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GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA Secretaria da Cultura Conselho Estadual de Cultura Criado em 1967 e fundado em 1968 Moção de Registro Nº 02/2014 Registrar a relevância do Terreiro Ilê Asipá. O Conselho Estadual de Cultura em Sessão Plenária, realizada em 10 de novembro de 2017, registra em ata da “Moção de Relevância” de autoria da Conselheira Ana Vaneska, Vice-Presidente do Conselho, pela relevância do Culto a Egungum, aprovada por unanimidade. A Olorum, Deus, criador e todo poderoso, apresentamos os nossos cumprimentos! Ao dono da Terra, apresentamos os nossos cumprimentos! A Exú Ianguí, Rei e Pai de todos os exús, apresentamos os nossos cumprimentos! A todos os eguns, deste e do outro mundo, apresentamos os nossos cumprimentos! A todos os orixás, deste e do outro mundo, apresentamos os nossos cumprimentos! Nos dêem licença! (parafraseando cântico sagrado aos Egunguns) Hoje, em 10 de novembro de 2017, nesta plenária, quando nos reportamos aos pares para apreciar o parecer do sobre o Tombamento do Ilê Asipá, damos seguimento à programação de celebrações à Consciência Negra na Bahia. Passamos por um momento no país de grave dimensão política, no qual presenciamos a supressão gradativa do sentido e da possibilidade da Democracia para o nosso povo. Direitos políticos, sociais, econômicos e culturais estão sendo atacados. Há sabedoria milenar envolvida... Conhecimento que vem sendo atacado pela intolerância. Então, quando estamos sendo levados a considerar que os direitos culturais do povo brasileiro estão sendo censurados, surge um fato que nos dá ânimo, que nos dá coragem e fôlego. O Tombamento Permanente de um ilê cuja comunidade religiosa cultua os seus ancestrais, egunguns, no caso, do Ilê Asipá cujo fundador é o Alapini Mestre Didi, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, é razão para contento e fortaleza! São os remanescentes da presença do povo negro que aportou nesse país quem têm a condição de levar pra sociedade a cultura dos toques de atabaques e dos cânticos evocativos. E é condição que se faça através dos atabaques, porque dentro do mundo dos mistérios, do Awô, a percussão é o coração; coração dessa tradição cultural afro-descendente. Há profundo desconhecimento em relação à tradição do Culto ao Egungun no Brasil. Localiza-se a partir de 1850 notícias sobre a existência dos primeiros terreiros com essa especificidade no Brasil. A Ilha de Itaparica é o celeiro do culto ao Egungum. Os 3 primeiros ilês dos quais se tem ciência são: Terreiro da Vera Cruz, de Tio Serafim, onde

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GOVERNO DO ESTADO DA BAHIASecretaria da CulturaConselho Estadual de CulturaCriado em 1967 e fundado em 1968

Moção de Registro Nº 02/2014

Registrar a relevância do Terreiro Ilê Asipá.

O Conselho Estadual de Cultura em Sessão Plenária, realizada em 10 de novembro de 2017, registra em ata da “Moção de Relevância” de autoria da Conselheira Ana Vaneska, Vice-Presidente do Conselho, pela relevância do Culto a Egungum, aprovada por unanimidade.

A Olorum, Deus, criador e todo poderoso, apresentamos os nossos cumprimentos! Ao dono da Terra, apresentamos os nossos cumprimentos! A Exú Ianguí, Rei e Pai de todos

os exús, apresentamos os nossos cumprimentos! A todos os eguns, deste e do outro mundo, apresentamos os nossos cumprimentos! A todos os orixás, deste e do outro

mundo, apresentamos os nossos cumprimentos! Nos dêem licença!

(parafraseando cântico sagrado aos Egunguns)

Hoje, em 10 de novembro de 2017, nesta plenária, quando nos reportamos aos pares para apreciar o parecer do sobre o Tombamento do Ilê Asipá, damos seguimento à programação de celebrações à Consciência Negra na Bahia.

