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CENTRO DE ESTUDOS DE CARTOGRAFIA ANTIGA XCIII SECÇÃO DE LISBOA INSTRUÇÕES NÁUTICAS PARA OS PILOTOS DA CARREIRA DA ÍNDIA NOS COMEÇOS DO SÉCULO XVII por A. TEIXEIRA DA MOTA JUNTA DE INVESTIGAÇÕES DO ULTRAMAR 1974

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CENTRO DE ESTUDOS DE CARTOGRAFIA ANTIGA

X C I I ISECÇÃO DE LISBOA

INSTRUÇÕES NÁUTICAS PARA OS PILOTOSDA CARREIRA DA ÍNDIA NOS COMEÇOS DO

SÉCULO XVII

por

A. TEIXEIRA DA MOTA

JUNTA DE INVESTIGAÇÕES DO ULTRAMAR

1974

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COLECTÂNEA DE HOMENAGEM AO PROF. DAMIÃO PERES

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INSTRUÇÕES NÁUTICAS

PARA OS PILOTOS DA CARREIRA DA ÍNDIA

NOS COMEÇOS DO SÉCULO XVIIpor

AVELINO TEIXEIRA DA MOTA

A) INTRODUÇÃO

EM 1578 morreu o primeiro cosmógrafo-mor de Portugal, PedroNunes, depois de longo exercício do cargo, pois fora nomeadoem 1547.

O seu sucessor foi Tomás de Orta, só nomeado em 30 de Maiode 1582, e aposentado menos de um ano depois, em 15 de Maio de1583, mas que apesar disso terá continuado a exercer o cargo, pois umdocumento de 24 de Janeiro de 1591 ainda o menciona expressamentecomo estando em tais funções \ Morreu em 6 de Junho de 1594, masjá antes, em 12 de Fevereiro de 1591, a serventia do cargo fora confiadaa João Baptista Lavanha, que recebeu carta de ofício em 10 de Julhode 1596. Por 1600 Lavanha passou a Espanha, e as suas longas au-sências de Lisboa levaram à nomeação de Manuel de Figueiredo para

1 É a carta de mestre de cartas de marear a Francisco Luís, publicada por A. Teixeira daMota, Os Regimentos do cosmógrafo-mor de 1559 a 1592 e as origens do ensino náutico emPortugal, in «Memórias da Academia das Ciências de Lisboa — Classe de Ciências», t. xiii 1969,p. 58 da separata (LI do Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga).

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a serventia do cargo, por alvará de 15 de Julho de 1608, mas um do-cumento de 11 de Setembro de 1607 mostra que já o estava servindoantes2. Figueiredo morreu antes de 28 de Julho de 1622, e o seu suces-sor na serventia do cargo foi Valentim de Sá, por alvará de 6 de Ja-neiro de 1623, tendo Lavanha morrido no ano seguinte.

É indiscutível que a nomeação de Lavanha, em 1591, veio trazeracentuado progresso na coordenação da actividade do cosmógrafo-morcom a dos pilotos, do que nos chegaram variados testemunhos e indí-cios; e tal colaboração foi igualmente notória por parte de Manuel deFigueiredo no seu período de serventia, a partir de 1608.

O período de Tomás de Orta terá sido uma continuação do regimede Pedro Nunes, que parece ter sido caracterizado por um acentuadoisolamento entre o cosmógrafo-mor e os pilotos, pois, além de outrosindícios, no alvará de nomeação de João Baptista Lavanha (de 12 deFevereiro de 1591) expressamente se determina a reforma do regimentodo cargo de cosmógrafo-mor, no sentido de este ser obrigado «a terconferência com os pylotos e mestres de naaos e nauios da dita naue-gação» 3.

O primeiro testemunho da mudança de orientação é o novo regi-mento do cosmógrafo-mor, datado de 27 de Novembro de 1592, e noqual se inserem pela primeira vez normas sobre o exame dos oficiaisnáuticos e forma de lhes passar as respectivas cartas de ofício4.

