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Direito II Civil Básicas Noções

Carga horária: 60hs

Conteúdo

Direito Civil: Parte Geral ....................................................................................... Pág. 8

Direito das Obrigações ......................................................................................... Pág. 30

Contratos .............................................................................................................. Pág. 45

Responsabilidade Civil ......................................................................................... Pág. 83

Direito das Coisas ................................................................................................ Pág. 87

Direito de Família ................................................................................................. Pág. 121

Direito das Sucessões.......................................................................................... Pág. 165

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1. DIREITO CIVIL: PARTE GERAL O Código Civil inicia sua abordagem por meio do livro atinente as pessoas. Enquanto o Título I trata das pessoas naturais, o Título II trata das pessoas jurídicas, e o Título III encerra o livro inaugural abordando a questão do domicílio. A parte geral do Código Civil ainda contempla outros dois livros. O livro dos bens, apresentado sob um Título Único, e o livro dos fatos jurídicos, apresentado através de cinco títulos, quais sejam, do negócio jurídico (Título I), dos atos jurídicos lícitos (Título II), dos atos ilícitos (Título III), da prescrição e da decadência (Título IV) e, da prova (Título V). 1.1 Pessoas 1.1.1 Pessoas Naturais O artigo 1º do Código Civil inicia dispondo acerca da capacidade, estipulando que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. O complemento é dado na sequência, pelo artigo 2º, segundo o qual, a personalidade civil tem início com o nascimento com vida, muito embora a lei coloque a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Como se percebe, é o nascimento que confere à pessoa a capacidade civil. Mas a capacidade civil conferida com o nascimento com vida não é uma capacidade de fato, naturalmente, a qual só será alcançada mediante o enquadramento nas hipóteses legais, dentre as quais se inclui o atingimento da maioridade, aos 18 anos de idade, por exemplo. O nascimento com vida confere à pessoa, portanto, mera capacidade de direito. Desde a concepção a lei põe os direitos do nascituro a salvo. Direitos que lhe garantem a existência, como a obrigatoriedade do fornecimento de alimentos, a reserva de herança ou o recebimento de doação. A incapacidade pode ser absoluta ou relativa. Segundo o Código Civil, são absolutamente incapazes: a) os menores de dezesseis anos; b) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e c) os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Os absolutamente incapazes não podem praticar atos da vida civil, necessitando da intermediação de seus representantes. No caso dos menores de dezesseis anos, a representação é exercida pelos pais ou representantes legais, já nos demais casos, além destes, pode também ser exercida por um curador. Por sua vez, são relativamente incapazes: a) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; b) os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; c) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

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d) os pródigos (aqueles que em razão de desvio de personalidade dependem de curador para emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração de bens). A incapacidade relativa não inviabiliza a prática de todos os atos da vida civil, apenas restringe alguns deles. O relativamente incapaz, para prática de determinados atos da vida civil, depende da assistência dos pais ou representantes legais, no caso de menoridade, ou destes ou de um curador nos demais casos. Qualquer ato praticado por pessoa absolutamente incapaz é nulo, enquanto que o ato praticado por relativamente incapaz é apenas anulável. A capacidade do índio é regulada por legislação especial. Consabido, com o término da menoridade termina também a incapacidade da pessoa, mas há hipóteses em que essa incapacidade cessa ainda durante a menoridade. Isso ocorre nos seguintes casos: a) pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; b) pelo casamento; c) pelo exercício de emprego público efetivo; d) pela colação de grau em curso de ensino superior; e) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. 1.1.1.1 Direitos da personalidade O artigo 11 do Código Civil, estipula que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária. Por isso, são vedados o atos de disposição do próprio corpo quando importar diminuição da integridade física ou quando contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica ou para fins de transplante. Autoriza-se a disposição gratuita do próprio corpo, após a morte, para finalidades científicas ou altruísticas, sendo o ato de disposição revogável a qualquer tempo. Em razão da indisponibilidade dos direitos da personalidade, dispõe o artigo 15 do Código Civil, que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. A vida privada da pessoa natural é inviolável, podendo-se adotar medidas judiciais que visem impedir ou fazer cessar atos que desrespeitem essa norma (art. 21, CC). O teor do artigo 21 tutela dois tipos de proteção a inviolabilidade da vida privada das pessoas, quais sejam, a preventiva (ou inibitória) e a repressiva. A tutela inibitória tende a proteção prévia da pessoa, visando evitar-lhe a ocorrência de um dano, ao contrário da tutela repressiva, incidente após a consumação do dano.

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1.1.1.2 Morte Após tratar da aquisição da capacidade civil e de arrolar os casos de capacidade e incapacidade, o Código Civil informa que a existência da pessoa natural termina com a morte, que pode ser real ou presumida. Morte real é aquela cuja comprovação se faz através do atestado de óbito, já a morte presumida se verifica mediante a decretação de ausência ou sem a necessidade desta. Há declaração de morte presumida, sem decretação de ausência: a) se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; ou b) se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Nesses dois casos, a declaração de morte presumida só pode ser requerida após esgotadas as buscas e averiguações, cabendo a sentença fixar a data provável do falecimento. A fixação de uma data de falecimento é importante para fins sucessórios, uma vez que, na mesma data do óbito considera-se aberta a sucessão. Contudo, depende da prévia declaração de ausência, anteriormente à abertura da sucessão, a situação de desaparecimento fora das hipóteses acima mencionadas. Assim, desaparecida uma pessoa de seu domicílio sem deixar representante ou procurador a quem caiba a administração de seus bens e sem que se tenha notícia da mesma, qualquer interessado ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a declaração de ausência e a nomeação de um curador. Ocorre também a necessidade de declaração de ausência, quando o ausente deixou mandatário que não queira ou que não possa exercer o mandato, ou, ainda, que não possua poderes suficientes para tanto. O legítimo curador do ausente é o cônjuge, desde que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de 2 (dois) anos antes da declaração de ausência. Na falta do cônjuge, a curadoria dos bens incumbe aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer tal cargo. Na falta do cônjuge, ascendentes e descendentes, incumbe ao juiz escolher e nomear um curador. Após 1 (um) ano da arrecadação dos bens do ausente, poderão os interessados requerer a declaração de ausência e a abertura provisória da sucessão. Se o ausente havia deixado representante ou procurador, o prazo de 1 (um) eleva-se para 3 (três) anos. A sentença que determina a abertura provisória da sucessão possui uma peculiaridade, qual seja, produz efeitos somente após o decurso de 180 (cento e oitenta) dias depois de publicada, embora logo após o trânsito em julgado se autorize a abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido. Para que os herdeiros possam se imitir na posse dos bens do ausente, exige-se que prestem garantia da restituição deles, através de penhores ou hipotecas que tenham equivalência com os quinhões respectivos. Os que possuam direito à posse provisória, mas que não tenham meios de oferecer garantia, serão excluídos, e os bens mantidos sob

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a administração do curador ou de outro herdeiro que possa oferecer a garantia exigida. Em se tratando de ascendentes, descendentes e do cônjuge, uma vez provada a qualidade de herdeiros, podem se imitir na posse dos bens independentemente de qualquer garantia. Se o sucessor demonstrar que não possui meios à garantia exigida, não poderá se imitir na posse do bem, como afirmado, porém, nos termos do artigo 34 do Código Civil, poderá ele requerer a metade dos rendimentos do quinhão que lhe caberia. Estando os sucessores provisórios na posse dos bens do ausente, serão deste representantes ativa e passivamente. A disciplina acerca da possibilidade de alienação dos bens ausente foi cautelosa no Código Civil, como diferente não poderia ser. Dessa forma, a alienação de bens imóveis do ausente só pode ocorrer mediante autorização judicial que vise evitar-lhes a ruína. Em se tratando de bem que gere frutos e rendimentos, há que se realizar uma separação em dois grupos: 1º) formado pelos descendentes, ascendentes e pelo cônjuge; e 2º) formado pelos demais sucessores. No caso do primeiro grupo, isto é, descendentes, ascendentes e o cônjuge podem ficar com a integralidade dos frutos e rendimentos dos bens a que obtiveram a posse. No entanto, quanto aos demais sucessores, deverão capitalizar metade dos frutos e rendimentos que obtiverem em decorrência da posse dos bens do ausente, além de prestarem contas, anualmente, ao juiz. Se durante a posse provisória surgir elemento que prove a ocorrência do falecimento do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos herdeiros que o eram àquele tempo (art. 35, CC). Todavia, se o ausente aparecer ou se ficar provado que está vivo, cessam imediatamente as vantagens dos sucessores que estão imitidos na posse dos bens, sendo a todos obrigatória a adoção de medidas que assegurem a devolução integral dos mesmos (art. 36, CC). Se passados 10 (dez) anos do trânsito em julgado da sentença que decretou a abertura provisória da sucessão, sem que o ausente tenha regressado ou que se tenha obtido prova de sua existência, poderão os interessados requerer a abertura definitiva da sucessão e o levantamento das garantias prestadas. Outra hipótese de requerimento de abertura da sucessão definitiva, sem que tenha que se aguardar o decurso de 10 (dez) anos do trânsito em julgado da sentença que decretou a abertura da sucessão provisória, é a prova de que o ausente conta com pelo menos 80 (oitenta) anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele. Se o ausente regressar nos 10 (dez) anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, terá direito a seus bens no estado em que se acharem, aos sub-rogados em seu lugar, ou ao preço que os herdeiros e demais interessados tenham recebido pelas respectivas alienações. Mas, não regressando o ausente em 10 (dez) anos da abertura da sucessão definitiva, e desde que nenhum interessado a tenha promovido, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal,

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se localizados nas respectivas circunscrições, bem como ao domínio da União, se localizados em território federal. Por derradeiro, em se tratando de morte e extinção da personalidade jurídica, cumpre mencionar a figura da comoriência, isto é, da morte simultânea de duas ou mais pessoas (art. 8º, CC). A comoriência tem relevância especial na seara sucessória. Dessa forma, para fins sucessórios, tem consequências diversas o fato de um casal morrer simultaneamente, em razão de um acidente de veículo, do que se primeiro falecer o homem, e apenas depois falecer a mulher. Como a herança se transmite imediatamente após a morte, caso a mulher morra depois, terá herdado determinado quinhão hereditário antes de morrer, o que não ocorre se ela morrer simultaneamente com seu cônjuge. 1.1.2 Pessoas Jurídicas O Título II, do Livro I, do Código Civil, aborda temas relacionados às pessoas jurídicas. O artigo 40 inicia informando que as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado. O artigo 41 do mesmo Códex informa que são pessoas jurídicas de direito público interno: i) a União; ii) os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; iii) os Municípios; iv) as autarquias, inclusive as associações públicas; v) as demais entidades de caráter público criadas por lei. A redação do inciso IV foi alterada pela Lei n.º 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos), que acrescentou as associações públicas ao mencionado rol. No entanto, há que se estar atento, pois os consórcios públicos podem adotar o regime público, caso em que serão consórcios públicos de direito público, legalmente denominados de associações públicas e, portanto, pessoas jurídicas de direito público interno. Mas não se deve confundir com os consórcios que adotarem o regime privado, caso em que serão consórcios públicos de direito privado, sem a denominação de associações públicas e, portanto, regidos pelo Código Civil e não pelo regime de Direito Administrativo. Após informar as pessoas jurídicas de direito público, o Código Civil elenca as pessoas jurídicas de direito privado: i) as associações; ii) as sociedades; iii) as fundações. iv) as organizações religiosas; v) os partidos políticos. No que se refere as associações e fundações, serão tratadas na sequência. Quanto as sociedades, são objeto do módulo de Direito Empresarial. Em relação as organizações religiosas, cumpre expor que não pode o Estado negar-lhes o reconhecimento ou o registro de seus atos constitutivos, uma vez que é livre a sua criação, organização, estruturação interna e funcionamento. No que tange aos partidos políticos, há legislação

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específica que lhes disciplina a organização e o funcionamento (art. 44, parágrafo terceiro, CC). A existência da pessoa jurídica de direito privado se inicia com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, exigindo-se também a averbação de todas as alterações que ocorrerem. O direito de anular a constituição de uma pessoa jurídica de direito privado, por defeito do ato respectivo, decai em 3 (três) anos, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro (art. 45, CC). Obrigam a pessoa jurídica, os atos dos seus administradores que forem exercidos nos limites de seus poderes, definidos no respectivo ato constitutivo, a teor do que dispõe o artigo 47, do Código Civil. Quando a administração da pessoa jurídica for exercida coletivamente, as decisões devem ser tomadas pela maioria de votos dos presentes, salvo disposição diversa constante do ato constitutivo. O direito de anular as decisões proferidas coletivamente, nos termos mencionados, quando importarem em violação da lei ou do estatuto, ou quando forem maculadas por erro, dolo, simulação ou fraude, decai em 3 (três) anos. O artigo 50 do Código Civil estipula que, em caso de abuso personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, autoriza-se ao juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, determinar que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Trata-se do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. 1.1.2.1 Associações Associação é a união de pessoas para fins não-econômicos. Entre os associados não há direitos e obrigações recíprocos. Os direitos dos associados devem ser iguais, mas não se veda a instituição de categorias com vantagens especiais. A qualidade de associado não se transmite, salvo disposição em contrário, expressa no estatuto. Quando o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importa, por si só, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou herdeiro, salvo se modo contrário dispuser o estatuto (art. 56, parágrafo único, CC). O associado somente pode ser excluído da associação após prévio procedimento, no qual se assegure a ampla defesa. O procedimento de exclusão deve ser descrito no estatuto da associação. Segundo o artigo 59 do Código Civil, é competência exclusiva da assembléia geral a destituição dos administradores e a alteração do estatuto, exigindo-se, em ambos os casos, a deliberação da assembléia especialmente convocada para essa finalidade, cujo quorum deve ser estabelecido no estatuto, assim como os critérios de eleição dos administradores.

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1.1.2.2 Fundações Só há que se falar em fundação se sua finalidade for: a) religiosa; b) moral; c) assistencial; ou d) cultural. Para criar uma fundação, exige-se que seu instituidor realize dotação especial de bens, por escritura pública ou testamento, devendo especificar a finalidade da fundação e declarando, se desejar, a maneira de administrá-la. Quando ocorrer a destinação insuficiente de bens à instituição da fundação, os bens a ela destinados serão incorporados em outra fundação que apresente finalidade igual ou semelhante, salvo se de modo diverso tiver disposto o instituidor (art. 63, CC). O estatuto da fundação deve ser elaborado dentro do prazo fixado por seu instituidor, mas, em não havendo estipulação de prazo, reputa-se este como de 180 (cento e oitenta) dias. Caso o estatuto não seja aprazadamente elaborado, tal incumbência passará ao Ministério Público. Ao Ministério Público Estadual cabe velar pelas fundações situadas nas respectivas áreas de suas circunscrições. O parágrafo primeiro do artigo 66, do Código Civil, estipula que no Distrito Federal incumbe ao Ministério Público Federal zelar pelas fundações ali situadas, mas tal dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, tendo sido decidido que cabe ao Ministério Público do Distrito Federal zelar pelas fundações ali situadas. Para o caso da fundação estender suas atividades para mais de um Estado, cabe ao Ministério Público Estadual de cada um deles zelar por sua parcela de atuação. Para que se possa alterar o estatuto de uma fundação, exige-se que a reforma: i) seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação; ii) não contrarie ou desvirtue o fim desta; iii) seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. Alterado o estatuto, este deve ser submetido ao Ministério Público para análise. Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime, exige-se que se dê ciência à minoria vencida, a qual poderá impugnar a reforma perante o Ministério Público, expondo os motivos da votação contrária. Se a finalidade de uma fundação se tornar ilícita, impossível ou inútil, bem como se vencido o prazo de sua existência, o Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio a outra fundação de finalidade idêntica ou semelhante, salvo disposição em contrário, expressa no seu ato constitutivo ou estatuto.

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1.1.3 Domicílio O Título III encerra o Livro I do Código Civil dispondo sobre o domicílio. Via de regra, o domicílio é o lugar onde a pessoa física estabelece sua residência com ânimo definitivo. Quando a pessoa possuir diversas residências, no entanto, considera-se seu domicílio qualquer delas, desde que ela efetivamente viva, alternadamente, em cada qual. Também considera-se domicílio da pessoa física, quanto à profissão, o local onde ela exerce sua atividade laborativa. Quando a pessoa trabalhar em diversas localidades, considera-se seu domicílio qualquer delas, nos mesmos termos acima expostos. Para a pessoa física que não possui residência habitual, considera-se domiciliada no local em que for encontrada, a teor do artigo 73 do Código Civil. Dispõe o artigo 75 do Código Civil que, quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é: a) da União, o Distrito Federal; b) dos Estados e Territórios, as respectivas capitais; c) do Município, o lugar onde funcione a administração municipal; d) das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. Se a pessoa jurídica possuir estabelecimento em diversos locais, cada um deles será considerado domicílio para fins dos atos nele praticados. Quando a administração ou a diretoria da pessoa jurídica tiver sede no estrangeiro, considera-se domicílio cada uma de suas agências no Brasil, sendo cada uma responsável pelos atos nela praticados. Enquanto a pessoa física capaz possui a faculdade de livremente alterar seu domicílio, o mesmo não ocorre com o incapaz, com o servidor público, com o militar, com o marítimo e com o preso, todos com domicílio necessário. Por expressa disposição legal, o domicílio: a) do incapaz é o do seu representante ou assistente; b) do servidor público é o lugar em que exercer permanentemente suas funções; c) do militar é o lugar onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; d) do marítimo é o lugar onde o navio estiver matriculado; e e) do preso é o lugar em que cumprir a sentença. Por fim, quando se tratar de contratação escrita, autoriza o Código Civil que os contratantes especifiquem um domicílio para que sejam exercitados e cumpridos os direitos e deveres dele resultantes, o que nada mais é do que a faculdade de estipulação contratual de um foro de eleição para dirimir eventuais conflitos.

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1.2 Bens O Livro II da parte geral, do Código Civil, disciplina as relações que envolvem bens. Bem é tudo aquilo que possui valor para as pessoas, desde que passível de figurar como objeto em uma relação jurídica. Quanto as classes, o Código Civil divide os bens em 3 (três) grupos: a) bens considerados em si mesmos; b) bens reciprocamente considerados; e c) bens públicos. 1.2.1 Bens considerados em si mesmos Os bens considerados em si mesmos apresentam várias classificações, todas extraídas do Código Civil e a seguir apresentadas. a) Primeiramente, os bens podem ser divididos em imóveis e móveis: a.1) bem imóvel é todo aquele que não pode ser transportado sem que ocorra a perda de sua substância, ainda que se trate de uma perda meramente parcial. São bens imóveis, o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente (art. 79, CC). Nesse contexto, um bem pode ser considerado imóvel por diferentes motivos: a.1.1) bem imóvel por natureza, além do solo, são as árvores e os frutos pendentes, por exemplo. a.1.2) bem imóvel por acessão física artificial, é o conjunto de bens incorporados de maneira permanente ao solo, como construções. a.1.3) bem imóvel por acessão intelectual é aquele que, inicialmente, não detém tal característica, mas que é tornado imóvel por intenção do seu proprietário, como o maquinário industrial de uma empresa, por exemplo. a.1.4) bem imóvel por determinação legal é aquele considerado imóvel por vontade do legislador. Estipula o Código Civil que consideram-se imóveis para efeitos legais: i) os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; e ii) o direito à sucessão aberta. Estipula, ainda, o Código Civil, que não perdem o caráter de imóveis: i) as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; e ii) os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem. a.2) bens móveis, por sua vez, são aqueles suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Assim como os bens móveis, os imóveis também podem ser subdivididos em: a.2.1) bem móvel por natureza, isto é, aquele que pode ser extraído sem alteração de sua substância ou de sua destinação econômico-social, como os animais, por exemplo. a.2.2) bem móvel por antecipação, é aquele originariamente pertencente a um bem imóvel e dele separado, isto é, tornado móvel por vontade humana, como por exemplo, a derrubada de árvores para transformação em lenha.

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a.2.3) bem móvel por determinação legal, assim considerados: i) as energias que tenham valor econômico; ii) os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; e iii) os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Por derradeiro, quanto aos materiais designados a alguma construção, enquanto não empregados, conservam sua qualidade de móveis, bem como a readquirem quando demolido algum prédio. b) O Código Civil também fornece a distinção entre bens fungíveis e infungíveis: b.1) bens fungíveis são os bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. b.2) bens infungíveis, ao contrário, são insubstituíveis diante da impossibilidade de obtenção de um objeto que possua a mesma espécie, qualidade e quantidade. Um bem imóvel, por exemplo, é um típico exemplo de bem infungível. c) Os bens também podem ser classificados como consumíveis ou inconsumíveis: c.1) bens consumíveis são os bens móveis cujo uso importa em destruição imediata da sua substância. Consideram-se também bens consumíveis aqueles destinados à alienação. Os alimentos são típicos exemplos de bens consumíveis. c.2) bens inconsumíveis, ao contrário, são aqueles que não perdem sua substância, não obstante seu uso reiterado. Um geladeira, por exemplo, é um bem inconsumível. d) Os bens ainda podem ser classificados como divisíveis ou indivisíveis: d.1) bens divisíveis são aqueles que podem ser fracionados sem que tenham sua substância perdida ou alterada, sem que tenham seu valor reduzido, e sem que causem prejuízo ao uso a que se destinam. d.2) bens indivisíveis, ao contrário, são aqueles que não são passíveis de fracionamento, sob pena de terem sua substância perdida ou alterada, de ter seu valor reduzido ou de causar prejuízo ao uso a que se destinam. A indivisibilidade do bem pode decorrer: d.2.1) da natureza, como no caso de animais, por exemplo; d.2.2) de determinação legal, quando a lei determina a indivisibilidade de algo que, originariamente, poderia ser fracionado; ou d.2.3) da vontade das partes, quando por contrato se estabelece que um bem divisível será considerado indivisível. e) Por fim, quanto aos bens considerados em si mesmos, o Código Civil realiza uma divisão entre bens singulares e bens coletivos: e.1) bens singulares são os que, embora reunidos, são considerados de per si, independentemente dos demais. Por exemplo, um boi continua sendo considerado singular, ainda que incluído no rebanho. e.2) bens coletivos são aqueles formados pela pluralidade de bens singulares, de modo a formar uma universalidade. Essa universalidade pode

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ser de fato ou de direito. Será de fato, quando a pluralidade de bens singulares pertencerem a uma mesma pessoa e tiver destinação unitária, podendo ser objeto de relações jurídicas próprias, inclusive. No entanto, será de direito, quando for constituída por um complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico. É típico exemplo de universalidade de fato: uma biblioteca; enquanto que é típico exemplo de universalidade de direito: uma herança. 1.2.2 Bens reciprocamente considerados Determinados bens podem existir ou serem considerados apenas em razão de outro, por isso foram disciplinados pelo Código Civil no capítulo chamado “dos bens reciprocamente considerados”. A divisão que há que se fazer é entre bens principais e bens acessórios. Bem principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente, enquanto que bem acessório é aquele que supõe a existência do principal. Os bens acessórios comportam quatro subdivisões, quais sejam: a) frutos, isto é, utilidades produzidas pelo bem principal, os quais podem ser naturais, industriais ou civis. Frutos naturais, por exemplo, são os frutos produzidos por uma árvore. Frutos industriais, os produzidos por uma empresa, como livros em uma editora, por exemplo. Frutos civis, por sua vez, são os frutos do capital, os rendimentos do bem. b) produtos, isto é, utilidades que se esgotam após a extração. O petróleo, assim como todos os recursos naturais não-renováveis são típicos exemplos. A teor do artigo 95 do Código Civil, tanto os frutos como os produtos, apesar de ainda não separados do bem principal, podem ser objeto de negócio jurídico. c) benfeitorias, isto é, melhoramentos no bem principal, as quais podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias. Benfeitorias necessárias são as que visam conservar o bem ou evitar que ele se deteriore. Benfeitorias úteis são as que lhe aumentam ou facilitam o uso. Benfeitorias voluptuárias, por sua vez, são as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. d) pertenças, isto é, bens que não constituem partes integrantes do bem. As pertenças destinam-se, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro bem. Um aparelho de ar condicionado em uma residência é um típico exemplo de pertença. A teor do artigo 94 do Código Civil, é importante memorizar que os negócios jurídicos que dizem respeito ao principal não abrangem as pertenças, salvo se a lei dispuser de modo contrário, se assim se estipular em contrato ou se for inerente às circunstâncias do caso.

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1.2.3 Bens públicos O último capítulo atinente a abordagem dos bens no Código Civil é referente aos bens públicos. Bens públicos são os de domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, enquanto que todos os demais são considerados bens particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem (art. 98, CC). Os bem públicos são divididos em três grupos: a) os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; b) os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; e c) os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, aliás, a inalienabilidade é a regra-matriz relacionada aos bens públicos. Já os bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências legais. É em razão da permissão à alienação dos bens dominicais que o parágrafo único do artigo 99 do Código Civil estipula que, não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. Em se tratando de bens públicos, há que se frisar que não passíveis de usucapião, nos termos dos mandamentos constitucionais (art. 183, §3º e 191, parágrafo único) e legal (art. 102, CC). O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for legalmente estabelecido pela entidade a cuja administração pertencerem, nos termos do artigo 103 do Código Civil. 1.3 Fatos jurídicos O livro III, da parte geral, do Código Civil trata dos fatos jurídicos. Os fatos são situações cotidianas da vida humana, podendo ou não ter relevância jurídica. Ao Direito, naturalmente, só interessam os fatos que alcancem relevância jurídica, quando então recebem o título de fatos jurídicos. Os fatos jurídicos podem decorrer de eventos naturais, mas também podem decorrer da vontade humana, quando então passam a ser chamados de atos jurídicos. A doutrina classifica os fatos jurídicos em: a) ordinários, isto é, de acontecimentos regulares, como casamentos, nascimentos e óbitos; e b) extraordinários, isto é, de acontecimentos excepcionais, como casos fortuitos e de força maior.

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Já os fatos jurídicos decorrentes da vontade humana, por isso chamados atos jurídicos, comportam uma subdivisão: a) ato jurídico strictu sensu; b) negócio jurídico; e c) ato ilícito. O ato jurídico strictu sensu é a conduta humana relevante para o Direito e em consonância com a lei, ao contrário do ato ilícito, que é conduta humana contrária a lei. Já o negócio jurídico é auto-regulação, nos limites legais, de determinados interesses particulares, como será exposto na sequência. 1.3.1 Negócio Jurídico Os negócios jurídicos tem sua razão de ser depositada na autonomia da vontade entre particulares, fruto da liberdade de negociação a todos conferida. Essa liberdade, no entanto, não é absoluta, estando sujeita a diversas restrições. 1.3.1.1 Classificação dos negócios jurídicos Os negócios jurídicos podem ser classificados sob diferentes óticas, dentre as quais destacam-se: a) Quanto à existência: a.1) negócios jurídicos principais, quando sua existência não depender de nenhum outro, como a locação, por exemplo; ou a.2) negócios jurídicos acessórios, quando sua existência estiver condicionada à existência de outro negócio jurídico, como a fiança, por exemplo. b) Quanto à formalidade: b.1) negócios jurídicos solenes, quando a lei determinar a observância de determinadas formalidades; ou b.2) negócios jurídicos não-solenes, quando a lei nada disciplinar, podendo o negócio ser celebrado sem qualquer requisito especial de forma. c) Quanto ao conteúdo: c.1) negócios jurídicos patrimoniais, isto é, relacionados a bens ou direitos de ordem patrimonial; ou c.2) negócios jurídicos extrapatrimoniais, isto é, referentes a direitos sem conteúdo econômico, tal como os direitos de personalidade. d) Quanto ao tempo em que produzem seus efeitos: d.1) negócios jurídicos inter vivos, quando a manifestação de vontade produz efeitos durante a vida do agente; ou d.2) negócios jurídicos causa mortis, quando a manifestação de vontade produz efeitos após a morte do agente.

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e) Quanto às vantagens: e.1) negócios jurídicos onerosos, quando ambas as partes possuem ônus e vantagens recíprocas; ou e.2) negócios jurídicos gratuitos, quando apenas uma das partes aufere vantagens, como em uma doação simples, por exemplo. f) Quanto aos efeitos: f.1) negócios jurídicos constitutivos, com a produção de efeitos a partir da conclusão dos mesmos, como na consumação de um contrato de compra e venda, por exemplo; ou f.2) negócios jurídicos declaratórios, com a produção retroativa de efeitos, como no reconhecimento da paternidade, por exemplo. g) Quanto ao exercício dos direitos: g.1) negócios jurídicos de disposição, isto é, os que autorizam a manifestação do exercício de todos os direitos sobre o objeto, tal como ocorre com a alienação de um dado bem, em que o alienante transfere todos os direitos sobre o objeto ao adquirente; ou g.2) negócios jurídicos de administração, isto é, os que autorizam a manifestação restrita de direitos sobre o objeto, não se possibilitando a alteração da substância do mesmo, tal como ocorre em uma locação, em que o locador transfere apenas restritos direitos ao locatário. h) Quando à manifestação de vontade: h.1) negócios jurídicos unilaterais, quando a manifestação de vontade é de apenas uma das partes, como em um testamento, por exemplo; ou h.2) negócios jurídicos bilaterais, quando a manifestação de vontade é proveniente de ambas as partes envolvidas, formando um consenso. 1.3.1.2 Elementos constitutivos do negócio jurídico Primeiramente, para que um negócio jurídico tenha validade, exige-se: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei. Sem a presença concomitante de tais requisitos, o negócio jurídico será absolutamente nulo. O agente capaz é elemento constitutivo essencial do negócio jurídico, como se mencionou, daí decorrendo a justificativa para que o absolutamente incapaz seja representado, e para que o relativamente incapaz seja assistido na feitura do mesmo. O negócio jurídico celebrado com pessoa absolutamente incapaz e sem representação é nulo (art. 166, I, CC), enquanto que o celebrado com relativamente incapaz e sem assistência é anulável (art. 171, I, CC). A representação pode ter sua origem fundada na lei, como no caso dos pais que representam os filhos, também pode ter sua origem fundada em uma decisão judicial, como na nomeação de um inventariante, e, por fim,

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pode ter sua origem na manifestação de vontade de um interessado, quando o mesmo outorga mandato a um representante. É importante salientar que a incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, e também não aproveita aos co-interessados capazes, exceto se for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum (art. 105, CC). Como visto, também há necessidade da presença de um objeto lícito e possível para que se possa ter um negócio jurídico válido. Objeto lícito é o que está em conformidade com a lei, com a moral e com os bons costumes. Por sua vez, objeto possível é aquele suscetível de cumprimento, pois somente dessa maneira haverá viabilidade e, consequentemente, validade do negócio jurídico. Por exemplo, não se pode admitir como válido um negócio jurídico de compra e venda de terrenos em uma das Luas de Saturno, haja vista a impossibilidade de seu objeto. Nesse contexto, é importante mencionar que a impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, tão pouco se cessar antes de ser realizada a condição a que o negócio jurídico estiver subordinado (art. 106, CC). Portanto, o objeto do negócio jurídico deve ser determinado (via de regra), mas também pode ser determinável, isto é, cuja determinação se projeta para o futuro e, uma vez operada, valida o negócio. Por derradeiro, há que se expor que o negócio jurídico pode ser celebrado com base na liberdade de forma, salvo se a lei expressamento o exigir. O artigo 108 do Código Civil estipula que não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. O citado artigo 108, pois, é típico exemplo de forma especial exigida para validade do negócio jurídico a que faz referência. 1.3.1.3 Elementos acidentais do negócio jurídico Expostos os elementos constitutivos, cumpre apresentar os elementos acidentais dos negócios jurídicos, elementos estes inseridos por cláusulas acessórias e que destinam-se à alteração de algum de seus elementos naturais. Elementos naturais são aqueles inerentes à própria natureza do negócio celebrado, como a entrega imediata de um bem após a celebração de um contrato de compra e venda, por exemplo. São elementos acidentais do negócio jurídico: a) Condição Condição é o evento futuro e incerto que subordina a produção de efeitos do negócio jurídico. A condição só pode ser incluída em negócio jurídico por vontade das partes, sendo consideradas lícitas toas as condições que não forem contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes. São vedadas as condições que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou que o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Nos termos do artigo 123 do Código Civil, também são inválidos os negócios jurídicos que forem subordinados:

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i) as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas; ii) as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; iii) as condições incompreensíveis ou contraditórias. Ainda sobre as condições não permitidas, estipula o artigo 124 do Código Civil, que reputam-se como inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível. As condições, a teor do exposto, podem ser suspensivas ou resolutivas. Condições suspensivas são as que retardam a produção de efeitos do negócio jurídico até que se implemente um determinado acontecimento. Por exemplo, a doação de um apartamento condicionada a conclusão de um curso de graduação. Nos termos do artigo 125 do Código Civil, enquanto não verificada a implementação da condição, não se adquire o direito a que o negócio visa conferir. Em outras palavras, no contexto do exemplo mencionado, concluída a graduação, efetiva-se a doação em benefício do graduado. Se alguém dispuser de uma coisa que está sob condição suspensiva e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis (art. 126, CC). A prescrição, por exemplo, não corre enquanto pendente a condição suspensiva relacionada ao negócio jurídico respectivo. Por sua vez, condições resolutivas são as que condicionam a extinção dos efeitos do negócio jurídico uma vez que se implementem. Por exemplo, o usufruto de um apartamento, condicionado ao tempo de duração de determinado curso de graduação. Nos termos do artigo 127 do Código Civil, enquanto não se realizar a condição, vigora o negócio jurídico, podendo-se exercer desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. Em outras palavras, no contexto do exemplo citado, terminada a graduação, termina também o direito ao usufruto do apartamento. Sobrevindo condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe, mas se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme os ditames da boa-fé (art. 128, CC). A condição não pode ser operada de maneira maliciosa, seja ela suspensiva ou resolutiva, dispondo o artigo 129 do Código Civil que reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento. Seja no caso de condição suspensiva, seja no caso de condição resolutiva, ao titular de direito eventual só é dado praticar atos destinados a conservação do objeto. b) Termo Termo é a indicação do momento em que se inicia, ou em que se encerra a produção de efeitos do negócio jurídico. Diferentemente da

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condição, que é um evento futuro e incerto, o termo fixa um marco futuro e certo para produção de efeitos do negócio jurídico. Por exemplo, pode-se fixar uma data ou um acontecimento como marco para produção de efeitos de determinado negócio jurídico. Estipula o artigo 131 do Código Civil, que o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, enquanto que o artigo 135 dispõe que quanto ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva. Via de regra, os prazos são computados excluindo-se o dia do começo e, incluindo-se o do vencimento. Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o dia útil seguinte. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, exceto, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes (art. 133, CC). c) Encargo O encargo é a atribuição de um ônus à pessoa favorecida na relação negocial. O encargo não suspende a aquisição, tão pouco o exercício do direito, exceto quando expressamente imposto, pelo disponente, como condição suspensiva. Por exemplo, a doação de uma casa com o encargo de não se alterar a cor da fachada. A cláusula que incluir encargo ilícito ou impossível será reputada como não escrita, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. 1.3.1.4 Validade do negócio jurídico Estando ausente algum elemento essencial do negócio jurídico, o mesmo poderá ser nulo ou anulável. Enquanto a nulidade absoluta é arguível a qualquer tempo, por qualquer pessoa ou pelo Ministério Público, não havendo que se falar em convalidação, a nulidade relativa é arguível apenas no limites dos prazos estabelecidos em lei, apenas pelos interessados, admitindo-se sua convalidação. A declaração de nulidade absoluta produz efeitos retroativos (ex tunc), enquanto que a declaração de nulidade relativa produz efeitos a partir da respectiva decisão (ex nunc). 1.3.1.5 Defeitos do negócio jurídico A manifestação de vontade é elemento essencial à validade do negócio jurídico. Entretanto, essa manifestação de vontade pode ser maculada por determinados defeitos, quais sejam, erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão de direito, fraude contra credores e simulação, os quais serão sequencialmente expostos.

