Cultura e barbárie europeias

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EDGMON CULTURA E BARBÁRIE EUROPEIAS INSTITUTO PIAGET

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Cultura e barbárie europeias

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EDGARMORIN

CULTURA E BARBÁRIE EUROPEIAS

INSTITUTO PIAGET

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Título original: Culture et barbarie européennes

Autor: Edgor Morin

© Bayard. 2005

Colecção: Epistemologia e Sociedade. sob a direcção de António Oliveira Cruz

Tradução: /\na Paula de Viveiros

Capa: Dorindo Caroalho

Direitos reservados para a língua portuguesa, excepto [Jrasil:

INSTITUTO PlAGET- Av. João Paulo li, lote 544. 2.•- !900-726 LISBOA

Tel. 2 I 831 65 00

E-mail: [email protected]

Paginação: Instituto Piaget

Montagem, impressão c acabamento: CoslàCosta

ISBN: 978-972-771-883-2

Depósito legal: 257125 /2007

Nenhumil p;�rte dest;l publicilç.io pode ser reproduz.id<1 ou tr<lnsmitida por qui'llquer processo electrónico, meci'inico ou fotogrê'tfico, incluindo fotocópi<t, xerocópia Olt gravaç:w, sem autoriz.açao prévia e escrita do editor.

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Para Jean-Louis e Nataschn Vuillerme

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CAPÍTULO 1

BARBÁRIE HUMANA E BARBÁRIE EUROPEIA

Gostaria de começar esboçando uma antropologia da barbárie humanal. Ao longo dos meus trabalhos, tentei demonstrar que as ideias de Homo sapiens, Homo faber e Homo economicus eram insuficientes: O I-f._()mO sa­pzens, com espírito racionat pode ser ao mesmo tempo /Ramo demen?) Cépaz de delírio, de demência. O Homo faber, que sabe fabricar e usar utensílios, também é capaz, desde os primórdios da humanidade, de pro­duzir inumeráveis mitos. O Homo economicus, que se determina em função do seu próprio interesse, é tam­bém o Homo ludens que Huizinga tratou há algumas dezenas de anos, ou seja, o homem do jogo, da des­pesa, do desperdício. É necessário integrar e ligar estes traços contraditórios. Nas origens do que vamos consi-

1 Este texto constitui a transcrição corrigida de três conferências pro­feridas na Biblioteca Nacional François Mitterrand, nos dias 17, 18 e 19 de Maio de 2005. Agradeço a Jean Tellez por, de uma forma indispensável, ter colaborado nas corrccçõcs c na finalização do texto. Agradeço igualmente a Jean-Louis Pouytes, cuja leitura das provas me foi bastante útil.

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derar como a barbárie humana, encontra-se evidente­mente este lado «demens», produtor de delírio, de ódio, de desprezo e daquilo a que os Gregos chamavam a Hybris, a desmedida.

Podemos pensar que o antídoto para «demens» se encontra em «sapiens>> , na razão, mas a racionalidade não pode definir-se de forma unívoca. Muitas vezes acreditamos estar dentro da racionalidade quando estamos na racionalização, na realidade um sistema lógico, mas com falta de fundamento empírico que per­mita justificá-lo. Sabemos que a racionalização pode ser­vir a paixão, chegar até ao delírio. Existe um delírio da racionalidade fechada. -.... o........,. . ..... H:ro""'·m"-• . ·-o..,.,···"fi.,..à;-:;.b-.ol;, o homem fabrica dor, também cria mitos delirantes. Dá vida a deuses ferozes e cruéis que cometem actos bárbaros. De Teilhard de Chardin, reto­mei o termo «noosfera» que, na minha concepção, de­signa o mundo das ideias, dos espíritos, dos deuses produzidos pelos humanos no seio da sua cultura. Se bem que produzidos pelo espírito humano, os deuses adquirem uma vida própria e o poder de dominar os espíritos. Assim, a barbárie humana gera deuses cruéis que, por sua vez, incitam os humanos à barbárie. Talha­mos deuses que nos talham. Mas não podemos reduzir esta possessão pelas ideias religiosas só ao aspecto bár­baro. Os deuses que subjugam os crentes obtêm deles não só os actos mais horríveis mas também os mais subli­mes.

Como as ideias, as técnicas nascidas do ser humano voltam-se contra ele. Os tempos contemporâneos mos­tram-nos uma técnica que se desenvolve escapando à humanidade que a produziu. Comportamo-nos como aprendizes de feiticeiro. Além do mais, a própria téc-

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nica traz a sua barbárie, uma barbárie do cálculo puro, fria, gelada, que ignora as realidades afectivas próprias dos humanos.

Quanto aolHomo luden�� podemos verificar que tem jogos cruéis, como os jogos de circo ou a tauromaquia, embora inumeráveis jogos não tenham características bárbaras. Por fim, o I!Iomo i!t::t'memiiwftf que põe o inte­resse econômico à frente de tudo, tende a adoptar con­dutas egocêntricas que ignoram o outro e que, por isso mesmo, desenvolvem a sua própria barbárie. Assim, vemos as potencialidades, as virtualidades de barbárie surgirem em todos os traços característicos da nossa espécie humana.

Dito isto, estas virtualidades de barbárie não são as mesmas nas sociedades arcaicas e nas sociedades his­tóricas. As�tkié€tades:arçgiç;:;t,§l�pandiram-se por todo o planeta há muitas dezenas de milhares de anos, pro­duziram uma extraordinária diversidade de línguas, culturas, músicas, ritos, deuses. Todas têm uma carac­terística comum: são pequenas sociedades com algu­mas centenas de indivíduos que se dedicam à caça e à recolecção. São praticamente auto-suficientes e não têm necessidade de conquistar o território de outra socie­dade. Certamente conhecem guerras locais e talvez tam­bém assassínios2.

Estas sociedades nada têm em comum com �-1 �����),istóricall saídas desta formidável metamorfose que e operar-se talvez há oito mil anos no Médio Oriente, na bacia do Indo, na China, depois no México, nos Andes. Esta metamorfose produziu as gran­des civilizações das sociedades que contam milhares,

2 Detectámos comportamentos assassinos nos chimpanzés.

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ou mesmo milhões, de membros que praticam a agri­cultura, constroem cidades, criam Estados, grandes religiões, inventam exércitos, desenvolvem considera­velmente as técnicas. Mesmo que os traços de barbárie pudessem caracterizar as sociedades arcaicas, t_ na�, sociedades históriC<jl�S!UeV�1llOSapareceros tra OS de pma barbárié rga ·· • o er de; Estado e ao excessQ �emendai; .à hybi#ís. Foram empreendidas conquistas para assegurar as matérias-primas ou as reservas de subsistência para os períodos de seca ou de excesso de chuva. Mas, sobretudo, produz-se um verdadeiro desencadear de conquistas que vai para além da única necessidade vital e que se manifesta por massacres, destr:uições sistemáticas, pilhagens, violações, escrava­tura.' Existe realmeFI.fe urrta barbár.ie que toma _!_orm:a: e

que seform�Jiza com aÃICivi:lizaçãot . Além disto, estas grandes sociedades caracterizam-se

por um desétrvuivi.tttentofurba:f!N sem precedente, for­mam Babilónias, onde se reúnem populações diferen­tes, classes diversas fundamentadas na dominação dos senhores e na servidão generalizada. Nas camadas bai­xas, desenvolve-se a criminalidade, a delinquência. Nas sociedades arcaicas, demograficamente restritas, a maior parte dos indivíduos integrava-se na colectividade, a marginalidade deveria ser uma excepção. Reinava aí uma espécie da supremacia da colectividade, muito mais importante porque estas sociedades eram regidas pelo mito de um antepassado comum que encorajava a fraternidade entre todos os seus membros.

Nos grandes impérios, nas cidades-Estado, desen­volveram-se fermentos de delinquência e de crimina­lidade. Vemos surgir deuses ferozes e guerreiros, deuses que pedem o extermínio do inimigo. Aliás, a barbárie da

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guerra é inseparável dos tempos históricos. á história( das grandes sociedades é a história���:í:t��it­�terrupta$, como demonstrou Gaston Bouthoul, funda-

1dor da polemologia. fodavia, ao mesmo tempo que acc 1parbárie, estas sociedades produzem <f expansão dasw� ·artes e da cultura, o desenvolyiffiento do conhecimento,.�· 9 aparecitnento de umá elite cultA . ..,.. barbárie é por-r

. tanto um ingrediente das grandes civílizações.pComo Walter Benjamin evidenciou, não existe um sinal ou um acto de civilização que não seja ao mesmo tempo um acto de barbárie. í=oloça"'E� 1Jma_gue�J.ê:2.=_:§e poder mos e devemos resistir à barbárié>e a Y

· ·;la, �· - - ' ; - ·. ' -- � ;

poderemos suprimir?�

4\ barbárie não é apel}as um demento que acompa�' nha a civilização, é dela ·nte ran . A civilizaçãoM produz bar ane, particularmente conquista e"dõm�r' ção. !\conquista romana, por exemplo, foi uma das mais bárbaras de toda a Antiguidade: o saque de Corinto na Grécia, o cerco de Numância em Espanha, a destruição de Cartago, etc. No entanto, a cultura grega infiltrou-se no interior do mundo romano tornado império. Daí a famosa frase do poeta latino: «A Grécia vencida venceu o seu cruel vencedor.» A barbárie produziu, assim, civi­lização.

A conquista bárbara dos Romanos deu origem a uma grande civilização. Em 212, o édito de Caracala concede a cidadania romana a todos os oriundos deste vasto império que cobre a África do Norte, uma grande parte da Europa de Leste e a Inglaterra.

Se me permitem um parêntesis - porque aqui não me restrinjo a um discurso linear, mas convido à refle­xão sobre momentos históricos -, gostaria de lembrar

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que Simone Weil, num artigo dos Nouveaux Cahiers,

publicado na véspera da Segunda Guerra Mundial, disse que aconteceria o mesmo no Império europeu após a conquista nazi. Previa uma vitória da Alemanha e, dentro de dois séculos, uma expansão das civilizações, no modelo daquela que Roma produziu. Isto não a impediu de se empenhar com convicção na Resistência, como bem o sabeis. Não há dúvida que esta ideia ins­pirou socialistas e pacifistas, que se tornaram colabora­dores logo no início da guerra, num momento em que ainda não era mundial, mas em que se pensava que a Alemanha nazi dominaria duradouramente a Europa. Tragicamente, muitos pensavam que, colaborando com a Alemanha hitleriana, colaboravam de facto para uma Europa socialista.

Aludo a este artigo, porque também me influen­ciou, não no que diz respeito à Alemanha, mas à União Soviética. Em 1942, com vinte e um anos, eu já tinha tido conhecimento dos piores aspectos da URSS, não tinha esquecido os processos de Moscovo, tinha lido Trotsky e Souvarine. A minha ideia era que a vitória da União Soviética permitiria aos germes incluídos na ideologia socialista, ideologia comunitária, igualitária, libertária, expandirem-se numa maravilhosa era de harmonia social. Comecei a ficar desencantado com a guerra fria e o retorno da glaciação estalinista. Hoje, não posso afastar a ideia de que talvez a União Soviética tivesse podido expandir, com o tempo, os ideais e os fer­mentos de civilização que a sua barbárie inicialmente asfixiou. As conquistas bárbaras podem levar à expansão de uma civilização, no entanto sem que estas barbáries originárias tenham de ser retrospectivamente justifica­das, nem cobertas pelo esquecimento, evidentemente.

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Existe igualmente uma barbárie religiosa de que é preciso falar agora. Na Antiguidade, os povos do Médio Oriente tinham, cada um, o seu deus da guerra, impie­doso para com os inimigos. No entanto, quer na Grécia quer na Roma antiga, o politeísmo permitiu a coexistên­cia entre diferentes deuses. O politeísmo grego acolheu um deus aparentemente bárbaro, violento, um deus da bebedeira, da Hybris: Dioniso. A extraordinária peça de Eurípides, As Bacantes, mostra a chegada destruidora, louca, deste deus. Dioniso não deixou de integrar a so­ciedade dos deuses gregos. No século xrx, quando Nietzsche questiona a origem da tragédia, dá relevo ao duplo aspecto que caracterizava a mitologia grega. De um lado Apolo, símbolo da moderação, do outro Dio­niso, símbolo do excesso. t.�\êstath.:talidadê e comple::::; pnenláridâde de:.A,p:o�oeDit:m.i�.que ilustra a proposta�� dé�:rferaclifo:f «Uni o qüe concorda e o que discordá>?.

O Império romano, antes do cristianismo, caracte­rizava-se pela tolerância religiosa. Os mais diversos cultos, incluindo os dos deuses da salvação, tal como o culto de Osíris e o culto de Mitra, o orfismo, eram per­feitamente aceites. <i· t;n.0),10t.�ísmo judeu, depois criS--f tflP< •trgux�,.fto IUe.1:>rnO .tempo que o seu Ul1iversalismol .P9!�l.'l<:i�l,a �ua:própriª ifltolerância;.fu diria até uma# páfoâtie.p;çqpria,· assente-no·monopólio da verdade. 4élj �Jl:-�\1.1�.-;gelaÇã:<f. Efectivamente, o judaísmo apenas podia conceber como ídolos sacrílegos os deuses romanos. O cristianismo, através do seu proselitismo de vontade universat apenas podia acentuar esta tendência. En­quanto o judaísmo tinha a possibilidade de perma­necer no seu próprio interior, na aliança privilegiada que acreditava ter com Deus, o cristianismo procurou, por fim, destruir os outros deuses e as outras religiões.

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Aliás, a partir do momento em que foi reconhecido como a única religião de Estado, provocou o encerra­mento da escola de Atenas e pôs assim fim a qualquer filosofia autónoma.

l:Jrna das armas da barbárie cristã fqi a l:.ltilizé;tção.� Satanás. 'Sób.está Hgura, é necessário . ! . . �·

.;atlst:a,

.o rebelde, .o negador, o inimigo r:hortàl>de:;li��:f:?'e çl9� pumanos1' Aquele que não está de acordo e não quer renunciar à sua diferença está forçosamente possuído por Satanás. Foi com esta delirante máquina argumen­tativa, entre outras, que o cristianismo exerceu a sua barbárie. É óbvio que este não teve a exclusividade da arma satânica. Constatamos, ll.os día:s d� hifjjê/<J.tl:e? 'Satanás volta mais do que nunca ao vi�úlentodiscu:í'So 1 t islarnita!

Por fim, o cristianismo triunfante suscitou no seu seio diversas correntes de pensamento, variadas inter­pretações da sua mensagem de origem. Em vez de as tolerar, reagiu pela elaboração de uma ortodoxia im­piedosa, denunciando os desvios como heresias, perse­guindo-os e destruindo-os com ódio, mesmo em nome da religião do amor.

Estas notas demonstram que ;;e a Europa não tern� t,nonopólio da b\rbárie, ·manifestou todas as ft>i"lTtas <i,� p�rbárie p�óprias · das sociedades · histR_r<1�' de que acabo de

. falar. Além dis�o, �ê"'lp çlecfollrtâ:�·mai�·,;durf­

wet mais massíva'e; seni?êil1\7'1âfia}'�àis··m�4oyrEst� inovação·na:.barbárie;estáliga'd:á'•à'ifór.Frtâ�JGS''(fa:�.l1.�Ç�e�· fUropeias modernasf A Espanha, a França, Portugal, a Inglaterra. As nações são profundamente diferentes dos impérios e das cidades-Estado. Primeiro, juntam mais populações diferentes do que as cidades-Estado­uma nação como a França, por exemplo, integra uma

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notável diversidade de etnias. A verdadeira diferença relativamente ao império tem a ver com a actividade integradora do Estado-nação, que unifica numa identi­dade nacional comum os seus elementos diferentes.

