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    VOLUME V, NMERO XVII - Abr-Jun 2006

    V O L U M E V N M E R O X V I I Abril - Junho 2006

    A R T I G O I I Conhecendo o Quadro Comum Europeu de Referncia para Lnguas: Fundamentos, Objetivos e Aplicaes

    Prof. M.A. Mrcio Luiz Corra Vilaa -UNIGRANRIO / UFF [email protected]

    1- Introduo

    O presente artigo tem o objetivo bsico de oferecer uma introduo ao Quadro Comum Europeu de Referncias para Lnguas(Common European Framework of References for Languages: learning, teaching and assessment), um documento elaborado pelo Conselho da Europa(Council of Europe), resultado de pesquisas e projetos sobre o ensino de lnguas realizados e patrocinados pelo mesmo ao longo mais de 40 anos(Morrow, 2004).

    Convm destacar que o Quadro Europeu praticamente desconhecido no Brasil. Este desconhecimento provavelmente deve-se ao fato de ser considerado como algo restrito especificamente ao continente europeu, o que a leitura do documento demonstra ser uma idia equivocada. Apesar do Quadro ter o contexto europeu como base, muitas das questes nele apresentadas e discutidas podem ser de grande utilidade para todos aqueles que atuam no campo de ensino de lnguas estrangeiras, independente da localizao continental.

    Alm de oferecer uma viso geral sobre o Quadro, incluindo aspectos polticos e culturais que motivaram a elaborao do mesmo, o presente artigo oferece aqui breves discusses sobre alguns de seus principais aspectos, entre eles: o plurilingismo, as escalas de descritores e a relao entre o Quadro e a elaborao de materiais didticos.

    2- O Conselho da Europa e o seu interesse no Ensino de Lnguas

    O Conselho da Europa a organizao poltica Europia mais antiga, tendo sido fundada em 1949. Atualmente ele rene 46 pases europeus e tem sua sede em Estrasburgo, na Frana. Alm dos pases europeus, cinco Estados de continentes variados foram reconhecidos por estatuto como observadores(Santa S, Estados Unidos, Canad, Japo e Mxico). A participao destes Estados demonstra nitidamente haver interesse fora da Europa nos trabalhos desenvolvidos pelo Conselho. A administrao do Conselho da Europa desempenhada por um Comit de Ministros, do qual participam representantes de todos os pases membros.

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    Conforme Morrow(2004) alerta, o Conselho da Europa no deve ser confundido com a Unio Europia, da qual participam 25 pases (todos integrantes do Conselho de Europa). De acordo com informaes disponveis no prprio site da organizao, nenhum pas aderiu Unio Europia sem primeiro ter pertencido ao Conselho da Europa. Outro cuidado necessrio no confundir o Conselho da Europa com o Conselho Europeu. Este ltimo refere-se reunio dos chefes de Estado e de governo dos Estados membros da Unio Europia, que ocorre de forma peridica, ao menos, duas vezes por ano.

    A criao do Conselho da Europa teve como motivao os seguintes fins:

    defender os direitos do homem e a democracia parlamentar, e assegurar a preeminncia do direito

    concluir acordos escala do continente para harmonizar as prticas sociais e jurdicas dos Estados membros

    favorecer a tomada de conscincia da identidade europia, fundada sobre valores partilhados que transcendem as diferentes culturas.

    ( Conselho da Europa www.coe.int )

    Alm dos fins apresentados acima, a partir de 1989 o Conselho da Europa passa a ter misses especiais:

    ser um ancoradouro poltico e o guardio dos direitos do homem para as democracias ps-comunistas da Europa,

    ajudar os pases da Europa central e oriental a pr em marcha e a consolidar reformas polticas, legislativas e constitucionais, paralelamente s reformas econmicas,

    fornecer um certo " know-how" em domnios como os dos direitos do homem, da democracia local, da educao, da cultura, do meio ambiente.

    ( Conselho da Europa www.coe.int )

    esta terceira misso especial que motivou mais diretamente o desenvolvimento do Quadro Comum Europeu: fornecer know-how na rea de ensino de lnguas estrangeiras. importante destacar que, em um continente com uma variedade to grande de lnguas nativas, o interesse no ensino de lnguas adquire um carter especial inegvel.

