Contribuições do NURTEG – Núcleo de Relações de ... · prática social de organizações...

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1 Contribuições do NURTEG – Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão – para os estudos sobre Gerentes e Gerência Autoria: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo A idéia de criação do Núcleo de Pesquisa em Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão (NURTEG) começou em 1974 quando se buscava um desempenho mais eficaz dos gerentes e, consequentemente, de seus projetos de capacitação e desenvolvimento de acordo com as necessidades do modelo econômico da época, com a dissertação de mestrado da Professora Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo. E os estudos continuaram se desenvolvendo, com pesquisas que buscavam a identificação, explicação e elucidação da prática social de organizações brasileiras referente aos meios e procedimentos de tratamento de conflitos, desenvolvida na década de 80. Em 1991, surge o NURTEG no âmbito do Centro de Pós-graduação e Pesquisas em Administração da UFMG como um espaço multidisciplinar de análise e construção de propostas para problemas das organizações e da sociedade. A criação do NURTEG favoreceu a formação de novos pesquisadores, com a orientação de mais de 40 alunos em iniciação científica, 31 alunos de mestrado, seis de doutorado e sete de aperfeiçoamento já concluídas, além da orientação de três alunos de doutorado e três de iniciação científica em andamento. A partir de então foram desenvolvidas diversas pesquisas na área de relações de poder e de trabalho, liderança e novas tecnologias gerenciais e sobre os gerentes. A partir de 2000, um novo enfoque é incorporado aos estudos sobre os gerentes realizados no núcleo, com a introdução de questões de gênero, subjetividade e identidade. A realização destes projetos de pesquisa possibilitou uma formação mais adequada de administradores face a uma nova realidade das empresas privadas e instituições públicas, além de contribuir para a formação de professores e pesquisadores altamente qualificados na área, profissionais capazes de uma melhor compreensão de problemas, e com o desenvolvimento de respostas às múltiplas demandas da sociedade neste campo do conhecimento e da prática social. A partir de novembro de 2003, a sede o Núcleo passou a ser na Faculdade Novos Horizontes, mantendo-se relação com a Escola de Enfermagem e o Departamento de Ciências Administrativas, ambas da Univesidade Federal de Minas Gerais, com o Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras e com o Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Juíz de Fora. A proposta para essa sessão coletiva prioriza o trabalho gerencial que caracteriza-se pela sua ambiguidade, pela capacidade de atuação nos procesos de mediação de contradições, e ainda, por alimentar a dinâmica organizacional e garantir o seu sucesso, pois ele se situa no elo dos processos sociais, tecnológicos, culturais, políticos, econômicos e ideológicos, ligando estratégias, cotidiano e operações. Estudos sobre gerentes são múltiplos, variados, percorrendo momentos de formulações clássicas da função gerencial propostas (BARNARD, 1938; FAYOL, 1949; MINTZBERG, 1973) até os dias atuais com visões diferentes da atuação e do “modo de ser” desse agente social: alocador de recursos (BOWER, 1970), inovadores (KANTER, 1983; BURGELMAN, 1983), improvisadores (DÉRY, 1997; HATCH, 1999), participantes do enredo estratégico organizacional (WESTLEY, 1990), implementadores de mudanças (McCONALOGUE, 1991), e mesmo desenvolvedores de novos produtos (NONAKA e TAKEUCHI, 1995), mediadores (PAGÉS et al, 1987) atores e autores em diferentes perspectivas (REED, 1989) ou constituindo, pela sua atuação, um grupo social (BOLTANSKI, 1982) ou já formando uma categoria profissional (MELO, 2000) segundo padroes da sociologia das profissões.

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Contribuições do NURTEG – Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão – para os estudos sobre Gerentes e Gerência

Autoria: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo

A idéia de criação do Núcleo de Pesquisa em Relações de Trabalho e Tecnologias de

Gestão (NURTEG) começou em 1974 quando se buscava um desempenho mais eficaz dos gerentes e, consequentemente, de seus projetos de capacitação e desenvolvimento de acordo com as necessidades do modelo econômico da época, com a dissertação de mestrado da Professora Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo. E os estudos continuaram se desenvolvendo, com pesquisas que buscavam a identificação, explicação e elucidação da prática social de organizações brasileiras referente aos meios e procedimentos de tratamento de conflitos, desenvolvida na década de 80.

Em 1991, surge o NURTEG no âmbito do Centro de Pós-graduação e Pesquisas em Administração da UFMG como um espaço multidisciplinar de análise e construção de propostas para problemas das organizações e da sociedade.

A criação do NURTEG favoreceu a formação de novos pesquisadores, com a orientação de mais de 40 alunos em iniciação científica, 31 alunos de mestrado, seis de doutorado e sete de aperfeiçoamento já concluídas, além da orientação de três alunos de doutorado e três de iniciação científica em andamento.

A partir de então foram desenvolvidas diversas pesquisas na área de relações de poder e de trabalho, liderança e novas tecnologias gerenciais e sobre os gerentes. A partir de 2000, um novo enfoque é incorporado aos estudos sobre os gerentes realizados no núcleo, com a introdução de questões de gênero, subjetividade e identidade. A realização destes projetos de pesquisa possibilitou uma formação mais adequada de administradores face a uma nova realidade das empresas privadas e instituições públicas, além de contribuir para a formação de professores e pesquisadores altamente qualificados na área, profissionais capazes de uma melhor compreensão de problemas, e com o desenvolvimento de respostas às múltiplas demandas da sociedade neste campo do conhecimento e da prática social.

A partir de novembro de 2003, a sede o Núcleo passou a ser na Faculdade Novos Horizontes, mantendo-se relação com a Escola de Enfermagem e o Departamento de Ciências Administrativas, ambas da Univesidade Federal de Minas Gerais, com o Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras e com o Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Juíz de Fora.

A proposta para essa sessão coletiva prioriza o trabalho gerencial que caracteriza-se pela sua ambiguidade, pela capacidade de atuação nos procesos de mediação de contradições, e ainda, por alimentar a dinâmica organizacional e garantir o seu sucesso, pois ele se situa no elo dos processos sociais, tecnológicos, culturais, políticos, econômicos e ideológicos, ligando estratégias, cotidiano e operações.

Estudos sobre gerentes são múltiplos, variados, percorrendo momentos de formulações clássicas da função gerencial propostas (BARNARD, 1938; FAYOL, 1949; MINTZBERG, 1973) até os dias atuais com visões diferentes da atuação e do “modo de ser” desse agente social: alocador de recursos (BOWER, 1970), inovadores (KANTER, 1983; BURGELMAN, 1983), improvisadores (DÉRY, 1997; HATCH, 1999), participantes do enredo estratégico organizacional (WESTLEY, 1990), implementadores de mudanças (McCONALOGUE, 1991), e mesmo desenvolvedores de novos produtos (NONAKA e TAKEUCHI, 1995), mediadores (PAGÉS et al, 1987) atores e autores em diferentes perspectivas (REED, 1989) ou constituindo, pela sua atuação, um grupo social (BOLTANSKI, 1982) ou já formando uma categoria profissional (MELO, 2000) segundo padroes da sociologia das profissões.

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A década de 1990 foi marcada por uma ompetição intensificada, desregulamentação de mercados, desenolvimento acelerado das tecnologias de informação, movimento contínuo de reestruturação visando tanto objetivos de eficácia e lucratividade como de flexibilidade, produzindo movimento duplo de racionalização e flexibilização das práticas de gestãoe a organização do trabalho em variados níveis (ROULEAU, 2000).

No contexto dos estudos gerenciais as questoes de gênero ganham destaque pela sua complexidade e pouco consenso quanto às características e a atuação da mulher-gerente. Bourdieu (1996) demonstra que a dominação está instituída nas coisas e nas estruturas do pensamento mas acredita que a possibilidade de transformação está na subjetividade de cada um, na capacidade de ação interativa de cada ator social, na sua participação ativa na construção social da realidade (Bourdieu, 1999) mesmo que relativamente limitada por fatores estruturais (MISOCZKY, 2001). mas como bem coloca Sainsaulieu (1997:251) “uma nova forma de aprendizagem cultural” vai surgindo dessa nova dinâmica dos gêneros nas relações de rabalho.

No campo do trabalho do gerente destacam-se questões reltivas ao mal-estar gerencial gerado pela intensificação do trabalho, pela destruição das redes sociais, pelo processo de comunicação ambíguou, pois nas práticas de reestruturações organizacionais cabe aos gerentes traduzir, esclarecer e interpretar as mensagens dúbias vividas do topo da hierarquia, devendo ainda, criar pontes entre hábitos culturais de ontem com as novas maneiras de dizer e fzer as cosas (DAVEL e MELO, 2005).

Neste contexto de reflexao teórica, situam os trabalhos sobre gerentes produzidos e em desenvovimento no NURTEG. Na apresentação dessa sessão coletiva, considerou-se as seguintes pesquisas:

• “GERÊNCIA NO SETOR INDUSTRIAL”, na qual se confirma que a mudança percebida pelos gerentes do setor industrial se direciona para uma maior autonomia dos/das gerentes com conseqüente fim da figura autoritária, superior e masculinizante do profissional. Esse passa a ser uma pessoa mais “acessível” aos seus subordinados e dar mais atenção à sua equipe de trabalho, mas nesse setor ainda predomina a cultura patriarcal, configurando a indústria como um “gueto masculino”. As mudanças percebidas ainda não eliminaram a discriminação das mulheres, principalmente, em relação ao aspecto financeiro. O preconceito ainda existente contra a mulher mesmo que elas já tenham conquistado parte da confiança de chefes, subordinados e colegas. Pesquisadora: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])

• “O gerente na empresa de pequeno porte”, ressalta-se o papel do gerente nas duas vias, ou seja, ele é tanto um fator de sucesso quanto de fracasso. Diante dos dilemas e desafios que enfrenta e da falta de real preparo para a função, o gerente se vê numa situação em que dele é cobrada uma atuação eficaz de curto prazo sem a real possibilidade de garanti-la. Assim, o gerente adota um modo de ação pautado na abordagem “apagar incêndios”, faltando-lhe clareza sobre os espaços organizacionais. Tal falta de clareza torna-se mais grave à medida que a abordagem imediatista obscurece ou camufla a relação sistêmica entre os diversos espaços de ação gerencial. No entanto, a organização – a empresa de pequeno porte neste caso específico – também possui sua parcela de responsabilidade em garantir a sua sobrevivência a longo prazo, possibilitando um ambiente propício à aprendizagem organizacional e gerencial. Pesquisadores: Angelo Brigato Esther ([email protected]) e Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]).

• “GERENTES E GERENCIA NO SETOR HOTELEIRO”, na qual foram ressaltados depoimentos relacionados à autonomia, à liberdade, ao acesso à direção, ao status, ao prestígio, enfim ao poder, sendo que este último denota relações ambíguas e

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controversas tanto no caso dos gerentes como no dos proprietários. Dessa maneira, nas Considerações Finais, indicou-se os principais achados e propôs-se a realização de outras pesquisas contemplando pontos como dificuldades, contradições, identidade, subjetividade etc. dos gerentes, porém articulando-as com os aspectos positivos (mesmo que transitórios) dessa função tanto nas relações que se travam no ambiente interno como no externo às organizações. Pesquisadores: Kely Cesar Martins de Paiva ([email protected]) , Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]), Angelo Brigato Esther ([email protected]).

• “GERÊNCIA E GERENTES NO SETOR DE SERVIÇOS: UMA PESQUISA EM PROCESSO DE FINALIZAÇÃO”, a qual encontra-se em fase de tabulação temática a partir de uma planilha de análise do discurso dos entrevistados que privilegia os seguintes temas: Carreira gerencial; Requisitos para ingressar na carreira gerencial; Estratégias para o desenvolvimento da carreira gerencial; Conciliação das atividades pessoais e profissionais; A cultura da empresa; Socialização; Identidade; Percepção da prática gerencial; Qualidade de Vida no Trabalho; Estresse; A família e o gerente; Projetos de vida; Negações, Ambigüidades e contradições da função gerencial. Pesquisadores: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]), Gizelle de Souza Mageste ([email protected]), Euler Lopes Mendes ([email protected]).

• “GERÊNCIA FEMININA”, o artigo apresenta diversos aspectos ilustrados mediante pesquisas realizadas anteriormente com mulheres ocupando posições gerenciais. Também, aponta a criação de redes de contato sobre gênero, bem como de organizações e associações, como estratégias de mobilização importante, pois além de dar suporte ao desenvolvimento profissional das gerentes, também fornecem maior visibilidade para a questão do gênero e para a atuação das gerentes na hierarquia organizacional. Salienta-se a importância de uma particularidade da profissão do administrador revelada por Betiol (1998) que pode ser extrapolada para a função do gerente: a dificuldade de se construir uma identidade ligada à profissão, justamente por suas inúmeras possibilidades. Pesquisadoras: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]) e Mônica Carvalho Alves Cappelle ([email protected]).

• “GERÊNCIA FEMININA NO SETOR BANCÁRIO”, destaca que mulheres gerentes encontram também condições adversas para desempenharem com sucesso a sua função. De fato, a mulher gerente possui demandas simultâneas que vão além da análise das várias jornadas. Além disso, deve ser observado que o próprio cargo gerencial vem sofrendo os efeitos das múltiplas reestruturações organizacionais e produtivas: redução significativa dos níveis hierárquicos e conseqüente redução dos cargos gerenciais, acréscimo contínuo de demandas funcionais, pressões sobre metas, exigências maiores de qualificação e adoção de equipes de trabalho semi- autônomas, recriando uma outra nova estrutura de poder nas relações sociais dentro das organizações. Pesquisadores: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]).

• “A GERÊNCIA FEMININA EM HOSPITAIS”, a qual encontra-se em fase de implementação, aborda a questão do gênero em instituições de saúde familiares. Tendo em vista a complexidade e as particularidades que marcam o setor Saúde no Brasil, a pesquisa apresenta possibilidade de relacionamento entre diferentes fatores do mundo das organizações com o exercício da gerência. Nessa perspectiva, indaga-se: Como tem ocorrido a participação de mulheres gerentes em hospitais e quais são as principais características da gerência feminina nesse tipo de organização? Como vem se dando as experiências relacionais de poder e de gênero nesse contexto?

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Pesquisadoras: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]), Marília Alves, Maria José Menezes Brito ([email protected]), Mônica Carvalho Alves Cappelle ([email protected]), Gizelle de Souza Mageste ([email protected]), Euler Lopes Mendes ([email protected]).

Profa. Dra. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo – Coordenadora (Faculdade Novos Horizontes/NURTEG); Profa. Dra. Maria José Menezes Brito (UFMG / NURTEG); Profa. Dra. Marília Alves (UFMG); Profa. Mônica Carvalho Alves Cappelle (UFMG/UFLA/NURTEG); Profa. Kely Cesar Martins de Paiva (UFMG/Faculdade Novos Horizontes/NURTEG); Prof. Angelo Brigatho Ester (UFMG/UFJF/NURTEG); Gizelle de Souza Mageste (UFMG / NURTEG); Euler Lopes Mendes (Faculdade Novos Horizontes/NURTEG) REFERÊNCIAS: BARNARD, C. I. The functions of the executive. Cambridge: Harvard University Press, 1938. BOLTANSKI, L. Les cadres – la formation d’um groupe social. Paris: Minuit, 1982. BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. BOURDIEU, P. Novas reflexões sobre a dominação masculina. In: LOPES, M.J.; MEYER, D. E. WALDOW, V. R. (Orgs.). Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. BOWER, J. Managing the resourse allocation process. Boston: Harvard University Press, 1970. BURGELMAN, R.A. Corporate entreperneurship and strategic management: insigths from a process study. Management Science, v. 29, 1983. DAVEL, E.; MELO, M.C.O.L. (Orgs.) Gerência em ação: singularidades e dilemas do trabalho gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. DÉRY, R. Homo administrativus at son double: du bricolage à l'indiscipline. Gestion, v. 22, n. 2, p. 27-33, 1997 FAYOL, G.H. General and industrial management. London: Pitman, 1949. HATCH,M.J. Exploring the empty spaces of rganizing: how improvisational jazz helps redescribe organizational strutcture. Organizational Studies, v. 20, n.1, p. 75-100, 1999. KANTER, R. The change masters. New York: Simon e Shuster, 1983. McCONALOGUE, T. The functions, roles and development of middle managers in companies pursuing second order changes. 1991. Thesis (PhD) – West Yorkshire, 1991. MELO, M.C.O.L. Carreira gerencial: os dramas e as tramas de gerentes em organizações brasileiras. Orgnizações e Sociedade, v.17, n. 7, p. 117-128, 2000. MINTZBERG, H. The nature of mamagerial work. London: Harper Collins, 1973. MISOCZKY, M.C.A. Campo de poder e ação em Bourdieu: implicações de seu uso em estudos organizacionais. In: ENANPAD, 25, 2001, Campinas. Anais... Campinas: Anpad, 2001. Cd. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The Knowledge-creating company. Oxford: Oxford University Press, 1995. PAGÈS, Max et. al. O poder das organizações: a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. São Paulo: Atlas, 1987. REED, M. The sociology of management. Hertfordshire: Harvester Weastsheaf, 1989 ROULEAU, L. Les restructurations d'enterprise: quelques points de repère. Management Internacional, v. 5, n. 1, p. 45-52, 2000. SAINSAULIEU, R. Sociologia da empresa: organização, cultura e desenvolvimento. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

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WESTLEY, F.R. Middle managers and strategy: microdynamics of inclusion. Strategc Management Journal, v. 11, p. 337-351,1990.

GERÊNCIA NO SETOR INDUSTRIAL

Resumo O presente artigo trata dos impactos da função gerencial na saúde dos/das gerentes no

setor industrial da região metropolitana de Belo Horizonte. Utilizando-se um enfoque de gênero, foram analisadas as dificuldades vivenciadas pelos/as gerentes, após o ingresso na carreira gerencial, e constatadas as influências destas na saúde desse grupo profissional. Foram realizadas 39 entrevistas, sendo 19 delas com gerentes do sexo masculino e 20 com profissionais do sexo feminino, empregados em 13 empresas do setor industrial. O estudo parte do pressuposto de que as mulheres são mais afetadas no exercício da gestão pelo fato de o setor industrial ser tradicionalmente considerado como um “gueto masculino”. Isso é agravado pela excessiva carga de responsabilidades que são atribuídas à mulher que tem a “obrigação social” de realizar as tarefas domésticas, cuidar dos filhos e ainda ter que mostrar maior competência como profissionais. O artigo confirmou que a mudança percebida pelos gerentes do setor industrial se direciona para uma maior autonomia dos/das gerentes com conseqüente fim da figura autoritária, superior e masculinizante do profissional. As mudanças percebidas ainda não eliminaram a discriminação das mulheres, principalmente, em relação ao aspecto salarial. O desequilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional é visto como um fator de pressão, o qual leva à insatisfação e ao estresse. A realidade do trabalho gerencial no setor industrial está vinculada a um condicionamento econômico, associado ao condicionamento social além das cobranças e as oportunidades ainda serem diferentes de acordo com o gênero.

Palavras-Chave

Saúde, gerente, gênero Introdução

O desenvolvimento do setor industrial no Brasil, sempre esteve intimamente ligado às interferências internacionais. Até o início dos anos 90, a industrialização brasileira estava voltada para o processo de substituição de importações embora esse incentivo não tenha sido suficiente para propiciar uma sólida industrialização do país na época. Com o Governo Collor em 1989, o país adotou um novo posicionamento econômico, que correspondia a abertura comercial e, naturalmente a reestruturação produtiva.

Atualmente, o desafio da indústria brasileira é superar suas limitações estruturais e tecnológicas para alcançar um parque industrial competitivo, se comparado com os padrões internacionais de custos e qualidade. (COUTINHO & FERRAZ, 1994)

Assim, é notório que o setor industrial brasileiro está mudando – o que caracteriza uma adaptação necessária para o alcance da eficiência e competitividade. Com isso, tanto a sociedade em geral quanto os trabalhadores em particular estão sendo forçados a acompanharem essas mudanças criando novos padrões de comportamento perante o mercado. Tais modificações “incluem a adoção de novos métodos gerenciais, a redução de mix de produção, a crescente substituição de insumos domésticos por importados, a demissão de empregados, a terceirização de algumas atividades e funções...” (MARKWALD, 2002).

Essas mudanças ocorridas no mundo do trabalho – e o setor industrial brasileiro não foge à regra – implicam em conseqüências sobre os homens e as mulheres. Nesse sentido, a questão da mulher gerente tem se colocado como um dos principais aspectos de continuidade aos

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estudos sobre a temática gerencial. Muito embora as sociedades ocidentais estejam progressivamente incrementando e operacionalizando o discurso igualitário entre homens e mulheres em áreas como cultura, educação e legislação, as mudanças são escassas quando se analisa a divisão hierárquica do trabalho.

No entanto no Brasil, os dados da RAIS1 (1986, 1991, 1996, 2001), revelam um cenário interessante, denotando um crescente aumento da participação da mulher em níveis gerenciais em empresas brasileiras. O Quadro 1, referente ao setor industrial brasileiro, exemplifica essa situação.

Quadro 1 – Participação Percentual por sexo no Nível Gerencial no Setor Industrial

1986 1991 1996 2001 % ALTA GERÊNCIA

HOMENS 3,14 2,6 2,3 2,1 -33,12 MULHERES 0,22 0,3 0,28 0,3 38,25

GERÊNCIA INTERMEDIÁRIA

HOMENS 38,72 38,39 38,97 36,9 -4,69 MULHERES 4,5 6,39 8,68 10,4 130,91

GERÊNCIA DE LINHA

HOMENS 50,86 48,01 43,27 41,6 -18,21 MULHERES 2,56 4,31 6,5 8,7 240,18 Total HOMENS 92,72 89 84,54 80,6 -13,07 MULHERES 7,28 11 15,46 19,4 166,52 Fonte: RAIS (1986, 1991, 1996, 2001) Nota: % - Variação percentual no período de 1986 a 2001.

Ressalte-se a elevação do percentual feminino encontrado nos cargos gerenciais (alta gerência: 38,25 %; gerência intermediária: 130,91 %; gerência de linha: 240,18 %) contrasta com a diminuição das postos de trabalhos ocupados por homens (alta gerência: -33,12 %; gerência intermediária: 4,69 %; gerência de linha: 18,21 %), resultando um aumento geral na ocupação feminina de 166,52 % e uma queda na masculina de 13,07 %. No entanto, deve-se ressaltar que do total dos postos de trabalho no nível gerencial na indústria brasileira, 80,60 % eram ocupados por homens, restando às mulheres apenas 19,40 % deles.

Apesar de as estatísticas ainda não serem muito favoráveis à situação da mulher no mundo do trabalho, percebe-se que há sinais de mudanças, revelando melhorias nessa realidade. Em uma reportagem sobre o mundo do trabalho feminino, COHEN (2001) revela que as mulheres estão conquistando espaço no mundo inteiro, em praticamente todas as atividades, destacando, no caso do Brasil, a entrada de 20 milhões de mulheres na População Economicamente Ativa nas últimas duas décadas. Aponta ainda para uma quase unanimidade entre estudiosos e consultores, ao afirmarem que o mundo corporativo tende a caminhar para valores considerados femininos, corroborando com as estatísticas sobre o avanço profissional da mulher no âmbito mundial. No Brasil, um bom exemplo para ilustrar essas conquistas pode ser verificado a partir dos percentuais sobre donos de empresas no país. Segundo a Pesquisa

1 A RAIS – Relação Anual de Informações Sociais - é um registro administrativo do MTE - Ministério do Trabalho e Emprego, o qual tem por objetivos prestar subsídio ao controle relativo ao FGTS e à Previdência Social, viabilizar o pagamento do abono salarial, compor o cadastro nacional de informações sociais, auxiliar na definição das políticas de formação de mão-de-obra, gerar estatísticas e controlar a mão de obra estrangeira no país. A manutenção dessa base de dados é financiada pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.

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Nacional por Amostragem de Domicílios, (PNAD)2, realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 1991 as mulheres representavam 17,00% dos empregadores brasileiros, sendo que em 1998 esse percentual elevou-se para 22,40% (IBGE- PNAD,1998). Segundo o DIEESE (DIEESE, 2001)3, um quinto das mulheres estão ocupadas em atividades agrícolas, 13,5%, no comércio de mercadorias, 29,4% na prestação de serviços e 17,4% nas atividades sociais. Apenas 9% das mulheres ocupadas estão alocadas na indústria. Dos homens, 27% encontram-se neste setor.

Em relação à carreira executiva, alguns dados não deixam dúvidas sobre o incremento da inserção das mulheres em níveis hierárquicos superiores, sendo que além disso elas possuem um nível educacional superior ao dos homens. Este aspecto é reforçado pela presença marcante das mulheres nas universidades, assumindo diversos papéis nas áreas administrativas, no corpo docente e, também, no discente4 - o que implica mudanças (elevação) nos níveis de escolaridade. Os dados apontados no Boletim DIEESE (2001) confirmam essa realidade. No ano de 1999, 35% das mulheres tinham mais de 8 anos de estudo, grau atingido por apenas 32% dos homens. Os dados da RAIS para o setor industrial, entre 1986 e 2001, são curiosos a este respeito (Ver Quadro 2).

Quadro 2 - Percentual de Profissionais com Nível de Escolaridade acima de 2o Grau

Completo, no Nível Gerencial, no Setor Industrial PROFISSIO

NAIS 1986 1991 1996 2001 %

HOMENS 47,84 47 51,03 60,81 39,83 MULHERE

S 57,04 57,61 53,69 64,09 23,59

Fonte: RAIS (1986, 1991, 1996, 2001) Nota: % - variação percentual no período de 1986 a 2001. Pode-se perceber a qualificação superior do contingente feminino no decorrer do período.

Entretanto, cabe ressaltar que o nível de escolaridade dos homens cresceu mais (39,83%) que o das mulheres (23,59%) durante esses anos, fato que deve levar em consideração a diferença do número absoluto de ocupantes dos cargos em questão.

Apesar de a situação descrita sinalizar para a ocorrência de avanços nos níveis de qualificação das mulheres, é importante ressaltar a persistência de desigualdades de gênero quando se trata da remuneração. Melhor dizendo, no cenário atual, as mulheres continuam recebendo salários inferiores aos dos homens, apesar de apresentarem níveis de escolaridade superiores (IPEA, 20005; Grupo Catho, 20006; Boletim DIEESE, 2001; Exame, 2001). No Quadro 3, pode-se visualizar a divergência salarial em níveis gerenciais semelhantes no setor industrial brasileiro.

2 www.ibge.gov.br 3 www.dieese.org.br 4 Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o INEP, as mulheres tiveram destaque no

percentual de graduandos presentes ao ENC/2001, o chamado Provão. Na Universidade Federal de Minas

Gerais, as mulheres corresponderam a 63,00% do total de alunos presentes ao ENC.

5 www.ipea.gov.br 6 www.catho.com.br

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Quadro 3 – Média Salarial por Nível Gerencial no Setor Industrial (em salários mínimos)

1986

1991

1996

2001

%

ALTA GERÊNCIA HOMENS 18,5

8 31,1

6 36,6

5 39,9

5 115,

02 MULHERES 5,51 17,6

8 24,8

9 24,9

2 352,

27 GERÊNCIA INTERMEDIÁRIA

HOMENS 11,46

15,03

15,19

11,98

4,51

MULHERES 5,3 7,37 7,73 6,54 23,47

GERÊNCIA DE LINHA HOMENS 7,28 8,76 9,21 7,82 7,46MULHERES 2,39 4,77 6,41 4,27 78,7

7 SALÁRIO MÉDIO

HOMENS 11,97

15,62

16,18

12,9 7,77

MULHERES 5,19 7,19 7,68 5,73 10,4Fonte: RAIS (1986, 1991, 1996, 2001) Nota: % - aumento percentual no período de 1986 a 2001. Percebe-se, entre os anos de 1986 e 2001, o aumento dos salários médios pagos às

mulheres que ocupam cargos gerenciais na indústria (10,40% de aumento salarial médio) é superior aos aumentos daqueles pagos aos homens (7,77% de aumento salarial médio), o que reflete uma melhoria quanto à equidade remuneratória. Convém ressaltar que, apesar da tendência verificada, a disparidade salarial é notável. No ano de 2001 (RAIS, 2001), na alta gerência a diferença percentual entre as médias salariais atingem 60,31%. Na gerência intermediária o percentual é de 83,18% e na gerência de linha representa 83,13%. De uma maneira geral, o salário médio dos homens no setor industrial é 125,13% maior que o das mulheres (RAIS, 2001). Porém, a variação positiva em termos médios é modesta (7,77% no caso dos homens e 10,40% no das mulheres), visto que ela leva em consideração o total de ocupantes dos cargos – freqüência preponderantemente marcada pela presença masculina, como visto no Quadro 1.

Nos últimos anos, a mulher tem se sobressaído em grande parte das profissões que tem ocupado. Por outro lado, aquelas que possuem maior qualificação encabeçam os números que registram a ocorrência de estresse no trabalho. Segundo dados do Grupo Catho (2001), 53,00% das mulheres executivas admitem que sofrem estresse com muita freqüência.

A dupla jornada de trabalho e a maternidade são apontadas como fatores agravantes do estresse feminino. As dificuldades apresentadas pelas mulheres na conciliação de suas tarefas domésticas e profissionais geram, segundo Alves (1997), situações de descontinuidade na sua vida economicamente ativa. Ao exercer suas atividades em tempo parcial o trabalho feminino como subsidiário ao masculino e, conseqüentemente, em salários rebaixados em relação aos dos homens.

Apesar das condições adversas e das inúmeras desigualdades apresentadas anteriormente, é indiscutível o aumento do contingente de trabalhadoras brasileiras nas últimas décadas. No entanto, é de fundamental importância buscar respostas a respeito dos fatores que têm contribuído para a elevação tão expressiva das estatísticas sobre o ingresso de mulheres no mundo do trabalho. Segundo publicação da revista Exame (2001), parte desse aumento deve-se às mudanças ocorridas no conceito de trabalho, que passou a incluir atividades de auto-

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consumo e produção familiar. Ingressar no mercado de trabalho, atualmente, representa para a mulher, além do desejo de realização pessoal e independência financeira, a necessidade de contribuir para a manutenção do padrão de vida da família. Um dos indícios do “fator necessidade” está explícito no considerável aumento do percentual de esposas que trabalham fora. Em quase uma década, afirma Bruschini (1994), esse percentual subiu de 32,90% em 1995, para 49,70%, em 1993.

Seja pelo desejo de realização e independência, ou pela necessidade, o fato é que as mulheres estão ocupando uma fatia cada vez maior do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que vêm assumindo um diferente posicionamento perante a sociedade e a família. Dados do IBGE (1999), que indicam a pessoa de referência no domicílio familiar, também refletem o novo papel que as mulheres vêm desempenhando. Em 1981, o índice de mulheres chefes de família era de 16,90%. Em 1995, esse percentual elevou-se para 22,90%. Em 1998 elas constituíam 25,90% dos chefes, atingindo 26,00% em 1999.

No entanto, a apresentação numérica dessa mudança no mundo do trabalho e, também, na sociedade não revela os impactos da vida social, cultural e psíquica dos indivíduos. E essa situação parece tornar-se mais complexa quando se trata do cargo gerencial. Nossas pesquisas mostram que, em relação ao cargo gerencial, não se pode fazer uma análise generalizada. Existem particularidades na relação mulher versus cargo gerencial segundo o tipo de organização e o setor produtivo (MELO, 2002).

Também um estudo com executivos em vários tipos de organizações, Belle (1994) verificou que alguns deles eram mais favoráveis ao trabalho feminino do que outros. Assim, para analisar a gerência feminina, deve-se atentar para os novos olhares que fujam à simplicidade e a generalidade de análises.

Questões mais complexas apontam a necessidade de se sair da macro-estatística ou dos casos pontuais (mesmo que significativos), para a produção de um conhecimento sobre as realidades vivenciadas pelas mulheres como profissionais. O objetivo desse artigo, focado no setor industrial, consiste em identificar como homens e mulheres percebem seu trabalho e inferir acerca das conseqüências do mesmo sobre sua saúde.

2. Referências conceituais

As abordagens que se sucederam tentando avançar ou mesmo superar as idéias clássicas sobre a função gerencial, deram vazão a um grande número de publicações, nas quais as qualidades e atributos necessários ao gerente davam a impressão de tratar-se de um verdadeiro “super-herói”, conhecedor e capaz de tudo no universo organizacional (LEITE, 1991).

Dentre as instâncias do modelo de relações de trabalho7 (MELO, 1991), o gerente assume a função da gestão da força de trabalho, sendo responsável pelo “pôr a trabalhar” ou pela disponibilização do potencial humano da organização, favorecendo a obtenção do trabalho em quantidade e qualidades necessários e, ainda, pela manutenção da cooperação e garantia da reprodução das relações sociais (assumindo aspectos importantes na regulação dos conflitos (MELO, 1999)

Havendo mudanças nos padrões de acumulação ou mais especificamente nas correlações de forças, alteram-se os padrões de gerenciamento e, portanto os atributos desejáveis. As mudanças

7 Conceituamos relações de trabalho como as relações entre os empregados e empregador decorrente das relações de poder e que se estabelecem na e para a realização do processo de trabalho. As relações de trabalho incluem então, a organização do processo de trabalho, a gerência da força de trabalho, as condições de trabalho e o processo de regulação dos conflitos inerentes à estrutura social de produção. Estas variáveis constituem o campo de análise das relações de trabalho, sendo imbricados e inter-relacionados, mas configurando-se em momentos precisos e privilegiados da relação de poder entre os grupos de interesse dentro de uma organização.

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nas empresas impõem necessariamente mudanças nos quadros gerenciais, em sua postura, qualificações, bem como nas suas funções.

Se essa situação se relaciona com o objetivo de resultados para as organizações ela também produz consequências que podem aumentar a tensão e a pressão sobre as pessoas que ocupam tal posição nas organizações.

Nesse “jogo”, a ambivalência da função gerencial vem à tona. As constatações de Boltanski (1982), ao estudar a prática profissional de executivos franceses, ainda parecem válidas. Os gerentes não sabem exatamente até que ponto podem chegar, o que se espera deles e a margem de “jogo” aceitável a seu nível hierárquico.

Em cada aporte teórico (SIMON, 1979; LIKERT, 1979; KATZ, 1986; MINTZBERG, 1986; MOTTA, 1995; etc.), a figura do gerente ainda permanece como sujeita às práticas organizacionais. Como conseqüência desse fato, o gerente e seu campo de atuação constituem-se num objeto de pesquisa e numa fonte de controvérsias. Tarondeau et al (1994:09) resume bem a questão ao analisar a gerência para o século XXI:

“as empresas com melhores desempenhos serão aquelas que exigirão mais de seus recursos humanos, mas também aquelas que os empregarão menos. As organizações que prefiguram o século XXI caracterizam-se pela capacidade de mobilização da inteligência disponível, pela difusão das responsabilidades e do [...] estresse”. (TARONDEAU et al., 1994:09)

Quanto à carreira, percebe-se que, além dos obstáculos estruturais à mobilidade, o gerente convive mal com duas realidades organizacionais. Primeiramente, na concepção clássica, a carreira sustentada na idéia piramidal é seletiva, com poucas ofertas reais de vagas. A carreira tem apoio no espaço do imaginário e do ilusório, funcionando como motor propulsor, como se fosse possível a todos “fazer carreira”, mas onde as exceções confirmam a regra. Na prática, o profissional transforma os obstáculos estruturais em dificuldades vivenciadas na empresa, seja no nível individual ou de relacionamento hierárquico, protegendo o mito da carreira para toda a categoria (MELO, 1996).

Por outro lado, a transição para o cargo gerencial provoca sintomas físicos ou psicológicos nos profissionais. De acordo com Hill (1993), os gerentes inicialmente aceitam as tensões acreditando serem inerentes à mudança e aos novos desafios a serem enfrentados. No entanto, o estresse, as ansiedades e as frustrações se transformam em um sentimento de incapacidade de resposta às novas demandas inibindo a adaptação ao cargo e causando uma sub-realização. Os gerentes sentem-se humilhados diante dessa nova realidade em que é necessário estar diariamente lidando com a possibilidade de fracasso. Além das perdas de um sentido de domínio e controle, as gratificações instantâneas, o reconhecimento e a autonomia são abdicados (HILL, 1993).

Num momento inicial, a questão de saúde fica circunscrita às manifestações físicas, tanto em nível da organização como dos gerentes, mostrando uma análise restrita ao desgastar-se no trabalho. Daniellou (1988) afirma que as manifestações sobre a saúde física de indivíduos que trabalham sobre pressão, seguem o seguinte ciclo:

• a curto prazo: crise de nervos, fadiga; • a médio prazo: certas doenças profissionais; • a longo prazo: os efeitos do trabalho podem provocar uma mortalidade precoce, seja

por causas diretamente identificáveis nos chamados riscos do trabalho, seja pelo enfraquecimento progressivo do sistema imunológico do indivíduo.

Para Dejours (1988), as manifestações de sofrimento no trabalho tendem se manifestar sob a forma de desânimo, de falta de vontade, desinteresse, algumas reclamações referentes às condições de trabalho (que podem ser consideradas boas ou até excelentes), mas, no entanto, assiste-se a uma entrada progressiva no estado de abandono, de isolamento, acentuando a perda de identidade.

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Segundo Hill (1993), os gerentes estarão expostos a basicamente quatro tipos de situações que levarão a possíveis ansiedades: tensão da função, a negatividade, o isolamento e o ônus da responsabilidade da liderança. No que diz respeito à tensão da função, concebe-se o cargo gerencial como permeado por ambigüidades, conflitos, sobrecarga de trabalho e o tempo como algo não planejado e não controlado, resultando em prejuízos no convívio com a família e nas atividades de lazer. Além disso, os gerentes têm que enfrentar o que a autora definiu como “negatividade”: constantemente o seu trabalho é testado e questionado por aqueles que estão à sua volta, cujos problemas aumentam a cada dia. A sensação de isolamento do grupo também resulta em dificuldades no exercício da função, como no caso de ter que tomar decisões impopulares com os subordinados. Ao se tornarem “líderes”, os profissionais deveriam ser capazes de gerenciar suas emoções, pois o cargo exige maturidade, profissionalismo e uma impressão de serenidade, não havendo espaço para se somatisar os imprevistos da gestão. (HILL, 1993)

As questões relacionadas ao gênero vêm ganhando espaço no mundo científico ao longo dos últimos anos. Os movimentos feministas, acompanhados da inserção de mulheres no desenvolvimento de pesquisas, dentre outros fatores, criaram condições para que essas colocações fossem analisadas a partir de novos enfoques e novas perspectivas.

A relação de gênero ainda tem sido considerada como uma relação de desigualdade social e pessoal baseada na diferença entre os sexos e legitimada em nome de um determinismo biológico da superioridade de um dos sexos, o masculino, e de uma determinada forma de viver a sexualidade, a heterossexual (SUNG e SILVA, 1995). A cultura patriarcal, predominante na sociedade, também se mostra transposta para o mundo do trabalho no qual percebe-se o estereótipo do grande industrial, ou empreendedor, no comando das organizações, ou também dos executivos de ternos elegantes à frente de centenas de empregos (SUNG e SILVA, op cit).

Por outro lado, em conferência intitulada: “Transição de Gênero: a condição feminina na sociedade atual”, proferida no Rio de Janeiro, em 1993, Giffin faz algumas considerações importantes sobre o desenvolvimento dos estudos referentes à temática do gênero, chamando a atenção para o ressurgimento, há aproximadamente 30 anos, do movimento de mulheres no sentido de contestar velhos estereótipos sobre elas próprias, o que resultou na elaboração de um novo conceito de gênero e, ao mesmo tempo aboliu a definição biológica e, portanto imutável, da situação da mulher. Esse fato cristalizou, portanto, cientificamente, a idéia de que o “ser mulher” não é dado pela biologia, mas por um fenômeno construído socialmente. Essa situação é explicitada pelas condições de vida e de inserção social vivenciadas pelas mulheres em diferentes países do planeta.

Também em relação ao enfoque dos estudos sobre gênero, Calàs e Smircich (1999) evidenciam e discutem amplamente a questão da mulher no mundo do trabalho. Dentro dessa temática, as autoras fazem uma revisão bastante aprofundada das seguintes abordagens feministas: liberal, radical, psicanalítica, marxista, socialista, pós-estruturalista e terceiro – mundista / (pós) colonialista, destacando suas contribuições para os estudos organizacionais e apresentando algumas distinções conceituais sobre gênero, destacando-as como ponto central entre as teorias feministas. Nesse sentido, afirmam que as primeiras teorias liberais voltavam seu foco de análise para as desigualdades entre os “sexos” (entre duas categorias de pessoas: masculino e feminino), tomando como referência as categorias biológicas. Posteriormente, coube à teorização fazer a distinção entre "sexo" biologicamente definido e “gênero” socialmente construído, "um produto da socialização e vivência." (CALÀS e SMIRCICH, 1999:276). Mais tarde, segundo as autoras, o feminismo socialista passa a considerar o gênero como um processo marcado pelas relações de poder e próprio de condições histórico-materiais enquanto as abordagens pós-estruturalistas e as terceiro-mundistas / (pós) colonialistas

“...problematizam a própria noção de ‘experiência’ questionando a estabilidade de ‘sexo’ e ‘gênero’ como categorias analíticas, e lembrando que a subjetividade é construída lingüística,

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histórica e politicamente, sendo, portanto, flexível e múltipla. Assim, gênero é um termo em construção, que ao mesmo tempo reflete e constitui uma variedade de teorizações feministas.” (SCOOT apud CALÁS e SMIRCICH, 1999:277).

Vale ressaltar que a inserção de mulheres nas pesquisas sobre os antecedentes da condição

feminina na literatura científica revelou que eram, em geral, os homens que realizavam estudos e registros sobre o mundo, havendo, portanto, uma ausência de dados e análises sobre as atividades femininas na ótica de mulheres. Tal situação, encontrava-se ligada às regras do método científico, que insistia no caráter neutro da ciência, reforçando o fato de que ser homem ou mulher não acarretaria nenhum tipo de impacto na realização de pesquisas ou, sequer, nos seus resultados. Além do mais, não era da competência da mulher, realizar esse tipo de tarefa intelectual. Assim, o ingresso de pesquisadoras no campo de estudos sobre gênero teve como resultado a fusão do sujeito e do objeto da ciência e, porque não dizer, a reformulação do próprio paradigma científico e a contestação dos velhos estereótipos sobre a mulher (GIFFIN, 1993).

As colocações até aqui apresentadas não deixam dúvidas quanto aos impactos resultantes do desenvolvimento de estudos sobre gênero. Contudo, é oportuno salientar a relevância dos movimentos feministas nos avanços dessa temática. Referindo-se aos estudos sobre gênero e trabalho na sociedade latino-americana, Bruschini (1994) considera que, apesar de a temática do trabalho feminino ter sido a “porta de entrada” dos estudos sobre a mulher na academia brasileira, foi a emergência do feminismo como movimento social que propiciou a legitimação da condição feminina como objeto de estudo. A abordagem e o enfoque acerca do trabalho feminino, com o decorrer do tempo, foram sofrendo alterações, tendo o primeiro foco de estudos se voltado exclusivamente para a ótica da produção e, em seguida, para a análise da condição da mulher a partir de seu papel como parte da força de trabalho. Contudo, as pesquisas acerca do trabalho feminino ganharam uma nova direção ao focalizarem o espaço produtivo e a família e, conforme afirma a autora, "qualquer análise do trabalho feminino fará bem ao estar atenta à articulação entre produção e reprodução, assim como às relações sociais entre os gêneros” (BRUSCHINI, 1994:1).

Uma outra abordagem que merece consideração diz respeito à teoria da identidade social, enfocada por Ely (1994), por meio da qual é postulada, como um de seus axiomas básicos, a necessidade humana de manutenção de elevado grau de auto-estima. As pessoas formam a sua identidade pessoal mediante um processo de autocategorização, pelo qual classificam a si e aos outros em categorias sociais, utilizando características como idade, raça e gênero.

A capacidade explicativa da teoria da identidade social é complementada pela perspectiva da manutenção do poder nos grupos e nas organizações. A presença de pequeno número de mulheres nos altos escalões organizacionais, ou mesmo a crescente discussão do fenômeno do teto de vidro8, pode significar uma lembrança desconfortável para a maioria masculina quanto à pressão para a divisão dos recursos de poder e dos privilégios com o grupo de mulheres previamente excluído dessa posição de destaque (LAWS, 1975 apud FAIRHURST & SNAVELY, 1983).

