Comentários aos Julgados do TCU - nº 3

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Sessões de 12 e 13 de maio de 2015 Ano I – nº 3 CONTRATO – OBRA PÚBLICA – INDÍCIO DE SOBREPREÇO – PARALISAÇÃO – LEI 8.666/1993, ART. 78 – CONSTITUIÇÃO FEDERAL “Inexistindo determinação do TCU neste sentido, é ilegal a paralização da execução contratual unilateralmente pela contratada, sob o pretexto de que aguarda decisão de mérito em processo de fiscalização em trâmite no Tribunal” Fonte: Acórdão nº 1155/2015-Plenário. TC nº 010.262/2011-3. Relator Ministro Benjamin Zymler. Julgado em: 13.5.2015. N o exercício da função de controle, é comum que os tribunais de contas examinem os preços pactuados pela Administração com seus particulares, a fim de veri- ficar se os valores despendidos atendem a um parâmetro de mercado aceitável. Como regra geral, esse foco de análise decorre do prin- cípio da economicidade, estabelecido na Constituição Federal. Em se tratando de obras públicas federais, de- corre do Decreto nº 7.983, de 8 de abril de 2013, que estabelece a obrigatoriedade de os custos globais estabe- lecidos pela Administração, em seus orçamentos de re- ferência, serem definidos “a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais à mediana de seus corres- pondentes nos custos unitários de referência” do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, para obras civis, e do Sistema de Custos Referenciais de Obras – Sicro, para obras de infraestru- tura de transportes. 1 Com amparo nesses sistemas, o que os órgãos de controle pretendem é que a avaliação dos orçamentos de obras públicas sejam as mais objetivas possíveis, afastando 1 SINAPI é um banco de dados com composições de preços unitários para obras civis, elaborado pela Caixa Econômica Federal. SICRO é um banco de dados com composições de preços unitários para obras de infraestrutura de transporte, elaborado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte. subjetivismo tanto da parte de quem elabora o orçamento como de quem examina. Ocorre que, por vezes, o subje- tivismo na análise é inevitável. A opção por determinada composição de custos, a adap- tação de parte da composição ou mesmo a sua não utili- zação no caso concreto são situações recorrentes e que, muitas vezes, são objeto de questionamento por parte dos tribunais de contas. Quando são levantados questionamentos ao orçamento da Administração ainda na fase de licitação, o tribunal de contas solicita justificativas quanto aos preços adotados. Caso não concorde com as justificativas apresentadas, poderá determinar a correção imediata do orçamento de referência, com as bases suscitadas em auditoria – art. 71, inciso IX, da Constituição Federal. 2 Na hipótese em que os questionamentos se situam já na fase de execução do contrato, quando se tem um preço pactuado entre a Administração e um particu- lar, caso o tribunal de contas não aceite as justificati- vas apresentadas, duas situações são possíveis: 2 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumpri- mento da lei, se verificada ilegalidade; (Essa competência se estende aos demais tribunais de contas por força do princípio da simetria constitucional). Comentários aos principais julgados doTribunal de Contas da União –TCU

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Terceira edição do informativo que contém comentários e análises sobre as principais novidades na jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU.

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Sessões de 12 e 13 de maio de 2015 Ano I – nº 3

CONTRATO – OBRA PÚBLICA – INDÍCIO DE SOBREPREÇO – PARALISAÇÃO – LEI 8.666/1993, ART. 78 – CONSTITUIÇÃO FEDERAL

“Inexistindo determinação do TCU neste sentido, é ilegal a paralização da execução contratual unilateralmente pela contratada, sob o pretexto de que aguarda decisão de mérito em processo de fiscalização em trâmite no Tribunal” Fonte: Acórdão nº 1155/2015-Plenário. TC nº 010.262/2011-3. Relator Ministro Benjamin Zymler. Julgado em: 13.5.2015.

No exercício da função de controle, é comum que os tribunais de contas examinem os preços pactuados

pela Administração com seus particulares, a fim de veri-ficar se os valores despendidos atendem a um parâmetro de mercado aceitável.

Como regra geral, esse foco de análise decorre do prin-cípio da economicidade, estabelecido na Constituição Federal. Em se tratando de obras públicas federais, de-corre do Decreto nº 7.983, de 8 de abril de 2013, que estabelece a obrigatoriedade de os custos globais estabe-lecidos pela Administração, em seus orçamentos de re-ferência, serem definidos “a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais à mediana de seus corres-pondentes nos custos unitários de referência” do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, para obras civis, e do Sistema de Custos Referenciais de Obras – Sicro, para obras de infraestru-tura de transportes.1

Com amparo nesses sistemas, o que os órgãos de controle pretendem é que a avaliação dos orçamentos de obras públicas sejam as mais objetivas possíveis, afastando

1 SINAPI é um banco de dados com composições de preços unitários para obras civis, elaborado pela Caixa Econômica Federal. SICRO é um banco de dados com composições de preços unitários para obras de infraestrutura de transporte, elaborado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte.

subjetivismo tanto da parte de quem elabora o orçamento como de quem examina. Ocorre que, por vezes, o subje-tivismo na análise é inevitável.