Um caso exemplar é o da Espanha!onde existia, na zona islâmica, o Al Andaluz, uma tolerância para com cristãos e judeus e, na zona cristã, uma tolerância para com os muçulmanos e os judeus até 1492. O que se passa nesse inaudito ano de 1492? Não só a descoberta da América e o início da conquista do Novo Mundo. É também o ano da tomada de Granada, o último bas­tião muçulmano em Espanha, e, logo depois, o ano do decreto impondo aos judeus e muçulmanos a escolha entre a conversão e a expulsão. Esta invenção europeiã, ;a nação, é portanto, primeiro, construída sobre a bas�;r ide uma purificação religiosa. f

Esta purificação vai adquirir, progressivamente, um carácter étnico. Ainda em Espanha, no início do século XVII, dois séculos após o decreto que constrangia os ju­deus e muçulmanos a escolherem entre conversão ou expulsão, encontrávamos, sobretudo na Andaluzia, uma forte população mourisca. Tratava-se de Mouros ofi­cialmente convertidos ao catolicismo, mas que, em pri­vado, continuavam a manifestar as suas crenças no interior das grandes propriedades privadas. Os latifun­diários, os senhores proprietários, toleravam-no ou fe­chavam os olhos. Em qualquer barraca sumariamente transformada em mesquita, podia efectuar-se um resto de culto muçulmano. Para a Inquisição, isto não foi tolerável. Aliás, realcemos que ela própria não profes­sou o princípio de uma purificação étnica. Perseguia os judeus converti<;fos que «judaizavam» secretamente ou, da mesma maneira, os muçulmanos convertidos que

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«islamizavam». Mas, quando podia estabelecer a sin­ceridade da sua fé cristã, reconhecia-lhes todos os di­reitos dos cristãos. Sob o efeito de uma nova pressão de intolerância, chegou-se à expulsão-dos mouriscos. Separavam-se as mulheres dos seus maridos que eram expulsos e embarcados com destino à África do Norte. Passou-se da purificação religiosa à purificação etna­-religiosa. Numa parte da aristocracia e da burguesia espanhola, desenvolveu-se a tendência para querer im­por a limpieza dei sangre, a pureza do sangue, o que era já uma noção racial, racista. Os monarcas espanhóis não a seguiram e a pureza de sangue nunca se tornou oficial. Chamo a atenção que a Inquisição não era ver­dadeiramente portadora desta ideia. Apenas, e só, pro­curava a pureza religiosa, mas esta pureza começou a associar-se a uma outra, uma intolerância começou a des­pontar sob uma outra.

Voltarei ao assunto para falar sobre uma consequên­cia desta tentativa de purificação religiosa em Espanha, consequência subterrânea mas muito profunda, carac­terizada pelo fenómeno dos conversos, pejorativamente chamados marranos, os cristãos-novos.

Para acabar este ponto, assinalemos que a intolerân­cia religiosa espanhola se desencadeou nas conquistas da América, levando à destruição de todas as religiões pré-colombianas.

Na verdade, podemos considerar que o princípio de purificação religiosa já estava em germinação com o triunfo do cristianismo no Império romano. Mas acon­tece que este princípio vai encontrar um considerável reforço com a emergência do Estado-nação. A tal ponto que as guerras de Religião que vão desencadear-se no século XVI, na sequência da reforma de Lutero e Cal-

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vino, vão ser guerras civis antes de se tornarem também guerras entre nações. Concluíram-se com os tratados de Yestefália, que acentuarão a tendência dominante de cada nação para a purificação religiosa. Estes trata­dos instauravam a religião do príncipe como a religião de Estado, princípio importante para a Alemanha que estava dividida em principados. Na Inglaterra, o angli­canismo constituir-se-á sobre a expulsão do catolicismo e muitos católicos tiveram de emigrar para Livorno ou França no século XVI. Houve, no entanto, uma excepção francesa, provisória: o édito de Nantes assinado em 1598 por Henrique IV. Provisória porque, no reinado de Luís XIV, foi severamente enfraquecido pelas drago­nadas e pelas restrições dos direitos dos protestantes. Como sabem, seria abolido em 1685 e esta abolição seria seguida de numerosas consequência trágicas.

Nas cidades dos Países Baixos que não estavam orga­nizadas de acordo com o princípio da nação, a tolerân­cia religiosa persistiu, sobretudo em Amesterdão, onde era até possível não praticar religião alguma. Calvinistas, luteranos, católicos, judeus coexistiam aí. Espinosa, uma vez excomungado da Sinagoga, não se ligou a mais nenhuma religião e pôde continuar a viver com toda a independência. Consequentemente, é em Ames­terdão que são impressos muitos livros que a censura interditava em França até final do século XVIII.

J39çi�n:ws. considerar !'ff$t��·J�?:íT0menôs'tle'p:pcrifieaçã� ieomo· .. as·d oenças·· .irifàritis 'd-â§' nifÇêfés'od'à�rttais rrloder .. r 'na�.��s estas·· rtações ·sâbetãe'elâsprópfh:t:sprodu.zir .· ct. antídoto para este vénénof Inspirada pelas Luzes, uma nova concepção de Nação surge a partir da Revolução Francesa. A 14 de Julho de 1790, um ano após a tomada da Bastilha, estiveram na grande t{t:�,��);�âs·fédefaÇõét ' -�, ' ' '

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delegados de todas as províncias de França, demons­trando assim a sua intenção comum de fazerem parte da grande nação: uma nação como a França é conce­bida como o produto de uma vontade comum. A ideia de um espírito comum e de uma vontade comum desen­volve-se, sublinhada no século xrx por pensadores como Renan, para quem «a existência de uma nação é um plebiscito de todos os dias». Esta ideia afirma-se por oposição às teorias dos filósofos alemães como Herder e Fichte, que insistem antes no solo, na língua e na cul­tura para definir uma nação. Iremos reencontrar esta oposição com o diferencio franco-alemão sobre a Alsá­cia-Lorena. Para os Franceses, a Alsácia e os Alsacianos eram franceses por vontade, pelo espírito francês de que eram portadores, os Alemães defendiam que eles eram de etnia e cultura alemãs, portanto Alemães.

Em todo o caso, fortemente inspirada pela concepção revolucionária, uma certa ittei�'crtl'êfflâ"'!a'a'"TI:âÇâô'';têfu1 k\}9�Sa .inte�raçii<J ... 9Y ,etrti<lê.d��E!��1lt�s,p<;Jla:E!d.fl,'<;��ão,al ��êi(iade�··.osni€io$d,t;!.COP).UniÇaçílo,·oq�senvo��irp:(illtOI

\da:s ·estrad.ãs· e catnmho$�de-ferro, 'roa:s�·igttâlment�j'éf l?reciso não esquecê-lo, pela§ guerr�� As guerras inte­gram no ódio pelo inimigo as mais diversas etnias no seio de uma comunidade patriótica. Consideremos os Bretões: a consciência de um Bigouden definia-se, e de certo modo ainda se define, por referência aos Ca­pistas, isto é, por referência ao povo vizinho. Uma vez no exército, chamam-lhe «o Bretão». Uma identidade que lhe era longínqua e abstracta torna-se concreta e, sobretudo, descobre uma parte desta complexidade que o constitui: é bretão e francês. As guerras contribuí­ram, assim, para a integração.

Bem entendido, a Europa não se desembaraçou com muita facilidade das suas questões etna-religiosas e das

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suas ligações com uma certa concepção de nação. O pro­blema da Irlanda do Norte, a ponto de se resolver, de­monstra-o suficientemente. Hoje, igualmente, colocam-se os problemas do País Basco e da Córsega que, sem dú­vida, são periféricos e secundários.

O Século XX permitiu.:.n:os medir a barbárie prodJ­� zida pela ide ia de nação quando assente numa vonta.qe · de pl.iríficáÇãõ-·étriiJ'cf. Bem entendido, não se pode

reduzir a nação aos seus efeitos bárbaros, dado que ela também opera a integração entre etnias. Dito isto, o ?éculo xx inventou a monstruosidade da nação mono�· ftnica\ No seio dos Impérios que no início do século xx

reinaram na Europa central e na Europa de Leste (aus­tro-húngaro, otomano, czarista), estavam em marcha forças de integração e de entendimento entre os povos. No império Otomano, por exemplo, exercia-se uma tolerância religiosa e não uma encarniçada vontade de converter. O modo de governo, que fazia com que os impostos fossem cobrados pela autoridade religiosa, permitia aos judeus e aos católicos coexistirem na mes­ma cidade. Sarajevo é o extraordinário exemplo da reunião de católicos croatas, ortodoxos, sérvios, judeus sefarditas e eslavos convertidos ao Islão. Esta caracte­rística pluriétnica, esta mistura de culturas, que surge como um traço positivo do Império otomano, revelou-se desastrosa após o seu desmantelamento. Quanto ao im­pério Austro-húngaro, pouco antes do primeiro conflito mundial encaminhava-se, apesar e por causa de todas as dissenções e descontentamentos dos seus numerosos povos, para o reconhecimento de uma certa autonomia e coexistência pacífica das nacionalidades: Húngara, Checa, Croata. Infelizmente, em 1918, a vontade dos ven­cedores, sobretudo da França, provocou a deslocação

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destes equilíbrios. Clemenceau estava convencido que o conjunto austro-húngaro era um bastião do catolicismo. Os vencedores impuseram a constituição de nações que, devido à cisão e às partilhas arbitrárias, bruscamente se viram mergulhadas na lógica pluriétnica das nações modernas (a Sérvia e a Grécia, no que a si se refere, já se tinham emancipado no século XIX). Ora cada uma delas, contendo minorias étnicas e religiosas consideráveis, quis conceber-se sob uma forma monoétnica.

O historiador Toynbee, que esteve na guerra greco­-turca de 1921, qualificava de desastrosa a importação para estas regiões da ideia ocidental de nação. Então produziu-se uma dupla purificação étnica turca e grega. Os Turcos expulsaram as consideráveis populações gre­gas da Ásia Menor, que aí se encontravam desde a An­tiguidade, para a Macedónia. Quanto às populações turcas da Macedónia, foram deportadas para a Tur­qma.

Em 1990, a nação jugoslava estava indubitavelmente inacabada no seu processo de integração dos povos que a constituíam, mas o processo estava em marcha. É ver­dade que tinha suportado uma ditadura que podia ser considerada como imposta pelo totalitarismo, toda­via um totalitarismo temperado após a ruptura com a URSS. Esta nação inacabada desmembrou-se em três nações num desencadear de barbárie guerreira e de crueldade. O objectivo da purificação étnica foi tanto dos Sérvios como dos Croatas, que expulsaram consi­deráveis populações sérvias. Em Sarajevo, mantinha-se um certo plurietnismo, Sérvios que ainda desempe­nhavam um papel importante no poder, na imprensa, etc. Este mal da purificação encontra-se na realidade, de forma pacífica desta vez, através da separação entre os Checos e os Eslovacos.

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Aqui, não falo expressamente da purificação nazi, objecto do meu terceiro capítulo, que pode ser consi­derada como o apogeu da obsessão purificadora de uma nação e que, infelizmente, tem as suas raízes na história europeia. Contudo, saliento que, após a vitória dos Aliados em 1945, observamos fenómenos de puri­ficação das populações alemãs, deportadas da Silésia que se tornou polaca, deportadas dos montes Sudetas que voltaram a ser Checas. Os próprios Polacos foram deportados das zonas ucranianas anexadas pelos So­viéticos. Ainda existem, nas nossas nações ocidentais, minorias convencidas de que a presença estrangeira de emigrados naturalizados mancha a identidade nacio­nal. Apesar da integração europeia, a xenofobia, o anti­judaísmo persistem. Os nacionalismos chauvinistas, fundamentados na ideia de pureza, não estão mortos. O movimento de Haider na Áustria, os movimentos neonazis na Alemanha, na Holanda, em França, pare­cem marginais, minoritários, mas podem adquirir importância em caso de crise. É preciso pensar que no decurso da grande crise de 1929, de tal forma brutal em 1931 na Alemanha, um pequeno partido, o partido nazi, que em tempos normais jamais poderia aspirar a ultra­passar 15 ou 18 % dos votos, conseguiu chegar aos 35 %.

�§�t�Q��U:��ª��!1�rgaJ;,ª�'�,à:0"vj;zin:hâs·das'tenQ{ênqiAV c"tv'ilizadotàs.1al como no seio dos impérios, onde rei­nava a barbárie da conquista guerreira, formas refina­das de civilização viram a luz do dia, também no seio das nações que se avizinhavam nas suas tendências purificadoras observamos o desabrochar das artes, da cultura, do conhecimento. Assim, a Espanha purificada do Século de Ouro produziu Lope da Vega, Calderon,

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Gôngora e uma plêiade de grandes artistas, tal como a França «purificada» após o Édito de Nantes é, sem dúvida, o país dos grandes autores clássicos. De facto, nunca esqueço este duplo aspecto, ou seja,;,�cpmplexil

\';��tie��a'·tiwili:zação11 .

Passo ao que acabo de chamar «a barbárie de con­quista guerreira». É milenar, mas encontrou as suas formas modernas nas colonizações. Para simplificar, podemos considerar que começa com as conquistas de Alexandre. Contudo, estas não foram, propriamente dito, bárbaras. Alexandre respeitava os deuses das dife­rentes civilizações que tinha conquistado. Em cada ci­dade, casava centenas dos seus soldados com jovens raparigas do país, preparando assim uma civilização mestiça. Mas, efectivamente, o caso de Alexandre con­tinua excepcional. Os outros grandes conquistadores são horrorosos. Gengiscão, esse conquistador mongol do século XII e do início do século XIII, semeou a morte e a destruição quer a Leste, na China, como a Oeste, criando um império desmedido. Mas estes impérios exagerados não podem durar. Precisamente porque, por serem desmedidos, não têm factor de integração. O de Gengiscão durou apenas um século. Tamerlão (1336--1405), um século mais tarde, construiu um império for­midável que partilhou imediatamente com os seus quatro descendentes.

O trabalho de conquista empreendido pelas nações europeias foi de outro tipo e, sobretudo, foi duradouro. Foi favorecido pela superioridade militar que as armas de fogo permitiam. Assim, no Peru, um pequeno número de cavaleiros e de homens armados levou ao desmo­ronamento de um gigantesco império que se estendia do norte do Equador até ao sul do Chile. A conquista

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do México foi a mais confusa. Cortez auxiliou-se, de certa forma, da estratégia da mestiçagem. Aliou-se a nações subjugadas pelos Astecas, descontentes por terem de prestar tributo a estes últimos e, sobretudo, por terem de entregar os seus adolescentes para os sa­crifícios. Podemos até dizer que o México foi conquis­tado pelos Mexicanos. O pequeno grupo de Cortez, que estava unido a uma mulher índia, Malinche, pôde bene­ficiar, após diversos episódios, da ajuda destas popula­ções. Não há dúvida de que esta conquista foi animada por uma cupidez e por um fanatismo ímpar.

Esta cupidez alimentava-se no mito do Eldorado. Encontrando partículas de ouro nas paredes dos tem­plos de Cuzco, no Peru, esperou-se descobrir fontes fa­bulosas, tal como testemunha, por exemplo, o belo filme de Herzog, Aguirra, ou a cólera de Deus. O fanatismo religioso não era menor: os ídolos incas foram abati­dos, destruídos. Por outro lado, a conquista provocou, para além dos massacres que não faltaram, uma mor­talidade catastrófica, quer no México quer no Peru. Foi devida à importação de doenças europeias, como a tuberculose, contra as quais as populações locais não estavam imunizadas. Em vez de trocas culturais, ti­vemos trocas de micróbios e vírus. Por troca com a tuberculose, a sífilis ganhou o Ocidente e, pela rota das caravanas, acabou por chegar à China. O álcool tam­bém provocou estragos. Desde há seis ou oito mil anos, a selecção natural tinha eliminado, no velho continente, os organismos que não resistiam ao álcool. É evidente que não foi este o caso das infelizes populações da Amé­rica do Norte. Uma outra causa da mortalidade mas­siva é, claro está, a escravatura. As populações indígenas foram sobreexploradas para extrair a prata das minas

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do Potosi e fazer chegar a Espanha os galeões carrega­dos de ouro e prata.

Perante semelhante baixa demográfica, os conquis­tadores recorrem ao tráfico massivo dos Negros. A escra­vatura dos Negros aconteceu em quase todo o continente americano. Como sabeis, a persistência da escravatura nos Estados do sul dos Estados Unidos foi uma das causas da guerra da Secessão. Em França, a escrava­tura nas colónias só será abolida em 1 848, graças a Victor Schoelcher. No entanto, ela continuará de forma residual. Quanto à colonização, só desaparecerá no século xx. Entretanto, os colonialismos ingleses e fran­ceses, mas também os alemães e portugueses, desenca­dearam-se particularmente em África. André Gide, na sua viagem ao Congo, relatou a forma atroz como eram quase escravizados os Negros que trabalhavam no cami­nho-de-ferro Congo-oceano. Esta barbárie colonialista, de uma excessiva brutalidade, continuará a manifes­tar-se em França em pleno século xx, como é testemu­nha o massacre de Sétif, cometido no próprio dia do fim da Segunda Guerra, a 8 de Maio de 1 945, e as inú­meras exacções durante a guerra da Argélia.

No fim de contas, observamos um desencadear de ���<> ··séculos .. ·de . . b.ªrpª;Q�;t.,�J1.IPf'��i1;i·�tn,��f� I' • . t d • ·· . . . ··�·-· ····A·•·•�"<"'l'"'''"'i"""'''��-A•·· ·� eonquts as; · · e se!Wt�aqi·""'�'C:� Ql'\WGJ�a.,. •vJ.'\ll�l.'e�·n.,�t'�� é necessário ·.voltatà'·diiê-Têfa "Efâi'l5títi�!tfiR�5��s�wljb·. panhar, e mdúziti mesm&r�feifos7'é1�·�1�r:tra�, .. N-�··a��� correr desta mundialização da barbárie europeia, houve mestiçagens de culturas, trocas, contactos criadores. Polemiza-se, hoje em dia, sobre uma directiva que visa indicar, nos manuais de história, as características posi­tivas da colonização francesa na Argélia e em outras antigas colónias de África. A questão está em saber se

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estas características positivas estão no primeiro plano ou são apenas fenómenos secundários. Tal questão deveria ser recolocada num quadro geral. Seria neces­sário sublinhar a ambivalência, a complexidade do que é a barbárie, do que é civilização, com certeza não para justificar, deste modo, os actos de barbárie, mas para com­preendê-los melhor e assim evitar que nos possuam ce­gamente.

