Contramão no.14

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- DA TEMPESTADE À CALMARIA - A LEITURA INTENSA DA MORTE -CÂNCER NA ADOLESCÊNCIA - O SONHO DA CASA PRÓPRIA contr mão a nº14 Ano 3-2010 Distribuição Gratuita JORNAL LABORÁTORIO DO CURSO DE JORNALISMO MULTIMÍDIA - UNA

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Jornal Contramão 14º Edição

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- DA TEMPESTADE À CALMARIA - A LEITURA INTENSA DA MORTE

-CÂNCER NA ADOLESCÊNCIA- O SONHO DA CASA PRÓPRIA

contr mãoa nº14

Ano 3-2010 Distribuição Gratuita

JORNAL LABORÁTORIO DO CURSO DE JORNALISMO

MULTIMÍDIA - UNA

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OPINIÃO

EXPEDIENTE

Jornal laboratório do curso de Jornalismo Multimídia doInstituto de Comunicação e Artes - Centro Universitário UNA Reitor: Prof. Pe. Geraldo Magela TeixeiraVice-reitor: Átila SimõesDiretor do ICA: Prof. Silvério Otávio Marinho Bacelar DiasCoordenadora do curso de Jornalismo Multimídia: Profª Piedra Magnani da CunhaContramão - Tel: (31) 3224-2950 - contramao.una.brCoordenação: Reinaldo Maximiano (MTb 06489), Tatiana Carv-alho e Cândida Lemos Diagramação: João Marcelo SiqueiraRevisor: Roberto Alves ReisEstagiários: Arthur Henrique Costa, Danielle Pinheiro, Daniel Lemos, Débora Gomes, João Marcelo Siqueira, Maria Amélia e Thaline AraújoTiragem: 2.000 exemplaresImpressão: Sempre Editora

Foto da capa

EditorialA edição 14 chega às suas mãos com um enfoque diferen-

ciado. Não foi a nossa intenção elaborar um jornal temático, longe disso, mas as circunstâncias, durante a produção, con-vergiram para uma atenção especial às artes. Isso influiu, in-clusive, em seu aspecto gráfico. Este número, diferente dos anteriores, foi divido em dois cadernos.

A primeira parte do jornal abre com duas entrevistas: uma sobre música e outra sobre literatura. A primeira apresenta o Grupo Monograma, que se distingue por seu trabalho de divul-gação musical via internet, em meio ao cenário de crise das gravadoras.

A segunda entrevista é com o professor do Instituto de Co-municações e Artes da UNA e escritor Carlos de Brito e Melo, o Trovão, que, neste ano, o seu romance A passagem tensa dos corpos esteve entre os finalistas do Prêmio Portugal Telecom. O romance é o ponto de partida da entrevista. O escritor já havia vencido em 2008 o prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, na categoria Jovem Escritor Mineiro.

Nas páginas seguintes, histórias de jovens que venceram a batalha contra o câncer. Há também um relato, tecido a partir da observação, sobre o Assentamento Dandara, no bairro Céu Azul, em Belo Horizonte.

A arte retoma seu espaço na segunda parte do jornal, de-dicada à cobertura da temporada mineira do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona. O desafio para a equipe do Contramão, agora, é produzir, a cada edição, um caderno especial dentro desta linha de cobertura. Tenham uma boa leitura.

Edição Anterior

Foto| João Marcelo Siqueira Assentamento DandaraBelo Horizonte - MG

O conteúdo deste artigo não expressa a opinião do Contramão

FICA CALADINHAS

Por Felipe Bueno Torres

Quando entrei no ônibus eram dez horas da manhã de uma segunda-feira. Em minha companhia apenas o tradicional mau-humor matinal e os óculos escuros, que escondia mais da metade do meu rosto. Olheiras e noite mal-dormida eram meus sobre-nomes neste dia. Dentro da minha cabeça, Tico e Teco, pareciam ter tirado o dia de folga para jogar tênis: toc pra lá, toc pra cá... Enfim, o dia prometia.

Ao final do dia, só sabia dizer que maldizia todos os credi-ários das lojas de eletroeletrônicos, porque eles, indiretamente, contribuíram um tanto bom, para que meu estresse se multipli-casse naquele dia. Por causa de facilidades como essa, de crédito, é que chegamos ao status de mais de um celular por habitante brasileiro. Claro que não pode faltar, os infernais aparelhos de o rádio FM, a câmera para tirar fotos e o MP3. Ah... o MP3!

