Corporeidade Da Voz- Aspectos do trabalho vocal para o ator

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  • 8/10/2019 Corporeidade Da Voz- Aspectos do trabalho vocal para o ator

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    Ttulo: Corporeidade da Voz: aspectos do trabalho vocal para o ator.

    Publicado em:

    ALEIXO, Fernando.Corporeidade da Voz- O Teatro Transcende - N. 12.Blumenau: FURB, Diviso de Promoes Culturais, 2003.

    ALEIXO, Fernando.Corporeidade da Voz: aspectos do trabalho vocaldo ator Cadernos da Ps-Graduao IA / UNICAMP Ano 6, Voluma 6

    No. 1, 2002.

    Resumo:

    A voz, quando entendida como corpo, ou seja, como um processo da ao das diferentes esferas daorganicidade (aspectos musculares, ossatura, sentidos, afetividade, memria, etc), adquiri uma

    propriedade que reconhece a complexidade e as sutilezas particulares de sua criao.

    No mbito do trabalho do ator, tal entendimento possibilitar uma reflexo a cerca daspossibilidades vocais no trabalho criativo, que por sua vez, permite sistematizar um processo voltado parao aperfeioamento tcnico.

    Apresentamos a seguir, algumas referncias que norteiam as prticas da pesquisa Corporeidade daVoz: proposta de uma vocalidade potica, desenvolvida no IA-UNICAMP, sob a orientao da Profa. SaraPereira Lopes.

    Apresentao

    O processo de desenvolvimento tcnico vocal para do ator envolve aspectos amplos pois ofenmeno da vocalidadeno teatro, aplicao dos recursos vocais no processo criativo, se estrutura a partirde fundamentos fisiolgicos, culturais e poticos (tcnicas e linguagens). No centro deste processo, o ator

    o executor do cdigo vocal e, por isso, concentra em si, naturalmente, o contedo a ser expresso, bemcomo os meios materiais da comunicao oral. Esta condio impe ao ator a necessidade deconhecimentos tcnicos e domnio sobre seus instrumentais fsico, vocal e criativo.

    Neste contexto, a preparao vocal do ator deve adotar procedimentos metodolgicosespecficos, e fornecer referncias para o estabelecimento de correspondncias entre o aprimoramento dosaparatos fsico e vocal e a aquisio de uma propriedade para a aplicao tcnica da voz na composio,objetivando a conscientizao e potencializao de seus recursos de expresso. Trata-se de uma trajetria aser percorrida, respeitando as caractersticas psico-fsicas do indivduo, para uma compreenso corporal do

    processo de produo da voz e das suas possibilidades de empenho no desenvolvimento da vocalidadepotica.

    Assim, considerando a voz como corpo - dimenso orgnica que dar plenitude aospotenciais do ator, poderemos vislumbrar conquistas sensveis no contexto da vocalidade no teatro.

    Estabelecendo condies corpreas favorveis para a potencializao da voz

    Este aspecto do trabalho objetiva sensibilizar corporalmente a voz. Para isso, podero serdesenvolvidas atividades que permitam reconhecer e trabalhar a fisicalidade da voz, estudando asestruturas musculares e ssea da produo vocal, bem como a respirao e a ressonncia.

    Primeiramente, apontaremos o que podemos denominar de RE-edificao corporal. Taletapa refere-se ao conjunto de atividades voltadas para proporcionar um alinhamento direcional da

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    estrutura ssea do corpo (eixo), trabalhando equilbrio e domnio do movimento, atravs do estudo sensvelde pequenas e grandes cadeias musculares e das articulaes do corpo.

    O uso correto do eixo vertical promove o equilbrio do corpo sobre os ps, distribui o pesoigualmente sobre as duas pernas (apoios) e favorece o ganho de flexibilidade em todas as articulaes,

    bem como relaxamento e tnus musculares adequados produo da voz.A colocao postural que estabelece o alinhamento dos ps, joelhos, quadril, tronco,

    escpulas, braos e cabea, age sobre a circulao sangnea, sobre a condies de tonicidades e tenses

    musculares que podero influenciar na respirao e, consequentemente, no processo de fonao earticulao da fala.