    Ao desenvolver o ensino de lnguas estrangeiras, o Conselho da Europa facilita direta e indiretamente a realizao de seus demais objetivos apresentados acima. Afinal, as lnguas possibilitam

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    e facilitam as relaes culturais, polticas, comerciais e financeiras entre os pases membros e as populaes destes paises. Em outras palavras, o conhecimento de vrias lnguas proporciona um grande aumento da integrao entre seus Estados Membros.

    3 - Quadro Comum Europeu: seus objetivos e caractersticas

    A finalidade bsica do Quadro Comum Europeu, apresentada no incio do documento, proporcionar uma base comum para a elaborao de programas de ensino de lngua, bases curriculares, exames e livros-texto por toda a Europa(Council of Europe, 2001:1). Para isso, ele descreve, de forma abrangente e, at certo ponto, detalhada, o que os alunos precisam aprender para usar uma lngua com fins comunicativos. O documento focaliza principalmente os conhecimentos e as competncias necessrias ao desenvolvimento da competncia comunicativa.

    Ao longo do documento, vrios objetivos so apresentados e discutidos, entre eles:

    Planejamento de programas de ensino/curriculuns

    Planejamento de certificaes

    Elaborao de materiais didticos

    Planejamento de aprendizagem autodirecionada

    Cooperao entre sistemas educacionais

    Promover uma abordagem plurilnge e pluricultural de ensino

    Desenvolvimento de uma cidadania europia

    O Quadro tem natureza descritiva. Em todos os seus captulos, os professores so levados reflexo de possibilidades de aplicao e adaptao do mesmo aos seus contextos de aprendizagem. No h nenhuma inteno de prescrever mtodos de ensino especficos a serem empregados. As palavras necessidade e contextos so freqentes ao longo de todo o documento, o que reflete o interesse na adaptao e na adequao do Quadro aos mais diversos contextos e sistemas educacionais, tanto dentro quanto fora da Europa.

    Apesar de no ter carter prescritivo, importante destacar que, conforme discutido por Heyworth(2004:12), fcil observar que a abordagem de ensino que norteou ou, pelo menos, influenciou o desenvolvimento do Quadro foi a abordagem comunicativa.

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    4- A defesa do Plurilingismo como base

    O Quadro Comum Europeu defende o conceito de plurilingismo para o ensino de lnguas estrangeiras. O Quadro argumenta que o plurilingismo difere do multilinguismo. Segundo o Documento, o multilingismo refere-se basicamente oferta de diferentes lnguas estrangeiras para a aprendizagem e ao processo de motivao dos alunos para a aprendizagem de diferentes lnguas. O plurilinguismo, por outro lado, no se refere apenas ao domnio de diversas lnguas, mas tambm estreita relao entre lngua e cultura. Objetiva-se, portanto, o desenvolvimento de competncias plurilnges e pluriculturais. Segundo o Documento:

    A competncia plurilnge e pluricultural refere-se habilidade de usar lnguas para propsitos de comunicao e tomar parte em interao intercultural, onde uma pessoa vista como um agente social tem proficincia, de nveis variados, em diversas lnguas e experincia de diversas culturas.

    ( Council of Europe, 2001:168)

    A citao acima reflete o inegvel interesse do Conselho da Europa em promover cada vez mais a interao entre os seus Estados Membros e o acesso herana cultural europia(Morrow, 2004). Com isso, o Conselho da Europa visa promoo da interculturalidade.

    Morrow(2004:4) apresenta duas possveis sadas hipotticas que o Conselho poderia ter adotado para lidar com a questo da enorme diversidade lingstica na Europa. Estas seriam:

    1- a adoo de uma lngua-franca

    2- a adoo de uma lngua artificial como o Esperanto.

    Entretanto, o prprio autor(Morrow, 2004,4) argumenta que estas opes no so indicadas por razes bvias. Primeiramente, a adoo de uma lngua-franca agradaria a um pas, que teria sua lngua internacionalmente valorizada e empregada, e desagradaria a todos os demais pases. Em segundo lugar, a adoo de uma lngua artificial geraria uma enorme barreira na comunicao cultural internacional. Logo, a opo pelo plurilingismo se justifica plenamente.