Explico a ladainha toda: naquele dia, dois dos rebeldes sem causas que tinham um aparelhinho desses, ouviam música, sem fone de ouvidos, ou seja, todos os passageiros estavam fadados a ouvir, e compartilhar com eles de seus infelizes gostos musi-cais. Senti uma espécie de disputa no ar, parecia um concurso de quem incomodava mais, um ouvia música gospel e o outro funk, estavam sentados na parte central do ônibus e bem próximos um do outro.

- O meu Deus nunca falhará... – ouvia-se do lado esquerdo.- É o pente, é o pente, é o pente... – ouvia-se do mesmo lado,

um pouco mais atrás.Minha avó, quando eu era criança e fazia peraltices, tinha

mania de me olhar no fundo dos olhos e perguntar:-Você já perdeu né? Você já perdeu a vergonha na cara?Eu entendia, prontamente, o recado e endireitava minha con-

duta, pois conhecia o peso de sua mão. Como já havia tentado por mais uma vez, essa tática do olhar, para os dois rapazes e não consegui obter êxito, resolvi ir para o fundo do ônibus.

Sentei-me ao lado de duas mocinhas que não aparentavam mais que quatorze anos. Uma delas carregava, no colo, uma me-nininha, que aparentava dois anos de idade. Para minha infeli-cidade absoluta, elas decidiram lançar mão de suas sofisticadís-simas habilidades de backs- vocals e começaram a acompanhar cantando (na maior altura!) o funk que ecoava la da frente do veículo.

- Tem direito de sentar, de sentar, de rebolar... Tem direito de sentar, de quicar, de rebolar, então quica, quica no calcanhar, quica, quica no calcanhar...

Sou ou não, uma das pessoas mais sortudas deste planeta?Vez em quando, a menininha que uma das moças carregava,

fazia murrinha:- Mãe?- Que foi menina?!E continuava...- Fica caladinha, fica fica caladinha, fica caladinha, fica fica

caladinha...E a cena se repetiu, por mais quatro ou cinco vezes, a criança

querendo atenção e a mãe que só parava de cantar, por um breve momento, para xingar e sacudir a criança.

Cheguei ao trabalho atrasada. A gerente já aguardava minha chegada e me convidou à sua sala para conversarmos. Fui, sentei na cadeira e lembrei: “tem direito de sentar, tem direito de sentar, de sentar” ... e de encolher (acrescentei à letra).

- Queria falar sobre as vendas do mês passado que não foram boas... blá blá blá – disse a gerente desfiando um rosário de re-clamações, um conta depois da outra. Ao final de toda a lista, ela perguntou se teria alguma coisa a para falar. A única coisa que conseguia pensar no momento foi:

“Fica caladinha, fica fica caladinha”!

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Foto| João Marcelo Siqueira

letivo Pegada, a gente entrou numa mini turnê. Existe, hoje, um circuito mineiro de festi-vais independentes e nós já participamos de seis, se não me engano, e a gente entrou nessa pelo Coletivo. Então, a gente se apegou a essa plata-forma por saber, que o traba-lho é melhor, mais fácil pra que as pessoas enxerguem as bandas que estão começando, que estão tentando mostrar seu trabalho.

CONTRAMÃO – Quais as influências musicais do Mo-nograma?

Ícaro - Bom, a influência é muito complexa (risos). Cada um tem um pouco de cada coi-sa. A gente vai criar uma mú-sica, e consequentemente você leva aquilo que está vivendo no dia. Acaba que influência você vai ter de uma a um mi-lhão. É uma mistura de coisas, que juntas, resultam na com-posição final.

CONTRAMÃO – Como aconteceu a formação da ban-da?

Leonardo - Na verdade, a nossa história começou co-migo, com o Diego, o Gui e o Felipe, o primeiro guitarrista. A princípio, a gente montou a banda pra tocar umas músicas que a gente gostava e num pe-ríodo curto de tempo começa-mos a nos preocupar e a com-por nossas próprias músicas. A partir daí, a gente começou a seguir. Então, o Felipe não deu certo e entrou outro guitarris-ta, o Jean, que ficou um ano e pouco com a gente. E, agora,

grama está muito presente nas redes sociais. Vocês acham que isso ajuda no trabalho da ban-da?

