Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo
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Os Sonhos LúcidosViagens conscientes da alma ao outro mundo
Coletânea de artigos publicados em sites e revistasPor Cleber Monteiro Muniz
Índice:
In trodução
Par te I - A consciência on írica
O que é uma exper iência on ír ica conscien te?
Sobre os motivos de não discern irmos que estamos em sonho
O estado não usual da consciência extra-vígi l
Você pode fi car conscien te duran te o sonho
A ver i fi cação das leves a l terações consci en t ivas no sonho
A real idade do mundo dos sonhos nos tempos an t igos e hoje
Par te II – Atravessando lucidamente o por ta l dos sonhos
O problema da dinâmica usual do sono e de como superá-la
Como l idar com os sinais que an tecedem uma exper iência onír ica conscien te
A técn ica do relaxamento vigi lan te
Par te III – Reconhecendo o sonho enquan to o sonho acon tece
A percepção consci en te dos t r aços on íricos sut is
O reconhecimento da r eal idade in tr a-on írica durante o sono
O discern imento pela memór ia r esidual
Par te IV – Exerci tando o discern imento e testando a r eal idade
Cuidados na educação da a tenção vígi l (Educação Psíquica para o Desper tar In tra-
Onír ico)
O presen te como por ta para a r ealidade on ír ica natural
A Tendência de Buscarmos um Ar t i ficia l "Algo Mais"
O descondicionamento dos parâmetros observacionais
A sín tese de indicadores de r eal idades opostas na observação das cenas ci r cundan tes
A ampliação do sen t ido de r eal idade que nos permite superar o cet icismo un i lateral
Transcendendo a preocupação com a concretude
Par te V – Paral isia do sono
A paral isia do sono e o sonho lúcido
A superação da paral isia corporal por meio da imaginação conscien te
Par te VI - Exper iências espir i tuais e sonhos lúcidos
A viagem conscien te ao mundo on ír ico como exper iência r el igiosa
As exper iências on íricas consci en tes como meio adicional de invest igação dos con teúdos
ctôn icos
Sonhos lúcidos e medi tação
Or ientações prát icas:
Reflexões e conselhos úteis r elacionados com o t r abalho de a t ivar a consciência den tro
dos sonhos e/ou duran te a vigí l ia
Introdução
Apresento aos leitores um conjunto de artigos meus,
publicados em sites e revistas há vários anos, os quais procuraram
detalhar a dinâmica do sonho lúcido, esta estranha modalidade de
sonhar em que a consciência se mantém ativa, julgando e
discernindo com plena noção o que se passa. São textos que foram
escritos em tempos diferentes de minha vida, refletindo o avanço de
minhas experiências com a modalidade lúcida de sonhar.
Os artigos estão orientados predominantemente para a prática,
embora também realizem incursões no terreno da exploração
teórica. A intenção ao escrevê-los foi tornar a experiência acessível
a todos os que a buscassem, fornecendo orientações e auxilio na
superação de dificuldades. Para melhor compreensão, procurei
agrupar os artigos em forma didática, de acordo com os temas, e não
na ordem cronológica em que foram escritos. As normas técnicas de
citação variaram de um artigo para outro, conforme as exigências
das publicações originais.
Agora, que este livro possa deslocar-se através do tempo e do
espaço, e que cumpra com o objetivo para o qual as mensagens
foram escritas !
Parte I
A consciência onírica
O que é uma experiência onírica consciente?Por Cleber Monteiro Muniz em 25/08/2001
Uma exper iência onír ica consc iente é um t ipo especial de sonho: aquele
no qual a pessoa que dorme compreende que está sonhando.
Também conhecida como sonho lúcido, a exper iência onír ica
consciente (E.O.C.) vem sendo cult ivada em muit as culturas ao longo da
histór ia. Os povos ant igos, pr imit ivos e orientais, bem como certos grupos
religiosos atuais, desenvo lveram muit as formas de alcançá-la.
Normalmente, o ego sonhador não sabe que sonha e toma as cenas
onír icas como se fossem do mundo exter ior. Em um sonho lúcido, essa
confusão não existe.
A consciência humana tem o poder de despertar intra-onir icamente, ou
seja, de fazer com que acordemos dentro de um sonho.
Aqui, a palavra "sonho" é usada para designar as vivências que temos à
no ite, enquanto estamos dormindo na cama, e das quais a lgumas vezes nos
lembramos quando acordamos pela manhã. Não estaremos ut ilizando essa
palavra como sinônimo de "devaneio","ilusão" ou "algo que não existe" mas
para des ignar o contato direto com o mundo imaginal.
Todos temos um mundo interno, feito de imag inações, anelos e desejos.
Esse mundo interno é psíquico e energét ico. Não é denso e fixo como o
mundo externo porém é, à sua própr ia mane ira, concreto e real.
Quando adormecemos, as percepções do mundo exter ior cessam e
adentramos ao nosso reino inter ior. As vivências nesse reino são os chamados
sonhos.
Infelizmente, quase sempre via jamos através do mundo onír ico
inconscientemente e não percebemos que estamos em um mundo paralelo ao
vígil.
Quando aprendemos a exercitar corretamente a nossa consciência, isto
é, o fator psíquico que nos permit e prestar atenção e nos manter em alerta
natural, podemos viajar pelos mundos inter iores com plena lucidez. Isso é
muito melhor do que ter alucinações por drogas ou por indução hipnót ica.
A consciência educada para manter a lucidez durante o sono nos
proporciona vivências e sensações incr íveis:
1) Podemos assimilar informações depositadas em nosso inconsciente e
passar por exper iências arquet ípicas. Temos muito conhecimento depositado
no inconsciente. A consciência intra-onir icamente desperta pode t razer esse
conhecimento à existência víg il.
2) O medo da morte diminui. O espectro da morte é resignificado
quando nos descobr imos íntegros e vivos enquanto nosso corpo fís ico dorme
na cama.
A exper iências onír icas conscientes são, antes de tudo, exper iências
humanas. Algumas vezes assumem a forma de exper iências religiosas ou
esotéricas mas, antes disso, são exper iências psico lógicas. Por esse mot ivo,
nenhum cient ista deve ter preconceito com relação às mesmas e nem rechaçá-
las.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias
Sobre os motivos de não discernirmos que estamos em sonhoPor Cleber Monteiro Muniz
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or
T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .
Possuímos um cet icismo tão poderoso em relação à existência concreta
de um mundo onír ico em nosso inter ior que quando estamos dentro do
mesmo, e disso desconfiamos, a so lidez numinosa das cenas vistas nos faz
crer que estamos "do lado de cá" da nossa vida.
Temos a idéia, mais ou menos inconsciente, de que não há um mundo
onír ico concreto e análogo ao físico dentro de nós. Essa forma de pensar é
tão arraigada que, quando alcançamos em sonho a auto-indagação sobre onde
estamos, a resposta quase sempre é a mesma: "Estou no mundo fís ico". Isso
ocorre porque for jamos uma resposta condic ionada sem o perceber ao invés
de buscá- la cuidadosamente nos elementos onír icos presentes, deixando que o
mundo dos sonhos nos dê a resposta.
O fato de estarmos diante de uma concretude numinosa é considerado
por nossa consciência imatura como uma prova incontestável de que o mundo
em que estamos é o exter ior. Isso der iva do cet icismo em relação à
possibilidade do mundo dos sonhos ser, à sua maneira, verdadeiro e concreto
e da concepção de que a sensação ident ificadora do que é não-ilusór io seja
exclusivamente proporcionada pelo mundo exter ior. É importante fr isar bem
isso: o mundo onír ico é real à sua própr ia maneira, ou seja, enquanto um
universo fantást ico e imag inal dentro do homem e não à maneira do mundo
fís ico ser real. I sso é diferente de afirmar que as ocorrências onír icas sejam
parte integrante do mundo externo. Semelhante idé ia ser ia absurda uma vez
que desde o ponto de vista esclusivamente extrovert ido os sonhos são
realmente abstratos. Entretanto, desde o ponto de vista psíquico eles são
concretos porque a psique é composta por energias e as energias não são
abstratas. Elas existem e são o componente dos processos imaginais. Saiani
(2000, p. 89) afirma que "a matéria e a psique são passíveis de uma
interpretação energética." Entendo que não se pode considerar o energét ico
abstrato pois isso implicar ia em desconcret ização de ondas. Se levássemos
essa linha de pensamento avante, teríamos que atr ibuir um caráter abstrato a
qualquer outra forma de energia de frequência ou intensidade inacessíve is aos
nosso padrões mensuratórios.
O fator concretude é inadequado enquanto cr itér io diferenciador do
plano da existência no qual estamos em um dado momento. Não obstante, é
quase sempre usado pelo ego, equivocadamente, como cr itér io de
discernimento entre o que é fís ico e o que é onír ico. A tentat iva de
reconhecimento do teor onír ico/fís ico de uma cena percebida por via direta
em geral é feita tendo-se por base a concretude da mesma: se for concreta e
nít ida a consideramos externa, pressupondo, mais ou menos
subconscientemente, que se a cena fosse int erna ser ia "abstrata". Acreditamos
que estar dentro de um sonho é estar envolto por névoas e imagens "virtuais",
às vezes t ransparentes, como se o contexto intra-onír ico fosse menos que o
nada.. .
O equívoco desse cr it ér io consiste no fato de que o mundo onír ico é tão
concreto quanto o físico, apesar de suas peculiar idades no que se refere a leis
e pr incípios que regem a lógica dos acontecimentos. Os processos onír icos
não seguem a mesma lógica dos processos físicos. A matér ia onír ica, por
exemplo, é altamente plást ica e se modifica incessantemente a part ir dos
impulsos conscientes e inconscientes de pensamento e sent imento, fazendo
com que os objetos psíquicos alterem a forma repent inamente. Mas isso não
significa que tenham existência ilusór ia.
As percepções int ernas durante o sono são tão nít idas e numinosas
quanto as externas, razão pela qual a nit idez e a concretude dos objetos que
circundam o ego jamais devem servir como elemento diferenciador e
proporcionador do discernimento nesse campo.
Os elementos componentes do universo dos sonhos são energét icos.
Como, durante o sono, nossa consc iência é pura energ ia (po is ao dormir
abandonamos temporar iamente a existência consciente sob a forma mais
densa), vibramos no mesmo níve l de concretude das imagens inter iores, razão
pela qual elas se nos apresentam como palpáveis. A sensação de tocar objetos
só lidos e sent ir seu cheiro e sabor em sonhos é autênt ica e advém dessa
afinidade vibracional. Nela reside a or igem do impacto numinoso das
endopercepções.
Pelo mot ivo refer ido, é incoerente tomar a nit idez das percepções dos
objetos onír icos e/ou sua concretude como cr itér io diferenciador dos nossos
universos para lelos, sejam e les pessoais ou t ranspessoais. O universo inter ior
acessado durante o sono é tão concreto quanto este. O que ocorre é que
existem concretudes relat ivas: quando a consciência está em afinidade
vibratória com o mundo exter ior, seus objetos lhe parecem concretos; quando
ela vibra em sintonia com o mundo onír ico, seus elementos lhe parecem
só lidos.
Isso se explica pelo fato de possuirmos em nossa const ituição vár ios
graus de condensação da energia: há em nós uma porção mais densa e uma
mais sut il. À densa chamamos corpo fís ico e à sut il psique. A sut ileza ou
densidade o são apenas em relação ao seu oposto. O que é abstrato em um
níve l vibracional da consciência não o é em outro. Por isso os loucos gr itam
desesperadamente e os pesadelos nos aterrorizam, na hora em que acontecem.
Os objetos só lidos do mundo exter ior são agregações energét icas cuja
int ensidade centr ípeta é sufic iente para provocar peso e dureza. Algo similar
ocorre em outros níveis de consciência com as energias psíquicas.
A consciência que está no corpo é parte de sua const ituição energét ica.
Ela possui elast icidade e var iabilidade vibracional, indo da sintonia com
agregações densas de energia até a sintonia com agregações ult ra-sut is, as
quais são consideradas, de um ponto de vista usual e externo, como
desagregações. Como quase todos nós, ocidentais, somos, inconscientemente
e numa certa medida, mater ialistas, por nos polar izarmos vio lentamente na
extroversão, quando estamos em outra dimensão de nossa vida não
acredit amos nisso. Nos acostumamos a duvidar da existência de outros
mundos paralelos ao vígil.
O cet icismo arbit rár io com relação à existênc ia de um verdadeiro
mundo inter ior é, portanto, um dos motivos pelos quais o ego não alcança
discernir que está na dimensão desconhecida durante o sono.
Outro motivo é a fascinação. Em nossa vida consc iente, nos
condicionamos a viver fascinados por todos os elementos externos e a nos
esquecer de nós mesmos. Em virtude disso, a tendência de fascinar-se
enraizou-se demasiadamente em nossa cultura e em natureza psíquica.
Quando dormimos e nos deparamos com elementos denunciadores de que
estamos sonhando, como certos acontecimentos impossíve is que desafiam a
lógica t r idimensional (elefantes arbor íco las, ratos que cantam heavy metal
etc.), nos fascinamos pelos mesmos e nos esquecemos de observar os objetos
que fazem parte da cena onír ica que nos rodeia à procura de fatores de
diferenciação que possam nos proporcionar de modo inequívoco o
reconhecimento da dimensão em que estamos. Ao invés de observar os
elementos internos mantendo a recordação de nós mesmos, sem nos
fascinarmos, nos ident ificamos com eles. Trata-se de uma dist ração: ficamos
dist raídos com os acontecimentos inter iores e nos esquecemos de discernir.
Temos uma consc iência egó ica, adormec ida, anestesiada e insens ível
para os fenômenos sut is que fazem parte de nossa const ituição interna e por
isso não são muitas as pessoas que alcançam um despertar intra-onír ico.
Referência bibliográfica:
SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma análise da relação
professor/aluno. Pr imeira ed ição. São Paulo: Escr ituras, 2000.
O estado não usual da consciência extra-vígil(cap. III de "A Exper iência Onírica Consciente: Viagens da Consciência ao Mundo dos Sonhos" –
mon ografia apresentada para conclusão d o curso de especia l i zação em Aborda gem Junguiana pe la
COGEAE da PUC-SP em 2001 e or ientada pe la Profa Dra Noel i Montes Moraes)
Por Cleber Monteiro MunizA divul gação l ivre des te ar t igo é autor izada desde que ci tado o autor
Texto regi s t rado. Não o plagie para não sofrer as penalidades da l ei .
Estar desperto dentro de um sonho (no sent ido literal da expressão) é
estar em um estado não-usual de consciênc ia. A modalidade de discernimento
e alerta que se tem durante sonhos lúcidos é pouco comum na sociedade em
que vivemos, não é muito freqüente. Para a maior ia das pessoas ser ia um
estado de consciência alterado, modificado.
Para alguns estudiosos, o funcionamento consciente usual, aquele que a
maior ia das pessoas possui no estado normal de vig ília, não é o único
existente. É o que afirmou Willian James em uma obra conhecida por muitos
( apud Capra, 2000):
"Nossa consciência normal do estado de vigília - a consciência
racional, como a denominamos - constitui apenas um tipo especial de
consciência, ao passo que, ao seu redor, e dela afastada por uma película
extremamente tênue, encontram-se formas potenciais de consciência
inteiramente diversas" (p. 31, gr ifo meu) .
Além do funcionamento consciente normal da vigília, ou seja, aquele
que se tem quando o corpo fís ico está acordado, o ser humano possuir ia, em
estado latente, outras modalidades de despertar. Essas modalidades de
consciência ser iam extra-vígeis, presentes nas horas em que o homem não
est ivesse acordado. Obviamente, se não correspondem à consciênc ia de
vigília , tudo indica que James se refere a uma consciência durante o sono.
Exper iências consc ientes nas quais se ult rapassa o mundo
tridimensional ser iam conhecidas pelos míst icos do oriente, os quais
"parecem estar em condições de atingir estados não-usuais de consciência
nos quais transcendem o mundo tridimensional da vida cotidiana de modo a
experimentar uma realidade mais elevada, multidimensional. Assim,
Aurobindo refere-se a ‘uma mudança sutil, que faz com que a vista veja numa
espécie de quarta dimensão’." (Capra, 2000, p. 133, gr ifo meu). O mundo
t ridimensional não ser ia o único passíve l de exper imentação consciente.
Outros níve is dimensionais também far iam parte da realidade e poder iam ser
acessados pela consciênc ia alterada. Poder íamos inclu ir aqui o mundo onír ico
pelo fato dele não ser t ridimensional: seus e lementos componentes não
possuem, desde um ponto de vista fís ico e externo, as caracter íst icas que
chamamos largura, altura e comprimento. As imagens noturnas não podem ser
medidas em cent ímetros ou pesadas. Entretanto elas são reais po is estão vivas
dentro de nós.
O homem possuir ia recursos internos para acessar o que não pode ser
visto, ouvido, tocado e palpado com o corpo fís ico pois suas "experiências
multidimensionais transcendem o mundo dos sentidos" ( idem, p. 228), ou seja,
conduzem ao contato com o que está além do nosso universo sensor ial. As
figuras arquet ípicas que surgem em sonhos possuem formas e, algumas vezes,
cores. Há, nos sonhos uma forma de "visão psíquica" que nos permit e
descrever as caracter íst icas morfo lógicas das imagens com as quais
sonhamos. Porém, bem sabemos que esse t ipo de visão não pertence aos cinco
sent idos externos. Ela os t ranscende e, não obstante, ainda assim pertence ao
ser humano po is está presente nos relatos onír icos.
Refer indo-se a estados não-usuais de consc iência em culturas
pr imit ivas, ant igas e abor ígenes, Grof nos diz que nelas "existe a idéia de que
esta realidade visível não é a única existente, há outras realidades paralelas
onde existem espíritos, demônios, elementos arquetípicos ou mitológicos,
entidades encarnadas, animais de poder e assim por diante" . Essas culturas
não conceber iam como aberrante ou absurda a idéia de que o mundo
fantást ico é, à sua maneira, real. Parale lamente à realidade vis ível, haver ia
uma realidade invis ível que poder ia ser acessada conscientemente (atente-se
para o fato de que o estudioso está se refer indo a estados de consc iência e
não de inconsciência; ele não está t ratando de processos que se dão sem a
presença da lucidez). Tal realidade corresponder ia ao mundo imagina l e
poder ia abranger também seu lado onír ico pois ser ia habit ada por entes
arquet ípicos fantást icos e mito lógicos, os quais sempre surgem em sonhos.
Corroborando essa visão, Harnisch (1999, p.7) afirmou que "os índios
da América do Norte consideravam os sonhos como visões de uma outra
realidade, que para eles traçava um paralelo com o seu mundo desperto . De
uma forma parecida compreendiam-se os sonhos na China. Atribuía-se-lhes
uma uma elevada qualidade vivencial e estes eram vivenciados com uma
intensidade tão extraordinária que as pessoas se perguntavam: qual será
pois a verdadeira realidade: o sonho ou aquilo que que se vivencia no estado
de vigília?" (gr ifo meu)
Nessas culturas, o universo dos sonhos e o universo vígil são paralelos.
Cada um desses universos é real à sua maneira.
Ao empreender uma descida consciente às profundidades do oceano
inter ior, o homem penetrar ia em um mundo real, verdadeiramente existente,
embora sob outra forma. A esse respeito, Jung (1984) escreveu:
"É muito dif ícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato
imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a
procura. Ela existe, embora não sob uma forma f ísica. Ë um preconceito
quase ridículo supor que a existência só pode ser de natureza corpórea
[ física] . Na realidade, a única forma de que temos conhecimento imediato é a
psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência f ísica é pura dedução
uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens
psíquicas, transmitidas pelos sentidos." (p. 14)
A existência psíquica ser ia real e válida como a fís ica e talvez até
mais. Conclui-se, por extensão, que adentrar a uma cena onír ica
conscientemente é adentrar a um mundo fe ito de imaginação mas nem por
isso menos verdadeiro. A realidade imaginal int erna é parale la à externa.
Nas já mencionadas culturas ant igas e pr imit ivas são "criados espaços
para que (. . .)[as exper iências em estados de consciênc ia não-usual] possam
ser vivenciadas com segurança e métodos para se desenvolverem com
intensidade. Nesses estados alterados de consciência é que nascem a rica
mitologia e a espiritualidade daqueles povos. Estados não-usuais de
consciência são utilizados por culturas ancestrais para ( . . . ) [a realização de]
coisas práticas e corriqueiras tais como encontrar objetos ou pessoas
perdidas ou para localizar rebanhos de animais a serem caçados, inclusive
elas desenvolveram cerimônias para aumentar ainda mais a capacidade de
modif icar a consciência, com objetivos bastante práticos." (Grof, 2000, s/p).
A rea lidade invisível ser ia acessada conscientemente e esse acesso estar ia
fortemente ligado ao cot idiano prát ico e concreto desses povos, os quais
teriam inclusive aperfeiçoado r itos para intensificá-lo e nele minimizar a
exposição a possíveis per igos. A consciênc ia assim alterada ter ia uma
utilidade no mundo t ridimensional: caça e localização de pessoas perdidas.
Ela não servir ia a uma fuga da realidade externa mas a completar ia. O
universo mít ico brotaria de seu seio e por ele os homens se orientar iam.
Entretanto, haver ia em nossa cultura uma limitação que a tornar ia
avessa a tais exper iências e a levar ia a tomá-las como estranhas:
"Nós não apenas patologizamos estas práticas como também proibimos
a utilização de substâncias ou cerimônias que possam levar à mudança de
estados da consciência. Por exemplo, dentro da psiquiatria saxônica não há
uma distinção clara entre misticismo e estágios psicóticos. Em geral, esta
diferença de visão de mundos entre as sociedades tradicionais e a nossa
sociedade industrial/ocidental é explicada pela ‘superioridade f ilosóf ica’ da
nossa visão ‘limitada’ de mundo. Depois de trabalhar 40 anos nessa área do
conhecimento, minha opinião sobre isso é que esta diferença de visão de
mundo tem mais a ver com a enfermidade e com a ignorância da ciência
ocidental em relação aos estados não-usuais de consciência." ( idem)
Assim, nossa dificuldade em lidar com esses estados se dever iam a
bloqueios culturais fortes, relacionados com a possessão colet iva por
complexos de super ior idade e que exerceria seus efeitos pr incipalmente sobre
a ciência, aliada à uma atrofia r itualíst ica. A incapacidade, presente na
ciência em moldes eurocêntr icos, de diferenciação entre a exper iência míst ica
e os estágios psicót icos ser ia decorrente desse estado enfermo e da ignorância
ocidental com relação a formas de consciênc ia presentes em culturas ant igas,
pr imit ivas e or ientais e aos meios de se desenvo lvê-las. A ausência de espaço
na modernidade para o cult ivo prát ico e alternat ivo da consciência ter ia
ocasionado uma atrofia dos seus estados não-usuais em modo não-patológico
e estabelecido entre nós e outros povos um abismo. Em virtude desse abismo,
não ser ia possível a correta comunicação de certas exper iências po is os
relatos de teor extra-sensor ial (tais como apar ições de entes fantást icos ou
viagens a outros mundos) ser iam vistos por nós como manifestação de
ignorância pura e simples. Ao invés de considerarmos cuidadosamente tais
manifestações desde o mesmo ponto de vista cultura l que as or igina, como
corresponder ia a uma postura legit imamente cient ífica, impor íamos na
abordagem das mesmas nossa visão de mundo, nos esquecendo de que a
realidade não se adapta aos nossos capr ichos teóricos. Ser íamos surdos e
cegos para certas exper iências psíquicas pelo fato de não as enxergarmos tal
como são mas sim como nos parecem. Ao abordá-las, ver íamos nelas apenas
os nossos própr ios pontos de vista. A ciência ocidental relutar ia em
reconhecer que a espir itualidade é "algo importante e profundo, (. . . ) parte da
psique humana e não apenas uma questão de falta de educação científ ica"
( ibidem).
Essa confusão a respeito da natureza de certas exper iências conscientes
transcendentais preservadas e aperfeiçoadas em outras culturas at ravés dos
sécu los se dever ia à limitação do alcance do nosso intelecto:
"Quando se trabalha com estados não-usuais de consciência,
começamos a entender melhor esta confusão e vamos chegar ao que Jung já
havia descoberto há anos: o intelecto é parte da psique e esta é cósmica,
abriga tudo o que existe. Não podemos entender, com o intelecto, como
funciona a psique de uma outra pessoa (. . .) ." (Grof, 2000, s/p)
A abordagem exclusivamente intelectual ser ia um obstáculo que
dificultar ia a compreensão do funcionamento psíquico de alguém. E, parece-
me, isso é sobremaneira válido no caso desse alguém pertencer a um contexto
cultural completamente adverso ao nosso. Por abr igar tudo o que existe no
universo, a psique precisa ser abordada também sob pr ismas não-int electuais.
Isso não significa que o intelecto seja inút il mas parcial. À abordagem
intelectual, dever-se- ia acrescentar outras que na sociedade atual não são
ut ilizadas. Se buscamos a totalidade, não podemos ader ir teimosamente a
apenas alguns instrumentos cognit ivos. Entre as abordagens válidas está a
simbólica, com sua via analógica que nos permite conceituar e expressar
int electualmente aquilo que é inacessíve l à mente racional. A metáfora é a
ponte entre o compreensível e o incompreensíve l e nos permite a comparação.
Uma demonstração ana lógica torna o obscuro menos incompreensível.
Para Jung (1984) a extroversão excessiva dos dias atuais levar ia a uma
negligência para com os acontecimentos internos, inclusive dentro da ciência.
Ele nos diz que o "preconceito, muito difundido, contra os sonhos, é apenas
um dos sintomas da subestima muito mais grave da alma humana em geral.
Ao magníf ico desenvolvimento científ ico e técnico de nossa época,
correspondeu uma assustadora carência de sabedoria e introspecção. É
verdade que nossas doutrinas religiosas falam de uma alma imortal, mas são
muito poucas as palavras amáveis que dirige à psique humana real; esta iria
diretamente para a perdição eterna se não houvesse uma intervenção
especial da graça divina. Estes importantes fatores são responsáveis em
grande medida – embora de forma não exclusiva – pela subestima
generalizada da psique humana." (pp.18-19). Embora t ivéssemos grande
desenvo lvimento técnico, teríamos grande atraso introspect ivo. Haver ia uma
aversão bem difundida contra as viagens do ego às vast idões profundas do si
mesmo e isso decorrer ia da ignorância a respeito da natureza da alma. Nem
mesmo as nossas religiões ser iam capazes de preencher essa lacuna. Haver ia
uma subest ima da psique e um preconceito contra os sonhos. Os sonhos
lúcidos não ser iam, portanto, cult ivados ou vistos com bons o lhos em nossa
sociedade.
Entretanto, nos dias atuais a ciência estar ia se abr indo para a
possibilidade de se desligar a consciência dos órgãos sensor iais externos e
transpô- la para além dos mesmos, mas essa abertura ser ia ainda incipiente
(Grof, 2000):
"A tanatologia vem estudando casos de cegueira congênita, em que as
pessoas que viveram experiências fora do corpo descrevem o que acontece na
sala de operações ou em outros locais e, quando voltam, descrevem o que
viram, as explicações são conf irmadas, só que quando retornam ao corpo
f ísico, continuam cegas como antes. Estas experiências continuam sendo
negadas pela comunidade científ ica." (gr ifo meu)
As pessoas invest igadas ser iam cegas. Não ter iam, portanto, o poder da
visão externa mas, durante cirurgias, visualizar iam os acontecimentos da sala
de operações em que estavam e até acontecimentos fora dela e isso ser ia
passível de confirmação. As imagens obt idas sem o recurso dos olhos ser iam
comparadas às realidade vis ível e haver ia uma correspondência entre ambas:
de alguma maneira os pacientes saber iam o que se passava nas imediações. O
fato dessa percepção não-usual acontecer em salas de operações sugere que a
pessoa estar ia dormindo ou desmaiada exper ienciando, provavelmente, uma
modalidade não-usual de sonho.
Algumas pessoas com maior apr imoramento intelectual ser iam
especialmente sensíveis a ponto de perceberem outras realidades
conscientemente. A exper iência que Grof teve "principalmente com pessoas
que têm grande treinamento científ ico e f ilosóf ico e que têm Q.I. muito
desenvolvido, (. . . )[foi] que estas, quando em trabalho com estados não-
usuais de consciência, entram em contato com experiências espirituais e
místicas. E elas, não podendo negar a realidade espiritual, começam a se
interessar pelas tradições místico-religiosas, tanto no oriente quanto no
ocidente." ( ibidem, gr ifo meu). Não ser iam apenas pessoas pertencentes a
culturas ágrafas ou "atrasadas" que exper ienciar iam conscientemente as
realidades paralelas, entre as quais podemos inclu ir a dimensão onír ica. Isso
parece reforçar ou suger ir a idéia de que o funcionamento consciente que
consideramos não-usual é arquet ípico e está latente mesmo nas pessoas
ocidentais e int electuais. Para que ele se desenvo lvesse, precisar ia ser
contatado e at ivado. O aperfeiçoamento cient ífico-filosó fico e a inteligência
não o excluir iam. O que o excluir ia ser ia o preconce ito, o qual result ar ia em
negligência e impedir iam o seu cult ivo. Não obstante, o próprio Grof, um
cient ista que teve formação mater ialist a em um país do leste europeu,
afirmou t ranscender conscientemente os limites do corpo físico sob efeito do
LSD. Refer indo-se a uma exper iência feita na clínica em que t rabalhava, o
estudioso relatou:
"Quando estava no ponto máximo do experimento, no ponto mais
intenso do efeito daquela substância, eles me chamavam, para que se f izesse
a experiência do monitoramento das [minhas] ondas cerebrais. Deitado com
uma luz estetoscópica na minha frente, de repente me senti como que no meio
de uma explosão atômica. Hoje analiso que o que eu vivi mesmo, naquele
momento, foi a luz inicial da minha consciência, que foi catapultada para
fora do meu corpo.. . e em um instante ‘eu’ saí da clínica, saí de Praga e saí
para fora do planeta. Minha consciência era o ref lexo de tudo que existia no
universo. E aumentando a intensidade da experiência com o aparelho, fui
voltando ao meu corpo f ísico." ( ibidem)
Esta exper iência apresenta conteúdos semelhantes aos de certas
exper iências em medit ação e de um sonho t ido pelo própr io Jung (1963) no
qual ele nos relata ter voado até deixar o planeta Terra e vê-lo das alturas. É
int eressante notar que a exper iência de Grof apresenta o abandono temporár io
das percepções sensor iais corporais pela consciência, po is do contrário a
mesma não poderia ter sido lançada para fora do corpo físico, da clínica e da
capital da ant iga Tchecoslováquia. Ser lançado para fora de algo é deixá-lo e,
por isso, entendo que a consciência deixou as funções sensor ia is externas do
corpo fís ico. Obviamente, isso não ser ia possíve l sem que este, no decorrer
da exper iência, perdesse o estado vígil. Caso contrár io não se dir ia que a
consciência "saiu do corpo".