    No estudo da ressonncia, contexto do corpo-sonoro, podemos considerar algumasdefinies tcnicas sobre ressonncia. No dicionrio, ressonncia definida como a propriedade ouqualidade do que ressonante; fenmeno fsico pelo qual o ar de uma cavidade suscetvel de vibrar comfreqncia determinada, por influncia de um corpo sonoro, produzindo reforo de vibraes. J, numenfoque da fonoaudiologia, ressonncia considerada como sendo o "uso adequado de algumascavidadessseas supra e infraglticas, que com a vibrao do ar vo permitir uma maior projeo vocal".1

    Respeitando essas informaes para o trabalho, as atividades desta etapa podero serencaminhadas a partir das diretrizes apontadas por Grotowski com relao ressonncia no trabalho vocaldo ator:

    "(...) Para cada situao, e para a sua interpretao pela voz, pode-se tentar encontrar a ressonnciaapropriada. Isto se aplica ao treinamento, mas no ao preparo do papel. Os exerccios e o trabalho criativono devem se misturar.(...) Meu princpio bsico o seguinte: no pense no instrumento vocal, no pensenas palavras, mas reaja - reaja com o corpo. O corpo o primeiro vibrador, a primeira caixa deressonncia"2

    O corpo humano, segundo Klaus Vianna, permite uma variedade infinita de movimentos,que brotam de impulsos interiores e se exteriorizam atravs do gesto, compondo uma relao ntima com oritmo, o espao, o desenho da emoes, dos sentimentos e das intenes. 3 Tal afirmao, permite-nosexperimentar no trabalho do corpo-sonorocom o estudo das ressonncias, os impulsos corporais geradoresde aes vocais.

    Com isso, o exerccio vocal com palavras e textos ganham uma dimenso sensvel de

    sonoridades corporais. Quanto a essa referncia, Peter Brook apresenta, tomando como exemplo aproduo de Shakespeare, a seguinte afirmao:

    "As palavras de Shakespeare so documentao das palavras que ele queria que fossem faladas, palavrasdestinadas a sair em forma de sons, dos lbios de gente viva, com um tanto de entonao, de pausa, deritmo e gesto que deviam fazer parte integrante de significado verbal. Uma palavra no comea sendo uma

    palavra - o produto final iniciado comum impulso, estimulado por atitude e comportamento, por sua vezditados pela necessidade de expresso".4

    Ainda, em relao ao trabalho vocal do ator, temos algumas preciosas referncias deixadaspor pesquisadores teatrais da modernidade. Para aprofundarmos um pouco mais neste tema,apresentaremos, resumidamente, alguns conceitos apontados por Stanislavski, Artaud, Brecht e Grotowski.

    REFERNCIAS DOS CONCEITOS DE STANISLAVSKI EM RELAO A VOZ

    O aspecto primeiro do estudo da voz, considerado no sistema de Stanislavski, anecessidade de treinamento sistemtico do instrumental do ator, como forma de conquistar um controlesobre o aparato fsico e vocal.

    Neste sentido, o aparelho vocal deve receber um tratamento que o torne capaz de, quandona relao com o texto, quando na relao com a personagem, quando na relao com a cena, "reproduzir -instantnea e exatamente -sentimentos delicadssimos e quase intangveis, com grande sensibilidade e omais diretamente possvel."5

    Reconhece que o ator no deve recorrer aos costumeiros procedimentos banais:

