como sua igual, sem menosprezo ouperversidade. Se pelo menos Prudencepudesse tentar também…

Ainda não é meio-dia, mas o calor jáé abafadiço. Caminho rapidamente até apiscina, com pressa de mergulhar naágua fresca e cristalina. Fico surpresaao descobrir Marion de biquíni preto,deitada em uma espreguiçadeira, comum livre na cara.

Deitada? Eu diria mais quebrada…

Má língua!

Ela não me ouve chegar,provavelmente está meio adormecida.Pulo o mais ruidosamente possível naágua, curiosa para ver sua reação…

– Amandine, estou ensopada! Berra,endireitando-se.

Agora entendo por que ela seescondia atrás de seu romance de MaryHiggins Clark: está com uma cara demeter medo!

– Venha tomar banho, Marionnette,isso não lhe fará mal!

– Se eu quisesse tomar banho, jáestaria na água. Enfim, agora, é como seeu estivesse…, ralha, secando-se.

– Que alegria encontrá-la, melhoramiga do peito! Posso saber o que estádeixando você de tão mau humor?

– Poupe-me seu cinismo, estoufodida…

– E?– Fiz uma estupidez.– Ah… Conte!– Dormi com Oliver.– Até aí, nada de grave, ele é lindo!

O seu tipo.– Tivemos um problema com o

preservativo.– Um problema?– Ele estourou… Nós nos demos

conta disso tarde demais.– Continua tomando a pílula?

– Sim… Enfim, quando me lembro…– Marion!– Ele me jurou que era « clean »! E

se propôs a me acompanhar àfarmácia… para comprar a pílula do diaseguinte.

– O que está esperando?– Não sei, uma lição de moral de

Amandine Baumann, talvez…– Ora vá! Se não quer ir com ele, eu

posso…– Ei, meninas! Gostariam de uma

partidinha de water polo?

Minha melhor amiga e eu nosvoltamos ao mesmo tempo. A algunsmetros de mim, Tristan e Oliveravançam em nossa direção. Troco um

olhar furtivo com Marion, que já está depé, pronta para aceitar o desafio.

– OK, meninas contra meninos.Vamos acabar com vocês!

Não acabei com você, Aubrac…

Oliver também não, aparentemente.Eu o surpreendo a observar Marion como canto do olho. Difícil dizer se elesucumbiu ao seu charme ou se ainda sepergunta onde foi amarrar seu burro. Oprimo não tem realmente a elegância daraça dos Diamonds: é um rapaz antes «normal », bastante alto mas muito menosque os gêmeos, musculoso sem excesso,exibe um porte de atleta com seu calção

vermelho e um belo semblante deCaliforniano saudável de corpo e alma.Também não parece ter herdado o ladomundano da família. Oliver fala pouco,contenta-se em jogar bola, em gargalharde tempos em tempos, de sacudir oscabelos castanhos encharcados sob oolhar ávido de Marion, que derreteliteralmente quando ele abre a boca paradizer três palavras em francês com seuencantador sotaque americano.

Bom, talvez ele seja um pouco maissexy que o normal…

O jovem « casal » se mede, no limiteentre o jogo da sedução e a francacamaradaria, ambos ocultando a noite

que passaram juntos… e mais ainda seupequeno « acidente ». Eles aparecemadolescentes em uma colônia de fériasque aproveitam o presente e sabem bemdemais que seu flerte logo terá fim.

Camille e Virgílio acabam por sejuntar a nós em volta da piscina,seguidos por Celeste e Barthélemy,depois por Gabriel e Silas. Mais umavez, o contraste entre os gêmeos éimpressionante. Meu milionário volta debochechas rosadas, todo sorriso e tãoradiante quanto de hábito. Quanto a seugêmeo, está vermelho como umcamarão, tem os cabelos em todos ossentidos e nos confia que no momento desaltar quase vomitou todo o seu café-da-

manhã. Sua irmã o faz calar-semolhando-o várias vezes, o que provocauma risada geral.

Depois de um longo banho, voltopara a minha espreguiçadeira e quaseadormeço. Sou despertada por umasensação de frio. Gabriel, que está dehumor para brincadeiras, vem se deitarem cima de mim. Tento afastá-lo, masele resiste e se põe a me fazer cócegas.Grito como uma harpia, depois, ao verque isto não tem nenhum efeito, suplico-lhe que pare. Marion e Camille vêm emmeu socorro, mas são, por sua vez,atacadas por Tristan e Silas. Aindaestamos rindo como idiotas felizesquando Jane vem nos trazer grandes

copos de chá gelado, que bebericamosdesfrutando do sol radiante. Tenho muitomedo de que seja bom demais para serverdade, mas neste instante nossopequeno grupo está mais unido do quenunca e toma ares de… família.

