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COMUNICAO, EDUCAO E NOVAS TECNOLOGIAS: TRIADE DO SECULO XXITransformar a escola vai alm da incorporao das novas tecnologias, exige a desnaturalizao da lgica do mercado que orienta seu uso e desenvolvimento.

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Guillermo Orozco GmezProfessor Titular do Departamento de Estudos da Comunicao Social da Universidade de Guadalajara, Mxico.

1) Neste trabalho parto das premissas de que as novas tecnologias de informao apresentam um desafio substantivo e no s e simplesmente instrumental ou de modernizao educao e comunicao; e de que a abundncia de benefcios e facilidades que prometem mais que abrir uma srie de possibilidades reais, simplesmente nos fazem pensar com mais exatido que poderiam contribuir para a democratizao da comunicao, da educao e do conhecimento. Neste sentido, argumento para afirmar que a vinculao que deve se estabelecer entre comunicao, educao e novas tecnologias comporta uma dupla dimenso. Por uma parte, as novas tecnologias devem se articular como suporte de uma comunicao educativa mais diversificada, atravs do aproveitamento de variadas linguagens, formataes e canais de produo e circulao de novos conhecimentos. Por outra parte, as novas tecnologias devem constituir-se tambm em objetos de anlise e estudo, atravs de processos de pesquisas dos seus efeitos, usos e representaes culturais. Sobretudo atravs do planejamento de estratgias de educao dos usurios que tenham como objetivo formar interlocutores capacitados para uma recepo e produo comunicativa ao mesmo tempo mltipla, seletiva e crtica. A trade comunicao, educao e novas tecnologias resume uma das problemticas substantivas do novo milnio. Constitui um desafio central, no s para os comunicadores e os educadores preocupados pelo avano da tecnologia telemtica e digital, e suas mltiplas vinculaes mtuas, mas tambm para a democracia e, claro, para a cultura, como processos maiores que contextualizam e condicionam a gerao, circulao e consumo do conhecimento. Nunca como agora o aparato tecnolgico, sempre presente ao longo da histria, havia desafiado tanto os diversos campos disciplinares e condicionado to profundamente o acontecer cotidiano das sociedades, os grupos e os indivduos. Neste novo sculo as novas tecnologias de informao, ao mesmo tempo em que abrem uma srie de possibilidades para um intercmbio mais eficiente e variado de conhecimentos, abrem tambm um cenrio preocupante para o futuro de nossas sociedades. um cenrio preocupante, porque quanto mais benefcios e promessas de desenvolvimento humano podemos inferir das novas tecnologias, mais esferas da vida cotidiana, poltica, econmica, profissional, cultural e social so afetados e, portanto, requerem mais nossa ateno. A promessa dos benefcios que as novas tecnologias oferecem continua sendo s uma promessa para a maioria das sociedades contemporneas. Segundo cifras recentes do Instituto Nacional de Estatstica do Mxico (Inegi, 1999), 60 % de todos os computadores do mundo conectados Internet esto localizados num s pas, os Estados Unidos. Enquanto inferimos e at antecipamos os mltiplos benefcios oferecidos pela tecnologia, constatamos as enormes diferenas que estas tecnologias esto abrindo para a maioria dos seres humanos2. A pergunta chave no mais sobre se so ou no desejveis as novas tecnologias, por exemplo, no campo educativo e comunicativo, mas sobre os modos especficos de incorporao da tecnologia nestas e em outras esferas da vida. Atualmente j no possvel prescindir das novas tecnologias. Faz-lo significaria um retrocesso histrico de propores incalculveis. Mas tambm no se trata de acolher a tecnologia tal e como ela nos oferecida pelo mercado, nem para os fins que os mesmos produtores e comerciantes da tecnologia desejam. No se trata de incorporar acriticamente a tecnologia no tecido social, educativo e comunicativo. O que estamos requerendo, sobretudo nos pases consumidores, no produtores de novas tecnologias, como os latino-americanos, uma srie de estratgias que permitam a nossas sociedades aproveitar o potencial da tecnologia para nossos prprios fins e de acordo com as nossas peculiaridades culturais, cientficas e tecnolgicas. E isto fcil de dizer, mas