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    "E quanto mais contedo espiritual e sentimento eu punha na frase, tanto mais pesado e sem sentido ficavao texto e mais inexeqvel a tarefa. Criava-se uma situao de violncia que, como sempre, me levava a meautoviolentar e contorcer-me em espasmos. A respirao fugia, a voz amortecida e rouca, seu diapaso sereduzia a umas cinco notas, diminua a sua fora. Em vez de cantar a voz batia. Tentando dar-lhe maissonoridade, eu recorria involuntariamente aos costumeiros procedimentos banais dos atores, ou seja, aofalso pathos, s cadncias vocais, s fiorituras."6

    Trata-se pois, sua proposta de formao, de um procedimento tcnico que buscadesenvolver o potencial expressivo do aparelho vocal a partir de estudos de elementos como a dico, ocanto, as entonaes, o tempo-rtmo no falar, etc.

    A apreciao de Stanislavski sobre as atividades tcnicas do canto lrico refora aimportncia de exerccios para colocao da respirao e do som, e acrescenta a necessidade da procura demelhores mtodos para o desenvolvimento da fala a partir do aprofundamento da musicalidade da palavras:

    "A Fala msica. o texto de um papel ou uma pea uma melodia, uma pera ou uma sinfonia. Apronunciao no palco uma arte to difcil como cantar, exige treino e uma tcnica raiando pelavirtuosidade. Quando um ator de voz bem trabalhada e magnfica tcnica vocal diz as palavras de seu

    papel, sou completamente transportado por sua suprema arte. Se ele for rtmico, sou involuntariamenteenvolvido pelo ritmo e tom de sua fala, ela me comove. Se ele prprio penetra fundo na alma das palavrasdo seu papel, carrega-me com ele aos lugares secretos da composio do dramaturgo, bem como aos da sua

    prpria alma. Quando um ator acrescenta o vvido ornamento do som quele contedo vivo das palavras,faz-me vislumbrar com uma viso interior as imagens que amoldou com sua prpria imaginao criadora"7

    Afirma que s depois de ter compreendido que as letras so apenas smbolos de sons, queexigem a execuo de seu contedo, que se viu confrontado com o problema de aprender essas formassonoras a fim de melhor preencher o contedo.

    Stanislavski estabelece fundamentos precisos sobre como desenvolver a voz do ator partir da busca da sensao das palavras:

    "No basta que o prprio ator sinta prazer com o som de sua fala, ele deve tambm tornar possvel aopblico presente no teatro ouvir e compreender o que quer que merea a sua ateno. As palavras e aentonao devem chegar aos seus ouvidos sem esforos. Isso requer muita habilidade. Quando a adquiri,compreendi o que chamamos a sensao das palavras. (...)Todo ator deve-se assenhorar de uma excelentedico e pronunciamento, deve sentir no somente as frases e as palavras, mas tambm cada slaba, cadaletra"8

    A partir dessas consideraes possvel observar a consistncia do processo deestruturao de um sistema de abordagem para o treinamento da voz. Ainda que haja explcita a opo poruma esttica determinada com um forte acento na palavra, pode-se verificar que o objetivo odesenvolvimento da produo da voz e da possibilidade de criao da fala em diferentes contextos eestilos:

    "Sua funo (fala), transmitir por meio de palavras quer os sentimentos exaltados do estilo trgico, quer afala simples, ntima, graciosa, do drama e da comdia(...) Em cena, a funo da palavra a de despertartoda sorte de sentimentos, desejos, pensamentos, imagens interiores, sensaes visuais, auditivas e outras,no ator, em seus comparsas e - por intermdio deles, conjuntamente - no pblico."9

    A maestria do bem falar implica no excelente preparo fsico e no entendimento de que umapalavra no apenas um som, uma evocao de imagens, de significados. Para Stanislavski, o atorquando estiver em intercmbio verbal em cena, deve falar menos para o ouvido do que para a vista.

    Depreende-se tambm deste sistema de abordagem que o ator deve compreender bem alinguagem trabalhada para encaminhamento da criao verbal. Nessa perspectiva, esta criao da fala seinsere no conjunto de elementos tcnicos sugeridos para a caracterizao interna e externa da personagem.