Esse fato pode ser explicado pela representação dos homens que detêm o poder nas organizações, compreendidos como um grupo psicológico que age com o intuito de diferenciar-se dos demais, e assim, de manter sua auto-estima. A teoria do poder complementa essa abordagem ao afirmar que as decisões tomadas por esse grupo tenderão,

8 O conceito do teto de vidro (glass ceiling phenomenon) foi introduzido na década de 80, referindo-se a uma

barreira que dificulta a ascensão das mulheres a níveis mais elevados na hierarquia.

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sempre que possível, a seguir a lógica do interesse próprio, criando e alterando estruturas que sustente sua necessidade de diferenciação como grupo (STEIL, 1997).

Também convém destacar as contribuições dos estudos de gênero para o reconhecimento e aceitação das diferenças que marcam homens e mulheres, tendo ocorrido, segundo Peters (1998:16), uma evolução do “feminismo da igualdade” para o “feminismo da diferença”, ou seja, a geração anterior de mulheres feministas enfatizou, na busca de igualdade, as semelhanças entre homens e mulheres, enquanto, atualmente, as mulheres parecem estar mais confiantes, destacando e valorizando suas singularidades.

Referindo-se aos indicadores da condição feminina na sociedade atual, Giffin (1993) afirma que a situação da mulher vem sendo avaliada em termos de nível de instrução, situação no mercado de trabalho, renda e participação política. Tais indicadores, conforme observa a autora, são bastante reveladores dos valores da nossa sociedade, já que, estando relacionados à esfera pública - território tradicionalmente masculino - demonstram que a situação da mulher ainda é inferior à dos homens. Para exemplificar, reporta-se a dados da PEA (População Economicamente Ativa) que expressam a desigualdade social, a discriminação sexual na esfera do trabalho9 e a desigualdade de classes entre as próprias mulheres (relacionadas ao grau de instrução e à PEA).

Apesar de as colocações apresentadas sinalizarem para a existência de desigualdade entre homens e mulheres nas diferentes esferas, há uma tendência para a ocorrência de transformações da condição feminina ou do que Giffin (1993) denomina “transição de gênero”, relacionada com o desenvolvimento da sociedade industrial.

“A transição de gênero é caracterizada pelo fato de que, se anteriormente o papel da mulher na reprodução biológica foi necessário para garantir a produção, agora o papel da mulher na esfera da produção (no trabalho fora do lar) é cada vez mais necessário para garantir a reprodução (ter filhos).” GIFFIN (1993:8)

A autora conclui afirmando que, apesar de estarmos no limiar do fim da era da “mulher

doméstica”, ainda estamos numa situação de desigualdade com os homens do mundo público, do trabalho e da política e, mais ainda, no âmbito familiar, onde a maior parte das obrigações continuam sendo da alçada feminina. Apesar de o casamento não ser mais “para sempre”, a família continua sendo a base organizativa da vida fora do trabalho e as mulheres continuam sendo mães. Para Bruschini (1994), a definição social dos papéis masculinos e femininos, acima mencionada, apresenta diferentes conseqüências sobre um e outro sexo e sobre sua participação no mercado de trabalho.

Dados apresentados por Cappellin (1996) sobre o mercado de trabalho brasileiro reforçam os indicativos de desigualdades anteriormente mencionados. Sobre o assunto, a autora acrescenta que as avaliações sobre a configuração do mercado de trabalho têm sinalizado para a ocorrência de uma lenta e limitada transformação na estrutura de desigualdade entre homens e mulheres, além do que, as discriminações nas formas de inserção e segregação profissional têm se renovado, transformando-se e modificando suas faces. A autora refere-se ao mercado de trabalho como sendo

“uma instância específica que tem como referência os lentos e complexos acordos entre os compradores de trabalho e os vendedores de capacidade de trabalho. Isto é, a oferta de empregos e a demanda de trabalho se confrontam na medida em que os agentes socialmente posicionados têm objetivos e interesses diferentes, porém compatíveis.”(CAPPELLIN, 1996:15)

9 A discriminação sexual na esfera do trabalho pode ser expressa, entre outros, por meio de indicadores de ocupação de cargos de chefia por mulheres, grande ocorrência de assédio sexual, pela desvalorização de áreas profissionais em relação aos homens, etc.

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Considerando os empresários e trabalhadores como os interlocutores do mercado de trabalho, destaca que o mesmo pode ser observado com base nas demandas das mulheres trabalhadoras, já que elas imprimem exigências, necessidades, interesses e expectativas diversas, consideradas condicionantes de sua disponibilidade de ingressar e permanecer no referido mercado. Nesse sentido, olhar o mercado de trabalho na ótica das mulheres, implica destacar diversas outras atividades, uma vez que, além de fazer parte dos espaços produtivos públicos, à mulher compete outras atribuições impostas pela sociedade, ou seja, a realização de serviços e práticas voltadas para a manutenção da família. Essa situação deixa clara a condição diferenciada da mulher em relação ao homem no mercado de trabalho e expressa a presença de singularidades que marcam sua adequação à organização produtiva e ao mercado de emprego (CAPPELLIN, 1996).

Para Segnini (1995), "o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho e sua precária condição inscrevem-se no contexto do processo de reestruturação do capitalismo, processo esse que revela novas formas de racionalização do trabalho". Refere-se ainda à precarização no trabalho como um processo social que, apesar de atingir homens e mulheres, afeta mais significativamente as últimas, uma vez que foram elas as pioneiras em ocupações precárias no contexto da reestruturação produtiva. Dessa forma, acredita-se que o estágio de reestruturação produtiva enfrentado pela organização, ou mesmo pelo setor em que a mão de obra feminina se insere vem influenciar, ou quem sabe até determinar a qualidade do trabalho desempenhado e vivido por essas mulheres.

Em setores produtivos mais tradicionais, como a indústria, as relações de trabalho e a inserção da mão de obra feminina enfrentam, em grande parte, barreiras relacionadas à hierarquia masculina predominante e as regras e normas de conduta institucionalizados na época em que a participação feminina no trabalho ainda era incipiente. Já em outros setores que têm sofrido maior influência da reestruturação capitalista, surgem para as mulheres novas barreiras, mais relacionadas ao próprio mercado e suas leis de concorrência, auto-desenvolvimento e mudanças constantes. Cabe ressaltar que, além de barreiras, as características da inserção da mulher também assumem formatos singulares em decorrência do estágio de reestruturação produtiva que permeia cada setor.

“Reafirmando a marginalização das mulheres no mercado de trabalho, (ALVES, 1997) afirma que o ‘status’ de inferioridade da mulher em todos os níveis da sociedade é mantido e aprofundado pelas classes dominantes através da educação familiar, da escola, dos meios de comunicação de massa, das religiões, da legislação, dentre outros. Os preconceitos assimilados pela mulher contribuem para impedi-la de assumir postos de decisão em todas as instâncias, inclusive no trabalho. Assim, as desvantagens sociais de que gozam as trabalhadoras no capitalismo, permitem ao mercado de trabalho ‘arrancar’ delas o máximo de mais valia absoluta, através da intensificação do trabalho, da extensão da jornada além do previsto na legislação e da oferta de salários mais baixos do que os masculinos”. (SEGNINI, 1995:22)

A colocação da autora instiga a reflexão sobre a inserção da mulher em cargos de gerência, uma vez que, nessa posição, a mulher vivencia situações singulares e maior carga de pressão decorrente do próprio cargo. Os fatores de pressão variam, desde a competitividade do mercado de trabalho e a imposição de maior qualificação por parte da organização, incluindo a sobrecarga funcional resultante da reestruturação produtiva, até as dificuldades de conciliação entre a vida profissional e privada, entre o ser profissional, mãe, mulher. Outras formas de pressão, muitas vezes “veladas”, também são suficientemente fortes para agravar as condições de vida e de trabalho da mulher gerente, podendo desencadear processos danosos à sua saúde, conforme se investigou junto a um grupo de mulheres e homens gerentes.

3. Metodologia

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O estudo teve como objetivo analisar os impactos das relações do/da gerente com a organização, com a carreira, com família, e consigo mesmo, sobre sua saúde, física e mental. Secundariamente, ele visou a ampliação da compreensão das relações de trabalho, procurando destacar iniciativas institucionalizadas ou não, que possam retratar a tônica das novas tendências no nível gerencial.

Para tanto, procedeu-se a uma pesquisa de enfoque qualitativo e de natureza descritivo-analítico e comparativo, o qual compreendeu escolhas e, mais objetivamente, negociações com as organizações para sua realização visando a definição e a seleção de gerentes de ambos os sexos dentro de cada empresa escolhida.

Na coleta de dados, utilizou-se, basicamente, de análise documental e de entrevistas semi-estruturadas. A análise de dados secundários visou a compreensão e um mapeamento inicial sobre as questões em análise, enquanto que as entrevistas, gravadas com o consentimento dos profissionais, prestaram-se tanto ao alargamento da percepção do problema quanto ao aprofundamento das questões envolvidas. Neste segundo momento, buscou-se não apenas conhecer a vivência dos entrevistados através do seu discurso como ponto de partida para aplicação de teorias explicativas, mas também considerá-los como objetos teóricos e estudar, simultaneamente, os diversos componentes de referência da sua experiência e percepção. Foram realizadas 39 entrevistas, sendo 19 delas com gerentes do sexo masculino e 20 com profissionais do sexo feminino, empregados em 13 empresas do setor industrial.

O processo de análise dos dados coletados compreendeu três etapas: preparação, tabulação quantitativa e tabulação qualitativa. Na primeira, as entrevistas foram transcritas segundo o roteiro de perguntas, agrupando-se as respostas de cada categoria para as respectivas questões. O segundo momento, a tabulação quantitativa, prestou-se para identificação de componentes das respostas das entrevistadas e agrupamento de acordo com o tema da pergunta. Foi feita a recuperação de informações relativas aos objetivos do projeto, por meio de agrupamentos de dados e construção de tabelas. Por fim, na tabulação qualitativa, estruturou-se uma planilha, a partir da definição de temas e de acordo com os objetivos do projeto, a qual permitiu o agrupamento dos extratos mais significativos retirados das entrevistas transcritas, dando destaque à dimensão do dito ou da fala dos entrevistados. Dessa forma, foi possível analisar o conjunto de referências feitas pelas entrevistadas em relação aos temas estabelecidos e às ramificações decorrentes.

4. Relações de trabalho, gênero e saúde no espaço organizacional

Nesta seção, serão apresentados os resultados da análise dos dados, subdivididos em duas partes: a primeira que trata da inserção da mulher e do homem na função gerencial e das dificuldades vivenciadas no exercício da gestão, e a segunda que faz referência à influência do trabalho na saúde dos entrevistados.

A subdivisão proposta se dá na tentativa de, em um primeiro momento, contextualizar a inserção feminina na função gerencial, identificar as dificuldades enfrentadas por gerentes, tanto homens como mulheres, para, a partir de tais constatações, estabelecer uma relação entre o trabalho e a saúde dos membros da categoria pesquisada.

4.1. Especificidades e dificuldades vivenciadas por homens e mulheres na gerência

Com o avanço da globalização e a inserção de novas tecnologias de gestão, foi criado um novo perfil de gerentes, mais qualificado e competente para o exercício do cargo. Além disso, uma mudança importante observada no setor industrial foi o crescimento da presença feminina nos cargos de chefia (166,52%), opondo-se ao decréscimo no número de homens (-13,07%).

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Frente a esse novo contexto, as/os gerentes entrevistados foram questionados à respeito das características profissionais necessárias para o ingresso na carreira gerencial. As respostas mais citadas pelas gerentes foram a necessidade de se mostrarem mais competentes que os homens e possuírem conhecimento/formação superior, presente em 31,58% e 36,84% das respostas, respectivamente.

“A mulher, de alguma forma, tem que provar que é melhor que o homem. É mais difícil também porque ela tem que superar o “lado pessoal da vida”. Porque geralmente a mulher tem aquelas funções assim pré-determinadas: de cuidar de casa, de ter que ter filhos, e que em um determinado período você tem que um pouco abrir mão disso para investir mais na carreira. O homem não tem que passar por isto.” (Entrevistada n.º 12)

Os gerentes entrevistados também se posicionaram com relação aos requisitos necessários

à mulher para ingressar em uma carreira gerencial, mas não houve declarações sobre as mulheres se mostrarem mais competentes que os homens. Entre as respostas obtidas, os requisitos que apareceram com maior frequência foram a necessidade de um curso superior (26%), ter um bom relacionamento interpessoal (26%), possuir liderança e dinamismo (37%).

Alguns relatos das gerentes entrevistadas ainda reforçam a visão da função gerencial como sendo masculina e demonstram a necessidade de a mulher se “parecer” com o homem:

“... às vezes, tudo que você vai fazer, você tem que pensar um pouquinho assim antes: eu preciso, eu estou aqui, mas eu preciso que as pessoas sintam, que as pessoas vejam que é uma mulher, mas que faz e administra e gerencia da mesma forma como se fosse um homem.” ( Entrevistada n.º 20)

Nesse contexto, 66,66% das entrevistadas apontaram a existência de uma interferência

parcial nas relações e atitudes de trabalho pelo fato de serem mulheres, alegando a existência de problemas de relacionamentos interpessoais até que elas provem ser competentes e confiáveis. Das gerentes entrevistadas, 33,33% disseram que as interferências ocorrem somente nas relações interpessoais e 33,33% afirmaram que o constrangimento é temporário. No caso dos homens, somente 7,00% dos gerentes entrevistados afirmaram que o que define a eficiência no cargo é o perfil de cada pessoa, mas por ser mais sensível e estar mais apegada à família, o cargo de gerência pode ter funções de difícil realização para uma mulher. Esse fato ainda retrata o preconceito atribuído às gerentes no exercício da função.

A análise dos relatos das entrevistas revela uma certa dificuldade de comunicação enfrentada pelas gerentes diante, tanto do despreparo dos colegas de trabalho para se relacionarem com o sexo feminino no ambiente de trabalho, quanto da surpresa dos clientes em terem que negociar com uma mulher muitas vezes mais nova.

“Eu noto que muitas pessoas ficam surpresas, quando me vêem e sabem que vão tratar comigo e tal. Não só pelo fato de ser mulher mas pelo fato de eu parecer mais nova do que eu realmente sou. Então todo mundo fala que ‘Nossa com essa menininha que eu vou conversar.” (Entrevistada n.º 12) “Às vezes a própria liberdade de um homem conversar entre um e o outro não seria o mesmo com uma mulher. Ele não se abriria tanto para uma mulher quanto homem a homem. Uma conversa igual aquele termo que a gente usa: vamos ter uma conversa de homem pra homem.” (Entrevistado n.º 14)

A maior racionalidade atribuída ao homem ainda é tida como fator essencial na indústria.

Esse ponto se mostra como um elemento de conflito na relação entre homens e mulheres nessas organizações no que tange à negociação, tomada de decisões e relacionamento com subordinados e pares.

Algumas das gerentes disseram que precisaram mostrar-se menos sensíveis (10%). Outras ainda relataram a necessidade de mostrar que podem administrar como homens (10%). Nesse

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ponto emerge mais um conflito porque passam as gerentes, o de ter que negar sua natureza e adotarem um comportamento masculinizado para mostrarem serem capazes de atuar em condições de igualdade com seus colegas homens, fato também explicitado pelos gerentes entrevistados.

“Eu acho que a própria mulher talvez ela procura, ela quer ir para a empresa, eu acho que você... não sei. Será que ela é tachada de quem está numa empresa de uma pessoa, sei lá, ganha algum rótulo de masculinizada, não sei. Se isso tem também na mente das mulheres, não só na mente dos homens” (Entrevistado n.º 02)

Destacamos que no setor industrial essas características femininas ainda não são tão

valorizadas, ou que ainda se reforça a figura do gerente homem, quando comparado a outros setores produtivos, como o financeiro, por exemplo (MELO, 2001).

Nota-se que a maioria das gerentes entrevistadas (63,16%) percebem alguma diferença nos relacionamentos dentro do ambiente profissional quando se considera o fator “gênero”. Das entrevistadas que dizem existir diferença no relacionamento, 16,67% acham que os homens ainda desconfiam da competência das mulheres, ou ainda, que a postura de homens e mulheres são diferentes, conforme já afirmado. Outras justificativas relevantes consistem na necessidade vivenciada pelas mulheres de “quebrarem barreiras” e a dificuldade dos homens de ouvir (8,33%).

“... eu acho que todo mundo espera da mulher um pouco mais de flexibilidade do que se espera de um homem; espera que a mulher ceda mais” (Entrevistada n.º 05)

Alguns homens também relatam a existência de diferenças de gênero no exercício da

função gerencial no setor industrial (26%). Para eles, as mulheres sofrem preconceitos como profissionais e também são julgadas ao dirigirem o chão de fábrica e terem que impor sua presença e autoridade. Muitas vezes, a dificuldade de conseguir respeito por parte dos seus subordinados gera frustração para a gerente.

“...acredito que seria difícil uma mulher no meu posto para estar gerenciando um grupo de pessoas geralmente com um nível cultural mais baixo, com nível de instrução mais baixo, são as pessoas do chão de fábrica. Eu não saberia como essas pessoas estariam enxergando ter uma gerente mulher.”(Entrevistado n.º 01)

Outro aspecto que reflete as assimetrias de gênero nas organizações é a relação qualificação

profissional – remuneração. No decorrer da pesquisa, pode-se acompanhar outros setores da economia e concluir que as mulheres, mais que os homens, preparam-se melhor, em termos de qualificação profissional. Contudo, ao desenvolverem as mesmas funções exercidas pelos homens, a remuneração que lhes é destinada é menor que a recebida por eles. Se o mercado exige excelentes qualificações dos profissionais, por que não valorizá-los igualmente? Esse é um dos equívocos que ainda persiste no mercado: mesmo tendo maior nível de escolaridade e desenvolvendo funções iguais, a mão de obra feminina é desvalorizada em relação à masculina.

Assim como outras gerentes da região metropolitana de Belo Horizonte, as gerentes das indústrias também acreditam que seu trabalho não é bem remunerado sendo que algumas delas se revelaram insatisfeitas com o salário recebido.

“A gente é discriminada de salário. A parte de relacionamento até que está tudo bem, as pessoas te respeitam. Você tem que estabelecer limites. Mas com relação a salários, aí a coisa é diferente. O salário é sempre inferior.” (Entrevistada n.º 09) “... em nível gerencial ainda se coloca a mulher porque se acha que pode pagar menos. Então eu não acho isto justo de jeito nenhum.” (Entrevistada nº 07)

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Pode-se constatar a existência de preconceito na valorização da mulher gerente mesmo com a maior ocupação nos cargos elevados dentro da organização, com a conquista da confiança e com o respeito de seus colegas de trabalho. Por exemplo, a diferença na remuneração é uma triste realidade que desestimula a mulher a prosseguir sua carreira.

Apesar de 52,63% das gerentes entrevistadas afirmarem que se sentem adequadamente valorizadas pelo seu trabalho e 31,58% sentirem-se parcialmente valorizadas, pode-se constatar que não são todas as gerentes que se sentem plenamente reconhecidas. Entre aquelas que se sentem apenas parcialmente valorizadas pelo trabalho, tivemos como principal motivo a baixa remuneração (presente em 66,67% das respostas), sendo que apenas 15,79% delas reivindicam uma igualdade salarial em relação aos homens.

As reivindicações masculinas se assemelham às das entrevistadas, mas aparecem com uma freqüência bem menor do que nos discursos femininos. Apenas 11% dos gerentes almejam um aumento salarial e, se compararmos com as mulheres, o número de homens que reconhecem não ter valorização profissional é bem menor (26%). Os gerentes, no entanto, sentem a necessidade de melhores condições de trabalho (16%), mencionado por apenas 5,26% das mulheres, e reivindicam o cumprimento apenas da carga horária pré-estabelecida pela empresa (11%), respondido por apenas 5,26% delas.

Nesse contexto, as insatisfações vividas pelos gerentes, homens e mulheres, no exercício da função gerencial, e também a forma como se lida com essas insatisfações, constituem pontos fundamentais para a compreensão da influência que o clima organizacional pode exercer sobre sua qualidade de vida no trabalho.

Os gerentes foram questionados sobre os seus posicionamentos diante de uma insatisfação, sendo que 33% dos homens ressaltam que eles procuram ser calmos e ter um autocontrole, não deixando transparecer o que lhes está incomodando ou conversando com a fonte do problema. Nenhuma das gerentes abordaram esses tópicos. As mulheres entrevistadas procuram tomar uma posição frente ao grupo (42,11%) fazendo uso do diálogo, enquanto apenas 5% dos homens afirmam solucionar os problemas dessa forma.

"... quando as questões da organização atravessam dentro de mim, que eu sofro as questões da organização, eu vejo isso também como uma possibilidade de sintonizar melhor de como as pessoas, outras pessoas podem também serem atravessadas por essas mesmas questões. Isso não me deixa mais frágil, não, isso me deixa mais fortalecida; no sentido de compreender a minha dor e também a dor do outro." (Entrevistada nº 03) “Você fica insatisfeito com uma coisa mas você não pode explodir, a vontade que dá é explodir, não é legal. Você trabalhar dez horas e ficar nove horas em reunião por exemplo, chega no final do dia você está completamente estressado (...) então sempre causa um transtorno muito grande, então nessa situação é ter um auto controle e manter a calma e tentar pensar antes de agir.” (Entrevistado n.º 06)

No entanto, em números bem menores, algumas gerentes (5,26%) tentam não se envolver

ou se calam com a situação. Essa atitude, mesmo que agrade à organização, não parece ser a mais adequada pelo fato de haver a possibilidade de os laços afetivos e familiares sofrerem as conseqüências diretas desse silêncio, ou ainda pela possibilidade de ocorrerem transtornos psicológicos e físicos às gerentes, em decorrência do acúmulo de insatisfações quanto aos problemas surgidos no trabalho. Os gerentes (11%) também manifestaram que muitas vezes não têm reação quando submetidos a determinada situação:

“Quando acontece alguma insatisfação, eu fico triste, fico meio desanimada, mas vou para casa. Então eu fico meio desanimada, mas depois no outro dia já passou e eu consigo recuperar. E tenho que aceitar.” (Entrevistada n.º 09) “Quando os gerentes da (nome da empresa) estão diante de um poder maior da (nome da empresa), da diretoria e do diretor superintendente, eu vejo que muitos gerentes se apagam frente à

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situação. O carisma do diretor superintendente, o poder que ele tem dentro da empresa ainda apaga um pouco a atuação de algumas pessoas.” (Entrevistado n.º 19)

Nesse contexto ainda é possível destacar, entre outros sentimentos, o de perda, estresse, angústia, advindos da complicada relação que essas mulheres travam em casa, com a família, no trabalho e, algumas vezes, na vida conjugal. A maioria das análises sobre o trabalho da mulher aponta indícios da existência da tripla jornada feminina. Geralmente, as mulheres desempenham o papel de mãe, esposa, dona de casa, simultaneamente ao papel de gerente e essa sobrecarga de papéis e responsabilidades freqüentemente acarreta desgaste, ansiedade e estresse. Muitas vezes, elas se vêem pressionadas a pender para um dos lados e, normalmente, a vida pessoal é relegada a segundo plano.

“Eu já tive chefia que falou assim: Você precisa abrir mão dos seus problemas particulares para ficar mais tempo na empresa. Eu falei: eu não vou jogar meus filhos pela janela. Assim ela (a empresa) tenta influenciar mas eu impeço ao máximo.”(Entrevistada n.º 07) “Eu acho que é muito massante para a mulher. Principalmente se ela for casada. Não sobrevive numa profissão dessa não. Ou ela ou o casamento dela vai cair.” (Entrevistado n.º 09)

Quando se analisa a dupla e a tripla jornada pela perspectiva das gerentes que atuam no

setor industrial, percebe-se uma apropriação forte do discurso de incapacidade de realização das tarefas domésticas somada à preocupação com a família. De acordo com 42,11% das entrevistadas, a dupla jornada de trabalho leva ao cansaço físico e mental das mulheres e reflete em sua posição das gerentes diante do espaço privado, ou seja, elas ficam mais nervosas em casa e abrem mão do lazer (ambos com 10,53% das respostas). Para 36,84% das gerentes a dupla-jornada não interfere no cotidiano delas mas, apesar disso, elas não dão maiores esclarecimentos sobre essa não-interferência.

Com todas as responsabilidades do dia-a-dia, as gerentes manifestam um descontentamento geral em função da falta de tempo também para dedicarem a si mesmas. Elas acabam deixando de lado sua vida pessoal e as queixas se tornam mais freqüentes do que nas falas masculinas.

“Eu não tenho dupla, tenho tripla (jornada). É de manhã, tarde e noite. (...) Isto interfere mesmo na quantidade de tempo que a gente tem com a família, e mais do que com a família, eu acho que a gente acaba arrumando tempo para família mas não arrumam tempo para gente mesmo. (...) Então a única hora que eu estou sozinha comigo é no trajeto para a casa ou de um trabalho para o outro.”(Entrevistada n.º07)

Também foi constatado que as gerentes começam a abrir mão até da maternidade para

conseguirem uma boa carreira gerencial (21,05%). Especialmente entre as gerentes do setor industrial, percebe-se uma alta incidência de abdicação da maternidade, quando comparadas a outros gerentes do setor financeiro (MELO, 2001).

“... você tem que se organizar todos os dias para que você possa desenvolver as suas atividades aqui na empresa e você e as suas atividades também em casa. E ainda, você precisa cuidar de você mesma porque, senão, fica parecendo que não tem tempo para nada! Eu acho que você tem que ter tempo para tudo, mesmo que você vá dormir uma hora da manhã. (...) Eu só não tive tempo ainda para poder arrumar filho!” (Entrevistada n.º14)

Os gerentes entrevistados sentem sua vida particular prejudicada (84%), mas, no decorrer

da entrevista, demonstram-se mais realizados do que as mulheres. As queixas mais freqüentes para essa ocorrência foram a impossibilidade de estarem com suas famílias, citada por 88% dos gerentes, seguida pela abdicação ao lazer (50% deles). No entanto, 5% dos entrevistados negam a existência de perdas pessoais alegando que o sacrifício da família é inerente à

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profissão escolhida. Os gerentes que consideram as perdas pessoais como necessárias para suas carreiras, não as encaram como perdas, e sim, como uma troca (10,53%).

“Acontece que normalmente você pende para o profissional e você enxerga que esse lado familiar tem uma flexibilidade maior do que o seu lado profissional. Esse é o lado que realmente afeta, mas eu acho que isso faz parte”. (Entrevistado n.º 02)

As mulheres, apesar de ainda estarem associadas à imagem de mãe, não se contentam mais

em serem legadas somente ao papel tradicional (dona-de-casa), apesar de o perfil de “mulher moderna”, muitas vezes, não agradar a todas essas profissionais. Elas se desdobram em mil para conseguirem atender às demandas da casa, filhos e trabalho e, no fim do dia, chegam em casa exaustas e frustradas com a falta de tempo livre e oportunidade de lazer. No entanto, vivenciam com profundo orgulho a sensação de crescimento pessoal, essa nova condição de responsáveis pelo seu próprio sustento (OLIVEIRA, 1998).

As gerentes também reclamam a existência de dificuldades quando o assunto é o relacionamento conjugal. Freqüentemente, o marido cobra a presença da mulher dentro de casa, acusando-a de não disponibilizar mais tempo para ele próprio, para a casa e para os filhos. Além disso, 52,63% das mulheres afirmam que o cônjuge não auxilia nos serviços domésticos. Os entrevistados não mencionaram essa questão talvez em decorrência de admitir o preconceito que eles possuem. No entanto, fica clara a necessidade de eles terem sua esposa em casa.

“Você tem que tá muito disponível para empresa, então, às vezes, os poucos finais de semana, os poucos momentos que você tem com seu marido, você tem que deixar de tá com ele para poder tá resolvendo ou para poder tá fazendo coisas da empresa. Então, às vezes, isso, a pessoa, às vezes, o companheiro, às vezes, o pouquinho de tempo que você tem para ele, ele quer que você esteja disponível para ele. E ele cobra isso.” (Entrevistada n.º20) “Olha, eu não vou mentir para você. Em casa eu não faço nada. Não porque eu seja vagabundo, não é nada disso, mas eu não levo o menor jeito para atividade doméstica. Ontem eu tive que, quebrou um negócio no varal ou qualquer coisa assim, eu sou muito desajeitado para as coisas, minha mulher já conhece então esse tipo de atividade e tudo mais ela já administra de outra forma” (Entrevistado n.º 11)

Por outro lado, algumas gerentes contam com o apoio de seus maridos para se

desenvolverem profissionalmente, sendo que 31,58% das entrevistadas dividem as tarefas domésticas com os seus cônjuges Nota-se que esse apoio, além de fundamental para o bom andamento da carreira dessas mulheres, contribui para um convívio conjugal saudável.

“A minha vida pessoal, a minha relação com o meu marido, com os meus filhos, com a minha empregada, o funcionamento da minha casa, a tranqüilidade do funcionamento da minha casa, determina sim, a minha condição de estar trabalhando e de estar bem. Então, é uma colaboração de todo mundo.” (Entrevistada n.º 03)

Já na análise do discurso masculino, 47% dos gerentes confirmam a igualdade com a sua

companheira com relação aos direitos e deveres domésticos, embora 42% reafirmem não terem tempo para as atividades de casa.

“Lavo prato, quando preciso cozinho, quando necessário cuido das minhas roupas.” (Entrevistado nº 12) “Na verdade a gente entrega erradamente mas a gente entrega mais para o cônjuge. A minha mulher tem muito mais... essas atividades caseiras mais é com ela mesmo..” (Entrevistado nº 03)

Frente a essa realidade, grande parte das gerentes confirmam a necessidade de organizar a função gerencial com o fato de serem mulheres (52,79%), enquanto outras negam essa

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afirmação (31,58%). A resposta mais freqüente para a existência de um planejamento das atividades da gerente surge por conseqüência da necessidade de conciliar a vida profissional, a família, a casa e a vida pessoal (50%). Além do apoio do marido, 26,32% das entrevistadas requerem a presença indispensável de uma empregada doméstica no auxílio das atividades anteriormente exclusivas das donas de casa.

Constata-se a diferença na percepção dos homens e mulheres quanto à influência das questões de gênero na função gerencial. Talvez isso ocorra pelo fato de os homens não vivenciarem essa realidade. Para os entrevistados o estudo do gênero refere-se apenas às mulheres e não aos homens. Apesar dessas influências “generificadas” no trabalho do/da gerente, há alguns aspectos que são comuns à categoria profissional

Os relacionamentos dentro das organizações e as insatisfações manifestadas pelos/as gerentes, são as conseqüências mais visíveis da influência do ambiente no desenvolvimento do trabalho e na qualidade do mesmo. Não atingir as metas propostas pela empresa (15,79%) e a falta de autonomia no trabalho (15,79%) são as questões mais apontadas pelas gerentes como insatisfações, como revelado nos trechos de entrevistas.

“Insatisfação das vezes que eu não tive autonomia. (Entrevistada n.º 01) “A maior insatisfação ocorre quando você não alcança o que você planejou, os resultados.” (Entrevistada n.º 11)

O grau de autonomia e influência de um profissional dentro da organização são variáveis

essenciais para sua afirmação no contexto organizacional. Dessa forma, podemos afirmar que há uma relação direta estabelecida entre a autonomia atribuída aos gerentes e as condições e qualidade em seu trabalho, uma vez que a falta de autonomia se constitui, geralmente, em um dos fatores causadores de insatisfação no trabalho (HILL, 1993).

Quando indagadas à respeito desse assunto, 47,37% das gerentes revelaram ter grande autonomia e 21,05% afirmaram possuir autonomia total dentro da empresa. Para apenas 10,53% esse fator é considerado insatisfatório. Percebe-se que um maior número de homens afirma ter grande autonomia (63,00%) e consideram-se totalmente à vontade para tomar decisões (21,00%), se comparados às entrevistadas. A resposta dada pelos homens ao serem abordados quanto as suas insatisfações, se assemelha à das mulheres quando se trata do fracasso no alcance das metas estipuladas (21,00%).

“Eu acho que é muito frustrante você passar um período em que você dá uma idéia de insucesso, foi um insucesso . Frustração por você não ter sido capaz, não ter levado a equipe a conseguir realizar aquilo que foi definido ou que você ou a equipe se comprometeu a fazer no período.” (Entrevistado n.º 02)

4.2. A gerência e a saúde: uma análise de gênero

Diante de todas as dificuldades inerentes à profissão, os/as gerentes apresentam manifestações diárias de stress, ansiedades, dentre outras doenças. Segundo França (1996), as condições de vida das pessoas são resultado imediato da performance de suas potencialidades biológicas, psicológicas e sociais. A função gerencial, por sua vez, é fator de grande interferência na saúde dos gerentes, como concorda grande parte dos entrevistados e entrevistadas. A maioria das gerentes, ou seja, 63,16% delas, afirmaram sentir suas saúdes abaladas de alguma forma pelo exercício da função gerencial, Seja por estresse (50,00%) ou pela interferência nos horários de alimentação (16,67%). Um maior número de homens, no entanto, sentem os reflexos da atividade (68,00%), sendo que 69% dos que afirmaram a interferência da função gerencial na saúde, consideram-se estressados e 15% deles também dizem ter a alimentação prejudicada. Além disso, 15% afirmam sentir um desgaste emocional/físico ou dizem não conseguir dormir bem (15%).

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Percebe-se que são muitas as conseqüências do trabalho gerencial sobre a saúde dos profissionais. No entanto, três variáveis se destacaram na análise da qualidade de vida dos/das gerentes entrevistados: sobrecarga de trabalho; vício/dependência da organização; estresse/ansiedade decorrentes da função. A tripla-jornada diária da mulher é um agravante “generificado” dessas manifestações

A sobrecarga de trabalho foi mencionada como um dos fatores determinantes de insatisfação para as gerentes. O excesso de trabalho implica em perdas, principalmente em relação ao tempo para os filhos ou para tê-los, para a casa, para o marido e para elas próprias. Com isso, seu potencial biopsicossocial fica fragilizado, uma vez que o aspecto social está comprometido. Os homens entrevistados também se queixam do aumento da jornada de trabalho demandada pela empresa mas, para apenas alguns deles, esse é um dos fatores que provoca maiores insatisfações.

“... eu acho que quanto mais você cresce na organização, você abre mão de algumas coisas de lazer, eu acho que você abre mão de estar com a família muitas vezes. Tem determinadas datas, que de repente são importantes para sua família, mas que você tem uma reunião muito importante, que é inadiável, que precisa de você estar presente...” (Entrevistada n.º 04) “A maior insatisfação é o tempo que você tem que dedicar à empresa, você acaba não tendo tempo para nada, você não é respeitado mais nas horas de lazer, na hora de sair da fábrica, Você sempre sai mais tarde, você tem que está sempre com o celular ligado no final de semana, feriado. Então eu acho que a insatisfação maior é essa, você deixa de ter vida fora, você tem só que viver em função de empresa...” (Entrevistado n.º 06)

Segundo França (1996:45), “além do esforço físico e mental, o trabalho representa para a

pessoa a própria identidade e integração social”. O bem-estar e a qualidade de vida no trabalho das/dos gerentes estudadas ficam comprometidos diante da condição de trabalho favorecida pela organização, uma vez que essa é a responsável direta pela sobrecarga de trabalho, pelo aumento de horas trabalhadas e pela dedicação excessiva à organização.

“ Estresse, pressão alta, eu tenho. Porque o que se faz aqui, é muita coisa e esse jogo, por estar ligado ao poder, é um jogo de poder muito grande. Então isso é o mais difícil, é você lidar com esse jogo. Se viesse só trabalhar, era ótimo. Então, a pressão é muito forte, isso afeta, e é por isso que você não pode abrir mão de ter um espaço, como hoje eu tenho.” (Entrevistada n.º 01) “...você tem de engolir muita coisa e não pode explodir na hora, então isso me causa um estresses muito grande, inclusive agora eu estou tomando um remédio toda noite para estresses, então eu estou completamente estressado, saía daqui com vontade de conversar com ninguém, fiquei trancado, isolado num canto, então isso aí me fez muito, me faz, ás vezes me faz muito mal, não sempre, mas têm certos dias que, que isso me faz muito mal.” (Entrevistado n.º 06)

Os elementos/fatores relativos à má qualidade de vida dos/das gerentes evidenciam-nos

como o potencial biológico e também o psíquico dos mesmos podem estar alterados por causa das situações de pressão, de estresse, de sobrecarga de trabalho, e de falta de tempo. Entre as mulheres entrevistadas, foram identificadas muitas queixas de pressão alta, sobrepeso e estresse, sempre relacionadas à má alimentação e aos excessos inerentes ao seu trabalho, bem como as pressões sofridas na vida pessoal.

“... eu me cobro muito e eu acabo ficando, no final do dia, com muita dor de cabeça, cansada... Atrapalha até mesmo o meu apetite.” (Entrevistada n.º 06) “A função gerencial afeta muito a minha saúde porque não é fácil. Tem dia que, realmente, você quer chegar em casa, cair na cama e dormir! Afeta muito a nível de estresse por causa das pressões que você tem. Tanto pressão interna, quanto pressão externa.” (Entrevistada n.º 14)

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No entanto, percebe-se menor dificuldade por parte dos homens em lidar com essas questões. Para eles, as pressões sofridas são consideradas mais comuns ao trabalho e, por esse motivo, eles tentam conviver melhor com elas. Também, por não terem que chegar em casa e desempenhar as tarefas domésticas, eles acabam tendo mais tempo para descansar, ou têm maior facilidade para regularem o seu tempo. Ademais, o fato de eles chegarem em casa e destinarem parte do seu tempo com tarefas de seu trabalho é encarado de forma mais natural pela sua família, do que no caso das gerentes.

“De vez em quando afeta os nervos um pouco mas a gente convive com isso. Mas a nível de prejudicar a saúde não, pelo menos no meu caso não.” (Entrevistado n.º 04) “Eu deixo de comer, eu deixo de almoçar, eu deixo de me adiantar bem em determinadas situações, eu me desgasto, às vezes eu espero o pessoal dormir porque aí eu vou trabalhar um pouquinho e fico até duas, três horas da manhã trabalhando. Então desgasta sim, sem dúvida nenhuma.” (Entrevistado n.º 19)

Essa sobrecarga de trabalho a que os/as gerentes são submetidos, além de impactar na

saúde física e mental, influencia a relação deles com a organização. O ritmo das atividades desenvolvidas por eles, bem como suas relações intensas com o trabalho e com a organização são transferidos para suas relações afetivas, familiares e sociais. Daí, surge a necessidade de se cuidarem para que tamanha influência tenda a ser positiva.

“Final de semana passado mesmo eu tive um exemplo, eu estava tranqüilo com a minha esposa, eu tinha ficado a semana inteira longe dela e tive problema na fábrica, o celular tocando sem parar e ela nervosa e eu... eu preciso atender lá e dar atenção para ela aqui. Isso afeta, afeta pesado.” (Entrevistado n.º 07) “Você não consegue separar a sua vida profissional do resto da sua vida. Você é um ser só, único.(...) Em determinadas situações o pessoal interfere o profissional e idem. (...) se você tem uma vida bem estruturada, uma vida tranqüila, você traz isso para sua carreira. A sua carreira é tranqüila, bem estruturada. As coisas caminham juntas. Acho muito difícil separar isso.” (Entrevistada n.º 16)

A organização tem um significado muito grande na vida das gerentes. O trabalho para elas,

representa a possibilidade de terem o capital que se faz necessário para se auto-afirmarem diante da sociedade. Dessa forma, emerge o sentimento de realização como profissionais e a ausência de dependência financeira, principalmente em relação ao homem.

Contudo, essa independência e realização tem o seu preço. No caso das gerentes pesquisadas, percebemos que, para várias delas, há uma dissimulação ao consentirem algumas situações de trabalho. Nesses casos, o consentimento dissimulado torna-se um meio de garantir sua inserção no mercado de trabalho, mesmo quando "o limite capital" não é satisfatório, ou quando a "culpa interior" se manifesta em sua consciência na abdicação de tempo para os filhos ou para consigo mesma e o consentimento a situações desagradáveis pode ser uma fonte de estresse a mais proporcionada no ambiente de trabalho.

As manifestações de estresse se apresentam como reflexos do clima organizacional já descrito sendo conseqüência da pressão a qual os/as gerentes estão submetidos diariamente, da extensa carga horária e ainda, principalmente para as mulheres, pelo prolongamento dessa carga horária no espaço extra-trabalho.

“O estresse, chegar cansada em casa.(...).Isso interfere porque eu abdico de diversão durante a semana.”( Entrevistada n.º 03) “O estresse, você tem muito. Vai tomar a decisão, você tem muita responsabilidade, às vezes você tem que demitir pessoas, admitir pessoas, isso tudo afeta você. Quer você diga que não, mas isso afeta.” (Entrevistado n.º 13/16)

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Inseridos num mercado de trabalho instável e que exige alta produtividade, encontramos gerentes que sofrem diretamente a ação da concentração de esforços, das pressões contínuas, das exigências cada vez maiores e dos prazos reduzidos, revelando problemas de saúde, tais como depressão, estresse, hipertensão, além de expressivo cansaço.

5. Considerações finais

Por meio do presente artigo objetivou-se a análise da vivência dos homens e das mulheres

que ocupam cargo de gerência no setor industrial, identificando os fatores que influenciam a sua saúde física e mental. Com esse propósito, debruçou-se sobre a relação do/da gerente com sua função gerencial, sua percepção acerca da interface casa-trabalho, suas satisfações e insatisfações; focalizou-se a vida profissional gerentes, a prática da função gerencial e seus impactos na qualidade de vida da mulher, assim como o ser mulher e do homem permeados pela percepção da mulher como gerente.

Segundo Dejours (1988), não existe uma continuidade entre o prazer e o sofrimento no trabalho. Para ele, não há critérios objetivos para medir o determinismo direto entre sofrimento e prazer, ou seja, o sofrimento no trabalho se inscreve numa ruptura fundamental com a história subjetiva, não existindo prazer no trabalho que possa ser tido sem uma dialética com a angústia. Dessa forma, se o trabalho provoca acidente, doenças e sofrimentos, ele pode também trazer prazer e permitir, em algumas situações, um meio de conquistar, conservar ou de recuperar a saúde.

O artigo confirmou que a mudança percebida pelos gerentes do setor industrial se direciona para uma maior autonomia dos/das gerentes com conseqüente fim da figura autoritária, superior e masculinizante do profissional. Esse passa a ser uma pessoa mais “acessível” aos seus subordinados e dar mais atenção à sua equipe de trabalho, mas nesse setor ainda predomina a cultura patriarcal tradicional, configurando a indústria como um “gueto masculino”.

As mudanças percebidas ainda não eliminaram a discriminação das mulheres, principalmente, em relação ao aspecto financeiro. Juntamente com outras variáveis, o preconceito ainda existente contra a mulher, de acordo com a visão das entrevistadas, mesmo que elas já tenham conquistado parte da confiança de chefes, subordinados e colegas.

Foram identificadas várias dificuldades no exercício do cargo gerencial sendo que os homens demonstram preocupações na esfera familiar, mas priorizam o lado profissional. A reduzida responsabilidade dos homens nos serviços domésticos e familiares, se comparados com a das mulheres, facilitam o cumprimento das suas funções como gerentes. No entanto, quando analisado o tema “a mulher e o espaço doméstico”, identificam-se as dificuldades vivenciadas pelas mulheres que resolvem se lançar no mercado de trabalho e que também não podem se descuidar de suas outras “faces”. Afinal, elas também são mães, esposas, donas-de-casas, e muitas vezes, estudantes, além de serem profissionais. Com tantas dificuldades, torna-se problemático estabelecer prioridades. Muitas vezes, o casamento sai prejudicado, e até a maternidade é colocada em segundo plano. Essas situações geram grande descontentamento emocional, abalando a saúde física dessas mulheres.

O desequilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional é visto como um fator de pressão, o qual leva à insatisfação e ao estresse. Por isso, um ambiente de trabalho com tantas pressões internas e externas, como a sobrecarga de trabalho, proporciona um grande impacto na vida e na saúde dos/das gerentes, sendo refletindo em estresse, cansaço, pressão alta, gastrite, etc. Às mulheres ainda se impõe a necessidade de se dedicarem mais ao lado pessoal.

Portanto, a realidade do trabalho gerencial no setor industrial está vinculada a um condicionamento econômico pela prática incessante de produzir, sempre e cada vez mais,

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associado ao condicionamento social de as cobranças e as oportunidades serem diferentes de acordo com o gênero.