A opção por determinada composição de custos, a adap-tação de parte da composição ou mesmo a sua não utili-zação no caso concreto são situações recorrentes e que, muitas vezes, são objeto de questionamento por parte dos tribunais de contas.

Quando são levantados questionamentos ao orçamento da Administração ainda na fase de licitação, o tribunal de contas solicita justificativas quanto aos preços adotados. Caso não concorde com as justificativas apresentadas, poderá determinar a correção imediata do orçamento de referência, com as bases suscitadas em auditoria – art. 71, inciso IX, da Constituição Federal.2

Na hipótese em que os questionamentos se situam já na fase de execução do contrato, quando se tem um preço pactuado entre a Administração e um particu-lar, caso o tribunal de contas não aceite as justificati-vas apresentadas, duas situações são possíveis:

2 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumpri-mento da lei, se verificada ilegalidade; (Essa competência se estende aos demais tribunais de contas por força do princípio da simetria constitucional).

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expedienteComentários aos principais julgados do Tribunal

de Contas da União - TCU

Produção: Cristiana Muraro, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Murilo Jacoby Fernandes

Diagramação e layout: Alveni LisboaOs artigos publicados neste informativo são de

responsabilidade exclusiva de seus autores.

Atualmente, muitas vezes por receio de uma atuação mais enérgica do tribunal de contas, quando ocorre um questionamento do preço do contrato, ainda que de for-ma preliminar, tem sido bastante comum que a própria Administração, de ofício, adote medidas no sentido de suspender a execução do contrato ou estabelecer reten-ções cautelares de valores.

No caso concreto, contudo, a própria contratada pro-moveu a suspensão dos serviços ante o questionamento formulado pelo TCU. Não havia nenhuma determinação por parte do Tribunal nesse sentido.

Foi correta a medida adotada pela contratada?

Não. Corretamente, o TCU deliberou que a suspensão do contrato pelo particular somente pode ser realizada na hipótese de determinação cautelar da Corte, suspen-são pela própria Administração, ou incidência de cláu-sula contratual que ampare a situação.

No caso, somente havia questionamento preliminar por parte do TCU, em relatório de auditoria, sem qualquer determinação cautelar. A Administração também não adotou nenhuma medida de suspensão do contrato ou suspensão/ retenção de pagamentos.

Assim, a contratada não tinha amparo legal ou contra-tual para promover a suspensão dos serviços unilateral-mente.

Seria possível que a Administração promovesse a suspensão do contrato ou a retenção de valores sem determinação do TCU?

A suspensão do contrato por interesse da Administração

1. determina a repactuação do contrato firmado en-tre a Administração e o particular, para que os preços se ajustem às referências aceitáveis pela legislação; ou

2. em caso de o particular não aceitar a repactuação, determina que a Administração adote as provi-dências para rescisão do contrato, com a devolu-ção dos valores eventualmente recebidos a mais pelo particular em solidariedade com os agentes públicos responsáveis.

Como se pode notar, esse poder interveniente dos tribu-nais de contas determinarem a alteração dos contratos pactuados gera elevada insegurança jurídica sobre os particulares. De fato, é até mesmo questionável que um particular participe de uma licitação onde o valor máxi-mo admitido é estabelecido pela própria Administração, sujeite-se às regras estabelecidas, vença o certame e firme o contrato; e, ainda assim, esteja suscetível a uma inter-venção de órgãos de controle externo quanto aos termos pactuados.

Mas a situação não se resume a isso. Os tribunais de con-tas gozam, também, de reconhecido poder geral de cau-tela, onde, a qualquer tempo, e até mesmo sem a oitiva prévia das partes, é possível a determinação de retenção de valores contratuais nos pagamentos devidos ao parti-cular por serviços executados.

Essa situação, muitas vezes, é até mais grave do que uma determinação de paralisação dos serviços. Note-se: quan-do há a paralisação, não há faturamento, pois não há servi-ço. Quando ocorre a determinação de retenção de valores, o particular é obrigado a continuar prestando os serviços recebendo um valor menor do que o pactuado no contrato.

Revisão: Barbara Andrade

Dúvidas, críticas ou sugestões:http://www.jacoby.pro.br [email protected]

(61) 3366-1206Coordenação: Álvaro Luiz da Costa Júnior

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está prevista no art. 78, inciso XIV, da lei nº 8.666/1993, sendo possível desde que motivada no interesse público e comunicada por escrito ao contratado. O prazo máxi-mo da suspensão por ordem da Administração é de cento e vinte dias. Superado esse prazo, cabe ao particular re-querer a rescisão do contrato.3

A possibilidade de retenção cautelar de pagamentos de ofício pela Administração não tem amparo na Lei de Li-citações nem está expressa em nenhum outro ato norma-tivo. A fundamentação adotada é o poder de autotutela da Administração, decorrente do princípio da suprema-cia do interesse público.

