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    ÁREA TEMÁTICA: Arte, Cultura e Comunicação

    “CINEMA E REALIDADE: ENTENDER A FUNÇÃO VITAL DA SÉTIMA ARTE” 

    ALVES, Pedro

    Mestre em Som e Imagem, Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa

    Doutorando em Comunicação Audiovisual, Faculdade de Ciências da Informação da UniversidadeComplutense de Madrid

     [email protected]

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    Palavras-chave: Arte; Cinema; Realidade; Ficção; RecepçãoKeywords: Art; Cinema; Reality; Fiction; Reception

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    Resumo

     Na definição da vida humana e das “versões-do-mundo” (Goodman), a Arte tem um papel

    fundamental ao permitir indagar elementos sensoriais da realidade que a Ciência nãoenquadra na sua ambição de objectivar o real. Neste contexto, o Cinema instituiu-se comoforma artística mais completa para criar metáforas sobre dados do real. Ao aliar imagem,som, palavra, ficção e narrativa, permite simular e actualizar o passado, reflectir sobre o presente ou imaginar o futuro. O Homem pode assim expressar e experimentar sentidos eideias em mundos possíveis que contribuem para a construção da sua identidade ecompreensão da (sua) realidade.

    Abstract

    While defining human life and the “world-versions” (Goodman), Art has a fundamental roleallowing to inquire about sensorial aspects of reality which Science cannot frame in itsambition to objectify reality. In this context, Cinema institutes itself as the most completeartistic form to create metaphors of the real world’s data. Allying image, sound, word, fictionand narrative, it allows to simulate and to bring up to date the past, reflect over the presentand imagine the future. Man can therefore express and experiment senses and ideas in possible worlds that contribute to develop His identity and understanding of (His) reality.

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    1. O ACESSO DO HOMEM AO MUNDO REAL: PLURALIDADE E FERRAMENTAS

    Uma das temáticas essenciais da existência humana consiste na forma como o Homem interpreta,compreende e utiliza os dados que o mundo real lhe oferece. Este âmbito integra a definição da identidade doser humano, a comunicação e a interação com o que lhe é exterior (pessoas, objetos, eventos) e o seuenquadramento nos ambientes que o rodeiam (social, cultural, etc.). Ponderamos também, neste sentido, a

     problemática da ontologia do real, ou seja, da possibilidade ou impossibilidade de aceder a uma visão única eabsoluta da realidade. A filosofia, a ciência e outras áreas do conhecimento têm tendido, ao longo daHistória, para caminhar na direção dessa objectividade e unicidade do real. Mas a subjetividade natural dasnossas percepções do mundo lançam uma dúvida sobre o êxito que essa missão poderá atingir. Surge, então,uma questão inicial: devemos considerar qualquer cosmovisão individual como incompleta enquanto nãochegar a um entendimento unívoco da realidade? Ou será o chamado “mundo real” uma miragem que apenasse poderá entender através da pluralidade de perspectivas e da articulação das “realidades” particulares? 

    1.1. Pluralismo e perspectivismo: um mundo entre muitos

    Consideramos que qualquer tentativa atual de definição objectiva e unívoca da realidade é ainda uma utopia.Apesar do longo caminho realizado neste sentido, nomeadamente pela ciência e pela filosofia, teremos deassumir que o mundo continua a ser objecto de considerações ambíguas e contrastantes. Bastará recordar osconflitos teóricos, práticos ou existenciais que diferentes interpretações e entendimentos de dados darealidade continuam a provocar em variados e distintos âmbitos (do científico ao cultural, do político aosocial). Significa isto que, com os meios ao dispor do Homem e pelo menos para já, qualquer verdade edefinição eternas e absolutas da realidade estão ainda longe de se concretizar. Ora, na impossibilidade de seaceder de uma forma universal ao mundo real, que soluções se apresentam ao ser humano que lhe permitamcompreender e utilizar os dados da realidade que habita? Goodman   (1995) considera que devemos promover aarticulação das percepções individuais em relação à realidade. Cada sujeito constrói aquilo que o autor

    denomina de “versão-do-mundo”, ou seja, modelo individual de organização dos dados obtidos a partir darealidade de acordo com uma estruturação e sistematização pessoais. Esta tarefa é desenvolvida de acordocom o quadro de referência do sujeito, ou seja, articulando estímulos internos e externos que moldam a vida pessoal e social do mesmo. A “perspectiva” do sujeito em relação à realidade, o processo de interpretação,

    compreensão e posterior utilização dos elementos do mundo são, assim, importantes passos que contribuemdecisivamente para definir a sua “versão” da realidade.