Quando dormimos em situações comuns, sem recursos químicos
adicionais, e adentramos às regiões onír icas, as percepções externas cessam,
nos casos em que não há sonambulismo, do mesmo modo que na exper iência
de Grof. Evidenciamos, assim, que o abandono do corpo físico pela
consciência é um ponto comun às exper iênc ias mencionadas. Quando
adormecemos, deixamos de perceber muitas co isas que se passam conosco:
que estamos deitados, mal posicionados, que temos saliva escorrendo pela
boca, que roncamos etc. Provavelmente, ninguém negar ia que durante o sono
as funções sensor iais externas ficam muito reduzidas e que na morte elas
param. O relato de Grof parece ser um caso de exper iência onír ica consciente
sob o efeito da droga.
Essa atuação da consciência dentro do sonhos e relat ivamente desligada
dos sent idos corporais pode irromper durante certos pesadelos
(Sanford,1988):
"A participação da consciência num sonho é responsável pelo fato de
as pessoas dizerem às vezes que despertam dos sonhos pela própria vontade,
especialmente quando se tornam aterrorizadores. Às vezes ouvimos das
pessoas: ‘Eu disse para mim mesmo para despertar, e o f iz’." (p. 56)
Essas pessoas dir iam a si mesmas, pr incipalmente durante sonhos
terríveis, que dever iam despertar e usar iam isso como recurso para sair da
cena onír ica indesejável. Para que o ego chegue ao ponto de dizer isso para si
mesmo, é preciso que e le tenha o discernimento de que está dormindo.
Ninguém afirmar ia que precisa acordar se não compreendesse que sonha.
Essa modalidade especia l de consciência ser ia uma var iante da
capacidade de inter fer ir conscientemente no conteúdo dos sonhos,
programando-os previamente. Isso facultar ia ao ego a chance de modificar
sua forma de reagir ao contato dos elementos onír icos, desde que este não
tentasse impor seus capr ichos ao inconsciente. Ao modificar as reações no
sonho, a pessoa poder ia adquir ir exper iências novas:
"Uma das variações do sonhar programado chama-se ‘sonhar com
lucidez’. Convida-nos a nos tornarmos ‘despertos’ no sonho ou, por outras
palavras, a sermos capazes de reconhecer, no sonho, que estamos sonhando.
Dizem que isso nos capacitaria a redirecionar nossos sonhos. Se
conseguirmos fazê-lo no sentido que quisermos, ou se formos capazes de dar
ao sonho um f inal agradável ou favorável, no meu modo de pensar, isto seria
uma grande perda(. . .) . Contudo, se esse ‘estado de vigília’ for utilizado com
o objetivo de termos oportunidade de mudar nossas reações no sonho e
podermos escolher outras respostas [e não apenas as mesmas de sempre,
aquelas nas quais nos mecanizamos e às quais estamos apegados] , o assunto
já é diferente. Nesta hipótese, teríamos uma forma de ‘imaginação atuante’,
o que seria [um] processo auxiliar (. . . ) [na interação com os conteúdos
psíquicos que estão se expressando e personificando durante o sonho] . Há
grande diferença entre tentar manipular o inconsciente para adaptá-lo à
nossa fantasia e alterar as respostas de nosso ego de acordo com o que está
acontecendo em volta, e devemos nos lembrar e aproveitar essa distinção."
(grifo meu, idem, p.57)
A lucidez no decorrer do sonho dever ia ser aproveitada, isto é,
explorada. Ela ser ia um fator auxiliar no processo de auto-conhecimento,
desde que o ego a ut ilizasse corretamente ao invés de impor ao sonho os seus
capr ichos.
No nível psíquico profundo, ser ia possível até mesmo transcender
conscientemente o nível pessoal e exper imentar-se como parte da mito logia
dos povos ou confundir-se com a força cr iadora da natureza:
"Em estado transpessoal você pode ser qualquer tipo de experiência,
entre f icar com o ego - a identidade- até o princípio criador. Podemos nos
experienciar como seres mitológicos ou em níveis mitológicos de consciência
- onde o ser humano é def inido como um campo de possibilidades sem
limites." (Grof, 2000, s/p, gr ifo meu).
Haver ia a possibilidade de nos exper imentarmos conscientemente num
níve l mito lógico: sermos unos com os heró is lendár ios e ao mesmo tempo
sabermos que estamos exper imentando isso. Um níve l mito lógico de
consciência é um estado psíquico no qual somos conscientemente uma figura
mito lógica.
Possuir íamos vár ios níveis conscientes em nosso inter ior e estes
poder iam ser conhecidos part icularmente pelo homem que "olha para dentro
e explora a sua consciência em seus vários níveis" (Capra, 2000, p. 227). A
existência de vár ios níveis de consciência dentro do homem e a possibilidade
de acesso a eles significar ia que não apenas uma modalidade de consciência,
a do estado normal de vigília, ser ia a rea lmente existente em nós mas haver ia
outras e estas ser iam conhecidas há muito tempo pelos or ientais. Seus
míst icos "exploraram, através dos séculos, vários modos de consciência e as
conclusões a que chegaram são, com frequência, radicalmente diferentes das
idéias sustentadas no ocidente" ( idem, p. 225).
Deste modo, o nível onír ico, que corresponde às camadas mais
profundas da psique, poder ia apresentar funcionamentos conscientes,
faculdade não exclus iva do ego vígil.
De acordo com esses estudiosos, haver ia uma realidade invísive l: a do
mundo imagina l. Ela estar ia fora do universo consciente imediatamente
acessível ao ego durante o estado normal da vigília mas poder ia ser at ingida
fora dele, sob condições especiais nas quais o func ionamento da consc iência
fosse alterado.
Referências bibliográficas:
CAPRA, Fr it jo f. O Tao da Física: um paralelo entre a f ísica moderna e o
misticismo oriental .(The Tao of Phys ics: An Exp lorat ion o f the Paralle ls
Between Modern Phys ics and Eastern Myst icism). Trad. de José
Fernandes Dias. Edição 19-22. São Paulo, Cult r ix, 2000.
GROF, Stanis lav. Estados não usuais de consciência . Palestra e depo imento
dado ao site Quiron. www.quiron.com.br/c iência.htm. Reprodução via
int ernet em novembro de 2000.
HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de
A a Z interpretados à luz da psicologia . (Das Grosse Traumlexikon: Über
1500 t raumsymbole von A bis Z psycho logisch gedeutet).Trad. de Enio
Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.
JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões . (Memories,Dreams and
Reflect ions, 1963)Trad. de Dora Ferreira da Silva. Vigésima Pr imeira
Impressão. Editora Nova Fronteira.
JUNG, C. G. Psicologia e Religião (Zur Psycho logie west licher und öst licher
Religion: Psycho logie und religion). Trad. de Pe Dom Mateus Ramalho
Rocha. Segunda edição. Petrópolis, Vozes, 1984.
SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.
de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo, Paulus, 1988.
Você pode ficar consciente durante o sonho(Or iginalmente publ icado na r evista Poder da Mente )
Por Cleber Monteiro MunizMu n i z, C . M . (2 0 0 2 ) . Vo c ê p o d e f i ca r co n sc i e nt e du ra n t e o so n h o. P o d er da M e nt e n º 7 , a n o 1 , p p. 4 2 -4 6 .
Na maior ia das vezes em que nos deitamos e dormimos, não
percebemos o que está ocorrendo conosco. Nossa consciência "se apaga" e
atuamos dentro do sonho sem perceber que estamos sonhando.
Não temos, nos sonhos normais, o discernimento de que dormimos.
Tendemos, quase sempre, a acreditar que estamos presenciando cenas
exter iores e não inter iores.
Entretanto, há momentos em que reconhecemos o sonho no exato
momento em que se processa. Quando isso acontece, dizemos: "Estou
sonhando, isto que estou vivenciando agora é um sonho" .
A modalidade de sonho na qua l o sonhador compreende que está
sonhando e não atuando sob forma vígil, isto é, durante a vigília, que é o
estado de quem está acordado, chama-se sonho lúcido (Eeden, 1913).
Um sonho lúc ido é, portanto, uma modalidade de estado onír ico
(onír ico é aquilo que se refere ao sonho) na qual o sonhador está consciente
do que se passa. Compreende que seu corpo dorme na cama e que via ja para
dentro de si mesmo, at ravés das pro fundidades da alma. Durante os sonhos
lúcidos, a realidade do mundo interno não é confundida com a realidade
exter ior.
Há do is modos de rea lidade: a exter ior e a inter ior. A realidade exter ior
é a t ridimensional, também denominada "material" . A realidade inter ior é a
dos sonhos, a realidade onír ica.
Assim como há um mundo exter ior, há um mundo inter ior. Podemos
dizer que é imaginal po is é feito de imaginações. São imagens int ernas de
objetos, casas, cidades, pessoas e animais. Trata-se de uma vast idão que pode
ser conhecida e explorada.
Quando temos o discernimento de que estamos sonhando, podemos
aproveitar o sonho ao máximo. É possível via jar para lugares distantes,
conhecer o que está oculto dentro de nós mesmos e aprender a nos
relacionarmos melhor com os nossos conteúdos psíquicos.
Se não est ivermos conscientes, confundiremos as cenas onír icas com
cenas fís icas. Por tal razão, ao sonharmos com um leão, por exemplo,
fugiremos apavorados acreditando que poderemos ser atacados. É claro que o
animal imaginal, pertencente ao sonho, é ino fensivo.
O mundo dos sonhos é real. Podemos dizer que é outro mundo,
pertencente a outra dimensão de nossa existência: "a dimensão do
inconsciente" (Sanford, 1988). É o mundo mister ioso ao qual adentrou o
profeta Isaías (Tr icca, 1992) em estado de êxtase ante uma mult idão.
Estando lúc idos, podemos ser exploradores da dimensão desconhecida e
via jar pelas longínquas do mundo interno.
Como se tornar um observador consciente nos seus sonhos
A viagem consciente ao mundo onír ico pode ser aprendida por métodos
que visam educar a atenção.
Um método consiste em nos acostumarmos a observar durante o dia as
cenas exter iores que nos rodeiam, realizando "testes de realidade" (Harar i &
Weintraub, 1993) com a intenção de descobr irmos se estamos ou não
sonhando. Se o fizermos vár ias vezes ao dia, repet iremos a mesma observação
à no ite, dentro do sonho. Como os sonhos apresentam cenas ilógicas (cavalos
que voam, elefantes arbor íco las etc.), aprenderemos a reconhecê-los at ravés
de acontecimentos impossíveis para este mundo. É um método que se base ia
na prát ica de discernir constantemente a respe ito da natureza do mundo em
que estamos aqui e agora. Func iona pela atenção cuidadosa e sincera focada
sobre os elementos que estão ao nosso redor: as pessoas, os animais, os
carros, as árvores, as casas, etc.
Para que o método da observação da realidade circundante dê
resultados, precisamos ser capazes de permit ir que as cenas observadas nos
revelem se são onír icas ou fís icas. Muitas vezes, os acontecimentos que
presenciamos nos revelam, por si própr ios, se estamos ou não sonhando. Não
necess itamos quebrar a cabeça a respeito, tentando discernir por meio de
raciocínios: basta observar. A observação revela.
Ao tentar discernir por meio de inferências lógicas e não de
constatações puras, nos tornamos incapazes de captar as diferenças entre os
mundos.
Outro método consiste em acompanharmos conscientemente o processo
de instalação do sono. É a técnica do relaxamento consciente , desenvo lvida
no bud ismo t ibetano e aplicada por cient istas em testes de laboratório para
indução e estudo de estados onír icos conscientes. Para aplicá-la, devemos nos
deitar e observar atentamente as alterações corporais e psíquicas pelas quais
vamos passar conforme o sono se instala. É preciso ser paciente e recept ivo.
A contemplação consciente e cont ínua do relaxamento progressivo permit e
que adormeçamos sem perder a lucidez. Um cuidado a ser tomado é o de não
bloquear o adormecimento corporal confundindo-o com perda de consciência.
À medida em que o relaxamento consciente se apro funda, passamos a
ter percepções alteradas sob múlt iplas formas e intensidade cada vez maior:
podemos sent ir vibrações na cabeça ou no corpo todo e chiados intra-
cranianos. Podemos, ainda, sent ir que estamos caindo ou que uma corrente
elétr ica nos percorre. São indicadores de que estamos at ingindo um estado
não usual de consciência.
Por fim, at ingimos a paralis ia do sono. É a últ ima etapa. Nesta fase, o
corpo não obedece mais aos nossos comandos, apesar de estarmos lúcidos,
porque está em sono profundo.
A paralisia é ino fensiva. Proporciona as pr imeiras visões e sons do
mundo dos sonhos. Para prosseguir a viagem, temos que receber as imagens e
sons internos que nos chegam, permit ir que se configurem por si mesmos
como uma cena onír ica.
A ult rapassagem do umbral entre os dois mundos efet ivamente se inic ia
quando os pensamentos e as imagens mentais se concret izam ante nossa
consciência, passando a ser percebidos com a mesma nit idez com que
percebemos os elementos do mundo exter ior durante a vigília. No instante em
que vemos e ouvimos imagens e sons int ernos objet ivamente, como se fossem
externos, estamos inser idos na dimensão onír ica.
A combinação das duas técnicas, a do discernimento diár io e a do
relaxamento consciente, acelera a obtenção do sonho lúcido.
As vantagens do sonho lúcido
O medo da morte sofre atenuação quando nos exper imentamos vivos,
int actos, lúcidos e acordados enquanto o corpo está adormecido e desfalecido
no quarto.
A exper iência de estar lúcido dentro de um sonho nos põe em contato
com um estado de realidade incomum e proporciona a certeza de que não
somos apenas uma massa t r idimensional de carne e ossos.
Além disso, o contato direto com os acontecimentos onír icos nos
permit e extrair informações do inconsciente. Através da observação e do
diálogo com as figuras que surgem em sonhos, podemos descobr ir muito a
respeito de nós mesmos, de outras pessoas ou do mundo. A psique
inconsciente contém informações que ult rapassam o alcance da consciência e
podem ser acessadas durante o sono (Jung, 1963).
A superexcitação e a ansiedade intensa t razem o sonhador lúcido de
vo lta ao estado vígil contra a sua vontade. Portanto, ao nos descobr irmos
dentro de uma realidade paralela, não devemos ficar exaltados
emocionalmente ou perderemos a exper iênc ia. Por meio da serenidade,
conseguimos estabilidade no mundo inter ior e podemos pro longar a duração
do estado alterado de consciência. O medo, a alegr ia, a surpresa ou outras
emoções intensas interrompem subitamente o sonho.
Ao nos descobr irmos lúcidos onir icamente, podemos exercitar, em
estado de máxima serenidade, o vôo, a flutuação, a alteração das cenas
circundantes e o t ransporte at ravés do tempo e do espaço.
As cenas onír icas tomam forma a part ir dos impulsos conscientes e
inconscientes de pensamento e sent imento. Por isso, podemos cr iar
acontecimentos dentro do sonho lúcido através da imaginação e da vontade.
Por meio da imaginação e da vontade concentradas, podemos voar, ir à países
distantes, assumir a aparência de outras pessoas e até nos exper imentarmos
como se fôssemos e las própr ias.
O poder de inter fer ir conscientemente no roteiro do sonho depende do
grau de discernimento e liberdade de ação que nossa consciência possui; se
não est ivermos lúcidos, será muito pequeno.
Um novo mundo se abr irá ante aquele que aprender a viajar
lucidamente para o universo da alma. Sua vida será resignificada e sua
idiossincrassia (visão de mundo) renovada. As ent idades da psique
demonstrarão que possuem realidade objet iva (Jung, 1963). Então, o sonhador
descobr irá por si mesmo que o universo imag inal anímico do homem é, à sua
maneira, concreto. É a porta que nos permit e chegar aos limit es extremos da
ciência no que concerne às questões espir ituais e até ult rapassá-los.
Referências bibliográficas:
EEDEN, Freder ik Van. A Study of Dreams . Vol. 26. Proceedings of the
Society for Psychical Research, 1913. Disponíve l na internet via WWW.
URL: www.psycho logy.about .com/science/psycho logy/ library/weekly
Capturado em março de 2001.
HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias: O
Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.
JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos, Ref lexões (Memories, Dreams,
Reflect ions). Trad. de Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1963.
O Livro da Ascensão de Isaías . In: TRICCA, Maria Helena de Oliveira (org. e
comp.). Apócrifos: Os Proscritos da Bíblia . . São Paulo: Mercúr io, 1992.
SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.
de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo: Paulus, 1988.
A verificação das leves alterações conscientivas no sonhoCleber Monteiro Muniz em 29 de novembro de 2001
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o p e r mi t i da so m e n te c o m a a u t or i za çã o do a u t or .
T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .
Durante os sonhos, podemos apresentar diversos estados de
consciência. O discernimento de que estamos no mundo interno pode ser
total, parcial, mínimo ou nenhum.
À medida em que educamos nossa atenção víg il, os estados de
consciência dentro dos sonhos vão sofrendo alterações. Se nos educamos
diar iamente, poderemos reproduzir, sob forma onír ica, estados levemente
alterados na direção da luc idez.
O treino diár io da consciência repercurte, inic ialmente, em tênue
aumento, dentro do sonhos, dos seguintes elementos:
1. a concentração no que estamos fazendo
2. a vivência do presente
3. a observação de nós mesmos
4. a observação das cenas que nos rodeiam
As pr imeiras alterações são incipientes, leves e não correspondem
ainda ao despertar completo, sendo apenas mudanças na forma de
contemplarmos o mundo e a nós mesmos enquanto dormimos. Entretanto,
podemos nos recordar desses novos estados e anotá-los para poster ior estudo
e maior assimilação.
O discernimento intra-onír ico não irrompe de modo súbito do nada.
Resulta da alt eração progressiva e lenta dos fluxos atencionais.
Antes de efet ivamente despertarmos no mundo dos sonhos, passamos
por estados intermediár ios de semi-despertar.
Os estados internos que antecedem o despertar apresentam pequena
intensificação da concentração nas at itudes, da observação de nós mesmos, da
observação da realidade circundante e do quest ionamento sobre o modo de
existência sob o qual estamos operando no aqui-agora onírico.
O exercício de recordação, anotação e análise dos sonhos deve abranger
essas sut is alterações. Convém ver ificar se, durante os sonhos, observamos a
nós mesmos ou as cenas externas e se chegamos a nos quest ionar a respeito
do possível teor onír ico daquilo que vivenc iamos em nosso mundo imagina l.
A constatação de que alterações na consciência noturna aos poucos
estão se efet ivando marca o início das comprovações pessoais no terreno
transcendente.
A comprovação de que estamos lentamente despertando no mundo
extra-vígil nos est imula a prosseguir com as prát icas atencionais no dia a dia.
Vejo, deste modo, um sent ido nas anotações dos sonhos: servem como
regist ro das transformações pelas quais a consciência onír ica passa rumo ao
despertar. E tais reg ist ros servem como est ímulo para que não desistamos de
prosseguir t rabalhando psiquicamente.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias
A realidade do mundo dos sonhos nos tempos antigos e hoje( ca p . I d e " A Ex p e r iê n c ia On ír ic a Co n sc ie n te : V ia g e n s d a Co n sc iê n c ia a o Mu n d o d o s S o n h o s" – m o n o gra fia
a pr e se nta da pa ra c o n clu sã o d o cu r so d e e sp e c ia l i za çã o e m Ab o r da g e m Ju n gu ia na p e la COG E AE da P UC -S P
e m 2 0 0 1 e or i e n ta da p ela Pr o f a D r a N o el i M o nt e s Mo ra e s)
Por Cleber Monteiro Muniz em 4/3/01
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or
T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .
Nos tempos ant igos, os sonhos eram considerados como a expressão de
um mundo verdadeiro e diferente deste. O mundo espir it ual era visto como
importante e real, ao contrár io do que ocorre ho je. As visões onír icas eram
tomadas como o contato do homem com a dimensão desconhecida de sua
existência. Disso decorr ia a grande importância at r ibuída aos sonhos nas
culturas ant igas e confirmada por Sanford (1988) ao abordar a questão da
depreciação nos dias atuais:
"(. . .) enquanto nosso tempo ignora e despreza o assunto dos sonhos,
nos tempos antigos eles eram muito mais valorizados. Tanto quanto conheço,
não existe nenhuma cultura antiga na qual os sonhos não fossem vistos como
extremamente importantes." (p.12)
Ao contrár io do que ocorre na cultura moderna, na qual não se presta
atenção cuidadosa aos sonhos e se os considera desprezíveis, o homem ant igo
atribuía importância extrema às exper iências onír icas. Essa valor ização
demonstra que eram entendidos como portadores de alguma forma de
realidade po is do contrár io não ser iam tomados em tamanha consideração.
Não se dá importância ao que não existe. Até mesmo uma ment ira ou um
boato precisam exist ir, ainda que seja sob a forma de uma idéia vaga na
cabeça de alguém, para que se dê a eles alguma importância.
Os comportamentos irracionais do homem, presentes ainda no mundo
de ho je, ser iam, para os pr imit ivos, sinais da existênc ia de uma realidade
espir itual que envo lver ia forças que os ult rapassavam. Tais forças,
incompreensíve is, mover iam os seres humanos e os arrastar iam a
comportamentos subversores do controle consciente, sendo, além disso, parte
de um universo invisíve l e poderoso mas acessível por meio dos sonhos, nos
quais também irromper ia. O mundo espir itual manifestado em sonhos
possuir ia uma forma específica de realidade que ser ia sina lizada pelo
comportamento humano irracional. Haver ia ligação entre o ato de nos
comportarmos como se est ivéssemos possessos e os sonhos po is um ser ia
sinal do outro:
"O comportamento humano não é racional e a humanidade se comporta
em todo o mundo como se fosse possessa. Para o homem primitivo tudo isso
era sinal óbvio da realidade do mundo espiritual que lhe aparecia nos
sonhos. (. . . ) Persistimos em nosso materialismo racionalista, sob a ilusão de
que somos racionais e os outros não. Se há distúrbios em nossos sentimentos
e em nossa afetividade, atribuímos a causa ao que os outros nos fazem e
continuamos pensando que só tem sentido o que nos parece lógico e racional,
que só é real o que vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos e provamos . Os
sonhos tem sentido, mas um sentido que não é lógico. São muito reais, mas
sua realidade não é apreendida por nenhum dos sentidos do nosso corpo ."
( idem, p. 14, gr ifos meus)
Nos dias atuais, acreditamos que aquilo que não compreendemos não
existe. Segundo essa forma de pensar, a existência não possuir ia um aspecto
desconhecido, um lado não entendido ; o incompreens ível ser ia inexistente.
Levada ao extremo, tal idéia nos leva a crer que sabemos tudo, que não há
mistér ios. Trata-se de uma vio lenta inflação egó ica. Em decorrência dessa
inflação, rechaçamos o mundo dos sonhos enquanto modalidade especial de
realidade por não compreendê- lo. Nosso cet ic ismo arbit rár io não nos permite
aceit ar a existência daquilo que não conseguimos compreender at ravés dos
cinco sent idos. Esses são os únicos instrumentos que sabemos usar em nossos
processos de cognição. Ignoramos que o problema está em nós e não no
mundo onír ico e que temos uma consciência adormecida e medíocre que nos
impede de exper imentar outras realidades. Não co locamos atenção sincera na
limit ação dos nossos sent idos usuais. Não percebemos os sonhos diretamente
pelos órgãos sensor iais externos e, por isso, pensamos que eles não existem,
nos esquecendo de que a realidade possui níveis ou facetas usualmente não-
sensor iais. Em tais condições, tudo se passa, para nós, como se o usualmente
não-sensor ial fosse o nada. Se isso fosse verdade, não haver ia um espectro
contendo sons inaudíveis e fe ixes luminosos invis íve is ao olho nu,
detectáveis apenas recentemente com o uso de equipamentos modernos.
Nem mesmo a religião conseguiu ampliar nossa consciênc ia na direção
de captar mais diretamente as realidades internas, apesar de aparentemente se
posicionar contra o arbit rár io cet icismo reinante. A igreja " já poderia nos
ter resgatado dessa f ilosof ia materialista e arrogante, se ela mesma não
tivesse renegado suas próprias tradições e, como tudo o mais, sucumbido ao
materialismo racionalista dos nossos dias. (. . . ) Ao enfatizar a vida da
instituição mais do que a da alma, deixou de lado os sonhos. (. . .) Foi o que
minou a base da vida espiritual da igreja, expondo-a ao mesmo materialismo
e racionalismo que ela combatia e que se estendeu pelo mundo inteiro. A
igreja preferiu ignorar o fato de que a rejeição aos sonhos ia contra a visão
contida na bíblia e no cristianismo primitivo." ( ibidem, p.14). O significado
que o mundo dos sonhos possui para os religiosos de ho je ser ia
completamente est ranho às comunidades cr istãs do sécu lo I. Ao rechaçá-lo,
nossa igreja teve suas bases espir itua is minadas. A vita lidade espir it ual
perdeu seu alicerce.
Certos sonhos que servem de fundamento às exper iências religiosas
possuem impressões de realidade tão impactantes que chegam ao ponto de
aterrorizar o sonhador. Eles "parecem carregados, de modo especial, com
energia psíquica. São os sonhos chamados ‘numinosos’. A palavra vem do
latim numen, que signif ica a divindade ou a força espiritual atuante. Dizemos
que experimentamos algo numinoso quando isso parece nos levar a participar
da natureza de uma realidade espiritual diferente , que existe para além de
nossa natureza pessoal. (. . . ) A santidade de Deus é a própria numinosidade.
[Rudolf] Otto enfatiza que, diante do Deus de Israel, o homem sente temor,
admiração, horror, enf im, sente o ser próprio de criatura. A numinosidade
constitui a matéria-prima da experiência religiosa." (Sanford, 1988, pp. 33-
34, gr ifo meu). Exper iências onír icas numinosas nos dão a sensação de
part icipar de uma realidade t ranspessoal. Sent imos estar em contato com algo
verdadeiro que está além de nós mesmos e nos ult rapassa. Obviamente, a
exper iência não provocar ia terror se o seu conteúdo não fosse tomado como
real.
Segundo a Bíblia, a realidade t ranscendente se revela ao homem
durante as horas do sono, embora ele não perceba:
"(. . .)Deus fala de um modo, sim, de dois modos mas o homem não
atenta para isso.
Em sonho ou em visão de noite, quando cai o sono profundo sobre os
homens, quando adormecem na cama, então lhes abre os ouvidos e lhes sela
a sua instrução, para apartar o homem do seu desígnio e livrá-lo da soberba;
para guardar a sua alma da cova e a sua vida de passar pela espada." (Jó
33. 14-18, grifo meu)
Deus instrui o homem dentro do mundo onír ico e torna-o recept ivo à
Sua instrução. Ele o protege e o ajuda a evitar a morte e a espada do inimigo.
Isso não ser ia possível se mundo dos sonhos fosse tomado como irreal.
Na autobiografia do filóso fo e teólogo persa Al-Ghazzali, do século XI,
a realidade dos sonhos chegava a ser vista como a de um estado similar ao de
Deus e fornecer o dom da pro fecia. Ele considerava que "Deus aproximou o
profetismo dos homens ao dar-lhes um estado análogo a Ele em seus
caracteres principais. Esse estado é o sono. Se dissésseis a um homem sem
nenhuma experiência com um fenômeno dessa natureza que existem pessoas
capazes, em dados momentos, de desmaiar de modo que pareçam mortas e
que [nos sonhos] ainda percebam coisas que estão ocultas, ele o negaria [e
exporia suas razões para isso]. Não obstante, suas alegações seriam
refutadas pela experiência real." (apud James, 1995, p. 253)
Além de real, o mundo dos sonhos era visto como tendo conexões com
o mundo externo. Uma relação de correspondência dessa natureza pode ser
encontrada em um relato de Enoch, infe lizmente depreciado pela Igreja e
pouco divulgado, a respeito dos momentos que antecederam sua viagem
através dos sete mundos celestes:
"No primeiro dia do primeiro mês, estava eu sozinho em minha casa
descansando no meu leito, quando adormeci.
E quando estava adormecido, uma grande tristeza tomou conta do meu
coração e chorei durante o sono, e não podia entender que tristeza era
aquela ou o que iria acontecer-me.
E então me apareceram dois homens, extraordinariamente grandes,
como eu nunca vira antes na Terra; suas faces resplandeciam como o sol,
seus olhos eram como uma chama e de seus lábios saía um canto e um fogo
variados, de cor violeta na aparência; suas asas eram mais brilhantes do que
o ouro, suas mãos mais brancas do que a neve.
Eles estavam em pé, na cabeceira do meu leito e puseram-se a chamar-
me pelo nome.
Acordei e vi claramente aqueles dois homens, de pé, na minha frente."
(O livro dos Segredos de Enoch 1: 4-8)
Os homens que Enoch viu no sonho estavam na cabeceira de sua cama.
Ao acordar, ele diz ter visto os mesmos homens à sua frente. De acordo com
o relato, parece haver ocorrido uma sincronic idade: ele sonhou com algo que
posteriormente aconteceu no mundo externo. Os mesmos homens vistos por
Enoch durante o sonho eram os que estavam em pé próximo à sua cama
quando ele acordou.
Um contato com o mundo espir it ual na ausência da vig ília pode ser
encontrado em uma revelação de Isaías. O pro feta teve uma visão durante a
qual perdeu os sent idos externos. Ele se manteve em silêncio e fo i dado como
morto pelos que o observavam:
"E enquanto Isaías falava sob a inspiração do Espírito Santo, e todos o
escutavam no mais profundo silêncio, o seu espírito foi elevado acima dele
mesmo, e ele não mais enxergou os que estavam em pé diante dele.
"E seus olhos permaneciam ainda abertos, mas a sua boca não proferia
mais palavras, e o seu espírito foi levado acima dele mesmo.
Ele, no entanto, vivia ainda; mas estava imerso numa visão celeste.
