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Sessões de 14 e 15 de junho de 2015 Ano I – nº 10 SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS – ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS – ADJUDICAÇÃO POR PREÇO GLOBAL – INAPLICABILIDADE – DECRETO Nº 7892/2013 “O sistema de registro de preços não é aplicável nas situações em que o objeto não é padronizável, tais como os serviços de promoção de eventos, em que os custos das empresas são díspares e impactados por vários fatores, a exemplo da propriedade dos bens ou da sua locação junto terceiros; de sazonalidades (ocorrência de feiras, festas, shows e outros eventos nos mesmos dia e localidade); do local e do dia de realização do evento; e do prazo de antecedência disponível para realização do evento e reserva dos espaços. Fonte: Acórdão 1712/2015-Plenário, TC 004.937.2015-5, relator Ministro Benjamin Zymler, 15.7.2015.. O Sistema de Registro de Preços – SRP tem sua origem para atender a demandas específicas da Administração: (i) quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequen- tes; (ii) - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em re- gime de tarefa; (iii) quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de gover- no; ou (iv) quando, pela natureza do objeto, não for pos- sível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração (Decreto nº 7.8912/2013, art. 3º). Um exemplo clássico da utilização do registro de pre- ços é a aquisição de material de escritório, como canetas, papel, borracha, etc., para uso geral em escritório. Por mais que seja possível elaborar uma estimativa de consu- mo anual desses produtos, com base nos anos anteriores, não é possível que o gestor precise a quantidade total que será demandada no curso do contrato. Assim, para compras dessa natureza, é possível a utilização do SRP, que permite que a Administração licite determinado ob- jeto apenas com uma estimativa global, com demandas periódicas ao longo do curso do contrato, de acordo com a necessidade real e sem compromisso de aquisição do total registrado em ata. Em objetiva síntese, portanto, o SRP se adequa àque- las demandas de longo prazo da Administração Públi- ca, parceladas e de difícil ou impossível estimativa de quantidades. Com esse sistema, o objeto da licitação é uma ata de registro de preços em que fica pactuada com o fornecedor uma quantidade de produtos e os respectivos preços unitários. A ata de registro de preços vigerá por um ano, sendo que, neste interregno, a Administração pode- rá adquirir quantos produtos quiser, limitada à quantida- de máxima registrada, mas sem a obrigação de adquirir a quantidade total. Agora imagine uma licitação pelo SRP em que a Administração pretenda contratar não apenas de- terminados produtos, mas sim serviços de realiza- ção e organização de eventos variados (confrater- nizações, comemorações de determinados marcos, etc.). A ideia é registrar o preço de cada item que compõe um evento, para que, no curso da vigên- cia da Ata, sempre que necessário, sejam demanda- das as partes daquela Ata aplicáveis a determinado evento. É possível a adoção desse procedimento? O Tribunal de Contas da União – TCU entendeu que, neste caso, não estaria presente a característica da divisi- bilidade do objeto, o que inviabilizaria a contratação por meio do SRP. Objetivamente, a realização de um evento não seria um objeto que possa ser adquirido parcelada- mente, mediante a simples junção de itens isolados de uma Ata de Registro de Preços. As ponderações do julgado quanto a este aspecto se- riam de que: Comentários aos principais julgados doTribunal de Contas da União –TCU

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Décima edição do informativo que contém comentários e análises sobre as principais novidades na jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU.

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Sessões de 14 e 15 de junho de 2015 Ano I – nº 10

SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS – ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS – ADJUDICAÇÃO POR PREÇO GLOBAL – INAPLICABILIDADE –

DECRETO Nº 7892/2013“O sistema de registro de preços não é aplicável nas situações em que o objeto não é padronizável, tais como os serviços de promoção de eventos, em que os custos das empresas são díspares e impactados por vários fatores, a exemplo da propriedade dos bens ou da sua locação junto terceiros; de sazonalidades (ocorrência de feiras, festas, shows e outros eventos nos mesmos dia e localidade); do local e do dia de realização do evento; e do prazo de antecedência disponível para realização do evento e reserva dos espaços. Fonte: Acórdão 1712/2015-Plenário, TC 004.937.2015-5, relator Ministro Benjamin Zymler, 15.7.2015..