Queria ternünar, focando uma outra forma de bar­bárie que ainda hoje perdura. As sociedades históricas, de que falei, constituíram-se eliminando progressiva­mente as pequenas sociedades arcaicas3�e as tinham precedido. Mas �,çom;q.l�'esênV:ifl:Viffieiito ·'mi:indfâhda >f .c i vilizaçãà ocidental .. que ��é()g���:,�:.·���·�vtt�:�ão •gel:10 .• 1dária da humanida:dearêaícá'··e ât)s póvôs'lêfn:;Estal)io.1 Na Tasmânia, a população indígena foi aniquilada. Na Austrália, actualmente, é residual. Na América do Sul, no sul do Chile, os Alacalufes, o povo dos nómadas do mar que acolheram os navegadores quando, nos séculos xvrr e xvm, por lá passaram, foram aniquilados. Na Amé­rica do Norte, as populações índias, depois de ultraja­das- os tratados que estabeleceram com a autoridade política não foram respeitados- estão hoje confinadas, guetizadas em reservas. A associação Survival Interna­tional defende os seus direitos, aliás muito afincada e justamente. Na Ásia, os montanheses da península indo­chinesa já foram rechaçados pelos povos dominantes. Na África negra, a população dos Bantus exerce uma pressão quase exterminadora sobre os Bochimanes, e grandes zonas da floresta virgem amazónica estão em vias de destruição, condenando os últimos povos inde­pendentes a exilarem-se nos miseráveis arrabaldes das metrópoles ou a desaparecerem. A barbárie continua,

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mas é necessário sublinhar a resistência a esta barbárie, como é o caso do Brasil, onde foram criadas associações de luta para a salvaguarda das populações e dos seus direitos.

A barbárie europeia de conquista não acaba, repito-o, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Para a França, acaba apenas com a guerra da Argélia, termina mais tarde em Portugal com Angola e Moçambique. As na­ções da Europa deixaram de ser nações coloniais. O mes­mo acontece no que se refere à barbárie purificadora, as nações europeias renunciam, pouco a pouco, graças à constituição de um espaço europeu, ao nacionalismo baseado na pureza étnica. Portanto, �stamos 11u:rrta

... _._,_

'époêã'êtn que a barbárie europeia está em fonte regr�ss�o •e'õsantídotós culni.t'âis europeus,que desempenhara� 'um papel nesta regressão, �eriam definir a Europ9.

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j

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CAPÍTULO 2

OS ANTÍDOTOS CULTURAIS EUROPEUS

Talvez vos pareça que dou à minha exposição uma forma de fresco histórico extremamente rápido. Mas o fio histórico que sigo não é para mim um meio de expo­sição cronológica do fenómeno da barbárie, mas um meio para a sua compreensão.

NoJséculo xJ, opera-se uma metamorfose da Europa do Oeste. Assistimos simultaneamente a um impulso económico, um impulso das cidades, mas igualmente à formação de nações modernas. O Renascimento volta a dar vida às heranças latinas e gregas, principalmente à herança grega, que continua fechada no interior do dis­curso teológico. Dito de outra forma, este retorno da Grécia faz rebentar a grilheta teológica e produz uma autonomização do pensamento. Este vai permitir o impulso da filosofia e da ciência modernas. É verdade que existia um pensamento racional no seio da teolo­gia, sobretudo no tomismo, que no entanto continuáva sob o controlo religioso. A ciência vai desenvolver-se caminhando com quatro pernas: o empirismo, a racio­nalidade teórica, a verificação e a imaginação. O Renas-

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cimento é também a época do desenvolvimento das humanidades, de uma cultura que se fundamenta na integração da cultura grega e da cultura latina. Nessa época, muitos pensadores caracterizavam-se por um espírito enciclopédico, conheciam o árabe, o hebraico, o grego, o latim.

t§,,cl,u.ra.n,teo Renascim�ntoque.súrge"a•ge$tf{çãq;dÇJ 'htunanrsmo europeuí Ao mterrogarmo-nos sobre o que é a essência do humanismo, podemos salientar dois tipos de resposta absolutamente divergentes. A pri­meira resposta é, por exemplo, a do filósofo polaco Leszek Kolakowski, para quem o humanismo europeu tem a sua fonte no judeo-cristianismo: na Bíblia, Deus faz o homem à sua imagem e, no Evangelho, Deus en­carna num ser humano. O filósofo checo Jan Patocka objecta dizendo que a fonte do humanismo europeu é grega, porque é no pensamento grego que o espírito humano e a sua racionalidade afirmam a sua autono­mia. Na cidade democrática de Atenas, a deusa Atena , · • não governa, protege.\:A democracia•signifiêàiiS'f<j·:·os '

�� litdM 1 lNeistêtn. emmãôs·'õgovemo"d<r�Eidad,: Podemos, de facto, considerar que as duas fontes

não são exclusivas e que se uniram para criar o huma­nismo europeu. Na verdade, se a primeira fonte, onde o homem é à imagem de Deus e onde Deus se torna humano, leva ao respeito pela vida humana, esta con­duzirá também a um antropocentrismo ingénuo e será fonte de megalomania. Desembaraçado de Deus, o ho­mem vai ocupar o lugar de sujeito e centro do universo. Mas ao irrigar o humanismo europeu, é necessário salientar a própria mensagem de Jesus, o que nenhum destes dois filósofos faz. Esta mensagem fala de com­paixão e de perdão. É o espírito de fraternidade que vai

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separar-se desta palavra e juntar-se à racionalidade grega. Qualquer coisa de afectivo vai ligar-se ao carácter frio da racionalidade para formar o humanismo europeu.

Este &,t\iJrriài\isrliO' têrrf<:h.ias face&f uma dominadora e outra fraternal, o que provocará uma enorme confu­são acerca do termo, nomeadamente no século xx.y:\:.pri'" ·� meira fq.ce do humanismo, a que se revela ilusória, para não dizer delirante,pcoloca o homemnó lugar de Detfs, de facto o único sujeito do universo, e dá-lhe por mis­são conquistar o mundo. É a missão que Descartes con­fere à ciência: fazer do homem o senhor e possuidor da natureza. A mensagem cartesiana será retomada por Buffon, depois por Karl Marx e, por fim, só a partir de 1970, portanto recentemente, é que esta mensagem do todo-poderoso prometeico se desfaz em migalhas. A par-�\ tir daí, damo-nos conta de que o controlo da natureza, que na realidade é incontrolada, conduz à degradação da biosfera e, por repercussão, à degradação da vida e da sociedade humana: este tipo de domínio tem carac­terísticas suicidárias.

Por outro lado, tomamos doravante conhecimento e consciência da pequenez do planeta Terra no sistema solar, da pequenez do sistema solar na Via Láctea, da pequenez da nossa galáxia no universo. Sendo assim, devemos voltar-nos para �a''§,eg.undar face do huma­nismo, a que estabelece o frespeito por todos os setfs humanost independentemente do seu sexo, raça, cul­tura, nação.

De facto, se em princípio este humanismo é válido para todos os homens, o Ocidente europeu restringiu-o aos seus residentes, considerando que os outros povos eram subdesenvolvidos, arcaicos, primitivos. Lucien

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Lévy-Bruhl, por exemplo, considerava os primitivos como seres infantis e místicos, enclausurados no pensa­mento mágico. Esquecia a existência de uma racionali­dade em qualquer forma de civilização, mesmo que seja no fabrico de utensílios, na utilização das armas, na prá­tica da caça. Em qualquer sociedade existe, simultanea­mente, um pensamento racional, técnico e prático e um pensamento mágico, mítico e simbólico. O mesmo acon­tece na nossa. Parece-me de extrema importância referi-lo.

�a-segunda face, o humanismo ligou-se ao desen-. volvirriento da racionalidade crític<!� mesmo autocrítica., Vemo-lo, por exemplo, no Elogio da Loucura, de Erasmo, expresso, evidentemente, sob formas prudentes. No resto da sua obra, embora sendo um espírito bastante tolerante, Erasmo mostrava-se muito reservado quer no que respeita à autoridade católica quer à do lutera­ntsmo .

Na emergência da racionalidade autocrítica, o que merece ser evidenciado é a importância desconhecida do marranismo. Os cristãos-novos eram principal­mente de origem judaica, dado que muitos muçulma­nos voltaram ao Magrebe após a conquista de Granada. Entre os judeus convertidos, alguns ficaram em Espa­nha, outros instalaram-se nos Países Baixos. Existem dois tipos de cristãos-novos. Os primeiros esqueceram a sua ascendência e tornaram-se cristãos. Os segundos guardaram secretamente a fé e a identidade judaicas. Foi o caso do médico Fernando Cardoso. Homem do sé­culo xvn, poeta da corte, amigo de grandes dramatur­gos, autor de poemas, nomeadamente sobre a erupção do Vesúvio, parecia perfeitamente integrado. Faz, então, uma viagem a Veneza, visita as autoridades do gueto e

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pede-lhes para ser reconhecido como judeu. As autori­dades concordam na condição de que se torne médico dos pobres, o que ele aceita. Em Veneza, escreve um livro que será impresso na Holanda, Da excelência dos Judeus, para demonstrar que a lei de Moisés é superior à de Cristo.

Mas existe igualmente uma terceira face do marra­nismo, nascida a partir de uma dupla identidade, do sentimento de pertença a dois modos de existência diferentes, a duas comunidades antagónicas. O choque de duas religiões contrárias é como o encontro de duas partículas que se entrechocam, destruindo-se uma à outra para formar um novo conjunto. Estes casos são raros mas notáveis. Bartolomeu de las Casas, por exem­plo, que tem ascendência de converso, fez aceitar a ideia, junto da hierarquia católica, de que os Índios da Amé­rica eram seres h�manos como os outros e possuíam uma alma. A Igreja recusava admiti-lo: poder-se-ia aceitá-los como homens, uma vez que Jesus nunca se deslocara até à América do Sul! As perseguições que Bartolomeu de las Casas testemunhou inspiraram-lhe compaixão e fizeram-no voltar à fonte paulista: «Não existem homens e mulheres, nem Judeus nem Gregos, nem homens livres nem escravos, sois todos um em Jesus Cristo». (Epístola aos Gálatas). Infelizmente, por razões de oportuni­dade, Bartolomeu de las Casas colocou entre parênte­sis a sorte dos Africanos vítimas de tráfico. De facto, o tráfico de Negros começou em 1502 na ilha de Hispa­niola.

Outro caso que convém citar é o de Montaigne. Fica­remos e�pantados ao ouvir classificá-lo de cristão-novo, dado todo o mundo o conhecer como gascão. Mas um

não impede o outro. Sabe-se de fonte segura que a sua

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família materna, os Loupe, descende dos Lopez, dos quais se encontraram vestígios em Espanha. Parece estranho que esta união, numa época em que os casa­mentos eram arranjados, não seja feita entre dois des­cendentes de cristãos-novos, ainda que nada se saiba da família patern�. É interessante verificar que, nos Ensaios, as suas principais referências são gregas e lati­nas, excluindo quase as referências aos Evangelhos e, aliás, a todos os textos religiosos. Uma carta escrita a seu pai para narrar a morte do seu amigo La Boétie, celebrada no quadro da liturgia católica, é muito estra­nha. No fim, La Boétie diz com voz forte: «Morro nesta fé que Moisés plantou no Egipto, que daí transportou para a Judeia e que os nossos pais trouxeram até nós». Perguntei aos especialistas de La Boétie o que isto podia significar, mas eles não foram capazes de me responder.

O que importa é que este cristão-novo que é Mon­taigne seja um verdadeiro aerólito numa época de guer­ras de religiões. É-o pelo seu cepticismo e pela recusa em considerar os Ameríndios como seres inferiores. «Aque­les a que chamamos bárbaros, escreve, são seres de uma outra civilização diferente da nossa» e acrescenta, «Acho [ . . . ]que nada existe de bárbaro nem de selvagem nesta nação . . . a não ser que cada um chame barbárie ao que não é seu uso». Um dos aspectos da barbárie europeia foi o de tratar de bárbaro o outro, o diferente, em vez de celebrar esta diferença e de nela ver a oportunidade de enriquecimento do conhecimento e da relação entre os humanos. Montaigne representa este pensamento, de uma liberdade inaudita, que soube emancipar-se dos preconceitos bárbaros do seu tempo. Penso que a fonte da sua liberdade está nesta liberdade interior de um espírito que se move para além do judaísmo e do

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cristianismo. Não sofreu o antagonismo entre judeu e cristão, muçulmano e judeu, fiel ou infiel. Naturalmente, as origens marranas de Montaigne deviam ser bastante longínquas, mas é mais o espírito do marranismo que se desenvolvia nele . Politicamente é muito prudente, sempre na linha da sua ética d e toler ância . Defende o rei em todos os seus esforços de modernização para acabar com a guerra de religião.

Também gostaria de abordar o caso de Espinosa. Na sua obra, o Deus exterior, criador do mundo, é afastado, enquanto em Descartes e Newton ainda está muito pre­sente, e a ideia de um mundo autocriado, «causa de si» como diz E spinosa, só se imporá a partir de Hegel. A força criadora está na natureza, como refere a célebre fórmula Deus sive natura. O que podemos compreender assim: Deus ou, se quiserem, a natureza, pois não faço diferença . Em Espinosa, a razão é soberana, mas não se trata de uma razão fria e gelada, é uma razão profun­damente compassional, «amante », se o podemos dizer. Rejeita a ideia do povo eleito, inactual segundo ele, lai­ciza assim a identidade judaica e, deste modo, reata com a ideia de universalidade para além do cristia­nismo. Em Espinosa, encontramos o mesmo espírito de independência que em Montaigne . É verdade que ele vive na Amesterdão tolerante de então, mas, contudo, não escapa aos ataques da intolerância. Expulso da Sina­goga, escapando por pouco a um atentado contra a sua vida, deverá viver numa quase miséria .

Não podemos negar que os inquisidores espanhóis estavam certos quando consideravam o marranismo como fonte de cepticismo e racionalismo. No século xvn são muitos os casos. Por exemplo, o Dom Quixote de Cer­vantes está marcado por uma dupla ironia: a crítica do

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imaginário pela realidade, encarnada pelo olho crítico que Sancho Pança deita a O. Quixote, mas também a crítica da realidade prosaica pelo imaginário, fonte de poesia, crítica esta encarnada pelo cavaleiro errante. Dom Quixote anuncia assim o desencadear do mundo moderno, descrito por Max Weber dois séculos mais tarde. Se bem que O. Quixote e Sancho Pança sejam in­separáveis, não existe reconciliação possível entre os dois universos. É por esta razão que a obra continua a ser fascinante e que surgiu também como um aerólito no universo da literatura e do romanesco.

Por conseguinte, o humanismo desenvolve-se na con­fluência da mensagem grega revitalizada na Itália da Renascença e que se desenvolveu noutros países oci­dentais, com excepção da Espanha. Mas, mesmo nesta Espanha onde a mensagem foi obstruída, o humanismo surgiu subterraneamente a partir daqueles a quem po­demos chamar os pós-marranos, que alimentaram e afirmaram um humanismo assente num espírito de !ai­cidade e de universalidade.

Seria também interessante evocar aqui um fenó­meno que surgiu no Império Otomano e que resulta do pós-marranismo: o movimento messiânico de Sabbata1 Tsevi. Após ter-se apresentado como um novo Messias, Sabbata1 Tsevi acaba por se converter ao islamismo. Os seus discípulos, tornando-se ao mesmo tempo oficial­mente muçulmanos, mantiveram secretamente o culto a este Messias judeu. A estes apóstatas deu-se o nome de donme («os que se voltaram»). Eram bastante in­fluentes em Istambul e, no século XIX, criaram escolas laicas. Nestas escolas, formaram-se os jovens oficiais turcos e Mustapha Kemal, que viria a instituir a laici­dade nos anos 1920. Este episódio demonstra que as vol-

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tas que a história dá são de facto curiosas, mas coloca sobretudo em evidência a virtude emancipadora do espírito marrano. Os Sabbataístas, ao desviarem-se da lei judaica e ao adaptarem um islamismo de superfície, l ibertaram-se em simultâneo de um e de outro. Por esta razão, podemos inscrevê-los no movimento do huma­nismo europeu.