E o anjo que lhe fora enviado para revelar-lhe esta visão não era um
anjo deste f irmamento, nem um desses anjos gloriosos deste mundo: era um
anjo descido do sétimo céu.
E o povo que lá se encontrava com a assembléia dos profetas acreditou
que a vida de Isaías tinha-lhe sido subtraída.
E a visão do santo profeta não foi deste mundo aqui, mas uma visão do
mundo misterioso no qual não é permitido ao homem penetrar."
(O Livro da Ascensão de Isaías 6: 10-15)
De acordo com o escr ito , nos momentos em que os o lhos de Isaías
deixaram de captar as pessoas à sua frente, ele t inha uma visão de outro
mundo, mister ioso e impenetrável. Seus o lhos se mant iveram abertos durante
o contato, um possíve l ind icador de que seu estado era o de um sonâmbulo ou
algo semelhante. O fato do povo reunido julgá-lo sem vida é um indicador de
que certas funções corporais t ípicas de quem esta vivo, como o movimento e
a fala, haviam sido suspensas (cadáveres normalmente não se movem). O
estado do seu corpo não era vígil uma vez que não havia consciência desta
realidade externa. A mesma ausência de consciência ocorre no sono usual, no
sonambulismo, no desmaio, na meditação, no t ranse ou no coma: em todos
esses estados o funcionamento das exopercepções é interrompido e o corpo
desfalece. Entendo que sua consciência deixou o mundo externo e penetrou
na dimensão onír ica ou fez algo muito próximo disso, pois o profeta não dava
sinais de estar acordado. O universo onír ico existe paralelamente ao fís ico
sob a forma psíquica (os mundos interno e externo são simult âneos e
paralelos) e, em geral, quando se abandona um se vai para o outro. Em todo
caso, o mundo acessado nessa exper iência fo i considerado real, o que
favorece a afirmação de que os ant igos não depreciavam a realidade inter ior.
Como se vê, os estados em que a consciênc ia deixava o corpo fís ico
eram a ponte para a realidade espir itual. As exper iências que se t inha durante
o sono funcionavam como portas ou "portais", at ravés dos quais o homem
poder ia contatar outras realidades, dist intas da usua l. O universo além dos
limit es do estado vígil não era considerado irreal ou visto como algo que
t ivesse uma existência vaga e ilusór ia. O fato de ser t ratado como uma forma
de manifestação divina demonstra que esse mundo era tomado em
consideração ser iamente.
A exper iência míst ica era obt ida enquanto se dormia. E nesse estado se
poder ia obter a autoridade de quem teve uma revelação de Deus. Uma
autoridade de tal natureza, proporcionada pela exper iênc ia religiosa
profunda, pode, segundo Willian James (1995,) chegar a destruir as bases da
formal concepção lógico-racional de rea lidade po is os "estados místicos,
quando bem desenvolvidos (. . .) quebram a autoridade da consciência não
mística ou racionalista, que se baseia apenas no intelecto e nos sentidos.
Mostram que esta não passa de uma espécie de consciência. Abrem a
possibilidade de outras ordens de verdade nas quais, na medida em que
alguma coisa em nós responda vitalmente a elas, possamos continuar
livremente a ter fé." (p. 263, grifo meu). Para ele, há vár ias formas de
consciência que dão acesso a vár ios t ipos de realidades e a religiosa, aquela
que se tem nos estados míst icos, ser ia uma delas. Deste modo, as
exper iências religiosas possuir iam um fundamento real, peculiar ao t ipo de
consciência que lhe corresponde, e não falso. Fo i o que ocorreu com Enoch e
Isaías, que t iveram exper iências religiosas em estado extra-vígil e autênt icas
à sua maneira, desde um ponto de vista espir itual.
Atualmente, a valor ização dos sonhos parece estar retornando. O
cet icismo arbit rár io, aquele que está fixo na dúvida gratuita e busca adaptar
os fatos à teoria (que ser ia melhor definida como crença) e aos métodos ao
invés de adaptar estes últ imos às evidências, está ret rocedendo e a realidade
do mundo onír ico sendo levada em consideração. Sanford (1988) entende que
ho je a ciência está invest igando com mais cu idado e ser iedade os desafios
cognit ivos que lhe são lançados pelos sonhos:
"Atualmente, estamos nos aproximando da mudança. Durante o século
XX, o sonho volta a se tornar objeto válido de estudo e investigação. E
temos, por exemplo, as pesquisas sérias relativas ao sono e aos sonhos que
começaram a ser feitas depois da Segunda Guerra Mundial." (p.15)
Compreender a importância de explorar o mundo dos sonhos ao invés
de esqu ivar-se ingenuamente dos problemas postos por ele é ampliar as
fronteiras da ciência. É também aproximar-se mais da visão de Isaías, Enoch,
Jó, dos povos ágrafos atuais e das culturas ant igas e "pagãs", recuperando as
bases verdadeiramente espir ituais do cr ist ianismo pr imit ivo, descartadas pela
igreja.
A idéia de um mundo inter ior real é compart ilhada por Saiani (2000)
para quem o pressuposto de que a "realidade objet iva" e o "puramente
subjet ivo" diferem é preconceituoso uma vez que a realidade abrange eventos
fís icos e psíquicos. Levada adiante, isso significa que existem objetos
psíquicos assim como existem objetos fís icos e que nem sempre o psíquico é
subjet ivo.
Além disso, Jung (1986) entendia que o eu está cont ido em um mundo,
que esse mundo era a alma e que ser ia razoável at r ibuir-lhe a mesma validade
que se at r ibui ao mundo empír ico uma vez que ela possui tanta realidade
quanto ele. Segundo seu pensamento, a psico logia dever ia reconhecer que o
fís ico e o espir itual coexistem na psique e que, por razões epistemológ icas,
esse par de opostos fo i c indido pelo homem ocidental.
Dentro do homem há um universo verdadeiro, feito de imaginação, que
se faz notar incessantemente por meio de pensamentos, sent imentos,
recordações e dos sonhos, quando então se faz mais espesso e tangível. Esse
mundo no qual a ciência está penetrando aos poucos, pertence a uma
dimensão desconhecida do espír ito humano. Nós a chamamos de inconsciente
porque não temos, usualmente, contatos conscientes e diretos com ela:
"(. . .)eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra
dimensão de nossa personal idade a qual, pelo fato de não termos consciência
da mesma, é chamada de inconsciente. (Sanford, 1988, p.29, gr ifo meu)
Além desta dimensão em que vivemos durante a vigília, há outra: a
dimensão do inconsc iente. As regiões de onde os sonhos provém parecem
ainda ser pouco acessíve is à invest igação cient ífica no nosso atual estágio de
desenvo lvimento. Entretanto, a consideração sér ia dos mesmos enquanto
realidade passíve l de estudo livre e dos relatos de pessoas que realizam
viagens onír icas conscientes (sonhos lúcidos) pode abr ir novas portas nesse
campo e ajudar a dissipar nossa ignorância, além de ocupar um espaço que de
outra forma poder ia ser dest inado ao char latanismo e às mist ificações
irresponsáveis.
Referências bibliográficas:
JAMES, William. As Variedades da Experiência Religiosa: Um Estudo sobre
a Natureza Humana. (The Var iet ies o f Re lig ious Exper ience). Trad. de
Otávio Mendes Cajado. Décima edição, 1995. São Paulo, Cult r ix.
JUNG, C.G. & Wilhelm, R. (organizadores). O Segredo da Flor de Ouro: Um
Livro de Vida Chinês. Trad. de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza
Appy. Terceira edição. Petrópolis, Vozes, 1986.
O Livro da Ascensão de Isaías. In TRICCA, Maria Helena de Oliveira (org. e
comp.) . Apócrifos : Os Proscritos da Bíblia . Edição de 1995. São Paulo,
Mercúr io, 1992.
O Livro de Jó . In: A Bílblia Sagrada: O Antigo e o Novo Testamento. Trad.
de João Ferreira de Almeida. Segunda edição. Baruer i, Sociedade Bíblica
do Brasil, 1993.
O Livro dos Segredos de Enoch (II Enoch) . In TRICCA, Maria Helena de
Oliveira (org. e comp.) . Apócrifos : Os Proscritos da Bíblia . Edição de
1995. São Paulo, Mercúr io, 1992.
SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma anál ise da relação
professor/aluno. Primeira edição. São Paulo: Escr ituras, 2000.
SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.
de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo, Paulus, 1988.
Parte II
Atravessando lucidamente o portal dos sonhos
O problema da dinâmica usual do sono e de como superá-laPor Cleber Monteiro Muniz em 04/03/01
A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tado o autor
Texto r egist r ado. Não o plagie para não sofrer as penal idades da lei .
A dinâmica usua l do sono tem a fascinação da consciência pelos
pensamentos como meio de dispensar a ident ificação do ego com o corpo
fís ico.
Essa dinâmica cons iste na subst ituição da ident ificação com o corpo
pela ident ificação com as imagens mentais. Isso ocorre porque o sono exige
um esquecimento corporal para se instalar. Se est ivermos ident ificados com o
veículo fís ico, não dormimos e não adentramos ao reino onír ico. Esse é o
mot ivo de, por exemplo, ficarmos meio insones quando temos dores fís icas.
Se nos mant ivermos ident ificados com o corpo, estaremos ident ificados
com os sent idos externos. Isso nos retém a existênc ia psíquica no mundo
exter ior. A so lução encontrada pela natureza fo i desligar as exopercepções
por meio das endopercepções em estado fascinatório, ou seja, fazer com que
fiquemos ident ificados com os pensamentos a ponto de esquecer corpo e
mundo fís icos reais. No lugar da atenção ident ificada com o corpo, passamos
a ter a atenção ident ificada com as imagens mentais, que são os pensamentos.
Essa é a dinâmica psíquica usual do sono, sem a qual não é possível
adormecer o corpo na cama.
É essencial para o sono a não-ident icação fís ica po is e le é o
esquecimento do corpo e do mundo, um leve estado de quase-morte muito
superficia l e natural. Ocorre, entretanto, que esse processo de subst ituição de
ident ificações apenas o instala e nos leva ao mundo onír ico mas não nos
fornece o discernimento de que isso ocorre.
A inexistência de ident ificação com o corpo é út il para a instalação do
sono mas não fornece nenhum t ipo de consciência. A ident ificação com
imagens mentais, por sua vez, provoca um esquecimento de que se está em
contato com cenas não-fís icas e faz com que adentremos às regiões int ernas
acredit anto estar em contato com imagens externas. O result ado disso é o
sonho usual, no qual não existe a consciência de estar do outro lado da nossa
vida. As imagens mentais, num estágio mais pro fundo do sono, se
t ransformam em imagens onír icas e, ao contatá-las sem a compreensão desse
teor, ficamos po lar izados no extremo do sono: o corpo e a consciência
dormem simult ânea e paralelamente um ao outro.
Para se carregar a consciência para dentro do sonho é preciso algo mais
do que a não- ident ificação com o veículo fís ico (embora esta seja
indispensável) e o contato com as imagens int ernas. A elas prec isamos
acrescentar a consciência do caráter psíquico dessas imagens. Essa
consciência é a compreensão de que as cenas não são do mundo externo e
pertencem ao mundo inter ior.
A part ir do momento em que nos deit amos, temos que ter bem clara a
idéia de que dali em diante, nos próximos instantes, todas as cenas que
visualizaremos serão onír icas. Se essa recordação for esquecida, cairemos no
sonho usual.
A chave é conseguir uma síntese entre o despertar e o adormecer.
Precisamos de um estado que contenha simult aneamente o adormecimento e o
alerta, que sintet ize esses do is elementos contrár ios. Essa combinação não é
fácil e exige que se at ive a consciência ao mesmo tempo em que se desat ive o
corpo: aquela acorda e este adormece. A dificuldade está na idé ia comum e
muito arraigada em nossa cultura de que estar acordado é fazê-lo por meio
das exopercepções. Acred itamos que estar alerta é sempre o mesmo que estar
com os sent idos fís icos at ivos. Essa idéia é parcialmente verdadeira po is é
válida apenas para o estado vígil do corpo físico. Entretanto, fora desse
estado também podemos manter a luc idez.
Em situações normais, a tentat iva de ficar desperto bloqueia o sono.
Por isso é preciso aprender a relaxar o corpo profundamente e a entrar em
contato com as imagens psíquicas sem esquecer que estamos fazendo isso.
A antecipação do sono corporal à lucidez psíquica é pr incipal agente
sabotador dos sonhos lúcidos. Ident ificados com a vontade de dormir, nos
esquecemos de discernir e dormimos sem saber onde estamos entrando. Isso
acontece pr incipalmente quando estamos cansados e queremos rapidamente
deixar o mundo externo. Nesses casos, abandonamos totalmente o alerta
psíquico e nos entregamos ao sono física e ps iquicamente. A consc iência
adormece até mesmo antes do corpo. Por isso não conseguimos sonhos
lúcidos.
O ideal é anteciparmos à lucidez ao sono. Antes de deixarmos o corpo
cair em re laxamento profundo, a consc iência precisa ser at ivada ao máximo.
Isso exige cuidado especial em não se confundir alerta com sobressalto,
tensão ou ansiedade. Trata-se de um alerta natural e t ranquilo, sem
preocupações de nenhum t ipo e sem nenhum querer. Não se pode adormecer o
corpo se ficarmos querendo que ele adormeça e não se pode ficar alerta se
também ficarmos querendo isso. Ao querermos que isso ocorra, nos
ident ificamos com esse desejo e fracassamos, seja por ficarmos insones, seja
por dormimos em estado conscient ivo usua l. Esse querer é egó ico e
capr ichoso: o ego quer controlar a prát ica e impor sua vontade. Os processos
psíquicos não se submetem a isso e se rebelam.
Uma forma de deixar a ident ificação com o corpo, antecipar a lucidez
ao sono, não bloquear o processo letárgico corporal e ao mesmo tempo
manter o discernimento de estar em contato com imagens int ernas é a
concentração. Por meio dela, a consciência do que se está fazendo é mant ida
e se acompanha todo o processo em estado de lucidez. Por isso muitas
culturas, inc lusive as relig iosas, a usam para induzir exper iências onír icas
desse t ipo. O objeto da concentração var ia conforme a época e o lugar:
mantrans, orações, imagens agradáveis, cenas onír icas passadas etc. O único
que interessa é ter um grande poder de concentrar o pensamento. Concentrar
o pensamento é reduzir todos os pensamentos a apenas um. Isso se consegue
prestando atenção em uma única imagem e excluindo as demais, esquecendo-
as. Deve-se desenvo lver mais e mais a imagem esco lhida, sem adotar nenhum
limit e para isso (Jung apud Sanford, 1987, pp. 158-159). Por este meio
chega-se ao sono corporal profundo sem perder a consciência. É preciso
mergulhar na imagem mental esco lhida, ca ir dentro dela sem nenhum medo e
a ela entregar-se de modo total e com plena lucidez. Temos que observar o
que estamos fazendo, perceber que estamos começando um sonho, que a
imagem não é fís ica etc. Temos que saber o que está acontecendo apenas por
meio das constatações diretas e sem raciocinar a respeito, inclusive nos casos
ou situações em que as co isas não estão claras. Combate-se a confusão com
atenção lúcida e não com raciocínios.
Um erro muito grave é confund ir a concentração com um esforço
egó ico. Semelhante confusão promove um conflito entre um ego que quer se
concentrar e muitos outros egos dentro da pessoa que não querem aquilo. Na
verdadeira concentração, não há esse conflito por que o papel da consciência
não é impedir que os múlt iplos pensamentos ocorram mas apenas prestar
atenção em único pensamento e isso é diferente. O único que precisamos
fazer é focar e manter a atenção em uma imagem esco lhida esquecer as
demais, de ixando-as à vontade em suas respect ivas reg iões internas para se
processarem. Há uma diferença radical entre prestar a atenção em um
elemento psíquico esco lhido entre muitos que se movem e impedir esses
muitos de se moverem. O que nos interessa é apenas uma imagem entre as
milhares que se movem ininterruptamente em nossa mente. As demais devem
ser esquec idas. Querer silenciá- las não é esquecê-las e lembrar delas. Com a
recordação elas se nutrem mais e mais porque a recordação t raz ident ificação.
A exper iência onír ica consciente resulta naturalmente da atenção
cuidadosa e despreocupada.
Referência bibliográfica:
SANFORD, J. A. Os Parceiros Invis íve is: o masculino e o feminino dentro de
cada um de nós. (The Invis ible Partners). Trad. de I. F. Leal Ferreira. 5 ª
edição. São Paulo, Paulus, 1987.
Como lidar com os sinais que antecedem uma experiência onírica
conscientePor Cleber Monteiro Muniz
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or
T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .
Quando nos posicionamos para repousar e começamos a relaxar, surgem
sinais que indicam a aproximação progressiva do estado letárgico.
A percepção consciente desses sina is é út il por nos avisar a respeito da
necess idade de maior cuidado uma vez que em tal momento a hora de deixar o
estado vígil está chegando. Temos sempre a tendência de crer que estamos
longe da t ransição para o sono, mesmo quando ela está bem próxima.
Essa crença equivocada se baseia na idéia inconsciente de que não há
uma vig ília em estados corporais pro fundamente letárgicos e em meio a cenas
onír icas. Supomos que o fato de estarmos um pouco despertos é um indicador
de que estamos longe do sono.
A aproximação progressiva do adormecimento corporal pode ser
ident ificada pela maior nit idez das vozes internas. Poucos instantes antes de
adormecermos, as vozes inter iores falam em nossa cabeça com nit idez cada
vez maior. A progressão da nit idez é sut il e acontece parale lamente ao
processo de aprofundamento do sono.
À medida em que o processo letárgico corporal aliado ao despertar
conscient ivo no mundo psíquico avança, as vozes são ouvidas como se fossem
fís icas e são acompanhadas por endopercepções de teores não-sonoros:
visuais, táteis, gustat ivas e o lfat ivas. Todas chegam à consciência com
nit idez e int ensidade equivalentes às proporcionadas pelas percepções
externas e às vezes até maiores. Isso se deve ao alto grau de numinosidade
das imagens internas.
Nessa etapa, tendemos a perder a vigilância devido ao poder altamente
hipnót ico dos pensamentos. Dever íamos intensificá-la e acompanhar a
exper iência para esperar o resultado.
A maior ia dos prat icantes que tentam a lcançar a exper iência onír ica
consciente tendem a reagir às pr imeiras imagens numinosas com espanto,
medo, ansiedade, cur iosidade ou uma imensa eufor ia por estarem adentrando
a um mundo extra- físico. Essas reações podem afugentá-las, fazendo a prát ica
fracassar.
O prat icante precisa manter a constante recordação de que está
presenciando uma realidade onír ica e fantást ica que corresponde ao seu
universo imaginal, sendo totalmente dist inta da realidade física. Se essa
recordação for perdida, ele fica submet ido ao poder hipnót ico das imagens, se
torna vít ima de sua numinosidade e perde o estado posit ivo alterado de
consciência, caindo em um sono/sonho usual. A exper iência t ranscendente
fracassa quando nos esquecemos que estamos em contato com cenas de um
mundo onír ico. Não devemos confundir a rea lidade externa com a interna,
devemos discernir.
O recomendável é não reagir aos pr imeiros sinais com nenhum t ipo de
surpresa ou eufor ia e, ao mesmo tempo, conseguir acompanhá-los. Para tanto
o ego deve ficar "amarrado". É preciso observar os sinais inic iais em
imobilidade psíqu ica total, como se faz ao observar animais selvagens, e
acompanhar seus movimentos subsequentes sem espantá-los. Qualquer
movimento brusco ou sut il do ego, seja de t ipo sent imental ou intelectual
(tentat iva de entender ou encaixar o que está sendo visto em preceitos lógicos
conhecidos etc.), os afugenta.
O t rabalho é árduo porque temos que unir do is extremos: observar os
sinais e, ao mesmo tempo, não afugentá- los. São dois processos que
normalmente não se combinam muito, não se realizam simultaneamente.
Também não devemos nos fascinar por nenhuma imagem mas sim receber seu
caráter numinoso sem com ele nos ident ificarmos.
Procedendo assim, vamos muito longe na exper iência. Dormimos para
este mundo e acordamos para o outro.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
A técnica do relaxamento vigilantePor Cleber Monteiro Muniz em 27 de abr il de 2002.
Publ icado na r evista Viva Melhor .Mu n i z, C . M . (2 0 0 2 ) . So n h o s Lú ci d o s: A T é c ni ca do R e la xa m en t o V i gi la n t e . T é c ni ca s d e R ela xa m e nt o e
M e di ta çã o , nº 9 , a no 1 , pp 4 4 -4 8 ( e di çã o e sp e cia l d e V i va M e l h or ) . E sca la .
Uma das dificuldades que encontramos na prát ica dos sonhos lúcidos é
a incapacidade de induzi- los à vontade, quando bem queremos.
Muitas pessoas sonham lucidamente mas de maneira esporádica, sem
uma regular idade definida. A lucidez intra-onír ica lhes ocorre
repent inamente, sem que a esperem ou busquem, e, da mesma maneira,
desaparece por longos per íodos.
Esse problema pode ser atenuado. Podemos at ingir estados onír icos
conscientes com mais regular idade quando aperfeiçoamos uma técnica para
sua indução denominada "relaxamento consciente" ou "relaxamento
vigilante".
A técnica do relaxamento vigilante fo i largamente ut ilizada no Tibete
para o ingresso profundo no mundo dos sonhos sem perda do discernimento
consciente (Harar i & Weintraub, 1993):
"Os iogues do antigo Tibete que seguiam a Teoria dos Sonhos eram
conhecidos por suas extraordinárias proezas mentais. Diz-se que, usando um
método extremamente poderoso de imagens mentais dirigidas, eles
conseguiam penetrar cada vez mais profundamente dentro de si mesmos até
começarem a sonhar – sem nunca perder a percepção consciente.
(. . . ) os iogues que seguiam a Teoria dos Sonhos tinham controle quase
total sobre amplos aspectos de seus sonhos lúcidos. Usando sua habil idade
para sonhar lúcidos, eram capazes de criar inf initos Jardins do Éden
oníricos, explorar realidades alternativas e entender de assuntos como a
natureza da realidade e o signif icado da vida.
(. . .) a alta lucidez baseia-se numa técnica conhecida como relaxamento
vigilante, na qual o corpo se torna cada vez mais relaxado enquanto a mente
permanece vígil. Os atletas costumam entrar, muitas vezes, neste estado de
consciência alterado para ensaiar mentalmente suas evoluções." (p. 56)
O relaxamento vigilante pode ser t reinado e aperfeiçoado. Basicamente,
consiste em permit irmos que as alt erações corporais e psíqu icas que
acompanham a instalação do sono entrem em nosso campo de consciência.
Quando nos deit amos para dormir, muitas t ransformações têm iníc io: os
músculos lentamente se afrouxam, a respiração se alt era e as imagens e sons
mentais se tornam mais vívidos. O que temos a fazer é atuar como
facilitadores dessas t ransformações. Ao invés de bloqueá-las, temos que
acompanhá- las deixando que sigam seu curso natural, sem apressá-las ou
retardá- las. Ao mesmo tempo, não devemos ficar passivos mas atuar
removendo conscientemente os obstáculos para a instalação do sono: as
tensões musculares.
Podemos começar pelos pés, recebendo na consciência as tensões ali
existentes e "desatando-as". Em seguida, fazemos o mesmo com as pernas, o
tronco, os braços e a cabeça. Temos que procurar nos sent ir cada vez mais
leves e so ltos, livres de toda preocupação, medo, ans iedade etc.
Por vezes somos invadidos por sent imentos ou lembranças. Se
tentarmos repr imi- los, cr iamos um problema. O mais adequado é
simplesmente recebê- los para constatar o que contém. Qual é o sent imento
que está nos assaltando? De onde vem? A que se refere? Agindo assim, os
assimilamos em nossa consciência e podemos prosseguir.
Nesses momentos podem surgir a impaciênc ia, a pressa, a vontade de
mudar a posição do corpo, dores fís icas, desor ientação a respeito do que
fazer, lembranças do passado, fantasias etc. São obstáculos superáveis pela
compreensão. Os compreendemos quando, sem nenhum preconce ito, os
observamos com cur iosidade natural, descobr indo o que são e em que
consistem. Assim, nos ocupamos com os obstáculos na ordem em que surgem
e os abandonamos na medida em que se disso lvem, para em seguida nos
ocuparmos com outros que vão aparecendo.
Podemos comparar a prát ica do relaxamento vigilante a uma estrada
que conduz ao centro de um país e ao longo da qual há vár ios obstáculos. Ao
passarmos pelos obstáculos sem perder a consciência, vamos penetrando mais
e mais no país dos sonhos.
Um erro a ser evitado é o de tentar simplesmente rechaçar os
obstáculos à força bruta. Ao fazê- lo, cr iamos um conflito entre nosso dese jo
de relaxar conscientemente e os desejos de inúmeros elementos psíquicos
inconscientes autônomos, os quais têm suas própr ias metas e não estão nem
um pouco interessados em nossa prát ica. Então ficamos estancados,
envo lvidos na tensão de forças opostas e até podemos retroceder.
Os obstáculos são superados na medida em que são assimilados e os
assimilamos quando os compreendemos. Ao invés de nos prendermos em uma
tensão de forças, melhor é observar o que se passa conosco, com interesse
sincero em descobr ir o novo.
À medida em que o relaxamento vigilante se apro funda, a consciência
se intensifica e não sofre a redução que se ver ifica no sono normal. Como
resultado, o corpo adormece e nos vemos dentro de um sonho com plena
lucidez e discernimento. Então compreendemos que estamos em uma
dimensão existencial paralela à vígil e exclamamos: "Eu, agora, estou dentro
de um sonho."
Ao nos acostarmos, convém que o façamos em uma posição cômoda e
que sint amos o ato de dormir com toda naturalidade, exatamente como o
fazemos quando estamos cansados, porém conscientemente. Este empenho em
manter a consciência não deve ser entendido como um esforço mas s im como
o ato de nos darmos conta cont inuamente do que está se processando. Trata-
se apenas de manter a atenção no presente, acompanhando tudo o que ocorre
conosco à medida em que relaxamos mais e mais.
A compreensão se forma pela percepção do que ainda não havia sido
percebido e isso se consegue pela observação.
Aplicando esta técnica, at ingimos um ponto em que nossos
pensamentos e imaginações se tornam muito nít idos e vivos, o que indica que
já estamos ingressando no país dos sonhos, ou seja, que estamos no ponto em
que nossa estrada acessa o "lado de lá" da fronteira.
O relaxamento vigilante se apro funda, portanto, a part ir da lucidez e da
compreensão e não do simples esforço cego.
O empenho em manter a lucidez é completamente dist into do empenho
em manter o corpo físico desperto e at ivo. Não devemos resist ir ao sono mas
devemos nos empenhar em manter a lucidez, levando-a conosco até o final,
quando at ingiremos adiantados níveis de letargia corporal.
Observar a progressão do relaxamento de modo cont ínuo é estar
concentrado e atento. Se nos descuidarmos da atenção, nos dist raímos e
perdemos a oportunidade.
O sono e o sonho são indispensáveis à saúde fís ica e psíquica. Ao
acompanhá- los conscientemente, permit indo que t ranscorram normalmente,
nos tornamos co laboradores de um processo natural e benéfico.
* * *
Para melhor entendimento, podemos dividir a aplicação da técnica nas
seguintes etapas:
1. Escolha uma posição que lhe pareça cômoda e relaxante para dormir.
Sinta-se adormecendo com toda naturalidade (mas sem perder a lucidez)
focalizando a atenção em si mesmo.
2. Procure desfazer todas as tensões musculares que detectar (as piores
são as da cabeça e do rosto). Aprofunde um trabalho incansável de encontrar
e desfazer tensões.
3. Quando perceber o corpo físico bem relaxado, esqueça-o. Comece
então a acompanhar conscientemente a procissão de imagens que desfilam em
sua mente e as emoções que lhes correspondem. Observe o teor de cada uma
delas: o que dizem, o que contém, a que se referem. Esco lha uma e a
acompanhe. Prossiga ass im até vê- la e ouvi-la inter iormente com a mesma
nit idez com que normalmente são escutados ou vistos os objetos fís icos
quando estamos com os o lhos abertos.
4. Receba as pr imeiras imagens onír icas tal como lhe chegarem. Não
tente contê- las ou compará- las a nada. Nesta altura você deverá estar no
sonho lúcido.
5. Tente deslocar-se dentro do sonho e boa viagem.
Observação:
Os sonhos lúcidos não são r ecomendáveis para pessoas super st iciosas ou que
tenham fobia do sobrenatural. Como nos t ranspor tam a estados de r eal idade ainda não
muito assimilados por nossa extrover t ida cul tura ociden tal , são exper iências psicológi cas
que requerem in teresse genuíno em se con tatar a dimensão tr anscenden te do espír i to
humano.
Referência bibliográfica:
HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o
Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.
Parte III
Reconhecendo o sonho enquanto o sonho acontece
A percepção consciente dos traços oníricos sutisPor Cleber Monteiro Muniz em 09/05/01
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r
T ex t o r e g i st r a d o.
Além dos elementos fortemente subversores da lógica formal fáceis de
detectar, que ser iam totalmente impossíveis e absurdos para o mundo da
vigília , os sonhos são r icos em traços sut is que os denunciam. Correspondem
a combinações de acontecimentos que se encaixam perfeitamente na lógica
vígil mas que não correspondem à conformação usual do que vivemos
diar iamente ou à "forma como as co isas dever iam estar". São alterações leves
na forma como as co isas comumente estão.
Nossa casa com um quadro novo, nosso carro com um arranhão que não
possuía no dia anter ior, nosso computador fora de lugar ou com um comando
diferente não são impossíveis e nem absurdos para a lógica em que vivemos
durante o dia. No entanto, podem auxiliar a reconhecer um sonho.
Se nos acostumamos a usar as alterações na conformação usual de
acontecimentos de nossa vida como est imulador da recordação em discernir, o
faremos sempre que algo novo acontecer. Isso repercurt irá à no ite.
O importante é nos educarmos para sempre reagir a tudo o que é novo
com a observação da realidade em que nos encontramos. A observação não
deve ser passiva, automát ica mas sim at iva e consciente.
A part ir do momento em alguma novidade nos chame a atenção,
precisamos observar os acontecimentos presentes à procura de mais
alterações ou novidades até que descubramos se realmente estamos no mundo
fís ico. Quando o lharmos ao redor, temos que fazê-lo buscando alterações na
realidade, acontecimentos est ranhos.