Guilherme - Eu acho que ajuda consideravelmente. En-quanto as bandas de antiga-mente usavam as rádios e o poder da grande mídia, ago-ra, com a quebra das grandes gravadoras e com o empode-ramento dessas bandas inde-pendentes, acho que a inter-net é o meio de divulgação e de disseminação da música. A gente divulga nosso EP de graça para o maior número de pessoas possível, para elas bai-xarem e escutarem, pois assim a gente mantém shows legais. A internet vem pra divulgar, pra mostrar o trabalho, como uma nova ferramenta que não existia antes ou se existia, não era utilizada devido ao poder das grandes gravadoras.

CONTRAMÃO – Em re-lação aos festivais, como fun-ciona?

Leonardo - A gente anda junto com os coletivos aqui de BH. O coletivo Pegada. A par-tir daí, a gente consegue uma divulgação boa, pois os coleti-vos estão aparecendo cada vez mais em várias cidades, vários estados. Isso é uma realidade. Está todo mundo procurando caminhos alternativos, como o Gui disse, devido à quebra de gravadoras. Isso faz com que a gente comece a procurar novas alternativas e os coletivos são os meios onde conseguimos nos encontrar.

Diego - Por meio do Co-

CONTRAMÃO – Como funciona o processo de com-posição das músicas?

Guilherme - Bom, basica-mente eu componho as letras. E depois que faço violão e voz, eu levo para a banda e a gen-te desenvolve arranjos juntos. Na maioria das vezes, a mú-sica ganha outro rumo que eu nem tinha pensado antes, compondo sozinho.

CONTRAMÃO – As le-tras têm mensagens dedicadas a alguém?

Guilherme - A maio-ria tem. Acho que nesse EP, Querido Amigo, Nus Amamos e Calmaria têm. Alento é ba-seada em um filme. E as que não têm, são baseadas em al-gum filme, livro ou começam a ser compostas por uma frase que os meninos acabam conti-nuando, numa história que a gente cria na nossa cabeça.

CONTRAMÃO – E por que um EP e não um CD?

Diego - O formato do EP com cinco músicas vai muito pelo lance de que é difícil ou-vir de cabo a rabo um CD de 12, 13 músicas de uma banda que está começando a mostrar a cara, começando o trabalho de forma independente, como nós. Então, com um formato com menos músicas, fica mais fácil o acesso à banda, para que quem não conhece a ban-da conheça o trabalho, veja as qualidades e os defeitos tam-bém, claro.

CONTRAMÃO – As pes-soas percebem que o Mono-

Bons arranjos, letras e melodias que ficam na memória caracterizam o som dos mineiros da banda Monograma. Com quatro anos de estrada, os meninos lançaram seu primeiro EP, “Conto do Faz de Conta” em maio de 2009 e não pararam mais. Sempre presentes em festivais, por meio de Coletivos, como o Pegada, a banda é hoje referência no cenário musical de Belo Horizonte. No dia 31 de outubro, Guilherme Lopes (guitarra e vocal), Leonardo Eugênio (baixo e vocal), Diego Impellizieri (bateria) e Ícaro Eugênio (guitarra) fecharam o Studio Bar no lançamento do novo EP “Da Tempestade à Calmaria”, com direito a chuva e um

coral afinado de fãs em todas as canções.

Alegria e música de qualidade marcam o lançamento do novo EP da banda Monograma

Para curtir e baixar as mú-sicas do Monograma acesse http://myspace.com/mono-grama http://monograma.mus.br

Por : Débora Gomes e João Marcelo Siqueira

tem o Ícaro que é meu primo e que está na banda há mais ou menos um ano. E vem dando certo.

CONTRAMÃO – E por que Monograma?

Guilherme- A gente cha-mava Gee Me MA (muitos risos). E ninguém conseguia falar e nem sequer escrever. Nem o Google entendia. En-tão, a gente resolveu que devia escolher outro nome. A gente queria Monomotor, que é o nome de uma música nossa. Mas aí já tinha. Então, a gente pensou em Monociclo, só que já tinha também. Aí no dicio-nário, abaixo de Monociclo, tinha Monograma. E a gente escolheu esse sem nem saber o que significava.

CONTRAMÃO – Tem planos para um novo EP?

Guilherme - Bom, o próxi-mo EP sai em julho do ano que vem. E os meninos acabaram de saber isso também (risos). A gente tem a expectativa de lançar um EP por ano, então é bom a gente marcar em julho, que a gente lança em outubro, novembro...

CONTRAMÃO – Para fe-char, o show de hoje foi...

Leonardo - Maravilhoso.Guilherme - Sensacional.Diego - Chique demais.