Passamos por um momento no país de grave dimensão política, no qual presenciamos a supressão gradativa do sentido e da possibilidade da Democracia para o nosso povo. Direitos políticos, sociais, econômicos e culturais estão sendo atacados. Há sabedoria milenar envolvida... Conhecimento que vem sendo atacado pela intolerância. Então, quando estamos sendo levados a considerar que os direitos culturais do povo brasileiro estão sendo censurados, surge um fato que nos dá ânimo, que nos dá coragem e fôlego. O Tombamento Permanente de um ilê cuja comunidade religiosa cultua os seus ancestrais, egunguns, no caso, do Ilê Asipá cujo fundador é o Alapini Mestre Didi, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, é razão para contento e fortaleza! São os remanescentes da presença do povo negro que aportou nesse país quem têm a condição de levar pra sociedade a cultura dos toques de atabaques e dos cânticos evocativos. E é condição que se faça através dos atabaques, porque dentro do mundo dos mistérios, do Awô, a percussão é o coração; coração dessa tradição cultural afro-descendente.

Há profundo desconhecimento em relação à tradição do Culto ao Egungun no Brasil. Localiza-se a partir de 1850 notícias sobre a existência dos primeiros terreiros com essa especificidade no Brasil. A Ilha de Itaparica é o celeiro do culto ao Egungum. Os 3 primeiros ilês dos quais se tem ciência são: Terreiro da Vera Cruz, de Tio Serafim, onde

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cultuavam o Babá Okulelê, o pai de Tio Serafim; o Terreiro Mokambo, de Marcos, o Velho, que já alforriado, em uma viagem feita à África com o filho, Marcos Pimentel, trouxe de lá o assentamento de Babá Olukotum (egungun acima de todos os demais, sendo sempre o primeiro a ser invocado e a quem todos os egunguns devem obediência); e o Terreiro do Tuntun, de Marcos Teodoro Pimentel, filho de Marcos, o Velho.

Em Salvador se diz que havia terreiros de culto a Babá Egun nos bairros da Liberdade, Ladeira da Preguiça,Vila América. Hoje o único terreiro reconhecido do qual se tem notícia é o Ilê Asipá, a Sociedade Cultural e Religiosa Ilê Axipá. Fundado por Mestre Didi, que foi iniciado aos 8 anos de idade, por Marcos, o Velho, tendo se tornando o segundo Alapini do Brasil, tendo sido Marcos, o primeiro. Esta casa está fundada sobre o axé de 3 clãs, importantes famílias tradicionais: Família de Miguel Santana; a Família Asipá, de Mestre Didi; e a Família de Marcos Teodoro Pimentel, Marcos o Velho. Negras e negros escravizados trouxeram para o Brasil esse conhecimento litúrgico, e aqui no Brasil, na Bahia, ele tem sido preservado há gerações.

A ignorância em relação ao culto aos ancestrais não impediu a sua valorização e tal fato é de importância fundamental para esse Conselho de Cultura, pois se compreende que o rito em questão é vivificado para que os seus membros não esqueçam de sua origem e de sua história. Segundo Balbino Daniel de Paula, Alagbá Babá Mariwô do Omo Ilê Agboula, da Ilha de Itaparica (23 de julho de 2015), Egungum, é o princípio da Existência Coletiva, o guardião das tradições, dos costumes, enquanto Exú e os orixás são o princípio da existência individualizada. Diz que o orixá, que é a Natureza, cuida da existência no Ayê, na Terra, mas o Egungum, que é a Ancestralidade, cuida da existência do outro lado da vida, no Orum, no espaço sagrado. Orixá e Egungum, então, são os dois lados da mesma existência. E é por isso que no calendário do Asipá também se reverencia os orixás, sendo a festa principal dessa singularidade realizada no dia 2 de dezembro, no aniversário de Mestre Didi.

Houve e há, ainda até hoje, alguns riscos a essa tradição e a especulação imobiliária e o crescimento desordenado das cidades é uma delas. Outrora levou os terreiros do culto a Egungum procurarem refúgio na Ilha de Itaparica, por considerarem que lá estariam mais protegidos, no entanto, a Ilha de Vera Cruz também cresceu desordenadamente e sem que fossem considerados os cuidados necessários para a garantia da preservação da cultura que ali existia. Por essa razão é tão importante considerar a que a Área de Proteção Cultural e Paisagística Asipá (APCP Asipá) seja uma realidade, pois se trata de uma ambiência de valor cultural e simbólico significativo para a fixação da memória de uma cidade, de um grupo étnico, da cultura de uma população. E o Asipá, um terreiro Lessen Egun, ali está melhor protegido! E do mesmo modo as tradições daqueles clãs.