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a) Erro ou ignorância O erro (ou a ignorância) é uma falsa noção sobre alguma coisa, sobre alguma pessoa ou sobre algum objeto, capaz de influenciar a manifestação de vontade do agente. A presença do erro torna anulável o negócio jurídico celebrado, desde que o erro seja substancial (art. 138, CC). Considera-se que o erro é substancial quando: I) interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II) concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III) sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. Fora dessas hipóteses, o erro pode ser apenas acidental, caso em que não acarretará a anulabilidade do negócio jurídico. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, pelo seu contexto e circunstâncias, for possível identificar a coisa ou a pessoa a que cogitava (art. 142). Já o erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade (art. 143, CC). O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade com a vontade real do manifestante (art. 144, CC). b) Dolo O dolo é a intenção deliberada de uma parte enganar a outra, a qual apenas celebra o negócio jurídico em razão dessa falsa percepção da realidade. No que tange ao vício do negócio jurídico, o dolo pode ser dividido em: b.1) dolus bonus, quando decorre da simples adjetivação exagerada de um produto, a qual não tem o condão de invalidar o negócio celebrado; e dolus malus, quando há intenção manifestamente ilícita, isto é, intenção de lesionar a parte contrária, a qual constitui causa de anulabilidade do negócio. b.2) dolus causam, ou dolo principal, isto é, os negócios jurídicos que tem como causa de celebração o dolo, sendo, pois, anuláveis; e dolus incidens, ou dolo acidental, isto é, uma situação que leva o agente a celebrar o negócio jurídico em desvantagem, mas não como causa determinante à sua celebração, como ocorre no caso de dolo principal. Em outras palavras, o dolo acidental tem cunho acessório, pois não foi determinante à realização do negócio, o qual teria sido realizado, embora por outro modo. O dolo acidental não gera anulabilidade do negócio, mas obriga à satisfação das perdas e danos. b.3) dolo positivo (ou comissivo), quando praticado mediante uma ação que induz artificialmente o agente a celebrar o negócio jurídico; e dolo negativo (ou omissivo), quando há omissão de informações que, se mencionadas, dariam causas a não celebração do negócio (art. 147, CC). b.4) dolo de terceiro, passível de dar causa a anulação do negócio jurídico, desde que a parte a quem aproveite dele tenha ou devesse ter

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conhecimento, mas, em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou (art. 148, CC). b.5) dolo do representante legal (pais em relação aos filhos, por exemplo), que só obriga o representado a responder civilmente até o limite da importância a que teve proveito. Entretanto, se o dolo for de representante convencional (constituição de representante mediante mandato), o representado responderá solidariamente como ele por perdas e danos. b.6) dolo de ambas as partes, caso em que nenhuma delas poderá alegá-lo para anular o negócio ou para reclamar indenização. c) Coação A coação é a violência física ou moral que retira do agente a liberdade de atuação. Estipula o artigo 151 do Código Civil, que a coação, para que seja apta a viciar a declaração de vontade, deve gerar fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Caso a ameça diga respeito a pessoa não pertencente a família do agente, caberá ao juiz decidir, consideradas as circunstâncias do caso, se houve ou não coação. Não se considera coação a ameaça ao exercício normal de um direito, tão pouco o simples temor reverencial (art. 152, CC). A coação pode ser exercida pela própria parte interessada, mas também pode ser praticada por terceiro, caso em que ambos responderão solidariamente por perdas e danos. No caso da coação ser praticada por terceiro, sem que a parte dela beneficiada tivesse conhecimento, subsiste o negócio jurídico, mas o terceiro responde por todas as perdas e danos que causou ao coacto. d) Estado de perigo O estado de perigo configura-se quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa (art. 156, CC). Quando se tratar de pessoa não pertencente à família, a decisão caberá ao juiz, consideradas as circunstâncias do caso. Quando alguém vende um bem por um preço vil, acometido do desespero de pagar um tratamento médico para um familiar, tal negócio será passível de anulação se provado o estado de perigo. e) Lesão A lesão configura-se quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. A desproporção das prestações devem ser apreciadas segundo os valores vigentes à época em que foi celebrado o negócio jurídico. Nos termos do parágrafo segundo, do artigo 157, do Código Civil, não se decretará a anulação do negócio, se oferecido o suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

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f) Fraude contra credores A fraude contra credores é a conduta do devedor insolvente, ou na iminência da insolvência, que dilapida seu patrimônio com a finalidade de frustar credores e evitar possíveis execuções judiciais. Estando o devedor na situação acima mencionada, são presumivelmente fraudulentos os negócios por ele praticados a título de transmissão gratuita de bens ou de remissão (perdão) de dívida. Mas não apenas os contratos gratuitos, tendo o artigo 159, do Código Civil, estipulado que serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. Podem alegar a fraude contra credores para obter a anulação dos negócios jurídicos celebrados pelo devedor, os credores quirografários e também os credores cuja garantia de crédito se torne insuficiente com a fraude praticada. Nos termos do artigo 160 do Código Civil, se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o preço de mercado, ficará desobrigado se o depositar em juízo, requerendo a citação de todos os interessados. Todavia, se o valor a ser pago for inferior ao de mercado, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real. No caso de fraude contra credores, a ação a ser ajuizada é a denominada ação pauliana, que poderá ter, no pólo passivo, o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou o negócio considerado fraudulento, ou terceiros adquirentes que tenham procedido de má-fé. Com a ação pauliana, o credor pode obter a anulação do negócio fraudulento e a reintegração de seu objeto ao patrimônio do devedor, para que possam os credores promover-lhe as competentes medidas executivas. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre o qual se tenha de efetuar o concurso de credores (art. 165, CC). É importante esclarecer, por derradeiro, que a fraude contra credores não se confunde com a fraude à execução. Enquanto a primeira é um instituto previsto pelo direito civil e que objetiva anular negociações fraudulentas e recompor o patrimônio do devedor para que apenas então obtenha-se a possibilidade de um processo executório frutífero, a segunda é um instituto previsto pelo processo civil, constitui ato atentatório à dignidade da justiça e se verifica quando o devedor dilapida seu patrimônio após o ajuizamento de uma demanda executiva. g) Simulação A simulação é a criação de uma aparência de direito, com a finalidade de ludibriar terceiros e de escusar os contratantes da observância da lei. A simulação exige a declaração bilateral de vontade, ou seja, nesse caso não é uma das partes contratuais que sofrerá lesão, mais sim terceiros. Por meio da simulação, podem as partes não realizar negócio algum, caso em que se diz que a simulação é absoluta, ou seja, o negócio celebrado é absolutamente aparente, sem qualquer correspondência prática;

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mas também podem as partes celebrar negócio diferente do que aparentam ter contratado, quando se diz que a simulação é relativa. Dispõe o artigo 167 do Código Civil que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. Segundo aludido dispositivo, haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I) aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II) contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III) os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. Em todos os casos, ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. 1.3.2 Atos jurídicos ilícitos Acerca dos atos jurídicos ilícitos, melhor exposição será apresentada em capítulo próprio, destinado à responsabilidade civil. 1.3.3 Prescrição e decadência A prescrição relaciona-se a pretensão de exigibilidade de um direito, já a decadência se relaciona diretamente ao próprio direito. Tanto a prescrição como a decadência se relacionam com o decurso do tempo. A prescrição relaciona-se com o direito processual (de ação), basicamente, enquanto que a decadência macula o próprio direito material. O prazo prescricional só pode ser fixado por lei, já o prazo decadencial pode ser fixado por lei ou por convenção entre as partes. A prescrição pode ser objeto de renúncia, expressa ou tácita, a qual terá validade desde que não cause prejuízo a terceiro. Não se admite, também, a renúncia anterior ao término do prazo prescricional. A decadência, por sua vez, não admite renúncia. Tanto a prescrição como a decadência podem ser alegadas em qualquer grau de jurisdição, e podem se reconhecidas a requerimento da parte ou de ofício, salvo no caso de decadência convencional (pactuada entre as partes), quando não tem cabimento sua declaração de ofício. Estipula o Código Civil que não corre a prescrição: a) entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; b) entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; c) entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela; d) contra os absolutamente incapazes; e) contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; f) contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra; g) pendendo condição suspensiva;

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h) não estando vencido o prazo; e i) pendendo ação de evicção. Ainda, quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva (art. 200). A interrupção da prescrição é o recomeço da contagem do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo para interrompe-la. A teor do artigo 202 do Código Civil, a interrupção da prescrição pode ocorrer uma única vez e dar-se-á: a) por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; b) por protesto, nas condições do inciso antecedente; c) por protesto cambial; d) pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; e) por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; f) por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Via de regra, o prazo prescricional é de 10 (dez) anos, desde que a lei não haja fixado prazo menor. Excepcionando a regra, dispõe o artigo 206 do Código Civil que prescreve: a) em 1 (um) ano: a.1) a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos; a.2) a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a.2.1) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; a.2.2) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; a.3) a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; a.4) a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo; a.5) a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. b) em 2 (dois) anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. c) em 3 (três) anos: c.1) a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; c.2) a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;

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c.3) a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; c.4) a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; c.5) a pretensão de reparação civil; c.6) a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição; c.7) a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: c.7.1) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; c.7.2) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento; c.7.3) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação; c.8) a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; c.9) a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. d) em 4 (quatro) anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas. e) em 5 (cinco) anos: e.1) a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; e.2) a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; e.3) a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo. Por fim, quanto a decadência há que se mencionar que não se aplicam as normas que impedem, suspendem ou interrompem o curso de seu prazo, salvo disposição legal em contrário. 2. DIREITO DAS OBRIGACÕES O direito obrigacional inaugura a Parte Especial do Código Civil. Obrigação é o vínculo jurídico (patrimonial) estabelecido entre sujeitos, que tem por objeto um bem ou serviço. Segundo Washington de Barros Monteiro, obrigação é um relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio (1997, p.8). As obrigações sempre envolvem prestações recíprocas. A figura do credor representa aquele que recebe o bem ou serviço e, em troca remunera o devedor, que é assim chamado por possuir o dever de prestar o serviço ou

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entregar o bem pactuado. Como se percebe, para o emprego dos termos credor e devedor, tem-se por ótica a obrigação. Credores e devedores o são, portanto, em relação a obrigação. No direito obrigacional os termos credor e devedor não adotam a ótica remuneratória, caso em que o credor seria aquele que tem quantia a receber, isto é, aquele que deve realizar a obrigação, enquanto que devedor seria o que tem o dever de por ela pagar, isto é, aquele que recebe a obrigação. A natureza da prestação obrigacional pode ser positiva, isto é, de entregar ou fazer algo, mas também pode ser negativa, isto é, de abstenção de algo. Nesse contexto, há que se apresentar os três elementos que compõe as obrigações: a) elemento pessoal (ou subjetivo): os sujeitos ativo (credor) e passivo (devedor); b) elemento material (ou objetivo): o objeto da obrigação, que consiste em uma prestação lícita e possível; e c) vínculo jurídico: o nexo de co-relação entre os sujeitos obrigacionais. 2.1 Classificações As classificações atribuídas às obrigações exigem atenção especial do candidato a exames públicos, dado a frequência com que são objeto de questionamento. a) Obrigação de dar A obrigação de dar consiste na entrega de algo, que pode ser certo ou incerto. a.1) Obrigação de dar coisa certa Perante a obrigação de dar coisa certa, o devedor se obriga a entregar ao credor objeto determinado e individualizado. A obrigação de dar coisa certa abrange seus acessórios, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Se a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, a obrigação ficará resolvida para ambas as partes. Entretanto, se a perda tiver ocorrido por culpa do devedor, ele responderá pelo equivalente mais perdas e danos (art. 234, CC). Se houver deterioração da coisa sem culpa do devedor, o credor pode resolver a obrigação, ou pode aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. Entretanto, se a deterioração tiver ocorrido por culpa do devedor, o credor pode exigir seu equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se encontrar, tendo o direito, em ambos os casos, de ser indenizado por perdas e danos. Quanto aos frutos, estipula o parágrafo único do artigo 237, do Código Civil, que os frutos percebidos são do devedor, sendo os pendentes do credor. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta se perder antes da tradição, sem culpa do devedor, o credor sofrerá a perda, e a obrigação se

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resolverá, excetuados seus direitos adquiridos até o dia da perda (art. 238, CC). Entretanto, se a coisa se perder por culpa do devedor, ele responderá pelo equivalente, mais perdas e danos. Se a obrigação for de restituir, e a coisa se deteriorar sem culpa do devedor, o credor irá recebê-la no estado em que se encontrar, sem direito a indenização. Entretanto, se a deterioração ocorreu por culpa do devedor, este responderá pelo equivalente, mais perdas e danos. a.2) Obrigação de dar coisa incerta Perante a obrigação de dar coisa incerta, o devedor se compromete a entregar ao credor prestação que era genérica no início da relação, mas que se determinou no momento do pagamento, por um ato de escolha. É este ato de escolha que individualiza e determina a coisa a ser entregue ao credor. Antes da escolha, a obrigação é de dar coisa incerta, e, após, é de dar coisa certa (art. 245, CC). Estipula o artigo 243 do Código Civil, que a coisa incerta deve ser indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. Via de regra, o direito de escolha pertence ao devedor, mas nada impede que se pactue que tal direito seja exercido pelo credor. Quanto a escolha, vige a regra da ponderação, isto é, o devedor não precisa escolher o objeto de melhor qualidade para entregar ao credor, mas também não pode escolher o de pior qualidade, nos termos do artigo 244 do Código Civil. É importante memorizar que, antes da escolha, o devedor não pode alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por caso fortuito ou força maior (art. 246, CC). b) Obrigação de fazer De conteúdo positivo, a obrigação de fazer consiste na prática de um ato ou de um serviço, por parte do devedor. Pactuado o cumprimento de obrigação de fazer, se o devedor se recusar de cumpri-la, deverá indenizar o credor por perdas e danos. Entretanto, se a obrigação se tornar impossível de ser cumprida, sem culpa do devedor, restará resolvida. Quando o devedor se recusar ou estiver em mora quanto ao cumprimento do ato ou serviço, e o mesmo puder ser realizado por terceiro, o credor poderá mandar que este o execute à custa do devedor, sem prejuízo da indenização cabível (art. 249, CC). Em caso de urgência, o credor pode, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o ato ou serviço, sendo ressarcido posteriormente. c) Obrigação de não fazer De caráter negativo, a obrigação de não fazer consiste na abstenção de ato. Por exemplo, quando um locador exige do locatário que não tenha animais no apartamento locado, nada mais se está a fazer do que a pactuação de uma obrigação de não fazer. Caso o devedor pratique o ato a que se havia comprometido a não praticar, estará em inadimplência. Se a prática de ato ocorreu sem culpa do devedor, extingue-se a obrigação. Entretanto, se praticado pelo devedor voluntariamente, o credor pode exigir que o devedor o desfaça, sob pena de

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ser desfeito à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos (art. 251). Em caso de urgência, o credor pode desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido. d) Classificação quanto ao objeto: d.1) obrigações simples, ou seja, quando os elementos da obrigação são unitariamente identificados, isto é, há um credor, um devedor e um objeto. d.2) obrigações compostas (ou complexas), isto é, quando há pluralidade de um, alguns ou de todos os elementos da obrigação, isto é, pluralidade de credores e/ou devedores e pluralidade de objetos. Em havendo pluralidade de objetos, há que se apresentar duas subdivisões: d.2.1) obrigações conjuntas (ou cumulativas), são aquelas em que todos os objetos pactuados devem ser entregues pelo devedor ao credor; e d.2.2) obrigações alternativas, são aquelas em que vários objetos são previstos como possíveis à extinção da obrigação, mas o cumprimento de apenas um deles é suficiente. Quanto ao cumprimento das obrigações alternativas, dispõe o artigo 252 do Código Civil, que cabe ao devedor o direito de escolha, exceto se o contrário se estipulou. Não é permitido ao devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra. No caso de pluralidade de pessoas com a possibilidade de opção acerca da prestação a ser cumprida, em não havendo unanimidade, caberá ao juiz decidir. Da mesma forma, se a faculdade de escolha tiver sido atribuída a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornar inexequível, subsistirá o débito quanto a outra (art. 253, CC). Mas, se pode culpa do devedor nenhuma das prestações puder ser cumprida, não competindo a escolha ao credor, ficará aquele obrigado a pagar o valor da prestação que por último se impossibilitou, mais perdas e danos. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações se tornar impossível por culpa do devedor, o credor terá o direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, mais perdas e danos. Se, no entanto, o devedor der causa à perda de todas as prestações, o credor pode reclamar o valor de qualquer delas, mais perdas e danos (art. 255, CC). Naturalmente, se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor, extinguir-se-á a obrigação. e) Obrigações divisíveis e indivisíveis A divisibilidade da obrigação presume sua possibilidade de fracionamento e, consequentemente, a possibilidade de sua execução ser diferida no tempo, isto é, uma obrigação divisível pode se resolver instantaneamente, mediante a entrega do objeto e o pronto exaurimento de seu conteúdo, mas também pode se resolver periodicamente, isto é, em parcelas de execução. As obrigações indivisíveis, por não comportarem fracionamento, também não comportam a execução periódica, o que é com elas

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incompatível. A indivisibilidade de um objeto pode decorrer de sua própria natureza, mas também pode ser fundada em motivo de ordem econômica, ou em função de causa determinante do negócio jurídico. Nos termos do artigo 257 do Código Civil, havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores. As obrigações indivisíveis, ao contrário, são únicas. Em havendo dois ou mais devedores em uma obrigação indivisível, cada um fica obrigado pelo todo. Aquele que paga a dívida em nome dos demais, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados. Já se a pluralidade for de credores, cada um destes poderá exigir a dívida inteira, caso em que o(s) devedor(es) se desobrigarão, pagando: I) a todos conjuntamente; ou II) a um, dando este caução de ratificação dos outros credores. Quando um só credor recebe a dívida toda, cada um dos demais tem o direito de exigir a parte que lhes cabe. Se um dos credores perdoar (remitir) a dívida, a obrigação se mantém em relação aos demais, os quais deverão descontar a quota do credor remitente quando receberem o objeto. Convertida a obrigação originariamente indivisível em perdas e danos, ela perde seu caráter de indivisibilidade. Se todos os devedores deram causa à perda do objeto, todos responderão por partes iguais, mas de um só for a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e danos. f) Obrigações solidárias O instituto da solidariedade se faz presente em obrigações com pluralidade de sujeitos, seja de credores, de devedores, ou de ambos. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda (art. 264, CC). A solidariedade não se presume, ou resulta da vontade legal ou é convencionada por vontade das partes. Silente a contratação e nada dispondo a lei, não há que se falar em solidariedade. f.1) Solidariedade Ativa A solidariedade ativa é aquela formada pelo conjunto de credores da obrigação, o que confere a cada um, individualmente, o direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro. Se apenas um ou alguns credores solidários demandaram o devedor comum, este pode pagar a qualquer outro que ainda não o tenha feito. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago (art. 269, CC). Se um dos credores solidários falecer e deixar herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível, caso em que há não possibilidade de fracionamento. Ainda que a prestação seja convertida em perdas e danos, a solidariedade subsiste para todos os efeitos (art. 271, CC).

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O credor que perdoar (remitir) a dívida ou que receber o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba (art. 272, CC). Se o devedor possuir exceções pessoais com relação a um credor, não poderá opô-las aos demais, a teor do que dispõe o artigo 273 do Código Civil. O julgamento contrário a desfavor de um dos credores solidários não atinge os demais, já o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que fundado em exceção pessoal ao credor que o obteve (art. 274, CC). f.2) Solidariedade Passiva A solidariedade passiva obriga a qualquer dos devedores, individualmente, ao pagamento da integralidade da dívida. Ao credor é dado o direito de exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. No caso de pagamento parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo restante. A propositura de ação pelo credor em face de um ou alguns dos devedores não importa em renúncia da solidariedade (art. 275, parágrafo único, Código Civil). No caso de falecimento de um dos devedores solidários, se ele deixar herdeiros, estes serão obrigados apenas ao pagamento da quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível. Nesse caso, todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada (art. 277, CC). Qualquer estipulação contratual entre um dos devedores solidários e o credor, seja através de cláusula, condição ou obrigação adicional, não tem o condão de agravar a posição dos outros devedores, salvo se estes consentirem. Se por culpa de um dos devedores a prestação tornar-se impossível, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente, mas pelas perdas e danos só responde o culpado (art. 279, CC). Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um, mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida. A exceções pessoais opostas por um devedor não aproveitam aos demais. É dado ao credor a faculdade de renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores. Se o fizer em favor de um ou de alguns, a solidariedade subsistirá quanto aos demais. O devedor que satisfaz a dívida por inteiro tem o direito de exigir de cada um dos co-devedores a sua quota. Em havendo um devedor insolvente, sua quota será igualmente dividade por todos, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente (art. 284, CC).

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Caso a dívida solidária interesse exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar. g) Classificação quanto aos sujeitos: g.1) obrigação única, isto é, aquela que conta apenas com um credor e um devedor; g.2) obrigação múltipla, isto é, aquela em que concorrem vários credores e/ou vários devedores. A obrigação múltipla pode ser conjunta, isto é, aquela em que cada titular responde ou tem direito apenas a sua quota parte, ou, solidária, isto é, aquela em que cada titular responde ou tem direito a integralidade da prestação. h) Obrigações de meio, isto é, aquelas em que o devedor tem o dever de empregar todos os métodos possíveis ao alcance de determinado objetivo, mas sem que com este se comprometa, em razão de fatores alheios a sua vontade. Por exemplo, as atividades do médico e do advogado. i) Obrigações de resultado, isto é, aquelas que o devedor se obriga a entregar o resultado prometido e pré-determinado. Por exemplo, um pintor que celebra contrato para pintura de uma residência. Na obrigação de resultado, o devedor será exonerado da responsabilidade se provar que a falta do resultado previsto decorreu de caso fortuito ou força maior. 2.2 Adimplemento e extinção das obrigações O pagamento, em sentido amplo, é o cumprimento da obrigação. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios pertinentes à exoneração do devedor (art. 304, CC). O terceiro não interessado também tem o direito de pagar em nome e à conta do devedor, exceto se este se opuser. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar, mas não tem o direito de sub-rogar nos direitos do credor. Entretanto se pagar antes de vencida a dívida, terá direito ao re-embolso apenas na data do vencimento. Se terceiro realizar pagamento com desconhecimento ou oposição do devedor, não terá direito ao re-embolso se o devedor provar que possuía meios para ilidir a ação. Só tem eficácia o pagamento que importe em transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu (art. 307, CC). Se em pagamento for dada coisa fungível, não se poderá reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

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2.3 Daqueles a quem se deve pagar Estipula o artigo 308 do Código Civil, que o pagamento deve ser feito ao credor ou a seu representante de direito. Fora dessas hipóteses, o pagamento só valera se o credor o ratificar ou se o devedor provar que o pagamento reverteu em proveito dele. Reputa-se válido o pagamento efetuado a credor putativo, ainda que posteriormente se obtenha prova de que ele não era o verdadeiro credor. O credor putativo é aquele com aparência de ser o verdadeiro credor, mas que não o é. O pagamento efetuado cientemente a credor incapaz de dar quitação não tem validade, salvo se o devedor provar que o mesmo em favor dele se reverteu. Reputa-se autorizado a receber o pagamento aquele que portar o competente instrumento de quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem essa presunção (art. 311, CC). 2.4 Objeto do pagamento e sua prova O devedor deve entregar ao credor a exata prestação pactuada, não estando o último obrigado a receber prestação diversa, ainda que mais valiosa. Pactuada a entrega instantânea da prestação, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, ainda que o objeto seja divisível. As dívidas em dinheiro devem ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, via de regra. No entanto, é permitido às partes convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas. Mas, se por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá haver revisão de valores a pedido da parte, com a finalidade de ajustá-la ao seu valor real. Estipula o artigo 318 do Código Civil, que são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, salvo casos previstos em legislação especial. Efetuado o pagamento, é direito do devedor obter a competente quitação, lhe sendo lícito reter o pagamento caso a mesma não lhe seja dada. A quitação sempre pode ser oferecida através de instrumento particular, embora nada impeça que também o seja através de instrumento público, devendo designar o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou que por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante. Na forma do parágrafo único, do artigo 320, do Código Civil, ainda que o instrumento de quitação não observe todos os requisitos acima mencionados, terá validade se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida. Para os débitos em que a quitação consista na devolução do título, caso este tenha sido perdido, pode o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido.

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Quando as prestações são diferidas no tempo, isto é, periódicas, a quitação da última gera presunção (relativa, que pode ser afastada mediante prova em sentido oposto) de estarem quitadas as anteriores. Também presume-se paga a obrigação na qual o credor entregou o título ao devedor, presunção esta que também é relativa. Dada quitação, esta perde o efeito se o credor fizer prova, no prazo decadencial de 60 (sessenta) dias, da falta do pagamento. Em se tratando das despesas para realização do pagamento e da quitação, estas presumem-se a cargo do devedor, mas se ocorrer aumento por fato do credor, este suportará o valor acrescido. 2.5 Lugar do pagamento Regra geral, o local do pagamento é o domicílio do devedor, salvo se as partes pactuarem de forma diversa, ou se a lei, a natureza da obrigação ou as circunstâncias determinarem local diverso. Em sendo estipulados dois ou mais lugares para o pagamento, cabe ao credor escolher entre eles. Quando o pagamento se faz no domicílio do devedor, se diz que a dívida é quesível, enquanto que, quando o pagamento se faz no domicílio do credor, se diz que a dívida é portável. Se o pagamento consistir na entrega de um imóvel, ou em prestação a ele relativas, considera-se o local da situação do bem como o local do pagamento. Mediante grave motivo, pode o devedor realizar o pagamento em local diverso do originariamente pactuado, sem prejuízo para o credor. Por derradeiro, há que se frisar que o pagamento reiteradamente realizado em local diverso do originariamente pactuado, faz presumir renúncia do credor a este, nos termos do artigo 330 do Código Civil. 2.6 Tempo do pagamento Via de regra, o pagamento deve ser efetuado na data de seu vencimento. Se não foi ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente, salvo disposição legal em contrário. Quando se tratar de obrigação condicional, deverá ser cumprida na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste implemento o devedor teve ciência. Como excepcionalidade, admite-se que o credor cobre a dívida antes de vencido o prazo estipulado para pagamento: a) no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; b) se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; c) se cessarem, ou se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Em todos os casos, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencida a obrigação quanto aos outros devedores solventes.

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2.7 Espécies de pagamento indireto O Código Civil elenca algumas formas de pagamento indireto das obrigações, as quais estão sumariamente expostas a seguir. a) Pagamento em consignação A extinção da obrigação por meio do pagamento em consignação ocorre mediante o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devisa. Embora seja passível de utilização em cinco hipóteses, costuma ser relacionada a apenas uma delas, que é a de recusa do credor em receber a prestação. Ao candidato, recomenda-se a memorização de todas as possibilidades de utilização dessa ferramenta, quais sejam: I) se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II) se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; III) se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV) se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; V) se pender litígio sobre o objeto do pagamento. O depósito deve ser requerido no local do pagamento, e assim que efetuado faz cessar para o depositante os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente. Realizado o depósito, enquanto o credor não declarar que o aceita, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as consequências de direito. O procedimento processual para o pagamento em consignação consta do artigo 890 e seguintes, do Código de Processo Civil. b) Pagamento com sub-rogação Sub-rogação, basicamente, é a substituição de uma pessoa por outra. Quando alguém paga o débito do devedor, dentro das hipóteses legais, opera a extinção da obrigação para o credor (originário), que viu extinta sua relação com o devedor (originário), o qual, por sua vez, continua obrigado ao pagamento, agora para o novo credor (sub-rogado). A sub-rogação pode ocorrer de pleno direito, isto é, por vontade legal, mas também pode ocorrer por convenção entre o terceiro e o devedor, ou entre o terceiro e o credor. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: I) do credor que paga a dívida do devedor comum; II) do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

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III) do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. Dessa forma, a sub-rogação é convencional: I) quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II) quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito. c) Imputação do pagamento Quando o devedor possui dois ou mais débitos em face de um mesmo credor, ambos líquidos e vencidos, pode escolher e indicar a qual deles oferecerá o pagamento. Mas a imputação pode ser realizada pelo credor, e não apenas pelo devedor como acima mencionado. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo se provar ter sido vítima de violência ou dolo. Outra hipótese de imputação é a legal. Estipula o artigo 355 do Código Civil, que se o devedor não fizer a indicação de qual débito deseja oferecer pagamento, e a quitação dada pelo credor também for omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital (art. 354, CC). d) Dação em pagamento A dação em pagamento é uma hipótese excepcional de extinção da obrigação, condicionada a aceitação do credor. Como já se teve a oportunidade de expor, o credor não está obrigado a aceitar prestação diversa da pactuada, mas o pode fazê-lo, caso em que estar-se-á diante de uma hipótese de dação em pagamento, isto é, recebimento de uma prestação diversa da originariamente devida. e) Novação A novação é a substituição de uma obrigação por outra, isto é, a extinção de uma obrigação (originária) para criação de uma nova obrigação. A doutrina costuma apontar que há três espécies de novação: a) novação real (ou objetiva); b) novação pessoal (ou subjetiva); e c) novação mista. A novação real (ou objetiva) é a que se verifica com a alteração do objeto obrigacional, isto é, quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior. Por exemplo, um devedor que

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por dificuldades financeiras não consegue pagar pontualmente um financiamento de veículo, pode se dirigir à instituição financeira e refinanciar seu débito. A novação pessoal (ou subjetiva) subdivide-se em ativa e passiva. Ocorre a novação ativa quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este. Por sua vez, ocorre a novação passiva quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor. Na novação mista, opera-se tanto a substituição do objeto como a de uma das partes da relação obrigacional. É importante estar atento que, operada a novação, se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se a substituição foi obtida mediante má-fé (art. 363, CC). Nos termos do artigo 366 do Código Civil, realizada novação sem o consenso do fiador com o devedor principal, o primeiro restará exonerado da fiança. Por fim, cumpre mencionar que não podem ser objeto de novação obrigações nulas, ou extintas, mas as meramente anuláveis podem, a teor do artigo 367 do Código Civil. f) Compensação Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem (art. 368, CC). Só há que se falar em compensação entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 369, CC). Embora sejam do mesmo gênero, as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se admite a compensação se houver diferença de qualidade, quando especificado em contrato, isto é, para que se fale em compensação, obrigatoriamente, há que se falar em obrigações homogêneas. O Código Civil é expresso ao vedar a compensação, quando a dívida: i) provier de esbulho, furto ou roubo; ii) uma se originar de comodato, depósito ou alimentos; iii) uma for de coisa não suscetível de penhora. Também não se admite compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, assim como no caso de renúncia prévia de uma delas. Quando as duas dívidas a serem compensadas não forem pagáveis no mesmo local, a compensação deve deduzir as despesas necessárias à operação. Se a pessoa for obrigada por várias dívidas passíveis de compensação, serão observadas, no compensá-las, as regras atinentes à imputação do pagamento. Por derradeiro, a teor do artigo 380 do Código Civil, não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro.

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g) Confusão Opera-se a confusão e extingue-se a obrigação quando na mesma pessoa se confundem as qualidades de credor e devedor. A confusão pode abranger a integralidade da dívida, ou apenas parte dela (art. 382, CC). h) Remissão das dívidas A remissão é o perdão da dívida, a qual, se aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro. A remissão concedida a um dos co-devedores extingue a dívida apenas na parte dele correspondente, de modo que remanesce a dívida dos demais, reduzida a quota remitida, naturalmente. A remissão pode ser expressa ou tácita, total ou parcial. Pode, ainda, ser presumida, como no caso de devolução voluntária do título da obrigação (art. 386, CC) ou de restituição voluntária do objeto empenhado, caso em que se prova apenas a renúncia à garantia real, a qual não tem o condão de extinguir a dívida (art. 387, CC). i) Transação A transação é a concessão recíproca, de ambas as partes, para por fim à relação obrigacional. A transação pode ser realizada judicial ou extrajudicialmente. Pode ser realizada mediante escritura pública, nas obrigações em que a lei assim o exigir, ou por instrumento particular, naquelas em que ela o admite. j) Compromisso Ao contrário da transação, em que as próprias partes da relação obrigacional resolvem seu conflito mediante concessões recíprocas, o compromisso é a eleição de um terceiro para dirimir eventuais conflitos. O compromisso é um acordo bilateral em que as partes aceitam submeter suas controvérsias à decisão de árbitros, mediante um juízo arbitral, nos termos da Lei n.º 9.307/96. 2.8 Inadimplemento das obrigações Quando o devedor não cumpre suas obrigações, responde por perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários advocatícios. Pelo inadimplemento do devedor respondem todos os seus bens. Em se tratando de contratos gratuitos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. No caso de contratos onerosos, responde cada uma das partes por sua culpa, salvo exceções previstas em lei.

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No caso de prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior, não recai responsabilidade sobre o devedor, salvo se expressamente houver por eles se responsabilizado. 2.9 Mora Pode estar em mora o devedor, quando não efetuar o pagamento, e o credor, quando não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. Responde o devedor pelos prejuízos que sua mora der causa, acrescidos de juros, correção monetária e honorários advocatícios. Se em razão da mora, a prestação se tornar inútil ao credor, este poderá recusá-la, e exigir indenização por perdas e danos. Quando não houver fato ou omissão imputável ao devedor, este não incorre em mora. A mora do devedor pode se apresentar mediante: a) obrigação com termo, quando o devedor incorre em mora automaticamente, mediante o não pagamento no prazo fixado. É a denominada mora ex re. b) obrigação sem termo, quando exige-se a interpelação judicial ou extrajudicial do devedor para constitui-lo em mora. É a denominada mora ex persona. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se que o devedor está em mora desde quando o praticou (art. 398, CC). Quando a mora é do devedor, este responde pela impossibilidade da prestação, ainda que essa impossibilidade seja resultado de um evento decorrente de caso fortuito ou de força maior, durante o período de atraso. No entanto, se o devedor provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada, não responderá pela impossibilidade da prestação. Quando a mora é do credor, elimina do devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas na sua conservação, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação. Como tanto o credor como o devedor podem dar causa à mora, ambos também podem purgá-la. Purgar é neutralizar, tornar sem efeito. Nos termos do artigo 401 do Código Civil, purga-se a mora: a) por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta; b) por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data. 2.10 Perdas e danos As perdas e danos devidas ao credor, salvo as exceções legais, abrangem além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente

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deixou de lucrar, isto é, abrangem os danos emergentes e os lucros cessantes. Ainda que a inexecução tenha sido causada por dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato. Nas obrigações de pagamento em dinheiro, as perdas e danos serão pagas com atualização monetária, além de juros, custas e honorários advocatícios, sem prejuízo da pena convencional. Na forma do artigo 405 do Código Civil, os juros de mora contam-se desde a citação inicial. 2.11 Juros legais Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou, ainda, quando provierem de determinação legal, serão fixados com base na taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406, CC). Ainda que não se alegue prejuízo, o devedor fica obrigado ao pagamento dos juros de mora, contados nas dívidas em dinheiro e nas prestações de outra natureza, desde que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes. 2.12 Cláusula penal Quando o devedor deixar de cumprir a obrigação ou quando se constituir em mora, pode incidir em uma cláusula penal. A cláusula penal tem nítida natureza punitiva, consistindo em verdadeira sanção civil pelo inadimplemento ou pela mora. No caso de descumprimento da obrigação, seja parcial ou total, a cláusula penal é compensatória, enquanto que no caso de mora no cumprimento da obrigação, ou de descumprimento de outra cláusula especial, a cláusula penal é moratória. Se for estipulada cláusula penal para o caso de inadimplemento total da obrigação, esta converter-se-á em alternativa em benefício do credor (art. 410). Se for estipulada cláusula penal para o caso de mora, ou para segurança especial de outra cláusula contratual, terá o credor a faculdade de exigir a pagamento da pena cominada, mais o desempenho da obrigação principal. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o valor da obrigação principal (art. 412, CC). Quando a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, cabe ao juiz reduzir equitativamente o valor cominado à cláusula penal, assim como quando este valor for manifestamente excessivo. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores incorrem na cominação da cláusula penal, ainda que apenas um tenha sido responsável por sua incidência. Nesse caso, cada um dos devedores responde apenas por sua quota, exceto o devedor culpado, que pode ser demandado pela

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integralidade (art. 414, CC). Para os devedores não culpados, garante-se o direito à ação regressiva em face daquele que deu causa à aplicação da pena. Sendo divisível a obrigação, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação. Não é necessário que o credor alegue prejuízo para que possa exigir a pena convencional. Mesmo que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, o credor não pode exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado entre as partes. No entanto, se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, recaindo sobre o credor o ônus de provar o prejuízo excedente. 2.13 Arras ou sinal O arras (ou sinal) é possibilidade legal de se exigir uma garantia, com a finalidade de assegurar a futura celebração de um negócio jurídico. Essa garantia pode ser prestada em dinheiro ou por outro bem móvel. O arras pode adotar duas naturezas: a) arras confirmatórias Em se tratando de arras confirmatórias, não há que se falar em direito de arrependimento. Caso a parte que deu as arras não execute o contrato, a outra parte pode tê-lo por desfeito, retendo-as. Em contrapartida, se a inexecução for de que recebeu as arras, poderá quem as deu, haver o contrato por desfeito e exigir sua devolução mais o equivalente, com correção monetária, juros e honorários advocatícios. A parte inocente pode pleitear indenização suplementar, caso prove prejuízo maior, valendo as arras como taxa mínima. É dado à parte inocente, também, exigir a execução do contrato, mais perdas e danos, valendo as arras, neste caso, como mínimo da indenização. b) arras penitenciais Na hipótese das arras penitenciais, há o direito de arrependimento para qualquer das partes, caso em que elas tem função unicamente indenizatória. Neste caso, quem deu as arras, perdê-las-á em benefício da outra parte, e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Tanto em um como noutro caso, não há que se cogitar do direito de indenização suplementar. 3. CONTRATOS O contrato tem seu principal fundamento na autonomia da vontade. Por meio do contrato os particulares podem auto-regular suas relações jurídicas, dentro dos limites legais, evidentemente. São efeitos do contrato a criação, a modificação ou a extinção de direitos entre as partes. Como negócio jurídico, são elementos do contrato:

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a) subjetivos: existência de duas ou mais pessoas, capacidade e consentimento; b) objetivos: objeto lícito, possível, certo, determinado ou determinável; c) formais: via de regra, a forma dos contratos é livre, mas nada impede que a lei exija certas solenidades em determinados casos. Quanto ao objeto contratual, cumpre esclarecer que o artigo 426 do Código Civil é claro ao vedar que a herança de pessoa viva figure como objeto de um contrato. 3.1 Princípios do direito contratual São princípios do direito contratual: a) princípio da autonomia da vontade, que assegura a liberdade de contratação entre particulares, respeitados os limites legais; b) princípio da supremacia da ordem pública, que garante segurança aos contratos celebrados, uma vez que a liberdade conferida às partes não é irrestrita. Extrapolados os limites legais ou contrariado o interesse público, as normas de ordem pública prevalecem sobre as convenções particulares. c) princípio da probidade e da boa-fé, que exige dos contratantes o dever de honestidade, isto é, ausência de interesse voltado à causação de dano à parte contrária. d) princípio do consensualismo e obrigatoriedade das convenções, também chamado de pacta sunt servanda, o qual estipula que o contrato faz lei entre as partes. A bem da verdade, esse princípio está relativizado na atualidade e não ostenta mais o status que já possuiu. Sua relativização ocorre em face de normas de ordem pública, das quais nenhum dos contratantes pode se afastar. e) princípio da relatividade dos efeitos do contrato, que determina que os efeitos contratuais devem se limitar às partes que o celebram, não podendo atingir terceiros. f) princípio da função social do contrato, que frisa o princípio da supremacia da ordem pública. O contrato, mais que revelar os interesses particulares dos contratantes, deve atender uma função social, isto é, deve guardar pertinência com os direitos fundamentais constitucionalmente fixados. 3.2 Classificação dos contratos A doutrina classifica os contratos sob diversas óticas, apresentadas na sequência: a) quanto as pessoas a.1) pessoas de direito público; e a.2) pessoas de direito privado. b) quanto à natureza (ou quanto as obrigações assumidas)

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b.1) unilaterais, isto é, aqueles em que apenas uma das partes se obriga em relação à outra. Por exemplo, a doação pura. b.2) bilaterais, isto é, aqueles em que ambas as partes se obrigam em relação à outra. As obrigações criadas são recíprocas, por isso esses contratos também são chamados de sinalagmáticos. Por exemplo, o contrato de compra e venda. c) quanto à forma c.1) consensuais, isto é, aqueles que não exigem solenidade especial, sendo suficiente o acordo entre as partes. c.2) solenes, isto é, aqueles que exigem a prática de determinadas formalidades, pois apenas dessa forma serão reputados como eficazes. c.3) reais, isto é, aqueles que exigem, além do acordo entre as partes, a entrega do bem (tradição), como no contrato de depósito, por exemplo. d) quanto ao modelo d.1) nominados (ou típicos), isto é, aqueles que já possuem denominação legal própria, estando previstos e regulados pela lei. d.2) inominados (ou atípicos), isto é, aqueles não previstos pelo legislador, mas que são plenamente válidos se respeitarem às regras gerais atinentes aos contratos, nos termos do que dispõe o artigo 425 do Código Civil. e) quanto às vantagens patrimoniais e.1) onerosos, isto é, aqueles em que ambas as partes são beneficiadas, como no caso de uma locação. e.2) gratuitos (ou benéficos), isto é, aqueles em que apenas uma das partes obtém vantagens patrimoniais, sem qualquer contraprestação à outra. f) quanto ao conhecimento sobre suas prestações f.1) comutativos, isto é, aqueles em que cada uma das partes tem conhecimento acerca da prestação da outra, bem como da equivalência entre as mesmas. f.2) aleatórios, isto é, aqueles em que as prestações de uma ou de ambas as partes são incertas, tal como no contrato de seguro, por exemplo. g) quanto à liberdade de convencionar as cláusulas contratuais g.1) paritários, isto é, aqueles que permitem a livre negociação das cláusulas contratuais pelas partes, que estão em igualdade de condições. g.2) de adesão, isto é, aqueles que pressupõe uma pré-determinação e rigidez da oferta, da qual só cabe aceitação a uma das partes, sem qualquer margem à discussão das cláusulas contratuais pelas partes, que não estão em igualdade de condições. Em se tratando de contrato de adesão, dispõe o artigo 423 do Código Civil, que quando houver cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Já o artigo 424 do mesmo Codex, estipula que são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

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h) quanto à execução h.1) de execução imediata, isto é, aqueles que se esgotam mediante uma única prestação. Por exemplo, um contrato de compra e venda à vista. h.2) de execução continuada, isto é, aqueles que se esgotam após o decurso do tempo, sendo caracterizados pela prática de atos reiterados. Por exemplo, um contrato de compra e venda à prazo. i) quanto à existência i.1) principais, isto é, aqueles que não tem sua existência vinculada à existência de qualquer outro contrato. Por exemplo, o contrato de locação. i.2) acessórios, isto é, aqueles que existem apenas em função de um contrato principal, tendo por finalidade assegurar seu cumprimento. Por exemplo, o contrato de fiança. 3.3 Formação dos contratos A formação dos contratos pode ser dividida, basicamente, em dois momentos. O primeiro deles é a proposta, isto é, o ato em que uma das partes oferece a contratação de determinado objeto à outra. O segundo momento é a aceitação, isto é, o ato em que a parte que recebeu a proposta manifesta sua concordância ou sua contrariedade. A proposta obriga o proponente, o qual fica obrigado a indenizar a parte contrária por perdas e danos se não observá-la. Todavia, a proposta deixará de obrigar o proponente quando isso for expresso em seus termos, quando decorrer da natureza do negócio, ou, ainda, das circunstâncias do caso. Nos termos do artigo 428 do Código Civil, a proposta deixa de ser obrigatória: a) se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; b) se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; c) se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; d) se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. A oferta ao público equivale a proposta quando contiver os requisitos essenciais do contrato, exceto se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. A oferta ao público pode ser revogada pela mesma via de sua divulgação, desde que tal possibilidade tenha sido mencionada quando da feitura da oferta. Quando a oferta e a aceitação forem encaminhadas a pessoas que não se encontram no mesmo local do proponente, deve-se estar atento às peculiaridades legais. Dispõe o artigo 430 do Código Civil que se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este tem o dever de comunicar tal ocorrência imediatamente ao aceitante, sob pena de ser responsabilizado por perdas e danos.