A prát ica de observação para o discernimento se fundamenta na
estranheza. O que não for usual deve nos causar est ranheza. Devemos
estranhar tudo o que se desloque da configuração usual de acontecimentos
que conhecemos. Se nos educamos para perceber as alt erações sut is, as
grandes alterações e os grandes absurdos serão ident ificados pe la consciência
onír ica.
Nossa consciência, adormecida, é míope para as alterações sut is. Nos
sonhos elas surgem aos milhares e não as vemos. Por meio da educação da
atenção, no entanto, aprendemos a captá- las conscientemente mais e mais.
A percepção consciente do sut il precisa ser exerc itada com cuidado e
disciplina durante o dia. As leves alt erações na configuração dos
acontecimentos diár ios precisam ser tomadas como mot ivo de observação e
auto-quest ionamento a respeito da dimensão da existência em que estamos
num dado momento.
É claro a reação consciente ao sut il não implica em abandono do
cuidado observacional em face de situações extremas como uma viagem a um
país para o qual nunca fomos ou um cão falando ao telefone.
Os t raços t ipicamente onír icos, indicadores da realidade fantást ica,
apresentam uma escala que vai das pequenas modificações do que pertencer ia
à realidade t ridimens ional até o extremo das situações completamente
impossíveis e absurdas. A subversão da lógica víg il apresenta graus aos qua is
a consciência educada estará atenta. Seu campo abrangerá os indicadores
pequenos e os grandes.
Há casos em que a diferenciação entre os modos de realidade vígil e
onír ico é muito difícil por ambos se apresentarem à pr imeira vista como
idênt icos. Quando isso ocorre, a tarefa de discernir é como a de diferenciar
dois irmãos gêmeos: exige uma observação acurada que vá além do que se
revela à pr imeira vista.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
O reconhecimento da realidade intra-onírica durante o sonoPor Cleber Monteiro Muniz em 25/04/2001
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r . T e xt o r e gi s t r a d o.
" I ’ v e g o n e b e y o n d to s e e th e t ru th " ( I r o n Ma i d e n)
Os sonhos pertencem à anatomia sut il do homem. Inacessíveis
diretamente aos sent idos externos, escapam a análises que negligenc iam sua
natureza essencial ao não tomá-los tal como são: acontecimentos sut is e
pertencentes ao universo imaginal.
Pelo subdesenvo lvimento das endopercepções, há quem tome os sonhos
como fenômenos "virtuais", algo ao est ilo das imagens cinematográficas ou
das simulações por computador.
No que se refere à inexistência dos sonhos enquanto concretude
exter ior isso é verdadeiro. Os fenômenos onír icos e os virtuais realmente
possuem uma mesma modalidade de inexistência: a exter ior concreta. Sob
esse aspecto são idênt icos. Porém há uma diferença que precisa ser
considerada.
Quando presenciamos cenas simuladas na televisão ou em
computadores, mantemos o discernimento de estarmos em contato com
imagens não concretas do ponto de vista externo. Ainda que so framos pelo
dest ino do mocinho da histór ia ou fiquemos amedontrados com o monstro que
surge na tela, sabemos que aquilo não está fis icamente presente. Mesmo no
caso de t ransmissões ao vivo, nossa consciênc ia de que as imagens da tela
diferem do objeto representado é mant ida. Compreendemos que as pessoas,
animais e paisagens visualizados não estão exter ior e concretamente inser idos
dentro do aparelho. É preservado o discernimento do teor das cenas.
Algo oposto ocorre nos sonhos usuais. Enquanto o corpo físico repousa
na cama, o ego sonhador saboreia vivamente as imagens que desfilam diante
dele. Não há, no estado onír ico usual, o discernimento de estarmos sonhando.
O teor das cenas contatadas não é compreendido. Em decorrência disso,
acredit amos estar "acordados" (vivendo no mundo vígil) em pleno sonho e, a
despeito dos muitos sinais indicadores presentes, não nos damos conta de
nossa inserção em um universo imaginal. Dificilmente temos um sonho como
o relatado por Jung em "Memórias, Sonhos e Ref lexões" , no qual lhe apareceu
a imagem da esposa já falecida e havia a lucidez de que a cena era onír ica.
Ident ificados com as imagens, não nos ocorre, em situações normais,
uma auto-indagação de que podemos estar em um mundo de sonhos.
Sob o aspecto supra-citado, os sonhos e as imagens virtuais diferem
totalmente. Nos pr imeiros não há o discernimento e no segundo há.
A indist inção entre realidade onír ica e vígil provém do alto grau de
numinosidade dos objetos que percebemos. Mediante a recordação de
exper iências onír icas conscientes (sonhos lúc idos) descobr imos que as
viagens noturnas nos levam a regiões de nós mesmos que apresentam impacto
numinoso e impressão de realidade idênt icos aos do mundo fís ico e até mais
int ensos.
A confusão da realidade externa com a interna enquanto dormimos é
acompanhada pela fuga aterrorizada nos pesadelos ou pela crença de termos
nos sonhos as mesmas obr igações da vida t r idimensional.
Mediante a educação da atenção durante o estado de vigília, podemos
transcender esse condic ionamento e, aos poucos, vamos despertando nos
mundos internos. Isso pode parecer novo e até est ranho para nós mas não para
as culturas indígenas e or ientais. Também não era est ranho nos tempos
ant igos. No t ibete, os sonhos lúcidos são t rabalhados por meio da medit ação
(Harar i & Weintraub, 1993)
A existência de uma modalidade específica de vigília intra-onír ica, um
estado alterado de consciência no qual o sonhador possui a lta lucidez, é
abordada em trabalhos de LaBerge (apud Lucid ity Inst itute) e Eeden (1913).
Não assimilamos pro fundamente, em nossa consciênc ia atual, a
existência de outras vidas e realidades paralelas à vígil. Nesse campo, t ribos
norte-americanas e as iát icas têm a lgo a nos ensinar (Harnisch, 1999).
Em parte, nosso atraso nesse campo se deve à indist inção entre ciência
e intelecto. Ao contrário das culturas indígenas, ser ia impensável, na
moderna cultura ocidental, um homem de ciência que não fosse intelectual. O
efeito colateral dessa unilateralidade é a exc lusão de modalidades conscientes
de exper iências inacessíve is ao instrumento de cognição culturalmente
legit imado. Como tais exper iências são, além de humanas, arquet ípicas,
prosseguem reforçando tendências míst icas à margem da ciência e, não
poucas vezes, entre pessoas com pequeno grau de instrução.
Nós, ocidentais modernos, nos po lar izamos excessivamente na
extroversão e acreditamos que os reinos inter iores não existem ou, quando
muito, existem sob a forma "virtual". Em razão desse funcionamento
consciente po lar izado e fixo, não temos ainda uma avançada e ofic ialmente
reconhecida cu ltura de sonhos que se equipare a de certos povos que resistem
ao furacão etnocida que varre o planeta. Parece-me importante que
aprendamos a arte do sonhar e o cult ivo da consciência intra-onír ica com as
culturas pr imit ivas, ant igas e orientais. É importante que resgatemos o
conhecimento que possuem e que as ajudemos a preservá-lo e difundí-lo.
O menosprezo para com modalidades de ciência pertencentes a culturas
diferentes da nossa pode estar ocultando um preconceito racista eurocêntr ico:
por t rás da negligência pode haver a crença de que a cultura do homem
branco pertence ao topo do processo evo lut ivo humano e abarca todas as
formas possíve is de cognição.
Referências bibliográficas:
EEDEN, Freder ik van. "A Study of Dreams". (1913) Reprodução via int ernet
em março de 2001. Psy c o lo g y.a b ou t . c o m/ sc i en c e / psy c h o lg y / l ib ra r y/ we ek ly /a a 1 0 3 0 0 0 a .ht m
HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias :o
Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.
HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de
A a Z interpretados à luz da psicologia . (Das Grosse Traumlexikon: Über
1500 t raumsymbole von A bis Z psycho logisch gedeutet).Trad. de Enio
Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.
JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões . Trad. de Dora Ferreira da
Silva. Vigésima Pr imeira Impressão. Editora Nova Fronteira.
LUCIDITY INSTITUTE. Perguntas mais comuns (e suas respostas) sobre o
sonho lúcido . In: Jornal Sonhos no 1. Disponível via int ernet em janeiro
de 2001. www. g ol d . c o m. br /~ so nh o s / lu c id e z . ht m l
O discernimento pela memória residualPor Cleber Monteiro Muniz em 03/04/2001; a tual izado em 24/02/2004.
Durante o sonho persiste no ego uma recordação residual, semi-
consciente, de que as at ividades da vida víg il terminaram. É uma recordação
tênue porém normalmente está presente e pode ser ut ilizada como apo io para
discernirmos que estamos fora da vida fís ica. Trata-se de uma memória
residual de nos termos deit ado e concluído os nossos afazeres diár ios. À
medida em que os agregados psíquicos são disso lvidos, essa recordação
aumenta de modo natural.
Podemos ut ilizá- la como recurso adicional para desenvo lver a lucidez:
ao nos perguntarmos, intra-onir icamente, se estamos ou não no mundo dos
sonhos, podemos nos valer da recordação tênue para obter a resposta.
É imprescindíve l confer ir a esse procedimento um significado adicional
e não subst itut ivo. O discernimento pela memória residual não subst itui a
prát ica de o lhar para os objetos externos buscando a revelação do mundo em
que estamos. Tampouco subst itui as est ratégias de adormecer
conscientemente ou de atentar para fatos que desafiam a lóg ica
tridimensional.
A refer ida modalidade de discernimento consiste em buscar a resposta
na recordação e não na observação. Para sabermos se estamos em sonho, nos
perguntamos: "Eu já me deitei para dormir ou não?" . Se houver uma
recordação tênue, ela pode nos dar a resposta. Completa-se o t rabalho com a
observação externa lúcida e ver ificatório-confirmatór ia, além da constatação
de acontecimentos t ípicos da lógica fantást ica. Temos que entender que a
pergunta pr incipal ("Em que mundo estou?"), cuja resposta é baseada na
observação, não é descartada em função da secundár ia. Esta a completa no
caso da mesma não ser suficiente para proporcionar a lucidez onír ica. Quando
a diferenciação for muito difícil, por tudo estar muito igual à realidade fís ica,
podemos apelar para a pergunta secundár ia como meio de instalar uma
desconfiança inicia l.
Uma desconfiança com relação ao caráter numinoso das cenas é
indispensável no discernimento. É justamente a numinosidade, associada à
idéia inconsciente de que não existem reinos inter iores com impacto de
realidade equiva lente ao fís ico, que nos leva forçosamente a sempre acredit ar
que estamos na vida t r idimensional, ainda que estejamos fora dela.
No que se refere à aquis ição de lucidez, há do is t ipos de sonhos:
1. Sonhos que apresentam anormalidades que os denunciam;
2. Sonhos idênt icos à realidade exter ior.
A pr imeira modalidade onír ica é facilmente reconhecida pela
observação das cenas circundantes. Apresentam elementos subversores da
lógica vígil: acontecimentos absurdos, rupturas lógicas, saltos no tempo e no
espaço. A lucidez, nesse caso, requer apenas que se prat ique no mundo físico
um estado de alerta com relação a tudo o que fugir da lógica comum.
A segunda modalidade é a mais difícil de ser reconhec ida pelo
sonhador. Nesses casos, os sonhos são compactos, espessos e coerentes. Os
enredos são longos e marcados por uma semelhança muito grande com a
realidade fís ica. O ego onír ico não vê absurdos e, por tal mot ivo, não detecta
diferenças com relação ao mundo exter ior. A observação da cenas
circundantes não surte efeito em tais sonhos porque não há t raços de
onir ic idade a serem observados.
O onironauta que conseguir luc idez nos sonhos idênt icos à realidade
exter ior conseguirá facilmente a lucidez nos demais. O único elemento que a
permit e é a memória autobiográfica recente e altamente recenta por conter a
lembrança residual de onde est ivemos há pouco.
Deste modo, há duas maneiras de exercitar o discernimento: 1) pela
observação dos fatos externos; 2) pela recordação de onde est ivemos.
A memória onír ica autobiográfica recente e altamente recente é
residual pela falta de uso. Podemos t irá- la da atrofia ao exercitá-la por meio
de auto-indagações como: "já adentrei ao sonho?", "será que não deixei meu
corpo dormindo há pouco?", "estas cenas tão evidentemente reais e fís icas
que vejo não podem ser já as cenas de um sonho?".
O exercício precisa ser repet ido infinit amente no mundo fís ico, durante
o estado vígil. O segredo consiste em sent ir no fundo do coração as
perguntas, querendo sinceramente a resposta verdadeira. É algo emocional e
não racional, como parece à pr imeira vista; t rata-se de sent ir o desejo de
descobr ir. A emoção é chave. Quanto mais int ensa e pro fundamente
dese jarmos a resposta, maiores serão as chances de discernirmos que estamos
sonhando.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
Parte IV
Exercitando o discernimento e testando a realidade
Cuidados na educação da atenção vígil
(Educação Psíquica para o Despertar Intra-Onírico)Mu n i z, C . M . (2 0 0 1 ) . A E x p er i ê n c ia O n í r i ca C o n sci e nt e : Ed u ca çã o P s í qu i ca pa ra o De sp e r ta r I n t r a -O ní r i c o
( t í tu l o or ig i na l ) . Ca t ha r s i s , a n o 7 , n . 3 9 , p p. 8 -9 . Ma r i g n y & Ke r b er .
Originalmente publ icado na r evista Cathar sis. Úl t ima atualização em 14 de janeiro de
2002.
Por Cleber Monteiro Muniz
"I prepared mysel f for carefull observat ion, hoping to prolong and to in tens if y the
luc idi t y"
(Frederik van Eeden)
O despertar intra-onír ico exige uma cu idadosa disciplina da atenção
durante o dia. Temos que aprender a discernir constantemente se estamos em
contato com cenas onír icas ou físicas.
O discernimento advém da constante educação do funcionamento
consciente durante a existência víg il, isto é, provém de um treinamento
psíquico efetuado enquanto estamos inser idos na realidade t r idimensional.
A análise dos sonhos revela que boa parte da dinâmica onír ica é reflexo
da postura consciente assumida durante o dia. A consc iênc ia pode influir
sobre funcionamentos inconscientes (Jung, 1963):
"(. . .) da mesma forma que o inconsciente age sobre nós, o aumento da
nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete sobre o
inconsciente." (p. 282).
Se quisermos obter sonhos lúcidos, temos que adquir ir o costume de
nos perguntarmos constantemente durante o estado de vigília:
"Onde estou? Estou em um sonho? Estas cenas que vejo são onír icas?"
A indagação precisa ser sincera e a dúvida verdadeira. É importante
que a resposta seja buscada pela observação direta dos acontecimentos
externos e, co loquemos muito cuidado nisso, sem o recurso à lógica ou ao
pensamento. Os raciocínios sabotam o discernimento. Na prát ica diár ia de
auto-indagação devemos subst ituir o raciocínio pela observação da realidade
circundante como meio de diferenciação. Por meio desta, a natureza onír ica
ou não-onír ica dos acontecimentos configurados na realidade presente que
nos cerca se revela por si mesma. A aprendizagem proposta é a de captar a
natureza do aqui-agora sent indo-a no fundo da consciência, por meio da
observação lúcida e sem inferências adicionais. Trata-se de aprender a ver o
mundo com o interesse sincero de descobrir o teor de sua existência. Para
tanto, os próprios elementos componentes da cena vivida e quest ionada nos
revelam se estamos sonhando. Não é necessár io que fiquemos pensando a
respeito para concluir, pela lógica que conhecemos, se estamos acordados ou
dormindo.
Ao focarmos a consciência durante o dia na realidade presente que nos
cerca, com o intuito de captar se estamos no mundo t ridimensional ou
onír ico, a estamos ampliando, aumentando. Isso se reflete à no ite. Em pleno
sonho, repet imos o funcionamento consciente indagatório ao qual nos
acostumamos. Disso resultará o reconhec imento de que adentramos à
realidade imagina l paralela à fís ica.
Convém por cuidado em dist r ibuir as indagações ao longo de todo o
per íodo vígil, evitando concentrá- la em apenas uma parte do dia. Se não
atentarmos a este ponto, concentraremos igualmente a aver iguação dos
estados de realidade em apenas uma parte da no ite, negligenciando os demais
per íodos de sono que também dever iam ser aproveitados.
A rea lidade onír ica se revela naturalmente ao observador atento porque
a lógica que a rege subverte a lógica dos acontecimentos t ridimens ionais. Na
maior ia das vezes os sonhos contém elementos denunciadores de seu caráter
fantást ico e interno. São eles os acontecimentos impossíve is para o mundo
exter ior, perfeitamente ident ificáveis como pertencentes a um "estado de
realidade incomum" (Castaneda, 1968).
Nossa vida possui duas faces parale las: a vígil e a onír ica. Ambas são
igualmente reais à sua própr ia maneira e merecem cuidado.
Extroversivamente po lar izados, desprezamos o mundo dos sonhos e o
tratamos como se não exist isse. Em decorrência dessa postura, não
desenvo lvemos a lucidez intra-onír ica. Nos sonhos, acreditamos estar em
contato com cenas exter iores po is, segundo nossa visão comum, não há outro
mundo além deste.
O condicionamento é revert ido ao colocarmos a consciência vígil em
função do despertar intra-onír ico, o que conseguimos quando nos
acostumamos a ver ificar constantemente durante o dia se estamos dentro de
um sonho ou dentro da realidade exter ior. A constante ver ificação ou "testes
de realidade" (Harar i & Weintraub, 1993) precisa ser feita de modo
incansável durante os momentos em que o corpo fís ico está at ivo.
A disciplina constante repercurte no inconsciente, nas horas do sono.
Então at ivamos o funcionamento consciente intra-onír ico e podemos viajar
pelas mais remotas paragens do mundo inter ior. Podemos ult rapassar em
muito as fronteiras do usual e faremos isso protegidos. Os r iscos de inflação
ficam reduzidos quando compreendemos que as cenas com as quais estamos
em contato não pertencem à realidade fís ica.
Ocorre, no entanto, que alguns de nós, simpat izantes das viagens
int er iores, t ransformam a lucidez onír ica em problema. Ansiosos por obtê-la,
às vezes nos tornamos obsecados pelo discernimento durante o dia. Há que se
por um cuidado especial neste ponto. A ans iedade por discernir claramente
durante o dia para que isso repercurta à no ite desvia o foco da atenção
consciente sem que o percebamos. Ao invés de nos darmos conta da realidade
em que estamos, passamos a ficar ident ificados e fascinados pela idéia de
descondicionar, no mundo tr idimensional, o funcionamento consciente e
nascer para um mundo novo à no ite. Embora pareça paradoxal, essa
fascinação impede a instalação do correto funcionamento da atenção
proporcionadora de sonhos lúcidos.
A atenção corretamente disciplinada é natural, relaxada e não tensa.
Não é ansiosa. Exclu i as vár ias formas de fascinação, inclusive a fascinação
pela idéia de acordar, pois esta dist rai. A dist ração absorve a consciência e
rouba a atenção. Como poderemos estar atentos se estamos dist raídos, ainda
que seja com a própr ia idéia de estar atento?
Há uma diferença entre estarmos naturalmente alertas, discernindo por
meio dos "testes de realidade" e estarmos ansiosos e fascinados pelas belezas
e alegr ias que podem ser proporcionadas pe los sonhos lúcidos.
O exercício da endopercepção em estado de alta lucidez t ranquila
durante a profunda letargia corporal é a chave para adentrarmos ao mister ioso
reino noturno. Nesse estado não usual de consciência, nos deparamos com
entes arquet ípicos e podemos nos exper imentar como seres mito lógicos sem
perder a consciência de quem somos enquanto ego. Podemos vivenciar o ser
pássaro, rocha, r io e árvore. Podemos ir às est relas e mergulhar na vast idão,
retornando ass im que desejarmos.
O retorno ao universo vígil após a exper iência não é difícil. Para isso,
basta nos lembrarmos do nosso corpo deitado na cama e sent í-lo . O simples
ato de sent ir a forma densa é mais do que sufic iente para atar novamente a
consciência à mesma. As exopercepções são imed iatamente recuperadas, os
movimentos recobrados e nos vemos de novo em nosso quarto, em nossa
cama.
Referências:
CASTANEDA, Car los. A Erva do Diabo: as experiências indígenas com
plantas alucinógenas reveladas por Don Juan. (The Teachings o f Don
Juan, 1968). Trad. de Luzia Machado da Costa. 12a edição. Record.
JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões. Trad. de Dora Ferreira da
Silva. Vigésima Pr imeira Impressão. Editora Nova Fronteira.
HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o
Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli
Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.
O presente como porta para a realidade onírica naturalPor Cleber Monteiro Muniz em 23/02/01
(publ icado na r evista Cathar sis)Mu n i z, C . M . (2 0 0 1 ) . O P r e sen t e c o m o P or ta pa ra a R ea l i da d e I nt r a -o n í r i ca Na tu ra l . Ca tha r si s , a n o 7 ,
nú m er o 3 8 , p p. 1 4 -1 6 . Ma r ig n y & Ke r be r .
O nosso funcionamento consciente usual não nos mantém em contato
constante com a realidade imediata. Fascinada pelo poder hipnót ico dos
pensamentos mecânicos e subjet ivos, função da mente autônoma e rebelde,
nossa consciência se processa em modo medíocre. Apesar do nosso
assombroso desenvo lvimento intelectual, so fremos a perda da faculdade de
viver no presente.
A vivência intensa do agora é natural e está latente nos seres humanos,
podendo ser at ivada pelo uso. Trata-se de um funcionamento arquet ípico da
psique que aflora à medida em que é at ivado.
As cr ianças, os animais e os povos pr imit ivos ainda conservam,
algumas vezes, t raços mais ou menos marcantes desse modo de sent ir a
realidade.
O homem moderno ocidental so freu uma atrofia desse poder por
supervalor izar a mente e po lar izar-se excess ivamente na extroversão. Ao não
perceber seus própr ios processos internos, ele não pôde vigiá-los. Por outro
lado, o endeusamento do raciocínio como forma única de acesso à realidade
fez com que seus processos mentais se acelerassem mais e mais. Como
resultado, sua mente se tornou autônoma: ela não obedece ao comando da
consciência e pro jeta pensamentos sem que isso lhe seja so lic itado.
Dotados de um poder hipnót ico fort íssimo, os pensamentos impedem o
estado de alerta. A consc iência adormece entre eles, deixando-se fascinar.
Ident ificada com os processos mentais, se esquece da dist inção que a separa
dos mesmos. O resultado é a incapacidade de enxergarmos a realidade
presente na qual estamos inser idos.
A rea lidade possui do is lados: o interno e o externo. Ambos estão no
agora.
Se quisermos adentrar ao universo inter ior, precisamos aprender
vivenciar o presente com pro fundidade cada vez maior. Por essa razão,
Kornfie ld (1995) considera que "penetrar no momento presente é a primeira
entrada nos domínios espirituais pois estes não estão nem no passado e nem
no futuro. O passado é mera lembrança e o futuro pura imaginação. O
presente fornece a porta de entrada em todos os reinos da consciência que
estão além das nossas atividades cotidianas normais. Estar aqui exige uma
fixação da mente, uma concentração e uma atenção. É a velha frase dos
cassinos de Las Vegas: ‘Você tem de estar presente para ganhar’. " (p. 160)
O mesmo estado conscient ivo t inham os samurais nos combates e fo i
cult ivado no Jeet Kune Do de Bruce Lee. Porém, nesses casos o alerta era
aplicado a uma finalidade física.
A educação da consciência para contatar o mundo inter ior passa pelo
exercíc io de estar presente. À medida em que nos acostumamos a viver no
agora, tomamos consciência de muitos acontecimentos inter iores que estavam
na sombra. Entretanto, temos que focar o aspecto interno do agora. Não se
trata de olhar o presente exclusivamente pe la via da extroversão. É preciso
recordar sempre que há um mundo interno que nos acompanha a todo
momento.
O presente possui vár ios aspectos que vão sendo gradat ivamente
absorvidos pe la consciência à medida em que ela se educa. Um deles é o
nosso comportamento, aquilo que estamos fazendo no agora. Ele envo lve os
pensamentos, os sent imentos, os movimentos, as tendências inst int ivas e a
sexualidade, entre outros, e se relaciona com a assimilação das múlt iplas
facetas do inconsciente. Outro aspecto do presente é o lado de nossa
existência em que estamos em um dado instante. Esse aspecto envo lve uma
questão que normalmente chama atenção de poucas pessoas e que se relaciona
com a possibilidade de estarmos, em certos momentos da nossa vida, dentro
de um sonho ( litera lmente). Na maior ia das vezes, o ego sonhador não se dá
conta da realidade presente que contata durante a no ite. A consciência egó ica
em geral não sabe que está sonhando enquanto o corpo dorme. Se aprendemos
a vivenciar int ensamente o presente durante o dia, o faremos também durante
à no ite, dentro do inconsciente. Ao fazê- lo, acordaremos para uma realidade
psíquica parale la, que existe dentro de nós e forma um mundo imagét ico.
O mundo inter ior é real e concreto. Embora seja sut il, energét ico e
dotado de objetos com formas alt amente plást icas, sua existência não é
ilusór ia. Devemos por cuidado nas questões psíquicas porque elas nos afetam
tanto quanto as questões externas. Para Jung (1984) é um erro atribuir à
realidade externa o status de realidade única:
"É muito dif ícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato
imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a
procura. Ela existe, embora não sob uma forma f ísica. Ë um preconceito
quase ridículo supor que a existência só pode ser de natureza corpórea
[ física] . Na realidade, a única forma de que temos conhecimento imediato é a
psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência f ísica é pura dedução
uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens
psíquicas, transmitidas pelos sentidos." (p. 14)
Assim como aprendemos a viver no mundo exter ior, temos que nos
desenvo lver conscientemente no mundo inter ior. Isso implica em estarmos
acordados para ele o tempo todo, observando-o. Mas não poderemos fazer
isso se est ivermos fora do presente, imersos em pensamentos. Há uma
diferença entre observar a psique e pensar sobre a psique. Quando a
observamos, seus componentes são vistos objet ivamente. Se ficarmos
pensando, veremos apenas os pensamentos que nós mesmos for jamos
ego icamente.
A rea lidade inter ior é tão vasta quanto a exterior e forma um mundo
análogo ao fís ico sob certos aspectos e ao qual pertencem os sonhos, as
fantasias, os pensamentos e os sent imentos. Esse mundo contém imagens que
mantém correspondência com os elementos exter iores e que, muitas vezes, se
formaram a part ir do contato com eles. Trata-se de um mundo real à sua
maneira e ao qual adentramos quando sonhamos à no it e. Esse mundo é tão
real que seus efe itos se fazem sent ir fis icamente (Jung):
"Quando você observa o mundo, vê gente, vê casas, vê o céu, vê o
objetos tangíveis. Mas quando você se observa interiormente, vê imagens
animadas, um mundo de imagens que são, em geral, conhecidas como
fantasias. Entretanto, essas fantasias são fatos. É um fato que um homem
tinha esta ou aquela fantasia, uma fantasia tão tangível que, quando um
homem tem uma certa fantasia, um outro homem pode perder a vida ou uma
ponte pode ser construída. Todas essas coisas foram fantasias. . . Convém não
esquecer isto: a fantasia não é o nada." (apud Saiani, 2000, p.34, gr ifo meu)
Essa idéia de um mundo inter ior real é compart ilhada por Saiani para
quem o pressuposto de que a "realidade objetiva" e o "puramente subjetivo"
diferem é preconceituoso uma vez que a realidade abrange eventos físicos e
psíquicos ( idem, p. 90). Levada adiante, isso significa que existem objetos
psíquicos assim como existem objetos fís icos e que nem sempre o psíquico é
subjet ivo.
Além disso, JUNG (1986) entende que o ego possui seu própr io mundo,
no qual está cont ido, e que esse mundo é a alma, sendo sensato considerá-lo
tão válido quanto o mundo empír ico uma vez que possui tanta realidade
quanto ele. Segundo seu pensamento, a psico logia dever ia reconhecer que o
fís ico e o espir itual coexistem na psique e que por razões epistemológicas,
esse par de opostos fo i c indido pelo homem ocidental.
À medida em que educamos nossa consciência para viver no presente e
não reagir evit ando a visão do desagradáve l, ela vai amadurecendo. Isso
provoca o seu aumento pela descoberta do novo. Se a discip lina prossegue,
at ingimos um ponto em que ficamos lúcidos dentro dos sonhos enquanto o
corpo fís ico dorme (Harar i & Weintraub, 1993). Então, podemos exp lorar as
distantes terras inter iores po is "da mesma forma que o inconsciente age sobre
nós, o aumento da nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete
sobre o inconsciente."(Jung, 1963, p. 282). Esse r icochete é uma mudança na
forma dos sonhos se processarem: seus conteúdos se modificam como
resultado da ampliação da consciência do/no aqui-agora. Levamos para dentro
deles essa vigília, esse viver imbuído da realidade presente. Passamos, então,
a viver acordados no sonho, plenamente lúcidos.
Quando nos damos conta do teor da realidade onír ica presente, à no ite,
vivenciamos seus instantes intensamente e compreendemos que estamos
sonhando enquanto nosso corpo físico dorme na cama.