No Poder Judiciário, contudo, ainda não se pode afirmar que exista uma posição sedimentada sobre o assunto, sendo identificados julgados em sentidos opostos:

[...] II - A retenção temporária de pagamento por servi-ços realizados e de garantia contratual depositada em dinheiro, enquanto não concluídas as apurações na esfe-ra administrativa acerca da inexecução parcial ou total do contrato e de superfaturamento das horas constantes de ordens de serviço apresentadas pelo contratado, lon-ge de se caracterizar como sanção por inadimplemento contratual (art. 87 da Lei nº 8.666/93), se reveste de prudência e de legalidade na medida em que conduta em sentido contrário se consubstanciaria em lesão ao erário. [...] (TRF-1. AC 0008313-13.2013.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.420 de 17/09/2014)

[...] 2. Hipótese de retenção de valores prevista nos arts. 80, inc. IV, e 87, ambos da Lei nº 8.666/93, apenas e tão-somente nos casos de inexecução e rescisão do contrato. No caso dos autos, os serviços foram atesta-dos, recebidos e aceitos por prepostos da Pública Ad-ministração, não havendo que se falar, assim, de ultra-tividade de contrato já findo para impor à contratada ônus previsto para situação outra. 3. Se é certo que o Tribunal de Contas da União vislumbrou inúmeras irre-gularidades que estão sendo apuradas, também é corre-to afirmar que a Tomada de Contas noticiada nos autos, iniciada no ano de 2002, ainda se arrasta perante a Cor-te de Contas até a presente data. Em outras palavras, há indícios, mas não constatação de efetivos prejuízos

3 Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: [...]XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da or-dem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmen-te imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previs-tas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

a serem ressarcidos com a quantia retida em desfavor da contratada. 4. Falta de razoabilidade, à míngua de amparo legal, no ato de impingir-se à autora-apelante que permanece privada de valor de sua propriedade, oriundo de serviços prestados, e que aguarde, indefi-nidamente, a solução a ser dada pela Corte de Contas. Não é a solvência da autora-apelante que, por si só, será o bastante para tornar indisponíveis os questionados valores. [...] (TRF-1. AC 0001358-51.2003.4.01.3000 / AC, Rel. JUIZ FEDERAL MARCELO DOLZANY DA COSTA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCELO DOLZANY DA COSTA, 2ª TURMA SUPLEMEN-TAR, e-DJF1 p.372 de 01/10/2013)

Entendimento dos autores.

No nosso entendimento, a retenção de pagamentos só pode ser realizada pela Administração mediante a ins-tauração de um processo administrativo autônomo, ga-rantida a ampla defesa e o contraditório.

O princípio da supremacia do interesse e o poder de au-totutela administrativa não podem anular a segurança ju-rídica existente na relação contratual nem, muito menos, cercear do particular o direito fundamental à ampla defe-sa inserto no art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal.4

Questiona-se, ainda, uma possível ofensa ao princípio da legalidade estrita, sendo que no ordenamento jurídico não existe amparo para a retenção cautelar de pagamen-tos por suspeita de superfaturamento ou sobrepreço no contrato.

A Lei de Licitações é expressa no art. 80, inciso IV, que a retenção de créditos é consequência da rescisão do con-trato por inexecução dos serviços, interesse público ou ocorrência de caso fortuito ou força maior.5 Tais hipóte-ses de rescisão, contudo, exigem o contraditório pré-vio, na forma do art. 78, parágrafo único, da lei nº 8.666/1993.6

4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos es-trangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;5 Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo ante-rior acarreta as seguintes consequências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei: [...] IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.6 Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato: [...] Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

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Menos ainda se justifica a retenção de ofício pela Ad-ministração quando há instauração de um processo pelo TCU. Nessa situação, quem detém a competência para a determinação cautelar é a própria Corte de Contas, por força de suas atribuições constitucionais. Se o TCU, que é o órgão competente para tal, não determinou a reten-ção cautelar de pagamentos, não é a Administração que, oficiosamente, poderá fazê-lo.

Aspectos importantes extraídos do julgado

A situação abordada no Acórdão em exame traz a pos-sibilidade de relembramos importantes assuntos que, de modo recorrente, têm sido discutidos na doutrina.