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A aceitação realizada fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta (art. 431, CC). Quando o contrato se relacionar a negócios dos quais não seja costume a aceitação expressa, ou quando o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa (art. 432, CC). A aceitação será considerada inexistente, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante (art. 433, CC). Recebida a retratação depois da chegada da aceitação, o aceitante por ela se responsabiliza. Em se tratando de contrato entre ausentes, consideram-se perfeitos desde o momento em a aceitação é expedida, salvo: a) no caso em que prévia ou juntamente com a aceitação chega a retratação do aceitante; b) no caso em que proponente se houver comprometido a esperara a resposta; ou c) no caso em que a resposta não chegar no prazo convencionado. Considera-se celebrado o contrato no local em que o mesmo foi proposto, nos termos do artigo 435 do Código Civil. 3.4 Vícios redibitórios Os vícios redibitórios são defeitos ocultos que tornam o objeto, recebido em razão de contrato comutativo, impróprio ao uso a que é destinado, ou que lhe diminui o valor. É dado a parte que recebe o bem com vício recusá-lo, ou, se preferir, recebê-lo daquela forma e reclamar abatimento no preço. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, deve restituir o que recebeu, mais perdas e danos, mas se não o conhecia, deve restituir apenas o valor recebido, mais as despesas do contrato (art. 443, CC). Subsiste a responsabilidade do alienante ainda que a coisa pereça em poder do adquirente, se o perecimento ocorreu por vício oculto, já existente ao tempo da tradição. O direito do adquirente desfazer o negócio ou obter o abatimento no preço decai: a) no prazo de 30 (trinta) dias, se a coisa for móvel; b) no prazo de 1 (um) ano, se for imóvel. Em ambos os casos, conta-se o prazo da data de entrega do bem, mas se o adquirente já estava na posse do mesmo, conta-se o prazo da data de alienação, reduzido à metade. No entanto, quando o vício em razão de sua natureza só puder ser conhecido mais tarde, o prazo tem contagem diferenciada, inciando-se do momento em que o adquirente dele tiver ciência, até o máximo de: a) 180 (cento e oitenta) dias, se a coisa for móvel; b) 1 (um) ano, se imóvel. No que atine a venda de animais, os prazos de garantias por vícios ocultos serão estabelecidos por legislação especial, ou, na sua ausência,

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pelos usos locais, aplicando-se a regra apresentada no parágrafo anterior se não houver outras disciplinando a matéria (art. 445, §2º, CC). Os prazos acima mencionados não correm na constância de cláusula de garantia, mas o adquirente tem o dever de denunciar o defeito ao alienante nos 30 (trinta) dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência. 3.5 Evicção Evicção é a perda do direito ao bem, em função da declaração de outro direito sobre ele. Opera-se a evicção quando uma pessoa perde a posse ou a propriedade de um bem em razão de uma decisão judicial que o declarou como pertencente a outra pessoa. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção, garantia que subsiste ainda que a aquisição tenha se realizado em hasta pública (art. 447, CC). É dado as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade por evicção. Inobstante a presença de cláusula que exclui a evicção, se esta se der, tem direto o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu (art. 449, CC). Se nenhuma estipulação houver em sentido contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que pagou: I) à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; II) à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção; III) às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído. O preço, independentemente da evicção ser total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso da evicção parcial (art. 450, parágrafo único, CC). Esta obrigação subsiste para o alienante, ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, ressalvada apenas a hipótese de dolo do adquirente (art. 451, CC). Se o adquirente tiver obtido vantagens com as deteriorações, e não tiver sofrido condenação para indenizá-las, o valor das vantagens obtidas será deduzido da quantia que houver de pagar o alienante, nos termos do artigo 452 do Código Civil. Quanto as benfeitorias, se necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas também pelo alienante (art. 453, CC). Se as benfeitorias abonadas ao que sofreu a evicção tiverem sido feitas pelo alienante, o valor delas será levando em conta na restituição devida (art. 454, CC). Quando a evicção for parcial, mas considerável, pode o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. No entanto, se a evicção parcial não for considerável, terá direito apenas a indenização. Para que possa ser exercido o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente deve notificar do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinar a legislação processual (art. 456,

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CC). Se o alienante não atender à denunciação da lide, e sendo manifesta procedência da evicção, é facultado ao adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos. Por derradeiro, há que se mencionar que não se admite que o adquirente demande pela evicção, se sabia que coisa era alheia ou que era litigiosa, a teor do artigo 457 do Código Civil. 3.6 Contrato preliminar O contrato preliminar, como é sugestiva a terminologia, refere-se a um contrato prévio à celebração de um contrato definitivo. Dada a natureza ou as circunstâncias do negócio, é facultado as partes a celebração de um contrato prévio, cujo conteúdo é a promessa de celebração de um contrato definitivo. Por exemplo, o contrato de promessa de compra e venda nada mais é que um contrato prévio, por meio do qual o promitente vendedor se compromete a não vender o bem a outra pessoa, enquanto que o promitente comprador se compromete a adquiri-lo, celebrando um contrato definitivo no prazo em que for convencionado pelas partes. Exceto quanto a forma, o contrato preliminar deve conter todos os requisitos do contrato definitivo. Concluído o primeiro, qualquer das partes poderá exigir a celebração do segundo, assinando prazo à outra para que o efetive, salvo se o contrato preliminar possuir cláusula de arrependimento. Assim como o contrato definitivo, o contrato preliminar também deve ser levado a registro (art. 463, parágrafo único, CC). Esgotado o prazo sem que a parte tenha se manifestado, pode o juiz suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, exceto se a isto se opuser a natureza da obrigação (art. 464, CC). Caso o estipulante não dê execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos (art. 465, CC). Se a promessa de contrato for unilateral, deve o credor sobre ela se manifestar no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente fixado pelo devedor, sob pena de ficar sem efeito a promessa. 3.7 Extinção dos contratos Os contratos podem ser extintos por diversas maneiras. A rescisão é gênero, da qual são espécies a resilição, o distrato e a resolução. Resilição é a extinção contratual por vontade de uma das partes. Distrato (ou resilição bilateral) é a extinção contratual por vontade de ambas as partes. Já a resolução é a extinção contratual por descumprimento da prestação pactuada, por uma das partes. Quando a extinção contratual ocorrer mediante distrato, exige-se a observância da mesma forma que o contrato. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente a permita, se opera mediante denúncia notificada à outra

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parte. Se porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido o prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. A resolução, que é a extinção do contrato por seu descumprimento, engloba as hipóteses de inadimplemento, de mora e de cumprimento defeituoso. A resolução pode ocorrer com ou sem interpelação judicial. Nos termos do artigo 474 do Código Civil, a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, enquanto que a tácita depende de interpelação judicial. A parte que sofreu com o inadimplemento tem duas opções: pedir a resolução do contrato ou exigir-lhe o cumprimento, garantido, em qualquer caso, a indenização por perdas e danos. A A eficácia da resolução unilateral de determinado contrato independe de pronunciamento judicial e produz efeitos não-retroativos, isto é, ex nunc. Outra hipótese de resolução do contrato é a onerosidade excessiva. Nos contratos de execução continuada, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, de modo a conferir extrema vantagem para a outra, em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, é lícito ao devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que decretar a resolução retroagem até a data da citação, nos termos do artigo 478 do Código Civil. A resolução por onerosidade excessiva pode ser evitada pelo réu, desde que ele se comprometa a restabelecer a equitatividade das condições contratuais. Ainda no que tange a resolução por onerosidade excessiva, dispõe o artigo 480 do Código Civil, que quando as obrigações contratuais couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que sua prestação seja reduzida, ou que se altere o modo de executá-la, com a finalidade de evitar a onerosidade excessiva. Os artigos 476 e 477 do Código Civil disciplinam a exceção do contrato não cumprido. Via de regra, perante contratos bilaterais, a nenhum dos contratantes é dado, antes de cumprida sua obrigação, exigir o implemento da do outro (art. 476, CC). Entretanto, se depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes diminuição de seu patrimônio apta a tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que satisfaça a que compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la (art. 477, CC). 3.8 Espécies contratuais A partir do artigo 481, o Código Civil disciplina individualmente várias modalidades contratuais, chamadas modalidades típicas. Sequencialmente são expostas as seguintes espécies de contratos: a) compra e venda; b) troca ou permuta; c) doação; d) locação de coisas; e) empréstimo;

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f) prestação de serviço; g) empreitada; h) depósito; i) mandato; j) comissão; k) agência e distribuição; l) corretagem; m) transporte; n) seguro; o) jogo e aposta; p) fiança; q) transação; e r) compromisso. Foram selecionados os contratos que tem sido objeto de questionamento mais frequente no exame da OAB e em concursos públicos, os quais serão apresentados resumidamente na sequência. 3.8.1 Compra e venda Contrato de compra e venda é aquele em que um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro, conforme artigo 481 do Código Civil. Via de regra, o contrato de compra e venda não exige forma solene, podendo ser celebrado sem formalidades especiais. Dentre as características do contrato de compra e venda, destacam-se: a bilateralidade, a onerosidade e a comutatividade. Para que se fale em contrato de compra e venda, é essencial a presença dos seguintes elementos: I) coisa, que pode ter existência corpórea ou incorpórea, presente ou futura. Neste último caso, exige-se que a existência seja potencial, que seja individualizada ou individualizável e que esteja comercialmente disponível. II) preço, o qual deve apresentar valor certo e determinado; III) consentimento, que deve ser manifestado por pessoas dotadas de capacidade. Dispõe o artigo 482 do Código Civil que a compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordem quanto ao objeto e ao preço. IV) forma, que é exigida em hipóteses específicas, como a compra e venda de bem imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, a qual deve ser formalizada mediante escritura pública. Como mencionado, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Em se tratando de coisa futura, caso esta não venha a existir, considera-se sem efeito o contrato, salvo se havia manifesta intenção das partes em concluir contrato aleatório. No contrato aleatório, quando o objeto futuro não chega a existir e um dos contratantes assume tal risco, gera ao outro o direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa. Ainda quanto aos contratos aleatórios, quando o objeto futuro chega a existir, mas apenas parcialmente,

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e um dos contratantes assumiu tal risco, também gera ao outro o direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa ou dolo. No casos de contratos aleatórios que tenham por objeto coisa futura, sujeita ao risco de existir em qualquer quantidade, caso nada venha a existir, não há que se falar em alienação, e o alienante deverá restituir o preço recebido. Quando a compra e venda se realiza à vista de amostras, protótipo ou modelos, entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidade que a elas correspondem (art. 484, CC). Na existência de contradição ou diferença entre a amostra do protótipo ou do modelo e a maneira pela qual eles foram descritos no contrato, prevalece o conteúdo da amostra. Admite-se que em um contrato de compra e venda a fixação do preço seja deixada ao arbítrio de terceiro, o qual pode ser designado desde logo ou posteriormente. Caso o terceiro não aceite a incumbência, o contrato ficará sem efeito, salvo quando os contratantes acordarem designar outra pessoa (art. 485, CC). Outra opção, quanto a fixação do preço no contrato de compra e venda, é deixá-la fixada à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar (art. 486, CC). É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação (art. 487, CC). No entanto, se for convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para sua determinação, caso não haja tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor (art. 488, CC). Se não houver acordo, em razão da diversidade de preço, prevalecerá o preço médio de mercado. Na forma do artigo 489 do Código Civil, é nulo o contrato de compra e venda que deixe a fixação do preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Via de regra, as despesas oriundas de escritura e registro ficam a cargo do comprador, enquanto que as oriundas da tradição ficam a cargo do vendedor, mas o contrário pode resultar de cláusula expressa no contrato de compra e venda (art. 490, CC). O vendedor não está obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço por ela correspondente, quando se tratar de venda a crédito, (art. 491, CC). Estipula o artigo 492 do Código Civil, que até o momento da tradição, os riscos da coisa pertencem ao vendedor, e os do preço ao comprador. Mas, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste (parágrafo primeiro, art. 492, CC). Também correm por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados (parágrafo segundo, art. 492, CC). Na falta de estipulação expressa, a tradição da coisa vendida dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda (art. 493, CC). Mas, se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se afastar o vendedor (art. 494, CC). Caso o comprador caia em insolvência antes da tradição, inobstante a existência de prazo ajustado para o pagamento, é lícito ao vendedor

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sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado (art. 495, CC). A venda de ascendente a descendente é anulável, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido (art. 496, CC). Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória. Estipula o artigo 497 do Código Civil, que não podem ser comprados, ainda que em hasta pública, sob pena de nulidade: a) pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; b) pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; c) pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade; d) pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados. A proibição referida na alínea c, não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre co-herdeiros, ou em pagamento de dívida, ou, ainda, para garantia de bens já pertencentes as pessoas ali designadas (art. 498, CC). É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão, na forma do artigo 499 do Código Civil. É responsabilidade do vendedor, salvo convenção em contrário, a totalidade dos débitos que gravem a coisa até o momento da tradição (art. 502, CC). Por derradeiro, cumpre apresentar que nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas. 3.8.1.1 Cláusulas especiais do contrato de compra e venda 3.8.1.1.1 Retrovenda O vendedor da coisa imóvel pode se reservar ao direito de recobrá-la no prazo decadencial máximo de 3 (três) anos, restituindo o preço recebido, além de reembolsar as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias (art. 505, CC). O Código Civil é claro ao estipular que o re-embolso das benfeitorias é apenas das necessárias. Para re-embolso de benfeitorias úteis e voluptuárias, deve ter havido prévia autorização escrita do vendedor, sob pena do comprador perder o direito ao re-embolso. Quando o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente. Constatada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído do domínio da coisa enquanto não pagar a integralidade do preço.

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É cessível e transmissível a herdeiros e legatários o direito de retrato, o qual poderá ser exercido contra o terceiro adquirente, inclusive. Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral (art. 508, CC). 3.8.1.1.2 Venda a contento e venda sujeita a prova A venda feita a contento do comprador é a venda realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue, e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado (art. 509, CC). A venda sujeita a prova também presume-se sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina (art. 510, CC). Tanto na venda feita a contento como na sujeita a prova, as obrigações do comprador, que recebeu sob condição suspensiva a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la. Se não houver prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável. 3.8.1.1.3 Preempção ou preferência A preempção, também chamada de preferência, é cláusula contratual que impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de preferência na compra. A oferta que o comprador deve fazer ao vendedor, em se tratando do direito de preferência, deve apresentar as mesmas condições e o mesmo preço. O prazo para o exercício do direito de preferência não pode exceder: a) 180 (cento e oitenta) dias, se a coisa for móvel; ou b) 2 (dois) anos, se a coisa for imóvel. Outra forma de exercício de preferência é a intimação do comprador pelo devedor, quando o último tome ciência de que o primeiro irá vender a coisa (art. 514, CC). Assim como cabe ao comprador o dever de oferecer ao vendedor o bem nas mesmas condições e sob o mesmo preço, incumbe ao vendedor o dever de pagar, em condições iguais, o preço encontrado ou ajustado, sob pena de perder o direito à preferência (art. 515, CC). Se não houver prazo contratualmente estipulado para o direito de preferência, este decai em: a) 3 (três) dias, se a coisa for móvel; ou b) 60 (sessenta) dias, se a coias for imóvel. Em ambos os casos, a contagem do prazo se faz a partir da notificação do comprador ao vendedor, cientificando-o da venda. Responde por perdas e danos o comprador que alienar a coisa sem dar ao vendedor ciência do preço e das condições que por ela foram

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oferecidas. Se o adquirente procedeu de má-fé, responderá solidariamente com o (antigo) comprador, na forma do artigo 518 do Código Civil. O artigo 519 do Código Civil trata da retrocessão ao dispor que, se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa. O direito de preferência não pode ser objeto de cessão, e também é intransmissível, isto é, não passa aos herdeiros (art. 520, CC). 3.8.1.1.4 Venda com reserva de domínio A cláusula contratual de venda com reserva de domínio permite, na venda de coisa móvel, que o vendedor reserve para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago. Para ter validade, a cláusula de reserva de domínio exige estipulação por escrito e registro no domicílio do comprador, para que adquira eficácia erga omnes. Inserida a cláusula de venda com reserva de domínio, a transferência da propriedade ao comprador dar-se-á no momento em que o preço esteja integralmente pago. Entretanto, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue o bem (art. 524, CC). Ao vendedor só é permitido executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial (art. 525, CC). Estando em mora o comprador, o vendedor pode optar entre ajuizar a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o que mais lhe for devido, ou pode desejar recuperar a posse da coisa vendida. No último caso, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O valor excedente será devolvido ao comprador, e o que faltar será dele cobrado (art. 527, CC). 3.8.2 Contrato de troca ou permuta Na forma do artigo 533 do Código Civil, aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes alterações: a) salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; b) é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante. 3.8.3 Contrato estimatório O contrato estimatório possui natureza mercantil e aleatória, caracterizando-se como o contrato em que o consignante entrega bens

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móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada (art. 534, CC). Se a restituição da coisa se tornar impossível, ainda que por fato não imputável ao consignatário, este não se exonera de sua obrigação de pagar o preço por ela correspondente (art. 535, CC). Em se tratando de coisa consignada, o artigo 536 do Código Civil é claro ao estipular que a mesma não pode ser objeto de penhora ou de sequestro pelos credores do consignatário, ao menos enquanto não for pago seu valor integral. É vedado ao consignante dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição (art. 537, CC). 3.8.4 Contrato de doação A doação é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. São elementos da doação: a) contrato, o qual tem forma unilateral já que, como mencionado, trata-se de ato de mera liberalidade, por meio do qual uma pessoa transfere algo de seu patrimônio para outra pessoa; gratuito, via de regra; e solene. b) animus donandi, isto é, vontade de doar. c) aceitação do donatário, a qual pode ser expressa ou tácita, salvo se relacionada à doação sujeita a encargo, caso em que a aceitação só pode se manifestar de forma expressa. Além da necessidade de observância dos requisitos gerais, atinentes aos negócios jurídicos, exige-se que a doação observe algumas regras específicas, a seguir apresentadas: a) quanto a capacidade das partes: a.1) há que se atentar à proibição dirigida aos absoluta e aos relativamente incapazes, pois estes não poderão doar bens, embora possam receber, inclusive o nascituro. a.2) cônjuge adúltero não pode realizar doação ao cúmplice, sob pena de anulabilidade durante a constância do casamento, ou em até dois anos após a morte, pelos herdeiros necessários. a.3) cônjuges não podem doar entre si, se o regime do casamento for o da comunhão universal de bens. Se outro for o regime, será o caso de adiantamento da herança, tal como no caso de doação dos ascendentes para os descendentes. a.4) ao falido é vedado realizar doações. b) quanto ao objeto: b.1) é inválida a doação de todos os bens sem uma reserva suficiente para a subsistência do doador; b.2) se a doação levar o devedor a insolvência, os credores podem anulá-la, salvo se o donatário assuma o passivo do devedor, o que somente poderá ocorrer mediante aceitação dos credores;

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b.3) pode-se estipular que o bem volte ao doador caso este sobreviva ao donatário. c) quanto à forma: c.1) a doação pode ser formalizada mediante escritura pública; c.2) mediante instrumento particular; ou c.3) verbalmente, desde que relacionada a bens de pequeno valor. Quanto às espécies, a doutrina costuma apontar: a) doação pura e simples É a doação realizada sem a existência de condição e sem encargo ou termo. Dentre as hipóteses de doações pura e simples se inclui a doação meritória, isto é, a doação feita a alguém pela realização de determinado ato, digno de “premiação”. b) doação modal, com encargo, onerosa ou gravada. É a doação que gera ao donatário uma incumbência que pode ser direcionada em proveito do doador, de terceiro, ou do interesse geral. Se o encargo for de interesse geral, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito (parágrafo único, art. 553, CC). c) doação remuneratória A doação remuneratória é dotada da intenção de recompensar o donatário por serviços que este prestou ao doador. d) doação condicional É condicional a doação que depende da ocorrência de um evento futuro e incerto. Por típico exemplo, a doação feita ao nascituro, a qual só é reputada válida caso ocorra seu nascimento com vida. e) doação conjuntiva É a doação efetuada a duas ou mais pessoas, conjuntamente. A doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual, salvo disposição em sentido oposto (art. 551, CC). Se a doação conjuntiva for para o casal, subsiste na totalidade para o cônjuge sobrevivo. 3.8.4.1 Revogação da doação A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo. É vedada a renúncia prévia ao direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário (art. 556, CC). São motivos que autorizam a revogação da doação, com fundamento na ingratidão: a) se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele; b) se cometeu contra ele ofensa física; c) se o injuriou gravemente ou o caluniou;

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d) se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava. Também é hipótese de revogação da doação, quando o ofendido, nos casos acima mencionados, for o cônjuge, ascendente, descendente, ou irmão do doador. O prazo para pleitear a revogação da doação por qualquer dos motivos apresentados é de 1 (um) ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário seu autor (art. 559, CC). O direito de revogar a doação é intransmissível, mas há o direito de prosseguir na ação que tenha sido inciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, caso este faleça depois de ajuizada a demanda (art. 560, CC). Em se tratando de caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, salvo se aquele houver perdoado (art. 561, CC). A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Se não houver sido estipulado prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinalando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida (art. 562, CC). A revogação por ingratidão, nos termos do artigo 563 do Código Civil, não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida, embora sujeita-o ao pagamento dos posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio-termo de seu valor. Por derradeiro, há que se mencionar que não se revogam por ingratidão: a) as doações puramente remuneratórias; b) as oneradas com encargo já cumprido; c) as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; e d) as feitas para determinado casamento. 3.8.5 Contrato de locação O contrato de locação disciplinado pelo Código Civil não se confunde com a locação disciplinada pela Lei n.º 8.245/91 (Lei do Inquilinato). O primeiro regula a locação de coisas móveis e imóveis que não tenham destinação residencial ou comercial, matéria afeta à Lei n.º 8.245/91. Mas, ainda, não se pode deixar de mencionar que em se tratando de locação de imóvel rural, incidem as normas do Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64) e do Decreto n.º 59.566/66. Em se tratando da disciplina do Código Civil, na locação de coias, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição. É obrigação do locador: a) a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário; b) garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.

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Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, mas sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim que motivou a locação (art. 567, CC). É dever do locador resguardar o locatário de quaisquer embaraços e turbações de terceiros que tenham ou que pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, respondendo pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação (art. 568, CC). É dever do locatário: a) servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse; b) pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar; c) levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito; d) restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular. Se o locatário empregar a coisa em uso diverso do ajustado, ou daquele a que se destina, ou se ela se danificar por abuso do locatário, poderá o locador, além de rescindir o contrato, exigir perdas e danos (art. 570, CC). Quando houver prazo estipulado para duração do contrato de locação, não pode o locador reaver a coisa alugada antes do vencimento, salvo se ressarcir os locatários das perdas e danos resultantes. Também não pode, antes do vencimento, o locatário devolver a coisa ao locador, salvo se pagar, proporcionalmente, a multa prevista no contrato (art. 571, CC). Enquanto não ressarcido, o locatário possui direito de retenção sobre o bem locado. Caso a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que faltar constitua indenização excessiva, será facultado ao juiz fixá-la em bases razoáveis (art. 572, CC). Quando a locação for celebrada por prazo determinado, seu término ocorre independentemente de notificação ou aviso. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, agora por prazo indeterminado (art. 574, CC). Se, notificado o locatário a entregar o bem, não o restituir, pagará, enquanto o tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, além de responder pelo dano que ele venha a sofrer, até mesmo se proveniente de caso fortuito. Caso o aluguel arbitrado seja manifestamente excessivo, é dado ao juiz a possibilidade de redução, mas sem deixar de ter em vista seu caráter de penalidade. Com a alienação da coisa durante o contrato de locação, o adquirente não está obrigado a respeitá-lo, salvo se no contrato de locação constar cláusula na qual se consigne sua vigência em caso de alienação, e desde que isto tenha sido levado a registro (art. 576, CC). Ainda nos casos em que o adquirente não está obrigado a respeitar o contrato de locação, em se tratando de bens imóveis, é vedada a despedida do locatário antes de

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observado o prazo de observado o prazo de 90 (noventa dias) após a notificação. Na hipótese de morte do locador ou o locatário, transfere-se aos seus herdeiros a locação por tempo determinado (art. 577, CC). Quanto às benfeitorias necessárias, e quanto as úteis realizadas com expresso consentimento do locador, confere-se ao locatário do direito de retenção, salvo se o oposto foi estipulado em contrato, nos termos do artigo 578 do Código Civil. 3.8.6 Contrato de empréstimo O contrato de empréstimo é gênero, do qual são espécies o comodato e o mútuo. 3.8.6.1 Comodato O comodato é o empréstimo gratuito de coisas infungíveis, e se perfaz com a tradição do objeto (art. 579, CC). Para celebração do contrato de comodato exige-se que as partes possuam capacidade genérica e que seu objeto seja infungível, mas não se exige forma solene, podendo ser celebrado verbalmente, inclusive. Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda (art. 580). Se o comodato não tiver prazo determinado, presume-se este como o necessário ao uso concedido, não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e o gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo acordado ou outorgado (art. 580, CC). Desse contexto, extrai-se outra característica do comodato, que é temporariedade. É dever do comodatário conservar a coisa como se fosse sua, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. Se o comodatário for constituído em mora, além de por ela responder, deverá paga, até restituir, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante (art. 582, CC). Quando estiverem em riso o objeto do comodato conjuntamente com outros do comodatário, e este optar pela salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que a perda seja atribuída a caso fortuito ou de força maior (art. 583, CC). Por exemplo, se diante de um incêndio o comodatário salva todos os seus bens, mas deixa perecer o bem, objeto do comodato, por ele responderá. É vedado ao comodatário recobrar do comodante as despesas que teve com o uso e gozo da coisa emprestada (art. 584, CC). Por derradeiro, há que se mencionar um caso expresso de solidariedade legalmente determinada, na forma do artigo 585 do Código Civil: quando duas ou mais pessoas forem simultaneamente comodatárias de uma coisa, ficarão solidariamente responsáveis para com o comodante.

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3.8.6.2 Mútuo Se o comodato é o empréstimo de coisas infungíveis, o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. É dever do mutuário restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586, CC). O mútuo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição (art. 587, CC). Quando mútuo for feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário nem de seus fiadores, exceto: a) se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente; b) se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais; c) se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças; d) se o empréstimo reverteu em benefício do menor; e) se o menor obteve o empréstimo maliciosamente. Quando o mutuário sofra alteração substancial em sua situação econômica, durante a vigência do contrato de mútuo, é dado ao mutuante exigir que se preste garantia da restituição (art. 590, CC). Quando o mútuo for destinado a fins econômicos, hipótese na qual se inclui o empréstimo de dinheiro, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa de 1% (um por cento) ao mês, permitida a capitalização anual (art. 591, CC). Portanto, é vedada a capitalização mensal dos juros, a qual, se constatada, configura anatocismo, isto é, a cobrança ilegal de juros sobre juros. Por derradeiro, dispõe o artigo 592 do Código Civil, que não se tendo convencionado expressamento, o prazo do mútuo será: a) até a próxima colheita, se o mútuo for de produtos agrícolas, assim para o consumo, como para semeadura; b) de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro; c) do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível. 3.8.7 Contrato de prestação de serviço Via de regra, a prestação de serviço sujeita-se às leis trabalhistas ou à legislação especial, mas quando não o for, sujeita-se as normas do Código Civil. Pode ser objeto de contratação, toda espécie de serviço ou trabalho, material ou imaterial desde que lícito e mediante retribuição (art. 594, CC). A prestação de serviço disciplinada pelo Código Civil não pode extrapolar 4 (quatro) anos (art. 598, CC). Se nenhum prazo for estipulado, e não se puder inferir da natureza do contrato, ou do costume do local, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato (art. 599, CC). Este aviso, no entanto, deve ser realizado:

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a) com antecedência de oito dias, se o salário se houver fixado por tempo de um mês, ou mais; b) com antecipação de quatro dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quinzena; c) de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias. Findo o contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte a declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se for despedido sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o serviço (art. 604, CC). Caso o serviço seja prestado por quem não possua o competente título de habilitação, ou não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Se o serviço prestado gerou benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé. No entanto, ainda que haja benefício para outra parte e que o prestador esteja de boa-fé, não terá qualquer direito a qualquer remuneração ou compensação, quando a proibição resultar de lei de ordem pública (parágrafo único, art. 606, CC). Por derradeiro, cumpre mencionar que o contrato de prestação de serviço termina: a) com a morte de qualquer das partes; b) com o escoamento do prazo; c) com a conclusão da obra; d) com a rescisão do contrato mediante aviso prévio; e) por inadimplemento de qualquer das partes; ou f) pela impossibilidade de continuação do contrato, em razão de motivo de força maior. 3.8.8 Contrato de empreitada Por meio do contrato de empreitada uma das partes se obriga, sem subordinação, a realizar, pessoalmente ou através de terceiro, determinada obra, mediante remuneração. O material para realização da obra pode ser fornecido pelo empreiteiro ou pelo dono da obra (comitente). A obrigação de fornecer os materiais não se presume, resulta de lei ou da vontade das partes. O contrato de empreitada pode abranger apenas o trabalho do empreiteiro, mas também pode abranger este e fornecimento dos materiais necessários (art. 610, CC). O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo, ou de fiscalizar-lhe a execução (parágrafo segundo, art. 610, CC). O contrato de empreitada é: a) bilateral, pois há obrigação para o empreiteiro (entregar a obra) e para o comitente (pagar o preço); b) comutativo, pois cada parte tem uma prestação equivalente; c) oneroso, pois há prestação e contraprestação;

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d) consensual, pois resulta de um acordo de vontades; e) não solene, pois não há forma expressa exigida na lei; e f) de execução continuada, já que se exige certo lapso temporal para sua conclusão. O contrato de empreitada ainda pode ser classificado: a) quanto ao modo de fixação do preço: a.1) empreitada a preço fixo, quando a retribuição é pactuada para a execução da obra completa. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra (art. 619, CC). a.2) empreitada por medida, quando a retribuição é ajustada por unidade, ou por parte construída. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinarem por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada (art. 614, CC). a.3) empreitada de valor reajustável, quando houver cláusula que preveja a variação do preço em razão da variação do valor da mão-de-obra, ou da expansão do tempo. a.4) empreitada de custo máximo, quando houver cláusula que estipule um valor máximo, que não poderá ser ultrapassado. a.5) empreitada de preço de custo, quando houver cláusula que estipule o dever do empreiteiro fornecer mão-de-obra e materiais, mediante o re-embolso, mais o lucro. b) quanto à execução do trabalho: b.1) empreitada de mão-de-obra, quando o empreiteiro assume apenas a obrigação pela execução da obra. b.2) empreitada mista, quando o empreiteiro assume a execução da obra e também o fornecimento dos materiais para ela necessários. Convencionado que o contrato de empreitada terá o fornecimento do trabalho e também dos materiais pelo empreiteiro, os riscos destes correm por sua conta até o momento de entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este (o dono da obra) não estiver em mora de receber. Caso o dono da obra esteja em mora de receber, por conta deste passam a correr os riscos (art. 611, CC). Quando o empreiteiro só fornecer mão-de-obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono (art. 612, CC). Sendo a empreitada apenas de mão-de-obra, se a coisa perecer antes da entrega, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade (art. 613, CC). Concluída a obra, o dono é obrigado a recebê-la, mas pode rejeitá-la se demonstrar que o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza (art. 615,

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CC). No caso de rejeição, também é dado ao dono da obra, alternativamente, optar pelo recebimento com abatimento no preço (art. 616, CC). Nos contratos de empreitada de edifícios e outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá durante o prazo irredutível de 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. O direito a garantia pelo prazo de 5 (cinco) anos decairá se o dono da obra não ajuizar ação contra o empreiteiro, nos 180 (cento e oitenta) dias seguintes ao aparecimento do vício o defeito. Após o início da obra, permite-se que seu dono a suspenda, desde que pague ao empreiteiro as despesas e os lucros relativos aos serviços já realizados, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra (art. 623, CC). Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos, na forma do artigo 624 do Código Civil. No entanto, é dado ao empreiteiro suspender a obra: a) por culpa do dono, ou por motivo de força maior; b) quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços; c) se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço. O contrato de empreitada não se extingue pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro (art. 626, CC). 3.8.9 Contrato de depósito O depósito é o contrato por meio do qual uma pessoa (depositária), recebe um objeto (bem móvel) de outra (depositante) para guardar e conservar, temporária e gratuitamente (via de regra), até que o depositante o reclame. Como mencionado, o contrato de depósito é gratuito, via de regra. Será oneroso, no entanto, quando houver convenção em sentido oposto, quando resultar de atividade negocial ou quando o depositário o praticar por profissão (art. 628, CC). Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta destes, por arbitramento. Há dois tipos contrato de depósito, o voluntário (arts. 627 a 646, CC) e o necessário (arts. 647 a 652, CC), tratados separadamente na sequência.

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3.8.9.1 Depósito voluntário O depósito voluntário é o que decorre de acordo entre as partes, o qual se prova por escrito. Celebrado o contrato de depósito, é dever do depositário permanecer na guarda e conservação da coisa depositada com o cuidado e diligência que costuma ter com os bens que lhe pertencem, bem como restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante (art. 629, CC). Se o bem, objeto do contrato de depósito, foi entregue fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá e assim deverá ser restituído (art. 630, CC). A restituição da coisa dar-se-á no mesmo local em que estiver guardada, salvo convenção em sentido oposto. As despesas de restituição correm por conta do depositante (art. 631, CC). Quando a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro, e o depositário tiver sido cientificado deste fato pelo depositante, não poderá ele exonerar-se restituindo a coisa a este, sem consentimento daquele (art. 632, CC). Inobstante o contrato de depósito ter fixado prazo à restituição, é direito do depositante requerer a restituição do bem a qualquer momento, e dever do depositário entregá-lo, salvo se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução notificada ao depositário, se houver outro motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida, ou, ainda, se o depositário estiver no exercício de seu direito de retenção por não lhe ter sido paga a retribuição pelo depósito. Na hipótese de não devolução do bem por suspeita de que ele foi dolosamente obtido, deve o depositário, expondo o fundamento da suspeita, requerer que o mesmo seja recolhido ao Depósito Público (art. 634, CC). Quando, por motivo plausível, o depositário não puder mais guardar o bem, objeto do contrato de depósito, e o depositante não o queira recebê-lo, é a ele facultado requerer o depósito judicial da coisa (art. 635, CC). O depositário, que por força maior houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante, e ceder-lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira (art. 636, CC). O artigo 637 do Código Civil, além de trazer uma disposição de direito material, apresenta também uma de direito processual. Caso o herdeiro do depositário, de boa-fé, venda a coisa depositada, está obrigado a assistir o depositante na ação reivindicatória, bem como a restituir ao comprador o preço recebido. Quando forem dois ou mais depositantes, e divisível a coisa, a cada um só entregará o depositário a respectiva parte, salvo se houver entre eles cláusula de solidariedade (art. 639, CC). A relação jurídica entre o depositário e o bem, objeto do contrato de depósito, é extremamente restrita. O depositário não pode servir-se da coisa depositada, nem a dar em depósito a terceiro, salvo expressa autorização do depositante, sob pena de responder por perdas e danos. Entretanto, se o depositário, ainda que devidamente autorizado, confiou a coisa em depósito a terceiro, torna-se responsável caso tenha agido com culpa na escolha deste.

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Se ao depositário sobrevier incapacidade, é dever da pessoa que lhe assuma a administração dos bens diligenciar imediatamente para restituir a coisa depositada e, não querendo ou não podendo o depositante recebê-la, recolhê-la-á ao Depósito Público ou promoverá nomeação de outro depositário. Não se atribui ao depositário a responsabilidade por casos de força maior, mas deve haver prova da sua ocorrência para que valha a escusa (art. 642, CC). É dever do depositante pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, bem assim os prejuízos que do depósito provierem. No caso de despesas não ressarcidas ou prejuízos não compensados, ao depositário confere-se o direito de retenção sobre a coisa, direito que também se manifesta, como já mencionado, quando o depositante não pagar a remuneração devida ao depositário (art. 644, CC). Por derradeiro, dispõe o artigo 645 do Código Civil acerca do chamado depósito irregular. Chama-se regular o depósito de coisas infungíveis, enquanto que chama-se irregular o depósito de coisas fungíveis. Isto ocorre em razão da aplicação das disposições atinentes ao mútuo, sempre que se estiver diante de hipóteses de depósito de coisas fungíveis, nas quais o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade. 3.8.9.2 Depósito necessário O depósito necessário é: a) o que se faz em desempenho de obrigação legal (depósito legal); b) o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como incêndios, inundações ou naufrágios (depósito miserável); e c) o que se efetua por ocasião da guarda das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem (depósito do hospedeiro). Ao depósito necessário não se aplica a presunção de gratuidade, como no depósito voluntário. Quando ao depósito do hospedeiro, a remuneração por ela há de estar incluída no preço da hospedagem. 3.8.9.3 Prisão do depositário infiel O artigo 652 do Código Civil abordava a possibilidade de prisão do depositário, seja o depósito voluntário ou necessário, que não restituísse a coisa quando exigido, caso em que seria compelido a fazê-lo mediante prisão não superior a 1 (um) ano, além do ressarcimento pelos prejuízos. No entanto, o Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento, com base no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Pacto de São José da Costa Rica), de que não é possível a determinação de prisão civil no Brasil, exceto a decorrente de dívida alimentícia. Com o entendimento, fica sem aplicação o artigo 652 do Código Civil, no que se refere a prisão civil do depositário infiel.

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3.8.10 Contrato de mandato Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses (art. 653, CC). O mandato instrumentaliza-se através da procuração, assim como ocorre com o mandato judicial que o advogado recebe de seu cliente. O contrato de mandato é bilateral (gerando deveres para o mandante e para o mandatário), consensual (pois resulta do acordo de vontade entre as partes), e pode ser gratuito ou oneroso. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, exigindo-se que no documento seja aposta a assinatura do outorgante. São requisitos desse instrumento particular: a) a indicação do lugar em que foi passado; b) a qualificação do outorgante e do outorgado; c) a data da outorga; d) o objetivo da outorga; e e) a designação e extensão dos poderes conferidos. É dado ao terceiro, com quem o mandatário (procurador) tratar, exigir que a procuração tenha a firma reconhecida. O substabelecimento do mandato é a designação de outra pessoa para atuar em nome do mandante. Nos termos do artigo 655 do Código Civil, ainda que a outorga do mandato tenha sido feita mediante instrumento público, admite-se que o seu substabelecimento se faça mediante instrumento particular. O mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito, salvo quando a lei expressamente exija forma determinada. Quando o ato deva ser praticado por escrito, não se admite mandato verbal. Quando não houver sido estipulada remuneração, o mandato presume-se gratuito, salvo se o seu objetivo corresponder ao daqueles que o mandatário tratar por ofício ou profissão lucrativa (art. 658, CC). Admite-se a aceitação tácita do mandato, a qual resulta do começo de sua execução (art. 659, CC). Em outras palavras, reputa-se aceito o mandato por parte daquele que, embora não tenha manifestado expressa aceitação, inicia a prática dos atos referentes ao encargo nele descrito. Nos termos da lei, o mandato pode ser conferido especialmente para um ou mais negócios, de forma determinada, mas também pode ser conferido de forma geral a todos os negócios do mandante (art. 660, CC). Via de regra, o mandato confere apenas poderes de administração. São poderes especiais, que devem estar expressamente descritos na procuração, os que autorizem o mandatário a alienar, hipotecar, transigir, ou praticar quaisquer outros atos que exorbitem a mera administração ordinária. O poder de transigir não importa o de firmar compromisso, nos termos do parágrafo segundo, do artigo 661, do Código Civil. Não tem eficácia os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, salvo se o mandante os ratificar. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato.

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É conferido ao mandatário o direito de reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, o quanto bastante para pagamento de tudo que lhe for devido em razão do mandato (art. 664, CC). O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos (art. 665, CC). Existe a possibilidade, na forma do artigo 666 do Código Civil, do maior de 16 (dezesseis) e menor de 18 (dezoito) anos não emancipado ser mandatário, mas, nesse caso, o mandante não terá ação contra ele, senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores. Quanto ao mandato judicial, é regulado pelas normas da legislação processual, aplicando-se, supletivamente, às estabelecidas no Código Civil (art. 692). 3.8.10.1 Obrigações do mandatário e do mandante Na forma da lei, são obrigações do mandatário: a) aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente (art. 667). b) responder, perante o mandante, se fizer substituir-se na execução do mandato, inobstante proibição do mesmo, pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento. Na existência de poderes para substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele. Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato. Entretanto, se omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente. c) prestar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja (art. 668). d) não compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte (art. 669, CC). e) pagar juros, desde o momento em que abusou, pelas somas que devia entregar ao mandante ou que recebeu para despesa, mas empregou em proveito próprio (art. 670, CC).

