Consumo & Endividamento

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1 Consumo & Endividamento O futuro do comércio no Brasil está comprometido?

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Consumo & Endividamento

O futuro do comércio no Brasil está comprometido?

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Apresentação

É bom consumir!A evolução recente do

consumo das famílias brasileiras

12x sem jurosA evolução recente do crédito no Brasil

Endividamento das famíliasOs brasileiros estão superendividados?

Olhando para frenteO futuro do comércioestá comprometido?

Sumário7

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33

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Nos próximos

anos, o comércio terá que competir

com o pagamento de dívidas passadas?

Em que medida?

Os brasileiros consumiram demais nos

últimos anos?

O aumento

do consumo nos últimos

anos foi todo baseado em

crédito?

Os brasileiros estão excessivamente

endividados?

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Sumário executivo

• O consumo das famílias brasileiras passou por uma aceleração expressiva de 2004 a 2011. A relação entre PIB e consumo, entretanto, parece ter atingido um limite apenas em um período mais recente, com o consumo já em queda e, portanto, motivado por uma redução da renda (PIB) per capita.

• Além disso, o brasileiro, quando comparado com muitos de seus pa-res ao redor do mundo, não parece ter atingido uma situação de “consumis-mo” excessivo . Considerando países de renda per capita semelhante, o Bra-sil fica em uma posição intermediária no confronto entre consumo e PIB.

• No mesmo período de expansão do consumo, o saldo de crédito à pessoa física quadruplicou em termos reais. Apesar disso, a parcela do consumo in-cremental das famílias financiada com

dívidas foi de cerca de 20% entre 2007 e 2011. Entre 2007 e 2016, 9,6% do consu-mo incremental foi financiado com crédi-to e, portanto, ainda está para ser quitado de 2017 em diante.

• O crédito não pode ser considera-do o principal responsável pelo incre-mento do consumo das famílias bra-sileiras na última década, no entanto o montante total de dívidas assumi-das pelas famílias superou muito o seu ganho de renda nos últimos anos. Apesar disso, os dados internacionais mostram que o Brasil não atingiu valo-res extremos para o estoque de crédito em relação à renda. Considerando po-pulações de renda média parecida, os brasileiros chegaram a um nível de en-dividamento ainda muito inferior ao dos chineses, sul-africanos e dos tailande-ses, por exemplo, mas acima dos mexi-canos, russos e turcos.

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• O comprometimento da renda das famílias com juros e amortizações au-mentou muito com o endividamento. As comparações internacionais e os ciclos de inadimplência sinalizam que o valor desse comprometimento atingido em 2012 e 2015/2016 é, no mínimo, próximo ao limite que elas conseguem suportar de forma saudável.

• Olhando para o futuro, em termos de inadimplência, o volume de recursos que precisa ser regularizado para pagar a conta do passado, em uma estimativa conservadora, é de R$ 7 bilhões, o que equivale a apenas 0,25% da renda anual dos brasileiros.

• O restante das dívidas atuais, que fo-ram constituídas até 2016 e resultaram do aumento recente do endividamento das famílias brasileiras, não poderiam ser responsabilizadas por um compro-metimento do futuro do consumo e do comércio, pois sua amortização ocorre de forma muito rápida, tendo em vis-ta o fato de que o crédito no Brasil ain-da possui um prazo médio muito curto e, portanto, uma rotatividade muito alta. As despesas das famílias com as dívidas atuais, mesmo considerando a renda real estável, sairão do atual patamar de 22,0% para 19,2% ao fim do primeiro semestre de 2017 e para 14,6% até o fim do ano.

• Considerando as novas dívidas que serão formadas, caso os juros se man-tivessem estáveis, seria possível afir-mar que, sim, uma parte do consumo futuro e, portanto, o desempenho do comércio estariam comprometidos pelo passado. Com a alta rotatividade do crédito às famílias no Brasil, contu-do, a redução de juros que está em curso produz efeitos rápidos, alteran-do essa conclusão.

• Mesmo sem crescimento da renda e sem redução do crédito, a parcela da renda das famílias comprometida com juros e amortizações começa a se re-duzir a partir da metade de 2017, atin-gindo 21,5% no final do ano e 20,0% no final de 2018. Alternativamente, caso o comprometimento de renda com juros e amortizações fosse estabilizado nos níveis em que encerra 2016, o saldo de crédito às famílias teria capacidade de crescer 2,2%, em termos reais, em 2017, iniciando a expansão a partir de maio, e 7,4% em 2018.

• Não parece seguro afirmar que o fu-turo do comércio brasileiro está com-prometido pelo endividamento das famílias. Ainda que esse fosse o caso, o futuro em questão teria como refe-rência um prazo relativamente curto.

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• Por outro lado, mesmo que não con-figure um comprometedor do consu-mo, no curto prazo, há um limite para o quanto o crédito poderia impactar no sentido contrário, impulsionando o comércio. Se a renda dos brasileiros permanecer estável até 2018, aumen-tos mais expressivos no saldo de crédi-to às famílias exigiriam, pelo menos, a manutenção do comprometimento da renda com o serviço das dívidas no pa-tamar de janeiro de 2017 (22,1%).

• No longo prazo, entretanto, esse li-mite é bem menos evidente. Mesmo em um cenário relativamente conser-vador, que contemple alguma redu-ção de juros e avanço da renda, existe

um espaço razoável para ampliação do crédito às famílias no Brasil, com potencial de beneficiar o consumo e o comércio. Em um cenário otimista, o volume de dívidas das famílias poderia crescer em média 6,0% ao ano, em ter-mos reais, até 2030, saindo dos atuais 25,0% do PIB para 35,7% naquele ano.

• Ampliação da renda e redução de juros são elementos-chave para am-pliar o potencial de demanda para o comércio no Brasil no futuro. Assim, o setor depende de políticas de aumento de produtividade que, no fundo, bene-ficiam toda a população brasileira, ga-rantindo crescimento econômico maior com estabilidade de preços.

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Apresentação

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O padrão de vida das sociedades está associado ao seu nível de consumo. Por meio do consumo, as pessoas satisfa-zem grande parte de suas necessida-des e auferem bem-estar. Populações que gastam os maiores montantes mé-dios em consumo, portanto, tendem a possuir melhores condições de vida.

Um processo de aumento de consu-mo que esteja excessivamente basea-do em crédito, contudo, pode levar as famílias a um nível de endividamento insustentável e gerar consequências importantes sobre a economia. O cré-dito nada mais é do que uma antecipa-ção de renda para as famílias, que per-mite adquirir no presente algo que seria adquirido apenas no futuro. Quando as famílias exageram nessa antecipação durante algum tempo, a tendência é que os ganhos de renda no futuro pró-ximo sejam utilizados como meio de ajuste, ou seja, para quitar consumo re-alizado no passado. Nesse caso, a de-manda, principalmente de setores vol-tados para o mercado interno, como o de comércio e serviços, é impactada, reduzindo seu potencial de crescimen-to durante alguns anos à frente.

A explosão do consumo no Brasil ga-nhou amplo destaque nos últimos

anos. Tratada, inclusive, como resul-tado de um modelo de crescimento adotado pelo país e simbolizando a ascensão de milhões de pessoas a um novo padrão de vida, a expansão real do consumo das famílias no decênio fi-nalizado em 2014 foi de 58,6%, frente a apenas 26,4% nos dez anos anteriores. Como consequência direta, essa ex-pansão exerceu forte impacto sobre o desempenho do comércio e dos servi-ços, que tiveram crescimento superior à média do PIB no mesmo período.

Destaque semelhante recebeu, ao mesmo tempo, a explosão do crédito no Brasil e o aumento do endividamen-to das famílias. O volume de crédito à pessoa física, descontando a infla-ção, multiplicou-se por quatro entre 2004 e 2014, atingindo o equivalente a 25,0% do PIB anual.

É natural conjecturar que esses dois eventos possuem uma relação muito próxima entre si. A explosão do crédi-to, certamente, desempenhou algum papel na expansão do consumo, prin-cipalmente quando se trata dos bens duráveis, como eletrodomésticos e au-tomóveis, e dos serviços de maior valor, como viagens, que estão associados à mudança no padrão de consumo no

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Brasil nos últimos anos. No entanto, por trás desses dois movimentos exis-te também um aumento mais acele-rado da renda per capita do brasileiro na década de 2000, observado com mais força justamente naquelas famí-lias da base da pirâmide social, que possuíam uma parcela grande de de-manda reprimida e cujos ganhos de renda se revertem automaticamente em consumo.