Os sonhos correspondem a uma dimensão real de nossa existência que
começou a ser estudada pela ciência há pouco tempo. Nós a chamamos de
inconsciente porque não temos, usualmente, contatos conscientes e diretos
com ela (Sanford, 1988):
"(. . .)eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra
dimensão de nossa personal idade a qual, pelo fato de não termos consciência
da mesma, é chamada de inconsciente." (p.29, gr ifo meu):
Essa outra dimensão começou a ser estudada pela ciência apenas nos
últ imos cem anos. Os desafios cognit ivos que ela lhe lançou estão sendo
invest igados cada vez mais ser iamente:
"Durante o século XX, o sonho volta a se tornar objeto válido de
estudo e investigação. E temos, por exemplo, as pesquisas sérias relativas ao
sono e aos sonhos que começaram a ser feitas depois da Segunda Guerra
Mundial."( idem, p.15)
O mundo dos sonhos é alvo de int eresse da ciência e não um atr ibuto
exclusivo do mist icismo. As exper iênc ias míst icas são, antes de tudo,
exper iências humanas que devem ser abordadas desde o ponto de vista da
cultura em que surgem. A postura verdadeiramente cient ífica visa adquir ir o
conhecimento e se aproximar progressivamente da verdade, at ravés de
sucessivas e temporár ias construções teóricas. Se quisermos compreender
verdadeiramente uma exper iência humana de t ipo míst ico, e esse algumas
vezes é o caso da exper iênc ia onír ica consc iente - que para certas correntes
de pensamento possui significado profundamente religioso - não podemos
rechaçá- la por não se enquadrar em moldes teóricos r ígidos e inadaptáveis,
arbit rar iamente estabelecidos a priori . Isso ser ia uma ant i-ciência que
acarretar ia num agnost icismo (a negação do conhecimento). Aquele que se
int it ula agnóst ico é um ignorante po is adota para si um nome cujo significado
lit eral é: "aquele que desconhece’’ , ou seja, assume para si própr io e para os
demais um rótulo que o ident ifica como um desconhecedor, desqualificando
os conceitos que emit e sobre alguns aspectos da realidade, em geral
incorretamente abordados sob a alegação de serem falsos. Orgulhar-se disso é
orgulhar-se de estar contra o conhecimento, ou seja, em favor da ignorânc ia.
Esses são os que negam a existência de uma realidade usualmente invis íve l
em uma d imensão supra e infra-sens ível dentro do homem e o fazem por duas
razões: ela não se encaixa em suas est ruturas intelectuais, instrumento único
de cognição que possuem, e ameaça a visão de mundo que construíram
durante toda a vida e sobre a qual er igiram os castelos de are ia de suas
existências. Entretanto, a teoria deve se modificar para acompanhar os fatos e
não o contrário. Além do mais, é melhor apro fundar e ampliar, pela
observação e exploração, a compreensão da maneira como se processa um
fenômeno do que ficar imóvel especulando sobre suas causas a part ir de uma
lógica excludente e supervalor izada como única.
Mas não nos distanciemos muito do nosso assunto.. . Os sonhos lúcidos
existem, estão documentados por muitos cient istas e provam que a dimensão
intra-onír ica possui um instante presente, um agora no qual um mergulho é
possível. Além desta dimensão em que vivemos durante a vig ília, há outra: a
dimensão do inconsc iente, de onde os sonhos provém e à qual podemos
adentrar se cult ivarmos a vivência no presente como fazem certos ascetas
t ibetanos, os quais viajam para remotas paragens de si mesmos levando
consigo a consciência plena, façanha obt ida por meio do relaxamento
vigilante e pro fundo (Harar i & Weintraub, 1993). Ambas coexistem
paralelamente e fazem parte da natureza, que possui do is lados: um denso e
outro sut il. O lado denso corresponde ao mundo fís ico, no qual se move o
nosso corpo, que é feito da mesma matér ia que compõe o mundo que o
envo lve. O lado sut il da natureza corresponde à parte energét ica do planeta e
do homem, na qual a ps ique está inser ida e de onde provavelmente provém
sua composição.
Por enquanto essas regiões naturais da ps ique ainda não são facilmente
acessíveis à exploração cient ífica, no atual estágio do seu desenvo lvimento,
mas a consideração sér ia das mesmas enquanto realidade passíve l de
invest igação livre e dos relatos de pessoas que realizam viagens onír icas
conscientes (sonhos lúcidos) podem abr ir novas portas nesse campo e ajudar
a diss ipar a ignorância a respeito, além de ocupar um espaço que de outra
forma poder ia ser dest inado a char latanismos mist ificatórios.
Referências bibliográficas:
HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o
Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli Berg.
Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.
JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões. Trad. de Dora
Ferreira da Silva. Vigésima Pr imeira Impressão. Editora Nova Fronteira.
JUNG, C. G. Psicologia e Religião (Zur Psycho logie West licher und
Öst licher Relig ion: Psycho log ie und Religion). Trad. de Pe Dom Mateus
Ramalho Rocha. Segunda edição. Petrópolis, Vozes, 1984
JUNG, C.G. & Wilhelm, R. (organizadores). O Segredo da Flor de Ouro:
Um Livro de Vida Chinês . Trad. de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza
Appy. Terceira edição. Petrópolis, Vozes, 1986.
KORNFIELD, Jack. Obstáculos e vicissitudes da prática espiri tual . In:
GROF, Stanis lav & GROF, Cr ist ina (orgs.): Emergência Espiritual: Crise e
Transformação Espiritual (Spir it ual Emergency: When Personal
Transformat ion Becomes a Cr isis). Trad. de Adail Ubirajara Sobral. São
Paulo, Cult r ix, 1995.
SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma anál ise da relação
professor/aluno. Pr imeira edição. São Paulo, Escr ituras, 2000.
SANFORD, J. A. "Os Sonhos e a Cura da Alma" (Dreams and Healing).
Trad. de José Wilson de Andrade. Terceira edição. São Paulo, Paulus, 1988.
Divu l ga çã o pr oi bi da s e m a u to r i za çã o d o a u to r .
A Tendência de Buscarmos um Artificial "Algo Mais"Cleber Monteiro Muniz em 3 de junho de 2002
Muitos asp irantes a onironautas intentam prat icar o discernimento sem
se darem conta de que cometem um erro: o de tomar art ific ialmente a
realidade onír ica. Inconscientemente, procuram um "algo mais" nos objetos
que observam à sua vo lta, acreditando que esse hipotét ico elemento ser ia o
fator de diferenciação entre os modos de realidade.
O "algo mais" ser ia uma natureza mágica espec ífica que, ao entrar no
campo de consciência do onironauta, tornar ia, segundo a equivocada
concepção sabotadora do inconsciente, a realidade do sonho imediata, facil e
inequivocamente reconhecível.
O hipotét ico elemento mágico ident ificador de modos de realidade não
existe nos sonhos e nem tampouco na realidade fís ica. O que existem são
elementos muito semelhantes mas que se combinam de modo a denunciar seu
caráter imaginal/ fís ico. As endopercepções onír icas são análogas às vígeis em
qualidade e intensidade, o que nos obr iga realizar a observação part indo do
pressuposto de que, se est ivermos sonhando, estaremos em um mundo muito
semelhante ao vígil (ao menos à pr imeira vista de um pr incip iante) em termos
de concretude e realidade.
O desejo inconsciente ou semi-consciente de enxergar um "algo mais",
além do que os objetos circundantes são em si mesmos, impede a
ident ificação da dimensão em que estamos.
A tendência de fazer, durante a prát ica do discernimento, um esforço
adicional para enxergar os elementos que nos chegam à percepção além de
sua aparência imediata se norteia por uma concepção insuspeit ada (e
possivelmente equivocada) do que ser ia esse "algo mais" inerente ao onír ico.
Na etapa de desenvo lvimento da consciência que estamos t ratando,
ident ifica-se corretamente o estado de realidade ao tomarmos as imagens que
nos chegam tal como são ao invés de tentar descobr ir nas mesmas um "algo
mais" que as ident ificasse como pertencentes a uma realidade t ranscendente.
A tentat iva de descobr ir esse "algo mais" desvia o curso da atenção.
Tomar as imagens em sua simplicidade natural e pr imeira significa
simplesmente vê- las o mais objet ivamente possível, com a maior r iqueza de
detalhes que a lcancemos e sem pensar a respeito do que vemos. O pensar
sobre é subst ituído pelo enxergar .
Quando raciocinarmos sobre o que estamos percebendo, ainda que
levemente e de modo quase impercept ível, paralisamos a consciênc ia e nos
distanciamos do discernimento.
O desenvo lvimento da lucidez intra-onír ica requer que miremos os
objetos onír icos que nos rodeiam do mesmo modo que far íamos se estes
fossem fís icos mas com a diferença de estarmos verdadeiramente abertos à
possibilidade de estarmos sonhando.
Como é impossíve l evit ar que concepções inconscientes se imiscuam na
prát ica, a alternat iva que resta é observar as cenas circundantes sob a idéia de
que, mesmo sendo onír icas, são reais, concretas e objet ivas, em nada
difer indo, sob este aspecto, das cenas acessadas em estado vígil. Assim, o
pressuposto inconsciente de que as objetos onír icos são sobrenaturais e
espetaculares é subst ituído pelo pressuposto de que são naturais e apenas um
pouco diferentes dos objetos físicos.
A fascinação mist icó ide provoca uma superva lor ização do
transcendente e esta, por seu turno, leva à procura do "algo mais", o que
condiciona a prát ica da atenção a um pressuposto equivocado.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
O descondicionamento dos parâmetros observacionaisPor Cleber Monteiro Muniz em 07/06/01
A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tados a fon te e o autor .
Durante o exercício diár io do discernimento, podemos incorrer no erro
de vic iarmos a observação.
A observação vic iada se pauta sempre sobre os mesmos sina is: busca os
indicadores onír icos de sempre. Quando as caracter íst icas diferenciadoras
estão ausentes do cenár io, o discernimento não é at ingido.
Ao esco lhemos determinados indicadores recorrentes e os esperamos
nos próximos sonhos, eles não aparecem porque há conteúdos inconscientes
para os quais não convém o despertar. Isso indica que seguem uma lei própr ia
e se evadem de serem usados como degrau para a lucidez.
A observação do mundo externo imediato focada em apenas um ou dois
aspectos ident ificadores de sua natureza normalmente fracassa. A pequena
quant idade de elementos diferenciadores buscados diminui as probabilidades
de reconhecimento.
Quanto maior for o número de indicadores buscados, maiores serão as
chances de despertarmos. A atenção deve ser focada sobre a realidade no
intuito de abarcar a maior quant idade possível de incoerências em relação à
lógica vígil.
Precisamos nos manter abertos para a detecção de qualquer
‘anormalidade’ que desafie a natureza fís ica dos acontecimentos e não apenas
a algumas que previamente esco lhemos. A abertura atencional deve ser
circular: livre por todos os lados.
A observação focada em apenas alguns elementos previamente
esco lhidos é uma observação excludente. Por ser excludente, não incluirá
sinais alhe ios aos egó icamente determinados e preciosos indicadores não
serão detectados.
Mas a ext irpação total da excludência não é possível, uma vez que
somos seres egó icos. Podemos, entretanto, atenuá-la pela educação diár ia da
atenção. Esta, quando empenhada em se manter sensível a múlt ip las
indicações, so fre uma alteração no sent ido de reagir ao estranho com auto-
quest ionamento. Por outro lado, quando fixada em apenas alguns indicadores,
cai num círculo mecânico de repet ições e fracassos. A fixação dificult a o
despertar.
O número de indicadores existentes no mundo onír ico de cada um de
nós é muito grande, senão infinito. A consciência pode assimilá-los a part ir
da análise vígil dos sonhos. Nas anotações, são ident ificáveis sit uações
t ipicamente onír icas não reconhecidas no momento em que se processaram.
Ao relermos nossas anotações ou simplesmente nos lembrarmos do que
sonhamos, podemos buscar ind icadores negligenciados e que poder iam ter
sido aproveitados como agentes de reconhecimento. A ass imilação
progressiva dos agentes torna a consciência mais sensível à realidade onír ica
e a leva a reagir com o discernimento ante quaisquer acontecimentos intra-
onír icos que desafiem a dinâmica vígil usual.
Bas icamente, tudo o que for diferente do rot ineiro é motivo para auto-
indagação e para observação cuidadosa. O que for ‘imprópr io’ ao momento,
ainda que não impossíve l, deve ser tomado como lembrete para se por
cuidado na atenção do meio circundante.
Se nos acostumamos durante o dia a reagir ao inusitado com
quest ionamento sobre sua natureza, faremos o mesmo à no ite.
São elementos diferenciadores: cenas que se alt eram bruscamente,
cenas que pertencem a momentos passados, temas onír icos recorrentes e
acontecimentos raros e/ou impossíveis para a realidade fís ica.
Em sínt ese, o que precisamos buscar é o pouco comum para este modo
de realidade em que vivemos: o raro, o inusit ado, o difíc il, e não apenas o
impossível.
O reconhecimento do sonho é facilitado quando ver ificamos se a
realidade que presenc iamos no agora nos fornece, entre outros, os seguintes
elementos: combustão ou movimento espontâneos de objetos, aviões que
caem do céu, mortos que falam ou se movem, fantasmas, partes do corpo que
caem ou apodrecem, sexo com uma pessoa inacessível e int ensamente
dese jada, at ividades incomuns para a nossa própr ia vida ou de alguém
conhecido, paisagens que não correspondem ao lugar ao qual pertencem etc.
Se os ident ificarmos no agora, a possibilidade de estarmos sonhando é muito
alta ou abso luta
Quando o leque da consciência se expande ao máximo, abarca o maior
número possível de acontecimentos raros, ou seja, de t raços onír icos t ípicos.
Ao fazê- lo, as chances de acordar dentro de um sonho se ampliam.
Ao ver ificarmos se estamos sonhando devemos procurar a resposta na
situação presente. Ela contém os dados que nos informam a respeito do modo
de realidade com o qual estamos em contato.
Um grande impecilho ao despertar desse modo especia l de consciência
é a incapacidade de crermos que podemos estar em um sonho aqui e agora.
Tal incapacidade der iva da crença de que não há outros mundos além do
tridimensional. Há pessoas que chegam a se perguntar se estão sonhando em
plena no ite e, não obstante, não conseguem aceitar tal possibilidade nem
mesmo quando estão diante dela. Em tais casos, chegamos a observar o
mundo onír ico mas não somos capazes de reconhecê-lo, sendo vit imados por
nosso próprio cet icismo. Ao nos depararmos com cenas nít idas e alt amente
numinosas, somos incapazes de aceitar tal possibilidade e não despertamos
para a realidade interna.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
A síntese de indicadores de realidades opostas na observação das
cenas circundantesPor Cleber Monteiro Muniz em 19/05/01
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r
T ex t o r e g i st r a d o.
No discernimento, o conhecimento dos t raços t ípicos do mundo físico é
tão importante quanto o conhecimento das caracter íst icas peculiares ao
mundo onír ico.
O poder de ident ificação do mundo em que estamos resulta da
consciência do que é exclusivo a cada uma das dimensões exist encia is. A
observação diár ia da realidade c ircundante com a int enção de reconhecê-la
não deve se pautar apenas por marcas que assina lem sonhos.
A presença de indicadores do mundo t ridimens ional aliada à ausência
de indicadores do mundo onír ico nos dá a certeza de que não estamos
sonhando e vice-versa.
A cont inuidade espaço-temporal dos acontecimentos é um indicador de
que não estamos fora do mundo físico. Nos sonhos, as cenas dão saltos no
tempo e no espaço, não apresentando cont inuidade. A pessoa que dialoga
conosco em um instante pode não ser a mesma no instante seguinte. A casa
dentro da qual estamos em um momento pode ser outra quando dela saímos.
No mundo fís ico, pelo menos durante estados usuais de consc iência, o
desenro lar dos fatos é percebido como sequencial no tempo e no espaço. Não
podemos salt ar subit amente de um país a outro, de uma cidade a outra, de um
local a outro sem atravessar as porções de espaço que os separam. Também
não podemos subverter as leis temporais, vivenc iando o dia durante a no ite,
ret rocedendo à infânc ia ou nos vendo com a fis ionomia que t ínhamos há vint e
ou t rinta anos atrás.
A cont inuidade espaço-temporal é o agente da estabilidade (ausência de
ruptura) percebida nos acontecimentos t ridimensionais. A subversão a esse
pr incípio causar ia certamente espanto neste mundo. O mundo dos sonhos,
entretanto, rompe muit as vezes com a mesma e o ego não reage a isso com
estranhamento em situações comuns.
Do explicado decorre a necessidade de educarmos a atenção vígil no
sent ido de ut ilizar a estabilidade e a cont inu idade das cenas como um cr it ér io
de reconhecimento da realidade exper imentada no agora.
O ato de observar a cena circundante durante o dia visando discernir
exige que sejamos sensíveis à cont inuidade que caracter iza o mundo fís ico e,
simultaneamente, aos t raços t ípicos da realidade fantást ica. A sínt ese dos
dois modos de recept ividade or igina o estado conscient ivo adequado à
obtenção da lucidez intra-onír ica.
A ident ificação com uma das duas modalidades de sina is int errompe a
síntese de fluxos de atenção e nos leva à confusão, não permit indo que a
auto-indagação seja real.
Há uma diferença entre a auto-indagação real e a simulada. Na
verdadeira existe dúvida e não apenas o cumprimento de um costume. A
consciência chega a um estado em que de fato não sabe se está no mundo
fís ico.
O mesmo não sucede com a indagação simulada, a qual é mecânica.
Nela, o sent imento de insegurança a respeito da dimensão em que estamos
não existe e, como consequência, não ansiamos verdadeiramente por
descobr ir. Isso é agravado pela possibilidade de auto-engano: a consciência,
em certos casos, acredita que está duvidando sem o estar. Por defic iência na
auto-observação, o cet icismo e sent imento de segurança, inconscientes, a
fazem acreditar que está atuando em modo t ridimens ional.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
A ampliação do sentido de realidade que nos permite superar o
ceticismo unilateralCleber Monteiro Muniz em 27 de maio de 2002
A capacidade de não sermos vit imados pelo impacto realíst ico das
imagens onír icas, o qual nos leva sempre a confundí-las com imagens
exter iores, se desenvo lve lentamente à medida em que exper ienciamos os
pr imeiros sonhos lúcidos e a concretude da matér ia ideoplást ica que compõe
os elementos internos contatados.
Antes das pr imeiras exper iências onír icas conscientes, é difíc il
conceber e ace itar como onír icas imagens com forte impacto realíst ico e que
emanam a sensação de concretude. A consc iência que nunca at ingiu um
estado onír ico consc iente não exper ienciou a realidade t ranscendente e, por
extensão, ainda não comprovou o caráter mater ial do mundo inter ior, não
possuindo a necessár ia base percept iva diferencia l que lhe permita captar o
contraste entre os modos externo e interno de mater ialidade.
Se, durante o sonho e em tal estado usual de indiferenciação, nos
indagamos se estamos sonhando, simplesmente somos vit imados pela
numinosidade das sensações de concretude que nos levam sempre a conceber
como real e mater ial aquilo que é exclusivamente t ridimens ional e fís ico.
Duvidaremos, equivocadamente, da possibilidade de estarmos inser idos na
eternidade. Cairemos em um cet icismo equivocado e unilateral. Diremos:
"Não! Tais cenas concretas e nít idas que ve jo são fís icas po is têm todas as
caracter íst icas do mundo ‘mater ia l’. Posso palpar estes objetos que são
só lidos e, portanto, a única possibilidade ‘ lógica e coerente’é que eu esteja
mesmo ‘acordado’, isto é, no mundo fís ico". A numinosidade nos vit ima e
nos lança a uma relação de ido latr ia com o mundo exter ior, ainda que nos
creiamos ateus e mater ialistas.
Não basta, portanto, indagar superfic ialmente. Temos que dar à
pergunta uma base que corresponda à visão de mundo em que o mater ial
possa também ser considerado onír ico.
A trava para reconhecer o sonho durante seu processamento é um
equívoco, em geral semiconsciente ou subconsciente, na concepção de
realidade. A idéia de real como sinônimo exclusivo do exter ior condiciona as
percepções sem que o percebamos e, como resultado, quedamos inconscientes
durante as viagens à dimensão extra-víg il: via jamos para o outro mundo sem
nos darmos conta.
O caminho para inverter o indesejável condicionamento é at ingir a
capacidade de mirarmos as cenas exter iores aceitando verdadeiramente a
possibilidade de que pertençam a um sonho, a despeito de serem reais,
concretas e nít idas. Ao observarmos a realidade, seja deste lado ou do lado de
lá, temos que nos permit ir ser at ingidos profundamente pe la dúvida real: o
que vemos são cenas físicas ou onír icas? Caso contrár io, os testes de
realidade serão inúteis.
O cet icismo unilateral e a ausência de testes de rea lidade são os
pr incipais fatores que nos impedem de despertar a consciência na dimensão
onír ica parale la.
Ao testarmos e observarmos a realidade circundante, todo cuidado em
não concluirmos apressadamente que estamos no mundo fís ico é pouco. A
dúvida deve se aprofundar, indo muito além das pr imeiras impressões, o que
implica em não aceit ar aquilo que a realidade nos sugere à pr imeira vista: a
idéia de que estamos sob forma t ridimensional. Mesmo que tal nos seja
suger ido fortemente por muitas evidências, ainda assim temos que duvidar e
ir além, buscando mais detalhes e informações que possam nos revelar se
estamos ou não dentro de um sonho.
Para a consciência egó ica, adormecida, extrovert ida e condicionada
pelo cet icismo unilateral, a realidade onírica sempre assume uma aparênc ia
fís ica que a engana. É como diferenciar duas salas idênt icas ou dois irmãos
gêmeos: temos que ser profundos e detalhistas, indo além das aparências e até
mesmo duvidando das evidências. Aqu i, ser profundo significa: duvidar da
aparência por mais tempo, exigir mais evidências antes de concluir e nunca
fechar possibilidades concluindo definit ivamente. Se vemos um amigo
falecido vivo e alegre, atentemos para esta incoerência e não nos deixemos
enganar pela vivacidade do seu olhar, a temperatura do seu corpo, a
mobilidade e normalidade vital que apresenta po is, a despeito de tudo isso,
ele pode ser uma imagem onír ica. O amigo contatado naquele presente
indubitável pode ser o duplo psíquico da pessoa falecida intro jetada por nós.
Podemos estar sonhando naquele momento.
A educação conscient iva aqui exp licada conduz à sínt ese entre o
mater ialismo e o espir itualismo, duas tendências normalmente opostas.
Corresponde ao cet icismo levado a fundo e à capacidade de duvidar
bilateralmente. Nada tem a ver com o ateísmo e nem tampouco com as
crenças religiosas. Leva à invest igação de uma realidade natural que parece
ser sobrenatural por ult rapassar as concepções usuais de mundo.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
Transcendendo a preocupação com a concretudePor Cleber Monteiro Muniz em 14 de maio de 2001.
Atu a l i za d o e m 2 6 d e a br i l d e 2 0 0 2 .
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r . T e xt o r e gi s t r a d o.
Resumo:
Não seremos capazes de reconhecer o sonh o no ins tante exato em que se processa dent ro de nós se
cons iderarmos sua exis tência i lusória , vaga e não-concre ta . A lucidez in t ra-oní r i ca exige que o
tomemos como rea l idade para lela à vígi l .
.
A elevada numinosidade das cenas onír icas dão a elas um realismo que
se equipara ao do mundo fís ico. Nit idez nas percepções, intensidade de
sent imentos e impactante so lidez dos objetos são fatores que fascinam a
consciência ainda imatura para o contato direto com a matér ia onír ica.
O discernimento advém quando aprendemos a ace itar o mundo onír ico
tal como é. Quando mantemos, ainda que na sombra, a idéia de que as cenas
dos sonhos são "vo láteis" em si mesmas e não em relação à forma densa de
exist ir, não as reconhecemos quando nos são apresentadas. Ao tentarmos
observá- las e reconhecê- las tendo por base sua vo lat ilidade, as tomamos por
fís icas uma vez que a observação está condicionada por um pressuposto fa lso.
Tentar reconhecer o sonho "in loco" tendo por base sua pouca
concretude é desprezar sua numinos idade e tomá-lo como algo que não é: um
mundo que aparece ao explorador como vago e de existência ilusór ia. Essa é
uma abordagem equivocada que resulta na cont inuidade do adormecimento da
consciência e reforça a incapacidade de dist inção entre os mundos onír ico e
fís ico.
O "conhecer com" de Edinger (1999), a simultaneidade entre objeto
conhecido e sujeito de conhec imento (pp. 49-50) não é at ingido em sonhos
pela consciência condic ionada por um pressuposto equivocado e que dele é
incapaz de se libertar.
O problema está na influência inconsciente ou semi-consciente da
equivocada concepção do onír ico. Podemos crer que compreendemos a
relat ividade da concretude e seu efeito numinoso mas, ao mesmo tempo,
cont inuarmos ut ilizando cr itér ios equivocados para diferenc iação sem que nos
apercebamos disso.
A alt a plast icidade da matér ia que compõe os elementos dos sonhos não
implica em sua abstrat ilidade. Por mais plást ica e mutáveis que sejam as
cenas, no momento em que se configuram no universo imaginal apresentam
so lidez. Se, em uma exper iência onír ica consciente, batermos com o pé em
uma rocha, podemos sent ir o choque da colisão com a mesma intensidade que
sent ir íamos se o fizéssemos no mundo fís ico.
O so lo em que pisamos, o corpo que apalpamos e o inimigo com quem
lutamos em sonho são só lidos naquele instante. O vento que sent imos no
rosto, a chuva que nos encharca e o pássaro que voa no céu são concretos
naquele mo mento para o sonhador. É o vivo poder da numinosidade, que
engana as almas ingênuas e as vit ima com a inflação por arquét ipos.
A lucidez intra-onír ica é o reconhecimento da situação em que estamos
enquanto o corpo dorme. Advém da faculdade de enxergarmos o mundo dos
sonhos como é, numinoso e concreto, e não como o extrovert ido homem
ocidental moderno supõe normalmente: vago e ilusór io.
Quando em sonho e durante a educação vígil da atenção, a auto-
indagação a respeito de onde estamos precisa ser acompanhada pela
observação consciente da realidade circundante sem a contaminação pela
idéia de que um mundo de objetos só lidos é fís ico. A observação correta não
se pauta pela concepção de que a so lidez é exclusividade da modalidade
tridimensional de exist ir.
O ato de testar o teor da realidade circundante por meio da observação
exige que partamos do pressuposto de que, caso est ivéssemos em um sonhos,
estar íamos em um mundo idênt ico ao exterior no que se refere ao impacto
realíst ico das imagens, concretude ino lvidável dos objetos e nit idez de
percepções e sensações.
O reconhecimento do estado onír ico exige que dispensemos a
concretude como meio de ident ificação do teor da realidade observada. A
observação correta recebe as imagens circundantes sem reações racionais e
permit e que seu teor onír ico ou fís ico se revele espontaneamente através dos
acontecimentos presenciados no níve l imediato.
É preciso esclarecer, quando afirmamos que o mundo dos sonhos é
concreto, que o estamos fazendo levando em consideração a relat ividade
matér ia-energia. É claro que, de um ponto de vista exclus ivamente
t ridimensional, suas cenas são abstratas. Mas do ponto de vista da realidade
intra-onír ica imediata, isto é, do ego que as vivenc ia e saboreia sem o
intermédio da recordação posterior, é concreto.
Durante o sono o ego se desliga, em grande parte, do corpo fís ico e das
exopercepções. Passa a ser, então, energia quase pura. As imagens do
inconsciente com as quais estabelece contato são igualmente energét icas,
tendo a mesma natureza psíquica. Devido a essa afinidade vibraciona l,
consciência e imagens onír icas assumem uma configuração reciprocamente
só lida. Daí a tangibilidade das imagens internas no sonho.
Sobre a percepção da materialidade dos sonhos(em 25 de abr i l de 2002)
Ao tentamos discernir se estamos ou não sonhando, temos que fazê-lo
part indo do princípio de que o mundo onírico é tão mater ial quanto o físico.
Quando, dentro de um sonho, observamos a realidade c ircundante e nos
quest ionamos a respeito de estarmos ou não em uma dimensão paralela, a
mater ialidade dos objetos que vemos nos engana, nos leva a acreditar que
vemos cenas fís icas.
A educação ocidental nos inculcou a idéia errônea de que o espír ito se
opõe à matér ia e de que a alma se opõe ao corpo. A idéia de que o espír ito e a
alma se jam imater iais condicionam nossa percepção e nos impedem de
despertar no interno.
Nos condicionamos a sempre duvidar da possibilidade de estarmos em
uma dimensão paralela. Quando estamos em sonho e nos depararmos com a
concretude da realidade onír ica, somos enganados por sua mater ia lidade e
acredit amos estar sob forma fís ica.
A concepção de que o interno é imater ial, abstrato e ilusór io impede a
aceit ação de que as cenas vistas sejam "astrais" (no dizer dos ocult istas). Ao
concebermos, ainda que inconscientemente, as cenas onír icas como
imater iais, nos tornamos incapazes de reconhecê-las quando nos são
apresentadas.
O mundo dos sonhos é tão mater ial quanto o mundo fís ico, embora o
seja sob outra forma. Para despertar, é importante concebê-lo como realmente
é.
O discernimento não dá resultado quando é realizado sob uma base
falsa. A idéia de um mundo inter ior ("onírico" para a ciência ou "astral" para
os ocult istas) abstrato é uma base falsa para o discernimento.
A observação fundada sobre uma base verdade ira revela o teor da
realidade circundante. A quinta dimensão concebida como universo concreto,
mater ial e para lelo é a base verdadeira po is corresponde à realidade dos
fatos.
Esta dimensão existencia l em que vivemos, a fís ica, não é "a dimensão
por excelência". É apenas uma das muitas existentes. A crença de que outros
universos sejam menos reais e concretos tem a mancha do mater ialismo cét ico
unilateral que aborta as viagens inter iores.
O fato de atuarmos conscientemente no universo físico não significa
que este seja o único universo mater ial existente. Os mundos da quarta,
quinta e sexta dimensões são reais e feitos de matér ia. A idéia de que são
abstratos provém da alucinação mater ia lista e gera um condic ionamento
psíquico que obstrui a passagem interdimens ional à consciência.
Há que se inverter a usual concepção de realidade e radica lizar esta
inversão até o final sem medo da loucura. A loucura não vit ima quem at iva e
desperta a consciência. Conseguimos a inversão ao aplicarmos durante o dia
um exercício ensinado por Tho ley que cons iste em observar o mundo físico,
com todo o seu impacto realíst ico de concretude, como se fosse um sonho. Se
formos capazes de sent ir em profundidade os sabor emocional desta
observação, quebraremos a crença mater ialist a arraigada em nossa mente.
Referência bibliográfica:
EDINGER, Edward F. A Criação da Consciência: O Mito de Jung para o
Homem Moderno. (The Creat ion o f Consciousness: Jung’s Myth for
Modern Man). Trad. de Vera Ribeiro. Nona edição. São Paulo, Cult r ix,
1999.
Parte V
A paralisia do sono
A paralisia do sono e o sonho lúcidoPor Cleber Monteiro Muniz em 28 de fevereiro de 2002
Algumas pessoas relatam que, às vezes, sofrem uma paralis ia corporalao se deitarem para dormir. Afirmam que, deitadas, perdem os movimentos ea capacidade de falar, ficando com o corpo pesado e "duro", preso à cama.Então, dizem, ouvem vozes, escutam passos, vêem estranhas cenas ou pessoase se desesperam.