Os resultados deste trabalho sinalizam em direção a estudos para verificar se as condições de trabalho também influenciam o comportamento do indivíduo em outros setores da sociedade; quais são as consequências dessas condições sobre a produtividade e a satisfação dos trabalhadores e como eles estão se adaptando às novas regras do mercado mediante a penalização de sua saúde, uma vez que é essa forma pela qual são assegurados o emprego e as oportunidades, teoricamente semelhantes entre os homens e as mulheres.

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Desafios e Dilemas dos Gerentes das Empresas de Pequeno Porte

Angelo Brigato Esther ([email protected]) Doutorando e Mestre em Administração (UFMG / CEPEAD / NURTEG) Professor e Pesquisador (UFJF / FEA) Campus Universitário – Bairro Martelos – 36.036-330 – Juiz de Fora - MG Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]) Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França) Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG). R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte-MG 1 Introdução

A função gerencial é um tema que vem sendo discutido há décadas pelos especialistas e práticos em Administração e ainda hoje não se tem uma unanimidade sobre o que realmente é ser gerente, provavelmente em função da complexidade que envolve a atividade, o que não impede que o tema seja discutido e algumas proposições sejam formuladas.

Em termos do que se tem publicado e discutido sobre gerência, é notória a ênfase na realidade das grandes empresas, corporações e grupos empresariais, ficando as empresas de pequeno porte reféns das análises feitas para aquelas de grande porte. No entanto, sabe-se que, embora a natureza da função gerencial seja a mesma independentemente do porte da empresa, a realidade da empresa pequena (e da média) tem suas particularidades, exigindo, muitas das vezes, uma ação gerencial singular.

O objetivo deste artigo consiste em analisar a ação gerencial nas empresas de pequeno porte, tendo em vista tanto os aspectos racional-formais da função quanto os aspectos subjetivos que a envolvem, em especial os dilemas gerenciais enfrentados nos diversos espaços organizacionais. Para tanto, a própria definição do que é uma empresa de pequeno porte é discutida a partir da legislação vigente e das propostas existentes. Em seguida é analisada a situação das pequenas empresas no país a partir de uma pesquisa realizada pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em parceria com a FUBRA (Fundação Universitária de Brasília). Esta pesquisa traz informações importantes e relevantes para as análises aqui desenvolvidas e que certamente contribuem para o entendimento e aperfeiçoamento da gestão das empresas de pequeno porte. Seguindo, o texto apresenta as principais considerações teóricas acerca da função gerencial para, em seguida, discutir-se a realidade gerencial nas empresas. A análise consiste em confrontar os dados da pesquisa do SEBRAE com as principais situações, desafios e dilemas que as empresas de pequeno porte enfrentam no seu cotidiano.

Ao final, são tecidos alguns comentários e recomendações às empresas, de modo a contribuir para tornar sua gestão mais efetiva. A idéia central defendida é a de que as empresas de pequeno porte devem profissionalizar efetivamente sua gestão (seus gerentes), ou seja, elas devem assumir proativamente a responsabilidade por tornar sua ação efetivamente estratégica e não meramente burocrática e reativa.

2 A Empresa de Pequeno Porte 2.1 Caracterização da empresa de pequeno porte

A definição do porte de empresa não é uma tarefa simples, embora haja regulamentação para tal. No entanto, os critérios existentes giram basicamente em torno de critérios quantitativos: faturamento (receita operacional bruta) e número de empregados. O quadro abaixo apresenta as principais classificações adotadas no Brasil (Quadro 1). Convém ressaltar

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que o SEBRAE encaminhou ao governo uma proposta de Lei geral para as micro e pequenas empresas que ainda não está em vigor.

Quadro 1 - Classificação do porte da empresa no Brasil Porte segundo regulamentação

Por Valor da receita

Lei n. 9.841 de 05/10/99 Microempresas Até 244 mil reais

Empresas de pequeno porte De 244 mil reais a 1,2 milhões de reais (Não define a média e grande empresa)

Porte Por Número de empregados

SEBRAE Microempresas Até 9 (comércio e serviços)

Ate 19 (indústria) Empresas de pequeno porte De 10 a 49 (comércio e serviços)

De 20 a 99 (indústria) Empresas de médio porte De 50 a 99 (comércio e serviços)

De 100 a 499 (indústria) Empresas de grande porte Acima de 499 (indústria)

Acima de 99 (comércio e serviços) Proposta de lei geral das micro e pequenas empresas proposta pelo SEBRAE

Microempresa, a pessoa jurídica, ou equiparada receita bruta igual ou inferior a R$ 480.000,00 Empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica, ou equiparada

receita bruta superior a R$ 480.000,00 e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00

Porte segundo regulamentação Por Valor da receita BNDES

Microempresa receita operacional bruta anual* ou anualizada até R$ 1.200 mil Pequenas empresas receita operacional bruta anual* ou anualizada superior a R$

1.200 mil

Médias empresas receita operacional bruta anual* ou anualizada superior a R$ 10.500 mil (dez milhões e quinhentos mil reais) e inferior ou igual a R$ 60 milhões

Fontes:

BNDES: http://www.bndes.gov.br/produtos/instituicoes/fgpc2.asp, acesso em 20/05/2005;

SEBRAE: http://www.sebrae.com.br/br/home/index.asp; http://www.sebrae.com.br/br/mortalidade_empresas/index.asp;

http://www.leigeral.com.br/; acesso em 20/05/2005.

Lei n. 9.841 de 05/10/99.

(*) Considera-se receita operacional bruta anual como a receita auferida no ano-calendário com o produto da venda de bens e

serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas

canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

Em função dos critérios existentes, há proposições no sentido da inclusão de elementos qualitativos para fins de classificação (LIMA, 2001). Do ponto de vista da análise que se pretende desenvolver para o trabalho gerencial e tendo em vista que este texto visa contribuir para o desenvolvimento daquelas organizações que ainda não alcançaram um nível elevado de competitividade (excelência empresarial), talvez seja mais prático e útil partir do princípio de que uma empresa de pequeno porte é aquela que possui um quadro gerencial extremamente reduzido e que este (quando existente) trabalha diretamente vinculado ao proprietário ou gerente geral. Além disto, presume-se também que, de modo geral, a empresa de pequeno porte possui uma estrutura ainda familiar, nada ou pouco profissionalizada, empregando um contingente de pessoas sem a devida qualificação e adotando práticas de gestão voltadas para o curto prazo e para a resolução de problemas. Se estes não são os melhores critérios para se definir a pequena empresa, pelo menos para os fins deste texto eles serão adotados.

2.2 Situação das empresas de pequeno porte no Brasil

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Recentemente, o SEBRAE, em parceria com a Fundação Universitária de Brasília (FUBRA) publicou os resultados de uma ampla pesquisa que visava a identificação das taxas de mortalidade das empresas de pequeno porte (envolvendo as micro e pequenas empresas) no Brasil e nas Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul e os principais fatores condicionantes da mortalidade. A amostra foi obtida nas 26 unidades da federação e no Distrito Federal. A pesquisa de campo foi realizada em 2004, apurando a taxa e os fatores condicionantes de mortalidade das empresas constituídas em 2000, 2001 e 2002, comparando os resultados entre as empresas extintas e em atividade. O critério de porte foi o número de empregados, conforme o quadro 1. As taxas de mortalidade verificadas para o Brasil são as seguintes:

- 49,4% para as empresas com até 2 anos de existência (2002); - 55,64% para as empresas com até 3 anos de existência (2001); - 59,9% para as empresas com até 4 anos de existência (2000).

Segundo os entrevistados, as principais causas do fracasso estão relacionadas a falhas gerenciais na condução dos negócios, causas econômicas conjunturais, logística operacional e políticas públicas e arcabouço legal. O desdobramento destes fatores pode ser observado na tabela 1:

Tabela 1 – Causas das dificuldades e razões para o fechamento das empresas

Categorias Ranking Dificuldades/Razões

Percentual de empresários que

responderam 1º Falta de capital de giro 42% 3º Problemas financeiros 21% 8º Ponto / local inadequado 8%

Falhas gerenciais

9º Falta de conhecimentos gerenciais* 7% 2º Falta de clientes 25% 4º Maus pagadores 16% Causas

econômicas conjunturais 6º Recessão econômica do país 14% 12º Instalações inadequadas 3% Logística

operacional 11º Falta de mão-de-obra qualificada 5% 5º Falta de crédito bancário 14%

10º Problemas com a fiscalização 6% 13º Carga tributária elevada 1%

Políticas públicas e arcabouço legal

7º Outra razão 14% Fonte: SEBRAE..., 2004.

* nas microempresas este percentual é de 33%.

As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.

Por outro lado, os entrevistados apontaram como os principais fatores de sucesso as habilidades gerenciais, a capacidade empreendedora e a logística operacional. A tabela 2, a seguir, mostra o quanto cada fator é considerado crítico para o sucesso das empresas, segundo a pesquisa.

Tabela 2 - Fatores condicionantes do sucesso empresarial segundo as habilidades gerenciais, a capacidade empreendedora e a logística operacional

Categoria Fatores de sucesso Percentual de empresários

Bom conhecimento do mercado onde atua 49% Habilidades Gerenciais Boa estratégia de vendas 48%

Criatividade do empresário 31% Aproveitamento das oportunidades de negócios 29%

Empresário com perseverança 28% Capacidade

empreendedora Capacidade de liderança 25%

Escolha de um bom administrador 31% Uso de capital próprio 29%

Logística Operacional

Reinvestimento dos lucros da empresa 23%

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Acesso a novas tecnologias 17% Fonte: SEBRAE...,2004.

As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.

Outro ponto importante é a questão do tipo de conhecimento necessário para a empresa

sobreviver pelo menos ao primeiro de atividade. A tabela 3 apresenta as respostas dos proprietários das empresas extintas, segundo a pesquisa do SEBRAE.

Tabela 3 - Áreas de conhecimento mais importantes no primeiro ano de atividade de

uma empresa, segundo proprietários de empresas extintas Áreas de conhecimento importantes Empresas

extintas

Planejamento 59% Vendas 41% Marketing / propaganda 36% Organização empresarial 35% Análise financeira 32% Relações humanas 22% Conjuntura econômica 16% Informática 14% Processo decisório 6% Nenhuma 3%

Fonte: SEBRAE...,2004 (adaptado).

As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.

Comparando-se com a tabela 1, nota-se uma inconsistência no sentido de que, embora o conhecimento de vendas seja um dos mais importantes, a falta deste conhecimento não aparece como razão para o fechamento. Outra questão fundamental que mostra as dificuldades encontradas pelos proprietários diz respeito à sua experiência ou conhecimento do ramo de negócio. A tabela 4 apresenta os resultados da pesquisa do SEBRAE.

Tabela 4 – Experiência anterior ou conhecimento do ramo de negócio pelo

proprietário/administrador Conhecimento do ramo de negócio

Empresas extintas

Nenhuma 26% Alguém na família tinha um negócio similar 19% Funcionário de outra empresa 19% Trabalhava como autônomo no ramo 12% Trabalhava como autônomo em outra

atividade 8%

Sócio/proprietário de outra empresa 7% Diretor/gerente de outra empresa 5% Outra experiência 4%

Fonte: SEBRAE...,2004 (adaptado).

As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.

Nota-se que a experiência anterior e o conhecimento do ramo de atividade são baixíssimos, o que é corroborado pelo fato de que a grande maioria dos respondentes das empresas extinta abriu o negócio em função de desejo de ter um negócio próprio (41%), por estar

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desempregada (20%) e, somente em 19% dos casos, ter identificado uma oportunidade de negócio (SEBRAE...,2004).

Os resultados desta pesquisa praticamente confirmam o que já vem sendo apontado há algum tempo. Por exemplo, Viapiana (2001), a partir de revisão de diversos autores, deixa claro que um dos maiores problemas das pequenas empresas reside na mediocridade e falta de competência gerencial, além da falta de experiência empresarial.

Outras pesquisas mostram que a baixa capacitação gerencial está associada ao fato de que muitas, senão a maioria, são empresas familiares. Além disto, o tamanho da empresa induz a uma visão de curto prazo, impedindo a definição de estratégias de longo prazo (ROVERE, 2001).

Enfim, percebe-se, de modo geral, que a aqui chamada genericamente habilidade gerencial tem levado as empresas de menor porte a enfrentar situações mais difíceis, ocasionando inclusive o seu fechamento. Assim, este texto pretende discutir como a função gerencial pode contribuir para o alcance dos resultados, considerando os diversos espaços organizacionais de atuação do gerente. Ressalta-se que tal discussão visa contribuir para que o empreendedor/gerente possa pensar de modo mais sistemático sua realidade.

3 O Trabalho Gerencial

3.1 Visão clássica

A abordagem clássica da Administração se tornou altamente influente no mundo organizacional, pois é a partir dela que o trabalho gerencial começa a ser delineado de forma sistemática. Taylor (1970), por exemplo, divide o trabalho em tarefas e atribui à gerência a responsabilidade de pensar e planejar a produção, enquanto ao trabalhador resta realizar suas tarefas com a máxima eficiência. Já Fayol desenha as chamadas funções da administração: prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. (FAYOL, 1990 – original de 1915).

Nos anos 60, Likert (1971) percebe o aumento da concorrência no mercado norte-americano e as falhas do sistema taylorista-fordista (sua crítica reside basicamente na gestão autoritária) e propõe seus quatro sistemas de administração: autoritário forte, autoritário benevolente, participativo consultivo e participativo de grupo, sendo este último o recomendado para os gerentes.

Tal como Likert, Drucker (s.d.; primeira edição de 1967), preocupado com o aumento da concorrência – enfatiza a questão da eficácia, afirmando que para trabalhos manuais basta a eficiência, enquanto que para o trabalho gerencial era necessária a eficácia, definida por ele como “...a tecnologia específica do trabalhador com conhecimento dentro de uma organização (DRUCKER, s.d, p.2)”, ao mesmo tempo em que a associa com o alcance de resultados, com o “fazer as coisas certas”.

A partir da crise do modelo clássico, uma série de estudos comportamentais surgiram, propondo uma imagem de um gerente racional capaz de articular informações de modo preciso e com grande capacidade de julgamento. Por exemplo, Robert Katz aponta diferenças entre as qualidades requeridas para os gerentes nos diversos níveis hierárquicos organizacionais. Ele identificou um conjunto de três habilidades (técnicas, humanas e conceituais) necessárias a todos os administradores, mas que possuem importância relativa conforme o escalão. Katz define habilidade como uma capacidade que pode ser desenvolvida, que se manifesta no desempenho e não apenas em potencial, ou a capacidade de transformar conhecimento em ação (KATZ, 1986).

Na década de 1970, Mintzberg (1977) demonstra, ao contrário da imagem que se criou, que os gerentes trabalham num ritmo inexorável e que suas tarefas são breves, variadas e descontínuas e que eles estão firmemente orientados para a ação; o trabalho administrativo envolve execução de rotinas, incluindo rituais e cerimônias; os executivos preferem a mídia

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verbal, principalmente telefonemas e reuniões; a forma que os gerentes utilizam para organizar o tempo, processar informações e tomar decisões estão em suas cabeças, havendo uso de julgamento e de intuição.

Hoje em dia, entretanto, a imagem de “super-homem” ainda é cultuada, a despeito das críticas. Em função da atual crescente busca por competitividade, a agenda de pesquisas vem privilegiando o estudo do conceito de competência com o intuito de “preparar” o gerente para os novos tempos. Embora ainda não haja um consenso sobre o tema, no nível das pessoas a competência se refere à “(...) necessidade crescente de formar e valorizar o profissional para oferecer respostas mais rápidas às demandas do mercado e da empresa, com base em um perfil criativo e flexível” e ao “(...) preparo para trabalhar e estimular o desenvolvimento das pessoas com quem se trabalha” (BITENCOURT & BARBOSA, 2004, p.240). No Brasil, Fleury & Fleury (2001, p.21) definem competência como “um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar , integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”, ultrapassando a noção de qualificação.

As abordagens descritas enfatizam basicamente os aspectos técnicos, políticos e comportamentais do trabalho gerencial, mas pressupondo a realidade como portadora de um nível de complexidade muito baixo e de racionalidade alta, em que o controle gerencial poderia ser exercido por meio da posse de um conjunto de conhecimentos objetivos e lineares, aprendidos por meio de treinamentos. Ainda que seja possível aplicar este tipo de abordagem – e ela é de fato útil no dia-a-dia –, ela não é a única. Ao contrário, a realidade e a ação gerencial são permeadas e condicionadas por um nível de complexidade e ambigüidade que, de modo geral, é percebido empiricamente, mas que não é tratado teoricamente. É o que se abordará a seguir.

3.2 As ambigüidades e dilemas do trabalho gerencial

A despeito de todos os estudos e publicações que focam a questão da gerência procurarem oferecer respostas e soluções aos profissionais, o dia-a-dia dos gerentes e as pesquisas mostram o quanto a prática gerencial é complexa e repleta de incertezas, ambigüidades, contradições e dilemas (HANDY, 1978; CHANLAT, 1993, 1999; HILL, 1993; REED, 1997; MELO, 1999; DAVEL & VERGARA, 2001; DAVEL & MELO, 2005; ESTHER & MELO, 2004), o que dificulta sobremaneira a aplicação de receituários e prescrições simplistas.

De certo modo antecipando tais questões, Handy (1978) chama a atenção para o fato de que o gerente tem que enfrentar um conjunto de quatro dilemas: o dilema das culturas (ajuste às subculturas sem perda de identidade própria); dos limites temporais (planejar o futuro sem perder a administração do presente) da confiança-controle (trabalhar com confiança/delegação sem perder o controle); do líder de comandos/projetos (equilíbrio adequado entre as exigências do seu grupo e as da organização como um todo)

Chanlat (1993) chama a atenção para o fato de que os estudos típicos de comportamento organizacional (tais como os de liderança, motivação etc.) vêm desconsiderando certas dimensões humanas em seus estudos, tais como a dimensão psíquica e afetiva, simbólica, da alteridade, psicopatológica e outras. Por exemplo, estudos já vêm demonstrando o quanto modelos de gestão orientados para a excelência empresarial são desgastantes e em grande medida prejudiciais à saúde dos gerentes (e dos empregados em geral), chegando a alcançar, em casos extremos, níveis patológicos perigosos, como a tentativa de suicídio em função da pressão competitiva (CHANLAT, 1995).

Em outro sentido de análise, Hill (1993) demonstra como o indivíduo constrói sua identidade gerencial durante o primeiro ano que ocupa o cargo. Seu estudo mostra especialmente os conflitos e as ambigüidades que estes profissionais têm que enfrentar no seu

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cotidiano (por exemplo, expectativas contraditórias dos subordinados, colegas e superiores em relação a sua atuação), sem nenhum tipo de preparação específica.

Reed (1997), por seu turno, mostra que a gestão não pode ser explicada considerando-se apenas elementos técnicos, políticos e macroestruturais, como se os gerentes fossem meros agentes de imperativos funcionais, produzidos fora das práticas sociais em que se acham diariamente envolvidos. Em outras palavras, os gerentes agem também por si mesmos, consciente e deliberadamente, ainda que sujeitos em alguma medida aos imperativos técnicos, funcionais colocados pela empresa, mercado e outros elementos contextuais.

No sentido exposto acima, em pesquisa sobre o gerente e a função gerencial em organizações pós-reestruturação produtiva, MELO (1999) aponta a ausência de consenso sobre o perfil gerencial mesmo entre os próprios gerentes. Na verdade, há uma grande diversidade de opiniões sobre os desafios que se impõem aos gerentes e quais são exatamente as características e habilidades que eles precisam ter para exercer suas funções. Em outras palavras, as defasagens entre as expectativas dos diversos membros e participantes organizacionais é percebida entre os próprios gerentes, tal como demonstrado por Hill (1993).

Ainda nesta linha, estudo recente de Esther e Melo (2004) mostra o trabalho e os dilemas enfrentados pelos gerentes de uma grande empresa de informática, destacando-se aqueles relativos à própria carreira, à vida e carreira dos empregados, trabalho e vida pessoal, comportamento no trabalho, políticas de negócios e políticas de recursos humanos.

Davel e Melo (2005) e seus colaboradores, por sua vez, discutem as singularidades e dilemas do trabalho gerencial a partir das instâncias da atuação, da interação, da simbolização, da dominação e da assimilação, demonstrando claramente a complexidade e as ambiguidades que envolvem a função.

Se tais constatações são analisadas especialmente nas grandes empresas, há que se perguntar como as empresas de pequeno porte tratam a questão gerencial. Estudos nesta área são precários e, nesse sentido, este texto procura contribuir para o avanço do tema tendo em vista as seguintes questões: o que é ser gerente numa pequena empresa? Quais são os dilemas, as ambigüidades e os desafios que estes gerentes enfrentam no seu cotidiano? Como os gerentes podem contribuir de forma mais efetiva para suas organizações?

O presente texto não tem como objetivo oferecer respostas simplistas, prontas e universais, ainda que em alguns momentos algumas pistas e orientações sejam fornecidas. Mas, ao contrário, pretende-se oferecer alguns prismas de reflexão que possibilitem ao leitor tirar suas próprias conclusões e aplicá-las ao seu dia-a-dia.

4 As Empresas de Pequeno Porte e o Gerente 4.1 Espaços organizacionais e o trabalho gerencial

A abordagem ao trabalho gerencial numa pequena empresa será abrangente pois, na prática, cada caso possui suas particularidades, em função de diferentes configurações dos elementos organizacionais. Entretanto, pode-se afirmar que a natureza dos problemas é a mesma em grande medida, pois qualquer organização possui determinados espaços em que os agentes atuam de modo a buscar os resultados, tanto organizacionais quanto individuais e grupais, por meio de mecanismos de alocação e coordenação de recursos e de pessoas. É nesse sentido que o quadro 2 descreve os espaços organizacionais e aponta basicamente seus dilemas e conflitos gerenciais. É importante ressaltar que esses espaços dizem respeito à mesma realidade e que, no fundo, complementam-se, ou seja, a complexidade da vida organizacional somente pode ser entendida a partir do conjunto desses espaços, a despeito de se poder focar cada um deles de modo a tornar aquela complexidade mais clara, objetiva e passível de intervenção prática.

É importante destacar, também, que os espaços organizacionais são condicionados em grande medida pelo contexto externo, ou seja, a organização não está no vácuo, ao contrário,

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ela está inserida e contextualizada numa determinada sociedade, cultura e mercado e estes elementos não podem ser desconsiderados.

As relações entre os espaços organizacionais e o contexto mais amplo acabam por criar um conjunto de situações em que os gerentes se vêem envolvidos e que geram uma série de dificuldades em sua ação cotidiana. Essas dificuldades centrais com as quais os gerentes se deparam no seu dia-a-dia estão apresentadas em categorias, isto é, em representações genéricas.

Quadro 2- Espaços organizacionais e os tipos de dilemas enfrentados pelo gerente

na prática cotidiana Espaço organizacional Dilemas centrais

(categorias) Estratégico

Diz respeito à organização como um sistema aberto inserido em um contexto social, econômico e político, dando ênfase à forma como a

empresa se relaciona com a sociedade e com o mercado.

Pressões de curto prazo (imediatismo)

x objetivos de longo alcance (visão de

futuro) Estrutural

Diz respeito ao sistema de autoridade e responsabilidade, considerando que a eficácia dos processos será alcançada através da

definição prévia do papel formal dos funcionários.

Rigidez da estrutura de cargos x

processos eficientes e eficazes

Tecnológico Diz respeito à divisão do trabalho, da especialização de funções

e do tipo de tecnologia a ser empregada na produção, preocupando-se com espaço, tempo, movimento, custo, qualidade e agregação de valor.

Processos produtivos/ resultados x

Pressões burocráticas Aprendizado

x Eficiência da rotina

Humano Diz respeito ao conjunto de atitudes,

comportamentos e participação dos indivíduos, ressaltando-se as políticas e práticas de motivação, liderança, distribuição de poder, sistemas de recompensas e carreira.

Heterogeneidade e complexidade das pessoas

x políticas normalmente

homogêneas de RH

Cultural Diz respeito ao conjunto de valores, crenças e

hábitos coletivamente compartilhados no interior da organização.

Rigidez de uma cultura forte x

necessidade de adaptação e de mudança constante

Político Diz respeito ao sistema de poder onde pessoas ou grupos procuram maior influência no processo decisório.

Objetivos organizacionais x

objetivos individuais (grupo) x

objetivos próprios Elaborado pelos autores, tomando-se como referência as perspectivas de análise organizacionais de Motta (1998).

4.2 Os espaços organizacionais e os dilemas gerenciais na empresa de pequeno

porte 4.2.1 O espaço estratégico

Genericamente falando, o espaço estratégico é aquele que diz respeito à relação da organização com seu ambiente e, por isto, o gerente é aquele que deve conhecer, monitorar, acompanhar e buscar antecipar as informações ambientais, tanto as mais evidentes quanto as mais imprevisíveis. Nesse nível a preocupação e a ação gerenciais devem estar voltadas para o futuro da organização no sentido de como esta pretende garantir sua sobrevivência a longo

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prazo. Diz respeito a decisões importantes de longo alcance e de grande impacto sobre a vida da organização, sobre sua dinâmica, sua forma de atuar e de lidar com seus stakeholders. Aqui o gerente lida com pressões para a mudança e com os resultados a longo prazo. Por outro lado, a mesma dinâmica organizacional exige decisões imediatas, pressionando a gerência no sentido de demonstrar, em curtos períodos de tempo, indicadores positivos de desempenho, de modo a trazerem maior segurança e conforto psicológicos para seus investidores e proprietários.

No caso de uma empresa de pequeno porte, o dilema “resultados a longo prazo” x “resultados de curto prazo” assume contornos diferenciados do de uma grande empresa, pois o gerente – quando existente – está muito próximo do proprietário, mas não necessariamente possui prerrogativas que lhe confiram uma possibilidade de decidir estrategicamente. Em muitos casos isto ocorre porque o proprietário não deposita confiança na atuação gerencial estratégica que não seja a sua própria (ROSSI, MELO & BRITO, 2002).

Não raro o proprietário ou o empreendedor é aquele quem criou o negócio, fê-lo crescer e deseja ir além, mas também é incapaz de confiar suas decisões a outrem, com medo de que o negócio possa começar a ruir, dada a suposta falta de visão do gerente ou de sua capacidade de entender o mercado em que a empresa atua. No entanto, em alguns casos os proprietários consultam os gerentes para tomarem decisões estratégicas mas, ainda assim, nem sempre as orientações ou conselhos são seguidos (ROSSI, MELO & BRITO, 2002). Talvez isso seja explicado em função de tal comportamento representar, de certo modo, traços culturais brasileiros tais como uma certa tendência à centralização do poder, paternalismo, ser sonhador mais do que disciplinado, por exemplo (FREITAS, 1997).

4.2.2 O espaço estrutural

Qualquer organização define os papéis, as responsabilidades e o nível de autoridade formal (hierarquia) de seus empregados, inclusive dos gerentes. Tal definição – a estrutura de cargos e sua articulação formal – tem como objetivo demarcar os campos de atuação de cada um dos indivíduos e de suas respectivas atividades, tendo o suporte do espaço tecnológico, de modo a obter um certo nível de eficiência.

No entanto, atualmente as organizações se vêem diante da necessidade de estabelecer processos que escapam da mera divisão de cargos, que em muitos casos – sobretudo na grande empresa – acaba por emperrar a eficiência total do sistema. Em outras palavras, tem-se um sistema chamado negativamente de burocracia. Se por um lado a burocracia visa o controle do sistema, em especial do comportamento dos empregados, por outro impede maior agilidade no sentido de resolver situações imprevistas ou particulares, estas muitas vezes estratégicas para a organização.

A empresa de pequeno porte possui a vantagem de uma estrutura rasa, sem muitos níveis hierárquicos e a possibilidade de contratar pessoas em cargos mais amplos ou enriquecidos, fugindo da rigidez dos cargos das grandes corporações. Por outro lado, a pequena empresa carece de sistemas de controle que visem garantir a eficiência e a eficácia dos seus processos, o que acaba por gerar a necessidade da burocratização. Este é outro dilema enfrentado pelos gerentes no seu dia-a-dia, ou seja, encontrar a medida exata da estrutura de modo que esta não comprometa o controle necessário e os níveis de eficiência desejada, ao mesmo tempo em que não impeça a organização de tomar decisões ágeis e de encontrar soluções econômicas e criativas para seus processos organizacionais.

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4.2.3 O espaço tecnológico O espaço estrutural é complementado pelo espaço tecnológico, à medida que este diz

respeito à divisão do trabalho, à especialização das funções e do tipo de tecnologia necessária para a produção. Em outras palavras, o espaço tecnológico é o espaço da produção, cujas preocupações centrais residem nas questões de espaço, tempo, movimento, custo, qualidade e agregação de valor. Este espaço impõe ao gerente pelo menos dois dilemas ou desafios: as pressões burocráticas versus os processos produtivos com valor agregado e a questão da eficiência da rotina versus a necessidade de mudança/aprendizado.

No primeiro dilema, o gerente deve equacionar a necessidade de alcançar níveis elevados de eficiência e de eficácia, ao mesmo tempo em que as pressões burocráticas lhe exigem uso racional dos recursos, ou seja, custos baixos versus resultados altos e positivos. No segundo caso, emerge a questão da inovação e da mudança. Dito de outro modo, o gerente se vê diante de uma nova questão, que é equacionar a questão da eficiência rotineira tendo em vista a necessidade da empresa em alcançar novos produtos e mercados. Esta conquista exige investimentos em treinamento e desenvolvimento, ou seja, aprendizado. Aprender pode custar caro à medida que não traz retornos imediatos, mas sem aprendizado não há inovação. Portanto, o gerente encontra dois sérios dilemas que nem sempre pode resolver, considerando que o espaço estratégico nem sempre lhe é concedido ou por ele conquistado.

Na pequena empresa este problema tende a ser grave, pois o gerente não tem necessariamente o poder de decisão, ao mesmo tempo em que o proprietário lhe exige indicadores positivos elevados que garantam a rentabilidade a curto prazo. Por outro lado, o mercado da empresa menor tende a ser exigente e seus produtos ou serviços podem ser copiados de forma relativamente fácil, o que exige uma política de inovação constante.

Some-se a estas a questão do acesso à tecnologia disponível para obter processos produtivos eficientes. Nem sempre a empresa de pequeno porte possui os recursos financeiros para investir em tecnologia adequada, ocasionando dificuldades de manter um nível de atualização e modernização de equipamentos. Além disto, a tecnologia requer pessoas devidamente preparadas para operá-la. Mais uma vez, a pequena empresa investe num nível muito aquém do desejável. Observe-se que a pesquisa do Sebrae, citada anteriormente, destaca o espaço tecnológico como um das causas do fechamento das empresas, ao referir-se às instalações inadequadas, à falta de mão-de-obra qualificada, à falta de capital de giro e à falta de crédito bancário (Tabela 1). Ao mesmo tempo, a pesquisa aponta como fatores importantes para o sucesso das empresas o acesso a novas tecnologias, o uso de capital próprio e o reinvestimento dos lucros.

4.2.4 O espaço humano

O espaço humano diz respeito basicamente ao comportamento do indivíduo no trabalho, bem como a questão de sua participação nos processos e na tomada de decisão. Envolve questões importantes das políticas e práticas de gestão de recursos humanos, tais como motivação, comprometimento, liderança, distribuição de poder, sistema de recompensa e carreira. As políticas e práticas de gestão de recursos humanos, herdeiras da lógica da organização burocrática, pressupõem que o comportamento dos indivíduos pode ser gerenciado e, de certo modo, previsto. No entanto, esta mesma lógica admite as chamadas “disfunções”, ou seja, o comportamento individual e grupal pode não ocorrer da forma esperada. Daí a necessidade de se criar instrumentos e mecanismos para corrigir ou modelar os comportamentos específicos e genéricos desejados pela organização, tais como os modelos motivacionais, de liderança, de recompensa e de carreira e assim por diante.

No entanto, a prática demonstra que os indivíduos são pessoas singulares e que nem sempre o que funciona com determinado indivíduo ou grupo pode funcionar com outro. Por outro lado, na prática, também não é possível – ou viável – gerenciar cada indivíduo de maneira

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singular, ou seja, a gestão de recursos humanos tenta e tende a nivelar comportamentos visando obter controle sobre eles, de modo que sejam eficientes para os fins organizacionais.

Nos dias atuais, a crescente competitividade e o uso cada vez menor da força de trabalho vêem exigindo das pessoas comportamentos cada vez mais flexíveis e efetivos. Em outros casos, o comportamento é totalmente modelado, supervisionado, gravado e mensurado (inclusive o tempo de atendimento é pré-determinado), como é o caso dos operadores de telemarketing, por exemplo. Observe-se que o nível de modelagem varia de acordo com a natureza das atividades desempenhadas e do que se exige para desempenhá-las (espaço tecnológico). No entanto, em qualquer caso, os gerentes se deparam com a dificuldade de escolher e alocar pessoas com determinado perfil para realizar certas atividades. Além disto, pressupõe-se que sempre existe um perfil para determinado cargo. Em momento algum questiona-se se alguém efetivamente está preparado, disposto e motivado a executar uma atividade ou operação. Ou seja, em momento algum a subjetividade do indivíduo é levada em consideração pelas políticas e práticas de gestão de recursos humanos. Daí decorre a expressão: os indivíduos vistos como recursos humanos, não como pessoas.

O gerente da empresa de pequeno porte lida com os indivíduos de forma mais próxima, o que lhe dá certas vantagens sobre aqueles gerentes que manejam grandes efetivos, muitas vezes à distância e por meio de relatórios. O acesso mais imediato e próximo pode propiciar uma relação mais afetiva – não confundir com paternalismo – entre gerentes e subordinados, de modo a se ter ambiente mais favorável a relações abertas e sinceras – não confundir com confiança cega. Porém, não há como escapar também da lógica racional dos recursos, ou seja, a despeito de relações próximas, não deixa de existir a cobrança e exigência de resultados.

A empresa de pequeno porte está, de certo modo, mais perto de seu público do que a grande empresa – ainda que esta tenha poderosos instrumentos de marketing para obter e manter esta proximidade –, pois lida diretamente com os clientes no seu dia-a-dia. Em muitos casos, o próprio dono do negócio ou estabelecimento é quem atende diretamente os clientes. Assim, a visão dos resultados parece estar mais presente no cotidiano destes gerentes.

Talvez este seja o maior dilema, dificuldade ou desafio dos gerentes: saber que as pessoas são complexas, únicas, repletas de sentimentos e emoções, ainda que capazes de se adaptar e desempenhar certos papéis na vida social e organizacional e, ao mesmo tempo, ter que pensar e agir como se os indivíduos fossem meros recursos passíveis (e passivos) de uma generalização racional para alcançar fins organizacionais. Por outro lado, nenhum gerente pode perder de vista a perspectiva racional e técnica da gestão, ou seja, vive-se num sistema competitivo em que os mais aptos sobrevivem. Nesse sentido, o gerente deve garantir que sua organização tenha as condições reais de competir num mercado aberto e acirrado.

4.2.5 O espaço cultural

O espaço da cultura (organizacional) diz respeito a um conjunto de pressupostos básicos, valores, crenças, formas de pensar e de sentir que a organização desenvolve ao longo de sua existência, de modo a que seus membros sintam-se parte de um grupo coeso que compartilha daqueles elementos de forma relativamente homogênea. Quando isto ocorre, tem-se o que normalmente se chama de uma cultura forte. A cultura organizacional tem por objetivo garantir que a organização seja capaz de manter a integração interna (a coesão) e a adaptação externa (sobreviver e se manter competitiva no ambiente).

É um desafio permanente para o gerente conseguir alcançar essa situação, posto que, teoricamente pelo menos, desta forma a organização se tornaria competitiva. No entanto, uma cultura forte pressupõe uma espécie de “rigidez de princípios”, uma certa de dificuldade de mudança e de inovação. Em outras palavras, por definição a cultura é contrária ou resistente à mudança. Nesse sentido reside outro dilema gerencial: como obter uma cultura forte capaz de se adaptar de forma constante.

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A empresa de pequeno porte, por sua vez, parece ter uma possibilidade melhor de resolver o dilema da rigidez versus mudança da cultura, pois possui supostamente uma complexidade menor. No entanto, esta percepção pode constituir uma ilusão, pois em muitos casos o empreendedor ou proprietário pode ter dificuldades, ele mesmo, em inovar, o que acaba por indicar um caminho de rigidez no espaço da cultura. Ainda que haja propensão à inovação por parte do empreendedor, é possível também que o mesmo não ocorra com as pessoas à sua volta. Em outras palavras, cabe ao gerente estabelecer a conexão entre o que o ambiente externo demanda e o que o ambiente interno precisa. Tal desafio é grande e em muitos casos constitui-se num dos principais dilemas gerenciais a serem resolvidos.

4.2.6 O espaço político

O espaço político é aquele em que ocorrem as relações de poder, em que os diversos interesses são negociados ou não, em que as partes tentam de alguma maneira fazer com que seus objetivos sejam alcançados. Em termos genéricos, a organização visa alcançar seus objetivos estratégicos, relativos à rentabilidade, posição no mercado, reputação e assim por diante; os diversos grupos na organização tentam alcançar ou realizar seus diversos interesses, tais como status (gerentes ou engenheiros, por exemplo), aumentos salariais, melhores condições de trabalho dentre outros; e os indivíduos, isoladamente considerados, visam, dentre outros objetivos e interesses, alcançar uma posição mais elevada na hierarquia, maior status e influência perante outros, demonstrar sua competência e assim serem reconhecidos.

As relações de poder ocorrem em todos os sentidos na hierarquia, seja qual for o porte da organização. Assim, o poder é sempre transitório e relativo, jamais absoluto, ainda que em certos momentos pareça ocorrer o contrário.

O gerente se encontra diante de um dilema praticamente insolúvel: equacionar as diversas racionalidades – inclusive a sua própria – de modo a garantir a dinâmica da organização. Para tanto, o gerente deve ser capaz de articular os diversos interesses e ter grande capacidade de negociação e convencimento. Até porque o gerente ocupa uma posição delicada: ele não é dono do empreendimento, mas em muitos casos se sente como tal (ROSSI, MELO & BRITO, 2002) e, ao mesmo tempo, ele é pressionado pelos níveis superiores e inferiores. Se o gerente, sendo empregado, é visto pelos proprietários como defensor dos interesses grupais e individuais, ele é tido como incompetente. Se, ao contrário, ele adota a lógica do investimento, ele é visto pelos pares (não gerentes) como representante do empregador e, como tal, pode ser considerado como “inimigo”.

Na empresa de pequeno porte, dada a hierarquia rasa, as relações formais de autoridade podem ser mais flexíveis do que na grande, o que permite maior agilidade nos processos organizacionais. É uma premissa básica da administração que os objetivos organizacionais devam prevalecer sempre sobre os objetivos individuais e grupais. No entanto, os diversos objetivos (individuais, grupais e organizacionais) estão em jogo e cada uma das partes “joga”, em alguma medida, de modo a alcançar seus objetivos. Existem tantas racionalidades quanto participantes de uma organização, ainda que em tese deva prevalecer a organizacional.

Negociar numa cultura como a brasileira é um exercício difícil, em função da lógica ainda impregnada de traços conservadores do tipo “você sabe com quem está falando?” ou “sempre foi assim, para que mexer?” ou “levar vantagem em tudo”, dentre outros. Freitas (1997), baseando-se em autores consagrados sobre a cultura brasileira, analisa a influência dos traços culturais sobre a gestão e discute, dentre outros traços, a hierarquia, o personalismo e a malandragem. Tal lógica vem sendo aos poucos minada ou destruída, mas o gerente ainda se depara com estes traços mesmo em empresas de pequeno porte, sobretudo naquelas em que o dono ou gerente adota comportamentos desta natureza. Embora em alguns momentos o “uso” desses traços possa funcionar, tomá-los como base para toda e qualquer negociação pode

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levar ao fracasso (por exemplo, uma negociação envolvendo estrangeiros) ou dificultar sobremaneira o alcance dos resultados esperados.

4.3 O gerente diante dos dilemas e desafios na empresa de pequeno porte

Como se pode observar, os dilemas e desafios enfrentados pelos gerentes nas empresas de pequeno porte são vários e complexos, pois guardam forte relação entre si. Nesse sentido, os espaços organizacionais são diversas instâncias de uma mesma realidade, mas que podem ser compreendidos a partir de elementos centrais. Assim, é possível fornecer algumas pistas sobre como as pequenas empresas e seus gerentes podem buscar uma efetividade organizacional. Não se trata de receita pronta e universal, ao contrário, tal como os dilemas e desafios foram considerados em categorias, as orientações o são da mesma forma. Evidentemente, a realidade prática é cheia de nuanças e de detalhes específicos que fogem à proposta deste texto, mas acredita-se que a natureza das questões invariavelmente está presente nas empresas.

Retomando-se as causas de fracasso e as de sucesso das empresas de pequeno porte no Brasil (tabelas 1 e 2), observa-se a predominância de determinados elementos dos espaços organizacionais discutidos, conforme as relações estabelecidas nos quadros 3 e 4, a seguir.

Basicamente dois aspectos devem ser discutidos. Em primeiro lugar, é importante evidenciar que os maiores problemas apontados pela pesquisa, no caso de fechamento (Quadro 3), referem-se aos espaços estratégico e tecnológico. Ainda que alguns fatores tenham sido considerados como externos – fatores conjunturais e arcabouço legal -, entende-se que uma parte destes problemas guarda relação com problemas gerenciais. Por exemplo, o que realmente significa “falta de clientes”? De fato os clientes não existem, desapareceram ou buscaram o concorrente que oferece produtos e serviços mais atraentes? Não seria, por exemplo, uma definição incorreta do público a ser atingido ou dificuldades em manter um relacionamento adequado com ele? Ou uma dificuldade em estabelecer uma relação eficaz com o ambiente externo? A falta de mão-de-obra adequada realmente existe ou a empresa não possui reais condições competitivas de atraí-la e mantê-la? Problemas com a fiscalização não implica considerar que a empresa está adotando procedimentos e práticas ética e legalmente inadequadas? Em outras palavras, a pesquisa realizada com os empresários aponta uma série de fatores que a princípio independem da empresa. Questiona-se se as empresas não carecem, de fato, de uma gerência profissional. Mais do que atribuir ao ambiente externo a culpa pelos fracassos, as empresas deveriam analisar melhor o que ocorre em seu interior. Obviamente não se nega a interferência externa, seja do mercado ou a governamental, mas não se pode atribuir a eles um peso maior do que o real.

Quadro 3 – Causas das dificuldades e razões para o fechamento das empresas segundo o espaço organizacional

Categorias Dificuldades/Razões Espaço organizacional

Falta de capital de giro Tecnológico Problemas financeiros Tecnológico

Ponto / local inadequado Estratégico Falhas

gerenciais Falta de conhecimentos gerenciais Estratégico

Falta de clientes Estratégico Maus pagadores Estratégico

Causas econômicas conjunturais Recessão econômica do país Estratégico

Instalações inadequadas Tecnológico Logística operacional Falta de mão-de-obra qualificada Tecnológico

Falta de crédito bancário Estratégico Problemas com a fiscalização Tecnológico

Políticas públicas e arcabouço

legal Carga tributária elevada Estratégico

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Em segundo lugar, e de certo modo corroborando o argumento acima, a nenhum fator

externo é atribuído o sucesso da empresa (Quadro 4). Será que o ambiente externo é uma entidade que tem exclusivamente o objetivo maquiavélico ou diabólico de destruir a pequena empresa? Não teria o ambiente externo nenhuma influência positiva sobre a lucratividade das empresas? Certamente há fatores ambientais que contribuem para que as empresas apresentem desempenho positivo ao final do exercício, tais como linhas de crédito especiais, possibilidade da empresa ser incubada, consultorias empresariais, possibilidades de parceria e assim por diante. Observe-se no quadro 4 que os empresários se consideram praticamente os únicos responsáveis pelo sucesso de suas empresas, como se eles fossem capazes de agir independentemente do que ocorre fora de seus muros.

Por outro lado, focando-se o que ocorre no interior das empresas, percebe-se que, apesar do predomínio dos espaços estratégico e tecnológico, emergem os espaços humano e estrutural como fatores de sucesso. Ainda que os fatores que concernem ao espaço humano estejam exclusivamente relacionados ao empreendedor (dono da empresa) e não ao conjunto das pessoas da empresa, é importante destacar sua presença, pois significa assumir que há elementos subjetivos presentes que contribuem para o sucesso da empresa. Além disto, o fator “escolha de um bom administrador” também corrobora a necessidade de se investir na qualificação e profissionalização gerencial nas empresas de pequeno porte. Ou seja, os próprios empresários reconhecem a necessidade de um gerente competente. No entanto, resta saber o que significa a expressão citada pelos empresários: “bom administrador”. Na visão deste texto, um bom administrador – aqui entendido como gerente – é aquele capaz de atuar de forma sistêmica e eficaz nos diversos espaços organizacionais discutidos anteriormente.

