D E NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE: Concepção dos …

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POLÍTICA, GESTÃO E SAÚDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE: Concepção dos alunos e professores de Saúde Coletiva Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre Leandro Araújo Carvalho (organizadores)

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Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em S a uacute d e C o l e t i v a p e l a Universidade do Estado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e D o u t o r a d o ) d a Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Coordenadora d o C o m i t ecirc d e Eacute t i c a e m Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e enfermeira - Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em S a uacute d e P uacute b l i c a p e l a Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Eacute docente do C u r s o d e F i s i o t e r a p i a e coordenadora do Programa de Responsabilidade Social d o C e n t r o U n i v e r s i t aacute r i o Estaacutecio do CearaacuteDiscente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo e m S a uacute d e C o l e t i v a (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDENO CONTEXTO DA COLETIVIDADEConcepccedilatildeo dos alunos e professoresde Sauacutede Coletiva

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo Carvalho

(organizadores)

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UECEUECE

presente obra eacute constituiacuteda dos resultados Ade pesquisas referenciadas a partir de inquietaccedilotildees de docentes e discentes nas diversas temaacuteticas no contexto da Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute e de convidados externos sinalizando integraccedilatildeo dos pares na perspectiva de subsidiar o puacuteblico de leitores com material atual e diversificado que perpassa nos toacutepicos Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Enfoque Ecossistecircmico e suas interfaces no controle da dengue Participaccedilatildeo Social Epistemologias Temaacuteticas e Sauacutede Mental E assim poderaacute contribuir de forma efetiva e sistemaacutetica para a Promoccedilatildeo da sauacutede

Cleoneide Paulo Oliveira PinheiroDocente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Profissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica

Mestre em Sauacutede Coletiva pela

Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em

Sauacutede Coletiva (Doutorado) da

Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em S a uacute d e C o l e t i v a p e l a Universidade do Estado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e D o u t o r a d o ) d a Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Coordenadora d o C o m i t ecirc d e Eacute t i c a e m Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e enfermeira - Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em S a uacute d e P uacute b l i c a p e l a Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Eacute docente do C u r s o d e F i s i o t e r a p i a e coordenadora do Programa de Responsabilidade Social d o C e n t r o U n i v e r s i t aacute r i o Estaacutecio do CearaacuteDiscente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo e m S a uacute d e C o l e t i v a (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDENO CONTEXTO DA COLETIVIDADEConcepccedilatildeo dos alunos e professoresde Sauacutede Coletiva

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo Carvalho

(organizadores)

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presente obra eacute constituiacuteda dos resultados Ade pesquisas referenciadas a partir de inquietaccedilotildees de docentes e discentes nas diversas temaacuteticas no contexto da Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute e de convidados externos sinalizando integraccedilatildeo dos pares na perspectiva de subsidiar o puacuteblico de leitores com material atual e diversificado que perpassa nos toacutepicos Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Enfoque Ecossistecircmico e suas interfaces no controle da dengue Participaccedilatildeo Social Epistemologias Temaacuteticas e Sauacutede Mental E assim poderaacute contribuir de forma efetiva e sistemaacutetica para a Promoccedilatildeo da sauacutede

Cleoneide Paulo Oliveira PinheiroDocente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Profissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica

Mestre em Sauacutede Coletiva pela

Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em

Sauacutede Coletiva (Doutorado) da

Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Universidade Estadual do Cearaacute

ReitorJoseacute Jackson Coelho Sampaio

Vice-ReitorHidelbrando dos Santos Soares

Editora da UECEErasmo Miessa Ruiz

Conselho EditorialAntonio Luciano Pontes

Eduardo Diatahy Bezerra de MenezesEmanuel Angelo da Rocha Fragoso

Francisco Horaacutecio da Silva FrotaFrancisco Josecircnio Camelo Parente

Gisafran Nazareno Mota JucaacuteJoseacute Ferreira Nunes

Lucili Grangeiro CortezLuiz Cruz Lima

Manfredo RamosMarcelo Gurgel Carlos da Silva

Marcony Silva CunhaMaria do Socorro Ferreira Osterne

Maria Salete Bessa JorgeSilvia Maria Noacutebrega Terrien

Conselho ConsultivoAntonio Torres Montenegro (UFPE)

Eliane PZamith Brito (FGV)Homero Santiago (USP)

Ieda aacuteria Alves (USP)Manoel Domingos Neto (UFF)

Maria Liacuterida Callou de Arauacutejoe Mendonccedila(UNIFOR)Maria do Socorro Silva Aragatildeo (UFC)Pierre Salama (Universidade de Paris)

Romeu Gomes (Fiocruz)Tuacutelio Batista Franco (UFF)

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo Carvalho

Organizadores

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE

Concepccedilatildeo dos alunos e professores de Sauacutede Coletiva

1a

Fortaleza2014

UECE

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE Concepccedilatildeo dos alunos e professores de Sauacutede Coletiva

copy 2014 Copyright by Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre e Leandro Arauacutejo Carvalho

Impresso no Brasil Printed in BrazilEfetuado depoacutesito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Editora da Universidade Estadual do Cearaacute ndash EdUECEAv Dr Silas Munguba 1700 ndash Campus do Itaperi ndash Reitoria ndash Fortaleza ndash Cearaacute

CEP 60714-903 ndash Tel (085) 3101-9893 FAX (85) 3101-9893Internet wwwuecebreduece ndash E-mail edueceuecebr

Editora filiada agrave

Coordenaccedilatildeo EditorialErasmo Miessa Ruiz

RevisatildeoVianney Campos de Mesquita

Projeto Graacutefico e CapaJuscelino Guilherme

BibliotecaacuteriaFrancisco Leandro Castro Lopes CRB 31103x

P769 Poliacutetica gestatildeo e sauacutede no contexto da coletividade concepccedilatildeo dos alunos e professores de sauacutede coletiva Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre Leandro Arauacutejo Carvalho (Orgs) - Fortaleza EdUECE 2014 432 p il

ISBN 978-85-7826-250-1

1 Sauacutede coletiva 2 Sauacutede puacuteblica ndash Cearaacute 3 Dengue I Gomes Ilvana Lima Verde II Nobre Joana Mary Soares III Carvalho Leandro Arauacutejo

CDD 614

AUTORESORGANIZADORES

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em Sauacutede Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)Coordenadora do Comi-tecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) -Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Curso de Fisioterapia e Coordenadora do Programa de Responsabilidade Social do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do CearaacuteDiscente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leandro Arauacutejo CarvalhoProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Mestre em Sauacutede Coletiva Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Pro-grama de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

AUTORESCOLABORADORES

Adriana Catarina de Souza OliveiraEnfermeira Doutora em Sauacutede PuacuteblicaUniversidad de Murcia Mestra em Gestao da Qualidade dos Servicios de SaudeUniver-sidad de Murcia Docente do Curso de Graduaccedilao em Enferma-gem e do Programa de Postgrado em Investigacioacuten em Ciencias Socio SanitariasUniversidad Catoacutelica de MurciaEspantildea

Adriana Ponte Carneiro de MatosFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Docente do Centro Universitaacuterio Es-taacutecio do Cearaacute

Amanda Ferreira PereiraEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede da Crianccedila e do Adolescente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Ana Camila Moura RodriguesEnfermeira Discente do Curso de Especializaccedilatildeo em Gestatildeo da Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente- Universida-de Estadual do Cearaacute (UECE)

Ana Carolina Rocha PeixotoTerapeuta Ocupacional Doutora em Sauacutede Coletiva - Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ana Cleacutea Veras Camurccedila VieiraTerapeuta Ocupacional e Fisioterapeuta Mestra em Educaccedilatildeo em Sauacutede - Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Ana Maria ZuwickMeacutedica psiquiatra Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Andrea CapraraMeacutedico Doutor em Antropologia - Universidade de Montreal Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Andrea Gomes LinardDoutora em Enfermagem Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeo da Uni-versidade da Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Bra-sileira (UNILAB) Bolsista do Programa BPIFUNCAP

Antocircnio Augusto Ferreira CariocaNutricionista Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo - Mestrado Nutriccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica ndash Universidade de Satildeo Paulo

Berenice Temoteo da SilvaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Sauacutede Cole-tiva (Doutorado) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Ciacutecera Beatriz Baratta PinheiroEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Claudia sobral de Oliveira UchoaFonoaudioacuteloga Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE)

Cyntia Monteiro Vasconcelos MottaFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Gradua-

ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Daianne Cristina RochaNutricionista Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente (Doutorado)do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Edina Silva CostaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Elaine Neves de FreitasFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Elzo Pereira Pinto JuniorFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Emilia Kelma Alves MarquesFonoaudioacuteloga Mestra em Linguiacutestica e Literatura PUC ndash MG Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute (HGF)

Ermanna Peixoto LimaAluna do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Pro-grama BPIFUNCAP

Francisco Joseacute Maia PintoEstatiacutestico Poacutes-Doutor em Sauacutede Coletiva - Universidade de Satildeo Paulo (USP) Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Geisy Lanne Muniz LunaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade de For-taleza (UNIFOR)

Gutemberg dos Santos ChavesDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Programa Jovens Talentos para CiecircnciaCAPES

Helena Alves de Carvalho SampaioNutricionista Doutora em Farmacologia Centro de Ciecircncias da Sauacutede Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacute-de Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilse Maria Tigre de Arruda LeitatildeoEnfermeira Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universida-de de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Mestra em Sauacutede Puacuteblica Docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Enferma-gem da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em Sauacutede Coletiva - Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-gradua-

ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE) Coordenadora do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) - Se-cretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Jardenia Chaves DomeneguettiProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Discente do Curso de Mestra-do Profissionalizante em Sauacutede da Crianccedila e do Adolescente - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do curso de graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Fiacutesica da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE) Docente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Joseacute Wellington de Oliveira LimaMeacutedico Doutor em Science Tropical Public Health Univer-sidade de Harvard Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado e Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Juliana Alencar Moreira BorgesMestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Experiecircncia em Vigilacircncia Epidemioloacutegica investi-gaccedilatildeo de oacutebitos anaacutelise atenccedilatildeo baacutesica

Juliana Lucena de Miranda CavalcanteEnfermeira Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Juliana Pessoa CostaTerapeuta Ocupacional Discente do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Krysne Kelly de Franccedila OliveiraTerapeuta ocupacional Especialista em Sauacutede Puacuteblica - Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE)

Laryssa Veras AndradeEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cui-dados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Mestrado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leandro Arauacutejo CarvalhoProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Mestre em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Pro-grama de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leilson Lira LimaEnfermeiro Mestre em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cuidados Cliacutenicos e Enfermagem (Doutorado) da Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Letiacutecia Lima AguiarEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cui-dados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Mestrado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Curso de

Especializaccedilatildeo em Enfermagem em Nefrologia - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Liacutedia Samara de Castro SandersEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Liacutellian de Queiroz CostaEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Lucia Conde de OliveiraAssistente Social Poacutes-Doutora em Sauacutede Coletiva pelo Ins-tituto de Sauacutede Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Docente do Curso de Serviccedilo Social e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Luiza Jane Eyre de Souza VieiraEnfermeira Doutora em Enfermagem - Universidade Fede-ral do Cearaacute (UFC) Professora Titular do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Docente do Doutorado em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla - Universidade de Fortaleza (UNIFOR)Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)Universidade Fede-ral do Cearaacute (UFC)

Marcelo Gurgel Carlos da SilvaMeacutedico Poacutes-Doutor em Economia da Sauacutede - Universidade de Barcelona Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE)

Mardecircnia Gomes Ferreira VasconcelosEnfermeira Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Cearaacute Discente do Programa Poacutes Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) em Associaccedilatildeo Ampla Universi-dade de Fortaleza (Unifor) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Maria Celestina S de OliveiraMedica Mestra em Sauacutede puacuteblica ndash Universidade Estadual do Ceara (UECE) Residente do Hospital Geral Cesar Cals e Irman-dade Beneficente da Santa Casa de Misericoacuterdia de Fortaleza

Maria Gleiciane Lima RochaDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Programa BPIFUNCAP

Maria Homeacuteria Leite de Morais SampaioFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Maria Salete Bessa JorgeEnfermeira Doutora em Enfermagem - Universidade de Satildeo Paulo Docente Coordenadora do Programa de Poacutes-gradua-ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE) e do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Marilene Calderaro da Silva MungubaTerapeuta ocupacional e fisioterapeuta Poacutes-Doutora em Terapia Ocupacional Social pelo Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Doutora em Ciecircncias da Sauacutede pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

Milena Lima de PaulaPsicoacuteloga Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla (Doutorado) Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Racircndson Soares de SouzaEnfermeiro Mestre em Cuidados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Raquel Sampaio FlorecircncioEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Rebeka Rafaella Saraiva CarvalhoEnfermeira Mestranda em Sauacutede Coletiva pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Roberta Meneses de OliveiraEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cuidados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Curso

de Graduaccedilatildeo em Enfermagem da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Rosileacutea Alves de SouzaEnfermeira Doutora em Enfermagem pela Universidade Fe-deral do Cearaacute Docente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Selma Nunes DinizEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Soraia Pinheiro Machado ArrudaDoutora em Sauacutede Coletiva - Universidade Federal do Mara-nhatildeo Docente da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Talita da Silva NogueiraDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista ICCNPq

Thereza Maria Magalhatildees MoreiraEnfermeira e Advogada Poacutes-Doutora em Sauacutede Coletiva Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Wilson Junior de Arauacutejo CarvalhoFonoaudioacutelogo Poacutes-Doutor pelo Programa de Poacutes-Gradua-ccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos da Faculdade de Letras da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Docente da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)

SUMAacuteRIO

Agradecimentos 19Prefaacutecio 21Introduccedilatildeo 23

PARTE I - POLIacuteTICA E GESTAtildeO EM SERVIccedilOS DE SAUacuteDE

Capitulo 1- Integralidade da assistecircncia na sauacutede da mulher compreensatildeo de enfermeiros do maciccedilo de Baturiteacute 31Andrea Gomes Linard Ermanna Peixoto Lima Maria Gleiciane Lima Rocha Talita da Silva Nogueira Gutemberg dos Santos Chaves

Capitulo 2- A (in) visibilidade de dados sobre violecircncia contra crianccedila e adolescente com deficiecircncia ante as diretrizes que norteiam a proteccedilatildeo integral 48Ana Cleacutea Veras Camurccedila Vieira Geisy Lanne Muniz Luna Marilene Calde-raro da Silva Munguba Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

Capitulo 3- Anaacutelise da produccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva de Fortaleza 67Claudia Sobral de Oliveira Uchoa Ilvana Lima Verde Gomes Emiacutelia Kelma Alves Marques Wilson Junior de Arauacutejo Carvalho Leilson Lira de Lima Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 4- Obtenccedilatildeo do consentimento informado e permanecircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica contribuiccedilatildeo da relaccedilatildeo profissional paciente 90Edina Silva Costa Andrea Caprara Amanda Pereira Ferreira Cyntia Mon-teiro Vasconcelos Motta Selma Antunes Nunes Diniz Juliana Alencar Mo-reira Borges

PARTE 2- DENGUE PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL PRAacuteTICAS E SUAS INTERFACES

Capitulo 5- Implantaccedilatildeo da ecossauacutede no controle da dengue implicaccedilotildees da participaccedilatildeo social 110Joana Mary Soares Nobre Andrea Caprara Ana Carolina Rocha Peixoto Ilvana Lima Verde Gomes Rosileacutea Alves de Souza

Capitulo 6- Participaccedilatildeo social e equidade de gecircnero no controle da dengue um processo de implantaccedilatildeo da ecossaacuteude 130Joana Mary Soares Nobre Andrea Caprara Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Ana Carolina Rocha Peixoto

Capitulo 7- Praacuteticas de prevenccedilatildeo da dengue sob o olhar das famiacutelias dos profissionais de sauacutede e dos atores envolvidos no programa de controle do vetor 151Edina Silva Costa Andrea Caprara Amanda Pereira Ferreira Cyntia Mon-teiro Vasconcelos Motta Selma Antunes Nunes Diniz Juliana Alencar Mo-reira Borges

Capitulo 8- Significados e dimensotildees do controle do dengue concepccedilotildees de uma comunidade participativa no Municiacutepio de Fortaleza-CE 171Cyntia Monteiro Vasconcelos Motta Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Elaine Neves de Freitas Edina Silva Costa Andrea Caprara

Capitulo 9- O discurso do sujeito coletivo sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo 194Berenice Temoteo da Silva Luacutecia Conde de Oliveira Maria Homeacuteria Leite de Morais Sampaio

PARTE 3- DIVERSIDADES EPISTEMOLoacuteGICAS TEMAacuteTICAS

Capitulo 10- Envelhecimento Populacional dos aspectos histoacutericos do envelhecimento ao perfil demograacutefico de idosos do Cearaacute 217Juliana Lucena de Miranda Cavalcante Liacutellian de Queiroz Costa Elzo Pereira Pinto Junior Edina Silva Costa Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Capitulo 11- Subsiacutedios para Pesquisas sobre a Obesidade a influecircncia da infecccedilatildeo pelo Helicobacter pylori sobre o estado nutricional 236Helena Alves de Carvalho Sampaio Daianne Cristina Rocha Ciacutecera Beatriz Baratta Pinheiro Antocircnio Augusto Ferreira Carioca Soraia Pinheiro Macha-do Arruda Joseacute Wellington de Oliveira Lima

Capitulo 12 - Caracterizaccedilatildeo sociodemograacutefica e de atividade fiacutesica em escolares adultos jovens 253Laryssa Veras Andrade Thereza Maria Magalhatildees Moreira Raquel Sampaio Florecircncio Leandro Arauacutejo Carvalho

Capitulo 13 - Mortalidade infantil anaacutelise de fatores de risco em uma capital do Nordeste brasileiro 270Liacutedia Samara de Castro Sanders Jardenia Chaves Domeneguetti Francisco Joseacute Maia Pinto

Capiacutetulo 14- Humanizaccedilatildeo do parto estudo etnograacutefico em uma maternidade puacuteblica de Fortaleza 293Andrea Caprara Maria Celestina S de Oliveira

Capiacutetulos 15 - Avaliaccedilatildeo das necessidades de familiares de pacientes em unidade de terapia intensiva pediaacutetrica 315 Ilse Maria Tigre de Arruda Leitatildeo Ana Camila Moura Rodrigues Rober-ta Meneses de Oliveira Adriana Catarina de Souza Oliveira Letiacutecia Lima Aguiar Marcelo Gurgel Carlos da Silva

PARTE 4- SAUacuteDE MENTAL E SUBJETIVIDADE

Capiacutetulo 16- Familiares que acompanham usuaacuterios de crackpara o cuidado em Centro de Atenccedilatildeo psicossocial de Aacutelcool e Drogas (CAPS AD) 341Milena de Lima de Paula Maria Salete Bessa Jorge

Capiacutetulo 17- Comportamento de crianccedilas e praacuteticas educativas parentais na contemporaneidade com um rdquoremedinhordquo eacute mais faacutecil 367Ana Maria Zurick Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 18 ndash Itineraacuterio terapecircutico de famiacutelia de pessoas com transtorno mental em crise fluxos e redes de compromissos 389Juliana Pessoa Costa Mardecircnia Gomes Ferreira Vasconcelos Rebeka Rafaella Saraiva Carvalho Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 19 - Planejamento de accedilotildees desinstitucionalizantes com vistas agrave consolidaccedilatildeo do acesso agrave rede assistencial de sauacutede mental 409Racircndson Soares de Sousa Maria Salete Bessa Jorge

AGRADECIMENTOS

A Deus por sua infinita bondadeAo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva

(CCS) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) por nos dar esta oportunidade e incentivo

A Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) pelo apoio e importacircncia no nosso meio

Aos Docentes discentes profissionais de sauacutede partici-pantes das pesquisas e convidados externos que trouxeram preciosas contribuiccedilotildees e disponibilizaram suas expertises com amor para agregar valores na elaboraccedilatildeo de cada capiacute-tulo que compotildee essa obra aleacutem do prefaacutecio e posfaacutecio e da introduccedilatildeo

Aos familiares que nos apoiaram em toda a trajetoacuteria de nossas vidas em busca de crescimento e maturidade no uni-verso da pesquisa e nos presentearam com o alicerce funda-mental para prosseguir aspirando agrave concretizaccedilatildeo de nossos sonhos

A elaboraccedilatildeo de um livro implica em muitas tarefas e en-volve diversas pessoas tanto as que iratildeo escrever seus capiacutetulos como os que satildeo convidados para fazer prefaacutecio introduccedilatildeo e posfaacutecio organizadores a editora o diagramador parece-ristas e tantos outros natildeo menos importantes A todas essas pessoas que colaboraram conosco neste sonho de publicar um livro o nosso agradecimento

PREFAacuteCIO

O livro ldquoPOLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEX-TO DA COLETIVIDADE concepccedilatildeo dos alunos e professo-res de Sauacutede Coletivardquo traz uma contribuiccedilatildeo relevante para o campo da sauacutede coletiva pois satildeo recortes de dissertaccedilotildees pro-duzidas no Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute programa esse que ao longo dos anos vem contribuindo na formaccedilatildeo de profissionais tanto do nosso Estado como de outros Estados brasileiros

A parceria de professores e alunos na construccedilatildeo das dis-sertaccedilotildees e nos recortes para os capiacutetulos fortaleceu a visatildeo que encontrou-se na sauacutede coletiva a multidisciplinar inter-disciplinar e transdisciplinar jaacute que houve participaccedilatildeo de en-fermeiros nutricionistas fisioterapeutas educadores fiacutesicos meacutedicos psicoacutelogos fonoaudioacutelogos odontoacutelogos unidos na construccedilatildeo de saberes e praacuteticas

Os capiacutetulos deste livro podem servir de fonte de pesquisa para gestores profissionais e estudantes para a elaboraccedilatildeo de projetos ou para embasamento teoacuterico relacionados ao Siste-ma Uacutenico de Sauacutede e a formaccedilatildeo de pessoal

O livro em questatildeo possibilitaraacute de forma significativa a aacuterea de sauacutede coletiva Apresenta um conjunto de dezenove capiacutetulos dividido em quatro as quais se denominam em par-tes Parte I - Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Parte 2- Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteticas e suas Interfaces Parte 3- Diversidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas e Parte 4- Sauacutede Mental e Subjetividade baseados em dissertaccedilotildees e teses do Programa de Poacutes-Graduaccedilotildees em Sauacutede Coletiva da Universi-dade Estadual do Cearaacute

O livro tem como meacuterito estreitar a parceria entre alunos docentes do PPSAC com a finalidade de promoccedilatildeo da escrita acadecircmica

Enfim deseja-se a todos uma boa leitura e que haja cresci-mento teoacuterico-metodoloacutegico possibilitando um agir para pes-quisa e sua interlocuccedilatildeo com a praacutetica e mudanccedilas no processo de trabalho em que a pesquisa seja a mola propulsora

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo carvalho

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1 INTRODUccedilAtildeO

Eacute com grande alegria que atendo ao convite do Mestra-do de Sauacutede Coletiva da Universidade do Estado do Cearaacute para escrever a apresentaccedilatildeo dessa obra organizada por Ilvana Gomes Joana Nobre e Leandro Carvalho que abrange as con-cepccedilotildees de alunos e professores de Sauacutede Coletiva sobre um conjunto de temaacuteticas muito relevantes neste campo

Comeccedilo ressaltando o papel deste esforccedilo editorial em contribuir para o fortalecimento de uma cultura da publicaccedilatildeo acadecircmica no paiacutes jaacute que urge cada vez mais que a Univer-sidade se coloque perante a sociedade sem ficar voltada em si mesma ou limitada tatildeo-somente a sua funccedilatildeo formadora mas sendo tambeacutem espaccedilo de disseminaccedilatildeo do conhecimento produzido entre seus muros Trata-se de importante iniciativa de publicizaccedilatildeo dos trabalhos elaborados que contribui para reforccedilar a necessaacuteria descentralizaccedilatildeo e deslocamento na pro-duccedilatildeo de conhecimento nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo no paiacutes do eixo sulsudeste

Consoante com a visatildeo da Sauacutede Coletiva enquanto cam-po de saberes e praacuteticas sobre o processo sauacutededoenccedila em suas dimensotildees materiais e simboacutelicas bem como das respos-tas sociais organizadas para seu enfrentamento os trabalhos destacam-se pela dimensatildeo interdisciplinar abrangente pela diversidade de temaacuteticas abordadas e abordagens metodoloacutegi-cas utilizadas e pelo comprometimento com as realidades de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Igualmente digno de menccedilatildeo eacute o forte enfoque loco-re-gional das investigaccedilotildees realizadas ao mesmo tempo em que se abordam temaacuteticas absolutamente pertinentes em todo con-texto nacional Essa caracteriacutestica eleva as possibilidades de

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que muito dos conhecimentos advindos das pesquisas possam ser apropriados pelos sistemas de sauacutede locais contribuindo na melhoria e aperfeiccediloamento dos processos de cuidado ges-tatildeo e avaliaccedilatildeo dos serviccedilos do SUS no estado do Cearaacute