Em alguns minutos, aproximadamenteduzentos convidados virão celebrar oaniversário do homem que eu amo.Esses convidados, cada um maisimportante e influente que o outro, merecordarão, uma vez mais, que estouvivendo um sonho acordado, queGabriel e eu conseguimos chegar alémdos códigos da alta sociedade, além dasdiferenças e dos preconceitos. Sala dasala de banhos de roupa de baixo e,

antes mesmo de enfiar meu traje real,coloco meu colar de diamantes,contemplando meu reflexo. Margeandominha fronte e descendo até a parte debaixo de minha nuca, minha coroatrançada me dá ares de vestal dostempos modernos. Um pouco de rímel,de sombra, de brilhos nos lábios na corpêssego e… para o closet. Meu vestidolongo e decotado, estilo império,deveria fazer brilhar os olhos de meubem-amado. Em tons de creme, elecontrasta perfeitamente com minha pelebronzeada. Faço deslizar esta peça dealta costura ao longo de meu corpo e memaravilho, sentindo o tecido fluido eleve cair voluptuosamente até o chão.

É neste momento que surge meuamante, belo como um deus,resplandecente em seu terno claro degrife Givenchy. Seus olhos azuis mecontemplam, se demoram em meupenteado, meu colar, onde começammeus seios, minha cintura…

– Caramba, Amandine, você nuncaesteve tão bela e… angelical.

Quando chegamos ao grande terraçoarrumado que domina os jardins,também decorados para o evento, custoa acreditar em meus olhos. Cada árvoree arbusto está vestido de branco, fontesderramam ao infinito suas águascristalinas, uma pirâmide de copos

cheios de champanhe reina em uma partedo bufê de drapeado perfeito, estando oresto ocupado por bandejas inteiras desalgadinhos, colheres de porcelana,cúpulas transparentes e outros aperitivoscoloridos. Um exército de garçons,também vestidos de branco dos pés àcabeça, se ocupa para antecipar osmenores desejos dos convidados.Crianças vestidas em roupas de grandesestilistas correm em todos os sentidos,se insinuando entre os adultos, subindonos cubos brancos design, iluminando afesta e tentando apanhar as grandesbolhas transparentes que parecem flutuarna água da piscina.

Um plafond de flores frescas parece

como que suspenso muito acima denossas cabeças e eu percebo Tristan eMarion, nariz para cima e lábiosentreabertos, tentando compreender estaproeza decorativa. Meus amigos nãodestoam em meio a esta multidãoacostumada com as mundanidades, e écom uma ponta de orgulho que admirosua elegância e simplicidade, nãoprocurando esconder seudeslumbramento. Celeste e Barthélemychegam por sua vez, de mãos dadas, umgrande sorriso nos lábios e um ar decumplicidade que raramente vi neles.Minha irmã aparece enfim, belíssima,nos braços de um Silas rindo com todosos seus dentes. O grande louro sediverte em gritar « Sou o rei do mundo!

» a todo instante, como se alguém fosseesquecer que era seu aniversário… Umpouco mais adiante, Prudence e Georgeparecem em paz, felizes. O ambientetransborda luxo, fausto, modernidade edinheiro, mas não apenas isso: é umafelicidade irradiante que parece ter seapoderado de cada um de meuspróximos tanto quanto de meu amante.

Não me lembro de ter sido tão felizquanto neste instante.

A festa está no auge quando Gabrieldecide interromper a orquestra e atrairtoda a atenção para ele. Caminha emminha direção, com um sorrisopetrificado em seu rosto sublime, seu

olhar brilhante plantado no meu.

Por que é que meu coração seacelera?

Murmúrios partem de todos os lados,sinto os olhares do grupo fixos em mim.Minha respiração se torna caótica, soupercorrida por estremecimentos.Diamonds chega até mim, deposita emmeus lábios um beijo terno, depoiscoloca um joelho no chão. Eu quasedesmaio…

O que? Não! Ele não vai…

Gabriel tira um pequeno estojo dobolso e pega minha mão esquerda.

Estou sonhando, estou sonhando,estou sonhando…

Não me acordem!!

Sua voz baixa e penetrante chega atémim, me perturba, enquanto meus olhosse enchem de lágrimas… de alegria.