Tribunal de Contas da União e o poder geral de cautela

Da leitura do art. 71 da Constituição Federal não se extrai a competência do TCU para determinar cautelarmente a suspensão de contratos ou a retenção de pagamentos. Na lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, Lei Orgânica do TCU, também não há essa previsão nos artigos que tratam da competência da Corte. Mais do que isso, o art. 71, §1º, da Constituição determina que, para a sustação de contratos, o ato deve ser exarado diretamente pelo Congresso Nacional, afastando, por esse vértice, a com-petência do TCU.7

Assim, muito se discutiu sobre a competência do TCU expedir determinações cautelares de suspensão de paga-mentos ou qualquer ato relacionado a contratos adminis-trativos. A questão foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no Mandado de Segurança nº MS 24510/DF, da relatoria da Ministra Ellen Gracie.8

Naquele julgado, o STF decidiu que o TCU goza de um “poder geral de cautela”, poder este implícito nas atri-buições da Corte insertas no art. 71 da Constituição Fe-deral. Para o STF, o poder de expedir cautelares diversas 7 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] § 1º No caso de contrato, o ato de sus-tação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.8 STF. MS 24510, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribu-nal Pleno, julgado em 19/11/2003, DJ 19-03-2004 PP-00018 EMENT VOL-02144-02 PP-00491 RTJ VOL-00191-03 PP-00956

é um instrumento indispensável para a missão do contro-le a cargo do TCU, especialmente quando se destinam a evitar a consumação ou a irreversibilidade de prejuízos ao erário.

De se ressaltar que as cortes de contas estaduais, munici-pais e dos municípios também possuem o poder geral de cautela, por força do princípio da simetria.

Da suspensão do contrato pelo particular – apli-cação do princípio do “exceptio non adimplenti contractus”

Exceptio non adimpleti contractus significa “exceção do contrato não cumprido” e está prevista no artigo 476 do Código Civil como um princípio geral dos contratos pri-vados. Em objetiva síntese, esse princípio assevera que, firmado o contrato, em havendo o inadimplemento de uma das partes, fica a outra desobrigado da parte que lhe cabe.9

Nos contratos administrativos, discute-se a aplicabili-dade desse princípio em face do princípio da suprema-cia do interesse público e da continuidade dos serviços. Parte da doutrina entendia que a exceptio non adimpleti contractus não se aplica aos contratos administrativos, ou, quando muito, aplica-se de forma mitigada.10

Com a edição da Lei de Licitações e os avanços juris-prudenciais, atualmente, não mais se discute acerca da aplicação do princípio aos contratos administrativos. Isso porque a Lei nº 8.666/1993 prevê expressamente, em seu art. 78, inciso XV, a possibilidade de suspensão do contrato pelo particular, quando ocorrido atraso de pagamentos superior a 90 dias.

Essa hipótese de suspensão não necessita de autorização prévia da Administração ou de intervenção judicial. Bas-ta a notificação prévia da contratada constituindo a mora e informando a suspensão dos serviços.

Nesse sentido, cabe destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 910.802, de relatoria da Ministra Eliana Calmon:11

9 Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.10 Nessa linha, cita-se o Professor Hely Lopes Meirelles.

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Autores do texto:• Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior • Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Acórdãos/Decisões referidos:• TCU. Acórdão nº 1155/2015-Plenário• TRF-1. AC 0008313-13.2013.4.01.3400• TRF-1. AC 0001358-51.2003.4.01.3000

• STF. MS 24510/DF• STJ. REsp 910.802/RJ

Normas Referidas:• Constituição Federal da República Federativa

do Brasil, de 1988.• Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

• Decreto nº 7.983, de 08 de abril de 2013.

[...] 4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti con-tractus contra a Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, despicienda a análise da questão sob o prisma do princípio da con-tinuidade do serviço público. 5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias, pode o contratado, licita-mente, suspender a execução do contrato, sendo desne-cessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93 lhe garante tal direito. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

O particular não poderá, contudo, rescindir ou suspen-der o contrato em situações distintas daquelas previstas 11 STJ. REsp 910.802/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALM-ON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2008, DJe 06/08/2008.

em lei, sob pena de incorrer em inadimplemento con-tratual estar sujeita às penalidades do art. 87 da Lei nº 8.666/1993.12

12 Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:I – advertência;II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a rea-bilitação perante a própria autoridade que aplicou a penali-dade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

CONTRATO – MÉTRICA DE MEDIÇÃO – REMUNERAÇÃO POR RESULTADO

“O preço do serviço de degravação deve ser cotado com base no resultado, ou seja, no quantitativo de horas efetivamente degravadas, e não no tempo necessário para a realização do serviço de degravação, sob pena de se estabelecer sistemática em que quanto mais lento o serviço, maior a remuneração”.Fonte: TC nº 002.143/2011-9. Acórdão nº 1.151/2015 – Plenário. Relatora: Ministra Ana Arraes. Julgado em: 13.05.2015.

A metodologia para dimensionamento de serviços, também chamada de métrica de medição, é um dos

pontos mais relevantes na especificação de determinado serviço. Isso porque se constitui em fator de remunera-ção do contratado e pode, inclusive, acarretar em quebra da isonomia da licitação.