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bastante difcil, porque supe uma conscincia e vontade polticas muito firmes por parte dos estados nacionais, e uma sensibilidade e deciso de exigncia tambm muito firmes e claras por parte da sociedade no seu conjunto, particularmente de todos os grupos, instituies e organizaes democrticas. aqui que deveria se manifestar a ao das instituies sociais, culturais e educativas que, sem serem as nicas instituies sociais, mas por suas caractersticas prprias e por seu peso especfico na produo de conheci- mentos e na educao e intercomunicao dos sujeitos sociais, tm uma alta responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para influir no curso futuro do desenvolvimento das novas tecnologias. No estou sugerindo que tudo depende de tais instituies sociais. O problema transcende qualquer tipo de instituio j que um problema geral, globalizado. No entanto, quero colocar a idia de que as instituies sociais, em especial as educativas e culturais, e todas as instituies de comunicao, acadmicas e de mercado, tm de assumir e enfrentar o desafio a partir de sua prpria especificidade, com o objetivo de contribuir para um futuro mais humanizado que o presente e, esperamos, um pouco mais democrtico tambm. Na seqncia, queria referir-me especificamente funo da educao e da comunicao frente s novas tecnologias. Para isso abordarei rapidamente a origem do desenvolvimento tecnolgico, para situar a as possibilidades intrnsecas que o fato tecnolgico carrega consigo, como meio de transformao. Depois tratarei do tipo de vnculo desejvel entre a educao e as novas tecnologias. Finalmente, refiro-me ao papel possvel e desejvel dos comunicadores nessa vinculao. 2) TECNOLOGIAS: RESULTADO DE DECISES POLTICAS E ECONMICAS O socilogo ingls da cultura, Raymond Williams, em seu livro O ano 20003, afirma que o desenvolvimento tecnolgico tem dependido historicamente no de decises tcnicas, mas de decises polticas e econmicas, e nos ltimos anos tem dependido - eu agregaria - sobretudo de um particular tipo de decises econmicas: decises do mercado, dos mercados internacionais. Esta compreenso crtica do desenvolvimento tecnolgico na histria mundial supe entender que o motor da tecnologia no a descoberta cientfica nem sequer a descoberta tecnolgica em si mesma, mas sim a particular mediao poltica no desenvolvimento dos mercados das foras de poder operantes, tanto em nvel local, regional corno, sobretudo agora, em nvel mundial4. Repassando a histria da introduo de novas tecnologias no campo da comunicao, achamos no Canad um primeiro exemplo muito ilustrativo: caso, nos anos 60, da TV em cores. A TV em cores j existia corno tecnologia e era usada em pases europeus e nos Estados Unidos, mas sua introduo no Canad retardou-se em alguns anos, no obstante a demanda da sociedade canadense por fru-la. Este atraso deveu-se precisamente ao fato de que a programao televisiva norte-americana em branco e preto precisava do mercado canadense para produzir os lucros esperados pelos produtores, os quais consideravam que, se introduzida a TV em cores no Canad, iriam perder muito dinheiro, tendo em vista que no poderiam extrair dessa programao em branco e preto o lucro que esperavam5. Outro caso eloqente o da maneira como se realizou, em princpio da dcada de 50, a introduo da TV no Mxico. Nesse ano, o presidente mexicano de planto encomendou a dois prestigiados intelectuais que viajassem por diversos pases onde j havia televiso, para pesquisar sobre as vantagens e desvantagens dos diferentes sistemas televisivos vigentes. Os intelectuais mexicanos regressaram da sua viagem e recomendaram ao presidente do Mxico um sistema de TV parecido ao sistema alemo, com uma TV de servio pblico, cultural, que incorporasse as expresses das diferentes regies do pas. O presidente no fez caso das recomendaes e decidiu ento incorporar a TV ao Mxico, copiando o modelo dos Estados Unidos, o que significou a outorga em concesso da TV a um grupo privado para o seu usufruto comercial, dentro de um modelo de TV orientada para a obteno dos mximos ganhos para seus donos. Ainda mais, o mesmo presidente converteu-se num dos principais acionistas da nova empresa televisiva, que se chamou Telesistema Mexicano, beneficiando-se economicamente do novo negcio televisivo.

