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CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA A COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA POR MEIO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS: UMA ALTERNATIVA NA BUSCA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo 2006

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CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA

A COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA POR MEIO DOS

CONSÓRCIOS PÚBLICOS: UMA ALTERNATIVA NA BUSCA DO

DESENVOLVIMENTO NACIONAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

São Paulo

2006

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CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA

A EFETIVAÇAO DA COOPERACAO INTERFEDERATIVA POR MEIO

DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS: UMA ALTERNATIVA NA BUSCA DO

DESENVOLVIMENTO NACIONAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifica Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do

Título de Doutor em Direito sob a orientação do Prof. Dr. Cláudio

Finkelstein.

São Paulo

2006

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FOLHA DE APROVAÇAO DA BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Ari e Marialda, pela presença incondicional.

Aos irmãos, Carla e Claudio, pelas palavras de incentivo.

Ao Luiz Fernando, pelo amor e paciência.

À minha avó, querida, que do Céu zela por mim.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares, agradeço pela colaboração e compreensão nas horas de necessária

reclusão e pelo amor nos momentos de tensão.

À amiga e parceira Professora Susana Mesquita Barbosa pela dedicação no

acompanhamento deste trabalho desde seu estágio embrionário e empenho sobre as atividades

profissionais quando de minhas necessárias ausências em razão da pesquisa.

Aos colegas da Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie

pelo suporte constante nos momentos de enfraquecimento, em particular os Professores Felipe

Chiarello e Túlio Augusto Afonso Tayano.

Aos Professores Gilberto Bercovici e Márcia Walquiria Batista dos Santos pelo carinho

no início e término da jornada.

Às amigas Viviani Moro, Camila Vidal, Irene Coutinho e Juliana Lyrio, que, mesmo à

distância, auxiliaram substancialmente no percurso deste caminho.

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RESUMO

A presente tese analisa os aspectos teóricos e jurídicos dos Consórcios Públicos, visando

consagrar a possibilidade de fortalecimento do Estado brasileiro, e a efetivação da cooperação

interfederativa por meio dos consórcios públicos, enquanto instrumentos alternativos na busca

do desenvolvimento nacional.

Tal estudo mostra-se oportuno vez que, considerando a complexidade das atividades

estatais, requer-se, por parte do Estado brasileiro, um esforço cada vez mais intenso no que

tange à articulação, à estratégia e efetivação de novas técnicas organizativas que facilitem a

gestão procedente da coisa pública. Nesta perspectiva, o consórcio público apresenta-se como

medida alternativa, dentre os diversos instrumentos de cooperação interfederativa, de modo a

garantir um Estado mais receptivo à pluralidade de interesses da sociedade e ao

redimensionamento do atendimento das necessidades coletivas.

Observa-se, outrossim, que o consórcio público configura-se como modalidade de

associação interfederativa com vistas à implementação de interesses comuns, como declara o

art. 241 da Constituição Federal, cujo objeto é a concretização de políticas públicas em busca

do desenvolvimento nacional.

A relevância do tema funda-se no fato de que, pela Lei 11.1107/05, o consórcio público

foi regulamentado e trouxe inovações para a ordem jurídica sob diversos aspectos. A

originalidade justifica-se pelo pioneirismo do estudo do tema e pela tentativa de construção

de uma teoria de base, vez que somente existe uma escassa coletânea doutrinária específica,

do tema na qual são observados os elementos teóricos e legislativos, inclusive os relativos à

discussão sobre as modalidades de Estado.

Justifica-se, ainda, porque a Administração Pública converteu-se em realizadora da

justiça material, o que permite identificar uma nova relação com a sociedade, assumindo a

concretização positiva das liberdades e necessidades públicas, por meio de prestações que

auxiliem o desenvolvimento de atividades em prol do engrandecimento geral, o que revela sua

relevância social. O objetivo principal da tese é demonstrar que é possível consagrar, jurídica

e teoricamente, os consórcios públicos como instrumento de fortalecimento dos vínculos de

cooperação intergovernamental. Objetiva-se, também, analisar como esta consagração

possibilita, em última instância, o fortalecimento da autonomia federativa, a partir do modelo

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peculiar de Estado brasileiro, e da medida da descentralização administrativa, enfatizando o

exame sobre a gestão associada para a prestação de atividade administrativa.

Dentre os resultados, o mais significativo foi o reconhecimento da atuação ampliada dos

consórcios públicos, pois foi demonstrado que os entes federativos poderão participar não só

na fase de prestação de serviços públicos, como, principalmente, no planejamento e

implementação de políticas públicas. Ressalta-se também que os consórcios públicos foram

instituídos no sistema jurídico nacional sem prejuízo de outras formas de cooperação e de

consorciamento já existentes, mas se for constituído consórcio público para os fins específicos

do art. 241, deverá este observar os ditames da Lei n° 11.107/ 05.

Por fim, comprovou-se a hipótese previamente levantada de que, o consórcio púbico,

analisado sob a perspectiva de instrumento político de Estado, atua, quando do processo de

escolha das decisões públicas, também como instrumento de descentralização administrativa,

por meio do qual atenderá, além do planejamento, também a implementação das ações

escolhidas.

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ABASTRACT

To present tesis analyzes the theoretical and legal aspects of the Public Consortia

seeking to consecrate the possibility of invigoration of the Brazilian State, and the efective

interfederative cooperation through the public consortia, while alternative instrument in the

search of the national development.

Such a study is shown opportune time that, considering the complexity of the state

activities it is requested, by the Brazilian State, an effort more and more intense with respect

to the articulation, to the strategy and to the execution of new operative techniques that

facilitate the administration coming from the public matter. In this perspective, the public

consortium comes as alternative measure, among the several instruments of cooperation

betwen de federal members, in way to guarantee a more receptive State to the plurality of

interests of the society and the reorganization of the service of the collective needs.

It is observed, likewise, that the public consortium is configured as modality of

interfederative association with views to the implementation of common interests, as it

declares the article 241 of the Federal Constitution, whose object is the materialization of

public politics in search of the national development.

The relevance of the theme is founded in the fact that, for the Act 11.1107/05, the public

consortium was regulated and it brought innovations for the legal order under several aspects.

The originality is justified for the primarity of the study of the theme and for the attempt of

construction of a base theory, time that only a scarce specific doctrinaire collection exists,

which the theoretical and legislative elements are observed, besides the relative ones to the

discussion about the modalities of State.

It is justified, still, because the Public Administration changed in enterprising of the

material justice, the one that allows identify a new relationship with the society, assuming the

positive materialization of the freedoms and public needs, through installments that aid the

development of activities on behalf of the general enlargement, what reveals its social

relevance. The main objective of the theory is to demonstrate that it is possible to consecrate,

legal and theoretically, the public consortia as instrument of invigoration of the bonds of

intergovernamental cooperation. It is aimed at, also, to analyze as this consecration makes

possible, ultimately, the invigoration of the federal autonomy, starting from the peculiar

model of Brazilian State, and of the measure of the administrative decentralization,

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emphasizing the exam on the associated administration for the installment of administrative

activity.

Among the results, the most significant was the recognition of the enlarged performance

of the public consortia, because it was demonstrated that the federal beings can participate not

only in the services rendered publics phase, as, mainly, in the planning and implementation of

public politics.

It is also emphasized that the public consortia were instituted in the national juridical

system without damage in other cooperation ways and of consorciamento already existent, but

if public consortium be constituted for the specific ends of the article 241, it will owe this to

observe the dictates of the Act 11.107/ 05.

Finally, it was proven the hypothesis previously lifted up that, the pubic consortium,

analyzed under the perspective of political instrument of State, it acts, when of the process of

choice of the public decisions, also as instrument of administrative decentralization, through

which will assist, besides the planning, also the implementation of the chosen actions.

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RESUMÉ

La thèse analyse les aspects théoriques et juridiques des Syndicats Publiques, en

cherchant à consacrer la possibilité d'invigoration de l'Etat brésilien, et l'efetivation de la

coopération interfederaive à travers les consortiums publics, pendant qu'alternatif instrumente

dans la recherche du développement national.

Le temps opportun est montré à une telle étude qui, étant donné la complexité des

activités de l'état, il est demandé, de la part de l'Etat brésilien, un effort de plus en plus intense

en ce qui concerne articulation, à la stratégie et efetivação de nouvel organizativas des

techniques qui facilite l'administration qui vient de la chose publique. Dans cette perspective,

le syndicat publique vient comme mesure alternative, parmi les plusieurs instruments

d'interfederativa de la coopération, dans la façon de garantir un Etat plus réceptif à la pluralité

d'intérêts de la société et le redimensionamento du service des besoins collectifs.

Il est observé, également, que le sundicat publique est configuré comme modalité

d'interfederative association avec les vues à la mise en oeuvre d'intérêts communs, comme

déclare l'article 241 de la Constitution Fédérale dont l'objet est la matérialisation de politique

publique à la recherche du développement national.

La pertinence du thème est fondée dans le fait que, pour la Loi 11.1107/05, le syndicat

publique a été réglé et il a apporté des innovations pour l'ordre juridique sous plusieurs

aspects. L'originalité est justifiée pour le pioneirismo de l'étude du thème et pour la tentative

de construction d'une théorie basse, temps que seulement une collection du doctrinaire

spécifique rare existe, du thème dans le lequel les éléments théoriques et législatifs sont

observés, excepté les relatifs à la discussion au sujet des modalités d'Etat.

La thèse est justifié, encore, parce que l'Administration Publique a changé dans

entreprenant de la justice matérielle, celui qui permet identifie un nouveau rapport avec la

société, en assumant la matérialisation positive des libertés et besoins du public, à travers

acomptes qui aident le développement d'activités de la part de l'agrandissement général, que

révèle sa pertinence sociale. L'objectif principal est démontrer que c'est possible de consacrer,

juridique et théoriquement, les syndicats publiques comme instrument de vivification des

attaches de la coopération intergovernamental. Il est visé à, aussi, analyser comme cette

consécration fait possible, finalement, le vivification de l'autonomie fédérale, commencer du

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modèle particulier d'Etat brésilien, et de la mesure de la décentralisation administrative,

accentuer l'examen sur l'administration associé pour l'acompte d'administrat de l'activité

Parmi les résultats, la plus considérable était la reconnaissance de la performance

agrandie des syndicates publiques, parce qu'il a été démontré que les existences fédérales

peuvent participer pas seul aux services a rendu la phase de publics, comme, principalement,

dans l'organisation et mise en oeuvre de politique publique. Il est aussi accentué que les

syndicates publiques ont été institués dans le système juridique national sans dégât dans

d'autres chemins de la coopération et de consorciamento déjà existant, mais si le consortium

public soit constitué pour les fins spécifiques de l'article 241, il devra ceci pour observer les

ordres de la Loi 11.107 / 05.

Finalement, elle a été prouvée précédemment l'hypothèse soulevée cela, le consortium

pubien, analysé sous la perspective d'instrument politique d'Etat, qu'il agit, quand du

processus de choix des décisions publiques, aussi comme instrument de décentralisation

administrative auquel aidera excepté l'organisation, aussi la mise en oeuvre des actions

choisies.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14

PARTE I

A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E A INTEGRAÇÃO DE SUAS COMPETÊNCIAS

CAPÍTULO I - O FEDERALISMO DE COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL: A REALIDADE BRASILEIRA

1. A federação como modelo organizativo de Estado ....................................................................... 22

1.1. A unidade do Estado federa ................................................................................................... 23

1.2. Federalismo dual e federalismo cooperativo ......................................................................... 25

2. O federalismo no contexto da evolução do Estado brasileiro ....................................................... 29

2.1. Federalismo de Cooperação na Constituição de 1988 ........................................................... 32

2.2. O princípio da subsidiariedade na federação brasileira .......................................................... 37

2.3. Planejamento e desenvolvimento nacional: a busca pela cooperação interfederativa ........... 41

2.4. Políticas Públicas enquanto atividade administrativa ............................................................ 46

2.5. Descentralização Administrativa e Contextualização das tarefas públicas ............................ 49

CAPÍTULO II – INTEGRAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS: TENDÊNCIA À ASSOCIAÇÃO

1. Introdução ..................................................................................................................................... 56

2. Repartição Constitucional de Competências e a busca do equilíbrio nas relações interfederativas...57

2.1. Descentralização do poder político......................................................................................... 63

2.2. O papel dos Estados-Membros na federação brasileira .......................................................... 66

2.3. A municipalização após a Constituição Federal de 1988 ....................................................... 67

3. Tendência à associação interfederativa na evolução legislativa brasileira .................................... 76

3.1. Modelos Constitucionais de Associação Interfederativa ....................................................... 79

PARTE II

ASPECTOS RELEVANTES À TEORIZAÇÃO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

CAPÍTULO I – COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA POR MEIO DE CONVÊNIOS E CONSÓRCIOS

1. O desafio da atuação estatal: construção de novos paradigmas..................................................... 97

2. A gestão associada como forma de parceria: soma de esforços ................................................. 101

3. Convênios e Consórcios: noções teóricas................................................................................... 112

3.1. Convênios ............................................................................................................................ 115

3.2. Consórcios Administrativos.................................................................................................. 119

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3.21. Consórcios Públicos .................................................................................................... 122

CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO ESTRANGEIRO PARA O EXAME DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

1. Considerações introdutórias relevantes ...................................................................................... 129

2. Direito Estrangeiro...................................................................................................................... 130

3. Contribuições do direito estrangeiro para o direito nacional ....................................................... 145

PARTE III

A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS LEGISLATIVOS 1. A sede normativa adequada: bases constitucionais .................................................................... 149

2. Possibilidade de novo tratamento legal: a disciplina por meio de lei federal .............................. 151

CAPÍTULO II – PERSONIFICAÇÃO DO CONSÓRCIO PÚBLICO

1. Regime jurídico próprio: o surgimento de nova espécie de pessoa jurídica................................ 155

2. Consórcio público de direito público: consórcio público-público .............................................. 157

3. Consórcio público de direito privado: consórcio público-privado ............................................. 179

CAPÍTULO III - CONTRATO DE CONSÓRCIO PÚBLICO

1. Uma das fases do ato constitutivo .................................................................................................. 185

CAPÍTULO IV– QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES

1. Fiscalização pelo Tribunal de Contas .......................................................................................... 194

2. Responsabilidade Civil ............................................................................................................... 195

3. Licitação: novas regras ............................................................................................................... 197

4. Aplicação legislativa às situações jurídicas pré-existentes.......................................................... 198

CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 200

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 207

ANEXOS ........................................................................................................................................... 217

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14

INTRODUÇÃO

As últimas décadas têm sido marcadas, no que diz respeito à Reforma do Estado,

pela substituição do modelo de intervenção pelo modelo de regulação e promoção de políticas

públicas.

A idéia de ineficiência e ineficácia da máquina administrativa impulsionou uma

série de inovações legislativas, voltadas, substancialmente, para a criação e regulamentação

de mecanismos operacionais que visam a efetivação dos objetivos republicanos declarados

com a Constituição de 1988. O Estado brasileiro deve buscar formas de adaptação deste

contexto em prol do desenvolvimento nacional.

Particularmente, a reforma administrativa realizada nos anos 90 proporcionou

mudanças significativas que culminaram na revisão dos mecanismos de tomada de decisão do

aparelho estatal. Orientou-se à descentralização administrativa como resposta ao monopólio

administrativo estatal, às exigências de responsabilização dos agentes públicos e à abertura do

Estado na participação e no controle social.

Organizações privadas dispostas a entregar o bem coletivo como parceiras do

Estado proliferaram.

Entretanto, os resultados obtidos não vêm sendo satisfatórios. Constatou-se que

afastar o próprio Estado da atividade administrativa ou desenhar modelos organizacionais

múltiplos não cumpriu as exigências de atendimento do interesse público.

É preciso reconhecer que a complexidade das atividades estatais requer esforço

cada vez mais intenso no que tange à articulação, à estratégia e efetivação de novas técnicas

organizativas que facilitem a gestão procedente da coisa pública. Afinal, o Estado

contemporâneo1 tem como traço característico o poder de coordenar e conduzir a sociedade,

que se traduz num poder sob a perspectiva governativa.

Nesta perspectiva, o consórcio público apresenta-se como medida alternativa a um

Estado mais receptivo à pluralidade de interesses da sociedade e ao redimensionamento do

atendimento das necessidades coletivas.

1 O critério aqui utilizado é o cronológico, sem qualquer pretensão técnica.

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15

Assim, o Consórcio Público configura-se como modalidade de associação

interfederativa com vistas à implementação de interesses comuns, como declara o art. 241 da

Constituição Federal. Pensa-se, assim, no consórcio público como instrumento adequado à

concretização de políticas públicas no Estado brasileiro. Sua regulamentação por meio da

publicação da Lei 11.1107/05 inovou a ordem jurídica pátria sob diversos aspectos.

No perfil de cooperação mútua entre os entes federados incrementado a partir da

Constituição de 1988 incentiva-se a conjugação de esforços para realização de interesses

comuns, a fim de cumprir os objetivos federativos de fortalecimento nacional, seja pela

erradicação da pobreza, seja pela redução das desigualdades nacionais. O fato é que se busca

com a associação interfederativa o desenvolvimento do Estado nacional.

A Constituição de 1988 incrementou o perfil de cooperação mútua entre os entes

federados e incentivou a instituição de medidas que, em um conjugação de esforços para

realização de interesses comuns, permitissem alcançar os objetivos federativos de

fortalecimento nacional, seja pela erradicação da pobreza, seja pela redução das desigualdades

nacionais. O que se observa, é a associação interfederativa promove o desenvolvimento do

Estado nacional.

Por meio da análise da evolução histórica , desde a Constituição do Império, dos

modelos organizacionais escolhidos pelo Estado brasileiro, até 1988, constata-se a atuação

fragmentada do poder público na concretização dos interesses da coletividade. Neste

processo, observa-se que a falta de integração e a desarticulação entre os entes da federação

foram características constantes no modelo nacional.

Por tratar-se de tema que envolve discussão mais aprofundada a respeito do

Estado Brasileiro, a interdisciplinaridade é essencial para seu exame. Faz-se necessário,

assim, a pesquisa teórica relacionada à Teoria do Estado, ao Direito Constitucional e ao

Direito Administrativo, vez que a associação interfederativa tem inserção sobre todas essas

áreas.

Na perspectiva de que tanto Estado quanto Administração Pública contornam-se

pela dinâmica social, evita-se falar em “crise do Estado” ou “crise da Administração Pública”.

Nessa dinâmica, devemos observar que a busca pelo bem-comum é incessante, todavia, os

interesses que formam esse bem-comum estão em constante evolução.

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16

Assim, a complexidade dessa dinâmica social exige do Estado acompanhamento e

resposta às demandas, tanto pela revisão de postulados teóricos, quanto pela criação e uso de

instrumentos de ação positiva.

Percebe-se que a institucionalização dos consórcios públicos proporciona o

fortalecimento dos vínculos de cooperação intergovernamental. Desta forma, para análise do

tema, necessário se faz a a teorização destes instrumentos, a fim de aperfeiçoá-los enquanto

ferramenta de relação interfederativa.

O objetivo principal da tese é demonstrar que é possível consagrar, jurídica e

teoricamente, os consórcios públicos como instrumento de fortalecimento dos vínculos de

cooperação intergovernamental. Objetiva-se, também, analisar como esta consagração

possibilita, em última instância, o fortalecimento da autonomia federativa, a partir do modelo

peculiar de Estado brasileiro, e da medida da descentralização administrativa, enfatizando o

exame sobre a gestão associada para a prestação de atividade administrativa.

Dentro dos espaços de autonomia dos entes federativos definidos pela

Constituição devem-se articular sistemas institucionais de tomada de decisões próprios do

Estado Democrático de Direito e, assim, pretendemos demonstrar que cada opção política

pode exercitar o poder institucional para proceder à transformação social segundo programas

políticos voltados à sociedade e que, neste sentido, a autonomia federativa pode ser entendida

como sinônimo de democracia e liberdade pública.

Devido a estas considerações teóricas, a pesquisa propõe-se a demonstrar que

houve o resgate do entendimento dos entes federativos como originários gestores de políticas

públicas por meio da constituição de consórcios públicos. Especificamente, a análise volta-se

para o resgate do conceito do próprio federalismo brasileiro.

A maior dificuldade ao longo da pesquisa esteve relacionada à inexistência de

bibliografia sedimentada, vez que se trata de novidade inserida há pouco mais de um ano no

ordenamento jurídico pátrio positivo. Desta forma, para a realização do trabalho partiu-se da

análise de teorias clássicas a fim de consolidar o entendimento sobre o tema, e, somente após

esse trabalho realizar a pesquisa na literatura especifica recente. Justificam-se, assim, as

inúmeras referências eletrônicas obtidas pela internet que, em razão da velocidade com que as

informações são publicadas, permitiu um acompanhamento mais dinâmico da evolução

teórica acerca do tema em discussão. Sem dispensar, por óbvio, o material específico

impresso que foi publicado até a data do fechamento desta pesquisa.

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17

Objetiva-se, a partir de um ponto de vista distinto do tradicional, mas de acordo

com os parâmetros constitucionais e legais, abordar o tema de modo que se permita delimitar

e consolidar a funcionalidade do instrumento jurídico, vez que o consórcio público tem

configuração própria e, portanto, distinta das associações municipais, regiões metropolitanas

ou qualquer outro instrumento de cooperação e gestão associada inseridos no ordenamento

jurídico.

Objetiva-se, em última instância, demonstra a consagração da autonomia

federativa, a partir do modelo peculiar de Estado brasileiro, e a medida da descentralização

administrativa, enfatizando o exame sobre a gestão associada para a prestação de atividade

administrativa, no qual se insere o consórcio público e, por isso, é preciso restabelecer a

capacidade de gestão das políticas públicas pelos próprios entes federados e, acima de tudo, a

capacidade de compartilhamento de interesses comuns.

A relevância e a oportunidade da pesquisa fundam-se no fato de que, pela Lei

11.1107/05, o consórcio público foi regulamentado e trouxe inovações para a ordem jurídica

sob diversos aspectos. A originalidade justifica-se pelo pioneirismo do estudo do tema e pela

tentativa de construção de uma teoria de base, vez que somente existe uma escassa coletânea

doutrinária específica, do tema na qual são observados os elementos teóricos e legislativos,

inclusive os relativos à discussão sobre as modalidades de Estado.

Justifica-se, ainda, porque a Administração Pública converteu-se em realizadora da

justiça material, o que permite identificar uma nova relação com a sociedade, assumindo a

concretização positiva das liberdades e necessidades públicas, por meio de prestações que

auxiliem o desenvolvimento de atividades em prol do engrandecimento geral, o que revela sua

relevância social.

Neste contexto, à Administração Pública cabem tarefas de maior responsabilidade,

as quais o esforço isolado no seu cumprimento dificulta (quando não impossibilita) o

resultado produtivo. Então, buscam-se modalidades alternativas de cooperação mútua, por

meio de pactos firmados entre pessoas políticas, para a consecução de interesses públicos.

Enfim, o que se pretende é fundamentar a possibilidade de fortalecimento do

Estado brasileiro, na figura particionada de seus entes para a gerência de interesses, e, para

isso, apresentar alguns instrumentos jurídicos que podem e devem ser usados para

proporcionar o desenvolvimento regional, como as regiões metropolitanas e as associações

municipais, que, junto aos consórcios públicos, somam forças para concretizar a preocupação

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18

expressa no texto constitucional sobre a política de estímulo ao desenvolvimento de regiões

menos favorecidas.

Em suma, a finalidade jurídico-social desta pesquisa, é fomentar o estudo para a

efetiva utilização dos consórcios públicos não somente para a prestação de serviços públicos,

mas, principalmente, como mais um instrumento alternativo que proporcione a associação

interfederativa, enquanto descentralizados centros de decisão política, para que, juntos,

consigam desenvolver projetos e ações de consolidação do bem-estar da sociedade

Somente por meio de trabalhos múltiplos e concentrados, por todo país, será

possível atingir os ideais de desenvolvimento nacional. O grande desafio é equacionar a

fórmula que, por meio do incentivo à descentralização administrativa, na busca pelo

desenvolvimento eqüitativo da Nação brasileira.

A originalidade justifica-se pelo pioneirismo do estudo do tema e pela tentativa de

construção de uma teoria de base, vez que somente existe uma escassa coletânea doutrinária

específica do tema, na qual são observados os elementos teóricos e legislativos, inclusive os

relativos à discussão sobre as modalidades de Estado.

É notável a importância dos convênios de cooperação e consórcios públicos, como

instrumentos para a efetiva concretização do ideal do federalismo cooperativo, por meio da

conjugação de esforços dos entes da Federação. Assim, imprescindível será o estudo

aprofundado de tão importante instrumento.

Para melhor exposição dos resultados obtidos na pesquisa, o texto foi construído e

disposto em Partes,, dentro das quais foram distribuídos capítulos cuja relação material

proporciona compreensão sistemática da área examinada.

A primeira denominada “A Federação brasileira e a Integração de suas

competências”, compreende os capítulos que examinam o peculiar modelo brasileiro de

federação cooperativa em busca do desenvolvimento nacional e a distribuição constitucional

das competências que, neste contexto, incentivam da associação interfederativa.

Encarregou-se aqui do estudo da federação brasileira em razão do modelo

organizacional que lhe é próprio, enfocando os propósitos traçados pela Constituição de 1988

que deverão ser alcançados por meio de medidas administrativas que incrementem a

implementação de políticas públicas.

Neste contexto, a análise da distribuição constitucional das competências permite

o resgate da autonomia do ente federado e da incumbência de cumprimento destas atribuições,

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que muitas vezes não são passíveis de atendimento sem que haja colaboração interfederativa.

O texto constitucional está repleto de medidas que incentivam a cooperação entre os entes

federativos. Examinadas todas elas para que não restasse dúvida sobre a viabilidade e

cabimento dos instrumentos supervenientes pela redação do art. 241.

A segunda Parte, denominada “Aspectos relevantes à teorização dos consórcios

públicos” buscou construir elementos para a teorização dos novos instrumentos de cooperação

inseridos na ordem constitucional pátria pelo art. 241, e reuniu a doutrina especializada

nacional e estrangeira que auxiliasse na identificação e consolidação dos elementos

configurados dessas medidas associativas.

O art. 241 revisto pela Emenda Constitucional n. 19 trouxe não só os instrumentos

do consórcio público e do convênio de cooperação, mas principalmente a noção de “gestão

associada” que até então não se tinha notícia na legislação pátria. A compreensão desta

expressão é de fundamental importância para delimitação do objeto a que prestarão este

consórcio e convênio. Se fossem para serem tomados como mais um modo de delegação da

prestação dos serviços públicos, dispensável teria sido a revisão constitucional. Optou o

legislador constituinte derivado pela criação de duas novas opções.

Ressalta-se que até a publicação da Lei 11.107/05, disciplinando sobre os

consórcios públicos, a doutrina especializada teorizou sobre o tema considerando os

elementos clássicos dos consórcios e convênios administrativos. Entretanto, a Lei inovou em

pontos essenciais em relação à dogmática já estabelecida.

Com isso, importante foi a análise da legislação estrangeira sobre instrumentos

similares aos consórcios públicos, para auxiliar no conhecimento de referências teóricas

elementares para a caracterização do instrumento. Não se propõe o estudo do direito

comparado, mas sim o exame desses consórcios na legislação estrangeira, e como são

formatados.

Por fim, a terceira parte, denominada de “Regulamentação Jurídica dos

Consórcios Públicos”, incumbiu-se do exame sistematizado da Lei n. 11.107/05, dada a

repercussão da publicação que regulamentou o referido art. 241, disciplinando sobre os

consórcios públicos. As discussões acerca deste novo Diploma estão pontuadas sobre quatro

aspectos distintos: os pressupostos legislativos que justificaram a regulamentação do texto

constitucional, a personificação do consórcio público (que indubitavelmente é o item mais

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inovador da Lei), o contrato de consórcio público e as questões jurídicas mais relevantes que

decorrem da aplicação legislativa.

Como regra, a publicação de lei nova, principalmente aquela que regulamenta pela

primeira vez algum instituto, tem a finalidade de pôr termo às divergências doutrinárias e

facilitar a aplicação aos casos concretos.

Mas esta lógica não foi observada pela Lei 11.107/05. Além de disciplinar sobre o

tema de modo bastante diverso do que se vinha indicando pela teoria e aplicando na prática,

ainda apresenta um grau de complexidade técnica que tem dificultado sua implantação.

Assim, para que seja facilitada a compreensão da proposta legislativa, o exame

enfocou no primeiro capítulo desta terceira parte as bases constitucionais que justificaram e

permitiram a edição da Lei em questão. Neste aspecto, apontam-se elementos que afastam

eventual argüição de inconstitucionalidade, seja formal (quanto à competência legislativa da

União federal para sua regulamentação), seja material (sobre a extensão do conteúdo trazido

pela lei).

Sem dúvida, a grande novidade do texto legal é a atribuição de personalidade

jurídica ao consórcio público, mas que na edição da Lei, por imprecisão da técnica do

legislador, confunde-se com a sua instrumentalização, ou seja, simultaneamente, a Lei trata da

criação de nova pessoa jurídica e do modo como esta operará no sistema.

Portanto, faz-se necessária a análise, em partes separadas, dos itens

correspondentes à personificação dos consórcios públicos, para, então, tratar da sua

instrumentalização, enquanto contrato administrativo.

Finalizada esta etapa, definindo e caracterizando o novo instrumento de

cooperação interfederativa inserido no sistema jurídico nacional, destacam-se questões

relevantes decorrentes da aplicação legislativa, que poderão tumultuar e dificultar a efetiva

implementação dessa medida. São elas: o controle pelo Tribunal de Contas, a

Responsabilidade Civil por ato do próprio consórcio público e de seus agentes, as alterações

nas regras do processo licitatório em que os consórcios públicos são parte e, por fim, a

questão sobre a coexistências de instrumentos associativos similares que foram instituídos

antes da publicação da Lei.

Esgotados todos os referenciais teóricos a que se propões esta pesquisa, parte-se à

conclusão final.

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PARTE I

A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E A INTEGRAÇÃO DE SUAS

COMPETÊNCIAS

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CAPÍTULO I

O FEDERALISMO DE COOPERAÇÃO E O

DESENVOLVIMENTO NACIONAL: A REALIDADE BRASILEIRA

1. A Federação como modelo2 organizativo de Estado

Para que seja cumprida a proposta deste capítulo, é preciso considerar,

previamente, que a forma de Estado estabelecida no modelo brasileiro considerou realidades

distintas que foram aplicadas sobre antigos conceitos, cujo resultado obtido tem sido

conturbado. Não se pretende revolucionar o conceito de sistema federativo, mas, sim, a partir

de uma realidade própria e objetiva, indicar melhorias e reavaliar os problemas.

Afinal, o Estado é, antes de tudo, uma organização. Organização de pessoas,

territórios, estrutura, atribuições e normas. Toma-se, neste contexto, o Estado como núcleo

que reúne a capacidade concentrada de deliberar politicamente, isto é, “capacidade de tomada

de decisões de forma a controlar, coordenar e dirigir a comunidade, em determinado contexto

histórico” 3, considerando, inclusive, “questões de estrutura de valores dentro dos quais a vida

pública será conduzida; assim, da concepção de Estado decorrem conseqüências no contexto

das instituições públicas, sobretudo governamental e administrativa” 4.

Considerando o modo como o poder é distribuído e organizado, importante

analisar o tema sob a ótica da Teoria Geral do Estado, que, inevitavelmente, absorve as

transformações da sociedade contemporânea, marcadas, dentre outros elementos, pela

fragmentação social e internacionalização da economia.

2 Como adverte Dalmo de Abreu Dallari, “ainda que se rejeite a expressão modelo, por outras conotações que possa implicar, fica ressaltada a idéia de que o Direito, e conseqüentemente qualquer ordem jurídica deve ter fundamento na experiência, refletindo a realidade social, o que não elimina a existência de normas eficazes, ao mesmo tempo em que deixa aberto o caminho a uma permanente transformação” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado 2003, p. 141) 3 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. 2002, p. 27. 4 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2003, p. 77.

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De acordo com a doutrina tradicional, são duas as formas de Estado: unitário e

federal. Cada modelo é resposta a uma circunstância histórica ou político-social. Assim,

qualquer teoria que não inicie o estudo empírico de cada caso concreto estará distante de uma

ciência da realidade.

1.1. A unidade do Estado federal

Unidade é a característica essencial da forma de organização política a que se

denomina Estado. Logo, todo Estado é unitário. Por isso dizer que o federalismo é “uma

teoria política, uma técnica política cujo influxo se estende não só ao plano do Estado, mas

também ao âmbito social, cultural e a determinados fenômenos das relações internacionais” 5.

Em nenhuma de suas formulações, o Estado federal é posto como antítese à

unidade; pelo contrário, o federalismo busca a unidade do múltiplo em respeito à pluralidade,

negando o absolutismo e afirmando a relatividade. Afinal, o Estado, em si, é uma unidade

organizada de decisão e ação. A idéia de unidade, nesta perspectiva, é inerente ao Estado.

Para José Juan Gonzáles Encinar “quando uma comunidade política se constitui

em Estado, quando os homens se agrupam politicamente em forma de Estado, o fazem

precisamente para conseguir uma unidade de paz, uma unidade de decisão e uma unidade de

poder” 6.

Neste raciocínio, todo Estado é unitário porque busca a unidade para assegurar

que o convívio social se resolva por procedimentos juridicamente ordenados, o que, para

tanto, exige unidade de decisão sobre as normas e a unidade do poder que a garanta. Por isso

diz-se que mesmo “num Estado federal a unidade é o resultado de um processo de integração,

em que a autonomia não se limita a ser um objeto passivo (garantia), mas é, essencialmente,

sujeito ativo na formação desta unidade estatal (participação)” 7.

Todavia, válido ressaltar que não se confunde a unidade do Estado com a

centralização de competências. O Estado, como forma de organização política capaz de

assegurar a unidade, existe em virtude de um mínimo de centralização, ou seja, “centralização

e descentralização não são duas alternativas contraposta, mas, sim, duas realidades presentes

5 GONZÁLES ENCINAR, José Juan. El Estado Unitario-Federal. 1985, p. 81. 6 Ibidem, p. 59. 7 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. 2004, p. 10.

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sempre (como complementares), no âmbito da organização” 8. Esta unidade de atuação não

significa, necessariamente, centralização. São duas as idéias em questão: a centralização e a

homogeneização. Gilberto Bercovicidiferencia-as explicando que:

[...] com a centralização há a concentração de poderes na esfera federal, debilitando os entes federados em favor do poder central; já a homogeneização é baseada na cooperação, pois se trata do processo de redução das desigualdades regionais em favor de uma progressiva igualação das condições sociais de vida em todo o território nacional. 9

Em regra, a forma federativa de Estado é apresentada como modelo alternativo

aos Estados Unitários, ou seja, aqueles que concentram o centro de decisão política num único

pólo.

No entanto, ressalta-se que, uns dos propósitos do federalismo são a consecução e

manutenção da unidade e da diversidade de interesses de seus membros, ou seja, é afirmar que

“basicamente, a federação pretende a unidade na diversidade, procurando unir unidades

heterogêneas em torno de um conjunto de regras comuns, dando-lhes certa homogeneidade”;

mas, ao mesmo tempo, “pretende que essa unidade preserve a diferenciação entre os

elementos componentes da federação, respeitando a identidade cultural e política de cada

um”10.

A estrutura federativa pressupõe a diversidade de Governos que devem conjugá-

los harmonicamente, de forma dinâmica e que proporcionem resultado positivo no

desempenho de suas atribuições. O Estado federal é, na verdade, uma forma de

descentralização do poder, de descentralização geográfica do poder do Estado e, também, de

descentralização funcional do poder. A combinação destas “amplia, significativamente, o

sistema de proteção à liberdade e propicia a prática da democracia; pois, quanto mais perto

estiver a sede do poder decisório daqueles que a ele estão sujeitos, mais probabilidade existe o

poder de ser democrático” 11.

Por isso, afirma-se não haver um conceito único de Estado federal capaz de dar

razão à variedade que existe na estrutura organizativa do Estado. Nele, os entes federados

8 GONZÁLES ENCINAR, José Juan. Obra citada. p. 109. 9 BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. p. 57. 10 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. 1986, p. 51. 11 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. 1997., p. 383.

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recebem da Constituição suas competências, seus poderes e atribuições de encargos, sem que

seja necessária complementação de lei infraconstitucional.

1.2. Federalismo Dual e Federalismo Cooperativo

Como referência teórica original, necessário o estudo dos modelos de federalismo

a partir da teoria norte-americana, e, depois, da alemã. Afinal, foram eles os inspiradores da

formatação federativa brasileira.

Um dos postulados básicos do federalismo norte-americano foi a criação de duas

esferas de decisão, dois centros de governo soberanos e iguais. Em outras palavras é afirmar a

independência recíproca em qualquer subordinação entre um e outro. Esta separação absoluta

de competências do federalismo foi denominada federalismo dualista ou dual.

O federalismo dual tem esta denominação por estabelecer duas esferas autônomas

no mesmo plano territorial: União federal e Estados-Membros. Conforme Roberta Camineiro

Baggio “a principal realização do federalismo dual norte-americano foi garantir a não-

intervenção estatal nos assuntos econômicos e a supremacia dos interesses privados,

utilizando como bandeira principal a defesa dos direitos políticos e civis” 12.

Autonomia esta em razão do perfil não-interventor do Estado nas relações sociais

ou econômicas da comunidade. Ensina Dalmo de Abreu Dallari que:

[..] no caso norte-americano, o federalismo foi uma das causas do estabelecimento do Estado rigorosamente não-intervencionista, com todas as conseqüências dessa diretriz, o que demonstra que a opção pela forma centralizada ou federativa de Estado afeta pontos fundamentais da organização social, política e econômica de um povo, com possíveis repercussões sobre a vida de outros povos13.

Importante aqui destacar a relação articular entre a forma de Estado e o modo

interventivo nas relações sócio-econômicas da comunidade do Estado. É, de fato,

“inquestionável a existência de uma relação entre os modelos de Estado e as teorias das

12 BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re) formulação da federação brasileira. 2006, p. 35. 13 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal.1986, p. 42.

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formas de atuação da Administração Pública, pois aquele modelo adotado em certo momento

e em certo local, guarda estreita relação com as funções pertinentes à respectiva

Administração Pública” 14 .

A intervenção do Estado na ordem econômica15 representa redefinição de seu

papel e, diretamente, repercute na atuação da Administração Pública, pois “as modificações

no sistema federativo decorrem em muitos aspectos, das formulações econômicas, decorrentes

das novas noções sobre o próprio conceito de Estado e de suas tarefas” 16. O Estado Liberal

organizou-se de maneira a cumprir funções referentes à segurança e organização institucional

administrativa, com a delimitação de poderes, apenas observando a ordem social,

preservando, basicamente, o caráter individualista da sociedade. Por tal razão, foi denominado

de “Estado Mínimo”.

O federalismo dual caracteriza-se, neste aspecto, pela não-intervenção do poder

público nas questões da ordem econômica em quaisquer esferas de poder.

Pontualmente, na histórica norte-americana, quando da crise do modelo liberal, o

Presidente Franklin Roosevelt determinou a redefinição do papel do Governo e implantou

nova política que concluiu pelo abandono do liberalismo e intervenção do Estado na vida

social. Com tal medida, inevitavelmente, houve um fortalecimento da unidade central

federativa. No entanto, “a centralização excessiva foi posta de lado quando o Governo Federal

se deu conta da necessidade de colaboração dos poderes subnacionais para realização do

14 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 62. 15 Examinar as formas de intervenção estatal no domínio econômico mostra-se relevante sob o aspecto organizacional adotado. Teoricamente, distinguem-se radicalmente dois tipos de organização econômica: a primeira é a chamada economia descentralizada, que se caracteriza pelo primado das leis de mercado, na qual o Estado exerce somente uma intervenção indireta e global, precisamente para preservar-se das práticas que possam distorcê-lo; outra é a economia centralizada, na qual o Estado é o centro de todas as decisões, efetuando um planejamento dominante e irrefragável, em que as normas jurídicas tentam impor-se sobre as leis econômicas na suposição de discipliná-las. De uma forma ou de outra, a função do Estado é zelar pelo interesse geral. Para José Alfredo de Oliveira Baracho “a intervenção do Estado contemporâneo é um dado que não se pode ser abandonado, quando se fala em federalismo. A sua presença é constante em todos os estudos dedicados à transformação por que passam todos os modelos de federalismo. Como característica moderna, que aponta o crescimento contínuo da atividade econômica estatal, o federalismo não poderia deixar de sofrer a influência proveniente das formas de intervenção. As Constituições, refletindo essas tendências, passaram a conter extensa ordem constitucional-econômica. Dessa ampliação do conteúdo das constituições, surgiram a necessidade de atualização de muitas instituições para que pudessem satisfazer as solicitações emanadas dos textos constitucionais. As entidades componentes da Federação sofreram, em profundidade, em sua estrutura, para atendimento das novas medidas provenientes de nova concepção do próprio Estado, que passava a alargar os processo de condicionamento da atividade econômica” (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. 1986, p. 243). 16 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 236.

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programa proposto: passou-se a enfatizar não mais a competição, mas a coordenação e

cooperação entre União e Estados” 17.

No modelo norte-americano, “o aumento da intervenção do governo central nas

questões sociais pôs em crise a concepção do federalismo dual, abrindo espaço para uma nova

configuração das relações federativas, denominada federalismo cooperativo”, isto é, “no

período do federalismo cooperativo, os Estados-membros sempre contribuíram na execução

dos programas sociais, porém, a responsabilidade central pela elaboração e manutenção de

tais programas era do governo central”. 18

Na análise de Janice Helena Ferri, entre as muitas interpretações do federalismo

americano, as mais destacadas foram o federalismo dualista e o federalismo cooperativo,

porque:

[...]o primeiro deles teve o seu papel para limitar a atividade normativa estatal, uma vez que nesse modelo, tanto o governo federal quanto os Estados são soberanos em suas próprias esferas de atividade; já o federalismo cooperativo estabeleceu uma interação federal-estadual, para a definição de alguns objetivos comum 19.

Segundo Sueli Gandolfi Dallari, “o federalismo cooperativo introduziu a

possibilidade de execução conjunta das tarefas governamentais, admitindo, portanto, a

participação de mais de uma esfera política nesse trabalho” 20.

Sob qualquer hipótese, o federalismo de cooperação propõe a atuação do estatal,

não só normativamente, mas também exercendo tarefas concretas a fim de atender ao

interesses populares.

De outra parte, em razão deste intervencionismo, o Estado teve que assumir

funções e tarefas que até então não lhe competiam. Assim, para que fosse possível o amparo

clamado pela sociedade, necessária foi a colaboração entre as unidades federadas – Governo

central e periférico – para satisfação desses interesses. Falava-se, então, em federalismo

cooperativo. Destaca-se, todavia, que a passagem do período não-intervencionista para o

intervencionista ocorreu gradualmente.

17 BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. p. 21. 18 BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada, pp. 44 - 58. 19 FERRERI, Janice Helena. A federação in Por uma nova federação. Celso Ribeiro Bastos (Coordenador). 1995, p. 21. 20 DALLARI, Sueli Goandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde. 1995, p. 39.

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Logo, de maneira evolutiva, constatou-se no Estado Social o clamor da sociedade

pela atuação mais próxima por parte do Estado. Diversas atividades, antes própria da

iniciativa privada, foram assumidas pelo poder público.

Como conseqüência, quase inevitável, com a ampliação da sua esfera de atuação e

subseqüente impossibilidade de cumprimento, o Estado redefiniu o modelo de

intervencionismo na vida social reduzindo os limites entre o público e o privado, vendo

estimulada sua atitude intervencionista, pelos grupos que a ele se opunham.

Seguiu-se ao Estado Democrático de Direito21, cujo modelo prevê mecanismos de

contenção do poder, destinados a assegurar um mínimo de ação estatal, deixando aos próprios

indivíduos a tarefa de promoção de seus interesses, conforme exigências da comunidade sobre

circunstâncias próprias; e, ao governante, cabendo a eles a decisão pelas diretrizes

fundamentais do Estado.

Numa referência diversa, sob a ótica do federalismo alemão, o conceito de

federalismo cooperativo designa a cooperação dos Estados entre si e dos Estados com a

federação, já que a cooperação é imanente ao federalismo, e não como alternativa ao fracasso

dualista do modelo norte-americano. Para Klaus Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder e

Gebhard Ziller, o federalismo cooperativo

[..]expressaria, sobretudo o compromisso de coordenação e cooperação entre a União e os Estados e dos Estados entre si, a colaboração entre todos os que têm uma tarefa estatal a desempenhar em benefício dos cidadãos [...] (pois) na medida em que há coordenação e cooperação na federação, há várias formas de interdependência entre os agentes nos diversos âmbitos e nos diferentes planos de ação 22.

Ainda sobre o federalismo na Alemanha, Joachin Jens Hess ensina que a principal

característica deste modelo é a interdependência dos vários níveis de Governo, ou seja, “a

estrutura do sistema intergovernamental da Alemanha Ocidental é caracterizada por um

21 Sobre este modelo, acresce Odete Medauar que “as dimensões social, democrático e de direito caracterizam os Estados contemporâneos do mundo ocidental. Mesmo que a Constituição não preveja o termos “social” agregado aos qualificativos democrático e de direito, como ocorre na brasileira, indubitável é a preocupação social, extraída do conjunto de preceitos aí contidos. A experiência de Estados caracterizados constitucionalmente pela tríplice dimensão, que hoje desfrutam de elevado nível econômico, social e de respeito aos direitos fundamentais, demonstra a possível conciliação, na prática, dos três elementos”. (MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2003, p. 109). 22 ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência política no federalismo cooperativo in Federalismo na Alemanha. 1995, p. 107.

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extenso entrelaçamento e interdependência entre os níveis de governo e pela coordenação e

cooperação entre os governos federal, estaduais e locais” 23.

De forma neutra, independentemente da Nação tomada em referência, analisando

o federalismo na atualidade, adverte Gilberto Bercovici que “as tensões do federalismo

contemporâneo, situadas basicamente entre a exigência da atuação uniformizada e harmônica

de todos os entes federados e o pluralismo federal, são resolvidas em boa parte por meio da

colaboração e atuação conjunta das diversas instâncias federais” 24.

Do mesmo modo, diz Daniel J. Elazar que “reflete no esforço de tratar do

problema de criar e de manter a unidade onde a diversidade das políticas deve ser acomodada

e, ao mesmo tempo, é uma expressão do interesse e do esforço em tentar impedir a

concentração simples do poder em um único centro” 25.

Em síntese é possível afirmar que o federalismo, enquanto forma organizativa de

Estado,

[...]deve cumprir, sobretudo duas funções: a divisão do poder por meio de separação vertical dos poderes (e a proteção das minorias por meio da independência territorial) e a integração de sociedades heterogêneas, onde se aspira preponderantemente à inclusão econômica (mas também política) com a simultânea independência sócio-cultural e autonomia políticas dos estados-membros.26

Estabelecidos os elementos significativos para a compreensão acerca da forma

federativa de Estado e suas modalidades, passa-se a compreensão deste modelo na evolução

organizativa da Nação brasileira.

2. O federalismo no contexto da evolução do Estado brasileiro

A forma federativa foi instituída no Brasil por meio de ato legislativo (Decreto n.

01, de 15 de novembro de 1889), quando as Províncias foram transformadas em Estados e a

Constituição de 1891, modelado no sistema dualista da Constituição norte-americana,

23 HESSE, Joachin Jens. República Federal da Alemanha: do federalismo cooperativo à elaboração de política conjunta in Federalismo na Alemanha. 1995, p. 118. 24 BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. 2004, 58. 25 ELAZAR, Daniel J. Expolring Federalism. 1991, p. 40. 26 SCHULTZE, Rainer-Olaf. Federalismo in Federalismo na Alemanha. 1995, p. 15.

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consagrou os Governos Federal e Estaduais. Apesar da relevância social das municipalidades,

não foram os Municípios contemplados pela autonomia federativa.

Constituiu este texto constitucional, a reestruturação total das bases políticas,

administrativas e jurídicas do país: regime de Governo a República Federativa, o

presidencialismo, o voto para os maiores de vinte e um anos, a repartição dos poderes em três

níveis: executivo, legislativo e judiciário e a indissolubilidade da federação.

A crítica de Janice Helena Ferreri aponta que

[...] historicamente, justifica-se a influência dos ideais do federalismo americano sobre os republicanos brasileiros, mas é importante ressaltar que tal influência culminou na mais absoluta alienação constitucional, uma vez que tornou-se praticamente impossível adaptar os fatos da realidade, ao modelo importado, produto de cultura diversa, inspirada pelo direito anglo-saxão e gerado por uma conjuntura histórica inteiramente distante do mundo latino-americano27.

Somente no texto constitucional de 1934, a federação brasileira distribuiu as

competências concorrentes, enfatizando a solidariedade entre União e Estados. Todavia, na

prática, não houve transferência de autonomia política dos Estado, mas, sim, pelas oligarquias

regionais; houve favorecimento de alguns Estados, proporcionando desenvolvimento

desequilibrado e disforme. Com caminho aberto para a democracia social, a partir de 1934, o

federalismo pátrio caracterizou-se pelo auxílio nos investimentos, subsídios e incentivos da

União federal e estados membros a fim de cumprir os anseios sociais descritos na carta

política.

Com o Estado Novo, em 1937, foi decretada intervenção federal nos Estados. A

proposta do Governo de Getúlio Vargas foi a modernização do país por meio da

industrialização. Com isso, deu-se uma forte centralização que neutralizou o poder das

oligarquias regionais, além da criação de uma estrutura estatal maior que pudesse substituir a

ação dessas oligarquias. Pelo que se observa, a República Federativa foi mantida, mas com

um forte caráter centralizador da União.

A Constituição de 1937 aumentou os poderes do Presidente da República,

concentrando o aparato administrativo e político na esfera federal. Conseqüentemente, pela

27 FERRERI, Janice Helena. Obra citada. 1995, p. 15.

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neutralização política dos entes federados e “com a deterioração de toda e qualquer autonomia

dos Estados e Municípios, a ditadura militar não só transformou o sistema federativo

brasileiro em algo impraticável, como também reforçou as elites regionais, ficando refém de

seus interesses” 28.

Portanto, no período que compreendeu as décadas de 30 e 40, a federação

brasileira passou do modelo cooperativo, incentivado pela união dos Governos central e

periférico, para o chamado federalismo de centralização29 com acúmulo de poder nas mãos da

União Federal, centralizando as competências constitucionais a cargo do poder central em

detrimento dos Estados-Membros.

Nas duas décadas que se seguiram, entre os anos 45 e 64, a organização federativa

de Estado sempre foi formalmente mantida.

A Constituição de 1946 resgatou o federalismo cooperativista, com objetivo muito

claro de reduzir as desigualdades regionais que se apresentaram, como conseqüência do

desequilíbrio federativo praticado até então. A questão regional ganhou força como política

desenvolvimentista, a partir da colaboração de todos os entes federados em busca da

integração nacional. Aumentou a autonomia dos Municípios e acabou com a possibilidade de

intervenção federal nos Estados.

Com o Golpe Militar de 1964, resgatou-se a o federalismo de centralização. O

Governo Federal retomou uma série de tarefas e poderes. Politicamente desarticulados, os

Estados-Membros ficaram sem força de atuação. A pretexto da integração nacional, “todos os

instrumentos de promoção do desenvolvimento econômico foram centralizados na União”, a

quem foram “atribuídos poderes necessários para dirigir a política nacional, evitar conflitos

com as unidades federadas e promover o desenvolvimento econômico” 30.