    Para Stanislavski o ator deve procurar estar sempre de "bem com a voz", pois como afirma:"Estar de bem com a voz uma beno no s para a primadona mas tambm para o artista dramtico.

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    Sentir que temos o poder de dirigir nossos sons, comandar sua obedincia, saber que eles forosamentetransmitiro os menores detalhes, modulaes, matizes da nossa criatividade."10

    REFERNCIAS DOS CONCEITOS DE ARTAUD EM RELAO A VOZ

    "Abandonando as utilizaes ocidentais da palavra, ela [a linguagem de teatro] faz sortilgios com aspalavras. Ela empurra a voz. Utiliza vibraes e qualidades da voz. Marca ritmos alucinados. Martela sons.Procura exaltar, entorpecer, encantar, estancar a sensibilidade."(Antonin Artaud - "Le Thtre de laCruaut, premier manifeste")11

    Artaud formula, no incio do sculo XX, alguns conceitos com relao a voz que aconsideram um instrumento musical a servio de um novo teatro. No estudo tcnico A encenao e ametafsica, Artaud aponta seu manifesto contra o teatro essencialmente dialogado construdo por umadramaturgia:

    "(...) como que o teatro ocidental no enxerga o teatro sob um outro aspecto que no o do teat rodialogado? (...) o dilogo -coisa escrita e falada - no pertence especificamente a cena, pertence ao livro."12

    No seu entender, a voz deve, atravs de qualidades e vibraes de sons no habituais,comunicar a sensibilidade do espectador, pois a cena um lugar fsico e concreto que necessita ser

    preenchido com a sua linguagem concreta. Esta linguagem, segundo Artaud, consiste de tudo que ocupa acena, de tudo aquilo que pode se manifestar e exprimir materialmente numa cena.Neste sentido, necessrio a explorao de toda a plenitude e materializao fsica da voz,

    tendo como princpio as vibraes, as modulaes, as evolues e os diferentes registros vocais.Deste modo, as palavras devem assumir na interpretao outros significados com base na

    sonoridade e movimento da voz.Esta amplitude vocal a ser conquistada assenta-se no desenvolvimento das potencialidades

    corporais do ator. No estudo tcnico um atletismo afetivo, Artaud fala da necessidade do ator de tomarconscincia de uma "espcie de musculatura afetiva" que corresponda s localizaes fsicas dossentimentos.

    Poucas vezes, especificamente, Artaud fala do trabalho do ator. evidente, porm, que aexigncia tcnica de sua potica focaliza o trabalho corporal e vocal, pois, como ele afirma, o ator que no

    faz gestos, se mexe, sem dvida brutaliza as formas, mas por trs dessas formas, e atravs de suadestruio, ele alcana aquilo que sobrevive s formas e produz a continuao delas.

    REFERNCIAS DOS CONCEITOS DE BRECHT EM RELAO A VOZ

    "O ator tem de saber falar com clareza, por exemplo, o que no uma simples questo de consoantes evogais, mas sobretudo, uma questo de sentido. Se no aprender a extrair simultaneamente o sentido dassuas rplicas, ir articul-las, apenas de uma forma mecnica. prejudicando o sentido pela sua 'bela dico',

    justamente. (...) O ator tem de aprendera economizar a sua voz; no deve enrouquecer. Mas tem que sertambm capaz, naturalmente, de nos mostrar um homem tomado de paixo, a falar roucamente, ou a gritar.Os seusexerccios vocaisdevero ter, por conseguinte, carter de treinamento." (B Brecht)

    Embora Brecht reconhea a importncia do trabalho vocal do ator, ele no fornece

    diretamente procedimentos tcnicos de treinamento. H porm, em suas fundamentaes e concepesestticas, conceitos valiosos para a compreenso de possveis tratamentos do material vocal do ator nacomposio.