    5- A Organizao do Quadro

    Uma vez j tendo discutido alguns aspectos centrais relativos histria e elaborao do Quadro Comum Europeu, considero til fazer uma breve apresentao panormica de seus captulos, de forma a possibilitar uma viso geral do todo. O Quadro Comum Europeu est dividido em 9 captulos de tamanhos e estruturas variadas.

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    O primeiro captulo introduz o Quadro, apresentando algumas das razes que motivaram a elaborao do mesmo pelo Conselho da Europa. Objetivos e caractersticas do mesmo so apontadas e discutidas, inclusive a defesa do plurilingismo(Cf. Seo 4 deste trabalho). O captulo ainda indica possveis usos do Quadro e apresenta os critrios que conduziram preparao do mesmo.

    O captulo seguinte apresenta a abordagem a ser empregada pelo Quadro, chamando-a de Abordagem Baseada em Ao(Action-based approach). A abordagem baseada em ao brevemente apresentada como uma abordagem onde os alunos e usurios de lnguas so vistos fundamentalmente como agentes sociais(Council of Europe, 2001:9). Defende-se que a compreenso de usos da lngua s pode ser plenamente alcanada se considerarmos o contexto geral onde eles se manifestam.

    Em seguida, o captulo apresenta uma grande variedade de conceitos e aspectos que sero discutidos com um pouco mais de profundidade nos demais captulos do documento. Entretanto, convm destacar que h uma grande variedade de termos sendo sucintamente e, por muitas vezes, vagamente definidos e comentados, o que ocasiona confuso e dificulta a compreenso dos mesmos. Alguns desses termos e conceitos introduzidos so: competncias, estratgias, tarefas, atividades lingsticas, texto e contexto. Este captulo, excetuando-se a defesa da abordagem baseada em ao, pode ser considerado como uma preparao para os demais, uma vez que, conforme citado, quase todo o seu contedo ser retomado em captulos posteriores, especialmente nos captulos 4 e 5.

    O terceiro captulo introduz um dos aspectos centrais do Quadro: os Nveis Comuns de Referncia. Estes nveis classificam os alunos e usurios de uma lngua como usurios bsicos(basic user), usurios independentes(independent user) e usurios proficientes(proficient user). Estes nveis so respectivamente representados pelas letras A, B e C. O Quadro discute seis nveis( A1, A2, B1, B2, C1, C2) , conforme apresentado na figura abaixo:

    Figura 1- Nveis de Referncias propostos pelo Quadro Comum Europeu

    Ao longo de todo o Quadro, estes nveis so usados com escalas ilustrativas de descritores que indicam o que o aprendiz/usurio deve conseguir realizar em cada um deles e o nvel de perfeio da realizao. Vejamos um exemplo extrado da Escala Global (Cf. Anexo).

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    UTILIZADOR ELEMENTAR

    A2 capaz de compreender frases isoladas e expresses de uso freqente relacionadas com assuntos de prioridade imediata (por exemplo, informaes pessoais e familiares simples, compras, meio envolvente, trabalho). capaz de comunicar em situaes correntes que apenas exijam trocas de informaes simples e directas sobre assuntos e actividades habituais. capaz de descrever com meios simples a sua formao, o seu meio envolvente e referir assuntos que correspondam a necessidades imediatas.

    UTILIZADOR ELEMENTAR

    A1

    capaz de compreender e utilizar expresses familiares e correntes assim como enunciados simples que visam satisfazer necessidades imediatas. capaz de apresentar-se ou apresentar algum e colocar questes ao seu interlocutor sobre assuntos como, por exemplo, o local onde vive, as suas relaes, o que lhe pertence, etc. capaz de responder ao mesmo tipo de questes. capaz de comunicar de forma simples desde que o seu interlocutor fale clara e pausadamente e se mostre colaborante.