Sem pretender antecipar o itineraacuterio do leitor cabe trazer aqui uma breve visatildeo geral da diversidade de temas presentes nos dezenove trabalhos incluiacutedos que se organizam em tor-no de quatro eixos centrais Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteticas e suas Interfaces Diversidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas e Sauacutede Mental e Subjetividade

O primeiro eixo organizador mdash Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede mdash se encontra representado por quatro produtos Os autores do manuscrito ldquoIntegralidade da assis-tecircncia na sauacutede da mulher compreensatildeo de enfermeiros do Maciccedilo de Baturiteacuterdquo buscaram conhecer os significados des-se conceito tatildeo polissecircmico nas accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino desenvolvidas em unidades baacutesicas de sauacutede de dez municiacutepios dessa regiatildeo cearense e permitindo contri-buir na intensificaccedilatildeo e reorientaccedilatildeo das medidas direcionadas a uma condiccedilatildeo que persiste como grave problema de sauacutede em nosso meio Os resultados do estudo ldquoAnaacutelise da produ-ccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva de Fortalezardquo sinalizam para um conjunto de elementos que podem subsidiar um aten-dimento integral de maior qualidade agravequeles que necessitam dessa tecnologia de ponta para o tratamento da surdez ainda de acesso restrito em vaacuterias de nossas localidades Fica claro a partir das discussotildees trazidas no trabalho ldquoA (in) visibilida-de de dados sobre violecircncia contra crianccedila e adolescente com deficiecircncia diante das diretrizes que norteiam a proteccedilatildeo in-

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tegralrdquo o elevado grau de desconhecimento desse problema em consequecircncia da subnotificaccedilatildeo dos casos e do despreparo profissional para lidar com a situaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede que deveriam realizar seu diagnoacutestico presuntivo e tomar as providecircncias iniciais para garantir sua proteccedilatildeo Finalmente a pesquisa ldquoObtenccedilatildeo do consentimento informado e perma-necircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica contribuiccedilatildeo da relaccedilatildeo profissional pacienterdquo mostrou que embora a ade-satildeo inicial ao projeto de estudo estivesse relacionada agrave busca por cuidados especializados a boa qualidade da relaccedilatildeo entre usuaacuterios e profissionais revela-se fundamental para a colabo-raccedilatildeo e permanecircncia dos indiviacuteduos na investigaccedilatildeo cliacutenica

O segundo eixo mdash Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteti-cas e suas Interfaces mdash congrega um conjunto de produccedilotildees vinculadas ao estudo multicecircntrico ldquoPesquisa ecobiossocial sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Cariberdquo desenvolvido pela Universidade Estadual do Cearaacute e financiado com recursos da UNICEF e do Banco Mundial No trabalho ldquoImplantaccedilatildeo da Ecossauacutede no controle da den-gue implicaccedilotildees da participaccedilatildeo socialrdquo os autores verificam que a participaccedilatildeo de diversos atores sociais estaacute aqueacutem de seu potencial e sinalizam para um conjunto de limitantes a serem sobrepujados para a efetiva mudanccedila das condiccedilotildees subjacen-tes ao controle da doenccedila A importacircncia dessa participaccedilatildeo e a anaacutelise de aspectos mais especiacuteficos relacionados ao gecircnero para a concretizaccedilatildeo da abordagem integrada no domiacutenio da enfermidade eacute tratada na investigaccedilatildeo ldquoParticipaccedilatildeo social e equidade de gecircnero no controle da dengue um processo de implantaccedilatildeo da ecossauacutederdquo O texto ldquoPraacuteticas de prevenccedilatildeo da dengue sob o olhar das famiacutelias dos profissionais de sauacute-de e dos atores envolvidos no programa de controle do vetorrdquo

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retrata a complexidade de inserccedilotildees percepccedilotildees e envolvi-mentos dos diversos atores que devem ser levadas em conta na integraccedilatildeo de esforccedilos que efetivamente atinjam os fato-res ecobiossociais envolvidos na manutenccedilatildeo do vetor e nas accedilotildees de combate prevenccedilatildeo e controle da doenccedila O estudo de caso apresentado em ldquoSignificados e dimensotildees do contro-le do dengue concepccedilotildees de uma comunidade participativa no municiacutepio de Fortaleza-CErdquo desenvolvido em um bairro com organizaccedilatildeo comunitaacuteria soacutelida lideranccedilas comunitaacuterias e centro comunitaacuterio de referecircncia mas que mesmo assim convive com alta incidecircncia da doenccedila Seus resultados reite-ram as complexas relaccedilotildees existentes entre sauacutede ambiente e vetor que dificultam os esforccedilos de participaccedilatildeo e necessitam de integraccedilatildeo interdisciplinar que reconheccedila os saberes locais a fim de construir uma autonomia comunitaacuteria que contribua na superaccedilatildeo dos problemas Finalmente o texto apresentado no ldquoDiscurso do sujeito coletivo sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeordquo eacute oriundo de uma dissertaccedilatildeo de mestrado que investigou as concepccedilotildees de dezoito conselheiros representan-tes de usuaacuterios e trabalhadores sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo no Conselho Municipal de Sauacutede de Crato Fica evidente o quanto ainda eacute necessaacuterio avanccedilar no compartilha-mento do poder de decisatildeo nos processos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e como a articulaccedilatildeo dos conselheiros e seus representados pode se configurar em importante ferramenta de luta nesse sentido

Na sequecircncia as seis produccedilotildees do terceiro eixo mdash Di-versidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas mdash cobrem uma plura-lidade de temas abordados por diversas oacuteticas metodoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de conhecimentos ldquoMortalidade in-fantil anaacutelise de fatores de risco em uma capital do Nordeste

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brasileirordquo mostra a importacircncia de um conjunto de fatores associados com a atenccedilatildeo agrave sauacutede da gestante e dos receacutem-nas-cidos contribuintes nesses eventos agregando elementos para que os progressos no controle do indicador em Fortaleza si-gam avanccedilando no sentido de se aproximar do recomendado pelos organismos internacionais Como tambeacutem eacute importante mirar o futuro que jaacute estaacute batendo agraves portas e que se encon-tra representado no progressivo envelhecimento populacional brasileiro a caracterizaccedilatildeo do perfil demograacutefico dos idosos cearenses no periacuteodo de 2000 a 2011 presente no texto ldquoEn-velhecimento populacional dos aspectos histoacutericos do enve-lhecimento ao perfil demograacutefico de idosos do Cearaacuterdquo pode auxiliar no desenvolvimento e direcionamento das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para esta parcela da populaccedilatildeo no estado O desenvolvimento de poliacuteticas promotoras de sauacutede bem su-cedidas necessita levar em conta as especificidades locais de clientelas especiacuteficas e o trabalho ldquoCaracterizaccedilatildeo sociode-mograacutefica e de atividade fiacutesica em escolares adultos jovensrdquo explora esses aspectos em pesquisa realizada em Maracanauacute municiacutepio de meacutedio porte localizado na regiatildeo metropolita-na de Fortaleza e premiado nacionalmente na aacuterea de atenccedilatildeo agrave sauacutede do adolescente e adulto jovem O texto ldquoSubsidian-do pesquisas para a obesidade a influecircncia da infecccedilatildeo pelo Helicobacter pylori sobre o estado nutricionalrdquo apresenta os resultados de um estudo transversal de abordagem quantita-tiva e comparativa que se dedicou a investigar os efeitos da presenccedila deste agente infeccioso sobre o estado nutricional de pacientes atendidos pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede Os autores do trabalho ldquoHumanizaccedilatildeo do parto um estudo etnograacutefico em uma maternidade puacuteblica de Fortalezardquo identificam que o modelo de atendimento agrave gestante ainda se caracteriza pelo

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caraacuteter fundamentalmente teacutecnico e sem considerar as subjeti-vidades das pacientes reforccedilando que a reconstruccedilatildeo das praacute-ticas de sauacutede mais humanizadas durante o preacute-natal ou parto satildeo ainda uma realidade ser perseguida em nossos serviccedilos Fechando este eixo a pesquisa ldquoAvaliaccedilatildeo das necessidades de familiares de pacientes em unidade de terapia intensiva pediaacute-tricardquo utilizou-se do instrumento Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados em Terapia Intensiva para examinar as principais categorias de necessida-des e o grau em que estas eram satisfeitas nos acompanhantes de um hospital puacuteblico de referecircncia de Fortaleza destacando a importacircncia de demandas de conhecimentoinformaccedilatildeo e acesso ao pacientes infantis

Em sua parte uacuteltima o livro apresenta um conjunto de re-flexotildees sobre Sauacutede Mental e Subjetividade O capiacutetulo ldquoFami-liares que acompanham usuaacuterios de crack para o cuidado em Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial de Aacutelcool e Drogasrdquo buscou analisar a partir de entrevistas com trabalhadores de sauacutede familiares e usuaacuterios adultos em tratamento como a famiacutelia eacute incluiacuteda nas accedilotildees desenvolvidas por estes centros Apesar do reconhecimento profissional da importacircncia desse grupo de suporte no cuidado e ressocializaccedilatildeo dos usuaacuterios de drogas as dinacircmicas familiares particulares ainda satildeo pouco conside-radas na realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees devendo adquirir forma mais personalizada para garantir um atendimento mais hu-manizado e integral que possa efetivamente contribuir para mudanccedilas mais duradouras ldquoComportamento de crianccedilas e praacuteticas educativas parentais na contemporaneidade com um lsquoremedinhorsquo eacute mais faacutecilrdquo traz um conjunto de reflexotildees sobre a frequecircncia crescente com que problemas de comportamento envolvidos eou resultantes de condiccedilotildees como dificuldades

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no aprendizado mal conduzidas desagregaccedilatildeo familiar vio-lecircncias intra e extrafamiliares precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas e de sauacutede vem sendo medicalizados na sociedade contempo-racircnea e como esta medicalizaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede men-tal pode contribuir para a patologizaccedilatildeo dos indiviacuteduos Na perspectiva de ampliar os campos de atuaccedilatildeo dos projetos te-rapecircuticos a partir de uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano os autores do capiacutetulo ldquoItineraacuterios e redes sociais de apoio das famiacutelias de pessoas em crise psiquiaacutetrica redes e fluxos em busca do cuidado em sauacutederdquo discutem as estrateacutegias fluxos serviccedilos acessados e redes sociais de apoio utilizadas pelos familiares de indiviacuteduos com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise atendidos em unidades de atenccedilatildeo agrave sauacutede mental do Municiacutepio de Maracanauacute localizado na regiatildeo me-tropolitana da capital cearense Fechando este eixo e o livro o manuscrito ldquoPlanejamento de accedilotildees (des)institucionalizantes com vista agrave consolidaccedilatildeo do acesso agrave rede assistencial de sauacutede mentalrdquo identificou um leque de problemas que necessitam da elaboraccedilatildeo e implantaccedilatildeo de estrateacutegias que minimizem fragi-lidades do processo de organizaccedilatildeo da RASM e intensifiquem sua interconexatildeo com as demais redes assistenciais de Forta-leza

Espera-se que os leitores apreciem a leitura escutando e reagindo com reflexotildees e accedilotildees que nos permitam avanccedilar na construccedilatildeo de melhores condiccedilotildees de vida para nossa popula-ccedilatildeo e melhores serviccedilos de sauacutede para todos

Uma boa leituraProfa Dra Rosacircngela Caetano

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ JMS)

PARTE 1

POLIacuteTICA E GESTAtildeO EM SERVIccedilOS DE SAUacuteDE

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CAPIacuteTULO 1

INTEGRALIDADE DA ASSISTecircNCIA NA SAUacute-DE DA MULHER COMPREENSAtildeO DE ENFER-MEIROS DO MACIccedilO DE BATURITeacute

Andrea Gomes LinardErmanna Peixot o Lima

Maria Gleiciane Lima RochaTalita da Silva Nogueira

Gutemberg dos Santos Chaves

INTRODUccedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira promulgada em 1988 estabelece as diretrizes para a Organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e destaca a integralidade significando tratar-se de atividades preventivas sem prejuiacutezo dos serviccedilos assisten-ciais O termo integralidade estaacute descrito na Lei Orgacircnica de Sauacutede (Lei 8080 e 814290) como conjunto articulado e con-tiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de com-plexidade (BRASIL 1998)

O Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) criado em 1994 tem como proposta a reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos da Atenccedilatildeo Pri-maacuteria agrave Sauacutede contribuindo para a consolidaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) mediante a substituiccedilatildeo do modelo tra-dicional (KANTORSKIet al 2009)

Com os avanccedilos obtidos a denominaccedilatildeo Programa cede lugar agrave adoccedilatildeo do conceito Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) considerando seu papel estrateacutegico na mudanccedila do modelo as-

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sistencial no Paiacutes Essa discussatildeo traz agrave pauta tambeacutem a neces-sidade de investimentos natildeo soacute na quantidade mas tambeacutem na qualidade das Equipes de Sauacutede da Famiacutelia em atuaccedilatildeo envi-dando esforccedilos para que o objetivo antes somente de amplia-ccedilatildeo da estrateacutegia hoje seja de sua consolidaccedilatildeo

Sendo assim o crescimento e a progressiva ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF trazem a necessidade de reflexatildeo sobre sua ideia operacionalizaccedilatildeo e sustentabilidade o que reflete tam-beacutem na qualidade de seu desenvolvimento e da atenccedilatildeo agrave sauacute-de prestada pelas equipes (BRASIL 2005)

A ESF veio para constituir perspectiva no concernente agrave atenccedilatildeo primaacuteria substituindo o modelo biomeacutedico por novas praacuteticas assistenciais rompendo com praacuteticas cliacutenicas conven-cionais de sauacutede ensejando maior interaccedilatildeo e respeito entre profissional e usuaacuterio

Em virtude das caracteriacutesticas predominantes nas atuais praacuteticas de sauacutede e suas consequecircncias para a populaccedilatildeo dependente dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede parece relevante a uniatildeo de esforccedilos para a constituir de uma assistecircncia que incorpore os princiacutepios do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e ofereccedila um modelo de cuidado integral humanizado e com-prometido em garantir o direito agrave sauacutede e em atender as ne-cessidades socialmente determinadas as quais muitas vezes satildeo imperceptiacuteveis em detrimento do problema bioloacutegico que demanda o serviccedilo (BEHEREGARAY GERHARDT 2010)

O termo integralidade pode ser compreendido sob vaacuterias dimensotildees que permeiam o atendimento agrave populaccedilatildeo preco-nizado pela Constituiccedilatildeo de 1988 Tais dimensotildees direcionam a organizaccedilatildeo expansatildeo e qualificaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede do SUS com a oferta de um elenco ampliado de servi-ccedilos como imunizaccedilotildees ateacute os serviccedilos de reabilitaccedilatildeo fiacutesica

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e mental aleacutem das accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede em caraacuteter intersetorial

A integralidade traduz-se em realizar atenccedilatildeo integrando accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo pro-movendo acesso aos vaacuterios niacuteveis de atenccedilatildeo e ofertando res-postas ao conjunto de necessidades de sauacutede de uma comuni-dade e natildeo apenas a um recorte de problemas A integralidade exige que a Atenccedilatildeo Baacutesica reconheccedila as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo e os recursos para abordaacute-las (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2010)

O atendimento integral extrapola a estrutura organiza-cional hierarquizada e regionalizada da assistecircncia agrave sauacutede prolonga-se pela qualidade real da atenccedilatildeo individual e cole-tiva assegurada aos usuaacuterios do sistema de sauacutede e requisita o compromisso com o contiacutenuo aprendizado e com a praacutetica multidisciplinar (MACHADO et al 2007)

A implementaccedilatildeo da integralidade da assistecircncia talvez seja nos dias de hoje o maior desafio da sauacutede no Brasil ocor-rente em razatildeo da atual conjuntura que ainda revela um sis-tema estruturado para atender prioritariamente os pacientes com a doenccedila jaacute instalada com foco de atenccedilatildeo no agravo

Com efeito apesar dos avanccedilos obtidos com o SUS seus princiacutepios orientadores ainda natildeo satildeo uma completa realida-de no cotidiano dos serviccedilos de sauacutede Dentre os princiacutepios e diretrizes do SUS talvez o da integralidade seja o que eacute menos visiacutevel na trajetoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede e de suas praacuteti-cas As mudanccedilas no sistema com relaccedilatildeo agrave integralidade natildeo se exprimem tatildeo evidentes Elas acontecem de forma sutil mas ainda natildeo ganharam a generalizaccedilatildeo nem a visibilidade que se almeja (LINARD CASTRO CRUZ 2011)

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Nas poliacuteticas de sauacutede as accedilotildees preventivas e assistenciais tecircm impactos distintos as atividades assistenciais respondem agraves necessidades de sauacutede dos usuaacuterios e as accedilotildees preventivas modificam o quadro social de uma doenccedila modificando a de-manda futura para os serviccedilos assistenciais No que se refere agrave gestatildeo em sauacutede eacute preciso democratizar o processo de tra-balho na organizaccedilatildeo dos serviccedilos horizontalizando saberes promovendo as atividades multiprofissionais e interdiscipli-nares incorporando a renovaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede numa perspectiva de integralidade em que a valorizaccedilatildeo da atenccedilatildeo e do cuidado desponta como dimensatildeo baacutesica para a poliacutetica de sauacutede que se desenvolve ativamente no cotidiano dos serviccedilos (PINHEIRO LUZ 2003)

O profissional que busca incorporar a integralidade em seu atendimento amplia suas percepccedilotildees oferecendo uma as-sistecircncia voltada para as reais necessidades do cliente e conse-quentemente supri suas demandas de maneira mais especiacutefica e individualizada respeitando o direito universal e integral agrave sauacutede

Eacute vaacutelido salientar entretanto que a integralidade eacute o prin-ciacutepio mais negligenciado no acircmbito do SUS No iniacutecio da deacute-cada de 1990 a preocupaccedilatildeo com a integralidade limitava-se a alguns centros acadecircmicos e experiecircncias municipais pois a ecircnfase poliacutetica da eacutepoca se concentrava em questotildees de fi-nanciamento e descentralizaccedilatildeo Somente com a expansatildeo e reorientaccedilatildeo do PSF foi possiacutevel enfatizar propostas como territorializaccedilatildeo vigilacircncia em sauacutede acolhimento e viacutenculo retomando a discussatildeo da integralidade expressa pela Refor-ma Sanitaacuteria (PAIM 2009)

Assim a integralidade na Sauacutede da Mulher no que tange agraves accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino configura es-

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paccedilo de praacuteticas saberes e discussotildees que dia a dia procura avanccedilar na tentativa de reduzir o perfil de mortalidade do re-ferido agravo a sauacutede

No Brasil ceacutervico-uterino eacute o tipo de cacircncer mais co-mum em algumas aacutereas menos desenvolvidas Sua ocorrecircncia se concentra principalmente em mulheres acima dos 35 anos Dentre todos os tipos de cacircncer eacute o que apresenta um dos mais altos potenciais de prevenccedilatildeo e cura

Como estrateacutegia de prevenccedilatildeo e controle do cacircncer ceacuter-vico-uterino a realizaccedilatildeo do exame citopatoloacutegico de Papa-nicolau eacute reconhecido mundialmente como estrateacutegia segura eficiente indolor de baixo custo e eficaz podendo ser colhido por via de infraestrutura simples e sua aplicaccedilatildeo modificou efetivamente as taxas de incidecircncia e mortalidade (SECRETA-RIA DE SAUacuteDE 2002)

As accedilotildees de prevenccedilatildeo ao cacircncer ceacutervico-uterino satildeo desenvolvidas na contextura da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) mediante consulta meacutedica e de enfermagem que realiza accedilotildees de rastreamento junto agrave populaccedilatildeo feminina Na loacutegica do trabalho por aacuterea adscrita a ESF se propotildee ter equipes res-ponsaacuteveis por famiacutelias de forma que seja possiacutevel estabelecer o viacutenculo profissional-usuaacuterio e estimular a adesatildeo agrave prevenccedilatildeo ginecoloacutegica

Apesar de a neoplasia em foco ser facilmente diagnosti-cada a cifra alberga estimativas preocupantes Para o ano de 2014 no Brasil satildeo esperados 15590 casos novos de cacircncer do colo do uacutetero com um risco estimado de 1533 casos a cada 100 mil mulheres Sem considerar os tumores de pele natildeo me-lanoma o cacircncer do colo do uacutetero eacute o mais incidente na regiatildeo Norte (2357 100 mil) Nas regiotildees Centro-Oeste (2219 100 mil) e Nordeste (1879 100 mil) eacute o segundo mais frequente

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Na regiatildeo Sudeste (1015100 mil) o quarto e na regiatildeo Sul (1587 100 mil) o quinto mais frequente (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2014)

Estas elevadas cifras natildeo se justificam pois a prevenccedilatildeo do cacircncer ceacutervico-uterino eacute eficaz se implementada adequada-mente na ESF A elevada incidecircncia da referida neoplasia pode estar ligada agrave ausecircncia de uma poliacutetica voltada para a educaccedilatildeo em sauacutede bem como agrave baixa qualidade dos serviccedilos de sauacutede Por esse motivo eacute digno de uma atenccedilatildeo especial dos gestores em sauacutede dos profissionais e da sociedade

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o prin-cipal fator de risco para a doenccedila eacute a infecccedilatildeo pelo viacuterus Pa-piloma Humano - HPV Todas as mulheres que iniciaram a atividade sexual satildeo potencialmente susceptiacuteveis ao desenvol-vimento da doenccedila As maacutes condiccedilotildees de higiene alimentaccedilatildeo tabagismo iniacutecio precoce da atividade sexual multiplicidade de parceiros e o uso de contraceptivos orais entretanto tam-beacutem favorecem o surgimento desse cacircncer Tornando-se mais evidente na faixa etaacuteria de 20 a 29 anos e o risco aumenta rapi-damente ateacute atingir o pico geralmente na faixa de 45 a 49 anos (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2006)

A prevenccedilatildeo do cacircncer ginecoloacutegico assim como o diag-noacutestico precoce e o tratamento requer a implantaccedilatildeo articula-da de medidas como sensibilizaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo feminina investimento tecnoloacutegico e em recursos humanos organizaccedilatildeo da rede disponibilidade dos tratamentos e me-lhoria dos sistemas de informaccedilatildeo

Assim uma mudanccedila nesse perfil depende de accedilotildees arti-culadas voltadas para a sauacutede envolvendo accedilotildees profissionais poliacuteticas puacuteblicas infraestrutura das unidades de sauacutede e par-ticipaccedilatildeo da comunidade Tais accedilotildees vecircm ao encontro do Pac-

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to pela Vida 2010-2011 que traccedila como um dos seus objetivos ampliar a oferta do exame preventivo do cacircncer do colo do uacutetero visando a alcanccedilar uma cobertura de 80 da popula-ccedilatildeo-alvo

Portanto o cacircncer ceacutervico-uterino deve ser tratado como um contexto de atenccedilatildeo agrave sauacutede relevante no Brasil uma vez que demanda accedilotildees voltadas para a integralidade de uma as-sistecircncia agrave sauacutede ainda em elaboraccedilatildeo no Sistema Uacutenico de Sauacutede

A equipe da ESF pode contribuir para o controle da doen-ccedila por meio das accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e detecccedilatildeo precoce realizadas nos serviccedilos bem assim com a realizaccedilatildeo de accedilotildees educativas com a participaccedilatildeo da comu-nidade no sentido de ampliar o conhecimento sobre os fato-res de risco o desenvolvimento da doenccedila e a importacircncia da realizaccedilatildeo perioacutedica do exame preventivo com objetivo de se alcanccedilar resultados satisfatoacuterios para a reduccedilatildeo das taxas de morbimortalidade

A complexidade de se trabalhar ante qualquer fenocircmeno social constituiacutedo com base em conjunto de determinantes condicionantes e fatores sociais e bioloacutegicos exprime uma ne-cessidade de compreensatildeo mais ampla e qualificada sobre o assunto Nessa perspectiva emerge a necessidade de estudos que possam contribuir para a compreensatildeo da integralidade da assistecircncia muito mais aleacutem do simples ato de realizar um atendimento ambulatorial

Em tais circunstacircncias a realidade contemporacircnea traz novos desafios no modo como certos temas satildeo habitualmente abordados especialmente no campo da sauacutede A dimensatildeo e a relevacircncia social e poliacutetica agregadas pelo campo da sauacutede desde a reforma sanitaacuteria e constituiccedilatildeo do Sistema Uacutenico de

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Sauacutede (SUS) tencionam para a sauacutede a ideia de que esta pode contribuir significativamente para a realidade vivida por nos-sa sociedade no que tange ao bem-estar da coletividade e de como a ausecircncia deste bem-estar influencia nas dinacircmicas de funcionamento

A produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea da Sauacutede da Mulher possibilitaraacute a melhoria do serviccedilo de sauacutede no que concerne agrave organizaccedilatildeo do rastreamento do cacircncer cervical e agrave qualifi-caccedilatildeo dos profissionais o fortalecimento da integraccedilatildeo ensi-no-serviccedilo e o impacto positivo na diminuiccedilatildeo do cacircncer de colo do uacutetero contribuindo para melhor qualidade de vida da populaccedilatildeo

No conjunto de profissionais que integram a ESF o enfer-meiro desempenha relevante papel na execuccedilatildeo de accedilotildees que permeiam as esferas gerenciais cliacutenica e educativas No exer-ciacutecio de suas funccedilotildees aleacutem de competecircncia teacutecnica responsa-bilidade e compromisso eacutetico eacute necessaacuterio ao enfermeiro com-preender e discutir de que forma a filosofia de alguns princiacutepios doutrinaacuterios do SUS acontecem na aacuterea da sauacutede feminina

Outros estudos corroboram essa posiccedilatildeo ressaltando a importacircncia de se discutir a concepccedilatildeo do enfermeiro sobre a municipalizaccedilatildeo por se entender que o enfermeiro eacute um agente da equipe multidisciplinar em sauacutede estando diretamente en-volvido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MINISTEacuteRIO DA SAUacute-DE 2012)

Dessa maneira as peculiaridades dessa poliacutetica de sauacutede por meio do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) receberam in-fluecircncias da municipalizaccedilatildeo e principalmente pela reorga-nizaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica por meio da ESF O cacircncer ceacutervico-uterino ainda constitui um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica no Paiacutes apesar da existecircncia de programas da necessidade de

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uma simples tecnologia baixo custo para a prevenccedilatildeo e diag-noacutestico precoce do exame citopatoloacutegico percebe-se a gravi-dade do cenaacuterio epidemioloacutegico

Ante tais fatos surgiu o questionamento qual a concep-ccedilatildeo dos enfermeiros a respeito de integralidade na assistecircn-cia no acircmbito da Sauacutede da Mulher Como esta integralidade acontece nas accedilotildees de combate ao cacircncer cervico-uterino Para responder a tais indagaccedilotildees realizou-se uma investigaccedilatildeo a respeito com os objetivos descritos na sequecircncia

Conhecer os significados sobre integralidade concebidos pelos enfermeiros

Identificar a correlaccedilatildeo feita pelos profissionais entre in-tegralidade da assistecircncia e accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervi-co-uterino

Verificar como os serviccedilos de sauacutede na atenccedilatildeo primaacuteria estatildeo organizados de modo a privilegiar a integralidade da as-sistecircncia

METODOLOGIA

O estudo eacute descritivo-exploratoacuterio com abordagem qua-litativa pois possibilitou uma investigaccedilatildeo detalhada e que melhor harmoniza aos objetivos propostos A pesquisa explo-ratoacuteria permite maior familiaridade com o problema e o apri-moramento de ideias ou descoberta de intuiccedilotildees Enquanto isso a pesquisa descritiva tem por objetivo expor e buscar as explicaccedilotildees de um fenocircmeno (GIL 1999)

Compuseram o universo da pesquisa todos os enfermei-ros lotados nas unidades baacutesicas de sauacutede dos Municiacutepios do Maciccedilo de Baturiteacute vinculadas agrave Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e que aceitaram participar do estudo

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O nuacutemero de sujeitos envolvidos foi estipulado com base no criteacuterio de saturaccedilatildeo e repeticcedilatildeo ferramenta esta muito utilizada na pesquisa qualitativa onde o fechamento amostral se processa pela suspensatildeo de novos participantes quando os dados obtidos passam a redundacircncia e repeticcedilatildeo Na aborda-gem qualitativa as amostras satildeo propositais e buscam singu-laridade aprofundamento e abrangecircncia da compreensatildeo do fenocircmeno estudado (GIL 1999)

A regiatildeo sob exame foi eleita para loacutecus da pesquisa pelo fato de que neste espaccedilo geograacutefico funciona a UNILAB ins-tituiccedilatildeo a que o projeto estaacute vinculado Esta autarquia federal de acordo com as diretrizes estabelecidas na Lei 12289 san-cionada pelo Presidente da Repuacuteblica em 20 de julho de 2010 alberga a responsabilidade de desenvolver ensino pesquisa e extensatildeo em consonacircncia com as necessidades de sauacutede e edu-caccedilatildeo da regiatildeo do Maciccedilo de Baturiteacute

A coleta de dados aconteceu durante os meses de mar-ccedilo a novembro do ano de 2013 Para a coleta utilizou-se um roteiro de entrevista que abordou questotildees a respeito ao aten-dimento na atenccedilatildeo primaacuteria no contexto da integralidade da assistecircncia na Sauacutede da Mulher organizaccedilatildeo dos serviccedilos oferta de accedilotildees para atender as demandas inerentes ao com-bate do cacircncer de colo uterino e referecircnciacontraAreferecircncia As entrevistas aconteceram na Unidade Baacutesica de Sauacutede apoacutes o expediente de atendimento dos enfermeiros em uma sala reservada na unidade para essa atividade

A entrevista semiestruturada foi utilizada como recurso por permitir certa liberdade ao entrevistado de discorrer apesar da utilizaccedilatildeo de toacutepicos que o pesquisador define a priori Este recurso eacute capaz de orientar uma ldquoconversa com

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finalidaderdquo devendo ser facilitador de abertura ampliaccedilatildeo e aprofundamento da comunicaccedilatildeo (MINAYO 2004)

As informaccedilotildees foram organizadascom suporte nas trans-criccedilotildees das entrevistas e leituras sucessivas das falas onde as ideias centrais ou seja aquelas mais evidentes que descreve-ram de forma sinteacutetica e precisa o sentido das falas forami-dentificadas e registradas As transcriccedilotildees foram organizadas conforme Teacutecnica de Anaacutelise de Conteuacutedo (BARDIN 2004) As categorias posteriormente identificadas foram discutidas com embasamento da literatura

Com o intuito de obedecer agraves diretrizes que regulamen-tam os estudos envolvendo seres humanos para as partici-pantes desta pesquisa foi exibido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com dados referentes ao caraacuteter voluntaacuterio do estudo e possibilidade de desistecircncia a qualquer momento Com o intuito de garantir o anonimato as falas foram identi-ficadas pelo coacutedigo enf seguido do nuacutemero de ordem O es-tudo na fase de projeto de pesquisa foi enviado para o Comitecirc de Eacutetica da Universidade de Fortaleza e aprovado segundo o Parecer nordm20308

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Foram entrevistados 47 profissionais graduados em En-fermagem sendo 45 do sexo feminino e dois do masculino Os profissionais estavam lotadas nos Municiacutepios de Acarape Aratuba Aracoiaba Baturiteacute Barreira Itapiuacutena Capistrano Ocara Palmaacutecia e Redenccedilatildeo Os enfermeiros encontravam-se na faixa etaacuteria de 21 a 63 anos com predominacircncia do inter-valo de 21 a 35 O tempo meacutedio de graduaccedilatildeo foi de oito anos o tempo de atuaccedilatildeo profissional da atenccedilatildeo primaacuteria oscilou

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de 2 a 30 anos A maioria possui algum tipo de especializaccedilatildeo As especializaccedilotildees realizadas foram nas seguintes aacutereas Sauacutede Puacuteblica Unidade de Terapia Intensiva Gestatildeo em Sauacutede En-fermagem do Trabalho Obstetriacutecia Urgecircncia e Emergecircncia Sauacutede da Famiacutelia Sauacutede Indiacutegena Sauacutede do Idoso Gestatildeo em Serviccedilos e Sistemas de Sauacutede

A seguir se exibiu as categorias emergidas assinadas na anaacutelise das entrevistas

Significados atribuiacutedos ao termo integralidade

Para os entrevistados o significado de integralidade con-siste em garantir ao usuaacuterio uma assistecircncia integral que as-socie a prevenccedilatildeo e o tratamento considerando a pessoa na totalidade num contexto que englobe suas necessidades

Atender a pacienta de uma forma integral tratar todos os aspectos de doenccedila daquela mulher tratar hipertensatildeo e diabetes tratar de uma forma integral (enf 01)

Eacute um cuidado de assistecircncia prestado aos in-diviacuteduos de modo que ele seja assistido em todos os aspectos onde natildeo tratado somente a doenccedila deve ser tratado de um modo geral natildeo soacute a doenccedila (enf 02)

Eacute a assistecircncia de forma integral em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede (enf 03)

Eacute atender desde a prevenccedilatildeo ateacute o diagnoacutes-tico aliaacutes ateacute o final do tratamento (enf 04)

Observar o paciente como um todo anotar todo o estado cliacutenico dele e se necessaacuterio en-caminhar a outro profissional Isso acontece por exemplo uma gestante de risco (enf 05)

Atender a todos em todos os niacuteveis de aten-ccedilatildeo (enf 06)

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A integralidade eacute um atendimento globaliza-do um atendimento que tenha vaacuterias nuan-ces natildeo soacute no tratamento mas tambeacutem na prevenccedilatildeo integral no sentido de atender a todas as necessidades das pacientes (enf 06)

A perspectiva da integralidade aparece no relato dos pro-fissionais associada ao direito universal do usuaacuterio de ser aten-dido em suas necessidades de sauacutede

A integralidade eacute uma ferramenta que nos permite enten-der a magnitude da sauacutede-doenccedila e visualizar como sua am-plitude extrapola o campo bioloacutegico Dessa forma accedilotildees mais efetivas soacute seratildeo possiacuteveis com profissionais que alarguem seus conceitos e atuem equipes multiprofissionais (MACHADO et al 2007)

A garantia de um atendimento integral ultrapassa uma assistecircncia agrave sauacutede hierarquizada e regionalizada abrange o individual e o coletivo e requer um compromisso constante com o aprendizado e a atuaccedilatildeo multiprofissional (CECIM FEUERWERKER 2004)

Esse princiacutepio conduz seu bojo uma discussatildeo criacutetica e propositiva da dissociaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede de cunho pre-ventivo e as praacuteticas assistenciais Articular essas praacuteticas de sauacutede significa propor uma reestruturaccedilatildeo na forma de con-ceber os serviccedilos de sauacutede compreendendo o atendimento numa oacuteptica longitudinal de accedilotildees

Compreensatildeo da integralidade da assistecircncia nas accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino

No entendimento dos profissionais as accedilotildees de combate ao cacircncer satildeo percebidas nas perspectivas descritas a seguir

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Eu entendo a integralidade como uma con-tinuidade da assistecircncia se eu faccedilo a coleta e consigo tratar ou se natildeo tenho condiccedilotildees para trataacute-la entatildeo encaminho para o gine-cologista para buscar uma soluccedilatildeo (enf 07)

Conforme o resultado da prevenccedilatildeo ela jaacute vai orientada de alguma forma se apresenta NIC III por exemplo eu explico que ela pre-cisa de maiores cuidados entatildeo ela eacute referen-ciada com os exames (enf 08)

Atraveacutes das orientaccedilotildees palestras conscien-tizaccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo agraves doenccedilas que podem haver contaminaccedilatildeo pelo HPV e a partir disso a mulher se conscientizar e atraveacutes da conscientizaccedilatildeo e cuidados reali-zar avaliaccedilotildees rotineiras (enf 09)

Fazer a coleta direitinho realizar entrevista pesquisar sobre a famiacutelia e se preciso enca-minhar para realizar exames (enf 10)

Eu entendo a integralidade como uma con-tinuidade da assistecircncia se eu faccedilo a coleta e consigo tratar ou se natildeo tenho condiccedilotildees para trataacute-la entatildeo encaminho para o gine-cologista para buscar uma soluccedilatildeo (enf 11)

Com certeza se identificada uma lesatildeo noacutes possamos dar continuidade ao tratamento encaminhando para um serviccedilo especializa-do e daiacute dependendo do que ocorrer ter esse retorno seria interessante (enf 12)

A integralidade da assistecircncia eacute entendida em termos de lei como um conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e ser-viccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos

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para cada caso em todos os niacuteveis de complexidade do sistema (GIOVANELLA 2008)

Accedilotildees como levantar o histoacuterico da paciente realizar a co-leta citoloacutegica identificar a lesatildeo quando possiacutevel implemen-tar um tratamento e encaminhar a paciente para um serviccedilo especializado ilustram a compreensatildeo dos profissionais frente agrave integralidade da assistecircncia

O trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria deveraacute ter uma aborda-gem interdisciplinar que conjuguealeacutem das accedilotildees os esforccedilos de uma equipe multiprofissional voltados para a accedilatildeo preven-tiva ante os fatores de risco para o cacircncer ceacutervico-uterino Para tal adoccedilatildeo dos princiacutepios da Educaccedilatildeo em Sauacutede numa pers-pectiva problematizadora que desperte no outro o interesse pelo cuidado eacute condiccedilatildeo fundamental para iniciar uma rela-ccedilatildeo dialoacutegica entre profissionais e paciente

A organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede no atual modelo do Sistema de Sauacutede busca privilegiar espaccedilos nos quais se pos-sa concretiza uma praacutetica cliacutenica com foco na integralidade entretanto a concretude dessa premissa estaraacute relacionada aos determinantes sociais que influenciaram a populaccedilatildeo assistida e os profissionais

CONCLUSOtildeESAgrave integralidade satildeo atribuiacutedos diversos sentidos entre os

quais se destacam aqueles relacionados ao atendimento inte-gral vislumbrando o ser humano em contexto holiacutestico nos trecircs niacuteveis de atenccedilatildeo

A accedilatildeo do enfermeiro na Sauacutede da Mulher deve abranger a manutenccedilatildeo promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com origem na relaccedilatildeo estabelecida com a paciente que busca o serviccedilo de

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sauacutede mediante estrateacutegias educativas envolvendo a identifi-caccedilatildeo de suas necessidades de sauacutede

Reconhecer a relevacircncia da perspectiva da integralidade na assistecircncia agrave Sauacutede da Mulher implica o envolvimento do enfermeiro que deve se fazer presente natildeo apenas em situaccedilatildeo de doenccedila mastambeacutem em todo o horizonte de atendimento proposto pelo Sistema de Sauacutede

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GIOVANELLA L (Org) Poliacuteticas e Sistemas de Sauacutede no Brasil Rio de Janeiro Fiocruz 2008

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CAPIacuteTULO 2

A (IN) VISIBILIDADE DE DADOS SOBRE VIOLecircNCIA CONTRA CRIANccedilA E ADOLES-CENTE COM DEFICIecircNCIA DIANTE DAS DIRETRIZES QUE NORTEIAM A PROTEccedilAtildeO INTEGRAL

Ana Cleacutea Veras Camurccedila VieiraGeisy Lane Muniz Luna43

Marilene Calderaro MungubaLuiza Jane Eyre de Souza Vieira

INTRODUccedilAtildeO

A violecircncia evidencia-se como fenocircmeno multicausal e complexo e correlacionando-se com determinantes sociais e econocircmicos principalmente desemprego baixa escolarida-de concentraccedilatildeo de renda exclusatildeo social Aflui aos aspectos comportamentais e culturais resultando em uma interaccedilatildeo de fatores individuais relacionais comunitaacuterios e sociais Nesse iacutenterim o Informe Mundial sobre laviolencia y la salud publi-cado pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (2002) define vio-lecircncia como

O uso intencional da forccedila ou poder em uma forma de ameaccedila ou efetivamente contra si mesmo outra pessoa ou grupo ou comuni-dade que ocasiona ou tem grandes proba-bilidades de ocasionar lesatildeo morte dano psiacutequico alteraccedilotildees do desenvolvimento ou privaccedilotildees (KRUG et al 2002)

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Sendo assim percebe-se que os iacutendices mais elevados de comportamentos violentos em algumas comunidades natildeo po-dem ser explicados por um fator isoladamente Compreender entretanto a maneira como esses fatores estatildeo vinculados agrave violecircncia eacute um dos passos importantes no enfoque da sauacutede puacuteblica para a prevenccedilatildeo do fenocircmeno Em face da realidade eacute relevante conhecer como se articulam as manifestaccedilotildees da violecircncia haja vista o fato dessas situaccedilotildees se modificarem de acordo com o contexto histoacuterico social (FROTA et al 2011)

Em razatildeo dessa complexidade a violecircncia direcionada a crianccedilas e adolescentes eacute muito presente Esta eacute uma reali-dade que constrange e inquieta a sociedade civil e os oacutergatildeos governantes Waiselfisz (2011) acentua ser nessa faixa etaacuteria que duas em cada trecircs mortes se originam numa violecircncia seja ela homiciacutedio suiciacutedio ou acidente de transporte Aleacutem disso com essa faixa etaacuteria eacute difiacutecil distinguir os casos de acidentes ndash que podem acontecer de forma casual e despretensiosa ndash dos de violecircncia por conta da dificuldade em estabelecer o caraacuteter de intencionalidade Os acidentes tambeacutem podem em mui-tos casos ser considerados como modalidade de violecircncia jaacute que estes podem resultar de omissotildees das accedilotildees humanas

Sanchez e Minayo (2004) refletem acerca da magnitude do tema sua repercussatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo brasilei-ra e indaga se o indicador de mortalidade natildeo deveria ser as-sociado a outro que retratasse o significado e a dinacircmica das muacuteltiplas violecircncias considerando o contexto sociocultural e a qualidade de vida de crianccedilas e adolescentes

Essas afirmaccedilotildees retratam a cruel realidade em que estatildeo inseridos as crianccedilas e adolescentes brasileiros contudo esti-ma-se que muito mais preocupante satildeo os dados referentes agrave violecircncia cometida contra crianccedilas e adolescentes com defi-

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ciecircncia haja vista a subnotificaccedilatildeo desses casos e o despreparo profissional para lidar com esse fato

Contextualizando o leitor o modelo da deficiecircncia foi aprovado por lei de 1975 ldquode orientaccedilatildeo em favor das pessoas deficientesrdquo Na realidade o relatoacuterio Bloch-Laineacute de 1967 jaacute o propunha razatildeo pela qual pode ser considerado um texto de transiccedilatildeo entre o modelo de inadaptaccedilatildeo e o de deficiecircncia pa-radoxalmente a lei de 1975 absteacutem-se de qualquer definiccedilatildeo Segundo os relatores de entatildeo exprimir o conceito parecia-lhes totalmente impossiacutevel haja vista as divergecircncias de abor-dagens cientiacuteficas sobre a maneira de tratar o assunto e que do ponto de vista deles era necessaacuterio dar maior abertura possiacutevel sobre o futuro para evitar possiacuteveis exclusotildees dos beneficiaacuterios da lei A deficiecircncia transforma-se em novo ldquosistema de refe-recircncias da accedilatildeo puacuteblicardquo suscetiacutevel de ser aplicado a todas as idades ldquoa deficiecircncia eacute a leirdquo (PLAISANCE 2005)

RETRATOS DA DEFICIecircNCIA

Dados do Censo de 2010 publicados pelo Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) demonstrou a existecircncia ou natildeo de algum tipo de deficiecircncia permanente por autode-claraccedilatildeo Os resultados apontaram que 45606048 brasileiros (239 da populaccedilatildeo total) tecircm algum tipo de deficiecircncia vi-sual auditiva motora e mental ou intelectual (IBGE 2010)

Trazendo essa anaacutelise para o acircmbito regional observa-se que 277 da populaccedilatildeo residente no Cearaacute correspondendo a um total de 2 340 150 cearenses apresentam algum tipo de deficiecircncia percentual acima do registrado nacionalmente (239) e da Regiatildeo Nordeste (266) (IPECE 2012)

Os dados do Censo mostraram que a deficiecircncia chega a

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pessoas em qualquer idade Algumas nascem com ela outras a adquirem ao longo da vida O contingente populacional tem pelo menos uma das deficiecircncias investigadas pelo Censo de 2010 revelados que sua prevalecircncia eacute bastante alta na popula-ccedilatildeo brasileira de 1987 milhotildees (IBGE 2010)

O Programa das Naccedilotildees Unidas para o De-senvolvimento (PNUD) mediante a institu-cionalizaccedilatildeo do Iacutendice de Desenvolvimento Humano (IDH) mensura o progresso de uma naccedilatildeo a partir da anaacutelise de trecircs dimen-sotildees renda sauacutede e educaccedilatildeo De acordo com o Relatoacuterio do Desenvolvimento Huma-no o (IDH) global de 2012 entre 186 paiacuteses elege a Noruega como o paiacutes que apresentou melhor IDH com 0 955 incluso no bloco de paiacuteses com o iacutendice muito alto O Brasil re-gistrou a 85ordf posiccedilatildeo com o iacutendice de 0 730 atraacutes do Chile Argentina Uruguai Cuba Panamaacute Venezuela Peru (PNUD 2013)

A importacircncia desses dados estaacute no fato que os paiacuteses com iacutendice de desenvolvimento hu-mano baixo (IDH) 99 da populaccedilatildeo tecircm uma deficiecircncia nos paiacuteses com iacutendice de desenvolvimento humano meacutedio a percen-tagem cai para 37 e em paiacuteses de desenvol-vimento humano elevado estima-se que 1 as pessoas com deficiecircncia (PNUD 2013)

A anaacutelise realizada pelo Instituto de Pesquisa e Estrateacutegia Econocircmica do Cearaacute (IPECE) sobre a infacircncia em Fortaleza com os dados socioeconocircmicos divulgados no Censo 2010 mostra que 75 da populaccedilatildeo de zero a 14 anos em Fortale-za possuem algum tipo de deficiecircncia visual (SILVA SILVA 2013)

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A proporccedilatildeo de crianccedilas com problemas de visatildeo aumen-ta significativamente a partir dos seis anos de idade periacuteodo coincidente com o iniacutecio do ciclo escolar para um nuacutemero significativo de crianccedilas Eacute preconizado nas poliacuteticas puacuteblicas o acompanhamento dessas crianccedilas nas creches e escolas Em termos de deficiecircncia auditiva a proporccedilatildeo cai para 2 en-quanto para a deficiecircncia de locomoccedilatildeo e mental essa propor-ccedilatildeo registra 13 e 08 respectivamente Chama-se atenccedilatildeo para o total de 63978 crianccedilas com algum tipo de deficiecircncia que necessita de atenccedilatildeo especial das poliacuteticas puacuteblicas (SIL-VA SILVA 2013)

Em pesquisa realizada no mecircs de abril de 2014 nas bases de dados para indicadores de sauacutede gerais e especiacuteficos para a infacircncia e adolescecircncia (DATASUS SIPIA TABNET-SMS) natildeo foram evidenciadas informaccedilotildees especiacuteficas sobre crianccedila com deficiecircncia associada agraves situaccedilotildees de violecircncia ou mesmo no grande grupo denominado de causas externas consideran-do ainda a populaccedilatildeo 63978 crianccedilas com deficiecircncia

A inexistecircncia de dados que possam proporcionar a vi-gilacircncia em sauacutede da populaccedilatildeo com deficiecircncia demonstra o quanto essa realidade ainda estaacute invisiacutevel apesar de avanccedilos na trajetoacuteria de realizaccedilotildees de eventos internacionais e nacionais poliacuteticas planos e dispositivos legais que norteiam a atenccedilatildeo integral agrave pessoa com deficiecircncia como a Poliacutetica Nacional de Sauacutede da Pessoa com Deficiecircncia (BRASIL 2010) e as dire-trizes que integram as accedilotildees do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia conhecido como Viver sem Limite (BRASIL 2013)

Esse fato remete a certas inquietaccedilotildees em razatildeo desse contingente populacional como se deu a trajetoacuteria das poliacuteti-cas puacuteblicas que tencionavam proteger e cuidar Quais lacunas

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ainda permanecem para que seja possiacutevel ter maior aproxima-ccedilatildeo dessa realidade

Por mais baacutesicas que sejam as informaccedilotildees estas apontam para potenciais estudos que por sua vez podem se aprofun-dar na anaacutelise das condiccedilotildees de vida e sauacutede da crianccedila com deficiecircncia viacutetima de violecircncia Estudos mostram a importacircn-cia da infacircncia para a formaccedilatildeo do capital humano da pessoa Os efeitos de longo prazo do investimento na formaccedilatildeo do ca-pital humano na infacircncia e adolescecircncia vatildeo desde o aumento dos niacuteveis educacionais maiores salaacuterios e melhores ocupa-ccedilotildees no mercado de trabalho ateacute melhores condiccedilotildees de sauacutede e satisfaccedilatildeo com a vida (SILVA SILVA 2013)

GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANccedilA E ADO-LESCENTE

Iniciou-se no Brasil na deacutecada de 1980 intenso movi-mento com vistas a garantir os direitos das crianccedilas Com a mudanccedila no modelo de sauacutede vigente que buscava uma as-sistecircncia mais integral criou-se o Programa de Assistecircncia In-tegral agrave Sauacutede da Crianccedila (PAISC) em 1984 (BRASIL 1984)