28 BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p. 104. 29 Este federalismo de centralização decorre do modelo dual apresentado; todavia, com um desequilíbrio na distribuição de competências entre a União e os Estados-Membros, ou seja, a maior parte das atribuições e poderes da Nação ficam a cargo do poder central, em detrimento ao periférico. No Brasil, este modelo coincidiu com todos os períodos de regime político autoritário que teve na história. Confirmando este raciocínio, José Alfredo de Oliveira Baracho conclui que “a teoria geral do federalismo depara com determinadas estruturas políticas que apresentam características peculiares, pois refletem a influência da ideologia consagrada”, ou seja, “desde que os regimes partem para formas autoritária, normalmente, o processo federal sofre estas conseqüências, pois dentro desta perspectiva as formas centralizadoras refletem, de maneira imediata, na forma de Estado, quando surgem princípios que consagram o poder ilimitado. Algumas medidas, aparentemente, não são tomadas contra a democracia, mas até em termos de proteção social ou de regular as necessidades das várias classes sociais. As transformações econômicas, que são tratadas com bastante intensidade nos regimes políticos modernos, bem como as mudanças sociais, influem na determinação das modernas formas federais”. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 62) 30 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 51-52.

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Analisada rapidamente a evolução histórica nacional da forma federativa, é

oportuno contextualizar a discussão sob a égide da Constituição Federal de 1988 a partir da

consideração de elementos que subsidiaram a sua elaboração.

Mostra-nos Fabio Konder Comparato que

[...]o fio condutor do processo de formação do texto constitucional foi considerar as necessárias e inadiáveis transformações da sociedade brasileira, cujo texto deveria definir a origem e os limites de todos os poderes (não só os políticos, mas principalmente os econômicos e sociais), fixando os objetivos de mudança para alcançar no processo histórico e criar condições institucionais para a sua concretização. Para garantir efetividade sociológica e não só vigência jurídica, determinado sistema constitucional não pode ser estático e meramente declarativo, deve, antes, adaptar-se permanentemente às mutações sociais. 31.

Mesmo o modelo de federalismo implementado particularmente em 1988, com

indicativos e instrumentos de harmonia nacional, destacam-se o atraso econômico, a

desigualdade social e cultural, além da desequilibrada distribuição de renda perpetuados pelos

sistemas político e social. Para a reflexão acerca das estruturas institucionais e jurídicas do

modelo nacional, tais elementos devem ser considerados.

Há que se destacar no sistema federativo brasileiro vigente a “redefinição dos

papéis desempenhados pelos entes federados, distribuindo e descentralizando questões de

ordem política, administrativa e, principalmente, financeira, que ficaram centralizada durante

o regime militar” 32.

2.1 Federalismo de Cooperação na Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988 instituiu expressamente o federalismo cooperativo

dispondo matérias de competência comum entre todos os entes federados. Isto se justifica

“pelo fato de que num Estado intervencionista e voltado à implementação de políticas

públicas, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre

inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de tratamento uniforme em escala

31 COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. 1986, p. 12-13. 32 BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada, p. 110.

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nacional” 33: em assuntos da ordem econômica e social há necessidade de unidade no

planejamento e direção das tarefas.

Tecnicamente, considera-se cooperação como a institucionalização da atuação

conjunta e coordenada, de modo a produzir soluções dotadas de maior estabilidade, inclusive

para ampliação da legitimidade democrática e para a afirmação da eficiência da atividade

administrativa do Estado brasileiro.

Para Maria Paula Dallari Bucci, a idéia da cooperação entre os membros da

federação, embora seja conceitualmente simples, é intrincada na sua execução, pois a

federação é

[...]uma engrenagem complexa, que se revela ainda mais desafiadora na medida do crescimento das funções do Estado e de seu aparelho administrativo, cuja ampliação, ao contrário do que sugeria o apelo ao Estado-mínimo, não refluiu com o retrocesso do Estado social, mas resultou em alterações qualitativas das funções do Estado34.

O federalismo de cooperação, proposto pelo texto constitucional de 88,

proporciona a solução dos desníveis econômicos e sociais entre os entes federados dirigindo a

economia nacional, por um lado, e, por outro, reforça o papel da União Federal em relação

aos demais, transformando a relação em subordinativa, alterando, inclusive, a estrutura das

relações intergovernamentais. Perfil significativamente disposto pela leitura do art. 23.

Entretanto, há de se ressaltar que “no federalismo cooperativo não há nítida

fronteira demarcando as competências dos entes regionais e o central, conferindo-lhes, com

freqüência, competências comuns e concorrentes, de modo que ajam em colaboração

recíproca para a solução de problemas sociais e econômicos” 35. Este movimento decorre das

complexas questões econômicas, financeiras e sociais que demandam certa organização

estatal integrada.

33 BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. 2004, p. 57-58. 34 BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas In: WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. 2004, pp. 549. 35 TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 218-219.

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A virtude da cooperação “é a de buscar resultados unitários e uniformizadores

sem esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União, mas

ressaltando a sua complementaridade” 36.

A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em

inúmeras matérias e programas de interesse comum. Todos os entes federados devem

colaborar para a execução dessas tarefas; logo, as responsabilidades também serão comuns,

ou seja, nenhum ente poderá eximir-se de implementá-las. Refletindo, assim, em dois os

momentos de decisão na cooperação:

[...]o primeiro se dá em nível federal, quando se determina, conjuntamente, as medidas a serem adotadas, uniformizando-se a atuação de todos os poderes estatais competentes em determinadas matérias; o segundo momento ocorre em nível estadual ou municipal, quando cada ente federado adapta a decisão tomada em conjunto às suas características e necessidades.37

Portanto, a decisão é conjunta, mas a execução pode ou não se realizar de maneira

separada. Isso dependerá da matéria em questão.

Não se pode olvidar, de outra parte, que, desde o processo de redemocratização do

país, importantes modificações foram implementadas na estrutura federativa brasileira,

notadamente no que diz respeito à distribuição do poder político e ao relacionamento entre os

entes federativos.

Após a promulgação da atual Constituição, juntamente com a autonomia

municipal, a descentralização do poder político passou a ser vista como o remédio para todos

os males da sociedade brasileira até então. Todavia, o que se há de destacar é que tanto uma

quanto outra dependem – para realização positiva – de planejamento e coordenação entre os

entes. Por isso, qualquer estudo feito sobre o assunto deve levar em consideração o Estado

brasileiro, naquilo que se refere ao poder político e políticas públicas por ele adotadas.

Em termos econômicos, a principal questão que aflige o federalismo é a de como

compatibilizar a autonomia das unidades federativas periféricas com a necessidade, cada vez

mais imperiosa, de se planejar e promover o desenvolvimento econômico nacional. Para isso,

36 BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. p. 58. 37 Ibidem. p. 61.

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35

[...] propõe-se a conciliação entre a necessidade de centralização das decisões no nível de racionalização dos empreendimentos com a descentralização das decisões políticas no tocante aos problemas regionais e locais, sempre se levando em conta que a autonomia regional ou local não tem sentido senão em relação ao todo, ao conjunto federal [...] a cooperação é uma espécie de planejamento, ao elaborar critérios conjuntos e uniformes de atuação da União e entes federados sem violar a repartição constitucional de competências – trata-se de um planejamento coordenado a partir da anuência de todos os titulares de funções estatais 38.

Em última instância, “o modelo do federalismo cooperativo centra-se na

percepção que os entes federados devem buscar compartilhar ações de políticas públicas, pois

nesta perspectiva, otimizaria as ações públicas e propiciaria a adoção de políticas

redistributivas, estimulando uma maior integração entre as políticas públicas” 39.

O Estado brasileiro pela forma federativa do tipo cooperativo buscou, por meio de

suas regras constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo

equilibrado e com a soma de esforços, os objetivos traçados pela República, por meio de

escolhas políticas que devem ser feitas ao longo do processo de desenvolvimento nacional.

Toma-se o consórcio púbico como instrumento político de Estado, por meio do qual atenderá,

além da prestação de serviços públicos, também, o planejamento e execução de ações que

envolvam políticas públicas.

Não é plausível, como adverte Gilberto Bercovici, “um Estado federal em que não

haja um mínimo de colaboração entre os diversos níveis de governo, já que faz parte da

própria concepção de federalismo esta colaboração mútua” 40.

Agora há a possibilidade de cooperação pela forma de gestão associada, por meios

de consórcios públicos e convênios de cooperação, que expressamente disposto no art. 241 do

texto constitucional. Sem, contudo, que tenha sido especificado o tipo de atividade objeto do

ajuste. Dependente de regulamentação restou a parte final do dispositivo, que vem permitir ou

facilitar a gestão compartilhada, na medida em que transfere encargos, serviços, pessoal e

bens de uma pessoa jurídica para outra, de modo a garantir a continuidade dos serviços

transferidos.

38 BERCOVICI , Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 209-210. 39 ROCHA, Carlos Vasconcelos; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Descentralização e cooperação intermunicipal no Brasil. Disponível no site <http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/carlosRocha_carlosFaria.pdf.>. Acesso em 27 de abril de 2006. 40 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p.150-152.

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36

Mas o fato é que se pode afirmar que este dispositivo absorveu grande parte das

competências comuns previstas no art. 23, pois o cerne da cooperação interfederativa é a

possibilidade de transferência de encargos e meios – pessoal e bens – entre os entes para a

realização e gestão dos serviços associados.

Destaca-se que a relação intergovernamental, segundo Daniel J. Elazar, “pode ser

vista como um fenômeno universal, para ser encontrado sempre onde dois ou mais governos

interagem ao desenvolvimento e execução de programas e políticas públicas” 41.

Com maior segurança, identifica-se a intenção do legislador em ratificar, por meio

de novos instrumentos, a necessidade de atuação cooperada entre o poder público, pessoas

jurídicas por ele criadas e a sociedade, para o bem geral de todos.

Para Floriano Azevedo Marques Neto:

[..] a noção de consórcio nos remete à idéia de conjugação, ao somatório de esforços e ao concurso de meios e capacidades para que dois ou mais entes atinjam objetivos no todo ou em parte comuns, convergindo e concertando seus esforços. [...] ínsito ao conceito, também está o fato de que a reunião de consortes não há de levar ao desaparecimento destes, na medida que é pressuposto do ente consorcial que os seus instituidores sigam tendo existência jurídica própria, apartada do consórcio42.

Considerando simultaneamente o ideal cooperativo, a complexidade e a

diversidade de interesses entre os variados níveis territoriais, encontram-se no texto

constitucional elementos que nortearão a responsabilidade sobre o cumprimento dessas

responsabilidades.

Neste contexto, o principio da subsidiariedade auxilia na circunscrição das

competências constitucionais dos entes federativos e na obrigação de cumpri-las. Em suma,

vem indicar parâmetros para uma distribuição subsidiária das competências e poderes entre

autoridades de distintos níveis, públicas ou não, visando ao atendimento das demandas sociais

de modo mais eficiente, observando, sempre, os valores e vontades da sociedade.

41 ELAZAR, Daniel J. Expolring Federalism. 1991, p. 16. Tradução livre. 42 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:<http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf>. Acesso em 30 de março de 2005.

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2.2. O Princípio da Subsidiariedade na federação brasileira

O estudo do princípio da subsidiariedade no modelo brasileiro justifica-se em

razão da previsão constitucional da competência suplementar dos entes periféricos frente à

legislação federal. Invoca-se, portanto, o principio da subsidiariedade, “como critério de

distribuição de competências entre os indivíduos, os grupos sociais e o Estado, a quem é

atribuída uma missão cujo propósito é de encorajar, estimular, coordenar e, em último caso,

substituir a ação dos indivíduos e dos grupos” 43.

Adverte Germán Fernández Farreres que se poderia pensar que a doutrina da

subsidiariedade estatal se encontra em meio às transformações da Administração e da

sociedade, ou seja, que “a aplicação da subsidiariedade marcaria a identidade da nova

Administração, bem diferente daquela que se concretizou no Estado Social, a partir da

segunda metade do século passado”. Mas de fato, hoje, “a subsidiariedade inspira ação

política e de governo, enquanto princípio jurídico positivado ou não” 44-45.

Afinal, o princípio da subsidiariedade vem contribuir para o estabelecimento de

uma relação equilibrada entre o próprio poder público e entre este e os cidadãos.

Diz Silvia Faber Torres que

43 TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 03. 44 FERNÁNDEZ FARRERES, Germán. Reflexiones sobre ele valor juridico de la doctrina de la subsidiariedad en el derecho administraivo español. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.): Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. 2003, p. 492-493. 45 No ordenamento jurídico espanhol, não assumiu o critério da subsidiariedade o limite à ação econômica do poder público. A Constituição de 1978 não recorreu a este princípio como critério ordenador das relações de competência entre as diversas instâncias políticas e administrativa na nova estrutura territorial do Estado, entre Estado, Comunidades Autônomas e Entidades Locais. Diferente do tratamento dado ao assunto pelo Tratado da União Européia que considerou a subsidiariedade como princípio jurídico. No âmbito comunitário, a subsidiariedade opera como um critério de atuação ou de exercício das competências flexíveis e dinâmicas em função das circunstâncias, podendo operar tanto em favor dos Estados como em favor da Comunidade. Aqui, a subsidiariedade atua em dupla direção: como mecanismo que condiciona a intervenção comunitária, ou como mecanismo que aprecie e valore a suficiência ou insuficiência da ação dos Estado frente à ação comunitária. No ordenamento jurídico espanhol não se pode dizer que a subsidiariedade foi assumida enquanto principio jurídico ordenador da posição do Estado ante às atividades econômicas, nem tampouco, com um critério de caráter organizativo dos diversos níveis administrativos. Neste sistema jurídico, a subsidiariedade é um critério absolutamente supérfluo no que se refere à articulação das competências entre as diferentes instâncias – estatal, autonômicas e locias – em que foi estruturado territorialmente o Estado espanhol. Em conclusão, é possível afirma que o princípio da subsidiariedade não encontra fundamento no ordenamento jurídico espanhol, pois não é critério no qual se apóia o sistema de divisão de competências e organização administrativa, nem mesmo é critério que ordena a intervenção pública na economia. (FERNÁNDEZ FARRERES, Germán. Obra citada., pp. 491-529).

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a subsidiariedade foi oportunamente acolhida pelo direito público como princípio diretor de um sistema ideal de distribuição de competências entre a comunidade maior e a comunidade menor, pelo qual os poderes devem ser exercidos de forma mais próxima possível do cidadão, só devendo as instâncias superiores intervir em nome da eficácia e da necessidade 46.

Portanto, tem por elemento essencial a descentralização, não só política – na

distribuição das competências constitucionais –, mas, também, administrativa – na criação de

estrutura que coíba a atribuição à autoridade centralizada de tarefas que a entidade menor

pode realizar por si mesma.

Por isso afirmar que, no plano político, traduz-se no princípio federativo,

empregando-se como critério de repartição de competência entre as diversas esferas

federativas. E, no plano administrativo, a previsão constitucional de inúmeros instrumentos de

descentralização da função administrativa.

Das modificações trazidas pelo Tratado de Maastricht, em 7 de fevereiro de 1992,

à então Comunidade Econômica Européia, há de se destacar a inclusão do princípio da

subsidiariedade como elemento chave não só da regulação das relações entre a União

Européia e seus Estados-Membros, mas também sua aplicação interna. Veio regulado no art.

3B do Tratado da Comunidade Economia, que foi modificado pelo artigo G do Tratado da

União Européia cujo teor garante que toda a comunidade atuará dentro dos limites das

competências que lhe atribui esse pacto e dos objetivos ali propostos. Assim, no âmbito que

não seja sua competência exclusiva, a Comunidade intervirá conforme o princípio da

subsidiariedade, somente na medida em que os objetivos da ação pretendida não possam ser

alcançados de maneira suficiente pelos Estados-Membros. Além deste, há outros dispositivos

no Tratado da União Européia que dispõem sobre tal princípio. O preâmbulo fala da

necessidade de que as decisões sejam tomadas da forma mais próxima possível dos

cidadãos.47

A noção de subsidiariedade é importante para justificar a atuação das autoridades

periféricas no fornecimento de infra-estrutura e bem-estar social. Neste aspecto, diz Bernard

Barraqué, que, “de todo modo, deve permanecer constante o debate sobre a capacidade de

46 TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 34-36. 47 GUTIÉRREZ COLOMINA, Venâncio. El protagonismo municipal en el desarrollo local: el parque tecnológico de Andalucía. In: Revista CIDOB d'afers internacionals, 1999, Núm. 47. Disponível no site: <http://www.cidob.org/castellano/publicaciones/Afers/47gutierrez.cfm>. Acesso em 23 de janeiro de 2006.

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governo dos diversos níveis territoriais, particularmente quanto aos serviços públicos, mas

com análises que vão além eficiência econômica, e atinjam as dimensões administrativa e

política” 48.

Discussões acerca da subsidiariedade e níveis de governo apropriado geralmente

limitam-se à eficiência e tendem a valorizar a maleabilidade das instituições periféricas, de

forma paradigmática, a ponto de otimizar sua atuação.

Todavia, apesar da próxima relação entre um e outro, adverte-se que

[...] o federalismo cooperativo, ligado ao desenvolvimento do Estado Social, não pode ser justificado a partir do princípio da subsidiariedade, pois, apesar de ser inegável a existência de várias conexões entre o federalismo e a subsidiariedade, não é deste princípio que deve ser extraída a legitimação político-constitucional do federalismo, que é derivada, sim, do princípio da solidariedade 49.

Tem-se que considerar, então, que o desenvolvimento material das condições de

vida social e econômica determina a exigência de se adotarem novas formas organizacionais

de relações humanas e institucionais.

A Constituição de 1988 demonstra harmonia com o princípio da subsidiariedade.

Há várias previsões50 que permitem a participação conjunta dos setores público e privado.

Também significativo sinal da incorporação do principio da subsidiariedade no

ordenamento constitucional brasileiro está no art. 23 ao instituir a competência comum, que,

“apesar de se referir praticamente a preceitos recomendatórios, o certo é que valorizou a

potencialidade de cooperação entre os entes federativos”51.

Parta tanto, toma-se tal princípio, na prática, como “nova doutrina de repartição

de poderes e consiste na adequada e precisa definição dos sucessivos níveis de concentração

do poder e das decorrentes descrições de competência, desde que necessárias para atender as

48 BARRAQUÉ, Bernard. Subidiary water in a complex Europe: decision levels, federalism and decentralisation. In: Anais do Seminário internacional de Estudos sobre Gestão de Recursos Hídricos: Foz do Iguaçu, 19-23 de abril de 1999. Disponível no site: <http://www.ufrgs.br/iph/barraque_subsidiary_ water_in_a_complex_europe.pdf.> Acesso em 23 de janeiro de 2006. 49 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 169. 50 Com maior ênfase nos assuntos que tratam sobre saúde (arts. 197 e 198, III), assistência social (art. 204, I), educação (arts. 205 e 206, IV), do meio ambiente (art. 225), entre outros. 51 TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 243.

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demandas da sociedade do modo mais eficiente possível, e sempre com respeito pelos espaços

de decisão menores, reservados, sucessivamente, aos indivíduos e aos grupos sociais”52.

Há de se destacar, particularmente, a vinculação das entidades locais com o

princípio da subsidiariedade, conceito este com diversos significados, mas que opera, de

qualquer modo, como princípio informador da cultura que trata de guiar as definições dos

interesses coletivos e de estabelecer qual âmbito do governo será melhor para levar a cabo

determinadas funções53.

Sob o aspecto organizacional, a partir da década de 90, com a discussão sobre a

Reforma do Estado, resgata-se a idéia de Estado baseado no princípio da subsidiariedade,

segundo o qual, de um lado, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular

tem condições de desempenhar por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos; de

outro, deve fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de sorte a permitir aos

particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de seus empreendimentos. Pois,

como lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a idéia de Estado Subsidiário, que embora bem

anterior a essa concepção, assume importância fundamental na definição do atual papel do

Estado, a quem cabe promover, estimular, criar condições para que o indivíduo se desenvolva

livremente dentro da sociedade” 54.

Não que se possa considerar que o perfil de subsidiariedade adotado pelo Estado

como suficiente para teorizá-lo com autonomia e considerá-lo como Estado Subsidiário. A

subsidiariedade apresenta-se, de certa forma, como opção de gestão administrativa, no sentido

vertical, quando das relações entre os governos central e locais e, no sentido horizontal, nas

relações entre grupos sociais ou entre estes e o público.

De todo modo, as decisões envolverão interesses comuns da coletividade, que

deverão ser tomadas, preferencialmente, pelas entidades mais próximas dos grupos locais,

deixando o governo central agir em caso da impossibilidade destes.

52 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A globalização e o Direito Administrativo. In: Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.), 2003, p. 556. 53 Diz Jesús López-Medel Báscones que desde um punto de vista administrativo implica que la autoridad debe ejercerse em ele nível más adecuado pra la más eficiente aplicación de lãs medidas de que se trate y que cualquier gobierno debe completar, no sustituir, la acción de los indivíduos y de los cuerpos intermédios, suponiendo, además, que la acción Del poder superior se legitima cuando la acción no puede ser ejercido por ele inferior, lo que centra la egitimidad de la acción em la eficácia.( LÓPEZ-MEDEL BÁSCONES, Jesús. Autonomía y descentralización local, 2003, p. 29). 54 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Parcerias na Administração Pública 2002., p. 28.

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2.3. Planejamento e desenvolvimento nacional: a busca pela cooperação interfederativa

Independente da forma de Estado adotada pelo constituinte é preciso também

examiná-lo sob o ponto de vista de sua operacionalização, a fim de proporcionar reformas

estruturais e institucionais que possam satisfazer os interesses e necessidades nacionais.

A complexidade, cada vez maior, das tarefas do Estado exige a observância da

função não só de colaboração, mas principalmente de coordenação, que não se resolve

exclusivamente com a criação novas estruturas organizacionais, mas na adaptação das

espécies clássicas para o desempenho de novas tarefas.

Neste movimento (sem considerar modelo autônomo), a concepção de Estado

Desenvolvimentista, analisada por Gilberto Bercovici, toma o desenvolvimento como

condição necessária para a realização do bem-estar social. Para o autor,

[...]o Estado é, através do planejamento, o principal promotor do desenvolvimento que para desempenhar tal função deve ter autonomia frente aos grupos sociais, ampliar suas funções e readequar seus órgãos e estrutura. Tais reformas estruturais são o aspecto essencial da política econômica, pois coordenando s decisões pelo planejamento, o Estado deve atuar de forma muito ampla e intensa para modificar as estruturas sócio-econômicas, bem como distribuir e descentralizar a renda, integrando, social e politicamente, a totalidade da população55.

É preciso considerar que o planejamento das ações do poder público é elemento

característico do Estado federal, que, em razão da diversidade de interesses em questão, deve

coordenar e articular as competências atribuídas a cada um dos entes. Afinal, se o

planejamento é elemento característico do Estado federal e o consórcio público é instrumento

de implementação do federalismo, então, deve este assumir, também, como sua função o

planejamento.

Neste perfil, o Estado é, para Luiz Carlos Bresser Pereira,

[...] uma instituição que organiza a ação coletiva dos cidadãos, por meio da Carta Política nacional e de todas as demais instituições jurídicas e legais que cria ou legitima, e é nessa qualidade que desempenha o papel econômico fundamental de institucionalizar os mercados e, também, de promover o

55 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 54, 58-59.

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desenvolvimento e segurança econômicos do país. Pois, o desenvolvimento econômico é quase invariavelmente fruto de uma estratégia nacional56.

Portanto, o desenvolvimento deve ser entendido como “uma questão também

pertinente à Teoria do Estado, por ser este o principal promotor do desenvolvimento do

Brasil” 57; afinal, as estruturas de poder e a política explicam sua direção, efetividade e

intensidade. Trata-se de condição necessária para a realização do bem-estar social.

Em primeira e última instância, o bem-estar social é o fim que busca o Estado

atingir. Considera Dalmo de Abreu Dallari que “o fim do Estado é o bem comum, entendido

este como o conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida

social que consistam em favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.

Em suma, “a finalidade do Estado é a busca do bem comum de um certo povo, situado em

determinado território”, de modo que “o desenvolvimento integral da personalidade dos

integrantes desse povo é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção

particular de bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo”58.

Nesse contexto, estabeleceu a Constituição de 1988 princípios59 de que as

diferentes unidades da federação brasileira devem cooperar entre si na realização dos

interesses nacionais. Essa colaboração “pode e deve dar-se por meio de definição de políticas

públicas afinadas, com estabelecimento de metas, diretrizes e planos que garantam mais

atuação de cada ente no desenvolvimento de suas respectivas atribuições” 60.

A garantia do desenvolvimento nacional, enquanto princípio constitucional,

determina que o Estado deve perseguir o desenvolvimento em atuação conjunta, devendo a

ordem econômica estar voltada para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Logo, diz respeito este dispositivo a um “desenvolvimento tanto no âmbito quantitativo como

56 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Instituições, bom Estado e reforma da gestão pública. In: REDE – Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado. Disponível no site: <http://www.direitodoestado.com.br.> Acesso em 07 de julho de 2005, p. 01 a 08. 57 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição., 2003, p. 29, 36-37. 58 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p. 107. 59 São chamados de princípios de integração, porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da marginalização regional ou social, sendo eles: a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego. 60 PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível no site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf>. Acesso: 30 de março de 2005, p. 10.

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qualitativo, uma vez que não significa apenas crescimento econômico, mas, principalmente,

elevação do nível social por meio da implementação de políticas públicas direcionadas para

toda a sociedade” 61. O estabelecimento de uma política desenvolvimentista representa certo

dirigismo estatal – e assim tem que ser – posto que os incrementos econômicos evidenciam

que o Estado conduz a atividade econômica do país para determinados rumos objetivando

alcançar certos objetivos.

Por sua vez, a redução das desigualdades regionais, antes de se consagrar como

princípio da ordem econômica constitucional, é, expressamente, um dos objetivos

fundamentais da República brasileira. Resta clara “a opção do constituinte de atribuir ao

modelo econômico uma finalidade dirigente da realidade econômica, em busca do chamado

Estado do Bem-Estar Social”. Assim, “a intervenção estatal na economia deve ser marcada

por esse pronunciado critério de eqüidade, quer na atuação por serviços diretamente prestados

à população, que por incentivos ou fomentos de caráter econômico” 62. Neste dispositivo,

supõe uma economia direcionada também ao homem e, não só, ao capital, devendo ser

suficientemente equilibrada para proporcionar à sociedade condições dignas de vida.

A idéia de que o grande objetivo nacional é o desenvolvimento e de que este

constitui um processo planejado de transformação global das estruturas organizacionais e

institucionais do país domina a ordem constitucional brasileira. A partir disso, diz-se que a

planificação do desenvolvimento, como função de eminente interesse público, não pode ser

confiada de modo exclusivo a agentes estatais, sem ligação com os grupos ou categorias

profissionais que forma a sociedade. Todavia, “a política de desenvolvimento nacional deve

estar livre das pequenas injunções da rivalidade pessoal ou partidária e, acima de tudo, criar

condições para que o interesse geral prevaleça sobre os interesses particulares” 63.

É possível, com isso, afirmar que o eixo central de toda a ordenação econômica e

social do Estado brasileiro é o planejamento que, por sua própria natureza, implica a periódica

fixação de objetivos gerais a serem atingidos e a mobilização de toda a sociedade para a

consecução desses objetivos.

61 TRAMONTIN, Odair. Incentivos públicos a empresas privadas e guerra fiscal. 2002, p. 57. 62 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 2001., p. 388. 63 COMPARATO, Fábio Obra citada. Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. Brasília: Editora Brasiliense, 1986, p. 24-26.

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O desenvolvimento é, também, um direito fundamental64 que deve ser respeitado,

garantido e promovido pelo Estado, enquanto principal formulador de políticas de

desenvolvimento, que passa a introduzir a dimensão política no cálculo econômico, buscando

a constituição de um sistema econômico nacional, pois os resultados das políticas econômicas

não dependem apenas de sua coerência econômica, mas também de sua viabilidade política e

das opções institucionais. De fato, no caso brasileiro, o processo de desenvolvimento funda-se

em decisões políticas65.

O segredo do desenvolvimento, desta forma, é o esforço produtivo. Assim, seja

qual for a orientação do governo e a teoria econômica que adotar, os inimigos a combater

continuarão sendo a improdutividade, o desperdício e a desorganização.

Neste contexto, acresce Hélio Beltrão que,

[...] os problemas do Brasil situam-se muito mais no campo da execução coordenada do que no planejamento propriamente dito, embora continue este sendo indispensável à ação governamental. Já que o desenvolvimento está longe de ser apenas um problema técnico: é antes de tudo, um compromisso político e uma responsabilidade coletiva 66.

Neste raciocínio é possível afirmar que sem uma gestão adequada do aparelho

estatal brasileiro não é possível romper o círculo vicioso que impede o desenvolvimento do

país. Por outro lado, as soluções meramente técnicas que não contemplem os problemas da

dominação política serão insatisfatórias.

Por isso, propõe-se o consórcio público como instrumento de ação governamental

e, não, somente, uma nova forma de contrato administrativo.

O planejamento econômico consiste num processo de intervenção estatal no

domínio econômico com o fim de organizar atividades econômicas para obter resultados

previamente estipulados. Trata-se, pois, de um “instrumento de racionalização da intervenção

do Estado no domínio econômico, o qual, por meio de lei, serão estabelecidas as diretrizes e

bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado” 67, 68 e 69. Consubstancia-se,

64 A proclamação do direito ao desenvolvimento foi efetuada pela Resolução 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986 e reafirmado no art. 10 da Declaração da Conferencia Mundial de Direitos Humanos, em 12 de julho de 1993. 65 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 41-42. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. 2002, p. 244. 66 BELTRÃO, Helio. Descentralização e liberdade. 2002, p. 55, 59-60. 67 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2001, p. 787. 68 Art. 174, § 1° da CF/88.

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então, um planejamento estrutural que deve conduzir não só o Poder Público, mas, também, a

sociedade.

De qualquer forma, tem-se que considerar que o planejamento nacional não pode

ser levado como um fim em si mesmo, ou seja, seu objetivo é proporcionar meios para re-

equilibrar as diferencias sociais e econômicas ou, ao menos, reduzir a níveis toleráveis tais

desigualdades.

Alerta-se para a dificuldade de conciliar o princípio federalista, que pressupõe a

descentralização política e administrativa, com o sistema de planejamento global da

economia, que necessita da centralização de decisões e de controle. Para compatibilização,

“pretende-se preservar a diferenças geográficas, econômicas e culturais de cada unidade

federada, evitando-se, assim, uma uniformidade na concepção e execução” 70.

Tem-se que manter em mente que as políticas de desenvolvimento nacional

devem ser elaboradas e implementadas dentro dos marcos do sistema federal, com a

coordenação e cooperação União e de todos os entes federados. Ainda que para isso sejam

criadas entidades administrativas próprias descentralizadas. Neste contexto, “o federalismo

brasileiro é um instrumento de integração, essencial para a configuração do espaço econômico

e passível de constantes mudanças para manter ou recuperar o equilíbrio entre todos os

integrantes” 71.

Por tais razões, os consórcios públicos72 devem ser vistos como instrumentos

diferenciados para incrementar a agenda de desenvolvimento do país, pois são meios que

contribuem para a ampliação do alcance e da efetividade das políticas públicas e dos recursos

nelas aplicados, uma vez que poderão permitir ação cooperada e maior racionalidade na

execução de serviços, bem como de políticas de responsabilidade partilhada entre todos os

entes interessados.

A partir deste ideal de interdependência dos entes federados, ensinam Klaus

Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder e Gebhard Ziller que

69 Art. 48, IV da CF/88 70 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 2001, p. 569. 71 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 240-241. 72 Ainda que as incidências mais freqüentes sejam os consórcios Municipais, não se pode esquecer das hipóteses de formação dos consórcios estaduais, que também são grandes instrumentos de apoio às agendas federais e municipais. Podem, também, funcionar nas áreas de políticas urbanas e políticas sociais que demandem trabalho articulado e cooperado entre estes e os municípios.

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[...] os âmbitos e as formas da interdependência política no federalismo cooperativo ocorrem com a ajuda de instituições que foram criadas para as finalidades de cooperação e da coordenação ou que são um resultado dessa interdependência, bem como através de acordos jurídicos, com o objetivo de tornar as interseções mais estáveis, transparentes e previsíveis.73

Afinal, completam os autores,

[...] no Estado Moderno – e, portanto também na moderna federação – o planejamento da atividade estatal adquiriu importância prioritária. Sem análises de médio e longo prazo sobre os desenvolvimentos e transformações que se podem esperar nos diferentes campos das tarefas estatais, sem metas conformadoras com possibilidades alternativas, sem concepções sobre o financiamento das futuras tarefas estatais, não é mais possível governar e administrar. Um planejamento amplo e multiforme tornou-se, portanto, um fator decisivo no âmbito do Governo e da Administração que tem efeitos também no federalismo cooperativo. O planejamento político-estatal assumiu no âmbito cultural, financeiro e econômico novas dimensões e novas formas de organização que se caracterizam, sobretudo pela interdependência dos entes federados.74

Os consórcios públicos são considerados aptos a este fim. Afinal, a

interdependência na federação cooperativa brasileira será eficaz quando assentada sobre

normas jurídicas, por meio das quais os envolvidos ficam comprometidos a agir de acordo

com suas estipulações. O objetivo é chegar a um acordo sobre determinado procedimento

comum.

2.4. Políticas Públicas enquanto Atividade Administrativa

Como se viu, para que se maximize as condições de governabilidade do Estado, é

necessária a análise sobre três dimensões: a capacidade de comando e de direção do Estado; a

capacidade de coordenação do Estado entre as distintas políticas e os diferentes interesses em

jogo; e a capacidade de implementação.

73 ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência política no federalismo cooperativo, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 110, 114. 74 Ibidem.

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De fato, se o Estado existe para garantir as condições mínimas de sociabilidade,

deve ele ser enfocado como “tutor dos interesses desta coletividade”. Se a ação do poder

político só se legitima quando voltada ao atendimento das necessidades coletivas, é obvio que

“seu exercício deverá estar direcionado sempre à consagração de interesses coletivos que, em

cada momento histórico, se apresentem com maior densidade ou relevância” 75. Esses

interesses configuram a dimensão pública que deve ser perseguida pelo poder público.

Para isso, alguns temas da agenda dos Governos demandam trabalho cooperado e

coordenado em sua implementação, como aqueles de responsabilidade partilhada, entre eles

as políticas públicas de desenvolvimento regional e urbano, dentre outras que funcionam de

forma sistêmica como a saúde, o abastecimento de água, a educação, entre outros.

Políticas públicas são, para este fim, “programas de ação governamental visando a

coordenar os meios de disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de

objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados; são, enfim, metas coletivas”76.

Apesar de serem consideradas “programas de ação governamental”, o estudo

sobre as políticas públicas deve indicar elementos que proporcionem a concretização de

direitos por meio de prestações positivas do Estado.

Afinal próprio fundamento das políticas públicas “é a necessidade de

concretização de direitos por meio de prestações positivas do Estado, sendo, de modo geral, o

desenvolvimento nacional a principal política pública conformando-a e harmonizando-a todas

as demais”; “são formadas pelos diferentes interesses sociais inseridos no aparelho estatal,

que estão sujeitos à hierarquização pela direção política do Estado, enquanto definidor e

dirigente de um projeto social e econômico para a sociedade” 77.

É de se notar, desde já, que em relação à distribuição de funções entre os

Governos central, estadual e municipal, as decisões sobre políticas públicas envolvem uma

mistura de políticas nacionais, que poderão ser, ou não, compartilhadas com os demais.

Todavia, nem sempre é esta a realidade que se apresenta. Com freqüência os governos locais

são responsáveis por funções remanescentes. Neste sentido, afirmam Javier Font, Rafael

Gutiérrez Suárez e Salvador Parrado-Díez que,

75 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 175. 76 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas2002, p. 241. 77 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, 42.

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[...] os governos locais são responsáveis pelas atribuições remanescentes. Entretanto, uma cláusula geral permite que as municipalidades entreguem qualquer tipo do serviço baseado em um interesse local. Assim, alguma autoridade local pode também administrar políticas do bem-estar. As demandas crescentes dos cidadãos nas municipalidades locais dão-lhes incentivos para fornecer os serviços que podem sobrepor com os serviços fornecidos pelos Estados. É evidente que a distribuição nova das funções, finanças e recursos humanos mudou o relacionamento dentro e entre os níveis de governos78.

Afinal, “quando se busca apreender um processo de transferência de atribuições

de governo e, portanto, reformas mais profundas nas estruturas estatais, é necessário tomar em

consideração variáveis que permitam captar com mais segurança se um dado nível de governo

está organizacionalmente capacitado para o desempenho de uma dada tarefa de gestão” 79.

Num Estado intervencionista e voltado para a implementação de políticas

públicas, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre

inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de um tratamento uniforme em escala

nacional.

Por isso adverte Maria Paula Dallari Bucci que, “quanto mais se conhece o objeto

da política pública, maior é a possibilidade de efetividade de um programa de ação

governamental; a eficácia de políticas públicas consistentes depende diretamente do grau de

articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos” 80.

São elas, então, instrumentos de ação dos governos que, por óbvio, devem

acontecer dentro dos parâmetros da legalidade, o que não significa afirmar que elas

formalizar-se-ão necessariamente como leis. As políticas públicas definem-se ao longo de um

processo de escolha dos meios para realização dos objetivos traçados por determinado

governo.

Portanto, conclui Marta Arretche,

[...] em um processo de transferência de atribuições, a capacidade técnica instalada pode constituir-se em um fator diferenciador das possibilidades das agências ligadas a cada nível de governo assumirem o exercício de determinadas funções, ou seja, o fato de que um dado nível de governo já

78 FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador e GUTIÉRREZ SUÁREZ, Rafael. Intergovernmental partnerships at the local level in Spain: mancomunidades da consortia in a comparative perspective. Disponível no site:<http://www.oecd.org/dataoecd/11/14/1902663.pdf>.Acesso em 23 de janeiro de 2006. Tradução livre. 79 ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais; determinantes da descentralização., 2000, p. 25. 80 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 249.

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disponha de tais recursos pode facilitar a transferência de atribuições, na medida em que minimiza os custos prováveis de sua assunção; de outra parte, simetricamente, a ausência ou insuficiência de tais capacidades torna muito mais elevados os custos da descentralização, um vez que aos custos da gestão acrescentar-se-iam os custos de instalação de tais recursos 81.

Na federação brasileira, Fernando Luiz Abrucio e Valeriano Mendes Ferreira

Costa apontam que implementação de política públicas

[...] depende diretamente da reestruturação das relações intergovernamentais e da constituição de um sistema federativo e coordenado, no qual devem imperar os princípios da responsabilidade política e fiscal nas relações entre as esferas de governo e de garantia das liberdades políticas e da igualdade de condições sociais e econômicas entre as Regiões e os cidadãos que nelas habitam 82.

Logo, a temática das políticas públicas, como parte no processo de resposta ao

interesse público, está ligada à questão da discricionariedade do administrador, na medida em

faz parte das escolhas por determinados fins e objetivos, enquanto finalidades da atividade

administrativa.

Daí a importância em examinar a problemática que envolve a equação entre

descentralização administrativa, enquanto opção organizacional, e a obrigatoriedade do

cumprimento das múltiplas tarefas públicas, enquanto opção política governamental.

É um processo em constante transformação.

2.5. Descentralização Administrativa e Contextualização das tarefas públicas

Sobre o constante processo de transformação do Estado, diz Dalmo de Abreu

Dallari que “com a compreensão de que o Estado se acha constantemente submetido a um

processo dialético, reflexo das tensões dinâmicas que compõem a realidade social, será

possível mantê-lo permanentemente adequado, eliminando-se a aparente antinomia entre

ordem e mutação”. Para o autor,

[...] para que se assegure esse processo de transformação é indispensável que as instituições do Estado sejam devidamente aparelhadas, prontas para sentir o aparecimento de novas possibilidades e aspirações, para

81 ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 30. 82 ABRUCIO, Fernando Luiz; COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro., 1999, p. 109.

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conhecer o seu verdadeiro significado, e, finalmente, para integrá-la na ordem jurídica83.

Para cumprimento de seus fins, o Estado organizado deve desempenhar

determinadas funções, que, para tanto, criam órgãos aos quais se atribuem competências.

Como parte deste desfio, há duas décadas propôs-se por meio do Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado84, tendo em vista as atividades-fim a que o Estado se destina, a descrever

os quatro setores de atuação do Estado: núcleo estratégico, atividades exclusivas, serviços não

exclusivos e setor de produção de bens e serviços para o mercado.

No caso brasileiro, a reforma do aparelho administrativo estatal é uma dimensão

importante a ser tratada, uma vez que “a questão federativa constitui peça-chave para resolver

os problemas financeiros e administrativos do Estado e, sobretudo, melhorar a sua atuação

como regulador na economia e provedor de políticas públicas” 85.

Há considerável influência do federalismo em vários aspectos da reforma do

Estado, afinal todos os entes federativos devem rever seus papéis nas relações

intergovernamentais, particularmente na descentralização das políticas públicas e a atuação

administrativa das unidades precisar ser remodelada de forma que se possam assumir funções

de coordenação, supervisão e controle dessas políticas.

De modo que “a Administração Pública brasileira não pode ser tratada de forma

isolada ou distanciada dos fenômenos políticos, econômicos e sociais que caracteriza e situam

o país, sob pena de se cometer equívocos de avaliação de conjunturas”. É dizer que “qualquer

política pública administrativa precisa estar conectada com o seu tempo e espaço, sob pena de

continuar figurando, tão-somente, como prerrogativas formais dos poderes institucionais” 86.

O país assistiu ao processo de desestatização87, intensificado na década de 90,

sobre o qual até hoje restam controvérsias quanto aos objetivos, as formas, os resultados e a

legitimidade desse processo. Aceitando-se ou não, este movimento foi uma realidade, e deve

ser cuidadosamente pensado e discutido com a sociedade, a fim de se encontre aparatos

jurídicos possíveis para garantir o resgate de direitos fundamentais e a preservação da função

administrativa, seja no serviço público ou na regulação da atividade econômica.

83 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p. 141-142. 84 Este plano foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – MARE – e aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em 21/09/1995. 85 ABRUCIO, Fernando Luiz; COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Obra citada, p. 11. 86 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade – novos paradigmas. 2006, p. 91-92. 87 Toma-se por desestatização o movimento de privatização das empresas estatais característico dos anos 90.

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Alerta-se para o fato de que a Reforma do Estado, direcionada à reforma

administrativa pretendeu transformar a Administração Pública brasileira, de burocrática, em

gerencial. Portando, não escolheu pela diminuição das desigualdades regionais, por exemplo,

mas, sim, em dar ênfase aos aspectos gerenciais. Este comportamento culminou com a

“implementação de um modelo de Estado privatizado e ligado aos interesses econômicos das

elites nacionais e internacionais e que não só prejudica a implementação de políticas sociais,

como também inviabiliza qualquer tentativa de (re) construção de um projeto nacional para o

Brasil” 88.

A função administrativa volta-se, em última análise, à disciplina do espaço

público, nele compreendidos todos os interesses trans-individuais, sem que importe qualificá-

los de públicos ou privados; “essa função deve ter características que possibilitem reunir

racionalmente as vantagens críticas das disciplinas privada e da pública, que confluem para

regrá-lo” 89. Substancialmente, a função administrativa envolve as atividades de polícia

administrativa (limitação de atividades individuais em prol do interesse coletivo), prestação

de serviços públicos (atendimento concreto de necessidades sociais), condução do

ordenamento econômico (disciplina e até substituição das atividades de produção, circulação

e consumo das riquezas) e condução do ordenamento social (disciplina do desenvolvimento

social, com sentido de amparo ao homem) 90.

Definitivamente, um problema que integra a estrutura do federalismo é a execução

dos seus fins conforme as competências das entidades que compõem o Estado federal, vez que

são entidades autônomas e têm organização administrativa, que se incluem nas respectivas

competências.

A transferência, pelo Estado, da execução de atividades administrativas a pessoas

jurídicas de direito público ou privado se concretiza, basicamente, de duas formas: uma, por

meio de lei, criando ou autorizando a criação de entidades estatais, que integrarão a estrutura

organizacional do Estado; e, outra, por meio de contrato, quando o Estado delega a execução

de serviços ou atividades públicas a pessoas jurídicas de direito privado, por concessões ou

permissões91.

88 BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p.132. 89 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Obra citada. p. 555. 90 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. 2005, p. 01. 91 ROLIM, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo.2004, p.32-33.

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Na atualidade, Estado deixou de prestar serviços diretamente para transferir a

execução aos privados – por isso, com freqüência, utiliza-se como verdadeira a afirmação de

que a solução de todos os problemas da Administração Pública é a concessão dos serviços

públicos - mas o resultado é que os cidadãos ficaram sem garantias e desprotegidos no

consumo de serviços que até então eram essenciais e universais. A delegação do serviço se faz

por meio de contratos públicos, na qual a empresa vai prestar o serviço e o Estado permanece

só com a função de fiscalização e gestão.

A introdução dos novos modelos de organização e de gestão pressupõe formas

alternativas de controle – seja por intermédio do núcleo estratégico, que presta conta dos

resultados das políticas públicas aos representantes eleitos, seja pelo estabelecimento de

mecanismos de participação social, a exemplo da criação de conselhos em que se prevê a

participação da comunidade.

A descentralização administrativa caracteriza-se pela transferência de atribuições

de uma pessoa jurídica pública (União, Estados ou Municípios) para outra pessoa jurídica. O

ente descentralizado goza de capacidade de auto-administração; além disso, supõe a

transferência de uma atividade própria da Administração Pública, ou seja, de um serviço

público92.

Sobre o tema, Hélio Beltrão pondera que

[...] descentralização administrativa é perfeitamente compatível com o enfoque nacional de determinados problemas que exijam a programação e a coordenação do governo federal, pois nacional não é sinônimo de central [...] o fato de existir uma política nacional sobre determinado assunto não significa que a execução deve caber exclusivamente à Administração Federal, nem que a aplicação de recursos fique centralizada em suas mãos93.

92 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 2003, p. 51-52. 93 BELTRÃO, Helio. Obra citada. p. 23-26.

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São formas legais de descentralização: concessão94, permissão95 e autorização96,

no qual o poder público transfere a execução desses serviços a particulares, mediante

regulamentação e controle.

É importante, aqui, anotar que a centralização ou descentralização dos serviços

públicos são modalidades de técnicas administrativas de execução, ou seja, referem-se ao

modo de implantação e operação. E, estas modalidades distinguem-se dos modos de execução

do serviço público que, por sua vez, podem ser direta ou indireta. Portanto, considera-se

execução direta do serviço àquela realizada pelos próprios meios da pessoa responsável pela

prestação, em outras palavras, considerar-se-á o encarregado pelo oferecimento do serviço ao

público, que o realiza pessoalmente ou por pessoa delegadas. Por execução indireta do serviço

público entende-se aquela que o responsável pela sua execução é terceiro contratado (e não

delegado) para este fim e nas condições reguladas pelo Poder Público.

O Estado brasileiro, só nas últimas seis décadas, passou dos serviços públicos

centralizados para os serviços públicos delegados a particulares e destes às autarquias

outorgadas. E, ainda, passou a assumir atividades de interesses recíprocos entre entidades

públicas e particulares sob regimes de cooperação mútua, nas formas de convênios e

consórcios administrativos.

Então, a descentralização da atividade administrativa, que, em linhas conclusivas,

significa “a transferência de poderes de decisão em matérias específicas a entes dotados de

personalidade jurídica própria, que as realizam em nome próprio, mas com observância de

princípios e manutenção de características e efeitos idênticos às atividades estatais” 97. É

considerada “forma de organização administrativa, que se contrapõe à centralização, caso em

que se concentra o conjunto das tarefas administrativas que se propõem no território nacional

94 Concessão, então, é o instituto por meio do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, mas nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, sob garantia contratual, remunerando-se pela própria exploração do serviço, mediante tarifas cobradas diretamente pelo usuário do serviço (MELO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo.pp. 499-500) 94 95 Permissão é, também, uma modalidade de prestação indireta dos serviços públicos por meio de pessoas de Direito Privado, portanto, é o ato unilateral e precário, intuito personae por meio do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço que lhe é próprio, proporcionando a possibilidade de cobrança de remuneração dos usuários (MELO, Celso Antonio Bandeira. Idem. . pp 543-544) 96 Autorização é ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração Pública faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos, bem como faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. pp. 132-133). 97 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2006, p. 65.

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nas mãos do Estado, que as assume por intermédio de uma Administração hierarquizada e

unificada” 98.

A descentralização pressupõe, então, dois elementos: inicialmente, implica no

reconhecimento de uma categoria de interesses próprios que seja distinta dos interesses

nacionais; e, por fim, é preciso a concessão da personalidade jurídica às entidades que foram

criadas para determinada função, para que com autonomia financeira possa gerir seus

negócios.

Tem-se, então, que a descentralização administrativa deve ser considerada como

medida de gerência, por parte do Estado, na criação de entidades parceiras99 que o auxiliarão

no cumprimento de seus fins. São, portanto, formas de parceria todas aquelas medidas

tomadas pelo Estado na intenção de garantir, ainda que indiretamente, a observância de suas

finalidades.

Portanto, pela descentralização administrativa, o Estado transfere para outrem –

com maior ou menor autonomia – a prestação de uma atividade pública de interesse coletivo.

Assim, um debate importante em torno das políticas públicas é o processo de

descentralização que se deve apoiar em programas com objetivo de evitar prejuízos à

população, ou seja, “um processo ordenado de descentralização de políticas públicas exige

medidas nacionais, com a cooperação de todas as esferas governamentais” 100.

Neste sentido, “o sistema federalista deve ser ressaltado como um instrumento de

organização estatal e popular que possibilita unir o local ao global por meio da instância

nacional” 101, pois estrategicamente, enquanto sistema descentralizado, privilegia as

atividades públicas no âmbito periférico sem anular o papel coordenador e ordenador da

instância central.

98 RIVERO, Jean. Direito Administrativo. 1981, p.353. 99 Maria Sylvia Zanella di Pietro, entende por parceria a modalidade de delegação ao particular de atividade que não são exclusivas do Estado, como as concessões, permissões e fomentos (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Obra citada. 2002, p.51). Nesta tese, tema-se a parceria como forma de atividade cooperada entre entes públicos ou entre estes e os particulares para fazer valer, sempre, os interesses da coletividade. 100 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. 2004, 69-70. 101 BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p.168.

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Segundo Maria Garcia, “a federação brasileira deve ser repensada e revista para

que possa vir a consagrar, efetivamente, a participação e a descentralização, congregadas as

entidades políticas dos Estados e dos Municípios numa União ensejadora da unidade

nacional” 102.

Mas não é só a descentralização administrativa que importa no estudo do caso

brasileiro como elemento concretizador da implementação de políticas púbicas, e, sim,

compatibilizá-la a mecanismos de coordenação e cooperação entre os entes federativos, que

são inerentes à descentralização política.

102 GARCIA, Maria. Federalismo brasileiro: a repartição de rendas tributárias e o Município. Uma proposta In:BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. 1995, p. 132.

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CAPÍTULO II

INTEGRAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS: TENDÊNCIA À ASSOCIAÇÃO

1. Introdução

A relevância do estudo da repartição de constitucional de competências na

federação justifica-se pela delimitação do modelo adotado, pois “define o grau de

descentralização, de direitos e deveres de cada esfera da federação, sendo, desta forma, a

espinha dorsal dos sistemas federalistas” 103. Afinal, “a forma federal de Estado implica a

distribuição territorial do poder político, com a coexistência de esferas de governo, com

competências definidas, possibilitando a coordenação e independência” 104.