Outra manifestação da nova era reside na abundância de obras prá-ticas sobre navegação editadas até à morte de Lavanha, por oposiçãoao que se passara antes, pois desde o quarto decénio do século xvi sóhaviam sido publicadas as obras eruditas de Pedro Nunes. Assim, opróprio Lavanha publicou o Regimento Náutico (em 1595, com 2.a edi-ção em 1606); Manuel de Figueiredo publicou a Cronografia (contendoalguns elementos náuticos) em 1603 e logo em 1608 a importanteHidrografia (com 2.a edição no mesmo ano), seguida do Roteiro e nave-gação das índias Ocidentais em 1609, registando-se mais três ediçõesda Hidrografia em 1614, 1625 e 1632; Simão de Oliveira fez sair a suaArte de Navegar em 1606; Gaspar Ferreira Reimão publicou o seuRoteiro da Navegação e Carreira da índia em 1612; e Valentim de Sá,

2 Segundo Frazão de Vasconcelos, Subsídios para a história da Carreira da índia notempo dos Filipes, Lisboa, 1960, p. 97, de cujo capítulo «Os Cosmógrafos-mores» extraímos asdatas acima indicadas.

3 A. Teixeira da Mota, ob. cit., p. 42.4 lindem, pp. 32-49.

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no seu curto período de serventia, ainda fez sair o Regimento de Navega-ção, em 1624.

Esta avalancha de obras impressas contrasta, como dissemos, como sucedido na época anterior; supomos que nesta os regimentos náuticos(quando não copiados de uns pilotos para os outros) eram produzidos, ma-nuscritos, sobretudo pelos mestres de cartas de marear, pois no regi-mento de cosmógrafo-mor de 1592 vem indicado o preço deles, o quesupomos ser norma copiada do perdido regimento de 1559.

É possível que a não impressão de guias náuticos no tempo dePedro Nunes (lembramos, no entanto, que antes houvera pelo menosduas edições, as dos chamados guias de Munique e de Évora, dec. 1509 e c. 1516) tenha, ao menos em parte, obedecido a propósitosde sigilo, que aliás não teriam grande razão de ser, já que por toda aEuropa corriam os manuais editados em Espanha (de Martin Fernandezde Enciso, Francisco Faleiro, Pedro de Medina, Martin Cortes, etc.)e que continham as normas fundamentais dos regimentos lusitanos.

O sigilo compreendia-se, porém, no que respeita aos roteiros. Te-mos, aliás, uma prova dessa preocupação, precisamente a propósito deuma das obras referidas acima, o Roteiro da Navegação e Carreira daíndia de Gaspar Ferreira Reimão, acerca de cuja publicação o Conselhoda índia se pronunciou em consulta de 28 de Fevereiro de 1611 emtermos significativos: « . . . posto que há inconveniente em se imprimirpor não vir as mãos dos estrangeiros e se aproveitarem delle he tamanhoos bens que delle podem resultar que se deve imprimir pellos erros quenos de mão poderá haver, mas que ha imprensão se faça com todoo resguardo possivel mettendose o impressor em hua casa aonde nãopossa fazer mais volumes que os que se lhe ordenar, os quais volumesse mettão neste conselho ou nos Almazens, onde V. Mag.de ordenarpara dahy se darem aos pilotos e sota-pilotos quando ouverê de fazerviagem, dandoselhe juramento que o não tresladarão e pondoselhe pennade morte ao que o tresladar ou deixar tresladar, e que em vindo o tor-narão porque desta maneira poderá não vir as mãos dos estrangeiros ... »5.

Um dos aspectos da renovação desse período verificou-se, comefeito, no domínio dos roteiros. Assim, vemos João Baptista Lavanha,o cosmógrafo-mor, promover a redacção de um novo roteiro da carreirada índia, a cargo de Manuel Monteiro e de Gaspar Ferreira Reimão,

5 Biblioteca Nacional de Madrid, Mss. 9419, fl. 115 v.°, publicado por Francisco PauloMendes da Luz, O Conselho da Índia, Lisboa, 1952, pp. 510-511.

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em reforma do anterior, de Vicente Rodrigues 6. Mas são, sobretudo,os livros de Manuel de Figueiredo que, desde 1608, marcam a novaorientação, com a inclusão de uma série notável de roteiros que antescorriam manuscritos e adulterados e que continuaram a ser reeditados,nos livros de António de Mariz Carneiro e dos Pimentéis, ao longodesse século e do seguinte.

Outro aspecto característico da nova fase de colaboração e de ex-perimentação manifesta-se através das normas ou regimentos com vistaa procedimentos, observações ou experiências específicas, do que sãotestemunho vários documentos produzidos por Lavanha. O mais inte-ressante é talvez o relativo aos encargos confiados ao L.do Gaspar Jorgedo Couto no decurso de viagem a realizar propositadamente à índia.