Esta poliacutetica de atenccedilatildeo envolvia accedilotildees de acompanha-mento do crescimento infantil estiacutemulo ao aleitamento ma-terno e orientaccedilatildeo alimentar para o desmame assistecircnciae controle das infecccedilotildees respiratoacuterias agudas controle das doen-ccedilas diarreacuteicas e das prevenidas por imunizaccedilotildees Malgrado priorizar a assistecircncia agrave crianccedila na rede baacutesica de sauacutede tam-beacutem foram implementadas estrateacutegias com vistas a humanizar o preacute-natal e o parto dando mais espaccedilo para a participaccedilatildeo da famiacutelia no cuidado ao bebecirc no acircmbito hospitalar (BRASIL 1984)

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Em relaccedilatildeo agraves conquistas juriacutedicas sobre os maus tratos em 12 de outubro de 1927 o Decreto-Lei 17943 instituiu o primeiro Coacutedigo de Menores no Brasil como medida para sis-tematizar a accedilatildeo de tutela e coerccedilatildeo e por isso o Estado passou a adotaacute-lo Com esse decreto o Brasil comeccedilou a implantar o sistema puacuteblico de atenccedilatildeo agraves crianccedilas e aos jovens em circuns-tacircncias especialmente difiacuteceis (CURY 1987)

A Doutrina de Situaccedilatildeo Irregular descrita desde 1927 juridicamente citada como Coacutedigo de Menores como caraacute-ter ldquomenoristardquo apesar da reformulaccedilatildeo em 1979 manteve-se ideologicamente para intervir com a infacircncia pobre e estigma-tizada As bases conceituais sustentavam a exclusatildeo e o con-trole social da pobreza e a prevenccedilatildeo detinha a instituciona-lizaccedilatildeo conforme o momento poliacutetico da eacutepoca no Paiacutes Esse movimento sem duacutevida marca a transiccedilatildeo paradigmaacutetica en-tre o Direito do Menor para o Direito da Crianccedila e do Adoles-cente (CUSTOacuteDIO 2008 ROSEMBERG MARIANO 2010)

Nos uacuteltimos anos do regime militar no Brasil de 1974 a 1984 havia grande crise econocircmica recessatildeo e o iniacutecio do movimento democraacutetico com participaccedilatildeo social Nessa deacuteca-da de 1970 a 80 muitas conquistas foram possiacuteveis na histoacuteria da sauacutede puacuteblica brasileira Era a luta pela reforma sanitaacuteria Natildeo se pode esquecer o surgimento dos movimentos sociais que denunciavam a ineficiecircncia das estruturas de sauacutede e pre-videnciaacuterias dentre eles o movimento das pessoas com defi-ciecircncia (AGUIAR 2011)

Atualmente estaacute em vigecircncia no Brasil o Estatuto da Crianccedila e do Adolescente (ECA) Lei 8069 de 13 de julho de 1990 que revolucionando em termos doutrinaacuterios e legislati-vos rompeu com a doutrinada situaccedilatildeo irregular e adotou o entendimento da proteccedilatildeo integral (BRASIL 2012a)

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A compreensatildeo sobre a doutrina de proteccedilatildeo integral ad-veacutem de marcos legais como a Declaraccedilatildeo Universal dos Direi-tos da Crianccedila (1959) no cenaacuterio brasileiro que faz parte do ordenamento juriacutedico como marco definitivo somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Art 227 Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade o direi-to agrave vida agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo ao lazer agrave profissionalizaccedilatildeo agrave cultura agrave dig-nidade ao respeito agrave liberdade e agrave convivecircn-cia familiar e comunitaacuteria aleacutem de colocaacute-los a salvo de toda forma de negligecircncia discri-minaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo (BRASIL 1988)

Nas disposiccedilotildees preliminares o ECA afirma que nenhu-ma crianccedila ou adolescente seraacute objeto de qualquer forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia cruelda-de e opressatildeo punidona forma da lei qualquer atentado por accedilatildeo ou omissatildeo aos seus direitos fundamentais (OLIVEIRA 1995) A leitura dessa disposiccedilatildeo pode encher de perplexidade Deve-se perguntar se uma legislaccedilatildeo tatildeo avanccedilada natildeo seria uma contradiccedilatildeo a mais num Paiacutes jaacute tatildeo cheio de contradiccedilotildees (LUNA et al 2010)

Eacute evidente que o dia adia demonstra a grande distacircncia que vai do que a lei dispotildee para a realidade Basta ler os jornais para encontrar cotidianamente o relato da displicecircncia com que satildeo tratadas questotildees de cunho social envolvendo os jo-vens (GONCcedilALVES FERREIRA 2002)

Nesse periacuteodo os estudos sobre deficiecircncia no Brasil fo-ram impulsionados principalmente em 1981 que ficou co-nhecido como Ano Internacional da Pessoa Deficiente A

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Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) aprovou em 1982 o Programa de Accedilatildeo Mundial para Pessoas com Deficiecircncia proclamando o periacuteodo de 1983 a 1992 como ldquoDeacutecada das Naccedilotildees Unidas para as Pessoas com Deficiecircnciardquo (ONU1982) Assim a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (ONU 1948) traz ecircnfase no valor da vida humana no respeito agrave liber-dade e na dignidade

Art 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo dotados de razatildeo e consciecircncia e devem agir em re-laccedilatildeo uns aos outros com espiacuterito de frater-nidade

Art 3 Todo ser humano tem direito agrave vida agrave liberdade e agrave seguranccedila pessoal

Art 7 Todos satildeo iguais perante a lei e tem direito sem qualquer distinccedilatildeo a igual pro-teccedilatildeo da lei Todos tecircm direito a igual prote-ccedilatildeo contra qualquer discriminaccedilatildeo que viole a presente Declaraccedilatildeo e contra qualquer in-citamento a tal discriminaccedilatildeo (PIOVESAN 2012 p 40)

No acircmbito histoacuterico o Estatuto da Crianccedila e do Adoles-cente (ECA) define o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) como res-ponsaacutevel por garantir ldquoo direito a proteccedilatildeo agrave vida e agrave sauacutederdquo das crianccedilas e adolescentes com deficiecircncia e traz em seus arti-gos 11 e 14 o seguinte

Art 11 Eacute assegurado atendimento integral agrave sauacutede da crianccedila e do adolescente por intermeacutedio do Sistema Uacutenico de Sauacutede ga-rantido o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Paraacutegrafo 1ordm A crian-ccedila e o adolescente portadores de deficiecircncia

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receberatildeo atendimento especializado Como tambeacutem revela em seu capiacutetulo referente ao Direito agrave Educaccedilatildeo Cultura Esporte e Lazer as responsabilidades dos estados para com as crianccedilas e adolescente com deficiecircncia

Art 54 Eacute dever de o Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente ensino fundamental obrigatoacuterio e gratuito inclusive para os que a ele natildeo tiveram acesso na idade proacutepria atendimento educacional especializado aos portadores de deficiecircncia preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL 2012b p 42-43)

O ECA ainda afirma na Convenccedilatildeo sobre Direitos da Crianccedila Parte I artigos 23 que os Estados reconhecem que a crianccedila portadora de deficiecircncias fiacutesicas ou mentais deveraacute desfrutar de uma vida plena e decente em condiccedilotildees que ga-rantam sua dignidade favoreccedilam sua autonomia e facilitem sua participaccedilatildeo ativa na comunidade (BRASIL 2010)

Apesar de uma legislaccedilatildeo que trata da proteccedilatildeo integral das crianccedilas e adolescentes incluindo as portadoras de deficiecircncia iniciam-se no Brasil investigaccedilotildees realizadas pelas comissotildees parlamentares inqueacuterito (CPIs) que datam respectivamente de 1991 e 1993 decorrentes do extermiacutenio de meninos e meni-nas de rua e sobre a prostituiccedilatildeo infanto-juvenil e inserem-se na agenda da sauacutede Conforme estudo realizado por Landini (2006) essas questotildees refletiram diretamente em termos le-gais o reconhecimento e a necessidade de que a crianccedila deve ser protegida de todas as formas de violecircncia e a legislaccedilatildeo vai incorporando artigos e dispositivos que diferenciam cada vez mais a violecircncia sofrida por crianccedilas e adolescentes

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Com origem nesse documento muitas accedilotildees iniciam-se no Brasil Ressalta-se a da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministeacuterio da Justiccedila com caraacuteter intersetorial e portanto contando com a contribuiccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacute-de e de profissionais da aacuterea ao formularem o Plano Nacional de Enfrentamento da Violecircncia Sexual Infantojuvenil (BRA-SIL 2002)

Posteriormente a Portaria Nordm 936GM de 19 de maio de 2004 cria a Rede Nacional de Prevenccedilatildeo da Violecircncia para sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos gestores e profissionais de sauacute-de na identificaccedilatildeo e encaminhamento adequado de situaccedilotildees de violecircncia intrafamiliar e sexual o estiacutemulo agrave articulaccedilatildeo in-tersetorial que envolva a reduccedilatildeo e o controle de situaccedilotildees de abuso exploraccedilatildeo e turismo sexual a implementaccedilatildeo da ficha de notificaccedilatildeo de violecircncia interpessoal o incentivo ao desen-volvimento de planos estaduais e municipais de prevenccedilatildeo da violecircncia o monitoramento e avaliaccedilatildeo do desenvolvimento dos planos estaduais e municipais de prevenccedilatildeo da violecircncia mediante a realizaccedilatildeo de coleta sistematizaccedilatildeo anaacutelise e disse-minaccedilatildeo de informaccedilotildees e a implantaccedilatildeo de Serviccedilos Sentine-la que seratildeo responsaacuteveis pela notificaccedilatildeo dos casos de violecircn-cias (BRASIL 2004)

As temaacuteticas relacionadas agrave proteccedilatildeo e sauacutede das crianccedilas e adolescentes satildeo transversais interdependentes e inseparaacute-veis perpassam o campo social e essa questatildeo seraacute um grande desafio para se alcanccedilar Nesse iacutenterim no ano 2000 a Or-ganizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) ao analisar os maiores problemas mundiais estabeleceu Oito Objetivos do Milecircnio- chamados no Brasil de Oito Jeitos de Mudar o Mundo ndash que devem ser atingidos por todos os paiacuteses ateacute 2015 Entre estes pode-se citar trecircs relacionados agrave defesa dos direitos da crianccedila

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e do adolescente (1) acabar com a fome e a miseacuteria (2) educa-ccedilatildeo baacutesica de qualidade para todos e (3) reduzir a mortalidade infantil (ONU 2000)

Ante tal complexidade houve a preocupaccedilatildeo em padro-nizar o levantamento das estatiacutesticas a respeito das pessoas com deficiecircncia no Brasil em 2005 no Rio de Janeiro junto ao Grupo de Washington sobre Estatiacutesticas das Pessoas com Deficiecircncia (Washington Groupon Disability Statistics - GW) contando com o apoio da Coordenadoria Nacional para In-tegraccedilatildeo da Pessoa Portadora de Deficiecircncia (CORDE) a Se-cretaria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) representantes dos institutos nacionais de estatiacutestica de cerca de 40paiacuteses e outras organizaccedilotildees internacionais iniciaram le-vantamentos de iacutendices de pessoas com deficiecircncia na popula-ccedilatildeo brasileira (IBGE 2010)

Em 2006 o Ministeacuterio da Sauacutede reformulou os eixos de accedilatildeo atinentes agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave atenccedilatildeo integral agraves pes-soas em situaccedilatildeo de violecircncia contiacuteguos das diretrizes e accedilotildees especiacuteficas da Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (Porta-ria nordm 6872006) agrave Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (Por-taria nordm 6482006) e agraves diretrizes para organizaccedilatildeo de redes de atenccedilatildeo integral agraves urgecircncias (Portaria nordm 10202009) condes-cendidas com as trecircs esferas de gestatildeo do SUS (BRASIL 2010)

Formulou ainda um documento intitulado ldquoLinha de Cuidado para a Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede de Crianccedilas Adoles-centes e suas Famiacutelias em Situaccedilatildeo de Violecircncias ndash Orientaccedilatildeo para Gestores e Profissionais de Sauacutederdquo com a finalidade de sensibilizar os agentes envolvidos nessa contiacutenua integralidade do cuidado (BRASIL 2010)

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Trata-se de uma estrateacutegia para a accedilatildeo um caminho para o alcance da atenccedilatildeo integral ou integralidade da atenccedilatildeo um dos princiacutepios do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) que propor-ciona a produccedilatildeo de cuidados desde a atenccedilatildeo primaacuteria ateacute o mais complexo niacutevel da atenccedilatildeo exigindo ainda interaccedilatildeo dos demais sistemas de garantias de direitos proteccedilatildeo e defesa de crianccedilas e adolescentes (BRASIL 2010)

A Linha de Cuidado de atendimento agrave crianccedila e ao adoles-cente em situaccedilatildeo de violecircncia tem iniacutecio no primeiro contato independentemente do niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede Na Atenccedilatildeo Primaacuteria estatildeo as unidades baacutesicas de sauacutede da famiacutelia a equi-pe de sauacutede da famiacutelia e os agentes comunitaacuterios de sauacutede Em meacutedia e alta complexidade encontram-se os serviccedilos de atenccedilatildeo especializada os hospitais os centros de atenccedilatildeo psi-cossocial e conta com a integraccedilatildeo de uma Rede Intersetorial onde se encontram tambeacutem os conselhos tutelares e demais serviccedilos (BRASIL 2010)

Pode-se destacar que nas situaccedilotildees de violecircncia contra crianccedilas adolescentes idosos e mulheres a legislaccedilatildeo prevecirc a notificaccedilatildeo compulsoacuteria em qualquer suspeita ou caso confir-mado de violecircncia mas ainda natildeo eacute possiacutevel encontrar legisla-ccedilotildees especiacuteficas sobre a proteccedilatildeo da crianccedila e adolescente com deficiecircncia em situaccedilatildeo de violecircncia

Essa realidade nos move a algumas ponderaccedilotildees o Poder Puacuteblico representado pela gestatildeo nos trecircs niacuteveis de governo haacute que enfrentar a fragilidade dos indicadores de sauacutede da popu-laccedilatildeo brasileira considerando a maacute utilizaccedilatildeo ou natildeo utilizaccedilatildeo dos sistemas de informaccedilotildees em sauacutede e aacutereas convergentes

Outro ponto impulsiona a refletir sobre o desafio expresso aos oacutergatildeos de proteccedilatildeo quanto ao alcance de crianccedilas e adoles-centes com deficiecircncia atendendo o preconizado nas poliacuteticas

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puacuteblicas de sauacutede e proteccedilatildeo integral Por uacuteltimo poreacutem natildeo menos importante diz-se sobre a imperiosa reorientaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas de educaccedilatildeo permanente de modo longitudinal agrave praacutetica profissional

Observa-se que os profissionais necessitam de esclareci-mento da noccedilatildeo legal de maus-tratosviolecircncia e da concepccedilatildeo de deficiecircncia Dessa forma algumas diversidades de accedilatildeo po-deriam transformar a universidade num foro para discussatildeo e apoio ao fortalecimento de estrateacutegias possibilitando assim que este profissional ao entrar no mercado de trabalho es-teja habilitado e sensiacutevel aos desafios do cotidiano Cuidar de crianccedila e adolescente com deficiecircncia e exposto a situaccedilatildeo de violecircncia requer sensibilidade conhecimento e atitude

Estas dimensotildees devem ser coerentes com as demandas sociais que aportam ao setor sauacutede bem como ao contexto in-tersetorial Por outro lado natildeo eacute possiacutevel omitir os esforccedilos que o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) e o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) empreendem com reformulaccedilotildees de matrizes curricu-lares que privilegiem a agenda de sauacutede e as transformaccedilotildees sociais e econocircmicas do Paiacutes atentando para as especificidades regionais e locais sem contudo excluir as potencialidades e os limites da globalizaccedilatildeo

REFLEXOtildeES INCONCLUSIVAS

Agrave vista desse panorama complexo enfrentar a violecircncia com fundamento em uma perspectiva inclusiva requer com-promisso poliacutetico das naccedilotildees governantes sensiacuteveis agraves iniqui-dades sociais e uma sociedade solidaacuteria e altruiacutesta que esteja disposta a rever e ressignificar padrotildees culturais e comporta-mentais Este tripeacute articulado impulsiona as instituiccedilotildees for-

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madoras agrave ampliaccedilatildeo de suas perspectivas para reconstituiccedilotildees coletivas e sociais mediante a educaccedilatildeo transformadora e a formaccedilatildeo cientiacutefica teacutecnica eacutetica e esteacutetica

Acredita-se que percorrendo essa linha idealizada de modo natural fluiratildeo concepccedilotildees e accedilotildees interdisciplinares brotaraacute o respeito pelo outro emergiratildeo empatias e desejos de alcanccedilar uma sociedade igualitaacuteria inclusiva em que os di-ferentes sejam potencializados em suas singularidades Desse modo o conjunto de instituiccedilotildees atuaraacute de modo coordenado em busca da garantia de acesso a uma rede de serviccedilos de pro-teccedilatildeo beneficiada no arcabouccedilo poliacutetico brasileiro assistecircncia social cultura educaccedilatildeo justiccedila sauacutede seguridade social tra-balho transporte dentre outros segmentos

O estudo pondera a necessidade de serem desenvolvidas diretrizes para crianccedilas e adolescentes com deficiecircncia e expos-tas agraves situaccedilotildees de violecircncia aleacutem de recomendar o aprofun-damento de estudos especiacuteficos nessa parcela da populaccedilatildeo o que pode fomentar discussotildees e reorientaccedilotildees das poliacuteticas

As armas de que se dispotildee para lutar satildeo consciecircncia e conhecimento Nas poliacuteticas puacuteblicas vigentes eacute preciso tor-nar visiacutevel o que aparenta estar invisiacutevel ou seja a proteccedilatildeo agraves crianccedilas e aos adolescentes com deficiecircncia e expostos agrave vio-lecircncia e enfrentar as formas mais insidiosas de preconceito discriminaccedilatildeo estigma e exclusatildeo

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REFERecircNCIAS

AGUIAR ZN SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede - Antecedentes percur-so perspectivas e desafios Satildeo Paulo Martinari 2011

BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia DF Senado Federal 1988

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Depar-tamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Sauacutede da Pessoa com Deficiecircncia Brasiacutelia Editora do Ministeacuterio da Sauacutede 2010

BRASIL Deficiecircncia Viver sem Limite Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com deficiecircncia Secretaria de Direitos Humanos da Pre-sidecircncia da Repuacuteblica (SDHPR) Secretaria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) Brasiacutelia SDH-PRSNPD 2013

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Departamento de Accedilotildees Programaacuteti-cas Estrateacutegicas Estatuto da crianccedila e adolescente 7 ed atualizada Brasiacutelia (DF) Ministeacuterio da Sauacutede 2012a

BRASIL Cartilha do Censo 2010 Pessoas com Deficiecircncia Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia da Repuacuteblica (SDHPR) Secre-taria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) Coordenaccedilatildeo-Geral do Sistema de Informaccedilotildees sobre a Pes-soa com Deficiecircncia Brasiacutelia SDH-PRSNPD 2012b

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Programa de Assistecircncia Integral agrave Sauacutede da Crianccedila Brasiacutelia (DF) PAISC 1984

CURY AM Temas de direito do menor coordenaccedilatildeo das curadorias de menores do Ministeacuterio Puacuteblico do estado de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Ministeacuterio da Sauacutede 1987

CUSTOacuteDIO AV Teoria da Proteccedilatildeo Integral pressuposto para a compreensatildeo do direito da crianccedila e do adolescente Revista do Di-reito n 29 p 22-43 2008

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FROTA Mirna Albuqyerqueet al Reflexatildeo sobre poliacuteticas e estra-teacutegias na sauacutede da crianccedila Rev Enfermagem em Foco v 1n 3 p 129-132 2010

GONCcedilALVES HS FERREIRA AL A notificaccedilatildeo da violecircncia in-trafamiliar contra crianccedilas e adolescentes por profissionais de sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica v18 n1 p 315-319 2002

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Censo Demo-graacutefico 2010 Educaccedilatildeo e deslocamentos resultados da amostra Rio de Janeiro

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ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS Aprovada pela 68ordf As-sembleia Geral das Naccedilotildees Unidas Trata da execuccedilatildeo do Programa

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de Accedilatildeo Mundial para as Pessoas Deficientes e da Deacutecada das Pessoas com Deficiecircncia das Naccedilotildees Unidas Resoluccedilatildeo n 3753 de 3 de de-zembro de 1982

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WAISELFISZ J J Mapa da violecircncia 2011 os jovens do Brasil Satildeo Paulo MS 2011

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CAPIacuteTULO 3

ANAacuteLISE DA PRODUccedilAtildeO DO CUIDADO agraveS CRIANccedilAS SUBMETIDAS A IMPLANTE COCLEAR EM UM SERVIccedilO TERCIAacuteRIO DE SAUacuteDE AUDITIVA DE FORTALEZA

Claudia sobral de Oliveira UchoaIlvana Lima Verde Gomes

Emilia Kelma Alves MarquesWilson Junior de Araujo Carvalho

Leilson Lira LimaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A surdez haacute muitos anos desperta interesse dos pesqui-sadores Do ponto de vista do ouvinte ouvir eacute um privileacutegio que condiciona o desenvolvimento de uma crianccedila em todos os seus aspectos Uma crianccedila com uma surdez severa ou pro-funda pode ter prejuiacutezos irreparaacuteveis na aquisiccedilatildeo de lingua-gem e como consequecircncia sequelas em todos os seus aspectos comunicativos cognitivos afetivos e sociais dentre outros

Caracteriza-se como problema sensorial natildeo visiacutevel que acarreta dificuldades na recepccedilatildeo percepccedilatildeo e reconhecimen-to de sons ocorrendo em distintos graus do mais leve ao mais profundo Observa-se que o aspecto mais sensiacutevel nas deficiecircn-cias auditivas eacute a ausecircncia da linguagem oral e essa ausecircncia eacute realccedilada numa sociedade que se comunica principalmente pela linguagem oral (SILVA PEREIRA ZANOLLI 2007) O deacutefice auditivo pode limitar tambeacutem a comunicaccedilatildeo efetiva e

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a interaccedilatildeo social afetando negativamente a qualidade de vida relacionada agrave sauacutede ao estado cognitivo e emocional (AGRA-WAL PLATZ NIPARKO 2008)

De acordo com as estimativas da World Health Organiza-tion (2012) cerca de 360 milhotildees de pessoas no Mundo pos-suem algum tipo de perda auditiva ou seja 10 da populaccedilatildeo sendo 32 milhotildees de crianccedilas No Brasil satildeo 15 milhotildees de pessoas convivendo com o problema Desses 350 mil tem defi-ciecircncia auditiva severa Estima-se que no Brasil de trecircs a qua-tro crianccedilas em 1000 nascem surdas aumentando para dois a quatro em cada 100 receacutem-nascidos quando provenientes de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal - UTIN (USP 2012)

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) garante a universalidade do acesso equidade integralidade e o controle social1 sobre as poliacuteticas de sauacutede auditiva como princiacutepios que estatildeo em consonacircncia com as diretrizes do Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS (CFFa 2011)

Para minimizar o dano da deficiecircncia auditiva na popu-laccedilatildeo surgiu entatildeo a Poliacutetica Nacional de Sauacutede Auditiva re-gulamentada pelo Ministeacuterio da SauacutedePortaria GM nordm 2073 de 28 de setembro de 2004 e veio como mais um direito ga-rantido por lei aos que necessitam de um serviccedilo especializado (CFFa 2011)

1 Universalidadeequidade integralidadeecontrole social satildeoprinciacutepios constitu-cionais do Sistema Uacutenico de Sauacutede que norteiam o sistema juriacutedico em relaccedilatildeo aoSUSAuniversalidadeestaacutedispostanoartigo196daConstituiccedilatildeoBrasileirade1988ondedizqueldquoasauacutedeeacuteumdireitodetodosedeverdoEstadordquoOsoutrosprinciacutepiosintegralidade(confereaoEstadoodeverdoldquoatendimentointegralcomprioridadeparaasatividadespreventivassemprejuiacutezodosserviccedilosassistenciaisrdquo)aequidade(oEstadodevetratardesigualmenteosdesiguaisconcentrandoseusesforccediloseinvestimentosemzonasterritoriaiscompioresiacutendicesedeacuteficitsnapres-taccedilatildeodoserviccedilopuacuteblico)econtrolesocial(prevecircaldquoparticipaccedilatildeodacomunidaderdquonas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede atuando na formulaccedilatildeo e no controle da execuccedilatildeodestes)estatildeodispostosnoartigo198

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Entende-se que o objetivo norteador dessa poliacutetica foi entatildeo estruturar uma rede de serviccedilos regionalizada e hierar-quizada que estabeleccedila linhas de cuidados integrados no aten-dimento das principais causas da deficiecircncia auditiva e deter-minar diretrizes para credenciamento de serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica meacutedia e alta complexidade no atendimento da pessoa com deficiecircncia auditiva Essa normatizaccedilatildeo estaacute na Portaria SASMS nordm 587 de 07102004 que definiu a distribuiccedilatildeo da rede estadual para accedilotildees na atenccedilatildeo baacutesica na meacutedia e alta complexidade (BRASIL 2004)