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Este caso mostra como uma deciso poltica do representante do poder estabelecido determina o curso do desenvolvimento tecnolgico, no caso, o da TV. O caso mexicano que comento no acabou, no entanto, por a. Ao copiar o modelo dos Estados Unidos, copiou-se tudo, menos sua competitividade. Ou seja, no se deram concesses, mas uma concesso nica, a um s grupo. Assim, os presidentes mexicanos que se seguiram, continuaram preservando e alentaram o monoplio do que, com os anos, chegou a ser a Televisa do Mxico, em benefcio do qual eliminaram os interesses de competio de outros grupos, que procuravam obter tambm concesses para abrir outros canais. O resultado desta quase inacreditvel histria foi que os mexicanos, at cinco anos atrs, no tiveram opes televisivas reais. Tivemos s a ditadura do modelo Televisa, baseado no espetculo e no estmulo do consumo dos telespectadores. Na verdade existiu outra empresa televisiva do governo mexicano: o Canal 13, empresa que tambm assumiu o mesmo modelo da Televisa. Seus objetivos no foram oferecer uma alternativa Televisa, mas sim um canal de televiso criado com um fim poltico, devido a um conflito entre a elite poltica, objetivando o manejo da imagem do governo nos conflitos da Amrica Central durante os anos 70. O Canal 13, posteriormente, terminou assumindo, quando foi vendido a outro grupo privado no incio dos anos 90, as polticas neoliberais, pelas quais o Estado foi se desfazendo de muitas empresas que anteriormente eram de sua propriedade. Poderia continuar citando casos similares, ilustrativos das foras e decises reais que tm movimentado o desenvolvimento tecnolgico na histria moderna em muitos outros pases, como no caso da telefonia na Inglaterra, que tambm foi retardada para que se pudesse explorar mercadologicamente o sistema de cabeamento de telegrafia, que tinha sido completado justamente quando j existia a tecnologia telefnica. Ou o caso mais recente, da Internet, que como tecnologia existia dentro do sistema militar dos Estados Unidos vrios anos antes que se generalizasse seu acesso a outros grupos sociais. Com estes e outros muitos exemplos que existem, quero dizer que uma nova tecnologia s chega a ser tal quando mercadologicamente vivel e politicamente conveniente. E isto tem muitas implicaes para ns, comunicadores, cidados preocupados por instaurar a democracia. Uma primeira implicao que nenhuma das tecnologias que vemos surgir no mercado obedece a uma necessidade histrica. A tecnologia no um resultado inevitvel, nem natural, do avano cientfico. Toda tecnologia podia e pode ser diferente, podia e pode ser outra, diversa. Um exemplo que evidencia a anterior afirmao , outra vez, um caso mexicano. Um engenheiro inventou, no Mxico, um sistema de TV em cores no fim dos anos 50. Este sistema era muito mais ntido e perfeito do que o vigente na TV aberta tradicional (na TV broadcasting). A qualidade desse sistema de TV colorida era semelhante da TV a cabo, da qual agora desfrutamos. Mas, as grandes empresas multinacionais (General Electric, Phillips, RCA Victor etc.), que j estavam fabricando milhes de aparelhos de televiso para receber e projetar a imagem em cores, consideraram que o sistema do engenheiro mexicano supunha um componente que tornava mais caro o aparelho, e isso ia provocar o efeito de que a compra e o uso da TV em cores no mundo no se expandisse to rapidamente como se fez. Este caso impactou negativamente o possvel desenvolvimento alternativo da TV em cores em nvel mundial. O resultado foi que a grande maioria da populao teve de contentar-se com um sistema de TV em cores menos perfeito do que poderia ter, e s uma poro minoritria da populao, aquela que pode pagar, tem acesso aos sistemas por cabo ou codificados, podendo assim desfrutar de uma imagem de muito melhor qualidade. Este caso nos leva a uma segunda implicao das novas tecnologias. Devido a razes de mercado, grandes setores ficam fora dos benefcios tecnolgicos, ou tm de se contentar com benefcios tecnolgicos de menor qualidade, quando tecnicamente, poderiam desfrutar do mesmo que as minorias mais afortunadas. As novas tecnologias, ao serem inseridas e definidas pelas leis do mercado, fazem, de maneira inevitvel dentro dessa lgica, que uma de suas principais conseqncias seja a excluso de muitos e a incluso de poucos.