Considera-se, para tanto, como elemento significativo a reformulação institucional

no país, por meio da criação de instrumentos que proporcionem a descentralização política e

adequado cumprimento de políticas públicas nacionais. Desta forma, a análise da distribuição

de competências é o eixo central da organização federativa brasileira. Sabe-se que no “Estado

federal o que se tem é uma descentralização política e não apenas administrativa, isto é,

existem múltiplos centros de decisão, cada um tendo exclusividade em relação a determinados

assuntos, o que é muito mais do que a simples descentralização da execução” 105.

As questões que envolvem os consórcios públicos devem ser analisadas a partir do

modelo federativo brasileiro, que direta ou indiretamente relacionam-se à extensão das

competências constitucionais reservadas aos entes federados.

103 BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re) formulação da federação brasileira. 2006, p. 110. 104 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. 1986, p. 21. 105 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. 1986, p. 18-19.

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2. Repartição Constitucional de Competências e a busca do equilíbrio nas relações

interfederativas

A repartição constitucional de competência, conforme José Alfredo de Oliveira

Baracho, “é essencial à definição jurídica da federação; daí decorre o princípio federal de que

cada um dos componentes tem sua órbita de ação, circunstância que decorre da Constituição

federal, como fundamento jurídico do Estado” 106.

A Constituição de 1988 “estruturou um sistema complexo em que convivem

competências privativas, repartidas horizontalmente, com competências concorrente,

repartidas verticalmente, abrindo-se espaço também para a participação das ordens parciais na

esfera de competências próprias da ordem centra, mediante delegação” 107. Restou destacado

no texto constitucional vigente que União, Estados, Distrito Federal e Municípios108 integram

a estrutura federativa brasileira. A adoção desse modelo estrutural “implica a admissão de

autonomia para as entidades integrantes da federação”109.

A federação brasileira, como qualquer federação, é reconhecida pela promoção

conjunto e indissociável de interesses recíprocos, afinal “toda organização federativa envolve

um complexo de problema de composição e harmonização de interesses nacionais e locais”,

ou seja, “ainda quando exista uma competência privativa para um determinado ente federado,

deverá ser exercitada de modo a assegurar a realização dos interesses conjuntos de todos os

demais entes federados” 110. Reconhece-se a integração das competências e a atuação

conjunto e coordenada entre os diversos entes federativos.

Esta forma de Estado assegura oportunidades mais amplas de participação no

poder político, pois aqueles que não obtiverem ou não desejarem a liderança federal poderão

106 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. 1986, p. 25. 107 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2005, p. 74. 108 A despeito da crítica isolada de José Afonso da Silva em não admitir o Município como integrante do sistema federativo brasileiro, toda a doutrina é unânime no reconhecimento deste ente federado, tendo em vista as previsões expressas no art. 1° e 18 do texto constitucional. Textualmente argumenta o autor que não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao conceito de federação, pois não existe federação de Municípios. E segue dizendo que é algo sem sentido afirmar que a República Federativa do Brasil é formada de união indissolúvel dos Municípios, porque, se assim fora, ter-se-ia que admitir que a Constituição está provendo contra uma hipotética secessão municipal. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001., p. 473). 109 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constiitucional. 2002., p. 730. 110 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 675.

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ter acesso aos poderes locais. Assim, a organização federativa favorece a preservação das

características locais, reservando uma esfera de ação autônoma a cada unidade federada, ao

mesmo tempo em que promove a integração, transformando as oposições naturais em

solidariedade. Considera-se, pois, como “expressão mais avançada de descentralização

política. Assegura maior aproximação entre os governantes e governados, uma vez que o povo

tem sempre acesso mais fácil aos órgãos do poder local e por meio deste influi o poder

central”. É certo que “a federação proporciona a conjunção de esforços, permitindo a

integração dos entes em unidades que são naturalmente mais fortes, preservando, sobretudo, o

particularismo” 111.

Os Estados federais são “materializados em organização administrativa própria,

em competência tributária específica, em responsabilidades por determinas políticas públicas,

em poder para editar leis em suas esferas de competência de forma simultânea”, acrescenta

Rosani Evangelista da Cunha112. Assim, “entender as formas pelas quais os governos se

relacionam para equilibrar autonomia e independência entre as unidades, em razão de suas

diversidades, e, principalmente, equilibrar a competição com a cooperação, é a principal

problemática que envolve esta forma de Estado” 113.

A distribuição de competências garante a autonomia das unidades federadas entre

si, isto é, “a autonomia alude a uma distribuição vertical de poder entre os distintos entes em

função o seu respectivo interesse; além do que o Estado Nacional ostenta uma posição de

superioridade que o permite estabelecer controles de legalidade – e não, oportunidade – sobre

a atuação dos demais” 114. A autonomia representa o reconhecimento de um conjunto de

competências próprias de cada um dos entes.

O texto constitucional vigente, ainda que com limites, principalmente quanto ao

financiamento das políticas públicas no texto consagradas, definiu uma agenda reformista115

111 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do do Estado. 2003., p. 259-261. 112 CUNHA, Rosani Evangelista da. Federalismo e relações intergovernamentais: os consórcios públicos como instrumento de cooperação federativa. In: Revista do Serviço Público – RSP, 2004, p. 06. 113 Ibidem, p. 07. 114 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. 1997, p. 50. Tradução livre. 115 Por agenda reformista, considera Orlando Alves dos Santos Junior “as reformas econômicas estruturais implementadas com a adoção de políticas de liberalização econômica e a privatização de empresas estatais. Ao mesmo tempo, a crescente transferência de responsabilidades e de competências do governo nacional para os governos locais, impulsionando profundas transformações nas instituições de governo local do país, que alteram o sistema de decisões municipais e as práticas dos atores políticos. Desde então, para o autor, verifica-se um crescente e generalizado processo de fortalecimento da esfera local de governo, centrado na descentralização e na municipalização das políticas públicas. Tal processo tem ensejado mudanças na organização e no funcionamento dos governos locais, que têm sido incorporadas de forma diferenciada segundo as diretrizes adotadas e o grau de instituição dos canais de gestão democrática e dos instrumentos redistributivos de renda e

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que se caracteriza pela concepção universalista quanto aos direitos sociais, redistributiva

quanto à renda e democrática quanto à gestão pública. Neste contexto, é preciso compreender

“o espaço das cidades como espaço social, resultado de lutas pela apropriação de bens e

serviços, e como expressão de luta pelo pode, do qual decorre uma dimensão sociocultural

decisiva nos processos de desenvolvimento e cria um ambiente que pode tanto favorecê-lo

quanto bloqueá-lo”. Entre diversos elementos desse ambiente “insere-se o grau de

associativismo, que inclui na agenda política a questão da constituição dos sujeitos coletivos” 116, como são os consórcios públicos.

A chamada repartição de competências “é o ponto central do federalismo,

pressuposto da autonomia dos entes federados em que as unidades recebem diretamente da

Constituição Federal as suas competências”, proporcionando a existência conjunta de

“múltiplos centros de decisão política, cada qual com a exclusividade em relação a

determinados assuntos” 117.

O texto constitucional reparte as competências públicas entre as entidades estatais,

observando, segundo critérios técnicos e jurídicos, os interesses próprios de cada esfera

administrativa, bem como a capacidade para executá-los.

Constata-se que a Constituição de 1988 estruturou um sistema que “combina

competências exclusivas, privativas e principiológicas com competências comuns e

concorrentes, buscando reconstruir o sistema federativo segundo critérios de equilíbrio

ditados pela experiência histórica” 118.

Ao mesmo tempo em que a repartição de competência define o modelo federativo,

este se equilibra entre a colaboração mútua dos entes federados e a impossibilidade de

delegação irrestrita de suas competências, ou seja,

[...] a repartição das competências para a prestação de serviços públicos pelas entidades estatais políticas opera-se segundo critérios técnicos e jurídicos, observando os interesses próprios de cada esfera administrativa, a natureza e extensão dos mesmos, bem como a capacidade para executá-los vantajosamente para a Administração e para os administrados119.

da riqueza produtiva nas cidades”.( SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2001, p. 29) 116 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no Brasil. 2001, p. 13. 117 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. 2004, p. 14. 118 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2001., p. 475. 119 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002., p. 324.

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Para Celso Antônio Bandeira de Mello,

[...] a discriminação constitucional de competências legislativas entre as pessoas jurídicas de capacidade política compõe, em seu todo, um sistema harmônico, de forma que para um apropriado reconhecimento desta competência no âmbito municipal é necessário entender qual o critério120 delimitador das fronteiras das atribuições de cada qual pensado pelo constituinte. [...] tal discriminação é preordenada tendo em vista a base territorial dos sujeitos, ou seja, essa distribuição considera a abrangência territorial e a índole da matéria que mais diretamente a afetam; no caso brasileiro, os interesse mais amplos assistem à União; os circunscritos ao âmbito regional, aos Estados; e os que concernem tão-só à esfera local, aos Municípios 121.

A Constituição de 1988 contemplou quatro formas de distribuir as competências

dos entes federados: a primeira discriminando a competência da União em matérias

administrativas, deixando as remanescentes ao encargo dos Estados; a segunda tem a União a

prerrogativa de delegar aos Estados suas competências privativas; a terceira, indicando as

competências comuns, inclusive de caráter administrativo, estabelecendo a cooperação

interfederativa; e, por fim, as competências concorrentes entre União e Estados-membros.

Em outras palavras, reservou competências exclusivas à União (arts. 21 e 22)122,

poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º)123 e poderes indicativos para o

120 Diz o autor que a distribuição de competências legislativas obedece ao seguinte critério: “[...] a) de um lado, tem por finalidade ensejar que cada qual disponha sobre assuntos correlatos à amplitude da respectiva esfera de interesses inerentes aos propósitos de descentralização territorial; b) de outro lado, propõe-se a reconhecer aos Estado todos os poderes legislativos residuais, isto é, competência para dispor, em suas respectivas órbitas territoriais, sobre tudo que não seja deferido a outras esferas de poder. Em resumo, as competências da União, tanto quanto as dos Municípios, são as enumeradas, ainda que, no caso destes últimos, sua determinação nuclear haja ficado atrelada a conceitos padecentes de alguma fluidez, quais os de interesse local e, no que concerne à suplementação das leis federais e estaduais, ao reconhecimento do que significa no que couber. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discriminação constitucional de competências legislativas: a competência municipal. In: Direito Tributário: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. 1997, p. 275) 121 Ibidem, p. 271. 122 Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; II - declarar a guerra e celebrar a paz; III - assegurar a defesa nacional; IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; VII - emitir moeda; VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada; IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a

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Município (art. 30). Distinguindo-as, conforme a natureza, entre competência executiva124 e

legislativa125.

A competência executiva pode ser privativa (art. 21) e comum (art. 23), enquanto

que a competência legislativa pode ser privativa (art. 22), concorrente (art. 24)126 e

suplementar (art. 24 , §2º e art. 30, II).

navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; XVII - conceder anistia; XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação; XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas; c) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho; XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II - desapropriação; III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; V - serviço postal; VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais; VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; VIII - comércio exterior e interestadual; IX - diretrizes da política nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; XI - trânsito e transporte; XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia; XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização; XIV - populações indígenas; XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros; XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões; XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes; XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais; XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular; XX - sistemas de consórcios e sorteios; XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais; XXIII - seguridade social; XXIV - diretrizes e bases da educação nacional; XXV - registros públicos; XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza; XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional; XXIX - propaganda comercial. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. 123 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. 124 Competência executiva é a competência material para a execução dos serviços. 125 Competência legislativa é a capacidade de editar leis.

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De um modo geral, a União tem como principal missão “a promoção do

desenvolvimento e integração das áreas problemáticas do continente nacional, que deverão ser

convenientemente assistidas e desenvolvidas” 127, ou seja, “confere-se competência à União

para desempenhar certas atividades de cunho político, administrativo, econômico ou social

que, por sua natureza, pressupõe o exercício e tomada de decisões governamentais e utilização

da máquina administrativa” 128. Entretanto, não conseguiu encontrar o equilíbrio nas relações

federativas” 129, pois persiste nela uma excessiva concentração de poderes.

Na competência concorrente, compete à União estabelecer apenas as normas

gerais sobre matérias específicas e aos Estados e Distrito Federal, a adaptação as suas

especificidades, desde que não contrarie a lei federal. Nessa modalidade legislativa, os

Municípios não foram autorizados, o art. 30, II, lhes outorgou a competência para suplementar

as legislações federal e estadual naquilo que couber.

Em razão disto, uma das questões mais relevantes do sistema federativo brasileiro,

argumenta Vanêsca Buzelato Prestes, “é a compreensão quanto à hierarquia entre as leis.

Erroneamente, é do senso comum a idéia de que a lei federal prepondera sobre a lei estadual e

esta sobre a lei municipal” 130. A tradição de um federalismo centralizador identifica-se nas

legislações de origem da União disciplinando as matérias detalhadas. De outra parte, Estados

e especialmente os Municípios esperam do ente central ações e resoluções decorrentes destas

competências.

126 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II - orçamento; III - juntas comerciais; IV - custas dos serviços forenses; V - produção e consumo; VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX - educação, cultura, ensino e desporto; X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; XI - procedimentos em matéria processual; XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; XIII - assistência jurídica e Defensoria pública; XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; XV - proteção à infância e à juventude; XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 127 SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. 1995, p. 82. 128 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Obra citada. p. 84. 129 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Perspectivas para o federalismo in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 154. 130 PRESTES, Vanêsca Buzelato. Considerações sobre o problema da hierarquia entre as normas infraconstitucionais no sistema federativo brasileiro - reflexões sobre a lei municipal. Disponível em: <http:// www.portoalegre.rs.gov.br>. Acesso em: 20 de abril de 2004.

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2.1. Descentralização do poder político

A descentralização do poder político tem grande relevância no Estado

contemporâneo. Como diz Léon Deguit, a descentralização é um fato que tem, cada vez mais,

espaço no Estado Moderno, pois, se, de uma parte é uma conseqüência forçada, de outra, a

desaparece a noção de soberania una e indivisível, sem mencionar a considerável extensão

dos serviços públicos e, particularmente, dos serviços técnicos, sobre os quais os Governos

não podem exercer ação direta.131.

Tornou-se comum afirmar que, para solucionar o desequilíbrio entre a União,

Estados e Municípios, seria necessária uma total reformulação com base na descentralização e

no princípio da subsidiariedade.

Contudo, a concepção de descentralização “é vaga e pode ser utilizada em

diversos contextos: no modelo anglo-saxônico, por exemplo, é apresentada como um fator de

eficiência e controle da atuação governamental, sugerindo que o poder estatal é corrupto e

ineficiente”. Então, “o debate não deve ser entre a descentralização e a centralização, mas

qual a descentralização e para que (e para quem) descentralizar, pois a descentralização de

políticas públicas deve ser realizada de modo gradual e apoiada em programas de assistência

técnica e financeira, a fim de evitar rupturas e prejuízos para a população”. A

descentralização, enfim, deve ser feita “de maneira articulada, coordenada e planejada, com

objetivos comuns de desenvolvimento e promoção da igualdade de condições sociais de vida” 132.

Há, então, no Estado federal uma descentralização do poder político, distribuído

pela Constituição entre União e entes federados. Não se trata apenas de descentralização

administrativa, mas também normativa, por meio do qual cada parte detém competência para

estabelecer sua própria autonomia. Por meio da descentralização do poder político, é possível

“a manutenção do equilíbrio entre as forças internas, permitindo a formação do Estado

nacional e estabilizando democraticamente as relações políticas territoriais em âmbito

nacional” 133.

131 DEGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionnel. 3em édition, vol. III, La théorie générale de l’état. Paris: Ancienne Librairie Fontemoing, 1930, p. 72. 132 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 178-183. 133 BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p. 116.

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São dois os princípios básicos do federalismo: o da autonomia das coletividades

territoriais distintas do poder central e o da participação dessas coletividades na vida dos

órgãos centrais134. A autonomia pressupõe a repartição constitucional de competência e a

capacidade de auto-organização. No sistema jurídico nacional, a Constituição de 1988, ao

estabelecer a repartição de competências entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, fundou-se na técnica clássica135 de enumerar poderes à União e deixar os

remanescentes ao Estados, além de definir, explicitamente, os poderes dos Municípios, que

são entes federativos136.

Então, a autonomia, como princípio estrutural, é uma forma de divisão de poderes

no Estado; todavia, ela não se esgota na mera descentralização, mas compreende o conjunto

de relações de coordenação e subordinação entre os diversos órgãos do Estado.

Talvez o aspecto primordial do Estado federado seja o reconhecimento de que

todos os entes integrantes da federação são co-titulares de interesses comuns, cuja promoção

se desenvolve por meio da atuação conjunta e indissociável, assegurando-se a todos eles o

respeito recíproco. Em contrapartida, “deve-se equilibrar a autonomia de cada um, que reside

na existência de interesses próprios, de poderes diferenciados e de competências privativas” 137.

A autonomia político-administrativa das unidades federadas não enfraquece nem

representa obstáculo à atuação harmoniosa de todos os entes; mas, sim, “assegura que as

relações de colaboração sejam mantidas entre iguais e em condições de equivalência, sem

134 Também nesse sentido, Luís Roberto Barroso diz que além do reconhecimento de autonomia às entidades estatais – isto é, de capacidade de autodeterminação dentro do espaço estabelecido pela Constituição – a idéia de federação envolve, ainda, um outro conceito fundamental que é o de repartição de competências. União, Estados, Municípios e Distrito Federal têm suas atribuições demarcadas pela Constituição Federal e estabelecem entre si relações que não têm a marca da hierarquia, mas a do desempenho por legitimação própria das funções constitucionais assinaladas. (BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, p. 142) 135 Para Carlos Mario da Silva Velloso, são duas as técnicas de repartição de competências: a primeira consiste no estabelecimento de competências expressas para a União, ou na atribuição de poderes enumerados à União, ficando para os Estados-Membros os poderes remanescentes. Outra consiste no atribuir poderes enumerados aos Estados, ficando para a União os poderes remanescentes. (VELLOSO, Carlos Mario. Temas de Direito Público. 1997, p. 388-398). Já, para José Afonso da Silva são três as técnicas de repartição de competências: a primeira consiste na enumeração dos poderes da União, reservando-se aos Estados os poderes remanescentes; na segunda, tem-se a atribuição dos poderes enumerados aos Estado e dos remanescentes à União e, por fim, a enumeração das competências das entidades federativas, compreendendo poderes concorrentes e atribuição de poderes residuais à União. (SILVA, José Afornso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.2001. p. 476). 136 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Obra citada. p. 390. 137 JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerMarcalJustenFilho.pdf.> Acesso em 30 de março de 2005.

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subordinação de umas a outras”. Desse raciocínio, deve-se concluir que no Estado brasileiro,

“a atuação dos entes federativos deve ser harmoniosa e voltada para objetivos comuns” 138.

O princípio da predominância do interesse é que norteia a repartição de

competências entre as entidades componentes do Estado federal. Serão de competência da

União àquelas matérias de predominante interesse geral; dos Estados aqueles assuntos de

predominante interesse regional; e, aos Municípios, assuntos de interesse local.

A Constituição de um Estado federal tem que se reduzir, forçosamente, ao mínimo

denominador comum. No caso brasileiro, “para ter um mínimo de legitimidade a sustentá-la,

deve assentar-se na nossa realidade, construída ao longo da história, e dar satisfação à grande

exigência nacional: o desenvolvimento sócio-econômico do país” 139-140.

Em particular a modelo federativo brasileiro posto a partir de 1988 implanta, sem

precedentes, uma descentralização fiscal e de políticas públicas. Esta atitude se justifica tendo

em vista a trajetória do país que há muito convive com problemas como desigualdades sociais

e econômicas regionais – o que certamente se explica pela extensão territorial do país. A

heterogeneidade, a diversidade e conflitos são inevitáveis.

Preocupou-se em inserir instrumentos que proporcionassem, apesar do movimento

de descentralização, a concentração de esforços dos entes federados nas políticas de atuação

cooperada para desenvolvimento do Estado nacional. No entanto,

[...]há instrumentos que até o momento pendem de efetiva regulamentação, como: a uniformização dos procedimentos e critérios para a criação de Municípios; instrumentos de gestão e compartilhamento de responsabilidades em regiões metropolitanas; regulamentação de mecanismos de cooperação

138 PORTO NETO, Benedito. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 10. 139 COMPARATO, Fábio Konder. Obra citada. p.15. 140 O ponto de partida é a idéia de que o subdesenvolvimento representa uma situação de desequilíbrio constante e dinâmico entre classes, setores e regiões do país, de modo a produzir múltiplas e crescentes desigualdades. O desenvolvimento aparece, assim, como o processo de eliminação desses desequilíbrios, pela combinação da capacidade de crescimento econômico com a instauração da igualdade básica de condições de vida. Não se trata, pois, de uma noção exclusivamente econômica ligada ao aumento da renda nacional, ao à simples modernização tecnológica. Ele abrange as condições básicas de vida em sociedade, as quais dizem respeito, obviamente, às exigências biológicas elementares, mas também às de ordem cultural e política. (COMPARATO, Fábio Konder. Idem., p. 16).

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para a implantação de políticas definidas no art. 23; a definição da titularidade sobre alguns serviços públicos específicos.141

Como se verá, de um modo geral, as formas de operacionalização e de pactuação

interfederativa foram delegados ao legislador infraconstitucional que não se empenhou neste

sentido. Sem tais medidas, torna-se pouco provável a finalização e implantação do chamado

federalismo cooperativo no país.

2.2. O papel dos Estados-Membros na federação brasileira

Neste processo de descentralização das decisões políticas, os Estados-Membros

ficaram bastante limitados em suas competências, pois suas atribuições resumem àquelas que

não competem à União e, ainda, que não podem ser cumpridas pelos Municípios.

Então cabe aos Estados a decisiva tarefa de influir nos rumos da municipalização

das políticas públicas, pois cabe a eles compensar as adversidades locais. Como afirma

Michel Bothe, “um bom funcionamento do federalismo pressupõe Estados-Membros

eficientes”, em contrapartida, “deficiências neste funcionamento possuem efeitos

centralizadores” 142.

Aos Estados restaram, portanto, as competências privativas residuais, nos termos

do art. 25, e seus parágrafos, combinado com a leitura do § 4º do art. 18, de exploração dos

serviços locais de gás canalizado; de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

microrregiões e a de criar municípios.

Para Fernanda Dias Menezes de Almeida “abrir aos Estados uma esfera de

competências legislativas concorrentes, em que lhes é facultado, por direito próprio, e dentro

dos limites traçados pela Constituição, disciplinar uma série de matérias que antes escapavam

de sua órbita de atuação legiferante, significa, por certo, ampliar-lhes os horizontes e

incentivar-lhes a criatividade” 143.

141 CUNHA, Rosani Evangelista da. Obra citada. p. 12. 142 BOTHE, Michel. Federalismo – um conceito em transformação histórica, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 11. 143 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Obra citada, p. 77.

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2.3. A municipalização após a Constituição Federal de 1988

Com propósito bastante diferenciado vieram os Municípios.

A Constituição brasileira de 1988 não se contentou em estabelecer a Federação,

descentralizando o todo; estabeleceu, também, o municipalismo, impondo a descentralização

das partes. Há, portanto, três ordens federativas: nacional, regional e local.

O reconhecimento da importância dos Municípios deve-se, sobretudo, à

circunstância de que se trata de um agrupamento de sólidas bases, porque o relacionamento

dos interessados dá-se de maneira mais aberta e intensa. É por este motivo que o Município

precede ao próprio Estado144.

Para Geraldo Ataliba, a federação

[...]é uma decorrência necessária, no sistema brasileiro, do próprio regime republicano, pois parece de clara evidência e fácil aceitação que a extensão territorial dos Estados há de requerer, com maior ou menor intensidade, um tipo de regime político que melhor assegure a proximidade entre governantes e governados. [...] (E, neste contexto) a autonomia municipal aparece como base do mesmo princípio republicano, que é o mais transcendental dos princípios do direito público.145

A autonomia municipal é tema prestigiado pelo constituinte federal, que a colocou

entre os princípios sensíveis, de necessária obediência146, o que implica na livre capacidade de

decisão no âmbito de suas competências e sob sua responsabilidade147. O princípio da

autonomia representa o âmbito de competência reconhecida aos entes locais. Trata-se, enfim,

de autonomia pra a gestão de seus respectivos interesses.

Intensificou-se, particularmente, o movimento de municipalização no Estado

brasileiro após a publicação da Constituição Federal de 1988. Por meio de processos de

desmembramentos, um número grande de Municípios foi criado. Este fato ampliou as

disparidades locais e regionais, sem dizer que significativa parte destes dependem

exclusivamente de transferências financeiras da União para sua sobrevivência.

144 BASTOS, Celso Ribeiro e TAVARES, André Ramos. As tendências do Direito Público no limiar do novo século. São Paulo: Saraiva, 2000., p. 130. 145 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 44-45. 146 Art. 34, VII, c. 147 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997, p. 51.

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Segundo Murray Bookchin

[...] o Município é espaço econômico e humano, de transformação do grupo em corpo político de cidadãos. O social e o estatal misturam-se provando que não existem formas pura de organização social. A era moderna caracteriza-se pela urbanização, com a conseqüente degradação do conceito de cidade – enquanto corpo político de cidadãos livres – para transformá-la em urbe – que representa o lado físico da cidade148.

Mas, lamentavelmente, ainda é reduzida a participação efetiva dos Municípios na

equação e na solução dos problemas que interessam de perto às comunidades locais. Em razão

da inexistência de uma clara definição legal das tarefas que devem caber aos municípios (a

expressão constitucional “interesse local” não resolve a questão), na maior parte dos casos,

eles não participam da solução das graves carências que afligem o cotidiano dos cidadãos,

particularmente quanto aos problemas básicos (saúde, educação, habitação etc.) que assumem

aspectos dramáticos149.

No intuito de fortalecimento do poder local, a ordem constitucional de 1988

reforçou o processo de descentralização política pela transferência de atribuições para Estados

e Municípios e a descentralização administrativa pela criação de instrumentos de cooperação

e relação intergovernamental, mas não proporcionou métodos eficazes para a implementação

destas medidas. Ante esta falha, a prática converteu-se em competição horizontal e vertical

entre os entes federados. De fato, a fragmentação dos Municípios é decorrente da falta desses

mecanismos de coordenação interfederativa.

A Constituição de 1988 modificou substancialmente a posição dos Municípios na

Federação, considerando-os componentes da estrutura federativa; portanto, organização

político-administrativa dotada de autonomia (administrativa, política e financeira).

A característica básica de qualquer federação é a distribuição do poder

governamental para as unidades regionais. No caso brasileiro, o sistema constitucional elevou

os Municípios à categoria de entidades autônomas, dotando-as de organização e governos

próprios, bem como, competências exclusivas.

148 BOOKCHIN, Murray. Municipalismo libertário. 1999, p. 13-21. 149 BELTRÃO, Helio. Obra citada. p. 24.

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A autonomia municipal está assegurada nos arts. 18 e 29 da Constituição

Federal150, e significa a capacidade de gerir seus próprios negócios, dentro de um círculo

prefixado por entidade superior (distribuição constitucional de competências).

Hely Lopes Meirelles afirma que “a atual Constituição da República, além de

inscrever a autonomia como prerrogativa intangível do Município, ainda enumera atribuições

que os Estados Membros e a própria União Federal devem reconhecer em favor do

Município” 151.

As competências municipais estão expressas no art. 30 do texto constitucional.

São elas:

Art. 30. [...] I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Não se pretende a enumeração de atividades cujo exercício é próprio pelos

Municípios, mas, sim, apresentar elementos capazes de auxiliar na delimitação das matérias

que lhe possam ser atribuídas.

150 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (...) 151 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 1998, p. 88.

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a) Concepções sobre o Interesse Local

Percebe-se aqui, então, que a problemática sobre a amplitude da atuação

municipal está na necessidade de definição do termo interesse local, para, daí, tratar sobre as

especialidades das atividades locais.

Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky afirmam que “interesse local é aquele que,

sem excluir o do Estado e o da União, diz mais de perto ao Município, está mais próximo às

questões ligadas à vida do Município e sua população” 152.

Pelo mesmo termo entende Hely Lopes Meirelles que “não é o interesse exclusivo

do Município, porque não há interesse municipal que não seja reflexamente do Estado e da

União, e, sim, a predominância desse interesse para o Município em relação ao eventual

interesse estadual ou federal acerca do assunto” 153.

Constata-se a indicação doutrinária nacional para o estudo casuístico da definição

do termo interesse local, utilizando-se como elemento aferidor o critério da predominância do

interesse e, não, o da exclusividade, salvo os casos expressos dispostos nos incisos V a VII do

art. 30 da Constituição Federal, em face das circunstâncias de lugar, natureza e finalidade dos

serviços.

Neste sentido, Dinorá Adelaide Musetti Grotti pondera que, “interesse local é

aquele em que predomina o interesse do Município sobre o do Estado Membro ou da União e

não como sendo único e exclusivo do Município, para efeito de caracterização em cada caso”.

Mas adverte que “a imprecisão do conceito pode gerar dificuldade de análise contextual

diante de situações ambíguas, onde os interesses locais e regionais se cruzam e se inter-

relacionam, diante da mutação por que passam algumas atividades e serviços, em especial

quando se consideram as alterações tecnológicas, sócio-econômicas e institucionais” 154.

Aparentemente, a distribuição das competências parece complexa, porém é um

sistema flexível capaz de moldar-se à realidade brasileira, que apresenta profundas diferenças

regionais, vez que o Poder Público tem maior agilidade e poder de iniciativa executiva, pois

não se adotou um sistema estanque e compartimentado de níveis de competência em uma

152 MOTA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Curso de Direito Constitucional. 2001, p. 113-114. 153 MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada. t., p. 305. 154 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. 2003. pp.93-94.

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mesma matéria. Sem dúvida, falta ainda a elaboração de inúmeras leis complementares para a

criação de todo o arcabouço infraconstitucional.

As questões urbanas estão presentes nos diversos níveis de governo, porém muito

mais presentes nos Municípios, que têm competência para legislar sobre assuntos de interesse

local. E, fortalecendo esta posição, o art. 182155 da Constituição Federal estabelece que o

Poder Público Municipal deve executar a política de desenvolvimento urbano, ordenando o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantindo o bem-estar de seus

habitantes.

Enfim, corresponderá à ação municipal toda medida que se contenha nos limites

do bem-estar dos munícipes, sem invadir a esfera dos interesses gerais da União Federal, ou

regionais dos Estados-Membros.

Sobre o tema, Celso Ribeiro Bastos adverte que “as competências inseridas no art.

30 da Constituição Federal não devem estimular uma visão exageradamente grandiosa da

autonomia municipal, eis que diversas matérias aí explicitadas sofrem a restrição de uma

normatividade superior” 156.

Por sua vez, Carlos Ari Sundfeld, observa que

[...] a própria Constituição Nacional distribui entre os entes da Federação os direitos e competências relativos à prestação de serviços estatais. Assim, há serviços públicos federais, estaduais, distritais e municipais. Mas isso não prejudica a fundamental unidade do Estado brasileiro, no tocante a seus objetivos. O desenvolvimento, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades, a promoção do bem de todos, não são tarefas de um ou outro ente da Federação, mas de todos em

155 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. 156 BASTOS, Celso Ribeiro. Obra citada. 1989, p.278.

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conjunto (CF, art. 3.º). Por isso, a União e os Estados não são — nem podem ser, de Direito — indiferentes aos serviços públicos do Município 157.

Desta forma, não só a reforma estrutural administrativa do Estado faz-se

necessária, mas, também, a reforma sobre a arrecadação tributária para a manutenção deste

sistema, pois o que se tem, hoje, são transferências constitucionais de recursos que pertencem

aos Municípios, para que os utilize, com autonomia, na cobertura das suas despesas, mas não

conseguem suportar o comprometimento com despesas de outras esferas de Governo. A

questão envolve a necessidade de reformulação tributária para manutenção dos entes

federados. Entretanto, não será objeto deste trabalho.

b) Descentralização das políticas públicas e a especialidade dos interesses locais

Também o estudo sobre a descentralização das políticas públicas para os entes

locais justifica-se pela relevância das competências comuns consagrando a federação

cooperativa, bem como o fortalecimento do poder local, assegurando a participação decisiva

dos Municípios. Com isso, defende Marta Arretche que “em Estados federativos (e

respeitadas as disposições constitucionais), nada impede que os diversos níveis de governos

implementem programas sociais os mais diversos” 158.

Seja qual for o critério adotado, o fato é que os cidadãos esperam dos Municípios

a prestação das tarefas e fins estatais. Por este fundamento, aos olhos da sociedade, é possível

afirmar que são atribuições de competência local todas aquelas que se enquadram na atividade

própria do Município, permitindo assim a desconcentração de atividades para melhor

atendimento da população.

Observa Sandra Krieger Gonçalves Silva que “é no Município que reside a

convivência obrigatória dos indivíduos, já que é nesta célula que as pessoas exercem seus

direitos e cumprem suas obrigações” 159.

157 SUNDFELD, Carlos Ari. O saneamento básico e sua execução por empresa estadual in Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br Acesso em: 20 de abril de 2004. 158 ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 23. 159 SILVA, Sandra Krieger Gonçalves. O Município na Constituição Federal de 1988: autonomia, competência legislativa e interesse local. 2003, p.107.

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É o que se denomina princípio da municipalização das ações, cuja base é a idéia

de que as soluções devem ser encontradas na própria comunidade, com a participação do

cidadão que vivencia a realidade local e ainda, no fato de que, na gestão autônoma das

políticas públicas, o Município assume as decisões atinentes à saúde, à educação, à limpeza

urbana etc., fixando os programas sociais que deverão atender os mesmos, cabendo aos

conselhos de direitos a fixação das políticas sociais, uma vez que irão deliberar a respeito

daquelas políticas bem como sobre a aplicação dos recursos financeiros.

Entende-se que, no atual contexto brasileiro, a realização de Reformas do Estado e

a consolidação do regime democrático estão indissoluvelmente ligados ao restabelecimento

do pacto federativo que incentive a cooperação, sem restringir a autonomia política dos

governos locais. Afinal, sem que os entes federativos compreendam a necessidade de

operação conjunta, não há como efetivar os preceitos constitucionais.

Diante do processo de descentralização das políticas públicas do Estado brasileiro,

analisando-se os princípios sobre a distribuição das competências, identificar-se-ão os

consórcios públicos como instrumentos paradigmáticos na consolidação da efetiva cooperação

entre os entes federados. Para isso, os conceitos pré-existentes sobre sistemas de governo e

distribuição do Poder devem ser revistos. Principalmente no que tange à figura do Município,

enquanto ente federado.

No entanto, não se pode olvidar que a ação dos governos locais depende, em

grande parte, da ação do governo federal, que, em regra, pelo sistema constitucional

brasileiro, unilateralmente pode induzir decisões e comportamentos de todos os entes

federativos, por meio de programas pré-estabelecidos. Com essa premissa, é possível afirmar

que “em Estados federativos, estratégias de indução de um nível mais abrangente de governo

sobre um outro menos abrangente podem ter impacto sobre a produção de políticas públicas

deste último” 160.

A qualificação necessária das relações do Estado central com os Municípios,

analisa José Nilo de Castro, “importou no reconhecimento do interesse local, de forma que o

fim da ação municipal é perseguir-lhe e prover-lhe o interesse”. E, segue dizendo que “o

interesse local traduz-se em todos os assuntos do Município, mesmo que ele não fosse o único

160 ARRETCHE, Marta. Obra citada. 2000, p. 33.

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interessado, mas desde que seja o principal; isto porque tudo o quê repercute direta e

imediatamente na vida municipal é interesse local” 161.

Mesmo em se falando de cooperação interfederativa, é importante destacar que a

repartição constitucional de competências induz à observância dos limites de atuação de cada

um dos entes federados, ou seja, devem as unidades respeitar aquelas competências que he

são privativas. Trata-se, pois, do respeito ao princípio da autonomia das unidades federados,

que poderão implantar ou não uma determinada política pública. Portanto, a adoção de um

programa proposto por um nível de governo mais abrangente ou a transferência de atribuições

em políticas públicas supõe a “adesão” 162 do nível de governo para o qual se pretende que

estas atribuições sejam transferidas.

Fernando Roriz diz que

[...] o poder local ganhou, de fato, a vários níveis, uma relevância político-partidária que inevitavelmente vem condicionando as formas do seu exercício, invariavelmente e salvo algumas saudáveis exceções, para opções que tendo quase tudo a ver com estratégias de afirmação eleitoral, por isso não raro ignoram os modelos de desenvolvimento de racionalidade e eficácia verdadeiramente importantes para o futuro das comunidades, entendidas estas como fruidoras de um espaço e modo de viver cada vez mais libertadores 163.

As políticas públicas de interesse local devem ser concebidas como técnicas de

coesão social e territorial, ou seja, que sejam cumpridas de forma a abranger o maior número

de pessoas ao maior número de territórios possíveis.

Por isso, a intervenção do Estado na ordem econômica deve observar, de qualquer

forma, o direito de liberdade fundamental, sem ingerência do Poder Público; mas precisa de

ações positivas, para que os cidadãos possam atuar na sociedade integrada.

161 CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 2001, p. 54. 162 A expressão adesão dos níveis de governos inferiores frente aos programas e políticas estabelecidas pelos governos superiores é utilizada por Marta Arretche, pois considera a autora que aqueles não estão obrigados a seguir as opções escolhidas por estes. Por isso dizer que eles aderem ou ao que foi proposto. Diz a autora que “em Estados federativos, Estados e Municípios assumem funções de gestão de políticas públicas ou por própria iniciativa, ou por adesão a algum programa proposto por outro nível mais abrangente de governo, ou ainda por expressa imposição constitucional. [...] A recuperação das bases federativas do Estado brasileiro tem impacto sobre o processo de descentralização das políticas sociais pelo fato de que, resguardados pelo principio da soberania, Estados e Municípios assumem gestão de políticas públicas sob a prerrogativa da adesão, precisando, portanto, ser incentivados para tal”. (ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 47). 163 RORIZ, Fernando. Municipalismo – Política – Cidadania in Revista de Guimarães, n.º 103, 1993, pp. 433-439. Sociedade Martins Sarmento – Casa de Sarmento. Disponível em:<http://www.csarmento.uminho.pt.> Acesso em 18 de abril de 2004.

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As cidades são, inegavelmente, o espaço de existência física dos indivíduos, onde

se operam desde as transformações sociais e econômicas, até políticas e tecnológicas. Os

Municípios têm problemas de violência, degradação do meio-ambiente, uso desordenado do

solo urbano, lixo de todas as espécies (doméstico, industrial e hospitalar); é nele que as

pessoas transitam pelas ruas e avenidas em meios de transporte próprios ou coletivos, enfim, é

no Município que tudo acontece.

Como já apontado anteriormente, a execução de políticas públicas pelo Poder

Público é atribuição primordial do Governo a fim de assegurar a coexistência dos governados

em sociedade, mantendo a ordem interna e garantindo a iniciativa privada na regulação da

ordem econômica.

Neste sentido, pensando sob o aspecto da descentralização, Luciano Parejo

Alfonso diz que a autonomia local:

[...] é o espaço político-administrativo decisório, normativo e executivo-prestacional, focado à realização, justamente pela sua dupla condição de Administração democrática (possibilitadora da participação política ativa, direta e através de representantes) e articulada pelo princípio da auto-administração (que faz do cidadão um membro ativo e destinatário da Administração) 164.

Como conclusão parcial, tem-se que o critério do interesse local é sempre relativo

frente às demais entidades estatais, pois se predomina sobre determinada matéria o interesse

do Município em relação aos demais entes da federação, essa será de competência municipal,

e no sentido contrário a afirmação também é verdadeira; logo, a aferição da competência

municipal sobre as atribuições locais há de ser feita em cada caso concreto, tomando-se como

elemento o critério da predominância do interesse, e não o da exclusividade, em face das

circunstâncias de lugar, natureza e finalidade da atividade. Portanto, “inútil será qualquer

tentativa de enumeração exaustiva dos serviços locais, uma vez que a constante ampliação das

funções municipais exige, constantemente, novos serviços” 165.

Se, de uma parte, para a (re) formulação da federação brasileira é necessária a

valorização dos espaços locais, de outra, é necessária a coordenação da União federal, a fim

de manter a unidade nacional. Por isso, ao se pensar em reformas do Estado, inevitavelmente,

164 ALFONSO, Luciano Parejo. La vigencia, fuerza y eficacia de la carta europea de salvaguarda de los derechos humanos como norma local y los mecanismos de control y garantía de su cumplimiento. Disponível em: <http://www.creb.it>, acesso em 17 de abril de 2004. 165 MEIRELLES, Hely Lopes.Obra citada. p. 326.

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deve-se considerar as expressivas desigualdades econômicas, social, política e,

principalmente, capacidade administrativa e estrutural dos governos locais. No entanto,

adverte Marta Arretche:

[...] para que uma estratégia de indução seja bem-sucedida, é necessário que os níveis de governo interessados nas reformas tenha disposição – isto é, tomem decisões favoráveis a programas de descentralização – e meios – isto é, contém com recursos financeiros, políticos e administrativos – para implementar políticas cujo desenho institucional obtenha a adesão dos demais níveis de governo. Finalmente, a extensão da descentralização depende ainda diretamente de que tais políticas sejam implementadas de modo coordenado. Quanto maior for o grau de coincidência das ações dos níveis mais abrangentes de governo, maior será o alcance da municipalização. Na mesma direção, o escopo da descentralização depende diretamente da continuidade no tempo da implementação de estratégias de indução destinadas a compensar obstáculos derivados da (in) capacidade fiscal e administrativa dos governos locais 166.

3. Tendência à associação interfederativa na evolução legislativa brasileira

Curiosamente, em todo o histórico federativo brasileiro, quando da indicação das

competências, incentivou-se o associativismo interfederativo a fim de cumprir tais propósitos.

Pondera Marçal Justen Filho que “a cooperação entre os entes federados é

indispensável para a ampliação da legitimidade democrática e para a afirmação da eficiência

da atividade administrativa do Estado brasileiro” 167.

Presente no país desde o século XIX, sempre se previu a possibilidade legal de

atuação associada entre os Municípios, ainda que naquele momento essas unidades não

tinham o status constitucional de entes federado, mas, sim, partes administrativas dos Estados-

Membros.

A Constituição de 1891 remetia as questões atinentes aos Municípios às

Constituições Estaduais. Alguns Estados faziam então referência à possibilidade de

conjugação de esforços entre entes federados. A Constituição do Estado de São Paulo já

166 ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 74. 167 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. 2006, p. 677.

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dispunha, em seu art. 56168, sobre o tema da associação de Municípios, como método de

realização de quaisquer melhoramentos de interesse comum.

A Constituição de 1934 trouxe uma série de inovações, inclusive quanto ao papel

social do Estado, que foi consideravelmente ampliado, tanto no plano da União quanto dos

Estados-membros e Municípios. Em conseqüência disso, foi amplamente modificado o

aparato administrativo do poder público no Brasil, criando-se e implantando-se novos

instrumentos de ação, surgindo novas figuras jurídicas no âmbito público. Entre outras

inovações, chegou ao Brasil a idéia de federalismo cooperativo, que era uma nova concepção

do relacionamento entre a União e as unidades federadas, posta em prática nos Estados

Unidos169.

A Constituição de 1937, no art. 29170, fez menção à possibilidade de Municípios

da mesma região agruparem-se para a prestação de serviços públicos comuns. A primeira

referência, não propriamente a consórcios, mas à possibilidade dos Municípios de uma mesma

região poderem “agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços

públicos comuns”, prevendo ainda que tal agrupamento (o consórcio, em suma) seria “dotado

de personalidade jurídica limitada a seus fins” e que caberia “aos Estados regular as condições

de tais agrupamentos” tanto no tocante a sua constituição quando à sua administração

(parágrafo único).

Embora não tenha havido menção expressa quanto à possibilidade dos Municípios

se associarem para o desenvolvimento de serviços compartilhados, o texto constitucional

garantia significativa descentralização administrativa, reforçando a autonomia dos entes

federados. No regime da Constituição de 1946, ensina Dalmo de Abreu Dallari,

[...] houve grande desenvolvimento das administrações municipais, surgindo nessa fase muitos consórcios intermunicipais para a realização de obras e serviços de interesse comum, como será exposto mais adiante, quando forem examinados especificamente os consórcios. Neste contexto, muitos Municípios participaram de acordos com

168 Art. 56 – As municipalidades poderão associar-se para a realização de quaisquer melhoramentos, que julguem de comum interesse dependendo, porém, de aprovação do Congresso do Estado as resoluções que nesse caso tomarem. 169 DALLARI, Dalmo de Abreu. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso: 30 de março de 2005. 170 Art. 29 – Os municípios da mesma região podem grupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins.

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governos estaduais e com o governo federal, para o recebimento de apoio técnico e financeiro para a realização de empreendimentos de interesse local ou para a complementação de serviços estaduais e federais, tendo sido criados vários modelos jurídicos para a formalização desses acordos. Manteve-se a organização federativa, com suas características básicas fixadas na Constituição, sobretudo com a preservação da autonomia política dos Estados-membros e dos Municípios, mas, ao mesmo tempo, surgiram inovações importantes na organização administrativa, procurando dar efetividade às prioridades então fixadas171.

Sob esta ordem, resgatou-se a questão da cooperação federativa; o que permitiu

infraconstitucionalmente a criação do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul

(BRDE), como autarquia interestadual que objetiva o desenvolvimento da região sul do país.

Do mesmo modo, a Constituição de 1967 não contemplava o tema. Previa,

contudo, a possibilidade de reunião de esforços entre Municípios mediante a pactuação.

Fazia-o no artigo 16, § 4º, prevendo que os “Municípios poderão celebrar convênios para

realização de obras ou a exploração de serviços públicos de interesse comum, cuja execução

dos convênios ficará dependendo da aprovação das respectivas Câmaras Municipais”.

Vê-se, portanto, que na tradição constitucional e legal brasileira não se mostrava,

com a exceção da Constituição de 1937, freqüente e detalhada a referência à figura do

consórcio entre Municípios. Ausente de todo, ademais, era a referência ao consorciamento

entre entes federados de distinta abrangência. Contudo, apesar da inexistência de referência

constitucional expressa, na tradição do municipalismo brasileiro, não se fez incomum a

reunião de municipalidades em consórcios ou outras entidades voltadas a somar esforços para

melhor desempenho das competências comuns172.

A partir da década de 70, com o crescimento da atuação dos Municípios em

diferentes áreas de políticas públicas, o consorciamento expandiu-se visivelmente173. O

vaguidade da disciplina jurídica, até o momento, não impediu a ampla utilização das figuras

convencionais autorizadas, ainda que especificamente, pela ordem jurídica nacional, como foi

o caso da Lei n° 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), que fez referência ao uso dos convênios

171 DALLARI, Dalmo de Abreu. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso: 30 de março de 2005. 172 Ibidem. 173 CUNHA, Rosani Evangelista da.Obra Citada. p. 12-13.

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na área da saúde, ou, ainda, a Lei n° 9.433/97, que faz menção à figura dos consórcios de

bacia hidrográfica. Até aqui, no que diz respeito às relações intermunicipais, os modos de

formalização jurídica dos consórcios e convênios que tratam de algum tipo de

compartilhamento de meios ou encargos para o desempenho de atividades de interesse

público têm sido os mais diversos174.

3.1. Modelos Constitucionais de Associação Interfederativa

Constata-se, então, no ordenamento jurídico brasileiro, a importância do

associativismo e do regionalismo por meio de figuras como as associações municipais, os

consórcios públicos, os convênios de cooperação, as aglomerações urbanas, as microrregiões,

as regiões metropolitanas e as regiões de desenvolvimento. Todas elas consistem, de modo

geral, no agrupamento de municípios limítrofes que se propõem à integração funcional e

planejamento integrado entre os entes públicos que fazem parte.

Partindo-se do pressuposto de que as formas de atuação da Administração

Pública, pautadas pela adoção de políticas públicas abrangentes, relacionadas ao bem-estar

geral, são intimamente ligadas aos modelos de Estado, adotados em dado momento histórico;

assim, para a análise e compreensão das formas de atuação do poder público, em face das

opções de associativismo e de regionalismo, na junção de esforços de entidades públicas, para

a consecução de interesses coletivos, “é fundamental compreender a relação entre os fins do

Estado e as funções e formas de organização por ele adotadas” 175.

a) A cooperação interfederativa na redação do art. 23 da Constituição Federal de 1988

Fala-se em competência comum sempre que “não exista primazia entre os

responsáveis pela execução do encargo, mas, ao contrário, supõe-se a igualdade das diversas

174 BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas, In: WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, 2004, pp. 559. 175 TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana: instituição e gestão contemporânea – dimensão participativa. 2005, p. 71.

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esferas federativas, que devem agir em conjunto, sem que o exercício de uma venha a excluir

a competência da outra” 176.

Por isso, com a definição de competências no texto constitucional de 1988,

colocou-se em questão a partilha de responsabilidades em relação àquelas comuns definidas

no art. 23, considerando a amplitude de temas ali tratados e exigindo a cooperação entre os

entes federativos para a realização desses direitos. Sobre o assunto, diz Maria Paula Dallari

Bucci que

[...]a cooperação entre os entes federados deve superar o status de mera declaração constitucional de intenções e, devidamente regulamentada e executada, assumir a feição de conjunto de engrenagens institucionais, voltado às necessidade de liberdade e bem-estar de todos, pois a forma federativa só se justifica se corresponder a uma estrutura descentralizada politicamente, capaz de diminuir desigualdades regionais e com isso proporcionar o desenvolvimento de territórios e suas populações. Esse é o sentido do compartilhamento das competências do art. 23 da Constituição, a realização de direitos sociais, imprescindível à eliminação de desigualdades regionais e necessárias para que os avanços na democracia política no Brasil não correspondam à regressão rumo ao fascismo social177.

O modelo federativo não elimina a natureza una do Estado brasileiro, e todos os

entes que o compõem devem, em conjunto e em colaboração mútua, perseguir e implantar os

objetivos nacionais dispostos no art. 3° da Constituição Federal.

Afirma-se que a federação brasileira foi concebida para que esses objetivos sejam

alcançados, do melhor modo possível, mediante a somatória do esforço de todos aqueles que a

integram178. Afinal, a união indissolúvel prescrita no art. 1° do texto constitucional determina

a todos o dever de implementar os interesses públicos.

Observa Regina Camineiro Baggio que

[...] a tendência cooperativa, instituída pelo art. 23 da Constituição, nas questões da ação administrativa dos entes da federação, abre espaço para uma tentativa de construir relações mais harmônicas dentro da nossa federação, até porque teria

176 DALLARI, Sueli Goandolfi. Obra citada., p. 38. 177 BUCCI, Maria Paula Dallari. Obra citada. pp. 552. 178 PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 09.

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como pressuposto fundamental a aplicação do princípio da subsidiariedade, permitindo a ação do governo central somente diante da impossibilidade dos demais. [...] Quando todos os entes têm competências para as mesmas ações sem que existam regras que definam como executá-las, a omissão desses entes pode prevalecer sob a argumentação de que a competência pertence sempre ao outro membro da federação 179.