Em 13 de Novembro de 1607 uma ordem régia determinava aoBispo Vice-Rei de Portugal que mandasse caravelas efectuar o «descobri-mento» (exploração) da Cafraria (costa entre Benguela e o Cabo da BoaEsperança). O caso foi entregue a Lavanha, que, entendendo que a ta-refa podia ser confiada ao licenciado Gaspar Jorge do Couto para a rea-lizar na mesma viagem em que iria fazer determinadas observações eexperiências náuticas, redigiu um regimento único para aquela e estas,datado de 24 de Janeiro de 1608 7. O Conselho de Portugal, em consultade Janeiro de 1608, entendeu que a exploração da Cafraria não deveriaser feita na viagem em que se fizessem as outras observações e expe-riências 8, pelo que o regimento definitivo dado a Gaspar Jorge do Couto,datado de 13 de Março de 1608, trata apenas destas 9.

6 Sobre esta matéria, ver Humberto Leitão, Dois roteiros do século XVI, de ManuelMonteiro e Gaspar Ferreira Reimão, atribuídos a João Baptista Lavanha, Lisboa, 1963. Trata-sede exemplares em português e espanhol, com a data de 25 de Março de 1600

7 O qual se encontra, autógrafo e assinado, na Bibiloteca da Ajuda, 51-VIII-21 (cotaantiga), fls. 84-86.

8 Archivo de Simancas, Secretarias Provinciales, Libro 1479, fl. 27, publicado por Mendesda Luz, ob. cit., pp. 488-9.

9 Foi publicado por R. A. de Bulhão Pato, Documentos remetidos da índia ou Livrosdas Monções, Lisboa, i, 1880, pp. 216-8, de onde depois o transcreveram Sousa Viterbo, Traba-lhos Náuticos dos Portugueses nos séculos XVI e XVII, Lisboa, i, 1898, pp. 78-80, e L. deMorais e Sousa, A Sciência Náutica dos Pilotos Portugueses nos séculos XV e XVI, Lisboa, II,1924, pp. 35-7. A. Fontoura da Costa, A Marinharia dos Descobrimentos, Lisboa, 1939, p. 476,havia já concluído que o regimento de 13 de Março, não assinado (e que também se encontrano manuscrito referido na nota 8, fls. 61-62 v.°), se baseia no autógrafo de Lavanha de 24 deJaneiro, o que também aponta Armando Cortesão, Cartografia e Cartógrafos portugueses dosséculos XV e XVI, Lisboa, 1935, n, p. 360.

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Neste regimento determina-se que o licenciado em questão façaum diário da viagem, use o roteiro da índia ordenado por Lavanha(deve ser o de Manuel Monteiro e Gaspar Ferreira Reimão referidoacima), na carta de marear use os troncos particulares de léguas deLavanha, use o instrumento de observar o sol a qualquer hora do mesmoLavanha, observe as estrelas segundo o regimento de Lavanha e deter-mine a variação da agulha de marear utilizando as tábuas de larguraortiva, de Lavanha também.

No mesmo manuscrito em que vem o rascunho deste regimentoencontram-se mais os seguintes regimentos, todos de Lavanha, igual-mente:

— Fls. 63-63v: «Regimento das agulhas fixas de Luís dafonseca Coutinho», com o nome de Lavanha.

— Fls. 63v-64: «Regimento do Instrumento p.a saber porelle a altura a qualquer ora do dia q aja sol».

— Fls. 87-89v: «Uso do instrumento das duas agulhas umafixa, e outra Regular», autógrafo assinado, datadode 24 de Janeiro de 1610.

— Fls. 91-91v: «Regimento q ha de fazer o Piloto q fora índia na Nao Hollandesa», autógrafo assinado, da-tado de 24 de Janeiro de 1610.

— Fls. 160-161: «Regimento q parece se deue guardar nodescobrim.to e descripsão da Costa do Cabo Negrote o de boa esperança», autógrafo não assinado nemdatado10.

É precisamente com esta série de regimentos que se relaciona es-treitamente um outro documento, que julgamos inédito e do qual nãovimos até agora quaisquer referências. Encontra-se no Arquivo Nacionalda Torre do Tombo, Colecção de S. Vicente, livro 12, fls. 244-246,e reproduz-se a seguir na íntegra, acrescentando-lhe a numeração dosparágrafos, para facilidade de referência dos comentários que sobre elese dão no final, seguidos da conclusão quanto à provável data de elabo-ração e possível autoria.

10 Ocupámo-nos de alguns aspectos destes regimentos em A. Cortesão e A. Teixeira daMota, Portugaliae Monumento. Cartograpbica, Lisboa, 1960, iv, pp. 66-67.