    O perspectivismo torna-se, desta forma, uma base válida para o pluralismo, uma condição de autonomia e deaparecimento de entendimentos díspares sobre a realidade que, no entanto, apresentam uma consistência euma validez próprias. Sustentar a multiplicidade de mundos reais não significa a defesa de qualquer tipo derelativismo na consideração do real, uma vez que cada uma destas “versões-do-mundo” deve obedecer a

    critérios de correção e de verdade. Neste caso, o que é de salientar é o desvio da aplicação desses critérios para a estrutura da versão: cada mundo real proveniente da concepção de um sujeito está submetido àavaliação da sua verdade ou falsidade em termos de adequação aos seus próprios enunciados, contexto,estrutura e sistema, e não em relação à concepção global e absoluta de um real que não conhecemos porenquanto. A concepção de uma verdade absoluta torna-se, neste sentido, desprovida de sentido. Nietzsche  (1997) defende que a pluralidade de interpretações do mundo, como oposição a uma verdade unívoca, é umsinal de vitalidade e a única forma do ser humano experimentar a plenitude do mesmo. Qualquer concepçãode verdade absoluta tende a afastar o ser humano da vivência e experimentação do mundo, o que, segundo omesmo autor, o empobrece e o impossibilita de conhecer mais profundamente a realidade. Assim, “ fazemos

    melhor em concentrar-nos nas versões em vez de nos concentrarmos no mundo ” (Goodman, 1995, p. 147),uma vez que não existe um acesso direto a uma ontologia universal do mesmo. Quer seja o mundo real

    constituído por uma pluralidade de mundos, quer sejam essas versões da realidade as diversas partes de umúnico mundo, a verdade é que o nosso acesso a um mundo unívoco terá de acontecer de acordo com aarticulação, comparação e análise das múltiplas “realidades”. 

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    1.2. A Arte como ferramenta metafórica de acesso à realidade

    Analisada a problemática do acesso ao conhecimento do mundo real, e tomando a pluralidade de mundosreais e perspectivistas como soluções complementares para entender uma realidade ambígua e complexa, é preciso ter em consideração quais as ferramentas ao dispor do Homem para construir estas “versões-do-

    mundo”. A ciência tem sido considerada, desde os tempos mais antigos, como o principal e mais fiávelcaminho para a compreensão da realidade e suas características. A sua ambição tem sido a de procurar umaverdade absoluta, de atingir um grau de conhecimento de tal forma universal que seja aceite de formainquestionável por toda a comunidade humana. Contudo, esse objectivo ainda não foi cumprido e, provavelmente, nunca o será. Vários motivos contribuem para este cenário. Por um lado, vivemos uma era dehiperinformação, de crescente ambiguidade e complexidade do ser humano e das suas formas de interaçãocom o Outro e com os ambientes em que se insere. Existe uma tendência crescente do indivíduo para se ligara pequenos grupos, da individualidade e da pertença de ocasião a comunidades ou objectivos micro-globais;um “ processo de personalização” (Lipovetsky, 2003, p. 5) que tem afastado o homem das ambições de

    universalidade e totalidade. Por outro lado, cada vez mais as atenções do Homem estão voltadas para a produção de significados e de símbolos em vez da procura de definir de forma objectiva a realidademetafísica e de lutar por “um absoluto totalizante” (Monteiro, 1996, p. 69). Deste modo, “é nas

    manifestações simbólicas da cultura que o homem preenche o abismo que o separa das coisas, de si próprio

    e dos outros, acedendo assim à consciência reflexiva e à experiência da vida comum” (Rodrigues, 1991, p.

    27). Devemos então analisar que outros mecanismos são capazes de nos fornecer uma forma de conhecer omundo.

    Lévi-Strauss  (s.d.)  afirma que a ciência nunca será capaz de fornecer todas as respostas da vida humana,defendendo por isso o alargamento do leque de estímulos e informações tomados em consideração peloHomem para o conhecimento completo da realidade. No leque destes novos estímulos referidos pelo autor, ametáfora surge como ferramenta privilegiada no acesso a dados sensoriais, afectivos e simbólicos daexperiência humana, importantes para um exaustivo conhecimento do mundo. A procura habitual de uma

    visão objectiva da realidade “deixa de fora aspectos humanos da realidade, em particular as percepçõesreais, conceptualizações, motivações e acções que constituem a maior parte do que experimentamos. (…) O

    que é real para um indivíduo como membro de uma cultura é um produto da sua realidade social e da

    maneira como aquela dá forma à sua experiência em termos metafóricos, e dado que a nossa concepção do

    mundo físico é essencialmente metafórica, a metáfora desempenha um papel muito significativo na

    determinação do que é real para nós” (Lakoff& Johnson, 2005, p. 188). Através da metáfora, o ser humano

    conquista o acesso a dados da realidade que a ciência, geralmente, não considera. A metáfora permite acriação de novos significados, de relações inovadoras entre aspectos da realidade outrora isolados, alargandoas possibilidades de cognição e cumprindo a necessidade de desenvolver prismas diferentes sobre a ontologiado real. Na articulação, validação e correção destas novas perspectivas, advirá um conhecimento mais amplodo mundo.