A questão toma especial relevo quando se verifica:

1. a diversidade de objetos contratados pela Admi-nistração, o que torna inviável a esta possuir em seus quadros profissionais técnicos especializados

em tão diversa gama de assuntos;

2. a prática usual de se buscar no mercado, com os próprios prestadores de serviço, o valor adequado para determinado serviço;

3. que metodologias de execução variadas podem implicar alterações no efetivo dimensionamento do serviço.

Apesar da relevância do tema, existem pouquíssimas disposições normativas e jurisprudência, o que torna de-

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cisões como essa ainda mais relevantes. A tese trazida no Acórdão nº 1.155/2015 – Plenário é de que a métrica de remuneração deve sempre considerar o resultado e não a metodologia utilizada, de forma que não se penalize a empresa eficiente e não se bonifique a empresa ineficien-te. Desse modo, no caso em tela, a remuneração deveria observar a quantidade de horas efetivamente degravadas e não o tempo despendido para tanto.

Poder-se-ia aduzir, analisando a questão, que seria óbvio esse entendimento. A prática da Administração, por ve-zes caminha no sentido contrário.

Ainda hoje, é usual que a contratação e a remuneração do serviço de limpeza e conservação, por exemplo, con-sidere a quantidade de postos de trabalho. Felizmente, nesse caso, existem algumas normas que definem a pro-porção de postos de trabalho por metro quadrado a se-rem limpos. O cerne da questão, todavia, permanece: a empresa que tem uma produtividade superior não pode reduzir seus custos e, consequentemente, seu preço, pois lhe foi exigido manter determinado número de postos de trabalho.

Do mesmo modo, a empresa que possui soluções dife-renciadas – como, por exemplo, a utilização de máquina de limpeza de piso que substitua cinco postos de traba-lho – não poderia sequer participar do certame.

O ideal seria, como orientado no art. 11 da Instrução Normativa1 nº 02/2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que a métrica de medição permitisse mensuração dos resultados, evitando a remuneração de empresas com base em quantidade de horas de serviço ou por postos de trabalho.

Assim, no exemplo narrado, o ideal seria que a remune-ração do contratado observasse a metragem quadrada a ser limpa, diariamente, de modo que cada contrato pu-desse, considerando sua própria metodologia e produti-vidade, estimar a quantidade necessária de faxineiros, ou quais equipamentos seriam necessários.1 Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008. Dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, con-tinuados ou não. “Art. 11. A contratação de serviços continu-ados deverá adotar unidade de medida que permita a mensu-ração dos resultados para o pagamento da contratada, e que elimine a possibilidade de remunerar as empresas com base na quantidade de horas de serviço ou por postos de trabalho”.

Da efetiva fiscalização como redutora de riscos

É verdade que, no mercado, diversos tipos de serviços ainda são remunerados a partir da efetiva prestação do serviço, como, por exemplo: pedreiros, que recebem por diárias; vigias, que recebem por turno; cinegrafistas, que recebem por horas à disposição; entre outros.

O motivo da manutenção dessas práticas na iniciativa privada é que, com o acompanhamento do cliente, é pos-sível evitar abusos.

Do mesmo modo, a eficiente fiscalização de contratos pode reduzir eventuais prejuízos nas hipóteses em que não existirem alternativas para a remuneração de servi-ços, como, por exemplo, o serviço de vigilância. Nesse caso, é impossível remunerar o contratado pelo número de furtos evitados, ou mesmo por portas e janelas vigia-das por determinado período.

Em tais contratos, a fiscalização contratual é a metodolo-gia mais eficiente para verificar se a quantidade de pos-tos de trabalho é compatível com o objeto, ou seja, um fiscal de contrato que faça verificações por amostragem para identificar se os vigias estão cumprindo as respec-tivas rondas, se estão efetivamente vigiando ou apenas mexendo no celular, entre outras falhas que possam ser encontradas.

Tem-se, portanto, que a remuneração por quantidade de horas de determinado serviço ou por posto de trabalho pode ser executada, em determinados casos e com uma efetiva fiscalização, e não trazer prejuízos à Administra-ção.

Dos serviços prestados em reclusão

É importante ressaltar, todavia, que não importa quão dedicado e disciplinado seja o fiscal do contrato, é impossível aferir os serviços prestados em reclusão, ou seja, aquele prestado na sede da contratada ou em outro local, longe do fiscal do contrato.

Um exemplo desse tipo de serviço é a remuneração por hora para desenvolvedores de sítios na internet. Nessa metodologia, o prestador de serviço inicia o relógio quando começa a traba-lhar no projeto do contratante e interrompe quando conclui o trabalho, sendo remunerado pelas horas dedicadas ao projeto.