    O texto abaixo de Gerd Alberto Bornhein, fragmento de uma anlise sobre o efeito dedistanciamento na potica de Brecht, apresenta dados importantes quanto ao tratamento da fala:

    "Mas outros recursos se fazem necessrios. Antes de tudo, o trabalho do ator. Nada deve levar a empatia.Estabelece-se agora uma novidade no comrcio entre o espectador e o ator. Em ltima instncia, o ator faladiretamente ao espectador, no sentido de que, em vez de estar dentro do personagem, o ator deve relatar o

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    personagem ao pblico. O ator sempre deve ir alm do personagem e do seu horizonte estrito. Porquedesse modo ele mantm a sua identidade prpria de ator, e, concomitantemente mostra a identidade do

    personagem, com a qual no se mistura. Alm disso, o ator assume ainda outra 'mudana de funo'quando canta. Estritamente proibido passar do nvel da fala para o do canto como se nada tivesseacontecido.(...) Melhor, existem trs nveis: o falar sbrio, o falar elevado e o canto, e tais nveis devem

    permanecer separados, sem que suscitem a impresso de uma passagem natural de um para o outro. E aquitambm, quando canta, o ator no pode ser cantor, mas deve mostrar s-lo, esse afastamento do contedo

    sentimental se faz pelo recurso a gestos, que so por assim dizer os costumes e os hbitos do corpo."13O percurso artstico de Brecht conta com momentos de diferentes caractersticas que, em

    um movimento progressivo, vai estabelecer uma concepo da "representao pica". Entre outrasdeterminantes deste estilo de representao, a fala ganha outro estatuto dentro da comunicao teatral.Sobretudo, se vista com o olhar da escola realista.

    Neste sentido, ao afirmar a inter-relao do gesto e da fala na construo da representao,Brecht delimita que no trabalho de formao do ator deve constar um preciso estudo corporal e vocal.

    Com referncia ao tratamento da fala e do canto na interpretao, Brecht apontaprocedimentos precisos para o ator. Pode-se observar em suas teorias uma preocupao clara em fornecerindicaes de como o ator pode se defrontar com seus textos. John Willet aponta alguns aspectos:

    "Outro mtodo era fazer que cada ator usasse o seu prprio dialeto local nos ensaios de modo que o texto

    conservassem um certo frescor, embora o seu contedo fosse familiar. Ainda outro mtodo era fazer o atormudar o tempo do verbo em seu papel, acrescentar 'disse o homem', 'disse ela', no final de cada fala, outentar dizer e imaginar cada frase em termos de 'no...mas', para deixar claro que cada frase tem suaalternativa no falada ('dialtica'). Tudo isso eram outras tantas ajudas para a compreenso do ator,refletindo a concepo brechtiana de 'como se deve ensaiar um papel; isto , escutando cuidadosamentequando o prprio est falandoetomando francamente acessveis platia as caractersticas humanas queobservamos em ns prprios."14

    Quanto ao canto, elemento fundamental em sua composio dramatrgica, Brechtacrescenta:

    "Nada existe de mais revoltante que o ator que finge no ter percebido que saiu do nvel da fala corrente ecomeou a cantar. Os trs nveis - fala corrente, fala grandiloqente e canto - devem manter-se sempredistintos... Quanto melodia, no deve obedecer-lhe cegamente: existe uma espcie de fala contra-a-msica que pode ter poderosos efeitos; os resultados de uma obstinada e incorruptvel sobriedade que independente de msica e ritmo."15

    A profundidade da obra de Brecht e a consistncia dos seus princpios estticos exigemcuidados especficos queles que pretendem mergulhar em seu universo. Sua dramaturgia construda porelementos tcnicos organizados e orientados em direo a um fim preciso.

    Deste modo, com relao aos aspectos fundamentais em relao a voz, a maneira maisindicada para uma aproximao de anlise tcnica de sua obra , talvez, no se apegar em indicaeslocalizadas no tempo - direcionadas a atores que vivenciaram outros padres estticos - mas sim, procurarcompreender seu conceito sobre o teatro e a posio deste num campo de foras econmicas e sociais.