MÚSICA

“Da tempestade à calmaria”

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CONTRAMÃO - Quais foram os principais desafios nesse terreno dos romances, até então desconhecido por você?

Carlos de Brito - Decidi fazer jornalismo, entre outras coisas, porque é uma carreira profissional na qual se traba-lha com a palavra e eu sempre quis trabalhar com a palavra. Antes do vestibular eu já es-crevia, na infância já tinha o desejo de ser escritor. No en-tanto, o percurso com a litera-tura, com a produção do tex-to literário não é um percurso aprendido na faculdade, como uma profissão que se forma, faz prova, ganha diploma. Quando publiquei o primeiro livro, que é um livro de contos, reuni nove contos que tinham sido escritos ao longo de qua-se dez anos. Mandei-os para algumas editoras que recusa-ram, e uma de Belo horizonte topou a publicação. Quando

ganhei o prêmio foi para escre-ver um romance, que era um gênero que eu não conhecia ainda, uma novidade. Um ro-mance tem outra temporalida-de, não só a narrativa tem uma temporalidade diferenciada, mas o tempo do autor no tex-to, no trabalho diário do texto é diferente. O conto é rápido, enxuto, você não pode perder o fio da meada e se resolve de uma maneira muito precisa. Os temas de um romance são temas da vida, que nos acom-panham desde sempre, mas como contar sobre eles depen-de de cada um, então o desafio da escrita é sempre desafio do autor, quando ele decide es-crever. Todo dia quando se as-senta na frente do computador ou do papel em branco, é o de-safio do que produzir naquele dia, o que vai sair dali, a escri-ta não tem um horizonte que antecipadamente se revela, o horizonte da escrita é construí-

do a cada dia e a cada dia você escreve um pouco mais, mais o horizonte aparece. No dia se-guinte, você escreve um pou-co mais e o horizonte vai se modificar, mas você não tem essa possibilidade de sentar e dizer: olha, é lá que eu vou chegar um dia. Esse desafio da escrita é sempre uma aventura do desconhecido, do que não se sabe, a princípio não tem terreno, é um terreno que se constrói na própria escritura e o caminho só se torna caminho ao caminhar.

CONTRAMÃO - Como nasceu “A passagem tensa dos corpos”, o ponto de partida, a escolha do tema, dos persona-gens...?

CB - A morte como temá-tica, já tinha aparecido no Ca-dáver ri de seus despojos, mas apareceu de maneira margi-nal, indireta, não era a morte mesma, mas uma experiência de desaparecimento, de per-da. Desejei transformar isso, que tinha aparecido, às vezes claramente, às vezes não, em uma aparição drástica e vio-lenta, então faço um desdo-bramento do que o Cadáver me trouxe na Passagem tensa dos corpos. Com relação aos personagens, no projeto eu já tinha definido mais ou menos quais eram os personagens, como ia ser esse narrador, mas eles não tinham essa potência

que vieram a ter no livro pron-to, exatamente pela razão que falei, porque a escrita inventa suas próprias soluções. Esse narrador incorpóreo que osci-la entre uma presença e uma ausência e tem uma língua que fala e essa língua é tanto física, muscular, mas é também a lin-guagem que o sustenta, é uma metáfora da própria literatura. Poder inventar mundos que não existem, seres que nunca nasceram, matar pessoas que continuam vivas ou uma sus-tentação apenas linguística são puros efeitos de linguagem. Tudo isso foi construção da própria narrativa, embora eu tenha tido que apresentar um projeto muito bem fechadinho para concorrer à premiação, mas depois essas situações to-das foram ocorrendo, umas es-tavam previstas, outras foram pura descoberta das invenções e do próprio processo.

CONTRAMÃO - Porque foi usada uma disposição de texto diferenciada, nos capí-tulos curtos e intensos, frases corridas ou cortadas, sem pon-tuação?

CB - Eu quis que a forma do texto estampasse e incor-porasse isso que a morte apre-senta como temática, a fratura, perda e falta, então criei aque-la fragmentação da linha. A fragmentação do parágrafo, e de verdade quando eu pensei

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A leitura inTENSA da morteCarlos de Brito e Mello, o Trovão como é conhecido pelos amigos e alunos do Instituto de Comunicação e Artes da UNA foi finalista de três grandes premiações literárias, com o romance A passagem tensa dos corpos, publi-cado pela Companhia das Letras, em 2009: o Prêmio São Paulo de Literatura, o Jabuti e Portugal Telecom, em 2010. Nesta entrevista, Trovão adianta os seus novos projetos, revela as suas influências literárias e os desafios desse novo caminho que resolveu trilhar: dos romances.