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Isto, por sua vez, apresenta aos Estados nacionais atuais a necessidade de implementar medidas que equilibrem as diferenas no acesso e uso das mesmas tecnologias por todos os cidados. No obstante, este um esforo sempre atrasado, sempre incompleto, sempre por atingir. Uma terceira implicao que quero comentar aqui que o desafio concreto que as novas tecnologias apresentam, em particular educao, a necessidade de instrumentar uma estratgia pedaggico- poltica que permita modificar aquilo que, aparentemente, o curso natural e necessrio das novas tecnologias, para da influir no seu desenvolvimento posterior. Participar do desenvolvimento futuro de uma nova tecnologia supe tomar possvel que, a partir de usos alternativos de uma mesma tecnologia, se transforme a demanda social por essa mesma tecnologia, para ser encaminhada a outras, diferentes das que existem atualmente no; mercado, mas que podem responder melhor s necessidades prprias dos mesmos usurios e no s s dos comerciantes da tecnologia. Sobre este ponto de transformao da demanda, permitam-me contar-lhes o caso da produo de vinho tinto e vinho branco na Califrnia, que uma boa metfora do que estou argumentando aqui. Os empresrios do vinho naquele lugar perceberam que no podiam competir com os vinhos tradicionais europeus, como o St Emilion, o Beaujoulais, Chateau Laffitte etc., porque estes vinhos estavam respaldados por regio particular, por uma casa ou castelo e por uma famlia especial. Na Califrnia no havia castelos nem famlias com nomes legendrios na fabricao de vinho. Alis, os californianos perceberam que a mistura de uvas, nesses vinhos famosos, sempre era um segredo. Ento idealizaram uma estratgia realmente genial6. Em seus vinhos, os produtores da Califrnia comearam a dizer qual era a mistura e a porcentagem de uvas de cada marca de vinho, e basearam a classificao vincola nos tipos de uva: cabernet, sauvignon malbec, chardonay etc. Ao mudar a classificao tradicional dos castelos pelos dez tipos de uva, o que conseguiram os californianos foi reorientar a demanda social pelo vinho. A maioria, agora, pede o vinho pelo tipo de uva, valoriza o vinho pelo tipo de uva, classifica o vinho pelo tipo de uva. A transformao da demanda social por novas tecnologias um processo longo e difcil, mas um processo s possvel atravs de uma educao diferente das sociedades que, entre outros objetivos, seja uma educao que fortalea sua prpria cultura7. Outros exemplos simples para ilustrar esta possibilidade de transformao que quero aqui referir so dois casos que eu mesmo presenciei na Alemanha, h mais de 20 anos, e que explicam o que quero dizer com usos alternativos das novas tecnologias. O primeiro exemplo o da nova tecnologia de ento, a dos sensores eletrnicos, isso que vemos agora nos elevadores, ou nas portas de lojas e hotis. Na Alemanha, o primeiro uso que deram a esta tecnologia foi nos banheiros, para regular a sada da gua, enquanto que, nos Estados Unidos, o uso foi nas portas dos shoppings centers. A diferena enorme. Na Alemanha esta tecnologia foi adotada com a finalidade de poupar gua, enquanto nos Estados Unidos se aplicou para facilitar e estimular o consumo, ao permitir que as pessoas que entravam para comprar, pudessem sair do shopping center sem serem incomodadas com as portas, pois estavam carregadas com sua mercadoria. O outro caso tem a ver com o caf. Na Alemanha h cafeterias nas quais as pessoas que andam pela rua podem entrar e, sem sentar-se, tomar uma xcara de caf, de p, apoiados em uma pequena mesa, onde colocam sua xcara. Essas cafeterias tinham a mais nova tecnologia para a preparao do caf, mas continuavam servindo o caf em xcaras de porcelana, ou seja, xcaras no descartveis, no obstante os recipientes descartveis j existirem, evitando a lavagem das xcaras. Em outros pases, o caf, o vinho se servem em qualquer recipiente, contanto que se facilite o seu consumo. Na Alemanha no, o que reflete que o avano tecnolgico se adapta parcialmente ou com matizes prprios, na medida em que o uso de um processo tecnolgico se contextualiza culturalmente no pela facilidade de consumir, mas se orienta de acordo com objetivos sociais, no consumistas.