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B) INSTRUÇÕES NÁUTICAS

«Ordem que os Pilotos deuem guardar na viagem da Carreira da índia

1. Que do dia que partirem da Barra de Lisboa tomem todosos dias o sol asentando em hum caderno as alturas no qual dirão hojetantos dias do mes de tal era, tomei tanto de sol, tantos graos tinha dedeclinação, feita a conta estou em tal altura, erão tantos dias de lua,naueguei a tal Rumo tantas horas e tantas a tal rumo e ventou-me taluento estou de tal costa tantas legoas, ou de tal ilha, e para onde corremas agoas e que abatimento deu a nao e que caminho lhe fazia.

2. Para o qual marcarão todos os dias agulha sabendo a uariaçãoque fas assy pera o nordeste como para o noroeste, como lhe ensinao regimento fl. 25 asentando o dia em que fasem a tal observação disendoa declinação que tinha o sol e os graos que acharão nas taboas da de-marquação d agulha e a que graos naçe o sol e feita conta como ensinao Regimento que graos uaria agulha o que poderão fazer três uezes nodia fasendo sol, ao naçer do sol, ao meio dia, ao por do sol que paratudo tendes regras no Regimento o que se fará todos os dias.

3. Aduirtirão mais os sinaes que forem achando por toda a uia-gem assy das agoas como de pássaros, heruas em que lugares e alturasos uão achando o que tudo asentarão em seus derroteiros.

4. Os lugares e paragens en que hão de uigiar mais a uariaçãodagulha he na linha na paragem do Cabo de S. Agostinho nos Abrolhos,na paragem das Ilhas de Tristão da Cunha no Cabo de Boa Esperançae nas mesmas paragens uigiarão todos os sinais asima ditos.

5. Hauendo uista do Cabo de Boa Esperança tomarão o sol di-sendo a tantos do mes e tantos de lua tomei tantos de sol e tantosgraos de declinação, estou en tanta altura marquarão também agulhadisendo em tal dia marquei agulha, eleuouse o sol a tantos graos deleste pera o sueste ou para o nordeste, e se for a tarde direis pos-se osol de oeste pera o noroeste ou pera o sudueste, a tantos graos, acheia frol de lis dagulha apartada do norte tantos graos o que tudo es-creuereis mui distintamente.

6. Se acertardes de ver terra a demarquareis a que Rumo dagulhacorre e quantas legoas estareis delia e debuxareis na margem do Ro-teiro, as figuras uistas e uisagens em que se uos representa debuxandoascom a pena o melhor que poderdes com todos os seus sinais, de serras,

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arvores, Rios Bayas, fundo, sonda e braças e as agoas para onde corremasentando tudo em o dia do mes e lua e que monção he se por terrado Cabo de Boa Esperança fareis o mesmo procurando com muitajnstancia saber onde he agulha fixa principalmente se houuerdes uistado Cabo das agulhas para o que hireis hum dia antes bem aduertidosna conta do Regimento para que uos não embaraçeis quando houerdesde marquar o sol ao naçer (foi. 245) ou ao por, escreuendo o dia em quefazeis a obseruação e o modo como a fisestes e os sinais da terra queuistes, e em que altura esta o fundo e braças que achardes.

7. Se chegardes ao Cabo de Boa Esperança a tempo que uades pordentro comettendo a deRota da ilha de S. Lourenço hireis fazendotodos os dias nouas observações com agulha ate que ajaes vista da terrade S. Lourenço escreuendo o dia em que a uistes, e quantos erão delua e em que altura a uistes e quanto uariaua agulha na tal paragem.E mandareis uigiar da gauea as conheçenças da terra e os aReçifes ebaixos demarcando-os a que Rumo correm.

8. Quando entrardes pelo canal dentro dantre os baixos da índia,e a ilha de S. Lourenço vigiareis com muito cuidado o parçel da Ilha deS. Lourenço, leuando na gauea os melhores marinheiros que uigiemos baixos a que parte lhe ficão, e para que Rumo se lanção e em queparagem e altura estão para se porem na costa [sic] de nauegar, osquais baixos os asinareis nas mesmas cartas para que as mostrem aocosmógrafo mor quando uenhão antes que se entreguem no almazemao thezoureiro.

9. O mesmo fareis de Moçambique ate a linha demarcando tudoo que virdes ao longo da costa e tomandolhe suas alturas, fundos, sondase braçagens notando as agoas para onde correm e os sinais que achardesde pássaros, heruas, correntes, e como chegardes a linha tornareis amarquar agulha como temos dito atras, escreuendo sua uariação e odia em que a demarquais, e como a demarquastes aduertindo por aquias agoas e monções que ha e para onde correm e os uentos que cursãoescreuendo tudo distintamente fazendo em cada dia hum capitolo doque uos soçedeo na uiagem, a que rumo nauegastes, quantas horas, quesol tomastes, que obseruação fisestes quantos são de lua que ventosuos cursão.