    Fonte: Conselho da Europa (Traduo Oficial Portuguesa)

    Descritores como este parcialmente apresentado acima so oferecidos pelo Quadro para uma ampla variedade de competncias, atividades, estratgias etc. Possivelmente estes descritores sejam uma das maiores colaboraes do Quadro. Heyworth(2004,17) argumenta que, embora o uso de descritores no seja novo, os descritores oferecidos pelo Quadro Europeu so mais rigorosamente organizados que a maioria disponvel. Enfatizando a importncia dos descritores, Morrow(2004,8) afirma que os nveis constituem o corao do quadro . Alm disso, no se pode esquecer que um dos principais objetivos do Quadro Comum Europeu auxiliar na elaborao de certificaes e na comparao as mesmas(North, 2004).

    Seguindo o propsito no-prescritivo do Quadro, os usurios podem adaptar estes nveis ou subdividi-los da forma mais apropriada ao seu contexto. H neste captulo alguns exemplos de adaptaes dos nveis.

    O Captulo 4 discute e descreve categorias diversas relacionadas ao uso de lngua. Algumas dessas categorias so: tarefas comunicativas, situaes, estratgias e atividades. Muitas escalas de descritores so oferecidas, o que representa uma grande ferramenta, especialmente na elaborao de planos de ensino. Em resumo: o captulo pretende discutir e explicitar diferentes aspectos que interagem quando uma pessoa usa uma lngua.

    O quinto captulo discute as competncias geral e comunicativa necessrias ao uso de uma lngua em situaes comunicativas reais. Estas competncias so analisadas e divididas em

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    componentes menores. A competncia comunicativa, por exemplo, dividida em: lingstica, sociolingstica e pragmtica.

    O captulo 6 focaliza o processo de ensino e aprendizagem de lnguas. Aspectos relacionados aquisio e aprendizagem de lnguas so discutidos. O captulo questiona o que os alunos precisam aprender e adquirir para poder usar uma lngua de forma eficiente em situaes comunicativas. Ao responder a este questionamento o Quadro(Council of Europe, 2001:131) afirma que os aprendizes precisam adquirir ou aprender:

    As competncias necessrias geral e comunicativa conforme discutido no captulo 5 do Quadro

    A habilidade de pr estas competncias em ao

    A habilidade de empregar as estratgias necessrias para realizar estas competncias

    Em outras palavras, o captulo volta a discutir as competncias necessrias para o desenvolvimento de uma competncia plurilnge. Em termos gerais, o captulo oferece elementos que visam a auxiliar no planejamento de prticas docentes, planejamentos de cursos e curriculum, e as formas como os professores podem auxiliar neste processo.

    Enquanto os dois captulos anteriores(Captulos 5 e 6) discutem o uso lingstico e as competncias necessrias para este uso, o captulo 6 focaliza mais especificamente o processo de ensino/aprendizagem, oferecendo vrios questionamentos que os professores podem se fazer ao planejar a sua abordagem ou mtodo. De acordo com o quadro a aprendizagem e a aquisio so processos complementares(Council of Europe, 2001:139 ; Heyworth,2004:19).

    O stimo captulo focaliza as tarefas. Suas caractersticas e funes so detalhadamente discutidas. De acordo com o Quadro, as tarefas so caractersticas da vida diria em diversos domnios(Council of Europe, 2001:157). Para a realizao das tarefas, o usurio faz uso de estratgias que ativam competncias especficas. O Quadro argumenta que as tarefas ocupam um lugar central no ensino de lnguas estrangeiras, tanto no planejamento de programas de ensino(curriculum) quanto na elaborao de materiais didticos e testes(Council of Europe,2001:157).

    A estreita relao entre o emprego de estratgias de aprendizagem e a realizao de tarefas enfatizada especialmente nos captulos 2, 4 e 7(Council of Europe, 2001: 10,15,57,159).

    O captulo 8 discute questes relativas variao lingstica no ensino de lngua, especialmente em uma proposta de desenvolvimento da competncia plurilnge e pluricultural.

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    O ltimo captulo focaliza formas de avaliao. Inicialmente o captulo discute princpios relacionados avaliao, entre eles, os conceitos de validade e confiabilidade. Em seguida, 23 tipos de avaliao so descritos e discutidos. Alguns pontos positivos e negativos so levantados para essas diversas formas de avaliao.