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Estes exemplos aludem importncia das finalidades com as quais se incorpora uma tecnologia e, ao mesmo tempo, falam do peso da cultura no uso de uma tecnologia, cultura que, nestes casos, principalmente no que tange aos alemes, no ficava aniquilada pela modernidade, mas, precisamente, limitava a modernidade, conformando-a de um jeito prprio e particular. 3) VNCULO DAS NOVAS TECNOLOGIAS EDUCAO Tendo como contexto a discusso anterior, agora quero referir-me s duas grandes racionalidades coexistentes na atualidade para vincular as novas tecnologias de informao aos processos educativos. A racionalidade hegemnica, at agora, consistiu em incorporar, simplesmente agregando ao j estabelecido, as novas tecnologias informticas ao processo educativo, sem modificar o prprio processo, nem seus componentes, nem a instituio educativa que o realiza. Os sistemas educativos tm assumido, nos nossos pases latino-americanos, a idia de que uma educao "moderna" tem de incorporar meios e tecnologias de informao. Podemos observar como se tm enviado satlites ao espao para fazer subir sinais, oriundos dos ministrios de educao, ou de comunicao, ou de cultura, que possam depois descer s escolas. O governo mexicano, e com certeza o brasileiro tambm, realizou um esforo importante para instrumentar redes eletrnicas e digitais, para enviar contedos educativos via televiso e computador aos centros escolares. Este esforo feito tanto para complementar o plano de estudos quanto, em alguns casos, para substitulo, mas se enderea s a uma parte do processo, que o ensino, deixando o aprendizado um tanto deriva, ou assumindo que o aprendizado se dar ou melhorar s com a modernizao de um nico dos seus insumos: os contedos transmitidos atravs dos novos meios e tecnologias usados. Dentro desta mesma racionalidade, que chamo da eficincia, a principal finalidade perseguida pelas autoridades educativas (quase sempre bem intencionadas) justamente a modernizao do sistema educativo. Porm, com este af modernista, o objeto de ateno prioritrio centra-se em melhorar a oferta educativa, seja alargando a cobertura do servio prestado atravs das novas redes e satlites, seja complementando o discurso dos docentes com informao adicional e mais variada sobre os temas do plano de estudos, ou introduzindo novos temas para o estudos dos educandos, ou simplesmente levando a mensagem educativa aonde no se pode levar um docente profissional de carne e osso, para que realize uma educao de corpo presente. O termo que resume este esforo de incorporao da tecnologia educao o de educao a distncia. Se a oferta educativa, ao se modernizar com a introduo das novas tecnologias, se alarga e at melhora, a aprendizagem, no entanto, continua uma dvida. As ainda poucas evidncias emergentes da avaliao sobre a aprendizagem conseguida pelos educandos que esto em contato com esta nova oferta de educao miditica pe de manifesto, pelo menos neste caso mexicano, que a aprendizagem no se modifica, ou se modifica minimamente, e que inclusive em alguns casos at menor que usualmente se realiza sem as novas tecnologias8. Isto me leva a concluir que o tecnicismo da oferta educativa por si s no garante uma melhor educao. certo que se poderia argumentar que, devido ao carter de novidade da educao miditica no sistema educativo mexicano, tanto com relao ao uso do vdeo educativo quanto do software interativo para computador, ainda h aspectos que no esto suficientemente afinados ou que os recursos tcnicos ainda tm muitas falhas na sua utilizao. Falta uma pesquisa detalhada para poder averiguar o que realmente acontece. No entanto, considero que, no caso mexicano, e mesmo supondo que a falta de sucesso da educao a distncia tradicional se deva em parte a falhas tcnicas em seus sistemas, como as mencionadas, o que se pode constatar que no h uma estratgia articulada de sensibilizao dos usurios a esta educao miditica; nem mesmo as autoridades educativas correspondentes esto cabalmente convencidas de que tal sensibilizao seja necessria.