Esta tradição do humanismo europeu, a sua parte de autocrítica, está muito bem expressa nas Cartas Pers as de Montesquieu e irá perpetuar-se até Claude Lévi-Strauss. Montesquieu imagina Persas que, chega­dos ao Ocidente, consideram os Franceses seres exóticos, esta é uma atitude típica da racionalidade autocrítica: considerar-se a si mesmo objecto de curiosidade e de crítica. Voltaire dá outro exemplo no Discurso aos Welches. Infelizmente, a racionalidade autocrítica é um aspecto que continua a ter pouca importância na tradição oci­dental. No século XVIll, a época das Luzes, a racionali­dade é sobretudo crítica e assenta principalmente nas religiões consideradas como tecidos de fábulas e su­perstições. Esta crítica é redutora. Não enxerga o que Marx irá valorizar mais tarde, que a religião é como o suspiro da criatura infeliz, a maneira através da qual as aspirações humanas mais profundas se exprimem.

O espírito humanista das Luzes encontrará a sua formulação na Declaração dos Direitos do Homem e do Cida­dão, sendo esta mensagem muito mais suportada pela aristocracia iluminada do que pela burguesia, como demonstrou François Furet. Durante a noite do 4 de Agosto, os aristocratas, por sua iniciativa, abandonaram os seus privilégios.

No entanto, a razão, durante esta época que marca o seu triunfo, arvora diferentes faces. A razão científica

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constrói teorias. Mas estas teorias, aparentemente fun­damentadas em dados coerentes, podem ser mancha­das pela «racionalização», por uma visão demasiado lógica que apenas retém o que a confirma. Laplace, por exemplo, injecta a racionalização no centro da ciência. Propõe uma visão do universo completamente deter­minista e com certeza totalmente laicizada: supõe que um demónio dotado de poderes superiores seria capaz não só de conhecer todos os acontecimentos passados, mas também de predizer todos os acontecimentos futuros. Quando Napoleão lhe pergunta: «E Deus, que fazeis com Ele?», Laplace responde: «Não necessito dessa hipótese». A concepção de Laplace era uma racio­nalização extrema da racionalidade newtoniana. Hoje, damo-nos conta de que no Universo não se pode redu­zir tudo ao determinismo. Assim, existe uma racionali­dade crítica que evita as ciladas da racionalização, uma racionalidade autocrítica que associa razão, conheci­mento e exame de si d-�a�d���llm

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ao serviço de fins completamente irracionais e bárbaros, como a guerra, provém de um outro tipo de racionali­zação. Na realidade, o que é necessário ver por detrás de todas as racionalizações é, para além da ausência de pensamento crítico e autocrítico, o esquecimento da­quilo a que Rousseau chama o esquecimento da nossa própria natureza. Presente em Rousseau, a natureza foi, apesar de tudo, ignorada pelas Luzes. Tudo isto vai mudar com o romantismo.

O �-��"'m.�Tt�·'CP é uma repoetização do uni­verso. Responde a uma nostalgia da comunidade, a

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uma idealização da Idade Média. Mas esta nostalgia do passado, alguns anos mais tarde, vai transformar-se numa aspiração ao futuro libertador, tal como o tradu­zem Lamartine e Hugo que fazem a simbiose do espí­rito romântico com o espírito das Luzes. Lamartine foi um dos heróis da revolução de 1848 que juntou a palavra «Fraternidade>> aos dois primeiros termos da célebre divisa da Revolução Francesa . Quanto a Hugo, com o seu espírito visionário, já imagina os Estados Unidos da Europa, prelúdio dos Estados Unidos do Mundo. Esta época volta a dar vida aos direitos do homem, a os direitos dos povos, direitos da humanidade, sobretudo sob a influência do pensamento socialista .

No século XIX, opera-se uma espécie de fermentação com Fourier, Leroux, Proudhon, os jovens hegelianos, Stirner, o teorizador da anarquia, e por fim Marx. Marx elaborou uma notável síntese filosófica e intelectual ao serviço do desenvolvimento humano que traz em si o socialismo, que é uma aspiração universalista de mais liberdade e igualdade. Porém, o seu pensamento pode ser qualificado de pós-marrano . Na realidade, no cen­tro da sua concepção está um messianismo judaico­-cristão. O proletariado industrial torna-se um Messias, a revolução um apocalipse e a sociedade sem classes a salvação terrestre. A tendência para a universalidade do humanismo europeu encontra-se no seio desta espe­rança socialista, graças à criação das Internacionais - se bem que a sua organização continue ainda limitada nos países europeus dominantes e nos Estados Unidos da América . Dito isso, na maior parte do mundo ociden.,. tal permanece a ideia de que a racionalidade é o privi­légio e o monopólio dos Ocidentais.

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Chegamos assim a duas ideias complexas. Em pri­meiro lugar, a Europa ocidental, centro da maior domi­nação que alguma vez existiu no mundo, é também o único centro das ideias emancipadoras que vão minar esta dominação. Estas ideias emancipadoras são su­portadas por aqueles que se inspiram no humanismo europeu moderno: intelectuais, militantes e, em maio­ria, homens e mulheres de boa vontade saídos das dife­rentes classes da sociedade. A iniciativa é tomada pelos espíritos marcados pelas ideias da Revolução, como Victor Schoelcher que, recordemos, decreta em 1848 a abolição da escravatura nas colónias francesas. Estas ideias não vão ser só difundidas nas colónias pelo en­sino da cultura francesa, mas vão ser aproveitadas pelos porta-vozes dos países colonizados, que remeterão o Ocidente para os seus próprios princípios: liberdade, direito dos povos, etc. Estas ideias foram o fermento da descolonização. É portanto na Europa, centro de do­minação e conquista, que se formaram os antídotos que são as ideias emancipadoras.

A segunda ideia-chave diz respeito ao processo a que chamo a �<�"ta".p1ánetária.,>. Com a conquista das Américas, as circum-navegações portuguesas e espa­nholas à volta do globo, o planeta entra num sistema de intercomunicação que vai desenvolver-se sem parar. Se este processo é inseparável da servidão e da escra­vatura , os germes da descolonização e da anti-servidão estão presentes desde o início. Ao lado da mundializa­ção do comércio de traficantes e mercadores, desenvol­veu-se uma mundialização das ideias de emancipação que culmina na abolição da escravatura . Na realidade, foi bem mais tardia do que a primeira e fez-se dificil­mente. Nos Estados Unidos, por exemplo, as ideias de emancipação suscitaram também a guerra da Secessão.

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De igual modo, o movimento mundial de emancipação acabou por suscitar, depois da Segunda Guerra Mun­dial, um movimento mundial de libertação das coló­nias. Por vezes, a partida dos colonizadores fez-se de forma pacífica, como na Turquia ou em Marrocos, ou­tras vezes de maneira mais trágica, como na Argélia. Este processo culmina com o acesso ao poder de Man­dela, herdeiro do pensamento marxista. Quis terminar com a separação de Negros e Brancos, quis construir uma só nação para todos. Assim, seguiu uma lógica bem diferente daquela que encarnavam as arremetidas nacionalistas, na Europa oriental, despidas de qualquer humanismo, que culminaram com a guerra na Jugos­lávia e com a destruição do que estava unido.

Muitas vezes, podemos observar um processo de descolonização em duas etapas. Existe uma primeira descolonização que não é obra dos colonizados, mas de colonos implantados nestes países, das elites de ori­gem europeia, que levam estes países a aceder à inde­pendência, como na Argentina ou no Brasil. O Brasil, apesar do acesso à independência, ainda conheceu a escravatura até ao final do século xrx. Assinalemos que na América latina desenvolve-se uma concepção de nação que é mais lata do que a das grandes nações europeias e que se alimenta da mestiçagem. No Brasil, no Equador, no México e na Colômbia, as mestiçagens são múltiplas. É verdade que são menores nos países andinos, onde as castas de origem branca mantêm à margem das zonas de poder uma grande maioria da po­pulação indígena - o que aliás coloca um problema cada vez mais agudo.

Assim, para compreender a mundialização é muito importante ver o processo dialéctico que a produziu.

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Uma primeira mundialização desenvolve-se sob a he­gemonia de uma superpotência, a Espanha do Século de Ouro, os Estados Unidos de hoje. Ela produz uma segunda mundialização que pode parecer estar em segundo plano, ser menos poderosa do que a primeira, mas que transporta as esperanças de emancipação e de humanidade.

Na realidade, o que se passa depois de 1989? A mun­dialização do mercado gerou o derrube d o sistema so­viético, da sua economia burocratizada, tal como o abandono deste tipo de economia pela China, pelo Vietname, por todos os países comunistas, mesmo quando a ditadura do partido comunista se manteve. O descrédito das ideias do socialismo real e d a s virtu­des da economia socialista tira proveito durante alguns anos daquilo a que se chamou o neoliberalismo. A ideia triunfa quando as auto-regulações económicas, espon­tâneas, são suficientes para resolver todos os proble­mas, incluindo os educativos - enquanto o liberalismo clássico ficava no quadro das regulações pelo Estado. Ainda estamos neste período, marcado pela ausência de qualquer verdadeira regulação a nível planetário. No entanto, esta mundialização do mercado suscita uma mundialização paralela permitida pelo extraordinário progresso das técnicas de comunicação. Encontramo­-nos d oravante nat�<it;:da ubiquidadéJ graças ao fax, ao correio electrónico, ao telemóvel. Estas novas condi­ções técnicas e económicas abrem uma nova época, uma época em que as ideias podem circular à veloci­dade da luz. Já a queda da União Soviética permitiu a propagação das ideias democráticas não só nos países avassalados pela União Soviética, as ex-democracias populares, mas igualmente na América latina e na África.

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É a época da queda da maior parte das ditadura s d a América latina. É a vingança d e 1789 sobre 1917. Du­rante decénios, 1789 parecia ser uma pequena revo­lução preliminar, de carácter secundário, j á que a verdadeira revolução apenas pôde desenvolver-se com 1917 e a tomada do poder pelo partido bolchevique. No actual mercado de valores, 1917 esboroou-se e 1789 ressurgiu.

Estamos nesta situação em que a segunda mundia­lização progride a um ritmo certamente d iferente da primeira, mas progride na mesma. O vaticínio de Marx tornou-se todavia admirável, quando observamos o problema da cultura, da literatura, das artes. Marx odiava e admirava simultaneamente a burguesia. Via nela a classe que, por um lado, explorava duramente uma parte da humanidade, mas, por outro lado, des­truía as antigas relações de servidão e de feudalidade, criando um espaço para que se pudesse desenvolver uma literatura mundial. Hoje, o que é a literatura mun­dial? É o acesso às literaturas de todas as regiões d o mundo graças aos meios de comunicação e difusão estabelecidos pelo capitalismo, mas igualmente a cria­ção de artes de tipo novo. A indústria cultural, sendo fundamentada na busca do lucro, tem também neces­sidade de originalidade e de criatividade. Os filmes de Hollywood, realizados com meios quase industriais, produziram obras-primas como as de John Ford, en­quanto o cinema soviético, por comparação, era pouco criativo. Infelizmente, as necessidades da p rodução esmagaram muitas vezes as da criação. Orson Welles é disso um triste exemplo. Em todo o caso, #.l'�oJpoderr1�$

�>"reduzir a mundialização económica e mercantil a urrú1 homogeneização mecJ>íocre; ela • própria suscita ·· e ali:..'

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woo:ta��dialização humahistâ:'J- sem no entanto, evidentemente, se confundir com ela.

Esta dialéctica, própria da mundialização, encontra uma formulação quase conceptual no @lt�rmundií;ii

f lismo, que na realidade é a emergência de uma mun­dialização não centrada nos valores mercantis e não o «antimundialismo» d o qual, durante muito tempo, os media falaram. Desde Seattle, em 1999, vimos José Bové expressar a ideia de uma outra mundialização. Com a fórmula: «Ü mundo não é uma mercadoria», procurava­-se antes fazer emergir um outro mundo e não apenas salvaguardar as especificidades dos diferentes países. Mesmo se o altermundialismo ainda procura a sua ver­dadeira identidade, não chegando a formular a sua própria visão, e é por vezes dilacerado por lutas de fac­ções, está bem vivo. Uma cidadania do mundo nasceu por ocasião da guerra do Biafra, essa província da Ni­géria que se batia pela independência. Uma associação foi criada: Médicos Sem Fronteiras, cuja missão era tra­tar os humanos independentemente da sua raça ou religião . Este foi um passo capital. Depois, outras orga­nizações humanitárias como esta multiplicaram-se, testemunhando uma nova consciência planetária, no preciso momento do declínio do espírito internaciona­lista, o da Internacional Comunista e da Internacional Social-Democrata.

Estes internacionalismos deixaram-se devorar pelas nações. Em França, a li Internacional, tão poderosa em 1914, com um partido socialista dirigido por Jaures, queria a paz, da mesma forma que o partido alemão. Mas, desde o início das hostilidades, a maioria dos socia­listas franceses ligou-se à sagrada União contra a Ale­manha e a maioria dos socialistas alemães ligou-se à

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sagrada União contra a França. Apenas alguns espíri­tos raros, como Romain Rolland e alguns sindicalistas, conseguiram escapar a esta hipnose nacionalista. Portanto, a II Internacional foi devorada pela guerra de 1914. Quanto à terceira, a Internacional Comunista, colocou-se ao serviço do Estado soviético, o qual se encontrava cada vez mais ao serviço da sua própria força. Os ideais do socialismo internacional são des­viados em proveito de um patriotismo que, de resto, foi vital para a salvaguarda da União Soviética. Esta­line chamou à Segunda Guerra Mundial «a grande guerra patriótica». A III Internacional foi absorvida pelo nacionalismo do Império Soviético. De alguma forma, todas estas Internacionais tinham negligenciado a rea­lidade das pátrias e das nações. Acreditaram que as nações eram apenas ilusões ideológicas e que o Estado nacional não era mais do que um instrumento da classe dominante. Subestimaram a profundidade da nação. Contudo, desde o século XIX, Otto Bauer tenta construir uma teoria da nação, fundamentada na ideia de comu­nidade de d estino e o próprio Estaline, na sua juven­tude, havia sido encarregue, por Lenine, de escrever um livro sobre o marxismo e a questão nacional onde procurava dar algum fundamento à nação.

Mas o marxismo foi cego e os próprios revolucio­nários, que acreditavam ter varrido tudo da União So­viética, prepararam, sem o saber, o retorno em força do nacionalismo, não só russo, mas também arménio, usbeque, lituano. Acreditaram ter erradicado a religião e ela regressou com uma força renovada. Acreditaram ter acabado com o capitalismo para sempre, liquidando a burguesia, e um capitalismo pior do que o da época czarista regressou. Isto ilustra aquilo a que chamei

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«a ecologia da acção». As acções podem, sobretudo em política, ir em sentido contrário ao das intenções e então gerar efeitos que as destruem. Ninguém ignora que a ecologia da acção está condenada a enganar-se perene­mente. Ninguém ignora que a ecologia da acção está condenada a enganar-se duravelmente.

As Internacionais nunca conseguiram transformar-se em consciência planetária, testemunhando a fraqueza de espírito da cidadania mundial.

Propus a ideia de «'Terra-pátria>?, sabendo que a pa­lavra «pátria» cobre uma mitologia muito rica, simul­taneamente maternal e paternal, mesmo nas suas conotações. A noção de pátria diz-nos que é necessário amar esta terra maternal de onde saímos e a autori­dade paternal do Estado, se for justa. Esta ideia ainda não adquiriu a dimensão planetária . A globalização tecno-económica criou, ao longo do último milénio, meios que poderiam permitir a emergência desta cons­ciência planetária, ao mesmo tempo afectiva e reflexiva. Produziu as infra-estruturas de uma eventual socie­dade-mundo. Para que haja uma sociedade é necessário, de facto, que haja um território e meios de comunicação. É necessário que exista uma economia. Ora existe um território mundial dispondo de inúmeros meios de comunicação e de uma economia própria.�llé>lft'Iritfr(-1 iji�liza.ção da economia que se deve depl&af>.ihas p�lo. ,

):Ontrário o facto de esta não serregulaci'â Í"nsfitü:êí'ôriaJ:. menteg Assim, é necessária uma 'àutoridade. reguladortf' �egítima de alcance planetário.t Sabeis, infelizmente, como vão as Nações Unidas e o direito internacional . . . Por outro lado, p processo tecno"'econótnico que cria ás infra-estruturas de uma sociedade'-rhtü:l.do i:n'Í.'péde·esta fi." spciedade de emergir como 1fl. Desenvolve-se assim a ·

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tlialógica entre a rnundialização econórnica e a rnun-,1 i'çlialização humanista� Esta dialógica significa que existe

.

oposição entre estas rnundializações e que, no entanto, urna se alimenta da outra, pelo menos no sentido em que urna não pode existir sem a outra .