    6- A Relao entre o Quadro Comum Europeu e a elaborao de materiais didticos

    Um dos objetivos do Quadro Comum Europeu, conforme citado acima, auxiliar na elaborao de materiais didticos. Este objetivo repetido vrias vezes ao longo de todo o documento. Deste modo, faz-se relevante discutir de que forma o Quadro pode desempenhar tal papel. Nesta seo do presente trabalho pretendo discutir a relao entre o Quadro e a elaborao de materiais didticos.

    Antes de estabelecer possveis usos do Quadro na elaborao de materiais didticos, considero importante apontar algumas de suas funes. Cunningsworth(1995:7) defende que o livro didtico de lngua estrangeira tem mltiplos papis:

    Recurso para a apresentao de materiais(falado e escrito) Fonte de atividades para prtica do aluno e interao comunicativa Fonte de referncia para os alunos sobre gramtica, vocabulrio, pronncia, etc Programa de ensino Recursos para uma aprendizagem autodirecionada ou trabalho de auto-acesso Suporte para os professores menos experientes que ainda precisam adquirir confiana

    Um dos papis fundamentais de um livro didtico, segundo Cunningsworth(1995) proporcionar o plano de ensino(syllabus). De acordo com Breen(2004:1) o plano de ensino o plano do que deve ser alcanado atravs do ensino e da aprendizagem. Compe-se basicamente de quatro elementos: os objetivos, o contedo, a metodologia e a avaliao(Breen, 2004: 1).

    O Quadro oferece bases para o planejamento e a seleo dos quatro componentes do plano de ensino apontados acima. Entretanto, focalizarei na relao do Quadro com os objetivos e com o contedo de ensino.

    A literatura sobre objetivos de ensino classicamente aponta dois tipos de objetivos: os gerais e os especficos. Discutirei brevemente aqui dois objetivos gerais geralmente defendidos no ensino de lnguas estrangeiras: a competncia comunicativa e a formao de um aluno autnomo.

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    O Quadro Comum Europeu advoga que o processo de ensino aprendizagem deve proporcionar a aquisio e a aprendizagem de diferentes elementos, estratgias e competncias que conduzam construo da competncia comunicativa. Encontramos, aqui, portanto, um forte ponto de harmonia entre a proposta do Quadro e os objetivos geralmente defendidos na literatura sobre ensino de lnguas.

    Outro aspecto importante a ser levantado sobre os objetivos gerais de ensino de uma lngua estrangeira o desenvolvimento da autonomia. Inmeros autores e pesquisadores defendem que o processo de ensino aprendizagem deve ser planejado e realizado de forma a conduzir a uma aprendizagem autnoma. A autonomia possibilita que os alunos tomem maior responsabilidade sobre o seu processo de aprendizagem(Oxford,1990: Dickinson, 1994: Vilaa, 2003).

    Mais uma vez de forma harmnica, o Quadro tambm argumenta que professores e programas de ensino devem instrumentalizar os alunos a usar diferentes meios e estratgias que os incentivem e preparem para uma aprendizagem autnoma.

    O segundo componente de um programa de ensino, o contedo, refere-se ao que ser ensinado de forma a possibilitar que os objetivos gerais e especficos do mesmo sejam atingidos. Este , provavelmente, o elemento sobre o qual o Quadro pode ter maior influncia e impacto. A justificativa para esta afirmao baseia-se na ampla variedade de escala de descritores oferecidos pelo Quadro. As escalas de descritores apresentadas pelo Quadro Comum Europeu oferecem auxlio para dois aspectos bsicos na elaborao de um programa de ensino: o contedo em si e a ordem na qual ele este deve ser apresentado.

    As escalas fornecem um rico material para a elaborao de contedos de ensino. Conforme discutido anteriormente, elas focalizam predominantemente em aspectos que conduzem competncia comunicativa, especialmente os elementos de naturezas funcional e situacional, conforme afirma Keddle(2004,43). importante lembrar que as escalas no apresentam contedos gramaticais que devem ser ensinados. Os contedos gramaticais devem ser selecionados pelos professores, de forma a possibilitar gradualmente a aquisio da competncia comunicativa.