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Tais serviços são especialmente delicados, uma vez que não é possível ao contratante confirmar a veracidade da informação. Nessas hipóteses, é necessário haver uma parametrização em relação ao tempo despendido por determinado produto, ou, ao menos, um parâmetro de mercado.

Em ambos os casos, o contratante tem um parâmetro ob-jetivo para definir quanto lhe custará determinado ser-viço. Considerando a situação trazida no Acórdão em questão, talvez fosse possível aceitar essa metodologia de remuneração se a Administração houvesse definido previamente à contratação a estimativa do tempo des-pendido para cada hora de degravação, estipulando-se, assim, uma parametrização objetiva para remuneração.

É necessário apontar que, tendo em vista a dificuldade que a Administração Pública possui para obter informações de fornecedores, é uma prática que deve ser evitada, quando possível.

Do caso concreto analisado pelo TCU

No caso em análise, entretanto, a Administração não de-finiu previamente o parâmetro de horas de serviço para a degravação. Pior: no mesmo contrato chegou a pagar 4 horas de serviço por uma hora de áudio em um momento e, em outro, 10 horas de serviço por cada hora gravada.

A própria unidade técnica do TCU, em consulta a presta-dores de serviço do ramo, verificou que a parametrização habitual costuma ser a de que uma hora degravada cor-responde a uma hora de gravação.

É evidente, portanto, que a contratada teve liberdade para estabelecer seu ritmo de trabalho em cada caso, sem qualquer parâmetro com a prática usual, em uma situação em que, mesmo que o fiscal do contrato fosse o mais diligente possível, seria impossível aferir a eficiência do serviço, acarretando prejuízo à Administração Pública, como apurado pelo Tribunal de Contas da União.

Autores do texto:• Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes

• Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Acórdãos/Decisões referidos:• TCU. Acórdão nº 1.155/2015 – Plenário.

Normas Referidas:• Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de

2008 – MPOG.

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LICITAÇÃO – EMPRESAS ESTATAIS – REGIME JURÍDICO PRIVADO – ÁREA FINALÍSTICA – ART. 173, § 1º, INCISOS II e

III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL“A licitação é a regra, mesmo para as empresas estatais submetidas a regime jurídico próprio das

empresas privadas (art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal), inclusive em sua área finalística, e só pode ser afastada em situações nas quais for demonstrada a existência de obstáculos negociais, com efetivo prejuízo às atividades da estatal, que impossibilitem a licitação.”.Fonte: Acórdão 2384/2015-Segunda Câmara, TC 012.573/2005-8, relator Ministro Benjamin Zymler, 12.5.2015.

A instituição da Administração Pública indireta é um mecanismo de descentralização de responsabilida-

des do poder público, que, visando à eficiência, permite a criação de entidades auxiliares para desenvolver ativida-des relativas aos objetivos assumidos com a sociedade.

O Estado pode então criar pessoas jurídicas de direito público ou privado. Neste último grupo, estão situadas as sociedades de economia mista e empresas públicas, denominadas empresas estatais.

O art. 173, § 1º, incisos II e III, da Constituição Federal determina que a lei estabeleça o estatuto jurídico das em-presas estatais, o qual deve dispor sobre a sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas e seus procedimentos de licitação e contratação.

Observe-se que, nesse caso, a Constituição não deixou margem à Administração pública: as empresas estatais estão, obrigatoriamente, sob regime privado. O mesmo diploma legal, no entanto, cuida de submetê-las também a procedimentos licitatórios.

Isso porque, apesar de inseridas no mercado competiti-vo, essas empresas estão comprometidas com objetivos coletivos e administram recursos públicos.

Essas características híbridas trazem descenso na doutri-na sobre a quais normas essas empresas devem obedecer sem que sejam feridos, simultaneamente, o interesse pú-blico e o caráter competitivo.

A questão passa pela difícil correlação do procedimento licitató-rio, instituto formal e burocrático, e a imprescindível celeridade das sociedades comerciais que atuam em mercado concorrente.

A corrente majoritária entende que os regimes jurídi-cos distintos são válidos para áreas também distintas da mesma empresa: o direito privado se aplica às atividades finalísticas e o público às atividades meio e ao controle dos recursos públicos.

Outra divisão dada pela doutrina é relativa à atividade exercida pela empresa estatal: se prestadora de serviço público, submete-se ao regime de direito público; se ex-ploradora de atividade econômica, sujeita-se às regras privadas.

O caso da Petrobras

A Petrobras é uma sociedade de economia mista, explo-radora de atividade econômica, atuante no mercado em regime de livre competição e que dispõe de procedimen-to licitatório simplificado, consubstanciado no Decreto nº 2.745/1998.

Esse Decreto deixou de reproduzir o padrão adotado pela Lei Geral de Licitações e Contratos – Lei nº 8.666/1993 – e criou parâmetros próprios para conduzir as contrata-ções da Petrobras.