Esta época de 'll.QJ"ttlldíà:lizaÇã@ 'tern perigos graves . Corno sempre, civilização e barbárie encontram-se lado a lado. Assistimos ao regresso de virulências étnicas, nacionais e religiosas num largo número de países e de regiões. A lguns ímpetos podem fazer-nos pensar que urna guerra de religiões ou urna guerra de culturas, ou mesmo de civilizações, é possível. Isto demonstra nova­mente que �)" mundialfzaÇãcFaptesehta traçOs' êohtta;t ditó:fios � divergentesf Assísté .. sê simultâneátn.ente a

'Utna universalização tecno-econótn.ica. e a resistêrt-s, incluindo o retorno a religiões e cultos pârticularisté!;s.

Urna ideia começou a despontar nos últimos decê­nios do século xx, mesmo que tenha uma origem muito mais antiga: a de uma nave espacial, a terra, nau em que navega a humanidade. Este navio é hoje propul­sionado por quatro motores: ciências, técnica, econo­mia e proveito, e estes motores não são controlados . Não me inscrevo num pensamento binário e não digo que a ciência é má, pelo contrário digo que ela desen­volveu poderes de destruição inauditos e incontroláveis. O actual desenvolvimento tecno-econórnico produz a degradação da biosfera, a qual gera a degradação da civilização humana. Dito de outra maneira, esta nave espacia l vai deparar-se com catástrofes sem que nada possa controlá-la.

Tudo isto mostra as ambivalências e as complexida­des desta dupla planetarização. A Europa não poderia produzir novos antídotos resultantes da sua cultu ra ,

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a partir de uma política de diálogo e de simbiose, de uma política de civilização que faria a promoção das qualidades da vida e não apenas do quantitativo, que travaria a corrida à hegemonia? Não poderia ela beber na fonte do humanismo planetário que forjou no pas­sado? Não poderá ela reinventar o humanismo?

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CAPÍTULO 3

PENSAR A BARBÁRIE DO SÉCULO XX

Os primeiros �lllf;!ftl:��acf��� fazem o seu apa­recimento, vimo-lo, há seis mil anos no seio dos gran-des impérios do Médio Oriente. Perpetuam-se até hoje e produziram as diversas formas da barbárie de con­quista e de colonização como as de Tamerlão ou de Gengiscão. Mas estas conquistas não formam -'!��i�"§''

1 ���\���s�roj, enquanto as d�.���of'� �

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·Oeste terão c�n­

sequenCias a longo prazo: a#��ilí:q�� apenas termma depois da Segunda Guerra Mundial, nos anos 1960, e mais tarde ainda no caso de Portugal.

A partir do fi111 do século X\-V"t?�&��·y,;rp.a·.p�rbáriê 1í/ gada à ideia de naç&\0} A nação moderna, de facto, fez nascer, pela sua obsessão de purificação, de pureza reli­giosa e depois étnica, uma forma particular de barbárie que não existia no Império romano ou nos antigos im­périos do Médio ou Extremo Oriente. Sem dúvida, o monoteísmo, e sobretudo o católico, pode em parte ex­plicar este delírio de purificação, especialmente por causa do seu carácter exclusivo, da rejeição das outras religiões. Con�tatamos que a Segunda Guerra Mundial ·1•

levará ao auge estas duas formas de barbárie.

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Ao longo do segundo capítulo, pretendi evidenciar um fenómeno aparentemente paradoxal: ��a @J(,JM@!t tta:l fõi, C8 rtr\!R �.,q;��J:Çãp:b�bcu;a P<> m\;ll$'o, to i igualmente -o centt:() ?�s ig��_é;!l:).��ancip�ciqralflspro9 •os ·direitos do horhetn e de cidadani�, gra�a� a() d�!,>eq� �volvimento do humanismo. As ideias emancipadoras foram retomadas pelos representantes dos povos colo­nizados e subjugados. Foi a partir dos direitos dos po­vos, direitos do homem e direitos das nações que os processos de emancipação puderam ter lugar. Para aca­bar, sublinhei que a mundialização, fenómeno cuja data simbólica de �ascimento é 149,, se manifestou prin­cipalmente com o tráfico de Negros e de numerosas outras submissões. Mas acrescentaria que, quase em simultâneo, uma segunda mundialização está em mar­cha: a dos direitos da humanidade, do direito das na­ções, da democracia. Numa palavra, 1Jfésêrltê·:tíH3'ht� �ncontramo-nos numéll m14Jldialização cont:taditó:tiq; os ;•;,:• "'_,· ., . -�"'..

progressos fantásticos da mundialização' tecnO'-'ecôn&.:: mica suscitam, mas também asfixiam, uma mtifidialit'

\zação cidadã e l,mmanist� . .'.

Agora volto à questão da emergência dos totalitaf ·rismos,\outro fenómeno europeu moderno. Por vezes, critica-se o uso que se faz desta mesma palavra «totali­tarismó» para qualificar sistemas diferentes, como o estalinista e o hitleriano. Creio ser necessário adoptar um ponto de vista complexo que tanto sublinha as diferenças e oposições, como as semelhanças e analo­gias. Do mesmo modo, não é necessário apressarmo­-nos a justificar um totalitarismo vermelho para melhor condenar um totalitarismo castanho. O modo de refle­xão que me guia impede-me de ter um pensamento unilateral e maniqueísta, e recusei-me a idealizar e a

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diab olizar a Europa, concebendo simultaneamente que esta p roduziu o melhor e o p ior. Pela mesma ordem de ideias, recuso-me a distinguir uma «boa» ciência de uma «má» ciência, etc. Tal como p rocurei demonstrar, também não acredito na existência de uma «boa» e de uma «má>> mundialização.

Primeiro, devo dizer que não houve um pensamento do totalitarismo, como existiu um pensamento do capi­talismo (Marx), um pensamento da democracia (Mon­tesquieu, Tocquevílle), um pensamento da ditadura. �totalitarismo emergiu fora clea-0·��5 . É o fruto de um processo histórico saído do desastre que foi a Primeira Guerra M undial. Esta guerra foi um de­sencadear de barbárie assassina e ao mesmo tempo um acto suicidário para a Europa.

Comecemos pelo caso do comunismo soviético, cadi­nho do totalitarismo estalinista. O marxismo, na origem, é um pensamento muito rico e que continua actual, em particular no que respeita aos problemas de mundiali­zação. Mas a sua fraqueza está em não abordar verda­deiramente a questão política . Marx apenas concebe o Estado como um instrumento da classe dominante, isto é, como uma estrutura na lógica da guerra e das rela­ções de classes . Estuda a fundo os conflitos sociais, mas não se interessa pelo que é político, propriamente dito.

O pensamento marxista gerou dois ramos, dos quais um se tornou rapidamente a social-democracia alemã, a partir da formação do partido social-democrata que data de Engels. Este primeiro ramo desenvolveu-se por oposição à tese de uma revolução violenta e brutal, «a grande noite>>, em que a revolta proletária aboliria o capitalismo. Prefere uma estratégia reformista, gradua-

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lista, ilustrada por Bernstein. No início d o século xx, opera-se uma cisão no partido social-democrata russo entre uma tendência maioritariamente «bolchevique» e uma tendência minoritária «menchevique». O partido bolchevique constrói-se pouco a pouco, no seio da Rús­sia czarista, em condições de clandestinidade e de re­pressão policial . É uma organização centralizada, quase militar, que visa controlar cuidadosamente os seus membros, com o fim de evitar os agentes infiltra­dos da polícia czarista, a Okhrana. As particularidades do bolchevismo têm a ver com o facto de que aparece na Rússia czarista. Em 1914, continua a ser um peque­níssimo partido cujos dirigentes, na sua maioria, estão exilados. Aliás, nesta época, o marxismo tinha perdido muito da sua atracção no mundo intelectual russo por causa do seu carácter tacanho ou sectário. No interior da in telligentsia russa, muito sensível às complexidades humanas, a mensagem de Tolstoi, que exaltava um amplo fraternalismo, tinha uma maior influência.

O objectivo dos bolcheviques é a revolução burguesa. Na realidade, estão convencidos, com Lenine à cabeça, que a revolução burguesa é anterior à revolução socia­lista . É necessário que o capitalismo, a burguesia e o proletariado se desenvolvam para que este último, reforçado em número e em força, possa derrubar a sociedade burguesa. Durante a guerra, as nun1erosas derrotas russas provocam uma revolução democrática, geram o derrube do czarismo e a subida ao poder do socia l-democrata Kerenski. Kerenski revela-se tão inca­paz de fazer a guerra como de negociar a paz. O seu insucesso acentua a desmoralização das tropas e pro­voca uma manifestação operária em Petrogrado - antiga Sampetersburgo e futura Leninegrado. Os bolchevi-

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ques seguem o movimento e impõem muito habilmente esta dupla palavra de ordem: «a terra aos camponeses», o que evidentemente incendeia os mujiques mobili­zados, e «todo o poder aos sovietes», isto é, aos conse­lhos operários que se haviam formado nas fábricas de Petrogrado.

Surge então um acontecimento de extrema impor­tância: as teses de Abril de Lenine, onde afirma que finalmente é necessário evitar a revolução burguesa na Rússia. Sendo a Rússia o elo mais fraco do mundo imperialista e capitalista, uma revolução neste país desencadearia a revolução social nos grandes países industriais como a Inglaterra, a Alemanha e a França. Lenine tem muita dificuldade em convencer os seus amigos bolchevi ques da legitimidade desta tese, porém acaba por conseguir. Então prepara o golpe de Estado de Outubro. Em Petrogrado, os sovietes, ajudados pe­los soldados amotinados, tomam de assalto os palácios e os edifícios do poder. Esta revolução é levada a cabo não só por bolcheviques, mas também por anarquistas e socialistas revolucionários que partilham da sua visão. São convocadas eleições para eleger uma assembleia constituinte, a primeira assembleia democrática na Rús­sia. Tendo os bolcheviques ficado em minoria, Lenine dissolve logo esta assembleia.

A guerra civil desencadeia-se e as tropas brancas tentam retomar Petrogrado. A intervenção estrangeira surgirá a partir do fim da Primeira Guerra Mundial. Nestas condições, um processo de extrema radicaliza­ção inicia-se muito cedo. Os anarquistas são varridos, acontecendo o mesmo aos socialistas revolucionários; o partido bolchevique transformar-se-á num partido único que dirige a Rússia transformada em União Sovié-

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tica. Mas a situação económica é catastrófica, a fome ameaça por todo o lado. Lenine decide então instaurar a NEP, nova política económica. Trata-se de deixar um certo lugar à economia de mercado, de dar um pouco de liberdade aos pequenos camponeses, empresários e comerciantes. Isto favorece um início de reconstrução económica. Mas· a NEP será suprimida por Estaline em 1930.

No decurso dos anos entre 1920 e 1924, depois da vitória sobre o exército branco e o abandono da inter­venção estrangeira, não se criou na União Soviética um novo tipo de sociedade, uma sociedade fundamentada em relações fraternais. A constituição de um verdadeiro poder do proletariado não existiu mas, muito rapida­mente, é o partido que não só controla como reprime a classe operária. Sob a capa de uma ditadura do prole­tariado, foi uma ditadura sobre o proletariado. Em 1921, os marinheiros da cidadela de Kronstadt revol­tam-se, pedem a aplicação de um programa verdadei­ramente popular, socialista e democrático. Trotsky, chefe d o exército vermelho, manda massacrá-los impiedosa­mente. � · . ��$�(.'Fcya,c,�;�ypJ�çil;o russa,éJurida-���Q��te k<t;tltt:iral,. porqu� não exisJe cultura ,sodaiista. Também não há revolução mundial. Esta ausência permitiu o sucesso do estalinismo, que abandona totalmente a perspectiva revolucionária mundial e só pensa na edi­ficação do socialismo num só país, por intermédio do desenvolvimento industrial. Este fracasso da ideia socialista, fraternal e humanista é mais ou menos aná­logo ao fracasso espiritual do cristianismo que, ao ins­tituir-se, desfigurou a mensagem original de Cristo. Jesus havia dito aos discípulos que voltaria às suas vidas.

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Durante quase um século, os discípulos e seus descen­dentes viveram persuadidos de que o fim dos tempos estava próximo, que a sua grande noite estava pró­xima. Quando se tornou patente de que não existiria a grande noite, realizaram a construção de uma Igreja hierarquizada, organizada, potencialmente «totalitária» num determinado sentido. Assim, (i>;e�'l'�<:�15�9 qi;l;1;1,'\�-

c;Sagem redentora de Jesus provocou o triunfo da Igrej<r

católica;. Podemos dizer que, do mesmo modo, �,insU.-l� c�ssp cultural do socialismo na União Soviética provo;. <+<Wair j��o realf e o espectacular "

desenVolvirrü�fifó da-sua força sob a férula de Estalinê.

Instala-se, pela primeira vez, um fÍstema totalitárib. O que significa isto? Primeiro, que todos os elementos ' na sodedade civil, política, económica, culturaif, pedá­·gógica, a que se juntam polícia, exército, . juventude, são controlados e dirigidos pelo partidd. 5imultanea-"r mente, este torna-se omnisciente e omnipotent,e. o par­tido e os seus dirigentes são tidos como detentores do conhecimento supremo das leis da sociedade e da his­tória, conhecimento próprio do marxisrno-leninismo. O · totalitarismo não é portanto o controlo hipertrófi'co do Estado. É a instauração de um partido que tem um enorme poder e que controla o Estado. O Estado não é ' mais do que um instrumento nas mãos de um partid'o que controla tudo. 9 totalitarismo pode ser definido corno urna · organização total a partir de um partidó 'nnico. Da mesma maneira que um sistema teocrático se fundamenta num faraó-deus que tudo sabe e tudo pode, o totalitarismo assenta num sistema em que os diri­gentes devem saber tudo, dispor de um conhecimento verdadeiro e lúcido. Sobre este saber que se afirma

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como absolutamente verdadeiro, elabora-se um poder absoluto.

É importante referir que aqui não existe determi­nismo histórico. A revolução de Outubro não devia produzir necessariamente o totalitarismo estalinista, tal como nenhuma «lógica» do próprio marxismo, ou do leninismo, devia obrigatoriamente conduzir à bar­bárie totalitária . O totalitarismo não era previsível, não foi sequer pretendido consciente e intencionalmente, como acreditam os que reduzem sempre a h istória a uma série de conspirações. Alguns elementos do mar­xismo permitiam o desvio totalitário, enquanto outros conduziam a outras vias. Aliás, este desvio nem sequer foi teorizado por Lenine. Pelo contrário, em O Estado e a Revolução, anuncia que as consequências da revolu­ção serão o enfraquecimento e a supressão do Estado. Na realidade, o sistema soviético instala-se na sequên­cia de uma série de perturbações históricas. Em parte, manter-se-á devido ao atraso mental da burocracia czarista da qual é herdeiro e pelo cerco capitalista que vai reforçar as suas tendências obsidiantes .

. 'Mussolini primeiro foi socialista. Em 1919, funda os «Fachos de combate». Ainda não era um partido mas, em condições extremamente tormentosas, a reunião em ligas de antigos combatentes e sindicalistas. O ele­mento nacionalista é virulento, exacerbado pelas de­cepções provocadas pelo tratamento tido como injusto da Itália da pós-guerra. O tratamento tinha o efeito de verdadeira humilhação, uma vez que a Itália estava nas fileiras dos vencedores. Mussolini ascende ao po­der em 1922 . Na sequência d a marcha sobre Roma, o rei Victor Emmanuel 111 é obrigado a confiar-lhe o poder. O parlamentarismo é mantido até 1925, porém,

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após o assassm10 de Matteotti pelos fascistas, as leis «fascistissimes>> organizam a ditadura com base num partido único. No entanto, este totalitarismo continua inacabado, ainda subsiste um pequeno sector abri­gando a realeza, um compromisso com a Igreja e a econo­mia capitalista continua a funcionar. Mas o que aqui convém realçar é a componente nacionalista. Ç fáscismó italiano é um nacional-fascismo (f, como o nazismo, um ' ;<lcÚmal-socialismo.; Na realidade, nasce a pa rtir de condições econômicas desastrosas do pós-guerra, mas também, e sobretudo, de sentimentos nacionalistas desi­ludidos e exacerbados.

Hitler, austríaco, alistou-se no exército bávaro durante a Primeira Guerra Mundial. Juntou-se a um pequeno par­tido em 1925, o Deutsche Nationalsozialistische Arbeiter Fartei (DNSAP), o partido nacional-socialista alemão dos trabalhadores. Encontramos aí ainda a ideologia socialista e a ideologia nacional fortemente ligadas. Em 1924, depois de um putsch falhado em Munique, Hitler elabora na prisão a sua doutrina no Mein Kampf Este texto contém efectivamente aspectos fundamentalmente racistas, anti-semitas, e igualmente a ideia de que a Alemanha deve conquistar o seu «Lebensraum», o seu espaço vital. Insurge-se contra o facto de a Alemanha ter sido privada das suas colônias em África ou alhures. Portanto, o espaço vital da Alemanha será a Europa de Leste. Uma vez que a teoria racista afirma a superio­ridade dos arianos alemães e a inferioridade dos Es­lavos, é de algum modo a Ucrânia que se deve oferecer à colonização alemã. O DNSAP continuará a ter pouca importância até às eleições de 1 930, após as quais cento e trinta deputados nazis são eleitos para o Parlamento. Como podemos explicá-lo?