    O Quadro oferece uma anlise do que os aprendizes e usurios fazem com a lngua, ou seja, os usos lingsticos. Em outras palavras, o Quadro descreve diferentes tipos de performances lingsticas, organizando-as em nveis diferentes.

    As escalas apresentam aspectos diversos relacionados ao uso de uma lngua. Vejamos alguns exemplos:

    Estratgias de produo

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    Recepo oral Recepo visual Recepo udio-visual Estratgias de recepo Interao oral Interao escrita Estratgias de interao Diferentes competncias

    Cada um dos grupos apresentados acima so divididos e diferentes escalas de marcadores. A interao oral, por exemplo, apresenta escalas ilustrativas para:

    Interao oral geral Compreendendo um interlocutor falante nativo Conversao Discusso informal Discusses e encontros formais Cooperao orientada a objetivos Transaes para a obteno de bens e servios Troca de informaes Entrevistando e sendo entrevistado

    Dessa forma, fcil constatar que o Quadro tem grande aplicabilidade na elaborao de matrias didticos, em especial no que diz respeito a bases para o planejamento de programas de ensino/curriculum. Esta aplicabilidade j se manifesta na prtica em livros didticos, principalmente em materiais que so publicados por editoras europias e por editoras que tenham negcios e/ou interesses no mercado europeu.

    A adoo do Quadro por associaes de examinadores acaba por motivar que o mesmo seja adotado ou, pelo menos, considerado, pelas editoras. Este fato pode ser facilmente constatado em materiais que, direta ou indiretamente, estabelecem comparaes entre os seus nveis e os nveis do Quadro e de exames de proficincia. Isso faz com que a tendncia natural seja uma relao cada vez mais prxima entre o Quadro e os escritores de materiais didticos, principalmente, mas no unicamente, no mercado europeu. Justifico o porqu de no unicamente o mercado europeu. importante ter em mente que as lnguas mais comumente estudadas como lnguas estrangeiras, como por exemplo, o ingls, o francs, o italiano, o espanhol, o alemo, so lnguas europias. Logo, possvel concluir que certamente o Quadro influenciar cada vez mais a elaborao de materiais

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    didticos nestas lnguas em pases de diferentes continentes, at mesmo como uma forma de atender ao mundo globalizado.

    7- Consideraes Finais

    O Quadro Comum Europeu apresenta pontos positivos e negativos. Seria utpico esperar perfeio de algo que trata de uma questo to complexa como o ensino de lnguas estrangeiras. Discuto nesta seo alguns dos pontos positivos e negativos do Quadro. Inicialmente discutirei os pontos positivos, passando em seguida apresentao dos negativos.

    O primeiro ponto positivo a ser apontado a descrio detalhada do complexo processo de ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras. O Quadro oferece, especialmente para professores inexperientes, uma viso geral e, at certo ponto, detalhada sobre diversos aspectos relacionados ao ensino de lngua. Discute, por exemplo, questes relacionadas s estratgias de aprendizagem, s competncias de naturezas diversas envolvidas no ensino e no uso de uma lngua e a elementos que devem ser levados em considerao no planejamento de programas de ensino. Esta descrio, no entanto, pode ao mesmo tempo ser considerada um dos problemas do quadro. A ampla discusso de tantos termos, conceitos e princpios faz com que muitas vezes as explicaes e/ou definies do mesmo sejam um pouco vagas. Um exemplo disso a definio de estratgias apresentada no incio do Quadro:

    Uma estratgia qualquer linha de ao organizada, proposital e regulada escolhida por um indivduo para desempenhar uma tarefa que ele se estabelece para si prprio ou com a qual ele se depara. [i]

    (Council of Europe, 2001:10)

    Mais adiante no Captulo 4, o prprio Quadro afirma que o termo tem sido com significados variados:

    A palavra estratgia tem sido usada de diferentes formas. Aqui o que se pretende dizer a adoo de uma linha particular de ao com o objetivo de maximizar a eficcia.