    De entre as múltiplas manifestações da metáfora na experiência humana, devemos destacar a sua importânciana arte. Os modos de expressão e recepção artísticos envolvem componentes mais apelativas e eficazes do ponto de vista sensorial e interpretativo do que, por exemplo, na linguagem verbal, um meio utilizadosobretudo para a estruturação e descrição cognitiva da experiência humana. As artes, potenciando diversossentidos (visão, audição, tacto) e diferentes recursos (movimento, cor, volume, ritmo, etc.), são capazes de,mais do que sistematizar a nossa percepção, constituir elas próprias modos originais de ver e experimentar arealidade. O artista que desenvolve uma obra expressa ideias, sentimentos e experiências que fazem parte dasua “versão-do-mundo”, manifestando na sua obra uma intenção e uma perspectiva passível de ser recebida,interpretada e transformada por um receptor. Gera-se um jogo entre um emissor e um receptor, um eixo decomunicação e de reflexão, uma forma de expressar uma cosmovisão e de interpretar, redesenhar e reutilizaresse universo artístico. A obra de arte é, assim, um mundo possível ou uma “versão -do-mundo” real, passívelde ser analisada e considerada segundo a nossa própria perspectiva da realidade. Considerar a arte comoveículo de excelência para a metáfora não significa menosprezar a sua importância na linguagem verbal, uma

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    vez que esta assume uma relevância decisiva na consideração e expressão do conhecimento científico e da própria expressão artística (nomeadamente no caso da Literatura), assim como na posterior integração eestruturação mental no indivíduo. Mas a arte apresenta uma maior capacidade de transcender a própriarealidade e de desenvolver mundos próprios, envolve um maior investimento emocional e criativo, além deque permite expressar o “indizível”, ou seja, revelar elementos da experiência humana que não encontram

    traduções equivalentes num âmbito meramente verbal.

    Chegamos, desta forma, a uma ideia central: a de que, como refere Eco (1976, p. 54), “a arte, mais do queconhecer  o mundo,  produz complementos do mundo, formas autónomas que se acrescentam às existentes,exibindo leis próprias e vida pessoal ”. Dentro do seu papel como metáfora da realidade, o autor acrescenta

    que a arte apresenta-se como uma “metáfora epistemológica”, ou seja, “num mundo em que adescontinuidade dos fenómenos pôs em crise a possibilidade de uma imagem unitária e definitiva, esta

     sugere um modo de ver aquilo que se vive, e vendo-o, aceitá-lo, integrá-lo na nossa sensibilidade”  (Eco,1976,  p. 158). Também Jauss(1982) defende a ideia de que um dos propósitos fundamentais da arte é a formaçãoda realidade, mais do que a sua reprodução, e de que a interação entre autor e receptor é também a interaçãodos “horizontes de expectativas” das duas partes envolvidas na experiência estética; ou seja, “a experiência

    estética é doadora de sentido, na medida em que a interpretação é essa atividade através da qual a obra traz

    à presença um mundo, proporciona e desoculta um modo de «estar-no-mundo» (…), que é o resultado de

    uma «fusão de horizontes»” (Cruz, 1991, p. 63). A recepção revela-se um eixo criativo da experiênciaartística, o ponto de chegada que permite dotar a obra e a sua experimentação de sentido, o momento em quea arte enquanto metáfora pode tomar a dimensão epistemológica que Eco e Cruz mencionam. O receptor,tendo múltiplos mundos à escolha para sua consideração, retira de cada um deles aspectos que lhe permitam,dentro da sua história de vida e do seu contexto, enquadrar aqueles dados que lhe interessam paradesenvolver a sua identidade (individual e colectiva) e a sua cosmovisão. Do contraste entre os horizontes deautor e receptor e diferentes obras e mundos dados a descobrir, e da impossibilidade de um conhecimentoúnico e universal do r eal, resulta a “criação e alargamento do conhecimento no sentido amplo do avanço dacompreensão” (Goodman, 1995, p. 153). 

    A comunicação de um mundo ou de uma forma de o viver através da arte surge não apenas da imitação

    (mimesis) da realidade ou das representações da mesma (versões-do-mundo), mas também da “simulação”metafórica de mundos possíveis: “a ficção opera nos mundos reais de modo muito semelhante à não ficção.