O Sistema de Registro de Preços – SRP tem sua origem para atender a demandas específicas da

Administração: (i) quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequen-tes; (ii) - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em re-gime de tarefa; (iii) quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de gover-no; ou (iv) quando, pela natureza do objeto, não for pos-sível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração (Decreto nº 7.8912/2013, art. 3º).

Um exemplo clássico da utilização do registro de pre-ços é a aquisição de material de escritório, como canetas, papel, borracha, etc., para uso geral em escritório. Por mais que seja possível elaborar uma estimativa de consu-mo anual desses produtos, com base nos anos anteriores, não é possível que o gestor precise a quantidade total que será demandada no curso do contrato. Assim, para compras dessa natureza, é possível a utilização do SRP, que permite que a Administração licite determinado ob-jeto apenas com uma estimativa global, com demandas periódicas ao longo do curso do contrato, de acordo com a necessidade real e sem compromisso de aquisição do total registrado em ata.

Em objetiva síntese, portanto, o SRP se adequa àque-las demandas de longo prazo da Administração Públi-ca, parceladas e de difícil ou impossível estimativa de quantidades. Com esse sistema, o objeto da licitação é

uma ata de registro de preços em que fica pactuada com o fornecedor uma quantidade de produtos e os respectivos preços unitários. A ata de registro de preços vigerá por um ano, sendo que, neste interregno, a Administração pode-rá adquirir quantos produtos quiser, limitada à quantida-de máxima registrada, mas sem a obrigação de adquirir a quantidade total.

Agora imagine uma licitação pelo SRP em que a Administração pretenda contratar não apenas de-terminados produtos, mas sim serviços de realiza-ção e organização de eventos variados (confrater-nizações, comemorações de determinados marcos, etc.). A ideia é registrar o preço de cada item que compõe um evento, para que, no curso da vigên-cia da Ata, sempre que necessário, sejam demanda-das as partes daquela Ata aplicáveis a determinado evento. É possível a adoção desse procedimento?

O Tribunal de Contas da União – TCU entendeu que, neste caso, não estaria presente a característica da divisi-bilidade do objeto, o que inviabilizaria a contratação por meio do SRP. Objetivamente, a realização de um evento não seria um objeto que possa ser adquirido parcelada-mente, mediante a simples junção de itens isolados de uma Ata de Registro de Preços.

As ponderações do julgado quanto a este aspecto se-riam de que:

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Diagramação e layout: Alveni Lisboa Os artigos publicados neste informativo são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

gra, não é cabível a adjudicação por preço global no sistema de registro de preços, quando, posteriormente, a adesão se fará por preços unitários registrados. Tal entendimento tem por fundamento que se a disputa se deu por preço global e a adesão for por preços unitários, corre-se o risco de que o resultado final da contratação não seja o mais vantajoso para a Administração.

Entendeu o relator que a disputa por preço global, não necessariamente declara vencedor o licitante que apresentou os menores preços em todos os itens. Sua vi-tória pode ser resultado de uma equação ideal entre pre-ços mais altos que os dos demais licitantes com preços mais baixos que os dos demais licitantes. Neste caso, se na execução contratual permitir-se que os itens com preços mais altos sejam consumidos em volume muito maior do que os demais, o resultado final da contrata-ção será prejudicial para a Administração. Essa situação feriria o princípio da busca da proposta mais vantajosa e o princípio da isonomia, insertos no art. 3º da Lei nº 8.666/1993.

Assim, “em licitação por menor preço global do lote, a vantajosidade para a Administração somente se con-cretizaria na medida em que fosse adquirido do licitante o lote integral dos itens, pois o preço global é resultante da multiplicação de preços unitários dos bens licitados pelas respectivas quantidades estimadas”.1

Por acréscimo, cita o Ministro Relator que em SRP a situação é ainda mais crítica, “porque os quantitativos decorrentes das adesões futuras à ata de registro de pre-ços podem corresponder até ao quíntuplo do quantitati-vo de cada item registrado, e cada contratação derivada do SRP poderá ser aditada nos limites estabelecidos pelo art. 65 da Lei de Licitações e Contratos.”.