Com opinião diferenciada, Fernanda Dias Menezes de Almeida considera como

competências comuns aquelas enumeradas não só no art. 23, mas, também, no art. 24 do texto

constitucional, ao dispor sobre as competências concorrentes entre União e Estados-Membros,

além do competência suplementar dos Municípios no art. 30, II. Afirma que

[...] as competências comuns estão elas discriminadas em dois dispositivos. No art. 23 são previstas tarefas cujo cumprimento a todos deve incumbir, por isso que voltadas à defesa de valores que, sem o concurso da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o constituinte entendeu que não poderiam ser adequadamente preservados. De outra parte, no art. 24 figura a competência legislativa concorrente mediante a qual a União, Estados e Distrito Federal podem legislar sobre as matérias que o dispositivo arrola, observado o disposto em seus quatro parágrafos. Embora o art. 24 não indique os Municípios entre os titulares da competência legislativa concorrente, não ficaram eles dela alijados. Deslocada, no inciso II do artigo 30, consta a competência dos Municípios de suplementar a legislação federal e estadual no que couber180.

Sobre o exercício da competência comum, diz a autora, ainda, que “deverá ser

presidido pelo ideal de colaboração entre as pessoas político-administrativas”, sem esquecer

que “as normas que se editarem com vistas a proporcionar a cooperação desejada obrigarão

também a União” 181.

A crítica que se pode fazer às competências comuns elencadas no art. 23 da

Constituição de 1988, admite Gilberto Bercovici, “é a não inclusão do planejamento entre as

matérias previstas”. Para o autor, “a ênfase neste assunto foi dada à União, ignorando-se o

papel dos Estados e Municípios na elaboração dos planos. Mas isto não exclui a necessidade

de participação de todos os entes federados na elaboração conjunta do planejamento” 182.

179 BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re) formulação da federação brasileira. 2006, p. 112. 180 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Obra citada. p. 75. 181 Ibidem,. p. 133. 182 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p.155-156.

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Entretanto, o que vê de fato é uma completa falta de política nacional coordenada,

em que algumas políticas públicas sejam realizadas por mais de uma esfera de governo e,

outras, por nenhuma.

Assim não poderia deixar de ser, pois todos os entes federativos compartilham, de

algum modo, interesses comuns – cada um na sua fração.

A cooperação que se propõe para justificar a formação do consórcio público não

pode ser compreendida como forma de delegação de competência entre entes da Federação

brasileira. Sabe-se que o texto constitucional reparte tanto as competências legislativas, como

as administrativas, entre os integrantes da Federação, com atribuição própria a cada um.

Considerando os consórcios públicos como instrumentos de cooperação

intergovernamental, em posições contrárias argumenta-se que eles refletem efeitos negativos

da descentralização de políticas públicas, bem como a descoordenação entre entes

governamentais e fragmentação de recursos financeiros.

Por certo, é uma questão que deve ser considerada e resolvida pelos entes proponentes

quando da formação destes consórcios.

b) Regiões metropolitanas

Também como formas de associação de interesses, há as regiões metropolitanas e

de desenvolvimento, que se apresentam, fundamentalmente como “grandes conurbações

urbanas, provocadas pela expansão territorial de Municípios vizinho e, principalmente, pela

comunicação econômico-social entre as cidades, o que gera questões de ordem comum” 183.

Com razão afirma José Alfredo de Oliveira Baracho que

[.,..] na estruturação do federalismo contemporâneo diversos fatores contribuíram para o aparecimento de novas formas de estruturação política e administrativa, para que outros entes, que têm fisionomia jurídica as mais diversas, pudessem atender

183 GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em: http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2006, p. 01.

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os reclamos da sociedade. [...] A importância do fenômeno urbano criou a necessidade de busca de processo jurídicos que pudessem ordenar o desenvolvimento das áreas metropolitanas184.

Não houve qualquer preocupação do legislador na Constituição Republicana de

1891 sobre as regiões metropolitanas. A única previsão que se aproximou ao tema facultava

aos Estados a possibilidade de se lavrarem acordos ou convenções entre si, sem caráter

político, nos arts. 48 e 65.

Também inexpressiva, a Constituição de 1934, no art. 9º, previa a possibilidade de

acordo entre Estados e União para o desenvolvimento de ações em conjunto de seus serviços.

A previsão constitucional sobre agrupamentos municipais em regiões data de

1937, cuja redação do art. 29 previa que os municípios da mesma região poderiam agrupar-se

para a instalação, exploração e administração de serviços comuns e este agrupamento seriam

dotados de personalidade jurídica limitada a seus fins, que deveriam ser limitados pelo

Estado. Identificam-se nesta regra constitucional duas idéias norteadoras no agrupamento

municipal: a primeira é que o texto constitucional reservou para si a faculdade da previsão do

agrupamento, detentor de personalidade jurídica limitada a seus fins institucionais; e, a

segunda é que conferia aos Estados a regulação das condições de constituição dos

agrupamentos municipais e a forma de sua gestão, respeitando-se, a uma só vez, o princípio

da federação e a autonomia estadual.

A Constituição de 1946 não fez referência à matéria, delegando tal atribuição aos

Estados-Membros, que em seus textos constitucionais poderiam regular sobre o

associativismo intermunicipal, que deveriam ater-se às características econômicas e

geográficas afins, para melhor solução dos problemas de comum interesse e que resultem

positivamente para as coletividades envolvidas.

Depois, somente na Constituição de 1967, pela E.C. n° 01/69, o art. 164

autorizava a União, por meio de lei complementar, para a realização de serviços comuns

estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de

sua vinculação administrativa, fizessem parte da mesma comunidade socioeconômica.

184 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 129.

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Como determinado pelo texto constitucional, foi, em 14 de julho de 1973, editada

a Lei Complementar n. 14 dispondo as primeiras oito regiões metropolitanas do país,

reconhecendo a existência de serviços comuns e conferiu-lhe a denominação de interesses

metropolitanos.

A Constituição de 1988 teve uma preocupação efetiva com a questão regional;

“dentre seus pontos positivos pode-se destacar a restauração do federalismo, nos moldes do

federalismo cooperativo, a repartição de rendas e a inclusão da superação das desigualdades

sociais e regionais entre os objetivos da República” 185, consagrou “nova fisionomia das

relações entre os níveis de governo que compõem a federação brasileira, assegurando-se

mecanismos indispensáveis ao federalismo cooperativo, reconhecidos na sua ação

intergovernamental de cooperação voluntária e compulsória” 186-187.

Assim, do ponto de vista conceitual administrativo, esclarece Maria Paula Dallari

Bucci que “a região metropolitana define-se como área de interesse especial, resultado do

desenvolvimento da área urbana e das localidades periféricas, que recebem os reflexos da

concentração demográfica e da expansão industrial, caracterizando a comunidade

socioeconômica” 188.

Para Esther Bueno Soares, “o gigantismo do Estado traz desníveis entre seus

habitantes e as regiões que o compõem, tornando-se ponto sensível à manutenção da unidade

nacional em meio a tantas disparidades regionais”. Considera a autora as regiões como

centros de “descentralização econômica”, cujos projetos “deverão desenvolver programas

coordenados para a sua realidade” 189.

Por fim, observa Nathália Arruda Guimarães,

[...]na maioria das vezes, as regiões metropolitanas surgem como pólos de atividades econômicas, ou seja, como ponto de localização concentrada de atividades dentro de um núcleo urbanizado condicionante de todo o comportamento econômico

185 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 30. 186 TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana: instituição e gestão contemporânea – dimensão participativa. 2005, p. 65. 187 A autora explica que as relações voluntárias são aquelas realizadas por meio de convênios e consórcios públicos, conforme disposto no art. 241, CF e as relações compulsórias são conhecidas pelo caráter vinculante, quanto à participação dos entes públicos envolvidos, traduzidas nas regiões metropolitanas e demais figuras regionais previstas no art. 25, CF. Ibidem, p. 65. 188 BUCCI, Maria Paula Dallari. Obra citada. p. 555. 189 SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. 1995, p. 88.

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na região, visto que a sua expansão gera fluxos do exterior para o centro e do centro para o exterior. 190

Tem-se, então, que pela ordem constitucional vigente, compete aos Estados-

Membros, por meio de lei complementar, a criação de regiões metropolitanas191,

aglomerações urbanas192 e microrregiões193, que consistem em entidades administrativas,

superpostas aos Municípios de uma área constituinte de comunidade sócio-econômica, com o

objetivo de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de

interesse comum a todas as unidades componentes194. Trata-se de agrupamentos de

Municípios limítrofes, tendo por finalidade básica a resolução de assunto em comum195.

Sobre as regiões metropolitanas, deve-se anotar que os Municípios, assim como

os Estados, não são peças isoladas na comunidade nacional, de modo que o peculiar interesse

municipal deve, por vezes, ceder a noção de interesse comum, ou seja, nessas regiões, há

necessidade de serviços comuns integrados, pois a predominância do interesse metropolitano

se impõe dominante, acima do restrito interesse local. Nas palavras de Marcelo Figueiredo,

“onde o interesse for comum a mais de um Município, a titularidade da prestação de serviços

é dos Estados, que são entes responsáveis por coordenar essa complexa realidade; desde que

oferecendo diretrizes para uma articulação saudável entre os interesses públicos envolvidos na

prestação de serviços públicos” 196.

Sobre a dificuldade na implantação da região metropolitana, adverte José Alfredo

de Oliveira Baracho que

[...] a implantação da áreas metropolitanas, como decorrência da institucionalização de mecanismos capazes de enfrentar os problemas causados pelas metrópoles, é tema de solução necessária. Mas problemas como o seu ajustamento com a

190 GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em: http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2006, p. 03. 191 Na região metropolitana sempre haverá um Município mais importante em torno do qual se reunirão os demais. Entre tais Municípios observar-se-á uma continuidade urbana, sendo densamente povoado, de contínua construção. (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2002, p.476-477) 192 Na microrregião existem Municípios limítrofes, todos relativamente semelhantes, sem nenhum que predomine. É a lei complementar que vai estabelecer uma cidade-sede, dentre qualquer um dos membros. Observar-se-á em cada Município um núcleo urbano próprio, com o que há descontinuidade urbana. (Ibidem) 193 Nos aglomerados urbanos, os Municípios também se equivalem, existe uma continuidade urbana e a área é densamente povoada. Essa modalidade reúne característica das demais. Não haverá, contudo, uma cidade predominante ou sede. (Ibidem) 194 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional., 2002., p. 71. 195 TAVARES, André Ramos. Obra citada.. p. 746. 196 FIGUEIREDO, Marcelo. O saneamento básico e o direito – uma visão dos principais problemas jurídicos In: WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. 2004, pp. 520.

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autonomia municipal levanta questões sérias, desde que está é entendida como poder de autodireção, que tem seus limites apenas nas regras constitucionais federais e estaduais. Aceitando-se a capacidade do Município em definir quais são os serviços locais, torna-se difícil forçá-los a aceitar política que se lhe queira impor, com o objetivo de atender a matérias rotuladas como de peculiar interesse 197-198.

Pretende-se com as regiões metropolitanas a associação para prestação conjunta

de funções públicas de interesse comum dos Municípios envolvidos. A região metropolitana

deve observar a organização, planejamento e execução de políticas públicas integradas.

Em contrapartida, “nos espaços metropolitanos, a ausência de formas de

pactuação federativa agrava os problemas sociais e urbanos aí concentrado; esse é território

em que a presença de articulação horizontal e vertical é condição necessária à viabilidade da

gestão de diferentes políticas públicas” 199.

O planejamento regional faz parte do planejamento nacional, por isso é necessária

a coordenação e compatibilização dos planos nacional e regionais de desenvolvimento, pois a

problemática regional deve estar refletida em todas as políticas nacionais, mas a integração do

planejamento regional no nacional deve se dar por participação, não por dependência ou

incorporação. “A interação entre as autoridades políticas é essencial para a concretização do

plano, já que os problemas de desenvolvimento regional são, ao mesmo tempo, problemas

nacionais, que devem ser resolvidos, conjuntamente, por todas as esferas de pode envolvidas” 200.

Criar as condições de um desenvolvimento urbano e interurbano sustentável

tornou-se tarefa dos poderes públicos municipais e dos organismos regionais urbanos, pois

são as políticas públicas urbanas e regionais que têm obrigação de afastar os riscos de

segregações sociais e econômicas. Afinal, já é realidade o fato da população aglutinar-se em

locais – social e economicamente – mais desenvolvidos.

197 A expressão peculiar interesse foi utilizada pelo autor em razão da previsão constitucional vigente na época da publicação da obra. Esta expressão hoje foi substituída por “interesse local”. De todo modo, não desvirtua a compreensão do trecho citado. 198 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. 1986, p. 141. 199 CUNHA, Rosani Evangelista da. Obra citada. 2004, p. 11. 200 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 214.

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c) Regiões de Desenvolvimento

A constitucionalização administrativa das regiões “deve ser reputada predecessora

da constitucionalização política – portanto, como largo e significativo passo para vencer o

atraso e os enormes obstáculos existentes, que impedem a federação brasileira de caminhar

rumo à incorporação das regiões na estrutura do seu sistema associativo” 201.

As regiões de desenvolvimento “têm sua criação por obra legislativa da União,

vez que reflete a política de estímulo ao desenvolvimento de regiões menos favorecidas”, ou

seja, abrangem áreas que constituem complexos geo-econômicos e sociais, que politicamente

pertencem a Estados ou Municípios diversos. De todo modo, “servem para definir áreas

especiais, a respeito das quais a União articulará a sua ação administrativa por meio de

organismos, que executarão planos regionais de desenvolvimento” 202. São instituídas para

articular ações num mesmo complexo geoeconômico e social com vistas à redução das

desigualdades regionais.

São áreas homogêneas com características físicas e culturais distintas daquelas

outras áreas que as rodeiam. O desenvolvimento regional foi consolidado na Constituição de

1946, com a revelação da profundidade das questões regionais, ou seja, os Estados-Membros

estavam desprovidos de recursos para solução deus problemas. Mas o texto constitucional de

1934 acolheu a cooperação intergovernamental entre as esferas federal e estaduais. Sem

qualquer novidade na Constituição e 1946, resgatou-se o tema em 1967, aceitando o

planejamento regional.

Diferentemente das regiões metropolitanas, as de desenvolvimento não são

autônomas no seu funcionamento.

A região de desenvolvimento, diz Ana Carolina Wanderley Teixeira, pode ser

[...] a forma de melhor atender a interesses e funções públicas comuns de vários municípios, pois permite o compartilhamento de competências normativas e administrativas de maior flexibilidade e agilidade, a fim de possibilitar ação mais adequada e racional do poder público, em virtude da grande extensão territorial e diversidade socioeconômica do país.

201 BONAVIDES, Paulo. Federalismo regional num país periférico, in BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira (Coords.), Constituição e Democracia – estudos em homenagem ao Professor J.J. Canotilho. 2006, p. 456. 202 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Obra citada. p. 71-72.

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Temos, assim, que também com as regiões – como quaisquer outras figuras regionais – busca-se novo equilíbrio para o Estado na moldura periférica da descentralização. [...] A regionalização pode ser uma alternativa para o processo de mudanças, a partir da constatação de que os Municípios isoladamente não mais são capazes de atender a seus cidadãos, pois representa a união de esforços em torno de objetivo comum, como contribuição para a efetividade das funções públicas de interesse comum e implementação de políticas públicas, que aproximem o cidadão do poder público, para eliminação de assimetrias e promoção da igualdade de oportunidades, reforçando a capacidade de proteção dos interesses periféricos em relação aos pólos de desenvolvimento, como fator de progresso integrado203.

Assim, ao introduzir a Região, a Constituição Federal de 1988 o fez como forma

de organização administrativa, não política, cujo objetivo, disposto no art. 43, é a

administração dos interesses públicos federais naquela determinada área; portanto, suas

atividades são meramente administrativas, ou seja, limitam-se à gestão de serviços e

interesses públicos federais. Portanto, a Região “é fruto de mera descentralização

administrativa sem qualquer participação dos Estados interessados e utilizados como meros

executores dos planos regionais de desenvolvimento” 204.

Em sentido contrário diz Paulo Bonavides que “a constitucionalização da Região

não é simplesmente administrativa, qual flui do art. 43; mas de teor e qualidade

manifestamente econômicos dentro de certos limites, até mesmo de caráter político” 205.

Considerando ou não a constitucionalização da Região como elemento político, o

fato é que a Constituição Federal de 1988, taxativamente, tratou da matéria regional treze206

vezes no corpo permanente e quatro207, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Percebe-se que efetivamente a problemática regional foi uma preocupação

incidente para o constituinte de 1988.

203 TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Obra citada. p. 17, 29. 204 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p.233-235. 205 BONAVIDES, Paulo. Obra citada. p. 456. 206 1) Art. 43; 2) Art. 3º, inciso III; 3) Art. 21, inciso IX; 4) Art. 25, §3º; 5) Art. 48; 6) Art. 151, inciso I; 7) Art. 159, inciso I, alínea “c”; 8) Art. 165; 9) Art. 165, §§ 1º, 4º, 5º, 6º e 7º; 10) Art. 165, incisos I e II; 11) Art. 166, §1º e inciso II; 12) Art. 170; 13) Art. 192, §2º (revogado pela EC 40/2003). 207 Art. 34, §10, e seus incisos I, II e III e § 11; Art. 35, 40 e 42.

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d) Associações Intermunicipais

Muito mais do que discussões conceituais acerca da definição de institutos

jurídicos, o que se faz urgente é a adequada construção de instrumentos que garantam a

compreensão por parte da sociedade dos mecanismos de decisão pública sem o desperdício de

recursos públicos.

A partir do momento em que Municípios

[...] associam-se para formar uma nova rede social que interprete o controle local com o significados de assembléias populares, que a autoconfiança signifique a coletivização dos recursos, e que, finalmente, a coordenação administrativa dos seus interesses comuns seja feita por pessoas livremente escolhidas e cujas atividades estão limitadas sempre à administração de políticas por eles escolhidas[...] (Então) os municípios deixam de ser instituições políticas individuais; e sua confederação é o movimento social de ampla base que deve ser buscado hoje208.

A idéia de associação entre municípios para a realização de tarefas de interesse

comum não é novidade na história brasileira.

Adotaram-se, até a Constituição Federal de 1988, instrumentos como associações

municipais ou convênios intermunicipais cujas atuações estavam inseridas no processo de

desenvolvimento da autonomia municipal e na dinâmica do federalismo nacional. A

permissão para agrupamento de Municípios na mesma região foi deferida pela Constituição

de 1937, com o objetivo de instalação, exploração e administração de serviços públicos

comuns e “teve como finalidade o provimento de suas necessidades, que seriam efetivadas de

maneira a atender mais de uma comunidade, que não poderia executar certas tarefas

isoladamente e que viriam beneficiar mais de um Município” 209.

E, principalmente após a promulgação do texto constitucional vigente, com o

fortalecimento normativo dos Municípios, as dificuldades de implementação dessa autonomia

aumentaram, pois diante da tradição centralizadora e dos desafios postos pela Constituição de

208 BOOKCHIN, Murray. Obra citada. 1999, p. 33-34. 209 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 135.

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1988, os Municípios buscaram reunir esforços, dividindo experiências e criando modos de

cooperação, como as associações municipais,

[...] cuja identidade de associação geralmente era o critério geográfico e cujos objetivos estabelecidos nos respectivos estatutos costumavam incluir a capacitação técnica de servidores municipais, compartilhamento de equipamentos e pessoal para a redução de custos, transferência de tecnologia e experiências administrativas, bem como assessoramentos técnicos que visam desde a realização de obras públicas até a estruturação de institutos de previdência dos servidores municipais210.

Oportunamente, lembra-se que não está excluída a possibilidade de criação de

novas associações como estas, mesmo após a redação do art. 241, da CF, nem mesmo da

publicação da Lei de Consórcios Públicos.

No ideal do federalismo de cooperação disposto na ordem constitucional

brasileira, todos os instrumentos de cooperação intergovernamental e gestão associada para a

realização de tarefas que se proponham ao alcance de interesses comuns e de bem-estar da

sociedade, como um todo, são possíveis de co-existência.

Assim, é importante analisar a grande problemática que envolve essas associações

de municípios, que é o regime jurídico sob o qual são constituídas. Por não haver regras

específicas para a criação de associação de municípios, cada uma destas é criada de modo

diferente. Apesar de serem associações constituídas por pessoas jurídicas de direito público,

mantidas por contribuições pecuniárias de origem pública e voltadas para finalidades

públicas, estabelecem – em regra – estatuariamente que são pessoas de direito privado.

Em estudo próprio sobre a associação municipal, Damião Alves de Azevedo

ensina que

[...] o fato dos estatutos preverem a necessidade do registro em cartório não muda a natureza das coisas – pois a mesma exigência é feita para a criação de fundações públicas, e isto não desvirtua sua natureza jurídica. Logo, adverte o autor, o mesmo raciocínio aplicado às pessoas jurídicas públicas de base patrimonial – como é o caso das fundações públicas – vale para as pessoas jurídicas de base associativa. Pois a semelhança entre uma e outra é o fato de formarem-se a partir de um

210 AZEVEDO, Damião Alves de. A natureza jurídica das associações de municípios e dos consórcios intermunicipais. In; Revista de Direito Administrativo – RDA, 2004. p. 377.

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conjunto de pessoas reunidas em torno de um objetivo social comum211.

O que vale, sobretudo, é a essência na sua formação, qual seja, a associação para

fins de cumprir o interesse público comum. Tanto numa quanto noutra, as tarefas a que se

propõem cumprir devem estar adstritas às competências constitucionais de cada associado. E,

ainda, mais do que isso, cada Município-parte, no exercício de sua autonomia, tem a opção de

associar-se ou não. Trata-se, esta, de decisão do chefe do Executivo, mas que pende de

ratificação do poder Legislativo; afinal, dependerá este grupo de municípios de dotação

orçamentária para a consecução dos fins a que se propuseram e, para tal, dependem de

autorização legislativa.

De um modo geral, vale compreender que qualquer que seja a nomenclatura dada

a essas organizações, o fato é que se forem criadas pelo Estado, a partir do Estado e por meio

de decisão de agentes políticos; não há como não atribuir a personalidade jurídica pública.

e) Interpretação Constitucional do art. 241 da Constituição de 1988 e sua

compatibilização com o art. 23

Antes mesmo da revisão da redação do art. 241 da Constituição Federal, já era

possível efetivar a cooperação intergovernamental por meio de convênios ou consórcios, em

razão da leitura, do art. 23, para as atividades de competência comum. Os convênios e

consórcios sempre foram a forma predileta de instrumentalização dessa cooperação, que,

inclusive, poderiam ter sido regulamentados por meio de lei complementar, em resposta à

determinação constitucional.

Seguindo no processo de raciocínio de compreensão histórica, é importante

analisar o dispositivo, sob a perspectiva de não se trata de redação originária do texto

constitucional, mais sim de nova redação dada pela Emenda Constitucional n° 19/97.

Destaca-se que a proposta formulada pelo Governo Federal em 1995 previa

expressamente a personalidade jurídica dos consórcios públicos e a possibilidade dos entes

governamentais executarem de forma conjunta a gestão associada de serviços públicos. Os

motivos que acompanharam o Projeto de Emenda Constitucional sobre a Reforma

211 Ibidem,p. 380.

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Administrativa (PEC n° 173/95) definiam como objetivo principal da proposta a viabilização

do federalismo administrativo, com a introdução de novos formatos institucionais para a

gestão em regime de cooperação dos serviços públicos, envolvendo a União, Estados, Distrito

Federal e Municípios e a remoção de obstáculos legais à transferência de bens e de pessoal

aprofundarão a aplicação dos preceitos do federalismo na administração pública,

particularmente no que tange à descentralização dos serviços públicos.

Analisando comparativamente os arts. 23 e 241 do texto constitucional, Marcos

Juruena Villela Souto pondera que

[...] a cooperação entre entidades federadas, segundo o artigo 23, parágrafo único, CF, deve ser disciplinada por lei complementar; já a norma do art. 241, CF trata da autorização legislativa específica para a gestão associada. Ao que parece, no art. 23, parágrafo único se disciplina a partilha de competência comum, de modo a prevenir conflitos, ao passo que no art. 241 se cuida de viabilizar que os entes disciplinem sua competência privativa, por força do princípio federativo, associando a outra entidade, que também está obrigada a desenvolver sua competência própria – não necessariamente de transferência da competência de uma entidade para a outra, o que também está abrigado no dispositivo212.

O federalismo cooperativo brasileiro acata uma visão de integração

governamental de todas as pessoas políticas, atribuindo a cada uma delas uma parcela de

responsabilidade para o efetivo equacionamento dos serviços públicos essenciais. A conclusão

que se extrai disso, reflete Marcelo Figueiredo, é que “se impõe a vigência de normas que

harmonizem e previnam possíveis conflitos”213. Daí, mais uma vez, pela redação do art. 241,

são acrescidos outros instrumentos de cooperação ao texto constitucional: consórcios públicos

e convênios de cooperação.

Na interpretação do princípio federativo, reflete Dinorá Adelaide Musetti Grotti,

[...] já se podia extrair o entendimento de que para colaboração entre os entes federados podia operar-se mediante o desempenho, por um, de serviços reservados a outro. Após o artigo 241, o texto constitucional passou a prever expressamente a possibilidade de gestão associada de serviços e a transferência de sua prestação entre as pessoas político-administrativas. Em outras palavras, é dizer que a redação dada a este dispositivo, pela EC 19/98, resultou oportuna, ao

212 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. 2005, p. 202. 213 FIGUEIREDO, Marcelo. Obra citada. p.515.

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contemplar expressamente a possibilidade de cooperação ou de gestão associada, sem especificação do tipo de atividade, dependendo, contudo, de lei a regulamentação da parte final do dispositivo, que vem permitir ou facilitar a gestão associada nele prevista, na medida em que permite a transferência de encargos, serviços, pessoal e bens de uma pessoa jurídica para outra, a fim de assegurar a continuidade dos serviços transferidos; trata esse dispositivo da cooperação gerencial entre os entes federados214.

Também observando a compatibilidade entre os dois artigos, Luiz Oliveira Castro

Jungstedt anota que “não conflita com a lei complementar solicitada pelo parágrafo único do

art. 23, pois enquanto estaria dividindo atribuições, aquela pretende criar formas de execução,

como o consórcio público” 215.

Cabe, aqui, transcrição do texto na íntegra:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Da leitura do dispositivo apreende-se que estes instrumentos poderão também ser

utilizados para gestão associada e transferência de serviços entre os entes da Federação, em

outras palavras é afirmar que a autorização para gestão associada de serviços ou transferência

de encargos, serviços, pessoal e bens deverá ser feita por meio de consórcios públicos ou

convênios de cooperação entre os entes federados.

Mas não está escrito que somente para gestão associada e transferência de

encargos e serviços se prestam os consórcios públicos e convênios de cooperação

interfederativa caso contrário, restritiva seria a intenção do legislador (e se restritiva, inútil se

tornaria). Todavia, o inverso é verdadeiro, ou seja, para gestão associada e transferência de

214 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Contratos de gestão e outros tipos de acordos celebrados pela administração. Palestra proferida no II Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Licitação e Contrato – Direito Aplicado”, de 14 a 18 de junho de 2004. São Paulo. Disponível em: http://www.tcm.sp.gov.br/. Acesso em 04/10/2005. 215 JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Formas alternativas de gestão pública, in OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Jurena Villela, Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo Figueiredo Moreira Neto. 2006, p 637.

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encargos e serviços serão os instrumentos hábeis o consórcio público e o convênio de

cooperação.

Oportunamente, será analisada a amplitude de atuação destes consórcios e

convênios.

É importante atentar para o fato de que o artigo em tela instituiu a figura do

consórcio público, fazendo ressaltar sua personalidade jurídica de direito público e, não

consórcios administrativos ou meramente consórcios.

Além disso, o dispositivo estabelece que os entes federativos disciplinarão, por

meio de lei, os convênios de cooperação, sendo que ambos poderão autorizar a gestão

associada de serviços públicos e transferência de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais

à continuidade do serviço.

E, ainda, estende a todos os entes federados a possibilidade de articularem-se por

meio de tais instrumentos.

Neste aspecto, diz Rosani Evangelista da Cunha que

[...] sem margem para dúvidas esse dispositivo constitucional contribuiu para complementar o desenho federativo inaugurado com o processo constituinte de 1988, pois explicitamente possibilitou a criação de mecanismos e instrumentos de coordenação e cooperação e pactuação entre os todos os entes da federação.216

Para Floriano de Azevedo Marques Neto a inclusão deste dispositivo no texto

constitucional dada pela E.C. nº 19 ao artigo 241 importou no seguinte:

i) ficou autorizada a formação de consórcios impuros, é dizer, aqueles formados por entes distintos da Federação e não apenas exclusivamente entre Estados ou entre Municípios; ii) a cooperação entre estes entes poderá se dar de duas formas distintas, consórcios ou convênios, obrigando que o intérprete dê a estes dois institutos conformação jurídica distinta; iii) a cooperação consorcial dar-se-á pela instituição de entes submetidos em alguma medida ao regime publicístico – diz a CF consórcios públicos – o que prenota alguma diferença em face dos tradicionais consórcios administrativos;

216 CUNHA, Rosani Evangelista da. Obra citada. 2004, p. 20.

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iv) a disciplina destas duas formas de cooperação e coordenação entre entes federados será feita mediante lei editada pelos três entes, o que acarreta a atribuição de competência legislativa concorrente para disciplinar a matéria; v) o objeto destes instrumentos de cooperação e coordenação será a atuação concertada na gestão de serviços públicos, o que envolve a participação de um ente na prestação de um serviço público de titularidade de outro ente; vi) para efetivar esta prestação por cooperação admite-se a gestão associada destes serviços, inclusive com a transferência recíproca, total ou parcial, de serviços e encargos217.

A seguir, substancialmente serão examinados estes dois instrumentos de

cooperação interfederativa.

217 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf> . Acesso em 30 de março de 2005.

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PARTE II

ASPECTOS RELEVANTES À TEORIZAÇÃO DOS

CONSÓRCIOS PÚBLICOS

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CAPÍTULO I

COOPERACAO INTERFEDERATIVA

POR MEIO DE CONVÊNIOS E CONSÓRCIOS

1. O desafio da atuação estatal: construção de novos paradigmas

Ao longo do processo histórico, a esfera de atuação do Estado, enquanto conjunto

de atividades por ele assumidas revelou variável. De modo que, com o surgimento dos

Estados Democráticos de Direito, costumou-se identificar as funções do Estado, por meio das

quais ele produziria os seus atos e realizações, como estando distribuídas em três esferas de

poder, cada qual com uma finalidade diferente. Objetivamente, “a função administrativa está

necessariamente voltada à satisfação do interesse público, pouco importando – neste momento

da pesquisa – a dimensão assumida pelo Estado, bem como o conteúdo das atividades por ele

implementadas” 218.

Ciente de que a base do Direito Administrativo é o Direito Constitucional e que

este, com freqüência, sofre reformulações para acompanhar a evolução da sociedade e as

mudanças estruturais sofridas pelo próprio Estado, não se pode admitir que a teoria

administrativista não siga no mesmo caminho. Assim, essa dificuldade em acompanhar a

evolução do Estado faz que haja resistência na realização dos programas e políticas propostos

no texto constitucional. Afinal, é a Administração Pública o aparelho responsável pela

concretização das finalidades púbicas.

Pois de fato, “a Constituição depende da Administração Pública para ser

concretizada”. Por isso, “a necessidade de construção de um Direito Administrativo dinâmico,

a serviço da concretização dos direitos fundamentais e da própria Constituição é cada vez

mais necessária”. Então, “é neste contexto que se intensifica o debate em torno das políticas

218 SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Mecanismos de atuação estatal – parcerias público-privadas (PPP’s). In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 02, n° 07, jul / set, 2004, pp. 125-26. Belo Horizonte, 2004.

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públicas, como meios de concretização do programa constitucional e da reformulação das

concepções tradicionais do direito público, a partir da ação do Estado para a satisfação do

interesse social” 219.

Tem-se que considerar, assim, que as formas clássicas do Direito Administrativo,

muitas vezes, não são suficientes para as necessidades prestacionais do Estado Social e a

Administração Pública brasileira está longe das exigências de desenvolvimento, ou seja, “sua

organização é tradicional, com modificações geralmente realizadas de maneira improvisada,

mas sem uma transformação fundamental para que o Estado possa promover o

desenvolvimento”220. As Instituições Públicas nacionais não estão voltadas à implementação

dos princípios de cooperação e integração interfederativa, nem mesmo das políticas públicas

consagrados na Constituição. Mas este quadro precisa mudar.

Quando se observa o surgimento de novos ramos do Direito, nota-se que o

“Direito Administrativo não tem oferecido uma teoria geral apta a ser aplicada a cada um

deles”; por isso, “pouco adiantará buscar na clássica teoria administrativista categorias que

necessitam ser compreendidas ante os limites e exigências das atuais funções do Estado”. Do

ponto de vista pragmático, “essa estruturação deixa de lado o quanto há de sistemático na

ação da Administração e o que deve representar em termos de indução de comportamentos

para parte dos atores que com ela estabelece relações”. Assim, “as limitações e insuficiências

do Direito Administrativo vêm dando margem à busca de novas formas jurídico-institucionais

de configuração da Administração Pública e suas relações com os cidadãos, nas mais variadas

perspectivas”221.

O Direito Administrativo deve ser, a um só tempo,

[...]instrumento de ação do poder político e arcabouço de regras e princípios voltados a sua limitação, direcionado a procurar os meios e estruturas que assegurem um intervencionismo estatal aceitável [...] a atividade administrativa pressupõe um poder precisamente centralizado e de algum modo delimitado, ao qual se acopla a estrutura de organização estatal básica.222.

219 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. 2005, p. 59-61. 220 Ibidem, p. 77-78. 221 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. 2002, p. 19. 222 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. 2002, 61, 71.

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Em suma, o Direito Administrativo, “além da finalidade de limite ao poder e

garantia dos direitos individuais ante o poder, deve preocupar-se em elaborar fórmulas para a

efetivação de direitos sociais e econômicos, de direitos coletivos e difusos, que exigem

prestações positivas” 223.

De certo modo, “a legitimação do Estado se dá pela justificação do poder baseado

nas finalidades púbicas do seu exercício” 224. Portanto, reivindica-se a necessidade de revisão

do conceito de Administração Pública observando o objeto finalístico do Estado, considerado

à luz da teoria do bem comum. Cezar Saldanha Souza Junior aponta em três níveis os fins do

Estado: “os fins últimos do Estado, no plano dos valores onde a política e a ética social se

encontram; os fins imediatos (ou próximos) do Estado, no plano das necessidades concretas e

urgentes; e os fins intermédios, no plano da articulação das necessidades sociais aos fins

últimos”225.

Logo, buscam-se meios de consolidar a idéia de que a atividade administrativa

tenha por finalidade a satisfação de necessidades do interesse geral;

[...] cabendo ao Estado impor disciplina para evitar que a livre iniciativa dos particulares venha a comprometer a ordem nacional, respeitando, obviamente, os limites propostos pelo texto constitucional, bem como satisfazer tais necessidades, assegurando as prestações e vantagens correspondentes 226.

É preciso considerar que o Direito Administrativo na atualidade encontra-se

permeado pela noção de vinculação ao Direito, em substituição à simples vinculação à lei, em

razão dos textos constitucionais vigentes, que elevaram ao status de princípio jurídico valores

como a democracia.

223 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Editora RT, 2003, p. 267. 224 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Obra citada. p.57. 225 Explica o autor que os fins últimos do Estado são do reino dos valores supremos e consensuais da convivência social pacífica, regrada e civilizada (ou seja, a liberdade, a igualdade, a justiça, a segurança, a ordem e o desenvolvimento). Situam-se no plano mais elevado de abstração e generalidade, no qual ética e política se abraçam. Os fins imediatos do Estado são aquela variedade de necessidades para existência e convivência social – é o plano mais concreto que exige do poder público providências e decisões determinadas no espaço e no tempo, tendo em vista os setores da sociedade diretamente interessados. Os fins intermédios são as funções político-jurídicas operacionais de governar e de legislar – pede uma pauta de ordenação, articulação e conjugação, marcada por sentimentos e interesses políticos. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Estado, Governo e Administração Pública. In: Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord). 2003, p. 534-535. 226 RIVERO, Jean. Direito Administrativo. 1981., p.473.

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No Brasil, a Constituição de 1988 deixou o caminho aberto à participação

democrática, o qual foi trilhado pelo legislador infraconstitucional na regulamentação de

formas diferenciadas de participação da sociedade no exercício da atividade administrativa,

“como as audiências e consultas públicas, a cooperação de entidades representativas da

sociedade civil em diversas áreas, a participação e cooperação dos usuários na prestação de

serviços públicos, o orçamento participativo, a gestão paritária de serviços e as políticas

públicas” 227.

Destaca-se, ainda, que, nesta ordem constitucional, “o Estado assumiu o

compromisso de garantir para o cidadão todo um conjunto de prestações para viabilizar uma

vida em sociedade em consonância com a idéia de dignidade da pessoa humana” 228.

De todo modo, acertadamente adverte Joseph-Pierre Proudhom, que o Estado

[...]não é um empreiteiro de serviços públicos, o que seria identificá-lo com as indústrias que se encarregam da empreitada dos trabalhos da cidade, mas, sim, gerador e diretor supremo do movimento: se por vezes põe mãos à obra, é a título de primeira manifestação para dar o impulso e apresentar um exemplo; se realizada a criação, retira-se, dando às autoridades locais e aos cidadãos a execução do novo serviço. Pois, enquanto órgão principal do movimento, o Estado tem sempre novas necessidades a satisfazer e novas questões a resolver229.

Hoje, o desafio da atuação estatal, num Estado como o brasileiro, pondera Maria

Paula Dallari Bucci, “é exatamente o da coordenação para a execução das políticas, pois o que

se tem verificado é que há uma profusão de leis e normas de cunho declaratório que não

encontram eficácia, uma vez que o seu poder coativo se perde no espaço intra-estatal entre os

momentos da decisão e da execução” 230.

Propõe-se o consórcio público como instrumento apto a exercer o papel de

coordenado e executor de políticas públicas, já que é formado pela essência da composição de

interesses.

227 FERRAZ, Luciano. Novas formas de participação social na administração pública: conselhos gestores de políticas públicas. In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, 2004, p. 61-2.. 228 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Obra citada. p. 345. 229 PROUDHON, Pierre-Joseph. Do Princípio Federativo. 2001, pp. 99-100. 230 BUCCI, Maria Paula Dallari. Obra citada. p. 40.

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2. A gestão associada como forma de parceria: soma de esforços

Nesta realidade, à Administração Pública cabem tarefas de maior

responsabilidade, as quais o esforço isolado no seu cumprimento dificulta o resultado

produtivo. Para tanto, surgem as modalidades de cooperação231 mútua, por meio de pactos

firmados entre pessoas políticas, para a consecução de interesses públicos.

A partir da Emenda Constitucional n. 19/98, o “sistema de cooperação entre os

entes federados ganha nova força, pois com ela institucionalizou-se o marco da transformação

da Administração Pública de burocrática para a gerencial, no contexto amplo da reforma do

Estado brasileiro”, afirma Diogo Figueiredo Moreira Neto232.

Na gestão associada, em sentido amplo, um ente auxilia outro na perseguição e

implementação de interesses e objetivos que juridicamente são próprios e exclusivos deste.

Toma-se como verdade que, por força do modelo federativo, o ente que participa

da gestão associada com outro tem interesse amplo no bom resultado das atividades

assumidas, e por isso empresta sua colaboração. Mesmo assim, “a competência constitucional

para tutelar os interesses e perseguir os objetivos em questão não é própria do ente que

assume a gestão; a competência continua sendo exclusiva e privativa do titular” 233.

231 O texto constitucional faz menção expressa no parágrafo único do art. 23 e, também, no art. 241. Art. 23, Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. 232MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Coordenação gerencial na Administração Pública – Administração Pública e autonomia gerencial. In: Revista de Direito Administrativo. p. 43. 233 Completa o autor dizendo que tal postura de colaboração não é muito distinta da postura do particular contratado pela Administração Pública, cuja diferença repousa no fato de que ele colabora com a Administração em razão de interesses econômicos, enquanto na gestão associada o ente assume a posição de colaborador por força do princípio federativo. Conforme PORTO NETO, Benedicto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 25.

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102

Neste sentido, a transformação do perfil da Administração Pública impõe o

estabelecimento de novos paradigmas, criando-se a noção de coordenação planejada e, mas

precisamente, em âmbito interno, da cooperação.

Incrementa-se o desenvolvimento das autonomias gerencial, financeira e

orçamentária a partir da celebração de contratos, convênios e consórcios, estabelecendo

responsabilidades mútuas, de modo a proporcionar a gestão associada.

Serviço público é, em regra, sobre o olhar comum, o que liga o Estado ao cidadão.

A noção de serviços públicos é um dos assuntos mais discutidos em direito público, haja vista

sua mutabilidade, assim, não há como definir definitivamente a expressão. Neste sentido,

Lucia Valle Figueiredo acrescenta dizendo que “a prestação de serviço público é uma das

atividades precípuas do Estado, que a realiza por meio da função administrativa” 234.

Mas, hoje, outras atividades de responsabilidade do Estado-executivo ampliam a

intervenção deste nas relações direta e indireta com a sociedade. Fala-se em medidas de

cumprimento de políticas públicas.

A necessidade de encontrar novas fórmulas ao desempenho da prestação das

atividades administrativas surgiu à medida que o Estado foi assumindo diferentes papéis nos

mais variados setores da sociedade (econômico, administrativo, político e, principalmente,

social)235. Sobre tal aspecto, menciona Odete Medauar, que

[...] a Administração é composta de vários modelos organizacionais; trata-se de um sistema em que atuam diversos sujeitos, cada qual dotado de competências e poderes de decisão, com plena titularidade, mas ligados por força dos princípios gerais e por mecanismos que remetem ao sistema no seu todo236.

Ante o desafio de reformar o perfil do Estado, torna-se imprescindível à

redefinição das tarefas que lhe incumbem, redefinindo-se o modelo de gestão associada, o que

talvez, analisa Silvia Faber Torres, “constitua uma das mais relevantes para o

aperfeiçoamento de um novo conceito de Administração, diante da dimensão extraordinária

que assumiu no transcorrer do século passado” 237.

234 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2006, p. 128. 235 TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Obra citada, p. 51. 236 MEDAUAR, Odete. Obra citada, p. 135. 237 TORRES, Silvia Faber. Obra citada, p. 168.

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Sobre a multiplicidade de atividades prestadas pelo Estado, escreve Marcello

Caetano que

ao Estado é atribuída a satisfação da maior parte das novas necessidades coletivas e até de muitas das tradicionais. Daí resulta uma enorme sobre-carga de atividades integradas, que repercute no esforço dirigente pedido aos órgãos dele, e, como conseqüência, o enorme peso das estruturas estatais e a lentidão do funcionamento dos serviços com prejuízo da respectiva eficácia. A par das atribuições que o Estado guarda para a Administração direta sob a gestão imediata dos seus órgãos e por meio dos serviços integrados na sua pessoa, há outras cujo desempenho, por virtude de um expediente técnico-jurídico, a lei incumbe a pessoas de direito público distintas do Estado, mas que a este ficam ligadas, de tal modo que se pode falar numa administração indireta pelo mesmo Estado238.

De outro lado, tem-se que o Estado deve fomentar, sob diversas formas as

atividades de particulares e outros grupos associativos a satisfazerem necessidades e

conveniências de interesse público. Todavia, em qualquer hipótese, ele não deixará de ser

responsável pelo desenvolvimento econômico e social, pela produção de bens e serviços,

ainda que tenha reduzido seu papel de executor ou prestador direto de serviços para atuar

como regulador, fixando regras disciplinadoras para ajustá-las aos preceitos de justiça social.

A gestão das atividades administrativas é, freqüentemente, confiada às entidades

dotadas de personalidade, quer públicas ou privadas, vez que o papel do Estado diversificou-

se.

A expressão “gestão associada” é empregada no art. 241 da CF para se referir à

colaboração entre entes federados; não devendo ser compreendida em sentido restrito,

designando, apenas, uma forma específica de prestação de serviço público por meio de

colaboração.

A legislação definirá a amplitude dessa associação. É da competência de cada uma

das pessoas políticas interessadas a autorização – por meio de lei – para instituição de

consórcios públicos ou assinatura de convênios de cooperação, definindo as atividades que

serão por elas alcançadas, bem como os termos e condições em que serão promovidas.

238 CAETANO, Marcello. Obra citada. 1997, p. 187.

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104

Gestão associada há de ser modalidade por meio da qual, de comum acordo e de

forma conjunta, os entes federados se associam para a prestação de atividades de interesse

público. No caso do consórcio, “isso não implicará em delegação de atribuições (o que é

típico do convênio), mas sim o exercício por um ente personalizado, integrado por todos os

participantes, e que cumprirá, de forma concertada, as competências que pertencem – e

seguirão pertencendo – aos entes consorciados” 239.

A gestão associada deve ser considerada dentro do contexto de parcerias, desde

que tomado este termo no sentido de “união de esforços para atender um interesse social

comum dos partícipes, caracterizando-se como ato administrativo multilateral” 240.

Para Marcos Juruena Villela Souto, a gestão associada deve ser entendida como

uma “parceria público-pública influenciada por relações políticas” 241, afinal, o art. 241 da

Constituição criou outros caminhos, pela cooperação federativa, por via do consórcio público

e do convênio de cooperação, que estabelecerão programa de trabalho para atuação conjunta e

sistêmica.

Mesmo antes da revisão constitucional pela Reforma Administrativa, já se

promovia, de certa forma, a delegação de competências comuns, desde que observados os

limites constitucionais de distribuição que devem ser equacionados à necessidade de

colaboração entre eles. Mas não se trata a gestão associada de hipóteses de delegação de

função pública, mas, sim, de modalidade associada de planejamento, articulação e prestação

de interesses comuns.

Esta distinção faz-se necessária: gestão associada não significa delegação da

atividade administrativa, mas, sim, cumprimento compartilhado desta..

A repartição constitucional de competências, como se viu, distribui de modo

compartilhado as atribuições aos entes federados, cujo cumprimento observará a

predominância do interesse, ou seja, vigora um quadro de competências constitucionais cuja

distribuição caracteriza-se a integração dos entes federativos.

239 Neste sentido ver MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005. 240 JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Formas alternativas de gestão pública, in OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Jurena Villela, Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 634. 241 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Obra citada. 2005, p. 200.

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a) Divergências jurídicas a decorrentes da interpretação art. 241 da Constituição

Federal

Neste item pretende-se dirimir eventuais dúvidas que tenham decorrido da

extensão do art. 241 da Constituição Federal, ao dispor que a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios

de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos,

bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à

continuidade dos serviços transferidos.

Toda a problemática surge em razão da novidade trazida ao texto constitucional,

por meio de emenda ao seu texto original. Sabe-se que a redação original do art. 241 em nada

tinha relação com o assunto (dispunha sobre os princípios aplicados ao delegados de polícia

de carreira). Como se não bastasse, essa severa alteração, decidiu o legislador, ainda, por

inserir no sistema jurídico pátrio dois novos instrumentos de atuação conjunta do poder

público. Sem esquecer que a matéria em questão está bastante deslocada dos demais

dispositivos do Capítulo próprio da Administração Pública. Estes fatos trazem inúmeras

dificuldades na adequada interpretação do artigo.

De início, pode-se apontar quatro problemas: (i) qual a natureza da competência

legislativas dos entes federados para disciplina dos novos instrumentos?; (ii) há necessidade

de edição de lei para disciplinar consórcios públicos e, também, convênios de cooperação?;

(iii) os consórcios públicos e os convênios de cooperação são necessariamente

interfederativos?; (iv) os instrumentos propostos se prestam para ambas finalidades de gestão

associada e de transferência de encargos, serviços, pessoal e bens?

É preciso cautela e sistematização dos temas no momento da formulação das

respostas.

Devem-se considerar todos os elementos examinados sobre a federação brasileira

e integração das competências constitucionais até então. Pois, somente no contexto do

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federalismo cooperativo com vista ao desenvolvimento nacional é que se podem formular

soluções àqueles problemas.

O art. 241 da Constituição, em última análise, cuida de viabilizar que os entes

federativos exerçam suas competências, por força do princípio federativo, associando-se a

outra entidade, que também deverá desenvolver competência que lhe é própria. Afinal, as

limitações quanto à distribuição de competência devem ser mantidas, isto é, cada ente

federado deverá cumprir suas atribuições, sem transferi-las ou assumi-las de outrem.

É o que Marçal Justen Filho chama de “limites instransponíveis”. Para o autor, “o

primeiro limite envolve as competências políticas, que são inerentes à própria identidade do

ente federado”, isto é, “não se admite uma solução consensual por meio da qual um ente

federado transfere a outrem poderes que lhe dão identidade como participante da federação”.

Mas é perfeitamente possível que “competências atinentes à execução de serviços públicos e

outros poderes regulatórios acessórios e secundários sejam transferidos a outros entes” 242.

Feitas essas considerações preliminares, segue-se à propositura de respostas às

indagações formuladas.

(i) Sobre a competência legislativa dos entes federados a que se refere o art. 241,

são dois os aspectos que devem ser analisados: o primeiro refere-se à competência para

regulamentação do próprio dispositivo; e, depois, a competência privativa de cada um deles

para disciplinas os novos instrumentos de cooperação.

Sob o primeiro aspecto, pondera Solange Gonçalves Dias que

[...]caso a atribuição de competência operada pelo artigo 241 restringisse a mera autorização para que os entes da federação pudessem, isoladamente, disciplinar a constituição dos consórcios e convênios, o dispositivo restaria inútil, pois essa atribuição já decorre da autonomia federativa de cada pessoa política. [...] O preceito contido no artigo 241 constitui norma de promoção da cooperação interfederativa. E o princípio federativo não admite ações descoordenadas. Ao contrário disso, a cooperação exige afinamento entre os diversos atores envolvidos no processo de articulação política. Essa coerência só pode ser alcançada mediante a ação uniformizadora do ente federativo mais abrangente, no caso, da União, que, de resto,

242 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto2006, p. 687.

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107

possui, tanto quanto as demais pessoais estatais, competência normativa para legislar sobre consórcios” 243e convênios.

Logo, conclui-se neste primeiro ponto que depende de regulamentação o

dispositivo constitucional sob pena de impossibilidade de implementação. Ademais, por se

tratar de atuação conjunta, compete à União conduzir as linhas uniformes e gerais, a fim de

evitar desordem e desequilíbrio nacionais.

Quanto ao segundo, considera-se competência concorrente dos entes federados

que poderão (em respeito à autonomia que lhe é própria) disciplinar consórcios públicos e

convênios de cooperação. Observa-se, como já destacado, que há limites quanto ao conteúdo

que será disposto por meio dessa competência normativa.Sem esquecer, também, das regras

gerais já dispostas pela União na publicação da Lei 11.107/06.

Observa-se aqui que a concorrência na edição de normas para criação de

convênios de cooperação e consórcios públicos só se justifica ante à peculiaridade do fim

associativo a que se propõem os dois instrumentos, sob pena de desequilíbrio da harmonia

federativa.

(ii) Sobre a necessidade de edição de lei para disciplinar consórcios públicos e

convênios de cooperação, ultrapassada a questão precedente, a resposta depende da breve244

exame à Lei dos Consórcios Públicos (como é chamada a Lei 11.107/06).

Dispõe o art. 3º que o consórcio público será constituído por contrato cuja

celebração dependerá da prévia subscrição do protocolo de intenções. Este protocolo

consistirá em termo de ajuste das condições estabelecidas em conjunto pelas partes

convenentes. Mas, ante a inexistência deste instrumento, por força do parágrafo 4º do art. 5º,

todos os partícipes deverão regulamentar, em legislação própria, de modo concentrado, as

condições que o normativo federal determina que constem do protocolo de intenções.