LITERATURA

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naquilo e fiz, é como se a mi-nha dicção aparecesse, como se minha voz aparecesse, eu queria no texto essa voz corta-da, fraturada, picada e quando ela apareceu, saquei que era assim que queria escrever.

CONTRAMÃO - Quais aspectos, você diria, que di-ferencia seu livro dos demais disponíveis nas prateleiras das livrarias, isto é, se você fosse um leitor, porque você o com-praria?

CB - Participei de uma bienal em Curitiba e o me-diador disse: “Sua obra passa longe de algumas obras que hoje apresentam um cenário urbano, temas do homem con-temporâneo, das grandes ci-dades, do amor e da perda. A narrativa escolhe uma cidade do interior de minas, mas não se desenvolve na chave da re-presentação tradicional do Es-tado, que é a do pão de queijo e tal, mas em uma outra chave de representação”. Isso é um pouco do que dizem os críti-cos, de jornais e teve também um de televisão, que avaliam o livro. As pessoas que falam de fora tem mais capacidade e eu teria que ler mais autores contemporâneos para dizer o quanto o meu se distingue. Porém, por algumas razões, acho que ele se distingue sim. Exatamente por está saindo de uma chave realista, apesar de não ser uma obra surrealista, a narrativa torce a representação para um lado que a fantasia trabalha muito forte e o absur-do aparece: um homem morto, preso amarrado à cadeira, na

sala de jantar, a família que supostamente o envenenou... isso é muito absurdo! No en-tanto, como a narrativa não faz um espalhafato em cima disso, ela sustenta isso como uma possibilidade real. Por essas razões a obra acaba apre-sentando diferenças com rela-ção a outras que trabalham no mesmo ambiente urbano, do homem da cidade e das per-das que são conferidas no co-tidiano que se esfacelou, pelo contrário, o esfacelado nessa obra é o narrador, ele quer se constituir, não quer falar da fragmentação do cotidiano, ele detesta a fragmentação porque já é fragmentado.

CONTRAMÃO - Quais foram as influências literárias que ajudaram a compor o li-vro?

CB - Existem duas referên-cias bem diretas na Passagem tensa dos corpos, a primeira é do Lúcio Cardoso, um au-tor mineiro já morto, mas que tinha um texto potentíssimo, apaixonado. A obra mais co-nhecida dele é Crônica da casa assassinada. Quando vi esse nome, antes mesmo de ler, pensava o que é uma crônica de uma casa assassinada? E a obra é genial. Apesar de, Lúcio Cardoso escrever de uma for-ma diferente da qual escrevo, quis que meu livro tivesse um pouco do lugar que ele fala, inclusive um pouco da sua ir-ritação, no que diz respeito a forma como Minas Gerais é re-presentada. Existe uma entre-vista, se não me engano, que ele diz que sua briga não é con-

tra o Estado das Minas Gerais, mas contra o tradicionalismo mineiro, o jesuitismo mineiro, o ranço mineiro que ele de-testava, e eu detesto. Edgard Allan Poe é outra [referência], autor brilhante, contista de histórias de mistério, morte e horror. Um cara absolutamen-te preciso, um gênio.

CONTRAMÃO - Que obras você indicaria para os leitores que estão sedentos de novidade e originalidade?

CB - Gostaria de sugerir um autor diferente: o Louren-ço Mutarelli. Diferente é uma palavra esquisita e talvez de-testasse ser chamado de dife-rente, mas é que ele escreve um pouco na chave do absur-do, mas um absurdo que é cap-turado no cotidiano mais ba-nal dos personagens, que são quase vozes meio soltas, con-fusas. Nesse sentido, não tem a ver com meus personagens, que são construídos dentro de uma estranheza que não de-termina e não “estetifica”. Foi ele quem escreveu o livro no qual se baseou o filme O Chei-ro do ralo, que conta a história de um sujeito que compra ob-jetos antigos e faz uma mega-coleção, uma coisa obsessiva, e tem uma relação nojenta e erótica ao mesmo tempo com um ralo entupido dentro do seu escritório. Acabou de sair um livro dele que chama Nada me faltará, parece ser um livro todo feito de diálogos, mas não li ainda. Ele é um cara interes-sante, tem uma seriedade que me convence muito.