10. Mas se chegastes tarde ao Cabo de Boa Esperança que uosobrigou a fazerdes a viagem por fora, hireis sempre obseruando a ua-riação dagulha e fareis por uerdes a jlha de Domingos Rodrigues naqual ou em sua paragem marcareis bem agulha para sabermos ao certo

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o que tem nella de uariação para que quando forem outras nãos e a nãouirem saibão aonde estão para saberem a deRota que hão de tomardahy para a índia como ponto novo.

11. Tambem por esta uiagem por fora ha muitas Ilhas com baixospelo que tereis muito cuidado de os mandares uigiar da gauea mandandoos melhores marinheiros que as demarquem a que Rumo correm, e emque alturas e paragens (foi. 246) estão e que uariação tem agulha nelles.

12. O mesmo fareis quando uierdes da índia para o Reino assypor fora como por dentro fasendo o Pilloto seu derroteiro de todosos dias en cada seu capitulo o qual não mostrara a ninguém, e o sotaPilloto fara outro para com este exerçiçio se ua adestrando para quandohouuer de mandar nao de Pilloto estar destro nestas experiências.

13. Tambem quando for tempo tal que não possão tomar o solnem demarquar agulha farão asento do tal dia disendo, hoje tantos detal mes não tomej o sol fuj correndo a tal Rumo tantas horas uentauatal uento naueguei pela fantezia tantas legoas, façome em tal alturaerao tantos de lua, corrião as agoas a tal Rumo, e o mesmo fareis e es-creuereis quando uos desuellejares sendo noite por amor de algum baixoou costa que temão jr dar nella de noite sem a veres.

14. Os quais deRoteiros e discursos da viagem entregareis aoProuedor dos Almasens para que os Encarregue ao cosmografo morpara aduertir as cousas mais importantes e necessárias que nelles seacharem, para que na cadeira e lição que ler aos Pillotos os aduirta detudo o necessário e importante a nauegação, e que todos possão aprenderpara quando se acharem nas tais paragens e semelhantes monções pon-dolhes em seus regimentos as experiências mais neçesarias e importantesa nauegação aduertindolhe nas cartas de marear os baixos e sinaes quede nouo forem achados, mande aos carteiros que fasem as cartas demarear os pintem e ponhão en seus lugares deuidos e alturas, e omesmo fará no Padrão que esta nos Almasens mandando lhe por ostais baixos, sinais pareceres, terras, jlhas, que de nouo forem achadas,e obseruadas pellos Pillotos da Carreira da índia».

C) COMENTÁRIOS

1. Neste parágrafo ordena-se a elaboração de um diário náuticoonde sejam registados os elementos e factos que são discriminados.

Além de se determinar o registo da altura meridiana do Sol, acon-selha-se também o da declinação do Sol nesse dia, o que, com efeito, se

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encontra nos roteiros de D. João de Castro, mas não nos diários conhe-cidos da época (de 1595 a 1612).

É de notar que no regimento de 13 de Março de 1608 para o licen-ciado Gaspar Jorge do Couto, atrás referido, também se indica quedeverá fazer «hum roteiro muito copioso, notando dia por dia o ventocom que a nau navega, a derrota que leva, as correntes, os sinais doar, do mar e da terra; e do que virdes retratareis as conhecenças e porque rumo foram feitas, e a qual vos ficava a tal terra; a altura que to-mastes, a diferença que vos fez a agulha ordinária, os efeitos da fixae os da polar» H». Aqui se indicam alguns elementos que constam de pará-grafos ulteriores do documento em análise. À excepção da declinaçãodo Sol, como se disse, os outros elementos encontram-se em diáriosnáuticos da época 12, como facilmente se pode verificar; a indicação dodia da Lua é porém invulgar, pois só a vimos no diário da viagem da nau«S. Francisco» de Goa para Lisboa em 1600-1601 (redigido por GasparFerreira Reimão). A título de exemplo, para comparação, transcreve-seseguidamente a entrada do mesmo diário relativa a 7 de Janeiro de 1601:

«7 [de Janeiro] /4 de lua/ Curveta preta / Rilheirosde agua/ Item em 7 do mes em domingo tomei o sol e fiqueiem 8 graos e 1/3 escassos o vento foi nordeste e les nordestefraco a proa foi ate o quarto de prima a loeste e quarta donoroeste e logo ao sudueste e quarta da loeste, e como veioo dia a loeste e quarta do noroeste, e asim yrei ate ver a terrado dezerto, por ser m.to baixa a nao andou 28 legoas, e fezo caminho hum per outro a loes sudueste. Estou da mais che-gada terra 50 legoas a muitos Rilheiros de agoa que mos-trão yr ao norte, estou oye norte sul com sacatora, de nos nososenhor boa viage e a Virge do R.° madre de deus».