A questão relevante que emerge des-sa relação, portanto, é quais foram, mais precisamente, os papéis desem-penhados pelo crédito e pela renda na forte expansão do consumo dos últimos anos. Uma avaliação mais precisa do quanto o aumento do con-sumo esteve relacionado ao crédito, refletido no endividamento das famí-lias, é fundamental para determinar as perspectivas para comércio e ser-viços nos próximos anos.

Em 2015 e 2016, o comércio varejista e os serviços prestados às famílias re-gistram quedas expressivas em suas receitas. O consumo das famílias deve encerrar o ano de 2016 com queda

próxima a 5,0%, em termos reais, na comparação com 2015. Em um cená-rio como esse, é importante elucidar o quanto disso se deve a uma razão conjuntural, ou seja, à redução da ren-da provocada pela crise econômica, e o quanto se deve a um ajuste que as famílias estão se obrigando a fazer em seu nível de endividamento, algo que poderia não estar finalizado quando a renda voltar a crescer e, portanto, pro-duzir efeitos negativos por um período mais longo para o comércio de bens e serviços.

É com o objetivo de preparar as empre-sas do setor terciário para o cenário futu-ro, auxiliando-as em seu planejamento, que essa publicação busca esclarecer essa questão. Em suma, se objetiva en-tender em que grau o aumento recente no endividamento das famílias brasi-leiras se tornou um impedimento para o crescimento do consumo no futuro próximo e, consequentemente, qual o espaço adicional que existe para a ex-pansão do crédito e do endividamen-to na conjuntura econômica projetada para os próximos anos.

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A evolução recente do consumo das famílias brasileiras

É bom consumir!

O brasileiro é comumente taxado de consumista. Em 2016, o volume de consumo das famílias brasileiras irá su-perar R$ 4,0 trilhões. Isso deve repre-sentar cerca de R$ 57,3 mil por família ou R$ 20 mil por cidadão brasileiro.

Quando se analisa a evolução do con-sumo no Brasil nos últimos 30 anos, período em que os dados possibilitam um exame de maior precisão, nota-se que a velocidade de sua expansão es-teve longe de um número constante. No caminho para chegar ao nível atual, a aceleração relevante ocorreu em um

período recente.

O volume total de consumo das fa-mílias brasileiras (consumo agregado) cresceu, em termos reais, a uma mé-dia de 2,4% ao ano entre 1990 e 2003. No período subsequente, de 2004 a 2011, a velocidade de acréscimo mais do que dobrou, atingindo 5,2% ao ano. Em termos per capita, a aceleração do consumo após o ano de 2004 fica ainda mais evidente. Entre 1990 e 2003, a taxa de expansão média anu-al foi de 0,8%, evoluindo para 4,1% entre 2004 e 2011.

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A explosão do consumoConsumo das famílias no BrasilPer capita, a preços constantes de 2016 (R$ mil)

Fonte: IBGE, IPEADATA e Assessoria Econômica Fecomércio-RS (estimativas 2015 e 2016)

0,8% 4,1% 0,9%

1990 R$ 2,0

trilhões

2016R$ 4,0

trilhões

Consumo Agregado (Preços Constantes de 2016)

2003R$ 2,7

trilhões

Taxa de  crescimento média anual por períodos

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Naturalmente, esse aumento no con-sumo teve contrapartida na deman-da por bens e serviços, o que pôde ser visualizado no comportamento das vendas do comércio. De 2004 a 2011, o volume de vendas do comér-cio varejista restrito brasileiro acu-mulou um crescimento de 82,3%, o que representou, em termos anuais, uma variação média de 7,8% ao ano1. Se comparado ao período que marca o início da série de dados disponível, este é um acréscimo expressivo. En-tre 2000 e 2003, houve redução mé-dia anual de 2,0%.

Desagregando o resultado geral en-tre os segmentos que compõem a pesquisa, nota-se uma grande he-terogeneidade. O principal destaque

foi a atividade de comercialização de equipamentos e materiais para es-critório, informática e comunicação, cujo incremento de vendas alcançou 525,7% de 2004 a 2011. Outras duas atividades com significativo acrésci-mo no volume de vendas foram mó-veis e eletrodomésticos e veículos, motos, partes e peças.

Essas atividades possuem a maior parte de suas vendas formada por bens duráveis e para consumi-los as famílias dependem, em sua maioria, da disponibilidade de crédito, por seu valor não ser suportado por sua ren-da mensal. Assim, é natural conjectu-rar que a forte expansão do crédito no período pode ter sido determinante para o desempenho desses setores.

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Crescimento de vendas do varejo no período 2004-2011, por segmento

Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação

Móveis e eletrodomésticos

Outros artigos de uso pessoal e doméstico

Veículos, motos, partes e peças

Hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo

Livros, jornais, revistas e papelaria

Tecidos, vestuário e calçados

Materiais de construção

Combustíveis e lubrificantes

Fonte: IBGE

Taxa de crescimento real média anual

14,8%25,8%

6,4%

4,9%5,7%

4,8% 1,4%

13,4% 11,4%Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos

9,0%

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No longo prazo, é a renda que deter-mina a capacidade de consumo das famílias. O crédito permite apenas an-tecipar gastos e ajustar as necessida-des aos ciclos transitórios de renda. Assim, um aumento de consumo só pode ser permanente e, mais do que isso, não representar um comprome-timento do consumo no futuro, quan-do tem contrapartida na geração de renda da população. Analisando, por-tanto, o comportamento da renda é que se torna possível entender me-lhor o que vem acontecendo com as famílias brasileiras nos últimos anos e o grau de comprometimento de sua capacidade de consumir à frente.

É possível identificar que, assim como aconteceu com o consumo, a ren-da das famílias também teve uma expansão mais acelerada a partir

A relação entre consumo e rendada segunda metade da década de 2000. No período de 1990 até 2016, considerando o PIB per capita a pre-ços constantes, a renda dos brasilei-ros cresceu a uma velocidade média de 1,2% ao ano. De 2004 a 2011, con-tudo, o ritmo médio anual de cresci-mento da renda foi de 3,3%, mais do que o dobro do ritmo médio do pe-ríodo como um todo. Em valores ab-solutos, a preços de 2016, o aumento da renda per capita anual nesse perí-odo foi de cerca de R$ 7.600,00. Esse montante equivaleu a todo o ganho de renda per capita observado en-tre 1974 e 2003. Em outras palavras, a partir de 2004, os brasileiros tiveram, em apenas 8 anos, a mesma quantia de acréscimo de renda que haviam demorado 29 anos para obter até aquele momento.

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Por representar uma medida de ren-da, é comum em muitas análises que a evolução do PIB seja confrontada com a do consumo para se avaliar descolamentos excessivos. Nesse confronto, é possível identificar clara-mente, de 1990 até o presente, dois ciclos de expansão de consumo em velocidade superior a de crescimen-to do PIB, ambos medidos a preços constantes.

O primeiro deles aconteceu em me-ados dos anos 1990, mais precisa-mente a partir de 1994. Além de seu impacto sobre o poder de compra das famílias, o fim da inflação crôni-ca, obtido com o Plano Real, melho-rou a distribuição de renda e permitiu uma organização orçamentária mais eficiente por parte das mesmas, que conseguiram saciar uma parcela das necessidades reprimidas nos contur-bados anos anteriores. A abertura co-

mercial e a apreciação cambial tam-bém tiveram um papel importante nesse ciclo, à medida que ampliaram muito o acesso a bens e serviços im-portados. Esse ciclo se encerrou em 1997, quando o consumo passou a apresentar taxas de crescimento in-feriores às do PIB. Após alguns anos, em 2004, o consumo per capita anual se encontrava em nível 0,8% inferior ao registrado em 1996, enquanto o PIB per capita crescera 7,0% no mes-mo período.

O segundo ciclo teve início em 2005. Daquele ano até 2014, a média de consumo anual de cada brasileiro cresceu 43,0%, em termos reais, en-quanto a renda média anual (PIB per capita) registrou acréscimo de 27,1%. Ou seja, mesmo com o forte cresci-mento da renda observado nesse pe-ríodo, o consumo superou sua veloci-dade de expansão.

Consumo versus

PIB real

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Ciclos de consumismo no Brasil

Diferencial de crescimento real anual entre consumo per capita e PIB per capita

Crescimento real acumulado

por períodos

PIB per capita

Consumo per capita 15,4% -0,8% 43,0%0,8% 7,0% 27,1%

Em pontos percentuais de crescimento

Fonte: IBGE

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Essa análise, contudo, ainda não é conclusiva. Isso porque esse confron-to tradicional dos dados de consumo com o PIB em termos reais leva em conta os volumes (ou quantidades) produzidas e consumidas, ignoran-do a relação de preços entre as duas variáveis. Para ilustrar como isso é im-portante, imagine-se um país que pro-duza apenas banana e, com a renda gerada por essa produção, consuma apenas açúcar. Se a quantidade da produção de bananas desse país se mantiver constante ao longo do tem-po, uma conclusão possível seria a de que a quantidade de açúcar que po-derá ser consumida por sua popula-ção não poderá aumentar. No entanto, se o preço pelo qual as bananas são comercializadas duplicar e o preço do açúcar não se alterar, será possí-vel consumir o dobro de açúcar com a mesma produção física de bananas.