Quadro 4 - Fatores condicionantes do sucesso segundo o espaço organizacional

Categoria Fatores de sucesso Espaço organizacional

Bom conhecimento do mercado onde atua

Estratégico Habilidades Gerenciais Boa estratégia de vendas Estratégico

Criatividade do empresário Humano Aproveitamento das oportunidades

de negócios Estratégico

Empresário com perseverança Humano

Capacidade empreendedora

Capacidade de liderança Humano Escolha de um bom administrador Estrutural

Tecnológico Uso de capital próprio Tecnológico

Reinvestimento dos lucros da empresa

Tecnológico Logística

Operacional

Acesso a novas tecnologias Tecnológico

Diante dos dados encontrados na pesquisa, é possível inferir que empresários não têm a visão completa dos espaços organizacionais. Embora o gerente-proprietário muitas vezes seja um “faz de tudo”, ele não é de fato preparado para entender e atuar sobre o todo organizacional (MELO, 1994a). É nesse sentido que se espera contribuir para o avanço da gestão das empresas de pequeno porte, ou seja, apontando-se algumas possibilidades de ação dentro dos diversos espaços organizacionais. É fundamental ressaltar que é necessário que o empreendedor esteja aberto a manter um tipo de relação de trabalho que envolve o gerente de modo mais efetivo na gestão da empresa, ou seja, cabe ao empresário adotar uma atitude de descentralização, o que não implica transferir ao gerente a responsabilidade total pelo sucesso ou fracasso da empresa.

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É fundamental também destacar que o empreendedor deve estar consciente de que tipo de cultura organizacional ele pretende para a empresa. Nesse sentido, o gerente deve ser alguém que compartilhe das idéias do empreendedor. Por outro lado, o empreendedor não pode se considerar como a única racionalidade dentro da empresa. Sempre haverá a necessidade de alguma negociação e de se chegar a algum consenso, tanto com o gerente quanto com os demais empregados, grupos ou representantes.

Em outras palavras, o empreendedor e o gerente devem atuar juntos no sentido da construção de uma cultura negociada, porém dirigida, voltada para os valores e comportamentos adequados que possibilitem um equilíbrio entre as necessidades de controle, rigidez, mudança e inovação. É comum, inclusive, que os proprietários esperem que os gerentes ajam como se fossem donos da empresa (MELO, 1994b). Além disto, há diversos interesses individuais e grupais envolvidos que não podem ser desconsiderados. Enfim, os espaços humano, estrutural, cultural e político devem ser trabalhados de forma deliberada, tendo em vista os espaços estratégico e tecnológico. Desta forma, tende-se a criar uma organização mais equilibrada, dinâmica e competitiva.

5 Considerações Finais

Ao atribuir ao ambiente externo as causas de seu fracasso e a si mesmos as razões do seu sucesso, os empreendedores se deixam cegar para a necessidade de profissionalizar e de preparar suas empresas para o futuro. Criar ou gerenciar uma empresa para o futuro é admitir que ela ultrapassa seu fundador e seus membros atuais, é admitir a criação de uma cultura voltada para a sua existência no tempo, que pressupõe nascimento, crescimento e declínio.

Como a pesquisa SEBRAE demonstrou, a ocorrência de declínio prematuro é grande, servindo de alerta para que as empresas de pequeno porte se preparem para o futuro logo após o nascimento (ou antes mesmo). Como na maioria dos casos de fechamento os empreendedores desconhecem ou conhecem muito superficialmente o ramo em que decidiram atuar (ver tabela 4), eles precisam de tempo para aprendizado. Porém, nem sempre este tempo é suficiente para que a empresa consiga sobreviver ou se manter competitiva. Daí a necessidade – novamente – de se pensar na profissionalização da empresa.

Diante de um contexto de concorrência forte e clientes mais exigentes, a capacidade competitiva se coloca como um imperativo. Nesse sentido, a competência gerencial se faz necessária como uma espécie de ferramenta para o empreendedor, muito embora ele não o perceba. A tabela 3 deixa isto claro quando a grande maioria afirma ser o planejamento um dos conhecimentos mais importantes para o primeiro ano de vida da empresa. O que é o planejamento senão uma função gerencial? No entanto, não se trata apenas do domínio do aspecto tecnológico do planejamento, ou seja, não basta conhecer e aplicar uma determinada metodologia ou um roteiro passo-a-passo, sem a consideração do espaço organizacional como um todo, envolvendo portanto, tanto os aspectos subjetivos e simbólicos quanto os técnicos e racionais.

Embora não tenha sido objeto de discussão neste trabalho a cultura brasileira, alguns de seus traços foram evocados e é importante destacar que eles não são melhores nem piores do que traços culturais de outros países. Ao contrário, por diversas vezes as características típicas da cultura brasileira são úteis e fazem a diferença. O jeitinho brasileiro, se visto sob a ótica da criatividade, é um exemplo interessante. No entanto, é imprescindível a capacidade de julgamento do gerente quanto a quando e como canalizar aqueles traços culturais.

Portanto, ser capaz de entender e articular os diversos espaços organizacionais num país de características culturais tão diversas e peculiares, é o grande desafio do gerente, de modo a criar e manter uma organização competitiva, ética e saudável. De forma alguma é uma tarefa simples ou fácil, mas certamente necessária, urgente e possível.

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GERENTES E GERÊNCIA NO SETOR HOTELEIRO

Kely César Martins de Paiva ([email protected]) Doutoranda e Mestre em Administração (UFMG / CEPEAD / NURTEG) Professora e Pesquisadora (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG; Universidade

Fumec) Alameda das Orquídeas, 690 – Bairro Bosque do Jambreiro - 34.000-000 - Nova Lima

– MG Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]) Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França) Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e

Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG). R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte

– MG Angelo Brigato Esther ([email protected]) Doutorando e Mestre em Administração (UFMG / CEPEAD / NURTEG) Professor e Pesquisador (UFJF / FEA) Campus Universitário – Bairro Martelos – 36.036-330 – Juiz de Fora - MG Resumo

O tema “função gerencial” tem instigado diversos autores em decorrência de vários fatores. O número considerável de perspectivas em que tal assunto pode ser trabalhado constitui-se ponto de enriquecimento, por um lado, e de discussão, por outro. O Objetivo deste artigo foi refletir sobre a função gerencial em um setor em franco crescimento no Brasil, e em especial em Minas Gerais: o de hotelaria. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa, com uso da entrevista como principal instrumento de coleta de dados, em cuja análise utilizou-se a “análise de conteúdo”. No referencial teórico, as peculiaridades dessa função foram discutidas em termos da atuação cotidiana, contradições, fragmentações, desafios; relações com outros atores sociais relevantes, como subordinados, chefias e clientes; e expectativas positivas, questões relacionadas a poder, status, realização, denotando suas particularidades no contexto organizacional. Após apresentar e analisar o conteúdo das 21 entrevistas realizadas, foram percebidas homogeneidades acerca dos relacionamentos dos gerentes com subordinados, superiores e clientes, e dificuldades com relação à compreensão de seu papel e à capacitação profissional no setor. Ao final, apontaram-se aspectos pertinentes à academia e à função investigada, além de possibilidades de pesquisas. 1. Introdução

O tema “função gerencial” tem instigado diversos autores em decorrência de vários fatores. O número considerável de perspectivas em que tal assunto pode ser trabalhado constitui-se ponto de enriquecimento, por um lado, e de discussão, por outro. A proposta deste artigo é refletir sobre a função gerencial em um setor em franco crescimento no Brasil, e em especial em Minas Gerais: o de hotelaria. Para fins desse artigo, o termo “hotelaria” abraçará organizações como hotéis, motéis, apart-hotéis e flats.

Segundo Castelli (2001), o crescimento acelerado do turismo promoveu uma sensível expansão das empresas hoteleiras, decorrendo daí a exigência de formação de pessoal adequada aos diversos níveis e áreas de ocupação constituintes da estrutura organizacional peculiar de um hotel. O autor chama a atenção para tal necessidade, independentemente do porte da empresa hoteleira, em virtude da fluidez e da organização dos serviços desse tipo de empreendimento. Os avanços tecnológicos deságuam em uma reestruturação do trabalho que também implica na questão da qualificação. Nesse sentido, Castelli (2001:36) afirma que

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A empresa hoteleira vem sofrendo, gradativamente, aperfeiçoamentos técnicos em seus equipamentos e instalações e mudanças relativamente ao seu posicionamento socioeconômico face às oscilações conjunturais. Conseqüentemente, o elemento humano, base do seu esquema operacional, deve estar devidamente preparado para assumir integralmente a empresa. (...) Além da formação técnico-científica, deve-se por em evidência também as qualidades humanas na formação do profissional especializado. (CASTELLI, 2001:36)

Dessa forma, atentar para a complexidade do profissional que atua nesse setor é

fundamental para os resultados que a organização almeja. Castelli (2001:38) afirma que o sucesso desse tipo de empreendimento “repousa fundamentalmente no elemento humano qualificado” e sugere que profissionais competentes são aqueles “que possuem: excelente qualificação pessoal, espírito de serviço, capacidade de recuperação e espírito de equipe” (CASTELLI, 2001:38). Araújo (2003) concorda com esse ponto de vista, sublinhando que formação profissional é imprescindível para sedimentação de um caminho mais integrado e auto-sustentável, estendendo sua preocupação a outras organizações da indústria do turismo. Para este autor,

(...) é visível que o nível dos colaboradores de uma organização turística, os treinamentos a que são submetidos, bem como seu histórico educacional, tornam-se componentes importantes, que impactam de forma decisiva a qualidade percebida do produto. Isso significa que o ‘valor’ de um bem turístico, aos olhos dos clientes, pode ser influenciado – aumentado ou diminuído -, pela performance de seus funcionários, ou seja, o ‘capital humano’ que ‘produz’ e ‘disponibiliza’ o serviço. (ARAÚJO, 2003:29)

Nesse contexto, a função gerencial assume contornos peculiares, já que diz de: um ritmo

incansável; variedade, brevidade e fragmentação; preferência por questões atuais, específicas e não rotineiras; preferência por meios de comunicação verbais em vez de escritos; uma rede de contatos internos e externos; e pesadas limitações, porém com algum controle sobre seu trabalho, em função da dependência de terceiros para que seus objetivos, e os da organização, sejam cumpridos (GUERRIER, 2000).

Guerrier (2000) sublinha que existem controvérsias acerca da exclusividade da natureza das habilidades de um gestor na área de hotelaria em relação a outros setores. A autora questiona também se a própria natureza das funções desempenhadas pelo gestor de hotelaria envolve habilidades mais técnicas e práticas ou empresariais e de gestão. Por outro lado, de acordo com a autora, as mudanças e os avanços sócio-tecnológicos têm impactos diretos na atuação do gerente desse setor, obrigando-o a adaptar-se a contingências que nem sempre lhe deixarão em situação confortável: as tendências do setor indicam que

(...) os gerentes precisarão ter conhecimento sobre administração de pessoal (mas haverá menos pessoal a administrar) e gerenciamento de clientes (e esse processo terá se tornado mais padronizado e sistematizado). (GUERRIER, 2000: 310)

Ressalte-se que não se tem a pretensão de colocar um “ponto final” na discussão que vem sendo travada sobre a função gerencial.

Pelo contrário: especificidades da própria função e do setor investigado abrem espaço para outras perguntas, o que, de fato, propicia um avanço no conhecimento. Para tanto, no que tange à metodologia da pesquisa, este trabalho pode ser caracterizado como de natureza qualitativa, tendo em vista que procurou obter entendimento de motivos e razões subjacentes a situações e fatos descritos pelos gerentes. (RICHARDSON, 1999; COZBY, 2003; TRIVIÑOS, 1987.)

Em termos de coleta de dados, priorizou-se a entrevista semi-estruturada, pois o objetivo era reconstruir processos de ação e experiências relacionadas às funções que o sujeito desempenha no seu dia-a-dia (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1998; LAVILLE & DIONE, 1999). O roteiro inicial contemplava nove questões, cujo objetivo era levantar a visão do papel gerencial - de uma maneira geral e específica no setor investigado -, suas exigências, dificuldades e limitações, as relações com outros atores, conflitos, recompensas e desejos. No início de cada entrevista, dados demográficos do gerente eram levantados e, em seguida, dava-se prosseguimento à entrevista propriamente dita; a duração média foi de 45 minutos.

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Contou-se, também, com observação direta durante o período de coleta, que durou cerca de três semanas. Foram utilizados Guias Turísticos da Belotur e listas telefônicas locais para levantar o público alvo, disperso pela cidade de Belo Horizonte (Minas Gerais), e 51 organizações foram contatadas (26 hotéis, três motéis, 13 apart-hotéis e nove flats). Destas, 24 agendaram entrevistas e três pediram para enviar o roteiro de entrevista por e-mail (posteriormente, um respondeu, negando e dois não deram resposta). Dado que um gerente não compareceu no horário marcado, dois cancelaram e um se recusou a dar entrevista (alegando problemas anteriores com pesquisas acadêmicas), 21i entrevistas foram realizadas de fato. Note-se que em duas dessas o proprietário da empresa dispensou o gerente e concedeu, ele próprio, a entrevista e em uma destas não foi permitida a gravação. Tais presenças dos proprietários serão retomadas na apresentação e análise dos dados, em virtude dos aspectos importantes que evidenciam. Assim sendo, apenas 20 entrevistas foram gravadas e transcritas, e, posteriormente, analisadas à luz da técnica de “análise de conteúdo” (TRIVIÑOS, 1987; BARDIN, 1977; MINAYO, 1992; RICHARDSON, 1999) comumente usada em pesquisas dessa natureza.

Em termos da estrutura do artigo, as referências conceituais da função gerencial foram subdivididas em termos de suas características da atuação cotidiana, contradições, fragmentações, desafios, relações com outros atores sociais relevantes - como subordinados, chefias e clientes -, expectativas positivas, questões relacionadas a poder, status e realização, devido aos contornos particulares expostos anteriormente. Em seguida, os dados coletados – demográficos, entrevistas com os gerentes e entrevistas com os proprietários - são apresentados e analisados, permitindo que considerações sejam sublinhadas e, ao final, são apontadas questões relacionadas à academia e à função investigada, além de possibilidades de pesquisas posteriores. 2. A Função Gerencial

O trabalho gerencial vem sendo alvo de estudos há algum tempo, e embora exista algum consenso sobre seus papéis e funções, ainda não se tem uma unanimidade quanto ao que, de fato, significa ser gerente, se há um perfil ideal universal e assim por diante. Ciente de tais dificuldades, vários estudos vêm sendo desenvolvidos com o intuito de se conhecer melhor o trabalho do gerente.

No campo da Administração, um dos trabalhos pioneiros foi desenvolvido por Taylor (1970). Embora não trate exatamente da função gerencial, sua obra esboça parte do trabalho do gerente ao propor seus quatro princípios básicos de administração. Além disto, em função de sua proposta de divisão do trabalho, Taylor (1970) sugere a necessidade de se estabelecer a chamada supervisão funcional para controlar a execução da tarefa dos subordinados.

Quem efetivamente começa a se preocupar com a questão da gerência é Fayol, ao propor as chamadas funções da administração e os quatorze princípios que a empresa deve seguir (FAYOL, 1990). Dentre estes princípios, destaca-se a busca por disciplina dos empregados, subordinação dos interesses individuais aos organizacionais e espírito de grupo. Fayol (1970) estabelece as funções (hoje consideradas clássicas) da administração: previsão, organização, comando, coordenação e controle. O administrador da época de Fayol é aquele que ocupa um cargo formal na burocracia estudada por Weber, ou seja, é aquele indivíduo que detém uma especialização e a autoridade formal, ou seja, o poder legítimo que o cargo lhe imputa (WEBER, 1982).

O sistema “taylorista” foi alvo de muitas críticas em função de considerar o indivíduo como uma peça de máquina e não como um ser humano dotado de necessidades, expectativas e desejos (BRAVERMAN, 1981; MORGAN, 1996). Tais críticos procuravam, de certo modo, “humanizar” um pouco mais o ambiente organizacional. Um dos grandes expoentes desta linha foi Rensis Likert. Nos anos 60, ele percebe o aumento da concorrência no mercado

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norte-americano e se dá conta de que as organizações já não obtinham a mesma eficiência de antes com o sistema taylorista-fordista atrelado às idéias de Fayol. Sua crítica aponta a falência do gerente basicamente autoritário, que pressupõe meramente a obediência a suas ordens. Em contrapartida, Likert formula um sistema de administração que inclui as seguintes variáveis: natureza das forças motivacionais, natureza do processo de comunicação, natureza do processo influência-interação, natureza do processo decisório, natureza do estabelecimento de metas, natureza dos processos de controle e características do desempenho (LIKERT, 1971).

A partir da combinação de características das variáveis acima, Likert propõe seus quatro sistemas de administração: autoritário forte, autoritário benevolente, participativo consultivo e participativo de grupo. Em função de suas constatações, Likert (1971) defende o perfil de participativo de grupo como sendo o ideal, devendo a gerência criar grupos de alta eficiência.

Drucker (DRUCKER, 1967), por sua vez – a exemplo da preocupação de Likert com o aumento da concorrência –, enfatiza a questão da eficácia afirmando que aos trabalhadores manuais basta a eficiência, enquanto que para o trabalho gerencial a eficácia é o elemento central, definida por ele como “(...) a tecnologia específica do trabalhador com conhecimento dentro de uma organização” (DRUCKER, 1967:2). Ao mesmo tempo, o autor associa o conceito com o alcance de resultados, com o “fazer as coisas certas”.

Também merece destaque o trabalho de Barnard (1971) que, tendo exercido um cargo executivo durante muito tempo em sua carreira, propôs algumas funções para o ocupante do cargo: manutenção das comunicações na organização; asseguramento de serviços essenciais dos indivíduos; formulação de propósitos e objetivos. Em conjunto, Barnard as considera como constituindo o processo administrativo, desempenhado dentro da organização a qual ele vê como um sistema cooperativo racional.

Na década de 70, Mintzberg analisa o trabalho de cinco executivos de uma empresa e acaba por identificar dez papéis agregados em três categorias, originados da autoridade formal e do status: os papéis interpessoais (imagem de chefe, líder e contato) que dão origem aos papéis informacionais (monitor, disseminador e porta-voz), e estes dois capacitam o executivo a desempenhar os papéis decisoriais (empreendedor, manipulador de distúrbios, alocador de recursos e negociador). O autor procura demonstrar que, ao contrário da imagem que se tinha: os executivos trabalham num ritmo inexorável e que suas tarefas são breves, variadas e descontínuas e que eles estão firmemente orientados para a ação; o trabalho administrativo envolve execução de rotinas, incluindo rituais e cerimônias; os executivos preferem a mídia verbal, principalmente telefonemas e reuniões; os programas de executivos para organizar o tempo, processar informações e tomar decisões estão em suas cabeças, havendo uso de julgamento e de intuição (MINTZBERG, 1986).

Na mesma época (década de 70), Robert Katz aponta diferenças entre as qualidades requeridas para os gerentes nos diversos níveis hierárquicos organizacionais. O autor define habilidade como uma capacidade que pode ser desenvolvida, que se manifesta no desempenho e não apenas em potencial, ou a capacidade de transformar conhecimento em ação (KATZ, 1986). As habilidades possuem uma importância relativa conforme o nível hierárquico em que se situa o gerente e Katz (1986) as define como habilidades conceituais, humanas e técnicas: a primeira relaciona-se com conhecimento organizacional, visão da organização como um todo; a segunda diz respeito ao domínio de habilidades de relacionamento com os subordinados; e a terceira tem a ver com o conhecimento específico das atividades executadas. Assim, o nível de supervisão (baixa gerência) precisa deter mais habilidade técnica do que conceitual em relação ao administrador de nível mais alto. O nível médio necessita de uma dose mais equilibrada das três habilidades, sendo que a necessidade humana possui uma importância alta em todos os níveis.

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Outro estudo emblemático sobre a função gerencial foi o de Hill (1993), a qual salienta seu caráter multifacetado, tanto no que diz respeito aos meios e processos nos quais o gerente desenvolve suas atividades produtivas, como também aos fins e expectativas às quais deve (ou pelo menos tenta) estar atento e atingir. Em termos de processo, a autora sublinha as características de variedade e fragmentação do trabalho gerencial face à sua dependência em relação aos outros atores sociais, principalmente os subordinados. Atingir objetivos, nesse sentido, torna-se tarefa árdua, pois deve conjugar esforços variados: psicológicos, técnicos e outros ligados às relações de poder. Por outro lado, suprir expectativas de públicos diversos exige flexibilidade, tornando o papel do gerente uma verdadeira arte: os superiores focam em resultados e redes de relacionamento; os subordinados em condições de trabalho, políticas remuneratórias etc.; os clientes em produtos e/ou serviços com qualidade; a família em dedicação; ele próprio em crescimento profissional, social, psicológico etc. (HILL, 1993)

Outro aspecto que Hill (1993) dá ênfase diz respeito às relações de poder e como essas são delineadas à medida que o sujeito vai se adequando às responsabilidades e autoridade inerentes ao cargo e, ao mesmo tempo, se organizando psiquicamente para seus “sucessos” e “fracassos”. Ações bem sucedidas tornam-se pontos fortes de apoio, enquanto que as mal sucedidas enfatizam a aprendizagem contínua: ambas, porém, servem de referência para o futuro. Questões relacionadas à comunicação também são discutidas pela autora a qual percebe, assim como Barnard (1971), a importância desse processo, não apenas para o trânsito das informações e para os processos de tomada de decisão, mas também a partir de sua colaboração para legitimação da autoridade inerente ao cargo.

Já no Brasil, Motta (1995) apresenta uma excelente compilação das principais dimensões do trabalho do dirigente (gerente): dimensão organizacional, que se relaciona com conhecer o contexto em que organização atua, sua missão e seus objetivos estratégicos e sua cultura; dimensão interpessoal, que implica possuir habilidades de interação e de comunicação; e a dimensão individual, que diz respeito a certas qualidades individuais que o gerente deve possuir, tais como iniciativa e integridade.

A despeito de tantos estudos, em pesquisas recentes sobre o gerente e a função gerencial no Brasil Melo (1995, 1999) aponta a ausência de consenso sobre o perfil gerencial mesmo entre os gerentes. De fato, há uma grande diversidade de opiniões sobre os desafios que se impõem aos gerentes e quais são exatamente as características e habilidades que eles precisam ter para exercer suas funções. Retomando as questões relacionadas a poder, a autora aponta controvérsias em torno do papel gerencial: o crédito atribuído a este profissional pelo desempenho da organização, e as acusações sobre sua contribuição para a manutenção das relações de poder e de seu trabalho a favor da regulação das contradições da vida corporativa. De acordo com Melo (1995:18), esta questão envolve um duplo papel do gerente: “ser assalariado e representante do empregador ao mesmo tempo”.

A função gerencial configura-se, dessa forma, em algo complexo, de difícil adaptação e manutenção.

3. Apresentação e Análise dos Dados

A apresentação dos dados coletados se dará em três blocos, a saber: dados demográficos dos gerentes, as entrevistas dos gerentes, e as entrevistas dos proprietários.

3.1. Dados Demográficos dos gerentes

Em termos de dados demográficos, cinco aspectos foram considerados quando das entrevistas junto aos gerentes e proprietários entrevistados. O primeiro diz respeito à faixa etária: a maior parte dos entrevistados (6) encontra-se entre 31 e 35 anos de idade, dois têm menos de 25 anos, cinco estão entre 26 e 30 anos, um entre 36 e 40 anos, quatro entre 41 e 45 anos, um entre 46 e 50 anos e dois com mais de 50 anos de idade. Quanto a sexo, a maioria

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dos respondentes é do sexo masculino (13, incluindo os proprietários), e dessa forma, 8 do sexo feminino. No que tange a formação acadêmica, um possuía o segundo grau, três o segundo grau técnico (sendo dois em Hotelaria e um em Contabilidade), três com superior incompleto (um em Administração, um em Ciências Contábeis e outro em Turismo e Gestão em Hotelaria) e 14 com superior completo (três em Turismo – sendo que um também era formado em Letras -, quatro em Administração – sendo que um também tinha concluído o curso de Ciência da Computação -, três em Ciências Contábeis, um em Economia, um em Ciências Sociais, um em Publicidade e Propaganda e um em Comunicação Social). Com relação ao cargo, 13 dos entrevistados ocupam o cargo de “gerente geral”, dois eram “gerente de vendas”, dois “gerente administrativo / operacional e financeiro”, um “gerente de hospedagem”, um “gerente de recepção” e dois eram proprietários. Por fim, levou-se em consideração a categoria da empresa investigada dentro do setor de hotelaria: dentre os 21 estabelecimentos, dez eram hotéis, três apart-hotéis, cinco flats e três motéis.

3.2. Entrevistas com os gerentes

A Tabela 1 apresenta a percepção dos entrevistados quanto ao que significa ser gerente. Observa-se que não há uma unanimidade na definição, ao contrário, cada um dos entrevistados enfoca um aspecto que envolve a função gerencial. Isto confirma o que a literatura vem afirmando, ou seja, de que as atividades dos gerentes são diversificadas e abrangentes, carregadas de nuances. Os dados implicam não haver, portanto, uma definição precisa, o que de certo modo dificulta a criação de uma imagem clara sobre o que significa ser gerente atualmente.

Tabela 1 – Respostas a “ser gerente atualmente”

Respostas a: Ser gerente atualmente Entrevistados Total de Entrevistados

Saber identificar a necessidade do cliente e dar lucro para a empresa E1 1 Fiscalizar os funcionários E2 1 Administrar conflitos e problemas E3 1 Fazer a equipe atingir os objetivos E4 1 Envolver-se com todos os setores E5 1 Comandar e distribuir tarefas para os subordinados E7 1 Liderar pessoas E8 1 Ter visão globalizada e identificar oportunidades de negócios E9 1 Administrar todos os serviços E10 1 Visão ampla do negócio E11 1 Acompanhar os processos E12 1 Saber e fazer de tudo um pouco E13 1 Ser flexível e conhecer profundamente o mercado E14 1 Capacidade de lidar com a concorrência E15 1 Dinamismo e competência no que faz E16 1 Fiscal da qualidade E17 1 Estar a par de tudo que cerca o seu meio E18 1

Fonte: Dados da pesquisa.

No entanto, é interessante ressaltar que dois entrevistados utilizaram o termo “fiscalizar”: uma vez em relação à qualidade e outra no que tange aos funcionários. Embora não haja uma unanimidade de definição, os entrevistados abordaram a função gerencial de forma ampla e compatível com o que normalmente se espera da atuação de gerentes. Em outras palavras, as respostas consideram o ambiente de negócios, os setores da empresa, os empregados, os clientes. No entanto, “fiscalizar” remete a uma abordagem conservadora e relativamente ultrapassada, pois implica uma imagem do empregado baseada em alguém que não merece confiança.

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A Tabela 2, embora direcionada para a atuação gerencial na hotelaria, corrobora as respostas anteriores, ainda que com alguma diferença para a Tabela 1. A ênfase, aqui, recai mais sobre o cliente e o negócio.

Tabela 2 – Respostas a “ser gerente na área de turismo - hotelaria”

Respostas a: Ser gerente na área de turismo - hotelaria Entrevistados Total de Entrevistados

Prestar bons serviços E4, E5 2 Gerenciar pessoas E12, E13 2 Ser uma pessoa flexível e com muito jogo de cintura E2 1 Gerir a organização como um todo E3 1 Buscar qualidade de atendimento E6 1 Estar ciente das inovações e dos concorrentes E7 1 Ter visão cultural e geográfica do país E9 1 Transformar conhecimento em oportunidade de negócios E9 1 Conhecer a região e o mercado E10 1 Fazer o máximo de contato possível E11 1 Exercer com criatividade o dia a dia E15 1 Focar seu trabalho e ficar de olho no mercado E16 1 Ser um herói E18 1

Fonte: Dados da pesquisa.

Pode-se destacar a fala de E18, que chama a atenção para o herói: Ser gerente na área de turismo é ser um herói, principalmente no Brasil, que não

dá valor nenhum a esta área... (E18)

A fala acima corrobora a visão dos gerentes sobre o turismo no país, explicitada nas respostas alinhadas na Tabela 3.

Tabela 3 – Respostas a “percepção do turismo – hotelaria no Brasil”

Respostas a: Percepção acerca do turismo – hotelaria no Brasil Entrevistados Total de Entrevistados

Pouco incentivo do Governo E5*, E8, E10, E14, E16

5

Falta infra-estrutura E2, E9, E10 3 Em desenvolvimento E8, E12, E16 3 Grande importância econômica: emprego e renda E1, E16, E17 3 Pouco explorado E3, E13 2 Falta divulgação E2 1 Qualidade média E6 1 Poucos Estados levam a sério E7 1 Deveria haver parceria entre o público e o privado E13 1 Bem resolvido, faltam ajustes E19 1

* Referiu-se, neste caso, apenas à Belo Horizonte.

Fonte: Dados da pesquisa.

Em sua maioria, os entrevistados consideram que não há incentivo do governo, que falta infra-estrutura e exploração, mas que, por outro lado, está em crescimento e possui potencial para crescimento quase indefinido. Alguns depoimentos são significativos quanto a isto.

Bom, eu acho que ele é muito pouco explorado... muito pouco valorizado. É um setor que tem um potencial muito grande, mas é muito pouco explorado. (E3)

O turismo no Brasil está em desenvolvimento, né?... Porém, precisa de uma ação mais efetiva dos órgãos governamentais no que se refere a incentivos para o crescimento do turismo, mas a gente tem... uma visão otimista em relação do turismo no Brasil. Ele está em crescimento. (E8)

O turismo de um modo geral é um... acho que um dos setores tanto da economia, tanto da indústria... que sempre está em expansão e sempre buscando novos caminhos, eu acho que o turismo é um... é algo que o governo tem que investir bastante porque é um

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grande gerador de empregos e é uma coisa... é o segmento que tem bastante importância na economia do Brasil hoje. (E16)

De modo a atuar no setor de turismo e hotelaria, os gerentes foram indagados sobre as

principais exigências que lhe são impostas para o desempenho da função gerencial (Tabela 4).

Tabela 4 – Respostas a “principais exigências na função gerencial na empresa”

Respostas a: Principais exigências na função gerencial na empresa Entrevistados Total de Entrevistados

Resultado E1, E10, E17, E18 4 Atendimento ao cliente E12, E17, E18 3 Qualidade E6, E17, E18 3 Sensibilidade e flexibilidade E13, E14 2 Disponibilidade, humildade e criatividade E3, E15 2 Formação superior e domínio de língua estrangeira E4, E16 2 Conhecimento das áreas da empresa E11, E19 2 Capacidade de liderança E8, E11 2 Decisão E1 1 Andamento dos processos E1 1 Controle das contas E2 1 Bom senso, conhecimento e vivência com pessoas E5 1 Conhecer os hóspedes e empregados E7 1 Comprometimento com a ética E9 1 Capacidade e habilidade E9 1

Fonte: Dados da pesquisa.

As respostas, na maior parte, percebem como principais exigências: o alcance dos resultados, a satisfação do cliente, a qualidade dos serviços (relacionada à satisfação do cliente), além de algumas características e habilidades pessoais que devem ser alcançadas. Observe as falas que se seguem:

(...) ela quer o quê? Ela quer bom serviço, boa seleção de pessoal, certo? Ou ocupação e lucros. (E19)

A ocupação do hotel e a exigência da clientela, né ? (E10)

Em relação aos aspectos positivos, o principal apontado pelos gerentes foi autonomia. O discurso foi recorrente em 50% dos casos, seguido do acesso à diretoria e da satisfação dos clientes. Em relação a algum ponto positivo quanto aos empregados, apenas um gerente se referiu ao fato de lidar com pessoas diferentes – incluindo empregados e clientes – e outro mencionou investimentos na área de recursos humanos.

Os depoimentos abaixo ilustram os principais pontos positivos. É, eu tenho autonomia, e sinto que sou uma pessoa muito prestigiada pelos

diretores, entendeu? Então, isso me satisfaz, assim, profundamente, eu sou uma pessoa que tenho autonomia para decidir aqui dentro seja o que for: demissão de funcionário, admissão, mudanças nas empresas. E eu gosto do prestígio de ser uma pessoa de confiança da empresa. Eu sinto isso. (E15)

(...) é uma empresa que te dá muita liberdade, que tem um relacionamento muito bom, sabe? E que foca muito a área de recursos humanos, de pessoal, né? Está sempre fazendo avaliações de clima, está sempre fazendo avaliação de desempenho, investindo no potencial dos funcionários, isso é tudo muito bom. (E14)

E na Tabela 5 pode-se visualizar as respostas dadas pelos entrevistados.

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Tabela 5 – Respostas a “pontos positivos de ser gerente na empresa” Respostas a: Pontos positivos de ser gerente na empresa Entrevistados Total de

Entrevistados Autonomia / independência / Liberdade E1, E2, E3, E4, E7, E8,

E10, E14, E15, E17, E19 11

Acesso à Diretoria E9, E12, E18 3 Satisfação do cliente E6, E16 2 Gama de conhecimentos E5 1 Lidar com vários tipos de pessoas E5 1 Imagem da empresa conquistada E7 1 Empresa local pequena e familiar E9 1 Expor os pontos de vista E11 1 Flexibilidade E12 1 Seriedade e espírito empreendedor da diretoria E13 1 Investimento em recursos humanos E14 1

Fonte: Dados da pesquisa.

Com relação às dificuldades que enfrentam no exercício de suas funções, a lista dos gerentes foi extensa, porém com vários pontos de tangência, conforme pode se verificar na Tabela 6.

Tabela 6 – Respostas a “dificuldades no exercício do papel gerencial nessa

empresa” Respostas a: Dificuldades no exercício do papel gerencial na

empresa Entrevistados Total de

Entrevistados Restrições financeiras / Planejamento E5, E9, E10, E11, E12,

E16, E17, E18 8

Promover “espírito de equipe” / integração entre áreas, conflito entre pessoas / áreas

E1, E2, E3, E11, E13, E15, E17

7

Agradar / fidelizar o cliente E1, E2, E4, E17, E18 5 Pressão E7, E8, E13, E16, E19 5 Expectativas dos superiores sobre resultados E4, E11, E16, E19 4 Questões macro-econômicas (concorrência, políticas públicas) E6, E9, E10, E14 4 Sobrecarga E7, E8, E13, E16 4 (Baixa) Qualificação do pessoal E4, E13, E15 3 Empresa familiar E9, E19 2 Promover “espírito de serviço” / vendas E1, E2 2 “Burocracia” administrativa E3, E8 2 Dependência de subordinados E3 1 Conhecimento de Legislação E4 1 Horário de trabalho (final de semana, noturno) E4 1 Relação com sindicato E4 1

Fonte: Dados da pesquisa.

A visão dos empregados como parte de uma grande equipe prevalece e, daí, as questões decorrentes. Nesse sentido, destacam-se os seguintes os comentários:

Porque eles pra mim são vendedores internos, então provar isso todo dia é um desafio também. (E1)

(...) você depende muito de uma equipe, então, às vezes, a pessoa está triste, está invocada, está com problema. (E3)

As pessoas são muito resistentes a mudanças, então você promover mudanças e manter essas mudanças de rotina, de procedimentos, de comportamentos, são muito difíceis, muito difíceis. (E15)

Aspectos burocráticos da empresa também foram ressaltados cabendo, aqui, mais as

disfunções que efetivamente a funcionalidade que a burocracia weberiana pressupõe. (...) As dificuldades que um gerente encontra hoje, no meu caso pelo menos, é só

aquela ligada ao turismo, nas outras questões burocráticas, funcionais e mecânicas do

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trabalho não tem dificuldade, é uma coisa muito simples, é uma coisa muita simples e você procura ser o mais prático possível, não tem segredo nenhum. (E6)

As pressões sobre a atuação do gerente são de variadas ordens e na hotelaria não se foge a

essa “regra”, pelo que se pode observar nas transcrições dos depoimentos a seguir: No nosso caso, as coisas têm que ser resolvidas ali na hora, tá? (E7) Porque, se você tivesse é... com tudo muito bem delimitado você tivesse apenas

que executar. Mas, não, você tem que, além de executar, você tem criar, tem que construir um hotel novo a cada dia. (E8)

Eu costumo dizer que o gerente é a salsicha do cachorro quente, né? Quê que acontece com a salsicha do cachorro quente? Ela está entre duas partes de um pão, né? O gerente ele está o quê? Ele está entre duas partes da empresa, entre a direção, que está em cima, e a classe de funcionários, que está abaixo. Então, às vezes, é bomba de um lado e do outro, você entendeu ? (E13)

Então, você tem que trabalhar sempre no limite. (E16)

O relacionamento com subordinados foi considerado positivo pela maior parte dos gerentes. Alguns percebem que ele é, ao mesmo tempo, bom e complicado. No cotidiano, a conduta de gerentes e subordinados se pautam por apoio mútuo, coleguismo, incentivo à comunicação fluída, à participação e à transparência, o que não impede, no entanto, que problemas ocorram. A Tabela 7 permite visualizar as respostas dadas.

Tabela 7 – Respostas a “relacionamento com subordinados” Respostas a: Relacionamento com subordinados Entrevistados Total de

Entrevistados Bom / Muito bom / Ótimo / Tranqüilo / Cordial E2, E3, E4, E6, E7, E8, E10, E11,

E12, E13, E14, E15, E17, E19 14

Apoio mútuo (profissional e/ou pessoal) E1, E4, E7, E8, E12, E14, E15, E16, E17, E18

10

Promoção de comunicação / diálogo E3, E4, E5, E8, E11, E12, E14, E15, E16, E17

10

Difícil / Complicado E4, E8, E9, E13, E17 5 Promoção de participação E2, E5, E8, E11, E12 5 Transparência em ações e decisões E1, E6, E8, E12 4 Promoção de políticas motivacionais E5, E7 2 Incentivo ao desenvolvimento pessoal e/ou profissional

E9, E17 2

Incentivo ao cumprimento de metas E5 1 Fonte: Dados da pesquisa.

Agradar o subordinado e cobrá-lo no desempenho de suas funções torna-se um dilema vivido na função gerencial. Observe:

(...) mas agradar eu sei que eu não agrado todo mundo, até porque eu não estou aqui pra tornar-me agradável para os funcionários, eu to aqui pra que eles tenham o trabalho (...) nós somos o elo entre o capital e o trabalho. (E4)

Não reclamam não, a pesquisa de clima da minha empresa é uma das melhores que a [empresa] tem, tranqüilo (...) (E14)

Meu relacionamento é normal, eu exijo disciplina deles, exijo que a hierarquia seja mantida, meu relacionamento com eles é normal. (E15)

Ao mesmo tempo, o gerente percebe que o empregado é um sujeito complexo e que seu

âmbito de controle não é total principalmente em se tratando dos resultados organizacionais. (...) como que está a sua vida além do trabalho, porque eu acho que isso é muito

importante e reflete, diretamente, no na qualidade desenvolvida. (E8) Primeiro, eu não os vejo como subordinados, eu os vejo como seres humanos,

segundo, eu os vejo como cidadãos e terceiro eu os vejo como profissionais. Obedecendo a essa trilogia você é capaz de viver bem com qual com qualquer pessoa, obviamente é

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respeitando as limitações, mas provocando sempre a possibilidade das pessoas superarem sua capacidade, suas limitações. (E9)

Você ter que mandar já por natureza, já gera um certo..., já é antipático. (E13) (...) acho que a gente tem que ser correto com as pessoas, pra gente exigir das

pessoas. (...) acho que na área humana não tem regras. (E17) Olha, subordinados é uma palavra assim muito forte, eu diria que são mais os

meus amigos de trabalho... tenho um bom relacionamento de amizade, porém sabendo impor o respeito, certo? E isso é o ponto que eu acho fundamental (E17)

No que diz respeito ao relacionamento com os superiores, a maioria dos gerentes afirmou

pautar suas relações pelo diálogo, cordialidade e transparência. O incentivo e a cobrança quanto ao cumprimento de metas se fizeram presentes de uma forma bem clara: o gerente contribui diretamente para que as metas sejam cumpridas e são periodicamente cobrados nesse sentido. A Tabela 8 resume as respostas recorrentes a essa pergunta.

Tabela 8 – Respostas a “relacionamento com superiores”

Respostas a: Relacionamento com superiores Entrevistados Total de Entrevistados

Promoção de comunicação / diálogo E1, E2, E4, E5, E6, E8, E9, E10, E11, E12, E13, E14, E16, E17

14

Bom / Muito bom / Ótimo / Tranqüilo / Cordial E3, E4, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12, E13, E14, E15, E19

13

Transparência em ações e decisões E1, E2, E4, E6, E8, E9, E11, E14, E16, E17, E18

11

Incentivo / cobrança quanto ao cumprimento de metas E5, E7, E12, E17, E18 5 Apoio mútuo (profissional e/ou pessoal) E1, E3, E9, E12 4 Autonomia E7, E15 2 Difícil / Complicado E13, E17 2 Promoção de participação E8 1

Fonte: Dados da pesquisa.

Um comentário merece destaque em função da clareza e objetividade com que foi colocado pelo entrevistado. Ele foi o único a considerar seu relacionamento com a chefia “explicitamente” melhor que com seus subordinados, em função de algo (que não foi revelado) que aconteceu no passado.

Vou falar de uma forma bem simples. Com meus superiores é melhor. Porque é melhor? Por causa do nível, do nível de formação, de instrução, de berço, entendeu? Você pega um funcionário hoje, dependendo do que você está chamando a atenção dele, é capaz dele te responder com um palavrão, e o meu diretor ou minha diretora, jamais falariam uma coisa assim, você entendeu? Então, com o superior é melhor, dentro deste ponto de vista. Mas, não deixa de ter dificuldades, né? Não significa que é uma relação a mil maravilhas, mas tem dificuldades também, mas, é pouca, eu acho que melhor do que com os meus subordinados em função desse caso que eu e falei. (E13)

Por outro lado, o fato da relação com os superiores espelharem as relações com

subordinados foi explicitado em outras entrevistas, como, por exemplo: Na realidade, esse trabalho que eu faço com minha equipe reflete o trabalho que

o meu superior faz comigo, né? (E8)

Quando perguntados sobre os conflitos que viviam no exercício de sua função, a maior parte dos entrevistados referiu-se às questões ligadas à integração de interesses diversificados, à variedade de problemas característicos de um empreendimento no setor de hotelaria, ao gerenciamento de pessoas, ao serviço ao cliente e ao cumprimento de metas. Na Tabela 9, pode-se visualizar detalhadamente as respostas dadas.

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Tabela 9 – Respostas a “conflitos vividos no exercício da função gerencial”

Respostas a: Conflitos vividos no exercício da função gerencial

Entrevistados Total de Entrevistados

Conciliar interesses (empregado x empregador; cliente x hotel, entre áreas do hotel)

E2, E4, E8, E10, E11, E12, E13, E15, E16, E18, E19

11

Variedade / especificidade dos problemas E2, E3, E6, E7, E9, E10, E11, E13

8

Problemas / conflitos / baixa qualificação / resistências entre o pessoal

E3, E4, E10, E12, E15, E17, E19

7

Servir o cliente E6, E7, E9, E11, E12, E13 6 Cumprimento de metas E1, E2, E4, E10 4 Questões macro-econômicas (concorrência, políticas públicas, mercado retraído)

E1, E2 2

Horário de trabalho x Família E5 1 Fonte: Dados da pesquisa.