No que diz respeito ao implante coclear sua efetivaccedilatildeo se deu pela Portaria GMMS nordm 1278 de 20 de outubro de 1999 antes mesmo da regulamentaccedilatildeo da portaria da Poliacutetica Nacio-nal de Sauacutede Auditiva Atualmente eacute uma alta tecnologia para o tratamento da surdez e como tecnologia de sauacutede aponta como o recurso que proporciona melhores resultados aos que dela se utilizam (BRASIL 1999)

O implante coclear como possibilidade de superaccedilatildeo de dificuldades no desenvolvimento linguiacutestico de adultos e crianccedilas surdas veio dar outra esperanccedila ao paciente pelo fato de lhe proporcionar a sensaccedilatildeo auditiva e natildeo apenas a sua am-plificaccedilatildeo (MORET BEVILACQUA COSTA 2007)

Por ser contudo um tratamento de alto custo a atenccedilatildeo terciaacuteria que envolve o Programa de Implante Coclear natildeo eacute ainda um serviccedilo universalmente constituiacutedo Ele eacute um pro-grama que afunila a grande demanda de usuaacuterios necessitados dessa tecnologia avanccedilada Infelizmente os serviccedilos que pos-suem o Programa de Implante Coclear ainda natildeo tecircm acesso integral para todos os que necessitam

A praacutetica integral de assistecircncia ao usuaacuterio requer um mo-delo de projetos coletivos integrados aos cuidados de sauacutede

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em que trabalhadores gestores e usuaacuterios devem ser corres-ponsaacuteveis no fazer sauacutede cotidianamente (ASSIS NASCI-MENTO FRANCO et al 2010) O cuidado resulta de trabalho coletivo que envolve relaccedilotildees de trocas comunicaccedilotildees e inuacute-meros atos associados uns aos outros e que entre si formam o processo produtivo da assistecircncia (ALMEIDA FERREIRA FRANCO et al 2010)

A anaacutelise da organizaccedilatildeo do cuidado eacute um elemento im-portante para produccedilatildeo do cuidado e avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede que nos permite olhar a organizaccedilatildeo das praacuteticas as-sistenciais em sauacutede no cotidiano do trabalho de uma equipe que [] eacute capaz de levar os profissionais a refletirem sobre o cuidado que realizam e a relaccedilatildeo que mantecircm com o usuaacuterio possibilitando o exerciacutecio da autoanaacutelise (ALMEIDA FER-REIRA FRANCO et al 2010)

Ante a carecircncia de pesquisas sobre esse enfoque e por ser o implante coclear um serviccedilo novo que cresce a cada dia com a ampliaccedilatildeo pelo Ministeacuterio da Sauacutede de novos serviccedilos habilitados observa-se a necessidade de investigaccedilatildeo do deli-neamento das praacuteticas da produccedilatildeo do cuidado ao usuaacuterio de um serviccedilo terciaacuterio para subsidiar um atendimento integral de mais qualidade para um maior nuacutemero possiacutevel de pessoas com perda auditiva

Destaca-se tambeacutem a importacircncia do conhecimento das formas de acesso dos usuaacuterios das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede auditiva pois mesmo sendo essa rede de serviccedilo organizada em um complexo sistema de regulaccedilatildeo com fluxo uacutenico eacute im-portante conhecer o caminho que um portador de deficiecircncia auditiva percorre identificando sua trajetoacuteria ateacute o serviccedilo ter-ciaacuterio Muitas vezes essa regulaccedilatildeo natildeo eacute realizada de forma

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hierarquizada de acordo com que o preconizam as diretrizes do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Como objeto do estudo a produccedilatildeo do cuidado de um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva traz alguns questionamen-tos como ocorrem o acesso o acolhimento e o viacutenculo das crianccedilas submetidas agrave cirurgia de implante coclear Como eacute a visatildeo dos profissionais e familiares quanto ao processo do cuidado Como se daacute a participaccedilatildeo destes no tratamento e recuperaccedilatildeo da sua sauacutede O modo de cuidado ofertado pelos profissionais promove a responsabilizaccedilatildeo a estes usuaacuterios

O objetivo deste estudo eacute entatildeo analisar a produccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo de sauacutede auditiva terciaacuterio de Fortaleza mediante a identificaccedilatildeo das formas de acesso dos usuaacuterios a esse serviccedilo terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave sauacutede auditiva e a descriccedilatildeo do fluxo as-sistencial e das relaccedilotildees entre crianccedilas submetidas ao implante coclear suas famiacutelias e os trabalhadores de sauacutede no cuidado com base na integralidade

O conhecimento do acesso dos usuaacuterios do Programa de Implante Coclear e as linhas de cuidado aos usuaacuterios dessa rede poderatildeo subsidiar a promoccedilatildeo da reordenaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos para esse puacuteblico

REFERENCIAL TEoacuteRICO

Em 1999 com a publicaccedilatildeo da portaria que aprovou os criteacuterios de indicaccedilatildeo e contraindicaccedilatildeo de implante coclear e as normas para cadastramento de centrosnuacutecleos para rea-lizaccedilatildeo de implante coclear foi dado um grande salto para a criaccedilatildeo de uma poliacutetica nacional que atendesse a necessidades de usuaacuterios com perda auditiva

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A necessidade de instituiccedilatildeo da poliacutetica emergiu prin-cipalmente apoacutes constataccedilatildeo pelo Ministeacuterio da Sauacutede do desequiliacutebrio entre o nuacutemero de procedimentos referentes ao diagnoacutestico e a concessatildeo do aparelho de amplificaccedilatildeo sonora individual (AASI) em comparaccedilatildeo com a produccedilatildeo ambula-torial dos procedimentos de acompanhamento e reabilitaccedilatildeo auditiva como tambeacutem pelo empenho de profissionais da aacuterea da sauacutede (ARAUacuteJO 2011)

A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Auditiva implantada pela Portaria Ministerial GM nordm 2073 veio entatildeo com o objetivo de proporcionar uma superaccedilatildeo de dificuldades para questotildees inerentes a problemas auditivos com o objetivo maior de pro-teger recuperar a sauacutede e garantir a qualidade de vida e auto-nomia das pessoas com deficiecircncia auditiva (BRASIL 2004)

Em contrapartida alguns defendem a posiccedilatildeo de que a Libras eacute a liacutengua natural das comunidades surdas e que as liacuten-guas de sinais natildeo satildeo simplesmente miacutemicas e gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar a comunicaccedilatildeo Consti-tuem liacutenguas com estruturas gramaticais proacuteprias compostas pelos niacuteveis linguiacutesticos o fonoloacutegico o morfoloacutegico o sintaacuteti-co e o semacircntico A mesma utiliza-se de sinais em substituiccedilatildeo agrave liacutengua que todos conheccedilaqm em nas comunicaccedilotildees a liacutengua de sons ou oral (LIBRAS 2012)

Eacute necessaacuterio portanto que a famiacutelia esteja ciente e deci-dida sobre a escolha da liacutengua (sinais ou oral) que seja mais adequada para a crianccedila para que possa estar motivada e capaz de colaborar no seu desenvolvimento

Atualmente 143 unidades de serviccedilos de sauacutede auditiva estatildeo habilitadas em todo o Paiacutes para oferecer atendimento ao deficiente auditivo na atenccedilatildeo baacutesica meacutedia e na alta comple-xidade Os Estados do Amazonas Acre e Roraima poreacutem ain-

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da natildeo possuem tais serviccedilos De acordo com o levantamento da produccedilatildeo 2010 dos Serviccedilos de Sauacutede Auditiva habilitados (DATASUS) foram realizados cerca de um milhatildeo e duzentos mil procedimentos da aacuterea de sauacutede auditiva (CFFa 2011)

No Estado do Cearaacute estatildeo credenciadas oito unidades de serviccedilos de sauacutede auditiva Dentre estas cinco localizam-se no municiacutepio de Fortaleza uma em Juazeiro do Norte uma em Sobral e uma em Cascavel (USP 2012)

Para assegurar atenccedilatildeo integral os serviccedilos de sauacutede de-vem estar configurados em redes sustentadas por criteacuterios flu-xos e mecanismos de pactuaccedilatildeo de funcionamento O desenho loacutegico da rede prevecirc a hierarquizaccedilatildeo dos niacuteveis de comple-xidade viabilizando encaminhamentos resolutivos (dentre os vaacuterios equipamentos de sauacutede) A organizaccedilatildeo e o funciona-mento adequados dos sistemas de referecircncia e contrarreferecircn-cia satildeo portanto requisitos fundamentais para o alcance da integralidade (CFFa 2011)

Os serviccedilos de sauacutede auditiva no Brasil abrangem os qua-tro niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede e cada um com suas responsabi-lidades definidas pela Portaria de sauacutede auditiva e devemse articular mediante um sistema de regulaccedilatildeo organizado

Sabe-se hoje que a cirurgia de implante coclear eacute o que haacute de mais moderno no tratamento da surdez tanto de adultos como de crianccedilas surdas O implante coclear ou mais popular-mente conhecido como ouvido biocircnico eacute um aparelho eletrocirc-nico de alta complexidade tecnoloacutegica que nos uacuteltimos anos para restaurar a funccedilatildeo da audiccedilatildeo nos pacientes portadores de surdez profunda que natildeo se beneficiam do uso de proacuteteses auditivas convencionais (OUVIDO BIOcircNICO 2012)

Trata-se de um equipamento eletrocircnico computadori-zado que substitui totalmente o ouvido de pessoas que tecircm

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surdez total ou quase total Assim o implante eacute que estimula diretamente o nervo auditivo por meio de eletrodos situados dentro da coacuteclea e o nervo leva estes sinais para o ceacuterebro Eacute um aparelho muito sofisticado que foi uma das maiores con-quistas da Engenharia ligada agrave Medicina Jaacute existe haacute alguns anos e hoje cerca de 150000 pessoas no Mundo jaacute o estatildeo usando No Brasil cerca de 2000 pessoas jaacute utilizam este apa-relho(OUVIDOBIOcircNICO2012)

No Estado do Cearaacute foram realizadas cerca de 100 cirur-gias no Hospital Geral de Fortaleza uacutenico serviccedilo puacuteblico no Cearaacute cadastrado para tal procedimento

O implante coclear como alternativa de tratamento para crianccedilas deficientes auditivas preacute-linguiacutesticas apresenta inuacute-meras peculiaridades Natildeo se trata apenas de um procedimento ciruacutergico no qual a crianccedila pode ser conduzida exclusivamen-te por seu dispositivo eletrocircnico Constitui-se na verdade de um processo multifatorial que ocorre em trecircs fases distintas na avaliaccedilatildeo preacute-ciruacutergica no ato ciruacutergico e no acompanha-mento (MORET BEVILACQUA COSTA 2007)

Os usuaacuterios com deficiecircncia auditiva tecircm que cumprir al-guns criteacuterios primordiais definidos na Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede que regulamenta as condiccedilotildees de um candidato estar apto a receber um implante coclear Por isso poucos satildeo os que satildeo privilegiados e recebem pelo SUS toda a assistecircncia que envolve esse Programa (TEIXEIRA 2009) Para se chegar a esse niacutevel de alta complexidade o usuaacuterio deve ser referen-ciado pelos outros niacuteveis de atenccedilatildeo (Conselho Federal de Fo-noaudiologia 2011)

Para que esse novo modelo assistencial em sauacutede em que a atenccedilatildeo ao usuaacuterio eacute o foco eacute necessaacuterio uma mudanccedila no processo de trabalho Essa deveraacute ser fundamentada na pro-

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duccedilatildeo do cuidado na perspectiva da autonomia do sujeito norteada pelo Princiacutepio da Integralidade e requerendo como ferramentas a interdisciplinaridade a intersetorialidade o trabalho em equipe a humanizaccedilatildeo dos serviccedilos e a criaccedilatildeo de viacutenculos entre usuaacuterioprofissionalequipe de sauacutede (RODRI-GUES ARAUacuteJO 2003)

Franco e Mehry (2003) consideram entatildeo a integralidade como um potente dispositivo para desencadear processos de transformaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede permitindo um redire-cionamento do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Nesse acircmbito Assis Nascimento e Franco et al (2010) assinalam que o profissional de sauacutede teria que repensar as praacuteticas desenvolvidas em seu cotidiano e rever os valores e conhecimentos de todos os sujeitos envolvidos no processo de produccedilatildeo social da sauacutede para favorecer a elaboraccedilatildeo de uma consciecircncia sanitaacuteria Esses autores compreendem a respon-sabilizaccedilatildeo da equipe com o usuaacuterio para tornaacute-lo autocircnomo e acompanhar seu processo terapecircutico concebendo a pessoa como sujeito social capaz de traccedilar projetos proacuteprios de de-senvolvimento e ser coparticipante no cuidado a ele oferecido

Eacute preciso portanto compreender a produccedilatildeo do cuidado como cenaacuterio de relaccedilotildees como trabalho vivo em ato consu-mido no momento em que eacute produzido no qual encontros e desencontros satildeo visiacuteveis ou invisiacuteveis em meio ao poder entre sujeitos e territoacuterios (FRANCO MEHRY 2003)

Eacute preciso no entanto (des)constituir a praacutetica centrada no meacutedico e nos saberes pautados nos nuacutecleos especializados sendo necessaacuterio incorporar aos saberes ampliados agrave dimen-satildeo cuidadora de cada trabalhador de sauacutede a valorizaccedilatildeo do outro a preocupaccedilatildeo com o cuidado e o respeito com a visatildeo de mundo de cada um considerando o outro como cuacutemplice

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de estrateacutegias de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo cura e reabilitaccedilatildeo dos usuaacuterios

METODOLOGIA

Este eacute um ensaio de natureza qualitativa por ser pertinen-te agrave investigaccedilatildeo das dimensotildees subjetivas que envolvem as praacuteticas de sauacutede Nessa perspectiva a abordagem qualitativa vem ao encontro do objeto de estudo desta pesquisa uma vez que haacute uma preocupaccedilatildeo com o aprofundamento e abrangecircn-cia da compreensatildeo dos processos de trabalho que envolvem o cuidado e a assistecircncia aos usuaacuterios de um serviccedilo de sauacutede

O estudo foi realizado no Hospital Geral de Fortaleza que foi credenciado pelo Ministeacuterio da Sauacutede em 15092009 me-diante a Portaria MS nordm 4402009 para a realizaccedilatildeo de cirurgias de implante coclear O local do estudo foio Setor de Proacutetese Auditiva coordenado pelo Setor de Fonoaudiologia locali-zado no Ambulatoacuterio de Proacutetese Auditiva que divide com a Otorrinolaringologia o Ambulatoacuterio nuacutemero nove do 1ordm an-dar da Unidade Reacutegis Jucaacute

O Programa de Implante Coclear eacute composto de uma equipe compreendendo fonoaudioacutelogos responsaacuteveis pela avaliaccedilatildeo dos candidatos a cirurgia de implante coclear ate-lemetria de respostas neurais (procedimento realizado no ato ciruacutergico) ativaccedilatildeo do implante e mapeamentos de programa-ccedilatildeo perioacutedica e reabilitaccedilatildeo psicoacuteloga cirurgiotildees otorrinola-ringologistas e assistente social

Obedece a uma portaria do Ministeacuterio da Sauacutede que orienta quanto aos criteacuterios a serem cumpridos para escolha dos candidatos a receberem o dispositivo do implante coclear

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As pessoas pertencentes agrave pesquisa foram divididas em dois grupos 15 familiares das crianccedilas operadas pelo progra-ma e cinco profissionais de sauacutede atuantes no Programa de Implante Coclear do Hospital Geral de Fortaleza

As entrevistas foram realizadas apenas com o primeiro grupo aproveitando o momento em que a crianccedila estava em atendimento quando utilizou-se um roteiro de entrevista se-miestruturada aplicada com o objetivo de coletar informaccedilotildees relativas ao acesso da crianccedila ao serviccedilo de implante coclear e ao atendimento recebido As questotildees norteadoras orienta-ram o relato dos entrevistados e natildeo houve limitaccedilatildeo do tempo para a sua aplicaccedilatildeo

Foram entrevistados 17 componentes familiares respon-saacuteveis pelas crianccedilas (sendo 16 matildees e uma irmatilde) dentre as quais duas foram descartadas pois natildeo contribuiacuteram para o objetivo da pesquisa A realizaccedilatildeo da coleta das informaccedilotildees com os usuaacuterios foi realizada nos meses de agosto e setembro de 2013

As entrevistas realizadas com os participantes foram transcritas para melhor utilizaccedilatildeo A anaacutelise dos dados foi baseada nas regras da anaacutelise de conteuacutedo proposta por Flick (2009) que obedece aos seguintes passos siacutentese da anaacutelise de conteuacutedo por meio da omissatildeo de enunciados anaacutelise expli-cativa de conteuacutedo com o esclarecimento de trechos difusos ambiacuteguos ou contraditoacuterios por fim a anaacutelise estruturadora de conteuacutedo por meio da estruturaccedilatildeo no niacutevel formal relativo ao conteuacutedo

O material em anaacutelise eacute avaliado constrastivamente com as leituras reflexivas na tentativa de reduzir o material com base em nuacutecleos de sentidos que posteriormente satildeo agrupa-dos por semelhanccedilas Esta anaacutelise compreende criticamente o

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sentido manifesto ou oculto das comunicaccedilotildees o significado das mensagens com um olhar atento aos objetivos da pesquisa (MOZZATO GEZYBOVSKI 2011)

Apoacutes a transcriccedilatildeo das entrevistas realizou-se levanta-mento e organizaccedilatildeo do material coletado Observando os objetivos propostos pela pesquisa fez-se a primeira leitura do material empiacuterico abstraindo os nuacutecleos de sentido orienta-dos pelas temaacuteticas discutidas Nessa perspectiva buscou-se fazer os recortes de grupos de temas semelhantes reduzindo o material a categorias

Para o grupo dos profissionais de sauacutede foi realizada uma oficina como teacutecnica de coleta de dados agendada previa-mente Todos os participantes do setor de implante coclear do Hospital foram convidados pessoalmente a participar da ofici-na Neste momento foi explicado o objetivo da pesquisa e soli-citada a sua presenccedila no dia marcado Foi utilizado um roteiro com algumas questotildees norteadoras para iniciar o debate entre os profissionais o qual foi gravado mediante o consentimento deles com o intuito de facilitar a posterior anaacutelise dos dados

O grupo foi conduzido por duas moderadoras que ques-tionavam os profissionais a relatarem os fluxos de atendimen-to do serviccedilo seus protocolos de atendimento e as dificulda-des encontradas para sua realizaccedilatildeo Contou com o auxiacutelio de duas colaboradoras para o registro de imagens fotograacuteficas de viacutedeo e gravaccedilatildeo de aacuteudio a fim de auxiliar na coleta de infor-maccedilotildees importantes durante a realizaccedilatildeo da oficina e posterior exame dos indicadores

Durante a oficina foi elaborado com base na ferramenta proposta por Mehry e Franco (2003) o Fluxograma Analisa-dor que eacute um instrumento de autoanaacutelise e de autogestatildeo do processo de trabalho em sauacutede O uso dessa ferramenta se deu

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coletivamente no espaccedilo do serviccedilo mapeando o desenvolvi-mento dos processos no cotidiano tendo como foco central o usuaacuterio

O Fluxograma Analisador permite um olhar agudo sobre os fluxos no momento da produccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede e a detecccedilatildeo de seus problemas A interaccedilatildeo do grupo levou agrave compreensatildeo dos processos que envolvem sua atividade bem como sua implicaccedilatildeo com uma dada realidade o que lhe daacute a possibilidade de intervir para provocar processos de mudanccedila nos espaccedilos onde atua (FRANCO 2003)

Para a anaacutelise dos processos de trabalho foi considerado o Fluxograma Analisador proposto por Mehry elaborado pelos profissionais durante a oficina

A pesquisa foi submetida ao Comitecirc de Eacutetica em Pesqui-sa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) como entidade proponente e do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) como uni-dade coparticipante Foi aprovado de acordo com os respec-tivos pareceres nordm 274583 e nordm 301269 O iniacutecio da coleta de dados se deu apoacutes a sua aprovaccedilatildeo Foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e posteriormente assi-nado por todos os participantes de acordo com o que rege a Resoluccedilatildeo nordm 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Observou-se que todos os familiares entrevistados se dis-puseram muito bem a participar da pesquisa Ao primeiro contato com um dos pesquisadores aceitaram prontamente contribuir ou seja natildeo se houve recusa de nenhum familiar Quanto aos profissionais tambeacutem se pode dizer o mesmo Para a realizaccedilatildeo da oficina a fim de elaborar o Fluxograma

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Analisador os profissionais participaram com muita presteza e objetividade

Na anaacutelise das entrevistas com os membros familiares emergiram duas temaacuteticas e suas respectivas categorias Te-maacutetica - Caminho desde a descoberta da surdez ateacute o Serviccedilo de Implante Coclear e as categorias a Descoberta da surdez b Busca pelos serviccedilos de sauacutede e c Acesso ao serviccedilo de implante coclear do HGF A segunda temaacutetica beneficiou a Produccedilatildeo do Cuidado agrave crianccedila submetida agrave cirurgia de im-plante coclear com as categorias a O cuidado pela equipe de sauacutede fluxos de atendimento no serviccedilo de implante coclear b Cuidado pela famiacutelia participaccedilatildeo envolvimento e corres-ponsabilizaccedilatildeo e c Percepccedilotildees diante dos resultados do trata-mento- expectativas e realidade

Observou-se com essas entrevistas que a descoberta da surdez acontece na maioria dos casos em idade tardia muitas vezes por uma atenccedilatildeo baacutesica fragilizada que natildeo detecta essas dificuldades As matildees percebiam que seus filhos podiam ter al-guma dificuldade mas como a surdez se pronuncia como uma dificuldade silenciosa o diagnoacutestico se tornou mais difiacutecil

Costa (2000) reafirma que as suspeitas dos pais acerca de uma possiacutevel surdez natildeo ocorrem logo nos primeiros meses pois o desenvolvimento de uma crianccedila que nasce surda se processa normalmente tal como na crianccedila ouvinte Assim as suspeitas de surdez ficam adormecidas uma vez que as crian-ccedilas surdas como as ouvintes tecircm comportamentos adaptados agraves interaccedilotildees estabelecidas por elas com os adultos mais proacutexi-mos e deste modo soacute por volta de um ano de idade eacute que satildeo notadas as diferenccedilas e as dificuldades de comunicaccedilatildeo

Uma forma de detectar precocemente a surdez de uma crianccedila eacute a realizaccedilatildeo do ldquoTeste da orelhinhardquo ou Triagem

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Auditiva Neonatal nos primeiros dias de vida Apoacutes a sua realizaccedilatildeo eacute possiacutevel iniciar o diagnoacutestico e o tratamento das alteraccedilotildees auditivas precocemente O Conselho Federal de Fo-noaudiologia e outras entidades brasileiras recomendam que o exame seja realizado na maternidade antes da alta hospitalar

Apoacutes a descoberta precoce da surdez o profissional de sauacutede tem papel fundamental na orientaccedilatildeo familiar quanto a todas as possibilidades para essa crianccedila A decisatildeo da famiacutelia afetaraacute todo o seu futuro quanto agrave escolha de um tratamento mais adequado E uma das estrateacutegicas mais acertadas pelos profissionais eacute propiciar aos familiares todas as informaccedilotildees necessaacuterias quanto agrave surdez

Da anaacutelise geral de todas as entrevistas parece ressaltar um aspecto que domina e caracteriza o comportamento desses pais Eacute a preocupaccedilatildeo com a comunicaccedilatildeo como se comunicar com a crianccedila e como esta pode se comunicar com eles e os ou-tros Eacute o que motiva a procura por um atendimento especiali-zado para as suas necessidades O que percebeu-se poreacutem foi uma longa caminhada Alguns familiares peregrinam muitas vezes desorientados sem saber como procurar por esses ser-viccedilos e frequentemente ainda sem diagnoacutestico

Outra situaccedilatildeo que observa-se eacute quando a famiacutelia eacute desa-creditada na sua suspeita atrasando o diagnoacutestico e o iniacutecio do tratamento A insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao apoio dos profissio-nais meacutedicos para o diagnoacutestico eacute grande por estes natildeo acre-ditarem nas suspeitas dos pais afirmando que a crianccedila ouve Por outro lado tambeacutem se tem o caso de pais que natildeo acredi-tam no diagnoacutestico da surdez contrariando a opiniatildeo meacutedica Os pais entatildeo procuram outros profissionais que confirmem as suas esperanccedilas atrasando assim a intervenccedilatildeo precoce ne-cessaacuteria agrave crianccedila (RODRIGUES PIRES 2002)