Consumo versus PIB nominal e outras medidas de renda

Quando se avaliam os dados em ter-mos nominais, ou seja, os valores em R$ correntes registrados em cada ano, a divergência entre consumo e PIB ao longo do ciclo 2005-2014 de-mora mais para aparecer. Apesar de um descolamento grande em termos de crescimento real, o consumo só começa a aumentar sua participação no PIB (cálculo que utiliza os dados nominais) a partir de 2012. Assim, no-ta-se que, de 2005 até 2012, o con-sumo aumenta muito, e mais do que o PIB, em termos de volume de bens e serviços adquiridos pelas famílias, porém sem comprometer uma par-cela proporcional de sua renda, em termos nominais. Esse fato sugere que os primeiros anos desse segundo ci-clo, pelo menos, tiveram uma contri-buição importante do comportamento dos preços para o seu financiamento.

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A explicação para isso está no fato de que os preços de bens de consumo e serviços prestados às famílias aumenta-ram menos do que o aumento de pre-ços do PIB em geral, que é revertido na renda dos trabalhadores que o produ-zem, durante esse período. Isso acon-teceu, principalmente, porque muitos produtos que o Brasil produz tiveram aumento expressivo de preços durante o período considerado. Por outro lado, os preços dos bens de consumo anda-ram muito mais devagar. Com isso, uma mesma unidade de produto brasileiro possibilitou a aquisição de mais bens

de consumo ao longo desses anos, au-mentando o poder de compra de um trabalhador brasileiro.

Esse movimento está relacionado tan-to aos preços internacionais de muitos produtos que o Brasil produz quanto ao comportamento da taxa de câmbio no período. Com a forte queda no valor do dólar a partir de 2004, tudo que é im-portado pelo Brasil, em boa parte bens de consumo e insumos industriais, ficou mais barato e o inverso aconteceu com as exportações.

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É interessante notar como essa dife-rença na trajetória dos preços provocou também uma divergência grande entre o PIB e outras medidas de renda ao lon-go do ciclo 2005-2014. Nesse período, o crescimento real da renda familiar per capita mensurada pela PNAD2 (e deflacionada pelo IPCA), por exemplo, foi de 55,4%, o dobro daquele captu-

rado pelo PIB per capita (27,1%) e su-perior ao do consumo real per capita (39,6%). Essa divergência acontece por causa dos preços (deflatores) que fa-zem a correspondência entre os dados nominais e reais. Quando se avaliam os dados em termos nominais, a diferença entre as duas medidas de renda nesse período praticamente some.

Preços do que o Brasil produz: deflator implícito do PIB

Preços ao consumidor: IPCA

Variação anual

Fonte: IBGE

Bônus de compraDiferencial de preços entre o

que o Brasil produz e consome

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Qual medida de renda?Aumento de renda do brasileiro no ciclo

2005-2014 em diferentes perspectivas

PIB per capita (IBGE)Renda familiar per

capita (PNAD/IBGE)Massa de Salários

Ampliada Disponível (BCB)

As variações reais da renda familiar per capita da PNAD (IBGE) e da massa de salários ampliada disponível (Banco Central) são obtidas utilizando-se como deflator o IPCA

Variação real

Variação nominal

Com o crescimento expressivo nesse segundo ciclo, em 2016, o consumo deve atingir a parcela de 64,2% da renda total (PIB) dos brasileiros. Sob uma pers-pectiva histórica, os valores mínimos pontuais dessa relação foram atingidos

no final da década de 1980 (em torno de 54%) e em 2008 (em torno de 59%). Entre 1996 (ano em que a série de contas na-cionais mais nova do IBGE tem início) e 2008, a média da razão consumo/ren-da foi de 62,5%. Ao longo de todo perío-

166,3%

55,4% 54,3%27,1%

165,1% 163,0%

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do compreendido entre o fim dos anos 1940 e meados da década de 1980, essa relação nunca foi inferior a 65,0%, tendo superado o nível de 70,0% na maior par-te desse período.

Desse modo, é possível verificar que o avanço ocorrido no comprometimen-to da renda dos brasileiros com con-sumo após 2009 teve como ponto de partida um nível reduzido, conside-rando o histórico brasileiro das últimas

seis décadas. Com isso, apesar desse avanço, o nível atingido pela relação consumo/PIB em 2016 não chega a ser elevado, podendo ser conside-rado até moderado quando se leva em conta esse histórico mais longo. Comparando-o com os níveis médios mais recentes e anteriores a 2009, contudo, atingimos um patamar um pouco superior de comprometimen-to da renda agregada com consumo.

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A relação histórica entre consumo e renda no Brasil

Consumo das famílias como percentual do PIB

Fonte: IBGE e IPEADATA

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A relação entre consumo e renda no resto do mundo

Em média, a população mundial consome 59,0% da renda que gera anualmente, valor um pouco inferior ao alcançado pelo Brasil no último ano. Essa parcela se mantém relati-vamente estável desde 1970, ano de início da série de dados disponibili-zada pelo BIS3 .

A média mundial, entretanto, escon-de um padrão de diferença entre os países no que diz respeito ao con-sumo. Uma análise um pouco mais cuidadosa dos dados mostra que o nível de renda da população é re-levante para explicar a proporção da renda que é dedicada para con-sumo. A explicação está no fato de que populações pobres, de países com PIB per capita baixo, precisam utilizar praticamente a totalidade de sua renda para satisfazer suas ne-cessidades básicas de consumo. Por outro lado, populações ricas conseguem poupar uma parte maior

de seus rendimentos anuais. Desse modo, quando os países são agru-pados conforme essa característica, a proporção entre consumo e renda varia consideravelmente.

Levando em conta esse padrão, uti-lizando ferramentas estatísticas, é possível estimar o nível da relação consumo/PIB brasileira que seria co-erente com a média mundial, para o seu nível de PIB per capita. Os resul-tados desse exercício mostram que, em 2014 (último ano com dados disponibilizados pelo BIS), o valor estimado pelo padrão mundial para o consumo no Brasil seria próximo a 60,0% do PIB. Assim, é possível con-cluir que os níveis atingidos de fato em 2014 (62,0%) e, principalmen-te nos anos posteriores, apesar de ainda moderados para o histórico brasileiro, são um pouco superiores ao padrão mundial, considerando a renda per capita no Brasil.

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Consumo das famílias e PIB per capitaConsumo das famílias em percentual do PIB (2014)

PIB per capita em paridade de poder de compra (Dólares PPP, 2011)

Fonte: BIS

O Brasil versus o mundo

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Em resumo, os dados e análises apresentados até aqui sinalizam que uma continuidade de crescimento do consumo em velocidade superior ao do PIB, daqui para frente, levaria o Brasil a se descolar cada vez mais tanto do seu comportamento médio nos anos 2000, quanto do padrão mundial. Desse modo, independentemente do quanto esse aumento do consumo esteja ligado ao crédito e ao endividamento das famílias, assunto que será aprofundado nas próximas seções deste trabalho, apenas sob o ponto de vista da relação usual entre consumo e renda, é natural que se suponha uma limitação mais forte de aumentos adicionais do consumo nos próximos anos em relação ao que a renda, ou, em última análise, o PIB, for capaz de crescer.

Essa limitação, inclusive, já pode estar sendo acusada em algum grau. Quando se levam em consideração medidas alternativas de renda, já é possível notar alguma redução na relação consumo/renda, que começa ainda no final de 2014. Em relação à massa de salários ampliada disponível (MSAD), calculada pelo Banco Central e que engloba a renda do trabalho acrescida de rendimentos financeiros e

transferências governamentais, como pensões, aposentadorias e programas assistenciais, o consumo das famílias cai cerca de 13 p.p. entre o segundo trimestre de 2014 e o terceiro trimestre de 2016.

