Crimes Contra a Liberdade Sexual

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Introdução Quando entrou em vigor a lei 12.015/09 que "revolucionou" o tema dos Crimes Contra os Costumes, transformando-o em Crimes Contra a Liberdade Sexual, o homem, que não poderia ser estuprado, agora já pode. Foi revogado o crime de atentado violento ao pudor e, depois de muita discussão doutrinária em cima deste assunto justamente por não haver qualquer previsão legal para a prática do que vulgarmente conhecemos como "Pedofilia", a descrição da idade mínima para tipificar o crime de Estupro de Vulnerável. Também muda drasticamente os tipos de ação dos crimes cometidos neste capítulo. Os Crimes contra a Liberdade Sexual eram antes procedidos mediante queixa. E para melhor explicar isso, vamos por partes. No Processo Penal, existem 3 tipos de ação penal: - Ação Penal Pública Incondicionada (regra), onde o Ministério Público, mediante instauração de inquérito policial iniciado por um Boletim de Ocorrência, apresenta a DENÚNCIA ao Poder Judiciário, para que este possa sair da inércia e processar o agente. - Ação Penal Pública Condicionada (exceção), onde o Ministério Público, mediante instauração de inquérito policial iniciado por um Boletim de Ocorrência, necessita da aprovação e cooperação da vítima do crime para apresentar definitivamente a

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Introdução

Quando entrou em vigor a lei 12.015/09 que "revolucionou" o tema dos Crimes Contra os Costumes, transformando-o em Crimes Contra a Liberdade Sexual, o homem, que não poderia ser estuprado, agora já pode. Foi revogado o crime de atentado violento ao pudor e, depois de muita discussão doutrinária em cima deste assunto justamente por não haver qualquer previsão legal para a prática do que vulgarmente conhecemos como "Pedofilia", a descrição da idade mínima para tipificar o crime de Estupro de Vulnerável. Também muda drasticamente os tipos de ação dos crimes cometidos neste capítulo.

Os Crimes contra a Liberdade Sexual eram antes procedidos mediante queixa. E para melhor explicar isso, vamos por partes.

No Processo Penal, existem 3 tipos de ação penal:

- Ação Penal Pública Incondicionada (regra), onde o Ministério Público, mediante instauração de inquérito policial iniciado por um Boletim de Ocorrência, apresenta a DENÚNCIA ao Poder Judiciário, para que este possa sair da inércia e processar o agente.

- Ação Penal Pública Condicionada (exceção), onde o Ministério Público, mediante instauração de inquérito policial iniciado por um Boletim de Ocorrência, necessita da aprovação e cooperação da vítima do crime para apresentar definitivamente a DENÚNCIA ao Poder Judiciário, para que este possa sair da inércia e processar o agente.

- Ação Penal Privada (exceção da exceção), onde a própria vítima, através da QUEIXA, move o Poder Judiciário, para que este possa sair da inércia e processar o agente, sem a ajuda do Ministério Público.

Nas Ações Penais Públicas, quem processa o agente criminoso de fato é o Ministério Público, através de DENÚNCIA. Nas Ações Penais Privadas, quem processa o agente criminoso de fato é a própria vítima, através de QUEIXA. Para a apresentação de Denúncia ou Queixa, é necessária a instauração do inquérito policial. E pra que isto ocorra, é necessária a procedência da "notitia criminis", isto é, da notícia do crime à autoridade policial, que é formalizada através de Boletim de Ocorrência (crimes em geral) ou Termo Circunstanciado (crimes de menor potencial ofensivo, tratados pelos Juizados Especiais Criminais - JECrim). Portanto,

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QUEIXA e DENÚNCIA são petições iniciais feitas DEPOIS do inquérito policial. Por este motivo, está errado dizer o que a televisão nos induz: "vou na delegacia prestar queixa/fazer uma denúncia". Vamos à delegacia dar a notificação criminosa. Ou simplesmente fazer B.O.

Antes, os crimes contra a dignidade sexual eram precedidos por queixa, uma vez que a vítima deveria se sentir à vontade para mover o processo, submetendo-se à perguntas constrangedoras e relembrando de todos os fatos por ela passados. E também pra dar o "gostinho" de conseguir levar o cara que cometeu atos libidinosos com ela pro xadrez. Mas o Código Penal é antigo, na época que esse tipo de crime era menos comum e que as vítimas preferiam guardar este constrangimento a torná-lo público.

Porém, com o progresso da sociedade e da banalização deste crime, o Ministério Público, a partir da mudança deste capítulo do qual estamos falando, viu-se na necessidade de cuidar deste processo. Por isso, todos os crimes contra a liberdade sexual são tratados pelo Ministério Público, o que vale dizer que não se procede mais perante queixa, mas sim perante denúncia.