    Cervantes, Bosch e Goya, não menos que Boswell, Newton e Darwin, tomam, desfazem, refazem e retomam

    mundos familiares, remodelando-os de modos admiráveis e por vezes recônditos mas finalmente

    reconhecíveis  –  isto é, re-conhecíveis” (Goodman, 1995, p. 156). A ficção torna-se, assim, uma ferramentainteressante para aventurar alternativas válidas para cada entendimento do mundo e para a própria realidade,desde que apresente critérios de verosimilhança e referência ao mundo real, critérios esses que nos permitementender esses mundos como versões plausíveis do nosso real. A ficção é importante ao possibilitar “ julgaras relações e estados do próprio mundo real ” (Dolezel, 1998, p. 54), dentro do que Schaeffer 

     (2002) refere seruma abordagem de dados da realidade com uma menor tensão psicológica e liberta de consequências reais. A

    ficção permite ao Homem expressar possíveis cenários e estados da realidade como hipóteses de mundos,submetidas a apreciação, avaliação e reflexão por parte dos seus receptores. Mantendo a referência àrealidade e a verosimilhança dos elementos representados, permite desenvolver metáforas da realidade sob perspectivas originais, com dados, ideias e sensações que podemos transpor e analisar à luz do entendimentoque fazemos do nosso mundo.

    Se a ficção possibilita averiguar mundos alternativos ou novos modos de considerar o mundo, a mitologianarrativa traz ao fenómeno artístico uma formatação dos dados que há muito faz parte do quotidiano humanoe das suas representações da realidade. Luleefetuou (2001) um estudo sobre a presença de estruturasnarrativas mitológicas nas notícias de jornais norte-americanos, chegando à conclusão que a própria forma dedescrever e contar “objectivamente” os eventos do chamado mundo real enquadram os dados sob molduras

    mitológicas intemporais. Lule justifica este facto pela necessidade humana de contar histórias, de partilhar asexperiências, ideias e sentimentos dentro de molduras abstractas que permitam a transmissão desses relatosem diferentes contextos, espaciais e/ou temporais. O enquadramento mitológico atribui maior universalidade

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    e abrangência de significação comum a essas histórias e à sua comunicação, promovendo estruturas de personagens, eventos e contextos que são de certo modo transversais aos diversos exemplos de vida e açãodo Homem. Deste modo, “arte, literatura, mito e culto, filosofia, e disciplinas estéticas são instrumentos

     para ajudar o indivíduo a passar dos seus horizontes limitados a esferas de compreensão em constante

    expansão” (Campbell, 1993, p. 190), ou seja, instrumentos para alargar e fazer avançar o conhecimento domundo. O mito e a narrativa surgem, assim, de braço dado, como formas de formatar o nosso modo de contar

    histórias em moldes que permitem uma familiaridade e empatia maiores com os relatos que se nosapresentam. Portanto, “a estrutura narrativa é uma ferramenta importante para a expressão e representaçãodo colectivo e da experiência humana”, “traçando um mapa dos problemas e propondo soluções para a

     situação presente ou futura da realidade humana” (Jameson, 1995, p. 29 e 23). A função narrativa permite,

    deste modo, a promoção da comunicação humana em âmbitos não só fictícios ou artísticos, mas também(como vimos) na descrição da própria realidade. Serve-se da mitologia como modo de enquadrar os dados domundo que relata em moldes que nos são mais próximos, quer como receptores, quer como autores de umdiscurso. E constitui, assim, um acrescento às potencialidades humanas e artísticas para averiguar e criarmundos, sejam estes reais ou possíveis.

    2. CINEMA E RECEPÇÃO: A ABERTURA DO FILME E O CONTRIBUTO VITALComo vimos, a arte permite, enquanto metáfora epistemológica, indagar aspectos objectivos e factuais darealidade (tal como a ciência), mas possibilita também averiguar elementos sensoriais e estéticos do mundo,utilizando a representação, a ficção ou a mitologia narrativa para expressar e desvendar perspectivas quecontribuem para um avanço do conhecimento do Homem. Um dos eixos fundamentais neste processo é o darecepção, ou seja, o momento em que o sujeito recebe, interpreta e utiliza os dados que a obra de arte lherevela ou que o próprio receptor aí reconhece. Ao focarmos a nossa atenção no fenómeno da recepçãoartística, direcionamos o campo de análise para o cinema e para o papel do seu espectador. Esta opção prende-se com: a riqueza e complexidade do fenómeno cinematográfico; as suas múltiplas capacidades eferramentas de expressão; e os seus processos de experimentação e recepção (imersão, identificação e

    “sensação-de-realidade”). 