Apesar de tudo isso, não se pode finalizar deixando de destacar que esse limite na relação consumo/PIB não é contemporâneo ao período de aceleração do consumo, tendo sido atingido em um momento mais recente, com o consumo já em queda e, portanto, motivado por uma redução ainda mais expressiva da renda (PIB) per capita. Considerando que o consumo de grande parte das famílias brasileiras serve para satisfazer necessidades básicas, é natural que as mesmas façam de tudo para preservá-lo em momentos de dificuldades, o que tende a elevar a relação entre consumo e renda nesses momentos. Além disso, o brasileiro, quando comparado com muitos de seus pares ao redor do mundo, não parece ter atingido uma situação de “consumismo” excessivo e usual no imaginário comum. Considerando países de renda per capita semelhante, o Brasil fica em uma posição intermediária no confronto entre consumo e PIB.

Enfim, chegamos ao limite?

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A evolução recente do crédito no Brasil

12x sem juros

Nos anos recentes, não foram poucas as matérias especiais em programas de televisão, jornais e revistas tra-tando da ampla oferta de crédito ao consumidor e do endividamento dos brasileiros. Talvez em número ainda maior, foram os anúncios de ofertas do comércio com possibilidades de parcelamento longo dos pagamentos. As pessoas acostumaram-se a ver os cartazes “12x sem juros” pendurados pelas lojas e divulgados pela internet ou a ouvir tal frase sendo pronuncia-da nos comerciais de televisão.

De fato, o crédito à pessoa física cresceu muito nos últimos anos. En-tre 2000 e 2014, o estoque de crédi-to às famílias mais do que quadru-plicou, saindo de cerca de R$ 400 bilhões para R$ 1,7 trilhão, a preços

constantes de 2016.

Assim como no caso do consumo, a velocidade de expansão do crédito às famílias não se manteve constante ao longo desse caminho. A partir de 2004 houve uma forte aceleração, que per-deu força a partir de 2011, mas se man-teve em ritmo robusto até 2014. A taxa média anual de variação do estoque real de crédito à pessoa física saiu de um recuo de 5,0% entre 2000 (primei-ro ano com dados disponíveis) e 2003 para uma elevação de 17,9% no perí-odo 2004-2011. Em termos per capi-ta, a evolução do crédito não é menos surpreendente. Nos primeiros anos da década de 2000, foi apurada uma dimi-nuição média anual de 6,2%. No perío-do que se estendeu de 2004 a 2011, o aumento atingiu 16,7% ao ano.

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A explosão do créditoEvolução do Estoque de Crédito Pessoa Física Per capita, a preços constantes de 2016 (R$ mil)

Fonte: Banco Central do Brasil, IPEADATA e Assessoria Econômica Fecomércio-RS (estimativa 2016)

-6,2% 16,7% 2,6%

2000 R$ 0,41 trilhão

2016 R$ 1,57trilhão

Estoque de crédito à pessoa física no Brasil

Preços Constantes de 2016

2003R$ 0,35trilhão

Taxa de  crescimento média anual por períodos

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Redução de juros e alongamento de prazos

impulsionaram o crédito

Por trás dessa veloz expansão do crédito às famílias no Brasil estão a consolidação da estabilidade econômica no início dos anos 2000 e alterações no marco legal do mercado, relacionadas ao crédito consignado e à alienação fiduciária. Esses fatores permitiram a ampliação da oferta de crédito, a redução consistente das taxas de juros e o alongamento do horizonte de planejamento das famílias e dos bancos, possibilitando o aumento no prazo das concessões.

Seguindo o comportamento da taxa básica de juros da economia brasileira (taxa Selic), as taxas para as operações de crédito de pessoas físicas registraram declínio significativo. A taxa de juros real para os empréstimos às famílias,

com recursos livres, sai de patamar superior a 70% a.a. no início de 2003 para um nível próximo a 30% a.a. em 2012. Em termos de prazos, após passar por redução de 11,8 meses para 8,8 meses entre 2001 e 2003, o prazo médio das operações de crédito com recursos livres para pessoa física atinge 21,1 meses no final de 2012.

Esses dois elementos permitem que as famílias assumam um nível maior de endividamento, pois tornam o custo (serviço) do crédito menor. Juros mais baixos e um tempo maior para amortizar as dívidas fazem o valor das parcelas mensais diminuírem, facilitando a sua assimilação dentro do orçamento familiar.

Page 29: Consumo & Endividamento

29

Taxa de juros real Prazo médioOperações de crédito à pessoa física com recursos livres

Deflacionada pelas expectativas de inflação (IPCA) para 12 meses à frente (% a.a.)

Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

Nota: a série mais longa divulgada pelo Banco Central foi descontinuada em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta

Operações de crédito à pessoa física com recursos livres

Prazo em meses

Fonte: Banco Central do Brasil

Nota: a série mais longa divulgada pelo Banco Central foi descontinuada em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta

Impulsos ao crédito

Page 30: Consumo & Endividamento

30

Em uma análise das modalidades de crédito à pessoa física, considerando os dados a partir de março de 2007 (período em que têm início as séries de crédito por modalidade) até o momento presente4, não se pode deixar de dar destaque ao acréscimo

verificado no crédito imobiliário, que registra uma incrível taxa de crescimento real média anual de 23,8%. No entanto, as modalidades associadas ao consumo das famílias também registraram aumentos muito expressivos, principalmente até 2011.

O tamanho da importância do crédito para o

crescimento do consumo

Estoque de crédito por modalidades R$ bilhões, a preços constantes de 2016

Imobiliário Crédito Pessoal Aquisição de Bens Cartão de Crédito

67,3 162,6 143,0 57,6

271,3 339,5 268,0 163,3

541,8 394,7 149,8 186,2

Estoque em 2007 (março)

Estoque em 2011

Estoque em 2016

Page 31: Consumo & Endividamento

31

Entre março de 2007 e dezembro de 2011, as dívidas de cartão de crédito, crédito pessoal e crédito para aquisição de bens registraram taxas de crescimento médias, em termos reais e anualizados, de 24,5%, 16,8% e 14,1%, respectivamente. Esses números sugerem, de fato, que o crédito desempenhou um papel importante para financiar o incremento do consumo das famílias ao longo do ciclo 2004-2011, destacado na seção anterior.

Uma forma de mensurar essa importância é comparar o aumento do saldo de crédito, em números absolutos, com os incrementos de consumo ocorridos ao longo desse ciclo. Selecionando o período entre 2007 e 2011, para o qual existem também os dados referentes às modalidades de crédito, o fluxo total de consumo incremental agregado foi de R$ 1,9 trilhão, em termos nominais5. Nesse mesmo período, o estoque de crédito à pessoa física que tem como finalidade o consumo aumentou, também em termos nominais, R$ 376,8 bilhões6.

Essas cifras permitem mensurar, de forma mais precisa, o papel exercido pelo crédito no ciclo de expansão de consumo vivenciado pela economia brasileira. Apesar das expressivas taxas de crescimento percentuais dos saldos de crédito, a parcela do consumo

incremental das famílias financiada com dívidas foi de cerca de 19,8% entre 2007 e 2011. Para o período posterior (2012-2016), em que crédito e consumo desaceleraram, essa fração caiu para 4,7%. Considerando o período como um todo (2007-2016), 9,6% do consumo incremental foi financiado com crédito e, portanto, ainda está “em aberto” na forma de dívidas a serem pagas a partir de 2017.

Esses números mostram que o crédito teve sua importância, no entanto não pode ser considerado o principal responsável pelo incremento do consumo das famílias brasileiras na última década. Essa conclusão é importante para que se entenda o que ocorreu nos ciclos recentes e para permitir uma noção sobre o quanto do consumo passado já está quitado.

Esses elementos, porém, ainda não esgotam a avaliação necessária para se projetar o futuro do consumo e do crédito no Brasil. Mesmo que as dívidas que ficaram representem um percentual que seja considerado pequeno em relação ao que as famílias consumiram, o que já é positivo, a comparação do tamanho e do peso dessas dívidas com a renda é o mais relevante para se pensar o que pode acontecer daqui para frente.

Page 32: Consumo & Endividamento

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Quão importante?Participação do crédito no

consumo incremental

Consumo incremental anual

Aumento anual do saldo de crédito ao consumo

Valores nominais, em R$ bilhões

Fonte: IBGE e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

37,3

%

27,1

%

17,9

% 19,8

% 12,0

%

9,0

% 6,6

% 4,1%

2,7%

0,7

%

Page 33: Consumo & Endividamento

33

Independentemente do papel que exerceu sobre o consumo, o crédito realmente explodiu no Brasil ao longo dos últimos 15 anos. Conceituar essa expansão do crédito, contudo, como excessiva ou comprometedora de con-sumo no futuro exige a investigação do grau de endividamento das famílias, ou da relação entre crédito e renda, ao longo dos últimos anos.