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No Mxico, pelo menos, parece que ainda no h um consenso no setor educativo pblico sobre o fato de que cada tecnologia e cada meio supem - alm de uma sensibilizao para seu bom uso com propsitos educativos, o que seria o mnimo - tambm uma alfabetizao, nos cdigos caractersticos, prprios dos meios e tecnologias a serem usadas. At agora, no foram definidos critrios para oferecer esse tipo de alfabetizao. Definiram-se manuais e guias para vincular o contedo transmitido com os planos de estudo, mas esses guias no proporcionam esclarecimentos que digam respeito ao meio ou tecnologia atravs dos quais se produzem e transmitem esses contedos9. A falta de uma estratgia para o uso educativo de novos meios e tecnologias provoca a perda de seu potencial para os fins que se procuram, pois o processo atravs do qual os educandos e os professores devem apropriar-se adequadamente dos novos meios e tecnologias, no um processo automtico nem autodidata. O trnsito de um determinado uso dos meios e tecnologias da diverso e entretenimento para um uso destinado a objetivos de aprendizado e anlise tambm no espontneo. Requer capacitao especfica e especializada. H mltiplas evidncias na pesquisa internacional, pelo menos com o uso do vdeo educativo, atinentes ao fato de que a situao de aprendizagem em contato com o vdeo diferente da que se necessita para o contacto com o livro ou os materiais impressos. Isto no obstante a universalidade do cdigo visual10. Vdeo-ver ou tele-ver no o mesmo que ver, como no o mesmo que ler ou ouvir11. Cada meio e cada tecnologia exercem uma mediao particular nas pessoas com as quais interatuam e na estruturao dos prprios contedos que transmitem. Nenhum meio ou tecnologia, por mais visual ou singelo que parea, pode ser remediado ou tomado por sabido, enquanto dispositivo de estruturao de seus prprios contedos e enquanto uma fonte distintiva de mediao. 4) Racionalidade da relevncia A outra racionalidade possvel para a incorporao das novas tecnologias educao uma racionalidade da relevncia. Ela parte de tomar explicitamente o meio ou tecnologia aplicada como objeto de estudo e anlise, proporcionando uma orientao especfica para seu uso como tal e no somente como transmissor (carrier), proporcionando tambm uma orientao para uma adequada interao com os formatos e cdigos tcnicos e lingsticos dos quais se compe, na perspectiva de estimular a aprendizagem e no a diverso. Dentro desta racionalidade, o objetivo principal no estaria no ensino, mas no aprendizado, aprendizado entendido aqui no somente como um resultado a partir de certos insumos, mas sim como processo realizado em situaes especficas que procuram abertamente estimul-lo. Um processo, tambm, sempre contextualizado na cultura dos educandos, que leve em conta seus anteriores hbitos de aprendizagem e de comunicao, suas destrezas para conseguir inferir a sntese, a associao. a formulao de hipteses, a abstrao, a explorao. Destrezas que, por sua vez, requerem desenvolvimento paralelo sua interao com os novos meios e tecnologias. Ao mesmo tempo, requer-se urna orientao que tambm considere a historicidade dos setores especficos de educandos-usurjos com o meio ou tecnologia de informao particular. Por historicidade entendo os hbitos e rituais que se vo gerando com a experincia no uso de meios e tecnologias para outros fins, no necessariamente educativos. A pesquisa internacional sobre este subcampo de estudos traz resultados que sugerem a importncia das representaes mentais sobre as tecnologias que os diversos grupos sociais vo gerando, tanto sobre a tecnologia corno tal, como seus possveis usos e finalidades12. As prticas e hbitos de trabalho intelectual dos usurios-educandos constituem tambm mediaes na sua vinculao educativa com as novas tecnologias. Destas prticas surgem esteretipos, que se faz necessrio conhecer e antecipar para potenciar o adequado uso de qualquer meio ou tecnologia com fins educativos. Assim esta racionalidade da relevncia para a incorporao das novas tecnologias aos processos educativos requer urna transformao dos processos de ensino-aprendizagem, da estruturao dos