Por expressa determinação legal, ao que se vê, seja por meio de ratificação de

termo convencionado a posterioir, seja por autorização a priori, sempre será necessária a

edição de lei para a disciplina do consórcio público.

243 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de Doutorado. 2006, p. 120. 244 Diz-se “breve” aqui, haja vista que no capítulo seguinte será substancialmente analisada a lei referida. Mas para que não seja prejudicado o momento da questão, necessário será o exame superficial da matéria correspondente.

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108

Outrossim, não há idêntica determinação à configuração dos convênios de

cooperação.

O entendimento mais comum é o de que a Lei 11.107/06 regulamenta o consórcio

público. Ainda que tenha feito menções expressas sobre os convênios de cooperação, não se

dispôs este diploma legal à constituição dos convênios de cooperação.

Ainda assim, mesmo ante a ausência de imposição legal, mas pela interpretação

da letra constitucional, os convênios de cooperação não podem ser firmados por ato exclusivo

do Executivo, necessária autorização do Legislativo.

Todavia, a partir da interpretação literal do art. 241, Rodrigo Pagani de Sousa

afirma a “necessidade de autorização legislativa também para tais convênios” 245.

Assim, se for reconhecida a necessidade de tal autorização, para que se preserve a

uniformização disposta no problema anterior (sobre a legislação de normas gerais), até que

seja edita lei federal para regulamentar os convênios de cooperação, estes não poderem ser

firmados (ou, então, serão tidos sob natureza de convênios administrativos – categoria distinta

que se verá abaixo).

Pelo exposto, entende-se pela necessidade de regulamentação específica para

disciplinar os convênios de cooperação nos mesmos moldes da Lei 11.107/06. Se assim, não

for, mais um instrumento de cooperação interfederativa disposto no texto constitucional

restará ineficaz por falta de especificações técnicas para sua aplicação. Mas até que seja

legislada a matéria específica, a cooperação interfederativa poder-se-á exteriorizar-se pelos

demais instrumentos autorizados e regulamentados pelo sistema jurídico pátrio.

(iii) No que tange às partes integrantes desses instrumentos de cooperação, pela

redação do art. 241 leva a crer que ambos serão, necessariamente, interfederativos. Para os

consórcios públicos, a matéria já está pacificada, inclusive expressamente disposto no art. 11

da Lei; entretanto, para os convênios de cooperação, ante a ausência de regulamentação

específica, não há como garantir identidade da natureza política dos parceiros.

Considerando que o convênio de cooperação é novo instrumento de cooperação

incluído posteriormente no texto constitucional, admissível a norma jurídica o considere

interfederativo tão-somente; mesmo porque não se confunde com os chamado convênios

administrativos.

245 SOUSA, Rodrigo Pagani de. Convênio Administrativo de Delegação de Serviço Público de Saneamento Básico. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 104.

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109

(iv) Outro problema de difícil solução refere-se à exata compreensão quanto à

finalidade (objeto) a que ser prestam os consórcios públicos e convênios de cooperação, ou

seja, o art. 241 autoriza, por meio desses instrumentos a gestão associada de serviços públicos

e a transferência de encargos, serviços, pessoal e bens.

Também aqui cabe análise sobre dois aspectos: o primeiro refere-se ao conteúdo

das expressões “gestão associada de serviços públicos” e “transferência de encargos, serviços,

pessoal e bens”; e, o segundo, sobre a atribuição específica de uma e outra finalidade para

cada um dos instrumentos distinta ou simultaneamente.

Sobre o primeiro aspecto, numa interpretação restritiva, Cleber Demetrio Oliveira

da Silva que “a idéia de atribuir aos consórcios públicos a gestão associada de serviços

públicos foi expressa ao restringir a utilização do consórcio público à esfera dos serviços

públicos” 246.

De outra parte, não se pode conceber que a reforma no texto constitucional se deu

para receber interpretação restritiva. A redação do art. 241, inserida no contexto da Reforma

Administrativa, deve ser tomada ampliativamente considerando o papel da Administração

Pública nesse tempo. Contextualiza-se a atuação governamental, particularmente, nas últimas

duas décadas, no incremento e implementação de políticas públicas no Brasil. A

Administração Pública é parte da organização estatal e, como tal, deve acompanhar as

transformações do papel do Estado. A estrutura administrativa deve ajustar-se às realidades

política e social que clama pela adoção e concretização de políticas públicas para o

atendimento das finalidades constitucionais estabelecidas. Para tanto, o poder público deve

utilizar-se de meios e instrumentos que se prolonguem no tempo.

Reconhecer o cabimento desses instrumentos propostos pelo art. 241 somente para

a prestação de serviços públicos é afastar-se na realidade constitucional. Mesmo porque, não

definiu o constituinte a expressão “serviços públicos”. À doutrina especializada coube a

tarefa. Assim, como se viu, já se reconhecem as políticas públicas como atividade

administrativa estatal frente à evolução teórica sobre o tema.

De todo modo, reconhece-se na Constituição Federal prescrições necessárias ao

atendimento de finalidades da coletividade, além de normas que impõem ao poder público a

implementação de tarefas para cumprir a essas finalidades. Por isso, afirma-se que na atual

246 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.

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configuração do Estado, em que o Governo precisa intervir, regular, agir, planejar e fiscalizar,

o aparato administrativo deve acompanhar o desempenho dessas funções de modo a

operacionalizar e concretizar as políticas públicas.

Por isso, cientes que a eficácia das políticas públicas depende do grau de

articulação entre os poderes e os agentes públicos envolvido e que, em razão disso, desafia-se

a possibilidade de coordenação das atividades administrativas para a concretização de tais

políticas, busca-se nestes novos mecanismos (consórcios públicos e convênios de cooperação)

institucionais um meio para a efetivação dos fins estatais propostos pela ordem constitucional.

Neste sentido, confirma Solange Gonçalves Dias que “é mister que as formas de

organização e de operacionalização do poder estatal possam acomodar os novos meios

necessários e adequados ao desequilíbrio federativo. Daí a importância de se estabelecerem

instrumentos de cooperação entre os diversos níveis de Governo e os seus múltiplos órgãos,

tendo em vista a implementação de políticas públicas” 247.

Como conclusão parcial, tem que a leitura da expressão gestão associada de

serviços púbicos, para efeitos do art. 241 deve abranger as mais diversas atividades estatais

que importarão, em última instância, no cumprimento dos fins propostos pela República

Federativa do Brasil.

Quanto à concepção sobre a “transferência total ou parcial de encargos, serviços,

pessoal e bens”, é preciso resgatar os “limites intransponíveis” da distribuição constitucional

de competências.

Os novos instrumentos propõem-se à integração das competências dos entes

federados, mas cada uma delas deve observar seus limites. Em verdade, “gestão associada”

compreende a noção de atuar em conjunto, somando esforços; enquanto “transferência”

significa delegar a outrem o que lhe é próprio.

Particularmente, no dispositivo em exame, reforça-se a idéia de que se trata de

mais uma medida constitucional de fortalecimento do federalismo cooperativo, por meio da

integração dos entes federativos. Neste raciocínio, somado aos limites constitucionais da

distribuição de competências, tem-se que a expressão “transferência” não importa na mera

delegação a terceiro de atividade que lhe é própria. Mesmo porque, a composição

247 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 87.

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interfederativa dos instrumentos assegurará a permanência das atribuições ao próprio ente

federado.

Toma-se o termo “transferência” como decorrente do fenômeno de

descentralização administrativa, por meio da qual, com a criação de uma pessoa jurídica, no

caso dos consórcios públicos (o mesmo não se pode afirmar sobre os convênios de

cooperação), a atividade será materializada por intermédio desta pessoa, que nada mais é do

que os entes federativos consorciados personificados. De todo modo, a atividade estatal

permanecerá sob sua titularidade e execução.

Vê-se, assim, que não se concebe a “transferência” como forma de delegação da

atividade administrativa como se conhecia na clássica teoria do Direito Administrativo.

Sob o segundo aspecto (a atribuição específica de uma e outra finalidade para

cada um dos instrumentos distinta ou simultaneamente), considerando a premissa anterior de

que as finalidades de “gestão associada” e “transferência” são distintas, assim como os

instrumentos prescritos, conclui-se pela afirmação de que tanto um (consórcio público), como

outro (convênio de cooperação), dependendo das circunstâncias fáticas e objetivos

pretendidos, nos termos da lei, pode ser disciplinados ora para a gestão associada de serviço

público, ora para a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou bens

essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Respeita-se – mas discorda-se – da opinião de Rodrigo Pagani Souza ao concluir

que, por serem diferentes, as expressões “gestão associada” e “transferência”, pretendeu o

constituinte atribuir, respectivamente (pela leitura textual do art. 241), objeto do consórcio

público a “gestão associada” e ao convênio de cooperação à “transferência”. Segundo o autor,

“parece razoável a linha de interpretação segundo a qual não ha, na realidade, um única

finalidade em jogo, mas há pelo menos duas: de um lado, a referida “gestão associada”; de

outro, a aludida “transferência”. Pode-se compreender, então, que os consórcios públicos

servem à “gestão associada”, enquanto os convênios de cooperação à “transferência”248.

Entende-se assim que os instrumentos estão aptos a ambas atividades. A escolha

por um ou outro dependerá da opção legislativa quando do momento de sua constituição, em

razão do objeto que se pretende realizar.

Sanadas as divergências decorrentes da leitura do dispositivo constitucional em

exame, passa-se à análise teórica desses dois instrumentos operacionalizadores da cooperação 248 SOUSA, Rodrigo Pagani de. Obra citada, p. 107.

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interfederativa no modelo brasileiro, a fim de identificar elementos configuradores de seu

regime jurídico.

3. Convênios e Consórcios: noções teóricas

Ao que se viu, as expressões “gestão associada” e “transferência” são utilizadas

no art. 241 da Constituição Federal para designar atuações conjuntas da União, Estado,

Distrito Federal e Municípios nas matérias de competência comum, por meio de convênios de

cooperação e consórcios púbicos, com a transferência total ou parcial dos encargos, serviços,

pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Considera Maria Sylvia Zanella Di Pietro que

[...]o objetivo da norma constitucional é o de consolidar a gestão associada entre os entes federados para consecução de fins de interesse comum; matérias que normalmente são as inseridas na competência comum prevista no art. 23 do texto constitucional, que muitas vezes, o serviço que uma pessoa jurídica pública não pode ou tem dificuldades para executar sozinha, torna-se possível ou mais eficiente mediante a conjugação de esforços249.

Tem-se, então, que os convênios de cooperação e consórcios públicos foram

inseridos ao texto constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 19/98, dando nova

redação ao art. 241, cujo dispositivo dependia de regulamentação. Em 06 de abril de 2005, foi

publicada a Lei n. 11.107 dispondo sobre normas gerais de contratação de consórcios

públicos; quanto aos convênios, ainda carece de detalhamento legislativo.

Mas já havia no ordenamento jurídico infraconstitucional disposições que eram

compatíveis à criação de convênios e consórcios administrativos, que vêm sendo utilizados

como medidas alternativas de auxílio ao Poder Público no exercício de atividades

249 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.

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administrativas, em razão da diversidade, complexidade e, muitas vezes, custo dessas

atividades.

Tanto convênio como consórcio constituem instrumentos de que o poder público

se utiliza para se associar com outros e facilitar a gestão de suas atividades. O ponto de

contato entre ambos é o objetivo de reunir esforços para a consecução de fins comuns às

entidades consorciadas ou conveniadas.

Entende-se por convênios administrativos

[...] acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para a realização de objetivos de interesse comum dos partícipes; sem adquirirem personalidade jurídica, permanecendo como simples aquiescência dos partícipes para a persecução de objetivos comuns, considerando-os, tão-somente, como cooperação associativa livre de vínculos contratuais.250

E, por consórcios administrativos,

[...] acordos firmados entre entidades estatais, sempre da mesma espécie, para a realização de objetivos de interesse comuns dos partícipes; igualmente sem lhes atribuir personalidade jurídica própria e considerando-os como meros acordos dependentes de autorização para serem celebrados.251

Quanto às pessoas participantes de tais acordos, os consórcios designam acordos

firmados entre entidades da mesma espécie, e os convênios veiculam acordos entre entidades

de espécies diferentes, pois a norma se refere à cooperação entre os entes federados252. Isto é,

os convênios eram firmados entre o poder público com entidades públicas ou privadas e os

consórcios, os participantes eram entidades de mesmo nível governamental253.

Em sentido contrário, apenas Diogo de Figueiredo Moreira Neto sustentava que

[...]nosso ordenamento jurídico também admitira a figura do consórcio público dotado de personalidade jurídica, ao afirmar que os pactos de cooperação poderiam, sob autorização legislativa específica outorgada pelas partes, instituir órgãos

250 MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada. p. 383 251 Ibidem .p.385 252 SILVA, José Afonso da. Obra citada, p.485. 253 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 34.

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personalizados para a realização das atividades comuns, sob a forma de autarquias ou paraestatais 254.

A diferença também é feita por Marcos Pinto Correia Gomes considerando que

[...]os consórcios abrangiam a atuação direta de todos os envolvidos em prol da causa comum, em regime de gestão associada; enquanto isso, no convênio o normal seria aparecer um partícipe responsável pela execução, enquanto outro lhe dava apoio; ou, ainda, no convênio cada um teria atribuição específica, coordenadamente, mas os partícipes não agiriam sobre as mesmas tarefas e bens em regime de administração compartilhada 255.

Tanto numa quanto noutra espécie [convênios e consórcios], está caracterizada a

natureza negocial. Como ensina Edimir Netto de Araújo, os acordos

[...] em alguns casos representam interesses opostos, pelo qual as partes criam vínculos jurídicos antes inexistentes, e elegem livremente uma relação jurídica que as obrigará; em outros, os interesses não são opostos, e as partes ou partícipes especificam meios e condições para a obtenção de um resultado de interesse comum; ou então, uma pessoa declara sua vontade objetivando a produção de certo efeito já determinado pelo ordenamento, declaração essa que, ademais, em certos casos precisará de acordo em menor nível, de simples aquiescência, do destinatário, para que produza os efeitos queridos (a simples necessidade de ciência não é acordo)256.

Apenas em caráter introdutório, alerta-se para o fato de que a edição da Lei n.

11.107/06 inovou, em diversos aspectos – que oportunamente serão examinados – o

ordenamento jurídico pátrio quanto ao cabimento e aplicação desses instrumentos de parceria

na gestão pública.

Para fins de compreensão sistêmica, formula-se um enquadramento dos

instrumentos congêneres que se prestam à cooperação interfederativa para o exercício de

gestão compartilhada das políticas estatais. São dois grandes gêneros: consórcios e convênios.

Apresentam-se como espécies dos consórcios: os consórcios administrativos e os consórcios

públicos; por sua vez, são espécies de convênios: os convênios administrativos e os convênios

de cooperação.

254 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo p. 30. 255 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005 256 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p.678.

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Há no ordenamento jurídico nacional elementos com previsões implícitas e

explícitas que permitem a coexistência de todos esses instrumentos, como formas alternativas.

3.1. Convênios

Acerca dos convênios, são diversas as previsões legislativas (explícitas e

implícitas)257 distribuídas pelo sistema jurídico pátrio. Mas nenhuma delas regulamentando

sua formalização. Ainda assim, não são suficientes para traçar a natureza jurídica desse

instituto. Por isso, até que haja regulamentação específica sobre este instituto, deve-se

observar a orientação doutrinária e jurisprudencial.

Mas de um modo geral, a possibilidade de cooperação por meio de convênios

decorria da autorização implícita no art. 23 do texto constitucional.

Com base na doutrina, são características dos convênios: os objetivos

institucionais comuns entre os entes conveniados, os partícipes do convênio têm competências

institucionais comuns, de modo que os resultados alcançados inserem-se dentro das

atribuições de cada um; logo, devem ser comuns esses resultados; por fim, verifica-se a mútua

colaboração que pode assumir várias formas258.

257 Utilizar-se-á da pesquisa legislativa realizada por Dinorá Adelaide Musetti Grotti. “Referência explícita aos convênios, como forma de participação das instituições privadas no sistema único de saúde, é feita no artigo 199, §1º, da Constituição de 1988. A menção a convênio, acordo, ajuste ou quaisquer outros instrumentos congêneres, aparece no inciso VI do art. 71, sujeitando-se à fiscalização do Tribunal de Contas da União a aplicação de quaisquer recursos repassados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios pela União, em decorrência desses instrumentos. Ainda o convênio é indicado no Decreto-Lei 200, de 25.2.1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, como instrumento de descentralização das atividades federais (art. 10 §§ 1º, “b” e 5º, § 2º do art. 156; art. 160 e art. 166). O Decreto federal 93. 872, de 23.12. 1986, contém preceitos sobre convênios de que participam a União ou entidades federais (arts. 48 a 57). O Código Tributário Nacional também prevê convênios entre Estados e Muncipios com a União em matéria tributária (arts. 83 e 100, inc. IV). Posteriormente, a Lei 8.666, de 21.6.1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, disciplinou essa matéria no art. 116. A Lei 9.074, de 7.7.1995, no artigo 36, previu a possibilidade de convenio de coperacao tendo por objeto o crdenciamento de Estaods e Distrito Federal, pelo poder concedente, para a realização de atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados no âmbito de seus territórios. A Lei 9.277, 10.5.1996, autoriza a União a delegar aos Municípios, Estados da federação ou ao Distrito Federal, ou a consórcio entre eles, a administração e exploração de rodovias, ou obras rodoviárias federais e a exploração de portos federais, mediante convênio. A Lei 9.427, de 26.12.1996, estipula entre as competencias da Agência Nacional de Energia Elétrica, a celebração de convênios com órgãos estaduais para fiscalizar as concessões e a prestacao dos serviços de energia elétrica (art. 3º, inciso VI).”( GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 205-206) 258 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. p. 190. Também Francisco de Salles Mafra Filho aponta como características dos convênios: os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns que serão perseguidos por meio dos convênios; os conveniados têm competências institucionais comuns; os participantes objetivam um resultado comum; há mútua colaboração, o que afasta a cogitação de preço ou

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Trata-se de uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, cuja execução

fica sob responsabilidade dos partícipes, que atuará nos termos e condições do convênio.

O convênio é um acordo de vontades com características próprias e defini-se,

segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como “forma de ajuste entre o poder público e

entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante

mútua colaboração” 259.

Destaca-se que convênio não se presta à delegação de serviço público ao

particular, por ser incompatível à própria natureza do ajuste, que pressupõe que as duas

pessoas vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos comuns. Neste caso, deverá

o poder público, por meio do fomento, incentivar a iniciativa privada à realização de

interesses coletivos. Ainda assim, esta parceria formaliza-se pelo convênio.

No Brasil, assevera Dinorá Adelaide Musetti Grotti que o “convênio permanece

despersonalizado, mantendo cada partícipe sua própria personalidade; nada mais é do que

uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, cuja execução fica sob

responsabilidade dos partícipes ou de uma comissão executiva que atuará nos termos e

condições do convênio, mas sempre em nome dos partícipes” 260.

Segundo Leon Frejda Szklarowsky, “os convênios não são dotados de

personalidade jurídica, porque dependentes da vontade de cada um, tendo em vista a execução

de objetivos comuns. É uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, entre órgãos e

entidades da Administração ou entre estes e o particular”. E, ainda, “deve obedecer às mesmas

formalidades e requisitos, que a lei impõe aos contratos, destacando-se as cláusulas essenciais,

o termo escrito, respeitadas as peculiaridades próprias” 261-262.

remuneração; as vontades não são antagônicas, mas, ao contrário, elas se somam; no contrato existem partes e no convênio existem partícipes; ausência de vinculação contratual, inadmissibilidade de cláusula de permanência obrigatória e de sanções pela inadimplência (MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: comentários ao art. 2º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>. Acesso em: 17/12/2005. 259 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 337. 260 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Contratos de gestão e outros tipos de acordos celebrados pela administração. Palestra proferida no II Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Licitação e Contrato – Direito Aplicado”, de 14 a 18 de junho de 2004. São Paulo. Disponível em: http://www.tcm.sp.gov.br/. Acesso em 04/10/2005. 261 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos congêneres. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 20, out. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=456>. Acesso em: 17/12/2005. 262 Segue o autor dizendo que “os convênios devem prever o prazo de duração, contudo podem ser denunciados a qualquer momento. Em caso de conclusão, extinção, denúncia ou rescisão, os saldos remanescentes, não só dos convênios, como também de quaisquer ajustes ou acordos, deverão ser devolvidos à entidade ou ao órgão repassador dos recursos, no prazo de trinta dias do fato, sob pena de instauração imediata de tomada de contas especial do responsável, a ser providenciada pela autoridade competente do órgão ou da entidade que repassou

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As obras e serviços executados sob a forma de convênio, por exemplo, “são

financiados por meio de transferências voluntárias das esferas superiores de governo ou do

setor privado, e, embora não se tratem de transferências obrigatórias, foram objeto de controle

pela Lei de Responsabilidade Fiscal que estabeleceu a necessidade de dotação específica no

orçamento do ente repassador e a existência de previsão de contrapartida no orçamento do

beneficiário”263.

Dada sua característica convencional, não há necessidade de autorização

legislativa para sua formação.

a) Convênios de Cooperação

O instituto “convênio de cooperação” é também citado na Lei n. 11.107/06 em

quatro artigos distintos, porém sem regulá-los propriamente. E, com os convênios

administrativos, acima tratados, não se pode confundir.

Nos termos da redação do art. 241 da Constituição, para a celebração de

convênios de cooperação, necessária será a autorização legislativa prévia, ou melhor, a lei

definirá os termos como será formalizado e cumprido este tipo de convênio.

Os consórcios públicos e convênios de cooperação são instrumentos que terão por

objeto ou a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial

de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

É preciso reconhecer que “a Constituição Federal prevê dois institutos para a

gestão associada ou transferência de serviços”. A idéia de submetê-los a um único regime

jurídico os reduziria a um só. Nessa postura, “consórcio público e convênio de cooperação

os recursos. O prazo é fatal, improrrogável. E, quanto à necessidade ou não de licitação para a realização dos convênios, afirma que esta poderá ser dispensada ou declarada inexigível, nas mesmas hipóteses previstas para os contratos ou outros ajustes. Assim, não se há de falar em licitação, se se tratar de convênio entre a União e o Estado, por exemplo, para a consecução de determinados objetivos comuns, porque inviável a competição. Suponha-se, entretanto, a realização de convênio entre um órgão ou uma entidade estatal e um ente privado. A licitação poderá ser dispensada ou declarada inexigível, com fundamento nos artigos 24 ou 25. Não obstante, se várias forem as entidades particulares, que se prestem para a consecução dessas atividades, inquestionavelmente, deverá realizar-se a licitação”. Ibidem. 263 LIMA, Edilberto Carlos Pontes. Transferências orçamentárias da União para estados e municípios: determinantes e beneficiários. In: REZENDE, Fernando; OLIVEIRA, Fabrício Augusto (Org.). Descentralização e Federalismo fiscal no Brasil: desafios da reforma tributária. 2003, p. 159.

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seriam uma e a mesma coisa, a despeito da terminologia diferente que lhes foi empregada,

com a mudança contida no art. 241”. E, tal, entendimento, “não pode aceitar” 264.

Quando se refere à transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e

bens, o texto autoriza que o ente federado outorgue sua prestação, sem que seja desintegrado,

para que apenas parte dele seja transferido, ou seja, ainda que fale em transferência total, as

atividades de regulação e fiscalização não podem ser delegadas.

Sobre a distinção entre consórcio público e convênio de cooperação, afirma

Floriano de Azevedo Marques Neto que se pode extrair do artigo 241 refere-se ao tipo de

cooperação concertada entre os entes.

Enquanto no convênio se estabelece uma relação de cooperação em que um ente

fornece meios para que o outro exerça suas competências, provendo-o do quanto necessário e

transferindo-lhe eventualmente obrigações; no consórcio há uma soma de esforços por meio

da qual os entes consorciados, de forma perene, passam a exercer cada qual suas

competências através do ente consorcial. Naquele (convênio) delega-se o exercício de uma

atividade pública de um ente para outro. Neste (consórcio) exerce-se conjuntamente as

competências de cada ente por um ente por eles integrado. No convênio não há necessidade

de personificação jurídica como instrumento para efetivação da cooperação, pois o ente

incumbido de fazê-lo é o próprio ente federado que recebeu a atribuição e os meios. No

consórcio surge a necessidade de personificação – daí inclusive a referência a consórcios

públicos –, pois quem efetiva os objetivos da cooperação é o ente consorcial integrado por

todos os consortes e recebedor – não exatamente um delegatário – das competências

constitucionalmente atribuídas aos seus integrantes.

Eis, então, a segunda nota: o artigo 241 fez alterar a velha distinção entre

convênios e consórcios, sem torná-la irrelevante. A partir dele, a distinção passa a ser não pela

natureza dos entes participantes, mas pelo tipo de relação de cooperação265.

264 PORTO NETO, Benedicto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:<http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerBenedictoPortoNeto.pdf.> Acesso: 30 de março de 2005, p. 34. 265 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf >. Acesso em 30 de março de 2005.

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3.2. Consórcios Administrativos

Consórcio administrativo, segundo Eva Nieto Garrido, “é uma associação entre

entres públicos de diferente ordem com participação, em alguns casos, de entidade privada

sem fim lucrativo com interesses concorrentes com tais interesses públicos” 266. É, portanto

um ente representante dos associados. As Administrações Públicas são membros dessa

entidade, e, não, meros gestores. É uma corporação instrumental de direito público que

associa, exclusivamente, pessoas jurídicas públicas junto a um fim público.

Por consórcio administrativo deve-se entender “a formalização de um acordo de

vontades entre pessoas jurídicas públicas, da mesma natureza e mesmo nível de governo, com

a finalidade de obtenção de resultados comuns, de interesse de ambas as partes” 267.

Mesmo após a publicação da Lei 11.107/06, por tratar de instrumento diverso, os

consórcios administrativos são associações de entidades sem personalidade jurídica.

Após estudo realizado até aqui, afirma-se que existe diferença268 entre os

consórcios administrativos e os consórcios públicos (estes regulamentados pela Lei n.

11.107/05).

Os consórcios administrativos “são acordos entre entidades públicas apenas (não

se admitindo participação de particulares, portanto), da mesma espécie e natureza, para a

realização de objetivos de interesse comum, no desempenho de atividades cuja competência

lhes é comum ou conexa”. Mas são, também “atos administrativos complexos, cujo conteúdo

é cooperativo-associativo e não contratual, aplicando-se-lhes os mesmo preceitos relativos aos

convênios”. Os consórcios administrativos “podem se concretizar pela vontade de dois órgãos

da Administração direta da mesma pessoa política (dois Ministérios ou Secretarias, por

exemplo) ou entre órgãos de personalidade jurídica diferentes (empresas públicas, autarquias

ou fundações)” 269. A distinção substancial entre os consórcios administrativo e público é que

este último é constituído, nos termos da lei específica (Lei n. 11.107/06).

266 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. 1997, p. 71. Tradução livre 267 GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em: http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2006, p. 36. 268 Pedro Durão expressamente diz que o consórcio administrativo é chamado de consórcio público e se submete às mesmas regras dos convênios administrativos. Para o autor, os “consórcios são um meio par a consecução da finalidade pública e instrumento de integração de forças com a união de entes públicos da mesma espécie, como forma conceitual dos atuais consórios públicos”. (DURÃO, Pedro. Convênios e consórcios administrativos: gestão, teoria e prática. 2004, p. 105-106). 269 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2006, p. 685.

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1ª) Teoria comercialista do Consórcio Empresarial

Tendo sido analisados os primeiros elementos dos consórcios administrativos, é

importante conhecer a origem privada do instituto que foi incorporada pelo direito públicos.

Ainda que bastante distintas as figuras (justificadas pela necessidade de adequação ao direito

público), com base na teoria comercialista criou-se o consórcio administrativo.

O consórcio empresarial é uma forma societária desenvolvida especificamente no

Direito Mercantil, por meio da qual envolve a associação entre empresas, mas sem

personalidade jurídica própria, que está disciplinada pela Lei de Sociedade Anônimas. “Trata-

se de uma integração horizontal entre empresas, a estabelecer uma relação de coordenação de

interesses autônomos, visando a um fim específico e comum; não envolvendo a constituição

de uma pessoa jurídica distinta dos consorciados – já que personalidade jurídica não tem – e

tem com objetivo a busca de benefícios individuais àquelas pessoas que o constituem” 270.

A essência do instituto está na autonomia recíproca daqueles que se associam e

compartilham de um mesmo objetivo empresarial.

Por meio do contrato de consórcio, certo número de pessoas formaliza a

associação de interesses, criando obrigações recíprocas no intuito de cumprir determinada

finalidade empresarial comum, afinal esta modalidade representa a conjugação de esforços e

cooperação mútuos.

Outra característica importante dos consórcios empresariais é que eles são

constituídos por período determinado, isto é, os interesses que justificaram a associação não

são perpétuos, são realizados para cumprimento de tarefas específicas e de curta duração.

No direito italiano, o consórcio de empresa é um contrato, mediante o qual vários

empresários constituem uma organização comum, para desenvolvimento de determinadas

fases de suas respectivas empresas; é considerado um verdadeiro contrato de colaboração.

Sem dúvida, a firma Raúl Aníbal Etcheverry, o consórcio italiano foi “a primeira porta aberta

270 MOREIRA, Egon Bockmann. Os consórcios empresariais e as licitações públicas (considerações em torno do art. 33 da Lei n° 8666/93), In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 02, n° 07, jul / set, 2004, p. 63. Belo Horizonte, 2004.

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a diferentes negócios associativos, que não levam necessariamente a busca direta por lucro” 271.

A partir de então, tem que considerar a existência de formas abertas e flexíveis de

negócios jurídicos, consideradas alianças estratégicas, como instrumentos para incrementar a

competitividades empresarial. “Todas as possíveis medidas de associação para fins de

colaboração permitem que cada uma das partes participantes atua em parte do processo

produtivo para que seja feito de modo mais eficiente e com menor custo”. Assim, são

considerados contratos de colaboração “aquelas figuras negociais em que duas ou mais

pessoas jurídicas se vinculam contratualmente em busca de resultados de interesse

comum”272.

A sociedade comercial é uma de suas espécies, mas não a única, ou seja, a partir

dessa concepção, contrato de colaboração refere-se a todos aqueles em que as partes estão

dispostas a cooperar, coordenar-se, organizar-se perseguindo uma finalidade comum.

No direito brasileiro, a Lei das Sociedades Anônimas trata de situação muito

diferente da prevista no art. 241 da CF. Ela cuida de conjugação de esforço por pessoas

jurídicas particulares, relação submetida ao regime de direito privado, para desempenho de

atividades no seu próprio interesse. “Quando essas sociedades pretendem reunir suas

capacidades mediante a criação de pessoa dotada de personalidade jurídica, basta que

simplesmente constituam outra pessoa jurídica segundo as regras próprias do direito privado”.

As sociedades particulares, portanto “têm à sua disposição as duas formas de associação:

reunião de esforços por meio de consórcio sem personalidade jurídica, ou mediante a criação

de nova pessoa jurídica” 273.

Os consórcios de empresa acontecem porque isoladamente nenhuma delas teria

condições de executar o contrato, por razões técnicas, de capital ou outro motivo relevante.

Essa modalidade de associação é regulada pela Lei 6404, de 1976, e suas

alterações, nos artigos 278 e 279. Esta configuração não cria pessoa jurídica e a consorciadas

obrigam-se, na forma contratual. Cada sociedade responde em seu próprio nome pelas

obrigações, não havendo solidariedade entre elas (§1o do artigo 278). Entretanto, o inciso V

271 ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios. 2005, p. 137. 272 Ibidem, p. 149. 273 PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerBenedictoPortoNeto.pdf.> Acesso: 30 de março de 2005, p. 37

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do artigo 30 da Lei 8666/93 institui a responsabilidade solidária dos seus integrantes, pelos

atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação, quanto na fase contratual. Esta norma

desnatura totalmente a natureza desta coligação que existe, transitoriamente, e para fins

determinados, quebrando a harmonia do sistema274.

Em análise à teoria comercialista, Cleber Demetrio Oliveira da Silva considera

que “o consórcio nada mais é do que um acordo estabelecido entre empresas, visando ao

cumprimento de um objetivo comum que, individualmente, nenhuma das consorciadas teria

condição de realizar”. Por isso, por se tratar de um negócio jurídico, “o consórcio não possui

personalidade jurídica, que é própria dos sujeitos de direito e obrigações e não dos negócios

jurídicos” 275.

Adverte-se que a restrição contida na Lei das Sociedades Anônimas não atinge os

consórcios administrativos, uma vez que aquela lei, por sua própria natureza, trata apenas dos

consórcios privados. Todavia, por falta de previsão legal própria, permanecem os consórcios

administrativos despersonificados.

Em exame a este diploma especificamente, Marçal Justen Filho assevera que

[...] não cabe contrapor que o direito privado conhece uma figura denominada consórcio, a qual é destituída de personalidade jurídica autônoma, ainda que lei própria tenha especificado a natureza associativa desta figura, que se caracteriza como uma associação temporária entre pessoas jurídicas, visando à execução de um objeto específico e determinado. Trata-se de uma sociedade não personificada, cuja existência produz efeito na dimensão contratual. Apesar disso, essa solução não significa a impossibilidade de o direito público criar uma figura com características completamente distintas276.

3.2.1. Consórcios Públicos

Não se pode imaginar que a soma de esforços entre entidades estatais da mesma

envergadura deva sempre assumir a forma do consórcio público nos termos previstos na Lei

274 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos congêneres . Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 20, out. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=456>. Acesso em: 17/12/2005. 275 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005. 276 JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerMarcalJustenFilho.pdf.> Acesso em 30 de março de 2005.

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Federal nº 11.107/05. Na legislação específica, o legislador federal apresentou as normas

gerais que deverão ser observadas pelos demais entes da federação na criação e

funcionamento destes consórcios.

De outra parte, parece forçoso compreender que para relações mais simples, o

convênio ou o consórcio administrativo possam ser adotados.

Considerando que são os consórcios públicos mecanismos de reunião de esforços

de mais de um ente federado com vistas a melhor cumprir suas atribuições (afinal, ao poder

público, em qualquer esfera da Federação, é defeso mobilizar esforços com fim diverso do

cumprimento de suas competências), sua configuração jurídica toca diretamente o tema da

repartição constitucional de competências federativas.

Para Floriano de Azevedo Marques Neto,

[...] Trata-se, portanto, de manifestação do federalismo de cooperação, pelo qual não apenas todos os entes devem concorrer para a promoção dos serviços públicos essenciais, como também devem cooperar para auxiliar aos entes com menor capacidade de investimento e de ação277.

Deve ser propósito do consórcio público a organização comum com a finalidade

de desenvolver e concretizar operações relacionadas às atividades próprias de seus membros,

bem como outras de natureza econômica que venham a acrescentar seus resultados.

Para tanto, admitem-se inúmeras atividades que permitam complementar a idéia

essencial da cooperação que é proporcionar o acúmulo das capacidades operacionais para

atingir fim comum.

Logicamente, não se pode conceber consórcio público em que somente uma das

partes beneficie-se da parceria. De todo modo, não há necessidade de igualdade nos

benefícios, mas parece razoável que haja proporção nos resultados obtidos, que devem se

interpretados como toda possibilidade de benefício – ainda que indireta, como nos casos de

aprimoramento técnico ou até mesmo de administração gerencial.

277 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf > Acesso em 30 de março de 2005.

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Compreender a amplitude desse instrumento implica na análise pontual da Lei

específica, que se fará em Capítulo próprio.

Ainda assim, considerando o consórcio público o mais novo instrumento

regulamentado de cooperação interfederativa no ordenamento jurídico nacional, é importante

avaliar sua compatibilidade com outros instrumentos, também de natureza interfederativa, há

muito existentes na realidade federativa brasileira. Em particular merece o confronto dos

consórcios públicos com as regiões metropolitanas e com os consórcios intermunicipais.

a) Consórcios públicos e regiões metropolitanas

Um dos grandes pontos que se pode pensar em conflitos constitucional versa

sobre a coexistência das regiões metropolitanas ante a superveniência dos consórcios

públicos.

O § 3° do art. 25 dispõe que os Estados poderão, mediante lei complementar,

instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por

agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a

execução de funções públicas de interesse comum.

Sabe-se que uma das características fundamentais da Federação é a possibilidade

de colaboração entre os entes que a integram. O que faz com que a cooperação seja ainda

mais relevante entre os Municípios limítrofes na consecução de interesse comum.

Apesar da necessária autorização consensual dos Municípios envolvidos, a criação

da Região Metropolitana depende de lei estadual. De um lado, em face da autonomia

municipal, não se pode coagir o Executivo Municipal a associar-se e, de outro, não há meios

de exigir do Legislativo Estadual edição de lei própria consolidar tal associação. Como se vê,

a formação de Região Metropolitana depende de um complexo movimento consensual das

partes interessada, mas, era, até então, o modo clássico de colaboração entre Municípios

limítrofes na gestão de serviços públicos de interesse regional. E, ainda permanece uma opção

viável. Depende da vontade dos entes em questão.

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Além do caráter associativo com vistas ao cumprimento de interesses comuns

àquela região, o fato é que são medidas completamente distintas. Afirma-se, então, que os

consórcios públicos vieram para somar a esta, com o propósito de viabilizar variados casos de

colaboração mútua. Não há qualquer incompatibilidade na coexistência de ambos.

Ainda assim, há quem278 afirme que a lei complementar estadual que cria

determinada região metropolitana interfere nas competências dos Municípios que as integram,

pois, ainda que sejam livres estes entes para assumir tal colaboração, a conjugação de esforços

entre eles continuará comportada, apenas com dever de observância das competências do

Estado.

Discorda-se dessa opinião, pois a essência consensual da associação, enquanto

sinônimo de autonomia federativa, garante o respeito às competências atribuídas.

A criação de regiões metropolitanas serve para instituir padrões de coordenação e

cooperação entre as localidades inseridas numa área de metrópole, sem nada interferir na

titularidade ou delegação dos serviços. É de se ver, observa Floriano de Azevedo Marques

Neto, que

[...]o artigo 25, § 3º diz respeito tão somente aos Estados-membros. É caso específico de cooperação entre as localidades, relacionado ao fenômeno da conurbação e da crescente integração entre Municípios. Não haveria porque acreditar que tal dispositivo específico excluiria as demais formas de cooperação previstas expressamente na Constituição, sobretudo a gestão associada de serviços públicos, expressamente autorizada e preconizada pelo constituinte no artigo 241 da Constituição Federal279.

Sobre a compatibilidade entre as regiões metropolitanas e os consórcios públiocs,

Dalmo de Abreu Dallari destaca dois pontos: o primeiro deles é a compatibilidade dos 278 Segue o autor dizendo que com a criação de regiões metropolitanas, o Estado interfere unilateralmente no modelo de organização dos serviços de interesse comum dos Municípios. Estes, nesse quadro, não possuem total liberdade para definir a organização, planejamento e execução dos serviços. A Constituição Federal cria condições para que o Estado possa impor solução afinada para todos os Municípios e, portanto, ao próprio Estado, sendo hoje polêmico até onde pode ir esse poder do Estado. Já por meio de consórcio público ou convênio, a colaboração recíproca entre Municípios é voluntária, dfinida pelos partícipes (acordo de vontades), nos limites de suas competências. Há, portanto, profunda diferença entre os dois caminhos, que não são incompatíveis. PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, pp. 50 e 51. 279 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005.

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consórcios públicos personalizados com outras formas de acordo entre entidades públicas para

a consecução de objetivos comuns; e, o segundo, é a compatibilidade absoluta dos consórcios

públicos com as Regiões Metropolitanas, que em nada serão afetadas. A respeito do eventual

conflito entre a lei regulamentadora dos consórcios públicos e as disposições constitucionais

que tratam das Regiões Metropolitanas, conclui o autor que

[...]pelo artigo 25, § 3°, da Constituição, fica claro, que o que se tem aí é um estímulo à conjugação de esforços e de meios para o enfoque amplo, multimunicipal, de questões relacionadas com as funções públicas de todos e de cada um, estando aí compreendidas a racionalização administrativa, a rotina burocrática e qualquer atividade que implique o desempenho de funções públicas e permita ou recomende a conjugação de esforços. Além disso, só poderão participar da organização e do planejamento integrados, previstos nesse artigo, Municípios limítrofes situados no mesmo Estado. Muito diferente disto, é o artigo 241, que trata dos consórcios públicos, instituindo organismos integrados por entes federados de modo geral, sem qualquer limitação, para a prestação de serviços públicos, autorizando, inclusive, a transferência de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. Obviamente, nesse caso os serviços serão transferidos aos consórcios, não se tratando apenas de organização e planejamento integrados. Confrontando os dois dispositivos verifica-se que um não exclui o outro nem conflita com o outro de qualquer maneira, sendo perfeitamente possível a participação de um Município num consórcio, para a prestação de um serviço determinado, mesmo que esse Município integre uma Região Metropolitana. Em sentido oposto, nada impede que um Município faça parte de uma Região Metropolitana e, sem deixar essa condição, participe de um consórcio para a realização de determinados serviços 280.

Como conclusão, para que essas medidas de cooperação interfederativas possam

produzir efeitos positivos, vale considerar, adverte Orlando Alves dos Santos Junoir,

[...] a necessidade de investimentos em políticas públicas de enfrentamento das desigualdades sociais identificadas caso-a-caso e na ampliação da qualidade de vida dos Municípios, com destaque para as ações de governo na direção dos setores mais vulneráveis que visem à universalização do acesso aos direitos sociais fundamentais para o exercício da cidadania, bem como

280 DALLARI, Dalmo de Abreu. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso: 30 de março de 2005.

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na articulação entre os níveis locais de governo, com estruturas supra-locais, em que se destacam a importância das instâncias metropolitanas, a possibilidade de parcerias e consórcios públicos entre os municípios e mecanismos redistributivos em âmbito nacional281.

b) Consórcios intermunicipais

Resta claro que são distintos os instrumentos de cooperação tratados nesta sessão.

Cada um com sua personalidade jurídica e constituição próprias. Mas com objetivos comuns

de dar efetividade às orientações constitucionais. No fundo, são todas formas de parcerias

para o melhor comprimento das obrigações estatais; todos partem de um acordo de vontades

para a cooperação mútua.

Destaca-se que, se for da vontade dos Municípios interessados, a cooperação, para

o exercício de qualquer de suas competências, podem ser utilizados os mais diversos

instrumentos.

No caminho das possíveis ações a serem desencadeadas por meio da utilização

dos consórcios públicos, destacam-se as políticas sociais e aquelas voltadas ao

desenvolvimento urbano caracterizadas pela necessidade de articulação de competência

partilhadas por diferentes esferas do governo. “Estes consórcios estão aptos a realizar ações

de planejamento, regulação, fiscalização e prestação dos serviços públicos, permitindo a

constituição de unidades compartilhadas de provisão de serviços urbanos” 282.

Neste sentido, Venâncio Guitiérrez Colomina afirma que

[...] para a gestão de serviços ordinários, o consórcio deve ser utilizado, também, para a promoção econômica, inovação tecnológica, coordenação do desenvolvimento regional e local,

281 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no Brasil. 2001, p. 235-236. 282 CUNHA, Rosani Evangelista da. Federalismo e relações intergovernamentais: os consórcios públicos como instrumento de cooperação federativa. In: Revista do Serviço Público – RSP, Ano 55, n°’3, jul – set, Brasília: ENAP, 2004,

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e para a gestão de políticas públicas. É, portanto, o consórcio um dos instrumentos, na atualidade, mais idôneos para articular a atuação das distintas administrações públicas concorrentes num mesmo espaço territorial.283

Na medida em que a cooperação intermunicipal potencializa a capacidade de

provisão dos Municípios, simultaneamente, eles podem se constituir em um dos instrumentos

de viabilização das políticas regionais, articulando e compatibilizando as ações de diversos

municípios.

Para tanto, o funcionamento dos consórcios públicos exige

[...] articulação nos planos federal e estadual, já que o estabelecimento de um espaço para a definição do planejamento regionalizado, compatibilizando os planos municipais com os regionais e possibilitando uma melhor utilização da estrutura de atendimento já instalada, na medida em que permite a articulação entre os sistemas municipais; desde que expressando a vontade autônoma de cada um dos consorciados, com a garantia de autonomia frente aos governos estadual e federal284.

A realidade pragmática dos consórcios intermunicipais mostra uma multiplicidade

de objetos e formações. São considerados consórcios administrativos, nos moldes da

exposição teórica apresentada. Assemelham-se às associações municipais, mais com estrutura

organizativa mais completa.

Em suma, os consórcios intermunicipais vigentes para atuarem nos termos

propostos pelo art. 241 da Constituição, deverão adequar-se aos preceitos legais impostos pela

Lei 11.107/06, caso contrário – é uma faculdade desses consórcios, como disposto no art. 19

da lei – permanecerão vigentes nos termos e limites em que foram constituídos e não serão

considerados consórcios públicos.

283 GUTIÉRREZ COLOMINA, Venâncio. El protagonismo municipal en el desarrollo local: el parque tecnológico de Andalucía. In: Revista CIDOB d'afers internacionals, 1999, Núm. 47. Disponível no site: http://www.cidob.org/castellano/publicaciones/Afers/47gutierrez.cfm. Acesso em 23 de janeiro de 2006. 284 ROCHA, Carlos Vasconcelos; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Descentralização e cooperação intermunicipal no Brasil. Disponível no site: http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/carlosRocha_carlosFaria.pdf. Acesso em 27 de abril de 2006.

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CAPÍTULO II

CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO ESTRANGEIRO PARA O EXAME

DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS285

1. Considerações introdutórias relevantes

Primeiramente, é preciso ressaltar que não se trata de estudo de Direito comparado

e longe está da proposta de esgotar o tema do Direito estrangeiro.

Todavia, por ser matéria pouco explorada no Direito Brasileiro, convém que se

examine o que ocorre em alguns outros países, para se colherem elementos e subsídios que

permitem análise mais aprofundada sobre o Direito pátrio.

Não se propõe um estudo de direito comparado286, mas, tão-somente, referência

ao direito estrangeiro, ou seja, informar como estes instrumentos são inseridos nos respectivos

sistemas jurídicos nacionais; mesmo porquê há sensível diferença entre os sistemas jurídicos

de cada um dos países tratados.

Sumariamente, é preciso saber que será utilizado o método comparativo que

consiste em analisar, paralelamente, regras e institutos jurídicos de países estrangeiros. Não se

trata, propriamente, de direito comparado, o que exigiria um estudo aprofundado da Nação

examinada, além do ordenamento jurídico, em seu contexto histórico, sociológico, econômico

e antropológico. Então, para não incorrer na advertência feita por Geraldo Ataliba, ao afirmar

que 285 Considerando a inexistência de tradução específica para algum termo estrangeiro, opta-se por manter – sob pena de distorção do significado – a forma gráfica original. De outra parte, todas as traduções dos textos originais são livres do autor adaptando-as ao vernáculo português. 286 Para aqueles que pretendem fazer um estudo mais aprofundado sobre o direito comparado enquanto método de pesquisa indica-se:: RIVERO, Jean. Curso de Direito Administrativo Comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. CONSTANTINESCO, Leontin-Jean. Tratado de Direito Comparado – introdução ao Direito Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. DAVID, René. Os Grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito Comparado – ensino e método. Lisboa: Edições Cosmos, 2000.

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[...] a doutrina nacional faz uma supervalorização do direito comparado em detrimento do direito constitucional pátrio, transplantando sem critérios institutos, problemas e soluções que nada têm a ver com nosso texto ou com nossas peculiaridades287.

Far-se-á apenas referencia ao ordenamento jurídico de alguns países que inseriram

em seus respectivos ordenamentos jurídicos institutos semelhantes ao consórcio público – sem

qualquer pretensão de fazer uma importação desmedida de qualquer um dos modelos.

Também pondera Maria Paula Dallari Bucci que

[...] a simples cópia de modelos jurídicos ou a importação de soluções prontas, sem a ponderação das circunstâncias históricas, políticas, econômicas que nos fazem peculiares, não são suficientes para sanar os problemas da relação entre a Administração Pública e a cidadania, cuja solução passa necessariamente pelo Direito Administrativo nacional. Por outro lado, seria um equívoco o isolamento nacional e a rejeição aos modelos estrangeiros, em virtude de uma alegada incapacidade institucional e cultural de absorver os desenvolvimentos mais recentes do jusadministrativismo internacional 288.

Não se propõe, portanto a importação de qualquer dos modelos, mas sim o

conhecimento destes.

2. Direito Estrangeiro

É sabido que os consórcios públicos instituídos no Brasil foram inspirados no

modelo italiano de gestão associada de serviços públicos. Assim, pelo fato da referência de

instrumento estrangeiro ao sistema jurídico pátrio, propomo-nos, aqui, a apresentar os

modelos estrangeiros em que a experiência com institutos de gestão compartilhada de ações

do poder público semelhantes, como é o caso da Itália, Portugal, Argentina, Espanha, França e

Venezuela.

Assim, seguem as experiências legislativas estrangeiras de institutos jurídicos

similares ao consórcio público, para que se possa, ao final, apontar elementos referenciais no

direito brasileiro, que auxiliem na mais adequada interpretação e aplicação desse mecanismo.

287 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2004, p. 20. 288 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. 2002, p. 9-10.

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a.) Itália289

No direito italiano, o consorzi pubblici é uma forma associativa e de colaboração

entre entes locais constituída para a gestão associativa dos serviços e o exercício associado de

funções.

São entes públicos dotados de personalidade jurídica e, também, de autonomia

estatutária e patrimonial. Diz o Conselho de Estado que o consórcio entre entes locais é

definido como uma organização especial de cada um dos entes associados. Assim como a

organização especial é um instrumento do ente local, ou seja, ente institucionalmente

dependente do ente local e do elemento do sistema administrativo fazendo a sua direção; do

mesmo modo o consórcio, enquanto organização especial, dos entes que os instituíram, é um

ente instrumental para o exercício em forma associada dos serviços públicos ou funções e faz

parte dos sistemas administrativos de cada um dos entes associados290.

São três os tipos: a) consórcios para a gestão de serviços; b) consórcios para o

exercício de funções; c) consórcios obrigatórios previstos no art. 31, n. 7, Decreto Legislativo

267/2000 para o exercício de funções ou serviços.

Além do Decreto Legislativo 267/2000, também são aplicáveis as normas

previstas para organizações especiais, enquanto compatíveis, isto é, para os consórcios

gestores de atividade com relevância econômica e empreendedora há inaplicabilidade do

Decreto Legislativo; para os consórcios gestores de serviços sociais, há inaplicabilidade do

Decreto Legislativo, se previsto pelo Estatuto; para os consórcios gestores de serviços

289 A informações sobre o modelo jurídico italiano foram obtidas nos sites: http://www.dirittoeschemi.it/giusprcons.htm, acesso em 20 de abril de 2006; http://www.dirittoeschemi.it/cons.eell.htm, acesso em 20 de abril de 2006; http://www.google.com.br/search?q=+%22consorzi+pubblico%22%2B%22servizio+pubblico%22&hl=pt-BR, acesso em 20 de abril de 2006; http://www.utgnapoli.it/documentazioneministero/docs/07.02-461.pdf, acesso em 20 de abril de 2006. 290 Il consorzio tra Enti Locali è definibile come un’azienda speciale di ognuno degli enti associati. Così come l’azienda speciale è ente strumentale dell'ente locale, ossia ente istituzionalmente dipendente dall'ente locale ed elemento del sistema amministrativo facente capo a questo, allo stesso modo il consorzio, in quanto azienda speciale degli enti che l’hanno istituito, è un ente strumentale per l’esercizio in forma associata di servizi pubblici o funzioni e fa parte del sistema amministrativo di ognuno degli enti associati. (Consiglio di Stato, n. 2605/2001 e v. anche Cassaz., ordinanza n. 33691/2002).