    2.1. O Cinema como “arte total” 

    Afirma Metz (2001, p. 54) que “o cinema, já quando nasce em finais do século XIX, ficou preso à tradição

    ocidental e aristotélica das artes de ficção e de representação, da diégesis e da mimesis , tradição para aqual estavam já preparados os espectadores  –   preparados mental, mas também emotivamente  –   pela

    experiência do romance, do teatro e da pintura figurativa, a tradição por conseguinte mais rentável para a

    indústria do cinema”. Percebemos assim que o cinema, desde o seu primórdio, herda da tradição artística a

    capacidade de simular mundos referenciais à realidade, bem como o objectivo de criar reações mentais e

    emocionais no espectador fílmico. À época, a novidade do cinematógrafo conseguiu transportar a realidade para dentro do ecrã de tal modo que originou fortes e variadas reações nos receptores - entusiasmo, confusão,medo e/ou espanto. Hoje, e com uma tradição já adquirida, o cinema tornou-se no formato e indústriaartísticos mais procurados pelo homem nas sociedades ocidentais. Nenhum evento artístico consegue moveratualmente as multidões que o ato de “ir ao cinema” envolve, e nenhuma arte origina uma tão grande vontade de recepção como a de ver filmes. Isto deve-se bastante ao fenómeno do cinema como “arte total”, ou seja, àsua capacidade de reunir elementos de outras artes precedentes (arquitetura, pintura, dança, música,literatura, fotografia) dentro de uma nova “arte total à qual, desde sempre, tenderam as outras artes”

    (Canudo, 1998, p. 16). Por outro lado, “o mito diretor do cinema é a inteira realização daquele que domina

    de forma confusa todas as técnicas de reprodução mecânica da realidade que apareceram no século XIX,

    desde a fotografia ao fonógrafo” (Bazin, 1992, p. 17). Deste modo, o cinema recupera e utiliza códigos e

    constituintes de variados meios artísticos, acrescentando por outro lado alguns muito próprios do seu âmago.O cinema permite, por exemplo, jogar com o que não se encontra presente no ecrã (o que Bonitzerdenominou de “campo cego”); possibilita uma maior sensação de realidade, visto utilizar imagens e sons do

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    mundo real –  uma “objectividade natural das coisas” (Morin, 1996, p. 185) -, mas com novos significados,extensões e consequências dentro do universo fílmico; permite também uma reactualização do passado maisforte e penetrante, uma sensação de “estar -lá”, bem dentro desse mundo simulado, ao contrário do queacontece, por exemplo, na fotografia ou na literatura, normalmente apresentadas como um relato do que jáaconteceu. Ainda que deixando outros aspectos de lado, estes bastam para podermos entender o cinemacomo o campo artístico de maior latitude e heterogeneidade, com uma dialéctica entre real e irreal mais

     pronunciada e impactante, onde vários códigos de expressão de outras artes são integrados num únicomédium artístico, permitindo assim uma mais completa expressão artística e, por conseguinte, um maiorimpacto cognitivo, sensorial e afectivo no espectador.

    2.2. A recepção e o receptor cinematográficos

    Mais do que efetuar uma análise exaustiva da complexidade do fenómeno cinematográfico, pretendemossobretudo considerar o aspecto da recepção e da fruição do espectador. Esta fruição, além do “prazerfílmico” que autores como Searle referem como sendo um dos principais objectivos do cinema (enquantoarte e indústria), compõe-se também do potencial experiencial e da obtenção de dados cognitivos e

    emocionais através da vivência da obra, aspectos fundamentais para o receptor enquadrar-se como sujeitoindividual e social na cultura que habita. O cinema permite uma experiência intensa de mundos que sereferem direta ou indiretamente ao mundo real, com personagens, ações e eventos que, ainda que ficcionais,se assemelham a elementos da nossa realidade. A ficção e a narrativa no cinema permitem ao Homemexperimentar de forma atualizada mundos parecidos com o seu, identificar-se mais fortemente com personagens que representam certas categorias psicológicas e sociológicas da sua realidade, sem anecessidade de “defender -se” da verdade das suas premissas através da reflexão e, assim, deixando-se levarno ritmo emocional proposto pelo autor do texto fílmico. Este aspecto também contribui decisivamente paraque os processos de imersão, identificação e empatia entre receptor e obra sejam aumentados e levem oreceptor a uma experimentação profunda do universo ficcional. Com o baixar das defesas da consciência, eenvolvido num estado de “quase-sonho” (sobr etudo na sala de cinema, onde o principal foco de luz e atenção

    é o ecrã), o espectador é levado a uma espécie de “confusão momentânea entre realidade e ficção”(Schaeffer,  2002, p. 38), o que o leva a aprofundar o seu envolvimento com os elementos da narrativacinematográfica.

    Esta relação empática e penetrante do receptor cinematográfico com a obra não é inocente ou fruto do acaso.Casetti  (1989, p. 35)  refere que o autor de um filme, logo no momento da sua criação, “desenha” o seuespectador, designando-lhe um “lugar ” e o “trajeto” que terá de cumprir para juntar as pontas soltas datrama. A preocupação com a recepção e experimentação dos universos ficcionais nas narrativas fílmicas éintroduzida logo na fase inicial da sua expressão. A escolha dos pontos de vista com os quais se conta ahistória, o tipo de narrador utilizado, os planos, a fotografia, a direção de atores, a montagem, etc., tudoresponde em última instância aos objectivos que o criador cinematográfico institui com o “contar da história”

    e para o “receber da história”. O autor pretende, assim, sugerir um caminho de vivência da obra,estabelecendo um texto narrativo que cabe ao espectador decifrar, interpretar e utilizar.