Há, entretanto, inúmeros questionamentos acerca da va-lidade do aludido diploma. Parte da doutrina e, principal-mente, o TCU, entende pela sua inconstitucionalidade. O assunto ainda não foi decido pelo STF, mas há diversas liminares concedidas – MS nºs 25.888; 27.232; 27.337; 27.743; entre outros –, as quais garantem à Petrobras o uso do seu procedimento simplificado até que a Corte Suprema se manifeste definitivamente.

Trata-se de um regime licitatório mais dinâmico e menos

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custoso, que permite igualdade para as empresas quando concorrem no setor privado, sem pretender resultar em plena discricionariedade para aquisição de bens e ser-viços.

O caso concreto analisado pelo TCU

Em processo de auditoria nas contratações de serviços de publicidade, propaganda, bens de informática, con-sultoria e terceirização de pessoal da Petrobras Distri-buidora S.A. – BR Distribuidora, subsidiária integral da Petrobras, o TCU encontrou diversas irregularidades e converteu o processo em Tomada de Contas Especial, visando apurar a ocorrência de dano ao erário.

Dentre outros apontamentos, a questão que vem ao caso é relativa aos pagamentos referentes à promoção “Petro-bras 50 anos” e ao programa “Siga Bem Caminhoneiro”, os quais, durante a sua execução, envolveram nas cam-panhas publicitárias aquisições de veículos para sorteio entre os consumidores da BR e apropriação de bens de informática utilizados para que os participantes do pro-grama respondessem a perguntas sobre conhecimento de regras de trânsito.

A BR Distribuidora contratou empresa de publicidade e propaganda para realizar a promoção e o programa, des-de a sua organização, divulgação, sorteio, compra dos automóveis e computadores e entrega dos bens aos sor-teados, como se empreitada global fosse.

Os computadores envolvidos nos testes de conhecimen-tos de trânsito, que habilitava os motoristas que respon-diam às perguntas do programa a concorrer ao sorteio de brindes, faziam parte do projeto publicitário como um todo. Da mesma sorte, os carros sorteados eram os prê-mios dados aos sorteados pela promoção.

O TCU entendeu, porém, que o serviço de publicidade não pode abarcar essas aquisições. No caso, dos veí-culos, por exemplo, seria necessário um processo lici-tatório para as aquisições, incorporação desses bens ao patrimônio da empresa e posterior realização do sorteio.

Nas alegações de defesa apresentadas pelos responsá-veis, além de demonstrado o aumento das vendas nos períodos de vigência das promoções, foi lembrado que o Acórdão nº 121/1998 - TCU – Plenário excluiu a obri-

gatoriedade de a PETROBRAS Distribuidora – BR rea-lizar processo licitatório para as contratações relativas às atividades-fim da empresa.

Da evolução do entendimento do TCU

a) Decisão nº 414/1994 - Plenário

No idos de 1994, por meio da Decisão nº 414/1994 - Plenário, o TCU havia determinando à BR Distribuidora que: “realizasse procedimento licita-tório formal para a contratação de serviços de transporte de seus produtos”.

Ocorreu, porém, que esta providência se revelou inviá-vel, pois era incompatível com as finalidades em função das quais essa subsidiária da Petrobras havia sido criada.

Isso porque, a BR, no desempenho de suas ati-vidades finais, assume um papel social, na medida em que ela está presente em localidades que não despertam o interesse de outras empresas distribuidoras, aceitando, inclusive, evidentes prejuízos financeiros.

Por essas razões, a empresa deve ter mobilidade para ra-pidamente alterar seus preços e compensar tais perdas com os ganhos de outros pontos do país, com a necessi-dade de negociação caso a caso com as empresas trans-portadoras.

A natureza comercial e estratégica dos contratos de transporte celebrados pela entidade assume característi-cas peculiares e próprias do ramo econômico a que per-tence a distribuidora, o que inviabiliza a realização do prévio certame licitatório para sua contratação, uma vez que esses contratos estão ligados à essência da atividade econômica por ela exercida.

Para compensar os deficits assim gerados, a empresa pre-cisava e precisa ser eficiente e comercialmente agressiva para ganhar mercado nas áreas urbanas mais densamente povoadas, onde a concorrência é exacerbada.

Ou seja, para poder concorrer, em igualdade de condi-ções com as outras empresas privadas distribuidoras de derivados de petróleo – atividade não monopolizada –, a BR Distribuidora precisa ter liberdade de contratação para bem negociar os contratos de transporte. Sem isso,

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ela não tem como se manter.

b) Acórdão nº 240/1997 - Plenário

Todo o acima exposto foi entendido pelo Tribunal de Contas da União ao reexaminar o assunto na ocasião do julgamento consubstanciado no Acórdão nº 240/1997 – Plenário. Naquela oportunidade, porém, essa linha de argumentação foi tomada apenas como atenuante da conduta dos dirigentes da empresa, mantendo-se o en-tendimento de que a contratação direta dos serviços de transporte de derivados de petróleo se configurava uma ilicitude.

c) Acórdão nº 121/1998 - Plenário

Com a edição da Emenda Constitucional nº 19 de 1998, essa situação sofreu alteração. A exigibilidade de obser-vância das normas sobre licitações às empresas estatais passou a ser observada em conjunto com o art. 173, CF, que as submete ao regime jurídico de direito privado.