Portanto, a vítima, assim que coitada sem sua vontade vai à delegacia de polícia notificar o crime. Instaurar-se-á o inquérito policial e a partir daí o Ministério Público tratará da ação, não precisando a vítima acompanhar. Óbvio que se ela quiser fazer parte do pólo ativo, poderá entrar na ação como auxiliar do MP.

A agora está tipificado na própria lei que "ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos" é crime de Estupro de Vulnerável. Agora não é simplesmente entendimento doutrinário! Antes da reforma, tínhamos a doutrina aceitando o "Estupro Presumido", que era justamente dado pela prática de atos sexuais com menores de 14 anos. Agora é lei. Literalmente. Note que a lei é bem direta, não excluindo os casos em que a "criança" (menor de 14 anos) esteja ciente e queira praticar os atos libidinosos. Ou seja: mesmo que ela queira, é estupro.

Homens, antes da mudança, não poderiam ser estuprados. O texto era claro: "Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça". Conjunção carnal, no contexto jurídico, é o sexo comum, penetração do pênis na vagina. Como homem não possui este último órgão citado (tem uns que até possuem, mas isso não vem ao caso), homem não era estuprado. Tínhamos outro crime para penetração em

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qualquer outro orifício que não fosse o vaginal: Atentado Violento ao Pudor. "Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal". O texto é bem claro: "diverso da conjunção carnal".

Hoje, temos tudo junto. Os crimes de Estupro e Atentado Violento ao Pudor viraram um só: Estupro. O texto é o seguinte: "Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Quando uma mulher era violentada, o cara era processado pelo que fez com ela. Portanto, se ele colocou por trás, era processado por Atentado Violento ao Pudor, pegando de 6 a 10 anos por este crime. Se ele colocou pela frente, era processado por Estupro, pegando também de 6 a 10 anos. Se ele colocou pela frente e por trás, era processado pelos dois crimes, podendo ter sua pena somada. Suponhamos então que o indivíduo pegou a pena mínima dos dois crimes: ficaria em cana por 12 anos. Porém, de acordo com o Código Penal em seu art. 2º, a lei revogada jamais prejudicará o condenado. Como o crime de Atentado Violento ao Pudor foi revogado, transformando em modalidade de Estupro, neste caso supracitado teremos a extinção da punibilidade por crime diverso. Isso significa que o condenado passará a cumprir a pena apenas por um único crime: estupro. Neste caso, apenas 6 anos.

Bem, toda essa reforma causou bastante polêmica entre os estudiosos do Direito Penal. Também tivemos bastante mudança em alguns tipos penais, como o crime de Corrupção de Menores. Quem quiser comparar o antigo texto com o atual, vai ver do que estou falando. Muita coisa mudou pra melhor. Mas também tivemos brechas feias.

O importante é que “*” de bêbado agora tem dono: é do Ministério Público! Ou seja, homem pode ser estuprado, e estupro é crime de ação penal pública que é de responsabilidade do Ministério Público.

A partir de agora nós iremos ponderar sobre os art. 213 a 217 – A, para melhor explicar os Crimes Contra a Liberdade Sexual.

EstuproArt. 213: Constranger alguém, mediante violência ou grave

ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele

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se pratique ato libidinoso:Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§1.º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vitima é menos de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§2.º Se da conduta resulta morte:Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Estupro, derivado do latim “stuprum” (afronta, infâmia, desonra), era, primitivamente, tomado em sentido genérico para distinguir toda espécie de trato carnal criminoso ou comercio carnal ilegítimo, com mulher honesta.

Considerando como crime contra os costumes e contra a ordem social, não diferia entre voluntario ou o violento, embora diversa fosse à sanção penal para os dois casos.

Mas, no sentido atual, o estupro importa sempre na conjunção carnal ilícita, entre homem e mulher, pela força e contra vontade destes.

A conjunção ou o trato carnal violento ou pela força, é, então, o elemento fundamental do crime, pouco importando que a cópula, seu elemento material, se tenha feito completa ou incompleta.

A violência pode ser física ou moral. Tanto basta que se mostre eficiente para criar um constrangimento irresistível, em face do qual cede aos desejos lúbricos do violentador (estuprador), não por sua livre vontade, mas constrangida pela violência ou grave ameaça.

A violência é presumida quando o individuo:

a) é menor de catorze anos;

b) é alienado ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;

c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. E entre estas se entendem a decorrente dos tutores em relação às tuteladas, dos curadores em relação às curateladas; e de outros

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casos, em que o violentador exerça influencia de mando ou de subordinação sobre o individuo.

Atentado violento ao pudorArt. 214: (Revogado pela Lei n. 12.015, de 7-8-2009)

A última modificação ocorrida no nosso Estatuto Repressivo, Código Penal, e na lei que trata dos crimes hediondos (Lei n.8072/90) diz respeito ao ilícito de estupro. A lei ordinária nº 12.015/09, datada de 07 de agosto de 2009, extinguiu o crime de atentado violento ao pudor, ou seja, revogou o art.214, do Código Penal.