Outro cara que também escreve de um jeito, diferente do meu, mas de uma forma muito sólida e poderosa, forte é o Bernardo Carvalho. O últi-mo livro dele concorreu com o meu em alguns prêmios, ape-nas no de São Paulo que não, porque ele estava na catego-ria dos “cachorros grandes”, e chama O filho da mãe, conta uma história que se passa em são Petersburgo, na Rússia, na época do conflito na Che-chênia, enfim o cara escreve muito, é um jornalista que tra-balhou na Folha de São Paulo muito tempo, experiente. São dois caras que valem muito a pena ler.

CONTRAMÃO - O que o apreciador do seu trabalho pode esperar para o futuro? Já existem novos projetos?

CB - Um projeto acaba

originando outro e o que eu estou trabalhando agora tam-bém é um filho de A Passagem tensa dos corpos, mas estou procurando não me repetir. A morte é ainda o tema central da narrativa, mas apareceram outras questões relacionadas à política e crenças. Ainda não sei como vai se desenhar, mas que a história se passa num campo de homens e mulheres ordinários, pessoas que não são extraordinárias, assim a narrativa vai sendo conduzida por elas. Esse livro tem duas modificações com relação ao meu primeiro romance (que acontece num ambiente en-clausurado, fechado, da casa ou de onde o cadáver está e o narrador fica, onde o filho está preso, onde o casamento acon-tece sem o noivo, a narrativa tem uma abertura de espaço, que é um espaço cidade, mas não tenho interesse de falar de uma cidade ou o que é o ho-mem no caos urbano. Também fiz um espalhamento em re-lação à voz, não é apenas um narrador, são vários narrado-res. Tem um que é o princi-pal, mas essa voz vai e volta, o oposto de A passagem no qual o narrador é único e não abre mão disso, quando ele pára de falar o romance acaba.

O que eu acho que deve acontecer, se eu tiver compe-tência para isso, é que cada livro possa inaugurar um ca-pítulo a mais na investigação da palavra, e acho que, me convence muito o trabalho que é da escrita e que pesquisa as próprias possibilidades da lin-guagem. Acredito que sempre vá buscar alguma coisa nova, não no sentido de superar em alguma coisa ou da novidade, mas de avançar um pouco mais nesse trabalho de compreen-são do que acontece quando a palavra é mobilizada, dentro de um discurso que é da lite-ratura. O que acontece quando ela é colocada para produzir experiência e ser experimenta-da. Isso seguramente estará na próxima obra e acredito que deva estar em toda iniciativa minha.

Leia mais da entrevista e ouça o audio no http://con-tramao.una.br

contr mãoaPor : Danielle Pinheiro

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Jovens são alvos cada vez mais frequente do câncer e especialistas atribuem os maus hábitos como um dos fatores

Câncer na

TIPOS DE CÂNCER MAIS COMUNS NA ADOLESCÊNCIA

1º Leucemia, que geralmente causa anemia e fraqueza.2º Linfomas são diagnosticados por apresentar massas palpáveis, tosse, falta de ar, dor abdominal, febre diária, perda de peso e prurido (coceira) na pele e sudorese (suor) noturno.3º Tumores nos ossos e tumor de células germinativas que causam dores nos ossos.4º Tumor no sistema nervoso central.5º Ovário (mulheres).6º Testículo (homens).

“Estava com uma crise de sinusite muito forte, resolvi, então, procurar ajuda profis-sional.”

”Começou com uma fe-bre alta, durante um mês, que nunca passava.”

“Era só um caroço no pes-coço que não incomodava.”

Esses são relatos de pes-soas que descobriram que es-tavam com câncer em plena adolescência. Quan-do jovens, somos clas-sificados como pesso-as fortes e saudáveis, mas toda regra tem sua exceção. Segundo pes-quisa divulgada pelo Insti-tuto Nacional de Câncer (Inca) e pela Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobop), o câncer é a doença que mais mata jovens na faixa dos 5 aos 18 anos no Brasil.

A oncologista Carla de Carvalho Sousa informa que os tipos de câncer mais co-muns na adolescência são a leucemia, os linfomas, os tu-mores nos ossos e células ger-minativas, tumor no sistema nervoso central, nos ovários e nos testículos. Porém, ou-tros tipos de câncer, como de mama e intestino, podem afe-tar jovens de até 20 anos. Até recentemente, esses tumores apareciam só em pessoas mais velhas.

A oncologista explica que um dos motivos para esse au-mento nos jovens é a mudança

de hábitos. “Hoje, o adolescen-te tem contato muito cedo com cigarro, bebidas alcoólicas, co-midas com conservantes”, ex-plica. Apesar das evidências, Carla Carvalho pontua que essa relação de fatores ainda não é um fato comprovado.