O aumento anual do saldo de crédito, mesmo que pequeno perto do fluxo

de consumo do período, ao longo do tempo vai se acumulando em um es-toque de dívida das famílias. Esse es-toque, além de sofrer a incidência de juros mais altos desde 2013, aumenta também com dívidas imobiliárias, que cresceram muito em participação e não financiaram o consumo passado. Em outras palavras, a preocupação com o futuro traz o foco da análise para a situação financeira atual das famílias brasileiras, que emergiu do comporta-mento recente descrito até aqui.

Os brasileiros estão superendividados?

Endividamento das famílias

Page 34: Consumo & Endividamento

34

Em comparação ao nível de renda, o crédito total destinado às famílias no Brasil era bastante reduzido até o início dos anos 2000, cenário que se alterou muito nos anos seguintes. Saindo de um patamar próximo aos 10,0%, a relação entre o estoque de crédito à pessoa física e PIB anualizado superou o nível de 25,0% ao longo de 2015 e 2016.

Utilizando a série de endividamento das famílias calculada pelo Banco Central, nota-se evolução parecida, mesmo que em nível diferente7. O estoque de dívidas das famílias brasileiras, que equivalia a 18,4% de sua renda anual no início de 2005, chegou a ultrapassar os 46,0% no final de 2015. Em resumo, é saliente o

fato de que o montante total de dívidas assumidas pelas famílias superou muito o seu ganho de renda nos últimos anos, independentemente do que ocorreu com seu nível de consumo.

Apesar de todo esse incremento no endividamento das famílias brasileiras, os dados internacionais mostram que o Brasil não atingiu valores extremos para o estoque de crédito em relação à renda. Considerando populações de renda média parecida, os brasileiros chegaram a um nível de endividamento ainda muito inferior ao dos chineses, sul-africanos e dos tailandeses, por exemplo, mas acima dos mexicanos, russos e turcos.

O real tamanho das dívidas

Page 35: Consumo & Endividamento

35

Endividamento das famílias

Evolução do endividamento no Brasil

Estoque de crédito a pessoa física em percentual do PIB (%)

Endividamento das famílias como percentual da renda

acumulada no ano (%) 7

Fonte: Banco Central do Brasil

Page 36: Consumo & Endividamento

36

Endividamento pelo mundo

Crédito às famílias (em percentual do PIB, 2015)

PIB per capita em paridade de poder de compra (Milhares de dólares PPP, 2011)

Fonte: BIS

Endividamento das famílias

Page 37: Consumo & Endividamento

37

Para se desenhar o cenário futuro, ainda mais importante do que o estoque de dívidas das famílias brasileiras é a análise da parcela de sua renda que é utilizada mês a mês para pagar as amortizações e os juros, o chamado serviço da dívida. O tamanho dessas despesas correntes é o determinante mais importante da capacidade das famílias para assumir novas dívidas.

O aumento do estoque de crédito, se acompanhado por redução de juros e por prazos mais longos de concessão, não repercute na mesma medida sobre as despesas com o serviço da dívida. Essa é a razão pela qual alguns países do mundo conseguem suportar um nível de endividamento (em estoque) muito superior ao brasileiro.

Como ressaltado anteriormente, a redução das taxas médias de juros e, principalmente, o alongamento dos prazos de concessão, contribuíram muito

para acomodar os efeitos do grande aumento de endividamento das famílias em sua renda corrente. Eles não foram, entretanto, suficientes para deixá-las totalmente imunes a esse processo. Apesar da melhoria nas condições para a expansão do crédito, nota-se um crescimento expressivo da parcela de renda que as famílias comprometem periodicamente com dívidas, pagando amortizações e juros.

Conforme os cálculos do Banco Central, esse comprometimento de renda com dívidas saiu de um patamar próximo aos 15,0% em 2005 e atingiu quase 23,0% entre o final de 2011 e início de 2012. Após uma leve redução ao longo de 2012, o indicador voltou a registrar aumento e permaneceu ao longo do ano de 2016 em patamar próximo a 22,0%.

Embora não haja um número máximo exato recomendável para essa relação, a comparação do Brasil com outros países

O comprometimento da renda com o pagamento

do serviço das dívidas

Page 38: Consumo & Endividamento

38

onde as famílias dedicam a maior parte de sua renda pagando juros e amortizações (17,8%). A título de exemplo, em 2007, no pico atingido antes do estouro da bolha de crédito imobiliário nos Estados Unidos, as famílias comprometiam 11,6% de sua renda com o serviço das dívidas.

O peso das dívidas na rendaComprometimento da renda familiar com o serviço

(juros e amortização) de suas dívidas

Em percentual da renda (%)

BrasilFonte: Banco Central do Brasil

MundoDados de 2015 | Fonte: BIS

do mundo, apesar da amostra restrita e originada em base diferente, indica que as famílias brasileiras atingiram um patamar elevado de comprometimento da renda com dívidas. Os dados disponibilizados pelo BIS para 17 países, para o ano de 2015, registram a Holanda como o país

Page 39: Consumo & Endividamento

39

Os indicadores de inadimplência podem ser utilizados como um marcador para diagnosticar endividamento excessivo. Eles sinalizam situações em que o crédito passa por um crescimento não acompanhado pela capacidade

de pagamento das famílias. Quando isso acontece, em algum momento, as famílias acabam acusando essa falta de capacidade de pagamento atrasando o pagamento do serviço de suas dívidas.

O marcador da inadimplência

Taxa de inadimplência

Percentual de crédito livre com atraso acima de 90 dias

Fonte: Banco Central do Brasil

Nota: a série mais longa de inadimplência divulgada pelo Banco Central foi descontinuada

em 2012 e substituída por uma nova série com metodologia distinta

Page 40: Consumo & Endividamento

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Isso aconteceu no Brasil mais de uma vez ao longo do processo de rápida expansão do crédito. Desde 2000, é possível observar cinco ciclos claros de elevação da inadimplência. Esses ciclos costumam seguir momentos de ascensão rápida do endividamento e/ou queda de renda.

É interessante notar, contudo, que até 2012, os ciclos de aumento (e posterior redução) da inadimplência ocorrem independentemente do nível de comprometimento da renda das famílias com juros e amortizações e sem impedir, inclusive, a tendência consistente de elevação do último. Ou seja, de alguma forma, as famílias brasileiras, ao longo desse período, foram capazes de seguir tomando novas dívidas, ao mesmo tempo em que pagavam as dívidas que entravam em atraso. Isso indica que a incapacidade de pagamento das famílias, representada pelos ciclos de aumento da inadimplência, decorria mais da rapidez com que o endividamento aumentava do que propriamente do nível atingido pelo mesmo.

É preciso entender que a rápida expansão do crédito nesse período

representa a abrangência de muitas famílias de baixo nível de escolaridade e que nunca haviam lidado com o pagamento de dívidas maiores. Sem educação para usar crédito, quando as dívidas crescem muito rápido, é possível que ocorram atrasos de pagamento por falta de um mínimo de organização e programação orçamentária, mesmo que o nível de endividamento, no longo prazo, não seja excessivo.

O ciclo de elevação da inadimplência de 2011/2012, que ocorre quando o nível de comprometimento da renda com o serviço de dívidas se aproximou dos 23,0%, já remete a um comportamento diferente, entretanto. A queda da inadimplência, entre 2012 e 2013, coincide com uma redução mais expressiva do nível de comprometimento da renda corrente com dívidas. Pela primeira vez ao longo do período analisado, a regularização dos pagamentos parece ter exigido uma redução do endividamento.

A nova aproximação do patamar de 23% de comprometimento da renda com dívidas, no final de 2015, já ocorre de forma muito mais lenta e volta a se associar a um ciclo de elevação de

Page 41: Consumo & Endividamento

41

inadimplência. Assim, apesar de um histórico de dados relativamente curto, esses elementos sinalizam que o peso do endividamento (comprometimento da renda corrente com o serviço das dívidas) atingido pelas famílias brasileiras em 2012 e 2015/2016 é, no mínimo, próximo ao limite que elas conseguem suportar de forma saudável.

Em termos de futuro, esse limite representa, pelo menos, duas questões importantes para o comportamento do consumo e, portanto, do comércio.

Em primeiro lugar, o aumento ocorrido na inadimplência, mesmo que não tenha sido tão grande como no ciclo anterior, terá necessariamente de ser regularizado, demandando parcela da renda que for auferida nos próximos anos. Em segundo lugar, a formação de novas dívidas, que pode estar associada ao aumento de consumo, deve ficar muito limitada às condições de renda e de juros a partir de 2017. Aprofundar essas questões que condicionam o futuro é o objetivo da seção que conclui esse trabalho.

