Consciência fonológica em períodos pré e...

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  • 263Cadernos de Letras da UFF Dossi: Letras e cognio no 41, p. 263-281, 2010

    CoNSCiNCiA FoNoLGiCA Em PEroDoS Pr E PS-ALFABETiZAo

    Mariana Chaves Ruiz GuedesChristna Abreu Gomes

    Resumo

    Este artigo aborda a conscincia fonolgica de crianas com desenvolvimento tpico, atravs da comparao da sensibilidade de crianas de diferentes faixas etrias s similaridades fonolgicas compartilhadas pelas pala-vras. Os resultados obtidos demonstraram um desen-volvimento gradual da sensibilidade das crianas para unidades fonolgicas compartilhadas pelas palavras, em funo do avanar da idade/escolaridade.

    PALAVRAS-CHAVE: Conscincia fonolgica; Alfabe-tizao; Modelos baseados no uso.

    introduo

    A conscincia fonolgica, tambm designada como sensibilidade fonol-gica, est relacionada conscincia de que a fala pode ser segmentada em uni-dades e habilidade de manipular essas unidades. Refere-se ao conhecimento explcito das unidades abstratas que compem as palavras faladas, como sla-bas, rimas e fonemas isolados (cf. Rvachew, Ohberg, Grawburg e Heyding, 20031).

    1 RVACHEW, S.; OHBERG, A.; GRAWBURG, M.; HEYDING, J. Phonologi-cal awareness phonemic perception in 4-year-old children with delayed expres-sive phonology skills. American Journal of Speech Language Pathology, 12:463-471, 2003.

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    Conscincia fonolgica em perodos pr e ps-alfabetizao

    Estudos abordando esse tema tm afirmado que o desempenho em tare-fas de conscincia fonolgica pode predizer como a criana ir desenvolver as habilidades de leitura e de escrita, tendo sido correlacionado o sucesso quanto conscincia fonolgica com o xito no aprendizado da escrita alfabtica.

    Dentro dessa perspectiva, surgem diferentes concepes quanto rela-o entre a conscincia fonolgica e a aprendizagem da leitura e da escrita. A literatura aponta trs hipteses que caracterizam essa relao: a conscincia fonolgica vista como um pr-requisito para a alfabetizao, como uma con-sequncia da alfabetizao e a existncia de uma relao de reciprocidade entre a conscincia fonolgica e o aprendizado da leitura e da escrita. Devido ao carter heterogneo da conscincia fonolgica, ainda no h um consenso na literatura quanto caracterizao da real relao entre essas habilidades. Desta forma, esse estudo, a partir do enfoque terico dos Modelos Baseados no Uso, pretende contribuir com evidncias para uma nova perspectiva em relao conscincia fonolgica, considerando a hierarquia de etapas dessa habilidade, relatada na literatura, como reflexo de diferentes nveis de representao fono-lgica e a relao entre eles. Apresentamos neste artigo, os resultados obtidos atravs da aplicao de teste de percepo de estmulos sonoros elaborado com a finalidade de identificar que aspectos da estrutura das palavras so mais salientes s crianas.

    1- Conscincia fonolgica: conceituao e relao com a leitura e a escrita

    A conscincia lingustica ou metalinguagem refere-se habilidade de refletir sobre a lngua, isto , de tratar a lngua como objeto de anlise e observao, de focalizar a ateno especificamente para as suas formas. As habilidades metalingusticas podem estar relacionadas a trs nveis, segun-do Cielo (2000)2: fonolgico, lexical e sinttico, os quais tm-se mostrado relacionados tanto ao desenvolvimento lingustico quanto aquisio da linguagem escrita. A conscincia lexical diz respeito capacidade da criana

    2 CIELO, C. A. Habilidades em conscincia fonolgica em crianas de 4 a 8 anos. Tese (Doutorado em Lingstica Aplicada) Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Ale-gre, 2000.

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    em segmentar a linguagem oral em palavras. A conscincia sinttica refere-se habilidade para refletir e manipular a estrutura das sentenas em um enun-ciado. E, finalmente, a conscincia fonolgica permite criana analisar a lngua oral de acordo com as sequncias de sons que a compem. Assim, a habilidade em analisar a fala explicitamente em seus componentes fonolgi-cos chamada de conscincia fonolgica, sendo um subtipo da conscincia lingustica. Freitas (2004)3 refora que a conscincia fonolgica conside-rada como um conhecimento metalingustico, decorrente da capacidade do ser humano de poder se debruar sobre a linguagem de forma consciente, permitindo a reflexo sobre os sons da fala e sua organizao na formao das palavras.

    Cielo (1996)4 observa que se pode utilizar o termo capacidade meta-lingustica para designar o conhecimento lingustico aplicado mais ou me-nos automaticamente, sem reflexo ou deciso deliberada, como as correes espontneas das crianas, e o termo habilidade metalingustica para situa-es em que h um carter reflexivo e intencional. Postula-se a existncia de atividade metalingustica inicial em torno da idade de 4/6 anos (CARROLL; SNOWLING; HULME; STEVENSON, 2003)5. Antes dessa idade, sugere-se um comportamento totalmente espontneo e automtico e, portanto, no verdadeiramente metalingustico.