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f) comprar, em nome próprio, desde que possua fundos ou créditos do mandante, algo que tem o dever de comprar por ter sido expressamente designado no mandato. g) praticar os atos decorrentes do mandato em conjunto, quando tiver sido feita a nomeação de dois ou mais mandatários no mesmo instrumento, e desde que o mandatos tenham sido declarados conjuntos, sob pena de ineficácia do ato (art. 672, CC). h) Concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora, ainda que ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante. Por sua vez, são obrigações do mandante: a) satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário, na conformidade do mandato conferido, e adiantar a importância das despesas necessárias à execução dele, quando o mandatário lho pedir (art. 675, CC). b) pagar ao mandatário a remuneração ajustada e as despesas da execução do mandato, ainda que o negócio não surta o esperado efeito, salvo tendo o mandatário culpa (art. 676, CC). c) ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes (art. 678, CC). d) honrar os compromissos para com aqueles com quem o seu procurador contratou, ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, desde que não excedidos os limites do mandato. Nesse caso, o mandante pode mover ação pelas perdas e danos contra o mandatário, resultantes da inobservância das instruções (art. 679, CC). e) caso o mandato tenha sido outorgado por duas ou mais pessoas, e para negócio comum, cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do mandato, ressalvo o direito regressivo, pelas quantias que pagar contra os outros mandantes. 3.8.10.2 Extinção do mandato Nos termos do artigo 682 do Código Civil, cessa o mandato: a) pela revogação ou pela renúncia; b) pela morte ou interdição de uma das partes; c) pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; d) pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio. Se o mandato possuir cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar, pagará perdas e danos ao mandatário (art. 683, CC). Mas, quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato não terá efeito (art. 684, CC). Quando a revogação do mandato for notificado apenas ao mandatário, não poderá ser oposta a terceiros que, ignorando-a, de boa-fé

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com ele trataram, mas não ficam prejudicas ao mandante as ações que no caso lhe possam caber contra o mandatário. Assim que comunicada ao mandatário a nomeação de outro, para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior (art. 687, CC). Quanto a renúncia do mandato, deve ser comunicada ao mandante, que, se for prejudicado pela sua inoportunidade, ou pela falta de tempo, a fim de prover à substituição do procurador, será indenizado pelo mandatário, exceto se este provar que não podia continuar no mandato sem prejuízo considerável, e que não lhe era permitido substabelecer (art. 688, CC). Perante contratantes de boa-fé, são plenamente válidos os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa (art. 689, CC). No caso de falecimento do mandatário quando pendente negócio a ele cometido, os herdeiros, tendo ciência do mandato, devem avisar o mandante, e providenciar a bem dele, como as circunstâncias exigirem. Aos herdeiros incumbe o dever de se limitarem às medidas conservatórias, ou de continuar os negócios pendentes que se não possam demorar sem perigo, regulando-se os seus serviços dentro desse limite, pelas mesmas normas a que os do mandatário estão sujeitos (art. 691, CC). 3.8.11 Contrato de comissão O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente, em troca de certa remuneração e sob obrigação direta para com as pessoas com quem contratar. Os efeitos do contrato de comissão são análogos aos do mandato, mas, enquanto no último o representante age em nome do representado, no primeiro ele age em nome próprio. O comissário tem o dever de agir em conformidade com as ordens e instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi-las a tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes. Consideram-se justificados os atos do comissário que resultarem vantagem para o comitente, assim como aqueles em que ele agiu de acordo com usos, mediante situação que não admitia demora na realização do negócio (parágrafo único, art. 695, CC). No desempenho de suas incumbências, o comissário tem duplo dever: a) evitar qualquer prejuízo ao comitente; e b) proporcionar-lhe o lucro razoavelmente esperado. Responde o comissionário, exceto motivo de força maior, por qualquer prejuízo que, por ação ou omissão, ocasionar ao comitente (parágrafo único, art. 696, CC). O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar, exceto no caso de culpa e quando constar a cláusula del credere no contrato do comissão, quando o comissário responderá solidariamente com

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as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, de modo a compensar o ônus assumido (arts. 697 e 698, CC). Quando não estipulada a remuneração do comissário, será esta arbitrada segundo os usos do lugar (art. 700, CC). Na hipótese de morte do comissário, ou, quando, por motivo de força maior, não puder concluir o negócio, será devida pelo comitente uma remuneração proporcional aos trabalhos realizados. Caso o comissário seja demitido sem justa causa, tem direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados, bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa (art. 705, CC). Comitente e comissário são obrigados a pagar juros um ao outro. O primeiro pelo que o comissário houver adiantado para cumprimento de suas ordens, e o segundo pela mora na entrega dos fundos que pertencerem ao comitente (art. 706, CC). No caso de falência ou insolvência do comitente, o crédito do comissionário, relativo a comissões e despesas feitas, gozará de privilégio geral. Assim como ocorre no caso do mandato, para re-embolso das despesas feitas, bem como para recebimento das comissões devidas, tem o comissário direito de retenção sobre os bens e valores em seu poder em virtude da comissão (art. 708, CC). 3.8.12 Contrato de agência e distribuição O contrato de agência tem sua origem nos serviços prestados por vendedores ambulantes, que faziam a venda de mercadorias porta a porta dos consumidores. Nos termos do artigo 710, do Código Civil, pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa negociada. Portanto, a principal diferença entre o contrato de distribuição e o de agência é que o primeiro tem à sua disposição a coisa a ser negociada, enquanto que o agente não. O agente deve fazer o pedido para que o produtor entregue a mercadoria. Todas as despesas com a agência ou a distribuição correm a cargo do agente ou distribuidor, salvo estipulação em sentido oposto (art. 713, CC). O agente ou distribuidor tem o direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência, salvo ajuste em sentido diverso (art. 714, CC). Ao agente ou distribuidor é garantido o direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato (art. 715, CC). Também será devida remuneração ao agente ou distribuidor, quando o negócio deixar de ser realizado por fato imputável ao proponente (art. 716, CC).

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Se o contrato de agência ou distribuição for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de 90 (noventa) dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente (art. 720, CC). Se houver divergência entre as partes, incumbe ao juiz decidir a razoabilidade do prazo e do valor devido. 3.8.13 Contrato de corretagem O contrato de corretagem é um contrato de mediação entre as partes que, posteriormente, também celebrarão entre elas um contrato. A corretagem traduz uma obrigação de fazer, na qual o corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações acerca do andamento do negócio. Tem, ainda, o dever prestar ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência, sob pena de responder por perdas e danos. Portanto, pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas (art. 722, CC). A remuneração do corretor, via de regra, será estipulada pela lei ou será fruto de convenção entre as partes, mas se não o for, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais (art. 724, CC). É devida a remuneração ao corretor uma vez que este tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ainda que este não se efetive em virtude do arrependimento das partes (art. 725, CC). Se iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma remuneração será devida ao corretor, mas, se por escrito, for ajustada a corretagem com exclusividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade (art. 726, CC). Quando, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida. Idêntica solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor (art. 727, CC). Caso o negócio seja concluído com a intermediação de mais de um corretor, a remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo convenção em sentido oposto (art. 728, CC). 3.8.14 Contrato de transporte O contrato de transporte é aquele por meio do qual uma pessoa (física ou jurídica) se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas, nos termos do artigo 730 do Código Civil.

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Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas (art. 733, CC). O dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da totalidade do percurso. Quando houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto. 3.8.14.1 Transporte de pessoas O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas, bem como às suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade (art. 734, CC). Com a finalidade de fixar o limite da indenização, é lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é afastada por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva (art. 735, CC). O transporte gratuito, realizado por mera relação de amizade ou cortesia não se subordina às normas do contrato de transporte. No entanto, não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior (art. 737, CC). Não é dado ao transportador a faculdade de recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem. É permitido ao passageiro rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada (art. 780, CC). Mesmo depois de iniciada a viagem, é facultado ao passageiro desistir do transporte, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar. Entretanto, não terá direito ao re-embolso do valor da passagem o passageiro que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado. Em todas essas hipóteses, é dado ao transportador o direito de reter até 5% (cinco por cento) da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória. Quando a viagem for interrompida, por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, mesmo que em consequência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte (art. 741, CC).

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Também é direito conferido ao transportador, uma vez executado o transporte, a possibilidade de retenção da bagagem e de objetos pessoais do passageiro, para garantir-se do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso (art. 742, CC). 3.8.14.2 Transporte de coisas A coisa, uma vez entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço (art. 743, CC). O transportador pode, inclusive, exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada de todas as coisas a serem transportadas, em duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará fazendo parte integrante do conhecimento. Caso seja prestada informação inexata ou dada falsa descrição no documento, será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo decadencial de 120 (cento e vinte dias), a contar daquele ato (art. 745, CC). Se a coisa estiver em embalagem inadequada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens, pode o transportador recusar realizar seu transporte. Todavia, quando se tratar de coisa cujo transporte ou comercialização não seja permitido, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento, deve o transportador recusar realizar seu transporte. O remetente tem até a entrega da coisa para desistir do transporte e pedi-la de volta, ou que seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos, os acréscimos de despesa decorrentes da contra-ordem, mais as perdas e danos que houver (art. 748, CC). A responsabilidade do transportador está limitada ao valor constante do conhecimento, tem início no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa, e término quando a mesma é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado (art. 750, CC). Quando a coisa estiver depositada ou guardada nos armazéns do transportador, em virtude de contrato de transporte, rege-se, no que couber, pelas disposições relativas ao contrato de depósito. Caso o transporte não possa ser realizado ou tenha que sofrer longa interrupção, o transportador deve solicitar instruções ao remetente, e zelar pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responde, salvo motivo de força maior (art. 753, CC). Se perdurar o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem manifestação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vendê-la, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando, neste caso, o valor. No entanto, se o impedimento for responsabilidade do transportador, este poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la se perecível. Tanto em um como noutro caso, é dever do transportador informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda. Na hipótese do

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transportador manter a coisa depositada em seus próprios armazéns, por ela continua a responder pela guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte. Na forma do artigo 754 do Código Civil, as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Se a perda parcial ou avaria não for perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em 10 (dez) dias a contar da entrega. Na pendência de dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente. Mas, se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vendê-la, depositando o saldo em juízo (art. 755, CC). 3.8.15 Contrato de seguro Contrato de seguro é contrato por meio do qual uma das partes (seguradora) se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo da outra (segurado), relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados. Para que se possa falar em seguradora, é indispensável que exista prévia autorização legal para seu funcionamento. Prova-se o contrato de seguro com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta destes, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio (art. 758, CC). Alguns elementos são característicos da apólice de seguros. A emissão da apólice, por exemplo, deve ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco (art. 759, CC). A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário (art. 760, CC). Todavia, no seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador. Quando o risco for assumido em co-seguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos (art. 761, CC). É nulo o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro (art. 762, CC). Perde o direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação (art. 763, CC). Há que se lembrar que purgar é neutralizar os efeitos da mora. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio (art. 764, CC).

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É dever comum ao segurado e ao segurador, guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes (art. 765, CC). Quando o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido (art. 766, CC). Porém, se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio. Também perde o direito à garantia o segurado que agravar intencionalmente o risco objeto do contrato (art. 768, CC). É dever do segurado comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé (art. 769, CC). É lícito ao segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, cientificar-lhe, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato. Neste caso, a resolução só será eficaz 30 (trinta) dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio. Em contrapartida, salvo estipulação em sentido oposto, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado, salvo se a redução do risco for considerável, hipótese em que o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato. O segurador que, ao tempo do contrato, souber estar passado o risco daquilo que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expedir a apólice mesmo assim, incide no dever de pagar em dobro o prêmio estipulado (art. 773, CC). Via de regra, o segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa (art. 776, CC). 3.8.15.1 Seguro de dano Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato (art. 778, CC). O risco do seguro deve compreender todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano ou salvar a coisa. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo de garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador (art. 781, CC). Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, que não tenha sido declarado pelo segurado. Vício

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intrínseco é aquele defeito próprio da coisa, que não se encontra normalmente em outras da mesma espécie. Questão atual diz respeito ao seguro de responsabilidade civil. Por meio deste, especialmente profissionais autônomos, como médicos e dentistas, fazem um seguro que poderá ser acionado casos eles sejam condenados em alguma ação judicial indenizatória. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devido pelo segurado a terceiro. Nesse caso, assim que o segurado tomar ciência das consequências de seu ato, passível de lhe acarretar responsabilidade, deve imediatamente comunicar o fato ao segurador. Mas, nessas ações, é vedado ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador. Ajuizada a ação em face do segurado, este dará ciência da lide ao segurador. Caso o segurador seja insolvente, subsiste a responsabilidade do segurado perante o terceiro. 3.8.15.2 Seguro de pessoas No seguro de pessoas, o capital segurado pode ser livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores (art. 789, CC). No caso de seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado. Há presunção (relativa) de interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente, embora admita-se prova em sentido oposto. Se não houver indicação de uma pessoa para receber o capital do seguro, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem de vocação hereditária (art. 792, CC). Na falta destas pessoas,serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência. A instituição do companheiro (aquele que vive em união estável) como beneficiário é válida, desde que ao tempo do contrato o segurado fosse separado judicialmente, ou já se encontrasse separado de fato. É importante frisar que no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito, nos termos do artigo 794 do Código Civil. No caso de seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro (art. 797, CC). Outra importante disposição legal acerca do seguro, consta do artigo 798 do Código Civil, o qual dispõe que o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso. No

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entanto, ressalvada esta hipótese, é nula a cláusula contratual que exclua o pagamento do capital por suicídio do segurado. Diferentemente do seguro de dano, onde o segurador se sub-roga nos direitos que competirem ao segurado em face do autor do dano, nos seguros de pessoas isso não ocorre, ou seja, o segurador não se sub-roga nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro. 3.8.16 Contrato de constituição de renda No contrato de constituição de renda, uma pessoa (rentista ou censuísta) obriga-se para com outra (rendeiro ou censuário) a uma prestação periódica, a título gratuito, via de regra, mas também a título oneroso, quando são entregues bens móveis ou imóveis à pessoa que se obriga a satisfazer as prestações a favor do credor ou de terceiros. Se o contrato for oneroso, é lícito ao credor, ao contratar, exigir que o rendeiro lhe preste garantia real, ou fidejussória (art. 805, CC). O contrato de constituição de renda é contrato por prazo determinado, ou por vida, podendo ultrapassar a vida do devedor mas não a do credor, seja ele o contratante ou o terceiro (art. 806, CC). O contrato de constituição de renda exige forma determinada, ou seja, é solene. A forma exigida é constituição mediante escritura pública. Não se admite a constituição de renda em favor de pessoa já falecida, ou que, nos 30 (trinta) dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria quando foi celebrado o contrato. O contrato de constituição de renda possui nítida natureza real, pois implica na tradição efetiva de capital. Quando o rendeiro, ou censuário, deixar de cumprir a obrigação estipulada, o credor da renda pode acioná-lo para dois objetivos: a) para que lhe pague as prestações atrasadas; e b) para que lhe dê garantias das futuras, sob pena de rescisão do contrato. O direito de aquisição à renda, opera-se em favor do credor contado dia a dia, se a prestação não houver de ser paga adiantada, no começo de cada um dos períodos prefixos (art. 811, CC). Quando a renda for constituída em benefício de duas ou mais pessoas, sem determinação da parte de cada uma, entende-se que os seus direitos são iguais, e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que morrerem (art. 812, CC). É dado ao instituidor isentar de todas as execuções pendentes e futuras a constituição de renda a título gratuito. Isenção esta que prevalece de pleno direito em favor dos montepios e pensões alimentícias. 3.8.17 Contrato de aposta As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento. No entanto, se essas dívidas foram voluntariamente pagas, não poderão ser

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recobradas, salvo se obtidas por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. Tal disposição é extensiva a qualquer contrato que destine-se a encobrir ou que envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo, mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. Essas aplicações destinam-se, inclusive, a jogos não proibidos, ressalvado apenas os jogos e apostas que são permitidos por lei. Outra importante exceção ao que foi mencionado atine aos prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. Por derradeiro, não há que se falar em re-embolso do que se emprestou para jogo ou aposta, ao menos não naquele empréstimo efetivado no ato de apostar ou jogar. 3.8.18 Contrato de fiança Por meio do contrato de fiança, uma pessoa (fiador) garante que pagará ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. O instituto da fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva. Em outras palavras, não há que se falar em formalização verbal do contrato de fiança, e, a interpretação de suas cláusulas há de ser feita restritivamente. A fiança pode ser estipulada, mesmo sem o consentimento do devedor ou contra a sua vontade, já que se trata de garantia ao credor, sem a qual ele pode desejar não celebrar um determinado negócio jurídico. Estipula o artigo 821 do Código Civil, que as dívidas futuras podem ser objeto de fiança, mas, neste caso, o fiador não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação principal do devedor. Salvo expressa limitação em contrato, a fiança compreende todos os acessórios da dívida principal, inclusive despesas judiciais, desde a citação do fiador. Admite-se que a fiança seja prestada em valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até o limite da obrigação afiançada (art. 823, CC). Não são suscetíveis de fiança as obrigações nulas, salvo se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor. Todavia, esta exceção não abrange a hipótese de contrato de mútuo feito a menor. Enquanto ao devedor não cabe negar o fiador, o mesmo não ocorre com o credor, que pode recusá-lo: a) se não for pessoa idônea; b) se não for domiciliada no município onde tenha de prestar fiança; ou c) se não possuir bens suficientes para cumprir a obrigação. E, ainda, quando o fiador se tornar insolvente ou incapaz, é dado ao credor exigir que ele seja substituído (art. 826, CC).

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3.8.18.1 Efeitos da fiança A fiança impõe ao credor o dever de executar primeiramente os bens do devedor, para apenas depois, caso não encontrados ou insuficientes, se dirigir aos bens do fiador. Trata-se do denominado benefício de ordem, abordado no artigo 827 do Código Civil, o qual dispõe que o fiador demandado pelo pagamento da dívida tem o direito de exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor. Quando o fiador realizar tal pedido, deve também nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembaraçados, quantos bastem para solver o débito. No entanto, o benefício de ordem não aproveita ao fiador: a) se ele o renunciou expressamente; b) se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; c) se o devedor for insolvente, ou falido. Questão que exige atenção do aluno, diz respeito à fiança prestada a um só débito por mais de um fiador. Neste caso, entre os fiadores há compromisso de solidariedade, por expressa determinação legal, embora se admita a declaração de reserva do benefício de divisão, ou seja, se admita o afastamento dos seus efeitos por convenção entre as partes. É, portanto, possível que o contrato fixe que cada fiador será responsável apenas com a parte da dívida que assume sob sua responsabilidade, não estando obrigado por nenhuma outra quantia. Quando o fiador paga a integralidade da dívida, se sub-roga nos direitos do credor, mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota. Quando, entre os fiadores, um se tornar insolvente, sua quota distribuir-se-á pelos demais. Responde o devedor perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e também pelos demais prejuízos que sofrer em razão da fiança (art. 832, CC). É dado ao fiador promover o andamento da execução contra o devedor, quando o credor, sem justa causa, demore a iniciá-la (art. 834, CC). Também é direito do fiador exonerar-se da fiança sempre que esta tiver sido pactuada sem limitação de tempo, caso em que deve notificar o credor, permanecendo obrigado por todos os efeitos da fiança durante 60 (sessenta) dias após esta notificação. A obrigação do fiador é transmissível, e passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até morte do fiador, além de não poder ultrapassar as forças da herança. 3.8.18.2 Extinção da fiança Permite-se ao fiador opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso de mútuo feito a menor (art. 837, CC).

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Por estipulação do artigo 838 do Código Civil, ainda que solidário, fica desobrigado o fiador: a) se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor; b) se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências; c) se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção. Caso invocado o benefício de exceção e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, desde que prove que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada (art. 839, CC). 4. RESPONSABILIDADE CIVIL Da violação a um dever jurídico originário, isto é, uma obrigação, surge um dever jurídico sucessivo (ou decorrente), qual seja, a responsabilidade. Quando uma obrigação é descumprida, outra surge, emerge a figura da responsabilidade, isto é, o dever reparatório ou compensatório oriundo da quebra de um dever preexistente (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 2). O Código Civil vigente instituiu a obrigatoriedade reparatória (ou indenizatória), consoante artigo 927: aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Pois, em sendo o dever de indenizar, uma obrigação, soma-se esta às demais espécies (de dar, fazer ou não fazer), embora seja ela dotada de peculiar característica, qual seja, a necessidade da ocorrência de um ato ilícito que viole um dever jurídico originário, isto é, que viole uma obrigação de dar, fazer ou não fazer. Portanto, o ato ilícito é a fonte da obrigação indenizatória (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 3). Esse dever de reparar, como exposto, encontra respaldo legal, portanto, goza de natureza jurídica legal, e não voluntária, como característico das demais modalidades obrigacionais. O dever de reparar um dano pode seguir a natureza do bem lesionado, mas isso pode não ser possível, casos em que ter-se-á compensação do bem ou direito prejudicado, por prestação pecuniária. Quando se tem uma obrigação de dar descumprida, mais facilmente pode-se recompor o objeto perdido, embora nem sempre isso seja possível diante de uma peculiar natureza que pode assumir determinado bem perante tal espécie obrigacional. No entanto, é nas obrigações de fazer e não fazer que a visualização da natureza compensatória da indenização se fará presente de maneira mais intensa, posto que, em não raros casos, não será possível recompor o que fora lesado.

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Todo aquele que por ação ou omissão praticar conduta negligente, imprudente ou imperita, e violar direito ou causar dano a outrem, ainda que de natureza exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186, CC). Também comete ato ilícito o titular de um direito que o exerce excedendo os limites impostos por sua finalidade econômica, social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, na típica figura do abuso de direito, descrito no artigo 187 do Código Civil. É importante salientar que não constituem atos ilícitos, no entanto: a) os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; e b) a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente, desde que o ato seja legítimo e que as circunstâncias o tornem estritamente necessário, não sendo excedidos os limites do indispensável para a remoção do perigo. A responsabilidade civil pode ter diferentes origens, pelo que a doutrina costuma separá-la nas seguintes espécies: a) Responsabilidade civil, penal e administrativa Uma conduta pode ao mesmo tempo, se subsumir à esferas jurídicas de naturezas distintas. Tais naturezas revelam os bens e direitos por elas tutelados. Tanto o ilícito civil quanto o penal importam na violação de um dever jurídico, em infração da lei. A principal diferença entre a ilicitude penal e a civil é gravidade das condutas humanas e dos bens sociais atingidos, guardados os de maior relevância à tutela da lei penal, e os de menor à lei civil. Quando a responsabilidade penal atinge a pessoa, é intransmissível, ao contrário da civil, que pode ser transmitida em alguns casos, ainda que a pessoa não tenha, diretamente, praticado o ilícito. À esfera administrativa resta a tutela de bens e direitos que, por vezes, não ensejarão efeitos jurídicos civis ou penais, no mesmo sentido em que um ilícito civil nem sempre dá ensejo à ocorrência de um ilícito penal. b) Responsabilidade contratual e extracontratual Também a responsabilidade civil pode ser dividida, de acordo com a fonte do dever primário que foi violado. Diz-se que a responsabilidade é contratual se entre as partes existia um contrato, ainda que não escrito e tácito. Por sua vez, responsabilidade extracontratual é aquela que deriva, sem maior aprofundamento, de uma violação legal genérica e abstrata. É contratual a responsabilidade por uma conduta culposa de um médico que realiza a amputação equivocada de um membro do paciente, após regular consulta. No entanto, é extracontratual o atendimento prestado por um médico que ao caminhar pela rua encontra uma pessoa desfalecida. c) Responsabilidade subjetiva e objetiva Se na antiguidade poderíamos apontar que só possuiria responsabilidade por um fato, aquele que culposamente contribuísse para sua ocorrência, a evolução do ordenamento jurídico mostrou que tal verdade não era absoluta. O Brasil adota duas modalidades de responsabilidade: uma que só resta caracterizada com a prova da culpa, titulada subjetiva (ou teoria da

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culpa); e a que se caracteriza independentemente dela, titulada objetiva (ou teoria do risco). Acerca da responsabilidade objetiva, dispõe o parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil que há obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4.1 Pressupostos da responsabilidade civil subjetiva Três são os pressupostos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva. Há que se falar na ocorrência de um prejuízo, por meio da violação de um direito ou ocorrência de um dano, ainda que exclusivamente moral, por meio de uma conduta culposa, sendo que entre a conduta e o dano há que haver uma correlação lógica. Fala-se, portanto, em culpa, dano e nexo causal. Nestes termos, passa-se à análise desses três mencionados pressupostos exigidos pela teoria da culpa, ou, responsabilidade subjetiva: a) Culpa O homem deve pautar sua conduta social, de modo a não causar quaisquer danos a outrem. Portanto, culpa é o conteúdo de um conduta que causa dano a outrem. Quando um agente atua irregularmente ou deixa de atuar quando deveria, tem-se uma conduta culposa, isto é, um atuar negligente, imprudente ou imperito. A expressão culpa pode ser usada em sentido amplo, isto é, compreendendo dolo e culpa ou em sentido estrito, compreendendo apenas a conduta culposa propriamente dita. Ambos refletem o conteúdo subjetivo de uma conduta, sendo o primeiro intencional, elemento subjetivo que se presente acarretara, via de regra, sanção penal em concomitância com a civil, ante a natureza do bem jurídico intencionalmente lesionado. Já a culpa reflete uma conduta voluntária (ab initio) que produz resultado involuntário, mas previsível, ocorrido em função de uma conduta negligente, imprudente ou imperita. Enquanto a conduta dolosa nasce ilícita, a culposa nasce lícita, tornando-se ilícita apenas no desenrolar dos fatos (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 31). Há que se expor, ainda, que a conduta pode ser classificada como gênero, da qual são espécies, a ação e a omissão. Enquanto a vontade da conduta representa seu elemento subjetivo, a ação ou omissão representa seu elemento objetivo (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 24). b) Nexo causal O nexo de causalidade é, induvidosamente, o centro de maiores discussões acerca das possibilidades responsabilizatórias. Criaram-se inúmeras teorias na tentativa de melhor oportunizar a configuração do quadro responsabilizatório.

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Segundo Carlos Roberto Gonçalves, não são passíveis de serem responsabilizados todos os agentes que, de algum modo contribuíram para ocorrência do evento danoso, mas somente aquele que deu causa ao evento que estará em relação de imediaticidade com o dano verificado. Mas a imediatez não bastará se não se provar que a causa é também o motivo direto da ocorrência do dano, levando a conclusão de que não seria “indenizável o chamado 'dano remoto', que seria consequência 'indireta' do inadimplemento, envolvendo lucros cessantes para cuja caracterização tivessem de concorrer outros fatores” (GOLÇALVES, 2009, p. 333). c) Dano O dano é o terceiro elemento na responsabilidade civil, sem o qual não será possível afirmar que a mesma restará caracterizada, uma vez que “pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano” (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 70). O dano pode assumir diferentes naturezas, pode ser material ou moral, podendo, inclusive, serem cumuláveis as indenizações por lesão concomitante à estas duas esferas. Dano material alberga a lesão ao patrimônio, bem como à integridade física humana, dividindo-se em dano emergente e lucro cessante. Por dano emergente, entende-se o prejuízo efetivamente gerado à vítima. Doutro lado, lucro cessante é o lucro futuro e certo que a vítima deixou de auferir em função do dano suportado. O dever reparatório decorrente de prejuízos efetivamente suportados engloba “tudo aquilo que se perdeu, sendo certo que a indenização haverá de ser suficiente para a restitutio in integrum” (CAVALIEIRI FILHO, 2007, p. 72). Dano moral, por sua vez, pode ser conceituado como aquele dano que não possui natureza patrimonial. A lesão moral também não reflete apenas “a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano” (GONÇALVES, 2009, p. 359). O dano moral é a violação do direito à dignidade da pessoa humana. 4.2 Obrigação de indenizar O Código Civil elenca diversas hipóteses em que há responsabilidade de determinadas pessoas, em razão dos atos ilícitos praticados por outrem. Dispõe o artigo 932 do Código Civil, que são responsáveis pela reparação civil: a) os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; b) o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; c) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

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d) os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; e) os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. O incapaz, nos termos do artigo 928, só responde pelos prejuízos que causar quando seus responsáveis legais não tiverem obrigação de fazê-lo, ou quando não dispuserem de meios suficientes. No caso de responsabilidade de incapazes, esta deverá ser equitativa, e não pode privá-lo do necessário. Via de regra, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. O empregador também é responsável por dano causado por empregado seu, ainda que praticado com desvio de atribuição, desde que se prove que a vítima não possua conhecimento desse desvio. O dono ou detentor do animal tem o dever de ressarcir o dano que este causar, salvo se provada culpa da vítima ou evento de força maior (art. 936, CC). O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta (art. 937, CC). Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. Todo aquele que ressarcir o dano causado por outrem tem o direito de reaver o que houver pago daquele por quem pagou, exceto se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano, e, quando a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Por fim, cumpre salientar que o direito de exigir a reparação, bem como o dever de prestá-la são transmitem-se com a herança, nos termos em que dispõe o artigo 943, do Código Civil.

5. DIREITO DAS COISAS O Livro III, da Parte Especial, do Código Civil, aborda o Direito das Coisas, estando separado em 10 Títulos, quais sejam: da posse; dos direitos reais; da propriedade; da superfície; das servidões; do usufruto; do uso; da habitação; do direito do promitente comprador; e do penhor, da hipoteca e da anticrese. Seguindo a ordem legal, o presente estudo tem início com a posse. 5.1 Posse Recomenda-se ao aluno o estudo do instituto da posse em comparação ao da propriedade, pois em exames públicos há frequentes

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questionamentos que os comparam, buscando extrair do aluno o exato conhecimento de cada qual. O estudo da posse tem início com a análise de duas teorias sobre seus elementos: a teoria objetiva, de Jhering, e a teoria subjetiva, de Savigny. Para Savigny, a posse exige dois elementos: corpus e animus. Corpus é o elemento físico, isto é, o contato direto do possuidor com a coisa, inclusive o direito de vetar interferências de terceiros estranhos. Animus é o elemento subjetivo, isto é, a vontade do possuidor de, efetivamente, possuir a coisa. Savigny reputa necessário a concomitância dos dois mencionados elementos para que se possa falar em posse, e, por entender necessário o elemento subjetivo (animus) sua teoria ficou batizada como subjetiva. Já Jhering, reputa que o animus não é elemento autônomo, estando contido no elemento corpus, em verdade. Em razão da defesa pela existência apenas do elemento corpus, a teoria de Jhering foi batizada de teoria objetiva, em contraposição a teoria de Savigny. Segundo Jhering, o que importa é a fixação do destino econômico da coisa. A teor do artigo 1.196 do Código Civil, fica claro que a teoria adotada no Brasil foi a mesma defendida por Jhering, isto é, a teoria objetiva. Dispõe o mencionado artigo que considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Como se nota, possuidor é aquele que, efetivamente, exerce um dos direitos inerentes à propriedade (corpus), sem que haja menção da necessidade acerca da vontade do agente em ser possuidor (animus). Na sequência, logo no artigo 1.197, o Código Civil apresenta outra distinção, decorrente da adoção da teoria de Jhering. Dispõe o artigo mencionado que a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. Como se extrai da combinação dos dispositivos 1.196 e 1.197, a posse é verificada mediante o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade. Portanto, ao possuidor cabe o exercício de algum poder que é inerente à propriedade, enquanto que ao proprietário continuam disponíveis todos os demais poderes inerentes à propriedade. Nesse contexto, extrai-se que o possuidor detém a posse direta da coisa, pois com ela mantém contato físico, enquanto que ao proprietário resta a posse indireta da coisa, já que permanece sem esse contato físico. A posse recebeu ampla proteção do ordenamento pátrio, garantindo-se ao possuidor direito sua defesa até mesmo contra o possuidor indireto (proprietário), desde que presentes os requisitos legais, naturalmente. É por isso que um locador (proprietário, ou possuidor indireto) não pode retirar o locatário (possuidor direito, ou, apenas possuidor) do imóvel legalmente locado por mero arbítrio, sem qualquer fundamento legal. Outra questão que mereceu atenção legal atine ao detentor, que não se confunde com o possuidor. O detentor é aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Como se nota, o mero detentor, também chamado de fâmulo da posse, ou, ainda, servidor da

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posse, não tem posse própria da coisa, mas sim a posse em nome e em cumprimento de ordens e instruções de outrem. É típico exemplo de fâmulo da posse, o caseiro. Todo aquele que inicia seu comportamento em relação à coisa como mero detentor, assim presume-se até prova em sentido contrário. Há possibilidade de duas ou mais pessoas exercerem a posse sobre uma coisa indivisa, caso em que se está a tratar da composse. É dado a cada um dos compossuidores exercer os atos possessórios sobre a coisa, desde que não excluam os dos outros. Quanto a composse, sabe-se que ela pode ser pro indiviso ou pro diviso. A primeira ocorre quando os compossuidores exercem conjuntamente a posse sobre a integralidade da coisa, ao passo que a segunda se verifica quando os compossuidores dividem o exercício da posse, cada qual sobre pré-determinada parte da coisa. O artigo 1.200 do Código Civil dispõe que a posse considera-se justa quando não for violenta, clandestina ou precária. Posse violenta é aquele derivada de força física ou grave ameaça. Posse clandestina é aquela estabelecida de forma não ostensiva, isto é, aquela obtida ocultamente. Por sua vez, posse precária é aquela que se inicia justa, mas se torna injusta por ato de abuso da confiança. Se diz que a posse é de boa-fé quando o possuidor ignorar a existência de vício, ou de obstáculo que impeça a aquisição da coisa. Adquirida a coisa por meio de justo título, presume-se (relativamente) a boa-fé, salvo prova em sentido oposto ou mediante hipóteses que a lei expressamente não admitir esta presunção. No entanto, a posse de boa-fé perde esse caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Além das apresentadas, a doutrina ainda elenca outras classificações para a posse. Segundo ao prazo de duração, pode-se dizer que a posse é nova, quando instaurada em menos de ano e dia, enquanto que pode-se dizer que a posse é velha, quando instaurada em mais de ano e dia, diferenças relevantes do que atine as ações possessórias. A posse pode ainda ser classificada em jus possidendi e jus possessionis. No primeiro caso, há um título, um documento que fundamenta a regularidade da posse, enquanto que no segundo inexiste tal título ou documento, isto é, a posse não está apoiada em nenhum título. E, ainda há que se distinguir entre posse ad interdicta e ad usucapionem. A primeira é que permite ao possuidor a utilização dos chamados interditos possessórios, sempre que sofrer esbulho, turbação ou ameaça em sua posse. Já a segunda é a posse que objetiva a aquisição da propriedade por meio da usucapião. 5.1.1 Aquisição da posse Considera-se adquirida a posse assim que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos direitos inerentes à propriedade. A posse pode ser adquirida:

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a) pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; ou b) por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. A posse é transmissível aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres (art. 1.206, CC). Ao sucessor universal é dado o direito de continuar a posse de seu antecessor, e, ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais (art. 1.207, CC). Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos, salvo quando depois de cessada a violência ou a clandestinidade. 5.1.2 Efeitos da posse O possuidor tem o direito de ser mantido na posse em caso turbação, de ser restituído no caso de esbulho, e de ser segurado no caso de violência iminente, caso tenha justo receio de ser molestado em sua posse (art. 1.210, CC). Turbação é agressão dirigida à posse, mas que não exclui o legítimo possuidor de seu completo exercício. Há turbação quando o possuidor ainda consegue exercer parcialmente a posse sobre a coisa. Esbulho é a agressão que exclui o exercício da posse por seu legítimo possuidor. Há esbulho quando o possuidor é completamente privado de exercer seu direito à posse. Ameaça é a iminência de agressão à posse, a qual, se concretizada, poderá privar o legítimo possuidor se exercê-la total (esbulho) ou parcialmente (turbação). Tanto no caso de turbação como de esbulho, admite-se que o legítimo possuidor mantenha-se ou restitua-se por sua própria força, desde que o faça logo que se verifique a agressão à posse. Note-se que se trata de hipótese excepcional em que o Estado delega ao particular a resolução de seus conflitos, por meio do uso da própria força. No entanto, os atos de defesa não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse. Também há que se estar atento que, quanto se tratar de mera ameça, nenhuma conduta foi autorizada ao possuidor. Não se confundem os direitos à posse e à propriedade, tanto que não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora da coisa, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, desde que não esteja manifesto que a obteve de alguma das outras partes por modo vicioso. É dado ao possuidor o direito de intentar ação de esbulho, ou a indenização contra terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era. Nos termos do artigo 1.214 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. No entanto, os frutos pendentes devem ser restituídos ao tempo em que cessar a boa-fé, depois de deduzidas as despesas de produção e custeio. Também dever ser restituídos os frutos colhidos antecipadamente.

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Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados. Já os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, assim como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constitui de má-fé. No entanto, confere-se ao possuidor de má-fé o direito de ser ressarcido pelas despesas que teve com a produção e custeio. O possuidor de boa-fé não responde pela perda, nem pela deterioração da coisa, a que não der causa. Já o possuidor de má-fé, responde pela perda, e pela deterioração da coisa, ainda que acidentais, exceto se provar que de igual modo se teriam dado, caso estivessem na posse do reivindicante. Ao possuidor de boa-fé confere-se o direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis. Quanto as benfeitorias voluptuárias, se não lhe forem pagas, tem o direito de levantá-las, desde que sem detrimento da coisa. O possuidor de boa-fé pode exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, mas não pelo valor das benfeitorias voluptuárias. Ao possuidor de má-fé, em contrapartida, serão indenizadas apenas as benfeitorias necessárias, mas não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o direito de levantar as voluptuárias. Permite-se que o valor das benfeitorias seja compensado com o valor dos danos, e só há obrigatoriedade de ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem. Quando o reivindicante for obrigado a indenizar as benfeitorias realizadas pelo possuidor de má-fé, poderá optar entre o seu valor atual e o seu custo. Entretanto, quanto ao possuidor de boa-fé, deve indenizar pelo valor atual. 5.1.3 Perda da posse Considera-se perdida a posse quando cessa, ainda que contra a vontade do possuidor, o exercício de um dos poderes inerentes à propriedade. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido (art. 1.224, CC). 5.2 Direitos reais Enquanto o direito pessoal une duas ou mais pessoas por uma relação obrigacional, cujo vínculo fica restrito às partes, o direito real reflete a relação jurídica estabelecida entre uma coisa e uma ou mais pessoas, cujo vínculo tem de ser respeitado por todos (eficácia erga omnes). Os direitos reais visam regular a aquisição, conservação e a perda do exercício de poderes sobre os bens e sobre os meios de utilização econômica dos mesmos.

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O artigo 1.225 do Código Civil apresenta, em rol taxativo, os direitos reais, quais sejam: i) a propriedade; ii) a superfície; iii) as servidões; iv) o usufruto; v) o uso; vi) a habitação; vii) o direito do promitente comprador do imóvel; viii) o penhor; ix) a hipoteca; x) a anticrese; xi) a concessão de uso especial para fins de moradia; e xii) a concessão de direito real de uso. Com exceção das duas últimas hipóteses, todas as demais constaram da redação original do Código Civil. A concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso são inovações trazidas pela Lei n.º 11.481/2007. Enquanto os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição (entrega efetiva da coisa), os direitos reais sobre imóveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro do respectivo título no competente Cartório de Registro de Imóveis, salvo as exceções legais. Apresentados os direitos reais, a doutrina costuma separá-los em dois grupos: a) direitos reais de gozo (ou de fruição); e b) direitos reais de garantia. Assim, são direitos reais de gozo (ou de fruição): i) a propriedade; ii) a superfície; iii) as servidões; iv) o usufruto; v) o uso; vi) a habitação; vii) o direito do promitente comprador do imóvel; viii) a concessão de uso especial para fins de moradia; e ix) a concessão de direito real de uso. Por sua vez, são direitos reais de garantia: i) o penhor; ii) a hipoteca; iii) a anticrese.

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5.2.1 Direitos reais de fruição (ou de gozo) 5.2.1.1 Propriedade O direito de propriedade é o direito que confere ao seu detentor a maior gama de possibilidades acerca do objeto à ele relacionado. Nos termos do artigo 1.231 do Código Civil, a propriedade presume-se (relativamente) plena e exclusiva, até prova em contrário. Nos termos do artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de: a) usar; b) gozar; c) dispor; e d) reaver a coisa do poder de quem quer que a injustamente possua ou detenha. Assim como o direito de propriedade tem previsão constitucional, também o tem a exigência de que se cumpra sua função social. Nesse contexto, exige-se que o direito de propriedade seja exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. Também dirige-se ao proprietário a proibição de praticar qualquer ato que não lhe traga comodidade, ou utilidade, e sejam, na verdade, animados pela intenção de prejudicar outrem. Consabido, o direito de propriedade não é absoluto. O proprietário pode ser privado de seu seu direito nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. Outra hipótese de privação do direito de propriedade imóvel é a reivindicação de extensa área, na qual seja exercida posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o juiz fixará justa indenização para o proprietário, valendo a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. É importante mencionar que a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las, nos termos do artigo 1.229 do Código Civil. No entanto, a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais. Ao proprietário do solo é dado o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial.

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5.2.1.1.1 Aquisição da propriedade imóvel A propriedade imóvel pode ser adquirida de forma originária ou derivada. É forma de aquisição originária da propriedade imóvel: a) a usucapião; e b) a acessão. Por sua, vez, é forma de aquisição derivada da propriedade imóvel: a) o registro do título; e b) a transmissão hereditária. 5.2.1.1.1.1 Usucapião A usucapião é a maneira pela qual o possuidor, uma vez preenchidos os requisitos, adquire a propriedade de um bem imóvel. A usucapião possui disciplina legal, mas também constitucional, nos termos apresentados no módulo de Direito Constitucional. Legalmente, três hipóteses de usucapião podem ser apresentadas, enquanto que outras duas hipóteses são encontradas no texto constitucional, conhecidas estas como usucapião especial. Dentre as hipóteses legais, existe o: a) usucapião ordinário; b) usucapião extraordinário; e a c) usucapião coletiva de imóveis urbanos. Por sua vez, dentre as hipóteses constitucionais (usucapião especial), existe o: a) usucapião constitucional rural; e a b) usucapião constitucional urbana. 5.2.1.1.1.1.1 Usucapião ordinário Adquire a propriedade do imóvel por usucapião aquele que exercer sua posse: a) contínua e incontestadamente; b) com justo título e boa-fé; e c) pelo prazo de 10 (dez) anos. O prazo de 10 (dez) poderá ser reduzido para 5 (cinco) anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Admite-se que para o cômputo do prazo necessário, o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores, posto que, como mencionado, a posse é transmissível. No entanto, a posse dos antecessores, neste caso, também deve ter sido contínua, pacífica, com justo título e de boa-fé.