– Amandine Baumann, amor da minhavida, você me daria a hora de setornar…

– NÃO! Eu o proíbo, Gabriel!

Eleanor acaba de berrar esta frasecomo uma víbora cospe seu veneno. Osolhares do grupo subitamente mudaram atrajetória. A intrusa deve estar feliz por

ter feito uma entrada magistral, bela praburro em seu vestido colado cor desangue. Está a vários metros de nós, massinto sua presença como umaqueimadura em minha pele. Atrás dela,observo o rosto triste de sua irmãVioleta. Tenho vontade de gritar minharaiva, minha dor, de me jogar sobreminha inimiga declarada paraestrangulá-la, arrancar-lhe a cabeça,mas não faço nada. Permaneço ali,imóvel, a contemplar meu futuro radiosovirar fumaça. Estou terrivelmente ferida,humilhada. Quanto a Gabriel, se agita.Eu o vejo percorrer freneticamente ogrupo com o olhar, procurando alguémna multidão.

Virgílio…

Não se acha o rapaz, com um poucode sorte ele não assistiu ao retornotriunfal de sua pretensa mãe. Vê-la pelaprimeira vez em tais circunstâncias oteria traumatizado… No momento emque faço esta reflexão, Gabriel me pegapela mão (desta vez a direita) e me levapara longe, fazendo sinal a sua ex-noivapara nos seguir. Estou totalmenteperdida, em estado de choque, incapazde saber aonde tudo isso vai nos levar…

Atravessamos a casa a todavelocidade e paramos no jardimadjacente, ao abrigo dos olhares e forade alcance dos ouvidos curiosos.

Diamonds e eu estamos lado a lado,Eleanor está de frente para nós. Eu avejo pela primeira vez. De verdade,quero dizer. Não em fotografia, não emuma tela, em carne e osso. Estou aomesmo tempo perturbada e desgostosacom nossa semelhança. Como épossível? Nossos traços são quasesimilares! Nossas expressões, também.Ela me fixa, impassível, o olhar frio,desprovido de compaixão, de qualquerhumanidade.

– Violeta tinha razão, nossasemelhança é impressionante. E um peuincômoda, não acha, Gabriel? Diz comuma voz ácida, fuzilando-o com o olhar.

– O que incomoda é a sua presença

entre nós…, ralha, contendo-se para nãofazer uso da violência. Não me pareceque eu a tenha convidado! Menos aindaque tenha dado permissão para que vocêestrague um dos momentos maisimportantes de minha vida! Como fezpara passar pelos guardas?

– Fingi ser… ela! Responde ela,apontando-me com o dedo e exibindoum sorriso maquiavélica. E eu nãodeveria precisar de convite, faço parteda família. Meu filho carrega seusobrenome, Gabriel.

– Seu filho? E se ele a tivesse visto?Você está pouco se lixando para ele,Eleanor, você só pensa em você, em suapessoinha egoísta e patética!

– É comigo que você tem de casar,

Gabriel! Urra, em um impulso dehisteria. Não com esta moça, esta pálidacópia de mim, esta pobre coisinhaincapaz de lutar por você! Eu estou aqui,agora, você não precisa mais dela!

Minha mão parte em um sobressalto,sem que eu procure controlá-la. Eaterrissa no meio do seu rosto. Eleanorestá aturdida, leva uma eternidade paravoltar a si e eu confesso sentir orgulho.

– Pode se dirigir diretamente a mim,Eleanor…, digo friamente. Ao contráriodo que você pensa, sei encaixar osgolpes, você não me dá medo.

– Pequena Amandine quer bancar agrande? Que encanto… Vejo enfim o

que viu nela, Gabriel! impõe ela,irônica.

– Deixe-o fora disso! É hora de issotudo parar, de você voltar para seuburaco e deixar de nos estragar aexistência! Você o abandonou, foiembora, renuncia a vossa vida a dois, atrês. O quer que faça, continuará a seruma covarde!

– Você não sabe de nada, nãoconhece nada a respeito de minha vida!grita, agressiva e ameaçadora. Fique emseu lugar, não tem nada o que fazer aqui,com ele, você não é uma Diamonds enunca o será! Achava haver encontradoo seu príncipe encantado? Não se iluda,o homem a quem você ama é tãotorturado quanto eu. É por isso que

fomos feitos um para o outro! Abra osolhos, pense novamente em todo o queele a fez sofrer desde o começo! Gabrielnão é quem você pensa, somente eu oconheço, só eu o aceito exatamentecomo ele é!