Algumas frases chamam a atenção para a pressão que os gerentes sofrem no seu dia-a-dia, a partir dos referidos conflitos. Observe:

É um leão por dia que a gente tem matar pra consegui ter um resultado bom. (E1)

É conciliar mesmo a necessidade do empregado com a necessidade da empresa (risos).(...) Nós na primeira impressão, nós somos até um pouco terrorista mesmo de falar: - olha no próximo final de semana é o aniversário do seu filho, então... Mas, a pessoa entra consciente daquilo que está sendo esperado dela. E nós temos tentar também olhar muito o lado do funcionário, é um objetivo da empresa de estar sempre ao lado do funcionário. (E4)

Um hotel, o turismo e a hotelaria, é serviço, e serviço você está dependente do ser humano e não da máquina, isto é um grande problema ou, talvez, a grande virtude do nosso negócio. Então, você tem dentro do dia a dia circunstâncias onde o ser humano por não ser, graças a Deus, não ser infalível, de ser falível, de cometer erros, de cometer equívocos, enfim, de avaliar mal determinadas circunstâncias, é passivo de criar situações constrangedoras, situações complicadas em relação ao cliente. São tantas coisas que acontecem dentro do hotel, que não dá pra enumerá-las. Agora, o que no nosso negócio é fundamental é que tenha bom senso, que tenha equilíbrio, que tenha... veja sempre que do outro lado existe um ser humano e não simplesmente um cifrão, isso facilita bastante o dia a dia. (E9)

E os resultados dessas divergências de opiniões e interesses, em termos de relacionamento

com clientes, podem ser avaliados como desastrosos. Aquilo traz conflito pra gente é grande, tá? Chega casos da gente chegar,

inclusive a perder cliente por pequenos detalhes, tá?. (E7) E em função de um problema desse gerou uma série de outras

discussões, com o horário de verão mudando, qual horário seria, qual horário não seria. Ela chegou a levantar a mão pra mim, tive que segurar a mão dela, tive que pedir a ela calma, tive que falar com o esposo dela, levar ela pro quarto pra ela descansar e tal, depois a gente conversa, entendeu? Então, assim, e isso desde a minha relação com o hóspede, com o meu diretor, e a minha relação com o meu subordinado. Cada dia é uma coisa, a mulher tem TPM, homem eu sei lá o quê que tem, mas tem dia que também está impaciente.(...) Mas os problemas e os conflitos de um modo geral são um mínimo. (E13)

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Por outro lado, ocupar a gerência implica no desenvolvimento de habilidades que em outros cargos nem sempre são exigidas na mesma escala.

O problema maior é que você acaba se envolvendo também emocionalmente com as situações de cada um de seus empregados, esse talvez seja o problema maior, tá? Cada um te traz um problema, você acaba sendo um confessor, ok?. (E19)

A última pergunta direcionada para os gerentes foi a seguinte: “Se você achasse a lâmpada

do gênio e ele lhe concedesse três pedidos, no seu ambiente de trabalho, o que você mudaria, tiraria, acrescentaria etc., enfim, quais seriam seus três desejos ?” O intuito dessa pergunta era dar espaço ao gerente para que ele falasse sobre suas idéias em torno da empresa, seus processos, atores sociais envolvidos e, sobretudo, sobre si mesmo. Outro aspecto importante foi a possibilidade que a pergunta abre no que diz respeito a reafirmação e/ou negação de informações dadas anteriormente, ou seja, expor contradições.

Num primeiro ordenamento das respostas somaram-se 26 desejos variados dos quais denota-se a variedade de fatores que compõem o trabalho desses gerentes e, por outro lado, constituem pontos de pressão sobre eles. Em seguida, elas foram reordenadas de acordo com os aspectos e os atores sociais que contemplavam, conforme constam na Tabela 10.

Tabela 10 – Aspectos e atores sociais envolvidos nas respostas relacionadas

“desejos profissionais no exercício da função gerencial” Respostas a: Desejos profissionais no exercício da função gerencial

Entrevistados Total de Entrevistados

Melhorias que envolvem empregados (qualificação, remuneração, motivação, comunicação, redução de conflitos etc.)

E1, E2, E3, E4, E6, E7, E8, E10, E11, E12, E13, E14, E15, E16, E18, E19

16

Melhoria da estrutura física da empresa (reforma, criação de área de eventos, sauna, sala de ginástica, benfeitorias na área de segurança etc.)

E1, E2, E5, E7, E10, E12, E13, E15, E19

9

Melhorias que envolvem os clientes (aumento na demanda, diminuição de ações de “má-fé”, maior polidez, melhoria no relacionamento etc.)

E1, E2, E3, E4, E13, E14, E15, E16

8

Ganhos em termos de status, autonomia E9, E12, E15, E19 4 Melhoria na relação entre concorrentes E6 1 Investir no “aspecto ambiental” E14 1

Fonte: Dados da pesquisa.

Algumas colocações merecem destaque. A importância de empregados qualificados e motivados é um ponto recorrente nas entrevistas. No entanto, autonomia para lidar com eles é algo que foi explicitado de variadas formas.

Eu (...) colocaria mais mão de obra, nós trabalhamos com um quadro bastante reduzido (...) visando a obtenção de lucro. (E12)

Em terceiro lugar, eu mandaria embora os nó-cego, os funcionários ruins de serviço, os que não se enquadram, né ? E promoveria os bons funcionários ! (E15)

Parece que autonomia e autoridade não vêm conjugadas com responsabilidade, inerentes

ao cargo de gerência. Outros espelham no seu local de trabalho a autonomia e o status que de fato não têm. Observe o comentário:

Porque o espaço que a gente trabalha é... é o espaço suficiente, mas eu queria ter uma sala enorme... (E12)

Outro aspecto interessante é que muitos se colocaram na posição do “gênio”, ou seja, suas

frases começavam com “eu faria”, “eu sonho”, “eu mudaria”. Outros deixaram bem claro o que pediriam ao gênio, ou seja, aquilo que de fato está fora de seu controle e possibilidade de efetiva intervenção. Note-se que um dos entrevistados (E9) se recusou a responder uma pergunta tão “lúdica”, segundo ele.

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3.3. Entrevistas com os Proprietários

Nas entrevistas com os proprietários, alguns aspectos já relatados por parte dos gerentes foram confirmados. Convém ressaltar que essas duas entrevistas foram, a priori, agendadas com os gerentes. Porém, os proprietários tomaram “a frente”, dispensaram os gerentes e se disponibilizaram para conversar acerca das funções gerenciais de seus subalternos. Esse fato, por si só, já é revelador: no entanto, os dados coletados dizem mais.

Com relação à concepção do papel gerencial, os proprietários sublinharam a importância do relacionamento com os outros funcionários, do atender o cliente com qualidade e do atingimento das metas, ou seja, ter uma visão ampla dos processos na hotelaria. Com relação às especificidades da gerência nesse setor, foi enfatizada a disponibilidade de “24 horas” por dia, em função da dinâmica do negócio. Um dos proprietários (P2) usou a palavra “escravidão”, no sentido de ilustrar tal dedicação que é exigida pelo cargo. Isso se relaciona, também, com as exigências do cargo. Dentre elas, os proprietários alinharam, além da dedicação, os seguintes pontos: “bom humor, bom senso, energia para trabalhar, raciocínio rápido” (P1), assim como profissionalismo, educação e atenção com todas as pessoas que o procuram (P2).

Dentre os pontos positivos de ser gerente naquela empresa, um proprietário (P1) ressaltou o plano de cargos da empresa e a proximidade entre a direção e os funcionários. O outro proprietário (P2) salientou a remuneração acima dos padrões de mercado, a presença atuante da empresa no mercado, o contato com pessoas importantes e o status resultante. Já em termos das dificuldades, foram apresentadas falhas de comunicação, em virtude da qualificação (baixa) dos empregados voltados para a operação do negócio. Outros aspectos abordados relacionam-se às dificuldades em lidar diretamente com os clientes e à exclusividade de dedicação que a hotelaria exige.

No que tange as relações com os subordinados, os proprietários acreditam que é boa (P1), pautada por confiança e cumplicidade rumo aos objetivos da empresa: a satisfação do cliente (P2). Já na relação com os superiores, ou seja, eles próprios, as respostas foram instigantes. Observe:

Boa... boa. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. (P1)

O outro proprietário apenas frisou que ele era “o dono”. Estas falas, somadas à não permissão de que os próprios gerentes dissertassem sobre seu trabalho, revelam um contexto de autoritarismo e de baixa autonomia que vai ao encontro de outros depoimentos dos gerentes entrevistados.

Com relação aos conflitos vividos na função gerencial, os dois proprietários concordaram no que diz respeito à sobrecarga e à pressão no trabalho. Um deles (P2) frisou que é praticamente impossível atender a todas as demandas em um só momento. O outro também foi explícito:

O dia é muito pequeno, 24 horas é pouco, tinha que ser mais, pra dar conta de fazer tudo que tem que fazer, esse é o grande problema. (P1)

Por fim, se eles tivessem achado a “lâmpada do gênio”, os desejos que queriam ver

concretizados relacionam-se a aumento da demanda e diminuição do número de concorrentes. O comentário de um deles reforça algumas percepções anteriores. Observe:

Cliente, cliente e cliente... o resto eu dou conta. Põe cliente aqui dentro e o resto é por minha conta, eu só preciso de cliente, eu num preciso de mais nada. Tendo cliente aqui dentro... eu mais os meus funcionários, é nossa obrigação atendê-los bem. (P1)

4. Considerações Finais

No que diz respeito ao trabalho cotidiano dessa função, foram explicitadas as dificuldades diárias que o gerente enfrenta no setor de hotelaria, englobando os desafios, a sobrecarga e a

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pressão a que estão sujeitos. Observou-se uma certa uniformidade nos depoimentos, a qual não foi percebida nas duas primeiras perguntas. O papel gerencial parece não estar claro para os entrevistados ou pelo menos não na sua amplitude e profundidade. Como pode se notar, cada respondente possui uma concepção, dá uma ênfase a determinado aspecto da função. Isso denota uma fraca ou fragmentada identidade gerencial, fato discutido em outras pesquisas no Brasil, como as realizadas por Melo (1995, 1999). As especificidades dessa função na hotelaria foram ressaltadas principalmente em termos da disponibilidade, do se fazer presente, ou melhor, da dedicação que o gerente deve ter devido à dinâmica do próprio negócio e da proximidade com os clientes. Apenas um gerente, não concordou com este último aspecto, o que é perfeitamente compreensível em se tratando de um motel; neste, o distanciamento é uma questão normalmente vista como central. Por outro lado, questiona-se em que medida o gerente, na sua ação cotidiana, tem colaborado para o fortalecimento e para o enfraquecimento de seu espaço e de seu escopo de trabalho.

Já dentre os jogos tramados e desenvolvidos na função em questão, o lidar com empregados (menos qualificados) e com clientes (categorizados como menos cordiais ou mais exigentes) impõe ao gerente ajustes complexos e num exíguo espaço de tempo. “Jeito”, “jeitinho” ou “jogo-de-cintura” foram expressões recorrentes nas falas dos entrevistados, tanto dos mais experientes como dos menos, tendo em vista a variedade de contingências que foram salientadas. Assim, engendrar as dimensões sublinhadas por Motta (1995) nos níveis organizacional, interpessoal e individual, torna-se um ponto decisivo. Nesse sentido, a formação acadêmica é um aspecto nevrálgico no setor pesquisado, tendo em vista tanto o nível de profundidade (raso) com que alguns entrevistados trataram certas questões que envolvem seu trabalho diário, como as afirmações recursivas de baixa qualificação de pessoal e das conseqüências que dela decorrem.

Por fim, aspectos positivos (e controversos) relacionados à função gerencial referem-se à autonomia, à liberdade, ao acesso à direção, ao status, ao prestígio, enfim ao poder, sendo que este último denota relações ambíguas e controversas tanto no caso dos gerentes como no dos proprietários. Dessa maneira, outras pesquisas podem ser realizadas contemplando pontos como dificuldades, contradições, identidade, subjetividade etc. dos gerentes, porém articulando-as com os aspectos positivos (mesmo que transitórios) dessa função tanto nas relações que se travam no ambiente interno como no externo às organizações.

5. Referências

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Atlas, 2003. DEMO, P. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do

conhecimento. São Paulo: Atlas, 2002. DRUCKER, P. O gerente eficaz. Rio de Janeiro: LTC, 1967. FAYOL, H. Administração industrial e geral. São Paulo: Atlas, 1990. GUERRIER, Y. Comportamento organizacional em hotéis e restaurantes. São Paulo:

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MINTZBERG, H. Trabalho do executivo: o folclore e o fato. Coleção Harvard de Administração. Vol. 3, p.5-37. São Paulo: Nova Cultural, 1986.

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Janeiro: Record, 1995. QUIVY, R. & CAMPENHOUDT, L. V. Manual de investigação em ciências

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i Este número poderia ser elevado para 25, já que um dos proprietários era dono de quatro motéis e um gerente administrava dois hotéis.

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GERÊNCIA E GERENTES NO SETOR DE SERVIÇOS: UMA PESQUISA EM PROCESSO DE FINALIZAÇÃO

Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])

Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França)

Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).

R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte – MG

Gizelle de Souza Mageste Mestranda em Administração (UFMG)

R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte – MG

Euller Lopes Mendes

Pesquisador Faculdade Novos Horizontes Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).

1. INTRODUÇÃO Desde as últimas décadas do século passado, a sociedade tem convivido com

importantes mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais, que têm afetado os indivíduos e as organizações, levando-os a incorporar novos valores, para que possam atender às novas demandas sociais e de mercado (CASTELLS, 1999).

A internacionalização dos mercados, também conhecida como fenômeno da globalização, foi marcada por uma progressiva eliminação de barreiras ao comércio internacional, provocando, mundialmente, o acirramento da competitividade e, por sua vez, permanentes ajustes nas empresas. Percebem-se transformações nos conceitos de produtividade e de qualidade, nos requisitos de qualificação dos recursos humanos e nos modelos de gestão das empresas.

Assim, a lógica dos mercados de trabalho começa a ser reconstruída alterando as qualificações exigidas e transferindo para o empregado a responsabilidade pela sua empregabilidade, redesenhando as tarefas e as funções criando a multifuncionalidade, a configuração de equipes semi-autônomas, exigindo responsabilidade, criatividade, desempenho e comprometimento dos empregados. Somam-se a essas mudanças, a rotação nos postos de trabalho, a flexibilização de direitos trabalhistas, com destaque para flexibilização salarial decorrente de práticas como o contrato temporário, a reposição de banco de horas e remuneração variável (MELO, 1995; ALVES, 2000). As empresas, face a uma economia cada vez mais competitiva, globalizada e instável, além de buscarem uma renovação tecnológica mais acelerada, tentam montar um quadro profissional/funcional mais enxuto e ágil, capaz de responder mais rapidamente às mudanças. Buscam-se profissionais orientados para

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resultados, prontos para o trabalho em equipe, sendo capazes de uma ação flexível e de promover a iniciativa (MELO, 2000).

Nesse contexto constata-se o surgimento de um conjunto de novos e complexos desafios para os gerentes. Em primeiro lugar porque é através dos gerentes que se produz o conteúdo da mudança; em segundo, porque faz parte da função gerencial o papel de transmissão no fluxo das informações que são geradas pelas mudanças e disseminadas pela organização. Além disso, porque são as práticas gerenciais que concretizam através de decisões e ações, o projeto de transformar a realidade organizacional e alcançar as metas e os objetivos almejados.

Dessa forma, o grupo gerencial passou a conviver com a instabilidade profissional, com novas demandas funcionais, com a necessidade de aperfeiçoamento contínuo para atuar em uma nova estrutura organizacional e para o desenvolvimento de novas práticas de gestão, levando-lhes a uma nova vivência no seu campo profissional. Esse contexto tem sido confirmado em diversos estudos realizados no Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão (NURTEG – Faculdade Novos Horizontes, Belo Horizonte, Brasil) sobre gerentes nos setores: financeiro (MELO, 2003), serviços (MELO, 2003), industrial e hospitalar (MELO, 2004).

Com tantos aspectos a serem considerados, surgem desafios ainda mais complexos para os profissionais de Recursos Humanos. Como selecionar um gerente? Quem é esse ou essa profissional? Quais as características necessárias a ele? Como determinar suas funções? Como conceber um programa de desenvolvimento gerencial? Como avaliar o seu trabalho? Como lidar com as suas reivindicações e reclamações? Como lidar com as suas contradições profissionais vivenciadas? Essas são apenas algumas questões que surgem quando se pensa na gestão dos gerentes. Este paper apresenta algumas reflexões sobre essas questões, baseadas em opiniões de gerentes entrevistados dos segmentos de informática e telecomunicações que representam 5,4% do setor de serviços brasileiro, com 6,3% do pessoal ocupado no setor (IBGE-PAS, 2002). Trata-se de segmentos da economia em constantes inovações tecnológicas e gerenciais trazendo conseqüências relevantes para as empresas da atualidade.

Para a efetivação da pesquisa brasileira foram realizadas 61 entrevistas com gerentes de empresas do setor de serviços, especificamente dos sub-setores de telecomunicações e informática, sendo os entrevistados divididos entre 30 homens e 31 mulheres. Os gerentes entrevistados se diferenciavam quanto a suas áreas de atuação dentro da organização por não ter sido o foco da pesquisa direcionar para um determinado setor específico. As entrevistas foram gravadas, com prévia autorização dos respondentes, e transcritas para melhor aproveitamento das informações fornecidas. A partir de tais entrevistas, foi efetuada a análise dos dados de acordo com a Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1979). O conteúdo das entrevistas dos gerentes foi agrupado em tabelas e analisado considerando-se a freqüência das respostas. Procedeu-se, então, a análise dos trechos das entrevistas de acordo com a temática a que se referiam, visando à obtenção de indicadores que permitissem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens contidas nos relatos dos gerentes (BARDIN, 1979).

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA FUNÇÃO GERENCIAL

Dentre as instâncias do modelo de relações de trabalhoi (MELO, 1991), o gerente assume com destaque a função da gestão da força de trabalho, sendo responsável pelo “pôr a trabalhar” ou pela disponibilização do potencial humano existente na organização, favorecendo a obtenção do trabalho em quantidade e qualidade necessários e, ainda, pela

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manutenção da cooperação e garantia da reprodução das relações sociais (assumindo aspectos importantes na regulação dos conflitos).

Havendo mudanças nos padrões de acumulação ou mais especificamente nas correlações de forças entre os grupos sociais e profissionais de uma organização, alteram-se os padrões de gerenciamento e, portanto, as competências organizacionais desejáveis. Assim, em tempos de reestruturação de um novo capitalismo, as mudanças nas formas de agir dentro das empresas impõem necessariamente mudanças nos quadros gerenciais, em suas funções, posicionamento e qualificações, entre outras coisas. Ou seja, novas práticas organizacionais são desenvolvidas a partir da realidade que está sendo criada.

As competências gerenciais possuem caráter relacional. As formas de ação dos gerentes bem como o seu espaço organizacional são, também, resultados da convergência de estratégias de outros gerentes de outras empresas, regularmente em situação de sucesso. Assim as competências gerais do grupo gerencial são provisoriamente reconhecidas vivendo um processo permanente de contestação e de emulação (GRUN, 1990) tendo em vista que a construção e a manutenção da competência profissional também é uma construção social contínua (DUBAR, 1997), além de atender a interesses políticos e econômicos.

Saussois (1998) analisa a gerência como práticas formalizadas que enfrentam três tipos de desafios dentro de uma organização: a coordenação das atividades, a cooperação entre os membros desta organização e a promoção da adesão à cultura da empresa. Mas Champy (1995, p.3) lembra que nas empresas que passaram por “um genuíno processo de reengenharia, a responsabilidade e a autoridade são tão amplamente distribuídas pela organização como um todo, que praticamente todos se transformam em gerentes, mesmo que apenas de seu próprio trabalho”.

A diversidade de abordagens referentes à função gerencial é em parte entendida quando consideramos o papel e a importância desses profissionais dentro da dinâmica organizacional. Rodrigues (1991) observa, a partir de resultados de pesquisas, que a construção de um imaginário coletivo social/organizacional se consubstancia e se consolida à medida em que são estabelecidos os papéis funcionais dos participantes da organização:

“gerentes e administradores atuam estrategicamente, nas organizações, para criar justificativas ou racionalidades, que expliquem medidas e ações das próprias organizações. Assim, os gerentes podem criar e administrar novas estruturas, novas tecnologias, e podem, ainda, agir através de parâmetros simbólicos, como ideologias, crenças e rituais” (RODRIGUES, 1991, p. 57)

Pode-se destacar o papel do gerente como mantenedor da ideologia da empresa. Ideologia essa que para conseguir maior e melhor produção com menor custo econômico e político possíveis, procura incorporar valores universais ao ideário organizacional. Dessa forma, políticas de recursos humanos e a ação dos gerentes favorecem o desenvolvimento do ideário organizacional.

Pagès et al. (1987:33) destacam o papel de agentes mediadores desempenhados pelo corpo gerencial e afirmam que

“o poder dos gerentes se explica pela sua capacidade de colocar seus conhecimentos a serviço de uma ação mediadora de redução das contradições da sociedade capitalista em desenvolvimento”.

Dessa forma, o caráter ideológico do papel gerencial pode ser entendido, também, como facilitador da construção de um ideário simbólico capaz de tratar as contradições inerentes ao modo de produção, aglutinar esforços dos diversos atores sociais em direção aos objetivos organizacionais, propiciando, ao mesmo tempo, “significado” ao trabalho humano.

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Entre as práticas do novo capitalismo, analisadas por Sennett (1999), destacam-se duas com forte efeito no trabalho gerencial: o trabalho flexível e o sistema de poder que se esconde nas modernas formas de flexibilidade. O autor examina que ao se falar de riscos, situação inerente no trabalho flexível usa-se a idéia de

“‘estar em risco’, o que é mais deprimente do que promissor. As proposições dos manuais de negócios referentes ao risco diário na empresa flexível indicam, de fato, o estado contínuo de vulnerabilidade vivido pelos indivíduos. Provoca-se, assim, uma espécie de preocupação surda, contínua, reforçada pela exagerada ambigüidade do sucesso e fracasso” (SENNETT, 1999, pág. 97).

Além das novas condições de mercado obrigarem a um número cada vez maior de pessoas a assumirem riscos, desenvolveu-se uma crença de que a experiência da pessoa vai perdendo valor à medida que se acumula a própria experiência ou, em outras palavras, trata-se de um processo de “erosão das qualificações”. A prática de trabalho flexível se baseia na suposição de que a rápida mudança de qualificação é a norma. Cria-se, então, um clima que enfatiza o risco constante que é aumentado quando “as experiências passadas parecem não servir de guia para o presente” (SENNETT, 1999, p. 115).

As modernas formas de flexibilidade permitem, também, a concentração de poder sem a centralização do poder, ou seja, as pessoas nas categorias funcionais inferiores ou de base nas organizações possuem, atualmente, mais controle sobre suas atividades. Mas, os novos sistemas de informação oferecem um quadro abrangente da organização aos altos administradores de uma forma que o controle dos indivíduos em qualquer parte da rede é mais eficiente e sutil, deixando pouco espaço para o indivíduo (SENNETT, 1999).

A sobrecarga dos pequenos grupos de trabalho é uma característica freqüente da reorganização das empresas. Assim, a nova ordem acrescenta novas formas de relações nas organizações. O controle pode ser estabelecido criando metas de produção ou lucro para uma grande variedade de grupos na organização, onde cada unidade tem “liberdade” de cumprir da maneira que julgar adequada. No entanto, são raras as organizações flexíveis que estabelecem metas de fácil cumprimento. Ainda, segundo Harrison (1994) a estrutura permanece nas forças que impelem as unidades ou indivíduos a produzirem mais; o que fica em aberto é como fazer isso, e o topo da organização flexível raras vezes oferece as respostas.

Dessa forma, procuram-se soluções que dêem resultados imediatos, sem necessariamente se tornarem resultados positivos no longo prazo, com o fim de manter o próprio emprego e garantir seu sustento. Ainda, o aumento da concorrência é um fator de acirramento dessa realidade, pois os resultados ficam cada vez mais difíceis considerando o número de empresas disputando o mesmo espaço no mercado.

Essas questões possibilitam uma contextualização da função gerencial nas organizações nos dias atuais: além de se tratar de uma função que envolve perspectivas técnicas, políticas e críticas no campo da prática social (REED, 1997) completada pelo ambiente cultural, sócio-econômico e político da sociedade onde se insere a organização, a função gerencial também recebe todas as influências e exigências do novo capitalismo reconstruído junto com a globalização.

3. O GERENTE ASSALARIADO – COMO FAZER A GESTÃO DESSA

CATEGORIA PROFISSIONAL? Neste contexto, foi realizada uma análise da categoria gerencial do segmento de

informática e telecomunicações da região metropolitana de Belo Horizonte (MG-Brasil) que encontra-se face a face com a seguinte situação: trata-se de um grupo profissional que

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proporcionalmente sofreu maiores impactos com a adoção de novas tecnologias organizacionais tais como a reengenharia, o downsize, as unidades de negócios, gestão participativa, implantação de células de trabalho, além dos avanços da informática e da micro eletrônica com suas repercussões no mundo organizacional. Além disso, no Brasil, não há nenhuma organização formal que represente legalmente os interesses do gerente. Na própria Justiça do Trabalho são encontrados decisões judiciais referentes a reclamações trabalhistas de empregados em cargos de chefias negando a petição sob a alegação de que o reclamante é representante do empregador.

Os próprios gerentes participantes do estudo quando questionados sobre o que é ser gerente não conseguem chegar a um consenso, apesar de apresentarem características tidas como essenciais para a função. O discurso mais comum entre os entrevistados é que o gerente atua principalmente através de suas interações sociais na empresa e fora dela:

Gerente hoje é administrar problemas. (...) ...mas quando eu falo problema não é aquele problema que você tem que estar todo dia quebrando a cabeça, não. É assim uma situação de você ficar interagindo com a empresa, buscando o que a gente precisa, que é um bom resultado, um bom relacionamento profissional, tanto com os clientes – o público externo – como o público interno também – seus colegas de trabalho. (...) É representar a empresa e levar a melhor imagem possível. Mesmo quando ela não é a imagem que a gente gostaria (G. 33)

Além disso eles percebem como parte de suas responsabilidades a promoção da cultura da empresa e a coordenação das atividades da equipe na direção dos interesses empresariais, dirigindo a esses interesses muito esforço e dedicação.

Então quer dizer, ele como gestor, ele tem a todo momento estar dando ordens, estar instruindo, estar orientando, estar desenvolvendo, estar motivando pessoas. (G.37) Então, pra mim, ser gerente é você ter a capacidade de juntar um grupo de pessoas em prol de um objetivo e conseguir aquele objetivo. Isso é função gerencial. (G.39) O Cara tem que vestir a camisa da empresa, e batalhar mesmo. (G.32)

Muitas vezes o exercício da função gerencial gera uma identificação dos interessses desse grupo com os interesses organizacionais, de forma que o gerente sente o sucesso da empresa como sendo o seu próprio sucesso. Para Galbraith (1988), a dinâmica da dominação organizacional se articula em torno da chamada “tecnoestrutura”, ou seja, indivíduos inseridos em grandes organizações adaptam-se a seus objetivos à medida em que galgam posições hierárquicas mais elevadas. Nessas posições, a sensação de poder seria maior e as pessoas teriam razões cada vez mais fortes para acreditarem que servindo à organização, ou seja, alinhando-se aos interesses dela, poderiam influir na determinação dos objetivos organizacionais que fossem mais próximos aos seus próprios interesses.

“Então, assim, eu tenho o meu planejamento, eu corro atrás, aí eu penso, eu elaboro, eu estudo, eu viabilizo, eu começo de novo... Então, assim, é onde eu tenho a minha maior possibilidade de crescer, de melhorar a minha performance profissional é atuando”. (G.19 – grifos acrescentados) “O fator de estar desempenhando um papel, de estar conseguindo um resultado, de estar lidando com pessoas, é instigante, é gostoso, isso no dia-a-dia é muito bom, sabe? Estar participando de decisões, isso é muito bom. (...) Então, é gostoso estar no dia-a-dia com desafios, e estar conseguindo vencê-los, é isso que é gostoso”. (G.16)

Entre os gerentes entrevistados o conceito de gerência muitas vezes se confunde com o de liderança – freqüentemente citado pelos gerentes como um ponto fundamental da gerência moderna. Segundo eles, uma de suas principais atribuições gerenciais é selecionar, motivar e direcionar o trabalho da equipe, compartilhando os resultados.

Na verdade, a posição de um gerente é como se fosse a posição de um treinador, quer dizer, você está unindo forças e perfis distintos, mas todos focados no mesmo

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objetivo. Então, é você aproveitar bem as potencialidades de cada um, mesmo sendo pessoas heterogêneas, com informações distintas, com um objetivo único. Acho que é muito mais esse papel de coach mesmo. (G. 34)

Vale ressaltar que as empresas que participaram deste estudo apresentavam discusros de descentralização e de política de portas abertas, onde a responsabilidade e a autoridade são distribuídas pela organização. (CHAMPY, 1995) .

Eu tenho uma teoria que, todo mundo é gerente, a moça que faz o café ela é gerente do café que ela faz, ninguém manda na água que ela esquenta, ou no pó e açúcar que ela coloca. (G.58)

As dificuldades em definir a gerência vão além das suas atribuições, e passam por uma questão importante que é a sua posição na estrutura social e econômica. Para uma corrente na sociologia das profissões o grupo gerencial não pode ser considerado como parte da classe trabalhadora, apesar de ser assalariado, uma vez que a sua “razão de ser” é justamente o controle dessa classe. Por outro lado, também não faz parte da classe capitalista. O grupo gerencial acaba por se inserir em uma posição antagônica, posicionando-se no meio da relação estrutural entre capital e trabalho. Naturalmente, não se pode desconhecer que o grupo gerencial não é uma categoria profissional homogênea, assim como também não o é nenhuma outra profissão, mantendo suas diferenças segundo os seus grupos hierárquicos básicos (MELO, 1995).

3.1. A seleção dos gerentes – pré-requisitos para o exercício da função gerencial

Em vista dessa dificuldade de definição da função gerencial, o primeiro desafio

encontrado na gestão dos gerentes é a seleção do profissional ideal para a função. Nesse estudo ficou evidente a forte necessidade de conhecimento especializado para a gestão das empresas. A formação superior foi considerada um pré-requisito para exercer a função gerencial por 27,87%i dos entrevistados, associada a 22,95% que afirmaram ser de fundamental importância possuir conhecimento tanto sobre o negócio da empresa como sobre a função que ele exerce. Mas para eles não basta ter um curso superior para ser um bom gerente, é preciso também ter experiência, competência e manter-se sempre atualizado, apresentando uma visão sistêmica do negócio.

É interessante observar que apesar de considerarem importante a educação formal do gerente e a sua capacidade intelectual, foi a habilidade de relacionamento o item mais citado pelos entrevistados (40,98%) lembrada em diferentes momentos da entrevista pelos gerentes. Além disso, os gerentes também se referiram a outros pré-requisitos relacionados a essa habilidade como a capacidade de liderança, gerenciar bem a equipe, conduzir a equipe a bons resultados para a empresa, não ser ditador, saber delegar tarefas, inspirar confiança, saber dar feedback aos subordinados, saber se impor e ser tolerante

Dificilmente você vai ver uma pessoa na gerência que tenha exclusivamente títulos, pós graduação, mestrado, doutorado enfim, você pode perceber que são pessoas fáceis de se lidar, pessoas que às vezes tem muito experiência prática e nem sempre experiência teórica. Na hora em que você atrelar experiência prática e experiência teórica isso é fundamental. Você fica embasado em certas teorias, até mesmo psicológicas, isso tudo influencia em um processo de trabalho até mesmo que o gerente está responsável. (G.45)

E não são apenas requisitos objetivos e mensuráveis que foram considerados importantes pelos entrevistados. Os gerentes traçaram também um perfil de posturas e comportamentos que uma pessoa precisa apresentar como requisito para ingressar na carreira.

Eu acho que a pessoa tem que ter atitude. Eu acho que diferencia uma pessoa da outra são as atitudes e os comportamentos. É muito fácil de você adquirir

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habilidade técnica. Se você já não veio com ela é muito fácil de você adquirir. Habilidade comportamental, não. (G.37)

Essas características apontam para o grau de dificuldade da função, uma vez que para exerce-la é necessário ser quase um “super-herói”. Segundo eles, para ingressar na carreira gerencial é preciso coragem, gostar de desafios e gostar do que faz e apresentar uma postura que demonstre essas características.

Um grande desafio que o gerente encontra ao ser selecionado é provar que é capaz de superar os desafios da carreira e para isso primeiro precisa acreditar em si, mantendo a auto-estima elevada, boa aparência e não acreditar em preconceitos que possam atrapalhar a sua carreira.

Olha, determinação, disciplina, sabe? Porque ser capaz, todos somos. (...) Então, no momento da entrevista, eu tava muito seguro, entendeu, com relação ao que eu podia oferecer ou não pra empresa. Então, eu acho que o principal é você se conhecer, porque você conhecendo o seu potencial, você tem condição de abraçar aquilo que você quer. (...) Você tem que ter a segurança daquilo que você vai fazer, você vai cumprir missão. Então, quando me entrevistaram pra poder estar assumindo essa gerência, foi um momento certo, na hora certa. (G.42)

Com essa auto-confiança ele pode então demonstrar sua dedicação, disciplina, ambição, dinamismo, flexibilidade, pró-atividade, intuição e humildade.

3.2.Desafios e pressões da função gerencial

Ao assumir a função gerencial, o indivíduo se depara em seu cotidiano com atribuições, barreiras e pressões que desafiam constantemente a sua capacidade gerencial e os fazem se esforçar para se manterem empregáveis: para 57,14% deles é necessário, nessa nova situação do mercado, manter-se em contínuo aperfeiçoamento. Para 29,51% dos gerentes entrevistados, a formação e a capacitação são fatores de pressão, já que eles precisam manter uma atualização constante para acompanhar o desenvolvimento tecnológico acelerado das telecomunicações e da informática.

Junto a isso, 39,34% dos gerentes afirmaram se sentirem pressionados para apresentar resultados e para tornar mais lucrativo o setor em que trabalham. Pode-se ressaltar que a preocupação por desenvolver e capacitar a equipe também faz parte do desafio da própria empregabilidade dos gerentes, visto que os resultados apresentados por eles são influenciados pelos resultados da sua equipe.

Gerente hoje é administrar problemas. (...) ...mas quando eu falo problema não é aquele problema que você tem que estar todo dia quebrando a cabeça, não. É assim uma situação de você ficar interagindo com a empresa, buscando o que a gente precisa, que é um bom resultado, um bom relacionamento profissional, tanto com os clientes – o público externo – como o público interno também – seus colegas de trabalho. (...) É representar a empresa e levar a melhor imagem possível. Mesmo quando ela não é a imagem que a gente gostaria (G. 33)

Assim como as tecnologias desse setor, a demanda do mercado na área de telecomunicações e informática cresce muito. As expectativas dos clientes deixaram de ser estáticas e mudam tão ou mais rapidamente que a capacidade de renovação da empresa, tornando cada vez mais difícil aos gerentes alcançá-las, o que gera uma grande angústia. Para 9,84% dos gerentes pesquisados atender a essas expectativas do cliente é um fator de grande pressão sobre eles.

Além disso, os gerentes entrevistados alegam serem pressionados a tomarem decisões rápidas, e atenderem às demandas em prazos muito curtos, apesar do excesso de tarefas, e de nem sempre disporem de todos os recursos necessários ao seu trabalho.

Ressalta-se o aumento do stress como sendo, na atualidade, uma especificidade da função gerencial. A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2002) em sua

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caracterização da ocupação do cargo de gerente afirma que “em algumas atividades podem trabalhar sob pressão, levando-os à situação de estresse constante”. Torna-se, portanto, institucional e socialmente aceitável que os gerentes trabalhem numa rotina de constante pressão e estresse.

3.3.Como facilitar o exercício da função gerencial

Para que a ação gerencial se torne mais ágil e eficiente é importante ter conhecimento sobre as dificuldades e facilidades encontradas pelos gerentes no exercício da sua função e assim orientar ações e decisões para uma melhor atuação profissional dos gestores.

Entre os gerentes que participaram deste estudo, as interações sociais são apresentadas como um ponto fundamental no seu campo de atuação, e podem facilitar ou dificultar o bom desempenho do seu trabalho dependendo de como se dão essas interações. Se por um lado a capacidade de desenvolver e manter uma equipe comprometida com os resultados da empresa (55,74%) facilita a atuação dos gerentes entrevistados, por outro, problemas de relacionamento e de comunicação, centralização das decisões e hierarquia excessiva (32,79%) constituem sérios entraves para o bom andamento da atividade gerencial.

“Acho que são dois aspectos importantes no gerenciamento. Primeiro é o comportamental, a parte do relacionamento, e outro é o conhecimento técnico. Realmente, para você coordenar, você tem que ter um bom conhecimento técnico, saber articular e levar as pessoas para um objetivo.”M7/2

A forma como são estruturados os processos decisórios da empresa, que influenciam diretamente a atuação do gerente, são um ponto importante a ser observado. Alguns gerentes entrevistados queixam da falta de discussão das decisões e da falta de integração entre os diversos setores da empresa. Afirmam que a liberdade de expressão, o trabalho em equipe e o acesso à alta chefia da empresa colaboram para o bom desempenho do seu trabalho.

A autonomia é outro fator crítico para o exercício da funçao gerencial. Os entrevistados afirmam sentir dificuldade em lidar com excesso de burocracia (27,87%), rigidez de horários e com problemas na estrutura organizacional da empresa. Ratificando a importância da autonomia no exercício da sua função, 39,35% das respotas dos entrevistados apontaram este quesito como facilitador do trabalho gerencial, podendo colaborar com um dinamismo nos processos e agilidade na tomada de decisões. Uma parte considerável dos gerentes entrevistados (37,7%) afirma ter muita autonomia para exercer a sua função, mas muitos admitem que possuem autonomia relativa (47,54%) ou pouca autonomia (11,48%).

Esses dados refletem uma das contradições vivenciadas por esse grupo profissional. O discurso organizacional, e mesmo a teoria, delineiam uma função gerencial que exige para o seu exercício uma capacidade de ação que requer uma autonomia que, na prática, os gerentes não possuem.

Outro ponto lembrado pelos entrevistados é o conhecimento e a experiência. Segundo eles, o bom exercício da função fica mais fácil quando o gerente se identifica com a organização, possui experiência, visão geral da empresa, conhecimento do mercado e recebe treinamentos promovidos pela empresa.

Uma barreira encontrada pelos entrevistados em seu dia-a-dia relaciona-se com a diversidade de ações no dia-a-dia dos gerentes (24,59%), o que acaba ocupando grande parte do seu tempo e tornando a sua atuação na tomada de decisões fragmentada ao longo do dia. Além disso, os gerentes também precisam lidar com recursos financeiros insuficientes, instabilidade do mercado, falta de formação gerencial, resistência cultural aos processos de mudança, e outras situações atípicas.

Diante de uma função tão complexa e que exige tantos requisitos os gerentes entrevistados reivindicam um maior reconhecimento do seu trabalho (36,07%), seja por meio

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de melhores salários, maior visibilidade, recompensas pelos bons resultados seja com a participação nos lucros da empresa ou até de um plano de carreira.

3.4. Estratégias de sobrevivência na função gerencial

Para a sobrevivência e a manutenção em um cargo gerencial, os gerentes entrevistados buscam cumprir o que é esperado deles, o que lhes é exigido. Dentre as táticas utilizadas pelos gerentes pesquisados para manter-se no cargo gerencial ressaltam-se a busca por bons resultados e o alcance de metas, apontado em 36,07% das respostas dos entrevistados. Para isso, eles afirmam demonstrar sua competência apresentando uma visão de futuro, gerando negócios para a empresa, motivando a equipe e exigindo dela bons resultados (32,79%).

Essa busca constante por resultados e alcance de metas acaba produzindo um ciclo vicioso: a cada meta alcançada produz-se uma nova meta mais alta, a qual é sempre um teste à capacidade dos gerentes.

“É só provar o resultado. As metas são estabelecidas e você mostra o seu resultado. Enquanto você gerar esse resultado, você está mantido. A partir do momento em que você não gerar mais esse resultado, você tá fora”.(F6/5)

Dessa forma, os gerentes pesquisados buscam não se acomodar no cargo, mantendo-se

sempre atualizados, e buscando aumentar a sua capacitação (54,10%). Além disso, eles se mostram extremamente comprometidos com a empresa, procuram ser confiáveis e disciplinados, respeitando os colegas e o local de trabalho (24,6%).

Mais uma vez, a habilidade de relacionamento é apontada como necessária à função gerencial, somando 27,88% das respostas dos entrevistados. Segundo os gerentes pesquisados, para se manter no cargo é necessário saber se relacionar e comunicar, além de possuir habilidades de liderança, praticar uma administração participativa, fazer-se visto no ambiente organizacional através de marketing pessoal e em alguns casos, até mesmo valer-se de apadrinhamento político dentro da empresa.

3.5.Avaliação gerencial

Superados os desafios da seleção e desenvolvimento da função gerencial, surge então um novo desafio para a gestão dos gerentes. Como avaliar o seu trabalho? Segundo os gerentes que participaram deste estudo, o método mais utilizado pelas empresas para avaliar o seu trabalho é verificar os resultados atingidos e o alcance das metas estipuladas, somando 50,82% das respostas dos entrevistados.

Mas nem sempre esse método de avaliação se aplica, desafiando as empresas a adotarem outros modelos de avaliação. Os gerentes entrevistados apontaram outros sete meios de avaliação gerencial: a avaliação informal, baseada na observação do trabalho do gerente e em outros aspectos mais subjetivos; a avaliação por meio de indicadores; a avaliação 360o – em que o gerente faz uma auto-avaliação e é avaliado pelo superior, pelos pares e pelos subordinados; a avaliação da satisfação dos clientes; a avaliação da competência gerencial; avaliação pela equipe e avaliação da satisfação dos funcionários.

Como o trabalho do gerente dificilmente é homogêneo, mais de um método de avaliação pode ser necessário para ter uma boa noção da competência do gerente. Em uma mesma empresa, dois gerentes podem ser avaliados com métodos diferentes, e muitas vezes o são, já que as diferentes áreas de atuação acabam gerando resultados muitas vezes imcomparáveis entre si. Cabe então às empresas e aos profissionais de Recursos Humanos, repensarem melhores métodos para avaliar a atuação dos gerentes.

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3.6.O gerente do futuro - tendências para a função gerencial Quando questionados sobre as tendências para a função, os gerentes do segmento de

telecomunicações e informática da região metropolitana de Belo Horizonte apontaram um movimento no sentido do fortalecimento da liderança (24,59%) em detrimento da hierarquia e autoridade (3,28%), valorizando mais a gestão de pessoas (14,75%) e a capacidade de adotar um modelo de administração participativa (19,67%), enfatizando o trabalho em equipe (13,11%), a habilidade em lidar com outras pessoas (3,28%) e uma maior autonomia no trabalho (1,64%).

A necessidade de constante atualização e qualificação também foram apontados como tendências (18,05%) para a gerência mostrando que as dificuldades passam a ser cada vez maiores para os gerentes, exigindo profissionalização gerencial. E mais uma vez, os gerentes ratificam que não basta ter a informação, é preciso saber o que fazer com ela para conseguir tomar decisões rapidamente. Além disso, os gerentes acreditam que há uma necessidade de ser mais criativo e saber atuar estratégicamente.

A informação é uma coisa difícil. (...) O fato é que hoje é cada vez mais difícil exatamente por que temos cada vez mais informação, mais fatores que você considera para você tomar sua análise de decisão. E isto vai complicar cada vez mais. (G.54)

Ainda segundo os gerentes, as empresas estão dando mais foco para a qualidade e produtividade nos serviços prestados, investindo em transparência e em gerenciamento por projetos personalizados.

4. Considerações finais

O grupo gerencial se destaca dentro das organizações pela quantidade de requisitos necessários ao seu ingresso na carreira, por ser incumbido de responsabilidades maiores em comparação aos demais empregados, estar exposto a diversos tipos de pressões e, principalmente, vivenciar conflitos e contradições inerentes ao exercício da função. Além disso, o trabalho do gerente dificilmente é homogêneo, variando as suas funções e suas formas de atuação de acordo com o contexto em que está inserido, a cultura organizacional, a estrutura da empresa, a área de atuação etc.

Nos processos de seleção para ocupação de cargos gerenciais constata-se uma imensa quantidade de exigências, que evidenciam a necessidade, por parte do candidato a ocupar a vaga, de apresentar grande número de características, as quais podem ou não lhes ser úteis no exercício da função.

Ressalta-se a necessidade coerência entre as competências exigidas e as realmente imprescindíveis para a função. Neste trabalho, essas competências começam a se delinear por meio da fala dos gerentes entrevistados que apontaram como características essenciais ao exercício de sua função e que devem ser priorizadas no momento da seleção dos gerentes, a habilidade de relacionamento e liderança, e educação formal com aperfeiçoamento constante.