Especialistas na área afir-mam que o tratamento para o câncer, hoje, está mais avança-do e o diagnóstico mais rápi-

do, o que facilita o tra-tamento da doença. “O tumor nas pessoas mais novas se de-senvolve mais rápido e é mais agressivo”, explica a oncolo-gista, mas, de acordo com ela, os adolescentes respondem melhor ao tratamento porque são mais resistentes à quimio-

Ele agora é pai do João Pedro, que já está com 1 ano de idade.

O tratamento da doença depende do tipo de tumor. Nos primeiros 2 anos após o diagnóstico, é feito um con-trole trimestral, depois de dois anos, o acompanhamento pas-sa a ser semestral. Num perío-do de 5 a 10 anos de controle, se a doença não voltar à pessoa pode ser considerada curada.

Vitória Gabriela, 14, tem leucemia e, há 2 anos, está em tratamento. Uma vez por mês, ela sai de Curvelo com destino a Belo Horizonte para

aplicações de quimioterapia enquanto aguarda na fila de transplante de medula. Seu tipo sanguíneo, O negativo,

é de difícil compatibilidade e ela ainda não conseguiu um doador, mesmo realizando uma mobilização em sua cida-de.

Efeitos sociais

terapia e à radiação.

O convívio com a doença

Túlio Camilo da Cruz, 22, é estudante de Educação Física e, aos 20 anos, foi diagnostica-do com o linfoma de Hodgkin, tipo de câncer comum entre os jovens e pode aparecer em qualquer parte do corpo. Ele conta que o tratamento alterou

pouco sua rotina e que o apoio da família e de amigos foi fundamental. O tratamento de Túlio terminou em 2008 e, hoje, ele realiza o controle se-mestral. A maioria das pessoas que sofre radiação pode ficar estéril, mas, no caso de Túlio, isso felizmente não ocorreu.

Tem situações na vida em que você tem que repensar em tudo o que aconteceu dês do momento do seu nascimento até

a descoberta da doença.

“Fellipe Luz Constantino, Auxiliar Administrativo ”

Ilustração | Maria A

mélia

Por : João Marcelo Siqueira

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Jovens são alvos cada vez mais frequente do câncer e especialistas atribuem os maus hábitos como um dos fatores

adolescênciaApós uma suspeita de

sinusite, um raio X do tórax evidenciou vários nódulos no pulmão do auxiliar adminis-trativo Fellipe Luz Constanti-no, 22. Ao fazer o exame clí-nico, o médico percebeu um aumento do testículo esquer-do e o resultado da tomografia foi câncer de testículo. A doen-ça já estava num estágio avan-çando e o jovem foi submetido a uma orquiectomia (cirurgia para retirada do testículo do-ente). “No momento em que descobri a doença entrei em choque. Por dois dias, só cho-rava no hospital e, ainda por cima, tinha insônia. Só conse-guia dormir a base de remé-dios”, relembra Fellipe Luz.

Outro momento difícil para Felipe foi a perda dos pêlos. “Perder os cabelos, as sobrancelhas, isso é como se você perdesse sua fisionomia, sua identidade; mas, por outro lado, a vontade de melhorar, de buscar a cura é maior”, re-conhece.

Outro fato que incomoda grande parte dos pacientes são os olhares das outras pessoas. Fellipe Luz e outros jovens que enfrentam o câncer concordam com que certos olhares desti-nados a eles durante o período de tratamento causam chatea-ção. “Tem pessoa que te olha com o sentimento de dó; para mim esse é o pior sentimen-to que um ser humano pode ter em relação ao outro, esse

Ilustração | Maria A

mélia

sentimento é de incapacidade moral e física”, avalia. “Essa doença só deixa as pessoas as-sim quando elas se entregam a ela”, desabafa.

Prevenção

A oncologista Carla Sousa dá dicas de como se prevenir do câncer: sempre buscar há-bitos saudáveis, como praticar atividades diárias, esportes e exercícios físicos; uma alimen-tação saudável, evitando ao máximo produtos industriali-zados e com alto teor de con-servantes. Não cometer exces-sos com as bebidas alcoólicas e evitar o cigarro e as drogas. A dica mais importante é a observação do próprio corpo, prestando atenção a eventuais alterações de volume, nódu-los, entre outras.