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Algumas relataram que ao receberem a notiacutecia logo pro-curaram pelo tratamento de seus filhos poreacutem haacute dificuldades e demora ateacute chegar a um serviccedilo com maior resolubilidade considerando que se trata de serviccedilos que deveriam estar co-nectados para resolver os problemas de sauacutede Eacute visiacutevel a falta de cobertura da assistecircncia na rede baacutesica fazendo com que alguns usuaacuterios busquem de imediato o atendimento numa unidade especializada sem que houvesse um diaacutelogo dos pro-fissionais com as outras instacircncias do cuidado de modo a faci-litar a integraccedilatildeo dos serviccedilos

Nesta busca pelos serviccedilos de sauacutede os usuaacuterios procuram opccedilotildees para conseguir chegar ateacute o serviccedilo de que tanto neces-sitam Segundo os profissionais da equipe de implante coclear essa situaccedilatildeo acontece com frequecircncia Quando satildeo solicitados exames para avaliaccedilatildeo do paciente muitos familiares se utili-zam de planos de sauacutede para a sua realizaccedilatildeo com o intuito re-solver mais rapidamente Encontrou-se tambeacutem uma grande demanda de usuaacuterios que chegam ateacute o serviccedilo terciaacuterio por meio de uma procura espontacircnea

Contrapondo-se essa realidade tambeacutem teve relatos de usuaacuterios que natildeo conseguiram chegar facilmente ateacute os servi-ccedilos de sauacutede auditiva Um fator determinante dessa dificulda-de eacute a distacircncia entre os usuaacuterios e os serviccedilos especializados jaacute que estes se concentram nos grandes centros urbanos

A Rede de Sauacutede Puacuteblica precisa integrar os seus serviccedilos para facilitar os casos em que alguns pacientes tecircm que per-correr muitos quilocircmetros para fazer um tratamento A maio-ria dos municiacutepios oferece esse serviccedilo de transporte de seus usuaacuterios mas agraves vezes natildeo conseguem vaga na data marcada pela grande demanda de pacientes que dele se utilizam A dis-

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tacircncia entre esses serviccedilos especializados e os usuaacuterios com-promete seu atendimento

Eacute imprescindiacutevel que os serviccedilos de sauacutede estejam organi-zados em uma rede de atenccedilatildeo para referenciar seus usuaacuterios sendo observada a classificaccedilatildeo de risco a vulnerabilidade des-se usuaacuterio e a garantia da continuidade do cuidado

Observou-se que todos os usuaacuterios que chegam ateacute o ser-viccedilo de implante coclear relatam a indicaccedilatildeo ou encaminha-mento por um profissional ou ainda outra forma de acesso Natildeo se conseguiu ainda encontrar algum que tenha sido en-caminhado pela Central de Regulaccedilatildeo Isso denota que o aces-so regulado ao serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva no Cearaacute por um sistema informatizado ainda natildeo estaacute efetivamente funcionando

Na anaacutelise da oficina realizada com os profissionais de sauacutede foram descritos os fluxos de atendimentos do serviccedilo apresentando tambeacutem alguns ruiacutedos que interferem na con-tinuidade do cuidado a esses usuaacuterios Analisando o fluxo-grama formulado pelos profissionais pode-se verificar como o atendimento do serviccedilo de implante coclear do HGF ocorre

A elaboraccedilatildeo do Fluxograma Analisador funcionou como importante dispositivo para trazer um olhar sobre as relaccedilotildees entre os trabalhadores os usuaacuterios e o serviccedilo Com a com-preensatildeo dessas relaccedilotildees conclui-se que os profissionais de sauacutede satildeo responsaacuteveis pelos seus usuaacuterios e isso traz uma sig-nificacircncia muito grande no concernente agrave Produccedilatildeo do Cui-dado Tambeacutem ante as diversas entrevistas realizadas pocircde-se compreender de forma geral que os usuaacuterios percebem o acolhimento e consequentemente o cuidado aos seus filhos

Pocircde-se entender entatildeo que a integralidade pode ser al-canccedilada como os diversos dispositivos como o acesso ao ser-

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viccedilo de sauacutede o viacutenculo entre os profissionais e os usuaacuterios e a responsabilizaccedilatildeo e a resolubilidade no estabelecimento das linhas de cuidado em todos os serviccedilos da rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede E a articulaccedilatildeo nas relaccedilotildees entre profissionais de sauacutede e usuaacuterios pode ser vista como possibilidade de abertura para uma comunicaccedilatildeo permitindo melhor compreensatildeo dos seus problemas de sauacutede

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Os profissionais de sauacutede do estudo demonstraram pro-funda vinculaccedilatildeo com as famiacutelias e os usuaacuterios Estes se preo-cupam desde o acolhimento ateacute a continuidade do cuidado quando procuram organizar os retornos de acordo com as condiccedilotildees da famiacutelia As praacuteticas acolhedoras e os laccedilos afeti-vos entre os sujeitos possuem uma abordagem que privilegia a continuidade do cuidado e um viacutenculo com a responsabiliza-ccedilatildeo assegurando assim accedilotildees direcionadas para a resoluccedilatildeo dos seus problemas

As famiacutelias das crianccedilas submetidas agrave cirurgia de implante coclear satildeo participativas e envolvidas com o tratamento do filho Satildeo cientes de que eacute parte integrante do processo e que o desenvolvimento da linguagem eacute produto das relaccedilotildees inter-pessoais estabelecidas por esse envolvimento Procuram enca-rar as dificuldades buscando a compreensatildeo dos problemas com a criaccedilatildeo de viacutenculos com a equipe de sauacutede e a necessi-dade de readequaccedilatildeo de comportamentos perante a crianccedila

Essa confianccedila que os pais tecircm nos profissionais eacute fator decisivo para o sucesso do tratamento da crianccedila Outros fa-tores que contribuem para o sucesso do implante coclear satildeo a idade em que a crianccedila recebe o implante coclear o tempo

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de privaccedilatildeo sonora as caracteriacutesticas individuais da crianccedila o acompanhamento ciruacutergico rigoroso e o envolvimento da famiacutelia

Sendo assim o implante coclear por si natildeo garante o sucesso da habilitaccedilatildeo Depende aleacutem de todos os fatores in-triacutensecos agrave reabilitaccedilatildeo auditiva de uma famiacutelia que invista e acredite no seu desenvolvimento Famiacutelia e paciente precisam estar suficientemente motivados para usar o implante e se sub-meterem agraves adaptaccedilotildees que teratildeo que fazer no seu cotidiano

Os pais demonstraram ter muitas expectativas a respeito dos benefiacutecios que o implante coclear poderaacute propiciar na vida de seus filhos O benefiacutecio que mais esperam estaacute relacionado agrave melhoria da comunicaccedilatildeo jaacute que eacute nesse aspecto que os pais encontram dificuldade no conviacutevio com seus filhos Melhorar a comunicaccedilatildeo significa para a maioria deles que o filho possa ouvir e consequentemente falar

Quanto agraves questotildees relacionadas ao conhecimento e compreensatildeo das famiacutelias sobre o tratamento e todas as suas peculiaridades apreende-se que elas satildeo bem orientadas Sa-bem descrever com detalhes todas as fases do tratamento bem como as fases ainda a serem vivenciadas e a necessidade de uma reabilitaccedilatildeo fonoaudioloacutegica sistemaacutetica

Compreendem que o implante coclear pode trazer melhor qualidade de vida aos seus filhos e que iraacute facilitar algumas si-tuaccedilotildees como o estudo o trabalho a comunicaccedilatildeo e socializa-ccedilatildeo e principalmente a possibilidade de melhor se desenvol-verem e no futuro cuidarem da proacutepria vida

Ao depararem a possibilidade de realizar a cirurgia de im-plante coclear para solucionar a surdez de um filho os pais depositam essa expectativa de tal forma que veem o procedi-

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mento como um sonho realizado e essa expectativa pode ser alta e permeada por mitos e fantasias Alguns familiares acre-ditam que o implante coclear eacute a ldquocurardquo a uacutenica possibilidade de ouvir e falar Essa expectativa no entanto deve ser encara-da e desmistificada pela equipe multidisciplinar trazendo para a realidade a condiccedilatildeo de cada crianccedila

A expectativa pelo implante coclear pode produzir nas famiacutelias muitas duacutevidas medos e inseguranccedilas referentes agrave cirurgia considerando que envolve riscos e benefiacutecios Perce-beu-se entretanto que os familiares do estudo se acham segu-ros de sua decisatildeo e que fizeram a melhor escolha pelos seus filhos

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CAPIacuteTULO 4

OBTENccedilAtildeO DO CONSENTIMENTO INFOR-MADO E PERMANecircNCIA DO PACIENTE EM UMA PES-QUISA CLIacuteNICA CONTRIBUIccedilAtildeO DA RELAccedilAtildeO PROFISSIONAL PACIENTE

Edina Silva CostaAndrea Caprara

Amanda Pereira FerreiraCyntia Monteiro Vasconcelos Motta

Selma Antunes Nunes DinizJuliana Alencar Moreira Borges

INTRODUccedilAtildeO

O Consentimento Informado (CI) refere-se ao esclare-cimento do paciente eou responsaacutevel a respeito do procedi-mento ao que seraacute submetido A intenccedilatildeo eacute obter o seu con-sentimento de forma voluntaacuteria por meio da assinatura para a aceitaccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo ou participaccedilatildeo em uma pes-quisa especiacutefica Nesse caso o sujeito deve participar de todas as decisotildees e estaremcientes dos riscos benefiacutecios e possiacuteveis consequecircncias que possam ocorrer (VAZ e REIS 2007)

Busca-se com a utilizaccedilatildeo do CI a autonomia dos sujeitos e o resguardo dos princiacutepios de beneficecircncia e justiccedila propa-gados pela Bioeacutetica Esse documento procura haacute algum tempo estabelecer princiacutepios eacuteticos que devem ser seguidos em pes-quisas que envolvem seres humanos (PERES et al 2011)

Os fundamentos do CI encontram respaldo nos direitos individuais contidos de modo impliacutecito na Declaraccedilatildeo Uni-

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versal dos Direitos Humanos (1948) ao expressar que ldquoTodos tecircm direito agrave vida escolha e seguranccedila pessoalrdquo (Art 3deg) ldquoNin-gueacutem seraacute submetido agrave tortura puniccedilatildeo cruel desumana ou degradanterdquo (Art 5deg) (SABATOVSKI e FONTOURA 2009)

No Brasil o CI regulamenta-se pela Resoluccedilatildeo nordm 46612 baseada nos principais documentos internacionais resultantes dos coacutedigos declaraccedilotildees e diretrizes sobre pesquisas cientiacutefi-cas Tambeacutem estabelece exigecircncias eacuteticas para o desenvolvi-mento das pesquisas cientiacuteficas e exige que o esclarecimento dos sujeitos se faccedila em linguagem acessiacutevel ao seu niacutevel socio-cultural dos mesmos (BRASIL 2013)

A obtenccedilatildeo do CI no exerciacutecio das praacuteticas de sauacutede eacute proacutepria das uacuteltimas deacutecadas e caracteriza o aperfeiccediloamento da eacutetica nesse setor constituindo-se como um requerimento obrigatoacuterio na pesquisa que envolve seres humanos em espe-cial na investigaccedilatildeo cliacutenica Uma vez que estudos cliacutenicos re-querem um recrutamento significativo de participantes e satildeo desenvolvidos em sua maioria mediante procedimentos inva-sivos eacute necessaacuterio um cuidado mais detalhado no cumprimen-to dos princiacutepios eacuteticos da pesquisa durante todo o transcorrer do estudo (SILVA OLIVEIRA e MUCCIOLI 2005)

Esse tipo de estudo eacute desenvolvido em todo o Mundo e no Brasil registra crescimento constatado com a criaccedilatildeo da Rede Nacional de Pesquisa Cliacutenica (RNPC) em 2005 cujo objetivo eacute a consolidaccedilatildeo desse tipo de busca no Paiacutes e o incremento da produccedilatildeo cientiacutefica e tecnoloacutegica em todo o Territoacuterio Nacio-nal (BRASIL 2011)

Vale destacar o fato de que a crescente participaccedilatildeo do Brasil no cenaacuterio da pesquisa cliacutenica eacute descrita natildeo soacute em es-tudos cliacutenicos nacionais como tambeacutem em estudos multicecircn-tricos desenvolvidos sempre com base nos princiacutepios estabe-

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lecidos pelo Conselho Nacional de Sauacutede (THIERS SINSKEY e BERNDT 2008)

Esse crescimento traz o reconhecimento do Paiacutes como parceiro em pesquisas multicecircntricas Essa globalizaccedilatildeo dos estudos cliacutenicos no entanto ainda eacute predominante na induacutes-tria farmacecircutica multinacional que expande horizontes em busca de outros centros de pesquisa e ampliando sua capacida-de de recrutamento de pacientes (DAINESI e GOLDBAUM 2012) Esse crescimento natildeo ocorre na mesma proporccedilatildeo quando se trata de estudos cliacutenicos nacionais ou multicecircntri-cos na atenccedilatildeo primaacuteria uma vez que no Brasil essa praacutetica ainda eacute pouco realizada e ateacute mesmo a discussatildeo na literatura sobre o tema eacute escassa

Alguns pontos dificultam a realizaccedilatildeo de estudos cliacutenicos multicecircntricos na atenccedilatildeo primaacuteria e podem ser facilmente percebidos quando se observam a falta de estrutura das uni-dades de sauacutede a ausecircncia de profissionais habilitados a obri-gatoriedade do seguimento das condutas eacuteticas estabelecidas pelos protocolos de pesquisa e a necessidade de adaptaccedilatildeo de documentos eacuteticos como o CI para que possam ser desenvol-vidos estudos deste tipo no Brasil

Apesar das dificuldades enfrentadas no desenvolvimento de uma pesquisa cliacutenica na Atenccedilatildeo Primaacuteria natildeo se pode ne-gar sua importacircncia Nesse sentido o Manual sobre Eacutetica com Seres Humanos (2010) da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo expotildee que ldquopesquisas deste tipo podem produzir resultados re-levantes mas para isso devem sempre indicar como requisito fundamental para sua realizaccedilatildeo a o uso do CI o qual exprime que todo participante deve deixar claro a intenccedilatildeo de contri-buir com o estudo mediante assinatura desse documentordquo

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O Manual ressalta ainda que um dos fatores que muito contribui para o desenvolvimento satisfatoacuterio das pesquisas em sauacutede eacute a boa qualidade da relaccedilatildeo profissional paciente (RPP)

Diversos trabalhos apontam que um bom relacionamento com o profissional aumenta a satisfaccedilatildeo do paciente e a quali-dade do serviccedilo de sauacutede (CAPRARA e RODRIGUES 2004)

Tendo por base as consideraccedilotildees retroexpostas observa-se que ante contexto eacutetico da pesquisa com seres humanos o CI aparece sempre como um elemento essencial ao desenvol-vimento das pesquisas em sauacutede e a RPP como ferramenta de maacutexima importacircncia para sua obtenccedilatildeo Assim este es-tudo teve como objetivo verificar qual a influecircncia da RPP para obtenccedilatildeo do Consentimento Informado e permanecircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica desenvolvida na atenccedilatildeo primaacuteria

MeacuteTODOS

Este eacute um estudo de natureza qualitativa do tipo explo-ratoacuterio e descritivo desenvolvido mediante recorte de uma pesquisa multicecircntrica intitulada Consoacutercio Internacional de Pesquisa em Gestatildeo de Risco Avaliaccedilatildeo e Vigilacircncia em Den-gue (IDAMS) financiada pela Uniatildeo Europeia e envolvendo seis paiacuteses Vietnatilde Malaacutesia Indoneacutesia Camboja Alemanha e o Brasil (CearaacuteFortaleza) Que tinha como objetivo identificar o diagnoacutestico precoce e diferencial entre dengue claacutessica e gra-ve distinguindo-as de outras doenccedilas febris em ateacute 72h apoacutes o iniacutecio da febre no Serviccedilo de Atenccedilatildeo Primaacuteria

O experimento foi realizado na Unidade de Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (UAPS) Paracampos unidade de sauacutede

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localizada no bairro Mondubim da cidade de Fortaleza-CE e vinculada agrave Secretaacuteria Executiva Regional V da Prefeitu-ra Municipal Aescolha desta UAPS se deu pelo fato de seus profissionais meacutedicos e enfermeiros terem participado de um treinamento em boas praacuteticas cliacutenicas o que os tornou aptos a colaborarem no atendimento aos pacientes do IDAMS

A coleta dos dados ocorreu nos meses de marccedilo e junho de 2013 por meio de observaccedilotildees participantes diaacuterios de campo e entrevistas A populaccedilatildeo foi composta pelos profis-sionais e pacientes cadastrados no IDAMS o que permitiu a composiccedilatildeo de uma amostra de 15 pacientes e dois profissio-nais constituindo 17 colaboradores

Para anaacutelise dos dados foi utilizada como ferramenta de organizaccedilatildeo o software Qualitative Solutions Research Nvivo (QSR) versatildeo 20 que corresponde a um software desenvolvi-do para realizar a organizaccedilatildeo e codificaccedilatildeo de dados qualitati-vos Desenvolvida pela Universidade de La Trobe Melbourne Austraacutelia este programa ajuda na administraccedilatildeo e siacutentese das ideias dos pesquisadores e fornece a possibilidade de acrescen-tar modificar ligar e cruzar dados originados de documentos textuais (FERREIRA e MACHADO 1999)

Apoacutes realizada a codificaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo dos dados pelo software QSR Nvivo foi efetuada a anaacutelise temaacutetica dos temas provindos dessa organizaccedilatildeo jaacute que essa teacutecnica eacute consi-derada apropriada para as investigaccedilotildees qualitativas em sauacutede (MINAYO 2010)

Foram levadas em consideraccedilatildeo as exigecircncias contidas na Resoluccedilatildeo nordm 46612 que atualmente regulamenta os as-pectos eacutetico-legais da pesquisa com seres humanos Aos par-ticipantes foram asseguradas a autonomia natildeo maleficecircncia beneficecircncia anonimato privacidade e o direito agrave desistecircncia

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em qualquer etapa da pesquisa Foi solicitada aos participan-tes a assinatura do Termo de Consentimento Informado apoacutes os devidos esclarecimentos sobre esse documento (BRASIL 2007)

ACHADOS E DISCUSSOtildeES

Neste seguimento estatildeo os achados obtidos nas entrevis-tas e observaccedilotildees bem como se promove uma discussatildeo ba-seada nas reflexotildees procedidas Buscou-se compreender por meio das falas e observaccedilotildees de que forma a RPP contribuiu para a assinatura e a permanecircncia do participante em um de-terminado estudo cliacutenico

Na sequecircncia satildeo indicadas as categorias constituiacutedas apoacutes submissatildeo do material coletado no campo de estudo agraves etapas da anaacutelise do software N-VIVO tendo por base os ob-jetivos delineados Satildeo elas PROCURA POR ASSISTEcircNCIA e ACOLHIMENTO E SATISFACcedilAtildeO DO USUAacuteRIO

Procura por Assistecircncia

O foco desta discussatildeo nesse momento se volta breve-mente para a dengue por ser essa a doenccedila acompanhada pelo IDAMS e por ser essa a enfermidade responsaacutevel pela procura de assistecircncia na referida unidade de estudo

A Atenccedilatildeo Primaacuteria oferece um atendimento que utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade para resolver os problemas de sauacutede de maior frequecircncia e de rele-vacircncia em seu territoacuterio A intensidade e o modo de utilizaccedilatildeo desse niacutevel de atenccedilatildeo no entanto estatildeo relacionados agrave capaci-dade de a pessoa se avaliar em seu estado de sauacutede assim como

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suas expectativas e necessidades de sauacutede O relativo grau de autonomia que possui tambeacutem colabora com esta determina-ccedilatildeo (GOLDBAUM GIANINI NOVAES e CEacuteSAR 2005)

A disparidade entre os princiacutepios do SUS e a realidade vi-venciada pelos usuaacuterios da Atenccedilatildeo Primaacuteria favorece a busca pelos serviccedilos de sauacutede apenas quando eacute realmente necessaacuterio

Assim notou-se que a procura pelo serviccedilo de sauacutede mui-tas vezes ocorre pela necessidade real de atendimento a qual pode ser percebida pela presenccedila de sinais e sintomas seja de dengue de qualquer outra doenccedila ou de uma alteraccedilatildeo que requeira cuidados Isto acarreta em uma maior predisposiccedilatildeo do paciente a aceitar o tratamento que for sugerido pelo pro-fissional mesmo que terapia esteja vinculada a estudos cien-tiacuteficos como o que ocorreu com os participantes do IDAMS ao relatarem que inicialmente aceitaram participar do estudo cliacutenico por meio da assinatura do CI em razatildeo da presenccedila dos sintomas de dengue e da promessa da garantia de receber as-sistecircncia conforme o relato apresentado

[] Assinei [o consentimento] porque eu tava tatildeo mal mesmo e eu queria era ser aten-dida eu estava ruim queria ser atendida por-que eu natildeo consegui nem andar direito era febre e vocircmito direto aiacute eu assinei o [consen-timento][] (ANA)

[] Assinei [o consentimento] por que eu tava doente neacute e a [profissional] disse que eu ia fazer os exames pra saber se era den-gue e se fosse fazia o tratamento aqui no posto aiacute assinei [consentimento] porque eu tava doente e queria saber realmente o que era que eu tinha Eacute ruim demais essa doenccedila tava de cama pra se levantar era um sacrifiacutecio [] (JOANA)

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Foi possiacutevel perceber que essa necessidade e busca por cuidado estavam presentes nos pacientes que aceitaram par-ticipar do IDAMS Deixaram claro em suas falas que a adesatildeo agrave pesquisa se deu porque estavam agrave procura de solucionar as necessidades de sauacutede jaacute que a pesquisa oferecia essa possibi-lidade de forma integral diaacuteria e sem a necessidade de per-correr grandes distacircncias para chegar ao serviccedilo por isso eles decidiam assinar o documento CI como se pode identificar

[] Eu assinei [o consentimento] justamen-te por estar doente por que eacute uma garantia de ser atendida aqui perto de casa [] (ANA PAULA)

[] Porque eu achei interessante ia fazer os exames tudo aqui mesmo no posto por-que se eu tivesse com a dengue mesmo ia ser acompanhada aqui mesmo neacute [] (JOSEFA)

A realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas na Atenccedilatildeo Primaacute-ria eacute uma praacutetica bem comum entretanto quando se fala em pesquisa cliacutenica essa praacutetica deixa de ser tatildeo comum e passa a ser um desafio jaacute que a pesquisa cliacutenica ainda eacute objeto de preconceito principalmente em paiacuteses perifeacutericos A origem deste preconceito eacute justificada pelo histoacuterico de certos estudos cientiacuteficos altamente condenaacuteveis do ponto de vista eacutetico (LA-CATIVA et al 2008)

Por diversas razotildees - como falta de estrutura de incen-tivo financeiro e ateacute de profissionais qualificados - natildeo eacute tatildeo comum a realizaccedilatildeo de estudos cliacutenicos na atenccedilatildeo primaacuteria Quando essa praacutetica ocorre um dos motivos se natildeo o principal deles que levam os pacientes a aderir ao estudo no momento que chegam ao serviccedilo em busca de atendimento eacute sem duacutevi-das a busca pela cura

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[] Eu assinei [o consentimento] porque eu queria ficar boa porque queria fazer o tra-tamento Eacute muito ruim vocecirc taacute doente sem poder fazer nada Eu fui bem atendida mas mesmo que natildeo tivesse sido eu tinha assina-do por que eu queria era ficar boa [] (MAR-TA)

[] Todo mundo do posto foi muito legal comigo mas primeiramente minha sauacutede neacute eu tava preocupada comigo neacute queria ficar boa aiacute assinei o [consentimento] [] (MARIA)

A anaacutelise dos dados junto aos participantes do IDAMS revelou a busca e a necessidade de cuidados como fatores pri-mordiais para a adesatildeo ao estudo o que pode ser facilmen-te identificado nas falas dos entrevistados Corroborando os resultados encontrados e referidos pelos participantes apre-senta-se os achados provenientes do discurso dos profissio-nais envolvidos responsaacuteveis pela implantaccedilatildeo e conduccedilatildeo do IDAMS em uma unidade da Atenccedilatildeo Primaacuteria

[] O paciente assina o [consentimento] porque ele ta num momento que ele quer atenccedilatildeo ele quer cuidado entatildeo assim de qualquer forma vocecirc explica esclarece a pes-quisa mais eu tenho duacutevida se ele compreen-de realmente a importacircncia da pesquisa [] ele quer participar dessa pesquisa por que ele vai ter o cuidado vai ter atenccedilatildeo durante o estar na pesquisa [] (JOAQUINA)

[] A gente explica que ele vai ter um acom-panhamento tanto faz ele ta na pesquisa quanto natildeo A gente explica que eacute uma pes-quisa muito importante pra sauacutede [] Que