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5.2.1.1.1.1.2 Usucapião extraordinário Adquire a propriedade do imóvel por usucapião aquele que exercer sua posse: a) por 15 (quinze) anos; b) sem interrupção, nem oposição. Na usucapião extraordinário exige-se apenas que o possuidor atue como se fosse seu o imóvel, independentemente de título e de boa-fé. A sentença que declarar a aquisição da propriedade servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Este prazo poderá ser reduzido para 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nela realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Admite-se que para o cômputo do prazo necessário, o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores, posto que, como mencionado, a posse é transmissível. No entanto, a posse dos antecessores, neste caso, também deve ter sido contínua e sem oposição. 5.2.1.1.1.1.3 Usucapião coletiva de imóveis urbanos As áreas urbanas com mais de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural (art. 10, Lei n.º 10.257/01 – Estatuto da Cidade). Portanto, são requisitos da usucapião coletiva de imóveis urbanos: a) área com mais de 250m², ocupada por população de baixa renda para moradia; b) pelo prazo de 5 anos; c) ininterruptamente e sem oposição; d) impossibilidade de identificar os terrenos ocupados por cada possuidor; e e) que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Admite-se que o possuidor, para o fim de contar o prazo exigido, acrescente sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. A sentença do juiz que declarar a usucapião especial servirá de título para registro no Cartório de Registro de Imóveis. Nesta sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

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5.2.1.1.1.1.4 Usucapião constitucional rural Para aquisição da propriedade mediante usucapião constitucional urbano, são requisitos: a) que a pessoa não seja proprietária de outro imóvel urbano ou rural; b) que exerça a posse no imóvel por 5 anos, ininterruptamente e sem oposição; c) que a área rural não ultrapasse 50 hectares; d) que a área rural tenha sido tornada produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela moradia. O artigo 191, parágrafo único, assim como o artigo 183, §3º, ambos da CRFB/88, informam que imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Admite-se que para o cômputo do prazo necessário, o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores, posto que, como mencionado, a posse é transmissível. No entanto, a posse dos antecessores, neste caso, também deve ter sido contínua e pacífica. 5.2.1.1.1.1.5 Usucapião constitucional urbano Para aquisição da propriedade mediante usucapião constitucional urbano, são requisitos: a) que a área urbana não ultrapasse 250m²; b) que a posse seja exercida por 5 anos, ininterruptamente e sem oposição; c) que o local sirva para sua moradia ou de sua família; d) que a pessoa não seja proprietária de outro imóvel urbano ou rural. Admite-se que para o cômputo do prazo necessário, o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores, posto que, como mencionado, a posse é transmissível. No entanto, a posse dos antecessores, neste caso, também deve ter sido contínua e pacífica. Vale recordar que imóveis públicos não são passíveis de aquisição por usucapião. 5.2.1.1.1.2 Aquisição pelo registro do título O método mais comum de aquisição da propriedade ocorre mediante o registro de seu título. Após a negociação das partes, a propriedade só considera-se definitivamente transferida ao adquirente após o registro do título. Ao contrário da usucapião, que é considerada modalidade originária de aquisição da propriedade, a aquisição pelo registro do título é modalidade derivada de aquisição, uma vez que a propriedade foi transferida de uma pessoa para outra. A usucapião, diferentemente, considera-se aquisição originária porque antes da ocupação, o imóvel estava abandonado, e assim permaneceu durante todo o tempo em que permitiu ao possuidor nele permanecer para fins de cômputo do prazo da usucapião.

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A transferência entre vivos da propriedade, portanto, ocorre mediante o registro do título no competente Cartório de Registro de Imóveis. Enquanto não efetuado o registro, o imóvel continua a pertencer ao alienante. Em contrapartida, registrado o imóvel e proposta ação para invalidar o registro, enquanto não proferida decisão definitiva com a decretação do cancelamento, considera-se o adquirente como dono do imóvel. É eficaz o registro desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo. Quando, porém, o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se ratifique ou anule. Uma vez cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente de boa-fé ou do título de terceiro adquirente. 5.2.1.1.1.3 Aquisição por acessão A aquisição por acessão, assim como a usucapião, traduz hipótese de aquisição originária da propriedade, isto é, aquele que a ninguém pertencia antes de ser agregada ao atual proprietário. A acessão pode dar-se: a) por formação de ilhas; b) por aluvião; c) por avulsão; d) por abandono de álveo; ou e) por plantações ou construções. 5.2.1.1.1.3.1 Ilhas Pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros as ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares observadas as regras seguintes: a) as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais; b) as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado; c) as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram. 5.2.1.1.1.3.2 Aluvião Considera-se aluvião, os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens

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das correntes, ou pelo desvio das águas destas, os quais pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização. Quando o terreno aluvial se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem. 5.2.1.1.1.3.3 Da Avulsão Ocorre a avulsão quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, hipótese em que o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, desde que indenize o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado. Todavia, recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida. 5.2.1.1.1.3.4 Álveo Abandonado O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo. 5.2.1.1.1.3.5 Das Construções e Plantações Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se (relativamente) feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário. Estipula o artigo 1.254 do Código Civil, que todo aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes, no entanto, fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agir de má-fé. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, mas se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. Quando a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo. Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões. Há presunção de má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua. O mesmo se aplica ao caso de não pertencerem as sementes, plantas ou materiais a quem de boa-fé os empregou em solo alheio. Neste caso, o proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor.

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Caso a construção tenha sido feita parcialmente em solo próprio, invadindo solo alheio em proporção não superior à 20ª (vigésima) parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente. Mas, se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro. 5.2.1.1.2 Aquisição da propriedade móvel A propriedade móvel pode ser adquirida de forma originária ou derivada. É forma de aquisição originária da propriedade móvel: i) a usucapião; e ii) a ocupação. Por sua vez, é forma de aquisição derivada da propriedade móvel: i) o achado de tesouro; ii) a tradição; iii) a especificação; iv) a confusão; v) a comistão; e vi) a adjunção. 5.2.1.1.2.1 Usucapião A usucapião da propriedade móvel divide-se em ordinária e extraordinária. É ordinária a usucapião quando o possuidor: a) possuir a coisa por 3 (três) anos; b) a posse deve ser contínua e ininterrupta; c) a posse deve ser exercida com justo título e boa-fé. Por sua vez, será extraordinária a usucapião quando o possuidor exercer a posse da coisa por 5 (cinco) anos, independentemente de título ou boa-fé. 5.2.1.1.2.2 Ocupação Dá-se a ocupação quando alguém se assenhorar de coisa sem dono, quando logo lhe adquire a propriedade, desde que essa ocupação não seja proibida por lei.

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A ocupação, assim como a usucapião, como se disse, são meios de aquisição originária da propriedade, haja vista o abandono anterior ou a simples inexistência de dono. 5.2.1.1.2.3 Achado de tesouro Tesouro é o depósito antigo de coisas preciosas, que esteja oculto e de cujo dono não haja memória. Achado o tesouro, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e aquele que achar o tesouro casualmente. No entanto, o tesouro pertencerá integralmente ao dono do prédio, se for achado por ele, ou se for encontrado em pesquisa por ele ordenada, ou, ainda, por terceiro sem autorização. Quando o tesouro for encontrado em terreno aforado, será dividido entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por completo quando ele mesmo seja o descobridor. 5.2.1.1.2.4 Tradição Enquanto o método mais tradicional de aquisição da propriedade imóvel é o registro no competente Cartório de Registro de Imóveis, o método mais tradicional de transferência da propriedade móvel é a tradição, isto é, a entrega efetiva do bem do alienante ao adquirente. Nos termos do artigo 1.267 do Código Civil, não há transferência da propriedade móvel antes da tradição. Segundo a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa, há 3 (três) modalidades de tradição: a) real, isto é, aquela em que há a efetiva entrega da coisa pelo alienante ao adquirente; b) simbólica, isto é, aquele que não ocorre materialmente, mas através de um símbolo, como a entrega da chave de um veículo; ou c) constituto possessório, isto é, muito embora o transmitente tenha transferido a propriedade (posse indireta), continuará com a posse direta. Por exemplo, o transmitente vende um veículo, mas o adquirente concede um empréstimo gratuito do bem até que o transmitente adquira outro. Mas, ainda fala-se em tradição ficta, isto é, aquela em que o titular cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro. O que se verifica, nessa hipótese, é a transferência da posse indireta, já que a posse direta está com um terceiro. Essa hipótese é também chamada de traditio longa manu. Outra hipótese de tradição é aquele verificada quando o adquirente já está na posse (direta) da coisa, por ocasião de negócio jurídico, e, adquire também a posse indireta. Por exemplo, quando o locatário adquire o bem locado. Essa hipótese é chamada pela doutrina de traditio brevi manu. Quando a tradição é feita por quem não seja o proprietário, não transfere a propriedade, salvo se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono

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(art. 1.268, CC). Em estando o adquirente de boa-fé, se o alienante adquirir somente em momento posterior a propriedade, considerar-se-á realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição. Naturalmente, quando a tradição tiver por título um negócio jurídico nulo, não será apta à transferência da propriedade. 5.2.1.1.2.5 Especificação Aquele que, trabalhando em matéria-prima parcialmente alheia, obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à forma anterior (art. 1.269, CC). Quando toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir à forma precedente, será do especificador de boa-fé a espécie nova. Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se a espécie nova se obteve de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima. No entanto, em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura, escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie nova será do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima. Os que sofrerem prejuízos em decorrência das hipóteses acima mencionadas tem o direito de serem ressarcidas dos prejuízos suportados, exceto o especificador de má-fé, quanto a atuação em matéria integralmente alheia que não se puder reduzir à forma precedente. 5.2.1.1.2.6 Confusão, comistão e adjunção Confusão é a mescla, a mistura de coisas líquidas. Comistão é a mescla, ou mistura de coisas sólidas. Já a adjunção é a justaposição de uma coisa a outra, sem a possibilidade de separação. As coisas pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou adjuntadas sem o consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, desde que seja possível separá-las sem deterioração. Se não for possível a separação das coisas, ou se exigir dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado, formando-se um condomínio por determinação legal. Quando uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do todo, hipótese em que deverá indenizar os demais. Caso a confusão, a comissão ou a adjunção tenha se operado de má-fé, à outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu e abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que terá direito a ser indenizado. Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à confusão, comissão ou adjunção aplicam-se as normas da especificação.

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5.2.1.2 Perda da propriedade Além de outras causas consideradas pelo Código Civil como aptas a gerarem a perda da propriedade, seu artigo 1.275 aponta como causas de tal ocorrência: i) alienação; ii) renúncia; iii) abandono; iv) perecimento da coisa; v) desapropriação. Na hipótese de alienação, os efeitos da perda da propriedade subordinam-se ao registro do título de transmissão no Cartório de Registro de Imóveis, enquanto que na hipótese de renúncia, seus efeitos também subordinam-se ao registro do ato renunciativo no competente Cartório de Registro de Imóveis. Abandonado o imóvel, será passível de usucapião se alguém o possuir preenchendo os requisitos legais, mas caso ninguém lhe assuma a posse, poderá ser arrecadado, como bem vago (sem dono), e passar, 3 (três) anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. O imóvel que estiver situado na zona rural e for abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, 3 (três) anos depois, à propriedade da União, onde quer que se localize. Portanto, como se percebe, em se tratando de imóvel urbano, cabe ao Município (ou ao Distrito Federal, se situado na respectiva circunscrição) adquirir-lhe a propriedade, enquanto que o imóvel rural, cabe à União a aquisição da propriedade. Quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais, pesa presunção absoluta de abandono e, portanto, sujeição à aquisição pelo Município (ou Distrito Federal), se imóvel urbano, ou pela União, se imóvel rural. 5.2.1.1.3 Direitos de vizinhança Como é sugestiva a expressão, os direitos de vizinhança destinam-se à regulamentação das relações entre vizinhos e dividem-se em: a) uso anormal da propriedade; b) árvores limítrofes; c) passagem forçada; d) passagem de cabos e tubulações; e) águas; f) limites entre prédios e direito de tapagem; g) direito de construir

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5.2.1.1.3.1 Uso anormal da propriedade; É dado ao proprietário ou possuidor de um prédio fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização da propriedade vizinha (art. 1.277, CC). As interferências são proibidas de acordo com a natureza da utilização, da localização do prédio, desde que atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, bem como os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança. Não prevalece o direito acima mencionado, todavia, se as interferências forem justificadas por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal (art. 1.278, CC). Também é dado ao proprietário ou possuidor o direito de exigir que o dono de prédio vizinho realize sua demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente (art. 1.280, CC). O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual, nos termos do artigo 1.281 do Código Civil. 5.2.1.1.3.2 Árvores limítrofes A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes (art. 1.282, CC). As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido (art. 1.283, CC). Por sua vez, os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular (art. 1.284, CC). 5.2.1.1.3.3 Passagem forçada O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário (art. 1.285, CC). Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem. Caso ocorra a alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem. O mesmo aplica-se quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

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5.2.1.1.3.4 Passagem de cabos e tubulações É dever do proprietário tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente oneroso, mas mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente. O proprietário prejudicado tem o direito de exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel. Nos termos do artigo 1.287 do Código Civil, se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança. 5.2.1.1.3.5 Águas O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado, na forma do artigo 1.288 do Código Civil, a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. Entretanto, a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior. Como se vê, diante de situações em que as águas correm naturalmente, o dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas do prédio superior. Mas, em se tratando de águas levadas artificialmente ao prédio superior, e a partir daí correrem para o inferior, poderá o dono desde reclamar que se desviem, ou que seja indenizado pelo prejuízo que suportar. É vedado ao possuidor ou dono de imóvel superior, que polua as águas indispensáveis às necessidades básicas dos possuidores ou donos dos imóveis inferiores. Na forma do artigo 1.293 do Código Civil, permite-se a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, a construção de canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos. 5.2.1.1.3.6 Limites entre prédios e direito de tapagem É dado ao proprietário o direito de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas (art. 1.297, CC).

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Os intervalos, muros, cercas e quaisquer tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se (relativamente), até prova em contrário, pertencentes a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação. 5.2.1.1.3.7 Direito de construir O proprietário tem o direito de levantar em seu terreno as construções que bem entender, desde que não viole o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. Dentre as vedações, estipula-se que o proprietário não pode construir de maneira a despejar a água de seu prédio, sobre prédios vizinhos. Também é proibido abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de 1,5m (um metro e meio) do terreno vizinho. Já as janelas cuja visão incida sobre a linhas divisórias, assim como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de 75cm (setenta e cinco centímetros). O proprietário prejudicado tem o prazo de ano e dia após a conclusão da obra para exigir que se desfaça a janela, sacada, terraço ou goteira sobre seu prédio. Findo o prazo, perde seu direito, e não poderá, por sua vez, edificar sem atender as limitações acima apresentadas, tão pouco impedir ou dificultar o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade (parágrafo único, art. 1.302, CC). São vedadas, também, construções dotadas de potencialidade para poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes (art. 1.309, CC). Não se permite a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias. Ainda assim, confere-se ao proprietário do prédio vizinho o direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, não obstante haverem sido realizadas as obras acautelatórias. Por expressa disposição legal, é dever do proprietário tolerar que o vizinho ingresse no prédio, desde que mediante prévio aviso e com finalidade para: a) dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório; b) apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente. Estas disposições aplicam-se, também, para os casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.

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5.2.1.1.4 Condomínio O condomínio é a titularidade conjunta, entre duas ou mais pessoas, de direitos harmônicos incidentes sobre um objeto comum. A origem do condomínio pode ser: a) voluntário (ou convencional); b) necessário (ou legal); ou c) eventual (ou incidente). O condomínio voluntário, como é sugestiva a expressão, é aquele formada por vontade das partes, quando duas ou mais pessoas adquirem conjuntamente um mesmo bem, por exemplo. Condomínio necessário é o estabelecido por determinação legal, como nos casos de confusão, comistão e adjunção, quando não for possível a separação das coisas subsistindo indiviso o todo, hipótese em que caberá a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado, formando-se um condomínio necessário. Condomínio eventual, por sua vez, é aquele que não resulta do consenso entre os condôminos para sua formação, tão pouco em razão da vontade direta e determinada da lei, mas sim por ato atribuível a terceiro. Por exemplo, a doação de um bem realizada a duas ou mais pessoas as torna condôminas por vontade do doador. Quando ao objeto, o condomínio pode ser classificado em: a) universal; ou b) particular. Condomínio universal é o que compreende a totalidade de um bem, inclusive seus frutos e rendimentos. Condomínio particular, por sua vez, é aquele que compreende apenas parte da coisa ou de seus efeitos, deixando restritos determinados pontos. Pode-se estabelecer um condomínio, por doação, entre duas ou mais pessoas, cujos direitos dos condôminos não alcancem os rendimentos do bem, por exemplo. Quanto à necessidade, o condomínio pode ser classificado em: a) transitório (ou ordinário); ou b) permanente. Condomínio transitório é aquele convencionado para vigorar durante determinado lapso temporal. Condomínio permanente, em contrapartida, é o que não se possibilita a extinção em virtude da própria natureza do bem, assim como em virtude da relação jurídica que o gerou. Quando à forma, também é possível classificar o condomínio em: a) pro diviso; ou b) pro indiviso. O condomínio é pro diviso quando cada condômino detém uma parte certa e determinada do bem. Por sua vez, o condomínio é pro indiviso quando os condôminos detém o bem sem que se possa especificar ou individualizar qual parte pertence a quem.

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5.2.1.1.4.1 Direitos e deveres dos condôminos É dado a cada condômino usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la (art. 1.314, CC). Por outro lado, nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, tão pouco dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros. As despesas de conservação ou divisão da coisa, bem como os ônus a que estiver sujeita, obrigam a todos os condôminos, na proporção de suas respectivas partes. Há presunção (relativa) que de que todas as partes ideais de um condomínio são iguais. Só pode o condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas seu sua fração ideal, se renunciar à sua parte no condomínio. Neste caso, quando os demais condôminos assumirem as despesas e as dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem. Entretanto, se não há condômino que faça os pagamentos, a coisa comum será dividida. Quando qualquer dívida for contraída pelo condomínio, sem que se discrimine a parte de cada condômino na obrigação, nem que se estipule solidariedade, entender-se-á que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum. Já a dívida contraída por apenas um dos condôminos, mas em proveito da comunhão, obriga o contratante, mas terá este ação regressiva contra os demais. Cada condômino tem o dever de responder aos outros pelos frutos que percebeu da coisa, bem como pelo dano a que, eventualmente, der causa. É lícito ao condômino, a todo tempo, exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão. É permitido que os condôminos convencionem que a coisa permaneça indivisa por prazo não superior a cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior. Entretanto, a indivisão que for estabelecida por doador ou testador não pode exceder cinco anos. A requerimento de qualquer interessado, mediante demonstração de graves razões, pode o juiz autorizar a divisão da coisa comum antes do prazo. Há que se mencionar, ainda, que quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior (art. 1.322, CC). Mas, se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa

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seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho. 5.2.1.1.5 Condomínio edilício Se fala de condomínio edilício quando, em edificações, houver partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. À propriedade exclusiva, corresponde uma fração de propriedade no solo e nas partes comuns do condomínio. As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários. Já o solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos. Via de regra, o terraço de cobertura é parte comum, mas pode haver disposição em sentido diverso na escritura de constituição do condomínio. O condomínio edilício pode ser instituído mediante ato entre vivos ou por testamento, registrado do Cartório de Registro de Imóveis, sendo obrigatório constar daquele ato, além do que se exigir com base em legislação especial: a) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; b) a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; c) o fim a que as unidades se destinam. Exige-se que a convenção que institui o condomínio edilício seja subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 (dois terços) das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. A convenção do condomínio só obtém eficácia erga omnes com o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Esta convenção, que pode ser elaborada mediante escritura pública ou particular, além cláusulas acima mencionadas, e de outras que os interessados eventualmente estipulem, deve determinar: a) a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; b) sua forma de administração; c) a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações; d) as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; e) o regimento interno. A teor do artigo 1.335 do Código Civil, são direitos do condômino:

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a) usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; b) usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores; c) votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite. Por sua vez, a teor do artigo 1.336 do mesmo Códex, são deveres do condômino: a) contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; b) não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; c) não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; d) dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. O condômino que não pagar sua contribuição (comumente chamada apenas de “condomínio”), sujeita-se aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de ¾ (três quartos) dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem (art. 1.337, CC). Mas, ainda, caso o condômino ou possuidor apresente reiterado comportamento anti-social, de modo a gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia. Quanto à locação das vagas de garagem, tem direito de preferência os condôminos a estranhos, desde que em condições iguais. São inseparáveis da propriedade exclusiva os direitos de cada condômino às partes comuns, assim como também são inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias. Nestes casos, é vedado alienar ou gravar de bens em separado. Na forma do artigo 1.340 do Código Civil, as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve. Em se tratando da realização de obras no condomínio, as mesmas dependem: a) se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos; b) se úteis, de voto da maioria dos condôminos. Quando as obras ou reparações forem necessárias, podem ser realizadas independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino. Se as obras ou reparos necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas, determinada sua realização, o síndico ou o condômino

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que tomou a iniciativa delas dará ciência à assembléia, que deverá ser convocada imediatamente. No entanto, se não forem urgentes as obras ou reparos necessários que importarem em despesas excessivas, estas somente poderão ser efetuadas após autorização da assembléia, especialmente convocada pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer dos condôminos. Caso o condômino realize obras ou reparos necessários, será reembolsado das despesas que efetuar, não tendo direito à restituição das que fizer com obras ou reparos de outra natureza, embora de interesse comum. Nas partes comuns são vedadas construções capazes de prejudicar a utilização, por qualquer dos condôminos, das partes próprias ou comuns. Quando se pretender a realização de obras, em partes comuns, em acréscimo às já existentes, com a finalidade de lhes facilitar ou aumentar a utilização, exige-se a aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos. Quanto a construção de outro pavimento, ou, no solo comum, de outro edifício, destinado a conter novas unidades imobiliárias, exige-se aprovação da unanimidade dos condôminos. Disposição de grande relevância consta do artigo 1.345 do Código Civil, o qual dispõe que é de responsabilidade do adquirente todos os débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios. Por fim, a teor do artigo 1.346 do Código Civil, faz-se obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição, total ou parcial. 5.2.1.1.5.1 Administração do condomínio A administração do condomínio incumbe ao síndico, que deverá ser escolhido pela assembléia e que poderá não ser condômino. A escolha do síndico deve perdurar por prazo não superior a 2 (dois) anos, o qual é passível de renovação. É competência do síndico: a) convocar a assembléia dos condôminos; b) representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns; c) dar imediato conhecimento à assembléia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio; d) cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembléia; e) diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores; f) elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano; g) cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; h) prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigidas;

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i) realizar o seguro da edificação. O síndico que praticar irregularidades, que não prestar contas, ou que não administrar convenientemente o condomínio está sujeito à destituição, mediante voto da maioria absoluta dos membros da assembléia. Anualmente, o síndico deve convocar reunião da assembléia de condôminos, na forma prevista na convenção, com a finalidade de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente para eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno. Quando o síndico não convocar a assembléia mencionada, ¼ (um quarto) dos condôminos poderá fazê-lo. Mas, caso a assembléia ainda assim não se reúna, pode o juiz decidir, a requerimento de qualquer condômino. Exige-se quorum de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos para a alteração da convenção, enquanto que exige-se unanimidade para a mudança de destinação do edifício, ou da unidade imobiliária (art. 1.351, CC). Salvo hipóteses legais, como a acima mencionada, as decisões da assembléia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais. Os votos serão proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a cada condômino, salvo estipulação em sentido diverso da convenção de constituição do condomínio. Em segunda convocação, a assembléia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, exceto se exigido quorum especial (art. 1.353, CC). Não poderá haver deliberação da assembléia se todos os condôminos não forem convocados para a reunião. Quando houver necessidade, assembléias extraordinárias poderão ser convocadas pelo síndico ou por um quarto dos condôminos (art. 1.355, CC). Por derradeiro, cumpre mencionar que há autorização legal para que o condomínio tenha um conselho fiscal, o qual será composto de três membros, eleitos pela assembléia, por prazo não superior a dois anos, cuja competência é proferir parecer sobre as contas do síndico (art. 1.356, CC). 5.2.1.2 Superfície Através do direito de superfície, o proprietário concede a outrem (superficiário) o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por prazo determinado, mediante escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis. O direito de superfície não engloba o direito à realização de obra no subsolo, exceto se inerente ao objeto da concessão. A concessão do direito de superfície pode ser onerosa ou gratuita. Caso seja onerosa, ficam as partes livres para estipular se seu pagamento será realizado de uma só vez, ou parceladamente. É do superficiário a responsabilidade pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel, na forma do artigo 1.371 do Código Civil.

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O direito de superfície é transmissível a terceiros, e por morte do superficiário, aos seus herdeiros. É vedado ao concedente, que estipule qualquer pagamento pela transferência. Na hipótese de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário, respectivamente, tem direito de preferência, desde que em igualdade de condições. Embora vigente por prazo determinado, admite-se a resolução da concessão do direito de superfície antes do termo final, se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a que foi concedida. Uma vez extinta a concessão, o proprietário passa a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, exceto se as partes houverem convencionado em sentido contrário. Se, extinto o direito de superfície em razão de desapropriação, caberá indenização ao proprietário e ao superficiário, em valor correspondente ao direito real de cada um. 5.2.1.3 Servidões A servidão confere utilidade para um prédio (o dominante), e grava outro (o serviente), que pertence a dono diverso, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis. É importante não confundir o instituto da servidão, que possui natureza jurídica de direito real sobre coisa alheia, com a passagem forçada, cuja natureza jurídica é de direito de vizinhança. Enquanto a passagem forçada é uma determinação legal, a servidão decorre negócio jurídico ou de decisão judicial proferida em ação divisória ou de usucapião. A passagem forçada reflete uma necessidade, enquanto que a servidão é fruto de conveniência. Diferentemente do que ocorre com a passagem forçada, a servidão é passível de usucapião quando, por 10 (dez) anos, nos termos do artigo 1.242 do Código Civil, tiver exercício incontestado e contínuo, o que autoriza o interessado a registrá-la em seu nome perante o Cartório de Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que declarar a usucapião. Todavia, se o possuidor não possuir título o prazo da usucapião será de 20 (vinte) anos. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, mas, caso a servidão seja de mais de um dono, isto é, caso pertença a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos donos. Nestes casos, as obras mencionadas devem ser realizadas pelo dono do prédio dominante, desde que não se tenha convencionado de modo diverso. Entretanto, quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se, abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante. Caso o proprietário do prédio dominante se recuse a receber essa propriedade do serviente, ou parte dela, deverá então custear as obras.

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É vedado ao dono do prédio serviente embaraçar por qualquer modo o exercício legítimo da servidão. Oferece-se ao dono do prédio serviente, caso lhe seja conveniente, a faculdade de remover a servidão, de um local para outro, à sua custa, desde que em nada diminua as vantagens do prédio dominante. Essa faculdade também é conferida ao dono do prédio dominante, caso lhe seja conferido considerável incremento da utilidade da servidão, mas desde que à sua custa e sem prejuízo ao prédio serviente. O exercício do direito de servidão é restrito, não podendo extrapolar as estritas necessidades do prédio dominante, e evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente. Por esse motivo, constituída para certo fim, a servidão não pode se ampliar a outro. 5.2.1.3.1 Extinção das Servidões Exceto quanto a desapropriação, o cancelamento é a única forma de extinção da servidão, desde que devidamente registrada. Se houver hipoteca sobre o prédio dominante, e a servidão estiver mencionada no título hipotecário, será necessário, para a cancelar, o consentimento do credor. Confere-se ao dono do prédio serviente o direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne: a) quando o titular houver renunciado a sua servidão; b) quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que determinou a constituição da servidão; c) quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão. Todavia, também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção: a) pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; b) pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso; ou c) pelo não uso, durante dez anos contínuos. 5.2.1.4 Usufruto O usufruto é um direito real sobre coisa alheia, por meio do qual uma pessoa (nu-proprietário) confere a outra (usufrutuário) os respectivos direitos de gozo e de fruição. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou em parte deste, abrangendo-lha, no todo ou em parte, os frutos e as utilidades (art. 1.390, CC). Em se tratando de usufruto sobre bens imóveis, exige-se seu registro no Cartório de Registro de Imóveis, salvo se resultante de usucapião. Via de regra, o usufruto é extensivo aos acessórios da coisa e seus acrescidos. Se, entre estes, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o

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equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou não sendo possível, o seu valor estimado ao tempo da restituição. O usufruto é intransferível por alienação, mas seu exercício pode ser cedido por título gratuito ou oneroso. 5.2.1.4.1 Direitos do usufrutuário São direitos do usufrutuário: a posse, uso, administração e percepção dos frutos. Quando recair em títulos de crédito, o usufruto concede ao usufrutuário o direito de perceber os frutos e cobrar as respectivas dívidas. Salvo direito adquirido por outrem, o usufrutuário faz seus os frutos naturais, pendentes ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as despesas da produção (art. 1.396, CC). Já os frutos naturais, pendentes à época em que cessa o usufruto, pertencem ao dono, também sem compensação das despesas. Pertencem ao usufrutuário as crias dos animais, deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto (art. 1.397, CC). Quanto aos frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao usufrutuário pertencem os vencidos na data em que cessa o usufruto. Permite-se que o usufrutuário usufrua em pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio, mas não lhe é permitido alterar a destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário. 5.2.1.4.2 Deveres do usufrutuário É dever do usufrutuário, antes de assumir o usufruto, inventariar, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e dar caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes pela conservação, e entregá-los findo o usufruto (art. 1.400, CC). Por expressa disposição legal, não é obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada. Se o usufrutuário não quiser ou não puder prestar caução suficiente, perderá o direito de administrar o usufruto, caso em que os bens serão administrados por seu proprietário, o qual ficará obrigado, mediante caução, a entregar ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas da administração, dentre as quais deve ser incluída a remuneração do administrador (art. 1.401, CC). Não é dever do usufrutuário pagar pelas deteriorações decorrentes do exercício regular do usufruto. Mas, incumbe ao usufrutuário: a) as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu; e b) as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída.

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Quando o usufruto recair em patrimônio, ou em parte deste, será o usufrutuário obrigado aos juros da dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele (art. 1.405, CC). Também é dever do usufrutuário, dar ciência ao dono de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa, ou os direitos deste. Se a coisa, objeto do usufruto estiver segurada, compete ao usufrutuário pagar, durante o usufruto, as contribuições do seguro. Todavia, se quem fizer o seguro for o usufrutuário, ao proprietário caberá o direito dele resultante contra o segurador. Em qualquer hipótese, o direito do usufrutuário fica sub-rogado no valor da indenização do seguro. 5.2.1.4.3 Extinção do usufruto O usufruto será extinto, cancelando-se o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis: a) pela renúncia ou morte do usufrutuário; b) pelo termo de sua duração; c) pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; d) pela cessação do motivo de que se origina; e) pela destruição da coisa; f) pela consolidação; g) por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395, isto é, a aquisição de títulos da mesma natureza ou da dívida pública federal; h) pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai. Quando o usufruto for constituído em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á parte em relação a cada uma das que falecerem, exceto se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente (art. 1.411, CC). 5.2.1.5 Uso O uso é um direito real de gozo (ou de fruição), que atribui ao seu titular (usuário) tão somente o uso de coisa alheia. Por meio do uso permite-se que o usuário use da coisa e perceba seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. Essas necessidades serão avaliadas segundo a condição social e lugar onde vive o usuário e sua família. As necessidades da família compreendem as do cônjuge, do filho solteiro e das pessoas de seu serviço doméstico. Aplicam-se ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.

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5.2.1.6 Habitação A habitação é direito real que confere a seu titular (habitante) o direito de moradia em imóvel alheio. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente, o titular desse direito não pode locar, nem emprestar, mas apenas ocupar o imóvel juntamente com sua família. Se a habitação for conferida a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la. Portanto, pode-se dizer que a habitação é um direito real com limitações, dotado de caráter personalíssimo, temporário, indivisível e intransmissível. Também à habitação aplicam-se as regras relativas ao usufruto, naquilo que não lhe for contrário. 5.2.1.7 Direito do promitente comprador Celebrada promessa de compra e venda mediante instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, desde que não se tenha pactuado arrependimento, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Ao promitente comprador confere-se o direito de exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste foram cedidos, a outorga de escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar, e, caso haja recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. 5.2.2 Direitos reais de garantia Os direitos reais de garantia destinam-se ao oferecimento de segurança ao credor na feitura de negócios jurídicos. A garantia prestada pelo devedor ao credor, que recaia sobre determinado bem, coloca o último em garantia para o caso de eventual insolvência do devedor. Os direitos reais de garantias operam um gravame ao bem por sobre o qual recaem. Esses direitos tem caráter acessório, pois pressupõem a existência de um direito de crédito. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. O direito de empenhar, hipotecar ou dar em anticrese assiste apenas àquele que tem o direito de alienar a coisa. Neste sentido, apenas coisas passíveis de alienação podem ser dadas em penhor, anticrese ou hipoteca. A coisa comum a dois ou mais proprietários só pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, perante o consentimento de todos. No entanto, cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver.

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O pagamento de uma ou mais prestações da dívida garantida por penhor, hipoteca ou anticrese, não importa em exoneração correspondente (parcial) da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo expressa disposição no título ou na quitação. São declarações obrigatórias nos contratos de penhor, hipoteca e anticrese: a) o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; b) o prazo fixado para pagamento; c) a taxa dos juros, se houver; d) o bem dado em garantia com as suas especificações. Nos termos do artigo 1.425 do Código Civil, considera-se vencida a dívida: a) se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir; b) se o devedor cair em insolvência ou falir; c) se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; d) se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; e) se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor. Em caso de perecimento do bem dado em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso. Nos termos do artigo 1.428 do Código Civil, é nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o bem objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Após o vencimento, no entanto, poderá o devedor dar o bem em pagamento da dívida. Não se admite que os sucessores do devedor possam remir (pagar, liberar) parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção de seus quinhões, mas apenas no todo. Neste caso, o herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito. 5.2.2.1 Penhor O penhor é a transferência da posse de um bem móvel suscetível de alienação, dado pelo devedor (ou por alguém que o represente) ao credor (ou a quem o represente), como garantia do débito assumido. Em se tratando de penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

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O instrumento que formaliza o penhor deve ser levado a registro, por qualquer dos contratantes. O instrumento do penhor comum deve ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos. 5.2.2.1.1 Direitos do credor pignoratício São direitos do credor pignoratício: a) a posse da coisa empenhada; b) a retenção dela, até que o indenizem das despesas devidamente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua; c) ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada; d) a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração; e) a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder; f) a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, devendo o preço ser depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea. Não se admite que o credor pignoratício seja constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de integralmente pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamento do credor, nos termos do artigo 1.434 do Código Civil. 5.2.2.1.2 Deveres do credor pignoratício O credor pignoratício é obrigado: a) a custódia da coisa, como depositário, e a ressarcir ao dono a perda ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a concorrente quantia, a importância da responsabilidade; b) a defesa da posse da coisa empenhada e a dar ciência, ao dono dela, das circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória; c) a imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1.433, inciso V) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente; d) a restituí-la, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida; e) a entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga, no caso execução judicial, ou de venda amigável, caso haja permissividade do contrato nesse sentido, ou lhe autoriza o devedor mediante procuração.

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5.2.2.1.3 Extinção do penhor Extingue-se o penhor: a) extinguindo-se a obrigação; b) perecendo a coisa; c) renunciando o credor; d) confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e de dono da coisa; e) dando-se a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada. Há presunção de renúncia do credor quando este consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço, quando restituir sua posse ao devedor, ou quando anuir à sua substituição por outra garantia. A extinção do penhor produz efeitos após a averbação do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova. 5.2.2.2 Hipoteca A hipoteca é um direito real de garantia que incide sobre um bem imóvel, ou sobre um bem que por força de lei for passível de hipoteca (ainda que não seja imóvel), dado pelo devedor em garantia de uma dívida perante o credor. A posse do bem hipotecado permanece com o devedor. A hipoteca pode ser classificada como: a) legal, quando instituída por lei; b) convencional, quando estabelecida por vontade das partes, na presença de testemunhas, mediante escritura pública e posterior registro; ou c) judicial, quando instituída para assegurar o cumprimento de decisão judicial. Segundo o artigo 1.473 do Código Civil, podem ser objeto de hipoteca: a) os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; b) o domínio direto; c) o domínio útil; d) as estradas de ferro; e) os recursos naturais a que se refere o art. 1.230 do Código Civil, quais sejam: as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros referidos por leis especiais, independentemente do solo onde se acham; f) os navios; g) as aeronaves. h) o direito de uso especial para fins de moradia; i) o direito real de uso; j) a propriedade superficiária. Em decorrência de expressa disposição legal, a hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. É nula cláusula contratual que proíba o proprietário de alienar imóvel hipotecado. Entretanto, pode convencionar-se que em caso de alienação do imóvel, reputar-se-á vencido o crédito hipotecário.

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Admite-se a constituição de mais de uma hipoteca sobre um mesmo imóvel, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor (art. 1.476, CC). Ressalvada a hipótese de insolvência do devedor, o credor da segunda hipoteca, embora vencida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a primeira (art. 1.477, CC). Na forma do artigo 1.478 do Código Civil, se o devedor da obrigação garantida pela primeira hipoteca não se oferecer, no vencimento, para pagá-la, o credor da segunda pode promover-lhe a extinção, desde que consigne a importância e cite o primeiro credor para recebê-la e o devedor para pagá-la. Se este não pagar, o segundo credor, efetuando o pagamento, se sub-rogará nos direitos da hipoteca anterior, sem prejuízo dos que lhe competirem contra o devedor comum. Caso o primeiro credor esteja promovendo a execução da hipoteca, o credor da segunda depositará a importância do débito acrescido das despesas judiciais. Por mera averbação, requerida por ambas as partes, pode-se prorrogar a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Ultrapassado este prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro, e, nesse caso, lhe será mantida a precedência que então lhe competir. 5.2.2.2.1 Extinção da hipoteca A hipoteca extingue-se: a) pela extinção da obrigação principal; b) pelo perecimento da coisa; c) pela resolução da propriedade; d) pela renúncia do credor; e) pela remição; f) pela arrematação ou adjudicação. 5.2.2.3 Anticrese A anticrese é direito real por meio do qual o devedor entrega um bem imóvel ao credor, para que este perceba seus frutos e rendimentos, em compensação de dívida. É lícito estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos pelo credor à conta de juros, mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para as operações financeiras, o remanescente será imputado ao capital (parágrafo primeiro, art. 1.506, CC). Admite-se que o imóvel dado em anticrese possa ser dado em hipoteca, assim como admite-se que o imóvel dado em hipoteca também seja dado em anticrese. Embora o credor anticrético possa administrar os bens dados em anticrese e fruir seus frutos utilidades, deverá apresentar balanço anual de sua administração.

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Caso o devedor não concorde com o balanço apresentado, por ser inexato ou por ser ruinosa a administração, pode impugná-lo, e, se desejar, requerer a transformação em arrendamento, cabendo ao juiz fixar valor mensal de aluguel. O credor anticrético responde pelas deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, bem como pelos frutos e rendimento que, por sua negligência, deixar de perceber. Confere-se ao credor anticrético o direito de vindicar seus direitos contra o adquirente dos bens, contra os credores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese. Não se confere ao credor anticrético preferência sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja destruído, nem, se forem desapropriados os bens, com relação à desapropriação. Ao adquirente de bens dados em anticrese confere-se o direito de remi-los (liberá-los mediante pagamento), antes do vencimento da dívida, desde que pague sua totalidade à data do pedido de remição e imitir-se-á, se for o caso, na sua posse. 6. DIREITO DE FAMÍLIA A família é a base de qualquer sociedade. No Brasil, o artigo 226 da Constituição Federal estipula que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. É através da família que as pessoas se desenvolvem amplamente, daí a preocupação especial do Estado com sua proteção e garantia de desenvolvimento. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, o direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável (2007, p. 1). Por expressa disposição constitucional, admite-se a existência de três formas de família: a) a decorrente de casamento; b) a decorrente de união estável; ou c) a decorrente de relação monoparental. O Código Civil opera a seguinte divisão entre as normas regentes do direito de família: a) direito pessoal, com a disciplina das regras do casamento e da proteção dos filhos, bem como a disciplina das relações de parentesco; b) direito patrimonial, com a disciplina das obrigações patrimoniais decorrentes do casamento e das relações entre ascendentes e descendentes; c) união estável, em adequação ao seu reconhecimento e equiparação ao casamento; e d) tutela e curatela, com a disciplina da representação e administração dos bens de pessoas incapazes.