    REFERNCIAS DOS CONCEITOS DE GROTOWSKI EM RELAO A VOZ

    "O meio, o esprito da poca, a mentalidade, tudo pode constituir srio obstculo para a formao de umaboa voz. O erro mais elementar, e que necessita da mais urgente correo, a supertenso da voz,unicamente porque as pessoas se esquecem de falar com o corpo."(Jerzy Grotowski)

    O trabalho de Grotowski, realizado atravs de pesquisa e estruturao da formao deatores, marcado, principalmente, por dois momentos.

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    O primeiro estgio das pesquisas, quando no conjunto de atividades desenvolvidas na"busca de um teatro pobre", oferece procedimentos precisos e sistematizados para o desenvolvimento domaterial criativo do ator.

    O estudo da tcnica da voz, como parte do treinamento do ator, rene uma srie deexerccios voltados para o aprimoramento do instrumental vocal:

    "Ateno especial deve ser prestada ao poder da emisso da voz de modo que o espectadorno apenas

    escute a voz do ator perfeitamente, mas seja penetrado por ela como se fosse estereofnica."

    16

    Neste sentido, Grotowski considera de fundamental importncia o desenvolvimento de

    uma tcnica de respirao necessria para um bom poder de emisso vocal. Tambm, a explorao daamplificao do som por caixas de ressonncia fisiolgicas.

    Na busca da fora e do desimpedimento da coluna de ar que sai para a emisso do som,Grotowski aconselha ao ator ter um cuidado especial com a abertura da laringe, quando se fala e respira,

    pois o fechamento da laringe impede uma emisso correta do ar prejudicando o uso da voz.O trabalho das caixas de ressonnciaobjetiva o aumento do poder de emisso do som.

    Trata-se de potencializar partes especficas do corpo como um amplificador da voz:

    "Na realidade, h um nmero quase infinito de caixas de ressonncia, dependendo do controle que o atorexerce sobre seu instrumental fsico.(...) A possibilidade mais frutfera est no uso de todo o corpo como

    caixa de ressonncia. Isto obtido pelo uso simultneo das ressonncia do peito e da cabea."17

    Segundo Grotowski, a coluna de ar utilizada na amplificao da voz necessita de uma base

    (base da voz). Portanto, o ator deve aprender a encontrar internamente a base para esta coluna de ar.Com relao a impostao da voz, percebe-se uma preocupao pedaggica por parte de

    Grotowski, quanto aos melhores procedimentos que relacionem os exerccios de impostao snecessidades do ator quando no tratamento da potica da fala:

    "H duas maneiras diferentes de impostar a voz, uma para atores e outra para cantores, j que seusobjetivos so bastante diferentes. (...) As escolas de teatro muitas vezes cometem o engano de ensinar ofuturo ator a impostar sua voz para cantar. A razo disso que muitas vezes os professores so ex-cantoresde pera e, frequentemente, um instrumento musical (o piano) usado para acompanhar os exercciosvocais."18

    O universo imaginrio do ator , conjuntamente, trabalhado no treinamento. Com osexerccios orgnicos, possvel a explorao, a partir de uma pesquisa individual, dos aparelhosrespiratrio e vocal, em relao s vrias exigncias de um papel. fundamental, portanto, que o atortrabalhando a imaginao vocalaprenda a enriquecer suas faculdades criativas e desenvolver a habilidadede falar em registros que no so os seus naturais.

    Como forma de aprimoramento da produo do material vocal do ator, a dico umelemento primordial que deve ser trabalhada sistematicamente. No exerccio do ator, afirma Grotowski,cada papel necessita de um tipo de dico diferente e, mesmo dentro da estrutura do mesmo papel, as

    possibilidades oferecidas pelas modificaes de dico, de acordo com as circunstncias e situaes,devem ser exploradas ao mximo.