11 Bulhão Pato, ob. cit. na nota 9, p. 216.12 Estes diários encontram-se em manuscritos originariamente coligidos e comentados por

D. António de Ataíde, e agora pertença da Academia das Ciências de Lisboa e do Arquivo His-tórico Militar. Os da primeira instituição foram publicados por Quirino da Fonseca, Diáriosda Navegação da Carreira da índia nos anos de 1595, 15%, 1597, 1600 e 1603, Lisboa, 1938.Os da segunda foram publicados por Humberto Leitão, Viagens do Reino para a índia e daíndia para o Reino (1608-1612), Lisboa, 1957-1958, 3 volumes. Um outro diário, de GasparFerreira Reimão, existente na Torre do Tombo (Colecção Especial, Convento da Graça, caixa16), foi publicado por Frazão de Vasconcelos, Diário da Navegação da Nau S. Francisco deGoa para Lisboa em 1600-1601, in «Academia Portuguesa da História — Anais», n série,vol. 8, Lisboa, 1954, pp. 237-295.

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2. Neste parágrafo determina-se que seja registada a variação daagulha, de acordo com um processo de observação e cálculo que permiteestabelecer qual o limite inferior de redacção do documento, já que amaneira de achar aquela sofreu duas significativas melhorias dos finsdo século xvi para os começos do século xvii.

O método mais antigo, do século xvi, consistia em determinar avariação da agulha pela média das marcações do Sol ao nascer e ao pôr,como indica Gaspar Ferreira Reimão no capítulo «Como se há-de marcara agulha ao nascer e ao pôr do sol». O citado roteirista acrescenta aseguir: «João Baptista Lavanha, cosmógrafo-mor, no ano de 1600, fezumas Tábuas do lugar do sol e largura de Leste-Oeste, com um instru-mento de duas lâminas . . . não há necessidade de ver o sol, mais quepela manhã ou ao pôr, porque com uma só marcação se faz logo a contae se sabe a diferença que há . . . O dito João Baptista naquele tempo,antes que se fosse para Castela, me deu estas tábuas e lâmina, e aManuel Monteiro, que as verificássemos e experimentássemos; e eu ascontinuei até agora e as achei muito boas e certas, e as tenho por seremmuito necessárias à navegação» 13. Nestas tábuas de Lavanha, os ele-mentos de entrada são a latitude do local e o lugar do Sol no Zodíaco,o que obrigava a consultar outra tábua para saber este. Poucos anosdepois, Manuel de Figueiredo melhorou o sistema, mediante um novotipo de tábuas em que os argumentos são a latitude do local e a decli-nação do Sol, mais prático, e que veito até hoje. É também no volumecom o roteiro de Aleixo da Mota que, a seguir às tábuas de Lavanha,se referem estas de Figueiredo, que vêm na edição de 1614 da Hidro-grafia. Fontoura da Costa 14, que examinou os exemplares únicos dasduas edições de 1608 da mesma obra15, não encontrou em qualquer dosdois «os fólios que deviam trazer as tábuas», admitindo que pudessem sermanuscritos e possivelmente adicionados posteriormente; HumbertoLeitão apurou, contudo, que as tábuas de Figueiredo «deviam ter apa-recido em cerca de 1608, porquanto, neste ano, já delas se serviam a

13 Gaspar Ferreira Reimão, Roteiro da Navegação e Carreira da índia ..., prefaciadopor A. Fontoura da Costa, Lisboa, 1940, pp, 76-8. As tábuas de Lavanha são também referidas,como se viu, no regimento do licenciado Gaspar Jorge do Couto, de 1608, e num capítuloanexo ao roteiro de Aleixo da Mota, de c. 1621 (Gabriel Pereira, Roteiros portuguezes da viagemde Lisboa à índia nos séculos XVI e XVII, Lisboa, 1898, p. 198), mas não se conhece o seuoriginal, havendo no entanto duas cópias (vide Fontoura da Costa, A Marinharia dos Descobri-mentos, Lisboa, 1939, pp. 190-194).