Destarte, o entendimento consolidado neste acór-dão, a ser notado por todos os aplicadores do insti-tuto, é de que o SRP não é conciliável com a disputa de adjudicação por preço global e não pode ser utili-

1 No mesmo sentido, já no Acórdão 343/2014-Plenário, o TCU deli-berava que não seria possível a aquisição individual de itens regis-trados para os quais a licitante vencedora não apresentou o menor preço, quando adotado o julgamento por lote em SRP.

a completa ausência de padronização nos servi-ços de hospedagem, que podem variar em função de diversos fatores, tais como o local, época do ano, antecedência da reserva etc., tornaria impra-ticável o SRP;

eventual parcelamento dos serviços ocasionaria a contratação de diversos fornecedores para a exe-cução de um único evento, tornando infactível a execução dos serviços;

a adjudicação por preço global não garante a es-colha da proposta mais vantajosa, que somente seria alcançada se o grupo de itens licitados fosse integralmente adquirido ou, ao menos, mantida a proporção entre os quantitativos de todos os itens unitários em relação aos quantitativos totais pre-vistos no grupo de itens.

Por fim, foi assentado que a divisibilidade e a padro-nização são características essenciais para a utilização do SRP, tendo em vista os próprios objetivos do instituto: viabilizar contratações frequentes, parceladas ou cuja es-timativa de quantidades não seja possível de se precisar antecipadamente.

Alteração de entendimento do TCU quanto ao SRP e sua utilização!

A decisão em tela pode gerar certo assombro para quem tem acompanhado a jurisprudência do TCU a res-peito do tema. Com bem ressaltado no Acórdão, a contra-tação de eventos pela Administração é tema espinhoso, que ainda não possui uma definição normativa adequada. Até a presente data, diversos julgados do TCU examina-ram a contratação de eventos por SRP, sem jamais se ma-nifestar quanto à possível vedação.

Ocorre que a fundamentação adotada pelo TCU vem em consonância com seus recentes julgados a respeito da utilização do SRP, notadamente, quanto à formatação da disputa na licitação e a definição da modelagem de con-tratação dos serviços.

A recente jurisprudência da Corte, a exemplo do Acór-dão nº 757/2015-Plenário, tem entendido que, como re-

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(61) 3366-1206Coordenação: Álvaro Luiz da Costa Júnior

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zado para contratação de objetos indivisíveis ou não padronizáveis. Foi deliberado pelo TCU, objetivamen-te, que:

9.3.1. evite utilizar o sistema de registro de preços quando as peculiaridades do objeto a ser executa-do e sua localização indiquem que só será possível uma única contratação ou não houver demanda e itens isolados, pelo fato de os serviços não poderem ser dissociados uns dos outros, não havendo, assim, a divisibilidade do objeto, a exemplo da realização de eventos;

9.3.2. observe que o sistema de registro de preços não é adequado nas situações em que o objeto não é padronizável, tais como os serviços de promoção de eventos, em que os custos das empresas são dis-pares e impactados por vários fatores, a exemplo da propriedade dos bens ou da usa locação junto a terceiros, de sazonalidades (ocorrência de feiras, festas, shows e outros eventos no mesmo dia e lo-calidade); do local e do dia de realização do evento; e do prazo de antecedência disponível para realiza-ção do evento e reserva dos espaços/apartamentos;

9.3.3. em futuras licitações para registro de preços, atente que é obrigatória a adjudicação por item como regra geral, tendo em vista o objetivo de pro-piciar a ampla participação de licitantes e a seleção das propostas mais vantajosas, de forma que a ad-judicação por preço global é medida excepcional que precisa ser devidamente motivada, além de ser incompatível com a aquisição futura por itens;

9.3.4. em futuras licitações para registro de preços, justifique eventual previsão editalícia de adesão à ata por órgãos ou entidades não participantes (“ca-ronas”) dos procedimentos iniciais, visto que a ade-são prevista no art. 22 do Decreto 7.892/013 exige motivação da vantagem em se adotar tal possibili-dade.