Page 42: Consumo & Endividamento

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Mesmo que o consumo passado não tenha sido em sua maior parte finan-ciado com dívidas, parece claro que o ciclo de expansão do crédito ini-ciado no começo da década de 2000 conduziu as famílias brasileiras, no mínimo, à proximidade de um limite em termos de comprometimento de sua renda corrente com o pagamen-to de serviço de dívidas. Esse fato é evidenciado não apenas pela com-paração com outros países do mun-do, mas também pela análise dos dados de inadimplência.

O futuro do comércio está comprometido?

Olhando para frente

Page 43: Consumo & Endividamento

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O ajuste das famílias já começou

Em termos de endividamento, as famílias brasileiras já começaram a se ajustar. O volume real de crédito à pessoa física se reduziu em mais de 7,0% de dezembro de 2014, quando atingiu seu pico, até o fim de 2016.

Esse fator permitiu a contenção do comprometimento da renda familiar com o serviço de dívidas e, com isso, a interrupção no aumento da inadimplência, mesmo com a renda ainda em queda. A taxa de inadimplência da pessoa física, no que diz respeito ao crédito livre, depois de aumentar em 2015, permaneceu relativamente estável ao longo de 2016, oscilando em torno de 6,2%. Esse valor é muito próximo à média de 6,1% registrada desde março de 2011, início da série atual divulgada pelo Banco Central, e abaixo do pico de 7,2% atingido em 2012. Levando em conta a totalidade do crédito à pessoa física, já há, inclusive, sinais de redução da

inadimplência. Além disso, o pico atingido no ciclo atual, de 4,3%, é bastante inferior ao valor de 5,5% em 2012 e ainda inferior à média registrada desde março de 2011 (4,5%).

É verdade que uma parte da contenção da inadimplência é explicada pela renegociação de dívidas, que acaba regularizando a situação das famílias mesmo que as dívidas continuem existindo. No entanto, os dados mostram que essa parte não foi tão expressiva. O volume de crédito pessoal vinculado à renegociação começou, de fato, a crescer em proporção ao saldo total de crédito a partir de 2015. Esse crescimento, contudo, teve proporções moderadas quando comparado com o histórico recente. O ganho de participação na carteira total de crédito das famílias, até o fim de 2016, foi de apenas cerca de 0,3 p.p (o que representa R$ 4,8 bilhões) e já dá sinais de interrupção.

Page 44: Consumo & Endividamento

44

Crédito de renegociação

Participação do crédito pessoal vinculado à renegociação de dívidas no saldo total de crédito às famílias

Fonte: Banco Central do Brasil

Page 45: Consumo & Endividamento

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Mesmo que o ajuste já tenha sido iniciado, o aumento da inadimplência ocorrido a partir de 2015 mostra que ele não foi suficiente para que as famílias brasileiras mantivessem seus compromissos em dia. Assim, olhando para frente, para o retorno a uma condição de equilíbrio no orçamento das famílias, que depende da regularização das dívidas passadas, é inevitável que uma parte dos ganhos de renda futuros ainda seja utilizada para saldar o passado.

Buscando projetar o provável impacto desse fato sobre o consumo das famílias, é relevante estimar, portanto, o tamanho da conta que ainda está em atraso e precisará ser regularizada. Considerando como valor alvo a taxa mínima histórica de inadimplência, o montante classificado como inadimplente atualmente que excede esse valor se encontra em R$ 7,0 bilhões. Isso equivale a 0,25% da renda anual dos brasileiros, mensurada pela massa de salários

ampliada disponível, divulgada pelo Banco Central. Em outras palavras, caso essa conta fosse liquidada em um ano, a renda agregada dos brasileiros teria que crescer nos próximos 12 meses cerca de 0,25% antes de poder ser alocada para aumentar seu consumo.

Esse cálculo mostra que pode haver, sim, um impacto do passado no consumo das famílias no futuro. A conta, no entanto, no caso dos recursos inadimplentes, é pequena, principalmente se diluída em um período maior e quando se leva em conta o fato de que consiste em uma estimativa bastante conservadora8. Em um cenário alternativo, supondo que apenas metade do saldo de crédito classificado como inadimplente esteja de fato em atraso e que o ajuste leve cerca de dois anos, como foi usual nos ciclos de inadimplência passados, esse impacto sobre a renda cairia para cerca de 0,06% ao ano e estaria finalizado ao fim de 2018.

O tamanho da conta atrasada

Page 46: Consumo & Endividamento

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Cenário de redução da inadimplência

Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

Percentual de crédito com atraso acima de 90 dias

Volume de recursos inadimplentes

Taxa de inadimplência

R$ 7 bilhões

Volume em

nov/16

Volume alvo

Page 47: Consumo & Endividamento

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Em termos de impacto sobre a renda futura das famílias, regularizar as parcelas que ficaram atrasadas não é suficiente. As despesas relacionadas às dívidas atuais, mesmo que não estejam sendo atrasadas, também continuarão comprometendo parcela de sua renda até que sejam totalmente liquidadas. Portanto, para se complementar a análise do peso do passado sobre o consumo futuro é necessário projetar por quanto tempo e o quanto da renda futura das famílias estará comprometida com o serviço das dívidas atuais.

Para isso, simulam-se trajetórias de amortização dessas dívidas, seguindo as premissas utilizadas pelo Banco Central nos cálculos realizados para o período corrente. Destacadamente, a maior parte do crédito às famílias segue a amortização pelo sistema

Price, de parcelas constantes, que não mudam de valor até que o saldo de cada modalidade esteja liquidado. No entanto, outra parte significativa, formada principalmente pelo crédito imobiliário, segue o sistema de amortização constante (SAC), em que as parcelas vão se reduzindo ao longo do tempo.

A partir dessas definições, foram estimadas as despesas das famílias brasileiras com as dívidas atuais, até dezembro de 2020. Para calcular a parcela da renda que deve ser consumida por esses pagamentos, foram elaborados dois cenários alternativos para a trajetória futura da massa de salários ampliada disponível, que é a medida de renda utilizada pelo Banco Central em seus cálculos. No cenário denominado de “estabilidade de renda”, supõe-se

E o resto das dívidas atuais, por quanto tempo

ainda comprometerão o orçamento das famílias?

Page 48: Consumo & Endividamento

48

crescimento nulo para a renda real entre 2017 e 2020. Já o cenário de “recuperação da renda”, supõe, para a mesma variável, crescimento real de 1,0% em 2017 e de 4,5% ao ano entre 2018-2020.

Em ambos os cenários, é possível perceber que o peso das dívidas atuais seria reduzido de forma relativamente rápida. O patamar atual de cerca de 22,0% de comprometimento da renda familiar com o serviço de dívidas, caso novas dívidas não fossem adquiridas, cairia para 19,2% ao fim do primeiro semestre de 2017 e para 14,6% até o fim do mesmo ano, mesmo considerando a renda real estável. Em outras palavras, caso os brasileiros não tomassem novas dívidas a partir do início de 2017, até o fim do ano já teriam liberado 7,5 p.p. de sua renda para outras finalidades.

Essa rapidez na amortização das dívidas atuais ilustra o fato de que o crédito no Brasil, apesar do alongamento paulatino dos últimos anos, ainda possui um prazo médio muito curto e, portanto, uma rotatividade muito alta. O significado disso é que boa parte das dívidas é amortizada em menos de um ano e, mesmo para uma manutenção de um saldo total de crédito constante, são necessárias muitas novas concessões todos os meses. Nesse sentido, as dívidas atuais, que já foram constituídas até 2016 e resultaram do aumento recente do endividamento das famílias brasileiras, não poderiam ser responsabilizadas por um comprometimento do futuro do consumo e do comércio, pois o seu peso se dissipa em relativamente pouco tempo.

Page 49: Consumo & Endividamento

49

Morte rápida Projeções de serviço das dívidas atuais

(dívidas de dez/2016, sem considerar novas concessões de crédito)

Comprometimento da renda familiar com o serviço (juros e amortização) de suas dívidas

Em percentual da renda

Cenário de estabilidade da renda

Cenário de recuperação da rendaFonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

Page 50: Consumo & Endividamento

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Novas dívidas

Naturalmente, na prática, nesse espaço de endividamento que vai sendo liberado pelas dívidas atuais, novas dívidas devem ser colocadas, principalmente quando se leva em conta a tentativa de manutenção do padrão de consumo em um ambiente de dificuldade de renda. Nesse sentido, é importante projetar em que volume elas poderão ser suportadas pelos brasileiros no futuro e o quanto poderão comprometer de sua renda.