    A propósito da noção de “obra aberta”, Eco (1976, p. 22) refere que “a obra de arte é uma mensagem

     fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante”. Esta

    ambiguidade, também no significante cinematográfico, é o elemento decisivo que determina a abertura deuma obra à recepção efetuada por cada espectador. O filme, enquanto obra explícita, mostra-se como umaabstração de teor artístico, que não pode ser encontrado na realidade e que propõe um mundo ou uma versão-do-mundo particular, submetidos a uma interpretação e experimentação por parte do receptor, que acompleta. Contudo, a importância da participação autoral não é colocada em causa, pois “o autor oferece, em

     suma, ao fruidor uma obra a acabar: (…) a obra levada a termo será, sempre e apesar de tudo, a sua obra,

    não outr a (…) pois ele substancialmente, havia proposto algumas possibilidades já racionalmenteorganizadas, orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvimento” (Eco, 1976, p. 62). A obra

    não deixa nunca de ser uma proposta de um autor, desenvolvida e definida pela sua criação e expressão, mas

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    reserva um papel participativo ao espectador para identificar na mesma significados, explícitos e implícitos,que constituirão a sua versão (interpretação) das intenções do autor e do universo por ele criado. Dá-se aquium cruzamento do que Jauss define como “horizontes de expectativas”, onde os objectivos do autor e as

    intenções do receptor são cruzadas neste jogo de interpretação: o do autor condiciona o do espectador e o doreceptor atua sobre o do emissor, completando-o. Cada obra torna-se um convite ao receptor para chegar auma resposta, depois da identificação e interpretação da pergunta lançada pelo autor, e dentro da abertura,

    ambiguidade e múltiplas interpretações e significações que a obra permite. O texto narrativo - entendidocomo o conjunto e as relações da história, do discurso, dos significados e dos códigos propostos - aporta asugestão de “um mundo possível e de um modo possível de alguém nele se orientar ” (Ricoeur, 2011, p. 122),

    colocando-se, deste modo, perante o uso criativo e ativo que o espectador fará dele.

    Ao colocarmos o foco de atenção no indivíduo e no modo como este efetua a recepção de um filme, teremossempre de considerar aqueles factores internos que interferem com a qualidade da sua experiência estética. No cenário desta intertextualidade da obra (interação entre o “texto” sugerido pelo autor e aquele

    reconstruído pelo receptor), a fruição desenvolve-se contextualizada num “ passado de múltiplas referências”(Lopes, 1996, p. 123), isto é, na história de vida que cada indivíduo apresenta até ao momento da suaexperiência receptiva. Este aspecto enquadra-se numa tríade de elementos que fazem parte da recepçãodesenvolvida pelo espectador: “a estrutura da obra, o sistema de referências e o projeto cultural do receptor

    (ou a sua ausência) e o cenário de interação onde se desenrola a apreensão da mesma” (Lopes, 2000, p.

    317). Além do enquadramento da recepção cinematográfica no passado cultural e individual do espectadorcomo condicionantes fundamentais para o tipo de resposta realizado, existe um lado não-consciente doindivíduo que interfere com o fascínio e impacto dos filmes de ficção narrativa. Com o cinema “ entra-se no

    reino do imaginário no momento no qual as aspirações, os desejos, e os seus negativos, os temores e

    horrores, captam e modelam a imagem, com o objectivo de ordenar, segundo a sua lógica, os sonhos, os

    mitos, as religiões, as crenças, as literaturas, ou seja, precisamente, todas as ficções. Mitos e crenças,

     sonhos e ficções, são os embriões da visão mágica do mundo. São eles que colocam em ação o

    antropomorfismo e o duplo. O imaginário é essa prática mágica espontânea do espírito que sonha” (Morin,

    1996, p. 96). Se esta projeção do imaginário do indivíduo, seja numa tela ou num ecrã, vai ao encontro do

    cinema como o reflexo e o concretizar de todas essas ficções, a recepção cinematográfica torna-se assim umimportante veículo para um conjunto de sentimentos e aspectos existenciais humanos que não encontramconcretização nem oferecem possibilidade de experimentação nas nossas vidas. Deste modo, consideramos ocinema como “catártico” segundo uma perspectiva aristotélica, mas recuperando também a noção

    nietzschesiana  do fenómeno artístico como “intensificação da experiência”, entendida como a implicaçãodireta e a adopção por parte do espectador de uma nova perspectiva sobre aquilo que é representação esignificado proveniente do filme e do seu autor. Ambos os fenómenos estão presentes e integrados na possibilidade de, através do cinema de ficção narrativa, viver heroísmos e ambições que o imaginário nãoconcretiza na realidade.