Superado o desafio da seleção, torna-se necessária a definição de métodos de avaliação do desempenho gerencial. Neste estudo fica evidente a inviabilidade de um método único de avaliação, uma vez que este não traduziria por completo as atuações dos gerentes, tendo em vista a multiplicidade vinculada à função, sendo então necessária uma combinação de métodos de avaliação para ter uma boa noção da competência do gerente, e de uma certa forma tornar os desempenhos dos gerentes comparáveis entre si.

Outra questão que deve ser considerada é a necessidade do gerente de reconhecimento do seu trabalho, uma das suas principais reivindicações. Para isso, torna-se imperativo gerar políticas para a valorização do trabalho gerencial, de maneira que isso não signifique um

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maior ônus para a empresa em termos financeiros. Assim, pode-se utilizar o simbólico como forma de gerar um sentimento de reconhecimento e gratificação pelo trabalho executado.

Todas as peculiaridades apresentadas transformam o gerente em um elemento sui generis dentro da organização, exigindo medidas e atuações por parte das empresas condizentes com suas atribuições e complexidades, promovendo de políticas e processos específicos para a gestão desses profissionais.

Muitas são as questões a serem consideradas quando se trata da gestão do corpo gerencial de uma empresa, constituindo grande desafio para o profissional de Recursos Humanos que precisam ser estudados, discutidos e resolvidos. As reflexões apresentadas neste artigo constituem um direcionamento inicial para um estudo mais aprofundado e uma busca mais completa das questões que permeiam esse tema. REFERÊNCIAS

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A GERÊNCIA FEMININA

Antes de nos referirmos especificamente à gerência feminina, acreditamos ser importante traçar um pano de fundo da situação atual da função gerencial como um todo. Segundo Melo (2002a), a estruturação de uma nova ordem econômica e política tem sido apoiada pela revolução de novas tecnologias na área de comunicação e informática, que têm possibilitado um processo de reestruturação produtiva em grande parte das organizações.

Desde o seu início, a reestruturação produtiva caracterizou-se pela eliminação de postos de trabalho na maioria das empresas de todos os setores, pois permitiu restringir a interferência direta do trabalhador em uma série de tarefas que compõem o processo do trabalho. Outro elemento importante na redução de empregos foram as novas formas de organização do trabalho que modificaram a rotina e o conteúdo das atividades profissionais, geralmente, dispensando o trabalho de controle e supervisões exercido pelas chefias imediatas e criaram grupos de trabalho que têm assumido novas tarefas, responsabilizando-se por sua execução (Dieese, 2002).

Para Melo (2002a), a razão para a queda do número de cargos no nível de gerência de linha, por exemplo, no setor industrial, deve-se à reestruturação dos processos de trabalho com menor demanda de mão-de-obra, eliminando as funções de administrar rotinas e incorporando empregados em processos gerenciais. Já no setor bancário, aos processos de privatização e fusão de diversas empresas, soma-se uma nova política de gestão de pessoas, baseada na busca da racionalização, exigência de maior qualificação, e na transferência para o próprio empregado do controle da rotina do seu dia-a-dia, agregando função e status ao posto de trabalho. Assim, percebe-se um quadro em que os postos gerenciais, principalmente, aqueles de nível mais baixo e intermediário têm sido bastante reduzidos.

Quando se trata especificamente da gerência feminina, percebemos uma disponibilidade ainda menor de cargos para mulheres que pretendem ocupar posições gerenciais. Ao buscarmos suporte teórico para estudar a função gerencial, observamos que a literatura disponível é sexuada (versando sobre gerentes homens) e trata a organização prioritariamente como um espaço masculino. Calas & Smircich (1996, p.281) afirmam que “a teoria organizacional tem sido uma literatura escrita por homens, para os homens e sobre os homens: como obter racionalmente a cooperação dos homens para atingir os objetivos organizacionais, como gerenciar (man / age)i.” As autoras argumentam, ainda, que, mesmo elas tendo ocupado postos em organizações desde o início da Revolução Industrial e mesmo com a existência de pesquisadoras sobre o assunto, como Mary Parker Folletti e Lillian Gilbrethi, a presença de mulheres em posições gerenciais era vista como uma anomalia ou considerada normal apenas se estivessem em papéis subordinados. As autoras também afirmam que "grosso modo, pouco mudou nessa literatura desde os anos 60" (p. 281). Isso significa que o conhecimento teórico disponível sobre mulheres nas organizações ainda é pouco consistente e, em relação à categoria mulheres gerentes, ainda é fragmentado e controverso.

Apesar das lacunas na teoria sobre mulheres gerentes, há evidências empíricas de que importantes mudanças vêem ocorrendo no mercado de trabalho. Tais mudanças estão relacionadas, dentre outros fatores, aos avanços e conquistas das mulheres, principalmente nas últimas décadas. Pesquisas de diversas autoras e autores, como as de Melo (2001; 2002a; 2002b, 2003a e 2003b) e Brito (2005), têm se voltado para a inserção de mulheres gerentes

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em diferentes setores da economia e em diferentes organizações, verificando que há espaços em que a mulher tem obtido maiores conquistas e aceitação e que as mulheres vivenciam esse novo espaço organizacional de forma diferenciada, indicando características e traços comuns por setor. A transposição de barreiras na ocupação de cargos de chefia pela mão-de-obra feminina no setor bancário, por exemplo, é percebida sob a forma de um movimento ascendente, principalmente, em relação a cargos nos níveis de alta gerência e de gerência de linha (Melo, 2002b). Em suas pesquisas, Melo (2002a; 2002b) revela que, em instituições financeiras no Brasil, as mulheres vêm superando dois bloqueios básicos: o cultural (constituem parte significativa da força de trabalho) e o organizacional (já existem políticas organizacionais favoráveis ao acesso de mulheres aos cargos gerenciais), além de já possuem características que podem diferenciá-las e, com isso, ajudá-las a romper a barreira da cultura organizacional e avançar, mesmo que pouco a pouco, na carreira gerencial. Além disso, Melo (2002b) verifica que, no setor bancário, as gerentes tendem a se tornar mais agressivas do que seus colegas homens.

Dessa forma, a questão da mulher gerente emerge como um foco de estudos que demanda análises condizentes com a realidade vivenciada pelo sexo feminino e com as implicações dessa realidade no exercício de sua função. Mas também nesse campo não podemos homogeneizar a situação em análise: “mulheres gerentes” não significa a mesma coisa em setores diferentes da economia, o que introduz novas variáveis nas análises que envolvam a questão de gênero.

Antes de apresentarmos e discutirmos mais detalhes sobre o trabalho e a vida pessoal de mulheres gerentes, apresentaremos algumas estatísticas sobre a participação feminina em cargos gerenciais. A ocupação de cargos gerenciais por mulheres

Nenhum século da história passou por tantas transformações sociais como o século XX. Os países desenvolvidos, que são modelo para o restante do mundo, passaram, nas últimas décadas, por transformações quanti-qualitativas que afetaram suas configurações, seus processos, seus problemas e suas estruturas de forma jamais identificada no percurso histórico da humanidade (Drucker, 1997a).

No Brasil, o fenômeno da globalização da economia provocou importantes mudanças na esfera organizacional, trazendo, por sua vez, contribuições para a inserção das mulheres no mercado de trabalho, com ênfase para a ocupação de cargos de nível mais elevado, ou seja, aqueles que demandam maior qualificação (Fonseca, 1996).

Como exemplo, pode-se mencionar o grande contingente de profissionais do sexo feminino atuando na área da saúde, principalmente nas últimas décadas. Segundo dados apresentados por Fonseca (1996, p.103), a participação feminina nesse setor, na década de 70, saltou de 41,41% para 62,87%, sendo que em relação à enfermagem de nível superior, ocorreu um aumento de 86,00% para 94,50%, na década de 80. Quanto à ocupação de cargos de chefia por enfermeiras, há que se considerar que, por ser uma profissão hegemonicamente feminina, a enfermagem possui um significativo contingente de mulheres exercendo cargos de chefia. Entretanto, isso não implica na ausência de preconceitos em relação a essas enfermeiras e, tampouco na ausência de dificuldades em seu cotidiano. Ao contrário, na enfermagem evidenciamos, de maneira incisiva, o desgaste a que se submetem as mulheres diante das duplas jornadas de trabalho, que, para Alves (1996), são necessárias à manutenção das condições de sobrevivência delas e de suas famílias. Esse fato tem ocorrido, principalmente,

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em função da deterioração dos salários reais dos trabalhadores, decorrente da crise econômica brasileira.

Outros estudos sobre a gerência feminina têm sido desenvolvidos, como no treinamento de executivas ou em programas de desenvolvimento de gerentes do sexo feminino. Segundo Lewis e Fagenson (1997), somente 5% dos cargos de alta gerência são ocupados por mulheres nos Estados Unidos, sendo que, no Brasil, esse percentual é ainda menor. As autoras citam estudos recentes desenvolvidos em âmbito mundial, mostrando que, mesmo em países onde detêm 50% dos postos executivos, as profissionais do sexo feminino continuam encontrando dificuldades para alcançar níveis hierárquicos mais elevados nas organizações.

Contudo, não podemos negar que as mulheres têm ocupado mais postos gerenciais. A situação das

mulheres quanto à ocupação de cargos de gerência no Brasil é similar às condições gerais de outras

trabalhadoras: tem sido cada vez maior, havendo grande crescimento da participação feminina no total

de gerentes de ano a ano, como demonstrado na tabela a seguir.

Tabela . Evolução do Número de Gerentes por Sexo no Brasil 1988 1993 1998 2003 Masculino 78,59% 74,67% 73,29% 62,69% Feminino 21,41% 25,33% 26,21% 37,31% Total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)

Ao compararmos a evolução da ocupação dos postos de gerência por homens e mulheres subdividida entre os níveis gerenciais (tabela ), também verificamos, até o ano de 2003, um aumento expressivo do número de mulheres em todos os níveis gerenciais, com destaque para os cargos de gerência intermediária, que apresentaram, ao longo do tempo, uma evolução superior à média total do crescimento do número de gerentes mulheres, enquanto o número de gerentes de linha tem oscilado, ora acima da média ora abaixo da média geral. Já na alta gerência, as mulheres, que representavam 16,13% do total de profissionais desse nível em 1988, passaram a representar 47,27% dessa categoria, o que representa um crescimento de 293% na participação feminina nesses cargos.

Tabela . - Evolução do emprego de gerência em todos os níveis gerenciais Ano Gerência de Linha Gerência Intermediária Alta administração Total

1988 Feminino 24,03% 21,91% 16,13% 21,41% Masculino 75,97% 78,09% 83,87% 78,59% 1993 Feminino 27,80% 25,65% 20,73% 25,33% Masculino 72,20% 74,35% 79,27% 74,67% 1998 Feminino 33,11% 29,42% 27,61% 30,13% Masculino 66,89% 70,58% 72,39% 69,87% 2003 Feminino 32,47% 39,51% 47,27% 37,31% Masculino 67,53% 60,49% 52,73% 62,69% Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)

Dados mais atuais, publicados na revista Exame (jan./2005), entretanto, revelam a situação das mulheres que ocupam o primeiro escalão das empresas brasileiras classificadas entre as 500 maiores do anuário Exame, diga-se, a presidência. Pelo quadro, verifica-se que os 2% de mulheres que compunham a amostra deixaram seus cargos antes da publicação da matéria na revista. Alvesson e Billing (1997) corroboram com o fato de que, apesar de a fatia feminina ocupando postos gerenciais estar crescendo nos últimos anos, as mulheres gerentes estão concentradas em postos mais baixos de comando, muitas vezes, supervisionando trabalhadoras do mesmo sexo e com pouca atuação na tomada de decisão das companhias. Voltando à reportagem da revista Exame, ela apresenta o perfil

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dos diretores das grandes empresas brasileiras por área de atuação e revela a seguinte proporção: diretores comerciais com 95% de homens e 5% de mulheres; diretores financeiros com 97% de homens e 3% de mulheres; e diretores de recursos humanos com 85% de homens e 15% de mulheres. Percebemos, diante disso, como as mulheres são mais bem aceitas na área de recursos humanos justamente por se acreditar em sua melhor habilidade para lidar com pessoas. Já na área financeira, o índice de ocupação feminino é o mais baixo. Talvez guiado pelo estereótipo de que mulher não sabe lidar com dinheiro...

Quadro 1. Retrato do chefe

O perfil dos presidentes de empresas no Brasil, segundo pesquisa da consultoria de headhunting Heidrick & Struggles, com base em uma amostra estatística de 105 líderes de companhias listadas entre as 500 maiores no anuário Melhores e Maiores, de EXAME. A amostra só contempla o primeiro homem da empresa, sob o cargo de presidente, diretor-geral, superintendente ou correlatos

Sexo Os homens são a esmagadora maioria 98%. Entre a conclusão da pesquisa e a publicação da matéria, as mulheres, que formavam os 2% da amostra, deixaram os seus cargos

Nacionalidade Os brasileiros representam 88%. Os demais são europeus (7%) e latino-americanos (5%) Fonte : MANO, Cristiane. Quem são eles. São Paulo: Abril Editora, revista EXAME, 26 de jan. De 2005.

Quando verificamos os dados por setor da economia (tabela ), percebemos que, acompanhando a tendência da mão-de-obra geral, observa-se uma maior aglomeração de gerentes mulheres nos setores do comércio e de serviços, um grande consumidor de mão-de-obra feminina. A grande concentração de mão-de-obra feminina nesses setores também pode ser explicada tendo-se em vista o fato de que, atualmente, esse setor já é responsável por quase 56% do total de empregos no Brasil, contra 20% do setor industrial (RAIS, 1999). Assim, as mulheres chegaram a representar 46,22% dos gerentes no setor de serviços no ano de 2003. Contudo, na construção civil, na agropecuária e na indústria, observa-se um número bem mais reduzido de gerentes mulheres.

Tabela . Distribuição Sexual dos Cargos Gerenciais por Setores da Economia Setores 1988 (%) 1993 (%) 1998 (%) 2003 (%) Masc. Fem. Tot. Masc. Fem. Tot. Masc. Fem. Tot. Masc. Fem. Tot. Indústria 85,30 14,70 100 81,66 18,34 100 76,92 23,08 100 73,83 26,17 100 Construção civil 88,39 11,61 100 83,53 16,47 100 80,70 19,30 100 89,44 10,56 100 Comércio 76,42 23,58 100 72,31 27,69 100 68,10 31,90 100 63,65 36,35 100 Serviços 75,02 24,98 100 71,40 28,60 100 65,76 34,24 100 53,78 46,22 100 Agropecuária e afins 92,02 7,98 100 91,84 8,16 100 91,78 8,22 100 89,51 10,49 100 Outros/ignorado 79,90 20,10 100 72,69 27,31 100 66,39 33,61 100 97,44% 2,56 100 Total 78,59 21,41 100 74,67 25,33 100 69,87 30,13 100 62,69 37,31 100 Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)

Os dados gerais no Brasil apontam para um equilíbrio entre homens e mulheres quanto à contagem de postos de trabalho no setor de serviços, inclusive no que diz respeito à gerência. Em 1998, dois terços dessas vagas eram ocupadas por homens, já em 2003, a situação estava quase equilibrada. Isto evidencia que, no setor de serviços, as mulheres já vêm desenvolvendo suas funções como coordenadoras e nos permite supor que num futuro próximo deve acontecer uma aproximação entre as proporções do trabalho masculino e feminino também na gerência.

A reestruturação dos processos de trabalho que atinge a função gerencial, ao eliminar as funções de administrar rotinas e buscar uma maior racionalização tem também exigido maior qualificação por parte daqueles gerentes que permanecem em seus postos. Esse fato está refletido no aumento da qualificação profissional entre os gerentes e revela um maior preparo das mulheres para o exercício do cargo através de capacitações e cursos. Entrementes, a remuneração média de gerentes homens e mulheres difere radicalmente, não acompanhando a maior escolaridade feminina. Em 1988,

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a distância entre o recebido por homens e por mulheres como remuneração por seu trabalho em posições gerenciais era de, em média, 6,45 salários mínimos.

Tabela . Remuneração Média dos Gerentes por Sexo (em salários mínimos) 1998 1993 1998 2003 Masculino 13,65 14,43 15,76 10,32 Feminino 7,21 8,47 10,31 6,60 Total 12,27 12,92 14,12 8,93 Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)

Os dados apresentados permitem uma reflexão sobre a ocupação de cargos de gerência por mulheres. Apesar de se perceber uma tendência ao aumento da participação feminina em postos de trabalho mais qualificados, como a gerência, ainda existem assimetrias que têm sido desvantajosas às mulheres, como afirmado por Segnini (1999, p.22):

“Reafirmando a marginalização das mulheres no mercado de trabalho, o ‘status’ de inferioridade da mulher em todos os níveis da sociedade é mantido e aprofundado pelas classes dominantes através da educação familiar, da escola, dos meios de comunicação de massa, das religiões, da legislação, dentre outros. Os preconceitos assimilados pela mulher contribuem para impedi-la de assumir postos de decisão em todas as instâncias, inclusive no trabalho. Assim, as desvantagens sociais de que gozam as trabalhadoras no capitalismo, permitem ao mercado de trabalho ‘arrancar’ delas o máximo de mais valia absoluta, através da intensificação do trabalho, da extensão da jornada além do previsto na legislação e da oferta de salários mais baixos do que os masculinos.”

A afirmação da autora instiga a pensar sobre a inserção da mulher em cargos de gerência, uma vez que, nessa posição, a mulher vivencia situações singulares e maior carga de pressão decorrente do próprio cargo. Os fatores de pressão variam, desde a competitividade do mercado de trabalho e a imposição de maior qualificação por parte da organização, até as dificuldades de conciliação entre a vida profissional e privada. Analisemos, portanto, essas questões e situações mais de perto. Cotidiano de trabalho e vida pessoal das gerentes

O cotidiano de trabalho é de fundamental importância para o estudo das mulheres gerentes, uma vez que é nele que se podem perceber suas principais características gerenciais e as experiências que vivenciam, o que engloba os seus relacionamentos, suas satisfações e insatisfações, entre outros aspectos de sua trajetória profissional. A seguir, apresentaremos esses diversos aspectos ilustrados mediante pesquisas realizadas por Melo (2001; 2002a; 2002b, 2003a e 2003b), Brito (2005), Cappelle et al. (2003) e Betiol (1998 e 2000) com mulheres ocupando posições gerenciais. Trajetória profissional

A trajetória profissional abrange um universo de acontecimentos que podem influenciar ou nortear a conduta atual das gerentes, assim como sua visão a respeito da função gerencial. Os caminhos percorridos por essas mulheres antes de ingressarem na carreira também indicam as experiências que elas tiveram que adquirir antes de ocuparem a posição de gerentes. A pesquisa de Melo (2003a) identificou que 56% das gerentes entrevistadas trabalharam em outras empresas anteriormente ao ingresso na empresa na qual exerciam a função gerencial e também que 52% delas assumiram outros cargos antes de se tornarem gerentes. 32% das entrevistadas ingressaram na empresa ocupando cargo gerencial, sendo que 20% do total foram contratadas para o cargo mediante concurso. Percebemos, nesse quadro, a relevância da experiência em outras funções e empresas para alcançar a gerência, já que apenas 12% das entrevistadas já entraram na empresa diretamente ocupando a função de gerentes.

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Nessa mesma pesquisa, entre os fatores que as levaram a assumir tal cargo, os de maior relevância foram a indicação pelo reconhecimento do trabalho, o fato de possuírem o perfil adequado e o de ser um objetivo pessoal. Nesse caso, a adequação do perfil ao cargo está diretamente relacionada à vontade pessoal, pois ao objetivarem se tornar gerentes, essas mulheres direcionaram suas carreiras e seus esforços para se preparar para ocupar tal função, seja em termos de opção de trabalho, do desempenho ou da qualificação profissional. Verificamos, portanto, que o ingresso no cargo está mais fortemente ligado à postura e ao querer das gerentes do que à indicação de outras pessoas.

Outro aspecto observado por Melo (2002b) foi a influência da esfera familiar na trajetória profissional das gerentes. Em sua pesquisa, a autora identificou o descontentamento a respeito das dificuldades de ascensão na carreira decorrente de questões relacionadas à vida familiar, tais como dificuldades de mobilidade ao serem transferidas, flexibilidade de horários ou a dedicação aos filhos e marido. Mesmo assim, algumas gerentes afirmaram terem aberto mão desse âmbito pessoal para não perderem oportunidades de crescimento na carreira, não acompanhando de perto o crescimento dos filhos ou desistindo do casamento.

O divórcio, segundo as entrevistadas, ocorreu porque o cônjuge não compreendia a dedicação à carreira. O mesmo fator é responsável pelo fato de não terem tido filhos e/ou constituído família. A esse respeito, Melo (2202b) observou duas situações contrárias: algumas gerentes sentiam-se frustradas por não terem família, enquanto outras estavam satisfeitas com a vida de solteira por não terem a cobrança que observam na vida de outras colegas. Poucas delas foram acompanhadas pela família, a qual concordou fazer sacrifícios pela carreira da mãe/esposa. Mas a trajetória na carreira das gerentes também é marcada pela necessidade de adoção de determinadas posturas e comportamentos. Posturas e comportamentos adotados

No espaço do trabalho, o comportamento adotado por um funcionário é percebido tanto por seus superiores como por seus colegas de trabalho e subordinados e, se houver contato direto com eles, também pelos clientes. A esse respeito, Merrick (2002) verificou que, em funções gerenciais, o desempenho de mulheres gerente é dificultado por estereótipos acerca da competência feminina. Entretanto, isso pode se tornar um aspecto positivo quando elas conseguem mudar sua própria percepção e a percepção dos outros em relação a elas mesmas.

Por exemplo, Cappelle et. al. (2003) verificaram que o estabelecimento de uma forte ligação com a empresa e o comprometimento com suas carreiras influenciaram para que gerentes de uma companhia de mineração não se vissem diferentes dos gerentes homens, apesar de reconhecerem a desigualdade de gênero na ocupação de cargos gerenciais. Em seus discursos, todas as entrevistadas procuraram negar essa diferença, mas em alguns momentos se contradisseram e algumas delas ressaltaram os aspectos negativos das assimetrias de gênero na organização, tais como o uso de palavreados e piadas machistas por parte dos colegas gerentes ou as “cantadas” (assédios) pelo fato de viajarem sozinhas a negócio. Essa negação das diferenças revela um conflito encoberto por que geralmente passam as mulheres que ocupam cargos de gerência: para serem aceitas num ambiente eminentemente masculino, elas acabam encarando como naturais algumas posturas machistas, ou mesmo criam estratégias próprias de auto-regulação, como usar o humor (levar na brincadeira), disfarçar seu constrangimento ou agirem como homens (Belle, 1993).

Para uma gerente entrevistada por Cappelle et al. (2003), a mulher deve se policiar para não revelar sua feminilidade, vista por ela como uma fraqueza: a diferença entre os sexos, aos

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olhos de algumas gerentes, é pejorativa para a mulher. Esse fato confirma a teoria de Butler (1981), segundo a qual as mulheres são socializadas para serem suas piores opressoras.

Nesse ponto, merece destaque uma observação realizada por Betiol (2000) em sua pesquisa com administradoras formadas por uma Instituição de Ensino em Administração na cidade de São Paulo desde sua primeira turma, em 1958, até 1995. A autora percebeu que mesmo quando as mulheres necessitam adotar um comportamento mais duro, agressivo e autoritário para serem respeitadas em postos de comando, nas empresas, devem, em casa, manter uma postura feminina, entendida como doce e submissa. Para Betiol (2000), trata-se de um paradoxo de comportamento esperado da mulher, principalmente na cultura latina, cuja cisão é difícil de ser mantida, pois não se pode cortar o funcionamento psíquico em dois, sob simples comando.

Entre outros comportamentos esperados da mulher, também está a postura cuidadosa quanto à imagem e ao caráter. Cappelle et al. (2003) verificaram que as gerentes pesquisadas sentiam-se muito mais visadas e observadas do que seus colegas homens e, por esse motivo, como uma espécie de estratégia para lidar com o preconceito e contra estereótipos do tipo “a mulher que trabalha fora está aberta a aventuras”, adotavam o cuidado permanente com o que iam falar, com o trato com os colegas, com as roupas que vestiam, etc. Esse tipo de comportamento envolve também desenvolver uma capacidade de saber impor limites nos relacionamentos, bem como de mostrar sua competência a todo o tempo.

No que se refere aos relacionamentos no trabalho - uma capacidade enfatizada como necessária e fundamental a gerentes de qualquer setor e nível - há alguns aspectos que devem ser levantados. O primeiro deles, é a dificuldade de relacionamento com um persistente público machista, seja entre superiores, pares, subordinados ou clientes, que ainda vê com descrédito a gerência feminina. Uma outra particularidade identificada por Cappelle et al. (2003) são problemas de relacionamento que as entrevistadas afirmam ter enfrentado com outras mulheres, suas pares na empresa. Esse fato exemplifica a forte competição entre mulheres no mundo do trabalho, principalmente em posições nas quais o acesso feminino ainda é relativamente limitado, conforme estudado por Butler (1981). Essa competição pode ser atribuída ao menor número de oportunidades de ascensão disponibilizadas às mulheres, fenômeno conhecido como “teto de vidro” (Steil, 1997), ou também à falta de cumplicidade entre elas num ambiente formado por maioria masculina (Merrick, 2002). Essa rivalidade feminina no âmbito do trabalho pode ser gradualmente reduzida na medida em que haja o aumento da participação de mulheres, principalmente, em cargos mais elevados na hierarquia organizacional.

Sobre a questão da competência, nas pesquisas de Melo (2002a), o comportamento que apareceu com maior freqüência entre as gerentes mulheres foi a necessidade de terem que demonstrar mais competência que os homens, como um diferencial para se fixarem na carreira. Em segundo lugar, apareceu a importância do conhecimento e de se ter empenho e dedicação, o que demonstra que a ascensão profissional e a permanência em tal cargo não são fáceis e requerem compromisso, conhecimento técnico e também gostar de desempenhar a função.

Apesar da visão do lado feminino como um entrave, outras gerentes já encaram a feminilidade como uma vantagem e conseguem explorá-la mais intensamente e a exaltá-la como uma tendência de conduta para todos aqueles que ocupam cargos gerenciais. Um estudo da economista Christina Larroudé de Paula Leite, professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, concluiu que, para ascender profissionalmente, as mulheres nem sequer precisam imitar os homens. Ao contrário, são justamente suas características femininas que as

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favorecem (Veja, 8 de novembro de 2000). Essa tendência pode ser observada também no discurso gerencial atual, que defende o desenvolvimento da sensibilidade, flexibilidade e emotividade, características tidas como eminentemente femininas. Características femininas e gerência

Saber se realmente existem ou não características exclusivamente femininas e se a origem de tais características é biológica ou social é um tema para diversas teses de Doutorado. Contudo, o fato é que essa discussão está muito presente no mundo dos negócios de hoje e que muitas gerentes têm se apropriado de tais características para serem mais aceitas e, conseqüentemente, mais bem sucedidas em suas carreiras.

De acordo com estudos específicos do estilo gerencial feminino, como o de Buttner (2001), no processo de gestão conduzido por mulheres há uma tendência para que os objetivos sejam claros e difundidos entre todos na organização, procurando alcançar a satisfação dos interesses de todos que participam, direta ou indiretamente, de seus negócios. No mesmo sentido, Brush e Bird (1996) apontam como características que predominam na liderança feminina a flexibilidade, a inovação, a integração e a orientação para a ação. Sexton e Bowman-Upton (1990), por sua vez, perceberam que entre as mulheres empreendedoras existe uma busca intensa por independência e um desejo por experiências novas e diferentes, que proporcionem realizações para elas.

Na pesquisa de Betiol (2000), as diferenças do estilo feminino de gestão, em relação ao masculino (apontadas tanto pelos entrevistados quanto pelas entrevistadas) envolvem características como a intuição, a sensibilidade, a criatividade, o detalhismo, a flexibilidade, a disciplina, o maior senso de justiça, a organização, a paciência, a garra e a percepção mais acurada em relação às pessoas e aos negócios. Por outro lado, a autora contrapõe que quando abordada a questão da liderança, mesmo diante do aspecto positivo das características citadas, o impacto que elas causam não é tão favorável. Há outras características negativas, como a dificuldade de se imporem e a necessidade de se justificarem e se explicarem excessivamente aos seus subordinados, o machismo e o preconceito advindos da herança cultural, que se sobrepõem às outras características e emergem como grandes empecilhos para o acesso feminino a postos de comando.

Contudo, uma característica é consenso em diversas pesquisas quando se fala de traços femininos na gerência: a preocupação com o aspecto humano das organizações, representada por um estilo de gestão mais participativo. Essa característica pode ser ilustrada com trechos de uma palestra conferida por Anita Roddick, fundadora da grife inglesa de cosméticos Body Shop, na Expo Management, em São Paulo.

Para Melo (2002b), as mulheres, de um modo geral, estão se mostrando cada vez mais competentes naquelas atividades relacionadas a cargos de administração. Diante dessa afirmativa, a autora sistematiza as características ou qualidades femininas que podem favorecer as mulheres nas suas atividades como gerentes em 4 categorias: 1. Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida favorecendo uma maior compreensão das pessoas: intuição nata, instinto de unir, facilidade de trabalhar com o sentimento, além de uma maior capacidade de percepção. Essas características ajudam a vencer um dos maiores desafios apontados pelos gerentes: a relação com as pessoas. 2. Flexibilidade: favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no seu cotidiano decorrente da capacidade de lidar ao mesmo tempo com problemas diferentes. Esses olhares múltiplos permitem um maior jogo de cintura, uma leitura diferenciada do contexto. A necessidade imposta socialmente à mulher de administrar problemas domésticos, de empregados, de ser mãe, esposa, amante, companheira, filha e suporte de família, permite um

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treinamento e desenvolvimento específicos e ajustados às novas demandas gerenciais nas organizações do novo capitalismo. Sua própria história e trajetória, se por um lado impõem-lhes exigências e pressões múltiplas, por outro, permitem que elas desenvolvam uma flexibilidade significativamente útil ao campo gerencial de hoje. 3. Formação precoce em questões do campo da administração: a educação recebida pelas mulheres, ainda vigente, enfatiza o aprendizado da administração no próprio espaço doméstico, provocando o desenvolvimento de maior senso de organização e de uma capacidade de gerenciamento. Em outras palavras, ela nasce com essa cobrança, a família e os diversos espaços sociais formalizados vão formando a menina até essa mulher começar a administrar uma empresa dentro de sua própria casa. 4. Outras habilidades e qualidades as quais os programas de treinamento e desenvolvimento gerencial também têm tido dificuldades de desenvolver: maior agilidade, coragem para correr riscos, disposição para enfrentar conflitos e maior percepção do negócio da organização.

Como sustentação para as categorias estabelecidas por Melo (2002b), o empresário americano Tom Peters, mencionado na Revista Você S.A (maio de 2001), diz que:

"Líderes fazem tudo ao mesmo tempo. Qual é o item mais restrito hoje, amanhã e depois de amanhã? O tempo. O futuro pertence ao líder que consegue fazer uma dúzia de coisas simultaneamente. E quem é ele? Quero dizer, ela? Quem consegue administrar mais coisas ao mesmo tempo? Quem se ocupa dos detalhes? Quem encontra novas pessoas? Quem faz mais perguntas? Quem ouve melhor? Quem encoraja a harmonia? Quem trabalha com uma lista imensa de coisas para fazer? Quem é melhor em se manter ligada nas outras pessoas? Bem, isso é uma pessoa de mil ofícios! Vamos chamar as mulheres de líderes!

Na mesma reportagem, o autor menciona que “estudiosos e consultores são praticamente unânimes em dizer que o mundo corporativo caminha para valores tidos como mais femininos: importância do relacionamento, trabalho em equipe, uso de motivação e persuasão ao invés de ordem e controle, cooperação no lugar de competição”.

Exageros à parte, porque sabemos que o controle e a competição ainda estão bem longe de serem extintos do mundo dos negócios, apresentamos algumas mudanças e tendências da função gerencial que têm impactado no trabalho das gerentes.

Melo (2003a) verificou que as mudanças e adaptações por que tem passado a função gerencial envolvem novos padrões de liderança, a flexibilização do trabalho e o trabalho em equipe. Como conseqüência, surge um estilo de gerência mais participativa e menos autoritária. O trabalho em equipe, por sua vez, promove a melhora no relacionamento interpessoal. Por outro lado, a autora percebe também uma forte influência das empresas nas mudanças ocorridas na função gerencial, devido a atuações diretas, como a cobrança por resultados, a exigência de atualização e qualificação, o aumento da concorrência e a redução no quadro de funcionários. Nesse cenário, os gerentes que já ocupam essa função percebem a necessidade de modificar as suas atitudes para se manterem competitivos e garantir sua empregabilidade. Isso faz com que os homens também busquem aprimorar seu “lado feminino”, ou seja, eles têm buscado desenvolver melhor as características tidas como femininas que são valorizadas pelas empresas.

O fim da figura autoritária do profissional, segundo Melo (2003a), neutraliza o aspecto masculinizante da função gerencial e favorece a atuação da mulher, por ela ser considerada

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uma pessoa mais “acessível” aos seus subordinados e por dar mais atenção à sua equipe de trabalho. Entretanto, essa mudança ainda não eliminou a discriminação das mulheres, principalmente, em relação ao aspecto financeiro ou ao setor econômico em que ela atua, o qual ainda pode ser guiado pelos modelos pré-estabelecidos de gerência.

Esses, dentre outros aspectos, dificultam o exercício da função gerencial por mulheres. Também na conquista inicial de sua condição de gerentes, têm de enfrentar diferenças e desafios, como a necessidade de superação no processo de seleção, os cuidados nos contatos interpessoais, e os preconceitos nos momentos de ser mãe (Hirata, 2000; Faria, 2002 e Cappelle et al., 2003). Trabalho x Vida Pessoal

Quando analisamos “a mulher e o espaço doméstico”, identificamos as dificuldades vivenciadas pelas mulheres que resolvem se lançar no mercado de trabalho e que também não podem se descuidar de suas outras “faces”. Afinal, elas também são mães, esposas, donas-de-casa, e muitas vezes, estudantes, além de serem profissionais. Com tantas dificuldades, torna-se difícil estabelecer prioridades. Muitas vezes, o casamento sai prejudicado, e até a maternidade é colocada em segundo plano. Essas situações geram grande descontentamento emocional, abalando até mesmo a saúde física dessas mulheres. Para Melo (2002a, 2002b e 2003a), o desequilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional é visto como um fator de pressão, o qual leva à insatisfação e ao estresse. Como forma de regulação, muitas vezes, elas se vêem pressionadas a pender para um dos lados e, normalmente, a vida pessoal é relegada a um segundo plano. Contudo, elas tentam conciliar e equilibrar todas essas atividades.

Para conseguir realizar bem as tarefas que lhe são designadas as gerentes adotam diferentes estratégias. A maioria (60%) das gerentes entrevistadas por Melo (2003a) afirma que a melhor forma de conciliar a dupla jornada de trabalho é por meio do equilíbrio da vida pessoal e da carreira gerencial. Elas também mencionam que possuem um apoio em casa (32%), e algumas (16%) reconhecem o auxílio da flexibilidade possibilitada pela empresa. A redução no número de filhos ou a ausência deles também contribuem, uma vez que 8% das entrevistadas afirmam que o cumprimento da dupla jornada de trabalho é facilitado por não serem mães.

O equilíbrio entre vida pessoal e carreira para essas mulheres envolve posicionamentos, tais como a administração do tempo (48%), a imposição de limites à carga horária de trabalho (24%) e o estabelecimento de um tempo destinado para a família (16%). Percebe-se, portanto, a necessidade de as gerentes terem um tempo para si mesmas e para organizar as suas funções. Contudo, Melo (2003a) identifica uma contradição nos discursos das entrevistadas ao perceber que, apesar de a maioria das mulheres afirmarem ser possível conciliar trabalho e família, grande parte delas não justificou como o fazer (48%). Diante dessa constatação, a autora infere que as entrevistadas ainda estão em busca de uma maneira que as permitam conviver bem tanto no meio familiar, como no ambiente de trabalho, com possibilidades concretas de desenvolverem suas carreiras, além de terem tempo disponível para cuidarem de si mesmas.

Desistir da carreira e dedicar-se exclusivamente aos serviços domésticos, definitivamente, não parece ser uma alternativa considerada por grande parte das mulheres que ocupam posições gerenciais. As conquistas da realização pessoal e da independência financeira aparecem freqüentemente como justificativas para o sacrifício do tempo com a família. Melo (2003a) verificou que as mulheres têm sentido essa necessidade de provar a sua competência, de construir uma carreira, de uma busca por independência e realização, alcançadas por meio do trabalho fora de casa, no mundo público.

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A esse respeito, também Betiol (1998) se manifesta, defendendo que, se, para a camada feminina da população, menos aquinhoada econômica, social e culturalmente, a maternidade é o principal fator de promover a individualidade e a auto-estima, para as administradoras entrevistadas em sua pesquisa, isso parece não ser elemento fundamental, ou pelo menos não o único criador de valor pessoal e auto-estima. Para a autora, emoção e alegria para essas mulheres vêm, também, do sucesso profissional.

Importante ressaltar que isso não representa uma perda de importância da família nas vidas das mulheres. O fato é que as próprias famílias as valorizam mais quando elas trabalham fora de casa. Em sua pesquisa, Cappelle et al. (2003) identificaram que gerentes que se sentem culpadas pelas ausências na criação dos filhos tentam minimizar essa culpa argumentando que seu trabalho proporciona uma boa educação e qualidade de vida para a família. Além disso, é também fonte de orgulho para os filhos diante dos colegas, por que mulheres que não trabalham fora de casa atualmente tendem a ser discriminadas. Essa constatação revela uma outra incoerência que permeia a vida da mulher atual e que funciona como um intensificador das pressões com as quais ela convive em seu dia-a-dia: devem exercer uma profissão, mas, ao mesmo tempo, são cobradas por não terem tempo disponível para se dedicarem à família.

De acordo com Merrick (2002), nos anos 70, diversos artigos da mídia popular começaram a atribuir problemas sociais, histórias sobre delinqüência juvenil e divórcio à mudança de vida da mulher trabalhadora. Essas mulheres que entraram no mercado de trabalho eram estereotipadas como “frias” e “descuidadas” e até mesmo masculinizadas e homossexuais. Hoje em dia, essas histórias se diluíram, mas esses estereótipos ainda permeiam o discurso popular como justificativas simplistas para problemas sociais mais amplos.

Um outro aspecto que revela a permanente importância que as gerentes atribuem à vida pessoal e às suas famílias são seus projetos de vida. Melo (2003a) constatou que grande parte das respostas sobre os projetos de vida das gerentes tem relação com descanso e tirar tempo para si, observado nas respostas: “dedicar maior tempo ao lazer” (17%), “depois de aposentar, levar uma vida mais tranqüila” (17%), “investir em qualidade de vida” (17%) e “passar mais tempo com a família e/ou filhos” (17%), “vontade de ter filhos”(17%), “zelar para que os filhos sejam felizes e propiciar condições para tanto” (11%) e “criar os filhos” (6%), levando a inferir que a vida que levam hoje, com muitas pressões e abnegações, não é desejada em seu futuro. Para a autora, a família e o contato com os familiares foram relegados ao segundo plano na escala de prioridades das entrevistadas em decorrência das demandas de seu trabalho, mas o grande desejo delas é de reverter esse quadro. Essa postergação do tempo para a família reflete novamente a importância atribuída pelas gerentes à carreira e a todos os elementos de satisfação proporcionados por ela. Mas a carreira não vem de graça, as gerentes sofrem muitas pressões, limitações, cobranças e também se cobram muito para serem bem sucedidas.

Avaliações, cobranças, pressões, o teto de vidro e as estratégias para ultrapassá-lo

No que se refere à organização, a função gerencial exige que as gerentes apresentem um desempenho que corresponda aos objetivos organizacionais. O trabalho executado por elas é submetido a constantes averiguações, concretizadas pelos processos avaliadores adotados em cada empresa. Para Arroba e James (1994), as pressões se fazem necessárias para o cumprimento da função, desde que sejam construtivas. No caso de ser destrutivo, o conjunto de exigências pode conduzir o indivíduo ao estresse.

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Para que se consiga atingir o equilíbrio entre o que é exigido pelo cargo e pela organização e a capacidade profissional da pessoa selecionada para tal cargo, é preciso que se tenha condições favoráveis. Segundo dados analisados por Melo (2003b), as mulheres gerentes vêm encontrando condições adversas para desenvolverem bem a sua função e atingirem seu bem-estar. Em seus discursos, a autora percebe que elas vêm sendo submetidas a pressões psicológicas, tanto no interior do espaço de trabalho quanto fora dele. No caso das pressões externas, trata-se do já comentado desequilíbrio entre a vida pessoal/familiar e a profissional. Quanto às pressões psicológicas internas, os resultados da análise apontam para uma redução no quadro de funcionários, acompanhada por um aumento de atribuições e de metas, acarretando uma sobrecarga de trabalho para ser desenvolvida em tempos cada vez menores tanto para homens quanto para mulheres.

De acordo com França (1996), as condições de vida das pessoas são resultado imediato da performance de suas potencialidades biológicas, psicológicas e sociais. Logo, a função gerencial é fator de grande interferência na saúde das gerentes. Melo (2003b) cita diversas conseqüências do trabalho gerencial sobre a saúde das mulheres. No entanto, três variáveis se destacaram na análise da sua qualidade de vida: sobrecarga de trabalho; vício/dependência da organização; e estresse/ansiedade decorrentes da função.

Podemos dizer que a cultura social é também responsável pelo problema. Isso se deve, principalmente, ao condicionamento excessivo para a performance. Ou seja, em nossa cultura, ser competitivo e eficaz é importante para se destacar e ter prestígio. Contudo, como ressalta Pires (2001), é necessário saber ao certo em que ponto é preciso colocar uma pausa nesse ritmo frenético. A concentração da tensão para manter tais ritmos, é uma ilusão de quem o faz pensando em uma produtividade satisfatória. São necessárias pausas que possam retomar a questão do prazer e dos desafios no trabalho. Mas quem está em posições de gerência atualmente, não está disposto, ou mesmo não está em condições de reduzir o seu ritmo de trabalho, principalmente, diante do ambiente competitivo e de redução dos quadros de funcionários que hoje se instala no mundo corporativo.

Às pressões internas, já revelamos que estão sujeitos tanto homens quanto mulheres, contudo, quando as tomamos juntamente com as pressões internas, percebemos que a dupla ou tripla jornada de trabalho e o desequilíbrio entre vida pessoal e vida profissional tornam o fardo feminino mais pesado. Além disso, devemos também considerar a questão do teto de vidro, ou seja, as limitações impostas formal ou informalmente para o crescimento das gerentes na carreira, o que exige maior dedicação, estar sempre mostrando um desempenho acima do normal. O teto de vidro representa também a remuneração menor recebida pelas mulheres mesmo possuindo condições similares em termos de qualificação profissional.

As próprias gerentes atribuem sua desvalorização a elas mesmas, alegando que suas “frescuras”, “chiliques” as fazem procurar cargos longe da área operacional, que ofereçam maior conforto, ou cursos que lhes proporcionem maior chance de concorrência no mercado (Cappelle et al., 2003).

No trabalho de Betiol (2000), a autora realizou uma comparação entre os ex-alunos e alunas pesquisados e verificou um quadro de formação básica semelhante entre eles, com ligeira vantagem feminina na escolha da especialização profissionalizante, vantagem sensível quanto ao conhecimento de línguas estrangeiras, e busca e empenho pela carreira igualmente fortes em ambos os grupos. Diante desse fato, Betiol (2000) conclui que a maior dificuldade feminina está na progressão de carreira para atingir o primeiro e segundo escalões e não na

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capacitação profissional ou no ingresso nas organizações. Tal conclusão contesta a chamada falta de ambição feminina: o sucesso é tão importante para as mulheres quanto o é para os homens. Revela também o teto de vidro em contraste com a suposta a “neutralidade” organizacional.

Entretanto, a visível e crescente ascensão feminina a postos mais altos na hierarquia mostra que algumas mulheres vêm desenvolvendo estratégias para ultrapassar o teto de vidro. Essas estratégias já têm sido pesquisadas e são sistematizadas e transmitidas por diversos órgãos e instituições, como a Catalyst, uma organização de pesquisa, aconselhamento e comunicação sem fins lucrativos, que busca construir ambientes de inclusão para mulheres e expandir suas oportunidades no trabalho.

Algumas iniciativas bem sucedidas para romper o teto de vidro identificadas pela Catalyst (Scheinholtz, 1994) estão expostas no quadro.