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A grande crise económica mundial, nascida em 1 929 em Wall Street nos Estados Unidos, rebentou na Ale­manha de forma espantosa. A Alemanha era na altura o país mais industrializado da Europa e esta crise, atin­gindo todos os sectores da sociedade, colocou no de­semprego uma grande parte da classe operária. A estas condições de desemprego, de crise económica, acres­centa-se a humilhação nacional. O tratado de Versalhes privou a Alemanha de territórios germanófonos, em particular uma boa parte da Prússia Oriental que foi entregue à Polónia, criando assim o corredor de Dantzig. Mas, sobretudo, surge o enfraquecimento da democra­cia de Weimar. A desunião dos democratas permitiu a Hitler não a aquisição de uma maioria absoluta no Parlamento, algo que nunca obteve, mas o aumento das suas forças e representatividade. Quando se candi­data à presidência da República perde. É Hindenburg que é eleito.

Hitler negaceia então com os partidos de direita para obter uma maioria. O estratagema funciona e é chamado para o lugar de chanceler pelo presidente da República. Tudo isto se passa no seio de uma desunião catastrófica. O partido comunista da época tem como inimigo principal a social-democracia. Os comunistas acreditam que se Hitler chegar ao poder, a sua incapa­cidade para resolver os problemas sociais e económi­cos permitir-lhes-á a ascensão a esse poder. É nestas circunstâncias, e num quadro legal, que Hitler é nomeado chanceler do Reich pelo marechal Hindenburg em 30 de Janeiro de 1933.

Rapidamente decreta a dissolução dos partidos co­munista e socialista, e a partir de 1 933 é criada a Ges­tapo. É decidida a instalação de campos de concentração

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para os opositores e em Junho d e 1933, portanto muito pouco tempo a pós a sua ascensão a o poder, p roclama o partido nazi como partido único. As SS e a s SA, gru­pos m ilitarizados, asseguram-lhe já uma indubitável força . Tudo isto permite-lhe não só operar uma vio­lenta depuração entre os seus opositores políticos, mas também p romulgar as primeiras medidas antijudaicas e exercer as primeiras perseguições. Um certo número de j udeus deixa a Alemanha. Nesta altura, Hitler não procura ainda cortar-lhes a fuga, mas isolá-los e margi­nalizá-los .

A oposição a Hitler é muito forte quando a scende ao poder nesta Alemanha democrática de Weimar, mas, contrariamente às previsões dos políticos, o su­cesso económico dar-lhe-á uma enorme popularidade . Mesmo antes do boom da indústria do armamento, o Dr. Schacht, ministro da Economia de Hitler entre 1934 e 1937, consegue com receitas económicas não ortodo­xas voltar a pôr em movimento a máquina industrial e eliminar o desemprego. Frequentemente esquecemos este factor do sucesso económico que constituiu um enorme trunfo para o hitlerismo. O facto de a econo­mia alemã ter podido funcionar até ao fim, incluindo nos momentos dos piores reveses militares e apesar dos assombrosos bombardeamentos dos aliados, de­monstra bem até que ponto o factor industrial e econó­mico foi importante. Mas o nazismo foi também sus­tentado por uma série de sucessos no campo político. A remilitarização do Ruhr foi uma etapa determinante. Os Franceses não reagem quando o exército alemão volta a ocupar este território. Outro exemplo é a ane­xação da Áustria, o Anschluss. Quanto à anexação dos Sudetas, esses maciços montanhosos que constituíam

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os bastiões da Checoslováquia e maioritariamente po­voados por Alemães, foi um grande golpe de a udácia e de cinismo por parte de Hitler. Pelos acordos de Mu­nique, que violavam abertamente os compromissos da França e da Inglaterra perante a Checoslováquia, Hitler consegue obter dos Ingleses e dos Franceses a união dos Sudetas à Alemanha. De imediato, a Wehrmacht invade a Checoslováquia, anexando 30 000 km2 do seu território.

Num país como a França, com uma forte tradição pacífica de esquerda e marcado pela experiência da Primeira Guerra Mundial, o elemento mais determi­nante é a vontade pacifista . Mas face a estas conquistas hitlerianas, o campo da paz está ex tremamente divi­dido: para uns, Hitler realiza o direito dos povos a dis­por de si mesmos, para outros esta militarização e este apetite de anexação são, ao mais alto ponto, inquietantes.

-'f.'?il:lp;(o, 'é>· um ''f5todtito· ··catastrófico :da:··:lparbárif �uropeia e tem a sua fonte na nação mais culta· da &tr­topa;. Os grandes poétas como Goethe, os grandes ml-Í-

lsicos como Beethoven, as tradições democráticas qqé �xistiam muito antes da Primeira Guerra Mundial, nã91 foram suficientes para conter a barbáriê. Este facto im­pressionou muitas vezes os espíritos, mas não convém dar-lhe muita atenção. Não ao ponto de esquecermos, em todo o caso, que 'rstalinismo, fascismo e n,azismq, �e de facto nascem da civilízação, incluindo das sua� l!laiores produções, apenas emergem de situações hfs­tóricas determinad�s. S&o essencialmente consequêq­cias da Primeira Guerra Mundial. Noutras condiçõ�s, talvez também com alguns acasos felizes, os rnesmqs fermentos de civilização teriam podido evitar o totali-;; tarism�. Sem a Primeira Guerra Mundial, não teria exis-

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tido comunismo, fascismo, nazismo. Sem a crise de 1929, não teria existido o sucesso político nazi em 1933. Foram a guerra e a crise que levaram Hitler ao poder. O nazismo é um produto retardado da Primeira Guerra Mundial, tal como o comunismo é dela um produto ime­diato. Juntos, serão os co-produtores da Segunda Guerra Mundial.

Vendo que, na realidade, os Ocidentais, em Mu­nique, capitulavam perante Hitler e receando que final­mente não se entendessem, deixando as mãos livres a Hitler, Estaline antecipa e assina o pacto germano­-soviético por intermédio de Ribbentrop. Este pacto implica que a Alemanha vá atacar a Polónia, mas con­tém igualmente um certo número de cláusulas, como a da ocupação da Polónia pela União Soviética e a do domínio dos países bálticos, a Lituânia, a Estónia e a Letónia. Graças a este entendimento, Hitler fica com as mãos livres a Leste e pode lançar na Polónia a sua guerra relâmpago. Depois chega a campanha da França e a desintegração do exército francês. Efectivamente, foi o pacto entre os dois totalitarismos que desencadeou a Segunda Guerra Mundial.

Abordemos a famosa questão da avaliação recí­proca dos totalitarismos hitleriano e estalinista. Desde logo, podemos observar uma evidente diferença nos fundamentos ideológicos destes dois sistemas. A ideo­logia comunista é internacionalista, universalista, igua­litária; a ideologia nazi é racista. As intenções do nazismo foram reveladas a partir do Mein Kampf en­quanto a ideologia fraternal do comunismo, explícita no evangelho que é o Manifes to do Partido Com unista de Marx, mascarou durante muito tempo os crimes do totalitarismo soviético. Milhões de seres humanos esta-

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vam convencidos de que os Soviéticos eram livres e felizes. Um outro ponto de comparação reporta ao nacionalismo e, também aí, muitos serão tentados a considerar que este ponto demonstra uma diferença na barbárie, diferença essa menor, ao que parece, no sis­tema estalinista. É verdade que o nacionalismo está na origem do nazismo, enquanto o internacionalismo está na base da revolução soviética . No nacionalismo nazi, o antijudaísmo desempenha um papel fundamental. De algum modo, serviu de cimento para este sentimento nacional, segundo a lógica do bode expiatório d escrita por René Girard . Contudo o internacionalismo não estava ausente do nazismo. No fim da guerra, existiu um europeísmo das SS: alguns são noruegueses, outros franceses, etc . Partilham o mito de uma Europa nacio­nalista, mas sempre assente na base de um racismo de exclusão pelo qual todos os elementos heterogéneos seriam rejeitados.

O totalitarismo soviético não tinha na origem uma base nacionalista e a parte antijudaica, inicialmente, era inexistente. No seio do partido bolcheviqtie, inclu­sive, existia um grande número de j udeus, a começar por Trotsky. Por outro lado, a Libertação, com o horror causado pela descoberta dos campos de extermínio, impediu os fenómenos de rejeição que já começavam a manifestar-se. No entanto, progressivamente, os judeus vão ser marginalizados no seio do Komintern (Estaline, após a pretensa conspiração dos «camisas brancas», encarava até a possibilidade da sua deportação para a Sibéria) e, durante a guerra fria, o antijudaísmo, a de­núncia d o «cosmopolitismo judeu», nunca serão dissi­mulados. Vemos assim que, tp)!�tM'tésc�a'C>'�êÍÚ"R�.l'':da,o

lbàrlJárie de intolerância e de exClt1são'db dtlttb,' os doj's

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lii&t�m.4,�,�bora �e inspiração muito diferente, aó:í­pam por conv-ergtr: Mais à frente falarei da barbárie exterminadora mas, desde j á, posso dizer que também neste a specto as coisas são comparáveis.

Agora, é necessário abordar a questão do racismo nazi e procurar compreendê-lo. É evidente que a associação do nacionalismo com o racismo não é uma invenção nazi. Em todos os nacionali���,�'ª'*t-ad�WfC!I:""'irulen­tos existem germes racistas( M esmo na Espanha da Reconquista encontramos, como tentei demonstrar, o tema da pureza do sangue. Mas para que possamos ' realmente falar de racismo é necessário que surja umà' concepção racial legítim<W, validada pela antropologia F

êientífica. Acontece porém que a ciência antropológica, não sendo nazi, sustentou durante muito tempo que as raças eram qualitativamente distintas, afirmando a supe­rioridade de algumas. Lembro-me que, nos manuais de geografia da minha infância, a raça branca era definida por qualidades eminentes, enquanto os «Negros» eram apresentados como preguiçosos e indolentes, os «Ama­relos» como hábeis e astutos. O homem branco, can­tado por Kipling, evoca este racismo latente.

Uma certa antropologia, como a ilustrada por Georges Vacher de Lapouge (1854-1936), desenvolveu o tema da superioridade da «raça ariana» d esde o século xrx. Sabemos que Gobineau também sustentou esta superioridade e que, por intermédio de Wagner, in­fluenciou Hitler. Chamberlain, que em 1899 escreveu os Fundamentos do Século XIX, pretendeu fundamentar cientificamente a superioridade racial dos arianos. Elaborou a teoria de um racismo que ainda não era sis­tematicamente hierárquico. Todavia, é ele quem intro­duz o critério da pureza do sangue na definição de «raça

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ariana», considerando o judeu como um sangue-cru­zado, portanto biologicamente inferior. As coisas irão assumir, pouco a pouco, um aspecto muito grave, sur­gindo o anti-semitismo (racial) na peugada do antiju­daísmo (religioso). O antijudaísmo pode ser violento e bárbaro, inspirando pogroms e execuções na fogueira . Mas como privilegiava a dimensão religiosa, os judeus que sinceramente se convertessem eram poupados. O anti-semitismo é uma atitude de rejeição do judeu en­quanto racialmente outro (diferente).

O anti-semitismo combate a suposta perversidade radical e racial dos judeus. Esta raça pervertida seria portadora de um vírus que se arriscava a desintegrar as. essências nacionais. Assim, vemos de que modo o anti-semitismo funcionou como um delirante meio de salvar as essências nacionais do perigo de d'�solução e de corrupção. Neste processo, as ideias racistas po� certo desempenharam o importante papel que acabo i de assinalar, porém é necessário f!fíO esquecer o pesq dos factores históricos, ecofiõrni�os, b clima de desast!Íe humano da Primeira Guerra MundiaU Seria demasiado

:- ·,- ·,···--·- .,, ... .. , .... . .. . . - .............-� ...

fácil se a barbárie pudesse estar só nas ideias. Sabemos bem que existiu um anti-semitismo fran­

cês que se desencadeou particularmente por ocasião do caso Dreyfus. O livro de Édouard Drumont, La France ju ive, publicado em 1886, apresenta os judeus como agentes do mal, tendo-se infiltrado em toda a socie­dade e colocando-a em perigo. Este caso não despertou apenas estes vestígios de barbárie. Despertou também uma grande tradição republicana e humanista, cuja luta encarniçada permitiu provar a inocência de Dreyfus. Os dreyfusards sobrepuseram-se aos antidreyfusards. A vingança dos antidreyfusards apenas reaparecerá por ocasião do governo de Vichy. O anti-semitismo conhece

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então na França republicana uma paragem, ou melhor, uma contenção. Os anti-semitas não se enfurecem menos . Focalizam-se no judeu emancipado, já reconhe­cido como cidadão, assimilado pela sociedade. Aos seus olhos, ele seri a mais perigoso pelo facto de ter ar de ser como os outros não o sendo. Possui uma «inquietante estranheza>> . Quanto mais os judeus se assemelham aos outros, mais se tornam uma ameaça portadora de tudo o que desintegra uma nação: são judeo-bolcheviques, judeo-capitalistas, judeo-maçónicos, etc.

Face aos ataques anti-semitas, tentando ignorá-los ou opor-se-lhes, os judeus desenvolveram pelo menos três tipos de reacção. O primeiro tipo manifesta-se naqueles que se sentiam integrados, que se reconhe­ciam na categoria de cidadão, participando na existên­cia nacional como os judeus Alsacianos ou do Midi. Consideram-se franceses, uma vez que a França os re­conheceu como tal. A França não era apenas a pátria dos Gobineau, dos Lapouge e dos Drumont, era tam­bém, e sobretudo, a França da integração que defende os direitos do homem e do cidadão e que levou de ven­cida os perseguidores de Dreyfus. Mas, apesar de tudo, existia neles uma bipolaridade que lhes fazia sentir, muitas vezes inconscientemente, o carácter d emasiado estreito do quadro nacional. Daí o segundo tipo de reacção: alguns desenvolveram conscientemente um metanacionalismo. Sentiram-se motivados por uma vontade de ultrapassar a nação. Por um lado, porque estavam convencidos de que, qualquer que fosse o quadro nacional, existiam sempre tendências antiju­daicas que os rejeitariam, por outro lado, pela inclina­ção universallsta. O internacionalismo vai surgir-lhes como a solução para evitar os perigos do nacionalismo.

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O socialismo vai alimentar o sonho de uma outra socie­dade e de um outro mundo. Este sonho era o de D. Qui­xote, imaginado pelo cristão-novo que era Cervantes. Por um lado, então, o pólo da integração nacional e, do outro, o do internacionalismo. Uma terceira reacção desenvolve-se lentamente à volta do pólo sionista. Em parte, o sionismo encontra a sua origem no caso Dreyfus. Um jovem j ornalista húngaro, Theodor Herzt assiste à cerimónia de despromoção do capitão Dreyfus. Emo­cionado e revoltado pelo clima de ódio anti-semita, chega à conclusão de que os judeus não devem pro­curar mais a integração mas criar o seu próprio Estado nacional. Muito rapidamente, os sionistas vão criar colónias na Palestina. Este movimento vai ampliar-se, ultrapassando várias etapas, até à construção do Estado de Israel.

Entretanto, aconteceram os extermínios da Segunda Guerra Mundial na Alemanha. O paradoxal é que mui­tos dos judeus alemães se identificavam grandemente com a nação alemã. Durante uma visita a Haifa, em Israel, tive a oportunidade de me encontrar com uma grande colónia de emigrados judeus alemães. Ao que parece, muitos teriam chorado com o anúncio da der­rota alemã de Estalinegrado.