– Eleanor! Explode, jogando-se sobreela e sacudindo-a. Pare com isso, nãodiga mais nem uma palavra ou nãorespondo mais por mim!

– Lembre-se, Gabriel! Lembre-se denós, de tudo aquilo que vivemos! Nestacasa ou em outro lugar! Você me jurouque nada disso acabaria, que me amariae protegeria até a morte!

– Você morreu, Eleanor. Morreu nodia em que deixou que alguém decidisse

o seu destino por você. E o meu também.– Não, estou aqui! Podemos

recomeçar tudo, nada está perdido! Olhepara mim, continuo a mesma, amo você!Exclama, antes de beijá-lo como se suavida dependesse disso.

Assisto a este beijo patético, como seeu fizesse parte do cenário, como se osantigos amantes agora estivessemsozinhos no mundo. Gabriel ainda aama, ele me confessou isso ontem. « Deuma maneira completamente diferente. »Esta expressão doravante faz todo osentido. Ele a ama como jamais a amará.Não posso mais lutar, não tenho maisforça, não tenho mais vontade. Quandoele se arranca violentamente a este

abraço e me olha, culpado e perturbado,já tomei minha decisão.

– Os senhores pertencem um ao outro.Eu… Eu… compreendi…, murmurei,afastando-me, com os olhos cheios delágrimas.

– Amande, NÃO! Amande, não façaisso! Amandine! Grita Gabriel, tentandome segurar.

Eu o rechaço usando minhas últimasforças e olho para ele uma última vez,com meu olhar apático.

– Acabou, Gabriel, estava deantemão fadado ao fracasso. Deixe-mepartir, esquecê-lo, deixe-me ter a vida

que eu mereço. Não quero mais sofrer…Quero que tudo pare…

As lágrimas correm em meu belorosto, seus olhos me suplicam, masnenhum som sai de sua boca contorcidapela dor. Eu me ponho a correr rápido,sem me voltar, sem realmente saber paraonde vou. Minha cabeça se põe empiloto automático, volto ao nosso quarto,pega minha bolsa de mão, depois vou aode Camille e Silas. Encontro as chavesdo carro alugado, pego-as e desçorapidamente as escadas, chega aoparking e me instalo ao volante. Sei quenão tenho a carteira de habilitação, quecorro um grande risco, mas minhasquarenta horas de condução enfim vão

me servir para alguma coisa. Dou apartida, passo o portão, a guarita desegurança, em seguida pego a estrada.

Rodo sem refletir, sem me fazerperguntas. Choro em silêncio nestaestrada estadual quase deserta. Nãoobservo mais as paisagens paradisíacasque desfilam em minha janela, estou emmissão pela minha sobrevivência. Fugir,deixar esta casa de loucos, este homematormentando, renunciar a nosso amor, anosso presente, a nosso futuro. Para meimpedir de pensar, ligo o rádio do carro.Aumento o som, os alto-falantescrepitam, saturam, mas tanto se me dá.Na estação, o locutor anuncia a próximacanção: « Diamonds », de Rihanna.

Um sinal?!

Giro o volante a 180 graus, dou meia-volta, colocando em perigo a minha vidae a dos outros motoristas. O que foi queeu acabei de fazer?! Estou louca! Deixaro homem a quem mais amo no mundo!Deixá-los nos braços de sua ex-noiva!Apenas alguns quilômetros me separamda vila, estarei lá em menos de quinzeminutos, vou lhe dizer… lhe dizer…

SIM!

Sim, quero casar com você!

Viver com você, morrer com você!

Chego enfim ao pico da colina deonde percebo a residência Diamonds,quando sou obrigada a frear,rapidamente, diante de uma barreirapolicial. Chamas, não vejo senãochamas! Eu me precipito para fora docarro e me jogo sobre um dos oficiaisque me impede de ir adiante.

– Sinto muito, senhorita, impossívelpassar, por razões de segurança. Umgrave incêndio se declarou na parte debaixo da colina, nesta casa, está vendo?

Não sei o que vejo, o medo, aangústia me mortificam. Esfregam osolhos cheios de lágrimas e de poeira,berro, gemo, recuso-me a aceitar esta

tragédia, este espetáculo cataclísmico.Lágrimas afiadas me rasgam asentranhas. A ala Este da vila estápegando fogo, está literalmentedevorada pelas chamas, as sirenes dosbombeiros tocam por todos os lados,estou distante demais para perceberGabriel, Camille, Marion… e todos osoutros. De repente, uma explosãomagistral ecoa, a terra se põe a tremer euma espessa nuvem de fumaça negra meimpede de ver claro. Meu coraçãodispara. Mas será que o dele ainda bate?