Como nossa cultura não é, infelizmente, amadurecida no campo onír icoe nem tampouco para o contato com o mundo do inconsc iente, não somospreparados para exper iências desta natureza. Como result ado, não sabemos oque fazer quando caimos na paralisia do sono, sendo tomados pelo medo.
Alguns exper imentam intenso terror, supondo que estão enlouquecendoou prestes a morrer. Outros, superst iciosos, crêem que o "Diabo" os perseguee até que os sufoca.
O medo se deve ao desconhecimento. Na verdade, a paralis ia do sonocorresponde a um estado não usual de consciência no qual at ingimoslucidamente o limiar entre a vig ília e o sonho. Em outras palavras: nossaconsciência se encontra em um ponto limítrofe entre o mundo vígil e o mundoonír ico.
Obviamente, não estou me refer indo à narco lepsia ou a estadospatológicos similares, nos quais a pessoa desfalece mantendo a consciênciaem situações arr iscadas como durante o trabalho ou no t rânsito. Refiro-meapenas à paralis ia que algumas vezes enfrentamos durantes estados derelaxamento profundo, logo após nos deitarmos à no ite ou acordarmos pelamanhã.
Não devemos confundir a paralis ia do sono, que é ino fensiva, comnarco lepsia, que é um distúrbio.
É importante diferenciar o patológico do inócuo. A inofensiva paralis iaanalisada aqui surge quando nos acomodamos para relaxar, meditar, dormirou "t irar um cochilo". Ocorre em situações facilitadoras do sono, podendoaparecer na fase inic ial ou final deste. Não se impõe contra a nossa vontadeem situações inadequadas ou de r isco, como durante o ato de dir igir outrabalhar.
Esse estado limítrofe nos oferece a oportunidade de exper imentar umtipo especial de sonho: o sonho lúcido. Se, ao invés de nos de ixarmos tomarpelo medo, soubermos aproveit ar a situação de imobilidade para t rabalharcom a imaginação, adentraremos conscientemente ao nosso mundo dossonhos.
Durante a paralisia do sono, estamos às portas do nosso universoonír ico. Em tal fase, podemos reverter o processo letárgico ou dar-llhecont inuidade. Se nos aterror izarmos ante a impossibilidade de movimentos eas percepções alt eradas, o reverteremos. Se nos mant ivermos t ranquilos epermit irmos que o processo natural do sono tenha cont inuidade, teremos aexper iência fantást ica do sonho lúcido. É uma exper iência cobiçada pormuitos.
Nos sonhos normais, nunca percebemos que estamos sonhando. Sempreacredit amos estar acordados: fugimos dos per igos, nos preocupamos emreso lver os problemas com os quais nos deparamos, tememos as reações daspessoas e animais com os quais estamos sonhando etc.
No sonho lúcido, esta falta de discernimento não existe. O sonhadorcompreende que está sonhando e age de acordo com esta compreensão.
Durante a fase intermediár ia entre sono e vig ília, começamos a terpercepções alteradas, os pr imeiros contatos imediatos com o mundofantást ico. Os nossos pensamentos adquirem alto grau de nit idez e podem servistos e ouvidos como se pertencessem ao mundo exter ior. As vozes, sons,imagens e toques que percebemos são imag inais, isto é, são formas mentais.Não obstante, seu impacto realíst ico e nit idez (numinosidade) são intensos eespantam as pessoas que ainda não estão familiar izadas com isso. Nossosmedos, desejos, anelos, frustrações etc. se corporificam em imagens mentaiscujas formas apresentam afinidade com o teor dos sent imentos que asgeraram.
Aqueles que almejam a exper iência do sonho lúcido procuram induzir aparalisia do sono por meio do relaxamento consciente. Ao at ingí-la, salt ampara o outro lado de suas existências.
Caso tenhamos int eresse em aproveit ar a paralisia corporal paraobtermos uma exper iência onír ica consciente, podemos nos valer de umprocedimento muito simples: uma vez at ingida a imobilidade, projetamos umaimagem mental qualquer que nos agrade procurando vivenciá-la lucidamente,ou seja, nos empenhamos em interagir com a mesma sem perder a recordaçãode que é mental e onír ica. Então, logo nos vemos dentro de um sonho lúcido.
Poder íamos dizer, em outros termos, que co laboramos consc ientementecom o processo natural do sono-sonho ao invés de detê-lo pelo medo. Após oestado de paralis ia corporal vem o estado de sonho propriamente dito. Sevivenciarmos lucidamente as imagens mentais que se formam nesta faseinic ial do sonho, logo as mesmas se apresentam ante nossa consciência comose fossem tr idimensionais.
Fui procurado certa vez por um rapaz que era frequentemente jogado naimobilidade contra a sua vontade. Havia apelado para méd icos, sacerdotes eorações para reso lver o "problema". Não obteve sucesso algum. A paralis iapersist ia contra todos os seus esforços e os de sua mãe em supr imí-la.
O jovem estava muito preocupado. Havia s ido educado na religiãocr istã e acreditava que as t revas fossem povoadas por ent idades infernais.Temia o ataque de algum demônio na escur idão da no ite. Sua mãe estava, naépoca, tentando contatar um exorcista.
Imaginemos por um instante seu desespero: paralisado na cama noescuro, ouvindo vozes est ranhas com int enso impacto realíst ico e, ainda porcima, sent indo-se prestes a ser atacado por um demônio sem poder mover-seou fugir.
Instruí o rapaz a respeito da paralis ia e indiquei-lhe alguns textos paraleitura. Fizemos juntos uma análise de suas crenças relig iosas, do teor daspercepções alteradas que exper imentava, da natureza dos sonhos, do mundodo inconsciente e do que a paralisia significava em outras culturas diferentesdaquela em que ele vivia. Ele logo ficou t ranquilizado e feliz. Começou aaproveitar situação de imobilidade para ter sonhos lúcidos e, ho je, chega a selamentar quando não a at inge. O "problema" se t ransformou em algodese jável ao encontrar seu sent ido e seu curso.
A paralisia do sono perde seu caráter terrificante quando permit imoscumpra sua função propiciadora de exper iências t ranscendentes.
Muitas vezes, a paralis ia do sono é denominada "pesadelo", o que nemsempre é correto. Um pesadelo é um sonho horr ível, com monstros,assassinatos, torturas, sangue, cadáveres etc. A paralis ia é a imobilidade docorpo, a incapacidade de mover-se e de se levantar. É acompanhada poralucinações e, às vezes, por uma pseudo-asfixia.
A pessoa corretamente instruída a respeito das etapas de instalação dosestados onír icos pode reagir com naturalidade ante a imobilidade corporal,sem desespero. Fo i esse o caso de um afe içoado aos sonhos lúcidos queestudou comigo.
O rapaz estava deitado e profundamente relaxado. De repente, sent iuque não podia se mover ou falar :
"Eu tentava falar mas a voz não saía. Tentava levantar mas nãoconseguia. Eu vi que já estava começando a dormir."
Havia at ingido paralis ia e algumas percepções alt eradas o assaltaram:
"Ouvi o som de passos de alguém subindo pela escada. A pessoachegou e abriu a porta sem virar a chave. Pensei: 'Eu tranquei a porta.Como a pessoa conseguiu abrir?'
Depois eu ouvi, na sala, o som de um riacho, de água.. . . 'Riachodentro da minha sala? Que absurdo! Já são as cenas do sonho.. . ' "
Em seguida, vo luntár ia e conscientemente, o estudante se imagina empé, diante da porta. A imagem onír ica da porta e de sua pessoa em pé seconcret izam ante sua consciência. Ele está lá, frente à porta, vivenciando acena com o mesmo impacto realíst ico que ter ia se pertencesse ao mundo
vígil. Não obstante, sabia que seu corpo dormia e que exper imentava umestado de realidade incomum:
"Como sabia que estava dormindo, concluí que só podia estar dentrode um sonho e resolvi aproveitar para brincar.
Abri a porta e saí. Ao invés de descer a escada e ir para a rua, parafora, eu fui para o quintal. No quintal, sabendo que estava em um sonho,tentei f lutuar. Não consegui.
Tentei mais uma vez, não consegui de novo. Eu estava eufórico pelasensação de poder voar então resolvi me acalmar.
Tentei, com toda a calma e lentidão, f lutuar levemente e bem baixo.Consegui!
Flutuei até a laje da minha casa. Olhei ao redor. Tudo estava igual.Olhei o céu: tinha nuvens e, mesmo assim, era um sonho! Eu sabia que estavadormindo.
Então, agora conf iante, corri e dei um grande salto do alto da laje,sem medo. Comecei a subir com uma velocidade enorme!.
Um vento bem real começou a soprar contra o meu rosto, que nemquando a gente anda de carro rápido e põe a cara pra fora.
O vento começou a f icar cada vez mais forte e eu me assustei. Entãoacordei."
Neste caso, a paralis ia possuía um significado especial para osonhador, que a via como um indicador de que o estado onír ico seaproximava. Era o sinal de que iniciar ia uma viagem através da no ite, de quea hora de passear pelo mundo inter ior havia chegado.
Além do mundo usual da vigília há um outro mundo: o dos sonhos. Éum mundo que pertence à dimensão do inconsciente, sendo const ituído porimaginações espontâneas, anelos, desejos, recordações, t raumas.. . Na fase daparalisia, estamos às portas desse estado de realidade incomum. As culturasant igas, pr imit ivas e orientais desenvo lveram, ao longo da história, métodospara co locar a consciência em contato direto e seguro com esse mundomister ioso.
O mundo dos sonhos é real à sua própr ia mane ira. Infelizmente, nós,ocidentais modernos, somos ainda muito atrasados nesse campo. Prefer imosevitar a espinhosa questão relacionada com a concretude da psique a encarara crua realidade do mundo onír ico.
Sugestões bibliográficas:
BOSVELD, Jane and GACKENBACH, Jayne. Control Your Dreams . NewYork: Harper & Row, 1989.
EEDEN, Freder ik Van. A Study of Dreams . Vol. 26. Proceedings of theSociety for Psychical Research, 1913. Disponíve l na internet via WWW.URL: www.psycho logy.about .com/science/psycho logy/ library/weeklyCapturado em março de 2001.
GARFIELD, Patricia. Creative Dreaming. New York: Ballant ine Books,1974.
GREEN, Celia. Lucid dreaming. London: Hamish Hamilton, 1968.
GREEN, Celia and McCREERY, Char les. Lucid dreaming: The paradox ofconsciousness during sleep. London, New York: Rout ledge, 1994.
HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias: OPrograma do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de MarliBerg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.
JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos, Ref lexões . (Memories, Dreams,Reflect ions). Trad. de Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1963.
LaBERGE, Stephen. Lucid Dreaming. New York: Ballant ine Books, 1985.
MUNIZ, Cleber Monteiro. "A Experiência Onírica Consciente: Viagens daConsciência ao Mundo dos Sonhos" . Monografia de curso deespecialização (Pont ifícia Universidade Católica - COGEAE). São Paulo:2001.
"Experiências Oníricas Conscientes: Educação Psíquica parao Despertar Intra-Onírico". In: Catharsis no 39 (Revista de SaúdeMental). São Paulo: Marigny & Kerber, setembro-outubro de 2001.
"O Presente como Porta para a Realidade Intra-Onírica Natural" .In: Catharsis no 38 (Revista de Saúde Mental). São Paulo: Marigny &Kerber, julho-agosto de 2001.
SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo: Paulus, 1988.
SPARROW, Gregory Scott . . "Lucid Dream: Dawning of the Clear Light" .Virginia Beach: A.R.E. Press, 1976.
A superação da paralisia corporal por meio da imaginação
conscientePor Cleber Monteiro Muniz em 06 de abr il de 2001.
Revisto e a tual izado em 14 de janeiro e 15 de agosto de 2002.A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or
T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .
Há casos em que o corpo físico apresenta uma paralis ia quando nos
deitamos para dormir ou durante o relaxamento profundo. É um fenômeno que
pode ser induzido vo luntar iamente mas que também ocorre espontaneamente
com pessoas que nunca ouviram fa lar em adentrar conscientemente ao sono.
Nesse últ imo caso, a paralisia é mot ivo de medo e angúst ia.
Muitas pessoas, logo após se deit arem, se descobrem presas à cama,
incapazes do menor movimento. Embora estejam sadias, ficam como se
est ivessem mortas: tentam fa lar, levantar-se e mover-se mas não conseguem.
Se sentem aterrorizadas e algumas vezes caem no mais horr ível desespero,
acredit ando que estão sofrendo uma catalepsia pato lógica e irreversível,
suposição que na maior ia das vezes não é correta.
Por desconhecer a natureza do fenômeno exper imentado, o não-inic iado
em exper iências onír icas conscientes tece ju lgamentos equivocados sobre a
paralisia do sono. Supõe que está morrendo, que está enlouquecendo, que está
doente ou, se for superst icioso, pode acreditar que está sendo vít ima de uma
ent idade demoníaca ou que isso é um sinal maléfico indicador de mau-
presságio, etc. A falsa sensação de sufocamento ou asfixia que acompanha a
imobilidade corporal contribui ainda mais para intensificar o terror.
O que os desconhecedores da exper iência onír ica consciente
consideram um problema terr ível é uma dádiva para os aspirantes à mesma,
uma oportunidade valiosa e desejável. Alguns ansiam tanto por ela que a
afugentam.
O medo é injust ificado. A fase de imobilidade corresponde à etapa de
transição entre a vigília e o sono. É uma catalepsia leve, reversíve l,
temporár ia, natural e ino fens iva que corresponde ao pr imeiro umbral para a
dimensão inter ior desconhecida, um crepúsculo entre a luz e a sombra, como
disse Don Juan (Castaneda):
"O crepúsculo é a fresta entre os mundos" (p. 93)
A etapa crepuscular da viagem da consciênc ia ao inconsciente nos
presenteia com a oportunidade de carregarmos a lucidez vígil para dentro do
mundo onír ico.
Uma dificuldade do iniciante é ult rapassar a paralis ia. Preso à cama, o
aspirante fica um bom tempo estancado: não prossegue a viagem e não
retorna. A so lução encontrada por alguns é abandonar a prát ica e entregar-se
ao sonho usual. Outros se desesperam para retornar ao mundo vígil e até
t ransformam o estado alterado de consciênc ia num problema emocional grave.
Por meio da imaginação consc iente, também chamada imaginação at iva,
podemos superar essa etapa e prosseguir o t rabalho.
Se construirmos, por meio da concentração, uma cena mental em plena
letargia e imobilidade do corpo e a vivenciarmos como vivenciar íamos uma
cena deste mundo, porém sem perder a recordação de que pertence a uma
realidade psíqu ica e paralela, penetraremos conscientemente no mundo
interno. A cena construída se t ransforma em cena onír ica enquanto o corpo
adormece mais e mais pro fundamente. Prosseguindo com a prát ica de
imaginação, chegaremos à fase em que a cena não é mais a que cr iamos
vo luntar iamente. A part ir de então as cenas são numinosas, nít idas, densas e
se processam e se moldam por si mesmas.
A estratégia para t ranscender a fase da paralisia é, portanto,
simplesmente imaginar um sonho e vivê- lo como tal lucidamente, aguardando
os resultados.
Durante a paralisia, nosso fluxo de atenção ainda está muito vo ltado
para o corpo fís ico e isso nos leva a sent í-lo como se fosse a essência do que
somos. Precisamos, em tais momentos, entrar em afinidade com o mundo
psiquíco e desligar os sent idos externos. Para tanto, basta não ter medo,
esquecer o corpo paralisado e imaginar uma cena qualquer (preferenc ialmente
bonita para que não tenhamos um pesadelo). Esta cena imaginada será o
sonho lúcido inicia l, dentro do qual poderemos então viajar com pleno
discernimento.
Enquanto a cena onír ica é e laborada, precisamos ter o cuidado de não
esquecermos de que estamos em contato com imagens inter iores. Caso nos
esqueçamos disso, perderemos o discernimento e passaremos a sonhar de
modo usual, acreditando estar em contato com o mundo exter ior ou fís ico.
A paralisia do sono é natural. Ao adormecer, o corpo precisa ser
desat ivado. Todas as funções ficam muito reduzidas. Os movimentos são
desacelerados, inclus ive os diafragmát icos, cuja redução proporciona a falsa
sensação de asfixia e, às vezes, a de que temos "alguém do além" sentado
sobre nosso tórax. Os únicos movimentos que conservam desenvo ltura
semelhante à víg il são os das pálpebras. Sob alguns aspectos, o sono é
semelhante a um estado de quase-morte. Apresenta defunção parcial e é a
inofensiva e leve simulação de um "coma" que pode ser aproveit ada para que
nos acostumemos a abandonar o corpo temporar iamente, ou seja, esquecer
que ele existe e nos concentrarmos mais no universo imagina l. Uma vez bem
guardado e seguro, o corpo pode perfeitamente ser deixado de lado sem
nenhum problema. Não há nisso nada de míst ico ou perigoso. O que há de
míst ico em diminuir os movimentos de braços, pernas ou cabeça no sono? É
uma função humana natural. Todos sabem que o corpo diminui os movimentos
ao dormir. Entretanto, nem todos presenciam conscientemente a diminuição
em si própr ios. Também não há mist icismo no ato de tomarmos consciência
de que estamos sonhando, pois isso não é nada mais do que percebermos que
estamos imaginando cenas, que adentramos ao mundo inter ior.
Muitas percepções alt eradas acompanham a paralis ia do sono. Podemos
sent ir formigamento, arrepios ou algo que se assemelha à passagem de uma
corrente elét rica pelo corpo. Algumas pessoas escutam sons e vêem imagens
int er iores como se fossem fís icas, com a mesma nit idez. Também pode
ocorrer uma interpenetração de percepções: sons ou imagens do mundo
exter ior real que se mesclam aos produzidos em nossa imaginação.
Quando a letargia penetra no campo de consciência de quem está
adormecendo, é percebida como incapacidade de movimentos. Aquele que se
percebe paralisado na cama, t ransportou a consc iência vígil a um nível de
adormecimento corporal mais pro fundo do que usualmente é t ransportada.
Pode, a part ir daí, exper imentar conscientemente a vida no mundo dos sonhos
e até mesmo at ingir lucidamente um nível t ranspessoal, sendo e sent indo-se
temporar iamente como parte da natureza (r io, águia, rocha, lobo, árvore. . .) ou
vivenciando o papel de heró is mít icos e entes arquet ípicos.
Em todo caso, se ainda assim quisermos deter a paralis ia e evit ar
exper iência tão agradável, teremos que reat ivar novamente as funções vígeis,
o que não se consegue subit amente. Será preciso reat ivar o corpo fís ico por
meio das funções que permanecem controláveis durante a paralis ia.
Deveremos começar movendo os olhos, emit indo gemidos (os únicos sons que
conseguimos emit ir nesses momentos) agudos, movimentando os dedos e
respirando com intensidade crescente. É preciso ter paciência po is a máquina
orgânica em sono profundo é como um computador que demora muito para ser
ligado. Podemos ainda nos valer de outro procedimento adicional: dormir
com alguém por perto. Pedimos à pessoa que nos acorde assim que ouvir
nossos gemidos e perceber nossa inquietação. Então retornamos ou nos
entregamos ao sonho usual. Entretanto, o sonho lúcido é muito mais
int eressante. Não é à toa que é cult ivado nas culturas indígenas e orientais
desde tempos imemoriais.
A dinâmica da paralisia
Inconscientemente, acreditamos sempre ser uma simples forma fís ica.
A associação equivocada que estabelecemos entre o Ser sua forma
tridimensional de expressão é o maior responsável pela paralis ia do sono. Por
não compreendermos que o corpo fís ico é apenas um veícu lo de expressão
exter ior da psique, resulta inconcebível para nós a idéia de que possamos ser
"alma".
Como os acontecimentos onír icos são governados pelos fluxos de libido
(formas de pensar e sent ir), a crença de que somos o corpo exter ior de carne e
ossos atua como um poderoso agente condic ionante dos acontecimentos. A
exper iência de nos levantarmos da cama, seja com o corpo físico ou com o
corpo onír ico, é sabotada pela idé ia inconsciente de que somos o nosso
próprio veículo de expressão exter ior. Ident ificados com a "matér ia", ou
melhor, com idéia equ ivocada de matér ia que nossa cultura extrovert ida nos
inculcou desde a infância, tentamos arrastar o corpo físico adormecido no ato
de levantar. É claro que ele não responderá à tentat iva po is está desat ivado.
O resultado é a sensação de paralis ia.
Tentamos levantar o corpo fís ico e o onír ico simult aneamente porque
nos ident ificamos com este últ imo. E o fazemos porque apenas somos capazes
de conceber a realidade em termos de percepção exter ior. Erroneamente,
acredit amos que apenas as co isas externas são verdadeiras e que os objetos e
acontecimentos psíquicos são inexistentes, falsos e abstratos. O pior é que
nem sequer compreendemos tal equívoco que, não reconhecido e não
admit ido, fica causando dano por via subliminar. Não adianta fazer de conta
que o problema não existe po is ele cont inuará lá, causando seus pre juízos. A
letargia do corpo fís ico faz com ele não obedeça ao nosso comando
inconsciente de se levantar.
Os acontecimentos nos sonhos resultam de uma combinação dos
infinitos fluxos de libido. Nossos medos, amores, paixões, angúst ias,
terrores, aversões e, o que é mais importante no caso que ora t ratamos, nossas
crenças se combinam e dão forma às cenas que se desenro larão. Na cr iação
das cenas, quase sempre prevalecem as forças do inconsciente: sent imentos e
pensamentos de vár ios t ipos que temos mas que não sabemos que temos e nem
sequer admit imos. Nos sonhos, esses elementos tomam forma e interagem
entre si, gerando um autênt ico mundo, infinito e com leis própr ias. Eis a
razão pela qual a crença de que somos apenas a matér ia densa se concret iza
na etapa preambular ao sonho, que é a fase t ransitór ia entre estar acordado e
adormecido.
Algumas vezes, entretanto, exper imentamos uma saída incipiente do
corpo fís ico, uma "quase-saída", proporcional à nossa pequena capacidade de
verdadeiramente nos sent irmos alma. Embora seja incipiente, é uma
capacidade que pode muito bem ser aproveitada para superarmos a paralisia.
Quando est ivermos presos à cama, incapazes de sair dela para qua lquer
co isa, temos que procurar nos sent ir vaporosos e sut is. Mantendo esse estado
de sent imento, tentemos a saída. Para facilitar e garant ir a inda mais o êxito,
podemos, ao mesmo tempo, tentar visualizar-nos no próprio ato de nos
erguermos saindo do leito , tomando a cena visualizada como se fosse real
porém sem perder o discernimento de que é imagina l, onír ica. Se a cena for
sent ida intensamente e o mais lucidamente possível, se concret izará
psiquicamente e em seguida nos veremos dentro de um sonho, completamente
conscientes.
É imprescindíve l que esqueçamos o veículo fís ico completamente e
focalizemos totalmente nossa atenção nas imagens onír icas à nossa vo lta. A
simples recordação do corpo faz a exper iência ret roceder à etapa
int ermediár ia da paralis ia.
Passos para indução de sonho lúcido a partir da paralisia
Podemos obter sonhos lúc idos a part ir da paralis ia. Para tanto, baste
seguirmos os seguintes passos quando est ivermos paralisados:
1. Perca o medo.
2. Procure sent ir que este acontecimento (você paralisado na cama) já é o
pr incípio de um sonho. Sinta e perceba as co isas como tal.
3. Considere tudo o que você percebe, escuta ou vê neste estado de paralisia
como sendo onír ico, ainda que sejam exatamente as mesmas co isas que você
percebeu há pouco, quando acordado.
4. Sinta e conclua, por meio da vontade, que está livre para se movimentar
em forma sut il. Não duvide.
5. Tente movimentar onir icamente um braço ou uma perna de forma lenta,
relaxada mas alerta. Se você conseguir, já estará no sonho lúcido. Não é
necessár io levantar e mover o corpo todo mas pode-se fazê-lo caso se queira.
6. Se cont inuar paralisado, comece a prestar mais atenção nos sons ao redor.
Alguns serão sons do mundo externo real e outros já serão sons onír icos mas
ouça-os considerando, para todos os efeitos, que todos já são onír icos. Preste
atenção naqueles sons que se intensificam.
7. Deixe os sons aumentarem por si sós até se incorporarem totalmente em
sua percepção consciente.
8. Tente movimentar-se novamente na cama. Se t iver êxito terá adentrado ao
sonho. Caso contrár io, aprofunde mais ainda o relaxamento muscular (se você
está paralisado, é porque já está profundamente relaxado) e tente
movimentar-se muito, mas muiiiiito lentamente mesmo! Faça-o da forma mais
alerta, consciente e lúcida que puder. Este últ imo procedimento deverá
desprendê- lo do corpo fís ico.
Estes procedimentos visam desfocar a atenção do sonhador de seu
corpo fís ico de modo a liberá- lo para o sonhar sem as t ravas da ident ificação
com a paralis ia.
Referência bibliográfica:
CASTANEDA, Car los. A Erva do Diabo: as exper iências indígenas com
plantas alucinógenas reveladas por Don Juan. (The Teachings o f Don
Juan, 1968). Trad. de Luzia Machado da Costa. 12ª edição. Record.
Parte VI
Experiências espirituais e sonhos lúcidos
A viagem consciente ao mundo onírico como experiência
religiosaPor Cleber Monteiro Muniz
A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tados a fon te e o autor .
Texto r egist r ado. Não o plagie para não sofrer as penal idades da lei .
Há um substrato comum às exper iências psíquicas conscientes obt idas
na meditação, nos sonhos lúcidos e nos vár ios estados de quase-morte. Em
todas elas o corpo fís ico desfalece e perde os sent idos enquanto a consciência
concebe o mundo em que se move como não-fís ico. Essas exper iências tocam
o limite extremo da ciência, be irando o que em seu atual estágio de
desenvo lvimento é incognoscíve l.
A idéia da sobrevivência da alma em outro mundo após a morte do
corpo, comum a muitas religiões, é reforçada por exper iências desse t ipo.
Aqui encontramos mais uma ut ilidade para os sonhos lúcidos.
As pessoas que se desenvo lveram no campo da exper iência
transcendental parecem sent ir menos medo da morte após esse
desenvo lvimento do que antes dele. A morte passa a ser vista como uma
viagem litera l a outro mundo, o que parece dar ao processo de destruição do
corpo fís ico um caráter mais aceitáve l e uma maior naturalidade.
Grande parte das exper iências psíquicas cujo conteúdo imagét ico
abrange anjos, demônios, deuses, céus e infernos são obt idas em momentos
em que o corpo desfalece.
O desfalecimento temporár io do corpo associado à consciência de que
se está em contato com imagens não-físicas proporciona uma modalidade de
exper iência que adentra ao terreno religioso.
Ao discernirmos que as imagens contatadas são onír icas, o risco de
inflação por um arquét ipo parece ser diminu ído. Se o sonhador vê a figura de
Jesus Cr isto, por exemplo, e compreende que é onír ica, seu poder de
desconfiar do caráter divino da mesma parece ser maior. Tal capacidade de
desconfiança com relação ao caráter literal das imagens não ocorreria se a
pessoa, tendo o discernimento de estar no mundo onír ico, não se desse conta
de que suas imagens são simbólicas. A consciência de que se está em um
sonho não é suficiente para evitar a inflação. A recordação de que o mundo é
simbólico e de que seus componentes possuem um caráter fantást ico são
imprescindíveis para evitar a loucura. Aquele que não compreender como se
dá a realidade onír ica estará per igosamente exposto às influências per igosas
dos arquét ipos, sejam eles celest iais ou infernais. Do mundo onír ico provém
criaturas de tormento, demônios int er iores conhecidos pelas religiões:
"Os monstros do inferno são os pesadelos do cristianismo e (. . .) nunca
o pincel ou o cinzel teriam produzido tais fealdades se não tivessem sido
vistas em sonho." (Lévi, p. 397)
Os conteúdos encontrados em exper iências religiosas são muitas vezes
oriundos de sonhos nos quais há maior ou menor lucidez do que se passa.
As exper iências onír icas conscientes parecem assina lar uma etapa da
evo lução da consciência mais elevada do que a das exper iências usuais, nas
quais tudo está indiferenciado e não sabemos o que é externo e o que é
int erno. Porém e la possui seus r iscos. A mera noção de onde se está não é
tudo. Além de sabermos a dimensão em que estamos, é preciso manter a
compreensão de que o mundo onír ico é fantást ico e simbólico po is, do
contrár io, caimos no erro de certos pseudo-ocult istas que tomaram o outro
mundo como realidade lit eral e foram enganados. A lucidez no sonho pode
at ingir um grau que permit a ao sonhador ter a certeza de estar sonhando ou
apenas disso desconfiar sem, no entanto, se recordar de que não está em um
mundo de significados litera is. Uma vez que se tenha certeza disso, por outro
lado, o poder de se explorar esse mundo conscientemente irá var iar muito
pois há vár ios graus de consciência desperta. Em uma etapa muito elevada, os
sonhos são t ranscendidos e a pessoa vive na dimensão desconhecida em
intensificada vig ília.
Nessa dimensão desconhecida, o reino mister ioso das nossas viagens
noturnas, estão os entes fantást icos, os seres mito lógicos que este mundo
fingiu esquecer. Em sua vast idão ecoa a voz de Deus através dos séculos, se
perdendo na no ite infinita dos tempos. Esse mundo é o portal por onde se
revelam os anjos e os demônios e por onde se ascende aos céus ou se é
precipitado ao inferno.
Das pro fundezas desse abismo emergem as legiões do bem e do mal que
subjugam os homens e o anjo da morte que os arrebata no momento final,
cujo nome é Abadon segundo as teogonias ant igas.
Nessa realidade paralela e fantást ica, podemos contatar seres
arquet ípicos, mito lógicos e histór icos. Transcendemos a barreira do tempo e
do espaço e mergulhamos no oculto. Cruzamos os vales sombrios e os mares
da serenidade e do desespero até vermos a aurora br ilhante dos tempos
obscuros. Suas mensagens são enviadas na linguagem do arco-ír is: elas falam
em silêncio e para sempre!
Referência bibliográfica:
LÉVI, Eliphas. "Dogma e Ritual de Alta Magia" . Trad. de Rosabis
Camayasar. São Paulo, Pensamento.