    Grotowski determina procedimentos prticos constituintes de uma tcnica de pronnciaprovedora de um modelo de abordagem do texto quando na criao e na representao:

    "A capacidade de manipular frases importante e necessria na representao. A frase uma unidadeintegral, emocional e lgica, que pode ser mantida por uma nica onda expiratria e meldica.."19

    So fornecidas orientaes de como pesquisar e aplicar precisamente na criao, elementoscomo: o ritmo, o acento tnico, a respirao e a pausa na declamao das frases.

    No pesquisas mais recentes desenvolvidas por Grotowski, no que diz respeito ao trabalhovocal, verifica-se um acento mais forte na investigao da ao vocalatravs de cantos antigos:

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    "Trabalhamos sobre aes ligadas aos antigos cantos vibratrios, os cantos que serviram no passado apropsitos rituais e que tem portanto um impacto direto sobre - como se diz - a cabea, ocorao e o corpodos 'atuantes'. Cantos que fazem passar de uma energia vital a uma energia mais sutil."20

    Com referncia ao contedo desenvolvido neste perodo das pesquisas de Grotowski - "AArte como Veculo" ou "A Objetividade do Ritual" - os materiais de aproximao dos contedosabordados so raros e, ainda, pouco acessveis. Qualquer afirmao em relao a essas investigaes

    perigosa pela fragilidade das informaes. Sabe-se, portanto, de referncias contidas em um livropublicado por Thomas Richards - "Travailler Avec Grotowski sur les actions physques" - atorpesquisados do Workcenter Grotowski, alm de algumas publicaes de artigos e entrevistas feitas porGrotowski.

    Para possveis questionamentos com relao aos conceitos inferidos de suas pesquisas,Grotowski argumenta com uma prtica reconhecidamente eficiente e transformadora da arte do ator. Aindasobre a voz, aconselha que todo ator recomece periodicamente tudo de novo, aprendendo a respirar, a

    pronunciar e a usar suas caixas de ressonncia, para constante adaptao tcnica da voz em relao smodificaes estruturais do corpo.

    1Lslie Piccolotto Ferreira (org.). Trabalhando a voz: vrios enfoques em fonoaudilogia.So Paulo:

    Summus, 1988.2GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1971. p.1383VIANNA, Klaus.A Dana. So Paulo: Siciliano, 1990.4BROOK, Peter. O Teatro e seu Espao, Rio de Janeiro: Vozes, 1970.5STANISLAVSKI, Constantin S. Preparao do Ator.Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991.6STANISLAVSKI, Constantin S. Minha Vida na Arte. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1989.

    p. 491.7STANISLAVSKI, Constantin S.A Construo da Personagem,3. ed. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira, 1983. p. 106.8Idem, p. 106-109.9Idem, p. 119 - 138.10Idem,p. 107.11ARTAUD apud RUBINE, Jean-Jacques.A arte do ator.Traduo Yan Michalski e Rosyne Trotta. Rio de

    Janeiro: Zahar, 1987.12ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. So Paulo: Martins Fontes, 1993.13BORNHEIN, Gerd Alberto. Brecht: A esttica do teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 180.14WILLER, John. O teatro de Brecht visto de oito aspectos.Traduo de lvaro Cabral. Rio de Janeiro:

    Zahar, 1967. p. 199-200.15BRECHT apud WILLER, John. O teatro de Brecht visto de oito aspectos.Traduo de lvaro Cabral. Rio

    de Janeiro: Zahar, 1967. (Notas de Brecht sobre a pera de Trs Vintns).16Grotowski, op. cit., p. 99.17

    Idem, p.106-107.18Idem, p. 109.19Idem, p. 124.20Workcenterof Jerzy Grotowski and Thomas Richards. So Paulo: SESC / Centro de Pesquisa Teatral,

    outubro de 1996. (Traduo da entrevista publicada no do Jornal Libration - Paris/Frana - em 26 dejulho de 1995).