Uma primeira projeção pode ser feita supondo que as novas dívidas que seriam formadas a partir de 2017 teriam as mesmas condições de prazos, juros e composição em termos de modalidades das atuais9. Nessas condições, considerando o cenário de estabilidade da renda, para que o percentual de comprometimento da renda com juros e amortizações se mantivesse nos níveis atuais (22,1%), seria necessário que o saldo de crédito à pessoa física se reduzisse em 2,3% em termos reais ao longo de 2017 e permanecesse estável em 201810 .

Esse, no entanto, não é um cenário realista. Até o fim de 2016, as dívidas vinham sendo repostas com taxas de juros constantes ou até crescentes, dependendo da modalidade de crédito. A partir de 2017, contudo, isso muda. Tendo em vista o ciclo de redução da taxa básica de juros atualmente em curso, as novas dívidas serão constituídas com juros menores, pesando menos sobre a renda mensal das famílias. Desse modo, se considera um cenário alternativo, em que as taxas de juros de cada modalidade seriam reduzidas de forma proporcional ao ritmo de redução projetado para a taxa Selic, que segue o calendário de reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central.

No momento em que essa publicação é finalizada, projeta-se que a taxa Selic, depois de ter permanecido mais de um ano em 14,25% a.a., deve ser reduzida para cerca de 10,0% a.a. até o final de 2017. Com essa alteração no cenário, as projeções mostram que, caso o comprometimento de renda com juros

Page 51: Consumo & Endividamento

51

e amortizações fosse estabilizado nos níveis em que encerra 2016, o saldo de crédito às famílias poderia crescer 2,2%, em termos reais, em 2017, iniciando a expansão a partir de maio, e 7,4% em 2018.

Em uma perspectiva mais otimista, mesmo para o curto prazo, é possível se considerar o cenário de recuperação da renda. Nesse caso, com a estabilidade no percentual comprometido com juros e amortizações, o volume de crédito à pessoa física poderia se expandir em 3,1%, em termos reais, em 2017 e 12,3% em 2018. Essas simulações ilustram como a associação entre o prazo relativamente curto de amortização das dívidas no Brasil e um ciclo de redução de juros aumenta a viabilidade de assimilação de crédito novo por parte das famílias.

Por fim, projeções para um horizonte mais distante também mostram como ainda pode haver espaço para o crédito às famílias se expandir no Brasil, dependendo do cenário considerado. Em um cenário pessimista

e conservador, de crescimento muito lento da renda, pouca redução de juros médios e sem alongamento de prazos, mesmo fixando o comprometimento da renda familiar com o serviço das dívidas em 20,0%, o saldo de crédito à pessoa física poderia se expandir a uma taxa real média de 1,1% ao ano até 2030. Já em um cenário otimista, com melhoria nas condições de concessões e de renda e com a mesma parcela dedicada ao serviço, o volume de dívidas das famílias poderia crescer em média 6,0% ao ano, em termos reais, até 2030. Nesse caso, o saldo de crédito à pessoa física sairia dos atuais 25,0% do PIB para 35,7% naquele ano.

Esses cálculos evidenciam que qualquer cenário intermediário entre o pessimista e o otimista já representaria uma capacidade de expansão do crédito às famílias no longo prazo. Ou por, outro lado, caso essa expansão não venha a ocorrer, o resultado seria uma redução no comprometimento de sua renda com o serviço de dívidas para valores inferiores a 20,0%.

Page 52: Consumo & Endividamento

52

Cenários de curto prazo

Projeções de capacidade de assimilação de novas dívidas

Saldo de crédito à pessoa física coerente com comprometimento da renda com serviço das dívidas fixado no nível de dez/16

Preços constantes de dez/16 (R$ trilhões)

Cenário de juros estáveis e estabilidade da renda

Cenário de juros em queda e estabilidade da renda

Cenário de juros em queda e recuperação da renda

Taxa de crescimento

2017 2018

0,0%

3,1% 12,3%

2,2% 7,4%

-2,3%

Page 53: Consumo & Endividamento

53

Cenários de longo prazo

Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

Taxa média de juros (% ao mês)

Prazo médio (meses)

Taxa de crescimento real anual da renda

2017

2018-2030

Comprometimento de renda com o serviço das dívidas

Crédito às famílias/PIB

22,1%

Situação Atual

2030

Cenário Pessimista

Cenário Otimista

1,1%

180,0128,2128,2

3,5%1,0%

25,0%

6,0%

35,7%25,0%

20,0%20,0%

1,0%0,0%

1,8%2,5%3,0%

Taxa de crescimento real anual do crédito às famílias

Page 54: Consumo & Endividamento

54

Endividamento, consumo e o futuro do comércio

Em suma, não é possível afirmar que o futuro do comércio brasileiro está comprometido pelo endividamento das famílias. O consumo vem passando por uma redução expressiva desde o início de 2015. Não é claro, contudo, o quanto o excesso de endividamento das famílias sozinho tem de responsabilidade sobre essa redução. Em proporção à renda, o consumo (mesmo excluídas as despesas de juros, que, na verdade, também dizem respeito ao consumo de um serviço), só perde participação em algumas mensurações e, mesmo assim, quase três anos após o comprometimento da renda familiar com dívidas atingir seu pico.

Outro elemento, assoc iado ao consumo, que poderia sinalizar um impacto do endividamento excessivo foi a contração significativa, em termos reais, do saldo de crédito à pessoa física a partir de 2015. Nesse período, no entanto, há outras causas, relacionadas a perspectivas futuras, e não apenas ao passado, pesando sobre o orçamento das famílias. O forte aumento da taxa de juros e a piora das expectativas que começam a ser observados entre 2013 e 2014 são fatores importantes que reduzem o incentivo das famílias para a tomada de crédito, o que acaba afetando o consumo, principalmente, de bens duráveis11.

Page 55: Consumo & Endividamento

55

Desincentivos ao consumo e à tomada de crédito

Índice de confiança do consumidor (eixo da esquerda)

Taxa de juros real pessoa física em % a.a. (eixo da direita)

Fonte: Banco Central do Brasil, FGV e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

Page 56: Consumo & Endividamento

56

A queda das vendas foi mais sentida nos bens com maior

dependência do crédito Redução do volume de vendas do

comércio entre 2014 e 2016

Móveis

Eletrodomésticos

Varejo agregado

Veículos, motos, partes

e peças

Materiais de Construção

-25,4%

-22,6%

-9,5%

-17,8%

-27,7%

Page 57: Consumo & Endividamento

57

Despesas com amortizações

Despesas com juros

Em percentual da renda (%)

Fonte: Banco Central do Brasil

Comprometimento da renda familiar com o

serviço de suas dívidas

De qualquer modo, independen-temente do impacto exercido até aqui, as simulações realizadas para a evolução do crédito no futuro próxi-mo mostram como a redução de ju-ros em curso deve alterar a conjun-tura atual. Ao longo de 2015 e 2016, o comprometimento da renda com o serviço das dívidas se manteve constante, a despeito de uma re-dução do endividamento. Assim, o que explica a elevada restrição so-

bre a renda das famílias não é o vo-lume de dívidas em si, mas os juros pagos sobre elas. Desagregando as despesas com o serviço das dívidas entre juros e amortizações, nota-se que o aumento ocorrido nos últimos anos tem como responsável justa-mente o aumento do pagamento de juros, que se eleva, em proporção à renda, mesmo quando o volume de dívidas e os gastos com amortização se reduzem.

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Conforme as simulações apresen-tadas, se os juros permanecessem estáveis, para não representar um comprometimento maior da renda corrente, o saldo de crédito às famí-lias teria de passar por nova redução, em termos reais, em 2017. Redução do saldo de crédito significaria amortizar um volume de dívidas maior do que o montante de novas concessões, ou seja, uma parte da renda do ano (ou de poupança acumulada) teria de ser dedicada pra isso. Assim, nesse caso, não sendo desejável elevar o com-prometimento da renda familiar com o serviço de dívidas, seria possível responder positivamente à pergun-ta que intitula esta publicação: uma parte do consumo futuro e, portanto, o desempenho do comércio teriam boas chances de estar, sim, compro-metidos pelo passado.

Com a redução de juros esperada para 2017, em contrapartida, as con-dições se alteram e, graças à alta ro-tatividade do crédito às famílias no Brasil, as projeções mostram que essa alteração produz efeitos rápidos. Os cenários elaborados para o curto prazo mostram como o saldo de cré-dito pode até começar a crescer já a partir do segundo semestre de 2017,

caso o comprometimento de renda familiar com o serviço das dívidas se mantivesse estável. Ou seja, alterna-tivamente, se o saldo de crédito se mantiver constante, há condições de haver uma redução nesse compro-metimento.