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132

privados (limitados) de relevância industrial, há aplicação de normas previstas para

organizações especiais.

O Consorzi tra Enti Locali é constituído pela aprovação da maioria absoluta nos

Conselhos dos Entes Locais interessados. Para a regular constituição é necessária a aprovação

dos seguintes documentos: i) convenção disciplinadora de nomeação e competência dos

órgãos consorciados, dispondo sobre os fins, a duração, as quotas de participação financeira

dos entes associados, o encerramento e o recesso; ii) estatuto do Consórcio disciplinando a

organização, a nomeação e as funções dos órgãos consorciados.

São órgãos a Assembléia, composta do prefeito ou do presidente de algum ente

associado ou de um de seus delegados, com responsabilidade equivalente à quota de

participação; o Conselho de Administração, composto dos membros eleitos pela Assembléia

do consórcio.

Mas se o consórcio é disciplinado como uma organização especial, são órgãos: o

Presidente, nomeado pela Assembléia do Consórcio; o Diretor, nomeado por concurso público

ou diretamente pelo Conselho de Administração, se previsto no Estatuto; e o Colégio de

Revisores, nomeados pela Assembléia.

Como dito, o consórcio entre os entes locais é uma forma de associação

voluntária, instituída para a gestão dos serviços ou das funções públicas e estruturada de

acordo com o modelo de empresa, quando compatível. É definido como uma empresa especial

de cada um dos associados. Assim, como uma empresa especial, é objeto instrumental dos

entes locais, ou seja, dependente da instituição dos entes locais e elemento do sistema

administrativo pertencente a este princípio.

O consórcio é um instrumento para o exercício de forma associada dos serviços

públicos ou funções e faz parte do sistema administrativo da cada um dos entes associados.

Tal configuração não obsta a atribuição ao consórcio de personalidade jurídica própria, que só

vale para caracterizá-lo, em um plano formal, como um novo centro de punição para relações

jurídicas, distinto dos entes que o instituíram.

O Município , legitimamente, se valer, na organização dos meios necessários para

os seus deveres institucionais, também de um consórcio constituído com outros entes.

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133

A participação municipal num consórcio de gestão de serviço público configura

simples repartição de funções e serviços internos de um mesmo sistema administrativo por

meio de uma delegação formal. Neste caso, o consórcio pode assumir vasta gama de

atividades, além daquela de manutenção já inserida no conceito de gestão dos serviços

públicos, visto que tais atividades são acessórias ao serviço público.

De outra parte, afirma-se que aos consórcios – que são voluntários entre entes

locais para a gestão dos serviços – se aplica, quando compatível, a disciplina das empresas

especiais, onde o limite da compatibilidade se refere ao fato que os entes locais não

encontram as limitações referentes à natureza e relevância sociais ou imprescindibilidade dos

serviços, previsto pelas empresas.

Aos consórcios é estendido o reconhecimento da personalidade jurídica, da

autonomia patrimonial e estatutária própria da natureza dos instrumentos dos entes locais.

Portanto, têm natureza jurídica de entes públicos.

O caráter autônomo dos consórcios garante que cada ente consorciado tenha

personalidade jurídica própria, sendo proibida é ingerência de uns sobre os outros, isto é, uma

vez adquirida a personalidade jurídica própria, os entes públicos locais que constituíram

regularmente o consórcio não mais poderão geri-lo, afinal, ganham estrutura organizacional

própria e independente.

Por fim, garantindo segurança nas relações jurídicas, ainda que haja previsão

estatutária para ingresso de novos entes, a admissão destes novos não comporta modificação

estatuto, permanecendo a redação originária. Ressalta-se que, no modelo italiano, é admitido

o consorciamento de entes privados ao consórcio público.

b.) Portugal 291

291 Informações obtidas no site oficial da Câmara Municipal do Município de Bragança – Portugal. Disponível na Internet: http://www.cm-braganca.pt/pagegen.asp?SYS_PAGE_ID=498311. Acesso em 19 de dezembro de 2005.

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No direito português há as associações de municípios, com início em 1977,

quando foram publicados diplomas fundamentais para o poder local: a primeira lei das

autarquias locais (1977) e a primeira lei das finanças locais (Lei n.º1/79, de 2 de Janeiro). Em

1981, foi publicada a primeira lei das associações de municípios de direito público. Em 1984,

foram delimitadas as competências da administração central e da administração local em

matéria de investimentos.

Se em Portugal as formas de organização autárquica das comunidades locais

remontam pelo menos à época medieval, a atual organização democrática das autarquias

locais portuguesas é relativamente recente, tendo sido constitucionalmente consagradas em

1976.

A democracia local foi inaugurada em 1977, com a realização das primeiras

eleições autárquicas. A Carta Européia de Autonomia Local, aprovada em 1985 pelo

Conselho da Europa, considerou no seu Preâmbulo que "as autarquias locais são um dos

principais fundamentos de todo o regime democrático". Considerou, ainda, no Artigo 1º, que

o "princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto

possível, pela Constituição".

As autarquias locais têm, desde 1976, dignidade constitucional. Segundo a lei

fundamental, a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias

locais, sendo estas pessoas coletivas de população e território dotadas de órgãos

representativos que visam a prossecução dos interesses próprios, comuns e específicos das

respectivas populações.

As autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas,

estas últimas ainda por instituir.

Atualmente, existem 308 municípios, dos quais 278 no continente e 30 nas

Regiões Autônomas dos Açores e da Madeira. O País comporta ainda 4.251 freguesias, das

quais, 4.047 no território continental e 204 nos territórios insulares.

As atribuições e competências das autarquias locais, estando associadas à

satisfação das necessidades das comunidades locais, respeitam, nomeadamente, ao

desenvolvimento sócio-econômico, ao ordenamento do território, ao abastecimento público,

ao saneamento básico, à saúde, à educação, à cultura, ao ambiente e ao desporto.

As autarquias locais têm pessoal, patrimônio e finanças próprios, competindo a

sua gestão aos respectivos órgãos, razão pela qual a tutela do Estado sobre a gestão

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patrimonial e financeira dos municípios e das freguesias é meramente inspectiva e só pode ser

exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei.

Deste modo, encontra-se salvaguardada a democracia e a autonomia do poder

local. A legitimidade das decisões das autarquias locais decorre da eleição dos respectivos

órgãos, sendo a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia órgãos executivos e a Assembléia

Municipal e a Assembléia de Freguesia órgãos deliberativos. Excetuado a Junta de Freguesia,

os demais órgãos referenciados são eleitos por sufrágio universal.

Os municípios e as freguesias são, portanto, elementos constitutivos da

democracia e da cidadania portuguesas.

No quadro da repartição dos recursos públicos, as autarquias locais dispõem de

receitas próprias, beneficiando ainda de receitas provenientes dos impostos do Estado. As

transferências financeiras do Estado para os municípios e para as freguesias, no âmbito do

Fundo Geral Municipal (FGM), do Fundo de Coesão Municipal (FCM) e do Fundo de

Financiamento das Freguesias (FFF), são processadas pela Direção-Geral das Autarquias

Locais. Não sendo permitidas quaisquer formas de subsídios ou co-participações financeiras

aos municípios e às freguesias por parte do Estado, que podem excepcionalmente serem

inscritas no seu Orçamento, por Ministério, verbas destinadas ao financiamento de projetos

das autarquias locais de grande relevância para o desenvolvimento regional e local, no âmbito

da cooperação técnica e financeira.

A par dos municípios e das freguesias, à administração autárquica portuguesa

integram outras formas de organização indispensáveis para promoção do desenvolvimento

local: as associações de municípios, as áreas metropolitanas, os serviços municipalizados e as

empresas municipais e intermunicipais.

As Associações de Municípios são pessoas coletivas de direito público criadas por

dois ou mais municípios para a realização de interesses específicos comuns. Existem

atualmente, no continente, associações, criadas com finalidades muito diversificadas, nas

quais se destacam a cultura, o saneamento básico, o desenvolvimento socioeconômico, o

ambiente e a qualidade de vida.

As Áreas Metropolitanas são pessoas coletivas de direito público de âmbito

territorial e visam a prossecução de interesses próprios das populações da área dos municípios

integrantes. As suas atribuições respeitam particularmente à articulação de investimentos e de

serviços municipais de âmbito supra-municipal e à articulação da atividade dos municípios e

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do Estado em diversos domínios. Atualmente encontram-se instituídas em concreto as áreas

metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem

criar empresas de âmbito municipal, intermunicipal e regional dotadas de capitais próprios,

para exploração de atividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objeto

se contenha no âmbito das respectivas atribuições. Estas empresas podem ser públicas, de

capitais públicos e, ainda, de capitais majoritariamente públicos.

Não há previsão para o consorciamento, mas hipóteses de associações

intergovernamentais com propósitos similares.

c.) Argentina

A Lei n. 12.288 da província de Buenos Aires, que integra o conjunto normativo

da lei orgânica das municipalidades do Estado argentino, prevê que poderão formar-se

consórcios entre vários municípios ou entre uma ou mais municipalidades com a Nação ou a

Província para a criação e promoção de empreendimento de interesse comum.

Pela doutrina local292 é considerado “um tipo especial de consórcio”.

Particularmente aqui, podem também participar pessoas de caráter privado ou físicas. A lei

estabelece que os consórcios terão personalidade própria, e plena capacidade jurídica e para a

criação deles, cada integrante deverá contar com a autorização específica, conforme as

normas vigentes em cada jurisdição. Têm natureza contratual, pois o contrato corresponderá

aos respectivos estatutos orgânicos e regulamentos, sem prejuízo do poder fiscalizador das

autoridades administrativas competentes nos casos em que dispõe o ordenamento jurídico.

Os estatutos especificarão o objeto do consorcio, que poderá consistir em uma ou

mais atividades; a participação que corresponda a cada integrante; as formas como serão

revertidos os bens; e as utilidades, no caso de dissolução.

Cada integrante do consorcio terá uma cota que deve integrar-se por parte de cada

partícipe, no momento da sua constituição. As pessoas públicas devem obter a correspondente

autorização necessária.

292 ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios. 2005, p. 165-167.

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137

Por fim, compete ao consórcio à gerência de seus recursos conforme os estatutos.

O prazo de duração é pré-determinado.

Outro instrumento normativo previsto no sistema jurídico argentino – mas, de

cunho civilista – é o consórcio de cooperação, inserido pela Lei n. 26.005, de 2004, que

corresponde a uma modalidade associativa, muito próxima dos chamados contratos de

colaboração empresária, previstos na lei de sociedades comerciais.

Porém, tanto numa quanto noutra modalidade, a idéia é facilitar ou desenvolver

certas atividades necessárias para os integrantes do contrato com o fim de melhorar (direta ou

indiretamente) a potencialidade das empresas. Basicamente, procura a complementação

econômica sob uma forma societária e com um esquema organizacional relativamente

simplificado293.

d.) Espanha

No direito espanhol, desde 17 de junho de 1955, com a aprovação do Reglamento

de Servicios de las Corporaciones Locales (arts. 37 a 40), facultou-se às corporações locais

construir consórcios dotados de personalidade jurídica, com entidades públicas de diferente

ordem para instalar ou gerenciar serviços de interesse local. Tal natureza de ente local não-

territorial foi ratificada pelo Decreto-Lei de 12 de novembro de 1970.

Com a Constituição de 1978, precisamente com a inclusão dos Estado-Autônomo

– modelo espanhol de Estado Unitário descentralizado – os consórcios adquiriram dimensões

consideráveis, em razão da ampliação das relações entre as Administrações Públicas294. A

estratégia do regionalismo prevaleceu sobre o “localismo”295-296.

Um dos problemas para o qual se busca soluções na ordem jurídica espanhola é

superar a fragmentação municipal e sua debilidade financeira de forma que possam prestar

293 SANDOVAL, Carlos A. Molina. Consórcios de Cooperación. 2005, p. 01. 294 FEDERACIÓN ESPAÑOLA DE MUNICIPIOS Y PROVINCIAS. Otros entes locales complejos – los consórcios. Disponível no site: <http://www.cartalocal.es/index.php/cartalocal/ colaboraciones/otros_entes_locales_complejos_los_consorcios.html. Acesso em 23 de janeiro de 2006. 295 A expressão “localismo” é utilizada no direito espanhol para referir-se às questões de interesse local. 296 PARRADO-DÍEZ, Salvador. Spanish public partnerships: an emerging phenomenon. Paper to be presented for OECD-PUMA Expert meeting: “Making Partnerships Accountable - Vertical and Horizontal Forms of Partnerships among Public Organisations Reconsidered”. Paris, 3-4 September 1998. Disponível em: http://www.uned.es/113016/archivos/documento60-ocde-partnerships-1998.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006, p. 01.

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adequadamente os serviços municipais. Para isso, buscam, dentre os diversos tipos de

associação, aquele que oferece maiores garantias de eficiência e eficácia para a gestão desses

serviços. Neste contexto, a institucionalização das relações entre os diversos atores sociais

que possuem interesses comuns no âmbito local se materializa por meio das diversas formas

associativas com regimes jurídicos e formas de atuação distintos. Estas fórmulas

associativas297 pressupõem estratégias de ajuda a esses atores para aliviar o problema da

escassez e da dependência de recursos dos demais298.

O consórcio administrativo é uma associação entre entes públicos de diferentes

ordens, com participação, em alguns casos, de entidade privada sem fim lucrativo com

interesses concorrentes ao interesse público299. É um ente representativo dos entes associados;

em outras palavras, significa dizer que as Administrações Públicas são membros da entidade e

não meros gestores da mesma. Trata-se de uma corporação de direito público.

Para Javier Sánchez-Caro os consórcios são conseqüência da descentralização

política do Estado e do reconhecimento do princípio da autonomia local; e, ainda, que o

consórcio de técnica de cooperação residual passou a ser uma fórmula essencial de

cooperação administrativa 300. Trata-se de figura de caráter associativo voluntário que permite

gerenciar serviços de importante conteúdo social por meio de acordos entre instituições de

variados níveis.

De atividade bastante similar, porém, com natureza jurídica distinta, a

mancomunidad é uma espécie da associação de Municípios que se constitui para a realização

de finalidades diversas, incluindo a consecução de numerosos objetivos comuns dos

Municípios que agrupa. 297 Para os autores, são fórmulas associativas os consórcios, as mancomunidades, as fundações e empresas públicas locais etc. E, ainda, são características: “implican a dos actores como mínimo; cada participante en la asociación actúa como un agente principal que defiende sus intereses frente a socios que gozan del mismo estatus, sin tener la necesidad de apelar continuamente a la autoridad de un nivel superior; los actores se mancomunan, forman un consorcio o establecen una empresa o fundación intermunicipal con la intención de crear una institución; esta asociación, por tanto, se caracteriza por su perdurabilidad en el tiempo y por sustituir los convenios y acuerdos puntuales; cada actor participante transfiere algunos recursos —materiales o inmateriales— a la asociación creada; existe una responsabilidad conjunta de los actores participantes por los resultados y el impacto que las actividades de la asociación tienen”.( FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador. Eligiendo sócios en la Administración municipal española: los consoricos e las mancomunidades. In: Revista Cuadernos de Gobierno y de Administración de la Universidad Rey Juan Carlos, n. 03, 2000. Disponível no site: http://www.uned.es/113016/equipo%20docente/cv-parrado_archivos/documento%2025%20-%urjc%202000.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006, p. 03.) 298 Ibidem, p. 01-02. 299 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997, p. 71. 300 SÁNCHEZ-CARO, Javier. Régimen jurídico de las nuevas formas de gestión en la sanidad española (la perspectiva Del Instituto Nacional de la Salud). In Revista de Administración Sanitária. Volumen IV. Número 14 Abril/junho, 2000. Disponível no site: http://www.dinarte.es/ras/ras14/pdfs/admi03.pdf . Acesso em 23 de janeiro de 2006, p. 118.

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De outra parte, o consórcio se constitui para realizar uma obra ou serviço

determinado em que estão interessadas diversas Administrações Públicas, não para resolver

situações de permanente insuficiência financeira e técnica na prestação desses serviços301-302.

Ressalta-se que a possibilidade da formação heterogênea de seus membros é um dos

elementos característicos de sua personalidade. Tal corporificação é o que o distingue dos

convênios.

As mancomunidades constituem, portanto, um exemplo típico de associação

horizontal, enquanto que os consórcios são associações, em regra, do tipo vertical. Apesar das

similitudes, divergem quanto aos respectivos estatutos, fins e funcionamento303.

Há, também, no sistema jurídico espanhol, a figura das regiões metropolitanas,

cuja finalidade original foi o planejamento urbanístico da zona de influência numa metrópole.

Hoje, significa a racionalização e coordenação dos serviços públicos na região urbana. A área

metropolitana é um conjunto de núcleos urbanos intensamente relacionados entre si,

formando uma unidade sócio-econômica de convivência; de modo que sua principal

característica é a movibilidade, ou seja, seu conteúdo de competências múltiplas em espaços

urbanos diversos, construídos sobre vinculações econômicas e sociais304.

A escolha por um ou outro modo de associação caberá, em cada caso, ao chefe do

poder executivo envolvido. Pois a distribuição territorial das unidades locais funda-se em

acordos de cooperação intermunicipal. Mas advertem Javier Font, Rafael Gutiérrez Suárez e

Salvador Parrado-Díez que a escolha pela mancomunidad pelos seus múltiplos propósitos e

associação não é tão óbvio, pois na tradição jurídica espanhola, elas foram originalmente

designada para estabelecer associação municipal para a prestacao de um serviço específico,

apesar de ter evoluído à multiplicidade de objetos305.

301 NIETO GARRIDO, Eva. Obra Citada. 1997, p. 73. 302 Sobre a mancomunidad, explica a autora que os Municípios limítrofes (ou não), de uma província ou de várias, se associam e criam uma mancomunidad para realizar numerosas atividades que, em hipótese nenhuma, podem implicar a totalidade das competências municipais. Trata-se, então, de uma entidade local com finalidade múltipla, cuja amplitude de objetos são determinados para o desenvolvimento e implantação da figura no ordenamento jurídico. (Ibidem, p. 86). 303 FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador. Eligiendo sócios en la Administración municipal española: los consoricos e las mancomunidades. In: Revista Cuadernos de Gobierno y de Administración de la Universidad Rey Juan Carlos, n. 03, 2000. Disponível no site: http://www.uned.es/113016/equipo%20docente/cv-parrado_archivos/documento%2025%20-%urjc%202000.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006, p. 06. 304 GARRIDO, Eva. Obra Citada. 1997, p. 90-91. 305 FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador e GUTIÉRREZ SUÁREZ, Rafael. Intergovernmental partnerships at the local level in Spain: mancomunidades da consortia in a comparative perspective. Disponível no site: http://www.oecd.org/dataoecd/11/14/1902663.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006.

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Neste contexto, tanto as parcerias verticais quanto as horizontais tem seus

objetivos voltados ao âmbito local desde a chegada da democracia na nação espanhola; ambos

os casos facilitaram a prestação dos serviços nas pequenas municipalidades. Todavia, tem-se

constatado que os consórcios cresceram em número e em relevância, pois oferece uma

flexibilidade melhor na simples entrega desses serviços. Ademais, os consórcios

administrativos incentivam maior investimento dos governos em níveis superiores.

Definitivamente, o modelo de descentralização político-administrativa implantado

pelo Governo espanhol é caracterizado pela divisão de funções entre seus diversos níveis; a

fragmentação do governo local está suficientemente estabelecida pra desenvolver a

cooperação em bases permanentes.

A organização pública espanhola está desenhada sob modelos de cooperação

vertical e horizontal.

Todo esse processo de descentralização implementou políticas

intergovernamentais, as quais se propõem a resolver diferenças entre os governos central e

periféricos. A bilateralidade nas negociações pauta-se em assuntos de rotina que

proporcionem bem-estar à população, como, educação, trabalho, saúde, cultura e serviços

sociais306.

e.) França307

Antes de considerar os syndicats de communes, que são o instrumento que mais se

aproxima do modelo de consórcio público brasileiro, é preciso compreender a divisão

administrativa de poder descentralizado na França.

A commune é a menor divisão administrativa local permitida pelo sistema jurídico

francês – o que equivaleria ao nosso Município. Trata-se de uma expressão prevista em lei,

mas que coloquialmente é chamada de municipalité. Está composta pelo conselho municipal

(conseil municipal), que representa a instância deliberativa eleita pelo sufrágio universal

306 PARRADO-DÍEZ, Salvador. Spanish public partnerships: an emerging phenomenon. Paper to be presented for OECD-PUMA Expert meeting: “Making Partnerships Accountable - Vertical and Horizontal Forms of Partnerships among Public Organisations Reconsidered”. Paris, 3-4 September 1998. Disponível em: http://www.uned.es/113016/archivos/documento60-ocde-partnerships-1998.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006, p. 09. 307 Informações obtidas no site: http://www.laviepublic.fr , acesso em 19 de dezembro de 2005.

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direto e está encarregada das deliberações sobre assuntos de interesse da commune, e pelo

executivo (executif), que é composto pelo prefeito e seus adjuntos.

Outra expressão de necessário conhecimento é a intercommunalité, que designa as

diferentes formas de cooperação existente entre as communes. A cooperação intercommunale

existe na França há mais de duzentos anos, foi inserida no sistema por Lei em 22 de março de

1890, com a criação de um syndicat intercommunal à vocation unique. As Leis de 06 de

fevereiro e 1922 e de 12 de julho de 1999 reforçaram seu significado.

Recentemente, em 13 de agosto de 2004, após a reforma constitucional francesa

em 2003, novas disposições vieram a melhorar seu funcionamento.

A intercommunalité permite às communes se agruparem num espécie de

departamento público (établissement public), responsável por assumir uma série de prestações

(como transporte urbano, assistência social etc.), seja para elaborar verdadeiros projetos de

desenvolvimento econômico, de administração ou de urbanismo.

Adeverte-se que desde a Lei de 1999, as communes não podem aderir a mais de

um établissement public de coopération intercommunale – EPCI. A diferença destas

associações para as collectivités territoriales está na especialidade da matéria: naquela, em

razão do princípio da especialidade, a competência é limitada; enquanto nestas, não. As

communes transferem ao établissement de coopération intercommunale as atribuições

necessárias ao exercício das atribuições que lhe são investidas, passando ao exercício dos

poderes de decisão e de execução.

A Lei de 14 de agosto de 2004 outorgou a estas pessoas jurídicas recurso

financeiro próprio, para o exercício das competências atribuídas às regións e aos

départements308, desde que autorizado tal exercício por estes.

Há, ainda, dois tipos de intercommunalité: a forma simples ou associativa (que

não recursos financeiros próprio), é financiada pelas contribuições das communes que a

formam, e são responsáveis pela gestão associada de atividades ou serviços públicos; a outra é

a forma complexa ou federativa (com recurso próprio), que se caracteriza pela existência de

competências obrigatórias.

A intercommunalité responde por variados objetivos: trata-se de um instrumento

de organização racional dos territórios, favorece também o desenvolvimento econômico local

308 Régions e Départements são outros dois níveis de divisão administrativa de descentralização territorial no sistema francês. Estão, em nível hierárquico, acima das communes.

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142

e o revigoramento da política de administração do território, e, responde pragmaticamente aos

problemas de gestão que são comuns aos municípios.

A estrutura, depois de formada, é denominada structures intercommunales, que

são as EPCI’s (établissement public de coopération intercommunale). São criadas por

iniciativa de um ou mais conselhos municipais (conseils municipaux), o qual o prefeito, após,

obterá o parecer da Commission Départamentale de Coopération Intercommunale, que, em

seguida, decretará os limites, ou seja, a lista do interesses comuns daqueles membros.

A Lei de 1999 introduziu um critério de continuidade territorial e de coerência, ou

seja, o perímetro deve comportar uma única inserção territorial. As communes respectivas

deverão se pronunciar sobre essa associação num período não superior a três meses – por

meio de aprovação de maioria qualificada309, combinado à edição de um decreto por ato do

Prefeito criando a nova estrutura associativa.

Internamente, tais estruturas (intercommunalité) funcionam com um Presidente

(que é o órgão executivo, eleito pelos delegados das communes) e com uma Assembléia

Deliberativa (que é composta por esses delegados, eleitos pelos conselheiros municipais), que

se reúnem uma vez a cada trimestre ou sempre que convocado pelo presidente.

Conforme disposto acima, são duas as estruturas das EPCI’s: uma, com recursos

financeiros próprios, que são os syndicats de communes e os syndicats mixtes; outra, sem

recursos financeiros próprios, que são as communauté urbaines, communautés de communes,

communautés d’agglomération, syndicats d’agglomération nouvelle, districts e communautés

de ville (estas duas últimas foram supridas pela Lei de 1º de janeiro de 2002).

Os syndicats de communes, por sua vez, são divididos em syndicats à vocation

unique (SIVU), os syndicats à vocation multiple (SIVOM) e os syndicats à la carte.. Os

primeiros (SIVU) foram criados pela lei de 22 de março de 1890, como uma associação de

communes, ainda que não limítrofes, que se reúnem com o fim de gerar somente uma

atividade de interesse comum. São, geralmente, de tamanhos reduzidos e cujas competências

mais comuns referem-se à matéria de distribuição e tratamento de água, educação

fundamental e saneamento.

A partir da Lei de 1º de janeiro de 1999, os syndicats (SIVU, SIVOM e mixtes)

são a forma de agrupamento mais comum na França. Hoje, computam aproximadamente

309 Maioria qualificada significa a aprovação por no mínimo 2/3 dos conselhos municipais representantes mais a metade da população total ou a metade dos conselhos municipais representantes e 2/3 da população.

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143

18.504 syndicats, dos quais são 80% de SIVU (14.885). Os segundos (SIVOM), foram

criados pela Lei de 5 de janeiro de 1959, que autorizou as communes associarem-se para gerir

– diferente dos SIVU – diversas atividades. As competências mais comuns nesta modalidade

são a coleta e eliminação de lixo, ensino fundamental, turismo e aparelhamento público310.

Após a Lei de 1º de janeiro de 1999, os SIVOM representam aproximadamente 12% dos

syndicats (2.165). E, por fim, os syndicats à la carte são aqueles que permitem as communes

aderir a um syndicat somente para compartilhar uma de suas competências.

Os sindicatos mistos foram criados pelo Decreto de 20 de maio de 1955 e

compreendem ao menos uma collectivité e permitem a associação entre communes,

départements, régions e établissements publics – diferentemente dos SIVU e SIVOM, que se

associam somente as communes entre elas. Essas associações são criadas em vista de obras ou

serviços que são prestados por cada um dos seus membros, notadamente em matéria de coleta

e eliminação de lixo, de tratamento e distribuição de água e turismo. Hoje, estes sindicatos

somam 8% dos syndicats (1.454).

As communauté urbaines foram criadas pela Lei de 31 de dezembro de 1966 e

reúnem diversas communes que devem somar mais de 500.000 habitantes em território

uniforme (limítrofe). A Lei de 12 de julho de 1999 reforçou suas competências e determinou

que elas são encarregadas pelo desenvolvimento e administração econômico, social e cultural

daquele espaço comunitário, pelo equilíbrio social do habitat sobre este território; pela política

da ville naquela communauté; pela gestão dos serviços de interesse coletivo; pela proteção e

valoração do meio ambiente. Desde 13 de janeiro de 2003 computam 14 communautés

urbaines na França.

As communautés de communes foram criadas pela Lei de 6 de fevereiro de 1992

visando organizar as necessidades comuns em vista da administração e do desenvolvimento

do espaço e permitindo a elaboração de um projeto comum. Eram originalmente destinadas

unicamente ao meio rural, mas ganharam, pouco-a-pouco, o meio urbano. Reúnem diversas

communes que, desde a Lei de 1999, devem ter um único territorial uniforme. Exercem, no

lugar dos seus membros, obrigações de competências em matéria de administração de espaço,

ações de desenvolvimento econômico, proteção e valorização do meio ambiente, políticas de

melhorias de condição de vida, administração e planejamento das vias urbanas. Somam 2.195

communautés de communes, desde 2003.

310 No texto original, equipements publics.

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144

As communautés d’agglomération foram criadas pela Lei de 12 de julho de 1999

em substituição às communautés de ville. São a associação de diversas communes urbaines

sobre um mesmo espaço físico, agrupando mais de 50.000 habitantes, sendo que cada

communes deve ter mais que 15.000 habitantes. Exercem competências obrigatórias em

matéria de desenvolvimento econômico, administração do espaço comunitário, equilíbrio

social da comunidade. Totalizam 143 communautés d’agglomération na França.

Os syndicats d’agglomération nouvelle (SAN) foram criados pela Lei em 13 de

julho de 1983, para responder às necessidades das novas cidades (Villes) que surgiram após

os anos 70. Reúnem communes que constituem aglomerações recentes. Têm competências em

matéria de programação e de investimento em urbanismo, logística, transporte e

desenvolvimento econômico. O processo de racionalização das estruturas intercomunitárias,

inaugurada em 12 de julho de 1999, em conseqüência da transformação das SAN em

communautés d’agglomération. Reconhece-se, hoje, 8 SAN no Estado francês.

Os districts foram extintos em 1 de janeiro de 2002, mas desde os dispositivos da

Lei de 12 de julho de 1999, foram transformados em communautés de communes,

communauté d’agglomération ou em communautés urbaines conforme o caso. Originalmente

criadas por Decreto em 5 de janeiro de 1959, para intervir no meio urbano, e estendidas para o

meio rural em 31 de dezembro de 1970, eram dotadas de competências delegadas pelas

communes, mas também competências obrigatórias definidas pela lei (de gestão de serviços

públicos, por exemplo). Quando da sua extinção, totalizavam 171 discricts.

As communautés de villes desapareceram, também, em 1º de janeiro de 2002,

assim como os districts, pela Lei de 12 de julho de 1999 foram transformados em

communautés de communes, communauté d’agglomération ou em communautés urbaines

conforme o caso. Foram criadas pela Lei de 6 de fevereiro de 1992, pelo agrupamento de

diversas communes de uma aglomeração não inferior a 20.000 habitantes. Pragmaticamente,

não foram bem sucedidas. Não se registrou número superior a 5 communautés de villes.

f.) Venezuela

A figura do consórcio administrativo no Direito Venezuelano é entendida como

uma associação entre entes públicos de diferente ordem e a participação de alguma entidade

privada sem fim lucrativo com interesses concorrentes com tais entes públicos.

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Afirma José Luis Villegas Moreno que está em voga nesse país a figura dos

consórcios mercantis para executar importantes encargos, mas principalmente para participar

em processos licitatórios e em concessões públicas, ainda que tal figura não seja reconhecida

de forma autônoma e expressa no ordenamento jurídico nacional 311.

Também sem previsão legislativa expressa, os consórcios administrativos vêm

sendo implementados consideravelmente a partir da ordem constitucional venezuelana

estabelecida em 1999312, que fortalece o poder público municipal.

No plano constitucional, a administração local está vinculada ao princípio da

subsidiariedade, diante do qual a prestação de serviços públicos deve ser levada por aquele

que se encontra em melhores condições para tanto e mais próxima ao cidadão. Portanto,

incluem-se os consórcios no processo de descentralização, considerando-os como hipóteses de

transferência de competências entre as entidades locais, com base no consenso

intergovernamental.

Há previsão legal313 de outras entidades locais descentralizadas, como os institutos

autônomos municipais, as empresas municipais, as fundações municipais e as associações

civis municipais; mas nenhum deles tem caráter associativo intermunicipal. E, também314, de

forma clara, a possibilidade de criação de outras modalidades associativas

intergovernamentais – onde se inserem as mancomunidades e os consórcios administrativos.

3. Contribuições do direito estrangeiro para o direito nacional

Depois de identificados os principais elementos caracterizadores do consórcio

público no direito estrangeiro (ou institutos similares), é possível afirmar que não se trata a

311 VILLEGAS MORENO, José Luis. El consorcio administrativo en el âmbito local venezolano: aproximación a una descentralización cooperativa. Província n.8, enero-junio 2002, pp. 99-109. Disponível em: http://www.saber.ula.ve/db/ssaber/Edocs/pubelectronicas/provincia/pnum8/jose_villegas.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006. 312 Art. 170. “Los Municípios podrán asociarse en Mancomunidades o acordar entre si o côn los demás entes públicos territoriales, la creación de modalidades asociativas intergubernamentales, para fines de interés público relativos a matérias de sus competências”. 313 Arts. 43 a 47 da Ley Orgânica Del Régimen Municipal – LORM. 314 Art. 13 da LORM.

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Lei n. 11.107/06, que regulamenta a constituição deste mecanismo no direito brasileiro, de

cópia idêntica a qualquer um dos modelos propostos. Mesmo porque a federação brasileira

tem características muito próprias que não encontra paralelo algum com as Nações

examinadas.

Esta análise proporcionará compreensão mais acertada sobre os propósitos desta

medida no sistema jurídico pátrio, considerando as semelhanças e divergências constatadas.

De fato inspirou-se o legislador brasileiro no consórcio público italiano,

particularmente quanto aos aspectos da finalidade para gestão associada de serviços públicos,

como, também, na personalidade jurídica autônoma do instrumento. Similar aos consórcios

empresariais, a autonomia da entidade constituída garante independência no seu

funcionamento, sem que seus fundadores exerçam ingerência sobre eles.

Quanto à autonomia do consórcio público frente aos seus membros, essa não é tão

absoluta como no direito italiano, mesmo porque os próprios chefes do executivo dos entes

federados consorciados são os responsáveis pela gestão e funcionamento dos consórcios

públicos. Ainda que haja capacidade administrativa, organizativa e financeira próprias, os

entes consorciados são solidariamente responsáveis pelos consórcios públicos. Sem

mencionar que, no caso brasileiro, integram a Administração Pública Indireta.

Interessante apontar que em todos os países examinados, a legislação permite o

consorciamento de entidades privadas sem fins lucrativos, que atuarão em parceria com os

entes públicos. Diferentemente do direito brasileiro, apesar da existência de diversos meios de

parcerias entre pessoas públicas e privadas para a prestação compartilhada de atividades de

interesse público, a constituição do consórcio público é exclusivamente interfederativa.

Outro ítem que merece destaque é delimitação atuação territorial desses

instrumentos de gestão associada. Em todos os casos, o consorciamento e as associações são

autorizados para o atendimento de finalidades públicas de interesse local. São medidas de

descentralização político-administrativa, que, para o fortalecimento do poder local, justificam

a soma de esforços na busca do bem-estar da comunidade. A proposta de descentralização é

nítida no modelo francês e português.

Destaca-se do direito espanhol, o alargamento do objeto dos consórcios, por ele

chamado administrativos. Não se prestam os consórcios somente para a entrega de serviços ou

obras públicas. Mais do que isso, na Espanha, são os consórcios administrativos utilizados

como instrumentos de desenvolvimento sócio-econômico regional, preservando as

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diversidades locais (pois a associação intermunicipal para a prestação de serviços públicos é

atribuída às mancomunidades).

Assim, com o raciocínio que se vem trabalhando, os consórcios públicos

brasileiros também serão utilizados para a gestão associada de serviços e obras públicas, mas,

principalmente, deverão ser tidos como instrumento que permitirá a restauração do pacto

federativo e de cooperação entre os entes federados, para cumprimentos das atribuições

constitucionalmente designadas, que, ao fim, atinjam os objetivos propostos pela República

Federativa do Brasil.

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PARTE III

A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DOS

CONSÓRCIOS PÚBLICOS

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CAPÍTULO I

PRESSUPOSTOS LEGISLATIVOS

1. A sede normativa adequada: bases constitucionais

Mesmo antes da reforma do texto constitucional para dispor nova redação ao art.

241, desde sua publicação, em 1988, a Constituição permite as mais diversas formas de

associativismo interfederativo a fim de compor interesses coletivos comuns.

O consórcio público e convênio de cooperação são apenas mais dois meios de

conjugação de esforços dos entes federados. Não há o que se fazer na impossibilidade do

legislador constituinte derivado inserir, no sistema, novas medidas.

No intuito de cumprir os preceitos de desenvolvimento nacional e erradicação da

pobreza e das desigualdades regionais, vieram estes novos instrumentos somar àqueles outros

diversos já previstos ao longo dos artigos constitucionais.

Trata-se o art. 241 da Constituição Federal de um marco regulatório de

instrumentos de associação interfederativa, que é perfeitamente condizente aos anseios

propostos nesse documento político. Os consórcios públicos e convênios de cooperação

facilitarão, sobremaneira, a implementação de inúmeras políticas públicas. Em particular os

consórcios públicos, que, de todas as possibilidades previstas no ordenamento jurídico

nacional, são os que oferecem instruções próprias de constituição e funcionamento.

Em análise à perspectiva constitucional, sobre os consórcios públicos, Cleber

Demetrio Oliveira da Silva, ainda, que

[...] se acredita que seu texto tenha condições efetivas de responder aos anseios dos entes federativos interessados na instituição de consórcios públicos. Agora, pode-se falar em

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segurança jurídica na implementação da gestão associada de serviços públicos.315.

Para Alice González Borges,

[...] é evidente, no que diz respeito à constituição dos consórcios públicos, bem como à celebração de convênios de cooperação entre entes federados. Não se trata, em tais considerações, da decisão sobre a participação das ordens federadas em tais ajustes, da definição dos seus objetivos, do estabelecimento de suas condições, porque, aí sim, segundo o imperativo do art. 18 da Constituição e em obediência ao princípio federativo, tais matérias competem unicamente a cada ente federado, no uso de sua autonomia política, organizacional e administrativa. Cuida-se, isto sim, substancialmente, de definir como as vontades dos entes federados partícipes se articularão em torno da consecução dos seus objetivos de interesse comum, sem que se quebre, com isso, sua autonomia constitucional316.

O objetivo da norma constitucional, pondera Maria Sylvia Zanella Di Pietro é o de

consolidar a gestão associada entre os entes federados para a consecução de fins de interesse

comum”, que muitas vezes são “inseridas no rol das competências comuns” e cujos entes

federados não podem ou tem dificuldades, por si só, para prestarem serviços de interesse

coletivo, “tornando-se possível ou mais eficiente mediante a conjugação de esforços” 317.

Neste contexto, a Lei 11/107 configura-se como a primeira lei brasileira de

cooperação interfederativo, pois “seu objetivo é regulamentar o art. 241 da Constituição, que

prevê a possibilidade de integração entre os entes federativos para a gestão associada de

serviços público”, associação esta que “poderá se materializar por meio de convênio de

cooperação ou pela constituição de consórcios públicos” 318

315 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005 316 BORGES, Alice Gonzáles. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. In: Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC,, 2005, p 847-48. 317 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2006, p. 464. 318 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 133.

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151

2.Possibilidade de novo tratamento legal: a disciplina por meio de lei federal

Ao dispor o art. 241 da Constituição que os entes federados, por meio de lei,

disciplinarão os consórcios públicos e os convênios de cooperação, é inevitável a discussão

acerca da competência legislativa para tal regulamentação.

O consórcio público produz “a conjugação de competências, atuações e interesses

de entes federados diversos”. Portanto, “há uma dimensão de supralocalidade do interesse

envolvido”. Assim, “a competência normativa é de titularidade da órbita federativa mais

ampla” 319.

Alerta-se para o fato de que a análise de tais questões não se esgota na

compreensão do artigo isoladamente, mas, a partir da leitura sistematizada de todo o texto

constitucional. Isto porque, analisa Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

[...] o art. 241 da Constituição criou certa perplexidade ao estabelecer que os entes federados disciplinarão por lei os consórcios e os convênios de cooperação, dando a impressão de que cada qual terá competência própria para legislar sobre a matéria; só que, como os consórcios envolvem a participação de diferentes pessoas jurídicas públicos, é impossível que cada qual estabeleça suas próprias normas, sem que haja uma lei de âmbito nacional estabelecendo os pontos comuns320

Caberá a cada pessoa política definir, por meio de lei, a forma e limites para

exercício de suas atribuições por meio de consórcios públicos e convênios de cooperação.

É dizer que União, Estado, Municípios e Distrito Federal têm competência

legislativa para delimitar as atividades que poderão ser objeto associação para fins do art. 241

da Constituição. Ressalta-se que “a competência para legislar sobre determinado instituto não

319 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 688. 320 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível no site: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.

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152

se confunde com a competência para disciplinar a organização dos serviços nem com a

competência para autorizar sua outorga” 321.

Portanto, considerando a edição da Lei Federal n. 11.107/05, entende-se ser

matéria em que caiba complementação ou suplementação, para adaptação a peculiaridades

específicas de cada ordem federada, já que se verifica, no caso, natureza de norma geral; ou

seja, de supra-ordenamento da composição de competências desses entes da Federação, em

plano abrangente e nacional.

A função da lei, no caso da gestão associada, será o de definir competência ao

Administrador para que aponte o que será seu objeto, qual sua área de atuação, seus elementos

de constituição, enfim, caberá à lei definir os aspectos relacionados aos encargos que serão

assumidos nessa forma.

A doutrina especializada, em sua maioria, admite a regulamentação dos

consórcios públicos por meio da lei federal como publicada, todavia, aponta três argumentos

distintos que reconhecem à União a competência legislativa sobre tal matéria.

O primeiro tem autorização no inciso XXVII do art. 22, que dispõe sobre a

competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas

as modalidades. Para Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, “no que tange ao consórcio

público e ao convênio de cooperação, o legislador teve por propósito uniformizar o regime

jurídico dessas relações; daí a necessidade da uniformização ser proposta pela União” 322. Em

outras palavras, “é afirmar a qualidade legítima da União para legislar sobre normas gerais

decorre deste dispositivo, que determina ser de competência privativa da União legislar sobre

normas gerais de licitação e de contratação, em todas as modalidades, para as administrações

direta e indireta dos entes federados, respeitada a exigência da licitação pública” 323.

321 PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 19. 322 Também neste sentido, Rosani Evangelista da Cunha diz que a competência derivada do art. 22 da Constituição Federal, no inciso XXVI, prevê que é competência da União legislar sobre normas gerais de contratação, o que abrange contratos, convênios e afins. E, neste sentido, já que os consórcios públicos são resultado da conjugação de vontade de mais de uma pessoa, são, portanto, um contrato. (CUNHA, Rosani Evangelista. Obra citada. p. 26) 323 MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801 . Acesso em: 17/12/2005.

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153

Para esta corrente, traçado o regime geral pela União, cada um dos demais entes

federados, por meio de normas específicas, deverá complementar o regime proposto sobre a

matéria. Marcos Pinto Correa Gomes, na mesma linha, diz que

[...]o legislador procurou, no texto legal, legitimar a competência da União, com base em sua atribuição privativa para editar normas gerais sobre contratos. Não só a ementa, mas também seu artigo 1º assinalam que a Lei Federal nº 11.107/05 estabelece normas gerais para a celebração de contratos de consórcio público. O fundamento constitucional, portanto, seria o artigo 22, XXVII, o mesmo que justifica as Leis Federais nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, entre outras324.

O segundo argumento acerca da competência legislativa para disciplinar a gestão

associada e a cooperação entre os entes federados em caráter nacional, diz Alice Gonzáles

Borges que “é evidente o disciplinamento diferente de tais vínculos de cooperação entre entes

federados, sem nenhuma coordenada comum, sem nenhuma linha de coerência, geraria

verdadeira anarquia e não alcançaria os salutares resultados pretendidos pelo texto

constitucional em comento”. Segue a autora dizendo que “uma coisa é a competência para

estabelecer diretrizes gerais que norteiem a celebração de convênios e consórcios entre entes

federados; outra, bem diversa, é a decisão de participar, ou não, de tais ajustes, com a

definição de seus objetivos e a estipulação de suas condições” 325 .

O último argumento, também admitindo a competência da União para legislar

sobre o tema, é trazido por Floriano de Azevedo Marques Neto que considera que

[...] a autorização constitucional não está no art. 22 supra referido, mas, sim, no art. 24 do texto constitucional, ao tratar das competências concorrentes. Disso decorre a atribuição de competência legislativa concorrente para os três entes da Federação para os regularem. E, sendo assim, creio que se deve reconhecer ter a Carta reservado à União competência para prescrever as normas gerais para o estabelecimento destes dois veículos de atuação federativa concertada. Temos, portanto, como aplicável a regra prevista nos §§ 1º a 4º do artigo 24 da CF. Disso provém a quarta nota: o artigo 241 atribuiu – e isso independe de considerarmos os consórcios como espécie do

324 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005 325 BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada. p 843.

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154

gênero contrato – à União competência para disciplinar o regime dos consórcios públicos mediante a edição de lei geral nacional, a ser obedecida pelos Estados e Municípios quando disciplinarem a mesma matéria326.

No mesmo sentido, dizem Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira que “ao

editar normas gerais, a União fixa diretrizes para si própria e para todos os outros entes da

Federação, não excluindo a competência legislativa para suplementar tais preceitos, como

dispõe o § 2º do art. 24 da Constituição de 1988”. Advertem, ainda, que no caso específico da

Lei 11.107/2005, “a União teve, em verdade, o intuito de regular, com grande abrangência, o

modo e a forma como os entes federados unirão seus esforços em torno de objetivos de

interesse comum” 327.

Pondera, Marçal Justen Filho que “a referência do art. 241 à existência de leis dos

diversos entes federados não traduz a vedação à edição de noras gerais pela União”, o fato é

que, de todo modo, “será necessária a edição de lei local autorizadora da participação do ente

federado num consórcio público, cabendo ao diploma estabelecer as condições pertinentes” 328.

Por fim, analisa Maria Sylvia Zanella Di Pietro que como os consórcios envolvem

a participação de diferentes pessoas jurídicas públicas, é impossível que cada qual estabeleça

suas próprias normas, sem que haja uma lei de âmbito nacional estabelecendo os pontos

comuns”. Todavia, adverte a autora que “não sao normas gerais sobre contrato, mas normas

sobre constituição de pessoa jurídica por entes federativos em conjunto” 329.

Como exposto anteriormente, entende-se pela necessidade de regulamentação

geral por parte da União considerando a característica essencial da relação interfederativa em

questão, sob pena de incorrer em desequilíbrio e desarmonia federativa.

326 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005 327 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios Públicos – comentários à Lei 11.107/2005., 2006, p. 19. 328 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 689-670. 329 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra citada. p. 465.

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CAPÍTULO II

PERSONIFICAÇÃO DO CONSÓRCIO PÚBLICO

1. Regime jurídico próprio: o surgimento de nova espécie de pessoa jurídica330

Necessariamente, os consórcios públicos deverão reunir interesses e finalidades

dos entes que dele participam. Trata-se de associação entre entes da Federação para

consecução de interesses coletivos comuns, relação, por certo, submetida ao regime

publicista. Foi este o regime jurídico imposto pela lei.

Logo no art. 1°, § 1° está previsto que o consórcio público constituirá associação

pública ou pessoa jurídica de direito privado.

330 No Brasil, o primeiro esforço de sistematização da descentralização administrativa deu-se com o Decreto-lei n° 200/67, que deve ser tomado com a referência da desburocratização da Administração Pública, ainda que repleto de imperfeições, tentou-se, a partir deste instrumento legislativo, superar a rigidez burocrática, por meio da expansão da Administração indireta, diluindo o poder decisório do núcleo central. Há uma estrutura organizacional própria para cada Estado. O modelo brasileiro adotado prevê uma divisão vertical, que decorre da forma federativa (administração federal, estadual, municipal e distrital) e outra horizontal, nas hipóteses de descentralização da atividade administrativa para órgãos da chamada Administração Pública direta e indireta. São, portanto, entes da Administração indireta, conforme previsto pelo Decreto-Lei n. 200/67, que regula da estrutura da Administração Federal: autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista. Além, de outros que foram inseridos à ordem jurídica constitucional e legal pátria, como as subsidiárias, agências reguladoras, organizações sociais, agências executivas, convênios administrativos e consórcios públicos. O que, primordialmente, identifica esses entes é a personalidade jurídica própria; o que significa dizer que são sujeitos de direitos e obrigações próprios, não se confundindo com a personalidade jurídica da entidade a que se vinculam, ainda que exerçam sobre aqueles poderes centrais de controle tutelar. Sabe-se, todavia, que o referido instrumento legislativo já sofreu inúmeras alterações legislativas e ainda permanece em vigor. De fato este instrumento introduziu uma reforma administrativa e promoveu a sistematização quanto às pessoas integrantes da administração pública, mas nada disse impede que se mantenham eventuais reformulações dessa estrutura original. Para o desempenho de sua competência específica, a entidade da Administração indireta é dotada de patrimônio, pessoal, estrutura administrativa e direção próprios desvinculados do poder central instituidor. Sua criação dá-se por meio de edição de lei específica (seja instituindo ou autorizando sua instituição), o que faz com que as submetam, independentemente de sua natureza jurídicas, aos princípios gerais da Administração Pública inscritos no texto constitucional. Vale destacar, outrossim, que a personalidade jurídica própria é que caracteriza uma entidade como pessoa jurídica descentralizada e, não, o regime jurídico que a rege, que pode ser público ou privado, conforme estipulado (ou autorizado) na lei instituidora. Oportunamente, posiciona-se dentre aqueles que não transferem a titularidade da atividade administrativa, quando da descentralização, mas, tão-somente, a execução dela. Entende-se que a titularidade é, e permanecerá, com o poder público. Trata-se a descentralização, reafirma-se, de medida de gestão administrativa.

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Todavia, era consenso na doutrina nacional, antes da publicação da Lei 11.107/05,

que os consórcios administrativos não tinham personalidade jurídica própria, assim como os

consórcios empresariais previstos na Lei das Sociedades por Ações, contudo, o legislador

optou por conceder tratamento diferenciado.

O aspecto mais importante a ser considerado é a personalidade jurídica do

consórcio público, pois conforme expressamente disposto no art. 6°, o consórcio público

adquirirá personalidade jurídica: I – de direito público, no caso de constituir associação

pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções; II – de direito

privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.

Adverte-se que “o vetor para o reconhecimento da personalidade pública ou

privada há de ser a presença de traços que conformem seu regime jurídico a determinadas

prerrogativas”, ou seja, “para se afirmar ser a pessoa pública ou privada, e para a validade da

afirmação, deverá haver como suporte necessário regime jurídico homogêneo, sob pena da

distinção sequer ser útil” 331. Pretende-se, portanto, apresentar elementos que formule o

regime jurídico de cada uma das espécies de consórcio público.

Acresce-se, ainda que, em se tratando de pessoa jurídica de direito público, o

consórcio público, integrará a administração indireta de todos os entes da Federação

consorciados. No outro caso, quando pessoa jurídica de direito privado, o consórcio público

observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração

de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação

das Leis do Trabalho – CLT, mas não integrará o mesmo rol.

É oportuno esclarecer que, no primeiro aspecto, analisa-se a personalidade

jurídica do consórcio público, que não se confunde com a natureza jurídica do contrato de

consórcio público.

Independentemente da natureza jurídica do consórcio público criado (público ou

privado), o fato é que “sua instituição envolve um procedimento bastante complexo,

abrangendo atos unilaterais específicos de cada ente federativo que pretender dela participar,

mas também uma manifestação de consenso entre esses diversos entes” 332.

331 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2006, p. 142-143. 332 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 691.

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2. Consórcio público de direito público: consórcio público-público

a) Posição jurídica: parte da Administração Pública indireta

Por determinação legal, os consórcios públicos de direito público integram o rol

de entidades parte da Administração Pública indireta, da pessoa titular do serviço, ou seja,

aquela responsável por sua organização e fiscalização, sendo parte dela. Nada mais é do que

uma figura de descentralização administrativa; é uma nova modalidade num velho

ordenamento jurídico (Decreto-lei n. 200/67).