A partir de agora, o crime será único, o de estupro, independentemente de ter sido praticado ou ter como sujeito passivo homem ou mulher. Assim, qualquer crime sexual, mesmo que a vítima seja do sexo masculino, que antes da mudança da lei configurava atentado ao pudor, passa a ser considerado estupro. A modificação abrange ainda a qualificadora prevista no parágrafo primeiro do artigo 213 do CP que prevê para quem cometer crime de estupro, contra maiores de 14 anos e menores de 18 anos, pena de 08 a 12 anos de reclusão.

Violência sexual mediante fraudeArt. 215: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso

com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificuldade a livre manifestação de vontade da vitima:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo Único: Se o crime é cometido com o fim de obter a vantagem econômica, aplica-se também multa.

Atentado ao pudor mediante fraudeArt. 216: (Revogado pela Lei n. 12.015, de 7-8-2009)

Na mesma linha do que ocorreu com o crime de estupro, o artigo 215 passou a contemplar tanto o homem como a mulher como sujeitos ativos e passivos, bem como incorporou as elementares de outro delito em seu texto. Nesta sede foi absorvida a infração penal constante no artigo 216, de atentado ao pudor mediante fraude, que pela Lei 11.106/2005 sofrera alteração para prever a conduta de "induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal". Por força do artigo 4º da Lei 12.015/2009, esse artigo foi expressamente revogado.

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Da mesma forma que não houve descriminalização da conduta antes prevista no artigo 214 (transportada para o art. 213), não foi afetado o conteúdo do art. 216, posto que agora faz parte do 215 (ocorreu o fenômeno da continuidade normativo-típica). A justificativa do Projeto de Lei do Senado nº 253, de 2004, para a mudança foi esta: "o presente projeto sintetiza os arts. 215 e 216 no tipo penal "crime de violação sexual mediante fraude" (novo art. 215), em que há prática com alguém de conjunção carnal ou ato libidinoso, mediante fraude, o que deve salvaguardar a mulher de estigmas atinentes a sua virgindade ou moral".

Assédio Sexual Art. 216 – A: Constranger alguém com o intuito de obter

vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo Único: (Vetado.)

§2.º A pena é aumentada em até um terço se a vitima é menor de 18 (dezoito) anos.

A ação consiste em pressionar um pessoa (homem ou mulher), para fins sexuais, valendo-se da posição de ascendência sobre a vitima ou da superioridade hierárquica em emprego, cargo ou função.

Objeto jurídico é a liberdade sexual. A ação é dolosa, com o elemento subjetivo do injusto (dolo especifico) de obter vantagem ou favorecimento sexual.

Superior hierárquico é quem detém algum poder funcional sobre a vitima, dentro da organização publica ou privada.

A ascendência abrange a relação de respeito ou influencia não decorrente propriamente da hierarquia (ex.: professor em relação ao aluno, enfermeira em relação ao paciente).

A consumação exige que a vitima se sinta realmente embaraçada ou em dificuldade (crime material), havendo, porem, entendimento no sentido de que se trata de crime formal, bastando a conduta.

Admite tentativa (ex.: o escrito embaraçoso é interceptado pela gerencia da empresa, não chegando ao conhecimento da vitima).

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SeduçãoArt. 217: (Revogado pela Lei n. 11.106, de 28-3-2005).

Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato

libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º  Vetado,

§ 3º  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º  Se da conduta resulta morte:Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

É o crime perpetrado contra vítima que não possa oferecer resistência, em face do estado físico ou mental da vítima. Em decorrência da idade tenra, a presunção da insuficiência de discernimento ou inaptidão física é absoluta, cujo critério é puramente biológico. Assim, a pessoa menor de 14 anos de idade é presumidamente incapaz de dispor da liberdade sexual.

O tipo remete a "qualquer outra causa" que impeça à vítima a resistência. Esta causa, decorrente da analogia dentro da lei, deve ser concebida como aquela análoga à "enfermidade ou doença mental" que retire o discernimento da vítima para o ato libidinoso.

É crime comissivo, material, instantâneo, doloso, cujas modalidades qualificadas não se classificam como preterdolosas, mas como qualificadas pelo resultado. É crime comum, mas de vítima qualificada (enferma, incapaz, etc.). A redução da vítima a tal qualidade por meio da embriaguez, ou qualquer outro meio, a tornará vulnerável, podendo caracterizar o delito.

O crime de estupro contra vulnerável é hediondo porque o art. 4º da nova lei alterou o art. 1º da Lei n. 8.072/1990, inserindo o estudo de vulnerável no inc. VI. Porém o art. 9º da lei hedionda não foi alterado.

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Conseqüentemente, não se aplica ao estupro contra vulnerável o art. 9º da Lei n. 8.072/1990.