    Por tudo o que anteriormente referimos, o cinema, enquanto expressão artística mais complexa, reserva ao

    espectador um papel ativo, criativo e determinante na consideração da obra como experiência proposta porum emissor a um receptor. Ao atribuir uma perspectiva e uma visão sobre a pluralidade e ambiguidade domundo real, permite ao ser humano vivenciar ações e contextos e identificar-se e emocionar-se com personagens dentro dos universos ficcionais e narrativos; por outro lado, reflete e projeta de volta para oespectador aqueles sonhos e desejos não concretizados que alimentam o seu enquadramento e ambiçõesexistenciais. Devemos então, e para finalizar, considerar que direções se oferecem para o aproveitamento doenorme potencial do cinema na pragmática humana.

    2.3. Conclusão: entender a vitalidade do cinema

    Um filme de ficção narrativa, apesar de possuir uma duração limitada, não pára nunca de se transformarconsoante os processos de recepção que origina. O cinema promove versões-da-realidade ou universosficcionais e abstractos que o indivíduo pode e poderá sempre experimentar, concretizando a identificação

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    com e a vivência de aspectos que cumprem funções lúdicas, emocionais e cognitivas. Mas se o cinema possui esta capacidade excepcional de indagar aspectos da realidade sob novos prismas, de recuperar desejose sonhos recalcados, e de promover uma postura criativa e participativa do homem com possíveis realidades,de que forma o ser humano utiliza ou poderá fazer uso deste potencial? Para uma resposta a essa pergunta,avançamos com três conclusões essenciais:

    1. O cinema de ficção narrativa é um veículo para a saciedade afectiva individual e para a compreensão da

    realidade. Perante a existência de múltiplas perspectivas possíveis sobre a realidade, o cinema revela-se umaforma de indagar essa mesma realidade sob novos prismas, refletindo sobre o presente, atualizando o passadoe imaginando futuros. Ao viabilizar a projeção e concretização no filme de matérias do nosso imaginário(sonhos, temores, desejos) promove no indivíduo a saciedade de todas aquelas experiências não-cumpridasna sua vida. O espectador pode, assim, retirar elementos afectivos, cognitivos e empíricos das abstrações demundos que lhe permitem imaginar e sentir-se parte de outras possíveis realidades, identificando-se com personagens, ações e eventos que vive, durante o período de duração do filme, como se fossem uma extensãoda sua própria experiência de vida. Cruz (1992, p. 57) refere que “a arte nos transforma, nos faz diferentes,

    nos faz melhores, porque alarga os horizontes da nossa experiência do mundo”. O jogo entre os “horizontes

    de expectativas” de autor e de receptor possibilita, ao primeiro, ver a sua obra constantemente reactualizada,completada e transformada por novos processos de recepção, enquanto no segundo promove a percepção,interpretação e utilização de um novo ponto de vista sobre dados da realidade. A expressão de versõesoriginais ou imaginadas da realidade através do cinema imerge o espectador e leva-o a viver um mundo à parte, mundo esse que, no final, se revela habitualmente mais adequado ao mundo real humano do que aquiloque seria de prever. Deste modo, as histórias dos filmes inserem o indivíduo numa compreensão mais profunda da existência do Homem, dos seus problemas, dos seus sonhos, dos seus medos, e de soluções paramuitas das situações com que o homem se depara no seu quotidiano.

    2. O cinema de ficção narrativa promove a interação, a autonomia e a criatividade dos indivíduos e dos grupos sociais. Além de propor universos ficcionais que se referem, explícita ou implicitamente à realidade,o cinema de ficção narrativa promove histórias cujos símbolos se enquadram no posicionamento que certosindivíduos ou grupos adoptam face ao mundo real. Ao promover a reactualização de mitos intemporais sob

    novas formas (distintos personagens, eventos e contextos), permite veicular posturas e considerações sobre arealidade que estimulam comportamentos e o cumprimento de determinados valores e atitudes em relação àvida humana. Paulo Filipe Monteiro (1991) defende o papel da arte como um dos principais fornecedores desímbolos culturais na atualidade, servindo como base para conversas e gostos que alimentam relações entreos indivíduos e estão na origem do estabelecimento de determinados grupos. Este pertença aos grupos, aindaque dentro de uma lógica de mobilidade do indivíduo entre micro-grupos (resultante da variedade einstabilidade das crenças e gostos adquiridos), é um factor que contribui decisivamente para a vida social doindivíduo, buscando no Outro o reflexo e a extensão de determinadas experiências fílmicas partilhadas. Estavisão comum sobre determinados aspectos do real aumenta a confiança e as relações de amizade do Homem, promovendo uma mais sólida construção da sua identidade em convívio direto com o seu contexto e todos

    aqueles que dele fazem parte. Por outro lado, ao estimular o processo de identificação do espectador com oselementos narrativos, o cinema de ficção torna-se uma ferramenta de aquisição e prática da empatia,entendida como a capacidade de compreender a vida segundo distintas posturas face aos dados do mundoreal. A estimulação da empatia acaba também por promover uma maior capacidade de pertença a e demobilidade entre grupos sociais, permitindo mais claramente ao Homem aceder a distintas soluções para aambiguidade da realidade, de modo a enquadrar-se mais solidamente como ser individual e social nocontexto que habita.