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6.1 Princípios do direito de família Segundo Carlos Roberto Gonçalves, são princípios regentes do direito de família: a) Respeito à dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana, encampado como princípio fundamental do Estado brasileiro logo no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, irradia efeitos sobre todo o ordenamento pátrio, e também sobre o direito de família. Isso ocorre, pois é através da família que os conceitos de dignidade humana são alcançados em plenitude. Atento a esta realidade, tanto a Constituição da República como o Código Civil compõem um sistema que tem por finalidade conceder às entidades familiares todos os meios ao alcance de sua organização e desenvolvimento. b) Igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros Extinto o poder marital, homens e mulheres ostentam os mesmos direitos e deveres. A mulher foi retirada uma situação de inferioridade para assumir papel de co-gestora da unidade familiar. c) Igualdade jurídica de todos os filhos A redação do artigo 227, parágrafo sexto, da Constituição Federal, não deixa dúvidas, os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. A redação do mencionado dispositivo constitucional decorre do princípio da igualdade, genericamente apontado no caput do artigo 5º da Constituição Federal. d) Paternidade responsável e planejamento familiar A gestão familiar é exercida de forma livre e igualitária pelo casal, conferindo-se à família o dever de responsabilidade para com os filhos, afastada, em primeiro momento, a responsabilidade do Estado, que se mostra não-intervencionista. A intervenção estatal está prevista, mas só ocorrerá se feridas normas de ordem pública, tal como a ameaça à vida de um menor, por exemplo. A não-intervenção do estado no planejamento familiar em nada se relaciona com o dever estatal de prestar serviços básicos e mínimos a todos, tal como saúde, educação e assistência social. e) Comunhão plena de vida Hodiernamente, tem-se mais em vista o aspecto humano do relacionamento familiar do que a mera aglutinação de pessoas em uma mesma residência. Deve-se prezar à realização de todos, em interação tal que lhes permita a satisfação de suas necessidades humanas, em comunhão plena de vida. f) Liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar Assim como o Estado não deve intervir no planejamento familiar, também não lhe é lícito intervir na constituição de uma comunhão de vida

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familiar. As pessoas podem se unir por matrimônio ou por união estável, lhes sendo livre o arbítrio. 6.2 Esponsais Esponsais é a denominação dada ao noivado. Via de regra, o casamento é precedido desse período, que representa uma promessa de futura celebração de casamento. Doutrina majoritária aponta no sentido de inexistência de vínculo jurídico entre os noivos por essa promessa de casamento, admitindo apenas em situações excepcionais a existência de responsabilidade por ruptura do noivado. 6.3 Casamento O artigo inaugural do Livro IV (Do direito de família) do Código Civil, dispõe que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. O casamento, como se vê, é o vínculo jurídico que une o casal. Acerca de sua natureza jurídica, três são as correntes: a) contratualista, isto é, o casamento é um contrato civil, regidos pela normas gerais dos contratos. Por outros, é visto como um contrato sui generis, em razão de determinadas peculiaridades que apresenta; b) institucionalista, isto é, o casamento é uma instituição perante a qual o casal adere livremente ao manifestar sua vontade de contrair matrimônio; c) mista, isto é, uma teoria segundo a qual o casamento possui natureza contratual quanto à sua formação, e natureza institucional quanto ao seu conteúdo. Antes da realização do casamento, exige-se a habilitação dos nubentes. A habilitação para o casamento, assim como o registro e a primeira certidão serão isentos de selo, emolumentos e custas, para as pessoas declaradamente pobres (parágrafo único, art. 1.512, CC). Mas, para que possa haver habilitação e posterior casamento, as partes devem ter capacidade. A idade núbil, isto é, idade permitida para o casamento é a de 16 (dezesseis) anos, tanto para o homem como para a mulher, mas enquanto não atingida a maioridade, dependem de autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais. Caso não haja unanimidade entre os pais, quanto à autorização do casamento do relativamente incapaz, esta pode ser suprida pelo juiz, caso seja injusta. Concedida a autorização pelos pais ou representantes legais, eles podem revogá-la a qualquer momento, desde que anterior à celebração do casamento (art. 1.518, CC). Hipótese excepcional de casamento realizado por quem ainda não alcançou a idade núbil consta do artigo 1.520 do Código Civil. Segundo o

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dispositivo, permite-se o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil: a) para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal; ou b) em caso de gravidez. Em ambos os casos exige-se autorização judicial. Além da idade, para que se possa falar em casamento, há que se estar atento à necessidade de ausência dos motivos elencados no artigo 1.521 do Código Civil, os quais, caso presentes, impedem a realização do matrimônio. Segundo aludido dispositivo, não podem casar, sob pena de nulidade: a) os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; b) os afins em linha reta; c) o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; d) os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; e) o adotado com o filho do adotante; f) as pessoas casadas; g) o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Qualquer dos impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz. Caso o juiz, ou o oficial de registro, tenha conhecimento da existência de algum impedimento, tem o dever de declará-lo. As causas impeditivas da celebração do casamento são normas de ordem pública, ao contrário das causas suspensivas, dotadas de caráter privado. As causas impeditivas do casamento o tornam nulo, isto é, não há produção de efeitos em um casamento realizado mediante a pendência de uma causa impeditiva, enquanto que as causas suspensivas permitem apenas a anulabilidade do casamento, a qual, se não alegada faz com que permaneça válido o casamento. As causas suspensivas da celebração do casamento estão disciplinadas no artigo 1.523 do Código Civil,o qual dispõe que não devem casar: a) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; b) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; c) o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; d) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. A lei faculta aos nubentes das hipóteses mencionadas na alíneas a, c e d, que requeiram ao juiz a não aplicação das causas suspensivas respectivamente previstas, desde que provem a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa

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tutelada ou curatelada. Já na hipótese da alínea b, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. Diferentemente das causas impeditivas, que podem ser opostas por qualquer pessoa capaz, as causas suspensivas da celebração do casamento podem ser argüidas apenas por parentes em linha reta, de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e por colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins. Assim como as causas impeditivas, as suspensivas devem ser opostas mediante declaração escrita e assinada, instruídas com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas (art. 1.529, CC). Apresenta mencionada oposição, traga ela causa impeditiva ou suspensiva, o oficial de registro deve dela dar ciência ao nubentes, indicando-lhes os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu. A partir da ciência, os nubentes podem fazer prova contrária ao alegado, bem como promover ações civis e criminais contra o oponente que agir de má-fé. Para a realização de prova contrária, a lei menciona apenas que os requerentes podem requerer prazo razoável para sua realização, sem estipulação de um prazo cogente. 6.3.1 Habilitação para o casamento O requerimento de habilitação para o casamento deve ser firmado por ambos os nubentes, de próprio punho ou mediante procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos: a) certidão de nascimento ou documento equivalente; b) autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra; c) declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar; d) declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; e) certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio. A habilitação deve ser realizada perante o oficial do Registro Civil e, após parecer do Ministério Público, será homologada pelo juiz. Se a documentação estiver em situação regular, o oficial extrairá edital, o qual será afixado nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, pelo prazo de 15 (quinze) dias, devendo, ainda, ser publicado na imprensa local, se houver. A finalidade da publicação desse edital é a identificação de causas impeditivas ou suspensivas da celebração do casamento, lembrando-se que enquanto as primeiras podem ser opostas por qualquer pessoa capaz, as últimas só podem ser opostas por parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam eles consanguíneos ou afins, e por parentes colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins.

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Mediante situação de urgência, é lícito ao juiz dispensar a publicação do edital mencionado. Por exemplo, para celebração de um casamento de nubente que está em risco de morte ou que foi convocado para servir às Forças Armadas em tempo que não lhe permite aguardar o decurso do prazo legal. No momento da habilitação, o oficial do registro tem o dever de esclarecer os nubentes acerca de fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens (art. 1.528, CC). Cumpridas todas as formalidades e inexistentes fatos que obstem a celebração do casamento, o oficial de registro extrairá o certificado de habilitação. A eficácia da habilitação é de 90 (noventa) dias, contados da data em que foi extraído o certificado de habilitação. Exaurido o prazo, novo procedimento de habilitação deverá ser realizado. 6.3.2 Celebração do casamento A celebração do casamento deverá ocorrer no dia, hora e lugar previamente designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes devidamente habilitados (art. 1.533, CC). A solenidade do casamento civil será realizada, via de regra, na sede do cartório, com toda a publicidade, a portas abertas, presentes ao menos 2 (duas) testemunhas, parentes ou não dos contraentes. Todavia, se as partes desejarem e se consentir a autoridade celebrante, noutro local, público ou privado, poderá ser realizada a celebração. Quando a solenidade do casamento se realize em prédio particular, exige-se que este permaneça de portas abertas durante o ato, além de serem exigidas 4 (quatro), ao invés de 2 (duas) testemunhas. Também serão 4 (quatro) as testemunhas presentes na celebração do casamento quando um dos contraentes não souber ou não puder escrever. É válido o casamento realizado por procuração, nos termos do artigo 1.535 do Código Civil, mas a procuração deverá se dada mediante instrumento público e deve conter poderes especiais. A revogação desse mandato, assim como a concessão, só pode ocorrer mediante instrumento público. A eficácia da procuração para celebração de casamento, por expressa disposição legal, é de 90 (noventa) dias. Entretanto, pode haver revogação do mesmo a qualquer tempo. A revogação não precisa chegar ao conhecimento do mandatário para que tenha validade, mas se o casamento for celebrado sem que o mandatário ou que o outro contraente tivessem ciência da revogação, o mandante tem responsabilidade por perdas e danos. Realizado o casamento por procuração, a morte superveniente do mandante acarreta a inexistência do casamento se este tiver sido celebrado pelo mandatário após a morte do mandante. Mas, ainda no que tange ao casamento por procuração, é importante mencionar que este só pode ser realizado por nubente que não esteja em iminente risco de morte. No caso de casamento nuncupativo (aquele

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casamento em que um dos cônjuges está em iminente risco de morte), apenas o cônjuge que não está em risco de morte pode ser representado. Presentes os contraentes, as testemunhas e o oficial de registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nos seguintes termos: de acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados. Celebrado o casamento, será lavrado assento no livro de registro. Entretanto, prevê o artigo 1.538 do Código Civil causas que, uma vez verificadas geram a imediata suspensão da celebração do casamento: a) a recusa solene da afirmação da sua vontade; b) a declaração de que a vontade não é livre e espontânea; c) a manifestação de arrependimento. Verificada qualquer uma das situações mencionadas, não se admite a retratação, no mesmo dia, do nubente que a causou. Na hipótese de um dos nubentes estar acometido de moléstia grave, o presidente do ato deve ir celebrá-lo onde se encontrar o impedido, ainda que à noite, caso seja urgente, perante 2 (duas) testemunhas que saibam ler e escrever (art. 1.539, CC). Neste caso, a falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprir-se-á por qualquer dos seus substitutos legais, e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato. No caso de celebração por oficial ad hoc, o termo avulso por ele lavrado será registrado no respectivo registro dentro de 5 (cinco) dias, perante duas testemunhas, sendo então arquivado. Quando um dos contraentes estiver em iminente risco de morte, e não for obtida a presença da autoridade incumbida de presidir a celebração do casamento, nem a de seu substituto, poderá o casamento, ainda assim ser celebrado, desde que na presença de 6 (seis) testemunhas com as quais os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até o 2º (segundo) grau. Na hipótese acima, realizado o casamento, as testemunhas devem comparecer perante a autoridade judicial mais próxima, no prazo de 10 (dez) dias, pedindo que lhes tome por termo a declaração de: a) que foram convocadas por parte do enfermo; b) que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo; c) que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente, receber-se por marido e mulher. Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz deve proceder às diligências necessárias com a finalidade de verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado, ordinariamente. Se for verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, assim o declarará a autoridade competente, abrindo-se prazo para recurso. Se não houver recurso, ou se a decisão transitar em julgado mesmo após a interposição do mesmo, o juiz mandará registrá-la no livro do Registro dos Casamentos. Lavrado o assento no livro mencionado, seus efeitos são retroativos (ex tunc) à data de celebração do casamento. Durante o período de realização de todas as medidas acima mencionadas, caso o enfermo se recupere e possa ratificar o casamento na

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presença da autoridade competente e do oficial do registro, estão dispensadas todas as formalidades de oitiva de testemunhas e abertura de prazo para recursos. 6.3.3 Provas do casamento A certidão do registro é a prova do casamento celebrado no Brasil, mas admite-se qualquer outra espécie de prova mediante justificação da falta ou da perda do registro civil. Se o casamento de brasileiro for celebrado no estrangeiro, perante competentes autoridades ou cônsules brasileiros, deve ser registrado em 180 (cento e oitenta) dias, contados da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir. O casamento de pessoas que, na posse do estado de casadas, não possam manifestar vontade, ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado (art. 1.545, CC). Quando a prova da celebração legal do casamento for oriunda de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá efeitos retroativos (ex tunc), tanto no que atine aos cônjuges como no que diz respeito aos filhos, desde a data do casamento. Se houver dúvida entre provas favoráveis e provas contrárias, julgar-se-á pelo casamento, desde que os cônjuges, cujo casamento se impugna, vivam ou tenham vivido como se casados fossem. 6.3.4 Invalidade do casamento Para que o casamento seja reputado como válido exige-se: a) existência de sexo oposto (homem e mulher); b) o preenchimento dos requisitos para a celebração; e c) o consentimento de ambos os contraentes. Inobstante a presença dos elementos acima mencionados, será considerado nulo o casamento contraído: a) pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; b) por infringência de impedimento. A decretação de nulidade do casamento pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público. Em contrapartida, é anulável o casamento: a) de quem não completou a idade mínima para casar; b) do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; c) por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; d) do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

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e) realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; f) por incompetência da autoridade celebrante. Apresentadas as hipóteses de anulabilidade, cumprem alguns esclarecimentos pontuais sobre cada uma. a) de quem não completou a idade mínima para casar No caso de casamento de quem não completou a idade mínima, este deixa de ser anulável se resultar gravidez. Nos demais casos, a anulação do casamento de menores de 16 (dezesseis) anos pode ser requerida: I) pelo próprio cônjuge menor; II) por seus representantes legais; ou III) por seus ascendentes. b) do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; Também admite-se que o menor que não atingiu a idade núbil, depois que completá-la, confirme seu casamento, mediante a autorização de seus representantes legais, se necessária, ou com suprimento judicial. Quando o menor possui idade núbil, mas se casa sem a autorização de seu representante legal, só pode ter seu casamento anulado se houver a propositura de ação no prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias: i) por iniciativa do incapaz, contado o prazo a partir do dia em que deixar de sê-lo; ii) por iniciativa de seus representantes legais, contado o prazo da data de celebração do casamento; ou iii) por iniciativa de seus herdeiros necessários, contado o prazo da data do óbito. Celebrado o casamento quando um dos nubentes tinha a idade núbil, mas não tinha expressa autorização dos representantes legais, caso estes tenham assistido a celebração, ou por qualquer modo tenham manifestado sua aceitação quanto ao mesmo, não mais se admitirá que pleiteiem a anulação do casamento. c) por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; É passível de anulação o casamento realizado com vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. Nos termos do artigo 1.557 do Código Civil, considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro: I) o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; II) a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal; III) a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

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IV) a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Também é anulável o casamento por motivo de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os nubentes houver sido captado em razão de fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares (art. 1.558, CC). Apenas o cônjuge que incidiu em erro ou que sofreu coação é que pode demandar a anulação do casamento. No entanto, a coabitação, havendo ciência do vício, valida o ato, ressalvadas as hipóteses: I) de ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; ou II) de ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Em se tratando das hipóteses de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, o prazo para que seja intentada a ação de anulação do casamento é de 3 (três) anos, contados da data da celebração. No caso de coação, o prazo para que seja intentada a ação de anulação do casamento é de 4 (quatro) anos, também contados da data da celebração. d) do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; Nessa hipótese, o prazo para que seja intentada a ação de anulação do casamento é de 180 (cento e oitenta) dias, contados da celebração do casamento. e) realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges Nesse caso, desde que não tenha havido coabitação entre os cônjuges, se o casamento foi realizado pelo mandatário quando os efeitos da procuração já estavam revogados, sem que este soubesse, poderá ser requerida anulação do casamento no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data da celebração do casamento. f) por incompetência da autoridade celebrante Subsiste o casamento celebrado por quem não possua a competência legalmente exigida, mas que exerça publicamente as funções de juiz de casamento e, que nessa qualidade, registre o ato no Registro Civil. Nessa hipótese, o prazo para que seja intentada a ação de anulação do casamento é de 2 (dois) anos, contados da celebração do casamento. Chama-se casamento putativo aquele que, embora nulo ou anulável, produz efeitos entre cônjuges de boa-fé. Seja anulável ou nulo, se for contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, tanto em relação a estes como aos filhos, produz

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todos os efeitos até o dia da sentença anulatória, a qual será dotada de eficácia ex nunc, portanto. Se apenas um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, seus efeitos civis só a ele aproveitarão. Caso ambos os cônjuges estivessem de má-fé ao celebrar o casamento, então seus efeitos civis só aproveitarão aos filhos. Via de regra, a sentença que decreta a nulidade de casamento possui efeitos retroativos (ex tunc), os quais retroagem à data da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado (art. 1.563, CC). Caso o casamento seja anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá: a) na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente; e b) na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial. 6.3.5 Eficácia do casamento Por meio do casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Como já teve oportunidade de expor, há plena igualdade entre os cônjuges na relação familiar, seja quanto à paternidade responsável, seja quanto ao planejamento familiar, ambos possuem iguais direitos e deveres. Nos termos do artigo 1.566, são deveres de ambos os cônjuges (rol exemplificativo): a) fidelidade recíproca; b) vida em comum, no domicílio conjugal; c) mútua assistência; d) sustento, guarda e educação dos filhos; e) respeito e consideração mútuos. A direção da sociedade conjugal, que deve ser exercida conjuntamente pelo marido e pela mulher, deve sempre visar o interesse do casal e dos filhos. Quando houver divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, o qual também deve proferir decisão no melhor interesse do casal e dos filhos. Obriga-se os cônjuges a concorrerem, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e educação dos filhos, independentemente do regime patrimonial adotado. A escolha do domicílio do casal deverá ser realizada por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes. Caso qualquer dos cônjuges esteja em local remoto ou não sabido, encarcerado por mais de 180 (cento e oitenta dias), interditado judicialmente ou privado, episodicamente, em virtude de enfermidade ou acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe também a administração dos bens.

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6.3.6 Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal Dispõe o artigo 1.571 do Código Civil que a sociedade conjugal termina: a) pela morte de um dos cônjuges; b) pela nulidade ou anulação do casamento; c) pela separação judicial; ou d) pelo divórcio. O casamento, quando válido, só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, ou pelo divórcio, sem prejuízo da aplicação da presunção de morte nos casos de ausência. Dissolvido o casamento, seja pelo divórcio direito ou pela conversão da separação em divórcio, é facultado ao cônjuge manter o nome de casado, salvo se o contrário resultar de expressa determinação judicial, objeto da sentença de separação judicial. Consabido, a Emenda Constitucional n.º 66/2010 alterou a redação do artigo 226, parágrafo sexto, da CRFB/88. A redação anterior dispunha: o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. Já a redação atual dispõe: o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. O tema é de extrema atualidade e tem levantado questionamentos em sentidos opostos. Discute-se se o dispositivo constitucional extinguiu totalmente a separação judicial, de modo a só permitir aos cônjuges a utilização do divórcio, se houve apenas exclusão em âmbito processual, ou se não houve a exclusão do instituto da separação. Como o tema ainda está longe de ser pacificado, cumprem algumas exposições, e, após, a apresentação do conteúdo completo sobre a separação, caso seja adotada teoria que prega pela continuidade de alguns de seus efeitos. A exigência prévia da separação judicial pelo período de 1 (um) ano, ou da separação de fato pelo período de 2 (dois) anos, tinha por finalidade a obtenção de eventual reconciliação do casal, evitando a adoção de uma medida precipitada. Ao se considerar a extinção da separação e a existência exclusiva do divórcio, caso o casal decida precipitadamente por ele, não poderá se retratar após o trânsito em julgado da sentença. Neste caso, havendo reconciliação, deverá novamente ser adotado todo o procedimento para o casamento, da habilitação até a celebração, inclusive com a escolha de novo regime patrimonial de bens. Como a norma constitucional suscita dúvidas, carece de regulamentação, a qual permitirá concluir se os dispositivos do Código Civil atinentes à separação judicial, após redação da Emenda Constitucional n.º 66/2010, foram completa ou parcialmente revogados.

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6.3.6.1 Separação judicial Por meio da separação judicial obtém-se a dissolução da sociedade conjugal, mas mantém-se o vínculo conjugal, o qual só pode ser dissolvido através do divórcio. A separação pode ocorrer: a) mediante consentimento de ambos os cônjuges, quando é chamada de consensual; ou b) mediante conflito entre os cônjuges, seja pelo desejo de apenas um obter a separação, seja no que atine à seara patrimonial ou de guarda dos filhos, quando é chamada de litigiosa. 6.3.6.1.1 Separação consensual Verifica-se a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem casados há mais de 1 (um) ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção (art. 1.574, CC). A petição da separação consensual deve: a) ser assinada por ambos os cônjuges; b) ser instruída com a certidão de casamento e o contrato antenupcial, se houver; a) conter a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha; b) conter o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas; c) conter o valor da contribuição para criar e educar os filhos; d) conter a pensão alimentícia do marido à mulher, se esta não possuir bens suficientes para se manter. Se não houver acordo entre os cônjuges sobre a partilha de bens, esta será realizada após a homologação da separação consensual. Após o recebimento da petição inicial, se o juiz constatar que ela preenche todos os requisitos, ouvirá ambos os cônjuges sobre os motivos da separação consensual, esclarecendo-lhes as consequências da manifestação de vontade. Caso se convença de que ambos, livremente e sem hesitações, desejam a separação consensual, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvido o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o homologará. No entanto, caso não se convença da manifestação livre e sem hesitação de ambos, poderá marcar nova data para comparecimento, entre 15 (quinze) e 30 (trinta) dias de intervalo, com a finalidade de que voltem para ratificar (ou não) o pedido de separação consensual. Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo. Tanto a separação consensual como o divórcio consensual, desde que não existam filhos menores ou incapazes do casal, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns, bem como à pensão alimentícia e,

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ainda, ao acordo à retomada, pelo cônjuge, de seu nome de solteiro, ou à manutenção do nome adotado quando de seu casamento. No caso de separação consensual, ou de divórcio consensual realizados perante o Cartório, a escritura lavrada não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e para o registro de imóveis. Só é lícito ao tabelião lavrar escritura, nestes casos, se os cônjuges estiverem assistidos por advogado comum ou por advogados de cada um deles, ou, ainda, por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. Tanto a escritura como os atos notariais serão gratuitos aos que se declararem pobres, sob as penas legais. 6.3.6.1.2 Separação litigiosa A doutrina aponta três formas de separação litigiosa, quais sejam: a) separação sanção; b) separação falência; e c) separação remédio. 6.3.6.1.2.1 Separação sanção A qualquer dos cônjuges é conferido o direito de ajuizar ação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e que torne insuportável a vida em comum (art. 1.572, CC). Nos termos do artigo 1.573 do Código Civil, podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos, sem prejuízo de outros que podem concretamente serem considerados: a) adultério; b) tentativa de morte; c) sevícia ou injúria grave; d) abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; e) condenação por crime infamante; f) conduta desonrosa. Como se percebe, há causa objetiva quando se fala em separação sanção, a qual pode ser imputada a um ou a ambos os cônjuges. 6.3.6.1.2.2 Separação falência A separação judicial também pode ser requerida quando um dos cônjuges demonstrar a ruptura da vida comum há mais de um ano, bem como à impossibilidade de sua reconstituição. Via de regra, entende-se ocorrida a ruptura da vida comum com a separação de corpos, isto é, cada cônjuge tendo estabelecido domicílio em local diverso. No entanto, admite-se, consideradas as situações peculiares

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de determinados casos concretos, que se entenda pela ruptura da vida comum ainda que os cônjuges mantenham-se no mesmo domicílio. 6.3.6.1.2.3 Separação remédio Também é dado ao cônjuge requerer separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, desde que manifestada após o casamento, de modo a tornar impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de 2 (dois) anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. Nesta hipótese de separação, no entanto, há uma sanção dirigida ao cônjuge que faz seu requerimento. Nos termos do parágrafo terceiro, do artigo 1.572, do Código Civil, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, bem como a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal. 6.3.6.2 Divórcio Diante das novidades relativas ao divórcio e à extinção da separação judicial, discute-se a extinção do divórcio conversão, mantendo-se apenas o divórcio direto, já adequado à nova sistemática, naturalmente. Antes, o divórcio conversão operava-se após o decurso de 1 (um) ano da sentença homologatória da separação judicial ou autorizadora da separação de corpos, enquanto que o divórcio direto operava-se após o decurso de 2 (dois) anos da separação de fato. Tanto o pedido de divórcio conversão como o direto poderiam ser realizados de forma consensual ou litigiosa. Atualmente, como se deixou de exigir a prévia separação, podem os cônjuges pleitear o divórcio diretamente, sem a necessidade dos prazos anteriormente exigidos. Inexistindo filhos menores ou incapazes, admite-se a realização do divórcio consensual mediante escritura pública, perante o Cartório competente, acompanhados os cônjuges de advogado comum ou de advogados individualmente constituídos. 6.3.6.3 Efeitos da separação e do divórcio A separação judicial põe fim aos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, bem como ao regime de bens. Havendo a declaração de culpa na separação judicial, o cônjuge declarado culpado perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que haja requerimento expresso do cônjuge inocente nesse sentido e de que a alteração não acarrete: a) evidente prejuízo para a sua identificação;

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b) manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; c) dano grave reconhecido na decisão judicial. É direito do cônjuge inocente renunciar ao direito de usar o sobrenome do outro, a qualquer momento durante a ação de separação judicial. No que atine aos filhos, o divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos mesmos. Na hipótese de novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não há que esse falar em restrições aos direitos dos filhos. Decorre do divórcio também o dever de prestar alimentos, aos filhos ou ao outro cônjuge. O dever de mútua assistência não desaparece, mesmo após o divórcio. Portanto, uma pessoa divorciada pode, perfeitamente, ser compelida a prestar alimentos à outra. A fixação de pensão alimentícia pode ser feita de forma consensual, inclusive no divórcio consensual, mas, via de regra é feita de forma litigiosa. Para que se fale no dever de prestar alimentos, exige-se a presença do binômio: a) necessidade (de quem pede); e b) possibilidade (de quem paga). Presente os requisitos, far-se-á devida a prestação de alimentos. Prestação esta que pode ser revista a qualquer tempo, basta que haja alteração em um, ou em ambos dos elementos do binômio mencionado. Por fim, ainda há que se distinguir entre alimentos necessários e alimentos civis. Enquanto os primeiros destinam-se apenas à manutenção das necessidades básicas, os últimos são destinados à manutenção do padrão de vida. 6.4 Relações de parentesco O Código Civil divide as relações de parentesco em linhas retas e colaterais, ambas podendo ter fundamento na consanguinidade ou afinidade. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. Por exemplo:

A B C No exemplo, “A” é pai de “B” e avô de “C”. Entre “A” e “B” há relação de parentesco em linha reta, de 1º (primeiro) grau, por consanguinidade. Já entre “A” e “C” há relação de parentesco em linha reta, de 2º (segundo) grau, por consanguinidade. Por sua vez, são parentes em linha colateral (ou transversal), até o 4º (quarto) grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra (art. 1.592, CC).

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Por exemplo: A

B C D E No exemplo, “A” é pai (ou mãe) de “B” e “C”, enquanto “D” é filho de “B”, neto de “A”, sobrinho de “C” e primo de “E”. Tomando-se por referência “D”, apenas no que atine ao parentesco em linha colateral, tem-se que ele é parente em linha colateral, de 3º (terceiro) grau, de “C” (seu tio), e de 4º (quarto) grau, de “E” (seu primo). Conforme o mencionado artigo 1.592 do Código Civil, conta-se o parentesco, na linha colateral, apenas até o 4º (quarto) grau, diferentemente do parentesco em linha reta, que pode ser contado infinitamente. Os irmãos (“B” e “C”, no exemplo acima citado), por não serem descendentes não são considerados parentes em linha reta, mas sim em linha colateral, de 2º (segundo) grau. Isto porque, para se cotar grau no parentesco colateral, deve-se subir até o ascendente comum, computando cada geração como um grau, e, após descer até a pessoa desejada, também computando cada geração com um grau. No caso dos irmãos, deve-se subir até o ascendente comum, isto é, o pai (uma geração, computada como o 1º grau), e, após, descer até a pessoa desejada, isto é, o irmão (uma geração, computada como o 2º grau). Ainda no que atine aos irmãos, podem eles ser unilaterais, ou bilaterais (ou germanos). Irmãos unilaterais são aqueles que tem apenas o pai ou a mãe como ascendente comum. Já irmãos bilaterais são os que possuem pai e mãe como ascendentes comuns. É fundamental frisar que não há qualquer distinção entre filhos biológicos e filhos adotados, nos termos de expressa disposição constitucional, assim como não há qualquer distinção entre os filhos havidos na constância do casamento (anteriormente chamados de legítimos) e os havidos em relações extraconjugais (anteriormente chamados de ilegítimos). Em todas as relações até aqui mencionadas, estava-se a tratar do parentesco por consanguinidade, isto é, decorrente do sangue comum. Mas, além deste, o Código Civil prevê a possibilidade de parentesco derivado de outra origem, isso sem mencionar que o parentesco pode ser natural ou civil. O cônjuge e o companheiro estão ligados aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. São parentes por afinidade, portanto, os parentes do cônjuge ou do companheiro. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, descendentes, e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. Excetuados estes, não há que se falar em parentesco por afinidade. Por expressa disposição legal, na linha reta, o parentesco por afinidade não se extingue nem mesmo com a dissolução do casamento ou da união estável (parágrafo segundo, art. 1.595, CC). Isto é, o parentesco com sogros, nora e genro não são extinguíveis.

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6.4.1 Filiação Como se mencionou, os filhos havidos ou não da relação casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, vedadas quaisquer discriminações relativas à filiação. Nos termos do artigo 1.597 do Código Civil, presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: a) nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; b) nascidos nos 300 (trezentos) dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; c) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Se antes de decorrido 300 (trezentos) dias, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume (relativamente, isto é, salvo prova em sentido oposto) do 1º (primeiro) marido se nascido dentro dos 300 (trezentos) dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, depois de estabelecida a convivência conjugal. Dispõe o artigo 1.599 do Código Civil, que a prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide (afasta) a presunção de paternidade. No caso da mulher, não basta o adultério, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade. Compete ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo imprescritível ação a esta finalidade destinada. Confere-se aos herdeiros, inclusive, a possibilidade de de prosseguir na ação que haja sido ajuizada pelo de cujus. É importante frisar que os herdeiros tem direito apenas de prosseguir com tal ação, mas não de ajuizá-la. Na forma do artigo 1.602 do Código Civil, a mera confissão materna não é suficiente para excluir a paternidade. A Certidão de Nascimento, devidamente registrada no Registro Civil é a prova da filiação, não sendo dado a ninguém o direito de invocar estado contrário ao que resulta em seu registro de nascimento, exceto se provar erro ou falsidade de registro. Na hipótese de falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: a) quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; b) quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. O filho possui legitimidade para ingressar com ação de prova de filiação, enquanto viver, direito que passa aos herdeiros, se ele morrer

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menor ou incapaz. Caso iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, exceto se o processo houver sido julgado extinto. 6.4.2 Reconhecimento dos filhos Novamente há que se frisar que o atual ordenamento jurídico não admite distinções entre filhos havidos na constância do casamento e os havidos fora dela. O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente (art. 1.607, CC). Se na Certidão de Nascimento constar a maternidade do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas. Reconhecido o filho havido fora do casamento, tal ato é irrevogável e deverá ser feito: a) no registro do nascimento; b) por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; c) por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; d) por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Admite-se que o reconhecimento preceda ao nascimento do filho, assim como que seja realizado posterior ao seu falecimento, caso ele deixe descendentes. O reconhecimento de um filho pode ser realizado até mesmo por testamento, e, uma vez realizado, é irrevogável. Embora o reconhecimento de um filho possa a qualquer momento ser realizado, não se admite que aquele havido fora do casamento venha a residir no lar conjugal sem o consentimento do outro cônjuge. Se o filho reconhecido for menor, deve ficar sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconhecerem mas não houver acordo sob a guarda, esta será concedida em consideração ao melhor interesse do menor. Enquanto o reconhecimento de filho menor independe de seu consentimento, o reconhecimento do filho maior só pode ser reconhecido se consentir. Ao menor, todavia, confere-se o direito de impugnar o reconhecimento, nos quatro anos seguintes ao que atingir a maioridade (22 anos), ou à emancipação. A ação de investigação de paternidade, ou de maternidade, pode ser contestada por qualquer pessoa, desde que provado o interesse no caso. A sentença de procedência da investigação de paternidade tem os mesmos efeitos do reconhecimento, porém, pode determinar que o filho seja criado e educado fora da companhia dos pais ou daquele que estava a contestar essa qualidade. Nos termos do artigo 1.617 do Código Civil, a filiação (materna ou paterna) pode resultar de casamento que tenha sido declarado nulo, ainda que sem as condições do casamento putativo, isto é, aquele contraído de

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boa-fé por um ou ambos os cônjuges, embora pendente causa de nulidade ou anulabilidade. Há que lembrar que o casamento putativo produz em relação ao cônjuge de boa-fé, assim como em relação aos filhos, todos os efeitos até o dia da sentença anulatória, a qual será dotada de eficácia ex nunc, portanto. No entanto, caso ambos os cônjuges estivessem de má-fé ao celebrar o casamento, então seus efeitos civis só aproveitarão aos filhos. 6.4.3 Adoção A disciplina legal da adoção deixou de ser objeto do Código Civil após o início da vigência da lei n.º 12.010/2009. Do capítulo destinado à adoção, restaram apenas dois dispositivos. O artigo 1.618 dispõe que a adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Já o artigo 1.619 estipula, que a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá de assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente. Como o E.C.A. é matéria componente do conteúdo programático do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, passa-se a discorrer acerca das regras da adoção. Sempre que possível, a criança ou o adolescente deve ser previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da adoção, e terá sua opinião devidamente considerada. Na hipótese de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção da mesma família substituta, exceto se houver comprovado risco de abuso ou de outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, sempre, evitar o rompimento dos vínculos fraternais. A colocação de uma a criança ou adolescente em família substituta deve ser precedida de preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados por equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude. Reputa-se a adoção como um uma medida excepcional, de caráter irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou do adolescente na família natural. É vedada a adoção por procuração. O direito de adotar é conferido ao maior de 18 (dezoito) anos de idade, independentemente do estado civil. Se a adoção for conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. Admite-se a adoção conjunta realizada por divorciados, por separados judicialmente ou por ex-companheiros, desde que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência, além de comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda,

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de modo a justificar a excepcionalidade da concessão. Neste caso, uma vez provado o benefício ao adotando, assegura-se a guarda compartilhada. Os ascendentes e os irmãos da criança ou do adolescente não podem adotá-lo, haja vista o vínculo de parentesco já existente entre eles. Exige-se que o adotante seja, ao menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotando. E, ainda, que o adotando conte com, no máximo, 18 (dezoito) anos de idade à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres dos demais filhos, inclusive sucessórios, e tem o condão de desligá-lo de qualquer vínculo com pais e parentes biológicos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais. Nos termos do parágrafo segundo, do artigo 41, do Estatuto da Criança e do Adolescente, é recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º (quarto) grau, observada a ordem de vocação hereditária. Para que possa ser deferida, a adoção deve apresentar reais vantagens para o adotando, além de ser fundada em motivos legítimos. Em se tratando da adoção do tutelado ou curatelado, por seu tutor ou curador, há que se lembrar que ela só viabiliza a partir do momento em que os últimos prestarem contas de sua administração e saldarem todo o necessário. A adoção é ato que depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. Entretanto, dispensa-se esse consentimento se os pais da criança ou do adolescente forem desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar. E, lembrando-se, em se tratando de adotando maior de 12 (doze) anos de idade, exige-se seu consentimento, colhido em audiência. 6.4.3.1 Procedimento para adoção Incumbe à autoridade judiciária manter, em cada comarca ou foro regional: a) um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados; e b) um registro de pessoas interessadas na adoção. O deferimento da inscrição dar-se-á mediante prévia consulta aos órgãos técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público. Não será deferida a inscrição de família que revele incompatibilidade com a adoção ou que não ofereça um ambiente familiar adequado. A inscrição dos postulantes à adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. Sempre que possível esse período de preparação incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional, em condições de serem adotados, a ser realizado sob orientação, supervisão e

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avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. Haverá, nos termos do parágrafo quinto, do artigo 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criação e implementação de cadastros estudais e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados, bem como de pessoas ou casais habilitados à adoção. Os cadastros para pessoas ou casais residentes fora do país serão distintos, e consultados somente na inexistência de postulantes nacionais habilitados. É dever da autoridade judiciária providenciar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a inscrição das crianças e adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção, nos cadastros estadual e nacional, sob pena de responsabilidade. A manutenção e alimentação dos cadastros estaduais e nacional compete à Autoridade Central Estadual e à Autoridade Central Federal Brasileira, respectivamente. Já a fiscalização desses cadastros e das convocações aos postulantes à adoção será realizada pelo Ministério Público. Enquanto não encontrado pessoa ou casal interessado em sua adoção, a criança ou o adolescente, sempre que possível, serão mantidos sob a guarda de famílias cadastradas em programa de acolhimento familiar. Embora faça-se necessário a inserção prévia em cadastro, para apenas então deferir-se a adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente estipulou algumas exceções. Assim, poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente quando: a) se tratar de pedido de adoção unilateral; b) for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; c) oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer dos crimes previstos nos arts. 237 (subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto) ou 238 (prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa), ambos do E.C.A. A adoção deve, ainda, ser precedida de estágio de convivência com a criança ou o adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. Esse estágio de convivência pode ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo familiar. A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.