Ao formar uma associação pública, estará sendo criada uma nova pessoa jurídica,

ou seja, as associações públicas são consideradas, em razão da modificação mesma produzida

pela Lei 11.107/05, por parte da doutrina333, como autarquias. Isto porque a nova redação

dada pela lei dos consórcios públicos ao Código Civil acrescentou ao inciso IV, do seu art. 41,

que estabelece as autarquias como pessoas jurídicas de direito público no Brasil, ao seu lado

as associações públicas.

Sabe-se que “pessoa jurídica de direito público é aquela intrinsecamente estatal”,

ou seja, “apenas pode ser instituída por lei, sendo-lhe atribuídas funções e competências

inerentes à qualidade estatal” 334.

É, pois, o consórcio público “um instrumento que, sem delegação de

competências constitucionais, visto que integra a Administração Indireta, viabiliza o

compartilhamento de sua gestão com outros entes da Federação, que também participam do

consórcio” 335.

Em verdade, “o que identifica uma pessoa jurídica de direito público é a natureza

de suas finalidades, a origem de seu patrimônio e o ato que lhe dá origem” 336. Assim,

333 MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801>. Acesso em: 17/12/2005. 334 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. a cip. 679. 335 PORTO NETO, Benedicto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerBenedictoPortoNeto.pdf>. Acesso: 30 de março de 2005, p. 42. 336 AZEVEDO, Damião Alves de. A natureza jurídica das associações de municípios e dos consórcios intermunicipais. In Revista de Direito Administrativo – RDA, 2004

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necessariamente, deve-se concluir que é pública toda pessoa jurídica formada a partir de

patrimônio público, o qual só pode ser afetado a fins públicos e por meio de lei.

1º) Associação Pública

A personificação do consórcio público como associação pública advém, de

imediato, da vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções.

Associação pública é nova categoria de pessoa jurídica que foi inserida ao

ordenamento jurídico nacional pela publicação da lei dos consórcios públicos, que em seu art.

16 deu nova redação ao Código Civil, ao lado das autarquias.

Para que coubesse dentro do Código Civil, a Lei alterou o artigo 41, para incluir

no inciso IV uma parte: o inciso, que se referia às autarquias apenas, ficou com a redação: “as

autarquias, inclusive as associações públicas”. Isto sem tocar o inciso V do mesmo artigo: “as

demais entidades de caráter público criadas por lei”.

Para Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira, “a associação pública é

modalidade de constituição de consórcio público formado pela união de entes federativos,

como pessoas jurídicas públicas que se organizam para a realização de objetivos de interesse

comum” 337.

Assim, considerando a novidade da inserção no sistema jurídico pátrio de pessoa

jurídica com denominação distinta daquelas conhecidas até agora, é inevitável a discussão

acerca da natureza jurídica desta pessoa.

De pronto, amplamente a doutrina entende ser a associação pública uma espécie

de autarquia, em razão da redação do inciso IV do art. 41 do Código Civil.

Em análise ao tema, Alice Gonzáles Borges afirma que

[...] o legislador optou por inserir a categoria de associação pública junto à autarquia para evitar mais uma necessidade de reforma ao texto constitucional e agilizar a efetividade proposta pela lei dos consórcios públicos. Pretendeu o legislador tratar a associação pública como uma subespécie de autarquia. Decerto, porque o art. 37 da Constituição apenas prevê, como integrantes da administração indireta, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas.

337 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. 2006, p. 74.

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Com essa “inclusão” das associações públicas entre as autarquias, evitou-se, ao que parece, a edição de (mais uma) emenda constitucional338.

Já José Eduardo Alvarenga considera “uma espantosa contradição dentro da

própria lei nova, significa, pois, que as associações públicas são espécie do gênero autarquia.

A ser assim, só podem ser criadas por lei, como exige o artigo 37, XIX, da Constituição e não

através de contrato, como quer o artigo 3º da nova lei” 339.

Como diz Marçal Justen Filho, “a expressão autarquia comporta entidades

submetidas a regimes jurídicos diversos. E isso porque a criação de autarquia depende de lei

específica, a qual caberá determinar o regime jurídico da entidade, ou seja, cada autarquia

pode apresentar regime jurídico próprio, específico e peculiar” 340.

Lembra-se, com isso, que a autarquia comporta entidades submetidas a regimes

jurídicos diversos, em outras palavras, é afirmar que seja qual for este regime todas serão

pessoas jurídicas de direito público. E a mesma característica será atribuída à associação

pública, vez que prevista no mesmo dispositivo legal.

Contesta-se a atribuição da natureza de autarquia aos consórcios públicos, sob o

argumento da personalidade de direito público e pela inscrição nova no Diploma Civil.

Toma-se a associação pública como nova espécie de personalidade jurídica criada

por lei, com características próprias, conforme disposto na Lei 11.107/05.

Por fim, conclui-se pela pessoa jurídica dotada de personalidade de direito

público, que tem natureza jurídica própria e de nova nomenclatura (associação pública), que

integra a administração indireta de cada um dos entes consorciados.

1º. Constituição: complexidade do procedimento.

Lembre-se que se tratam de dois momentos distintos da lei: um é a criação da

pessoa jurídica, consórcio público, de natureza de associação pública out associação civil;

outro é a celebração do contrato para funcionamento deste pacto. De todo modo, necessária é

338 BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada. 2005, p. 849. 339 ALVARENGA, José Eduardo. Consórcios: a nova pessoa jurídica da administração indireta. Disponível no site: http://www.direitonet.com.br. Acesso em 17/12/2005. 340 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada.. 682.

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a intervenção do Legislativo que autoriza previamente ou ratifica a criação. Logo, a criação

por meio de lei que é exigida para a instituição do consórcio público é cumprida.

Diz a Lei 11.107/05 que os consórcios públicos se constituem por meio de

contrato. Mas em análise ao conjunto legal, constata-se se tratar de uma série de atos

interligado até a efetiva formação desta nova pessoa jurídica, ou seja, trata-se, então, de um

procedimento sua constituição.

Procedimento341 este composto das seguintes fases consecutivas: (i) subscrição do

protocolo de intenção (art. 3°); (ii) publicação deste protocolo em imprensa oficial (art. 4°);

(iii) promulgação de lei ratificadora do protocolo de intenção – total ou parcialmente por cada

um dos consortes (art. 5°); (iv) celebração do contrato do consórcio público (art. 3°); por fim,

(v) atendimento das disposições civis, em se tratando de consórcio público de natureza

privada (art. 6°, II).

a) Natureza Contratual

Todavia, a natureza jurídica do ato constitutivo do consórcio público não fica

clara na Lei específica: se contrato administrativo ou acordo de interesses.

Em busca da resposta no texto constitucional, constata-se que são utilizadas as

duas expressões sem precisão jurídica – muitas vezes, uma se confundindo com a outra. O

conceito de contrato inclui relações pactuadas por acordos de vontade. É o mesmo que

afirmar que a partir da Constituição Federal, os acordos de vontades da Administração

Pública, chamados contratos, lhe criam direitos e obrigações. Por isso adverte Benedicto Porto

Neto que “não se deve, para examinar as competências constitucionais, adotar noção mais

restrita de contrato” 342.

341 Neste mesmo sentido entendem, BORGES, Alice Gonzáles. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. In: Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Ano XII, n° 140, outubro, Curitiba, 2005, p. 853. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005. 342 PORTO NETO, Benedito. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 26.

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Também Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira consideram que

[...] o tratamento conferido pelo texto legal aos consórcios públicos está harmonizado com as linhas contemporâneas de atuação administrativa, em que é ampliado o uso de figuras contratuais ou convencionais – seja entre a Administração Pública e os particulares, seja entre órgãos e entidades da Administração – para a consecução de objetivos de interesse comum entre as partes (parcerias em sentido amplo)343.

Assim, atribui-se natureza contratual, no sentido posto acima, aos contratos de

consórcios públicos.

Neste mesmo sentido, Cleber Demetrio Oliveira da Silva diz ser “indubitável a

sua natureza contratual. Significa dizer que o instituto é um negócio jurídico. Portanto,

quando se fala de consórcio, na verdade, estar-se-á comentando acerca de um instrumento

contratual celebrado entre entes federativos” 344.

A título de exemplo, encontra-se na nova teoria contratual Argentina a figura da

convención como “todo acordo entre duas ou mais pessoas e cuja noção pode assimilar-se à

moderna teoria do contrato, ou seja, serão contratos todos os acordos que sirvam de causa à

transmissão, constituição, extinção ou transferência de direitos, sendo um ato jurídico bilateral

e patrimonial” 345.

Neste contexto, a associabilidade implica na criação de uma completa

organização, de um sistema que terá existência legal a partir da celebração de um contrato.

De outra parte, considerando o consórcio público não como contrato, mas, sim,

acordo de vontade, Floriano de Azevedo Marques Neto afirma que são os consórcios públicos

[...]acordos de vontade, negócios jurídicos em que duas ou mais partes ajustam seus interesses (vontades) com vistas a atingir um resultado de interesse comum. Note-se que mesmo num contrato stricto sensu bilateral e sinalagmático em essência há um objetivo comum a mover as partes contratantes, ainda que a conjunção de vontades se dê pelo antagonismo (quanto mais desequilibrado o ajuste em favor de uma das partes, mais oneroso será para a outra e igual no revés).

Explicando melhor, diz o autor que 343 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada, 2006, p. 22. 344 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005. 345 ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios. Buenos Aires: Astrea, 2005, p. 113.

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[...] quando duas ou mais pessoas decidem se consorciar estão, em verdade, travando um contrato de associação com vistas à atuação conjunta voltada à consecução de um objeto comum. Se o consórcio não tem o caráter de permanência de uma sociedade, certo é que ele não é também um acordo efêmero. Para formar um consórcio, as partes consorciadas hão de acordar (ajustar vontades) a atuação de cada qual (atuação esta que não será idêntica, pois se consorciar implica em reunir meios, aptidões, capacidades e não apenas repartir uniformemente os mesmos cometimentos). Ou seja, os consortes contratam a repartição de atribuições, de modo que cada membro se compromete com os demais a realizar uma parcela de atividades ou a ceder um plexo de direitos com vistas a que todos juntos - reunidos juridicamente no ente consorcial – logrem a consecução de um escopo que é de interesse comum (ainda que por razões distintas) a todos346.

O consórcio público, em si, “é uma relação que representa acordo de vontades a

gerar obrigações para os participantes e nesse sentido pode ser classificado em sentido mais

amplo como contrato, sim, ainda que de caráter associativo” 347.

Em crítica à natureza contratual, diz Alice González Borqes que

[...] a lei incorre em um equívoco, qual o de tratar a constituição de consórcios entre entes da Federação para a consecução de objetivos comuns de interesse público, como sendo de contratação desses mesmos consórcios (art. 3°). Os consórcios, bem como os convênios de cooperação também previstos no dispositivo constitucional, não têm, nem podem ter, natureza contratual. Que é que caracteriza a categoria jurídica contratual? É justamente o constituir-se, dentro da teoria geral do direito, como aquele acordo de vontades gerador de vínculo obrigacional entre partes que objetivam a consecução de interesses opostos, mediante a prestação e contraprestação de obrigações recíprocas. Em vez disso, os ajustes de que se trata, consubstanciados nos consórcios públicos e nos convênios de cooperação entre entes federados são, a toda evidência, de outra espécie. Trata-se de negócios jurídicos coletivos, os acordos, em que as vontades dos partícipes convergem para a consecução de um interesse comum348.

Contesta-se este raciocínio, sob o argumento de que não mais se pode conceber o

contrato como oposição de interesses, pois todos os contratantes estão em harmonia, por isso 346 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005. 347 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005 348 BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada., p. 846-47.

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contratam. Fala-se em distinção entre os objetos pretendidos com os contratos. Mas de toda

forma, as partes estão em perfeito acordo para tanto.

Consideram-se, então, os consórcios públicos como contratos plurilaterais, vez

que são, de fato, acordo de vontade negocial destinado a regular seus direitos, cujo

consentimento provém de todas as partes, que objetivam atingir fim comum por meio de

prestações recíprocas.

Afigura-se, para Marçal Justen Filho, que

[...] o ato constitutivo do consórcio público consiste num contrato plurilateral349, similar ao que se verifica no tocante à constituição de pessoas jurídicas de natureza consensual. A constituição do consórcio público e a participação do ente federado envolvem um acordo de vontades, que abrange não apenas a vontade de participar, mas também a assunção de obrigações atinentes à composição do patrimônio, a delegação de atribuições e competências determinadas e a transferência de bens e pessoal para a entidade. Tudo isso se faz como instrumento de promoção de atuações aptas a promover a realização de interesses comuns dos diversos participantes350.

Ainda sobre a natureza contratual, Carlos A. Molina Sandoval considera

[...] contrato plurilateral aquele que tem, originária ou potencialmente, mais de dois centros de interesses diferenciados, sem que exista necessariamente reciprocidade ou interdependência entre todas as prestações decorrentes do contrato, pois neles, a pluralidade dos interesses em jogo se subordina à consecução de um objetivo ou finalidade comum, que venha a construir o elemento unificador dos diversos consentimentos e concorra a determinar os direitos e deveres das partes, orientando da a atividade ulterior a que está destinado o contrato351.

349 Trata-se de uma avença caracterizada por duas ordens de fatores: de um lado a natureza desse acordo de vontades comporta a participação de um número de partes superior a duas; de outro, o contrato não é instrumento de câmbio de riquezas entre os contratantes; seu objeto é a criação de uma organização de ens e esforços visando ao desenvolvimento de uma certa atividade. JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso em 30 de março de 2005. 350 JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso em 30 de março de 2005. JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto., 2006, p. 693. 351 SANDOVAL, Carlos A. Molina. Consórcios de Cooperación, 2005, p. 20.

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Ressalta-se que ao mencionar ‘fim comum’ não é, necessariamente, fim idêntico.

Os interesses dispostos e a intensidade quanto à participação de cada consorte dependerão do

disposto, voluntariamente, no protocolo de intenções.

c) Protocolo de intenções

Como o consórcio público “é instituído como pessoa jurídica, não poderia ser

constituído pela simples celebração de um contrato, daí a necessidade de celebração de um

protocolo para que se definam as condições para sua existência” 352.

A constituição do consórcio público depende a priori da prévia subscrição do

protocolo de intenções e, a posteriori, da ratificação deste protocolo por meio de lei, conforme

disposto do art. 5º da Lei 11.107/05.

O protocolo de intenções será, então, o meio pelo qual se exteriorizará a vontade

das partes convenentes; o elemento formal para a exteriorização dos consentimentos que

compõe o consórcio público.

Interpreta-se pela necessidade da atuação de órgãos distintos: do poder executivo,

na elaboração do protocolo de intenções, e, após, a ratificação deste por ato do legislativo353.

Nada mais é do que um típico ato administrativo complexo: já que uma coisa é a

natureza jurídica dos consórcios, e outra, é natureza jurídica dos contratos de consórcios

públicos. Estes, pela própria classificação do instrumento, indicam a intenção de que existam

obrigações mútuas. Tal contrato somente poderá ser celebrado após a formalização do

protocolo de intenções e da ratificação por lei de cada ente federativo envolvido.

Enquanto fase inaugural do procedimento de constituição, o protocolo de intenção

é instrumento pelo qual os interessados manifestam a intenção de celebrar um acordo de

vontade (contrato, convênio, consórcio ou outra modalidade) para a consecução de objetivos

de seu interesse, porém sem qualquer tipo de sanção pelo descumprimento. “Na realidade, não

se assume, nele, o compromisso de celebrar o acordo; não se assumem direitos e obrigações;

352 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra citada. p. 469. 353 É certo que a lei que autorizar a criação do consórcio público deverá estabelecer claramente qual o objeto e suas formas de atuação, sob pena de invalidade da lei, uma vez que não é permitida a existência de autorização genérica à Administração Pública. Por razões de conveniência e oportunidade, o poder público pode optar pela criação de consórcios públicos para o exercícios de determinadas funções, mas desde que observe os limitadores já presentes no ordenamento jurídico pátrio.

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apenas se definem as cláusulas que serão observadas em caso do acordo vir a ser celebrado” 354.

Deve ser compreendido como o plano de trabalho para o acordo: uma peça

preparatória e até mais detalhada. A ratificação legal não significa conversão automática do

protocolo de intenção em contrato de consórcio. São elementos e fases distintos. Ratificado o

protocolo, haverá ainda de ser celebrado o contrato propriamente dito (contrato de consórcio

público).

Como apontado acima, o consórcio público deverá ser constituído por meio de

contrato elaborado com base num protocolo de intenções, que representará as intenções das

entidades consorciantes. Entenda-se bem que se fala da pessoa jurídica “consórcio público”,

pois este é constituído por meio de lei – ainda que esta seja mera ratificadora do protocolo de

intenção. Nesse caso, trata-se do contrato de regulara a atuação do consórcio público que fora

constituído.

Este instrumento será, portanto, um ato administrativo próprio que conterá os

compromissos estabelecidos entre as partes interessadas, cujo teor está predeterminado pela

lei.

Trata-se, portanto, de um ato negocial pelo qual o poder público acerta com o

outro a realização de determinada atividade, no interesse recíproco da Administração.

O protocolo fará às vezes do plano de trabalho para os convênios, com duas

grandes diferenças: pelo conteúdo mínimo descrito no artigo 4º, o protocolo de intenções

revela-se peça bem mais complexa e que deverá ser levada à ratificação por lei formal.

O protocolo de intenção representa o resultado do entendimento consensual prévia

para a celebração de um acordo entre os partícipes. Sobre o tema, Alice Gonzáles Borges diz

que” a Lei n° 11.107/05, para tanto, escolheu legitimamente a forma usual de protocolo de

intenções, o qual, estipulando as condições do ajuste, deverá ser posteriormente submetido à

apreciação e aprovação pelo Legislativo de cada ente federado, uma vez que se trata de

matéria de reserva de lei” 355.

354 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005. 355 BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada. p. 847.

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Esse protocolo “tem o sentido de materializar o intuito de cooperação, associação

e conjugação de esforços dos entes federativos, em vista da consecução de objetivos de

interesse comum, visando a futura celebração de um contrato de consórcio público” 356.

É de se lembrar que cabe aos chefes dos Poderes Executivos interessados agir com

toda cautela ao implementar um consórcio público, exigindo de seu assessoramento a

realização de estudos e pareceres detalhados, a fim de evitar o cometimento de indesejáveis

falhas que possam configurar atos de improbidade administrativa em sua gestão357.

A Lei exige que o contrato de constituição do consórcio público cumpra uma séria

de requisitos mínimos; o que em outras palavras, pode-se admitir a inclusão de cláusulas

diversas que entenderem necessárias as partes incluir.

São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam: (i) a

denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio; (ii) a identificação dos

entes da Federação consorciados; (iii) a indicação da área de atuação do consórcio; (iv) a

previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado

sem fins econômicos; (v) os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o

consórcio público a representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de

governo; (vi) as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a

elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público; (vii) a previsão de

que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as

suas deliberações; (viii) a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do

consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da

Federação consorciado; (ix) o número, as formas de provimento e a remuneração dos

empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender

a necessidade temporária de excepcional interesse público; (x) as condições para que o

consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria; (xi) a autorização para a

gestão associada de serviços públicos; e (xii) o direito de qualquer dos contratantes, quando

adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de

consórcio público.

356 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. p. 46. 357 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.

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167

Dessas cláusulas merece destaque, inicialmente, a fixação de prazo de duração do

consórcio público, vez que é a primeira vez no sistema jurídico pátrio que se prevê a criação

de pessoa jurídica de direito público integrante da Administração Pública Indireta com

período pré-estipulado de existência. Ainda que não tenha sido indicado pela Lei o período

máximo de tal fixação, nem mesmo a possibilidade (ou não) de prorrogações.

Outro elemento relevante é a indicação da área geográfica de atuação do

consórcio público, que estará diretamente relacionado à dimensão espacial dos entes

consorciados. Sem esquecer que a própria Lei dispõe taxativamente sobre as combinações

interfederativas possíveis para a formação do consórcio358.

A natureza jurídica da associação que se formará (pública ou privada) também

deve ser indicada necessariamente no protocolo de intenções, ou seja, “a opção pela forma de

organização jurídica do consórcio público há de ser realizada pelas entidades federativas que

futuramente vão integrá-lo” 359.

Também deverão ser definidos, obrigatoriamente, no protocolo de intenções todo

o modelo de organização e funcionamento desse consórcio público que se pretende formar.

E, por fim, em destaque, é preciso que se deixe claro o objetivo a que se destina o

tal consórcio público, pois dependendo do objeto proposto haverá ou não outros novos

procedimentos a serem cumpridos.

De todo modo, considerando o protocolo de intenções o instrumento de ajuste

entre os entes interessados, imagina-se que conteúdo de outras naturezas poderá ser fixado de

comum acordo, como conteúdo obrigatório mínimo para dar maior segurança entre as partes.

Como dispõe a Lei, trata-se de “cláusula obrigatória”, mas não exaustivas. Se por bem

entenderem os convenentes, outras cláusulas poderão ser dotadas de tal obrigatoriedade.

Confirma-se, então, o fato de que o conteúdo mínimo do protocolo de intenções

não se esgota no artigo 4º da Lei Federal nº 11.107/05. Neste mesmo sentido, confirma

Marcos Pinto Correia Gomes que “a leitura atenta dos seus mandamentos sugere que outros

elementos devam estar muito bem definidos naquela peça preliminar, como certos aspectos

358 Diz o § 1º do art. 4º da Lei 11. 107/05 que para os fins do inciso III do caput deste artigo, considera-se como área de atuação do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que corresponde à soma dos territórios: (i) dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos; (ii) dos Estados ou dos Estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um) ou mais Estados e o Distrito Federal; e (iii) dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios. 359 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., p. 51.

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168

estruturais sobre a elaboração formal e material dos contratos de rateio e dos contratos de

programa, assunto que desenvolveremos mais à frente” 360.

Sugere-se, inclusive que o protocolo de intenções disponha sobre eventuais

conflitos que possam ocorrer ao longo do funcionamento do contrato de consórcio público.

Todavia, espera-se que, em sendo o consórcio público um instrumento de ação de cooperação

conjunta, representando a intenção de todos os signatários, de pouco incidência será tal

situação. Caso contrário, se não é a vontade de todos a formação do consórcio, não justifica o

início de todo o procedimento.

Por isso, afirma-se necessária mudança de comportamento dos governantes

brasileiros. É preciso acreditar na realização dos consórcios públicos – que, repita-se, não é o

único modo de ação cooperado no nosso ordenamento jurídico.

d) Ratificação

A ratificação a posteriori do protocolo de intenções ou a autorização para a

constituição de consórcios públicos antes de serem fixadas as regras desse protocolo é

exigência legislativa condicional para que se crie esse consórcio.

A ratificação se efetua em casa um dos Legislativos dos entes subscritores do

protocolo de intenções e se expressa, necessariamente, por lei.

É esta a competência legislativa a que se refere o art. 241 da Constituição ao dizer

que os entes federados poderão constituir consórcios púbicos e convênios de cooperação por

lei. De fato, esta competência suplementar dos entes federados – particularmente após a

publicação da Lei federal 11.107/05 – deverá observar as normativas gerais já instituídas pela

União e adequá-las aos interesses locais ou regionais de cada um dos consorciados.

Acima de tudo, a ratificação deve respeitar a autonomia federativa dos

interessados, que não estão obrigados (pela independência do poderes) a ratificar ato praticado

pelo Executivo, nem mesmo, se entenderem pela ratificação, receber o protocolo de intenções

na sua totalidade, ou seja, o Legislativo, quando da ratificação, poderá ratificar este

documento em inteiro teor ou com reservas, ou, simplesmente, não aceitá-lo. 360 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005

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Em caso excepcional, admite a Lei a dispensa da fase de ratificação do protocolo

de intenção que se dará, conforme disposto no § 4° do art. 5°, quando o ente interessado tenha

previamente disciplinado por lei a sua participação no consórcio público.

Mas de qualquer forma, a manifestação decisiva do Legislativo nesse

procedimento é obrigatória.

e) Extinção e retirada

Da mesma forma que se cria uma pessoa jurídica, será a forma pela qual ela

poderá ser extinta, ou seja, se por meio de lei é criado o consórcio público, também assim será

para sua extinção.

Ainda que não seja completa a extinção do consórcio público, mas a retirada de

parte de seus integrantes, necessária se faz a edição de lei específica edita pelo Legislativo do

ente retirante.

Dispõe o artigo 11 da Lei 11.107/05 que a retirada do ente da Federação do

consórcio público dependerá de ato formal de seu Representante na Assembléia Geral, na

forma previamente disciplinada em seu texto.

Sob este último aspecto, várias considerações devem ser feitas. A primeira delas é

o fato de que se a participação do consorte depende de lei formal, do mesmo modo deverá ser

sua retirada. A dúvida recai sobre as hipóteses em que a aprovação legislativa tome

demasiado tempo para sua concretização. Assim, para que não haja prejuízo para qualquer das

partes, toma-se como válido o ato da Assembléia Geral, até que seja efetivamente legislada a

saída ou extinção. Ressalta-se, contudo, que se trata apenas de medida assecuratória do

prosseguimento das atividades do consórcio.

Informa-se que o disposto no art. 11 refere-se à hipótese de retirada voluntária de

um dos entes consorciados. Mas lembra-se, ainda, do previsto no parágrafo 5º do artigo 8º do

mesmo diploma legal, que prevê a retirada compulsória do ente federado que descumpre as

obrigações financeiras específicas, conforme elaboração do contrato de rateio.

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2º. Partes

Quanto às partes, a Lei faz menção expressa, no parágrafo 1º do art. 4º sobre as

pessoas políticas que poderão fazer parte de consórcios públicos. são elas: I – os Municípios,

quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e

Municípios com territórios nele contidos; II – os Estados ou o Distrito Federal, quando o

consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um)

ou mais Estados e o Distrito Federal; III – os Municípios e o Distrito Federal, quando o

consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios; IV - a União somente

participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos

territórios estejam situados os Municípios consorciados.

Pode-se dizer, assim, que, por meio dos consórcios público – diferentemente do

que se considerou até a edição da lei específica – introduziu a chamada “cooperação

interadministrativa vertical” 361, ao estabelecer que associação entre entidades políticas de

diferentes ordens.

Afasta-se prontamente a possibilidade de estabelecer consórcios públicos com a

participação de pessoas jurídicas privadas – como ocorre com os convênios administrativos.

Particularmente a União, pela redação do artigo 14, poderá celebrar convênios

com os consórcios públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de

políticas públicas em escalas adequadas. Este dispositivo prevê a realização de convênio, mas

este não é o convênio de cooperação a que se alude acima, e que está previsto na

Constituição: será aquele celebrado pela União com os próprios consórcios públicos,

objetivando a descentralização e a prestação de políticas públicas em escala adequada.

Para Marcos Juruena Vilella Souto, “em nítida aplicação do princípio da

subsidiariedade, a União somente participará de consórcios públicos em que façam parte

todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados” 362.

361 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. 1997, p. 47. 362 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. 2005, p. 208

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171

a. Objetivos

Teoricamente, toda e qualquer matéria pode ser objeto indicado para a realização

do consórcio público.

Partindo da idéia de cooperação, é claro que a finalidade do consórcio público é

proporcionar o desenvolvimento e o incremento de operações relacionadas com as atividades

de competência das entidades-membro. Por isso, a definição deste objeto é um dos elementos

essenciais do contrato, pois delimitará o âmbito de atuação e definira a dinâmica no seu

funcionamento.

Sem que haja determinação expressa na Lei que regulamenta a matéria, nem

mesmo no sistema jurídico pátrio, é possível conceber a constituição de consórcios públicos

para a realização dos mais variados objetos.

De um modo geral, a finalidade a que se propõe o consórcio público concretizar

dependerá da matéria estabelecida de comum acordo entre os entes consorciados, isto é, “os

próprios entes que irão integrar o consórcio público estabelecerão os objetivos pelos quais se

agregam” 363. Seja qual for a matéria em questão, ela necessariamente terá de representar a

vontade de associação de esforços visando alcançar resultados comuns a todas as partes.

Para este fim, considera-se “interesse comum” aquele assim eleito pelas partes e,

não, necessariamente, que o resultado seja obtido em partes idênticas para cada uma delas.

Sobre o objeto consorcial, dizem Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira

que

[...] é relevante ressaltar que tais objetivos podem recair sobre matéria única ou sobre uma diversidade de matérias. Assim, quanto à matéria, consórcios públicos de objetivo uno ou consórcios públicos de objetivos múltiplos. No âmbito de uma só matéria, é possível cogitar ainda a instituição de consórcios públicos visando a uma atividade especifica ou a uma amplitude de atividades incluídas na mesma matéria. No caso de diversidade de matérias, a associação pode ter por finalidade um conjunto de matéria364.

Adverte-se, todavia, que no caso da criação de consórcio público para o

cumprimento de fins múltiplos, ainda, assim, deve-se considerar a necessidade de

determinação quanto ao objeto central que motivou a criação desse consórcio. O que não

363 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra Citada. p. 28. 364 Ibidem p. 30.

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172

significa dizer que deve ser necessariamente único o objeto consorciado, mas, sim, preciso e

determinado.

Caberá aos interessados observar se a multiplicidade de objetivos não incorrerá na

inviabilidade de obtenção dos resultados pretendidos.

A precisão e determinação a que se refere correspondem a necessidade de

indicação das atividades que possivelmente serão realizadas para a consecução do objeto;

sendo suficiente uma descrição genérica dos atos para os quais se constituiu o consórcio

público.

Pelo texto do art. 2°, os objetivos dos consórcios públicos serão determinados

pelos entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais.

Ressalte-se, desta forma, que os objetivos envolvidos nos consórcios públicos

deverão representar interesses comuns entre os entes federados.

Quanto à observância aos limites constitucionais, lembra-se que a Constituição

Federal estabelece as normas de competência de cada ente federativo, acentuando a

centralização de poder ou na Federação ou nos Estados-membros.

O princípio geral norteador da repartição de competência entre os entes da Federação é o da predominância do interesse. Por este princípio, à União caberia o interesse geral, aos Estados-membros o interesse regional, aos municípios o interesse local e ao Distrito Federal os interesses regional e local somados. 365.

De outra parte, também, não se pode pensar que os consórcios públicos estão

restritos em sua aplicação aos serviços públicos, como amplamente se demonstrou.

Dentro do contexto do federalismo de cooperação, deve-se ampliar seu alcance.

Neste sentido, Marcos Pinto Correia Gomes lembra que

[...] não faz sentido algum imaginar que os consórcios públicos e também os convênios de cooperação, os instrumentos por excelência para celebrar a associação de interesse comum estejam limitados tão-somente aos serviços públicos, em sentido estrito. Diante do federalismo solidário ou mesmo do

365 MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: comentários ao art. 2º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>. Acesso em: 17/12/2005.

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federalismo de integração, em curso na Federação brasileira, traduzido, entre outras passagens constitucionais, na competência administrativa comum do artigo 23 da Lei Maior, seria um contra-senso permitir a utilização desses acordos apenas para a gestão de serviços públicos, contrariando longa prática federativa366.

b. Definição das competências transferidas: área de atuação material

Sobre a natureza desta nova pessoa jurídica, considera-se que terão sua

competência adstrita à transferência da competência recebida dos entes federados seus

criadores, inclusive no aspecto territorial.

Desse modo, a competência das associações públicas assim criadas será a mera

conjunção de competências que as pessoas políticas que o instituem possuem.

Outrossim, lembra-se que não há como confundir as competências constitucionais

comuns com os objetivos de interesse comum dos consórcios públicos. O interesse comum

significa que em qualquer que seja a forma de cooperação, as atividades serão desenvolvidas

por todos os entes federativos, sem caráter de exclusividade. Assim, poderá ou não haver

coincidência entre tais interesses e as competências comuns dispostas no texto constitucional.

O consórcio público, assim, não altera o círculo de competências. Emerge, isto

sim, “como uma forma para o exercício de competências, por meio do qual tal exercício dar-

se-á em regime de cooperação federativa, fazendo valer o princípio do federalismo

cooperativo, que é estruturante da ordem constitucional brasileira” 367.

Das cláusulas obrigatórias do protocolo de intenções deve-se excluir as atividades

impassíveis de compartilhamento, como a judiciária e a legislativa. De outra parte, “é

aceitável que o consórcio público execute qualquer tipo de ação atribuída às entidades

estatais, como a gestão de bens, o fomento do setor privado e o poder de polícia, além é claro,

do serviço público” 368.

366 GOMES, Marcos Pinto Correia. Idem. 367 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005. 368 GOMES, Marcos Pinto Correia .Idem

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174

Tomando a natureza jurídica de direito públicos das associações públicas (logo,

consórcios públicos de direito público), a atuação material correspondente coincide com

aquelas compatíveis, nos termos da legislação vigente, com as atribuições da Administração

Pública direta.

Assim, admitem-se, para os consórcios públicos-públicos os poderes de

planejamento, regulação e fiscalização dos serviços, assegurando o compartilhamento de

atividades. Neste caso, atribuem-se aos consórcios os poderes de direção, que são próprios das

entidades federativas titulares da atribuição que será compartilhada.

c. Prerrogativas

O parágrafo 1º do art. 2º da Lei dos Consórcios estabelece os meios pelos quais o

consórcio público poderá atingir os seus objetivos. São consideradas prerrogativas dos

consórcios públicos: (i) firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza e receber

contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos de governo;

(ii) promover desapropriações e instituir servidões, nos termos da declaração de utilidade ou

necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público competente; (iii) ser

contratados pela administração direta ou indireta dos entes consorciados, com licitação

dispensada; (iv) arrecadar tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pela

outorga de uso dos bens públicos por eles administrados, ou, mediante autorização específica,

daqueles administrados pelo ente da Federação consorciado; (v) outorgar concessão,

permissão ou autorização de obras ou serviços públicos, mediante autorização prevista no

contrato de consórcio público, que indicará o objeto e as condições da concessão, permissão

ou autorização, observada a legislação de normas gerais em vigor.

Considerando ser o consórcio público sujeito de direitos e obrigações, é certo que

pode figurar como parte em qualquer relação obrigacional.

A primeira delas consistirá no estabelecimento de convênios, contratos, acordos

de qualquer natureza. Vale aqui ressaltar que se toma a noção de convênio aquela mesma

indicada para os convênios administrativos e, não, se confundo com o convênio de

cooperação. Neste âmbito, uma possibilidade recente, neste aspecto, é a possibilidade de

firmar o consórcio público contratos de parceria público-privada, nos termos da Lei

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11.079/04, cuja aplicabilidade estende-se aos órgãos da Administração Pública indireta369.

Outra é a realização de parceria entre os consórcios públicos e chamadas organizações não-

governamentais.

Quanto à prerrogativa de receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou

econômicas, é preciso restabelecer a legislação específica sobre estes assuntos que estão em

vigor. São os principais indicativos normativos: a) Lei Federal 4.320, de 17 de março de 1964

(normas gerais de direito financeiro); b) Decreto 93.872, de 23 de dezembro de 1986 (dispõe

sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional); c) Instrução Normativa da

Secretaria do Tesouro Nacional, de 15 de janeiro de 1997 (disciplina a celebração de

convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização

de eventos); Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal);

Decreto 5.504, de 5 de agosto de 2005 e Lei Federal 11.178, de 20 de setembro de 2005 (atual

Lei de Diretrizes Orçamentárias)370.

Podem, ainda, os consórcios públicos promover desapropriações e instituir

servidões. Também, para este fim, observam-se as disposições vigentes no Decreto-Lei

3.365/1941, que dispõe sobre a competência para emitir a declaração expropriatória. Assim,

permanece com o Chefe do Poder Executivo essa competência declaratória, ao consórcio

público, tão-somente, cabe efetiva este ato editado pelo Poder Público.

É possível que sejam os consórcios públicos contratados pela Administração

Pública direta e indireta dos entes federados consorciados, com dispensa de licitação, para que

cumpram seus fins específicos. Adiante, este hipótese se concretizará na elaboração do

contrato de consórcio público com fim específico para gestão associada.

Quando se tratar da prestação de serviços públicos, poderão os consórcios

públicos emitir documentos de cobrança, arrecadar tarifas e receber outros preços públicos

por estes serviços.

Por fim, estão autorizados os consórcios públicos à outorga de concessão,

permissão ou autorização de obras ou serviços públicos, com previsão expressa no contrato de

consórcio público. Revestindo-se “da qualidade de poder concedente” 371.

369 Neste caso, então, esta prerrogativa só é possível para os consórcios públicos de natureza pública (e, não, privada). 370 Aproveita-se o levantamento legislativo feito em MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., p. 38- 43. 371 Ibidem p. 45.

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Não é demais lembrar, que tais prerrogativas só podem ser exercidas pelos

consórcios públicos regularmente constituídos.

d. Estrutura organizacional

No artigo 7° da Lei está disposto que os estatutos versarão sobre a organização e

funcionamento de cada um dos órgãos constitutivos do consórcio público. Em resumo, o

estatuto, ante a menção expressa da lei, é condição de existência do consórcio público, seja

qual for sua natureza.

Como regra, para a instituição de qualquer associação, necessário de faz a

elaboração e posterior aprovação do respectivo estatuto constitutivo. Neste documento deverá

constar, nos termos do art. 54 do Código Civil, sob pena de nulidade: (i) a denominação, os

fins e a sede da associação; (ii) os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos

associados; (iii) os direitos e deveres dos associados; (iv) as fontes de recursos para sua

manutenção; (v) o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; (vi) as

condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; e (vii) a forma de

gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

A partir disso, entende-se que o contrato, em si, tornar-se-á o próprio estatuto

constitutivo dessa pessoa jurídica. Ou seja, ainda parte do procedimento de constituição,

elabora-se o respectivo estatuto, já que se trata, por natureza, o consórcio de uma espécie de

associação – pública ou privada, dependendo do caso.

O protocolo de intenções será a base redacional do estatuto constitutivo daquele

consórcio público que se pretende formar.

Independentemente da natureza jurídica do consórcio público (público ou

privado), por imposição do disposto no art. 15 da Lei 11.107/05, no que ano contrariá-la, a

organização e o funcionamento desse consórcio serão disciplinados pela legislação que rege

as associações civil. Disciplina esta regulamentada nos arts. 59 e 60 do Código Civil.

Dentre as cláusulas obrigatórias desse protocolo, há que se destacar, sob o aspecto

administrativo-operacional, as regras para constituição e funcionamento da Assembléia Geral,

que é o órgão deliberativo pleno do consórcio, bem como a indicação do Representante legal

do consórcio público.

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O Representante legal do consórcio público será escolhido, dentre os Chefes dos

Executivos dos entes consorciados, por ato da Assembléia Geral, enquanto órgão máximo

deliberativo.

Só há um mecanismo de deliberação autorizado na lei dos consórcios públicos,

que é ato da Assembléia Geral, já que seus integrantes representam os interesses dos

consortes.

Logo, como em qualquer associação, está previsto na lei o órgão supremo de

deliberação do consórcio público, que é a Assembléia Geral. Nos termos dos respectivos

estatutos, ela decidirá sobre eventuais alterações contratuais, inclusive sobre a retirada de

sócio dissidente, ou mesmo extinção da própria pessoa jurídica.

Conforme redação do art. 59 do Código Civil, compete privativamente à

assembléia geral: (i) destituir os administradores e (ii) alterar o estatuto. Ressalta-se que para

tais deliberações é exigida deliberação da Assembléia especialmente convocada para esse fim,

cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos

administradores

A periodicidade das reuniões, a forma de convocação e o quorum das decisões de

órgão deverão constar do contrato constitutivo, já que não há qualquer menção legal sobre o

tema.

Diz o art. 11 da Lei 11.107/05 que a retirada de um dos membros, por exemplo,

depende de ato formal de seu representante na assembléia geral, na forma previamente

disciplinada por lei. Em seu § 1º, garante-se que os bens destinados ao consórcio público pelo

consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa

previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação.

Ainda assim, em se tratando de bem público, não há como admitir que o ente consorciado

abra mão de seus bens apenas mediante previsão em cláusula contratual, far-se-á necessária

expressa menção no respectivo protocolo de intenções, pois este, sim, será objeto de

aprovação legislativa, quando da ratificação. Neste contexto, há previsão do artigo 17 do

mesmo diploma que exige autorização legislativa para qualquer tipo de alienação de bens

públicos imóveis.

Tanto num quanto noutro caso, todas as decisões serão tomadas por ato da

assembléia geral – assim como é feito em qualquer tipo de associação.

Sobre o tema, em crítica severa, diz Alice Gonzáles Borges que se observe que,

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[...] em notável falta de técnica legislativa, matéria de crucial importância, qual seja a pertinente às competências da assembléia geral consorcial, prevista como instância máxima do consórcio, dilui-se entre alguns incisos do art. 4°, dedicado às cláusulas necessárias do protocolo de intenções, quando mereceria ser objeto de um artigo autônomo372.

Pela redação do art. 4º da Lei 11.107/05 no inciso VIII, esta assembléia geral será

composta de representantes dos entes consorciados, cabendo a representação legal do

consórcio ao Chefe do Poder Executivo de um dos entes consorciados, com duração de seu

mandato e forma de sua eleição a serem definidos pelo protocolo de intenções. Nos termos do

inciso VI, o protocolo de intenções definirá as normas de convocação e funcionamento da

assembléia consorcial, bem como para a elaboração, aprovação e alteração dos estatutos que

regerão o funcionamento do consórcio público. No inciso VII, está prescrito que o protocolo

de intenções definirá as normas de convocação e funcionamento da assembléia consorcial,

bem como para a elaboração, aprovação e alteração dos estatutos que regerão o

funcionamento do consórcio público.

Quanto ao número de votos, a legislação civil autoriza o voto múltiplo. Nos

termos do art. 55 do Código Civil, os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto

poderá instituir categorias com vantagens especiais. Quanto a sua aplicabilidade incondicional

aos consórcios públicos, é preciso refletir cautelosamente, pois, considerando a natureza

interfederativa destes consórcios, o desequilíbrio no número de votos pode violar o princípio

federativo.

Se o voto múltiplo for definido no protocolo de intenções como proporcional ao

quantum de recursos investidos, fácil é prever-se que, a centralização das forças sobre

determinado ente federativo que apresentar situação econômica mais favorável.

Assim, deverão as partes, ao longo do processo de negociação e quando da

elaboração do protocolo de intenções agirem no intuito do cumprimento da vontade

constitucional de equilibro e restabelecimento do federalismo de cooperação.

372 BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada., p.851-52.

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3. Consórcio público de direito privado: consórcio publico-privado

a. Crítica doutrinária

Ainda que autorizado pelo sistema jurídico pátrio, difícil conceber a personalidade

jurídica privada para os consórcios públicos, que são, por essência, formados a partir de

pessoas jurídicas de direito público. Não é crível que uma pessoa jurídica respeite a legislação

pertinente ao direito público, mas utilizam instrumentos característicos de instituições de

direito privado, principalmente porque são tomados na totalidade de recursos financeiros

decorrentes de repasses das entidades consorciadas, bem como o patrimônio formado e

adquirido é decorrente da utilização de dinheiro público.

Não é compatível à sistemática jurídica nacional atribuir personalidade jurídica de

direito privado aos consórcios púbicos. A pessoa jurídica de direito público, diz Marçal Justen

Filho,

[...] é aquela intrinsecamente estatal, ou seja, é uma manifestação por meio da qual o Estado adquire existência jurídica, só podendo ser instituída por lei, sendo-lhe atribuídas funções e competências inerentes à qualidade estatal, entre as quais se encontra o próprio poder de utilização da força de coerção. Sua atividade está sujeito ao regime de direito público. Ser o consórcio público dotado de personalidade jurídica de direito público significa a atribuição de competências, funções e regimes próprios dos entes estatais consorciados; o que equivale a afirmar que o ente, embora dotado de personalidade autônoma, é um instrumento de realização das funções propriamente públicas. O que, em sentido contrário, é afirmar que importa na ausência de aplicação dos princípios inerentes à organização privada.373

Com toda razão assiste a doutrina ao concluir que considerando que estes

consórcios passam a constituir nova espécie de entidade da administração indireta de todos os

entes federados que eles participem – logo possuidores de todas as prerrogativas e privilégios

próprios das pessoas jurídicas de direito público (como imunidade tributária,

impenhorabilidade dos bens, processo de execução especial, prazos dilatados etc.) – de modo

373 JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso em 30 de março de 2005.

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que o mesmo não pode ocorrer com aqueles que tenham sido constituídos com personalidade

de direito privado; ainda porque não há como várias pessoas jurídicas políticas possam

instituir pessoa jurídica para desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la

fora do âmbito da atuação do Estado, como se tivesse sito instituída pela iniciativa privada.

Assim, se tiver personalidade de direto privado, reger-se-á pelo direito civil, em tudo o que

não for expressamente derrogado por normas de direito público, tal como ocorre com as

fundações governamentais instituídas com personalidade de direito privado e com as

empresas estatais. Esta dificuldade decorre principalmente do fato de os consórcios públicos

fazerem parte da Administração indireta de todos os entes políticos que deles participem

como sócios374.

Ainda em crítica à natureza privada dos consórcios, Francisco de Salles Almeida

Mafra Junior analisa a aplicabilidade prática dos dispositivos dizendo que, no entanto, “se o

consórcio vier a constituir uma pessoa jurídica de direito privado, outros problemas adviriam

desta formação” 375. As determinações do Código Civil também não se aplicam aos entes

políticos da Federação brasileira por motivos claros.

Também negando a possibilidade de personalidade jurídica de direito privado para

o consórcio público, Floriano de Azevedo Marques Neto afirma que “descaberia falar em um

consórcio com personalidade jurídica de direito privado, mesmo que instituído pelos entes

federados e por eles controlado. Os consórcios públicos são, portanto, necessariamente

submetidos a regime de direito público, diante de sua proximidade ao núcleo estratégico do

Estado” 376.

Ou, então, para por fim à discussão sobre a admissão ou não da personalidade

jurídica privada dos consórcios públicos, radicalmente, pode-se adotar a posição de Odete

Medauar ao ponderar que:

talvez seja melhor abolir a caracterização de pública ou privada das entidades de natureza administrativa para tornar mais flexível a atuação do poder público, evitando-se o uso de

374 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005. 375 MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801>. Acesso em: 17/12/2005. 376 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf. Acesso em 30 de março de 2005

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estranhos expedientes jurídicos para explicar atuações em que o público e o privado se mesclam ou atuações privadas de entidades classificadas como públicas e vice-versa. Talvez, se pudesse cogitar da não atribuição de personalidade jurídica a entidades administrativas, que extrairiam da sua inserção na estrutura estatal a condição de sujeito de direitos e obrigações377.

b. Posição jurídica

A despeito da importância sob o aspecto da argumentação teórica, não há o que se

discutir acerca da previsão legislativa que permite a instituição de consórcios públicos de

natureza privada. O fato da doutrina negar ao consórcio interfederativo a possibilidade de

estabelecer-se como pessoa jurídica, já não recebe mais acolhida, em face da publicação da

Lei 11.107/05. Foi uma opção do legislador.

De um modo geral, observa-se que as pessoas jurídicas que exercem função

administrativa podem adotar personalidade de direito público ou de direito privado. Se

submetidas ao direito público, necessariamente, deverão ser criadas por meio de lei. Quando

regidas pelo direito privado, a exigência legislativa é apenas para sua autorização. Neste

sentido, confirma Marçal Justem Filho que “as pessoas jurídicas dotadas de personalidade

jurídica de direito privado, partes da Administração Pública, não são criadas, necessariamente,

por lei, ainda que sua instituição deva ser por lei autorizada” 378.

Apesar da estranheza trazida pela nova Lei, que exige para a criação dos

consórcios públicos de natureza privada a manifestação legislativa incondicionalmente, o fato

é que deve-se adequar as antigas concepções a este realidade.

Por tal razão, propõe-se a traçar o roteiro para a disciplina dos consórcios

públicos-privados, observando as regras impostas pela lei específica.

Por ausência de disposição legal expressa, os consórcios públicos de natureza

privada não foram qualificados como parte integrante da Administração Pública Indireta,

diferentemente daqueles constituídos sob o regime de direito público, que, nos termos do

377 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2003, p. 119. 378 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 680.

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parágrafo 1º do art. 6º está determinada sua integração à Administração de cada um dos entes

consorciados.

Sobre tal exclusão critica Maria Sylvia Zanella Di Pietro dizendo que

[...] não há como uma pessoa jurídica política instituir pessoa jurídica administrativa para desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do Estado, como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada. Todos os entes criados pelo poder público para o desempenho de funções administrativas do Estado têm que integrar a Administração Pública Direta ou Indireta.379

Desempenham, em graus variados, funções administrativas, mas sob a forma de

direito privado. O que caracteriza essencialmente estas pessoas é o poder de controle estatal.

1º) Associação Civil

Indica o art. 44 do Diploma Civil que são pessoas jurídicas de direito privado: Art.

44. São pessoas jurídicas de direito privado: (i) as associações; (ii) as sociedades; (iii) as

fundações; (iv) as organizações religiosas; e (v) os partidos políticos.

Por exclusão, enquadram-se os consórcios públicos dotados de personalidade de

direito privado na categoria das associações, tendo em vista sua configuração disposta no art.

53 do mesmo Texto, já que se constituem pela união de pessoas (no caso, entes federativos)

que se organizam para fins não econômicos.

Naquilo que não for expressamente derrogado pelo direito público, o consórcio

público de natureza privada reger-se-á pelo Direito Civil.

c. Constituição: fase notarial

A mesma complexidade no procedimento constitutivo do consórcio público de

natureza pública se apresenta no caso dos consórcios de natureza privada. Acrescido ainda a

fase de constituição regular, nos termos da legislação comum, da associação civil.

379 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2006, p. 466.

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Por disposição expressa do inciso II do art. 6º da Lei 11.107/05, é necessário que,

após a ratificação do protocolo de intenções – atendendo os preceitos da legislação civil – o

consórcio público de natureza privada, para efetivamente adquirir personalidade jurídica,

deverá providenciar a inscrição do ato constitutivo com o respectivo registro em Cartório.

O art. 45 do Código Civil dispõe sobre as fases necessárias para a constituição de

associações civis, que expressamente determina que começa a existência legal das pessoas

jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,

precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se

no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Este registro declarará: (i) a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o

fundo social, quando houver; (ii) o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores,

e dos diretores; (iii) o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial

e extrajudicialmente; (iv) se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de

que modo; (v) se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

e (vi) as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

d. Definição das competências transferidas: área de atuação material

O objetivo principal do consórcio público é a soma de esforços dos entes

federativos para a realização de interesses comuns independe da natureza jurídica pública ou

privada sob a qual foi instituída essa pessoa jurídica.

Todavia, quanto ao campo material de atuação, a sujeição ao direito privado

restringe sua participação. Em se tratando de associação civil, os consórcios públicos de

direito privado poderiam atuar em área idênticas àquelas possíveis à Administração Pública

Indireta, também sob as normas privativistas, se lhes tivessem atribuído inserção institucional

pública. Mas não foi o caso.

Ainda assim (sendo ou não considerada impressão técnica do legislador), o fato é

que aos consórcios públicos de natureza privada foram atribuídas as mesmas finalidades de

cooperação integrada entre os entes federativos para a realização de interesse comum

atribuídas aos consórcios públicos de natureza pública.

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Portanto, é preciso que sejam indicadas linhas limítrofes para atuação de um e

outro.