    3. O cinema de ficção narrativa é uma ferramenta importante para a formação humana . Qual a razão paraque uma ferramenta artística como o cinema, que leva já mais de cem anos de História e muita teoriaelaborada sobre a sua fenomenologia, não seja utilizada de uma forma concreta e integrada em programaseducacionais e escolares? Várias razões poderão ser apontadas. A principal, no nosso entender, prende-secom a consideração das ficções e das narrativas como universos totalmente isolados da realidade, onde uma ponte entre os mundos ficcional e real é não só inverosímil como também perigosa. Em defesa do cinema de

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    ficção narrativa devemos comparar este género com o do cinema documental, forma de expressãocinematográfica mais popular e melhor aceite para fins educacionais e de estudo da realidade. Ficção edocumentário partilham, no cinema, a capacidade de analisar a realidade sob um ponto de vista original, deindagar aspectos do mundo real e organizá-los de acordo com um discurso que transmite a visão de um autorsobre determinado(s) assunto(s.) Este elemento comum vem algo em contra da opinião de que o cinemadocumental é um fiel reprodutor da realidade; na verdade, e tal como a ficção, um documentário é sempre

    constituído por um ponto de vista autoral que escolhe os elementos a expressar e a sua forma de expressão(personagens, eventos, planos, montagem, etc.). O ponto de vista de qualquer filme nunca é objectivo, talcomo não o é qualquer perspectiva que possamos desenvolver sobre a realidade. Desta forma, e naimpossibilidade de uma visão “verdadeira” do real, torna-se irrelevante falarmos de ficção ou documentário para uma ponte direta entre filme e realidade, uma vez que ambos terão de obedecer a critérios deverosimilhança e referência ao real, construídos a partir da capacidade de reflexão e utilização dos dados dofilme por parte do receptor. Por outro lado, e através da possibilidade de imaginar mundos e alternativas àrealidade, a ficção narrativa cinematográfica permite uma maior liberdade (em comparação com odocumentário) para aventurar hipóteses e soluções para problemáticas da realidade, para alimentar o herói, osonho, o desejo e a ambição que o Homem guarda dentro de si sem o mostrar. A ficção narrativa recuperamitos e histórias que moldam os nossos objectivos, projeta nos personagens e eventos do filme o que nos

     preocupa e o que nos apaixona, sem falsas transparências ou consequências diretas na realidade, masfornecendo dados passíveis de serem analisados e utilizados à luz do mundo real.

    Tendo em consideração todas as vantagens do cinema de ficção narrativa apresentadas até agora, concluímoscom a ideia de que a utilização da arte como complemento às ciências será sempre o melhor modo deobtermos um conhecimento mais completo do real e os meios necessários para o aprendermos eapreendermos. A vida humana não se reduz apenas a técnicas, teorias, números ou palavras, mas também àcapacidade de percepção e interpretação de elementos sensitivos, emocionais e afectivos que tão eficazmentenos distinguem de outros animais. Se é verdade que o homem vive com o intelecto, também é verdade quevive com emoção, e esta emoção pode e deve ser tão valorizada e entendida como as capacidades racionais.Deixar espaço para a polissemia e para a individualidade na sala de aula constituirá um passo fundamental

     para repor a autonomia, a criatividade e a postura ativa do Homem, combatendo por outro lado uma certa passividade e alienação que afectam as sociedades contemporâneas. A aposta educacional no cinema deficção narrativa (e na arte em geral) será um passo decisivo para que formemos pessoas capazes deinterpretar, assimilar e utilizar criteriosa e criativamente os códigos e os dados cognitivos e sensoriais queobtenham da(s) realidade(s), contribuindo de forma ativa para a evolução do conhecimento e da própriahumanidade. Por isso, e tal como Eco (1976, p. 148), terminamos questionando “ se a arte contemporânea,

    educando para a contínua ruptura dos modelos e dos esquema s (…) não poderia representar um

    instrumento pedagógico com funções libertadoras: e nesse caso seu discurso iria além do nível do gosto e

    das estruturas estéticas, para inserir-se num contexto mais amplo, e indicar ao homem moderno uma

     possibilidade de recuperação e autonomia”. 

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