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Na hipótese de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do país, o estágio de convivência deve ser cumprido em território nacional e não pode ser inferior a 30 (trinta) dias. O estágio de convivência será acompanhado por equipe multiprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. Ultrapassadas todas as etapas, o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. Essa inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes. O mandado judicial que determina a inscrição no registro civil, que será arquivado, tem o condão de cancelar o registro original do adotado. No novo registro, nenhuma observação sobre a origem do adotado poderá constar nas certidões do registro. A sentença conferirá, ainda, o nome do adotante ao adotado e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a alteração do prenome, caso em que é obrigatória a oitiva do adotando. A eficácia da sentença de adoção é ex nunc, e sua natureza jurídica é constitutiva, mas há uma importante exceção, qual seja, caso o adotante morra no curso do procedimento de adoção e antes de prolata a sentença, a adoção poderá ainda assim ser deferida, caso em que sua sentença terá eficácia retroativa (ex tunc), a partir da data do óbito do adotante. A finalidade da exceção é conferir ao adotado acesso à herança do falecido, a qual se transmite no exato momento da morte. Findo o processo de adoção, este deve ser mantido em arquivo, podendo ser consultado a qualquer tempo. Ao adotado é dado o direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Excepcionalmente, também se admite que o menor de 18 (dezoito) anos tenha acesso ao processo de adoção, a seu pedido, caso em que deve à ele ser assegurada assistência jurídica e psicológica. Por derradeiro, há que se salientar que a morte dos adotantes não restabelece o poder familiar aos pais biológicos (ou naturais). 6.4.3.2 Adoção internacional Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou o casal postulante é residente ou domiciliado fora do brasil, nos termos do artigo 51, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Só terá lugar a adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil quanto restar comprovado: a) que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto;

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b) que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros estaduais e cadastro nacional; c) que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, após oitiva da criança ou adolescente menor de 12 (doze) anos, quando possível, e mediante consentimento, colhido em audiência, no caso de maior de 12 (doze) anos. Os brasileiros residentes no exterior possuem preferência aos estrangeiros nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional. Além das regras gerais quanto à colocação da criança ou do adolescente em família substituta, a adoção internacional deve ser realizada de acordo com as seguintes adaptações: a) a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou adolescente brasileiro, deverá formular pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país de acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência habitual; b) se a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional; c) a Autoridade Central do país de acolhida enviará o relatório à Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira; d) o relatório será instruído com toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de vigência; e) os documentos em língua estrangeira serão devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado; f) a Autoridade Central Estadual poderá fazer exigências e solicitar complementação sobre o estudo psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já realizado no país de acolhida; g) verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulantes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe esta Lei como da legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um) ano;

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h) de posse do laudo de habilitação, o interessado será autorizado a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual. Caso a legislação do país de acolhida autorize, admite-se que os pedidos de habilitação para adoção internacional sejam intermediados por organismos credenciados. À Autoridade Central Federal Brasileira incumbe o credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, com posterior comunicação às Autoridades Centrais Estaduais e publicação nos órgãos oficiais de imprensa e em site próprio a esta finalidade. Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, só será admissível o credenciamentos de organismos que: I) sejam oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam devidamente credenciados pela Autoridade Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em adoção internacional no Brasil; II) satisfizerem as condições de integridade moral, competência profissional, experiência e responsabilidade exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central Federal Brasileira; III) forem qualificados por seus padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção internacional; IV) cumprirem os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas pela Autoridade Central Federal Brasileira. E, os organismos internacionais deverão ainda: I) perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pelas autoridades competentes do país onde estiverem sediados, do país de acolhida e pela Autoridade Central Federal Brasileira; II) ser dirigidos e administrados por pessoas qualificadas e de reconhecida idoneidade moral, com comprovada formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional, cadastradas pelo Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela Autoridade Central Federal Brasileira, mediante publicação de portaria do órgão federal competente; III) estar submetidos à supervisão das autoridades competentes do país onde estiverem sediados e no país de acolhida, inclusive quanto à sua composição, funcionamento e situação financeira; IV) apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal, sob pena de suspensão de seu credenciamento; V) enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado;

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VI) tomar as medidas necessárias para garantir que os adotantes encaminhem à Autoridade Central Federal Brasileira cópia da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes sejam concedidos. O credenciamento de organismo nacional ou estrangeiro encarregado de intermediar pedidos de adoção internacional terá validade de 2 (dois) anos. É importante destacar que não será permitida a saída da criança ou do adolescente adotando antes de transitada em julgada a decisão que concedeu a adoção internacional. Transitada em julgado a decisão que concede a adoção, a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, eventuais sinais ou traços peculiares, assim como foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado. A finalidade de todas essas exigências é a conferir o máximo de segurança ao procedimento, evitando qualquer manobra ilícita envolvendo crianças ou adolescentes, visando sempre o melhor interesse das mesmas. A qualquer momento a Autoridade Central Federal Brasileira poderá solicitar informações sobre a situação das crianças e adolescentes adotados. Sob pena de responsabilidade e descredenciamento, é vedado o repasse de recursos provenientes de organismos estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de adoção internacional a organismos nacionais ou a pessoas físicas (art. 52-A, ECA). Eventuais repasses somente poderão ser efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Por fim, há ainda que mencionar, que nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório (art. 52-C, ECA). 6.4.4 Poder familiar Enquanto menores, os filhos estão sujeitos ao poder familiar, isto é, o poder exercido pelos pais. Anteriormente, encontrava-se a expressão “pátrio poder” em diversos textos legislativos pátrios, herança de uma época em que o homem exercia o controle familiar. Embora a expressão, após o início da vigência da Constituição Federal de 1988 já não mais indicasse o poder do homem, mas sim do casal, a Lei n.º 12.010/2009 cuidou de substituir a expressão “pátrio poder”

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por “poder familiar” em diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescentes. Na constância do casamento ou da união estável, o exercício do poder familiar compete a ambos os pais, mas se um deles faltar ou tornar-se impedido de exercê-lo, o outro o exercerá com exclusividade. Quando os pais divergirem sobre o exercício do poder familiar, a qualquer deles é conferido o direito de recorrer ao juiz para obter uma solução ao desacordo. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que cabe aos primeiros, de terem em sua companhia os segundos (art. 1.632, CC). Quando o pai não reconhecer o filho, este ficará sob o poder familiar exclusivo da mãe. No entanto, se a mãe não for conhecida ou não for capaz de exercê-lo, der-se-á tutor ao menor. Nos termos do artigo 1.634 do Código Civil, é dever dos pais, com relação aos filhos menores: a) dirigir-lhes a criação e educação; b) tê-los em sua companhia e guarda; c) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; d) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; e) representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; f) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; g) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Quanto à suspensão, ou extinção do poder familiar, o pai ou a mãe que contraia novas núpcias, ou que estabeleça união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, podendo exercê-lo sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. O mesmo se aplicando ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou que estabelecerem união estável. Esse poder familiar, entretanto, pode ser extinto: a) pela morte dos pais ou do filho; b) pela emancipação; c) pela maioridade; d) pela adoção; e) por decisão judicial, nos termos abaixo mencionados. Por decisão judicial, pode perder o poder familiar o pai ou a mãe que: I) castigar imoderadamente o filho; II) deixar o filho em abandono; III) praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV) incidir, reiteradamente, em faltas como: abuso da autoridade, faltando aos deveres inerentes aos pais, ou arruinando os bens dos filhos. Nessa hipótese, primeiramente deve-se apenas suspender o exercício do poder familiar, deixando sua extinção para a prática reiterada de tais atos, como medida extrema.

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6.5 Direito patrimonial 6.5.1 Regime de bens entre os cônjuges Os nubentes devem, antes da celebração do casamento, estipular qual regime de bens adotarão. Escolhido o regime de bens, este começa a vigorar desde a data do casamento. Embora haja necessidade de escolha do regime antes da celebração, admite-se a alteração do mesmo na constância do casamento, dependente, neste caso, de autorização judicial mediante pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. Se não houver convenção, ou se esta for nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime-regra, isto é, o regime da comunhão parcial. É no processo de habilitação que se faculta aos cônjuges a opção por qualquer dos regimes regulados pelo Código Civil, que são 4 (quatro): a) regime da separação de bens; b) regime da comunhão universal; c) regime da comunhão parcial; e d) regime de participação final nos aquestos. Escolhido o regime-regra, isto é, o da comunhão parcial de bens, far-se-á mera redução a termo. No entanto, caso escolhido qualquer dos outros 3 (três) regimes, exige-se a feitura de pacto antenupcial, por escritura pública. Se não realizado por escritura pública, é nulo o pacto antenupcial, bem como ineficaz se o casamento não for realizado. Caso o pacto antenupcial seja realizado por menor, sua eficácia fica condicionada à aprovação de seu representante legal, exceto as hipótese de adoção do regime obrigatório de separação de bens. Inobstante a inclusão no pacto antenupcial, será considerada nula qualquer convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta de lei. Quando for adotado o regime de participação final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis no pacto antenupcial, desde que particulares. As convenções antenupciais não terão efeitos perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis no domicílio dos cônjuges. Independentemente do regime de bens adotado, tanto o marido como a mulher podem livremente: a) praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do art. 1.647; b) administrar os bens próprios; c) desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; d) demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge, sem autorização, para prestá-los, ou sem autorização para fazer doação (não remuneratória) de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação;

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e) reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; f) praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente. Também podem os cônjuges, independentemente da autorização um do outro: a) comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica; b) obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir. No casos dessas dívidas, há solidariedade entre os cônjuges, por expressa disposição legal. Em contrapartida, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: a) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; b) pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; c) prestar fiança ou aval; d) fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. As doações nupciais realizadas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia própria são válidas, nos termos do parágrafo único do artigo 1.647 do Código Civil. Nas hipóteses acima mencionadas, que exigem autorização do outro cônjuge para prática de determinados atos, pode o juiz suprir a outorga, desde que a recusa do cônjuge não esteja fundada em motivo justo, ou desde que não lhe seja possível concedê-la. Quando necessária a autorização e não suprida pelo juiz, torna anulável o ato praticado, sendo direito do outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até 2 (dois) anos depois de terminada a sociedade conjugal. Em contrapartida, a aprovação torna válido o ato, desde que realizada por instrumento público, ou particular, autenticado. A decretação da invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros (art. 1.650, CC). Sempre que um dos cônjuges não puder gerir os bens que lhe incumbe, segundo o regime de bens, caberá ao outro cônjuge: a) gerir os bens comuns e os do consorte; b) alienar os bens móveis comuns; c) alienar os imóveis comuns e os móveis ou imóveis do consorte, mediante autorização judicial. O cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do outro, permanece para com este e seus herdeiros responsável: a) como usufrutuário, se o rendimento for comum;

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b) como procurador, se tiver mandato expresso ou tácito para os administrar; c) como depositário, se não for usufrutuário, nem administrador. 6.5.1.1 Regime da comunhão parcial de bens O regime da comunhão parcial de bens, como mencionado, é o regime-regra. Caso os nubentes silenciem sobre o pacto nupcial, reputar-se-á adotado o regime da comunhão parcial. Neste regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, mas ficam excluídos da comunhão: a) os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; b) os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; c) as obrigações anteriores ao casamento; d) as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; e) os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; f) os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; g) as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Em contrapartida, nos termos do artigo 1.660 do Código Civil, entram na comunhão: a) os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; b) os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; d) os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; e) as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; f) os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. No regime da comunhão parcial, todo bem cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento é incomunicável. Os bens móveis presumem-se adquiridos na constância do casamento, quando não se provar que foram adquiridos em data anterior. Incumbe a qualquer dos cônjuges a administração do patrimônio comum do casal. As dívidas contraídas no exercício dessa administração obrigam os bens comuns e também os particulares do cônjuge que o administra, bem como os do outro na razão do proveito que houver obtido. Exige-se anuência de ambos os cônjuges para a prática de atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns. Em

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caso de má administração dos bens, pode o juiz atribuir a administração a apenas um dos cônjuges. Os bens da comunhão do casal respondem pelas obrigações que forem contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal. Compete ao cônjuge proprietário a administração e a disposição dos bens que constituírem seu patrimônio particular, salvo convenção diversa em pacto antenupcial. No entanto, as dívidas que forem contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares ou em benefício destes, não obrigam os bens comuns do casal. 6.5.1.2 Regime da comunhão universal de bens Como já se teve a oportunidade de mencionar, a adoção do regime da comunhão universal de bens depende da estipulação em pacto antenupcial. O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, bem como das dívidas passivas, mas são excluídos da comunhão: a) os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; b) os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; c) as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; d) as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; e) os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; f) os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; g) as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Os casos de incomunicabilidade acima mencionados não se estendem aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento. Quanto à administração dos bens, aplicam-se ao regime da comunhão universal as mesmas disposições da comunhão parcial de bens. Uma vez extinta a comunhão universal e efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessa a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro. 6.5.1.3 Regime da participação final nos aquestos A adoção do regime da participação final nos aquestos também depende de estipulação em pacto antenupcial. Neste regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

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Quanto ao patrimônio próprio de cada cônjuge, este é composto pelos bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que tem o direito de livremente aliená-los, se forem móveis. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-e-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I) os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II) os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III) as dívidas relativas a esses bens. Há presunção relativa de que os bens móveis foram adquiridos durante o casamento. Determinado o montante dos aquestos, computar-se-á o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro. Nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução. Os bens alienados em detrimento da meação devem ter seu valor incorporado ao monte partilhável, desde que não haja preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar. Note-se que, pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem gerado benefício em proveito parcial ou total ao outro cônjuge. O regime de participação final dos aquestos realiza, de certa forma, um acerto de contas caso ocorra a dissolução da sociedade conjugal. Se um dos cônjuges quitou uma dívida do outro com bens de seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge. Naturalmente, quanto aos bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges direito a uma quota igual. Reputam-se de propriedade do cônjuge a cujo registro apontar, a propriedade dos bens imóveis. Caso impugnada a titularidade, incumbe ao cônjuge proprietário provar a aquisição regular dos bens. Não há direito à renúncia da meação, tão pouco direito à cessão ou penhora na vigência do regime matrimonial. Os aquestos, como se nota, são os bens adquiridos, onerosamente, pelos cônjuges, na constância do casamento. E, na dissolução do regime, seja por separação judicial ou divórcio, verificar-se-á o montante dos aquestos à data em que cessou a convivência. Por derradeiro, há que se expor que as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros. 6.5.1.4 Regime de separação de bens O regime da separação de bens também deve ser estipulado em pacto antenupcial.

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Estipulado este regime, os bens permanecem sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Ambos os cônjuges tem o dever de contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em sentido diverso, constante do pacto antenupcial. O regime de separação de bens pode ser convencional, fruto da livre opção dos cônjuges, mas também pode decorrer de imposição legal. Em decorrência de algumas situações peculiares, o Código Civil se preocupou em resguardar determinados interesses de alguns grupos de pessoas. Dispõe o artigo 1.641 do Código Civil que é obrigatório a adoção do regime da separação de bens no casamento: I) das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II) da pessoa maior de sessenta anos; III) de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. 6.5.2 Usufruto e administração dos bens de filhos menores Dispõe o artigo 1.689 do Código Civil, que o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: a) são usufrutuários dos bens dos filhos; e b) têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. É de competência dos pais representar os filhos menores de 18 (dezoito) anos, assim como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados. As questões relacionadas aos filhos e a seus bens devem ser decididas em conjunto pelos pais, e, ocorrendo divergência, qualquer deles pode recorrer ao juiz para obtenção da solução necessária. Aos pais não é dado o direito de alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, exceto por necessidade ou evidente interesse dos filhos, mediante prévia autorização judicial. Estão excluídos do usufruto e da administração dos pais: a) os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento; b) os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos; c) os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais; d) os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão. 6.5.3 Alimentos Os alimentos são devidos em razão do parentesco, do casamento ou da união estável. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir

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uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive no que atine as necessidades educacionais (art. 1.694, caput, CC). Para que se fale no dever de prestação alimentícia, exige-se a presença o binômio necessidade e possibilidade. A necessidade atine ao âmbito do alimentado, enquanto que a possibilidade se relaciona ao âmbito do alimentante. Nesse contexto, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e das possibilidades da pessoa obrigada. Os alimentos podem, ainda, ser divididos em civis e naturais. Alimentos civis são aqueles destinados à manutenção do padrão de vida do alimentado, ao passo que os alimentos naturais são os destinados ao custeio das necessidades de subsistência do mesmo. Os alimentos naturais são também chamados de alimentos indispensáveis pelo Código Civil. Os alimentos são devidos quando se demonstrar: a) que quem os pede não possui bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria subsistência; e b) que a quem se pede, possa fornecê-los sem desfalque necessário ao seu sustento. Não só os pais tem o dever de prestar alimentos aos filhos, mas também estes tem o dever de prestá-los aos pais. O direito à prestação de alimentos é extensivo, ainda, a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falto de outros. Faltando os ascendentes, a obrigação cabe aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, sejam bilaterais (germanos) ou unilaterais. Quando o parente que tiver a obrigação de prestar alimentos em primeiro lugar não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato. Sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas deverão concorrer na proporção dos recursos respectivos, e, ajuizada ação contra uma delas, as demais poderão ser chamas a integrar a lide, nos termos do art. 1.698 do Código Civil. A presença do binômio necessidade e possibilidade há de estar constantemente presente, pois a alteração em qualquer dos vetores pode resultar a alteração da prestação fornecida. Se, fixados os alimentos, sobrevier alteração na situação financeira de quem os presta, ou na de quem os recebe, é lícito ao interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo. A obrigação de prestar alimentos é transmissível aos herdeiros do devedor. Quando houver separação judicial pela via litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, é dever do outro prestar-lhe a pensão alimentícia que o juiz fixar, a qual pode ser destinada apenas aos gastos de subsistência ou à manutenção do padrão de vida, a depender das circunstâncias concretas. Entretanto, se o que pleitear a pensão alimentícia for o cônjuge culpado pela separação judicial, o juiz só poderá determinar ao outro cônjuge que os forneça se ficar provado que o cônjuge culpado não tem parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, hipótese

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em que serão fixados em patamar que destine-se apenas à cobertura do indispensável à sobrevivência. Já para a manutenção dos filhos, é dever dos cônjuges separados judicialmente contribuir na proporção de seus recursos. Para o filho havido fora do casamento, o Código Civil reserva-lhe o direito de pleitear alimentos, assim como faculta ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação seja processada em segredo de justiça. Dispõe o artigo 1.706 do Código Civil que os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual, ou seja, nos termos do Código de Processo Civil. É importante não confundir alimentos provisionais com alimentos provisórios. Alimentos provisionais são aqueles concedidos em ação cautelar, preparatória ou incidental. Os alimentos provisionais são destinados à manutenção do autor, seja o cônjuge ou os filhos, durante a tramitação do processo principal. Já os alimentos provisórios, são aqueles fixados liminarmente pelo juiz, sem ouvir a parte contrária, no mesmo despacho em que recebe a petição inicial, desde que haja prova pré-constituída do parentesco, do casamento ou da união estável. A disciplina dos alimentos provisórios consta da Lei n.º 5.478/1968. O credor de alimentos pode não exercer seu direito, no entanto, lhe é expressamente vedado renunciar ao mesmo, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Caso o credor de alimentos contraia matrimônio, ingresse em união estável ou em concubinato, cessa para o devedor o dever de prestar alimentos. Já o novo casamento do devedor não tem o condão de extinguir suas obrigações oriundas da sentença de divórcio. Não se pode deixar de mencionar a possibilidade de prestação de alimentos durante o período de gestação (alimentos gravídicos), nos termos em que dispõe a Lei n.º 11.804/2008. Os alimentos de que trata a mencionada lei compreendem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considerar pertinentes. A determinação judicial ao futuro pai, para pagamentos das despesas mencionadas, far-se-á mediante convencimento do juiz, acerca da existência de indícios de paternidade. Fixados os alimentos, estes perdurarão até o nascimento da criança, sempre tendo em vista a necessidade da requerente e a possibilidade do requerido, isto sem deixar de considerar que o custeio de todo o necessário deve ser feito na proporção dos recursos de ambos. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos convertem-se em pensão alimentícia em favor do menor, até que uma das partes solicite sua revisão.

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6.5.4 Bem de família A disciplina do bem de família, pelo Código Civil, trata de sua modalidade convencional, isto é, assim determinado em razão da vontade das partes. O bem de família, no entanto, também se apresenta através de outra modalidade, a legal, cujo regramento encontra-se na Lei n.º 8.009/90. 6.5.4.1 Bem de família no Código Civil (bem de família convencional) A instituição do bem de família, segundo o Código Civil, pode ser feita por vontade dos cônjuges, ou da entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento. Parte do patrimônio dos cônjuges ou da entidade familiar pode ser destinada com a finalidade de instituir o bem de família, desde que não ultrapasse 1/3 (um terço) do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição. Também é lícito ao terceiro instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato, neste caso, da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Só há que se falar em efetiva constituição do bem de família, tenha ele sido instituído pelos cônjuges ou por terceiro, mediante registro de seu título no competente Cartório de Registro de Imóveis. O bem de família é isento de execuções por dívidas posteriores à sua instituição, exceto as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Nestes casos, realizada a execução de tais dívidas, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz. A isenção de execução por dívidas posteriores à instituição perdurará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade. Não pode ser dado ao prédio e aos valores mobiliários, constituídos como bem de família, destino que não seja o de domicílio familiar, tão pouco podem ser alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido sempre o Ministério Público. Quando houver, comprovadamente, a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público. Via de regra, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, salvo disposição em contrário, constante do ato de instituição, cabendo ao juiz resolver eventuais divergências. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.

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Por expressa disposição legal, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Caso haja a dissolução pela morte de um dos cônjuges, é lícito ao sobrevivente pedir a extinção do bem de família, desde que seja o único bem do casal. Na hipótese de falecimento de ambos os cônjuges, e sendo todos os filhos maiores, desde que não sujeitos a curatela, extingue-se o bem de família, igualmente. 6.5.4.2 Bem de família na Lei n.º 8.009/90 (bem de família legal) Diferentemente do bem de família do Código Civil, que pode ser instituído por vontade das partes, o bem de família da Lei n.º 8.009/90 decorre de vontade legal, independentemente da vontade dos cônjuges ou companheiros, portanto. Nos termos do artigo primeiro da mencionada lei, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietário e nele residam, exceto as hipóteses abaixo mencionadas. A impenhorabilidade legal do bem de família compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Estão excluídos da impenhorabilidade os veículos de transporte, as obras de arte e os adornos suntuosos. Na hipótese de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário. A impenhorabilidade legal é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se ajuizado: a) em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; b) pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; c) pelo credor de pensão alimentícia; d) para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; e) para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; f) por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. g) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Os benefícios da impenhorabilidade legal não são extensivos àquele que, sabendo-se insolvente, adquire, de má-fé, imóvel mais valioso para transferir a residência de sua família, desfazendo-se da moradia antiga.

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Em se tratando de residência familiar em imóvel rural, a impenhorabilidade restringe-se à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, havendo que se lembrar que, nos termos do artigo 5º, inciso XXVI da CRFB/88, a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva. Para a incidência dos efeitos descritos na Lei n.º 8.009/90, considera-se residência um único imóvel utilizado pela entidade familiar para moradia permanente. Essa entidade familiar pode ser constituída pelo casamento, pela união estável ou por uma família monoparental. Caso a entidade familiar possua mais de um bem imóvel utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, exceto se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Cartório de Registro de Imóveis. 6.6 União estável Embora o Código Civil estipule que reconhece-se como entidade familiar apenas a união estável entre o homem e a mulher, reiteradas decisões judiciais tem fixado a possibilidade da existência de união estável entre pessoas do mesmo sexo, sob os fundamentos, basicamente, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, e da vedação à quaisquer práticas discriminatórias. Para que se fale em união estável, há que se configurar uma convivência: a) pública; b) contínua; c) duradoura; e d) estabelecida com o objetivo de constituição de família. Não há que se falar em constituição de união estável se presentes os motivos que impedem a celebração de casamento, quais sejam: a) os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; b) os afins em linha reta; c) o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; d) os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; e) o adotado com o filho do adotante; f) as pessoas casadas; g) o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. No caso de pessoa casada, há possibilidade de configuração de união estável caso ela se encontre separada de fato ou judicialmente.

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Enquanto as causas impeditivas do casamento impedem também a configuração união estável, as suspensivas não tem o condão de impedir a sua caracterização. As relações pessoais entre os companheiros devem obedecer aos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como de guarda, sustento e educação dos filhos. Via de regra, à união estável se aplicam, quanto às relações patrimoniais, o regime da comunhão parcial de bens, exceto se houver contrato escrito entre os companheiros. Admite-se a conversão da união estável em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz, e de assento no Cartório de Registro Civil. Nos termos do artigo 1.727 do Código Civil, as relações mantidas de forma não eventual entre o homem e a mulher que forem impedidos de casar, constituem concubinato. 6.7 Tutela e curatela Enquanto o instituto da tutela destina-se à proteção do menor, a curatela destina-se à proteção do maior incapaz. Melhores distinções serão apresentadas na sequência. 6.7.1 Tutela A tutela destina-se à proteção de menores. Os filhos menores são colocados em tutela: a) com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes; ou b) em caso de os pais decaírem do poder familiar. É dos pais, conjuntamente, o direito de nomear tutor. Essa nomeação pode constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico. Quando há nomeação do tutor pelos pais, costuma-se dizer que há tutela voluntária. Considera-se nula a nomeação de tutor feita pelo pai ou pela mãe que, ao tempo de sua morte, não detinha o poder familiar. Se os pais, todavia, não nomearem um tutor, a tutela incumbirá aos parentes consanguíneos do menor, por esta ordem: i) aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto; ii) aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor. Nas hipóteses acima mencionadas, em que não houve a nomeação de um tutor pelos pais, mas sim por disposição legal, se diz que há tutela legal. Porém, incumbe ao juiz nomear tutor idôneo e residente no domicílio do menor:

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a) na falta de tutor testamentário ou legítimo; b) quando estes forem excluídos ou escusados da tutela; c) quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário. Quando não houve a nomeação de tutor pelos pais, tão pouco subsunção em uma das situações legais, a nomeação do tutor deverá ser realizada pelo juiz, hipótese chamada de tutela dativa. Quando irmãos ficarem órfãos, a eles deverá ser dado um único tutor. No caso de nomeação de mais de um tutor por disposição testamentária sem indicação de precedência, entende-se que a tutela foi cometida ao primeiro, e que os outros lhe sucederão pela ordem de nomeação, se ocorrer morte, incapacidade, escusa ou qualquer outro impedimento. As crianças e os adolescentes cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituídos do poder familiar terão tutores nomeados pelo juiz ou serão incluídos em programa de colocação familiar, na forma prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Por expressa vedação legal, não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam: a) aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens; b) aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor; c) os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela; d) os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena; e) as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores; f) aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela. O Código Civil se preocupou, ainda, em elencar hipóteses autorizadoras do direito de escusa, isto é, do direito de recusar a nomeação para tutela. Dispõe o artigo 1.736 do Código Civil, que podem escusar-se da tutela: a) mulheres casadas; b) maiores de sessenta anos; c) aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos; d) os impossibilitados por enfermidade; e) aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; f) aqueles que já exercerem tutela ou curatela; g) militares em serviço. Todo aquele que não é parente do menor não é obrigado a aceitar a tutela, se houver no lugar parente idôneo, consanguíneo ou afim, em condições de exercê-la.

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O direito de escusa deve ser manifestado nos 10 (dez) dias subsequentes à designação, sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la. Caso o motivo escusatório ocorra depois de aceita a tutela, os 10 (dez) dias contar-se-ão do dia em que ele sobrevier. Se o juiz não admitir a escusa, o nomeado deverá exercer a tutela enquanto o recurso interposto não tiver provimento, ou seja, eventual recurso interposto da decisão que denega a escusa não será recebido no efeito suspensivo. Nesse período, o tutor responde pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer. 6.7.1.1 Exercício da tutela É dever do tutor, quanto à pessoa do menor: a) dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição; b) reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção; c) adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade. É de incumbência do tutor a administração dos bens do tutelado, em proveito deste, devendo cumprir seus deveres com zelo, boa-fé, e sob inspeção do juiz. Para fiscalizar os atos do tutor, o juiz pode nomear um protutor. Se os bens e sua administração exigirem conhecimentos técnicos, forem complexos, ou realizados em lugares distantes do domicílio do tutor, poderá este, mediante aprovação judicial, delegar a outras pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela. Dispõe o artigo 1.744 do Código Civil, que a responsabilidade do juiz será: a) direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente; b) subsidiária, quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem o removido, tanto que se tornou suspeito. Os bens do menor devem ser entregues ao tutor mediante termo especificado deles e de seus valores, ainda que os pais o tenham dispensado. Caso o patrimônio do menor seja de valor considerável, poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução suficiente, podendo dispensá-la se o tutor gozar de reconhecida idoneidade. Na hipótese do menor possuir bens, será sustentado e educado às custas deles, competindo ao juiz arbitrar para tal fim as quantias que lhe pareçam necessárias, devendo considerar o rendimento da fortuna do pupilo quando o pai ou a mãe não as houver fixado. Compete mais ao tutor, independentemente de autorização judicial: a) representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte; b) receber as rendas e pensões do menor, e as quantias a ele devidas;

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c) fazer-lhe as despesas de subsistência e educação, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens; d) alienar os bens do menor destinados a venda; e) promover-lhe, mediante preço conveniente, o arrendamento de bens de raiz. Também compete ao tutor, mas mediante autorização judicial: a) pagar as dívidas do menor; b) aceitar por ele heranças, legados ou doações, ainda que com encargos; c) transigir; d) vender-lhe os bens móveis, cuja conservação não convier, e os imóveis nos casos em que for permitido; e) propor em juízo as ações, ou nelas assistir o menor, e promover todas as diligências a bem deste, assim como defendê-lo nos pleitos contra ele movidos. Caso o tutor pratique um dos atos acima identificados sem autorização judicial, a eficácia dos mesmos fica dependente de aprovação posterior pelo juiz. Mas, ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade: a) adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor; b) dispor dos bens do menor a título gratuito; c) constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor. Só se admite a venda de imóveis do menor sob tutela mediante situação que ofereça manifesta vantagem, mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz. É dever do tutor, antes de assumir a tutela, declarar tudo que o menor lhe deva, sob pena de não lhe poder cobrar, enquanto exerça a tutoria, salvo se provar que não conhecia o débito quando a assumiu. O tutor possui responsabilidade pelos prejuízos que, culposa ou dolosamente e causar ao tutelado. Entretanto, tem direito a ser pago pelo que realmente gastar no exercício da tutela (salvo no caso de nomeação para menores cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiver sido suspensos ou destituídos do poder familiar, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente), e a perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados. Se o juiz nomear um protutor, deverá arbitrar uma gratificação módica (reduzida) pela fiscalização efetuada. As pessoas competentes para fiscalizar a atividade do tutor, assim como as que concorrerem para a ocorrência de danos, respondem solidariamente pelos prejuízos gerados.

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6.7.1.2 Bens do tutelado Não é conferido aos tutores o direito de conservar em seu poder dinheiro dos tutelados, salvo o necessário para as despesas ordinárias como o seu sustento, educação e à administração de seus bens. Caso haja necessidade, objetos de ouro, prata, pedras preciosas e móveis podem ser avaliados por pessoa idônea e, após autorização judicial, alienados, e o seu produto convertido em títulos, obrigações e letras de responsabilidade direta ou indireta da União ou dos Estados, atendendo-se preferencialmente à rentabilidade, e recolhidos ao estabelecimento bancário oficial ou aplicado na aquisição de imóveis, a depender da determinação judicial. Neste contexto, aplicados os valores em estabelecimento bancário, não podem ser retirados, salvo autorização judicial, e apenas: a) para as despesas com o sustento e educação do tutelado, ou a administração de seus bens; b) para se comprarem bens imóveis e títulos, obrigações ou letras, nas condições acima mencionadas; c) para se empregarem em conformidade com o disposto por quem os houver doado, ou deixado; d) para se entregarem aos órfãos, quando emancipados, ou maiores, ou, mortos eles, aos seus herdeiros. 6.7.1.3 Prestação de contas Ainda que os pais estipulem em sentido oposto, os tutores são obrigados a prestar contas de sua administração. Ao final de cada ano de administração, os tutores devem submeter ao juiz o balanço respectivo, que, depois de aprovado, deverá ser anexado aos autos do inventário. Os tutores devem, ainda, prestar contas de dois em dois anos, e também quando, por qualquer motivo, deixarem o exercício da tutela ou toda vez que o juiz achar conveniente. Terminada a tutela, seja pela emancipação ou pela maioridade, a quitação concedida pelo menor não produzirá efeitos enquanto não forem as contas aprovadas pelo juiz, subsistindo inteiramente a responsabilidade do tutor, até então. Nas hipótese de morte, ausência, ou interdição do tutor, as contas da tutela serão prestadas por seus herdeiros ou representantes. Todas as despesas justificadas e reconhecidamente proveitosas ao menor serão dadas em crédito ao tutor. É de responsabilidade do tutelado o custeio das despesas com a prestação das contas. 6.7.1.4 Cessação da tutela Cessa a condição de tutelado: a) com a maioridade ou a emancipação do menor;

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b) ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de reconhecimento ou adoção. Por sua vez, podem cessar as funções do tutor: a) ao expirar o termo, em que era obrigado a servir; b) ao sobrevir escusa legítima; c) ao ser removido. Aceito o termo de tutela, o tutor é obrigado a servir pelo período mínimo de 2 (dois) anos, podendo prosseguir no exercício da tutela se o desejar e se o juiz julgar conveniente ao menor. Deverá ser destituído o tutor, quando negligente, prevaricador ou incurso em incapacidade, nos termos do artigo 1.766, do Código Civil. 6.7.2 Curatela A curatela é instituto destinado à representação de pessoas maiores e incapazes, bem como à administração dos respectivos bens. Sujeitam-se à curatela: a) aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; b) aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; c) os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; d) os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; e) os pródigos. Para que se fale em curatela, há que se falar em processo de interdição, cuja legitimidade é dada: a) aos pais ou tutores; b) ao cônjuge, ou por qualquer parente; c) ao Ministério Público. Em se tratando do Ministério Público, a este só é dado o direito de ingressar com ação de interdição: a) em caso de doença mental grave; b) se não existir ou não promover a interdição os pais, tutores, o cônjuge ou qualquer parente; ou c) se, existindo, forem incapazes os pais, tutores, o cônjuge ou qualquer parente. Ajuizada pelo Ministério Público, deve o juiz nomear defensor ao suposto incapaz. Nos demais casos, isto é, naqueles processos não ajuizados pelo Ministério Público, este é quem exercerá o papel de defensor do suposto incapaz. O juiz, antes de decidir sobre a interdição, assistido por especialistas, deve examinar pessoalmente o arguido de incapacidade. Pronunciada a interdição de deficientes mentais, ébrios habituais, viciados em tóxicos, ou excepcionais sem completo desenvolvimento mental, o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito,

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os limites da curatela, os quais poderão circunscrever-se às restrições de emprestar, alienar hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração de bens. A sentença que declara a interdição produz efeitos imediatamente, mesmo que seja interposto recurso, nos termos do artigo 1.773 do Código Civil, ou seja, eventual recurso não será recebido sob o efeito suspensivo. As disposição da tutela são também aplicáveis à curatela, mas mediante as modificações que serão abaixo apresentadas. O cônjuge ou companheiro, não separado (judicialmente ou de fato), é, de direito, curador do outro, quando interdito. Na falta do cônjuge ou companheiro, o pai ou a mãe é curador(a) legítimo(a), e, na falta destes, o descendente que se mostrar mais apto. Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos. Na falta de todas as pessoas mencionadas, caberá ao juiz escolher um curador. Se houver meio de recuperar o interdito, fazendo com que o mesmo volte a ter capacidade, o curador promover-lhe-á o tratamento em estabelecimento apropriado. Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil, os deficientes mentais, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os excepcionais sem completo desenvolvimento mental podem ser mantidos no convívio doméstico, mas se não se adaptarem, deverão ser recolhidos em estabelecimentos adequados. É importante frisar que a autoridade do curador é extensiva à pessoas e aos bens dos filhos do curatelado. Na forma do artigo 1.782 do Código Civil, a interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração. Quando o cônjuge for o curador, está obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial, ou se o regime de bens adotado pelo casal for o da comunhão universal. 7. DIREITO DAS SUCESSÕES O direito sucessório é o conjunto de normas que regem a transferência do patrimônio de uma pessoa, após sua morte, a outras, por vontade legal ou testamentária. Consumada a morte, a herança do falecido transfere-se, imediatamente, aos seus sucessores, em razão do princípio da saisine. Como se vê, portanto, não é o processo de inventário que tem o condão de operar essa transferência, mas sim o fato natural, isto é, a morte. Aberta a sucessão, isto é, verificada a morte, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Quando ao direito sucessório, vige também o princípio do tempus regit actum, isto é, as regras que regem a sucessão são aquelas vigentes na data do óbito. Como a vigência do Código Civil teve início em 11 de janeiro de 2003, todos os óbitos ocorridos após essa data terão suas disposições sucessórias por ele reguladas.

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A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do de cujus. Quando a pessoa morre sem deixar testamento, a transmissão da herança destina-se aos herdeiros legítimos, estudados na sequência. O mesmo ocorre em relação aos bens que não forem compreendidos no testamento. Subsiste, ainda, a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo. Quando houver herdeiros necessários, ao testador só é dado o direito de dispor de metade da herança, pois a outra metade será destinada aos mesmos. Assim, são herdeiros necessários: a) os ascendentes; b) os descendentes; e c) o cônjuge. No que tange ao direito sucessório, é diferente a disciplinação dada pelo Código Civil ao cônjuge e ao companheiro. A herança é considerada como um todo, um bem imóvel e indivisível, ainda que vários sejam os herdeiros. Neste caso, estabelecer-se-á entre eles um condomínio. O herdeiro não responde por encargos que superarem às forças da herança, mas incumbe-lhe a prova do excesso, demonstrando o valor dos bens herdados, salvo se houver inventário que a escuse. Pode ser objeto de cessão o direito à sucessão aberta, assim como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, desde que realizada por escritura pública. O co-herdeiro possui, entretanto, direito de preferência sobre a cessão da quota hereditária realizada a pessoa estranha, desde que se disponha a pagar o mesmo valor oferecido pelo terceiro. Se o direito de preferência não for oportunizado ao co-herdeiro, este pode depositar o preço e haver para si a quota cedida ao estranho, desde que o requeira no prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão. Se vários forem os credores a exercer a preferência, o quinhão cedido será entre eles distribuído, na proporção das respectivas quotas hereditárias. Qualquer ato de cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre bem da herança considerado singularmente, é ineficaz, assim como é ineficaz a disposição, sem prévia autorização judicial, por qualquer herdeiro, de bem que componha o acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. Portanto, como afirmado, a herança é considerada como um todo, e os bens que a compõe, embora possam ser divisíveis e móveis, perdem temporariamente essa característica por expressa determinação legal, sendo ineficaz qualquer ato tendente à alienação singular dos mesmos. Enquanto não nomeado um inventariante, a administração da herança incumbe, sucessivamente: a) ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; b) ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; c) ao testamenteiro; d) a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.

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7.1 Vocação hereditária São legitimados a suceder as pessoas nascidas, ou ao menos concebidas no momento da abertura da sucessão. Na sucessão testamentária, podem ainda ser chamados a suceder: a) os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; b) as pessoas jurídicas; c) as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação. No caso de sucessão por filhos ainda não concebidos, após liquidação e partilha, os bens da herança a ele destinados serão confiados a curador, o qual será nomeado pelo juiz. Nesta hipótese, se decorridos 2 (dois) anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em sentido oposto, manifestada no testamento, caberão aos herdeiros legítimos. Dispõe o artigo 1.801 do Código Civil, que não podem ser herdeiros nem legatários: a) a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos; b) as testemunhas do testamento; c) o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; d) o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento. Feitas disposições testamentárias destinadas a pessoas que não são legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa, são consideradas nulas. Presumem-se interpostas pessoas: os ascendentes, os descendentes, os irmãos, e o cônjuge ou companheiro do não-legitimado a suceder. 7.2 Aceitação e renúncia da herança O recebimento da herança é ato que depende de aceitação, a qual pode ser expressa ou tácita. A aceitação expressa se faz por declaração escrita, já a tácita resulta da prática de atos próprios da qualidade de herdeiro. No entanto, os atos oficiosos, como o funeral do finado, os atos meramente conservatórios e os atos de administração e guarda provisória não tem o condão de exprimir aceitação tácita, diante de expressa disposição legal. Também não importa aceitação, a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão. Renunciada a herança, tem-se a transmissão por não verificada. A renúncia da herança deve ser realizada mediante instrumento público ou termo judicial.

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Caso exista interessado na declaração de um herdeiro, acerca da aceitação ou da renúncia à herança, pode requerer ao juiz, no prazo de 20 (vinte) dias após a abertura da sucessão, que fixe prazo razoável, não superior a 30 (trinta) dias, para que o herdeiro se pronuncie sobre a herança. Se o herdeiro silenciar, reputar-se-á aceita a herança. É inadmissível a aceitação ou a renúncia de herança mediante condição ou termo. Se a um mesmo herdeiro também for testado legado, ele pode manifestar renúncia à primeira e aceitar o legado, assim como pode aceitar a herança e recusar o legado. Caso o herdeiro faleça antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar transmite-se aos seus herdeiros. Na sucessão legítima, quando há renúncia de um herdeiro, a parte dele acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subsequente. Os atos de aceitação, assim como os de renúncia da herança são irrevogáveis. Quando o herdeiro prejudicar seus credores renunciando à herança, poderão eles, mediante autorização judicial, aceitá-la em nome do renunciante. Nesta hipótese, a habilitação dos credores deve ser realizada no prazo de 30 (trinta) dias, contados do conhecimento do fato. Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros. 7.3 Excluídos da sucessão Nos termos do artigo 1.814 do Código Civil, são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: a) que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; b) que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; c) que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. Em qualquer dessas hipóteses, a exclusão de herdeiro ou legatário depende de declaração mediante sentença. É de 4 (quatro) anos o prazo para demandar a exclusão de herdeiro ou legatário, contados da abertura da sucessão, sob pena de perda do direito. Os efeitos da exclusão são pessoais, caso em que os descendentes do herdeiro excluído é que sucedem, como se ele fosse morto antes da abertura da sucessão. Ao excluído da sucessão não pode ser conferido nem mesmo o direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.