Como explicar agora, ou tentar explicar, o desenca­deamento último da barbárie, o d o extermínio propria­mente dito? A partir de 1 935, ano d a promulgação das primeiras leis anti-semitas, limitam-se a despojar os judeus, a negar-lhes a cidadania, a proibir-lhes os casa­mentos com os «arianos» . Em 1941, a dominação nazi sobre a Europa é total. Têm lugar uma série de massa­cres locais, quer perpetrados pelas SS quer pelo exér­cito. Paralelamente, os nazis criaram guetos, como os

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de Varsóvia ou de Cracóvia. A vontade nazi era ainda de expulsar da Europa todos os judeus. É encarada a opção da sua deportação massiva para Madagáscar. Nesta ilha, foram efectuados estudos para verificar que não existiam muitas riquezas n o subsolo. Este p rojecto de expulsão massiva faz-nos lembrar a dos mouriscos no século xvn . A reviravolta, que culmina na solução final de extermínio, situa-se no final do ano de 1941 e início de 1942 . E m Setembro de 1941, b loquead o por um Inverno precoce e extremamente rigoroso, o exér­cito alemão não conseguiu entrar em Moscovo. En­tretanto, Estaline, tendo tido conhecimento pelo seu espião Richard Sorge que os Japoneses não atacariam a Sibéria, fez retroceder os contingentes do Extremo Oriente. Entrega o comando da frente de Moscovo ao muito eficaz Joukov. A 6 de Dezembro de 1941, inicia­-se a contra-ofensiva soviética que irá durar de Janeiro a Abril e empurrar 350 km para Oeste as tropas alemã s . É o primeiro recuo militar que Hitler conhece. A 7 d e Dezembro, o s Japoneses atacam Pearl Harbor e os Estados Unidos entram na guerra . Pela primeira vez, Hitler concebe a ideia de derrota. Uma interpretação plausível seria supor que Hitler pretendia evitar que a derrota nazi se transformasse no triunfo dos judeu s . Decide liquidá-los. A «solução final» é posta e m mar­cha a 20 de Janeiro de 1942 . A partir da Primavera de 1942, iniciam-se as deportações e extermínios em massa dos j udeus. É verdade que no Mein Kampf Auschwitz já estava potencialmente descrito e que o racismo exa­cerbado do nazismo trazia em si, potencialmente, o extermínio. Foi necessário esperar pelo paroxismo da Segunda Guerra Mundial ��'l1'tiil'S;n;ta!'\'1�él;r;�çli{� para que esse extermínio se produzisse em factos e de forma sistemática.

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Não esqueçamos que o ódio racial e a vontade de extermínio dos nazis não se concentravam apenas nos judeus. Se estes são eliminados sob o pretexto da per­versidade e da impureza do sangue, os Ciganos e os Rom sê-lo-ão sob o pretexto de serem «lixo» a eliminar, por serem os «débeis mentais» indignos de perten­cerem à raça ariana. Os eslavos, não sendo expressa­mente condenados ao extermínio, são, em todo o caso, destinados a ser colonizados e explorados.

Sabemos que esta obra de extermínio dos judeus, o destino que lhes foi reservado sobretudo em Auschwitz, foi ocultada, ou mais ou menos ignorada, em França, até ao dia seguinte ao do fim da guerra . Para isto podem existir duas razões: primeiro, em França existi­ram 86 000 deportados políticos e 75 000 deportados judeus. Nos outros países, os judeus foram deportados numa percentagem de 60 % a 75 %, o que constitui uma percentagem nitidamente mais elevada. Na Bulgária, encontramos mais judeus no final da guerra do que no seu início. Por que razão só este país e a França não foram tão atingidos? Na Bulgária, sob a pressão da intel­ligentsia parlamentar, o rei recusou dar a Hitler a per­missão para deportar os judeus do seu país. Em França, as convicções republicanas e humanitárias conduziram muitos cidadãos a esconder os judeus e a Resistência for­neceu-lhes documentação falsa. A maioria dos judeus deportados de França nunca regressou. Quando foi criada, a Federação Nacional dos Deportados Repatriados Pa­triotas, a FNDIRP, reagrupou os deportados, os interna­dos e os resistentes. Os judeus, considerados «patriotas», não foram contabilizados como tal na FNDIRP

H oj e em dia, o reconhecimento do extermínio dos judeus europeus desenvolve-se paralelamente à auto-

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-afirmação de uma identidade judaica, favorecida pela existência de Israel. A evocação do mártir judeu sacri­ficado em Auschwitz serve, cada vez mais e de certa forma, para proteger o estado de Israel contra os que o vêem como opressor dos Palestinianos. Aquando da comemoração da libertação de Auschwitz, a 27 de Janeiro de 2005, assistiu-se a uma espécie de exposição excessiva do mártir judeu, esquecendo Ciganos, Eslavos e resistentes. Esta exposição excessiva foi muito bem sublinhada quer por Annette Wieviorka, quer por Simone Weil. Annette Wieviorka, no seu livro A uschwitz, 60 anos depois, recorda a composição do campo: inter­nados políticos, criminosos, homossexuais, testemunhas de Jeová, pri sioneiros de guerra soviéticos, judeus. Evoca também a dificuldade que existe para introduzir a qualificação «crime contra os Ciganos».

O resul tado desta comemoração, centrada exclu­sivamente no mártir j udeu, foi a petição, vinda dos Negros tanto da Martinica como da África negra, para um reconhecimento da barbárie que foi também a escravatura. No que diz respeito à Argélia, tivemos um reconhecimento tardio do massacre de Sétif. Durante a guerra da Argélia, foram perpetrados massacres por ambas as partes. Mas era a França que mantinha a Argélia sob a tutela da colonização, daí um pedido de reconhecimento por parte da Argélia.

Assim, podemos dizer que ���a);;:ra<i€>r;daç� ç1"-��limã'§d:g''rtaz:ismcr, ·mas·tambétit .dà··da éséràvit!ã� da:s pópúlaÇõés africanas deportadas e da da oprêssã'o colonial, o que vem à consciência é a barbárie dé uma

Europa ocidental, que se manifestou pela escravidão &

pela servidão dos povos colonizados, sendo o nazismor> o seu último estádio. O nazismo combatia as raças que

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declarava inferiores, corrompidas e impuras: os Esla­vos eram inferiores, os Ciganos impuros, os Judeus simultaneamente impuros, inferiores e perversos. Mas não separemos os mártires judeus · de todos os outros mártires da barbárie.

Para terminar, queria insistir na ideia de que é necessário�y-itât:Jecharmo-nos num pensamento bin!l­tio! isto é, um pensamento obnubilado por um único pólo de atenção em detrimento de outros . Se insistir­mos demasiado só em Auschwitz, corremos o risco de minimizar insidiosamente o goulag e de silenciar outras barbáries . Se nos limitarmos unicamente ao factor quantitativo, o número de mortes provocadas pelo sis­tema concentracionário soviético foi muito maior. O gou­

lag durou muito mais tempo do que o período de extermínio nazi que começa em 1 942 e termina no iní­cio de 1 945. Aliás, este período acabou numa heca­tombe dos sobreviventes reunidos tragicamente em poucos dias. O tifo e as longas caminhadas esgotantes, sob a condução das SS, para fugir ao avanço dos Aliados foram horrivelmente mortais. Quando os Aliados che­gam às portas de Dachau, deparam-se com amontoa­dos de cadáveres. Ficou então a impressão de que o horror nazi se limitou a este efeito de empilhamento de corpos. Na realidade, isto tinha a ver com o facto da má­quina de extermínio e eliminação ter parado. Os fornos já não funcionavam, os cadáveres empilhavam-se. Po­rém, o horror nazi tem menos a ver com o empilhamento de cadáveres do que com o funcionamento desta má­quina de morte aperfeiçoada. Não é necessário que uma imagem, por mais horrível e gritante que seja, nos esconda a realidade. É um pouco o que se passa. O geno­cídio judeu é-nos apresentado como sendo mais horrí-

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vel do que o extermínio massivo que foi o goulag, do qual não tivemos imagens e que d u rante muito tempo foi ocultad o. Tudo isto para dizer que a tendência para negar o goulag em proveito de A uschwitz ou, obvia­mente, o contrário, não tem efectivamente sentido. Assim, &!t[Sõ�ntíêmôs'â.á'bãrl:Járiê mé:hfal que, para mi!

ií.imizar consCiente Ou inconscient�mente os crimes d(':)' estalinismo, faz do hitletismo o horror supremo e absó'!0:• luto;J

É a uma nova tei.laillUii���-�>@··k'blma,Hist15r··que·deverfr ê:onduZir as trágicas experiências do século :JGX: que a barb;irie seja. reconhecida pelo que é;< sem simplificá­·ções 'oli falsificações de qualquer espéciefO importante não é o arrependimento mas sim o reconhecimento,lEste reconhecimento tem de passar pelo conhecimento é pela consciênci� . É necessário saber o que realmente se passou, ter consciência da complexidade desta colossal tragédia. Este reconhecimento d eve respeitar todas as vítimas: Judeus, Negros, Ciganos, homossexuais, Ar­mênios, colonizados da Argélia ou de Madagáscar. Este reconhecimento é necessário se pretendermos ultra­passar a barbárie europeia.

É necessário ser capaz de pensar a barbárie europeta para ultrapassá-la, pois o pior é sempre possívE}t No âmago do deserto ameaçador dá barbárie, estamos, dê momento, sob a relativa protecção de um oásis. Mas também sabefuos que nos encontramos em condições

histórico-político-sociais que tornam o pior exequível, pattícularmente em períodos paroxísticos!

Por detrás das próprias estratégias que deveriam contrariá-la, a barbárie ameaça-nos. O melhor exemplo é Hiroxima. A ideia que conduz a esta nova barbárie é a aparente lógica que coloca na balança os duzentos

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mil mortos devidos à bomba e os dois milhões, entre os quais quinhentos mil GI, que teriam sido o preço do prolongamento da guerra por meios clássicos - se cal­cularmos os resultados a partir de uma extrapolação das baixas sofridas só pela tomada de Okinawa. Antes de mais, é necessário dizer que estes números foram propositadamente aumentados e, sobretudo, que não é preciso ter medo de colocar em evidência um factor decisivo que muito pesou na decisão de recorrer à bomba atómíca. Na consciência do presidente Truman e de muitos Americanos, os Japoneses não passavam de ratos, sub-homens, seres inferiores. Por outro lado, temos presente um facto de guerra com um ingrediente de barbárie suplementar: os extraordinários progressos da ciência colocados ao serviço de um projecto de eli­minação tecnocientífica de uma parte da humanidade. Repito-o, o pior é sempre possível.,!

Por conseguinte, no que diz respeito à Europa/de­vemos evitar a todo o custo a boa consciência, daqo esta ser sempre uma falsa consciênciq,' O trabalho de memória deve deixar refluir para nós a obsessão das barbáries: servidões, tráfico de Negros, colonizações, racismos, totalitarismos nazi e soviético. Esta obsessão, integrando-se na ide ia de Europa, faz com qu� integr,e­tnos a barbárie na consciência europeial Esta é uma condição indispensável se queremos superar novos perigos de barbárie. Mas como a má consciência tam­bém é uma falsa consciência, o que nos faz falta é uma ytupla conscíência.JtJa consciência da barbárie deve il1$e­

grar-se a consciência que a Europa produz, pelo Hum�­nismo, pelo universa:trs-mõ·1q5élàascensão progressivq qe uma .consciência planetária, os antídotos para a sua própria barbárie1 Esta é a outra condição para superar os riscos, sempre presentes, de novas e piores barbáries.

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Wa.dª'éi4'±J.télfãr'gíkfé'1Je1:as condições democráticas hu­·,manistas devem regenerar-se permanentemente pâra não degenerare11f. A democracia tem necessariamerit'e de se recriar em permanência. Pensar a barbárie é éõ:h� j:ribuir para a regeneração cf<thu.mattl�ffl(j'i�(');''ê"l"l'!§f� tir-lhe.

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ÍNDICE

CAPÍTULO 1 - BARBÁRIE HUMANA E BARBÁRIE E UROPEIA 9 CAPÍTULO 2 - OS ANTÍDOTOS CULTURAIS E UROPEUS . . . . . 29 CAPÍTULO 3 - PENSAR A BARBÁRIE DO SÉCULO XX . . . . . . . 49

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-®-EPISTEMOLOGIA

E SOCIEDADE

I INEVITÁVEL MORAL Paul Valndier

2. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO COMPLEXO- (4." edição) Edgar Marin _

3. CONTIUBUlÇOES DE 11-lOMAS KUHN PARA UMA EPISTEMOLOGIA DA MOTRICIDADE HUMANA Amw Mnrin Fát,ISa

4. TOXICODEPENDÊNCIA E AUTO-ORGANIZ.AÇÃO João Eduardo Marques Tnxl'ira

5. TERRA-PÁ TRJA Edgar Mann I Annc BngJI/t' K!'m

6. NAS RAIZES DO UNIVERSO En�n LAszlo

7. O TERCEIRO JNSTRUIOO Midrt'l Sr·m>:.

S COM RAZÃO OU SEM ELA Hmri AtUm

9. O HOMEM E AS SUAS TRÊS ÉTICAS Stt'plume Lupasro

10. TUOO, NÃO, TALVEZ Hwri Allim

1 1 A UTOPIA DA COMUNICAÇÃO P/lilif'Pt' Bn·tvn

12 O XIo MANDAMENTO Andrl• Gluà;;mnnn

13 CRíTICA DA COMUNICAÇÃO Luátn Sfl>z

14. JEAN PJAGET E O SUJEITO DO CONHECIMENTO fosi' Luís flmndlla dn Luz

1 5 A INTELIGÊNCIA DA NATUREZA Mtdwl l..i!my

1 6 CRITICA DA MODERNIDADE Aln111 T r.mmi111'

17 OLHARES SOBRE A MA TÊRIA Dmwrd d'EsJlilí;lltll I [/11'11/lC Klr·u,

18 EVOLUÇÃO , Eroin Llçz/o

!9. A CRIAÇÃO DA VIDA Mrdlt4 Boumn . .;

20 DA EPISTEMOLOGIA Á BIOLOGIA Mnriil Manul'l Araújv /tlrge

21 INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA - (2 ' ed•çàu) Mic/u•llt• Lt.'t'sard-Hébcrl I Gabrid Goyl'tf I Gérnld Bmlfm

22. O CONTRA TO NATURAL Mirhd Sarr:-

23 AS TECNOLOGIAS DA INTELIGENCIA Pinrr Liuy

24. A CONVERSÃO DO OLHAR M1cfrc/ Barnt

25 O PODER E A REGRA Erhard Fried/Jcrg

26. A COMUNICAÇÃO Lucien Sfi'Z

27. A MÁQUlNA UNIVERSO Pirrre Lh'lf

18 O VINCULO E A POSSIBILIDADE Mnurv (cru//

29. MOmiCIDADE HUMANA Mnnu!'l Shsw

30. PARA UMA TEORIA DO CORPO HUMANO /osf Erlunrdo Alves fnnn

3 1 . A SOLIDARJEDADE fcall Du!1tg/Uwd

32. A CIÊNCIA E O SENTIDO DA VIDA facques Arsnc

33 A RODA DAS CIÊNCIAS Ptml G1rv

34 A DANÇA QUE CRIA Mnuro (t'l-uli

35 AS CIÊNCIAS COGNffiV AS Cr•orges V1gtuwx

3ó O ENIGMA DA EVOLUÇÃO DO HOMEM /OSf!( H Rcidllwlf

37 A RAZÃO CONTRADITÓRIA Jenll·/ncque� W;tnenburgurr

38. ELEMENTOS fUNDAMENTAIS DAS CIÊNCIAS CINDiNJCAS Cc'Orses- Yt>rs Ktrvern

39 O DESPORTO EM PORTUGAL Alberto Trovão do Rosárw

40. O HOMEM PARANÓIDE Clnude Ofiromslein

4 1 . AS TEORJAS DA EXCLUSÃO Mnr/mc Xibcrms

42. A INVENÇÃO DA COMUNICAÇÃO Armamf Matlelnrt

43. LÊVINAS- A lffOPIA DO HUMANO Cnflu:rítw Clmlicr

44. PRO/ECTO PARA UMA ÉTICA MUNDIAL Ham Kii11g

4S. QUESTÕES SOBRE A VIDA Henri Atlnn I Cnllwnne Bcwsquel

4ó A ATRACÇÁO DO FUTURO Pwrrc Faugcyrvlln.�

47. DIÁLOGOS COM A ESFINGE Étiennt Klem

48 SOCIOLOGIA DA EXPERJÊNCIA Fm11Çots Oulwt

49. DIÁLOGO SOBRE A CIÊNCIA, A CULTURA E O TEMPO Midu.:/ Sare.�

50. A SOCIEDADE PIGMALIÃO Pierre Tap

51 . O !NA TO E O ADQUlRJDO /1-�IJI·Frrmçcm Skrz.I!Pczak

52. ELOGIO DA CONSCrENCIA Paul Vnladia

53. ANTROPOLOGIA DO PRO/ECTO jemt-Pierre Bo11finff

54. O DESTINO DOS IMIGRADOS Emmanurl Todd

55. PARA ACABAR COM O DARWINISMO Ro�ir1e Clumdebois

56. JEAN PIAGET- APRENDIZ E MESTRE fcnn-Mnrc Bnm:lt'l I Annc-Ndly Pem.'f­-Omtwnt

57 A COMUNICAÇÃO-MUNDO Annand Maltelnrt

�. A FORMAÇÃO HUMANA NO PRO/ECTO DA MODERNIDADE F l/1/:lml Pmto

59 PARA UMA CRiTICA DA RAZÃO BIOÉTICA

60. A SOCIEDADE INTOXICADA Martinr Xi/l('rrns

6 1 O ESPfRITO DA DÁDIVA JaCIJUt':> T. Codhoul / Alam CaiW

62. AS NOVAS FACES DA LOUCURA /Mil-fiem• O/ti I Chrisftall Spndmw

63 IDEOGRAFIA DJNÁMICA Piem• L'vy

ó4. QUEM SOMOS NÓS Luca t' Fmncesco Gn�!lli SfonJI

65. METOOOLOGIA DA INVFSTIGAÇÁO EM CIÊNCIAS HUMANAS Bnow Deslwws

66. AS CIÊNCIAS HUMANAS EM MOVIMENTO Clmrles Mnnw

ó7. A DEMISSÁO DOS JNTELECTLAIS Afnm Cnilh;