Quadro . Quebrando o teto de vidro 1. remoção de barreiras culturais e ambientais para promover a ascenção desvinculada ao gênero 2. identificação prévia de mulheres com alto potencial de crescimento 3. programas de desenvolvimento de liderança que enfatizam mobilidade lateral e experiência de linha 4. flexibilidade de horários e locais de trabalho e incentivos para empregados que buscam conciliar trabalho e família 5. posicionamento favorável e incentivo por parte dos escalões corporativos mais altos (diretores, presidentes, etc) 6. adoção de estratégias sistêmicas e não de programas isolados para combater os preconceitos profudamente arraigados na cultura corporativa Fonte: adaptado de SCHEINHOLTZ, Debra (ed.). Cracking the glass ceiling: strategies for sucess. New York: Catalyst, 1994. 114p.

Nas pesquisas realizadas pela Catalyst encontramos algumas empresas que promovem programas para auxiliar gerentes a subirem em suas carreiras, como Johnson & Johnson, Avon, Du Pont, Motorola, Banco de Montreal e Morrison & Foerster, desenvolvendo as seguintes iniciativas: programas de trabalho e família, programas de mentoria e acompanhamento para mulheres-gerente, programas sucessórios para herdeiras, trabalho flexível, e a criação de redes de contato de mulheres (networks) (Scheinholtz, 1997).

A criação de redes de contato sobre gênero, bem como de organizações e associações, se mostra como uma estratégia de mobilização importante, pois além de dar suporte ao desenvolvimento profissional das gerentes, também fornece maior visibilidade para a questão do gênero e para a atuação das gerentes na hierarquia organizacional.

No mesmo sentido, há outros fatores que favorecem o ingresso de mulheres em cargos gerenciais. Cohen (Exame, nov./2003), relatando entrevista com Tom Peters, expõe as idéias do autor: Peters argumenta que para atender o mercado feminino em expansão, faz-se necessário um número maior de mulheres ocupando cargos de liderança nas empresas. O autor ainda defende que essas novas líderes não precisam mais assumir posturas masculinas como quando faziam na década de 70 ao chegarem aos primeiros postos de gerência. Para ele, no mundo atual, o processo de ocupação de cargos gerenciais por mulheres já vem atingindo sua fase de maturidade.

No discurso de Peters, podemos perceber como transformações na sociedade e no mundo do trabalho estão fortemente relacionadas a mudanças nos comportamentos sociais e nas formas como as pessoas concebem suas vidas e o mundo. No caso mencionado, o próprio autor confirma que, no início do processo de inserção de mulheres em cargos mais altos da hierarquia organizacional, elas precisavam se masculinizar para serem aceitas. É óbvio: se aquela função era adequada para homens, tinham que se mostrar como homens para ocupá-las. A partir do momento em que mais mulheres vêm ocupando tais cargos, perdem o temor de revelar sua feminilidade na gestão e são bem sucedidas em seu novo modelo gerencial, mais o mito do “universo masculino da administração” passa a ser questionado e, conseqüentemente, reconstruído.

Importante observar uma particularidade da profissão do administrador revelada por Betiol (1998) que, pensamos, pode ser extrapolada para a função do gerente: é a dificuldade de se construir uma

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identidade ligada à profissão, justamente por suas inúmeras possibilidades. O que é ser gerente? Mais especificamente, o que é ser uma mulher-gerente? Para a autora, o referencial identificatório dessa profissão terá que ser coletivamente definido, pois “é a coletividade que condiciona a personagem” (Betiol, 1998, p.124).

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GERÊNCIA FEMININA NO SETOR BANCÁRIO

Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])

Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França)

Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e

Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).

R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte

– MG

RESUMO

O capitalismo passa por um processo de reestruturação, onde a mundialização do capital tem gerado profundas transformações na esfera econômica e social. No setor financeiro destacam-se crises do sistema, megafusões e uso intensificado da tecnologia da informação. Quanto à força de trabalho, apesar do processo demissionário desencadeado a partir de meados da década de 80, registra-se aumento relativo do número de mulheres no setor, com destaque para a ocupação de cargos na gerência de linha e principalmente nas gerências intermediárias, quando o número de gerentes masculinos nesse nível passa de 55.895 (1990) para 66.589 (1998), com crescimento de 19,13%, e o número de mulheres gerentes vai de 9.387 para 28.184, com crescimento de 200,24% no mesmo período.

Pesquisa realizada com 36 mulheres gerentes no setor bancário na Região Metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais - Brasil) mostra especificidades femininas que podem trazer um diferencial no exercício da função gerencial como sensibilidade mais aguçada e desenvolvida, flexibilidade favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no seu cotidiano, formação precoce em questões do campo da administração, entre outras. A pesquisa mostrou também desafios específicos vivenciados pelas gerentes femininas mas também a indicação de que elas estão trazendo novos elementos para uma melhor compreensão do espaço organizacional.

I - INTRODUÇÃO

Durante as duas últimas décadas, o novo capitalismo resultante da atual globalização acarretou mudanças significativas no mundo de trabalho e nos processos produtivos, afetando, em algumas áreas, de forma diferenciada homens e mulheres.

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No Brasil, o fenômeno da globalização da economia provocou importantes mudanças na esfera organizacional, entre elas trazendo maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, em alguns casos com a ocupação de cargos de nível mais elevado, ou seja, aqueles que demandam maior qualificação. De acordo com FONSECA (1996), as transformações nos padrões de comportamento e nos valores relativos ao papel social da mulher, intensificada pelos movimentos feministas e pela presença cada vez maior da mulher nos espaços públicos, somadas à crescente queda de fecundidade, à expansão da escolaridade e ao acesso maciço das mulheres às universidades, são fatores que têm influenciado incisivamente o aumento do ingresso feminino no mundo do trabalho.

No cenário brasileiro da década de 80, o aumento significativo da participação da mulher na atividade econômica foi contínuo e teve grande importância "para o mercado de trabalho, sendo o principal responsável pelo fato de que, apesar da diminuição do ritmo de crescimento da população, continuou intenso o aumento da população economicamente ativa." (LEONE, 1996: 152). A entrada das mulheres no mercado de trabalho ocorreu, principalmente, devido à redução dos níveis de rendimento familiar. A análise feita por LEONE (op. cit.) mostra, no entanto, que o aumento da participação feminina no mercado de trabalho não foi suficiente para evitar o empobrecimento da população, ao longo dos anos 80, devido às mudanças nos níveis de rendimento mínimos que aconteceram em decorrência de novos cenários socieconômicos.

No período de 1985/95, a participação da mulher no mercado de trabalho cresceu 63% enquanto para os homens a evolução foi de apenas 20,8% (BRUSCHINI, 1998). Nos anos 1992 a 1999, os dados do PNAD/IBGE(1) mostram um crescimento da participação das mulheres na taxa de atividade por sexo maior que a dos homens, mas de forma mais lenta e gradual; passando de 47,2% em 1992 para 49,0% em 1998 enquanto para os homens a evolução foi de 76,6% para 73,8% no mesmo período.

O conceito de gênero começou a ser estudado na década de 80, por várias (os) estudiosas (os) feministas que convencidas (os) da potencialidade teórica de tal conceito, passaram a utilizá-lo. A questão era muito mais profunda do que uma simples substituição de uma palavra, “optar pelo conceito de gênero, significava uma decisão de ordem epistemológica, implicava em opção teórica” (LOURO, 1996: 08).

Segundo LOURO (op. cit.), era necessário instituir um novo sentido para a palavra, considerar que “gênero não pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito masculino ou feminino.” Na prática, isso passa a significar que o objeto de estudo não enfoca somente as mulheres, mas centra-se nos "processos de formação da feminilidade e da masculinidade, ou os sujeitos femininos e masculinos" (LOURO op. cit.).

Apesar dessa diferença de análise considerando a relação de sexo (biologicamente definido) e a relação de gênero (sociologicamente construído), CALÁS & SMIRCICH (op. cit.), lembram muito bem que não existe consenso na identificação das variáveis para a

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formulação dos aspectos vivenciais mais importantes na constituição do gênero e das relações de gênero. Entre as variáveis apontadas pelas autoras, destacamos aquelas mais próximas da análise da gerência feminina: o aprendizado social dos papéis sexuais (feminismo liberal); práticas culturais que destacam e sobrevalorizam a experiência masculina (feminismo radical); as relações com os pais nos primeiros estágios do desenvolvimento (feminismo psicanalítico); o processo impregnado de relações de poder e próprio da situação e condições histórico-materiais (feminismo socialista).

Observa-se, no entanto, que nas relações de trabalho a mulher deixou de se posicionar como vítima, apesar de se reconhecer que o poder entre os dois sexos não é equivalente. Tem-se verificado que a mulher busca o reconhecimento através da competência e a possibilidade de competir de igual para igual, ao contrário de desejar apenas a mera concessão do poder masculino (BETIOL & TONELLI, 1991).

Dessa forma, a questão da mulher gerente emerge como um foco de estudos que demanda análises condizentes com a realidade vivenciada pelo sexo feminino e com as implicações dessa realidade no exercício de sua função.

II - INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL

Seja pelo desejo de realização e independência, ou pela necessidade, o fato é que as mulheres estão ocupando uma fatia cada vez maior do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que vêm assumindo um diferente posicionamento perante a sociedade e a família. Dados do IBGE (1999), que indicam a pessoa de referência no domicílio familiar, refletem o novo papel que as mulheres vêm desempenhando. Em 1981, o índice de mulheres chefes de família era de 16,9%. Em 1995, esse percentual elevou-se para 22,9%. Em 1998 elas constituíam 25,9% dos chefes, atingindo os 26,0% em 1999.

O Censo da Educação Superior realizado no Brasil, em 1999, aponta que as mulheres vêm encabeçando o percentual de brasileiros, matriculados e concluintes de curso superior, tanto na rede pública, quanto na rede privada. Em 1998, do total de brasileiros matriculados no ensino superior, as mulheres representavam 56,0% dentre os quais 53,0% estavam matriculadas na rede pública e 57,0% na rede privada. No ano de 98, as mulheres representavam 61,0% do total de brasileiros que concluíram o ensino superior, sendo que 59,0% delas concluíram o ensino superior na rede pública e 63,0% o fizeram na rede privada (INEP/MEC(2), 1999).

Apesar da situação descrita sinalizar para a ocorrência de avanços nos níveis de qualificação das mulheres é importante ressaltar a persistência de desigualdades de gênero quando se trata da remuneração. Melhor dizendo, no cenário atual, as mulheres continuam recebendo salários inferiores aos dos homens. Essa colocação pode ser reforçada a partir de dados apresentados, pelo IPEA(3) (2000), que expressam a inferiorização dos salários femininos. Em 1983, as mulheres ganhavam em média, 45% dos salários masculinos. Em

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1995, esse percentual subiu para 62,6% dos salários masculinos, chegando aos 65,0% em 2000. Dados recentes fornecidos pelo Grupo CATHO(2000), apontam que as mulheres em cargos gerenciais recebem em média 16,2% menos que os homens em postos idênticos.

Pesquisa apresentada pela revista Exame (2001), mostra que de modo geral, quanto maior o grau de escolaridade, maior a diferença salarial entre homens e mulheres na mesma ocupação. Segundo dados do IBGE (2000), a disparidade entre o nível de instrução entre os dois gêneros acentua-se mais na população ocupada, uma vez que o interesse feminino em ingressar no mercado de trabalho tende a aumentar com a elevação do seu nível educacional. Em 1995, o contingente masculino com o segundo grau completo dentre a população ocupada, era de 17,3%, chegando a atingir o percentual de 21,2% em 1999. Considerando a população ocupada feminina, o percentual de mulheres com o mesmo grau de instrução passou de 24,9% em 1995, para 30,4% em 1999.

Outros dados apresentados pela RAIS(4) (1997), reforçam a idéia de que, no Brasil, o fato de as mulheres serem mais instruídas que os homens (28,0% delas têm mais de 11 anos de estudo, contra apenas 19,0% dos homens), não chega a representar uma vantagem real, já que isto não é reconhecido e revertido em remuneração justa e condizente. A segregação salarial que atinge milhares de trabalhadoras pode ser confirmada a partir de dados estatísticos, que apontam a superioridade dos salários masculinos. No ano de 97, os assalariados masculinos com nível superior recebiam em média 17,3 salários mínimos, enquanto as mulheres com o mesmo grau de instrução recebiam em média 10,1 salários mínimos.

Em relação à questão salarial, HIRATA (1998) levanta a hipótese de que as mulheres estejam sendo utilizadas como "cobaias para o desmantelamento do sistema de salários", posição que é reforçada pela análise de CASTELLS (1999:200) ao afirmar que "as mulheres ocupam cargos que exigem qualificações semelhantes em troca de salários menores, com menos segurança no emprego e menores chances de chegar às posições mais elevadas".

As mulheres lideram também as estatísticas relativas ao desemprego no país. A taxa brasileira de desemprego, aponta que em 1989 o percentual masculino representava 7,5% do total de desempregados no país, contra 10,6% do percentual feminino. Em 1995 a parcela masculina da taxa nacional de desemprego passou a 11,8%, contra 15,3% da parcela feminina. Em 1996, o percentual masculino ficou em 13,5%, enquanto o percentual feminino atingiu os 17,3%. (Seade- Dieese, 2000)

Dados do IBGE - PNAD, de 1997 mostram que a população feminina ocupada concentra suas atividades na prestação de serviço (30,2%), na atividade agrícola (20,2%), na área social (17,2%), no comércio de mercadorias (13,2%) e na indústria de transformação (8,8%) e o Grupo CATHO (2000) informa que as áreas mais ocupadas pelas mulheres nas empresas brasileiras, em 1999, seguiam a seguinte ordem: Recursos Humanos (45,19%), Relações Públicas(44,64%), Jurídica (29,78%), Administrativo/Financeiro (26,80%),

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Processamento de Dados(20,88%), Comercial(19,88%), Suprimentos/Compras (16,68%), e Presidência/ Alta Gerência (16,37%).

No período de 1990 a 1998, dados da RAIS - MTB analisados pelo NURTEG - Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão - mostram que a evolução do emprego de gerência em todos os setores da economia (tab.1) teve uma queda geral de 7,23%. No entanto, enquanto os gerentes masculinos diminuíram em 13,56%, as mulheres gerentes cresceram um percentual de 19,98%, no mesmo período passando de uma participação de 21,94% nos cargos de chefia para 28,39%. Tais dados indicam um movimento ascendente da presença da mulher em cargos de chefia no Brasil. O crescimento mais significativo se deu no nível da gerencia intermediária (96,63%) e no nível da alta gerencia(73,95%), com participação no total de empregos em 1998, de 32,89% e 20,14%, respectivamente. O processo de redução dos níveis hierárquicos reflete-se bem na variação dos números de cargos gerenciais no nível de gerencia de linha: registrou-se uma redução de 29,11% no total de empregos considerando-se o período analisado, com queda de 34,85% para o grupo masculino e apenas de 13,57% para o grupo feminino. No entanto a participação das mulheres no conjunto dos empregos de gerência no Brasil mostra que, apesar de que essa participação é crescente, o espaço gerencial ainda é masculino: mas em todos os níveis as mulheres vêm conquistando espaços e mantendo a posição indicando a necessidade de uma melhor compreensão dessa categoria profissional, no mundo organizacional.

TAB. 1 - EVOLUÇÃO DO EMPREGO DE GERÊNCIA EM TODOS OS SETORES DA ECONOMIA

90 91 94 97 98 Variação %

DIRETORES DE EMPRESAS MASCULINO 40934 41325 44130 53886 41537 1,47% FEMININO 6024 6445 9628 26408 10479 73,95% Total 46958 47770 53758 80294 52016 10,77% GERENTES DE EMPRESAS MASCULINO 319177 319987 325670 352750 344413 7,90% FEMININO 60128 64545 81976 112402 118232 96,63% Total 379305 384532 407646 465152 462645 21,27% CHEFES INTERMEDIARIOS MASCULINO 397812 375647 321086 275881 259145 -34,85% FEMININO 146997 143970 134709 131096 127041 -13,57% Total 544809 519617 455795 406977 386186 -29,11% TOTAL MASCULINO 757923 736959 690886 682517 645095 -13,56% FEMININO 213149 214960 226313 269906 255752 19,98% Total 971072 951919 917199 952423 900847 -17,23% Fonte: RAIS - MTB - Elaboração: NURTEG - Núcleo de Relações do Trabalho e Tecnologias de Gestão (2001)

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III - GERENTE FEMININA NO SETOR BANCÁRIO E HABILIDADES DIFERENCIADAS

A indústria bancária mundial vem passando nos últimos anos por profundas transformações que geraram quebra de grandes bancos, megafusões e crises de sistemas financeiros de vários países. Com essa nova ordem econômica e política e com a revolução das novas tecnologias na área de comunicação e informática, que eliminaram as barreiras físicas entre os países, o fluxo de capitais se torna mais ágil e o capital pode facilmente instalar-se em qualquer ponto do globo que traga possibilidades de ganho.

Desde o início, a reestruturação produtiva caracterizou-se pela eliminação de postos de trabalho na maioria das empresas do setor, pois permitiu restringir a interferência direta do trabalhador em uma série de tarefas que compõem o processo do trabalho bancário. Outro elemento importante na redução de empregos são as novas formas de organização do trabalho que modificam a rotina e o conteúdo das profissões, geralmente, dispensando o trabalho de controle e supervisões exercidas pelas chefias imediatas e criando grupos de trabalhos que assumam novas tarefas e se responsabilizem por sua execução. Também o processo de fusões e incorporações provocaram cortes nos empregos, na medida em que a junção de duas ou mais estruturas permite eliminar segmentos responsáveis por tarefas realizadas em duplicidade pelas instituições. O objetivo é obter ganho de escala e redução dos custos unitários através da eliminação de gastos com atividades de meio (DIEESE, 2000). Precisa-se levar também em consideração que a ampliação do número de instituições financeiras internacionais com atuação no mercado brasileiro registrou forte crescimento na década de 90, o que gerou o acirramento da concorrência (mais evidente a partir de 1994).

Quando analisada a evolução do emprego na área gerencial no setor bancário, no período de 1990 a 1998, observa-se alguns indicativos importantes na composição por gênero da função. No período considerado, há uma diminuição significativa dos cargos de gerência no setor financeiro passando de 206.261, em 1990, para 162.431, em 1998. Há uma oscilação nos cargos da alta gerência e da gerência intermediária, mantendo-se, no entanto, um crescimento para os dois níveis gerenciais. A queda do número de cargos gerenciais no setor se explica pela redução contínua da gerência de linha, passando de 137.882 cargos em 1990, para 63.074 em 1998. (ver tabela 02)

Conforme os dados da tabela 02, o aumento verificado no quadro da alta gerência para o grupo masculino foi de 42%, enquanto o aumento do grupo feminino foi de 130%. Nos cargos de gerência intermediária, enquanto a evolução do emprego masculino aumentou em aproximadamente 19%, o aumento verificado para o grupo feminino foi de aproximadamente 200%.

Mesmo com a queda acentuada do número de cargos na gerência de linha, o grupo feminino teve uma redução de aproximadamente 38%, enquanto o número de empregos masculino, no mesmo nível de gerência, diminuiu aproximadamente 60%. Dessa forma, a variação percentual por gênero no nível gerencial no setor financeiro, no período de 1990 a

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1998, foi de 77% para 68% para os homens, e de 23% para 32% para o grupo feminino, mostrando um crescimento da presença da mulher nos cargos de chefia nesse setor.

TAB. 02 – EVOLUÇÃO DO EMPREGO DE GERÊNCIA NO SETOR FINANCEIRO:

90 91 94 97 98 ALTA GERÊNCIA MASCULINO 2911 2968 5178 4261 4156 FEMININO 186 182 409 349 428 Total 3097 3150 5587 4610 4584 GERÊNCIA

INTERMEDIÁRIA

MASCULINO 55895 53501 65872 76437 66589 FEMININO 9387 10036 19416 28201 28184 Total 65282 63537 85288 104638 94773 GERÊNCIA DE LINHA MASCULINO 100075 87739 65108 45528 39596 FEMININO 37807 34912 29884 25143 23478 Total 137882 122651 94992 70671 63074 TOTAL MASCULINO 158.881 144.208 136.158 126.226 110.341 FEMININO 47.380 45.130 49.709 53.693 52.090 Total 206.261 189.338 185.867 179.919 162.431

Fonte: RAIS - MTB - Relatório de Pesquisa: “O ESPAÇO DA GERÊNCIA FEMININA: DESAFIOS DE GÊNERO E DA FUNÇÃO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS” (2001)

A razão para a queda do número de cargos no nível de gerência de linha deve-se ao uso crescente da tecnologia de informação, que permitiu a reestruturação dos processos de trabalho com menos demanda de mão-de-obra, eliminando a função de administrar rotinas e incorporando o empregado do setor bancário em processos gerenciais ampliando dessa forma, o seu campo de responsabilidade funcional. Além da privatização e fusão de empresas no setor, soma-se uma nova política de gestão de pessoas, baseada na busca de racionalização, exigência de maior qualificação, e na transferência, para o próprio empregado, do controle da rotina do seu dia-a-dia, agregando função e status ao posto de trabalho.

Ao se buscar suporte teórico para a função gerencial observa-se, que assim como na teoria organizacional, a literatura disponível é sexuada (versando sobre homens) e trata a organização prioritariamente como um espaço masculino. CALÁS & SMIRCICH (op. cit. p. 281) cita pesquisa datada de 1965 sobre a categoria de mulheres gerentes destacando afirmação reveladora da percepção sobre a mulher gerente , com grande concordância dos respondentes masculinos, "apenas as mulheres excepcionais, realmente as super qualificadas, podem esperar sucesso na gerência". As autoras também afirmam que "grosso modo, pouco

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mudou nessa literatura desde os anos 60" (op. cit. p. 281). Maior parte das pesquisas tem concentrado sua temática na estruturação por sexo das organizações, ou com ênfase nas variáveis psicológicas ou com premissas epistemológicas, mostrando "forte orientação funcionalista/positivista, favorecendo metodologias quantitativas e, subsidiariamente, pesquisa qualitativa" (ELY, 1995 apud CALÁS & SMIRCICH op. cit. p. 285). Isto significa que o conhecimento teórico disponível sobre as mulheres nas organizações ainda é pouco consistente, e em relação à categoria gerente-mulheres pode-se dizer que é fragmentado e superficial.

Na busca de contribuir para a produção de teorias sobre o espaço da gerência feminina nas organizações, nossas pesquisas vêm mostrando que, em instituições financeiras, no Brasil, as mulheres vêm superando dois bloqueios básicos: o cultural (constituem parte significativa da força de trabalho) e o organizacional (já existem políticas organizacionais favoráveis ao acesso de mulheres aos cargos gerenciais); além do que, já possuem características que podem diferenciá-las e, com isso, romperem a barreira da cultura organizacional e avançarem, mesmo que pouco a pouco, na carreira gerencial.

Pesquisa(5) realizada, através de entrevistas gravadas, com 36 mulheres do setor bancário da Região Metropolitana de Belo Horizonte, sendo 23 gerentes de dois bancos estatais e 13 de 6 bancos privados, revelou o seguinte perfil do grupo analisado: 75% possuem curso superior (19,44% com pós-graduação) sendo a maioria na área de Administração; tempo de casa concentrado em duas faixas (até 10 anos com 36,11% e de 16 à 20 anos com 33,33%), 77,78% das gerentes entrevistadas com até 5 anos no cargo, sendo 61,11% casadas e 69,44% com filhos.

As características ou qualidades femininas encontradas nas gerentes pesquisadas, que podem favorecer as mulheres nas suas atividades como gerentes podem ser agrupadas em 04 (quatro) categorias:

• Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida favorecendo uma maior compreensão das pessoas, intuição nata, instinto de unir, facilidade de trabalhar com o sentimento, além de uma maior capacidade de percepção. Essas características ajudam a vencer um dos maiores desafios que vem sendo apontado pelos gerentes: a relação com as pessoas.

• Flexibilidade favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no seu cotidiano decorrente da capacidade de lidar ao mesmo tempo com problemas diferentes. Esses olhares múltiplos permitem um maior jogo de cintura, uma leitura diferenciada do contexto. A necessidade imposta socialmente à mulher de administrar problemas domésticos, empregados, a dispensa, de ser mãe, esposa, amante, companheira, filha, suporte de família, permite treinamentos e desenvolvimentos específicos e ajustados às novas demandas gerenciais nas organizações do novo capitalismo. Por um lado, sua própria história e trajetória lhe impõe exigências e pressões múltiplas, por outro, desenvolve-lhe uma flexibilidade significativamente útil ao campo gerencial de hoje.

• Formação precoce em questões do campo da administração. A educação recebida pela maioria das mulheres enfatiza o aprendizado da administração no próprio espaço

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doméstico, desenvolvendo maior senso de organização e capacidade de gerenciamento. Em outras palavras, a mulher recebe uma formação familiar e social que a torna capaz de administrar uma empresa dentro de sua própria casa.

• Outras habilidades e qualidades que programas de desenvolvimento e treinamento gerencial têm tido dificuldades de desenvolver: maior agilidade, coragem para correr riscos, disposição para enfrentar conflitos, maior percepção do negócio da organização.

Entre os múltiplos depoimentos das gerentes pesquisadas podemos sintetizar a situação da mulher gerente nos seguintes:

“Normalmente a mulher consegue trabalhar enxergando vários ângulos. Então, ela consegue ao mesmo tempo administrar várias coisas, e o homem, ele é mais focado”(Gerente 17)

“Uma gerente não é só uma gerente. Ela é mãe, esposa, empregada doméstica. Ela é isso tudo. E tem que dar conta. Se não dá errado.”(Gerente 22)

“A mulher (...) tem uma visão, uma habilidade, agilidade, um jogo de cintura, uma percepção dos negócios muito grande, maior do que a dos homens. Mas de qualquer maneira o mercado procura mais homens”. (Gerente 25)

Naturalmente, as grandes mudanças no mundo do trabalho e nas relações de gênero vêm contribuindo pouco a pouco para abalar muitas convicções organizacionais e questioná-las. Assim, neste espaço fluído e flutuante de estruturas flexíveis de empregos, o sucesso ainda existe mas, conforme afirma PAHL (1997:18), "seus contornos tornaram-se imprecisos - é, quem sabe, mais um conceito retrospectivo que prospectivo. Além disso, as mulheres, desafiando a visão masculina de sucesso, oferecem os talentos da esperteza e do equilíbrio em lugar da habilidade carreirista. Ser mãe, atender a dois empregos de meio período e ainda levar intensa vida social exige qualidades diferentes das que se esperam de um marido e pai que galga inexoravelmente os degraus de sua carreira numa grande empresa."

No entanto, se a mulher-gerente avança na ocupação de funções gerenciais no setor financeiro, esse percurso não é linear e tão pouco sem um custo, ainda pouco dimensionado.

VI - DESAFIOS VIVENCIADOS PELA GERENTE FEMININA NO SETOR BANCÁRIO

A maioria das gerentes se mostra satisfeita com o exercício de suas funções, pois dizem que é algo bastante gratificante, se sentem reconhecidas e identificam-se com o trabalho realizado. A dificuldade apresentada foi, basicamente, a de gerenciamento de

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pessoas, dificuldade essa também apontada por grupos de gerentes masculinos como sendo um dos principais desafios gerenciais.

As gerentes afirmam que o sucesso neste mercado de trabalho tão competitivo não ocorre por acaso! Com paciência, flexibilidade, mas sem perder a autoridade, elas têm conseguido atingir metas e alcançar os resultados esperados e, dessa maneira, elas começam a ter consolidado um espaço na carreira gerencial.

Segundo resultados da pesquisa realizada, mulheres gerentes encontram também condições adversas para desempenharem com sucesso a sua função. Em seus depoimentos, verificamos que elas vêm sendo submetidas a fortes pressões, tanto no interior do espaço bancário quanto fora dele. Tais pressões, se por um lado conduzem à produtividade satisfatória à empresa, por outro, sacrificam a saúde física e mental da gerente.

O fato de ser gerente impõe à mulher escolher entre o trabalho e a família ou entre o trabalho e sua vida pessoal. Neste ponto, evidencia-se um impasse cruel para a mulher, ou seja, ela tem que enfatizar a sua carreira profissional sacrificando sua vida conjugal, principalmente seus filhos, e também suas questões pessoais.

A maioria das análises sobre a situação de trabalho da mulher, remete sua visão à dupla ou tripla jornada feminina. Mas, na verdade essa situação é mais complexa. A dimensão da multiplicidade de demandas feitas à mulher, em especial à mulher gerente, mostra bem a relação mulher-trabalho-espaço doméstico. Assim, de fato, a mulher gerente possui demandas simultâneas que vão além da análise das várias jornadas. Elas devem saber conciliar, simultaneamente, o ser mulher "mãe", mulher "esposa", mulher "profissional", mulher "dona-de-casa", mulher "estudante/qualificada" e mulher "mulher".

O grau de autonomia e influência de um profissional dentro da organização são variáveis essenciais para sua afirmação no contexto organizacional. Há uma relação direta estabelecida entre a autonomia atribuída aos gerentes e as suas condições e qualidade de trabalho do seu nível hierárquico. As gerentes de instituições financeiras que participaram da pesquisa avaliam o grau de autonomia da seguinte forma: 72,22% afirmam que possuem autonomia para trabalhar dentro do seu nível hierárquico mas 36,11% consideram que a autonomia está limitada pelas normas da empresa e, 41,67% afirmam ser insuficiente a autonomia que lhes compete. Na realidade, todas as situações descritas pelas gerentes remetem-nos à situação de uma autonomia limitada para o exercício da função gerencial.

A mulher-gerente do setor bancário vivencia, então, um mundo ambíguo com sentimentos conflituosos produzidos pela possibilidade do crescimento profissional aliada a uma forte pressão no trabalho.

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"... a empresa investe realmente na gente, sem dúvida, ela investe em quem manifesta interesse." (Gerente 17)

"... a meta ela é boa, porque você tem um propósito para alcançar, você tem um objetivo. (...) eu acho desgastante quando aquilo ali passa a ser tortura né: 'Tem que alcançar, tem que alcançar...'" (Gerente 07)

"Eu adoro ter poder. As pessoas vêem a gente como quem tem a força. Você é capaz. Você conseguiu!" (Gerente 16)

"É o contato com o público. (...) pra mim, atender as pessoas é uma coisa fantástica. E não é só aquela pessoa que te trata bem, não... é conseguir domar aquele mais bravo. Eu acho isso fantástico!" (Gerente 23)

"... a empresa não te vê como gente não né, te vê como mão-de-obra, força de trabalho e força de trabalho para eles não tem limite." (Gerente 22)

Finalmente deve ser observado que o próprio cargo gerencial vem sofrendo os efeitos das múltiplas reestruturações organizacionais e produtivas: redução significativa dos níveis hierárquicos e conseqüente redução dos cargos gerenciais, acréscimo contínuo de demandas funcionais, pressões sobre metas, exigências maiores de qualificação e adoção de equipes de trabalho semi-autônomas.

V - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das mudanças ocorridas, percebemos um aumento significativo do número de mulheres no setor bancário. Essas mulheres, em sua maioria, ingressaram na organização ocupando funções relacionadas com o atendimento direto ao cliente. Essa situação é decorrente das características próprias das mulheres, tais como: facilidade de lidar com pessoas, maior sensibilidade, senso de organização, entre outros. Uma vez inserida na organização, ascendem na carreira por competência profissional, se destacando no exercício da função gerencial.

A trajetória profissional e a esfera familiar, caminham juntas, não sendo possível analisar nenhuma delas independentemente da outra, pois ambas constituem parte fundamental da vida das gerentes. Assim, merece consideração o fato de algumas gerentes manifestaram algum descontentamento a respeito das dificuldades de ascensão na carreira decorrentes de questões relacionadas à vida familiar.

O sucesso profissional da mulher no setor bancário tem sido atribuído a algumas características a elas inerentes, consideradas nesta pesquisa como “ particularidades da mulher gerente”. Tais particularidades, somadas à competência técnica podem ser expressas como uma forte razão para seu sucesso profissional.

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Além disso, é importante ressaltar que a mulher, seja por caracterização enquanto indivíduo, seja devido ao processo de socialização e de aculturação, é acostumada a desenvolver várias tarefas ao mesmo tempo, conseguindo, assim, ter uma visão mais globalizante da organização, uma maior adaptação às variadas e múltiplas demandas para o exercício da função gerencial, bem como equilibrar-se entre as atividades domésticas e profissionais.

As características e qualidades femininas que podem favorecer as mulheres no exercício da função gerencial podem ser agrupadas em 04 (quatro) categorias:

1. Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida;

2. Flexibilidade

3. Formação precoce em questões do campo da administração;.

4. Maior agilidade, coragem para correr riscos disposição pra enfrentar conflitos, maior percepção do negócio da organização.

Outras características apontadas como particularidades femininas são: flexibilidade, sensibilidade, senso de organização, paciência e emoção. Todas essas qualidades proporcionam um “algo novo” na gerência realizada por mulheres que tem sido mais valorizada pelas organizações contemporâneas.

Apesar de citarem a sedução profissional, o jeitinho feminino, a versatilidade e o melhor uso da sensibilidade como qualidades necessárias no exercício da função, a maioria das gerentes pesquisadas diz que as características necessárias são as mesmas necessárias a um gerente.

Mas os dados acerca das condições de trabalho e qualidade de vida das gerentes e das influências que estas possam exercer no trabalho e na vida pessoal, remetem-nos ao fato de que as gerentes têm encontrado também adversas para desenvolverem bem a sua função e atingirem seu bem-estar. Conforme nossa análise, as mulheres gerentes vêm sendo submetidas a pressões psicológicas, tanto no interior do espaço bancário quanto no ambiente doméstico. No entanto, as mulheres tomaram um caminho sem retorno no exercício gerencial com conquistas, especifidades e desafios mas também trazendo novos elementos femininos e de gênero o espaço organizacional.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BETIOL, M. I. S. & TONELLI, M. J. A mulher executiva e suas relações de trabalho. In: Revista de Administração de Empresas. Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, 1991.

BRUSCHINI, C. Gênero e Trabalho no Brasil: novas conquistas ou persistência da discriminação (Brasil, 1985/95). In: ROCHAS, M. I. B. (org.) Trabalho e Gênero: Mudanças, Permanências e Desafios. Campinas: ABEP, NEPO/UNICAMP e CEDEPLAR/UFMG. São Paulo: Ed. 34, 2000.

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REVISTA EXAME, 2001.

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As práticas gerenciais no contexto da organização hospitalar familiar: um olhar de gênero e de poder

Profa. Dra. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo

Profa. Dra. Maria José Menezes Brito Profa. Mônica Carvalho Alves Cappelle

1. Introdução Os estudos sobre o poder nas organizações e, mais especificamente, relativos ao

comportamento organizacional, abrangem temáticas instigantes e polêmicas que envolvem entre outros elementos, a subjetividade, o conflito, a dominação e adesões e resistências no processo de gestão de pessoas. Essas dimensões organizacionais, perpassadas pelas relações de poder, abarcam também as relações de gênero vivenciadas no espaço de interação social, cuja análise deve ir além da simples polarização entre o masculino e o feminino, em que o homem desempenha o papel de “dominador” e a mulher atua como “dominada”.

Nesse contexto, insere-se a proposta de Cappelle, Melo e Brito (2002) de adoção de uma perspectiva politizada para o estudo do gênero nas organizações que permita a ampliação das interpretações dadas às diferentes possibilidades de interação entre homens e mulheres de acordo com as regras sociais vigentes nos respectivos espaços em que são percebidas; e admite que as modificações nos hábitos e condições de vida, permeadas por inovações tecnológicas e pelo desenvolvimento sócio-cultural, sejam inseridas nas análises. E porque não pôr em prática o desenvolvimento teórico elaborado pelas autoras?

Considerar o caráter histórico e contingencial das relações de gênero implica acreditar que as relações de poder entre homens e mulheres em diferentes sociedades, épocas, posições sociais, organizações e categorias profissionais assumem configurações singulares. Sendo assim, tais configurações devem ser investigadas em seu espaço de ocorrência para possibilitar a construção e a consolidação de um corpo teórico relevante e expressivo no que diz respeito às relações de gênero e de poder.

Trabalhos como os de Melo (2001a; 2001b; 2002; 2003), com mulheres gerentes nos setores bancário, industrial, de telecomunicações e de informática; de Brito (1998; 2004), com enfermeiras gerentes de hospitais; e de Cappelle et al. (2002), com policiais militares femininas, mostram como as especificidades do espaço de trabalho refletem comportamentos específicos e modos de convivência particulares, cuja explicação deve envolver tanto o contexto, quanto as características das organizações, ou dos setores econômicos em que mulheres se inserem.

Especificamente em relação à função gerencial verifica-se uma maior dificuldade de inserção de mulheres, visto que a gerência ainda é considerada como um “gueto masculino” (MELO, 2001a). Dessa forma, ao se fazer recortes mais específicos da função gerencial, como realizado no estudo comparativo com gerentes mulheres no setor industrial e no setor bancário (MELO, 2002), percebem-se espaços diferenciados e vivificados pelas mulheres, sinalizando para a diversidade da realidade e da prática organizacional.

Ademais, observa-se que as práticas gerenciais são permeadas por relações de poder, tendo em vista que os “gerentes eficazes parecem viver na ambigüidade de um sistema complexo e misterioso com relativamente pouca ordem” (MINTZBERG, 1976, p.53). O autor relata que na vida diária de um gerente, as informações para as decisões principais aparecem em pequenas partes e em meio a um emaranhado de pequenas tarefas e de arenas políticas permeadas por jogos de interesses. Os problemas acabam por ser mal estruturados. Para enfrentar as ambigüidades do presente e incertezas do futuro, o gerente acaba por privilegiar a

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sua intuição e seus julgamentos a partir da própria experiência. Os gerentes, portanto, aprendem a tomar decisões num processo organizacional limitado e fragmentado. Esses aspectos tornam o estudo da função gerencial um campo extremamente rico e que possibilita inúmeros recortes e abordagens.

Nessa perspectiva, surge a proposta de pesquisa por meio da qual objetiva-se compreender as práticas cotidianas vivenciadas por mulheres gerentes em um hospital geral da rede privada de Belo Horizonte caracterizado como empresa familiar, enfatizando as relações de poder e de gênero que permeiam as referidas práticas.

As empresas familiares são caracterizadas por um estilo de gestão que entrelaça propriedade, família e gestão (GERSICK et al., 1997). Nesse caso, a empresa familiar se mostra interessante para a análise das relações de poder e de gênero, visto que em cada subsistema composto pela superposição dos três círculos (propriedade, família e gestão), homens e mulheres possuem interesses específicos e desempenham papéis diferenciados.

Assim, acredita-se que esse tipo de empresa constitui um espaço organizacional cuja extensão abrange o espaço familiar, ambos marcados por relações de poder e relações de gênero, os quais transformam a gestão da empresa familiar numa atividade de mediação de conflitos e contradições singulares em relação a outros tipos de organizações. Definições

2 As relações de gênero e de poder nas organizações A crescente inserção do contingente feminino nas organizações tem sido marcada por

algumas especificidades que têm alterado os modos de comportamento da mão-de-obra, bem como da organização do trabalho. Essas especificidades podem ser ilustradas por alguns dados sobre a participação feminina no mercado de trabalho.

As mulheres estão conquistando espaço no mundo inteiro, em praticamente todas as atividades, destacando a entrada de 20 milhões de mulheres na população brasileira economicamente ativa nas últimas duas décadas (COHEN, 2001). O autor aponta ainda que o mundo corporativo tende a caminhar para valores considerados femininos, corroborando com as estatísticas sobre o avanço profissional da mulher no âmbito mundial. No Brasil, um bom exemplo para ilustrar essas conquistas pode ser verificado por meio dos percentuais sobre donos de empresas no país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios - PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico – IBGE, em 1991, as mulheres representavam 17% dos empregadores brasileiros, sendo que em 1998 esse percentual elevou-se para 22,4% (IBGE – PNAD, 1998).

Em relação à mão-de-obra empregada, também são verificados aumentos. Segundo dados do IBGE, as mulheres representavam em 1995, 37% do total de assalariados, já em 1998, passaram para 40,67% do total de pessoas inseridas no mercado de trabalho no Brasil, atingindo 43,03% em 1999 (IBGE-PNAD, 1998; 1999). Observa-se, nesse contexto, um crescente aumento da presença feminina em áreas distintas, principalmente naquelas que demandam baixa qualificação. De acordo com dados do Dieese (2002), um quinto das mulheres estão ocupadas em atividades agrícolas, 13,5% no comércio de mercadorias, 29,4% na prestação de serviços, 17,4% nas atividades sociais e 9% na indústria.

Pode-se também notar um crescente aumento da participação da mulher nas empresas brasileiras. De acordo com dados do grupo Catho (1998), o percentual feminino nos cargos de alta gerência que era de 8,10% em 1995, passou para 10,39% em 1997, efetivando um aumento de 28,3%. Considerável elevação do percentual feminino tem ocorrido também na gerência intermediária, sendo que em 1995, as mulheres representavam 20,23% dos gerentes intermediários das empresas brasileiras, enquanto que em 2000, esse número já havia

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alcançado a marca de 25,31%, representando um acréscimo de 5,08% de acordo com os dados da RAIS de 1995-2000.

Ressalta-se, também, o fato de que, nos últimos anos, a mulher tem se sobressaído em grande parte das profissões que tem ocupado. Segundo dados apresentados na Revista Veja (25/02/1998), a mulher encontra-se na ponta de um processo que está transformando a sociedade brasileira, constituindo 30% dos médicos, metade do corpo de advogados do país, integrando significativamente a profissão de juiz e dirigindo cargos importantes em grandes bancos de investimento. Também em organizações militares, formadas, em sua grande maioria por homens, as mulheres têm se destacado. Dentre os estudantes que obtiveram o título máximo de aluno-coronel em 1997, nos doze colégios militares do país, 80% são mulheres. No meio científico, quase a metade dos pesquisadores com bolsa do CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- é de mulheres (VEJA, 25/02/1998).

Apesar de estarem se sobressaindo nas posições que ocupam, as mulheres têm enfrentado alguns obstáculos no que concerne à remuneração. Dados apresentados pela RAIS (2000) reforçam a idéia de que, no Brasil, apesar de as mulheres serem mais instruídas do que os homens (21,19% delas têm mais de 11 anos de estudo, o que equivale, no mínimo, ao 2º grau completo, contra 19,29% dos homens), esse fato não chega a representar uma vantagem real, já que isso não é revertido em remuneração condizente. A segregação salarial que atinge milhares de trabalhadoras pode ser confirmada por meio de dados estatísticos que apontam a superioridade dos salários masculinos. No ano de 1997, os assalariados masculinos com nível superior recebiam em média 17,3 salários mínimos, enquanto as mulheres com o mesmo grau de instrução recebiam em média 10,1 salários mínimos. Segundo dados do Dieese (2001), a maior parte das mulheres que trabalham na indústria (69%) ganham até 3 salários mínimos, enquanto os homens com ganhos no mesmo patamar correspondem a 45%.

Apesar de possuírem melhores níveis de escolaridade, a média salarial das mulheres em 1998 representava 54% da média dos homens. Além disso, nesse mesmo ano, 10,5% das mulheres ocupadas não recebiam remuneração e metade delas recebia menos de um salário mínimo, enquanto em relação aos homens ocupados, essas proporções eram de 6,4% e 30%, respectivamente. Em 1999, 17% da população ocupada masculina situava-se na faixa que recebia até um salário mínimo contra 24,7% da população feminina. Entre os assalariados que se situavam na faixa de 20 salários mínimos de rendimento por trabalho, encontrou-se 2,9% do contingente masculino e apenas 1,1% do feminino (IBGE, 2000).

A pesquisa apresentada pela revista Exame (2001) mostra que, de modo geral, quanto maior o grau de escolaridade, maior a diferença salarial entre homens e mulheres na mesma ocupação. Segundo dados do IBGE (2000), a disparidade entre o nível de instrução entre os dois gêneros acentua-se mais na população ocupada, uma vez que o interesse feminino em ingressar no mercado de trabalho tende a aumentar com a elevação do seu nível educacional. Em 1995, o contingente masculino com o segundo grau completo entre a população ocupada era de 17,3%, chegando a atingir 21,2% em 1999. Considerando a população ocupada feminina, o percentual de mulheres com mesmo grau de instrução passou de 24,9%, em 1995, para 30,4% em 1999.