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eacute uma coisa que vai beneficiar o ser humano [] Mas na verdade o que leva ele a assinar eacute por que ele acha que tem uma garantia de assistecircncia que vai ser atendido diariamente [] (PAULA)

Os profissionais expuseram suas concepccedilotildees sobre adesatildeo ao IDAMS em suas falas as quais convergem para a formaccedilatildeo de uma demanda participativa que possui necessidade expliacuteci-ta e expressa de sauacutede Na visatildeo e experiecircncia dos profissionais o paciente acredita que esta necessidade pode ser garantida eou sanada pela participaccedilatildeo no estudo Assim a obtenccedilatildeo do consentimento informado envolve fatores diretamente rela-cionados agraves condiccedilotildees de sauacutede e doenccedila das pessoas agrave busca pelo cuidado ao acesso a exames consultas e acompanhamen-to profissional

Eacute inegaacutevel que as necessidades de assistecircncia e a busca por atendimento profissional implicam a procura pelo serviccedilo de sauacutede e como a garantia de acesso a tal assistecircncia influencia de forma significativa a participaccedilatildeo das pessoas em um deter-minado estudo cliacutenico Esta afirmaccedilatildeo pode ser visualizada nas falas dos participantes e profissionais do IDAMS aqui repro-duzidas conforme mencionado anteriormente ficando claro que a adesatildeo ao estudo pode ser percebida pelos pacientes e pelos profissionais como a garantia de resoluccedilatildeo dos proble-mas de sauacutede

Acolhimento e Satisfaccedilatildeo do Usuaacuterio

Existem vaacuterias definiccedilotildees de acolhimento o que revela os muacuteltiplos sentidos e significados atribuiacutedos a esse termo No setor sauacutede pode-se dizer que o acolhimento eacute uma praacutetica presente em todas as relaccedilotildees de cuidado nos encontros en-

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tre trabalhadores de sauacutede e usuaacuterios nos atos de receber e escutar as pessoas podendo acontecer de formas variadas na praacutetica constitutiva das relaccedilotildees de cuidado (BRASIL 2011)

O acolhimento na Atenccedilatildeo Primaacuteria deve conduzir os processos de trabalho em sauacutede de forma a atender a todos os que procuram o serviccedilo mediante a escuta de seus pedidos e de uma atitude acolhedora com capacidade de natildeo apenas escutar mas tambeacutem de dar respostas adequadas aos usuaacuterios

Nesse funcionamento o acolhimento deixa de ser accedilatildeo contingente na produccedilatildeo da sauacutede e se multiplica em inuacuteme-ras outras accedilotildees contando para isso com o apoio de uma RPP adequada para que se estabeleccedila um viacutenculo entre paciente e profissional (BRASIL 2006)

O estabelecimento dessa boa relaccedilatildeo permite que se esta-beleccedila um viacutenculo entre os envolvidos ampliando a eficaacutecia das accedilotildees de sauacutede e favorecendo a participaccedilatildeo do usuaacuterio durante a prestaccedilatildeo do serviccedilo (SCHIMITH e LIMA 2004)

Vale lembrar que o efeito terapecircutico produzido por uma boa relaccedilatildeo profissional-paciente eacute reconhecido haacute bastante tempo e que quando bem estabelecida essa relaccedilatildeo passa a ter uma importacircncia fundamental para a adesatildeo agraves propostas terapecircuticas e para o sucesso das intervenccedilotildees contribuindo para as diversas formas de cuidado agrave sauacutede inclusive nas ques-totildees cientiacuteficas como as pesquisas cliacutenicas (SUCUPIRA 2007)

Se no primeiro momento a RPP natildeo se mostrou rele-vante na adesatildeo ao estudo IDAMS ao tratar da permanecircncia do paciente no estudo a boa qualidade da RPP se manifestou com o elemento fundante e indispensaacutevel contribuindo indis-cutivelmente para a conduccedilatildeo do IDAMS inclusive para que muitos dos participantes permanecessem ateacute o final Eacute possiacutevel

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identificar nas falas Fato de que a qualidade RPP surge como fator influenciador na permanecircncia do paciente no estudo cliacute-nico

[] Eu cheguei no posto me acabando de fe-bre e dor em todo canto tudo que eu queria era ficar boa aiacute eu assinei [o consentimento] soacute que eu fui muito bem atendida pelos [pro-fissionais da pesquisa] perguntavam o que que eu tinha o que tava sentindo me explica-vam tudo conversavam comigo ligavam pra saber como eu tava fui muito bem tratada E quem eacute que natildeo gosta de ser bem tratada Se eu tivesse sido mal tratada mal atendida eu natildeo tinha voltado natildeo eu tinha procurado outro canto ou entatildeo tinha passado os dias em casa Com certeza eu ter sido bem trata-da bem cuidada influenciou eu ter ficado na pesquisa ateacute o fim [] e foi por que eu levei um monte de furada Se fosse pra participar de outra pesquisa nesse posto eu fazia tudo de novo [] (MARIA)

Com base no acompanhamento do processo de desenvol-vimento do IDAMS foi possiacutevel identificar por via das ob-servaccedilotildees e das entrevistas a real influecircncia da RPP na cola-boraccedilatildeo dos pacientes nos mais variados tipos de tratamento mesmo que este seja oferecido por meio de uma pesquisa cien-tiacutefica que esteja agrave procura de uma forma para diagnoacutestico e tra-tamento de uma doenccedila a caso do estudo IDAMS a dengue

[] Desde o primeiro dia que eu cheguei aqui no posto me atenderam muito bem Quando eu cheguei aqui correram tudo pra cima de mim conversaram comigo me ex-plicaram da pesquisa perguntaram o que eu tava sentindo fiz os exame tudim colo-

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caram soro ficaram me acompanhando de vez em quando ia laacute na sala perguntar se eu tava melhor se a dor de cabeccedila tinha passado todo tempo foram umas pessoas muito legais comigo Eu achei um atendimento excelen-te aiacute pronto por causa disso eu fiquei vindo todo dia ateacute o fim melhor de que ir pra outro canto que natildeo sabia como ia ser atendida neacute Quando elas conversavam comigo eu achava oacutetimo mostrava compromisso querendo sa-ber se eu fiquei boa como eacute que tava como num estava Achei excelente o jeito que [as profissionais] me trataram se fosse hoje eu participava de novo [] (JOANA)

A importacircncia de um viacutenculo e da comunicaccedilatildeo pode ser percebida num relato em que a paciente expotildee a importacircncia destes em seu sentido mais humanizado e completo ao ponto de levar agrave priorizaccedilatildeo de um serviccedilo de sauacutede a outro

[] Eu assinei [o consentimento] porque eu tava muito doente e queria ficar boa mais eu gostei de como me trataram de como con-versaram comigo explicaram [a pesquisa] bem direitinho tiveram cuidado comigo aiacute eu fiquei vindo ate o final ateacute depois de fi-car boa [] se eu tivesse sido mal atendida eu tinha procurado outro canto neacute mesmo eu tendo assinado [o consentimento] mesmo eu estando com febre e com dor eu natildeo tinha mais vindo ruim por ruim fico em casa [] tinha feito como fiz laacute no hospital num fui mais nem laacute por que nem olharam pra mi-nha cara direito me jogaram numa sala com um monte de gente vocecirc natildeo sabe nem o que aquelas pessoas tem aliaacutes num eacute nem uma sala eacute um corredor com um monte de pa-

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ciente gente de todo jeito [] aiacute eu disse vou mim boraacute que aqui eu vou ficar eacute pior [] aiacute fui pra casa depois vim pro posto aqui fiquei na observaccedilatildeo tomei soro os [profissionais] de vez em quando ia laacute saber como era que eu tava conversar comigo aiacute fiz os exames to-mei remeacutedio e fui melhorando chegava aqui jaacute conhecia todo mundo [] (ANTOcircNIA)

De acordo com Possama e Dacoreggio (2008) a comuni-caccedilatildeo eacute um dos pilares da RPP e um instrumento essencial no trabalho do profissional e na promoccedilatildeo da sauacutede Com efeito o diaacutelogo facilita o estabelecimento das relaccedilotildees entre ambos e desde o momento em que o paciente se acha respeitado e toma consciecircncia de sua importacircncia como agente da proacutepria sauacutede ele passa natildeo soacute a cuidar melhor de si como tambeacutem a con-tribuir com as accedilotildees desenvolvidas na unidade de sauacutede Isso tem efeito positivo e direto sobre a sua sauacutede a sauacutede de toda a sociedade e a produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico como ex-potildeem os autores Percebeu-se com base no uacuteltimo depoimen-to acima que a qualidade da RPP ajuda a definir a trajetoacuteria a permanecircncia e os fluxos do paciente entre os serviccedilos de sauacutede

Costa e Azevedo (2010) ensinam que as interaccedilotildees dos pacientes com o profissional natildeo estatildeo relacionadas apenas agrave satisfaccedilatildeo durante uma visita que por si jaacute eacute complexa mas tambeacutem com a colaboraccedilatildeo ao tratamento

Essa colaboraccedilatildeo tambeacutem se evidenciou nas entrevistas com os profissionais atuantes no IDAMS jaacute que a percepccedilatildeo destes no que diz respeito agrave adesatildeo e a permanecircncia no estu-do colaboram com a percepccedilatildeo dos pacientes ficando claro que os profissionais tambeacutem natildeo associam a RPP agrave adesatildeo ao estudo mas quando se refere agrave permanecircncia as falas dos pro-fissionais expotildeem de forma evidente essa influecircncia

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[] essa boa relaccedilatildeo eu acho que natildeo influen-cia na assinatura do Consentimento Infor-mado entatildeo eu acho que o assinar o aderir ao estudo natildeo influencia natildeo Agora pra per-manecer na pesquisa influencia eu acho que quando vocecirc tem uma boa relaccedilatildeo quando cria um vinculo com paciente influencia de-mais os que permaneceram mesmo sem ser da minha equipe criou-se um vinculo por causa da pesquisa por que a gente fica ven-do conversa Eles ficam surpresos por que no dia a dia natildeo eacute esse a metodologia do pro-cesso de trabalho natildeo eacute esse de conversas se importar entatildeo cria viacutenculo e influencia sim na permanecircncia na pesquisa [] (PAULA)

Eacute possiacutevel perceber a importacircncia do investimento na RPP bem como o quanto um simples diaacutelogo desde que acompanhado pela atenccedilatildeo pode ser valorizado pelos que es-tatildeo doentes Esta reflexatildeo deve acompanhar o profissional sob a forma de um respeito maior por aqueles que seratildeo tratadosacompanhados

O estabelecimento de um viacutenculo e de uma empatia entre paciente e profissional eacute por demais importante por permitir que o primeiro fique mais seguro e disposto a colaborar Costa e Azevedo (2010) explicaram que a familiaridade a confianccedila e a colaboraccedilatildeo que surgem graccedilas a uma boa RPP tecircm im-portacircncia fundamental para a efetividade dos processos diag-noacutesticos terapecircuticos e cientiacuteficos indispensaacuteveis ao resultado da arte de cuidar

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Eacute inegaacutevel a importacircncia das pesquisas cliacutenicas para o avanccedilo da Ciecircncia pois diversas doenccedilas e agravos foram e

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podem vir a ser diagnosticados controlados e ateacute curados gra-ccedilas a elas Eacute certo que esse tipo de estudo em virtude da sua evoluccedilatildeo histoacuterica necessita de um seguimento eacutetico rigoroso desde a sua composiccedilatildeo ateacute a publicaccedilatildeo dos resultados

As pesquisas cliacutenicas costumam em sua maioria indepen-dentemente do niacutevel de atenccedilatildeo em que sejam realizadas ser demoradas requerendo um acompanhamento do participan-te Nesse sentido a adesatildeo e permanecircncia no IDAMS foram observadas sob a oacuteptica da influecircncia da relaccedilatildeo profissional-paciente que se mostrou a princiacutepio sem grande relevacircncia

Durante as entrevistas profissionais e participantes reite-raram a ideia de que a adesatildeo ao IDAMS natildeo estava relacio-nada agrave presenccedila de um viacutenculo e sim com a busca de cuidados especializados Ao tratar da permanecircncia no estudo ficou cla-ra a existecircncia significativa da valorizaccedilatildeo da RPP nessa cola-boraccedilatildeo no transcorrer do IDAMS em especial das mulheres

Assim a RPP deve ser cada vez mais estimulada tendo sido possiacutevel perceber a relevacircncia do viacutenculo estabelecido entre profissional e paciente se a princiacutepio natildeo existia uma valorizaccedilatildeo desse viacutenculo com o transcorrer do IDAMS essa valorizaccedilatildeo foi surgindo e se fortalecendo contribuindo para o desenvolvimento do estudo cliacutenico

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PARTE 2

DENGUE PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL PRAacuteTICAS E SUAS

INTERFACES

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CAPIacuteTULO 5

IMPLANTAccedilAtildeO DA ECOSSAUacuteDE NO CON-TROLE DA DENGUE IMPLICAccedilOtildeES DA PAR-TICIPAccedilAtildeO SOCIAL

Joana Mary Soares NobreAndrea Caprara

Ana Carolina Rocha PeixotoIlvana Lima Verde Gomes

Rosilea Alves de Souza

INTRODUccedilAtildeO

Em tempos remotos jaacute se pensava na relaccedilatildeo sauacutede-ambiente e seus desdobramentos na deter-minaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das doenccedilas (GOUVEIA 1999) A situaccedilatildeo de desequiliacutebrio ambiental favorece a vulnerabili-dade individual e local tornando-se cada vez mais suscetiacutevel aos desastres naturais e ao surgimento de pragas ou epidemias (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009) Enquanto natildeo houver a compreensatildeo das relaccedilotildees modo de produccedilatildeo-consumo e ambiente-sauacutede fica difiacutecil o equiliacutebrio entre a atividade econocircmica e a preservaccedilatildeo ambiental como tambeacutem o desenvolvimento sustentaacutevel e qualidade de vida no Planeta (RIGOTTO 2002 RIOS DERANI 2005 SIQUEIRA MORAES 2009)

A Organizaccedilatildeo Panamericana de Sauacutede (2009) trouxe agrave tona as complexas relaccedilotildees causais entre mudanccedilas ambien-tais e sauacutede humana geradas pela degradaccedilatildeo dos ecossiste-mas que constituem os serviccedilos de suporte para as diversas formas de vida incluindo a espeacutecie humana (CORVALAN

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HALES MICHAEL 2005 FORANTINI 1992 ORGANIZA-CcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009) Estas repercus-sotildees advindas dos desgastes da interaccedilatildeo sauacutede-ambiente satildeo beneficiadas pela condiccedilatildeo socioeconocircmica desfavoraacutevel que impulsiona a pobreza e as iniquidades socioambientais po-dendo suscitar implicaccedilotildees indesejaacuteveis para a qualidade de vida humana

Reflexo das grandes transformaccedilotildees promovidas pela expansatildeo mundial da civilizaccedilatildeo urbano industrial o esgota-mento dos recursos naturais natildeo ocorre isoladamente pois o homem tambeacutem sofre as consequecircncias maleacuteficas dos maus tratos dos ecossistemas caracteriacutesticas do modelo de desenvol-vimento vigente (PAacuteDUA 2002) Na contramatildeo do panorama vigente procura-se o equiliacutebrio entre a atividade econocircmica e a preservaccedilatildeo ambiental fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel com uma perspectiva de igualdade entre as diver-sas geraccedilotildees (RIOS E DERANI 2005)

Na ocupaccedilatildeo das cidades modernas dos paiacuteses em desen-volvimento como o Brasil as condiccedilotildees ambientais e o com-portamento humano satildeo favoraacuteveis agrave ocorrecircncia de muitas doenccedilas e lesotildees inclusive a dengue o que justifica a necessi-dade de estudar e intervir sobre novos problemas bem como abordar os antigos problemas em uma perspectiva integrado-ra nas praacuteticas da Sauacutede Puacuteblica (BARCELLOS 2006 COS-TA TEIXEIRA 1999)

Desta forma o panorama brasileiro configura-se vulne-raacutevel aos fatores condicionantes para a proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti vetor transmissor da dengue ante o clima tropical metroacutepoles com densidade populacional elevada dificuldades dos sistemas de sauacutede desigualdades sociais saneamento baacutesi-co ineficiente violecircncia conduta do ser humano elevada pro-

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duccedilatildeo de lixo e materiais descartaacuteveis meios por demais adep-tos ao ciclo bioloacutegico viacuterus-vetor-homem Assim o controle vetorial eacute a uacutenica opccedilatildeo para proteger o homem (LOPEZ et al 2012 MINAYO et al 2000 SERPA et al 2010 TEIXEIRA et al 2009 COSTA TEIXEIRA 1999)

Componente do cenaacuterio nacional de epidemias de den-gue o Estado do Cearaacute no periacuteodo de 1987 a 2012 registrou seis epidemias da doenccedila Nos trecircs uacuteltimos surtos de dengue estaduais pelo menos 167 (90) municiacutepios tiveram trans-missatildeo da doenccedila (SESA 2013) Sua capital Fortaleza que possui a maior densidade demograacutefica do Paiacutes clima tropical condiccedilotildees socioambientais favoraacuteveis agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti acompanha as condiccedilotildees de epidemia no Estado que no periacuteodo de 2007 a 2012 expressou uma distribuiccedilatildeo de sur-tos epidecircmicos predominantes em relaccedilatildeo aos registros esta-duais com um percentil de 63 das confirmaccedilotildees de dengue (SESA 2012)

Nesta conjuntura os enfoques ecossistecircmicos em sauacutede oferecem proeminecircncia nos paiacuteses da Ameacuterica Latina consti-tuindo um potencial para os modos de compreensatildeo e busca de soluccedilotildees na Sauacutede Puacuteblica e por conseguinte exigindo uma anaacutelise criacutetica de suas limitaccedilotildees (OPAS 2009)

Para Gomes e Minayo (2006) o enfoque ecossistecircmico da sauacutede humana busca a vinculaccedilatildeo interdisciplinar da sauacutede e do ambiente por meio do desenvolvimento cientiacutefico e tecno-loacutegico estabelecido e efetivado conjuntamente com gestores puacuteblicos privados a sociedade civil e as populaccedilotildees locais com vistas a seis princiacutepios pensamento sistecircmico transdis-ciplinaridade participaccedilatildeo social equidade social e de gecircnero sustentabilidade e conhecimento para atuar O enfoque ecos-sistecircmico eacute trazido ainda por Minayo e Miranda (2002) Lebel

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(2005) como tentativa desafiadora de promover uma mudan-ccedila do paradigma antropocecircntrico e de dominaccedilatildeo de acordo com a ocupaccedilatildeo dos grandes centros

Gomes e Minayo (2006) descreveram entre as vantagens da abordagem integrada principalmente no Canadaacute o envol-vimento dos diversos agentes sociais com a participaccedilatildeo social

Mediante a complexidade dos problemas de Sauacutede Puacutebli-ca a participaccedilatildeo tornou-se um processo inclusivo de varia-dos agentes em prol de direitos e funccedilotildees de bens e serviccedilos na s ociedade e na tarefa de promover a sauacutede da populaccedilatildeo sem questionar a participaccedilatildeo como condiccedilatildeo de conquista e garantia de direitos como sauacutede alimentaccedilatildeo transporte mo-radia educaccedilatildeo e trabalho (OLIVEIRA 2009 STRECK 2010) Houve inclusive a valorizaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos cidadatildeos como o melhor modo de tratar das questotildees do meio ambiente (THOMASI 2011)

Em tese as formas de participaccedilatildeo social podem es-tar relacionadas tanto agrave histoacuteria como ao regime de governo (DONADONE GRUN 2001) No Brasil despontaram com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 fruto de uma articula-ccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas e sociais que possibilitou a inovaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico (ESCOREL MOREIRA 2009) Desde entatildeo a participaccedilatildeo da comunidade passou a ser um dos requisitos fundamentais (DANTAS et al 2009) Essa participaccedilatildeo ora exprime potencialidade ora limitaccedilatildeo pois as accedilotildees de sauacutede nem sempre estatildeo situadas de forma ordenada e continuam do ponto de vista operativo poliacutetico ou institucional (ORGANI-ZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 1991)

Dentre alguns desafios metodoloacutegicos fundamentais no relacionado agrave participaccedilatildeo social Minayo (2010 p141) consi-derou que ldquoo conceito de participaccedilatildeo eacute muito mais amplo que

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o da participaccedilatildeo comunitaacuteria incluindo nas reflexotildees e accedilotildees gestores puacuteblicos poliacuteticos e cidadatildeosrdquo

Conceitualmente a participaccedilatildeo popular eacute apontada como indispensaacutevel na condiccedilatildeo de controle de endemias especial-mente no caso da dengue cujo principal vetor estaacute associado intimamente aos modos de vida e moradia nas aacutereas urbanas logo o enfrentamento dessas enfermidades natildeo apenas admite mas requer o envolvimento comunitaacuterio (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 1991) No acircmbito familiar ela possui funccedilatildeo instrumental e pedagoacutegica pois proporcio-na a formaccedilatildeo de haacutebitos participativos e se acredita que os tornem habilitados a reproduzir em outras relaccedilotildees sociais uma praacutetica de valorizaccedilatildeo do puacuteblico e do coletivo (ESCO-REL MOREIRA 2009) Putnam (1996) entende o capital so-cial como um elemento-chave para o desenvolvimento social e econocircmico poreacutem defende a ideia de que a participaccedilatildeo natildeo deve ser naturalizada como algo positivo em si mesmo tam-pouco desvinculado das relaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteti-cas

Dada a importacircncia do assunto realizou-se a pesquisa com o objetivo de analisar a participaccedilatildeo social na implanta-ccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico em sauacutede humana- ecossauacutede no controle da dengue

METODOLOGIA

Este constituiu um ensaio de natureza qualitativa no acircm-bito de um marco conceitual mais amplo caracterizado por Pesquisa Multicecircntrica 2 financiada por UNICEFIDRC amp UNDPWorld BankWHO Special Programme for Research 2 PesquisamulticecircntricaldquoEco-Bio-SocialsobreDengueeDoenccediladeChagasnaAmeacute-

ricaLatinaenoCaribe

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amp Training in Tropical Diseases (TDR) Realizou-se em cin-co bairros do Municiacutepio de Fortaleza (Parreatildeo Messejana Quintino Cunha Joseacute Walter e Passareacute) com o diferencial da abordagem de ecossauacutede no controle da dengue no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013

Minayo (2010 p 57) relata que a abordagem qualitativa ldquose aplica ao estudo da histoacuteria das relaccedilotildees das represen-taccedilotildees das crenccedilas das percepccedilotildees e das opiniotildees produtos das interpretaccedilotildees que os humanos fazem a respeito de como vivem constroem seus artefatos e a si mesmos sentem e pen-samrdquo

A investigaccedilatildeo dos cinco agregados evidenciou distintas condiccedilotildees espaciais sociais econocircmicas ambientais cultu-rais infraestruturais (saneamento baacutesico) e de lideranccedilas co-munitaacuterias e por conseguinte uma conjuntura urbana pe-culiar agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti para a transmissatildeo da dengue Essa condiccedilatildeo associada agrave implantaccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico no controle da dengue disponibilizou rica fonte de coleta de dados por meio de trecircs principais teacutecnicas de co-leta de dados anaacutelise documental - diaacuterios de campo produzi-dos pelos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados observa-ccedilatildeo sistemaacutetica dos agregados nos bairros Parreatildeo e Passareacute e entrevista aplicada junto aos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados a fim de ajuntar mais subsiacutedios agrave anaacutelise de dados

Examinou-se 55 diaacuterios de campo e pocircde-se observar o total de cinco devolutivas 40 encontros e accedilotildees 747 atores sociais participantes nenhum agregado possuiacutea lideranccedila co-munitaacuteria formal um agregado demonstrou iacutendice elevado de recusas Registrou-se ainda cinco entrevistas abertas e 12 ob-servaccedilotildees sistemaacuteticas na sequecircncia catalogou-se os dados que prevaleceram no material coletado

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Com suporte na esquematizaccedilatildeo dos documentos por agregado que conteve as respectivas informaccedilotildees - agentes sociais presentes e seus comentaacuterios existecircncia de lideranccedila comunitaacuteria relatos de recusas situaccedilotildees socioeconocircmicas e populacionais poliacuteticas de controle da dengue de gestatildeo am-biental assim como a percepccedilatildeo dos pesquisadores- foi permi-tida a contextualizaccedilatildeo do comportamento dos atores sociais eevidenciou a participaccedilatildeo na abordagem integrada no con-trole da dengue

Para a anaacutelise do material qualitativo optou-se pela moda-lidade de anaacutelise de conteuacutedo assim conceituada por Minayo (2010 p 303)