As experiências oníricas conscientes como meio adicional de
investigação dos conteúdos ctônicos 1
Por Cleber Monteiro Muniz em 04/03/01
A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tado o autor
Texto r egist r ado. Não o plagie para não sofrer as penal idades da lei .
Por nos permit irem a t ransposição do limiar das zonas obscuras
carregando conosco uma centelha luminosa, os sonhos lúcidos podem ser um
instrumento adicional de invest igação do mundo psíquico subterrâneo.
Como instrumento de cognição extraído de exper iências humanas por
muito tempo margina lizadas e a ser submet ido ao aperfeiçoamento cient ífico,
esse t ipo de sonho tem muito a oferecer. Para aqueles que o exper imentaram,
ele é a prova de uma extensão sut il do ser.
Os sonhos lúcidos e exper iências semelhantes nas quais há perda dos
sent idos externos, como a meditação e as exper iências de quase-morte,
situam-se no limite impreciso entre a exper iência cient ífica e a religiosa. Eles
podem ajudar a aumentar a zona de int ersecção entre ambas, permindo que a
ciência t ranscenda o tabu de não penetrar no domínio do usualmente
considerado incognoscíve l.
Métodos funcionais de invest igação não podem ser descartados
simplesmente por não se encaixarem em moldes egó icos arbit rár ios. Além da
reconstrução constante dos métodos, é preciso que haja uma reconstrução
constante dos parâmetros cient íficos de realidade. Do contrár io a essência de
certos fenômenos não será acompanhada e compreendida por se estar
submet ido a formas mentais obso letas. Os sonhos lúcidos não são acessíve is a
todos mas apenas àqueles que se tornam sensíve is, vo luntár ia ou
invo luntar iamente, à realidade fantást ica.
As viagens onír icas conscientes não são um meio alternat ivo de
invest igação da psique mas sim ad icional. Como não se antagonizam com os
métodos usuais, podem ser acrescentadas a eles.
Uma consciência desperta e sincera na busca do si mesmo explora o
universo onír ico à no ite com mais efic iênc ia e menos r iscos do que uma
1 Referente às profundezas (do psiquismo inconsciente)
consciência adormecida. Além disso, é mais recept iva aos conteúdos
contatados por compreender que são onír icos e que, portanto, não ameaçam
os capr ichos egó icos que porventura existam. A compreensão de que se está
em sonho fornece a possibilidade de experimentar situações impossíve is para
o mundo "real", revelando significados que de outra forma permanecer iam na
escur idão.
Na verdade, os sonhos sempre compensam as carências da vida
consciente e, quando são lúcidos, essas compensações entram no campo
vis ível, sendo assimiladas na vida. Incursões conscientes às remotas paragens
de nós mesmos, às vast idões inter iores, são acompanhadas por natural e
espontânea assimilação do que se passa em nossas pro fundidades.
A prát ica da imaginação at iva, método usado para contato com
conteúdos ctônicos, é, em seu aspecto mais pro fundo, o iníc io de uma
exper iência t ranscendente de caráter onír ico. Um sonho lúcido é uma prát ica
de imaginação at iva levada a níveis muito distantes e na qual a consciência se
mantém coesa, desperta e desprendida do adormecido corpo fís ico, totalmente
focada na introspecção.
A psique inconsciente contém informações que t ranscendem os limit es
do tempo e do espaço e encerra segredos que podem auxiliar a modalidade
vígil de existênc ia. Aqui reside, precisamente, a importância maior de se
despertar a consciência onír ica: a possibilidade de se aprender a consultar o
inconsciente diretamente.
Durante os sonhos usuais, a consciência adentra às zonas inconscientes
sem a compreensão de que o está fazendo. Embora possa, sob tal condição,
t razer ao universo vígil informações sobre o que se oculta nos t ransfundos do
mundo inter ior, a consciência onír ica perde oportunidades maiores de
ampliação e aprofundamento do auto-conhecimento por estar adormecida. Ao
empreender as jornadas em modo desperto, se verá diante de novas
possibilidades de interação e contato.
O universo inter ior é infinito. Há nele regiões ctônicas ainda
inexploradas e que podem ocultar surpresas. É claro que, estando intra-
onir icamente despertos, teremos a chance de invest igarmos o que há em nós
com mais prudência do que se est ivermos inconscientes.
Quando via jamos através do mundo onír ico em estado de lucidez, o
estamos ass imilando de modo natural.
Referências:
Este art igo não possui referênc ias.
Sonhos lúcidos e meditaçãoPor Cleber Monteiro Muniz
Re v i st o e a tu a l i za d o e m 7 d e f e v er e i r o d e 2 0 0 2 e 1 0 d e ju n h o d e 2 0 0 6 .
A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r
T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .
Um paralelo entre os estados meditativo e onírico consciente
Podemos t raçar um parale lo entre os estados onír icos conscientes e os
estados conscient ivos alcançados na meditação por meio das técnicas de
relaxamento e concentração desenvo lvidas nas culturas ant igas e orientais.
Na meditação há repouso do mesmo modo que nos sonhos lúcidos.
Entretanto, o repouso e relaxamento no primeiro caso são muito profundos,
super iores aos do sono usual. De acordo com o pediatra e acupuntur ista
Norvan Mant inho Leit e (em Morais, 2001, p. 74, grifo meu), idealizador da
sala de meditação do Hospital do Servidor Paulistano, a medit ação
proporciona um descanso maior do que o que desfrutamos à no ite em
situações comuns:
"Um homem dormindo consome seis vezes mais oxigênio do que
meditando.(. . .) Os batimentos cardíacos diminuem e aumentam no cérebro as
ondas alfa e teta, associadas ao relaxamento."
O consumo de oxigênio e o ritmo cardíaco so frem diminu ições que
ult rapassam os níve is do sono comum. Morais ( idem) afirma que um homem
que medita tem um repouso mais pro fundo do que quando dorme:
"Os benef ícios da meditação começam pelo repouso corporal, que
durante o período de concentração é superior ao do sono." (gr ifo meu)
Ver ifica-se, assim, que a medit ação vai além do sono usual que se
refere ao repouso do corpo físico, ao descanso. Não há meditação sem esse
repouso. O corpo precisa adormecer na prát ica. Por essa razão não vejo
problema em categorizá- la como um supersono, altamente reparador. Logo,
sendo o repouso da meditação um sono mais pro fundo, entendo que as
exper iências que se tem durante essa prát ica podem ser qualificadas como
onír icas, uma vez que as temos enquanto o corpo físico dorme.
O momento presente é o objeto da atenção na meditação. Segundo o
diretor da clínica de redução do estresse do Centro Médico de Massachuset ts,
Jon Kabat Zinn, durante sua prát ica, a pessoa toma consciência do que se
passa no agora ao invés de permit ir que os pensamentos fiquem presos ao
ontem ou ao amanhã:
"A mente agitada está sempre f ixada no passado ou no futuro ao passo
que meditar é concentrar-se no presente." (em Morais, 2001, p. 74 )
À medida em que o repouso corporal at inge níveis progressivamente
mais pro fundos, a lucidez do que se passa no agora se torna maior. Ao
conectar-se com o presente, a consciência se torna desperta e se dá conta da
realidade imediata na qual está inser ida. Alcançar esse estado part icular de
lucidez durante a med itação é exper imentar uma forma de sono profundo do
corpo fís ico no qual há uma aguda vivência consciente do presente
vivenciado. E esse presente, no caso do repouso corporal ter at ingido a
profundidade do sono, é onír ico, ou seja, é a realidade do agora que está se
dando dentro de um sonho. Sendo a meditação uma modalidade
transcendental e pro funda de sono fís ico, suas visões podem ser qualificadas
como sonhos lúcidos po is neles há uma percepção direta do momento
imediato, requisito indispensável para se compreender que não se está no
mundo externo. A chave para adquir ir a lucidez e a compreensão de que se
está fora do mundo fís ico é a atenção sobre a realidade que está se
processando concretamente neste instante. Kornfie ld (1995, p. 160) considera
que "penetrar no momento presente é a primeira entrada nos domínios
espirituais pois estes não estão nem no passado e nem no futuro. O passado é
mera lembrança e o futuro pura imaginação. O presente fornece a porta de
entrada em todos os reinos da consciência que estão além das nossas
atividades cotidianas normais. Estar aqui exige uma f ixação da mente, uma
concentração e uma atenção. É a velha frase dos cassinos de Las Vegas:
‘Você tem de estar presente para ganhar.’ Você tem que estar no cassino
assim como deve estar presente na sua prática de meditação." (gr ifo meu)
Similarmente, o reconhecimento do teor onír ico de uma exper iência é
feito dentro do próprio sonho, nos instantes exatos em que ele está ocorrendo
em nosso mundo inter ior e não fora dele, em outros momentos. Há um
presente vígil e um presente onír ico, o qual é vivido e reconhecido durante o
sonho lúcido. O reconhecimento ocorre quando estamos conscientemente
presentes à cena exper imentada ao mesmo tempo em que o corpo fís ico
repousa profundamente no leito (ou na sala de meditação).
A compreensão de que t ranspomos a fronteira da vigília advém a nós
quando nossa consciência capta no agora onír ico fatores denunciadores de sua
natureza extra- física: conteúdos imagét icos que assumem formas exclusivas
dessa dimensão da existência e que não poderiam ocorrer no mundo exter ior.
O estado de alta lucidez a liado ao profundo repouso é at ributo t ípico da
meditação. Porém, com menor intensidade, os encontramos também nos
sonhos lúcidos. A exper iência ind ica que os dois estados não usuais de
consciência apresentam uma mesma natureza mas diferem na profundidade. O
sonho lúcido corresponde a um estágio de lucidez anter ior ao da medit ação e
a ele conduz quando ult rapassamos seu ápice de desenvo lvimento, seu limite.
Vivências semelhantes podem ser obt idas nos do is casos como, por exemplo,
t ransformar-se em animal ou em p lanta, viajar ao passado ou ao futuro,
part icipar de contos mito lógicos ou t ransformar-se em entes arquet ípicos etc.
A atenção distensional cont ínua indutora de sonhos lúcidos
A concentração, elemento básico nas prát icas de med itação, é um
poderoso agente indutor de sonhos lúcidos.
A meditação e a concentração são exper iências humanas que podem ser
compreendidas e explicadas sem mist icismo, dentro das termino logias e
teorias psico lógicas academicamente aceitas.
Usual e equivocadamente, concebe-se a concentração como um ato de
esforço. Parece-me que o refer ido erro possui ra ízes linguíst icas.
Em nossa língua portuguesa e em línguas a ela aparentadas, o termo
"concentração" é ut ilizado para designar um conjunto de elementos
fortemente compactados e que se mantém coesos sob grande tensão. Não é
este o sent ido que lhe atr ibuímos neste art igo.
Aqui, a palavra concentração tem um significado diferente e até oposto.
Trata-se do fluxo de atenção focado sobre um objeto de modo cont ínuo e
tranquilo. É uma observação distensional, ou seja, relaxada.
A atenção distensional cont ínua, usualmente denominada
"concentração" é uma modalidade de observação cuidadosamente educada.
Não há sent ido em concebermos uma atenção tensa na fase preliminar
da meditação pois a mesma estar ia cheia de ansiedade e sabotar ia o exercício.
A etapa da concentração é uma cont inuidade à etapa do relaxamento
neuromuscular. Deve, portanto, aprofundá-lo aumentando a paz e a
t ranquilidade.
O descanso será apro fundado na etapa da concentração se houver
entrega. A entrega requer ausência de medo.
É comum sermos assalt ados pelo susto ou por outras reações egó icas
sabotadoras quando a concentração se apro funda e temos as pr imeiras
percepções alteradas. Então o processo em curso é revert ido subit amente.
Um dos mot ivos das súbit as reações sabotadoras são as idéias absurdas
e concepções prévias, or iundas do estudo teórico, que cr iamos sobre o que
ser ia esta exper iência. Tendemos a confrontar a vivênc ia objet iva e crua das
percepções não usuais sob concentração profunda com os conceitos absurdos
que cr iamos, ou seja, reag imos mentalmente contra a exper iência, tentando
analisá- la ao invés de deixarmos que flua espontaneamente.
Há uma diferença radical entre receber o novo tal como nos chega e
confrontá- lo absurdamente com conceitos estabelecidos a priori .
A observação recept iva ao novo sob qualquer aspecto que este se revele
a nós (mantendo, no entanto, a fidelidade ao alvo esco lhido) proporciona um
descondicionamento com relação a uma meta atencional única dentro do
objeto eleito . Em outras palavras: não devemos adotar uma observação
estát ica, focada apenas sobre um ponto do processo observado. O objeto
selecionado já é o ponto único esco lhido. Todas as var iações e detalhes que
revelar precisam ser aco lhidos.
Uma consciência em observação t ranquila recebe o objeto observado tal
como chega, sem resist ir- lhe ou tentar impor-lhe capr ichos egó icos, pessoais.
Uma vez relaxados, passamos a observar o objeto que esco lhemos para
ser alvo da atenção distensional cont ínua (concentração). Este alvo pode ser
uma imagem mental internalizada a part ir de um objeto exter ior, um som
mentalmente emit ido ou as próprias sensações corporais decorrentes do sono.
Alguns relig iosos ut ilizam inst int ivamente as orações como alvo de sua
concentração para obter estados vis ionár ios.
Qualquer que seja o alvo, precisa ser recebido pela consc iência sem
nenhum medo ou preconceito por parte desta.
A part ir do momento em que a atenção é focada, o objeto observado
apresenta t ransformações que precisam ser acompanhadas em estado de
lucidez crescente.
Ante as t ransformações do objeto de atenção, a consciência pouco
educada tende a reagir com medo ou com a tentat iva de conceituar e encaixar
o que vê dentro dos princípios lógicos que conhece ou das suposições que
cr iou sobre o que ser ia uma exper iência meditat iva. São reações egó icas
sabotadoras do exper imento.
Durante a observação, precisamos esquecer toda a exper iência e
pr incípios lógicos do passado. Se não o fizermos, o fluxo atencional livre
sobre as imagens que começam a se processar de modo autônomo será
int errompido.
A única restr ição que se impõe durante a atenção distens ional cont ínua
é a de nos atermos a apenas um alvo (daí o nome "concentração").
O importante é prolongar a atenção cont ínua, a despeito de todas as
mudanças que o objeto sofrer. As fases de alt eração no objeto são as fases em
que a atenção está fragilizada.
A atenção que cessa quando objeto se t ransforma ao invés de atravessar
o ponto de t ransformação para ver o que se revela não é cont ínua, é
descont ínua.
Normalmente, somos capazes de focar a atenção sobre um alvo apenas
por breves instantes e logo a perdemos. Quando nos educamos, adquir imos o
poder de prolongar a observação por longos per íodos e de modo relaxado.
A concentração é um modo de estudo. Elegemos um alvo e o
observamos, conhecendo-o progressivamente e sem reações int electuais.
Trata-se de percepção pura e direta do objeto, sem inferências ou
evas ivas. É um ato de render-se à realidade apresentada pelo fato estudado.
À medida em que penetramos mais e mais no objeto, vamos extraindo
da psique inconsciente informações sobre o mesmo.
Em nenhum momento esta observação é um ato de esforço. Ao
contrár io, é distensional po is nos entregamos àqu ilo que nos chega ao invés
de resist irmos ou nos esforçarmos para tentar controlar a forma como se
apresenta.
Para at ingirmos um estado onír ico consciente podemos nos valer da
concentração sobre uma imagem mental, que servirá como pontapé inic ial do
sonho lúcido, ou apenas observarmos todas as percepções e sensações
corporais relacionadas ao sono.
Se acompanharmos lucidamente a instalação do sono, logo nos
descobr imos paralisados na cama e dormindo.
Não rejeitamos ou analisamos nada que provenha do objeto. Não
obstante, deixamos de lado tudo o mais que não esteja relacionado a ele.
Todos os pensamentos, recordações, possibilidades etc. são
abandonados para prestarmos atenção apenas no alvo esco lhido e acompanhá-
lo. Teremos então um só pensamento que apresentará t ransformações e não
vár ios pensamentos dist intos e desconexos.
Durante o dia, devemos t reinar a atenção distensional cont ínua
observando o nosso próprio comportamento a todo instante. A capac idade de
observarmos aquilo que estamos fazendo concretamente aqui e agora precisa
ser apr imorada até o infinito e sem preguiça.
O treino diár io da atenção livre, recept iva e relaxada educa a
observação para o momento noturno de indução do sonho lúcido.
Nem mesmo o desejo por manter-se concentrado deve perturbar a
t ranquilidade po is a ansiedade pelo êxito interrompe os processos psíquicos
observados.
A lucidez se apro funda à medida em que o relaxamento se acentua.
A concepção corrente de observação concentrada é equivocada porque a
associa, por via inconsciente, à tensão dos olhos e do entrecenho, bem como
a uma expectat iva ans iosa. Causa muito dano.
Vit imados por esta idéia equivocada, muitos se esforçam durante os
treinos de concentração a ponto de adquir irem dores de cabeça, tonturas e
náuseas. O resultado é a frustração.
Na atenção cont ínua distensional há ausênc ia de expectat iva específica
com relação ao objeto observado e, ao mesmo tempo, fidelidade total ao
mesmo po is não o abandonamos para nos concentrar em outros alvos.
A entrega ao ato de apenas nos darmos conta mais e mais daquilo que o
objeto nos revela faz com que penetremos gradat ivamente na imagem
psíquica que temos do mesmo. Deste modo, at ingimos facetas imagét icas que
antes jaziam na escur idão do inconsciente. Toda imagem int erna
correspondente a um objeto externo possui um lado desconhecido e infinito.
O medo de nos desviarmos do alvo e perdermos a concentração origina
relutância em nos entregarmos corajosamente à viagem e a int errompe.
A síntese entre a ausência de restr ição ao que provém do objeto e a
restr ição total ao que não provém do objeto produz a recept ividade adequada.
O nosso comportamento diár io é o meio de aperfeiçoarmos a atenção
cont ínua distensionante em estado de recept ividade plena. Para tanto, basta
que observemos aquilo que estamos fazendo aqui e agora.
O que importa é descobr ir ou perceber os infinitos detalhes do nosso
próprio comportamento, acompanhando-o cont ínua e conscientemente mas
sem nos prendermos a nada que descobr imos.
Interessa-nos enxergar mais e mais o desconhec ido e simultaneamente
esquecer mais e mais aquilo que vamos enxergando para que possamos
enxergar outras coisas novas sobre o objeto.
Mas não enxergaremos nada se ficarmos pensando, pensando.. . Há uma
diferença radical entre inventar pensamentos sobre o objeto estudado e
enxergar o que o objeto em si nos revela. O objeto pode ser um pensamento
único eleito ou o nosso próprio comportamento.
Não devemos esperar que o objeto estudado permaneça estát ico. A
imagem mental observada t ransforma-se cont inuamente.
O campo abrangido pela consciência precisa so frer uma limpeza
cont ínua dos resíduos mnemônicos. Resíduos mnemônicos são as escór ias
mentais inúteis relacionadas ao passado e ao futuro: aquilo que vivemos,
viver íamos, poder íamos ter vivido, viveremos.. .
A consciência que observa é totalmente silenciosa, mesmo quando o
objeto observado emite sons externos ou internos. O observador não é
tagarela.
A capacidade de observar é a maior preciosidade da psique. Sem ela
nada ser íamos. Toda a discip lina para o desenvo lvimento da psique se pauta
na observação lúcida.
Esclarecendo confusões comuns
Concentração
Alguns novatos podem ficar em dúvida a respeito do seguinte: "devo
concentrar o pensamento ou a atenção?" Respondo-lhes: concentrem a
atenção e o pensamento simult aneamente po is não é possíve l manter a
atenção focada sobre a lgo se est ivermos pensando em outra coisa. Quando
concentramos a atenção, o pensamento é simult aneamente vinculado àquilo
que está sendo observado. Na concentração correta, a atenção estará focada
de forma pro longada sobre um único objeto ou alvo. Entretanto, ao mesmo
tempo em que est ivermos sensor ialmente vinculados ao objeto, teceremos
imaginações conscientes e vo luntár ias po is a percepção inexiste sem a função
imaginat iva. O pensamento concentrado é voluntar iamente dir igido e pode ser
definido como uma imaginação consciente. Os múlt iplos pensamentos que
provocam dispersão, desatenção, dist ração e adormecimento da consciência
são imaginações mecânicas, invo luntár ias e automát icas, meros
func ionalismos invo luntár ios da mente autônoma. Na concentração,
abandonamos as múlt ip las imaginações mecânicas para nos atermos ao
pensamento único da imag inação consciente.
Uma vez que atenção esteja concentrada, não é necessár io fazer esforço
adicional para que o pensamento a acompanhe po is a focalização atencional
em si já implica em minimização e seleção da at ividade mental. A at ividade
mental autônoma e descr it er iosa impede a fixação da atenção por absorver a
consciência e arrastá- la para vár ios e diferentes objetos inint erruptamente.
O objeto da concentração pode ser externo (fís ico) ou interno
( imaginal). Se o objeto da concentração for externo como, por exemplo, uma
planta, estaremos vinculados ao mesmo através das exopercepções. Se for
int erno, isto é, imagina l (se est iver "dentro da mente") como, por exemplo,
um mantram, imagem ou cena mentalizados, estaremos vinculados ao mesmo
endopercept ivamente. Em ambos os casos, o objeto chegará até nós por via
sensor ial externa e/ou interna.
À medida em que o relaxamento e a concentração no objeto exter ior
fís ico se apro fundarem, começaremos a perceber imaginat ivamente sua
contraparte inter ior. O que importa é enxergá-lo com clareza endopercept iva
crescente para exerc itar e desenvo lver a clar ividência posit iva.
Sendo o objeto externo, focalizaremos sobre ele a atenção por meio do
olhar ou da audição e ut ilizaremos a imaginação consciente para
complementar o alcance limit ado dos sent idos fís icos. Isso é feito tentando-se
visualizá- lo por dentro, por fora, de outros ângulos e tentando-se enxergar de
que está const ituído etc. buscando at ingir seu númen, isto é, captar toda
informação que o mesmo possa conter sobre si própr io.
Mantenha-se mais e mais desperto, lúcido, alerta e consciente,
silenciando mais e mais sua mente à medida em que a concentração se
prolonga e apro funda. Vá diminuindo os pensamentos e adentrando ao seu
objeto. Deixe que seu corpo adormeça enquanto você, isto é, sua consciência,
se torna mais e mais desperto.
A sensação de leveza, frescor e bem estar caracter íst ica dos pr imeiros
minutos da prát ica indica se devemos ou não cont inuá-la. Se desaparecerem,
significa que é momento de interrompê- la para tentar novamente mais tarde.
O aumento do tempo é gradat ivo e se consegue somente ao longo dos anos.
Uma vez que estejamos profundamente concentrados, ainda teremos o
pensamento único da imag inação consciente e não teremos at ingido o silêncio
total da mente. O pensamento restante pode ser descartado ou silenciado por
meio da vontade, simplesmente abandonando-o ou silenciando-o. Se o
descartarmos, entraremos na próxima etapa: a meditação.
Meditação
Na meditação, separamos completamente nossa parte silenc iosa e alerta
da parte falante, agitada e dist raída. Nossa essência ou alma corresponde à
porção psíquica capaz de se manter silenciosa e atenta. Nossa mente
corresponde à parte falante, tagarela, barulhenta e agit ada. A mente deve ser
entendida como sinônimo do ego e a essênc ia como o sinônimo de alma, ou
do que tenhamos de a lma em nós. Não podemos confundí-los porque a
indist inção resulta em fracasso. Aquele que não diferencia sua essência de
seu ego não pode liberá- la por não saber o que deve ser liberado e o que deve
ser abandonado. Temos que abandonar o corpo, os afetos e a mente. Os
sent idos físicos, os pensamentos, as preocupações, as dores, as coceiras, a
impaciência por movimentos e tudo o mais que nos prender a este mundo de
ilusões devem ser deixados para t rás. Ficaremos então despidos, somente com
nossa essência pura, livre e desperta.
Para ter uma idéia do que ser ia a sua essência consciente, realize o
seguinte exper imento:
1. Interrompa seus pensamentos neste momento, paralise sua mente,
simplesmente faça-o por meio da vontade;
2. Preste atenção no que se passa aqui e agora, incluindo os sons da realidade
exter ior.
Pois bem, você exper imentou de forma rápida e superfic ial o que são a
essênc ia e a consciência desperta da mesma. Agora imagine a felic idade que
ser ia saboreada se este estado fosse aprofundado até níve is distantes e fosse
permanente!
Sono
Outra confusão que assalt a os prat icantes de meditação é a respeito da
necess idade de adormecer ou não. Li mais de uma publicação sobre o assunto
nas qua is os autores recomendam aos prat icantes que não durmam, que lutem
contra o sono etc. Estão errados. Sem o sono não se torna possível adentrar
aos níve is mais pro fundos da mente para silenciá-los porque os mesmos se
encontram em outras dimensões. A autênt ica meditação é um estado de
relaxamento, serenidade, letargia corporal, consciência e alerta super iores
aos ver ificados no simples sonho lúc ido. Forçosamente, você terá que
adentrar à dimensão dos sonhos para dar cont inuidade ao t rabalho de aquietar
a mente e intensificar o alerta natural. Portanto, o sono é um aliado e não
algo a ser evit ado como afirmam os desconhecedores. Ainda assim, nossa
meta não é dormir mas sim ficarmos mais e mais despertos, alertas e calmos.
Se pr ior izarmos o sono ao invés de pr ior izarmos a consciência desperta,
dormiremos em estado de consciência comum e perderemos a prát ica.
À medida em que o relaxamento e o sono se apoderam do corpo fís ico,
podem surgir as seguintes alt erações perceptuais:
perda da noção de tempo
perda de noção de espaço;
perda de noção da posição em que o corpo se encontra;
sensação de que o mundo ou o corpo fís ico está girando;
visões com os o lhos fechados;
audição de sons internos;
sensação de formigamento ou de choque elétr ico através do
corpo fís ico;
sensação de flutuar;
sensação de que o corpo está inflando.
Estas alterações perceptuais são ind ícios de que a prát ica está dando
resultados mas não devem nos entusiasmar e nem tampouco serem
transformadas em metas po is a meta está muito além: aprofundar, apro fundar
e aprofundar a concentração, a lucidez, a consciência, o silêncio e o alerta
natural enquanto o corpo fís ico adormece e é esquecido.
A diferença entre a mente e a consciência
Não podemos confundir a mente com a consciência como têm
confundido os psicó logos, filó so fos da mente e neurocient istas. Muitos deles
consideram que a consciência é algo mental e até intelectual porém estão
errados. Há uma diferença clara e facilmente ver ificável entre ambos. Se os
confundirmos, a meditação fracassa.
A mente é a matér ia, substânc ia ou energia psíquica que compõe os
pensamentos. As imagens mentais, pensamentos e imaginações são
const ituídas por matér ia mental e, em seu conjunto, const ituem isso que
chamamos de mente. Aqueles sons e imagens que percebemos dentro da
cabeça, em nosso inter ior, são de teor mental. A mente é o principa l at ributo
psíquico do ego ou forma de manifestação assumida pelo mesmo. O ego
raciocina. O int electo é uma forma de expressão educada e t reinada da mente.
A cognição mental ocorre pelos raciocínios. Os raciocínios são conjuntos de
pensamentos encadeados coerentemente. Os pensamentos são imagens
mentais. Tanto os raciocínios lógicos como os raciocínios ilógicos ou
absurdos são mentais.
A consciência é outra coisa completamente dist inta. É um atr ibuto
psíquico da essência, vincula-se à seidade. Pode ser at ivada ou desperta pela
vontade. É facilmente diferenc iável dos mecânicos processos mentais. Não se
define pelos raciocínios, pela lógica ou pelos pensamentos. Expressa-se no
silêncio da mente. É o "dar-se conta". É a atenção e o perceber silenciosos. O
campo de consciência é o campo de atenção.
Para que a consciência se exercite e desenvo lva, temos que silenciar a
mente. Silenciar a mente é não pensar. Na meditação buscamos o não
pensamento para liberação de nossa essência-consciência.
A liberação da essência-consciência não é possível se a mente for vista
como parte do Ser. Se considerarmos a mente como algo pertencente à nossa
essênc ia, não conseguiremos escapar de la. A mente não é alma. Ident ificar-se
com a mente ou com os pensamentos é um equívoco que impede o avanço da
meditação.
Músicas "que ficam na cabeça"
Múlt iplas formas mentais at rapalham a concentração. As músicas que
algumas vezes se repetem por horas ou dias em nossa cabeça são formas
mentais. Formas mentais são representações int ernas de elementos externos
acessados pelos sent idos. Podem ser representações visuais, como o rosto de
uma pessoa, ou sonoras, como uma música. Não há diferenças entre formas
mentais, pensamentos e imaginações mecânicas.
Quando ouvimos uma música em relação à qual não somos indiferentes,
cr iamos uma representação mental da mesma. Esta representação mental se
repete na mente e "escutamos" a música que toca sem parar ainda que
tentemos silenciá- la. A música se arraiga em nosso pensamento e não
conseguimos arrancá- la. A afastamos de nós mas ela sempre vo lta. A
ins istência se deve a um elemento psíquico (um "eu" ou um ego) que a
aprecia ou a detesta. O ego que se ident ificou com a canção quer mantê-la e
para isso a reproduz mentalmente, desfrutando do prazer de ouví-la e
sat isfazendo-se. Algo análogo se dá quando gostamos ou odiamos muito um
acontecimento e o ficamos recordando. A recordação incessante e
invo luntár ia é devida à existência de um elemento psíquico afet ivamente
vinculado ao objeto e que mantém a recordação para nutr ir-se e permanecer
vivo. Em outras palavras: nós, inconscientemente, não queremos esquecer o
acontecimento ou a música.
O elemento psíquico que a reproduz pode sent ir at ração ou aversão pela
canção, ou seja, músicas que odiamos também podem se enraizar na mente.
As formas mentais musicais prendem, tendenciam e adormecem a
consciência. São um obstáculo à concentração e à medit ação. Não permitem a
concentração do pensamento e nem da atenção. Invadem o campo de
consciência e inter ferem no curso da imaginação consciente. Sempre que
tentamos nos concentrar lá estão elas, at rapalhando.