Apesar de constituírem a maioria entre os brasileiros com grau de instrução mais elevado, as mulheres, além de receberem menores salários do que os homens e enfrentarem a dupla jornada de trabalho (na empresa e em casa), lideram também as estatísticas relativas ao desemprego no país. A taxa brasileira de desemprego aponta que, em 1989, o percentual masculino representava 7,5% do total de desempregados no país, contra 10,6% do percentual feminino. Em 1995, a parcela masculina da taxa nacional de desemprego passou para 11,8%

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contra 15,3% da parcela feminina. Em 1996, o percentual masculino de desemprego ficou em 13,5%, enquanto que o feminino atingiu os 17,3% (SEADE – DIEESE, 2000). Em 2000, na cidade de Belo Horizonte, as taxas de desemprego permaneceram em 16,1% entre os homens e 19,9% entre as mulheres (DIEESE, 2001).

Diante dos dados apresentados, pode-se elaborar um quadro do qual se extraem alguns pontos relevantes. É facilmente perceptível o crescimento da ocupação feminina em postos de trabalho em relação à masculina e essa ocupação tem ocorrido nas mais diversas áreas e organizações, seja em cargos de alta gerência ou em postos que exigem menor qualificação (IBGE – PNAD, 1998; 1999; DIEESE, 2002; CATHO, 1998; RAIS, 1995-2000). Percebe-se também que o nível de escolaridade das mulheres tem sido mais elevado, se comparado ao dos homens que ocupam as mesmas posições que elas (RAIS, 2000; IBGE, 2000). Destaca-se, além disso, o fato de valores tidos como femininos, tais como sensibilidade, flexibilidade, habilidade em cuidar de pessoas e acessibilidade estarem sendo requeridos no mundo corporativo (COHEN, 2001). Tudo isso conta como pontos positivos que as mulheres têm encontrado ao ingressar no mercado de trabalho.

Apesar da valorização do feminino, existem alguns entraves, como a menor remuneração em relação aos homens, a dupla jornada de trabalho e o maior índice de desemprego para mulheres que dificultam sua inserção no mundo do trabalho. A despeito desses entraves não se pode negar que o quadro apresentado sinaliza a ocorrência de mudanças no comportamento das pessoas e, por conseguinte, nas relações sociais que se desenvolvem no interior das organizações. Por esse motivo, os estudos sobre gênero, principalmente, no que diz respeito à inserção feminina no mercado de trabalho, têm amplificado seu espectro de pesquisa, procurando verificar aspectos diferenciados e aprofundados das relações entre os gêneros nos espaços organizacionais.

Nesse contexto, muitas das abordagens feministas ressaltam uma bipolaridade simplificada entre o masculino e o feminino (CALAS E SMIRCICH, 1996). Entretanto, acredita-se que não se pode fixar uma demarcação clara entre os gêneros, pois o próprio comportamento não oferece a possibilidade de uma delimitação tão exata. Como construção social/histórica, o conceito de gênero pressupõe pluralidade e multiplicidade nas concepções de homem e mulher, mesmo porque uma concepção fortemente polarizada dos gêneros esconde a pluralidade existente em cada pólo (LOURO, 1997b). Dessa forma, o gênero deve ser entendido dentro de um espectro mais amplo que abrange as múltiplas instâncias e relações sociais, discursos, organizações, doutrinas e símbolos. Esses elementos tanto são instituídos pelos gêneros como também os instituem, resultando em diversos movimentos que formam uma rede complexa de ações e reações, em que se distribuem e se articulam constantemente relações de poder.

As relações de gênero, portanto, devem ser consideradas como práticas discursivas que refletem e distribuem manifestações de poder e resistência entre as pessoas, de acordo com os interesses dos grupos que se organizam e se enfrentam em campos de disputas sociais. Em relação às práticas organizacionais, Peterson e Albrecht (1999) indicam que as organizações são capazes de formatar, definir e reproduzir as distinções hegemônicas entre masculino e feminino de uma maneira sutil, mas poderosa, mediante a construção de discursos, políticas e procedimentos que fundamentam a vida social e organizacional. Trata-se do que Putnam (1983) descreve como prisões psíquicas, ou seja, formas de dominação e controle raramente percebidas por estarem intrínsecas à vida e linguagem organizacionais cotidianas.

Para identificar essas formas de dominação, deve-se perceber o gênero com referência à localidade e especificidade de cada discurso, desconstruindo e reformulando verdades

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universais. Trata-se do que Meyer (1998) se propõe ao analisar os estudos de gênero na enfermagem, mantendo a dúvida como postura intelectual e colocando em xeque os ideais e fundamentos positivistas de universalidade e racionalidade. Da mesma forma, Louro (1996; 1997a; 1997b) discute as relações de gênero inseridas em meio às diversas articulações teóricas e práticas que elas permitem, ressaltando o seu caráter de instabilidade (constante questionamento) e de vitalidade (renovação e autocrítica), possibilitando, portanto, interpretações múltiplas de seu conceito.

Acredita-se que as teorizações sobre gênero carregam uma dimensão política e um desejo de transformação social, o que favorece sua abordagem sob uma perspectiva crítica e politizada. Nesse contexto, as relações de gênero podem ser entendidas por meio de elementos e discursos capazes de promover dominação e mediar contradições nas relações de poder entre os agentes sociais em interação nas organizações. Para Melo (1991), as manifestações das relações de poder têm no campo das relações de trabalho um locus privilegiado, em que assumem as suas diversas formas de expressão. Seguindo essa perspectiva, deve-se abordar o gênero como uma forma de expressão das relações de poder no espaço organizacional, analisando as condições de sua emergência e os jogos de interesses que as envolvem.

Diante do exposto, na análise das relações de poder e de gênero que se propõe, pretende-se adotar a perspectiva de Foucault (1979), mediante a qual o autor critica as visões convencionais do poder, além de fornecer uma história detalhada de algumas práticas e técnicas de poder que caracterizam a modernidade capitalista. Foucault (1979) procura captar o poder em suas extremidades, nas quais ele se torna capilar, longe das formas regulamentares, centrais e legítimas por meio das quais ele normalmente é estudado, ou seja, o autor procura examinar como a punição e o poder de punir materializam-se em instituições locais, regionais e materiais, podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder. Além disso, a abordagem descrita por Foucault (1979) não procura indicar quem deseja dominar, seus motivos, mas como funciona esse processo de sujeição e dominação dos indivíduos.

Ao ser trazida para os debates sobre relações de gênero, a concepção de poder elaborada por Foucault remete à interpretação dessas relações sob a forma de redes tensas e continuamente ativas, em que não se possibilita a posse do poder, mas somente a capacidade de exercê-lo em múltiplas instâncias e intensidades diversas (LOURO, 1997a). Dessa forma, o poder passa a ter seus efeitos vinculados a manobras, técnicas, táticas e mecanismos, tendo implicações sobre as ações dos sujeitos que o exercem. Essa perspectiva do poder aplicada às relações de gênero permite o rompimento com a polarização entre o masculino e o feminino, visto que impede a aceitação de que apenas um dos dois pólos detém o poder, enquanto o outro é totalmente e incontestavelmente submetido a ele.

Acredita-se que as relações de poder no espaço organizacional têm-se articulado de forma a atenderem a uma necessidade por diversificação e inovação, e o que se percebe é uma transformação no quadro de perpetuação da dominação masculina sobre o feminino nas organizações. Essa transformação envolve, principalmente, a auto-regulação feminina no trabalho, no que diz respeito à criação de mecanismos de adaptação e de aproveitamento de suas potencialidades. Envolve, também, a maior aceitação e reconhecimento do trabalho feminino por parte dos homens (CAPPELLE, MELO e BRITO, 2002). Há que se reconhecer, entretanto, a inconstância das relações de poder a influenciar a articulação das relações de gênero, o que leva a inferir que o futuro depende da capacidade e da possibilidade que homens e mulheres terão para defenderem e negociarem seus interesses, construindo relações

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na busca da criação de um espaço, de um “saber conviver”, a partir de ambigüidades, inerentes à realidade em que vivem.

Nesse espaço, há ainda posições em que o acesso feminino é mais dificultado, como no caso de posições de alta gerência. Segundo Betiol e Tonelli (1991), para as mulheres que gerenciam as organizações, o caminho não está totalmente aberto, pois o investimento psíquico que elas têm que fazer parece ser maior do que o investimento das empreendedoras e maior do que o da maioria dos homens buscando o mesmo cargo. Mostram, ainda, que essa realidade parece tornar-se mais complexa à medida que se eleva o nível do cargo gerencial e também de acordo com as especificidades da organização em que as gerentes se inserem.

3 A função gerencial e a emergência de valores femininos Do lado da teoria organizacional, encontram-se múltiplos enfoques e abordagens,

atribuindo maior ou menor centralidade à função gerencial. Cada escola do pensamento administrativo apresenta diferentes conotações à figura do gerente que, nos primórdios da Revolução Industrial, assemelhava-se a de um “capataz”, responsável por conseguir levar uma mão-de-obra “indisciplinada” e “indolente” a obter resultados.

As abordagens que se sucederam, tentando avançar ou mesmo superar as idéias clássicas sobre a função gerencial, deram vazão a um grande número de publicações, nas quais as qualidades e atributos necessários ao gerente davam a impressão de tratar-se de um verdadeiro “super-homem”, conhecedor e capaz de tudo no universo organizacional (LEITE, 1991).

Nesse sentido, ao gerente de hoje cabe ser ao mesmo tempo: competitivo e cooperativo; individualista e capaz de trabalhar em equipe; flexível e perseverante/perfeccionista; “sujeito do seu destino” e submisso à proposta organizacional; justo, sensível, compreensivo e duro, impiedoso; suave, terno e violento, colérico; democrático, justo (LIMA, 1992); “capaz de lidar com a precisão da lógica binária dos computadores e com a abstração e a sutileza de sentimentos sempre presentes nas interações humanas e decisões organizacionais” (VERGARA e BRANCO, 1993, p.21).

Motta (1991, p.103) observa, porém, que é preciso “perder a crença no determinismo econômico, político e social e compreender a variação intensa do mundo contemporâneo”. em meio a um contexto cada vez mais exigente, complexo e em constante e rápida transformação, a importância do trabalho gerencial está em fazer com que as organizações produzam com eficiência e eficácia. Contudo, segundo o autor, não existem definições claras quanto às atribuições e comportamentos gerenciais, uma vez que a função gerencial apresenta, simultaneamente, dois aspectos distintos. Se por um lado busca-se a racionalidade através da previsão e antecipação de ações e enfatizando as análises e as relações de causa e efeito, por outro, existe uma dimensão do irracional, do intuitivo e emocional, uma vez que a imprevisibilidade, ambigüidade, fragmentação e imediatismo se fazem presentes a todo o momento.

No momento atual, marcado por significativa redução dos níveis gerenciais, eliminação de cargos de gerentes, idéias como a da empregabilidade, trazem questionamentos sobre o alinhamento gerencial aos interesses organizacionais. Sampson (1996) e Horton e Reid (1993), entre outros, acreditam que seja necessário resgatar a relação antes existente entre corpo gerencial e organização. Grum (1994 e 1995) chama a atenção para o fato de que gerentes têm se apropriado do discurso e das terminologias próprias das Novas Tecnologias Organizacionais, de forma a construir um campo de ação social que assegure sua sobrevivência no espaço organizacional.

De acordo com Kliksberg (1993), a “gerência fácil”, a qual anteriormente operava em certas condições de estabilidade e de competitividade limitada, transformou-se em uma

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gerência que deve enfrentar ambientes em contínua mudança e com crescente competitividade marcada pela agressividade. Para enfrentar a complexidade, é necessário mudar todo o esquema mental de trabalho da gerência no modelo tradicional, o que implica a diversificação das funções que o gerente deverá desenvolver. Para tanto, ele deverá “pensar sobre sua maneira de pensar” e evoluir para um estilo aberto, integrador dos diversos ângulos de análise, de múltiplos cenários simultâneos, enfim, pensar numa perspectiva renovada da realidade.

A probabilidade de vir a se tornar um gerente eficiente no exigente contexto atual, está ligada à inserção ativa desse profissional nas novas linhas de trabalho - chamado “pulo tecnológico”, que tem a ver com a elaboração de uma agenda efetiva de decisões, com a capacidade de desenvolver habilidades, negociar com metodologias avançadas e flexibilizar (descentralizar) a organização criando espaços para a participação. Para o alcance do melhor desempenho, fazem-se necessárias profundas transformações nos hábitos tradicionais (KLIKSBERG, 1993).

Assim, é possível afirmar que uma nova postura gerencial é necessária para enfrentar, com êxito, essas realidades. A capacidade para gerenciar a complexidade, a variabilidade, a incerteza, a transitoriedade, e para mobilizar o potencial humano, a internacionalização do conhecimento, a capacidade de negociação, a ética e a compreensão do contexto sócio-político, são alguns dos traços do atual gestor (PENENGO, 1997).

Com o intuito de contribuir para a produção de teorias sobre o espaço da gerência feminina nas organizações, pesquisas desenvolvidas por Melo (2001a; 2001b; 2003) têm mostrado que em instituições financeiras brasileiras, as mulheres vêm superando dois bloqueios básicos: o cultural (constituem parte significativa da força de trabalho) e o organizacional (já existem políticas organizacionais favoráveis ao acesso de mulheres aos cargos gerenciais); ademais, as mulheres já possuem características que podem diferenciá-las e, com isso, romperem a barreira da cultura organizacional e avançarem, ainda que forma lenta e gradual, na carreira gerencial. Nesse sentido, foi possível agrupar em quatro categorias as características ou qualidades femininas encontradas nas gerentes pesquisadas do setor financeiro e que podem favorecer as mulheres nas suas atividades como gerentes:

• Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida favorecendo uma maior compreensão das pessoas, intuição nata, instinto de unir, facilidade de trabalhar com o sentimento, além de uma maior capacidade de percepção. Essas características ajudam a vencer um dos maiores desafios que vem sendo apontado pelos gerentes: a relação com as pessoas;

• Flexibilidade favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no seu cotidiano decorrente da capacidade de lidar ao mesmo tempo com problemas diferentes. Esses olhares múltiplos permitem um maior jogo de cintura, uma leitura diferenciada do contexto. A necessidade imposta socialmente à mulher de administrar problemas domésticos, empregados, a dispensa, de ser mãe, esposa, amante, companheira, filha, suporte de família, permite treinamentos e desenvolvimentos específicos e ajustados às novas demandas gerenciais nas organizações do novo capitalismo. Por um lado, sua própria história e trajetória lhe impõem exigências e pressões múltiplas, por outro, desenvolvem-lhe uma flexibilidade significativamente útil ao atual campo da gerência;

• Formação precoce em questões do campo da administração. A educação recebida pela maioria das mulheres enfatiza o aprendizado da administração no próprio espaço doméstico, desenvolvendo maior senso de organização e capacidade de gerenciamento. Em outras palavras, a mulher recebe uma formação familiar e social que a torna capaz de administrar uma empresa dentro de sua própria casa;

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• Outras habilidades e qualidades que programas de desenvolvimento e treinamento gerencial têm tido dificuldades de desenvolver: maior agilidade, coragem para correr riscos, disposição para enfrentar conflitos, maior percepção do negócio da organização (MELO 2001a; 2001b; 2003).

Segundo Kramer e Sprenger (1993, p.17) “hoje as bruxas são legião no século XX. E são bruxas que não podem ser queimadas vivas, pois são elas que estão trazendo pela primeira vez na história do patriarcado, para o mundo masculino, os valores femininos.”

Contudo, essa valorização feminina no mundo da gestão também esbarra em entraves para a atuação de mulheres gerentes. Entre as dificuldades enfrentadas por mulheres gerentes em hospitais, Brito (1998) revela sentimentos que dão indícios de sofrimento e insatisfação das mulheres diante da função gerencial. Em relação à sobrecarga de trabalho e ao desgaste referido pelas gerentes, segundo Rio (1996, apud BRITO 1998)i, o stress pode ser desencadeado por meio de diferentes tipos de pressão, dentre os quais destacam-se, além das mudanças, os trabalhos que implicam alto grau de decisão e responsabilidade. Acredita-se que, a esses fatores, soma-se a pressão pela apresentação de resultados institucionais e o fato de que são submetidas, concomitantemente, às pressões da equipe e dos seus superiores.

Além disso, fazem emergir as dificuldades da mulher em conciliar casa e trabalho e a sobrecarga no cotidiano das gerentes, já que, no bojo de suas atividades estão incluídas aquelas referentes à sua vida profissional, além de outras, não menos significativas, voltadas para as tarefas domésticas, imprimindo à mulher duplas jornadas de trabalho, incompatíveis com uma qualidade de vida, no mínimo, razoável, e que implica, de maneira geral, renúncias e sacrifícios.

O fato de a maior parte das atividades domésticas ficarem sob a responsabilidade da mulher encontra-se relacionado à evolução da família na civilização ocidental, na qual a mulher veio, ao longo da história, concentrando seus esforços em atividades restritas ao lar, enquanto o homem ligava-se à vida pública. Essa afirmação reforça a necessidade de se analisar os fenômenos sociais levando em consideração sua historicidade e dinamicidade, o que significa dizer que os fenômenos sociais estão relacionados e encontram-se em constante transformação.

Em pesquisa realizada por Laender (1985) sobre chefia feminina no setor público de Minas Gerais, a autora levanta junto a seus entrevistados traços marcantes para o exercício da função. Entre os traços identificados destacaram-se a coragem, segurança, interesse, astúcia, criatividade e ternura, todos apresentando percentuais acima de 50% de indicação.

Considerando-se um cenário externo cada vez mais mutante em organizações com estruturas flexíveis para enfrentar um mercado de competitividade crescente, o modelo de previsibilidade esgotou-se e as características femininas no exercício das práticas gerenciais começam a ser valorizadas fragilizando o modelo gerencial masculino que norteou muitos executivos no passado. Nessa perspectiva, indaga-se: Como tem ocorrido a participação de mulheres gerentes em empresas familiares e quais são as principais características da gerência feminina nesse tipo de organização? Como vem se dando as experiências relacionais de poder e de gênero nesse contexto?

4 A empresa familiar e suas peculiaridades: a família, a propriedade e a gestão As empresas familiares, segundo Churchill e Hatten (1987), compõem uma parte

importante da economia e da sociedade e, apesar de serem identificadas normalmente com pequenos negócios, elas também incluem um grande número de grandes organizações. Steier, Chrisman e Chua (2004) confirmam esse fato ao afirmarem que muitas organizações apresentam uma dimensão relacionada à família, desde pequenas iniciativas empreendedoras

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até grandes empresas, sejam elas multinegócios ou multinacionais. Como exemplo, ressaltam os Keiretsu e as famílias Zaibatsu no Japão, que consistem em grandes grupos familiares que modelam toda a economia do país.

Para Steier, Chrisman e Chua (2004), a família é um aspecto integral da atividade econômica e da vida organizacional, sendo que as organizações familiares possuem um importante papel na criação e desenvolvimento de novas firmas. Entretanto, os autores argumentam também que, apesar de se evidenciar que as empresas familiares constituem atividades econômicas e organizacionais muito difundidas, elas ainda permanecem pouco estudadas. Como indicação para esse estado subdesenvolvido da pesquisa em gerenciamento de empresas familiares, os autores afirmam que ainda não há nem mesmo um consenso acerca de uma definição para esse tipo de negócio: ou são consideradas como aquelas que apresentam pelo menos um membro da família que possui a propriedade da firma, juntamente a várias gerações de membros da família em posições de liderança na empresa (ZAHRA, HAYTON e SALVATO, 2004); ou devem manter o envolvimento da família nas dimensões de propriedade, gestão e expectativa de sucessão familiar (MORCK e YEUNG, 2004), dentre outras definições.

Silva Júnior e Muniz (2003) também concordam que a definição de empresa familiar não está constituída por um corpo teórico convergente, unificado e maduro, apesar de perceberem um aumento considerável de pesquisas, artigos publicados sobre o tema. Contudo, os autores optam por adotar a definição de empresa familiar cunhada por Donelley (1964), segundo o qual uma empresa pode ser considerada familiar quando está ligada pelo menos há duas gerações a uma mesma família, isto, se essa ligação resulta em uma influência recíproca, tanto na política geral do empreendimento, como nos interesses e objetivos da família. Essa definição também é adotada por Silveira e Biehl (2003), ao defenderem o fato de as organizações familiares entrelaçarem as vidas da família com as questões empresariais. Para as autoras, a família continua sendo uma das instituições mais fortes da sociedade, o que reflete a força de sua influência nos negócios familiares.

Steier, Chrisman e Chua (2004) acreditam que a influência da família em um negócio pode se manifestar de diferentes modos, seja na forma como a sucessão, a inovação e a cultura são gerenciados, ou na própria maneira de se encarar a gestão. De fato, os autores ressaltam que, mesmo não havendo uma definição universal para a empresa familiar, existe um consenso teórico segundo o qual o que distingue uma empresa familiar de uma não familiar é a habilidade e as intenções da família para influenciar as decisões e o comportamento no interior da firma.

Churchill e Hatten (1987) também indicam duas principais diferenças entre as empresas familiares e as empresas privadas em geral: o envolvimento de membros da família nos negócios e o fato de as transferências do exercício do poder entre esses membros da família serem marcadas por aspectos não orientados apenas pelo mercado.

Portanto, como pressupõe Oliveira (1999), a estrutura familiar quando alocada a uma empresa ocasiona particularidades na atuação da empresa, no que diz respeito às interações específicas entre os familiares, o que a torna diferente das demais.

As empresas familiares são basicamente empresas que são gerenciadas por seus proprietários com o envolvimento da família nos negócios. Para Churchill e Hatten (1987), a gestão de empresas familiares é marcada por um processo inevitável em seu ciclo de vida e que envolve a transferência de poder entre os membros da família: a sucessão familiar. Quando há a necessidade de sucessão, ocorrem, normalmente, mudanças nas formas de gestão, nas estratégias organizacionais e no controle. Normalmente, recorre-se, nessa fase, à

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contratação de mão-de-obra especializada em gestão para dar suporte às mudanças que serão implantadas na organização.

Churchill e Hatten (1987) também acreditam que as empresas familiares são adequadas para se estudar processos de transformação organizacional, pois são marcadas pela inevitabilidade da mudança. Nesse caso, a transferência do processo decisório e dos centros de poder nessas organizações é certa de acontecer, além de planejada, porque, naturalmente e inevitavelmente, uma geração acaba sendo sucessora de outra.

Em relação à transferência do exercício do poder, Churchill e Hatten (1987) indicam dois de seus aspectos: de um lado, a transferência do controle dos direitos da propriedade, e, de outro, a transferência do controle gerencial das operações e da direção estratégica do negócio. Oliveira (1999) acrescenta que a sucessão familiar exige que a análise para o processo sucessório seja consistente para não se avaliar de forma errônea que os herdeiros naturais são os melhores dirigentes para a empresa. E na sucessão profissional, a empresa familiar passa a ser administrada por profissionais contratados, os quais também devem atuar em consonância com as características da empresa e, conseqüentemente, da família. Nesse contexto, Churchill e Hatten (1987) enfatizam a importância de se pesquisar a sucessão gerencial (não apenas a da propriedade) em empresas familiares, alegando que se não houver um gerenciamento adequado do negócio, não importará quem o possui.

As empresas familiares são caracterizadas por um estilo gerencial que entrelaça propriedade, família e gestão, de acordo com o modelo de três círculos (FIGURA 1), proposto por Gersick et al. (1997) e discutido por Silva Júnior e Muniz (2003).

FIGURA 1 – O modelo dos três círculos

De acordo com o modelo dos três círculos, a empresa familiar é representada por três

dimensões independentes que se sobrepõem: a gestão, a propriedade e a família. O número um representa os familiares que não participam na nem na propriedade da empresa; o número dois, os proprietários do negócio que não são membros da família e nem participam da administração; o três indica os gestores que não são familiares nem proprietários, normalmente, profissionais contratados; o quatro envolve membros da família proprietários da empresa que não participam de sua gestão; a interseção entre a propriedade e a gestão (número cinco) representa proprietários não-familiares que gerenciam a organização; o seis, os membros da família que participam da gestão; e o número sete indica um seleto grupo composto por familiares que são também proprietários e gestores (GERSICK et al., 1997).

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Considerando o modelo dos três círculos, a empresa familiar se mostra interessante para a análise das relações de poder e de gênero, visto que em cada subsistema composto pela superposição dos três círculos (propriedade, família e gestão), homens e mulheres possuem interesses específicos e desempenham papéis diferenciados. Por exemplo, a mãe da família é proprietária da empresa, mas pode não participar da sua gestão, apesar de ser responsável por administrar as atividades domésticas. Ou, ao contrário, essa mesma mãe pode atuar como gerente da empresa, enquanto seu marido, o pai e “chefe” da família, apesar de também proprietário, não participa da gestão da organização. Os irmãos e irmãs, herdeiros da empresa, também podem ou não trabalhar nela, exercendo ou não funções gerenciais, mas em casa, devem respeito e obediência aos pais.

Em meio a essas características da empresa familiar, emergem também mulheres empreendedoras, destacando-se como fundadoras de suas próprias empresas, como estudado por Cramer, Cappelle e Silva (2001). Nesse caso, a imagem do proprietário fundador, descrita por Gersick et al. (1997) como o primeiro estágio do ciclo de vida da organização, não está mais ligada à figura de um homem, o pai da família, mas de uma mulher, muitas vezes considerada apenas como a esposa do proprietário que pode ou não participar do conselho de administração da empresa (SILVA JÚNIOR E MUNIZ, 2003, p. 59). Tais situações, dentre outros aspectos, também podem implicar uma reconfiguração das relações de poder e de gênero na organização, visto que a mulher passa de provida a provedora da família.

Em relação ao ciclo de vida da organização, Gersick (1997) acrescenta que os fundadores não são habituados a trabalhar em equipe, centralizando todas as decisões importantes e determinando os valores da empresa. O autor argumenta que a sucessão é um dos momentos mais importantes de uma empresa familiar, por envolver sua perpetuação, pois o fundador não é eterno, mas a empresa pode viver ainda por muitos anos. Para tanto, é necessário que a nova geração que venha a assumir a empresa se profissionalize e seja capaz de guiá-la nos novos cenários que surgem a todo o momento.

Com esse ponto, concordam Silva Júnior e Muniz (2003) ao explicarem que ao iniciar suas atividades, a empresa familiar normalmente possui uma estrutura gerencial mais simplificada e concentrada nas mãos do fundador, mas, com seu crescimento, precisa ser reestruturada e buscar a profissionalização de seu quadro de gestores. Isso indica que a gestão tem sido muito valorizada nessas organizações, o que torna relevante o estudo de seus gestores, inseridos em uma organização com características tão específicas e tão relacionadas à estrutura familiar. Essa estrutura familiar, como identificaram Silveira e Biehl (2003), pode estar fortemente relacionada à estrutura patriarcal, em que a figura masculina encontra-se no centro decisório, o que pode tornar diferenciadas as relações que mulheres gerentes vivenciam nesse tipo de empresas.

5 Caracterizando o setor hospitalar Segundo Cherubin e Santos (1997), o atual conceito de hospital decorre da própria

definição de saúde mantida como principal finalidade desse tipo de organização, ou seja: “é o estabelecimento destinado à prestação de serviços integrados de saúde em regime de internação e de atendimento externo” (p. 58).

Os hospitais, no Brasil, surgiram logo após a descoberta do país pelos portugueses. Dessa forma, seguiram-se a filosofia e a forma de assistência típica das Santas Casas de Misericórdia de Portugal. Foi a partir do séc. XVIII que começaram a surgir, no Brasil, as Reais e Beneméritas Sociedades Portuguesas de Beneficência, por iniciativa da colônia portuguesa e se espalharam por todo país, sob a forma de entidades filantrópicas. Os

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imigrantes de outras nações também fundaram seus hospitais, tendo surgido os hospitais italianos, japoneses, alemães, sírios, entre outros.

O modelo de assistência adotado no Brasil interferiu diretamente no desenvolvimento dos hospitais, seja na sua expansão, seja no seu desempenho e manutenção. Até 1930, a assistência hospitalar era prestada às pessoas em geral, sem que ninguém pudesse exigi-la por direito, a não ser que pagasse. No entanto, a partir da década de 30, com o advento dos institutos de previdência, uma parcela expressiva da população passou a ter o direito à assistência, sem que, para isso, tivesse que pagar. Os beneficiários eram os previdenciários urbanos (CHERUBIN e SANTOS, 1997).

Em 1984 foi criado a Funrural para dar cobertura à cerca de 30% da população brasileira que estava radicada no campo (foram excluídos dessa conduta os indígenas, que eram atendidos pelas Santas Casas e Hospitais Filantrópicos).

Com a reforma da Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde, toda a população brasileira passou a ter direito à assistência hospitalar, sem nenhum tipo de discriminação (CHERUBIN e SANTOS, 1997). Atualmente, no Brasil, os principais tipos de hospitais e suas respectivas características são as seguintes:

Hospital geral: que tem condições de prestar assistência, em regime de internação, a várias especialidades de clínica médica e cirúrgica, podendo limitar sua ação a um grupo etário (hospital infantil), a um determinado grupo da comunidade (militar) ou a uma finalidade específica (hospital de ensino);

Hospital especializado: tem condições de prestar assistência, em regime de internação, a pacientes portadores predominantemente de uma determinada doença;

Hospital particular ou privado: o que pertence a uma pessoa jurídica de direito privado

Hospital não-lucrativo: de propriedade de uma instituição particular e não visa lucro, não remunera a Diretoria e não distribui lucros ou dividendos. Esse hospital aplica integralmente seus recursos no país e na manutenção, desenvolvimento e melhoria dos seus objetivos sociais.

Hospital filantrópico: é particular e pertence a uma entidade não-lucrativa. Reconhecida como de Utilidade Pública Federal e Estadual ou Municipal, com certificado de fins filantrópicos. Não remunera a Diretoria e não distribui lucros ou dividendos

De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, o Estado contava com 692 hospitais prestadores de serviços ao SUS, sendo apenas 101 (14,59%) integrantes da rede pública, com a seguinte distribuição: 74 hospitais municipais (73,26%), 18 estaduais (17,82%) e 9 federais (8,91%). O maior número de hospitais prestadores de serviços aparecia entre os hospitais filantrópicos (45,37%), seguidos dos hospitais contratados (rede privada) perfazendo 37,57% do total de hospitais (BRASIL, 2001).

Em relação ao número de leitos, havia uma grande participação do SUS nos diversos tipos de hospitais existentes em Minas Gerais, verificando-se os seguintes percentuais em relação aos números de leitos disponíveis e contratados: hospitais contratados (privados), 84,7%; hospitais estaduais, 100%; hospitais federais, 97%; filantrópicos, 76,1%; municipais, 97,4% e hospitais universitários, 89,2%.Tal situação mostra a importância da rede privada hospitalar na atenção à saúde brasileira, reforçando a necessidade de realização de estudos nesta área (BRASIL, 2001).

Seguindo a classificação dos hospitais por porte do Conselho Regional de Enfermagem, 51,80% dos os hospitais privados de Belo Horizonte são de médio porte, 40,70% de pequeno porte e apenas 7,40% enquadram-se na classificação de grande porte.

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A conjuntura do setor hospitalar tem sido tema de discussão entre diferentes estudiosos. Para Ferreira (2002), o segmento hospitalar em Minas Gerais se encontra em condição crítica:

O sistema está completamente falido. Não existem investimentos por parte do governo e nem da iniciativa privada em uma área onde a maior parte do serviço é feita pelo setor privado e não pelo setor público. Setor que, apesar do volume de trabalho, não tem o reconhecimento dos compradores dos serviços do governo (CARLOS EDUARDO FERREIRA, DIÁRIO DO COMÉRCIO, 2002).

Tendo em vista a complexidade e as particularidades que marcam o setor Saúde no Brasil, a proposta de pesquisa se reveste da possibilidade de relacionamento entre diferentes fatores do mundo das organizações com o exercício da gerência. Ademais visa a contribuir não somente para o questionamento da realidade vivenciada pela mulher como gerente, mas também e, sobretudo, para a compreensão de aspectos referentes à sua inserção e participação no mercado de trabalho enfatizando seu comportamento, ações e respostas às múltiplas demandas no contexto de um hospital privado caracterizado como uma empresa familiar.

6 Objetivos do projeto Compreender as relações de poder e de gênero no contexto de uma empresa familiar

que permeiam as práticas cotidianas vivenciadas por mulheres gerentes, proprietárias e não-proprietárias, em um hospital geral da rede privada de Belo Horizonte.

Objetivos específicos: 5. Analisar como é percebida a gerência feminina em uma empresa familiar; 6. Analisar as relações de poder exercidas pela gerência de ambos os gêneros em uma

empresa familiar; 7. Verificar se existem dificuldades e/ou facilidades de mulheres gerentes em uma

empresa familiar; 8. Identificar quais as relações estabelecidas entre a gerência feminina e os demais

gerentes da empresa; 9. Entender como é realizado o processo de sucessão em uma empresa familiar que

possui mulher gerente bem como as oportunidades dadas a ela; 10. Entender qual é o espaço da gerente-proprietária em uma empresa familiar bem

como suas influências nas relações dentro da empresa; 11. Verificar se o grau de parentesco interfere nas relações profissionais; 12. Verificar se de alguma forma a mulher gerente é valorizada dentro do processo

sucessório. 7 Proposta Metodológica O estudo, de natureza qualitativa, será realizado tomando-se como base um caso de

hospital caracterizado como empresa familiar. O estudo de caso vem sendo utilizado de forma extensiva em pesquisas da área das Ciências Sociais. Segundo Yin (2001), apresenta-se como estratégia adequada quando se trata de questões nas quais estão presentes fenômenos contemporâneos inseridos em contextos da vida real e podem ser complementados por outras investigações de caráter exploratório e descritivo. O Estudo de Caso, ainda segundo o autor, é utilizado como estratégia de pesquisa nos estudos organizacionais e gerenciais, contribuindo, de forma inigualável, para a compreensão de fenômenos complexos, nos níveis individuais, organizacionais, sociais e políticos e permitindo a preservação das características significativas dos eventos da vida real.

No que se refere aos objetivos, segundo Becker (1999), em geral, o estudo de caso é realizado com duplo propósito. Dessa forma, por um lado, busca alcançar uma compreensão

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abrangente do grupo em estudo e, por outro lado, tenta desenvolver declarações teóricas mais gerais sobre regularidades do processo e estruturas sociais. Nessa ótica, segundo o autor,

“O estudo de caso não pode ser concebido segundo uma mentalidade única para testar proposições

gerais, tendo que ser preparado para lidar com uma grande variedade de problemas teóricos e descritivos. Os vários fenômenos revelados pelas observações do investigador têm que ser todos incorporados ao seu relato do grupo e em seguida receber atribuição de relevância teórica.” (p.118)

Também é salientada por Becker (1999), a utilidade prática desse tipo de estudo, uma

vez que o mesmo oferece espaço, ao investigador, para lidar com descobertas inesperadas, exigindo a reorientação de seu estudo à luz de tais descobertas. Além disso, o pesquisador é levado a considerar as múltiplas inter-relações dos fenômenos específicos por ele observados.

Em relação às características ou princípios associados ao estudo de caso, Lüdke e André (1986) fazem algumas considerações importantes, entre as quais se destacam:

1- Os estudos de caso visam à descoberta: essa característica se fundamenta no pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, mas uma construção que se faz e refaz constantemente. Assim sendo, o pesquisador estará sempre buscando novas respostas e novas indagações no desenvolvimento do seu trabalho;

2- Os estudos de caso enfatizam a ‘interpretação em contexto’: para a compreensão da manifestação geral de um problema, devem ser considerados alguns elementos, como as ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas. Além do mais, esses elementos devem ser relacionados à situação específica em que ocorrem ou à problemática determinada a qual se encontram ligados;

3- Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda: o pesquisador busca revelar a situação ou problema em sua totalidade e, portanto, revelando sua multiplicidade e dimensões;

4- Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação: ao realizar um estudo de caso, o pesquisador deve recorrer a uma variedade de dados, os quais são coletados em situações diversas e com informantes, também, variados;

5- Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social: quando o objeto ou situação estudados suscita opiniões divergentes, o pesquisador procura trazer, para o estudo, essa divergência de opiniões expressando seu próprio ponto de vista sobre o assunto.

6- Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa: os dados do estudo de caso podem ser apresentados de diferentes formas, entre as quais se incluem desenhos, fotografias e discussões. O caso é construído durante o processo de estudo, somente materializando-se como um caso no relatório final (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).

A respeito do desenvolvimento do estudo de caso, os mesmos autores descrevem as seguintes fases. Na primeira fase, caracterizada como fase exploratória, o pesquisador parte do pressuposto da inexistência de uma visão predeterminada da realidade, indo em busca dos aspectos relevantes que envolvam uma determinada situação. Essa fase é fundamental para uma definição mais precisa do objeto de estudo, sendo esse o momento de se especificarem as questões ou pontos críticos, de se estabelecerem os contatos iniciais para entrada em campo, de se localizarem os informantes e as fontes de dados necessárias para o estudo.

Essa visão de abertura para a realidade tentando captá-la como ela é realmente, e não como se quereria

que fosse, deve existir não só nessa fase mas no decorrer de todo o trabalho, já que a finalidade do estudo de caso é retratar uma unidade em ação (LÜDKE e ANDRÉ (1986, p.121).

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A segunda fase de desenvolvimento do estudo de caso corresponde à delimitação do

estudo, sendo essa realizada numa etapa consecutiva à identificação dos elementos-chave e dos contornos aproximados do problema. Assim, o pesquisador procede à coleta sistemática de informações, utilizando instrumentos mais ou menos estruturados e técnicas mais ou menos variadas, e, sua escolha é determinada pelas características do objeto estudado. A importância da determinação dos focos da investigação e do estabelecimento dos contornos do estudo está ligada à impossibilidade de se explorarem todos os ângulos do fenômeno, principalmente se considerarmos a limitação do tempo de realização da maioria das pesquisas. Nessa perspectiva, a seleção dos aspectos mais relevantes e a determinação do recorte se configuram como elementos cruciais para o alcance dos propósitos do estudo de caso, assim como para se chegar a uma compreensão mais acurada e completa da situação pesquisada.

A análise sistemática e a elaboração do relatório, segundo Lüdke e André (1986), constituem a terceira fase de desenvolvimento do estudo de caso e decorre da necessidade de sistematização e análise das informações a serem repassadas aos informantes para que possam manifestar suas reações sobre a relevância e a acuidade do que é relatado. Nessa fase, é necessário um constante movimento entre a teoria e os dados empíricos.

A última etapa, denominada prática do estudo de caso está relacionada aos possíveis problemas que podem ser evocados quanto ao planejamento ou desenvolvimento deste tipo de estudo. Entre os principais problemas identificados por Lüdke e André (1986), destacam-se a escolha do típico ou atípico, “isto é, empiricamente representativo de uma população determinada” (p.23) e a questão da generalização dos resultados. A respeito dos problemas apontados, ressalta-se que o fato de o caso ser ou não ‘típico’, afeta diretamente a questão da generalização. Considerando que “cada ‘caso’ é tratado como único, singular, a possibilidade de generalização passa a ter menor relevância” (p.23). Ainda em relação à possibilidade de generalização, salienta-se a possibilidade da “generalização naturalística” (STAKE, 1978), a qual é feita com base na percepção do leitor acerca de semelhanças de aspectos do caso particular estudado com outros casos ou situações por ele vivenciado. Esse tipo de generalização ocorre no nível individual, por meio de um processo que envolve o conhecimento formal prévio do leitor, assim como de suas impressões, sensações e intuições (conhecimento tácito). No estudo de caso, parte-se do pressuposto de que o leitor utilizará seu conhecimento tácito para fazer inferências, generalizações, desenvolver novos significados e compreensões.

Para finalizar as considerações a respeito do estudo de caso, é importante lembrar que este tipo de estudo, caracterizado pela investigação aprofundada e exaustiva sobre um ou poucos objetos com vistas ao seu conhecimento amplo e detalhado, constitui tarefa praticamente impossível mediante a adoção de outros tipos de delineamentos de pesquisa (GIL, 1999). A esse respeito, Carvalho (2002) chama a atenção para o fato de o estudo de caso possibilitar a preservação do caráter unitário do objeto a ser estudado. Nessa perspectiva, o método de Estudo de Caso foi considerado adequado na pesquisa sobre as práticas gerenciais no contexto do hospital caracterizado como empresa familiar, haja vista a complexidade do fenômeno em questão e sua contemporaneidade.

7.1 Caracterização do campo de estudo e dos sujeitos da pesquisa O Hospital eleito como campo de investigação foi fundado em 1º de junho de 1980

como hospital geral. Expandiu sua área física em 1998 e conta, atualmente, com 266 leitos destinados a todas as especialidades médicas. Caracteriza-se como uma organização de médio porte, de gestão familiar, tendo em seu quadro de pessoal aproximadamente 900 funcionários,

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entre os quais 468 (52%) pertencem ao quadro da Enfermagem. A instituição vem passando por intenso processo de modernização. A remodelação técnica e gerencial do hospital têm como objetivos a promoção de melhorias na assistência e a contenção de gastos. Na sua área física, foram introduzidas algumas facilidades para o usuário, com um sistema de automação, sendo possível, por exemplo, acessar o quarto por meio de um cartão magnético que permite o rastreamento das pessoas que estiveram naquele local.

No que se refere aos sujeitos da investigação, os mesmos irão abranger os proprietários que participam da gestão organizacional e outros membros do quadro gerencial. Os dados serão coletados por meio da realização de entrevistas semi-estruturadas, as quais possibilitam eventuais alterações no roteiro de acordo com a livre expressão dos respondentes, sem, contudo, desviarem o foco das informações coletadas. Também serão analisados documentos e dados secundários relevantes, bem como praticada a observação, com vistas a ampliar e enriquecer a compreensão e análise das questões em estudo.

7.2 Tratamento e análise dos dados Os dados coletados serão submetidos à análise de conteúdo visando à obtenção de

indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens contidas nos relatos dos entrevistados (BARDIN, 1979). Na busca de “atingir os significados manifestos e latentes no material qualitativo” (MINAYO, 2000, p.204), será utilizada a técnica de Análise Temática. Essa nova compreensão do material textual, que vem substituir a leitura dita “normal” por parte do leigo, visa a revelar o que está escondido, latente, ou subentendido na mensagem.

O processo de análise dos dados coletados deve passar pelas seguintes fases de tratamento:

- preparação: as entrevistas serão transcritas segundo o roteiro de perguntas, agrupando todas as respostas de cada categoria para cada questão tratada. Ressalta-se que os relatos serão preservados em sua íntegra, a fim de que não se percam detalhes que possam ser relevantes para a análise;

- tabulação quantitativa: envolverá a identificação de componentes das respostas dos entrevistados e agrupamento de acordo com o tema da pergunta. Nessa fase, serão verificadas as freqüências de respostas a cada questão, com a recuperação de informações relativas aos objetivos do projeto, por meio de agrupamentos de dados similares e construção de tabelas. Essa técnica de análise de dados segue os princípios da análise de conteúdo, proposta por Bardin (1979) e permite uma melhor visualização das opiniões e dos conteúdos das mensagens dos respondentes após a sua sistematização na forma de tabelas;

- tabulação qualitativa/temática: consistirá na definição de temas, segundo os objetivos do projeto, que serão estruturados em uma planilha que permitirão o agrupamento dos extratos mais significativos retirados das entrevistas transcritas, dando destaque à dimensão do dito ou da fala do (a) entrevistado (a). Dessa forma será possível analisar o conjunto de referências feitas pelos entrevistados em relação ao tema estabelecido e às suas ramificações temáticas. Com este procedimento pretende-se não apenas considerar a vivência do entrevistado, por meio do seu discurso, como ponto de partida para aplicação de teorias explicativas, mas de considerá-lo, também, como objeto teórico e de estudar, simultaneamente, os diversos componentes de referência da experiência e percepção dos mesmos. Na técnica de tabulação temática, descrita por Minayo (2000), não há preocupação com a freqüência das respostas, mas sim com os temas relevantes que aparecem nos discursos, com as contradições dos entrevistados e outros elementos que chamem a atenção do pesquisador com relação aos objetivos do estudo e ao referencial teórico adotado.

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Com o uso conjunto de técnicas complementares tanto de coleta, como de análise de dados (triangulação), espera-se compreender as práticas gerenciais no hospital eleito como campo de investigação enfatizando a gerência feminina nesse espaço de produção. Esta metodologia permite ir além do próprio entendimento do pesquisador (naturalmente o esperado em toda pesquisa e em toda metodologia) trabalhando com o conhecimento e a vivência dos entrevistados.

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