    (Council of Europe, 2001: 57)

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    Desta forma fcil perceber que o prprio documento reconhece um de seus pontos negativos: a generalizao de alguns conceitos discutidos.

    Outro ponto positivo a ser destacado refere-se s escalas de descritores. Elas podem auxiliar de forma significativa tanto na elaborao e seleo de atividades e tarefas quanto no planejamento e desenvolvimento de programas de ensino e materiais didticos.

    A crtica mais comum em relao ao Quadro parece ser a dificuldade de leitura do mesmo(Heyworth, 2004; Komorowska, 2004; Morrow, 2004). Os autores argumentam, entre outras coisas, que o texto denso e volumoso pode desmotivar a leitura do mesmo ou gerar dificuldades de compreenso. Komorowska(2004:57), ao adotar o Quadro na formao de professores, relata que:

    Os estudantes criticaram tanto a extenso quanto a sua estrutura, apontando imbricaes, especialmente nos captulos relacionados ao uso de lngua, aprendizagem de lngua e ensino de lngua; Eles tambm reclamaram das interminveis tipologias e listas.

    Morrow(2004) aponta duas outras crticas sofridas pelo Quadro: a fraca fundamentao terica e a possibilidade do Quadro atender a interesses e necessidades financeiras de editora e agncias internacionais, como os membros da ALTE (Association of Language Testers in Europe).

    Certamente do Quadro merece ter outros pontos positivos e negativos destacados. Entretanto, devido natureza do presente trabalho e ao seu carter introdutrio, considero que os aspectos acima mencionado possibilitam uma compreenso geral do mesmo, no que se refere aos objetivos do Quadro, sua organizao, estrutura e possveis aplicaes, entre outros aspectos.

    Finalizo este trabalho indicando que a leitura e o estudo do Quadro Comum Europeu de grande interesse e utilidade para professores de lnguas estrangeiras, mesmo para aqueles que no pretendem trabalhar diretamente com o mesmo. Vale comentar que, embora no Brasil ele seja praticamente desconhecido, sua influncia comea a se manifestar especialmente na elaborao de livros didticos e em exames internacionais de certificao.

    8- Referncias Bibliogrficas:

    Breen , M. P. Syllabus Design. In: CARTER, R & NUNAN, D. The Cambridge Guide to Teaching English to Speakers of Other Languages. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

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    Council of Europe . Common European Framework of Reference for Languages: Learning, teaching, assessment. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. Tambm disponvel para download em

    http://www.coe.int/T/E/Cultural_Cooperation/education/Languages/Language_Policy/Common_Framework_of_Reference/1cadre.asp#TopofPage

    Cunningsworth, A. Choosing your coursebook. Oxford: Heineman, 1995.

    Dickinson, L. Learner Autonomy: what, why and how. IN: LEFFA, V. Autonomy in language learning. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 1994.

    Heyworth , F. Why the CEF is important. In: Morrow, K. (eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Keddle , J. The CEF and the secondary school syllabus. In: Morrow, K. (eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Komorowska , H. The CEF in Pre-and in service teacher education. In: Morrow, K. (eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Mariani , L. Learning to learn with the CEF. In: Morrow, K. (eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Morrow , K. (eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Morrow , K. Background to the CEF. In: Morrow, K.(eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Oxford , R . Language learning strategies: what every teacher should know. Nova York: Newbury House Publishers,1990.

    Vilaa , M. L. C. Estratgias na aprendizagem de lngua estrangeira: um estudo de caso autobiogrfico. Dissertao de Mestrado apresentada Coordenao dos Programas de Ps-Graduao da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.158 fls, 2003.

  • RReevviissttaa EElleettrrnniiccaa ddoo IInnssttiittuuttoo ddee HHuummaanniiddaaddeess IISSSSNN--11667788--33118822

    VOLUME V, NMERO XVII - Abr-Jun 2006

    Wall , P. Using the CEF to develop English courses for adults at the University of Gloucestershire. In: Morrow, K.(eds) Insight from the Common European Framework. Oxford and New York, Oxford University Press, 2004.