14 Loc. cif.15 Há outro exemplar da 2.a edição de 1608 na Biblioteca Nacional de Madrid, R-4516.

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bordo da nau «Santo António» e porque a maneira como o sota-pilotodeste navio a elas se refere dá a entender que teriam sido publicadasbem pouco antes» 16.

Na realidade, o exame dos diários náuticos da época permite tirarconclusões significativas sobre a íntima colaboração do cosmógrafo-more dos pilotos e sobre a rapidez com que se ensaiaram os novos métodos,pelo que vale a pena resumir o que deles se pode extrair:

a) Nas viagens da nau «S. Pantaleão» do Reino para a índia(1595) e da índia para o Reino (1596) e da nau«Santa Maria do Castelo» do Reino para a índia(1597) e da índia para o Reino (1597), o pilotoGaspar Ferreira Reimão determinou sempre a varia-ção da agulha pela média das marcações ao nascere ao pôr do Sol17.

b) Na viagem da nau «S. Francisco» de Goa para Lisboaem 1600-1601, o mesmo Gaspar Ferreira Reimãoregista, no dia 25 de Janeiro de 1601, que determi-nou a variação da agulha por uma marcação do Solao pôr18, o que prova que já tinha as tábuas deLavanha.

c) Nos diários das viagens da nau «Santo António» do Reinopara a índia (1608-1609) (sota-piloto SebastiãoPrestes; o piloto era Gaspar Ferreira Reimão) e danau «Nossa Senhora da Piedade» do Reino paraa índia (1608-1609) e da índia para o Reino (1610)(piloto Simão Castanho), estão registadas numerosasdeterminações da variação da agulha pela «contavelha» (média das marcações do Sol ao nascer e pôr),pelas tábuas de Lavanha e pelo «regimento deManuel de Figueiredo» 19.

16 Humberto Leitão, Viagens ..., i, p. xxxn, e Uma carta de João Baptista Lavanhaa respeito das agulhas de Luís da Fonseca Coutinho, in «Revista da Faculdade de Ciênciasda Universidade de Coimbra», xxxix, 1967, pp. 166-7 (p. 9 da separata xi do Agrupamentode Estudos de Cartografia Antiga).

17 Quirino da Fonseca, ob. cit., pp. 287-314.18 Frazão de Vasconcelos, ob. cit. na nota 12, p. 264.19 Humberto Leitão, Viagens ..., i, pp. 23, 38, 89, 96, 216, 233, 234; n, pp. 51, 52,

57, 70, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 92.

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Verifica-se, assim, que os pilotos já conheciam em 1608 as tábuasde Figueiredo. Ora, no texto do documento que estamos analisando diz-seexpressamente que a determinação da variação se fazia utilizando adeclinação do Sol, o que prova que se trata das tábuas de Figueiredo.Diz-se mais, que o cálculo se fazia segundo vinha a fl. 25 do regimento;ora, no exemplar da edição da Hidrografia de 1614, existente na Biblio-teca Nacional de Lisboa, o único que vimos, há um grupo de quatro folhasimpressas mas numeradas à mão de 25 a 28, intercaladas entre as folhasnumeradas tipograficamente 24 e 29. Aquelas quatro folhas estão impres-sas em papel diferente e em tipo diferente das que as antecedem e seguem,estando as tábuas nas fls. 26-28 e as regras para a sua aplicação nafl. 25. Poderá, portanto, referir-se a esta edição de 1614 a indicaçãoda folha que vem no documento em análise. Mas como se verifica queo caderno de quatro folhas era originariamente independente do restantetexto do livro, é de supor que ele corresse antes solto e sem numeraçãodas folhas; e como havia pilotos que em 1608 já conheciam o regimentode Figueiredo, pode admitir-se que tenha havido exemplares das ediçõesde 1608 da Hidrografia em que ele tivesse sido inserido.

Portanto, o limite inferior do documento em análise é 1614, oumesmo, hipoteticamente, 1608.

3. As indicações relativas a sinais também constam do regimentoa Gaspar Jorge do Couto, como se viu em 1, e encontram-se em abun-dância nos diários de viagem do período de 1595-1612, a que nos refe-rimos.

5. Esta insistência especial em que seja registada a variação daagulha na zona do Cabo de Boa Esperança deve estar relacionada coma conveniência em conhecer com a possível exactidão o local onde avariação da agulha era nula, o que se julgava ocorrer um pouco paraleste, junto do Cabo das Agulhas, como se verifica no parágrafo seguinte.O conhecimento exacto da variação no Cabo de Boa Esperança cons-tituía um bom «sinal», na medida em que poderia facilitar a aterragemdepois da longa travessia do Atlântico Sul.