No entanto, ainda que o Asipá seja uma APCP e esteja protegido pela legislação municipal de Nº 5773/200, compreendendo uma Área de Proteção Rigorosa – APR, e duas Áreas Contíguas à Área de Proteção Rigorosa, precisamos, para corroborar com a rede de proteção, defesa e salvaguarda ao patrimônio cultural da Bahia cujas tradições são africanas, referendar junto ao IPAC a reverencia aos Asipá; aos clãs; aos ancestrais representados em cada inchã; a todos os egunguns, desde de Olokutum a Baká Baká (egungum do qual se tem notícia ser o ancestral africano mais antigo em terras brasileiras); a todos os brasileiros que ali nasceram; a todas as casas cujos membros o compõem; a reverenciar a Alagbá Genaldo Novaes; reverenciar ao Mestre Didí, Alapini

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do Brasil, a quem esperamos poder encontrar na condição de egungum do Asipá em breve, segurando o Oxê de seu Pai, tal qual faria um filho de Xangô!

A morte é um renascer para uma nova vida. O ritual do axexê é um ritual de volta a origem. Cantigas de axexê são de despedida para o morto e de preparação para os vivos aprenderem a conviver com a morte física. Um ente querido não morre por enquanto está presente na memória dos seus. Saudar o Asipá,é saudar a memória de um povo!

Orikí de Egun

Minha mãe é minha origem. Meu pai é minha origem. Deus é a minha origem. Em consequência serão reverenciados antes de qualquer orixá na Terra!

“No dia de minha iniciação eu senti que eu vou continuar, que eu não vou morrer...” Alagbá Babá Mariwô Genaldo Novaes no dia de sua iniciação no culto a egungun.

Salvador, 10 de novembro de 2017.

Conselho Estadual de Cultura - Bahia

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Calendário

O falecimento de um mais velho deve ser motivo de alegria, porque aquele egun deverá fortalecer o axé da casa

O maior desafio foi chegar aqui como escravo e ser obrigado a adotar a religião do senhor - mas os africanos deixaram legado. Prova disso é o Asipá

A lembrança de quem passou que será transmitida aos filhos e netos

É com muita alegria que é recebido um ancestral

“O que vocês estão vendo, são tiras de pano! Mas embaixo dos panos, ninguém sabe o que tem. A morte, ninguém sabe o que é!”

Os iniciados no mistério não morrem. Os iniciados no mistério não desaparecem. Os iniciados no mistério vão para Otum Lá, lugar do Renascimento.

Morre a carne, mas o espírito está vivo!

Em situações nas quais entes da sociedade nos assustam com surpreendente ignorância em relação a temas que são preciosos para o conjunto da Cultura do Brasil, como, por exemplo, a investida autoritária do Ministério Público em Minas Gerais sobre Centro Espírita Ilê Axé de Sangô, quando a esse determina um conjunto de regras para o toque dos atabaques: define-se que apenas um atabaque deverá ser tocado, e nos dias de quarta-feira, das 19h às 22h, com a exceção de um dia de sábado por mês, entre 15h e 20h.

À fraternidade das comunidades religiosas influenciadas pelas tradições africanas é regido por fundamentos o uso de 3 atabaques, pois cada um tem a sua função específica na evocação das suas entidades sagradas. Os atabaques run, rumpi e lé, como são denominados, são instrumentos musicais trazidos ao país através dos africanos escravizados em nossas terras. São de símbolos de uma tradição cultural cujas liturgias são empregadas para evocar orixás, nkisis, voduns, caboclos, egunguns, ancestrais e toda a ordem de espíritos que representarem as suas culturas. Não há culto sagrado sem produção de conhecimento, difusão e compartilhamento.

Salvador, 12 de agosto de 2014.

Conselho Estadual de Cultura - Bahia.