6H. A INTELIGÊNCIA COLECTIY A Piem· Lil.'�l

6Y. ATLAS MKhd Sem·:;

70. O CtREBRO E A LIBERDADE Piem· Knr/1

7 1 . ECOFEMINISMO Mana Mit's I V11ndant� Sftil.m

72. Á IMAGEM DO HOMEM P/ultpp�: Brl'lon

73. ABORDAGEM Á MODERNIDADE ftan·Mnrie Ot�mmach

74. PRINCiPIOS E VALORES NA EDUCAÇÃO CIEN1ÍFJCA M rdllld Poole

75 DA CIÊNCIA À ÉTICA Hans-Pcter Dlirr

?r •. OS CORPOS nlANSFIGURA DOS Mtchd Tibon-Conri!inl

77 DO BIG BANG À PESSOA HUMANA [Jnnid Duarte rfc Om>allw

78. O EUGENISMO André Picho/

79. A SAÚDE PERFEITA Lu rim Sjfz

HU. EDGAR MORTN M ynm Kafinnn

81. A DEMANDA DA RAÇA t.rfvwmi Cunti'/Gmtc!W Essner

H2. HUMANISMO E TÉCNICA Bruno farrosson

83. O SÉCULO DAS IDEOLOGIAS jclllt-Pierre Fnyt•

ll-1. MULTICULTURALISMO Clwrlt'S Taylor

85. A SOCIEDADE EM BUSCA DE VALORES trfgnr Marin /llyn Prigagillc t' vutro5

86 O JUSTO E O VERDADEIRO Rnymond Boudon

87. COMO GERJR AS PERSONALIDADES DIFÍCEIS F r(l/lçois U:lord I Chmtoph.(' 11 ndn�

8�. PARA UMA UTOPIA REALISTA EM TORNO DE EDGAR MORIN Ü1contros dt Cltiift•mtvnflon

Page 73: Cultura e barbárie europeias

89 AS ÁRVORES DO CONHECIMENTO Mid11'1 Authit·r I Pien·( lit�y

90. DO UNIVERSO AO SER ft'an-Maric Pelt

41 O CREPÚSCULO DA CRIAÇÃO Mnrcus Chown

92. MASCULINO/FEMININO Fnmçoisc• Héritin

93 A ANARQUIA DOS VALORES Pnul Valndier

94 CIÊNCIA CIDADÃ Alan lrwin

95. UMA INCERTA REALIDADE Bmmnf rl'Espas11111

% IGUAIS E DIFERENTES Alnin Tmmúnc

97 NATUREZA E TÉCNICA Dcmlimqul' llourg

98. METOOOLOGIA DA RECOLHA DEDADOS /t'nlt-Marit• 1ft• Kl'fclr I Xavú·r Rtll.'�wr�

99. AS SOCIEDADES DOENTE.� ' DO PROGRESSO Mnrc Ft'lTO

1UU. DO SILÊNCIO Om•id Lr Brdo11

!OI. DO SEXTO SENTIDO Dori� C Lfru/mk

102. ÍNTIMAS CONVICÇÕES Hllhat Ret.'l)('S

103. PERDEU-SE METADE DO UNIVERSO }t'an-Piem• Petit

104. NASCIMENTO DAS DIVINDADES. NASCIMENTO DA AGRICULTURA }IJCf/111'5 ÜJIIPÍII

105 O IMPULSO CRIAOOR Jo�t:f H. Ráchholf

106 O CONSTRUTIVISMO- V oi. I fcnn-Wut� L· Mvtsm·

107 O CONSTRUTIVISMO - V oi. 11 Jcnn-Louis L· Motgm•

108 UMA MESMA ÉTICA PARA TODOS? Direcç.io dt! fean-Pierrt' Chnngeux

1U'i O LUGAR DO CORPO Paulo Clmlm e Sil!Jct

1 10 OS GRANDES PENSADORES CONTEMPORÂNEOS Furnçois St�r11

! 11 O DARWINISMO OU O FIM DE UM MITO Rhuy Clunmin

1 1 2. A REDE E O INFINITO Plúlipt' Forgt'l I Cillt's Ptl/ycarpe

1 13. O PRAZER E O MAL Ciulia S1SStl

1 14. A GRANDE IMPLOSÃO Pu·rrc Tlnulller

1 15. AMOR, POESIA, SABEOORIA Ed,�ar Morm

1 16. P!AGET UM REQUESllONAMENTO Dar•id Cvllt'tl

1 17. A POLITICA DO REBELDE Michel Onfrny

1 1 8. A CIÊNCIA ENQUANTO PROCESSO INTERROGANTE N. Sanitt

I I9. CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA Ubirajnra On.1

120. UM CORTE EPISTEMOLóGICO Mat1ut'i Ságitl - (2! edição)

121 ANTROPOLOGIA ING�NUA ANTROPOLOGIA ERUDITA Wiktor Stoczkow!=ki

122. O J' MlL�N!O r ........ 1 ,.� .. 1 . •

123. O COMPUTAOOR NA CATEDRAL ft'ml Cnillnu,t

I24. O HOMEM ARTIF1CIO Dmniníque Bour!(

125. IMAGINÁRIO TÉCNICO E �TICA SOCIAL B(•rtrand Hl.'riard Dubrettil

126. O PRINCIPIO DE NOÊ Midwl Lacroix

127. JORNALISMO E VERDADE Da mel Comu

I28. VIAGENS NO FUTURO Nicola� Pront:IJS

129. DEUS, A MEDICINA E O EMBRJÁO Rmt Frydman

130 A SABEDORIA DOS MODERNOS Aml1·�· Co1111e-Sponvi!le /Luc Ferry

131 A FAMILIA ft>c.'lylzt' S11llerot

!32. O SÉNTIDO E A ACÇÀO Mil I riU:/ Sàgio(Trouãr 1fa l<o5iírio 1 Amu1 Mma Fátosu I Fmumdo Alllllllia I Jorge Vi/da / Viegns Tat'Ort'S

!33. A ORJGEM DO HOMEM Clnudf'-Urtú� Gallil�u

!34. A EFICÁCIA DA METÁFORA NA PRODUÇÃO DA CIÊNCIA Pnuln Cvnft•nças

135. GENES, POVOS E LfNGUAS Luig1 Lucn Cat,alli-Sforza

l3fi. A LOGICA DOS EFEITOS PERVERSOS A11dré Cossrli11

I37. A CLONAGEM EM QUESTÃO Axd K.ah11 /Fnbria Papillo11

!38. CIBERCULTURA Piem: llr111

139. O SELO ÓA INDIVIDUALIDADE /t'nll Dausst'f

I�O FOGOS. FÃTUOS E COGUMELOS NUCLEARES Gt'tlrgrs Chnrpak !Ridumf L Garwi11

1-11. A DIVERSIDADE 00 MUNOO Emmanuel Todd

1-12. O LIVRO 00 CONHECIMENTO Ht•nri Atlan

IH O CUSTO MUNDIAL DA SI DA Dcrds·Ciair Lstmbat

1-14. A PALAVRA CONFISCADA Patrtck Clwroudeau I Rqrlolphc Glrighout•

1�5. FIGURAS DO PENSAVEL Comdius CnsftJrindis

H6. AS CIÊNCIAS E NOS Maria Ajanud Arnújo jorgt'

W. DECISOES E PROCESSOS DO ACOROO Pirm: Moessinsrr

l�H. A TERCEIRA MULHER Gi/Jrs Lipovt•tsky

1�9. O DEMÚNIO DA CLASSIFICAÇÃO Georges Vign11ux

ISO. AS DERJVAS DA ARGUMENTAÇÃO CIENTÍFICA Dominiqrlt' Tcrré

15!. A AVENTURA DA FÍSICA Etiomt' Kkin I Marc l.Achiht:'-Rf'Y

152. HOMENS PROVÁ V EIS jacques Te:otarl

!53. O MEU CORPO A PRIMEIRA MARAVILHA DO MUNDO Am1ré Giordt11J

154. A IDADE DO MLTNDO PnsCIIl R.ichet

155. O PENSAMENTO PR!GOG!NE Arnaud Spirr

I 56. HI PERCULTURA CI,.,,J,,.., .R .. rlmn"

157. MODERNIDADE, CRÍTICA DA MODERNIDADE E IRONIA EPISTEMOLÓGICA EM MAX WEBER Rnfnf'l Gomes Filipe

158. TEORIA DO CONHECIMENTO CIENlÍFICO Anun�tdo de Cnslro

159. FONTES DO PODER Gnn; Klein

160. SOBREVIVER À CIÊNCIA ]ean·]acqut's Snlvmvn

!61. A SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO Gemrrl Le(/I'Tc

162. O LUGAR DO CORPO NA CULTURA OCIDENTAL Florenc(' Brmmstein I jerm·François Pt'pm

11>3. O ADVENTO DA DEMOCRACIA Robat ú:gros

164. DROGA E TOXICODEPENDÊNCIA NA IMPRENSA ESCRITA Fanando Nogueira Dias

l65. 1NTRODUÇÁO ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS jmr�-Pu·rre Oupuv

166. A PROCURA DE SI Alain Toummc I Farlwd Khosrnklwvnr

ló7. 1MPRENSA, RÁDIO E TELEVISÃO }ames CllrrmJ / jrmz Si·aton

168. O DESAFIO DO SÉCULO XXI Edgar Morin

169. A VIOLÊNCIA TOTALITÁRIA Michrl Mnffrsol'

170. FILOSOFIA WORLD Pierrt• Lhry

171. SISTEMAS D E COMUNICAÇÃO DE CULTURA E DE CONHECIMENTO hnwndo Nogueim Dms

172. O ETERNO INSTANTE Michd Mriffcsoli

1 73. A TNTENCIONALIDADE 00 CORPO PRÚPRIO Pmdn Mmmi'l Rilltiro Farinha Nunes Drmtns

174. A TEMPERATURA DO CORPO GouçnltJ Albuqum]U'' Tavares

175. A CHEGADA DO HOMEM-PRESENTE OU DA NOVA CONDIÇÃO OO TEMPO Zaki L11idi

176. A LENDA DA VIDA 1\lbert facqunrd

l77. 1NTERNET A NOVA VIA INICIÁTICA Nicolas Bonnal

178. EMOÇÃO, TEORIA SOCIAL E ESTRUTURA SOCIAL f. M. Barbnlct

179. PADRÕES DE COMUNICAÇÃO NA FAMÍLIA DO TOXICODEPENDENTE Femando Nogueira Dias

180. A TECNOLOGIA COMO MAGIA Riclmrd Stivas

18! . FÍSICA E FILOSOFIA DO ESPÍRITO M1chrl Bitb<ll

182. A SOCIEDADE PURA A11tirt Piclwt

I83. A SOCIOLOGIA DA TOXICODEPENDÊNCIA Fernando Nogueim Dins

184. EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DO TRABALHO Frnnçois Vntin

185. AS CHAVES 00 SÉCULO XXI A 11frJrr� V li rio.;:

Page 74: Cultura e barbárie europeias

!Rii. MÉTODOS QUANTITATIVOS PARA AS CIÊNCIAS HUMANAS Réjenn H w.Jt

1 87. REFORMAR O PENSAMENTO Ett'{ar Morin

188 A TELEVISÃO E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR Manuel João Vaz Freixo

189. INTRODUÇÃO AOS MtrODOS QUANTITATIVOS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Claurle Rosc11tnl, Camille Frémuntier-M11rphy

!YO. CONTRIBUTOS PARA UMA METODOLOGIA CIENTÍFICA MAIS CUIDADA Estela P. R. Lnuns, Llús Mm1 11cl Tam;o, Mana Clnrn Ctml(]/lw.

Tcrt'Stl (()rn�doirn 1 9 1 CI BERESPAÇO E COiviUNÁUTICA

Pll•rre-Lt'Óiwl'd Han.•1'!! 192 A PRODUÇÃO .

DO CONHECIMENTO PARA A ACÇÃO Jean-Piare Darré

1 93. SENTIDO E SEGREDOS DO UNIVERSO jean - Picrre Lwnmet

194. TÉCNICA E IDEOLOGIA Luoen Sjcz

!95. AS ORIGENS ANIMAIS DA CULTURA Dominique Lt�stl'l

1 91i. A HERESIA HUMANISTA José Fernnmill Tm•nres

197. A FAMÍLIA Adelinn Gimnw

1 98. ENSAIO SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO Luis Marques Barbosa

199 A CIÊNCIA AO SERVIÇO DOS NÃO CIENTISTAS Albert /ncqJwrd

200. PARA UMA NOVA DIMENSÃO DO DESPORTO Mnnuel Sà...:io

2U1. A VIDA HUMANA Maria lsnbel dn Costa

2U2. EDUCAÇÃO E PRO)ECTO DE VIDA Fern,uufo Nogllt'im Di11�

203. ENTRE O BEM E O MAL M1chcl M11[{"'o/i

204. A VERDA.DE E O CÉREBRO }ellll-Piare CJm11geux

2115. O HOMEM PLURAL lJcnwrd Lnl1ire

206. EGO Jran-Claudr Kaufmmm

207. CIBERDEMOCRACIA Piem• Ut•y

208. UMA UTOPIA DA RAZÃO jeon-jacqltt'S Wum·nbltrgrr

209. A TRANSFIGURAÇÃO DO POLÍTICO Michd MnffcS<Jli

210 A FAMiLIA RECOMPOSTA Clwntal Van (itlsem

2 1 I . A UNIDADE DAS CIÊNCIAS fenn-Philipflt' Rnl'oux

2 1 2 SERÁ A CIÊNCIA INUMANA' Hem·, A!lnn

2 1 3 A NOVA FI LOSOFIA DO CORPO Bt'mard Andric:u

2 1 4 LIÇÕES DE ECOLOGIA HUMANA Afbf'rl fucqunrd

2 15 DOS GENESAOS GENOMAS Stwnt f. Edelstán

216. ALGUNS OLHARES SOBRE O CORPO Manud Sérgw

217. DROGA. ADOLESCENTES E SOCIEDADE C!nude Olievensteh1, Cnrlo� Pararln

218. O HOMEM A CIÊNCIA E A SOCIEDADE Boris Cyrulnik

219. A COMPLEXIDADE, VERTIG ENS E PROMESSAS Réda Be11kirane

220. PRÁTICAS COOPERA TlV AS Conceiçiio S. Couvanciro

221. O FUTURO NÃO ESTÁ ESCRITO All1ert facquard, Axd Ka/111

222. A RESOLUÇÃO CRIA TlV A DO PROBLEMA David O" De//

223 DIÁLOCO SOBRE A NA TU REZA HUMANA Boris Cvrul11ik, Erl�ar Morm

224. POLÍTICAS DE IMIGRAÇÃO Ptllllo Ma11uC'l Costa

225. DA EDUCAÇÃO FÍSICA À MOTIUCIDADE HUMANA João Buti�tn Tojnl

226. MASCULINO/FEMININO - V oi

Françotsc• Hénticr 227. RELAÇÕES GRUPAIS

E DESENVOLVIMENTO HUMA � Fernnndo Nogucim OiflS

228. AS NOVAS DROGAS DA GERAÇÃO RA VE Alniu Lallemaud, Pierre Sclupt'ns

229. O LIVRO DO CONHECIMENTO - Tomo 11

Ht'nri Atfnn 230. ETN!C/DADE

Sltve Frnto11 231 CELEBRAR PORTUGAL

jo5é c'árlos Almrirln 232 INVESTICAÇÀO QUA LITATIVA

AVANÇADA I'AilA ENFERMACEI fonnnn l..ii/ÍII/Cr

233 A INVENÇÃO DE SI

]1'1111-Clatltfr K111tjinat/TI 234 UM NOVO PARADIGMA

Afmn To11ratw 235. OS DOIS OCIDENTES

Nayln Fnnmk1 236. O FIM DA AUTORIDADE

Almn Renaut

237 PARA ONDE VÃO OS VALORES Nrâmr Btnrlf

238. TEORIAS E MODELOS DE COMUNICAÇÃO Mnmu•l Jc111o Vaz Frcixv

239. UNS COM OS OUTROS F rnnçois de Singly

240. A SOCIOLOGIA E O CONHECIMENTO DE 51

Mauricc Angrr:: 241 . ANTROPOLO:;IA

DO PARENTESCO E DA FAMfLIA Armindn do� Smltos

242. O MEDO SOCIAL Fernando Nogu!'ira Ow:;

243. O ÚTERO ARTIFICIAL Henri Atlnn

244. CULTURA E BARBÀRIE EUROPEIAS Edgnr Morin