Permaneço plantada ali durante o queme parece ser uma eternidade, depois,guiada por meu sofrimento devastador,mergulho na multidão, esperando forçar

a passagem. Um policial me interceptavigorosamente e me ergue do chãoenquanto eu me debate com murros epontapés. Finalmente, o homem deuniforme me põe no acostamento,intimidando-me a que eu me acalmasseimediatamente. É neste momento quepercebo uma voz confusa em seuwalkie-talkie, apresentando o balançoprovisório desta catástrofe. « Inúmeraspessoas no local, uma dezena de feridos,uma morte constatada »… Essaspalavras frias e robóticas me destroem.Não tenho mais forças para lutar, eu medeixo escorregar no chão, rezando paraque não seja ele. O tempo escorre, comominhas lágrimas, ardentes, ofuscantes.

No caos geral, não reconheçoimediatamente o 4x4 BMW que freiadiante da barragem, fazendo cantar ospneus. É no momento em que porta dafrente bate fechando-se que perceboGabriel… vivo… Ele não me viu. Meucoração se inflama e incha novamente,mas eu permaneço imóvel, minhaspernas se recusando a me levar. Deminha boca entreaberta nenhum som sai,enquanto eu tenho a impressão deurrar… Meu amor, meu alívio, minhagratidão.

Exatamente como eu fiz algunsminutos antes, meu belo sobrevivente seprecipita sobre os policiais montandoguarda e pega um violentamente pela

gola.

– Gabriel Diamonds, esta vila é aminha! Meu filho, meu irmão, minhairmã estão em baixo. A mulher a quemamo talvez também esteja! Diga-me tudoo que sabe! Berra.

– Sr. Diamonds, não estou emcondições de dar ao senhor estasinformações, sinto muito…

– Fale, imediatanente! Quero averdade! Ameaça meu amante, com avoz entrecortada.

O oficial interroga seus colegas como olhar, em seguida cede diante daautoridade esmagadora do milionário.

– Nossos agentes no localidentificaram uma vítima. Alguns feridoslevemente, nenhum em estado crítico.

– Quem? Diga-me quem morreu! Oque estão esperando?! Berra Gabrielcom mais força.

O homem de uniforme pega o walkie-talkie, faz a pergunta em linguagemcodificada… A resposta distante emetálica não se faz esperar: « EleanorFitzgerald, morta no local antes dachegada do socorro. »

Estremecimentos me percorrem aespinha, ainda não consigo me levantar,meus olhos continuam fixos em Gabriel.Este se dobrou em dois, de dor, de

alívio, talvez pelos dois, as mãossegurando seu belo rosto. A uma dezenade metros de mim, eu o ouço murmurar amesma frase, de novo e de novo…

– Amande está viva, Amande estáviva, Amande está viva…

Estas palavras cheias de emoçãoenfim me dão coragem de me pôr de pée de percorrer a distância que nossepara. Coloco minha mão no ombrotrêmulo de meu amante perturbado. Seusolhos azuis enfim se erguem para mim eme atravessam. Jamais esteve tãobonito. Gabriel cai de joelhos, meatraindo em sua queda. Já seus braçosme envolvem, me apertam, me

aprisionam e seus soluços se abafam naconcavidade de meu pescoço.

– Achei… Achei… que a tinhaperdido. Eu a segui, Amande, escolhivocê. Você não estava no aeroporto,procurei você por toda parte, achei quetinha voltado… que estava em baixo…que estava morta.

– Gabriel, se você soubesse…Jamais deveria ter ido embora…deixado você…

– Mas você não entende? Acaba denos salvar! Sem você, talvez nãoestivéssemos mais aqui…

– Eleanor…– Ela não vai mais nos separar. E

jamais teria podido…

Neste instante eu me dou conta daforça de nosso amor. Ele é invencível.Em meio ao barulho das sirenes, no caosambiente, não vejo mais do que Gabriel.Seu olhar. Este olhar que pegou no diaem que o encontrei, que me gelou,acendeu, devastou, obcecou... mepromete hoje a eternidade. Quantasfacetas ainda tem meu indomávelamante, meu diamante bruto? Ignoro-o,mas estou pronta.

200 posições do Kama-Sutra