Em maio de 2006, o Se-nado Federal decretou o “Dia Nacional de Combate ao Cân-cer Infantil”, que é celebrado anualmente no dia 23 de no-vembro. Os objetivos do “Dia

Nacional de Combate ao Cân-cer Infantil” são:

I – estimular ações educa-tivas e preventivas relaciona-das ao câncer infantil;

II – promover debates e outros eventos sobre as polí-ticas públicas de atenção inte-gral às crianças com câncer;

III – apoiar as atividades organizadas e desenvolvidas pela sociedade civil em prol das crianças com câncer;

Por João Marcelo Siqueira

PARA ALÉM DAS DORESUma novidade no tratamento do câncer são os Psico Oncologistas, ou seja, psicólogos especializa-dos no tratamento de pacientes que estão em tratamento, ou que já foram tratados ou que correm o risco de morrer. A Psico Oncologista Andrea Pereira diz que “é fundamental o controle da dor em alguns casos”. Seu trabalho é voltado para doenças crônicas e controle das dores biopsicossocial e espiritual. Além de ajudar o paciente, esse tipo de tratamento fornece atendimento à família dos pacientes trazendo um conforto para tipos de dores que os analgésicos não conseguem aliviar.

Foto finalista do Concurso de Fotografia da Abrale “Re-tratos da Esperança”(2009)

O projeto da Abrale dá su-porte ao tratamento e assegura um bom atendimento às crian-ças com leucemia

IV – difundir os avanços técnico-científicos relaciona-dos ao câncer infantil;

V – apoiar as crianças com câncer e seus familiares.

Foto site do Abrale

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O déficit habitacional no Brasil teve queda de 8% entre 2007 e 2008, segundo dados do Ministério das Cidades. Entretanto, ainda existe mui-ta dificuldade para as pessoas conseguirem uma moradia, prova disso são os movimen-tos sociais que não páram de crescer. A ocupação Dandara é um desses movimentos que lutam por uma moradia para pessoas com baixa renda.

A comunidade Dandara já acolhe cerca de 5 mil mo-radores. Foi efetivada no dia 9 de abril de 2009 e recebeu este nome em homenagem à com-panheira de Zumbi dos Palma-res. Ocupa um terreno 40 mil metros quadrados no bairro Céu Azul, na região da Pam-pulha, em Belo Horizonte. A

comunidade tem um modo de vida diferente de outros seg-mentos da sociedade, pois luta unida por uma vida melhor. Os integrantes do movimento já criaram horta comunitária, escola para as pessoas mais idosas - MOVA. Na ocupação, já é possível encontrar oito estabelecimentos comercias, como padaria, mercearia e ofi-cina mecânica, que contribuem para garantir uma renda men-sal aos moradores.

Com mais de um ano de existência, essa comunidade ainda sofre com a ausência de alguns serviços básicos, entre eles iluminação elétrica, rede geral de esgoto ou fossa sépti-ca e coleta de lixo. Segundo a Secretária Nacional de Habita-ção do Ministério das Cidades,

O SONHO DA CASA PRÓPRIAPessoas de baixa renda formam o movimento social Dandara em busca de moradia

Fotos| João Marcelo Siqueira

o local que não possui esses serviços básicos é considerado impróprio para moradia. En-tretanto, eles já conquistaram o acesso à água da Copasa e ain-da lutam para conseguir ener-gia elétrica e rede de esgoto.

Hoje, o Dandara tem uma fila de espera para as pesso-as que desejam adquirir um lote, porém existem regras para essa aquisição. É neces-sário freqüentar reuniões do próprio Centro Comunitá-rio. Através de entrevistas, é avaliada a verdadeira neces-sidade da pessoa, de acordo com a condição financeira de cada um. Os lotes são todos do mesmo tamanho, 128 metros quadrados. Alguns espaços não podem ser ocupados, pois existem futuros projetos, entre

eles a criação de uma escola, centro de saúde, campo de fu-tebol e igreja.

Com o apoio das Brigadas Populares, no ultimo dia 30 de setembro, o Dandara acampou na porta da Prefeitura de Belo Horizonte em protesto contra o despejo. Isto porque recente-mente, a proprietária do terre-no Construtora Modelo entrou com ação de desapropriação do local. A construtora alega que tem projetos para cons-truir um condomínio de luxo no local. A comunidade con-tinua lutando para regulari-zar a situação das famílias que ali moram e que não tem pra onde ir, caso aconteça o des-pejo. A única garantia que eles desejam é ter a certeza de uma moradia própria.

Por Andressa Silva e João Marcelo Siqueira

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