A estabilidade do saldo real de cré-dito às famílias, inclusive, pode ser estabelecida como critério para de-finir um impacto neutro do endivida-mento sobre o comércio. Esse caso representaria a igualdade entre con-cessões e amortizações, sem o cré-dito comprometer e nem acrescentar nada à renda corrente, ou seja, sem beneficiar nem prejudicar o consumo.

Considerando a redução esperada para as taxas de juros, no cenário de estabilidade da renda, um saldo real de crédito à pessoa física constan-te permitiria que a parcela da renda das famílias comprometida com ju-ros e amortizações começasse a se reduzir a partir da metade de 2017, atingindo 21,5% no final do ano e 20,0% no final de 2018. Já no cenário de recuperação da renda, a redução iniciaria um pouco antes e o compro-metimento com serviço terminaria 2017 em 21,3% e 2018 em 18,9%.

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A parcela da renda corrente das fa-mílias dedicada para saldar as suas dívidas superou o nível de 22,0% em meados de 2011 sem que, naquele momento e nos três anos seguintes, houvesse algum tipo de prejuízo apa-rente para o consumo. Mesmo des-considerando esse fato e supondo que o atual nível de endividamento estivesse sim comprometendo a rela-ção entre consumo e renda, o que as simulações de saldo de crédito cons-tante indicam é que, com a queda dos juros, esse efeito começaria a se dis-sipar em um prazo de cerca de 6 me-ses, mesmo sem crescimento real da renda. Se considerado um horizonte mais longo de tempo, ainda, afirmar que o futuro do comércio está com-prometido se tornaria ainda mais ar-riscado, considerando a viabilidade de redução do peso que as dívidas exercem sobre a renda familiar e/ou de ampliação do saldo de crédito.

É preciso ressaltar, por outro lado, que, mesmo que não configure um com-prometedor do consumo, no curto pra-

zo, mesmo com a redução de juros em curso, há um limite para o quanto o crédito poderia impactar no sentido contrário, impulsionando o comércio, principalmente ainda em 2017. Se a renda dos brasileiros permanecer es-tável até 2018, como ilustrado com as simulações, aumentos mais expressi-vos no saldo de crédito às famílias exi-giriam, pelo menos, a manutenção do comprometimento da renda com o ser-viço das dívidas no patamar de janeiro de 2017 (22,1%). Ou, dito de outra forma, caso a renda não cresça, é muito difícil associar, no curto prazo, redução des-se comprometimento com expansão do crédito.

No longo prazo, entretanto, esse li-mite é bem menos evidente, estan-do mais condicionado ao cenário que se considera. Ainda assim, mesmo em um cenário relativamente conservador, que contemple alguma redução de ju-ros e avanço da renda, as simulações mostram que haveria um espaço razo-ável para uma ampliação do crédito às famílias no Brasil, com potencial de be-neficiar o consumo e o comércio.

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Projeções de serviço para um saldo de crédito às famílias constante em termos

reais e juros caindo em 2017

Nota: ambos os cenários levam em conta a redução da taxa básica de juros para 10,0% ao

longo de 2017 e sua permanência nesse nível até 2020.

Fonte: Banco Central do Brasil e Assessoria Econômica – Fecomércio-RS

Cenário de estabilidade da renda

Cenário de recuperação da renda

Comprometimento da renda familiar com o serviço (juros e amortização) de suas dívidas

Em percentual da renda

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Estoque de crédito à pessoa física

Em percentual do PIB

Dívida imobiliária

Outras dívidas

Fonte: Banco Central do Brasil

À parte da capacidade de endividamen-to, contudo, é preciso levar em conta outras limitações que o consumo das famílias poderá enfrentar daqui para frente. Uma delas é o aparente limite que atingiu a relação entre consumo e PIB até 2016, tema tratado na primeira seção deste trabalho. Outra questão im-portante, é que nem todas essas novas dívidas que podem ser assimiladas pe-las famílias terão como finalidade o con-sumo. A maior parcela do aumento do crédito à pessoa física dos últimos anos esteve associada ao crédito imobiliário, influenciado não apenas pelo aumen-to da renda e confiança dos brasileiros, mas também pelo alongamento dos

prazos, o que facilita a amortização de dívidas maiores. Em 2016, mesmo com a renda em queda, enquanto o saldo to-tal de crédito às famílias teve crescimen-to nominal de 3,8%, o crédito imobiliário cresceu 8,4%. Dado o déficit habitacional expressivo ainda existente no Brasil, é ra-zoável supor que boa parte do espaço de endividamento que venha a ser libe-rado no futuro seja ocupado por dívidas imobiliárias e não dívidas de consumo.

Para finalizar, não se pode deixar de su-blinhar o papel do comportamento da renda que acabou sendo evidenciado em meio a todas as análises e proje-ções realizadas. Mesmo que a rela-

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ção entre renda e consumo não seja prejudicada pelo endividamento, se a renda não cresce o consumo não cresce. Uma recuperação da renda, em primeiro lugar, amplia os limites do consumo, permitindo um crescimento de vendas do comércio mesmo que a relação entre consumo e renda per-maneça estável. Ademais, como ilus-trado nas simulações, uma recupera-ção da renda, associada à redução de juros, permite a acomodação de des-pesas maiores com o serviço de dívi-das, aumentando muito o potencial de crescimento do saldo de crédito nos próximos anos. Desse modo, mais im-portante do que o passado para de-terminar o desempenho do comér-cio nos próximos anos, portanto, é o

comportamento futuro da renda, que constitui um limitador intransponível para o consumo no longo prazo.

Os elementos-chave para ampliar o po-tencial de demanda para o comércio no Brasil, portanto, mostram alguns cami-nhos relevantes a serem seguidos pe-las políticas públicas que visem benefi-ciar o setor. Ampliar a renda e reduzir as taxas de juros, no longo prazo, depen-de muito de medidas que aumentem a produtividade e diminuam a taxa de inflação média da economia brasileira. No fim das contas, o caminho que be-neficia o comércio é o mesmo que be-neficia a toda a população brasileira: crescimento econômico maior e sus-tentável, com estabilidade de preços.

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Notas

1 O comércio varejista restrito exclui os segmentos de veículos, motos, partes e peças e materiais de constru-ção. Essa série é utilizada, contudo, para fins de comparação com anos anteriores, tendo em vista a falta de

disponibilidade de dados do comércio varejista ampliado para um período mais longo.

2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE.

3 Bank for International Settlements.

4 Saldos de crédito para dezembro de 2016 estimados com base nos dados disponíveis até outubro de 2016.

5 O consumo incremental é calculado pela diferença entre a trajetória efetivamente observada do consumo das famílias no Brasil e uma trajetória simulada com base na taxa média anual de crescimento do consumo

real per capita observada no período anterior a 2004 (1990-2003), que foi de 0,8%.

6 Considerou-se crédito com destino ao consumo todo o estoque de crédito à pessoa física reduzido das modali-dades imobiliário, rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES.

7 Para mensurar o montante de dívidas das famílias, o cálculo de endividamento do Banco Central utiliza o total do saldo de crédito à pessoa física excluindo as modalidades de cartão de crédito à vista, crédito rural,

microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES. Como medida de renda, o Banco Central utiliza a massa de salários ampliada disponível (MSAD).

8 Por ausência de informações mais precisas, se considera que, para atingir o valor alvo, seria necessário qui-tar todo o saldo de crédito que está classificado como inadimplente, e não apenas o pagamento das parcelas

atrasadas, como é o caso de fato. Quando há um atraso de pagamento superior a 90 dias, a totalidade da dívida é classificada pelo Banco Central como inadimplente, e não apenas o volume de recursos em atraso.

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9 As condições atuais de prazos e juros dizem respeito às concessões de crédito de outubro de 2016.

10 O saldo de crédito levado em conta nessas simulações é o mesmo considerado pelo Banco Central para o cálculo do endividamento das famílias e corresponde ao total do saldo de crédito à pessoa física excluin-

do as modalidades de cartão de crédito à vista, rural, microcrédito empresarial e vinculadas ao BNDES.

11 Alguns exercícios estatísticos sugerem, de fato, que esses elementos foram responsáveis por uma par-cela majoritária da redução mensurável na relação entre consumo e renda, deixando um espaço menos

significativo para o aumento do endividamento. Decompondo as causas da redução na relação entre consumo e massa de salários ampliada disponível entre 2014 e 2016 por meio de um modelo de regres-

são linear, o aumento da taxa de juros real, a redução da confiança do consumidor (FGV) e o aumento do comprometimento da renda com dívidas respondem, respectivamente, por 31,7%, 66,7% e 1,6% dos

impactos na variável dependente. Buscando capturar efeitos crescentes, o comprometimento da renda com dívidas foi testado como regressor também em sua forma quadrática, sem alteração significativa de

resultados.

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