    Cielo (2000) prope que, se considerarmos os comportamentos infan-tis que evidenciam algum tipo de conscincia lingustica, podemos observar essa conscincia como um contnuo de etapas evolutivas sucessivas, mas no necessariamente lineares, em funo das variveis intervenientes no desenvolvi-mento e amadurecimento de cada criana, como o ambiente scio-econmico-cultural, o aprendizado da leitura e o desenvolvimento biolgico. Gonzalez e

    3 FREITAS, G. C. M. Conscincia fonolgica e aquisio da escrita: um estudo longitu-dinal. Tese (Doutorado em Lingstica Aplicada) - Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre, 2004.

    4 CIELO, C. A. Relao entre a sensibilidade fonolgica e a fase inicial da aprendiza-gem da leitura. Dissertao (Mestrado em Lingstica Aplicada) Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre, 1996.

    5 CARROLL, J. M., SNOWLING, M. J., HULME, C, STEVENSON, J. Devel-opment of phonological awareness in preschool children. Developmental Psycholo-gy, 39: 913 923, 2003.

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    Conscincia fonolgica em perodos pr e ps-alfabetizao

    Gonzalez (1994)6 tambm pontuam que a conscincia fonolgica no cons-titui uma entidade homognea, expressa em termos da conscincia de dife-rentes unidades lingusticas.

    Pereira (2004)7 tambm faz referncia a esses nveis, observando que as habilidades que representam a conscincia fonolgica das crianas se encon-tram em um contnuo de complexidade. Na ponta de menor complexidade desse contnuo, esto atividades como as rimas e a segmentao de sentenas. No centro desse contnuo, esto as atividades relacionadas segmentao de palavras em slabas. Posteriormente, as atividades como segmentar as palavras em rimas e aliteraes. E, finalmente, o mais sofisticado nvel de conscincia fonolgica: a conscincia fonmica, que se refere compreenso de que as palavras so constitudas de sons individuais ou fonemas e habilidade de manipular esses segmentos.

    Freitas (2004) observa que a conscincia fonolgica pode ser manifesta-da em um nvel implcito ou explcito. A manipulao jocosa de palavras e o jogo espontneo com os sons representam a conscincia fonolgica implcita, enquanto a anlise consciente dos sons constituintes das palavras caracteri-za a conscincia fonolgica explcita. A identificao de rimas por crianas pequenas no alfabetizadas, por exemplo, pode indicar a existncia de uma conscincia implcita, ou seja, de uma sensibilidade s similaridades fonol-gicas. Porm, julgamentos mais refinados, como o isolamento de fonemas de uma palavra, exigem que a criana apresente um nvel explcito de conscincia fonolgica, manipulando conscientemente a estrutura sonora.

    Na escala de complexidade da conscincia fonolgica, o nvel fonmico parece ser o que traz maiores dificuldades para a criana. Conforme afirma Freitas (2004), essa parece ser uma tarefa que exige um alto nvel de conscincia fonolgica, pois a criana est lidando com unidades abstratas. O fato de a fala ser um contnuo sonoro dificulta a percepo dos fonemas individualmente.

    No entanto, estudos evidenciam que alguns aspectos da conscincia sobre a fonologia da lngua somente so alcanados pelo indivduo aps o conta-

    6 GONZALEZ, J.; GONZALEZ, M. Phonological awareness in learning literacy. Intellectica, 1:155-181, 1994.

    7 PEREIRA, S. L. Diferenas entre crianas no processo de aquisio da linguagem es-crita. Dissertao (Mestrado) Centro de Cincias Humanas e da Comunicao, UNIVALI, Itaja (SC), 2004.

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    to com a escrita alfabtica (READ, YUN-FEI, HONG-YIN E BAO-QING, 1986)8. Neste estudo os autores mostraram que adultos chineses que aprende-ram a escrita de caracteres no tiverem desempenho satisfatrio em tarefa de acrescentar ou subtrair consoantes individuais de palavras faladas do chins. J os adultos que aprenderam a escrita alfabtica, juntamente com a de escrita de caracteres, desempenharam a mesma tarefa acuradamente. A partir desses resultados, os autores defendem que a habilidade de segmentao da fala no se desenvolve em funo da maturao cognitiva ou da exposio a uma lngua rica em rimas e contrastes segmentais, mas em funo do processo de aprendi-zagem de leitura e escrita alfabtica. Desse modo, uma importante questo que merece ser investigada diz respeito a quais aspectos da conscincia fonolgica esto presentes antes da alfabetizao e que tenham sido influenciados pelo contato com a lngua escrita atravs do aprendizado da leitura e da escrita.

    Freitas (2004) cita que a hiptese da conscincia fonolgica desenvolver-se a partir da aquisio da escrita, isto , essa conscincia como consequncia da alfabetizao, parece estar baseada somente na conscincia fonmica, no levando em considerao habilidades no nvel das slabas e das unidades intra-silbicas, as quais pode