6. As disposições, em caso de aterragem, coincidem singularmentecom o que nas mesmas circunstâncias vem expresso no regimento aGaspar Jorge do Couto. No espírito de tais disposições, quanto ao debuxo,é de registar que o diário da viagem da nau «Nossa Senhora da Piedade»da índia para o Reino, em 1609 (piloto Simão Castanho), é ilustradocom numerosas vistas da costa.

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7 e 8. Os cuidados especiais com a navegação entre o Cabo deBoa Esperança e Ilha de S. Lourenço, e a seguir no canal de Moçambique,devem ter sobretudo em vista o perigo que constituíam os «baixos daíndia». A referência à boa localização dos baixos na carta, a fim deisso ser presente ao cosmógrafo-mor, é indício de que o regimento emanálise foi elaborado por ele (ou, menos provavelmente, pelo provedordos Armazéns). Também se confirma neste parágrafo que os Armazénsforneciam as cartas aos pilotos para cada viagem, devendo eles devol-vê-las após a chegada, o que consta de alguns documentos da primeirametade do século xvi, de que nos ocuparemos oportunamente. A emendarecente de cartas desta zona e nesta época é atestada por uma passagemdo diário da nau «S. Francisco», em viagem de Goa para Lisboa, em1600-1601; no dia 18 de Fevereiro, Gaspar Ferreira Reimão regista«tenho que atrauesa da ylha de são Lourenço a esta costa [da Baíada Lagoa] esta boa nas cartas que estão emmendadas de nouo por queas outras velhas estendem mais esta travesa»20.

10. O texto tem «jlha de D.os Roiz», o que é engano por «jlhade D.° Roiz», isto é, ilha de Diogo Rodrigues. Na zona desta ilha deviaefectuar-se uma inflexão da rota, pelo que, no caso de aquela não seravistada, o valor da variação da agulha poderia fornecer uma indicaçãoútil para o efeito.

De acordo com o roteiro de Vicente Rodrigues, Manuel de Figuei-redo, na edição de 1614 da Hidrografia (fl. 16 v), diz que «norte sulcom a Ilha de Diogo Rodriguez, noroestea agulha passante de 20 gr ea balrauento delia a leste, noroestea 2. quartas ou 22 gr e meyo, que hea mayor diferença que faz agulha nesta derrota», o que vinha igualmenteno Roteiro de 1612 de Gaspar Ferreira Reimão21, enquanto Aleixo daMota diz que à vista da ilha a agulha noroesteava 22 graus, afirmandoque «será bom governar . . . em demanda da ilha de Diogo Ruiz queestá em altura de 20° escassos, a qual será bom ver para d'ella ou desua altura se governar de maneira que se emboque por entre os baixosdo Garajao e os da Nazaré» 22.

14. Este parágrafo final tem expressa de forma apropriada a dou-trina ajustada e pertinente para uma boa coordenação entre as tarefasdos pilotos, dos cartógrafos e do cosmógrafo-mor. Os pilotos deviam

20 Frazão de Vasconcelos, ob. cit. na nota 13, p. 275.21 P. 74 da edição de 1940.22 Gabriel Pereira, ob. cit. na nota 14, pp. 127-8.

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preencher os seus diários de navegação de acordo com as intruçõesconstantes deste documento, e marcar na carta novas ilhas ou baixos;o cosmógrafo-mor, na sua «cadeira e lição» (que consta do regimentode 1592), transmitiria os novos elementos ou correcções aos alunos paraboa actuação destes quando encarregados da pilotagem, registá-los-iaem regimentos náuticos, fá-los-ia introduzir no padrão do Armazéme passá-los-ia aos mestres de cartas de marear para que estes as melho-rassem.

D) CONCLUSÃO

O documento em análise foi redigido depois de 1608 ou de 1614e deve ser oriundo dos Armazéns da Guiné e índia, mais provavelmentedo próprio cosmógrafo-mor. A sua doutrina e forma inserem-se na reno-vação operada por João Baptista Lavanha com a coadjuvação de Manuelde Figueiredo, pelo que provavelmente se deve a algum deles ou a ambos(e a Valentim de Sá?), e assim teria sido escrito originariamente o maistardar em 1624, ano da morte de Lavanha (Figueiredo morrera em1622). Com efeito, não sabemos de elementos que permitam ajuizardo que em tal matéria se passou com os seus sucessores próximos,D. Manuel de Meneses (cuja ciência foi muito considerada) e AntónioMariz Carneiro (cujas obras mostram que não foi um inovador), paraque possamos atribuir o documento ao tempo destes.

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