Essa mudança de tratamento constitucional trouxe maior flexibilidade gerencial para tais entidades e ganhou aten-ção do TCU.

Logo, em 26 de agosto de 1998, o TCU firmou o en-tendimento no Acórdão nº 121/1998 – Plenário no se-guinte sentido: “[...] tornar insubsistente o Acórdão recorrido n.º 240/97-TCU-Plenário; dar nova reda-ção à Decisão n.º 414/94-TCU-Plenário, para excluir a obrigatoriedade de a PETROBRÁS Distribuidora - BR, realizar processo licitatório para as contratações de transportes que sejam atividade-fim da empresa, como a de transporte de produtos, permanecendo esta obrigatoriedade para as atividades-meio [...]”.

d) Acórdão nº 1.390/2004 – Plenário

Em resposta à consulta formulada pelo então Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, o TCU consignou que enquanto não fosse editado o estatuto a que se refere o art. 173, § 1°, da Constituição Federal, as empresas pú-blicas, as sociedades de economia mista e suas subsidi-árias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços de-viam observar os ditames da Lei n° 8.666/1993 e de seus regulamentos próprios, podendo prescindir da licitação

para a contratação de bens e serviços que constituíssem sua atividade-fim, nas hipóteses em que o referido Di-ploma Legal fosse óbice intransponível à sua atividade negocial, sem olvidarem, contudo, da observância dos princípios aplicáveis à Administração Pública.

Como já discorrido, a Petrobras chegou a ter um pro-cedimento licitatório simplificado, editado por meio do Decreto nº 2.745/1998, que, todavia, não é reconheci-do pelo TCU por ser inconstitucional aos olhos daquela Corte.

O disposto na consulta foi repetido no Acórdão nº 1.186/2007 – Segunda Câmara, no qual a Corte de Con-tas determinou à BR Distribuidora que realizasse proce-dimento licitatório sempre que não houvesse óbice in-transponível à atividade negocial da empresa, ainda que se tratasse de sua área fim.

e) Acórdão nº 2.384/2015 - Segunda Câmara

A BR Distribuidora interpôs Recurso de Reconsideração contra essa determinação do TCU, que, em 2015, nova-mente se debruçou sobre o tema.

O ministro Relator Benjamin Zymler prolatou voto no sentido de que não estaria “impondo o procedimento licitatório a todas as atividades finalísticas, mas apenas afirmando que essa é a regra. Compete à estatal demons-trar, em cada caso, a existência de eventuais obstáculos negociais que impossibilitem a licitação”.

Por fim, ressaltou o Ministro que estaria superado o en-tendimento fixado no Acórdão nº 121/1998 – Plenário, “segundo o qual seria excluída a obrigatoriedade de a Petrobras realizar processo licitatório para as contrata-ções de transportes que sejam atividade-fim da empresa, como a de transporte de produtos”.

Conclusão

O atual cenário brasileiro de árdua luta contra a corrup-ção justifica uma atuação mais severa dos órgãos de con-trole e tem dado azo às interpretações mais conservado-ras quanto ao uso dos recursos públicos.

Conquanto a determinação do TCU pareça estar em li-nha com os contornos constitucionais que imprimem às

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empresas estatais um regime jurídico de direito priva-do, mas permeado de normas licitatórias, é importante observar que não se pode, porém, ultrapassar esse giza-mento legal para impor a essas empresas ônus maiores do que foi pretendido pelo constituinte.

No caso da Petrobras, vale rememorar que, até que o STF se pronuncie a respeito da in/constitucionalidade de seu procedimento licitatório simplificado, a Corte Fede-ral de Contas não terá força cogente contra o quantum ali disposto.

Autores do texto:• Cristiana Muraro Tarsia

• Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Acórdãos/Decisões referidos:• TCU. Decisão nº 414/1994 – Plenário.• TCU. Acórdão nº 240/1997 – Plenário.• TCU. Acórdão nº 121/1998 – Plenário.• TCU. Acórdão nº 1.390/2004 – Plenário.• TCU. Acórdão nº 1.186/2007 – Segunda

Câmara.

• TCU. Acórdão nº 2.384/2015 – Segunda Câmara.

• STF. MS nºs 25.888; 27.232; 27.337; 27.743.

Normas Referidas:• Constituição Federal da República Federativa

do Brasil, de 1988.• Decreto nº 2.745, de 24 de agosto de 1998.

• Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

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