Caso se decida licitar a promoção de eventos para a Administração, então, qual seria o meio correto de fazê-lo? Será necessário realizar um processo licitatório por evento?

Diante da impossibilidade da utilização do SRP, é indispensável que se tenha um planejamento anual dos eventos de provável realização. A partir desse plane-jamento, será possível estabelecer uma estimativa de quantidades de serviços e insumos necessários, proce-dendo-se a uma licitação na modalidade pregão, pelo menor preço global. Explica-se:

Ao se elaborar um planejamento anual dos eventos, será possível ter ciência da quantidade e das caracterís-ticas aproximadas de cada evento no curso do exercício financeiro – atendendo, assim, a diretriz do art. 57, ca-put, da Lei nº 8.666/1993.

Também diante desse planejamento, é possível defi-nir uma planilha geral de itens e quantidades estimadas, as quais permitirão que a Administração tenha cobertura contratual definida para cada evento a ser realizado.

Por sua vez, o contrato deve dispor que cada item de serviço e de insumo será adquirido conforme a necessi-dade da Administração, dentro da programação de even-tos divulgada no edital. Assim quando o evento estiver próximo, as partes elaboram um termo de referência es-pecífico que origina uma ordem de serviço para o con-tratado, com as quantidades precisas que serão necessá-rias para a aquele evento.

Registra-se que, no nosso entendimento, a licitação deve ser modulada pelo menor preço global, de modo que se evite a necessidade de realização de diversos processos licitatórios e, posteriormente, a formalização de diversos contratos distintos. Tal situação aumentaria muito o risco de insucesso das contratações e tornaria praticamente inviável a gestão administrativa.2 Ade-mais, a proposta aqui não se contrapõe ao Acórdão nº 1712/2015-Plenário, tendo em vista que a vedação ali imposta se restringe aos certames com a utilização do SRP.

Além disso, é dever da Administração estabelecer um planejamento adequado, que permita estabelecer no edital e no contrato uma quantidade mínima a ser contra-tada, ainda que mediante ordem de serviço, respeitando sempre os limites de redução ou alteração do escopo pre-vistos no art. 65, §1º, da Lei nº 8.666/1993. Essa regra dá segurança para o particular quanto à demanda real da Administração e permite uma relação mais segura no processo licitatório e no próprio contrato.

A modalidade licitatória, neste caso, será sempre o pregão, preferencialmente na forma eletrônica, tendo em vista se tratar de serviço comum.

É bom registrar, contudo, que essa proposta é apenas uma alternativa até que haja definição normativa da ma-téria. Conforme registrado no Acórdão em comento, foi recomendado ao Ministério do Planejamento, Orçamen-to e Gestão que adote providencias para:

9.5.1. regulamentar a modelagem de licitação a ser implementada para contratação de empresa espe-cializada na prestação de serviços de realização de eventos, de modo a evitar o risco do chamado “jogo de planilha”, considerando que, no julgamento pelo menor preço global, usualmente adotado, a despesa será realizada por itens e não pelo lote de itens ofer-tados pela licitante vencedora, acarretando riscos à economicidade da contratação;

9.5.2. adotar, no âmbito da Administração Pública Federal, licitações formatadas segundo o porte dos

2 O TCU referenda esse entendimento, conforma Acórdão nº 472/2011-Plenário.

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eventos, classificados de acordo com o número de participantes, o que imprime maior transparência às distintas contratações e evita cotações demasiada-mente amplas, dado que os quantitativos previstos nas licitações estariam necessariamente relaciona-dos a eventos de determinado porte, o que possibili-taria controlar, de forma mais adequada, os insumos necessários em face dos preços unitários;

Autor do texto:• Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior

Acórdãos/Decisões referidos:• Acórdão 1712/2015-Plenário• Acórdão nº 757/2015-Plenário• Acórdão 343/2014-Plenário

Normas Referidas:• Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

• ConstLei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.• Decreto Federal nº 7.892, de 23 de novembro

de 2013.

Essa recomendação é um excelente exemplo de efetividade da função do controle, pois, a partir de uma regulamentação específica, tanto os gestores públicos como o setor privado terão maior segurança nas contra-tações futuras.