Silenciamos tais canções inconvenientes quando estudamos,
descobr imos e compreendemos os egos que se ocultam por t rás das mesmas e
são responsáveis por suas reproduções. Cada música possui um ego ou
conjunto de detalhes afet ivos que, na maior ia das vezes, nos são
inconscientes. Por meio da auto-reflexão temos que nos perguntar e
descobr ir: "Por que esta canção se repete? O que ela signif ica para mim?
Como a vejo? Que sentimentos tenho por ela? Que sentimentos ela evoca em
mim? O que me atrai nela: a melodia, os instrumentos ou a letra? etc. etc.
etc." E assim sucessivamente. O que importa é compreender a parte de nós
que está presa a esta forma mental. Para compreendê-la, temos que descobr ir
detalhes e mais detalhes, sem excluir ou dar preferênc ia a nenhum. A
descoberta dos múlt iplos detalhes configura espontaneamente uma teia de
informações sobre o defeito psíquico que está causando o problema. Esta teia
ou rede é a compreensão. A compreensão somente virá se estudarmos o
processo psíquico que provoca o distúrbio. O estudo será possível por meio
da observação e da auto-reflexão a respeito do que se passa dentro de nós em
relação àquela música. Auto-reflexão é a reflexão que realizamos so lit ár ios,
conosco mesmos. Para que haja auto-reflexão, se faz necessár ia a auto-
indagação e a resposta sincera. Nós mesmos nos perguntamos e buscamos a
resposta sincera, fiel à realidade. Se não houver resposta, não devemos for jar
uma resposta art ific ial po is o que interessa é descobr ir a realidade que nos
está oculta e uma resposta art ificia l falseará o estudo.
As formas mentais insistentes devem ser abordadas como objetos
desconhecidos a serem pesquisados e entendidos. Somente são eliminadas
quando pedimos, após compreendê- las, ao nosso Real Ser para que as
disso lva definit ivamente.
Uma vez compreend ida e silenciada a forma mental insistente, podemos
prosseguir com nossa concentração rumo à medit ação.
Os procedimentos para transportar a consciência aos mundos interiores
Parte I(Mensagem publ icada no fórum do INTERPSI da PUC-SP em 22 de dezembro de
2001)
Chegamos agora à parte mais interessante desses estudos e, talvez, ao
final: os procedimentos para que comprovemos a realidade dos universos
paralelos. Creio já ter dito tudo o que eu precisava nesta lista.
Como não gostamos de t ransfer ir o ônus da prova para terceiros,
precisamos detalhar ao máximo as possibilidades exper ienciais dos sonhos.
Temos que comprovar por nós mesmos que há algo mais além da forma
tosca de exist ir.
Uma co isa é provar por si e para si mesmo que existem outros mundos.
Outra coisa é provar para o outro.
Quando o outro se interessa, podemos ensiná-lo a ver ificar por si. Mas
quando o outro não se interessa ou está empenhado em não aceitar, então
nada há a fazer. O cét ico unilateral está condenado à ignorância po is t rava
seu própr io passo. Embora viva, como todas as pessoas, na dimensão onír ica,
está decidido a não enxergá- la cara a cara e a não enfrentá-la cruamente.
A comprovação de que existem dimensões parale las é possíve l quando
despertamos dentro de um sonho e o invest igamos in loco com a mesma
consciência cr ít ica que ut ilizamos durante a vigília . Então constatamos que
estamos ante um modo de realidade dist into do usualmente conhecido mas
nem por isso menos válido.
Uma vez lúc idos, podemos tocar e palpar os objetos internos para
conhecê- los.
À medida em que nos desenvo lvemos mais e mais, aprendemos a nos
deslocar com desenvo ltura sob esse modo de existência.
O ato de dormir é chave para que comprovemos a existência das
dimensões paralelas.
Ao dormir, adentramos ao mundo onír ico. Se educarmos adequadamente
a atenção, podemos adentrar às zonas obscuras carregando a mesma
consciência que atua durante a vigília, ou seja, esta consciência que
ut ilizamos agora para fazer nossos julgamentos.
Todos atuamos simultaneamente em vár ios níveis existenciais. O
grande problema não é entrar nas dimensões paralelas mas sim levar conosco
a consciência e t razer a recordação.
Há muitos procedimentos para isso. Em primeiro lugar, temos que
aprender a nos perguntar constantemente se estamos ou não sonhando.
Durante o dia, em estado vígil, temos que nos acostumar a observar
constantemente as cenas do mundo exter ior para ver ificar se as mesmas são
onír icas ou não. Ao nos acostumarmos a fazer isso, repet iremos tal
procedimento durante as horas do sono.
Em geral, quando sonhamos, acreditamos estar acordados. Tendemos
sempre a confundir a realidade onír ica com a realidade fís ica.
Quando informamos as pessoas que dormem do fato de que estão
sonhando, elas dific ilmente conseguem ace itar isso. Estão condicionadas a
crer que a única realidade possíve l é a t ridimens ional.
Assim, uma pr imeira necessidade é a de descondicionar a consciência,
levando-a a ser capaz de realmente se perguntar se está em contato com uma
realidade externa ou interna. Enquanto não formos capazes de duvidar da
crença de que todas as imagens nít idas e concretas que percebemos são
sempre t r idimensionais, a lucidez no interior de um mundo paralelo será
impossível.
Adic ionalmente, também devemos procurar adormecer pro fundamente
relaxados e lúcidos, permit indo que o corpo desfaleça sem perda da
consciência. Em outras palavras:temos que acompanhar conscientemente o
processo de adormecimento do corpo.
A concentração é imprescindíve l. Temos que ter uma imagem interna
(um pensamento) que sirva como objeto de atenção para que possamos
mergulhar nela e nos perder completamente. Temos que nos entregar à
concentração.
Se prestarmos atenção a essa imagem e acompanharmos seu curso
natural, iniciamos a viagem. Gradat ivamente adentramos ao reino dos sonhos
levando conosco a consciência.
A isso podemos acrescentar a técnica da comunicação audit iva. O
sonhador precisa receber, at ravés de um fono de ouvido, a mensagem de que
está sonhando. Podemos gravar uma fita ou dizer em micro fone: "Isto é um
sonho, observe a realidade que te cerca". Não devemos usar um vo lume
muito alto ou o pobre sonhador levará um susto e acordará.
Além disso, convém estudar um pouco a respeito do que é a realidade
onír ica para que o inconsciente não nos pregue peças.
Após algumas semanas de contato consciente com o mundo imagina l
noturno, nossa consciência estará bem descondicionada e se acostumará a
duvidar com naturalidade do caráter fís ico da realidade que a cerca.
É claro que a pessoa não ficará louca. Ela não se condicionará no pólo
oposto, que ser ia o de sempre acreditar que toda realidade é onír ica. O que
acontece é que passará a observar cr it icamente os acontecimentos externos,
com a real cur iosidade de conhecer se são t ridimensiona is ou não.
A consciência intra-onir icamente desperta nos fornece muitas
possibilidades de exploração exper imental. Espero que os senhores as
aproveitem.
Uma possibilidade ser ia a de testarmos a visão remota solic itando ao
sonhador que tente acessar alguma imagem int erna sobre algo que desconhece
(e que possa ser acessado por nós). Em segu ida podemos fazer a ver ificação
para avaliar o grau de correspondência entre a imagem onír ica e sua
correspondente t rid imensional.
Outra possibilidade é a de pedirmos para que do is ou mais sonhadores
tentem se comunicar por via onír ica, estando estes separados e sem
comunicação prévia a respeito do conteúdo a ser sonhado. Em seguida,
podemos comparar qualitat ivamente os relatos.
Outra possibilidade é a de pedirmos para que o sonhador faça um
esforço no sent ido de penetrar na atmosfera t ridimensional. Entretanto, isso é
muito difíc il de se conseguir po is seu corpo onír ico possui uma frequência
vibracional muito distante daquela que seria necessár ia para se tornar vis íve l.
Mas talvez se possa fazê- lo po is no mundo dos sonhos a vontade, os desejos e
a imaginação são os maiores determinantes dos acontecimentos.
Estas são algumas das muit as possibilidades exper imentais que temos
que explorar exaust ivamente, se é que realmente queremos ser invest igadores
nesse campo.
Os procedimentos para transportar a consciência aos mundos interiores
Parte II : A concentração(M e n sa g e m pu bl i ca da n o fóru m do INT ER PS I da P UC -SP em 2 3 d e d e z e mb r o d e 2 0 0 1 )
Perdoem por escrever ainda um pouco mais. Como a comprovação é a
mais importante das nossas questões, sinto que faltou detalhar algo.
Um elemento chave para se t ransportar a consciência ao mundo
paralelo é a concentração. Temos que desenvo lvê-la. Há técnicas para isso.
Uma vez bem acomodados e relaxados, podemos esco lher uma imagem
interna e a ela nos entregarmos. Essa imagem pode ser a de algo que não sai
de nossa cabeça, de algo que temos medo, algo que nos desperte muito
int eresse ou um objeto externo que tenhamos selecionado.
No caso de um objeto externo, temos que fit á-lo por alguns instantes
até que sua imagem fique gravada em nossa mente. Então o esquecemos e
trabalhamos apenas com a representação mental que teremos.
Uma vez de posse da imagem, precisamos esquadr inhá-la e explorá-la
por meio da observação. Precisamos visual izar os detalhes dessa imagem e
enxergar as t ransformações espontâneas pelas quais vai passando sem tentar
controlá- las.
Temos que ser recept ivos àquilo que a imagem nos t raz, não for jando
pseudo-revelações de acordo com nossos capr ichos egó icos.
Como toda imagem mental possui uma contraparte inconsciente,
podemos extrair da mesma informações que estavam cont idas no fundo da
psique. Muitas dessas informações adentraram por canais subliminares.
O discernimento de que estamos em contato com uma imagem psíquica
e não com um objeto t ridimensional precisa ser preservado.
À medida em que os conteúdos ctônicos do objeto imagét ico vão se
revelando, adentramos ao mundo inter ior. Se nos permit irmos adormecer,
produz-se um sonho lúcido.
É importante que nos mantenhamos seguindo sempre o mesmo curso,
não correndo atrás de outras imagens que surgem e que nada têm a ver com o
objeto.
Esse procedimento at iva, aperfeiçoa e refina as endopercepções. A
endovisão, que os esotéricos chamam de "clarividência" , refina-se . Uma
"clarividência" é uma vidência clara, isto é, uma visão nít ida. O objeto desta
visão é interno.
Também surgem endopercepções audit ivas, que os esotér icos
denonimam "clariaudiência" , e de outros t ipos .
Se o nosso objeto imagét ico for uma moeda, por exemplo, chegará o
momento em que a veremos com os olhos fechados como se estes est ivessem
abertos. Poderemos ouví- la t ilintar ao cair e correr sobre o solo. Porém tudo
será interno. Outras pessoas não ouvirão o som e nem verão a moeda.
Temos que esquecer o corpo, abandoná- lo. Então logo nos
descobr iremos exist indo sob outro modo de realidade, paralelo a este.
A "clarividência" é a percepção consciente recept iva ao que reve la um
objeto imagét ico. Ambos são uma só co isa com do is nomes diferentes. Alguns
esotéricos não gostam muito que se diga isso mas é verdade. Os objetos e os
mundos percebidos pela clar ividência são imaginais.
Algumas vezes, revelações obt idas por este procedimento apresentam
correspondências com traços da realidade exter ior que desconhecíamos:
podemos descobr ir algo novo sobre um objeto interno e, depois, ver ificarmos
que externamente a mesma caracter íst ica exist ia.
A clar ividência não se apresenta sempre sob a forma de visão remota de
elementos t ridimensionais. Em alguns casos surge como visão exclusiva de
outras dimensões.
Se a pessoa for superst iciosa e com tendências ao fanat ismo, acredit ará
que essa informação lhe chegou por via sobrenatural. Poderá so frer uma
inflação egó ica e a invasão por um arquét ipo.
Não há, entretanto, nada de sobrenatural nesses casos. A cognição se
processa também fora do campo abrangido pela consciência vígil usual. A
pessoa simplesmente acessou em sua ps ique algo que já sabia mas que não
havia percebido.
Essa prát ica fo i denominada por Jung de "imaginação ativa" . E le
refinou muito suas endopercepções, como vemos em "Memórias, Sonhos e
Ref lexões". Contatou entes do seu mundo imaginal frente a frente e com eles
dialogou. Os enxergou com r iqueza de detalhes. Alguns ignorantes o
consideram psicót ico por causa dos seus relatos. Não sabem o que dizem.
Há uma diferença entre um estado patológico e este que estamos
analisando. Campbell diz que o espir itualista aprende a nadar no mar do
inconsciente enquanto que o louco nele se afoga.
Alguns relig iosos realizam inst int ivamente este exercíc io. Se entregam
a r itos e orações, neles se perdendo. Atingem estados alterados nos quais
obtêm visões de outros mundos e de seres celest iais e infernais.
Quando retornam ao estado usual de consciênc ia, descrevem o que
exper imentaram ut ilizando o arcabouço linguíst ico do grupo social que os
ampara. Nesta hora se expõem à r id icular ização por parte de algum ignorante
que se presuma de esperto e seja incapaz de entendê-los.
O abismo linguíst ico e cultural associado à incompreensão por parte de
alguns que se pretendem estudiosos aumenta a distância entre o acadêmico e
o extra-acadêmico.
Engana-se quem acredita que a concentração é um ato de esforço. Ela é
uma atenção plena e sem esforço dir igida sobre um objeto.
Não silenciamos os múlt iplos pensamentos pelo esforço bruto e sim
pela atenção dir igida e recept iva.
Temos que tomar cuidado com a tendência em reagir contra as
pr imeiras imagens eidét icas que surgem durante o exercíc io aqui indicado. Se
não mant ivermos a serenidade, interromperemos a percepção consciente do
fluxo cênico.
Os procedimentos para transportar a consciência aos mundos interiores
Parte III: A concentração (continuação)(M e n sa g e m pu bl i ca da n o fóru m do INT ER PS I da P UC -SP em 3 1 d e d e z e mb r o d e 2 0 0 1 )
A concentração é uma focalização atenciona l plena e cont ínua sobre um
processo. A part ir do momento em que nos esforçamos para tanto, o único
que conseguimos é uma dor de cabeça.
Quando estamos acompanhando o desenrolar de um processo, externo
ou interno, e não desviamos nossa atenção, estamos nele concentrados. Então
o receberemos em nossa consciência e sua natureza nos será revelada.
Quando nos esforçamos para manter a atenção focada, o resultado
imediato, ou quase, é o surgimento de múlt iplos pensamentos que nos
fascinam e dist raem. Cr ia-se um conflito entre nossa consc iência e a mente, a
qual elabora autonomamente seus pensamentos e emana inúmeras imagens. O
resultado é o fracasso na tentat iva de concentração.
Por alguma razão que ainda não entendo, os estudantes sempre caem
nesse erro. Há algo que sempre os leva a associar concentração com esforço.
Tensionam o entrecenho, apertam os olhos, adquirem dores de cabeça e, ao
cabo de algum tempo, desistem.
Suspeito que a raiz dessa confusão esteja na linguagem. Nos
acostumamos a entender que a palavra "concentração" significa algo
compactado intensamente, sob a influência de um esforço extremo e
gigantesco. Então, quando alguém a usa, imediatamente pensamos em uma
tensão.
Em alguns casos, que nada têm a ver com o que tratamos, tal forma de
empregar a palavra está correta. No caso da concentração que visa nos
conduzir à med itação, no entanto, está errado.
Esta concentração à qual me refiro é uma observação dir ig ida. A
observação não é um ato de esforço mas, ao contrário, de recept ividade.
Não é necessár io esforço para sermos recept ivos. O ato de ser recept ivo
é o ato de enxergar algo que antes não se enxergava. É uma at itude
psico lógica de entrega.
Em virtude do desconhecimento prát ico, é sempre propagada a idéia de
que concentrar-se é segurar um pensamento pela vontade, repelindo os demais
pelo esforço. A exper iência mostra que o máximo que se consegue com isso é
a frustração.
Concentrar-se é acompanhar um acontecimento, seguir o seu curso com
a máxima lucidez para conhecê- lo sem tentar controlá-lo. Esse acontecimento
pode ser uma imagem mental, caso em que se dirá que a pessoa tem apenas
um pensamento. Mas isso não quer dizer que o pensamento fo i mant ido pela
força dos desejos de se concentrar mas sim que fo i mant ido no campo da
consciência inint erruptamente por um certo tempo graças à atenção natural
que sobre o mesmo se co locou.
Espero ter ajudado e desejo boa sorte em suas prát icas.
Referências bibliográficas
KORNFIELD, Jack. Obstáculos e vicissitudes da prát ica espir it ual . In GROF,
Stanislav & GROF, Cr ist ina (orgs.): Emergência Espir itua l: Cr ise e
Transformação Espir itual (Spir itual Emergency: When Personal
Transformat ion Becomes a Cr isis). Trad. De Adail Ubirajara Sobral. São
Paulo, Cult r ix, 1995.
MORAIS, Jomar. O poder da mente vazia. Super interessante. São Paulo. Ano
15. Número 1: 72-76. Janeiro de 2001.
127
Parte VII
Orientações práticas adicionais
128
Reflexões e conselhos úteis relacionados com o trabalho de ativar a
consciência dentro dos sonhos e/ou durante a vigíliaPor Cleber Monteiro Muniz
21/02/02 O que fazer ao estarmos lúcidos sob forma onírica
Ao nos descobr irmos lúcidos dentro de um sonho, temos que procurar
desenvo lver t rês capacidades: 1) a de evitar o regresso invo luntár io ao estado
vígil; 2) a de adquir ir o poder de flutuar e voar; 3) a de nos deslocarmos através
do tempo e do espaço instantanemente através da concentração do pensamento.
As t rês habilidades acima requerem serenidade pro funda. A perturbação
emocional as sabota.
Dentro do sonhos, é fundamental que nenhuma emoção nos deixe ag itados.
Para evitar o regresso súbito e invo luntár io, temos que esquecer
totalmente que temos um corpo adormecido na cama. Nenhuma dúvida ou
vacilação com relação à estabilidade da permanência no sonho deve nos assaltar.
O simples fato de cogitarmos a possibilidade de regresso ou com ela nos
preocuparmos, pode nos t razer de vo lta contra a vontade. Qualquer emoção
intensa também poderá fazê- lo.
Para flutuar, temos que nos concentrar com muita calma tentando fazê-lo
lentamente. Em seguida podemos exercitar o vôo, aumentando aos poucos a
velocidade, sem nenhuma exalt ação emocional.
Para nos deslocarmos no tempo ou no espaço pulando momentos ou
lugares intermediár ios, temos que nos concentrar calmamente na época ou no
local em que pretendemos estar. O simples ato de pensar nos t ransportará. Se
ficarmos ansiosos, acordaremos.
No mundo dos sonhos tudo é definido pelos fluxos conscientes e
inconscientes de pensamentos e sent imentos.
129
07/11/01 O discernimento desde os primeiros instantes do trabalho
A natureza psíquica do fluxo cênico em nossa mente precisa ser
reconhecida desde o instante em que nos acomodamos para dormir.
Não temos que ficar esperando que os sina is letárgicos apareçam para
então iniciarmos o reconhecimento. Caso o façamos, perderemos o
discernimento e ficará difíc il recuperá- lo.
Quando fechamos os olhos, as imagens menta is que surgem já podem ser
t ratadas e reconhecidas como onír icas, uma vez que o são em um estágio
embrionár io. É por isso que a imaginação concentrada induz ao sonho lúcido :
elas permitem o contato da consciência com imagens int er iores mantendo o
discernimento do seu teor desde os instantes inicia is da prát ica.
As imagens surgem na tela de nossa mente durante os momentos de
dist ração e as imagens onír icas são as mesmas. A diferença está apenas na
percepção que temos delas. Quando estamos dormindo, se tornam espessas e
realíst icas porque as percepções externas cessam. De modo que aprender a estar
lúcido entre elas é aprender a estar lúcido dentro de um sonho pois são sonhos
em estado incipiente.
As imagens que indicam o iníc io de um estado onír ico são móveis,
autônomas e, em geral, de t ipo visual. Se fecharmos os o lhos e relaxarmos, logo
surgirão algumas. A chave está em conseguir acompanhá-las conscientemente,
apenas permit indo que se desenvo lvam. Durante todo o tempo, temos que manter
o discernimento de que são alucinatór ias e não exter iores.
Se acompanharmos esse movimento, as cenas visualizadas vão se tornando
progressivamente compactas até que, por fim, chegamos ao sonho pro fundo em
estado de lucidez.
A imagem cujo desenvo lvimento deve ser acompanhado por você
conscientemente e sem perda do discernimento de que é interna pode ser
esco lhida porque lhe chama a atenção, ou capturada de repente na tela da sua
mente. Algumas vezes nos flagramos perdidos em imagens de alto teor eidét ico-
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numinoso mas, infelizmente, sem nenhum discernimento. Temos que nos
descobr ir dentro de tais imagens mas sem espantá-las ou interrompê-las pelas
reações do ego.
Assim que as percebemos, temos que ident ificar seu teor para dar-lhe
cont inuidade ou ela desaparecerá. Essa cont inuidade, se acompanhada pelo
discernimento, nos conduzirá ao sonho lúcido.
Se isso lhe parecer difíc il, então apenas esco lha uma imagem que lhe
chame a atenção (que você goste) e a acompanhe mantendo a lucidez. Para que a
imagem o absorva ela tem que ser interessante e agradável. Desenvo lva-a sem se
desviar dela e vá embora, mergulhando e desaparecendo sem medo.
28/10/01 Por que certos grupos misticóides atrapalham
Sei de vár ios casos de pessoas que perderam ou atrofiaram a capacidade
de ter sonhos lúcidos por se associarem a grupos mist icó ides, esoter icó ides ou
gnost icó ides. Essas pessoas, antes de se entregarem ao fanat ismo, facilmente
despertavam dentro dos sonhos ou acompanhavam lucidamente seu processo de
instalação desde o momento em que se deitavam. Entretanto, a part ir do
momento em que começaram a se ident ificar com linhas doent ias de pensamento,
perderam essa faculdade natural.
Isso ocorre porque tais grupos têm o vício de cr iar uma aura de mistér io
em torno da exper iência onír ica.
Muitas dessas pessoas apresentam distúrbios psíquicos. Quando sonham
com uma figura histórica ou um ente quer ido falecido, por exemplo, acreditam
que contataram a mesma pessoa que viveu no passado. Tais doentes mentais não
compreendem que estão em contato com imagens int er iores e cometem o erro de
lit eralizar os símbo los.
Normalmente, esses grupos de enfermos chamam os sonhos lúcidos de
"viagem astral" ou "desdobramento astral". Seus líderes sempre possuem um
arzinho de mistér io e dão a entender aos discípulos, por uma via semi-
131
inconsciente, que são grandes onironautas lúcidos que podem bisbilhotar a
int imidade das pessoas. Assim, os pobres canditados a ocult istas ficam
atemorizados.
As personalidades mais influentes nesses meios às vezes dizem aos seus
pobres discípulos que se relatarem para alguém que t iveram um sonho lúcido
nunca mais os terão. Isso é falso po is muitas pessoas se submetem a
exper imentos cient íficos e relatam os sonhos lúcidos que t iveram repet idas
vezes.
Nesses círculos cr ia-se a idéia de que o sonho lúcido é sobrenatural e
proporciona poderes sobre-humanos. Todos ficam obsecados pela exper iência e
ninguém consegue resultado. Trata-se de um inteligente e altamente efet ivo
estratagema sabotador.
Quanto mais confer irmos um caráter sobrenatural ao sonho lúcido, tanto
mais o mist ificaremos. Quanto mais o mist ificarmos, mais ansiosamente o
cobiçaremos. Quanto mais o cobiçarmos, por crermos que nos t ransformaremos
em entes divinos, menos os alcançaremos ou, se os alcançarmos, isso terá
efeitos patológicos.
A verdadeira viagem astral é muito boa e importante, jamais deve ser
condenada. O problema está apenas em usá-la como pretexto e ponto de apoio
para o fanat ismo. Há muitos grupos espir itualistas verdadeiros e sér ios que não
devem ser incluídos entre os char latães que denuncio aqui e que prejudicam as
pessoas.
28/10/2001 As reações egóicas ante as primeiras percepções alteradas
A part ir do momento em que nos acomodamos para dormir, imediatamente
se iniciam alterações sensor iais t ípicas do sono. O grau de nit idez das
endopercepções vai progressivamente se int ensificando. Podemos nos perceber
inflando, em posições que não correspondem ao nosso posicionamento na cama,
submet idos à passagem de uma corrente elét r ica dos pés à cabeça, ouvindo
132
nit idamente sons dentro de nossa cabeça ou vendo imagens internas como se
fossem externas.
Devido à ignorância reinante em nossa cultura a respeito da
fenomenologia onír ica, cr iamos ao longo da nossa vida mecanismos egó icos
sabotadores dos sinais que antecedem as entradas conscientes ao sonho.
Quando alguns dos interessantes sinais endopercept ivos indicadores de
inserção no mundo onír ico são abrangidos pelo campo da consciência, esta
imediatamente reage redirecionando seu fluxo para o mundo externo. Essa
reação mecânica sabota a prát ica.
O estado que temos que at ingir é o de permit ir que as alterações
percept ivas pross igam mesmo dentro do campo da consciência. Essa é uma
tarefa difíc il po is tendemos sempre aos extremos: ou as alterações apresentam
um movimento progressivo inconsciente ou então um movimento regressivo
consciente. O que precisamos é de um movimento das alterações percept ivas que
seja ao mesmo tempo progressivo e consciente.
Para alcançarmos o movimento progressivo consciente temos que deixar o
ego "amarrado". Caso contrár io, este reagirá contra o fluxo de imagens com
medo ou cet icismo arbit rár io (para diferenc iar de um cet icismo lúcido),
impedindo sua progressão no nível consciente da psique. De acordo com os
nossos propósitos, nada adianta uma progressão eidét ica de imagens restr ita ao
campo do inconsciente. Isso apenas nos conduz ao sonho usual. O que buscamos
é um estado não usual de lucidez intra-onír ica.
22/10/2001 Observação livre e lúcida do fluxo de imagens internas
As imagens int ernas, eidét icas e numinosas, nos arrastam para o mundo
onír ico à medida em que atraem a consciênc ia e a desligam dos funcionamentos
exopercept ivos.
Um dos grandes problemas em se adentrar conscientemente ao sonho
consiste na dificuldade de observarmos o movimento livre das imagens internas
133
à medida em que o sono se aprofunda. Tendemos a ser absorvidos por essas
imagens, perdendo o discernimento, ou a reagirmos contra elas, impedindo seu
livre fluxo.
Se formos capazes de observar sua formação mantendo a compreensão de
que são inter iores e, ao mesmo tempo, deixando-as livres para assumirem por si
mesmas suas formas, seremos capazes de adentrar conscientemente ao mundo
dos sonhos.
Por isso, ao deitar, não fique fazendo esforço para ter um sonho lúcido.
Apenas esco lha uma imagem que lhe atraia e a acompanhe sem tentar submetê-la
ao controle do seu ego. O ego é muito capr ichoso e sempre quer que as co isas
andem como lhe agrada.
A imagem a ser acompanhada em estado de lucidez pode ser proveniente
do primeiro pensamento que passar pela sua cabeça. O importante é que lhe
atraia.
Geralmente essas imagens são "espert inhas" po is fluem apenas quando
estamos de costas para elas e, quando as encaramos de frente, cessam. Reso lva
isso da seguinte maneira: quando est iver dist raído e a imagem começar a se
movimentar aborde-a com a int enção prévia de "empurrá-la" para que cont inue.
Em outras palavras: quando você se flagrar dist raído e sem perceber a imagem,
que estará se processando de modo autônomo sem ser vist a por você, inicie a
observação dando cont inuidade à tendência prévia, ou seja, ao movimento do
objeto observado ( já que tenderá a se congelar e desaparecer em seguida).
Esse é um meio de manter o fluxo imagét ico intacto e ao mesmo tempo
observá- lo até que se configure uma cena onír ica com alto impacto realíst ico.
Temos que ser abso lutamente recept ivos a essas imagens. O ego sempre
tende a reag ir às mesmas confrontando-as com sua lógica ao invés de se abr ir à
lógica que t razem. Ante a nova lógica, sente medo. São reações que
int errompem subitamente a observação consciente do fluxo cênico interno.
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Em últ ima instância, tudo se resume a aprender a observar o imprevisto
sem medo e com recept ividade total, abr indo-nos à lógica que se revela ao invés
de tentar relacioná- la ou compará- la à lógica conhecida.
O que interessa é o desconhecido, o novo.
14/10/2001 O que fazer quando estamos paralisados na cama e sentimos que
o experimento está estancado (paralisia do sono)
Nesses casos, imagine uma cena e passe a vivê-la como se fosse
fis icamente real mas sem perder o discernimento de que é psíquica.
Se isso não funcionar, há outra alternat iva: preste atenção nos sons
ambientes. Durante a paralis ia, as percepções audit ivas são as pr imeiras a
manifestar um caráter onír ico. Pode ser que você ouça amigos seus, parentes ou
estranhos falando, cr ianças br incando ou chorando, cães lat indo etc. Muitos
desses sons já serão internos, ou seja, você os estará ouvindo com nit idez mas as
pessoas que est iverem acordadas no mundo exter ior não. Nesse ponto principia
uma exper iência onír ica consciente mais pro funda.
Se você considerar que, apesar de sua paralis ia, você já está dentro de um
sonho e olhar todos os objetos como tal, poderá se desprender mais facilmente,
ainda que esteja em um estado intermediário. Ao invés de tentar levantar com
todo o corpo, você pode simplesmente tentar mover os braços ou a cabeça até
que os sinta livres da paralis ia. Então poderá se levantar com todo o "corpo" de
sonho. Faça "de conta", quando est iver paralisado, que você já está dentro de um
sonho e que até mesmo a paralis ia é uma parte desse sonho. Mantenha a
consciência e desfrute. Você poderá ter até mesmo uma OBE.
Também costuma dar resultado o simples ato de relaxar mais
profundamente e, ao mesmo tempo, levantar da cama muito lentamente, mas
muito lentamente mesmo! Se você tentar levantar rapidamente, não conseguirá e
cont inuará paralisado. Quanto mais ansioso e apressado por levantar-se, mais
paralisado fica o aspirante a onironauta. A paralis ia se relaciona com a
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discrepância entre a velocidade com que realmente podemos nos levantar da
cama e a velocidade com que queremos nos levantar.