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contedos, das situaes de interao com eles e, em geral, da orientao pedaggica do esforo educativo no seu conjunto. Todas essas transformaes conduzem necessariamente a uma transformao da estrutura pedaggica tradicional da instituio escolar. Transformar a pedagogia tradicional vigente supe, entre outras coisas, primeiro mudar o ponto de partida e o ponto de chegada. Isto , supe mudar o endereamento do processo educativo no seu conjunto. Tradicionalmente parte-se do contedo a ser aprendido pelo aluno, que o contedo a ser ensinado pelo professor ao aluno. Em uma nova pedagogia se partiria do sujeito educando e do seu contexto. Isso significa que, em uma nova perspectiva, o contedo seria sempre o ponto de chegada. O que supe, alis, para sermos coerentes com a dinmica prpria das novas tecnologias, tal qual o hipertexto, que os contedos no existam independentemente dos sujeitos que os constroem. Os contedos so o resultado de um processo naturalmente estimulado por certos contedos iniciais,'mas nunca determinado em uma forma nica. Tudo o que foi dito facilmente exposto, mas supe uma enorme transformao da escola e dos sujeitos que participam no processo educativo: educadores e educandos, administradores e autoridades. Assumir e ser coerente na prtica com o fato de que os contedos so o resultado e no o ponto de partida, no somente modifica a direcionalidade do esforo educativo, mas questiona a funo central da instituio escolar. Historicamente, a escola tem sido a instituio educativa principal e nela tem se depositado a legitimidade para educar as novas geraes de cidados e a formao e o conhecimento aprovados socialmente para serem transmitidos e ensinados, geralmente atravs dos livros de texto. A escola, em uma nova perspectiva, j no seria o centro depositrio do conhecimento e do saber, mas teria que se transformar em um centro de reconhecimento e articulao de mltiplos conhecimentos e informaes que circulam usualmente, para orientar os educandos sobre a forma de como associ-los para seus fins de aprendizado. A escola preservar sua funo como a instituio educativa principal, s na medida em que for capaz de orientar os diversos aprendizados dos seus estudantes. Aprendizados que tm lugar dentro e fora dela, sobretudo e cada vez em maior proporo, estimulados pelos novos meios e tecnologias de informao existentes, tanto dentro dos sistemas educativos, quanto por aqueles que esto fora e so os meios e tecnologias com os quais cotidianamente interagem os sujeitos sociais. Esses aprendizados, alm do mais, so produtos de processos formais e no-formais de educao. Portanto, o que ficou dito permite sustentar que, em uma escola do futuro, a diferenciao entre o que uma educao formal e outra que no o , no ter cabimento. Uma escola, sustentada em uma racionalidade relevante frente s novas tecnologias de informao, assumiria que a aprendizagem se realiza em mltiplas situaes e cenrios da vida cotidiana, e que, por isso, essa aprendizagem varia em sua importncia, formalidade e legitimidade. O que a escola deve assegurar, em todo caso, que a aprendizagem resultante de um processo educativo seja relevante para o sujeito ou os sujeitos que aprendem, relevante para o seu desenvolvimento como ser humano e social, que participa de comunidades e de pases especficos. 5) VOLTA PARA O FUTURO: PAPEL DO COMUNICADOR Em uma vinculao adequada das novas tecnologias de informao com a educao, o papel dos comunicadores profissionais mltiplo. Por uma parte, os comunicadores seriam os profissionais que estariam encarregados do projeto das estratgias de produo dos materiais comunicativos, bases de dados, formatos audiovisuais e redes para a intercomunicao, tomando em conta principalmente as caractersticas comunicativas dos potenciais usurios-educandos.

