cia Formal e Material Da Constituição - Vicente Paulo

4

Click here to load reader

Transcript of cia Formal e Material Da Constituição - Vicente Paulo

Page 1: cia Formal e Material Da Constituição - Vicente Paulo

12/08/2005 - Supremacia formal e material da Constituição

Bom dia,

Conforme previ aqui no site em texto anterior (Ponto nº 274, de 06/07/2005), a Esaf anulou a questão nº 12 da Prova de Direito Constitucional do concurso de Auditor-Fiscal da Receita Estadual de Minas Gerais (AFRE/MG).

Hoje, durante a elaboração de uma aula do meu curso on-line de exercícios de Direito Constitucional, deparei-me com uma interessante questão cobrada pela Esaf no dificílimo concurso de Analista de Finanças e Controle da Controladoria Geral da União (AFC/CGU/2003), que versa sobre a supremacia das normas constitucionais sobre as demais leis do ordenamento. De tão interessante, resolvi comentá-la para todos os visitantes deste site. É o seguinte o enunciado:

“A existência de supremacia formal da constituição independe da existência de rigidez constitucional.”

O item está ERRADO porque, conforme explicarei a seguir, a supremacia formal da constituição decorre, precisamente, da rigidez do seu texto.

Vejamos, então, como nasce a supremacia formal da Constituição sobre as demais leis do ordenamento.

Sabe-se que a rigidez constitucional significa a exigência de um processo especial, dificultoso, para a modificação do texto da constituição. Se o Estado adota constituição do tipo rígida, teremos dois processos legislativos distintos para a elaboração das normas: um processo solene, árduo, para a elaboração das normas constitucionais; e um processo simples, para a elaboração das demais leis do ordenamento.

Pois bem. É a partir dessa distinção entre os processos legislativos que nasce a supremacia das normas constitucionais sobre as demais leis. A rigidez, ao exigir formalidades especiais para a elaboração das normas constitucionais, posiciona a constituição em um patamar de superioridade hierárquica em relação a todas as demais normas do ordenamento, em virtude da exigência dessas formalidades especiais. Essa superioridade hierárquica da constituição, decorrente da exigência de formalidades especiais para elaboração de suas normas, é, precisamente, a chamada supremacia formal (ou seja: supremacia decorrente de forma!).

Aliás, é por esse motivo que só se pode falar em supremacia formal das normas constitucionais sobre as demais leis do ordenamento num sistema de constituição rígida. Afinal, se estamos num sistema de

Page 2: cia Formal e Material Da Constituição - Vicente Paulo

constituição flexível, não há distinção entre os processos legislativos de elaboração das normas constitucionais e das demais leis. Ora, se no regime de constituição flexível não há formalidades especiais para a elaboração das normas constitucionais, não podemos, então, falar em supremacia formal (que decorre de forma!).

Essa noção de supremacia formal, resultante da rigidez constitucional, não pode ser confundida com o conceito de supremacia material da Constituição, decorrente da dignidade do conteúdo das normas constitucionais.

Fala-se em supremacia material da Constituição quando se tem em conta a superioridade da norma constitucional em razão da dignidade de seu conteúdo (sem nenhuma relação com o seu processo de elaboração). Por exemplo: diz-se que a norma constitucional que assegura o direito à vida é uma norma dotada de supremacia material, devido à dignidade de seu conteúdo, por tratar de matéria substancialmente constitucional (direito fundamental individual à vida).

Assim, num sistema de constituição não-escrita, histórica, costumeira, flexível não podemos falar na presença de supremacia formal das normas constitucionais sobre as demais leis do ordenamento, pois não há diferença “de forma” entre elas (ambas são elaboradas pelo mesmo processo legislativo). Porém, mesmo nesse tipo de constituição, podemos falar na existência de supremacia material das normas constitucionais sobre as demais leis do ordenamento, em razão da “superioridade” do conteúdo daquelas sobre estas.

Melhor explicando. Imagine a Inglaterra, que adota constituição não-escrita, costumeira, em que não há um processo legislativo especial para a elaboração de suas normas constitucionais (não há rigidez constitucional). Ora, se não há um processo especial para a elaboração das normas constitucionais, como se distingue, na Inglaterra, uma lei ordinária de uma lei constitucional? Se tivermos pela frente duas leis inglesas (Lei “A” e Lei “B”), elaboradas pelo mesmo parlamento, pelo mesmo processo legislativo, como saberemos qual delas é constitucional e qual é ordinária?

Ah, essa distinção é feita levando-se em conta o conteúdo das duas normas. Como assim? Muito fácil: a Lei “A” será constitucional se versar sobre matéria considerada substancialmente constitucional pelo Estado inglês; a Lei “B” será ordinária se tratar de matéria que nada tenha a ver com a organização do Estado inglês! Nesse caso, a Lei “A” (constitucional) é dotada de supremacia em relação à Lei “B” (ordinária), mas não em razão de formalidade, de processo legislativo de sua elaboração. A Lei “A” é dotada de supremacia sobre a Lei “B” em razão da dignidade do seu conteúdo (em razão da matéria).

Page 3: cia Formal e Material Da Constituição - Vicente Paulo

Temos, aí, a chamada supremacia material (decorrente da dignidade do conteúdo da Lei “A”).

Muito interessante esse tema, bonito mesmo!

E, além de bonito, é importantíssimo numa prova você saber distinguir “supremacia formal” (presente somente nas constituições que adotam a rigidez constitucional, por resultar do processo especial de elaboração das normas constitucionais) de “supremacia material” (decorrente da dignidade do conteúdo das normas substancialmente constitucionais em relação às demais leis do ordenamento).

Para finalizar, só mais um detalhe. É comum, em sala de aula, após a apresentação desse assunto, surgir a seguinte indagação: “e numa constituição do tipo semi-rígida, podemos falar em supremacia formal dos seus dispositivos sobre as demais leis do ordenamento?”

A resposta é afirmativa. Se estivermos diante de um regime de constituição semi-rígida, poderemos falar em supremacia formal das normas constitucionais que integram a parte dessa constituição que é rígida (parte que só pode ser alterada por um procedimento especial). Em relação à parte flexível (que pode ser modificada por procedimento simples, igual ao de elaboração das demais leis), não há que se falar em supremacia formal. Poderemos, nesse último caso, falar, apenas, em supremacia material>

Lembrando: o item está ERRADO porque afirma que a supremacia formal da Constituição independe da rigidez constitucional e, como vimos, essa supremacia existe, precisamente, em razão da rigidez.

Um forte abraço – e até breve.

Vicente Paulo