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São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, assim como os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão, mas aos herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos. Todavia, o excluído da sucessão fica obrigado a restituir os frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser indenizado das despesas com a conservação deles. Embora incorrido em atos que determinem a exclusão da herança, poderá ser admitido a suceder aquele a quem o ofendido tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico. Se não houver reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, pode suceder no limite da disposição testamentária, desde que o testador já conhecesse a causa da indignidade quanto elaborou o testamento. É relevante, ainda, não confundir os casos de indignidade, acima mencionados, com a possibilidade de deserdação. Os que podem ser deserdados são apenas os herdeiros necessários, diferentemente da indignidade, que possui rol mais amplo, abrangendo qualquer herdeiro. Enquanto a indignidade depende de requerimento dos herdeiros e de ação judicial, a deserdação realiza-se por vontade do de cujus, manifestada antes de sua morte, por testamento. A similitude entre a indignidade e a deserdação, no entanto, são suas causas, que são as mesmas. Com a finalidade de dirimir dúvidas, antes de tratar da herança jacente e vacante, será abordado tópico sobre a deserdação. 7.3.1 Deserdação A lei confere ao testador a possibilidade de deserdar, isto é, de excluir dos herdeiros necessários o seu direito à legítima. Os herdeiros necessários podem ser deserdados em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão (tópico anteriormente estudado). Além das causas ali mencionadas, isto é, além das causas do artigo 1.814 do Código Civil, autoriza-se a deserdação dos descendentes por seus ascendentes, em razão de: a) ofensa física; b) injúria grave; c) relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; d) desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. Em contrapartida, além das causas do artigo 1.814 do Código Civil, autoriza-se a deserdação dos ascendentes por seus descendentes, em razão de: a) ofensa física; b) injúria grave; c) relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

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d) desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. A deserdação só pode ser ordenada em testamento mediante expressa declaração da sua causa, sua pena de ineficácia. A prova da causa de deserdação incumbe ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, e esse direito extingue-se em 4 (quatro) anos, contados da data de abertura do testamento. 7.4 Herança jacente e vacante Herança jacente é o conjunto patrimonial sem herdeiros aparentes. A administração da herança jacente deve ser realizada por um curador judicialmente nomeado, o qual deverá praticar os atos de guarda e administração dos bens até que algum sucessor apareça ou até que a herança seja declarada vacante. Durante o período em que a herança é jacente, caso algum herdeiro compareça para reclamá-la, a arrecadação será convertida em inventário. No entanto, se não aparecerem herdeiros após 1 (um) ano da publicação do primeiro edital de convocação, a herança jacente será declarada vacante, passando ao domínio público, após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos da abertura da sucessão. Na hipótese acima mencionada, se não aparecerem herdeiros, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal. Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta imediatamente declarada vacante. Aos credores é assegurado o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança. 7.5 Sucessão legítima Nos termos da lei, são herdeiros legítimos: a) os descendentes; b) os ascendentes; c) o cônjuge; d) o companheiro; e) os colaterais, até o limite do 4º (quarto) grau; e f) o Município, o Distrito Federal ou a União. Já a ordem desses sucessores (legítimos) é a seguinte: 1º) aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 2º) aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

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3º) ao cônjuge sobrevivente; 4º) aos colaterais. Portanto, para melhor fixação da matéria, far-se-á análise separada das hipóteses sucessórias, a começar pela primeira hipótese de sucessão, lembrando-se que a caracterização de uma impossibilita a caracterização das seguintes. Como se nota, o cônjuge sobrevivente não terá direito a herança: a) se casado perante o regime da comunhão universal de bens; b) se casado perante o regime da separação obrigatória de bens; c) se casado perante o regime da comunhão parcial de bens, o de cujus não houver deixado bens particulares. Veja-se que o legislador se preocupou em mencionar a expressão bens particulares. Não sem razão. O direito sucessório, relacionado aos bens particulares do de cujus, ao menos sob a ótica do cônjuge, não pode ser confundido com o direito à meação, inerente à relação conjugal e verificado mediante a dissolução da mesma. Na hipótese acima mencionada, como se viu, o cônjuge não terá direito à herança, isto é, não terá direito à parte dos bens comuns do de cujus, o que não influencia o seu direito à meação em razão da dissolução da sociedade conjugal, lembrando-se que a morte é uma das razões dissolutórias legalmente previstas. Por exemplo, caso os cônjuges tivessem se casado sob o regime da comunhão parcial de bens, com a morte de um deles, isto é, com a dissolução da sociedade conjugal, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação, ou seja, à metade de tudo o que foi adquirido pelo casal na constância do casamento. A meação atinge, no entanto, apenas o que foi adquirido na constância do casamento, pois o que pertencia à esfera patrimonial individual de cada um deles, antes do casamento, são os bens particulares de cada qual, estes sim objeto de herança alcançada pelo cônjuge. Casados sob o regime da comunhão parcial de bens, sob o regime da participação final dos aquestos ou sob o regime da separação convencional de bens, o cônjuge terá direito à herança e concorrerá com os descendentes do de cujus. No entanto, o cônjuge só terá direito a herança: a) se não estava separado judicialmente; b) se não estava separado de fato há mais de 2 (dois) anos; c) se caso separado de fato, que a separação não tenha se dado por sua culpa. Quando concorrer com descendentes, o cônjuge tem direito a quinhão igual aos dos que sucederem por cabeça, não sendo admitido que sua quota seja inferior a ¼ (um quarto) da herança, caso seja ascendente dos herdeiros com quem concorrer. Note-se que a limitação de ¼ (um quarto) aplica-se apenas se a concorrência for entre o ascendente do herdeiro, mas não entre o cônjuge e descendente do de cujus, havido de outra relação conjugal.

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Independentemente do regime de bens adotado, o cônjuge tem direito real de habitação sobre o bem destinado à residência da família, desde que tal bem seja o único dessa natureza a inventariar. Para melhor ilustração de todo o exposto, passa-se aos exemplos: a) descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares 1) A

B C

Na hipótese de falecimento de “A”, divorciado, não há direito sucessório destinado ao seu ex-cônjuge, naturalmente. Na hipótese, a herança de “A” será dividida apenas entre “B” e “C”, seus descendentes e herdeiros, no quinhão de 50% (cinquenta por cento) para cada. 2) A X B C Na hipótese de falecimento de “X”, casado regularmente com “A” sob o regime da comunhão parcial de bens, há que se operar a divisão do patrimônio que reflete o direito à meação de “A”, em razão da dissolução do vínculo conjugal, e do patrimônio particular de “X”. Supondo-se que “X” possuía R$ 12.000,00 (doze mil reais) antes de se casar, e que obteve R$ 100.000,00 (cem mil reais) na constância do casamento. Os cem mil reais, obtidos na constância do casamento, serão repartidos entre “A” e o falecido, cada qual com sua quota de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão da meação. O patrimônio do de cujus, portanto, será de R$ 50.000,00, mais R$ 12.000,00 (seu patrimônio particular, obtido antes do casamento). Há que se salientar que não é unânime o posicionamento explicitado na sequência, mas é o mais adotado. No exemplo mencionado, a parte da meação do de cujus, isto é, R$ 50.000,00, será dividido apenas entre seus descendentes (“B” e “C), nenhuma fração competindo ao cônjuge sobrevivente. Isto ocorre, pois o cônjuge não tem direito aos bens comuns do falecido, ou seja, não herda a meação do de cujus. Portanto, “B” e “C” receberão R$ 25.000,00 cada, mas não apenas, pois ainda resta a divisão do patrimônio particular que o de cujus deixou (R$ 12.000,00). Quanto ao patrimônio particular, este sim deve ser partilhado entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes. Dessa forma, “A” receberá R$ 4.000,00 (quatro mil reais) como herança, “B” receberá o mesmo valor, e assim também será pago a “C”.

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Concluindo, ao final da partilha dos bens ter-se-á a seguinte divisão: a) o cônjuge receberá R$ 4.000,00 (quatro mil reais) como herança, decorrente dos bens particulares que o de cujus possuía antes de se casar. Frise-se, novamente, o cônjuge não possui direito à herança sobre os bens comuns do falecido, isto é, sobre a parcela de meação daquele; b) “B” e “C”, receberão, cada um, R$ 29.000,00 (vinte e nove mil reais) como herança, sendo R$ 4.000,00 decorrente da partilha dos bens particulares do falecido, e R$ 25.000,00 decorrente da partilha dos bens comuns do mesmo, isto é, da metade dos bens que competia ao de cujus na constância do casamento. Note-se que no exemplo acima, “A” também recebeu uma parcela de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), mas decorrente da dissolução da sociedade conjugal (meação), que em nada se confunde com o direito sucessório. 3) X A B C D No exemplo, “X” faleceu. A de cujus era mãe de “B”, fruto de uma relação anterior ao casamento que posteriormente celebrou com “A”, perante o regime da comunhão parcial de bens, do qual nasceram os filhos “C” e “D”. “X” possuía um patrimônio anterior (particular) de R$ 12.000,00 (doze mil reais), e adquiriu patrimônio de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) na constância do casamento. Com a morte de “X”, dissolveu-se a sociedade conjugal com “A”, o qual teve direito a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a título de meação. Em relação a herança a ser partilhada entre os herdeiros, há bens comuns, fruto da meação de “X”, em decorrência do casamento com “A”, e bens particulares. Quanto à parte dos bens comuns, a partilha deve ser feita mediante divisão entre os três descendentes, já que o cônjuge não herda a meação do de cujus. Logo, “B”, “C” e “D” receberão R$ 20.000,00 (vinte mil reais cada), faltando a parcela da herança relativa aos bens particulares do falecido. Quanto à estes, o cônjuge sobrevivente integra a partilha. Para divisão dos bens particulares, portanto, serão 4 (quatro) os herdeiros, isto é, “A” (cônjuge), “B”, “C” e “D”, cada um recebendo uma parcela de R$ 3.000,00 (três mil reais). Portanto, quanto a herança, assim ficaria a partilha deste exemplo: a) o cônjuge receberá R$ 3.000,00 a título de herança; b) “B”, “C” e “D” receberiam, cada um, a quantia de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais) a título de herança, sendo que desta parcela R$ 20.000,00 decorrem da partilha dos bens comuns e R$ 3.000,00 da partilha dos bens particulares do falecido. Todavia, há que se lembrar que a quota do cônjuge não pode ser inferior à quarta parte da herança, se ele for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Se, no exemplo citado, “B” fosse filho do casal, isto é, um herdeiro com quem “A” concorreria, e, além dele, o casal tivesse outro filho, a partilha

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de bens igualitária resultaria em uma quota de 20% (vinte por cento), ou seja, 1/5 (um quinto) para cada um, em desrespeito ao mandamento legal. Para solucionar este problema, o Código Civil determina que a quota de ¼ (um quarto) seja calculada e dada ao cônjuge, repartindo-se o restante para os demais herdeiros. Então, caso “A”, possuísse 4 (quatro) filhos, todos obtidos na constância do casamento, e desconsiderando-se a existência de um filho fora dele, a divisão dos bens particulares (R$ 12.000,00) do falecido deveria ser realizada da seguinte maneira: a) “A” teria direito a receber R$ 3.000,00 (três mil reais), o que equivale a ¼ (um quarto) da herança; b) o restante, isto é, R$ 9.000,00 (nove mil reais), deveria ser repartido igualmente pelo número de herdeiros restantes, ou seja, pelos 4 filhos, totalizando o recebimento de R$ 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta reais) para cada um. Mas atenção, esta regra não se aplica quando a concorrência for entre o cônjuge sobrevivente e um filho que não lhe seja descendente. Nestas hipóteses, independentemente do número de filhos, se ao menos um for havido fora da constância do casamento (como no exemplo acima citado), isto é, não for descendente do cônjuge sobrevivente, este não tem direito ao recebimento de um quota mínima de ¼ (um quarto) da herança, podendo receber qualquer fração inferior ao mencionado. b) ascendentes, em concorrência com o cônjuge Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado pelo casal. Quando o cônjuge concorre com o ascendente, não herda apenas a parte dos bens particulares do de cujus, mas a sua integralidade, afastando-se o exposto acerca de diferença entre bem comuns (decorrentes da meação) e bens particulares. Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas. Havendo igualdade em grau, e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna. Quando concorrer com o ascendente em primeiro grau, o cônjuge tem direito a 1/3 (um terço) da herança, cabendo-lhe a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. Feitas as considerações, passa-se aos exemplos: 1) B C A No exemplo, “A” é filho de “B” e “C”. Caso “A” venha a falecer, “B” herdará metade e “C”, a outra metade dos bens de “A”. Caso “A” fosse casado, o cônjuge sobrevivente estaria em concorrência com os pais do de cujus. Neste caso, o cônjuge sobrevivente teria direito a 1/3 (um terço), enquanto “B” e “C” teriam direito também a um terço, cada um.

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2) C D E F A B No exemplo, “A” e “B” são casados perante o regime da comunhão parcial de bens, e não tiveram filhos. “C” e “D” são pais de “A”, e “E” e “F” são pais de “B”. Caso “A” faleça, concorrerão à herança: “B”, “C” e “D”. As regras atinentes aos bens comuns, explicadas no tópico anterior não se aplicam quando não houver descendentes, cabendo à herança dos bens comuns também ao cônjuge, independentemente do regime de bens adotado pela casal. Assim, no exemplo mencionado, “B” herdará 1/3 (um terço) do patrimônio de “A”, patrimônio este constituído pelos bens particulares (obtidos antes do casamento) e pelos bens comuns (obtidos após a constância do casamento e componentes da metade pertinente ao cônjuge falecido). Outro terço do montante apurado será destinado a “C”, e o último terço a “D”. No entanto, caso “C” já fosse falecido à época do falecimento de “A”, “B” herdaria metade do patrimônio do de cujus, e “D” a outra metade, pois há que se lembrar da regra que, em existindo apenas um ascendente na concorrência pela herança, metade desta cabe ao cônjuge, assim como se o grau de parentesco na ascendência for superior a um. Pois, se “C” e “D” fossem falecidos à época do falecimento de “A”, mas ainda estivessem vivos os avós do mesmo, estes herdariam metade dos bens do de cujus, uma vez que a outra metade cabe ao cônjuge sobrevivente. c) ao cônjuge sobrevivente Se não houver descendentes, tão pouco ascendentes para suceder, o cônjuge sobrevivente herda, por inteiro, o patrimônio do de cujus. Entretanto, há que se lembrar, o cônjuge só tem direito à herança: a) se não estava separado judicialmente; b) se não estava separado de fato há mais de 2 (dois) anos; c) se caso separado de fato, que a separação não tenha se dado por sua culpa. d) aos colaterais Na falta de descendentes, ascendentes, e também do cônjuge, ou estando este em uma das situações mencionadas no tópico anterior, serão chamados à sucessão os parentes colaterais, até o limite do 4º (quarto) grau. Também na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos e aos irmãos.

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O direito sucessório diferencia os irmãos bilaterais (ou germanos) dos unilaterais ao dispor que, concorrendo à herança irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar. No entanto, se não concorrerem irmãos bilaterais à herança, os unilaterais herdarão em partes iguais. Se não houver irmãos, herdarão os filhos destes, e, não os havendo, os tios. Quando concorrem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão por cabeça. Se concorrerem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais, vale a mesma regra acima exposta, isto é, cada um destes (filhos dos irmãos unilaterais) herdará a metade do que herdar cada um daqueles (filhos dos irmãos bilaterais). Quando todos os filhos forem de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais, herdarão por igual. Nos termos do artigo 1.844, não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta será devolvida ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal. e) disciplina legal acerca da sucessão na união estável Como se vê, o Código Civil não tratou da união estável da mesma forma que o casamento, ao menos não sob a óptica do direito sucessório. Ao companheiro ou companheira só foi concedido o direito de participar da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Dessa forma, foi retirado do companheiro ou companheira o direito de participar da sucessão dos bens adquiridos antes do início da vigência da união estável, diferentemente do cônjuge, que à eles possui direito. Há que se frisar, também aqui, no âmbito da união estável, que a meação não se confunde com a herança. Vivendo os companheiros em união estável, a lei lhe faculta a celebração de um contrato escrito em que acordem sobre a disciplina patrimonial regente entre eles, e, caso não o façam, vigoram as leis atinentes ao regime-regra, isto é, o regime da comunhão parcial de bens. Assim como ocorre no âmbito do casamento, diferente são as regras sucessórias a depender de quem concorre com o companheiro ou companheira, o que será analisado na sequência. A estes é dado do direito de participar da sucessão do outro, como mencionado, apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: 1º) se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 2º) se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 3º) se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; 4º) não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

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Para melhor ilustrar, as possibilidades serão individualmente analisadas na sequência. a) companheiro (a) em concorrência com filhos comuns Quando o companheiro concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Realizada a meação, o companheiro sobrevivente tem direito a uma parcela igual à conferida ao(s) filho(s), mas não terá direito aos bens particulares, isto é, aqueles obtidos antes da vigência da união estável. Por exemplo: A B C D E “A” e “B” estabeleceram união estável, e tiveram os filhos “C”, “D” e “E”. Com o falecimento de “A”, a regras sucessórias aplicadas a esta família são diferentes das aplicáveis, caso “A” e “B” fossem casados. Primeiramente, deve-se apurar o patrimônio particular do falecido, isto é, o patrimônio que ele detinha antes do início da vigência da união estável. Suponha-se que este patrimônio era de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Depois, deve-se apurar o patrimônio obtido pelo casal após o início da vigência da união estável, isto é, o patrimônio comum. Suponha-se que este era de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Antes das regras sucessórias, devem ser aplicadas a regras que disciplinam a extinção da união estável, isto é, deve ser repartido o patrimônio do casal (patrimônio comum) obtido onerosamente após o início da vigência da união estável. Neste caso, “B” terá direito a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que é a parte que lhe toca da meação. Separados os patrimônios, e aplicadas as regras da meação, tem-se dois conjuntos patrimoniais que serão objeto sucessório: a) o de bens particulares, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais); e b) o de bens decorrente da meação, da parte pertencente ao falecido, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Quanto ao primeiro conjunto de bens (bens particulares), não é dado direito sucessório ao companheiro, mas apenas aos filhos, caso em que “C”, “D”, e “E” receberão R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada. Quanto ao segundo conjunto de bens, o direito do companheiro é o de obter parcela igual à conferida aos filhos. Dessa forma, deve-se dividir o total apurado (R$ 50.000,00) pelos número de herdeiros (3 filhos, mais 1 companheiro), o que totalizará o importe de R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais) para cada um. Portanto, ao final, assim será a situação do exemplo mencionado: a) o companheiro obterá o importe de R$ 12.500,00; b) os filhos “C”, “D”, e “E” obterão o importe de 22.500,00, cada.

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Não se pode esquecer que o companheiro tem sua parte da meação (R$ 50.000,00), assim como não se pode esquecer que a meação não se confunde com o direito sucessório. b) companheiro(a) em concorrência com descendentes exclusivos do autor da herança Quando o companheiro(a) concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles. Por exemplo: A A B C “A” e “B” viviam em união estável e não tiveram filhos comuns. No entanto, “A” possuía um filho de relacionamento anterior (“C”). Com o falecimento de “A”, deve-se estar atento às regras sucessórias. Primeiramente, deve-se apurar o patrimônio particular do falecido, isto é, o patrimônio que ele detinha antes do início da vigência da união estável. Suponha-se que este patrimônio era de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Depois, deve-se apurar o patrimônio obtido pelo casal após o início da vigência da união estável, isto é, o patrimônio comum. Suponha-se que este era de R$ 108.000,00 (cento e oito mil reais). Antes das regras sucessórias, devem ser aplicadas a regras que disciplinam a extinção da união estável, isto é, deve ser repartido o patrimônio do casal (patrimônio comum) obtido onerosamente após o início da vigência da união estável. Neste caso, “B” terá direito a R$ 54.000,00 (cinquenta e quatro mil reais), que é a parte que lhe toca da meação. Separados os patrimônios, e aplicadas as regras da meação, tem-se dois conjuntos patrimoniais que serão objeto sucessório : a) o de bens particulares, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais); e b) o de bens decorrente da meação, da parte pertencente ao falecido, no importe de R$ 54.000,00 (cinquenta mil reais). Quanto ao primeiro conjunto de bens (bens particulares), não é dado direito sucessório ao companheiro, mas apenas ao filho, caso em que “C”, receberá R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Quanto ao segundo conjunto de bens, o direito do companheiro é o de obter metade do que couber ao filho, descendente de “A”. Dessa forma, “C” receberá R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), enquanto que “A” receberá R$ 18.000,00 (dezoito mil reais). Note-se que, R$18.000,00 é a metade de R$ 36.000,00, isto é, a metade do que recebeu o filho, descendente exclusivo do autor da herança. Portanto, ao final, assim será a situação do exemplo mencionado: a) o companheiro obterá o importe de R$ 18.000,00; b) o filho “C”, obterá o importe de 66.000,00, sendo R$ 30.000,00 referente à herança dos bens particulares (a que o companheiro não tem

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direito), e R$ 36.000,00 referente à parcela legal determinada, quanto aos bens comuns do de cujus. Não se pode esquecer que o companheiro tem sua parte da meação (R$ 54.000,00), assim como não se pode esquecer que a meação não se confunde com o direito sucessório. c) companheiro(a) em concorrência com outros parentes sucessíveis Quando o companheiro(a) concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança. Se o de cujus não deixou descendentes, e outros parentes puderem suceder, ao companheiro sobrevivente é dado o direito de obter apenas 1/3 (um terço) da herança, sendo o restante dividido entre os demais parentes. Note-se que, além do companheiro não ter o direito de suceder o de cujus em relação a seus bens particulares, o Código Civil o priva também da herança dos bens comuns do falecido. Como reiteradamente afirmado, não se deve confundir o direito à meação, direito inafastável concedido ao companheiro, com o direito sucessório. Após realizada a meação, além do companheiro não herdar os bens particulares, quanto à parcela de bens comuns do de cujus, herda apenas 1/3 caso existam parentes sucessíveis, considerados estes até os colaterais no 4º (quarto grau). d) companheiro(a) sem concorrência com outros parentes sucessíveis Em não havendo parentes sucessíveis, o companheiro(a) terá direito à totalidade da herança. 7.6 Herdeiros necessários São herdeiros necessários: a) os descendentes; b) os ascendentes; e c) o cônjuge. Aos herdeiros necessários pertence a metade dos bens da herança, chamada de legítima. O cálculo da legítima é obtido mediante o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, descontadas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, na sequência, o valor dos bens sujeitos a colação. Os bens sujeitos a colação são aqueles doados pelo de cujus, em vida, para os herdeiros necessários, em verdadeira antecipação das quotas hereditárias. Sobre os bens da legítima não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, salvo se houver justa causa, a qual deve estar declarada no testamento. Também não se confere ao testador o direito de estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.

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Mediante autorização judicial e havendo justa causa, poderá haver alienação de bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados no ônus dos primeiros. Não perde o direito à legítima o herdeiro necessário para quem o testador deixar sua parte disponível, ou algum legado. Para que sejam excluídos da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testados disponha de seu patrimônio sem os contemplar, nos termos do artigo 1.850 do Código Civil. 7.7 Direito de representação Verifica-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse. Existe o direito de representação na linha reta descendente, mas nunca na ascendente. Na linha transversal (ou colateral), somente se verifica o direito de representação em favor dos filhos do irmão falecido, quando com irmãos dele concorrerem. Os herdeiros só podem herdar, como tais, aquilo que herdaria o representado, se vivo fosse. O quinhão do representado deve ser dividido igualmente entre os representantes. O renunciante à herança de uma pessoa, poderá representá-la na sucessão de outra, como, inclusive, já se teve a oportunidade de expor. Para ilustrar, veja-se o exemplo: A B C D E F G “A” e “B” eram casados sob o regime da comunhão parcial de bens e tinham três filhos (“C”, “D” e “E”). “E” faleceu, e, mais tarde, faleceu “A”. Estabelecidos os quinhões hereditários entre “B” (cônjuge sobrevivente), “C” e “D”, serão os netos “F” e “G” os representantes de “E”, que já era falecido. A morte de “E”, não lhe retirou o direito à herança, o qual será exercido por seus descendentes. Portanto, “F” e “G” (representantes) herdarão o quinhão que competiria a “E” (representado), se vivo fosse, e dividirão igualmente a soma obtida. 7.8 Sucessão testamentária A toda pessoa capaz é conferido o direito de dispor, mediante testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte, lembrando-se que a legítima dos herdeiros necessários não

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poderá ser incluída no testamento. São válidas também, disposições de caráter não patrimonial, incluídas no testamento, ainda que o testador somente a estas disposições tenha se limitado. Por testamento, por exemplo, pode haver o reconhecimento de um filho. O testamento é ato personalíssimo e pode ser alterado a qualquer tempo. O direito de impugnar a validade do testamento extingue-se em 5 (cinco) anos, contados da data do seu registro. Como mencionado acima, a qualquer pessoa capaz é conferido o direito de testar, não podendo fazê-lo, além dos incapazes, aqueles que não tiverem pleno discernimento. A lei, no entanto, confere aos maiores de 16 (dezesseis) anos a legitimidade para testar, independentemente de assistência dos representantes legais. Elaborado o testamento quando o testador era capaz, ainda que lhe sobrevenha incapacidade, esta não invalida o testamento, assim como, elaborado o testamento quando o testador era incapaz, a superveniência da capacidade não tem o condão de tornar válido o testamento. Existem várias modalidades de testamento: a) são testamentos ordinários: a.1) o público; a.2) o cerrado; e a.3) o particular. b) são testamentos especiais: b.1) o marítimo; b.2) o aeronáutico; e b.3) o militar. 7.8.1 Testamento público Nos termos da lei, são requisitos do testamento público: a) ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; b) lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; c) ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. O testamento público pode ser escrito de forma manual ou mecânica, assim como pode ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma. Caso o testador não saiba, ou não possa assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias. No caso dos analfabetos, a lei determina que apenas poderão testar sob a modalidade pública.

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Quando o testador for deficiente auditivo, se souber ler, lerá o seu testamento, e, se não souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas. Por sua vez, quando o testador for deficiente visual, só se permite o testamento público, que lhe deverá ser lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo pormenorizada menção no testamento. 7.8.2 Testamento cerrado O testamento cerrado deve ser escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, sendo considerado válido se for aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observas as seguintes formalidades: a) que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas; b) que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado; c) que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas; d) que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador. Admite-se que o testamento cerrado seja escrito de forma mecânica, mas, neste caso, seu subscritor deve numerar e autenticar, com a sua assinatura, todas as páginas. O auto de aprovação, por parte do tabelião ou substituto legal, deve ter início logo após a última palavra do testador, declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou o testamento para ser aprovado na presença de duas testemunhas, iniciando a cerrar e coser o instrumento aprovado. Caso não haja espaço na última folha do testamento, para início da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal público, mencionando a circunstância no auto. É lícito ao testador escrever o testamento em língua nacional ou estrangeira. É vedada a disposição de bens em testamento cerrado por quem não saiba ou não possa ler. O testamento cerrado pode ser realizado pelo deficiente auditivo e visual (surdo-mudo), contanto que o escreva todo, e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, perante duas testemunhas, escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede. Após ser aprovado e cerrado, o testamento será entregue ao testador, e o tabelião lançará, no seu livro, nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue. Falecido o testador, o testamento deve ser apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seu cumprimento, desde que não

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presente vício externo que o torne maculado de nulidade ou suspeito de falsidade. 7.8.3 Testamento particular O testamento particular também pode ser escrito de próprio punho ou por forma mecânica. Caso escrito de próprio punho, são requisitos essenciais para que se considere válido, que seja lido e assinado por quem o escrever, na presença de pelo menos 3 (três) testemunhas, que o devem subscrever. No entanto, se o testamento particular for elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, após sua leitura na presença de pelo menos 3 (três) testemunhas, que o subscreverão. Morrendo o testador, o testamento deve ser publicado em juízo, determinado-se a citação dos herdeiros legítimos. Se as testemunhas concordarem sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Caso faltem as testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento também poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade. Excepcionalmente, diante de circunstâncias declaradas na cédula, admite-se que o testamento particular, escrito de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, seja confirmado, a critério do juiz. Assim como o testamento cerrado, também o particular pode ser escrito em língua estrangeira, mas ele só poderá ser confirmado se ficar provado que as testemunhas que o acompanharam compreendiam o que lhes fora lido. 7.8.4 Codicilos O codicilo guarda semelhanças com o testamento, mas tem objeto mais restrito. Toda pessoa capaz de testar pode, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoa. O codicilo é ato jurídico unilateral e pode ter existência concomitante ao testamento, isto é, a existência de um não exclui a existência do outro. A revogação do codicilo pode se dar a qualquer tempo, por ato igual, ou por testamento posterior, de qualquer natureza, que não o confirme ou que o modifique.

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7.8.5 Testamentos especiais Como mencionado, os testamentos especiais podem ser: marítimos, aeronáuticos ou militares. Exceto estes, não se admite a existência de outros testamentos especiais. Aquele que estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou mercante, pode testar perante o comandante, na presença de duas testemunhas, mediante forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado. Nesta hipótese, o registro do testamento será feito no diário de bordo. Por sua vez, aquele que estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, também exigida a presença de duas testemunhas, mediante forma que corresponda ao testamento público ou cerrado. O testamento marítimo ou aeronáutico caducará, se o testador não morrer na viagem, nem nos 90 (noventa) dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento. O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha, dentro ou fora do País, assim como em praça sitiada, ou que esteja com as comunicações interrompidas, poderá ser feito, não havendo tabelião ou substituto legal, perante 2 (duas) ou 3 (três) testemunhas, se o testador não puder, ou não souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas. Assim como o marítimo e o aeronáutico, o testamento militar caduca se, depois dele, o testador estiver, 90 (noventa) dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária. Excepcionalmente, estando o militar e demais pessoas a serviço das Forças Armadas empenhadas em combate, ou feridas, admite-se que o testamento seja realizado de forma oral, de forma que a última vontade do testador será confiada a duas testemunhas. O testamento oral não surte efeitos se o testador não morrer na guerra ou convalescer do ferimento. 7.8.6 Disposições testamentárias Nos termos do artigo 1.897 do Código Civil, o testador pode nomear herdeiro ou legatário: a) de forma pura e simples; b) sob condição; c) para certo fim ou modo; ou d) por certo motivo. Reputa-se como não escrita a disposição testamentária que pretenda designar o tempo em que deve ter início ou fim o direito do herdeiro, ressalvadas apenas as disposições fideicomissárias. Toda vez que uma cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá aquele que melhor assegurar a vontade do testador. Dispõe o artigo 1.900 do Código Civil que é nula a disposição:

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a) que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro; b) que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar; c) que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro; d) que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado; e) que favoreça as pessoas a que não podem ser herdeiras nem legatárias, ou as interpostas pessoas que as representem. Em contrapartida, dispõe o artigo 1.901 do Código Civil que valerá a disposição: a) em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou pertencentes a uma família, ou a um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por ele designado; b) em remuneração de serviços prestados ao testador, por ocasião da moléstia de que faleceu, ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o valor do legado. Incluída no testamento disposição geral em favor dos pobres, dos estabelecimentos particulares de caridade, ou dos de assistência pública, entender-se-á relativa aos pobres do lugar do domicílio do testador ao tempo de sua morte, ou dos estabelecimentos aí situados, exceto se houver expressa manifestação de benefício para outra localidade. Havendo erro na designação da pessoa do herdeiro, do legatário, ou da coisa legada, anula-se a disposição, salvo se, pelo contexto do testamento, por outros documentos ou por fatos inequívocos, for possível identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referir-se. Caso o testamento nomeie dois ou mais herdeiros, sem a discriminação da parte que compete a cada um, partilhar-se-á por igual, entre todos, a porção disponível do testador. Se o testamento determinar a distribuição de bens através de quotas, determinadas por cada herdeiro, e restar parcela da herança não distribuída, o remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos, observada a ordem de vocação hereditária. Caso sejam determinados os quinhões de alguns e não os de outros herdeiros, distribuir-se-á por igual a estes últimos o que restar, depois de completas as porções hereditárias dos primeiros. As disposições testamentárias maculadas por erro, dolo ou coação são anuláveis, e o prazo para o exercício do direito de anular a disposição viciada é de 4 (quatro) anos, contados de quando o interessado tomar conhecimento do vício. Declarada a ineficácia de uma disposição testamentária, todas as que, sem aquela não teriam sido determinadas pelo testador, tornam-se igualmente ineficazes.

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Nos termos do artigo 1.911 do Código Civil, a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de mera liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Na hipótese de desapropriação de um bem inalienável, assim como na hipótese de alienação por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, após autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros, isto é, a inalienabilidade, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade. 7.8.7 Legado Enquanto a herança é uma universalidade de bens, o legado é um bem determinado, ou vários bens determinados, especificados dentre todos os deixados pelo de cujus. Qualquer pessoa pode receber um legado, pertença ou não à sucessão legítima do falecido. Para que se fale em legado, há que se falar em testamento, pois é apenas através deste que o testador pode manifestar sua vontade em destinar determinado bem para determinada pessoa. O Código Civil possibilita que o legado recaia sobre: a) coisa A coisa deve pertencer ao testador no momento da abertura da sucessão, sob pena de ser ineficaz o legado. Se o testador deixar ordem para que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado. No caso de apenas parte da coisa legada pertencer ao testador, o direito do herdeiro ou legatário se restringirá a esta parcela. Quando o legado consistir em coisa pertencente a herdeiro ou legatário, só a ele incumbirá cumpri-lo, com direito de regresso contra os co-herdeiros, pela quota de cada um, salvo disposição do testamento em sentido contrário. Em sendo o legado coisa determinada pelo gênero, será o mesmo cumprido, ainda que a coisa não exista entre os bens deixados pelo testador. Caso o testador deixe coisa sua como legado, singularizando-a, o legado só terá eficácia se, ao tempo do seu falecimento, ela se achava entre os bens da herança. Na hipótese da coisa legada existir entre os bens do testador, mas em quantidade inferior à do legado, este será eficaz apenas quanto à existente. O legado de coisa que deva encontrar-se em determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, exceto se removida em caráter transitório. b) crédito, ou quitação de dívida O legado de crédito, ou de quitação de dívida, tem eficácia apenas até a importância desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador. Nestas hipóteses, cumpre-se o legado com a entrega, pelo legatário, do título respectivo. O legado dessa natureza não compreende as dívidas posteriores à data do testamento.

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c) alimentos O legado de alimentos compreende o sustento, a cura, o vestuário e a casa, pelo tempo em que o legatário viver, além da educação, caso ele seja menor. Caso o legado constitua pensão periódica ou renda vitalícia, esta ou aquela correrá desde a data da morte do testador. d) usufruto O legado de usufruto, instituído sem fixação de tempo, reputa-se como deixado ao legatário por toda a sua vida. e) imóvel Dado o imóvel em legado, nele não se incluem as novas aquisições que lhe foram ajuntadas, desde que feitas após a legação (disposição no testamento), ainda que sejam contíguas, salvo se o testador fizer expressa manifestação em sentido oposto. No entanto, consideram-se extensivas ao legado as benfeitorias necessárias, úteis e também as voluptuárias. 7.8.7.1 Efeitos do legado e do seu planejamento Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, exceto se o legado estiver sob alguma condição suspensiva (art. 1.923, CC). Entretanto, a posse da coisa não é concedida ao legatário de imediato, não lhe sendo lícito nela entrar por autoridade própria. O legado de coisa certa e existente na herança, transfere também ao legatário os frutos que ela produzir, a partir da morte do testador, salvo de dependente de condição suspensiva ou de termo para o início. Não pode ser exercido o direito de pedir o legado, enquanto haja litígio sobre a validade do testamento, e, nos legados condicionais, ou a prazo, enquanto pendente a condição ou o prazo não vencido. O cumprimento dos legados é de incumbência dos herdeiros, e não os havendo, dos legatários, na proporção do que herdam, isso quando o testamento silenciar sobre o assunto. Por derradeiro, cumpre expor que correm às expensas do legatário as despesas e os riscos da entrega do legado, salvo se o contrário não tiver sido estipulado no testamento. 7.8.7.2 Caducidade do legado O legado caducará: a) se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía; b) se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada; nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;

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c) se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento; d) se o legatário for excluído da sucessão, nas hipóteses de indignidade; ou e) se o legatário falecer antes do testador. 7.8.8 Direito de acrescer entre herdeiros e legatários Verifica-se o direito de acrescer, quando vários herdeiros forem conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados, pela mesmo disposição testamentária, e qualquer deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos co-herdeiros, salvo o direito do substituto. Também competirá o direito de acrescer aos co-legatários, quando nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e certa, ou quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização. Quando não se efetua o direito de acrescer, transmite-se aos herdeiros legítimos a quota vaga do nomeado. Inexistindo o direito de acrescer entre os co-legatários, a quota do que faltar acresce ao herdeiro ou ao legatário incumbido de satisfazer esse legado, ou a todos os herdeiros, na proporção dos seus quinhões, se o legado se deduziu da herança (parágrafo único, art. 1.944, CC). O beneficiário do acréscimo não pode repudiá-lo separadamente da herança ou legado que lhe caiba, exceto se o acréscimo comportar encargos especiais impostos pelo testador. Nesse caso, uma vez repudiado, o acréscimo deve ser revertido em favor de quem os encargos foram instituídos. 7.8.9 Substituições A lei trata de três espécies de substituições: a) substituição vulgar; b) substituição recíproca; e c) substituição fideicomissária. a) Substituição vulgar Substituição é a disposição testamentária por meio da qual o testador chama outra pessoa para receber, de forma total ou parcial, a herança ou legado que não foi recusado ou que não pôde ser aceito pelo herdeiro ou legatário originariamente nomeado. A substituição vulgar pode ser simples ou composta. Será simples quando um for o herdeiro ou legatário e uma for a pessoa indicada para lhe substituir, caso o direito à herança ou legado seja recusado ou não possa ser exercido. Será composta, no entanto, quando houver mais de um herdeiro ou legatário e/ou mais de uma pessoa indicada para lhe(s) substituir.

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b) Substituição recíproca Como é sugestiva a expressão, na substituição recíproca o testador

delimita que um ou mais herdeiros ou legatários sejam substitutos dos outros, caso haja recusa ou impossibilidade de receber a quota de herança ou legado. Se estabelecida a substituição recíproca, a proporção dos quinhões fixada na primeira disposição entender-se-á mantida na segunda, mas, se além dos herdeiros ou legatários anteriormente nomeados, for incluída uma nova pessoa, não há que se falar em proporção, mas apenas em repartição igual do quinhão vago entre os substitutos. c) Substituição fideicomissária Dispõe o artigo 1.951 do Código Civil, que o testador (fideicomitente) pode instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião da sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem (fideicomissário). Só se admite a substituição fideicomissária em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador. Se, à época da morte do testador já houver nascido o fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-os em usufruto o direito do fiduciário. É do fiduciário a propriedade da herança ou do legado, mas esta propriedade é restrita e resolúvel. Salvo disposição em contrário do testador, se o fiduciário renunciar a herança ou o legado, transfere-se ao fideicomissário o poder de aceitar (art. 1.954, CC). Na hipótese do fideicomissário renunciar a herança ou o legado, o fideicomisso caduca, e a propriedade do fiduciário deixa de ser resolúvel, salvo disposição em sentido contrário do testador. Entretanto, caso o fideicomissário aceite a herança ou o legado, terá direito à parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer. Caso o fideicomissário faleça antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória deste último, caduca o fideicomisso. Nesse caso, a propriedade se consolida no fiduciário. Nulos são os fideicomissos além do 2º (segundo) grau. Para ilustrar, propõe-se o exemplo: “A”: fideicomitente e testador; “B”: fiduciário; “C”: fideicomissário. “B” é mãe de “C”, e “A” (de cujus), deixou determinado bem móvel como legado para “B”, vinculando o fideicomisso à morte da última. Dessa forma, com a morte de “A”, “B” receberá o bem móvel e dele fruirá até o final de sua vida. Com a morte de “B”, a propriedade de aludido bem móvel passará, então, para “C”. Ao invés do evento morte, o testador poderia ter estipulado um termo, ou uma condição para a transferência da propriedade de “B” para “C”.

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7.8.10 Revogação do testamento A revogação do testamento pode ser realizada pela mesma forma em que ele foi feito, revogação esta que pode ser parcial ou total. Caso seja parcial, ou se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o testamento anterior subsiste em tudo que não for contrário ao posterior. A revogação do testamento não terá validade se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração das solenidades essenciais, ou, ainda, por vícios intrínsecos. No entanto, a revogação produzirá seus efeitos ainda quando o testamento que a encerra vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele nomeado. Considera-se revogado o testamento cerrado que foi aberto ou dilacerado pelo testador, bem como o que foi aberto ou dilacerado com seu consentimento. 7.8.11 Rompimento do testamento Basicamente, duas hipóteses de rompimento de testamento podem ser apontadas. A primeira delas relaciona-se ao aparecimento de descendente, e segunda decorre da ignorância acerca da existência de herdeiros necessários. O rompimento é necessário, pois caso o testador tivesse ciência da existência daquelas pessoas, testaria de outra forma. Caso sobrevenha descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando o testamento foi elaborado, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, desde que esse descendente sobreviva ao testador. Há, também, como mencionado, o rompimento de testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários. Por derradeiro, é de se esclarecer que não será rompido o testamento se o testador dispuser da sua metade sem contemplar os herdeiros necessários que sabe existirem, bem assim quando os exclua dessa parte da herança.