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Uma produo comunicativa a partir das caractersticas dos sujeitos, no dos contedos nem dos meios, um dos desafios principais para os comunicadores do sculo XXI. Do mesmo modo, os comunicadores profissionais seriam os especialistas no desenho das lgicas miditicas para vincular diversos conhecimentos e informaes, por uma parte e por outra, para vincular os educandos- usurios com essa informao. Mas, sobretudo, seriam os comunicadores os peritos no acompanhamento do processo educativo, a partir dos sujeitos educandos-usurios, atravs da explorao de todos aqueles elementos que incidem na sua recepo ou interao com a informao e os novos meios e tecnologias que a rodeiam. Desta maneira, os comunicadores retroalimentariam os educadores com a informao de tipo comunicacional que se requer para estabelecer o dilogo educativo, a negociao de significados, a apropriao e produo comunicativa atravs da qual se manifestaro os aprendizados dos sujeitos partcipes nos diversos processos educativos. O papel do comunicador nas interaes educativas do sculo XXI imenso e crucial, no sentido de tomar realidade aquilo que, talvez, os professores, educadores profissionais - por suas limitaes precisamente profissionais - no sero capazes de realizar. Da mesma maneira que os educadores deveriam descentrar sua preocupao principal dos contedos e focalizar mais os processos, os comunicadores tambm deveriam desviar sua preocupao dos meios e focalizar mais os processos ao redor dos meios, os receptores, as interaes que os mesmos meios possibilitam e os contextos nos quais se realizam estas interaes, j que no contexto que, afinal, nasce o sentido da comunicao, e j que da que se pode apreciar a relevncia dos aprendizados realizados. Desejo concluir enfatizando que, neste novo sculo, a educao cada vez mais estar vinculada aos meios e tecnologias de informao e que, tarde ou cedo, isto vai modificar de maneira substancial os processos educativos e comunicativos. O cenrio do futuro no esttico, muito pelo contrrio. Por isso importante antecipar o papel que tanto educadores quanto comunicadores devemos tomar nele, para que o sentido e a direo das inevitveis transformaes sejam as mais relevantes para nossas sociedades. REFERNCIAS:1. Palestra realizada por Guillermo Orozco Gmez na abertura do V Simpsio de Pesquisa em Comunicao da Regio Centro-Oeste, Goinia, Brasil, Universidade Federal de Gois, maio, 1999. 2. VENTURELLI, S. Human rights and democracy in cyberspace: frameworks, standards and obstacles. Journal of International Comunication. Vol. 5, n. 1 e 2, jun./dez., 1998. p.11-24. 3. WILLIAMS, Raymond. The year 2000. A radical look at the future and what we can do to change it. N. York: Panteon Books, 1983. p. 275. 4. OROZCO-GMEZ, G. La investigacin de la comunicacin dentro y fuera de Amrica Latina. Tendencias, perspectivas y desafios Del estudio de los medios. Faculdad de Periodismo y Comunicacin Social. Universidad Nacional de la Plata, Argentina, 1997. p. 235. 5. OROZCO-GMEZ, G. La computadora em la educacin: dos racionalidades em pugna. Dia-logos de la Comunicacin. N. 37, Lima. Felafacs, 1993. p. 29-37. 6. A descrio completa desta histria foi dada pela antroploga britnica, Mary Douglas, em seu livro How Institutions thinks. N. York: Syracyse University Press, 1986. p. 150. 7. OLIVEIRA, I. Gnesis de la comunicacin em el espacio educativo. In: Gutierrez, A. (coord.) Formacin del profesoradoen la era de la informacin. Espanha, Universidade de Valladolid, 1998. p. 33-43. 8. SEP. Anlises de leos resultados del piloteo de la Unidad EMSAD. Unidad TV Educativa. Mxico, 1999. p.23 (Documento interno) 9. SEP. Guias de lectura audiovisual. Histria de las cosas. Unidad TV Educativa. Mxico, 1998. p. 18. 10. RODRGUEZ, J. El espacio audiovisual em la sociedad de la imagem. ACOTV. Santa F de Bogot, 1993. p. 180. FERRS, J. Televisin y educacin. Pardos Papeles de Pedagogia. Barcelona, n. 18, 1995. p. 235. 11. OROZCO-GMEZ, G. Hacia uma pedagogia de la televidencia. Comunicacin y Sociedad. Mxico: Universidad de Guadalajara, n. 32, 1998. p. 147-169. MARTN-BARBERO, J. La comunicacin frente a la educacin. Nomadas. Bogot: Universidade Central, n. 5, 1997. p. 12-26. 12. VIVEROS, F. El caracter pedaggico del uso de la computadora en la escuela. Una mirada desde las representaciones sociales. Comunicacin y Sociedad. Mxico, Universidad de Guadalajara, n. 29, 1997. p. 119-144.

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Texto adaptado de:GMEZ, G.O. Comunicao, Educao e Novas Tecnologias: trade do sculo XXI. Comunicao e Educao, So Paulo, n. 23, p. 50-70, jan./abr, 2002.