Não se pode, então, admitir atuação material dos consórcios públicos-privados em

áreas consideradas como poderes de direção, ou seja, não lhes atribui os poderes de

planejamento, regulação e fiscalização dos serviços, mas apenas a execução e prestação das

atividades desses poderes decorrentes.

Acertadamente, Marcus Pinto Correia Gomes diz que “em alguns casos a

personalidade jurídica deverá mesmo ser de direito público, quando se tratar de matéria

intransferível ao setor privado, pois no rigor técnico vale distinguir o consórcio público, que é

o acordo de vontades, a unir os entes consorciados, e a entidade a ser criada a partir disso” 380.

380 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005.

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CAPÍTULO III

CONTRATO DE CONSÓRCIO PÚBLICO

1. Umas das fases do ato constitutivo

a. Contrato de Consórcio Público

O contrato de consórcio público “disciplina as relações entre todas as entidades

federativas que dele participam, estipulando direitos, obrigações e deveres que cada uma das

partes terá para com o consórcio e para com as outras partes, visando a consecução das

atividades de interesse comum” 381.

Adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “na realidade, a lei não trata de

contratação de consórcios públicos, mas de constituição de pessoa jurídica, o que se dá por

meio de todo um procedimento que abrange várias fases, das quais o contrato é uma delas” 382.

A constituição do contrato de consórcio público coincide, por disposição legal

(art. 5º da Lei 11.107/05), com a criação da pessoa jurídica. Portanto, o contrato de consórcio

público depende da previa subscrição do protocolo de intenções estabelecido entre os entes

federativos consorciados e também da ratificação deste documento pelos respectivos

Legislativos.

De fato, somente após a ratificação do protocolo de intenções é que poderá ser

celebrado o contrato de constituição do consórcio público.

A extinção do contrato de consórcio pode-se dar por uma série de fatores. Como

qualquer relação de direito obrigacional, o contrato por extinguir-se (i) por vontade das partes;

381 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios Públicos – comentários à Lei 11.107/2005., 2006, p. 68. 382 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativos. 2006, p. 464.

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(ii) por cumprimento da obrigação principal, (iii) por decurso do tempo pré-determinado e,

por fim, (iv) por descumprimento das obrigações por qualquer das partes.

Outro aspecto a analisar refere-se aos bens destinados aos consórcios pelo

consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa

previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação,

bem como a retirada de membro ou extinção do consórcio público não prejudicará as

obrigações já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do

prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.

Por isso diz o art. 12 da Lei 11.107/05 que até que haja decisão que indique os

responsáveis por cada obrigação, os entes consorciados responderão solidariamente pelas

obrigações remanescentes, garantindo o direito de regresso em face dos entes beneficiados ou

dos que deram causa à obrigação.

Em verdade, num Estado de Direito, ante à impossibilidade de continuidade das

obrigações sem a existência de qualquer das partes obrigadas, é preciso apreender a intenção

do legislador no sentido de impor garantia de terceiros interessados na relação obrigacional

extinta, que não pode sofrer prejuízo, ou seja, “a extinção do consórcio não prejudicará as

obrigações assumidas mediante contrato de programa, devendo ser pagas as indenizações

devida” e, ainda, “ em casos de alteração crucial, os consorciados arcarão solidariamente com

as obrigações restantes – se estas existirem – até a decisão definidora da responsabilidade de

cada integrante nas obrigações assumidas” 383.

b. Suporte financeiro: contrato de rateio

Diz o art. 8° da Lei 11.107/05 que os entes consorciados somente entregarão

recursos ao consórcio público mediante contrato de rateio384. Trata-se de ajuste vinculado a

um determinado contrato de consórcio público.

383 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada p. 98-99. 384 § 1o O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos. § 2o É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências ou operações de crédito. § 3o Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio.

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O contrato de rateio, junto ao contrato de programa, foram duas novas

modalidades contratuais inseridas no Direito Administrativo pela Lei dos Consócios Públicos.

Trata-se, portanto, o contrato de rateio de uma outra espécie de contrato

administrativo que os consórcios públicos podem firmar – o que de modo algum podem ser

confundidos com o próprio contrato de consórcio, nem mesmo com o protocolo de intenção.

Em suma,

[...] é o meio pelo qual os entes da Federação consorciados comprometem-se a fornecer recursos para a realização de despesas do consórcio público, que depende da previsão de recursos orçamentários que suportem o pagamento das obrigações contratadas, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e criminal dos gestores do consórcios público e da entidade da Federação contratante 385.

Cleber Demetrio Oliveira da Silva conceitua o contrato de rateio como sendo “o

instrumento legitimador das obrigações financeiras dos entes participantes do consórcio, que

deverá ser minudentemente observado pelos gestores dos entes consorciados, sob pena de

responderem pessoalmente pelos danos que vierem a causar ao erário” 386.

O contrato de rateio assegurará o repasse das obrigações financeiras de cada

participante. Tem por objeto a disciplina acerca das “obrigações econômico-financeiras que

têm sua gênese nas cláusulas que compõem um contrato de consórcio público, firmado por

ente interfederativos” 387.

Trata-se de elemento condicionante à destinação de recursos financeiros aos

consórcios públicos, ou seja, somente após a celebração deste contrato de rateio assinado por

§ 4o Com o objetivo de permitir o atendimento dos dispositivos da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, o consórcio público deve fornecer as informações necessárias para que sejam consolidadas, nas contas dos entes consorciados, todas as despesas realizadas com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de forma que possam ser contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos econômicos e das atividades ou projetos atendidos. § 5o Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio. Art. 9o A execução das receitas e despesas do consórcio público deverá obedecer às normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas. Parágrafo único. O consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio, inclusive quanto à legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas, sem prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio. 385 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias., 2005, p. 203-204. 386 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005. 387 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. p. 80.

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todas as entidades consorciadas é que será autorizado a destinação dos recursos financeiros

necessários ao cumprimento dos propósitos do consórcio.

Para tanto, certamente não basta a previsão orçamentária, embora seja, em regra,

condicionante clara para a realização de qualquer despesa pública ou transferência de recursos

estatais. “A contratualização do rateio indica a existência de deveres recíprocos, inclusive

quanto ao custeio das atividades do consórcio”. Diferentemente do que ocorre com o contrato

de consórcio, “a Lei Federal chega a prever medidas para o descumprimento do contrato de

rateio, notadamente a suspensão ou mesmo a exclusão do inadimplente (art. 8º, § 5º)” 388.

Questão interessante é se poderiam os consorciados no protocolo de intenções estabelecer

outras penalidades.

Constitui instrumento mediante o qual os entes consorciados entregarão recursos

ao consórcio público. Esses recursos devem ser devidamente previstos na lei orçamentária de

cada consorciado, sob pena de exclusão do consórcio, após prévia suspensão (§ 5º do art. 8º),

e sob pena de improbidade administrativa (art. 10, XV, da Lei nº 8.429/92, com a redação

dada pelo artigo 18 da Lei nº 11.107/05).

Em razão da necessária previsão do correspondente valor na lei orçamentária do

ente federado-consorte, nada mais natural a determinação de que este contrato de rateio seja

firmado anualmente, afinal, sua dotação não pode ser superior àquela prevista pelo orçamento.

A esta regra da anuidade, são previstas duas exceções: (i) no caso de contratos que

tenham por objeto projetos contemplados em plano plurianual; e (ii) no caso de gestão

associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos, por não serem

os recursos provenientes do orçamento do ente consorciado.

Para fins de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o parágrafo 4º do

artigo 8º da Lei 11.107/05 exige que o consórcio público forneça as informações necessárias

para que sejam consolidadas, nas contas dos entes consorciados, todas as despesas realizadas

com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de forma que possam ser

contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos

econômicos e das atividades ou projetos atendidos.

388 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005

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Os recursos advindos dos entes consorciados deverão, por força de lei, ser

efetivamente empregados nas atividades que guardem relação com a finalidade do consórcio

criado, discriminadas especificamente nos controles financeiro e contábil do consórcio.

O ente federativo que desejar firmar contrato de rateio deverá obedecer aos

princípios regentes da Administração Pública, em especial o da legalidade. “Quer-se com isso

concluir que a assinatura de contrato de rateio por parte de um ente federativo deverá ser

precedida da indispensável autorização legislativa, consubstanciada na necessária previsão de

dotação na lei orçamentária respectiva (para a celebração do contrato de rateio no exercício

seguinte) ou de lei que abra créditos especiais (para a celebração de contrato de rateio dentro

do mesmo exercício)”389.

Em resumo, o contrato de rateio é celebrado entre cada ente consorciado e o

consórcio público; é formalizado em cada exercício financeiro; tem prazo de vigência

condicionado à previsão das dotações orçamentárias que lhe darão suporte; exceto no caso de

programas e ações contempladas em plano plurianual, ou no da gestão associada de serviços

públicos custeados por tarifas ou preços públicos; os entes consorciados, isoladamente ou em

conjunto, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato

de rateio; será possível a exclusão do consórcio, após prévia suspensão, do ente consorciado

que não consignar, em sua lei orçamentária, ou em créditos adicionais, as dotações

necessárias para atender às despesas assumidas pelo contrato de rateio.

Apenas para registro final, qualquer cláusula que verse sobre determinada

contribuição financeira ou econômica deverá, necessariamente, constar do contrato de rateio,

sob pena de nulidade se previsto fora dele.

A intenção do legislado foi a de “afastar quaisquer hipóteses encorajadoras de

improvisos entre as partes do consórcio”, o que de outra parte, fará com que seja incentivado

“o planejamento e a programação por parte de cada uma das entidades federativas que

pretendem celebrar consórcios públicos” 390.

389 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005. 390 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., 2006, p. 82.

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c. Contrato de programa

O contrato de programa trata-se de uma modalidade contratual própria do Direito

Administrativo brasileiro. Por meio dele, nos termos da Lei 11.107/05, o ente federativo

consorciado pode atribuir a outro ente a gestão associada de serviços ou transferir-lhe, total ou

parcialmente, a prestação de serviços. Sua celebração é meio para a prestação de serviços

públicos por meio de gestão associada ou para transferência de serviço.

Diz Solange Gonçalves Dias que “surge o contrato de programa para regular,

como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constitua par com

outro”391

Neste caso, as posições que os entes federados encontram-se na gestão associada

ou na transferência de serviços são similares àquelas desfrutadas por poder concedente e

concessionário na concessão de serviço público, ou seja, com direitos e obrigações assumidos

por cada um deles.

Trata-se de um instrumento específico, cujo objetivo é conferir maior segurança

jurídica à gestão associada.

Determina o art. 13 da Lei que deverão ser constituídas e reguladas por contrato

de programa, como condição de sua validade, as obrigações que um ente da federação

constituir para com outro ente, ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada

em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos,

serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.

Importa, aqui, destacar mais um contrato que é previsto na Lei Federal e em

caráter condicionante para utilização de algumas alternativas contempladas para os consórcios

públicos.

O contrato de programa “claramente busca resguardar aquilo que não é objeto do

contrato de rateio: os demais compromissos sem caráter imediatamente financeiro” 392. Ou

seja, “as obrigações reguladas pelo contrato de programa são obrigações de cunho

operacional, ligadas a encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à implementação dos

391 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 131. 392 GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005

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objetivos do consórcio firmado, diferentemente das obrigações financeiras que são

estabelecidas por meio do contrato de rateio” 393.

A expressão contrato de programa, no âmbito do Direito Administrativo, costuma

ser utilizada no mesmo sentido em que se fala em contrato de gestão, ambos fundamentados

no artigo 37, § 8º, da Constituição.

Agora, na Lei 11.107/05, a expressão está utilizada com outro sentido, que

bastante se aproxima da própria noção de convênio e que nada tem a ver com a norma do

referido dispositivo constitucional. O contrato de programa é referido, inicialmente, no artigo

4º, inciso XI, alínea “d”, ao indicar as cláusulas obrigatórias do protocolo de intenções.

Da combinação dos dispositivos legais, extrai Maria Sylvia Zanella Di Pietro

[...] a conclusão de que a gestão associada pode ser feita: a) mediante a constituição de consórcio público, como pessoa jurídica, na forma disciplinada pela Lei nº 11.107; e, b) mediante acordos de vontade, como o convênio de cooperação, o contrato de programa ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada. Por sua vez, o contrato de programa pode ser celebrado em duas hipóteses: a) no próprio âmbito do consórcio público; nesse caso, o contrato de programa será celebrado entre o consórcio e um de seus consorciados, quando este último assumir a obrigação de prestar serviços por meio de seus próprios órgãos (Administração Direta) ou por meio de entidade da Administração Indireta; b) fora do âmbito do consórcio; neste caso, a gestão associada não exigirá a constituição de consórcio público, como pessoa jurídica de direito público ou privado, sendo a gestão associada disciplinada por meio de contrato de programa394.

De fato, as partes são livres para fixar os resultados que pretendem com essa

parceria; e estes deverão constar do contrato de programa. Vale aqui lembrar eventual

hipótese de que tal resultado tenha referência econômica, em caso de obtenção de lucro,

possibilidade que não se afasta.

O contrato de programa é uma das possibilidades dos consórcios públicos

realizarem seus objetivos, no caso específico da gestão associada para prestação de serviço

público ou transferência de encargos.

393 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005. 394 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.

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De outra parte, é importante destacar que só pode fazer parte do contrato de

programa entidade parte da Administração Pública direta ou indireta e precisa ser integrante

do consórcio público; isto em razão de aproveitamento da máquina administrativa. Assim,

podem ser partes do contrato de programa (i) entes federativos entre si, (ii) ente federativo e

um consórcio público, (iii) ente federativo e entidade da Administração Pública Indireta.

E, a partir do momento que uma dessas pessoas não faça mais parte da

Administração Pública, o contrato será considerado extinto, conforme disposto no parágrafo

5° do art. 13395.

Mas a recíproca não é verdadeira. No mesmo artigo, mas no parágrafo 4º, está

previsto que o contrato de programa continuará vigente mesmo quando extinto o consórcio

público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos.

Sobre o tem, comentam Odete Medauar e Gustado Justino de Oliveira que “o

legislador pretendeu privilegiar a regularidade e a continuidade da prestação dos serviços

público, beneficiando assim eventuais direitos e expectativas dos usuários”. Todavia, “a

interpretação que pode ser conferida ao preceito é a de que, no caso da extinção do consórcio

público ou do convênio de cooperação que lhe serviu de base, o contrato de programa

continuará vigente até o advento de seu termo” 396.

Isto acontece, uma vez que se busca a eficiência e agilidade da máquina

administrativa, ou seja, não há necessidade da existência de um consórcio público para que

haja o estreitamento e associação entre entes da Administração pública na realização de

serviços públicos – daí permanecer vigente o contrato de programa (que em última análise

nada mais é do que um acordo entre as partes para cumprimento de um exercício de interesse

comum) mesmo em caso de extinção do consorcio público.

Alerta-se para distinção pela característica da ultratividade do contrato de

programa em relação ao contrato de consórcio público. Neste último caso, quando extinto

deverá indenizar por todas as obrigações já constituídas.

395 § 5º Mediante previsão do contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação, o contrato de programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados. § 6º O contrato celebrado na forma prevista no § 5o deste artigo será automaticamente extinto no caso de o contratado não mais integrar a administração indireta do ente da Federação que autorizou a gestão associada de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação. 396 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. p. 111.

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Outro elemento a ser analisado é o objeto deste contrato, é a gestão associada de

serviços públicos que deverá envolver a prestação de serviços públicos ou a transferência,

total ou parcial, de encargos, serviços, pessoal e bens necessários à continuidade dos serviços

transferidos.

Todavia, adverte o parágrafo 3°, art. 13 da Lei 11.107/05 que não poderá ser

transferido pelo contrato de programa ao contratado o exercício dos poderes de planejamento,

regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados, pois estas funções cabem ao

próprio consórcio público no controle sobre o funcionamento do contrato de programa, sob

pena de nulidade daquele contrato.

Aponta-se, em última análise, como finalidades do contrato de programa o

cumprimento dos objetivos da República previstos no art. 3º, parágrafos 2º e 3º do Texto

Constitucional, desde que para tanto envolva a prestação de serviço público ou a transferência

de encargos. Afinal, trata-se de mais uma medida e tentativa de estabelecer o pacto federativo

de cooperação entre os entes no aproveitamento da máquina pública para cumprimento desses

fins.

O consórcio público em cada caso pode optar pela celebração de convênios,

contratos ou contratos de programas na busca pela omitização dos resultados que busca.

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CAPÍTULO IV

QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES

1. Fiscalização pelo Tribunal de Contas

Em harmonia com os preceitos constitucionais de obrigatório controle externo da

Administração Pública por parte do Tribunal de Contas, o consórcio público também deverá

prestar contas ao Tribunal competente para apreciar as contas do Representante legal desse

consórcio.

Nos termos do parágrafo único do art. 9º da Lei 11.107/05, o consórcio público

está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas

competente para apreciar as contar do Chefe do Executivo representante legal do consórcio.

Num raciocínio lógico decorrente deste dispositivo, é verdade que mudando a

representação legal do consórcio, inevitavelmente mudará o Tribunal de Contas competente à

fiscalização.

Menciona-se ainda que a parte final deste mesmo dispositivo autoriza o controle

externo a outros órgãos competentes das demais entidades federativas consorciadas.

Alerta-se para a possibilidade de conflito de competência entre os Tribunais de

Contas quando do controle do consórcio público que é constituído por entes da Federação,

que, independentemente do consórcio, já estão sob o controle do seu próprio Tribunal.

Tal advertência é feita, também, por Maria Sylvia Zanella Di Pietro avisando que

poderá acontecer que o mesmo consórcio seja controlado por vários entes federativos que dele

façam parte; como pode acontecer de a mesma pessoa jurídica fazer parte de diferentes

consórcios e ter de controlar todos eles”. Acrescenta ainda a autora que o art. 9º “não tem e

não pode ter o condão de afastar o controle efetuado pelo Tribunal de Contas competente para

apreciar as contas dos demais entes federativos partícipes do consórcio, sob pena de

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infringência às normas constitucionais sobre fiscalização pelo Pode Legislativo, com o auxílio

do Tribunal de Contas”397.

Sem dizer ainda, no caso de sucessão de representantes legais, haja divergência

nas conclusões dos, também sucessores, Tribunais de Contas.

Não há qualquer referência na Lei sobre o tema. Nem mesmo se vislumbra

hipótese semelhante na legislação vigente.

2. Responsabilidade Civil

Por ser pessoa jurídica, o consórcio público deve responder por todos os seus atos,

independentemente daquelas que o represente ou o constitua.

Sob o aspecto da responsabilidade civil, dois ângulos devem ser considerados: o

primeiro refere-se a cota-parte da responsabilidade de cada ente federado nas obrigações

consorciadas, e, outro, refere-se à responsabilidade do agente público que responde em nome

do consórcio público.

Quanto ao primeiro ponto, ressalta-se o caput do artigo 10398, que foi vetado

quando da sanção presidencial e previa responsabilidade solidária dos membros do consórcio

frente as obrigações assumidas pelo consórcio.

Assim, ante esta lacuna, deveremos aplicar a regra constitucional da

responsabilidade civil do Estado. De todo modo, “a norma tem que ser interpretada à luz do

397 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2006, p. 467. 398 "Art. 10. Os consorciados respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelo consórcio.” [...] Razões do veto: "A intenção do legislador, aparentemente, era dizer que os consorciados respondem subsidiariamente; contudo, constou que os consorciados respondem solidariamente. Na responsabilidade subsidiária, a administração direta somente responde por obrigações quando comprovada a insolvência patrimonial do ente que integra a administração indireta. Ou seja, a entidade da administração indireta responde por si e, no caso de ter assumido obrigações maiores que seu patrimônio é que, liquidado primeiro este, poderá a administração direta ser demandada pelas eventuais obrigações remanescentes. Já na responsabilidade solidária, como previsto no art. 10, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação tanto do consórcio como dos entes consorciados. Isso fará que dívidas do consórcio sejam automaticamente transferidas para os consorciados, num evidente prejuízo aos princípios da segurança jurídica e da estabilidade fiscal. Com o veto, o regime a ser aplicado aos consórcios públicos será o da responsabilidade subsidiária, que é o ordinário da administração indireta. Esse conceito é manso, pacífico e não deixa margens para nenhuma dúvida, como deixa clara a doutrina brasileira, de onde se destaca a lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello: ‘... doutrina e jurisprudência sempre consideraram, outrossim, que quaisquer pleitos administrativos ou judiciais de atos que lhe fossem imputáveis, perante elas mesmas ou contra elas teriam que ser propostos – e não contra o Estado. Disto se segue igualmente que, perante terceiros, as autarquias são responsáveis pelos próprios atos. A responsabilidade do Estado, em relação a eles, é apenas subsidiária’."

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artigo 37, § 6º, da Constituição, que prevê a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de

direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos, por ato que seus agentes

causarem a terceiros, não prevê responsabilidade solidária” 399.

Assim, perante terceiros, a responsabilidade é sempre da pessoa jurídica e não de

seus membros. Por isso, a solidariedade a que se refere o parágrafo unido do art. 10 da Lei

11.107/05 só vale entre os consorciados, não produzindo efeitos perante terceiros.

Até que seja definido, no ato de constituição, a cota-parte de responsabilidade de

cada ente consorciado naquela associação, responderão solidariamente pelas obrigações do

consórcio público decorrentes.

Em sentido contrário, assevera Solange Gonçalves Dias que “o consórcio público

responde por si, uma vez que adquire personalidade jurídica e, portanto, se obriga em nome

próprio, por conta própria, e implica responsabilidade subsidiária dos consorciados, que

responderão apenas no caso de o patrimônio do consórcio não ser suficiente para responder

pelas obrigações” 400.

Referem-se aqui os casos possíveis de retirada ou saída de membros dos

consórcios e, na pior das hipóteses, na extinção do próprio consórcio público.

Quanto ao segundo ponto que tange aos agentes públicos incumbidos da gestão de

consórcio, acrescenta Cleber Demetrio Oliveira da Silva, que,

[...] a Lei Federal n.º 11.107/05 estabelece que os mesmos não responderão pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo consórcio. Dessa forma, não se poderá exigir a responsabilização civil ou administrativa de um representante legal de consórcio, se a obrigação contraída pela gestão associada defluiu de ato praticado em conformidade com a lei ou com o seu estatuto. Contudo, responderá o aludido agente público pelos atos praticados pelo consórcio que violarem normas legais ou estatutárias401.

399 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005. 400 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 135. 401 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros.. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.

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3. Licitação: novas regras

A Lei 11.107/05 deu novas regras à licitação, destacando-se as disposições sobre

hipóteses de dispensa do procedimento licitatório, para prever que na celebração de contrato

de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a

prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de

consórcio público ou em convênio de cooperação.

Com isso tem-se a dispensada a exigência de licitação para a celebração de

contratos de programa pela impossibilidade evidente de disputa entre os interesse púbico em

questão.

Sobre a nova redação do art. 24, inciso XXVI da Lei 8.666/93, diz Rodrigo Pagani

de Sousa que “não se trata de hipótese em que a ausência do dever de licitar decorre de mera

opção legislativa, mas sim de ausência desses dever em virtude da sua incompatibilidade com

a operação que se pretende implementar, que é a cooperação intergovernamental para a

prestação de serviço público” 402, ou seja, não cabe licitação entre as distintas esferas da

federação para a oferta de um serviço em gestão associada.

E, ainda quando o objeto do contrato interessar a mais de uma entidade pública,

caberá ao órgão contratante, perante a entidade interessada, responder pela sua boa execução,

fiscalização e pagamento. No caso, os consórcios públicos poderão realizar licitação da qual,

nos termos do edital, decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades

dos entes da Federação consorciados.

Adverte-se que as alterações propostas pela Lei 11.107/05 à Lei de Licitações

aplicam-se tão somente às hipóteses em que são partes das negociações os consórcios

públicos ou os convênios de cooperação.

Também o Decreto 5.504, de 5 de agosto de 2005, que estabelece a exigência de

utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para entes públicos ou privados,

nas contratações de bens e serviços comuns, realizadas em decorrência de transferências

voluntárias de recursos públicos da União, decorrentes de convênios ou instrumentos

congêneres, ou consórcios públicos, expressamente determina em seu art. 1º que os 402 SOUSA, Rodrigo Pagani de. Convênio Administrativo de Delegação de Serviço Público de Saneamento Básico. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 170.

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instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convênios, instrumentos

congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de recursos públicos

da União deverão conter cláusula que determine que as obras, compras, serviços e alienações

a serem realizadas por entes públicos ou privados, com os recursos ou bens repassados

voluntariamente pela União, sejam contratadas mediante processo de licitação pública, de

acordo com o estabelecido na legislação federal pertinente.

Em exame ao dispositivo, Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira afirmam

que

[...] independentemente do disposto no Decreto 5.504/2005, no caso dos consórcios públicos dotados de personalidade pública, esta obrigação emerge do próprio regime jurídico a que tais entes (associações públicas) encontram-se submetidos. Já para os consórcios dotados de personalidade privada (associação civil), esta exigência voltada à realização de licitação previamente ao uso de recursos públicos decorre do estipulado no art. 6º, § 2º da Lei Federal 11.107/2005 403-404.

4. Aplicação legislativa às situações jurídicas pré-existentes

Dispõe o art. 19 que o conteúdo da Lei não se aplicará aos convênios de

cooperação, contratos de programa para gestão associada de serviços públicos ou

instrumentos congêneres, que tenham sido celebrados anteriormente a sua vigência.

Em exame ao dispositivo, Solange Gonçalves Dias afirma que “a Lei não gera

obrigatoriedade às entidades anteriormente constituídas nem impõe a sua normatização às

novas associações, posto que não exclui a possibilidade de agremiação consorcial

despersonalizada, por exemplo; a adesão ao regramento legal é voluntária” 405.

Por isso o dispositivo legal afirma que aqueles instrumentos de gestão associada já

consolidados antes da publicação da lei não deverão observá-la.

403 Art. 6º § 2o No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. 404 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., 2006, p. 43. 405 DIAS, Solange Gonçalves. Obra citada., p. 107.

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Em sentido contrário, todas as espécies de associações interfederativas que

queiram ser constituídas como consórcios públicos, necessariamente deverão observar os

ditames da Lei 11.107/05.

Todos aqueles eventuais consórcios interestaduais e intermunicipais que estavam

em funcionamento antes da vigência desta lei serão considerados como consórcios

administrativos, e, não, consórcios públicos, já que até o momento não havia no sistema

jurídico brasileiro regulamentação específica para estes consórcios.

Está claro que os consórcios públicos não são o único instrumento autorizado à

prestação associada de serviços públicos, ou seja, ainda é possível com o mesmo objetivo

utilizar-se dos convênios de cooperação, dos contratos de programa, dos próprios consórcios e

convênios administrativos, dentre outras modalidades de associação interfederativa.

Logo, a cooperação interfederativa pode concretizar-se pelos mais diversos

modos, sendo a Lei 11.107/05 apenas um desses.

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CONCLUSÃO

O Estado brasileiro pelo federalismo de cooperação buscou, por meio de suas

regras constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo equilibrado

e com a soma de esforços, os objetivos traçados pela República, num constante processo de

escolhas políticas que devem ser feitas no desenvolver da Nação. Compreendendo, de um

lado, o consórcio púbico como instrumento político de Estado e , de outra parte, como

instrumento de descentralização administrativa, por meio do qual atenderá, além da prestação

de serviços públicos, também, o planejamento e execução de ações que envolvam políticas

públicas.

O federalismo cooperativo brasileiro permite, em razão do perfil de distribuição

de competências constitucionais, atuação interfederativa em colaboração recíproca para a

solução de questões sociais e econômicas. Ante a complexidade destas questões, necessária a

reorganização do Estado para atendimento integrado dessas demandas.

Afinal, a cooperação parte do pressuposto da interdependência dos interesses

coletivos comuns, que os entes federados devem atender.

A colaboração mútua interfederativa deve ser meio de definição de

implementação de políticas públicas. Portanto, um dos desafios é compatibilizar a autonomia

das unidades federativas com a necessidade de se promover o desenvolvimento nacional. É

preciso traçar parâmetros para que os entes federados atinjam, de modo equilibrado e

harmônico, os objetivos traçados pela República Federativa do Brasil.

É parte deste processo a escolha de políticas públicas. Reconhece-se com isso, o

consórcio público como instrumento político de Estado. Este equilíbrio só é possível pelo

planejamento, que, em última instância, é elemento característico do Estado Federal. Afinal, a

diversidade de interesses intrínseca à forma federativa, para que seja articulada junto às

competências constitucionais, depende de planejamento estatal. E, neste contexto, toma-se o

consórcio público como instrumento de implementação do próprio federalismo e deve, então,

assumir, dentro outras funções, o planejamento.

Conclui-se, assim, pelos consórcios púbicos como instrumentos que podem

auxiliar na atuação do Estado brasileiro na implementação de seus objetivos. Sugere-se, para

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obtenção de resultados produtivos, a adoção de políticas que respondam tanto a critérios

administrativos como político-institucionais. De fato, será necessária real articulação das

relações verticais e horizontais entre os entes federados.

O Estado brasileiro deve experimentar variados instrumentos de cooperação entre

os entes federados, a fim de amenizar as complexidades federativas que nos são próprias. Para

isso, a regulamentação dos consórcios públicos foi um grande avanço - mesmo com as críticas

que lhe forma feitas - para cobrir uma lacuna que há tempos vem pedindo por providências.

Reforça-se o caráter político do consórcio público, pois restringi-lo ao um

instrumento meramente técnico-administrativo é subestimar sua capacidade de integração, ou

seja, utilizá-lo somente como solução meramente técnica não contemplará problemas de

naturezas diversas que lhe são inerentes. Logo, o resultado seria insatisfatório. Por isso se

propõe esta medida como instrumento também de ação governamental e, não somente, como

nova forma de contrato administrativo.

Defende-se a idéia de que os consórcios públicos foram instituídos no sistema

jurídico nacional sem prejuízo de outras formas de cooperação e de consorciamento já

existentes, de forma que as unidades federativas devem insistir na constituição dos mais

variados instrumentos de cooperação, sejam os convênios administrativos, as regiões

metropolitanas ou associações intermunicipais. Mas se for constituído consórcio público para

os fins específicos do art. 241, deverá este observar os ditames da Lei n° 11.107/ 05.

A partir de então, afirma-se que na ordem jurídica brasileira estão consagrados

instrumentos que permitem associar recursos materiais, financeiros e humanos da cada um

dos entes federados, a fim de que possam, conjuntamente, realizar ações e desempenhar

medidas que isoladamente não seriam possíveis, ou até mesmo, não alcançariam os mesmos

resultados. Ou, ainda, mesmo que fosse possível aos entes agirem isoladamente, o

consorciamento pode ser mais econômico, otimizando as estruturas. Por isso, a constituição

dos consórcios públicos deve-se dar nos mais diversos âmbitos, para o exercício das mais

diversas funções.

Luta-se pela afirmativa de que os consórcios públicos são a melhor opção para a

implementação coordenada de políticas públicas diversas, com transversalidade de conteúdo e

de território, ainda que cientes de que não sejam eles a solução final para resolver todos os

problemas de relação interfederativa no Estado brasileiro.

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Afinal, a cooperação entre interfederativa deve superar seu status constitucional

de mera declaração de intenções ou programas de governo, para assumir o papel de

instrumento institucional voltado à implementação do bem-comum.

Desta forma, a cooperação que se propõe para justificar a formação do consorcio

público não pode ser compreendida como forma de delegação de competência entre os entes

federativos, mas, sim, de somatória de esforços para a realização em conjunto de tarefas de

interesse comum.

Cabe, a partir de agora, à comunidade jurídica bem como a sociedade cobrar das

unidades federadas providências na definição de uma agenda mínima de esforços para o

alcance de melhores resultados, por meio dos consórcios públicos. Neste processo de

construção institucional do consórcio público relativizam-se os binômios descentralização-

centralização e cooperação-competição. Assim, a cooperação deve fundar-se em interesses (e,

também problemas) comuns, que, sob a ótica dos integrantes, serão mais bem trabalhados em

conjunto. Assim, afirma-s que a simetria entre os parceiros é elemento essencial para o êxito

dessa cooperação.

A opção pela formação por parte dos entes federados de consórcio público deve

levar em consideração três elementos: primeiro, os objetos que se propõe cumprir; segundo,

deve considerar o fator econômico, no que tange à produção de resultados, e, por fim, devem

ser reestruturadas as capacidades quanto prestação de atividades administrativas pelo próprio

poder público.

A cooperação entre os governos deve proporcionar parcerias de longa duração,

possibilitando a implementação de variadas espécies de atividades. Nota-se que a viabilização

da cooperação interfederativa na formatação e implementação de políticas públicas, em regra,

é prejudicada por questões político-eleitorais. Todavia, incentiva-se a abertura de em direção

ao amadurecimento político do Estado brasileiro.

Por fim, ante a inovação da ordem jurídica brasileira, mesmo após a apresentação

de elementos caracterizadores de seu regime jurídico, não se tem um modelo pronto e

acabado, somente o tempo de amadurecimento das instituições jurídicas nacionais poderão,

por meio de experiências concretas, consolidar a medidas.

Feitas as conclusões sistemáticas sobre o tema, para fins de compreensão

estrutural, apontam-se as principais conclusões sobre a teorização do tema:

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203

• Apesar da dificuldade em conciliar o princípio federalista, que pressupõe a

descentralização, com o indicativo de planejamento global, que demanda centralização de

decisões e de controle, apresentam-se os consórcios públicos como instrumentos

diferenciados para incrementar a agenda de desenvolvimento do Estado brasileiro, pois

constituem meios para a ampliação do alcance e da efetividade das políticas públicas e dos

recursos nelas aplicados.

• A expressão gestão associada é empregada no art. 241 da CF para se referir à

colaboração entre entes federados; não devendo ser compreendida em sentido restrito,

designando, apenas, uma forma específica de prestação de serviço público por meio de

colaboração. A legislação definirá a amplitude dessa associação. A expressão gestão

associada deve ser considerada como modalidade de acordo comum para atuação conjunta de

entes federativos para a decisão e implementação de matérias de interesse público comum.

Enfim, ela deve ser considerada dentro do contexto de parcerias, no sentido de união de

esforços para atender um interesse comum dos partícipes.

• Consórcios públicos e convênios de cooperação são, ambos, instrumentos de

conjugação de esforços entre os entes federados.

• É competência de cada uma das pessoas políticas interessadas que autorizem -

por meio de lei - a celebração de consórcios públicos ou convênios de cooperação, definindo

as atividades que serão por ela alcançadas, bem como os termos e condições em que serão

promovidas.

• Na legislação específica sobre consórcios públicos, o legislador federal

apresentou as normas gerais que deverão ser observadas pelos demais entes da federação na

criação e funcionamento desses consórcios.

• Há distinção entre consórcios públicos - este inserido ao texto constitucional no

art. 241 - e os consórcios administrativos - figura genérico de associação para fins muito

similares. Do mesmo modo que há diferença entre os convênios administrativos e os

convênios de cooperação.

• As Administrações Públicas são membros dessa entidade, e, não, meros

gestores. É uma corporação instrumental de direito público que associa, exclusivamente,

pessoas jurídicas públicas junto a um fim público.

• A característica essencial do consórcio público é ser um instrumento de

cooperação inter-administrativa, de personalidade jurídica coletiva, sob a forma de associação

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pública. Isto porque, um dos critérios indicativos da natureza pública dos entes é o do fim

público que deverão atingir.

• O que caracteriza o consórcio público é a personalidade jurídica pública, em

razão dos fins que pretende cumprir e, não, somente dos seus integrantes.

• Consórcios públicos devem ser analisados sobre duas vertentes: a primeira,

enquanto pessoa jurídica está dotada de capacidades em sentido técnico, sendo sujeito de

direitos e obrigações; e, a segunda, enquanto ente instrumental que é regido pelo princípio da

especialidade de suas funções e seus fins.

• Uma característica que decorre desta instrumentalidade é a funcionalidade com

a qual o consórcio público há de se desenvolver, a ponto de distingui-lo das demais figuras de

cooperação administrativa, como as associações municipais, as regiões metropolitanas, os

convênios administrativos.

• O federalismo cooperativo brasileiro acata uma visão de integração

governamental de todas as pessoas políticas, atribuindo a cada uma delas uma parcela de

responsabilidade para o efetivo equacionamento dos serviços públicos essenciais. Impõe-se a

vigência de normas que harmonizem e previnam possíveis conflitos. Daí o legislado, mais

uma vez, pela redação do art. 241, acresce outro instrumento de cooperação ao texto

constitucional.

• A possibilidade de cooperação e de gestão associada consta expressamente do

art. 241 do texto constitucional, sem especificar, contudo, o tipo de atividade objeto do ajuste

absorveu grande parte das competências comuns previstas no art. 23, pois o cerne da

cooperação interfederativa é a possibilidade de transferência de encargos e meios - pessoal e

bens - entre os entes para a realização e gestão dos serviços associados.

• É de competência de cada pessoa política definir, por meio de lei, a forma para

exercício de suas atribuições constitucionais, se diretamente, se por meio de gestão associada

ou se mediante transferência de serviços para outro ente.

• Uma coisa é a competência para estabelecer diretrizes gerais que norteiem a

celebração de convênios e consórcios entre entes federados. Outra, bem diversa, é a decisão

de participar, ou não, de tais ajustes, com a definição de seus objetivos e a estipulação de suas

condições.

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• Não se pode conceber consórcio público em que somente uma das partes

beneficie-se da parceria. Não há necessidade de igualdade nos benefícios, mas é razoável que

haja proporção nos resultados obtidos, que devem se interpretados como toda possibilidade de

benefício - ainda que indireta, como nos casos de aprimoramento técnico ou até mesmo de

administração gerencial.

Também como objeto de discussão pontual, em linhas gerais foram as conclusões

acerca da regulamentação jurídica específica dos consórcios públicos:

• Os consórcios públicos deverão reunir interesses e finalidades dos entes que

dele participam. Trata-se de associação entre entes da Federação para consecução de

interesses públicos, relação, por certo, submetida ao regime publicista. Foi este o regime

jurídico imposto pela lei.

• A personalidade jurídica do consórcio público não se confunde com a natureza

jurídica do contrato de consórcio público.

• Ainda que difícil conceber a personalidade jurídica privada para os consórcios

públicos, há autorização legislativa para sua criação e funcionamento.

• Discorda-se da doutrina que atribui a natureza de autarquia aos consórcios

públicos, sob o argumento de que por ter personalidade de direito público. Entende-se ser a

associação pública uma nova espécie de personalidade jurídica criada por lei, com

características próprias, conforme disposto na Lei 11.107/05.

• Por sua vez, atribui-se natureza contratual aos contratos para funcionamento

dos consórcios públicos, ainda que sejam considerados contratos plurilaterais, enquanto

acordo de vontade negocial destinado a regular seus direitos, cujo consentimento provém de

todas as partes, que objetivam atingir fim comum por meio de prestações recíprocas.

• O contrato do consórcio público deverá ser constituído por meio de contrato

elaborado com base num protocolo de intenções, que representará as intenções das entidades

consorciantes.

• O contrato de rateio como objeto próprio e exclusivo a gestão dos recursos que

serão implementados pelos consórcios públicos.

• O contrato de programa será um ato administrativo próprio para a gestão

associada de serviços públicos e transferência de bens, serviços e pessoas, que conterá os

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compromissos estabelecidos entre as partes interessadas, cujo teor está predeterminado pela

lei.

Por fim, pelos aspectos político e administrativos que são próprios da essência do

consórcio públicos, necessária será o empenho de toda a comunidade jurídica a concretização

da mais nova medida de efetivação da cooperação intergovernamental no incremento ao

desenvolvimento nacional.

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ANEXOS

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LEI Nº 11.107, DE 6 DE ABRIL DE 2005.

Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências.

§ 1o O consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.

§ 2o A União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados.

§ 3o Os consórcios públicos, na área de saúde, deverão obedecer aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Sistema Único de Saúde – SUS.

Art. 2o Os objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais.

§ 1o Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá:

I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo;

II – nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público; e

III – ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados, dispensada a licitação.

§ 2o Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobrança e exercer atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou, mediante autorização específica, pelo ente da Federação consorciado.

§ 3o Os consórcios públicos poderão outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos mediante autorização prevista no contrato de consórcio público, que deverá indicar de forma específica o objeto da concessão, permissão ou autorização e as condições a que deverá atender, observada a legislação de normas gerais em vigor.

Art. 3o O consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções.

Art. 4o São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:

I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;

II – a identificação dos entes da Federação consorciados;

III – a indicação da área de atuação do consórcio;

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219

IV – a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;

V – os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o consórcio público a representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de governo;

VI – as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;

VII – a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações;

VIII – a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da Federação consorciado;

IX – o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

X – as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria;

XI – a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando:

a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;

b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados;

c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos serviços;

d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados;

e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão; e

XII – o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.

§ 1o Para os fins do inciso III do caput deste artigo, considera-se como área de atuação do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que corresponde à soma dos territórios:

I – dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos;

II – dos Estados ou dos Estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um) ou mais Estados e o Distrito Federal;

III – (VETADO)

IV – dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios; e

V – (VETADO)

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220

§ 2o O protocolo de intenções deve definir o número de votos que cada ente da Federação consorciado possui na assembléia geral, sendo assegurado 1 (um) voto a cada ente consorciado.

§ 3o É nula a cláusula do contrato de consórcio que preveja determinadas contribuições financeiras ou econômicas de ente da Federação ao consórcio público, salvo a doação, destinação ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direitos operadas por força de gestão associada de serviços públicos.

§ 4o Os entes da Federação consorciados, ou os com eles conveniados, poderão ceder-lhe servidores, na forma e condições da legislação de cada um.

§ 5o O protocolo de intenções deverá ser publicado na imprensa oficial.

Art. 5o O contrato de consórcio público será celebrado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções.

§ 1o O contrato de consórcio público, caso assim preveja cláusula, pode ser celebrado por apenas 1 (uma) parcela dos entes da Federação que subscreveram o protocolo de intenções.

§ 2o A ratificação pode ser realizada com reserva que, aceita pelos demais entes subscritores, implicará consorciamento parcial ou condicional.

§ 3o A ratificação realizada após 2 (dois) anos da subscrição do protocolo de intenções dependerá de homologação da assembléia geral do consórcio público.

§ 4o É dispensado da ratificação prevista no caput deste artigo o ente da Federação que, antes de subscrever o protocolo de intenções, disciplinar por lei a sua participação no consórcio público.

Art. 6o O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:

I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;

II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.

§ 1o O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados.

§ 2o No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Art. 7o Os estatutos disporão sobre a organização e o funcionamento de cada um dos órgãos constitutivos do consórcio público.

Art. 8o Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio público mediante contrato de rateio.

§ 1o O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos.

§ 2o É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências ou operações de crédito.

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§ 3o Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio.

§ 4o Com o objetivo de permitir o atendimento dos dispositivos da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, o consórcio público deve fornecer as informações necessárias para que sejam consolidadas, nas contas dos entes consorciados, todas as despesas realizadas com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de forma que possam ser contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos econômicos e das atividades ou projetos atendidos.

§ 5o Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio.

Art. 9o A execução das receitas e despesas do consórcio público deverá obedecer às normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas.

Parágrafo único. O consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio, inclusive quanto à legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas, sem prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio.

Art. 10. (VETADO)

Parágrafo único. Os agentes públicos incumbidos da gestão de consórcio não responderão pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo consórcio público, mas responderão pelos atos praticados em desconformidade com a lei ou com as disposições dos respectivos estatutos.

Art. 11. A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato formal de seu representante na assembléia geral, na forma previamente disciplinada por lei.

§ 1o Os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação.

§ 2o A retirada ou a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.

Art. 12. A alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes consorciados.

§ 1o Os bens, direitos, encargos e obrigações decorrentes da gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outra espécie de preço público serão atribuídos aos titulares dos respectivos serviços.

§ 2o Até que haja decisão que indique os responsáveis por cada obrigação, os entes consorciados responderão solidariamente pelas obrigações remanescentes, garantindo o direito de regresso em face dos entes beneficiados ou dos que deram causa à obrigação.

Art. 13. Deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.

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§ 1o O contrato de programa deverá:

I – atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos e, especialmente no que se refere ao cálculo de tarifas e de outros preços públicos, à de regulação dos serviços a serem prestados; e

II – prever procedimentos que garantam a transparência da gestão econômica e financeira de cada serviço em relação a cada um de seus titulares.

§ 2o No caso de a gestão associada originar a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos, o contrato de programa, sob pena de nulidade, deverá conter cláusulas que estabeleçam:

I – os encargos transferidos e a responsabilidade subsidiária da entidade que os transferiu;

II – as penalidades no caso de inadimplência em relação aos encargos transferidos;

III – o momento de transferência dos serviços e os deveres relativos a sua continuidade;

IV – a indicação de quem arcará com o ônus e os passivos do pessoal transferido;

V – a identificação dos bens que terão apenas a sua gestão e administração transferidas e o preço dos que sejam efetivamente alienados ao contratado;

VI – o procedimento para o levantamento, cadastro e avaliação dos bens reversíveis que vierem a ser amortizados mediante receitas de tarifas ou outras emergentes da prestação dos serviços.

§ 3o É nula a cláusula de contrato de programa que atribuir ao contratado o exercício dos poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados.

§ 4o O contrato de programa continuará vigente mesmo quando extinto o consórcio público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos.

§ 5o Mediante previsão do contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação, o contrato de programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados.

§ 6o O contrato celebrado na forma prevista no § 5o deste artigo será automaticamente extinto no caso de o contratado não mais integrar a administração indireta do ente da Federação que autorizou a gestão associada de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação.

§ 7o Excluem-se do previsto no caput deste artigo as obrigações cujo descumprimento não acarrete qualquer ônus, inclusive financeiro, a ente da Federação ou a consórcio público.

Art. 14. A União poderá celebrar convênios com os consórcios públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de políticas públicas em escalas adequadas.

Art. 15. No que não contrariar esta Lei, a organização e funcionamento dos consórcios públicos serão disciplinados pela legislação que rege as associações civis.

Art. 16. O inciso IV do art. 41 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 41. ...................................................................................

................................................................................................

IV – as autarquias, inclusive as associações públicas;

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........................................................................................" (NR)

Art. 17. Os arts. 23, 24, 26 e 112 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 23. ...................................................................................

................................................................................................

§ 8o No caso de consórcios públicos, aplicar-se-á o dobro dos valores mencionados no caput deste artigo quando formado por até 3 (três) entes da Federação, e o triplo, quando formado por maior número." (NR)

"Art. 24. ...................................................................................

................................................................................................

XXVI – na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação.

Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas." (NR)

"Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.

......................................................................................" (NR)

"Art. 112. ................................................................................

§ 1o Os consórcios públicos poderão realizar licitação da qual, nos termos do edital, decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades dos entes da Federação consorciados.

§ 2o É facultado à entidade interessada o acompanhamento da licitação e da execução do contrato." (NR)

Art. 18. O art. 10 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos:

"Art. 10. ...................................................................................

................................................................................................

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei." (NR)

Art. 19. O disposto nesta Lei não se aplica aos convênios de cooperação, contratos de programa para gestão associada de serviços públicos ou instrumentos congêneres, que tenham sido celebrados anteriormente a sua vigência.

Art. 20. O Poder Executivo da União regulamentará o disposto nesta Lei, inclusive as normas gerais de contabilidade pública que serão observadas pelos consórcios públicos para

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224

que sua gestão financeira e orçamentária se realize na conformidade dos pressupostos da responsabilidade fiscal.

Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de abril de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos

Antonio Palocci Filho

Humberto Sérgio Costa Lima

Nelson Machado

José Dirceu de Oliveira e Silva

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MENSAGEM Nº 193, DE 6 DE ABRIL DE 2005.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, e por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei no 1.071, de 1999 (no 148/01 no Senado Federal), que "Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências".

A Casa Civil manifestou-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

Art. 4o, § 1º

III – dos Municípios e dos Estados, quando o consórcio público for constituído por 1 (um) ou mais Estados e Municípios;

V – dos Municípios, do Distrito Federal e dos Estados, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal, 1 (um) ou mais Estados e Municípios.

Razões do veto

"O inciso III trata de consórcios públicos entre Estados e Municípios, como ocorre no inciso I, mas com a diferença de que o território dos Municípios não precisa estar contido no território do Estado. A distinção é clara, porque a parte final do inciso I afirma que se tratam de ‘Municípios com territórios nele contidos’, ou seja, Municípios com territórios contidos no território do Estado que se consorcia.

A redação original do inciso III, tanto no projeto de lei do Poder Executivo, como no texto aprovado no Senado Federal previa que os Municípios, nesse caso, teriam os seus territórios contíguos, isto é, fariam divisa com o território do Estado.

O dispositivo, dessa forma, tinha por objetivo permitir que um Estado pudesse auxiliar um Município que, mesmo se situando em outro Estado, lhe fosse vizinho, a fim de procurar solução integrada para algumas de suas políticas públicas, o que, inclusive, é a realidade brasileira atual.

Entretanto, por meio de emenda, o Congresso Nacional retirou o requisito que o Município fosse contíguo ao Estado, o que permite – a se manter a redação atual – que um Estado se consorcie com Municípios de outro Estado mesmo que não haja relações de vizinhança que legitime esse consorciamento.

Evidentemente que a manutenção desse dispositivo é perigosa para a paz federativa, uma vez que um Estado poderá interferir nos assuntos municipais de outro Estado sem ter, ao menos, uma relação de vizinhança que legitime a sua ação.

O mesmo raciocínio se aplica à necessidade de veto do inciso V.

Deflui-se, então, que a manutenção deste dispositivo é perigosa - como no caso anterior - para a paz federativa, por permitir que um Estado venha a se imiscuir nos assuntos municipais de outro Estado, como também descaracteriza a mens legis do dispositivo, que passou a se confundir com as dos incisos II e IV do mesmo parágrafo, prejudicando a boa aplicação da Lei."

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Art. 10

"Art. 10. Os consorciados respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelo consórcio.

Razões do veto

"A intenção do legislador, aparentemente, era dizer que os consorciados respondem subsidiariamente; contudo, constou que os consorciados respondem solidariamente.

Na responsabilidade subsidiária, a administração direta somente responde por obrigações quando comprovada a insolvência patrimonial do ente que integra a administração indireta. Ou seja, a entidade da administração indireta responde por si e, no caso de ter assumido obrigações maiores que seu patrimônio é que, liquidado primeiro este, poderá a administração direta ser demandada pelas eventuais obrigações remanescentes.

Já na responsabilidade solidária, como previsto no art. 10, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação tanto do consórcio como dos entes consorciados. Isso fará que dívidas do consórcio sejam automaticamente transferidas para os consorciados, num evidente prejuízo aos princípios da segurança jurídica e da estabilidade fiscal.

Com o veto, o regime a ser aplicado aos consórcios públicos será o da responsabilidade subsidiária, que é o ordinário da administração indireta. Esse conceito é manso, pacífico e não deixa margens para nenhuma dúvida, como deixa clara a doutrina brasileira, de onde se destaca a lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:

“doutrina e jurisprudência sempre consideraram, outrossim, que quaisquer pleitos administrativos ou judiciais de atos que lhe fossem imputáveis, perante elas mesmas ou contra elas teriam que ser propostos – e não contra o Estado. Disto se segue igualmente que, perante terceiros, as autarquias são responsáveis pelos próprios atos. A responsabilidade do Estado, em relação a eles, é apenas subsidiária"

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 6 de abril de 2005.

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