    Anexo

    Escala Global:

    UTILIZADOR EXPERIENTE

    C2

    capaz de compreender sem esforo praticamente tudo o que l ou ouve. capaz de reconstituir factos e argumentos de fontes diversas, escritas e orais, resumindo-as de forma coerente. capaz de se exprimir de forma espontnea, fluente e precisa e de distinguir pequenas diferenas de sentido relacionadas com assuntos complexos.

    UTILIZADOR EXPERIENTE

    C1

    capaz de compreender uma vasta gama de textos longos e complexos, assim como detectar significaes implcitas. capaz de exprimir-se de forma espontnea e fluente sem, aparentemente, ter de procurar as palavras. capaz de utilizar a lngua de maneira eficaz e flexvel na sua vida social, profissional ou acadmica. capaz de exprimir-se sobre assuntos complexos, de forma clara e bem estruturada, e de mostrar domnio dos meios de organizao, de articulao e de coeso do discurso

    UTILIZADOR INDEPENDENTE

    B2

    capaz de compreender o contedo essencial de assuntos concretos ou abstractos num texto complexo, incluindo uma discusso tcnica na sua especialidade. capaz de comunicar com uma grande espontaneidade que permita uma conversa com um falante nativo, no se detectando tenso em nenhum dos falantes. capaz de exprimir-se de forma clara e pormenorizada sobre uma vasta gama de assuntos, emitir uma opinio sobre uma questo actual e discutir sobre as vantagens e as desvantagens de diferentes argumentos.

    UTILIZADOR INDEPENDENTE

    B1

    capaz de compreender os pontos essenciais quando a linguagem padro utilizada clara, tratando-se de aspectos familiares em contextos de: trabalho, escola, tempos livres, etc. capaz de participar na maior parte das situaes que podem ocorrer em viagem, numa regio onde a lngua alvo falada. capaz de organizar um discurso simples e coerente sobre assuntos familiares, em diferentes domnios de interesse. capaz de relatar acontecimentos, experincias ou um sonho, expressar um desejo ou uma ambio e justificar, de forma breve, as razes de um projecto ou de uma ideia.

    UTILIZADOR ELEMENTAR

    A2

    capaz de compreender frases isoladas e expresses de uso frequente relacionadas com assuntos de prioridade imediata

  • RReevviissttaa EElleettrrnniiccaa ddoo IInnssttiittuuttoo ddee HHuummaanniiddaaddeess IISSSSNN--11667788--33118822

    VOLUME V, NMERO XVII - Abr-Jun 2006

    (por exemplo, informaes pessoais e familiares simples, compras, meio envolvente, trabalho). capaz de comunicar em situaes correntes que apenas exijam trocas de informaes simples e directas sobre assuntos e actividades habituais. capaz de descrever com meios simples a sua formao, o seu meio envolvente e referir assuntos que correspondam a necessidades imediatas.

    UTILIZADOR ELEMENTAR

    A1

    capaz de compreender e utilizar expresses familiares e correntes assim como enunciados simples que visam satisfazer necessidades imediatas. capaz de apresentar-se ou apresentar algum e colocar questes ao seu interlocutor sobre assuntos como, por exemplo, o local onde vive, as suas relaes, o que lhe pertence, etc. capaz de responder ao mesmo tipo de questes. capaz de comunicar de forma simples desde que o seu interlocutor fale clara e pausadamente e se mostre colaborante.

    Traduo oficial portuguesa (Quadro Europeu Comum de Referncia Conselho da Europa)

    [i] - A strategy is any organized, purposeful and regulated line of action chosen by an individual to carry out a task which he or she sets for himself or herself or with which he or she is confronted.

    Mrcio Luiz Corra Vilaa doutorando em Letras (Estudos Lingsticos) pela UFF, mestre em Lingstica Aplicada pela UFRJ e bacharel e licenciado pleno em Letras(Portugus-Ingls) pela UFRJ. Autor de Vocabulrio Rpido em In gls(2004) e Dominando os Verbos Ingleses (2005), publicados pela Editora Cincia Moderna. Homepage: www.marciovilaca.pop.com.br E-mail: [email protected]