Diz respeito a teacutecnicas de pesquisa que permi-tem tornar replicaacuteveis e vaacutelidas as inferecircncias sobre dados de um determinado contexto por meio de procedimentos especializados e cientiacuteficos [] busca a interpretaccedilatildeo cifrada do material de caraacuteter qualitativo

Os sujeitos da pesquisa compreenderam os profissionais de controle de endemias supervisores de endemias (SE) e agente de controle de endemia (ACE) educadores em sauacutede (ES) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) Profissionais do PSF - enfermeira (Enf) Profissionais do NASF moradores (M) e pesquisadores (P)

Na realizaccedilatildeo desta pesquisa obedeceu-se agrave Resoluccedilatildeo 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL 2012) Para manter o anonimato dos participantes utilizou-se as letras iniciais dos atores sociais seguidas de um algarismo araacutebico sequencial de acordo com a especificidade de cada funccedilatildeo pre-sente nos encontros e accedilotildees dos cinco agregados

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RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Este estudo focou na participaccedilatildeo social um dos princiacute-pios da ecossauacutede pois se considera importante aprofundar as discussotildees sobre situaccedilotildees problemas identificadas durante os encontros as quais apresentam estreita relaccedilatildeo com fatores ecobiossociais locais agentes sociais presentes falta de interes-se da populaccedilatildeo recusa lixo aacutegua que de certa forma depen-dem dos cuidados da populaccedilatildeo e dos oacutergatildeos puacuteblicos poreacutem sem a intenccedilatildeo de restringir a dimensatildeo desse enfoque

A implantaccedilatildeo da abordagem em ecossauacutede no controle da dengue no Municiacutepio de Fortaleza demonstrou implica-ccedilotildees surgidas na realidade investigada em que a participaccedilatildeo social atingiu parcela miacutenima de agentes (profissionais de en-demias sociedade civil educadores em sauacutede trabalhadores e profissionais de sauacutede) ante o potencial de cada agregado e dos demais setores concernentes ao contexto complexo da doenccedila (REZENDE DANTAS 2009)

Historicamente a participaccedilatildeo social na aacuterea da sauacutede se mostra de vaacuterias formas (1) beneficiaacuterio (2) contribuiccedilatildeo para a promoccedilatildeo da sauacutede (3) participaccedilatildeo comunitaacuteria e por fim (4) visatildeo mais complexa de participaccedilatildeo em sauacutede que reco-nhece as pessoas No que concerne ao crescente interesse da Gestatildeo Puacuteblica local pela introduccedilatildeo da participaccedilatildeo dos ci-dadatildeos tanto na Ameacuterica Latina quanto na Europa ocidental dizem respeito agrave crise do Estado que viu a participaccedilatildeo como estrateacutegia organizacional para controlar a burocracia ineficien-te e passou a ser modelo como de Gestatildeo Puacuteblica em prol da renovaccedilatildeo das relaccedilotildees Governo-Sociedade (MILANI 2008)

Outros fatores condicionantes para a participaccedilatildeo social destacados por Escorel e Moreira (2009) foram os aspectos

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culturais - idade sexo camada social grau e tipo de instruccedilatildeo e de fatores psicossociais como normas e valores de ponde-raccedilotildees sobre os custos e benefiacutecios e as caracteriacutesticas- per-sistecircncia dedicaccedilatildeo disciplina resiliecircncia organizaccedilatildeo auto-compreensatildeo coerecircncia dos objetivos autocriacutetica reflexatildeo as quais associadas a um espaccedilo favoraacutevel permitiratildeo a cultura de participaccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo dos valores democraacuteticos na sociedade

No concernente agraves especificidades dos atores sociais fica-ram aqueacutem dos relatos de Minayo (2002) Dantas e Rezende (2009) quando falaram da inclusatildeo dos gestores puacuteblicos dos poliacuteticos dos empresaacuterios e de todos os outros atores para buscar um processo de articulaccedilatildeo com base em correspon-sabilidade cogestatildeo compromisso sustentabilidade e parti-cipaccedilatildeo (DANTAS REZENDE 2009) Isto porque a partici-paccedilatildeo social deve incluir os gestores puacuteblicos os poliacuteticos os empresaacuterios e todos os outros agentes individuais e coletivos envolvidos direta ou indiretamente com o problema (MINA-YO 2002)

Esse contexto pode ter influenciado o comportamento dos atores sociais durante as intervenccedilotildees da abordagem em ecossauacutede haja vista a representaccedilatildeo de apenas algumas cate-gorias sobremaneira em cenaacuterios com histoacuterico de lideranccedilas comunitaacuterias menor niacutevel socioeconocircmico e condiccedilotildees mais favoraacuteveis agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti

As discussotildees dos grupos durante os encontros realizados obedeceram tambeacutem agrave oacuterbita do reduzido envolvimento dos agentes em relaccedilatildeo aos convites feitos tanto pelos agentes de endemias como pelos moradores e pesquisadores e cogitou-se como justificativa falta de interesse recusa ao acesso do agente agraves residecircncias poder aquisitivo mais alto e lideranccedila

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comunitaacuteria inexistente ou pouco proativa mostrando o quatildeo desafiante foram promover a participaccedilatildeo social no processo de implantaccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico em sauacutede humana Destacou-se um agregado com maior poder aquisitivo

Ficou 30 das casas sem visita pela recusa ou domiciacutelio sem ningueacutem quando o limite seria 10 Em muitas casas as pessoas estatildeo em casa e natildeo abrem ou pedem para vir depois Sem falar que agraves vezes a gente eacute expulso como cachorro (SE - 1)

No tocante agrave recusa pensou-se ainda na falta de informaccedilatildeo referida por Vaacutezquez etal (2005) ao considerarem a informaccedilatildeo fundamental para o reconhecimento dos me-canismos como alternativa para a atuaccedilatildeo unida aos serviccedilos podendo ser amplamente explorada pela miacutedia E ressaltado pelo mo-rador

Por causa daquela casa que recusou pode chegar a atingir o bairro todo O problema eacute tudo isso aiacute Eu tenho apenas uma suges-tatildeo que os meios de comunicaccedilatildeo tarem re-forccedilando essa recusa aiacute Essa recusa eacute a parte mais importante Soacute os agentes de sauacutede natildeo vatildeo resolver esses problemas Os meios de comunicaccedilatildeo satildeo importantes Se cada pro-grama tivesse o alerta de deixar o agente en-trar Aiacute sim (M -11)

Como propoacutesito de reverter este quadro de rejeiccedilatildeo con-siderou-se tambeacutem a integraccedilatildeo do trabalho de campo dos agentes de controle de endemias agentes comunitaacuterios de sauacute-de e educador em sauacutede para visitas aos domiciacutelios agraves escolas associaccedilotildees igrejas catoacutelicas e evangeacutelicas solicitando a adesatildeo dos seus liacutederes aleacutem de capacitaccedilatildeo dos profissionais de con-

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trole de endemias no concernente agrave formaccedilatildeo direcionada agrave abordagem no domiciacutelio

Essa dimensatildeo da miacutedia dada pelo morador para solucio-nar as recusas natildeo eacute explicitada pelo PNCD (2002) uma vez que preconiza a comunicaccedilatildeo social tem como objetivo divul-gar e informar sobre as accedilotildees de Educaccedilatildeo Em Sauacutede e mobi-lizaccedilatildeo social para mudanccedila de comportamento e de haacutebitos da populaccedilatildeo buscando evitar a presenccedila e a reproduccedilatildeo do Aedes aegypti nos domiciacutelios - ponto relevante e que poderia ser categoacuterico para a reduccedilatildeo de recusas

Haacute 16 anos Oliveira (1998) jaacute defendeu a ideia de que a mudanccedila de haacutebito do sujeito estaacute centrada na ampliaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais Portanto as propagandas por si natildeo representam real possibilidade de mudanccedila pois em ocasiotildees da pesquisa notou-se que os agentes detinham co-nhecimento poreacutem natildeo o aplicavam no dia a dia

Em vaacuterios momentos da pesquisa observou-se a ldquodistacircn-ciardquo da populaccedilatildeo relativamente ao controle da dengue e con-siderou-se como ldquofalta de interesserdquo podendo ser fruto da so-cializaccedilatildeo poliacutetica destacada em Bobbio Matteuci e Pasquino (1991) dos fatores culturais e psicossociais (ESCOREL MO-REIRA 2009) jaacute mencionados e da violecircncia e das condiccedilotildees socioeconocircmicas comportamento que se observa nos relatos a seguir

Divulguei o que estaacutevamos fazendo para a comunidade mas muitos natildeo queriam nem escutar soacute observar o que poderia haver de benefiacutecios para eles proacuteprios (ACS -1)

A maior dificuldade encontrada foi em rela-ccedilatildeo agrave comunidade onde as pessoas se recu-saram a participar da reuniatildeo conseguimos

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apenas uma moradora entatildeo resolvemos chamar os trabalhadores da escola (que esta-vam laacute) e que residem no bairro para partici-par da devolutiva (P - 8)

Refletiu-se igualmente que essa situaccedilatildeo pode estar rela-cionada com a histoacuteria recente de democratizaccedilatildeo da sauacutede no Paiacutes ou ainda pelo ensino de haacutebitos considerados adequados agrave populaccedilatildeo com base nos preceitos biologicistas atuando na pessoa dissociando-a da escola e do territoacuterio (DANTAS et al 2009)

Se o que se busca eacute a participaccedilatildeo da sociedade brasileira na tomada de decisotildees deve-se realizar amplas campanhas de educaccedilatildeo ao puacuteblico a comeccedilar pelos direitos da populaccedilatildeo com informaccedilatildeo a respeito do funcionamento do SUS Essas campanhas devem orientar-se aos proacuteprios serviccedilos ndash cuja atuaccedilatildeo tem uma forte influencia a atuaccedilatildeo popular Como passo inicial no entanto necessaacuterio embora natildeo suficiente haacute de se garantir o acesso ao atendimento agrave sauacutede (VAZQUEZ et al 2003)

As questotildees de carecircncia de saneamento baacutesico como abastecimento de aacutegua rede de esgotamento sanitaacuterio e coleta de lixo foram marcantes nos agregados de niacutevel socioeconocirc-mico mais baixo Esses serviccedilos precaacuterios representam alto risco para a sauacutede e satildeo fatores que favorecem a degradaccedilatildeo do meio ambiente (FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DE SAUacuteDE ndash FUNASA 2004)

Tal situaccedilatildeo eacute replicada na pesquisa conforme comentaacute-rios

As pessoas precisam estocar aacutegua porque natildeo existe um sistema de tratamento de aacutegua (NASF -2)

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Algo que me chamou muita atenccedilatildeo no Quintino foi a enorme quantidade de arma-zenamento de aacutegua Em todos os domiciacutelios que visitamos existia aacutegua armazenada uns de forma correta outras natildeo (P - 9)

Na eacutepoca da chuva natildeo tem quem consiga en-trar na rua devido ao acuacutemulo de aacutegua (P -6)

Quando a coleta seletiva do lixo funcionar de fato ldquovai serrdquo diminuiacuteda vaacuterias doenccedilas oriundas do lixo (M -7)

Na ocasiatildeo da devoluccedilatildeo dos resultados da pesquisa os problemas apontados no grupo focal foram o lixo colocado fora do dia da coleta jogado na correnteza da chuva no quintal sem lideranccedila comunitaacuteria a recusa (8) devido agrave aacuterea de melhor condiccedilatildeo cri-minalidade ou dona de casa sozinha [] Foi sugerido a participaccedilatildeo dos educadores em sauacutede nas reuniotildees (P -7)

A sugestatildeo de colocar um container na via para evitar o acuacutemulo de lixo pelas ruas irri-tou M -6 que falou ldquoeu natildeo aceito de forma nenhuma pois a populaccedilatildeo natildeo tem educa-ccedilatildeo nem higiene e natildeo vatildeo fazer bom uso do containerrdquo Outros temas foram discutidos como condutas de vizinhos ausentes terreno baldio Percebeu-se que estas questotildees levan-tadas pela comunidade satildeo assuntos ligados tambeacutem agrave Gestatildeo Puacuteblica da cidade de For-taleza (P -6)

Isso posto restou denotada a complexidade em solucio-nar problemas intimamente ligados agrave baixa condiccedilatildeo socioe-conocircmica Precisaria contar com a participaccedilatildeo e integraccedilatildeo de agentes sociais ligados diretamente ao planejamento e exe-

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cuccedilatildeo de programas voltados para a questatildeo econocircmica favo-recendo agrave elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas

Melo e Pasqualetto em 2009 referiram que eacute difiacutecil elimi-nar completamente os casos de dengue mas natildeo eacute impossiacutevel o controle eacute mais faacutecil seu controle desde que haja interesse por parte de todos comunidade e oacutergatildeos de combate deve-se daacute maior atenccedilatildeo agrave elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de projetos para saneamento baacutesico

O controle do vetor da dengue o mosquito Aedes aegyp-ti consiste em medidas contra as larvas e os mosquitos adul-tos Seus criadouros principais satildeo produzidos pelos seres humanos pois consistem em reservatoacuterios artificiais de aacutegua (TAUIL 2006) mas ainda existem pessoas que natildeo se preo-cupam em eliminar os criadouros e esperam soacute pelo controle quiacutemico

No que tange agrave lideranccedila comunitaacuteria na implantaccedilatildeo da ecossauacutede para o controle da denguenatildeo foi observada parti-cipaccedilatildeo ativa principalmente nos locais com pessoas de maior poder aquisitivo

O contexto descrito requer a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de soluccedilotildees integradas que levem em consideraccedilatildeo os aspec-tos ambientais ecoloacutegicos poliacuteticos sociais culturais e eco-nocircmicos e que envolvam populaccedilotildees locais pesquisadores e gestores de aacutereas diversas (AUGUSTO et al 2005) Estruturas organizacionais como comunidades de praacuteticas e iniciativas de lideranccedilas tecircm um grande papel a desempenhar em apoio agrave constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do campo de ecossauacutede (PASSO et al 2013)

Em recentes avaliaccedilotildees promovidas pela FUNASA quanto ao processo de descentralizaccedilatildeo das accedilotildees de epidemiologia e controle de doenccedilas com a participaccedilatildeo dos gestores estaduais

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e municipais constatou-se a necessidade de melhorar a capa-cidade para a detecccedilatildeo e correccedilatildeo oportuna de problemas que interferem diretamente na efetividade das accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue (PNCD 2002)

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

A inserccedilatildeo no contexto da participaccedilatildeo social como prin-ciacutepio e intervenccedilatildeo da abordagem ecossauacutede para o controle da dengue ensejou o conhecimento de um conjunto de im-plicaccedilotildees limitantes que se mostraram ao longo do processo Podem ter ocorrido por influecircncia dos aspectos proacuteprios dos agentes sociais e determinantes nas formas diferenciadas de agir no controle da dengue como singularidade sobre o pris-ma cultural socioeconocircmico e de produccedilatildeo social

Assim verificou-se a importacircncia de aprofundar estudos que busquem entender a percepccedilatildeo de cada agente sobre o seu papel nas accedilotildees de controle da dengue favorecendo uma aproximaccedilatildeo com a real participaccedilatildeo social Partindo desse conhecimento acredita-se que seraacute possiacutevel percorrer novos caminhos na compreensatildeo e promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social no controle da dengue e por sua vez na implantaccedilatildeo da abor-dagem ecossistecircmica em sauacutede humana

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CAPIacuteTULO 6

PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL E EQUIDADE DE GecircNERO NO CONTROLE DA DENGUE UM PROCESSO DE IMPLANTAccedilAtildeO DA ECOS-SAacuteUDE

Joana Mary Soares NobreAndrea Caprara

Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Ana Carolina Rocha Peixoto

INTRODUccedilAtildeO

Houaiss (2010) trouxe o sentido de participaccedilatildeo como fa-zer parte em um evento fazer as pessoas saberem de algo no sentido de comunicar Social que inclui o contato entre as pes-soas e sociedade um agrupamento de pessoas que vivem em colaboraccedilatildeo muacutetua Essa amplitude de significados situa a par-ticipaccedilatildeo como intriacutenseca agrave vida em sociedade natildeo deixando de indicar as contradiccedilotildees nas relaccedilotildees indiviacuteduocoletividade e ao papel mais ou menos ativopassivo de quem participa (ES-COREL MOREIRA 2009)

Os autores consideraram que a participaccedilatildeo embora em situaccedilotildees diacutespares eacute caracterizada pela valorizaccedilatildeo de conta-tos espaccedilos foacuteruns mais bem compartilhados e mais puacuteblicos Nessas condiccedilotildees deve ser estruturada no contexto histoacuterico e social Com essa origem enseja que a pessoa tenha maior con-trole sobre a situaccedilatildeo que lhe afeta direta ou indiretamente e a sociedade onde convive

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A participaccedilatildeo pressupotildee mais espiacuterito puacute-blico do que atitudes voltadas para a afirma-ccedilatildeo de interesse pessoal onde a cidadania implica direitos e deveres para todos e se manteacutem unida por relaccedilotildees horizontais de reciprocidade e confianccedila e natildeo por relaccedilotildees verticais de autoridade e dependecircncia (PUT-NAM 1996 p102)

A participaccedilatildeo social no Brasil despontou com a promul-gaccedilatildeo da Carta Magnade 1988 fruto da articulaccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas e sociais que garantiu inovaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico (ESCOREL MOREIRA 2009) Desde aiacute a participaccedilatildeo da comunidade passou a ser um dos requisitos fundamentais (DANTAS et al 2009)

Conceitualmente participaccedilatildeo social em sauacutede foi de-finida como algo inclusivo de variados atores em prol de di-reitos e usufrutos de bens e serviccedilos na sociedade e na tarefa de promover a sauacutede da populaccedilatildeo (OLIVEIRA 2009) Streck (2010) ensina que a participaccedilatildeo eacute condiccedilatildeo para a conquista e a garantia de direitos como sauacutede alimentaccedilatildeo transporte moradia educaccedilatildeo e trabalho

O enfoque ecossistecircmico considera o conceito de parti-cipaccedilatildeo social mais amplo do que participaccedilatildeo comunitaacuteria e inclui os gestores puacuteblicos poliacuteticos empresaacuterios e outros agentes individuais e coletivos envolvidos direta ou indire-tamente com o problema valorizando a participaccedilatildeo dos que vivem os problemas ambientais e de sauacutede no seu cotidiano (MINAYO 2002)

Escorel e Moreira (2009) consideraram que o ponto de partida para a participaccedilatildeo social eacute a pessoa buscar intervir na situaccedilatildeo concreta e histoacuterica em que vive construindo-se

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como sujeito social e estaacute condicionada aos fatores idade sexo camada social grau e tipo de instruccedilatildeo e psicossociais como normas e valores ponderaccedilotildees sobre os custos e bene-fiacutecios

A participaccedilatildeo popular eacute apontada como indispensaacutevel na condiccedilatildeo de controle de endemias especialmente no caso da dengue cujo principal vetor estaacute associado intimamente aos modos de vida e moradia nas aacutereas urbanas Por tal motivo o enfrentamento das endemias natildeo apenas admite mas tambeacutem requer o envolvimento comunitaacuterio (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009)

Um dos grandes desafios agrave sauacutede puacuteblica na atualidade eacute o controle da dengue Seu mosquito transmissor de maior im-portacircncia o Aedes aegypti combina alto grau de adaptabilida-de ao ambiente e ao controle quiacutemico realizado agrave facilidade de manutenccedilatildeo de sua espeacutecie proporcionada por potenciais cria-douros existentes no espaccedilo urbano atual dentre outros fatores

Souzaet al (2012) consideraram que dois terccedilos da popu-laccedilatildeo estejam suscetiacuteveis agrave dengue Esta eacute caracterizada como uma doenccedila febril aguda causada por um flaviviacuterus designa-do viacuterus dengue que apresenta quatro sorotipos (DENV 1 DENV 2 DENV 3 e DENV 4) A ausecircncia de uma vacina faz do Aedes aegypti o principal alvo de controle centrando-se em seus estaacutedios larvaacuterios e quando necessaacuterio no mosquito adulto (CAVALCANTI 2013) Sua alta incidecircncia estaacute tradi-cionalmente relacionada inclusive aos aspectos climaacuteticos e densidade demograacutefica (TEIXEIRA et al 2009)

A dimensatildeo epidemioloacutegica dessa doenccedila demonstra elementos bioloacutegicos ecoloacutegicos poliacuteticos e econocircmicos tra-duzindo um problema complexo fato que supotildee um enfoque sistecircmico para seu controle que leve em consideraccedilatildeo as inter

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-relaccedilotildees desses fatores e que envolva os diversos atores sociais (SANTOS AUGUSTO 2011 AUGUSTO et al 2005)

No contexto histoacuterico de combate agrave dengue no Brasil o modelo claacutessico de controle prioriza uso de pesticidas con-firmados ineficazes na atualidade Defende-se uma mudanccedila de paradigma que propotildee um modelo de accedilatildeo baseado na abordagem ecossistecircmica descentralizado e participativo que integra educaccedilatildeo contiacutenua vigilacircncia epidemioloacutegica e ento-moloacutegica aleacutem da intervenccedilatildeo ambiental (AUGUSTO et al 2005) E ainda preconiza a participaccedilatildeo social e a formaccedilatildeo de lideranccedilas no acircmbito comunitaacuterio que promovam accedilotildees seguindo a peculiaridade do contexto local (SANTOS AU-GUSTO 2011) [] O arcabouccedilo conceitual e metodoloacutegico dos enfoques em ecossauacutede representa grande oportunidade para melhorar as estrateacutegias dessa problemaacutetica de maneira mais eficaz e com melhores relaccedilotildees custo-benefiacutecio (PASSO et al 2013)

Em conformidade destaca-se o princiacutepio da equidade de gecircnero da abordagem em ecossauacutede Caprara et al (2006) evi-denciaram a relevacircncia das questotildees de gecircnero no controle da dengue junto aos fatores ecobiossociais que afetam a dinacircmica de transmissatildeo da doenccedila em Fortaleza Nordeste do Brasil com foco na urbanizaccedilatildeo dinacircmicas comunitaacuterias e respon-sabilidade poliacutetica

As relaccedilotildees de gecircnero e a divisatildeo de tarefas influenciam na percepccedilatildeo de doenccedilas endecircmicas como a dengue Eacute impor-tante o resgate do sentimento de coletividade mediante des-mistificaccedilatildeo da culpa individual e a formaccedilatildeo de redes de cui-dado como estrateacutegias a serem promovidas nas comunidades independentemente do sexo da pessoa (WINCH et al 1994 BRITO 2000 GIFFIN 2002 e LEBEL 2003)

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Para Augusto et al (2005) eacute necessaacuterio mudar o foco da participaccedilatildeo do niacutevel da famiacutelia-domiciacutelio para o niacutevel da famiacutelia como rede social incorporando as diversas relaccedilotildees sociais Eles defendem uma atuaccedilatildeo integrada envolvendo as muacuteltiplas redes sociais para viabilizar uma eficiente accedilatildeo cole-tiva no controle do vetor ao niacutevel do bairro ou da comunida-de somado ao envolvimento dos setores privados e puacuteblicos responsaacuteveis pela gestatildeo de aacutereas que oferecem condiccedilotildees fa-voraacuteveis para a proliferaccedilatildeo dos mosquitos sem desprezar as potencialidades especiacuteficas de cada gecircnero

Desse modo o estudo objetivou analisar a participaccedilatildeo social na implantaccedilatildeo da ecossauacutede no contexto da dengue respeitando e valorizando a questatildeo do gecircnero na proposta de integrar as estrateacutegias de controle da dengue na perspectiva de possibilitar uma transformaccedilatildeo social e histoacuterica da recorrecircn-cia de surtos epidecircmicos da enfermidade

METODOLOGIA

Estudo de natureza exploratoacuteria com enfoque de anaacuteli-se qualitativa que se situou dentro de um marco conceitual mais amplo caracterizado por uma Pesquisa Multicecircntrica 3 financiada por UNICEFIDRC amp UNDPWorld BankWHO Special Programme for Research amp Training in Tropical Di-seases (TDR)

Minayo (2010 p 57) relatou que a abordagem qualitativa ldquose aplica ao estudo da histoacuteria das relaccedilotildees das representa-ccedilotildees das crenccedilas das percepccedilotildees e das opiniotildees produtos das interpretaccedilotildees que os humanos fazem a respeito de como vi-vem constroem seus artefatos e a si mesmos sentem e pensamrdquo 3 PesquisamulticecircntricaldquoEco-Bio-SocialsobreDengueeDoenccediladeChagasnaAmeacute-

ricaLatinaenoCaribe

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O estudo foi realizado em cinco bairros do municiacutepio de Fortaleza (Parreatildeo Messejana Quintino Cunha Joseacute Walter e Passareacute) no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013 Estes fizeram parte da pesquisa multicecircntrica e tiveram como dife-rencial a abordagem de ecossauacutede dentro do contexto tiacutepico no tocante ao controle da dengue e aos fatores ecobiossociais intriacutensecos de cada agregado investigado

A investigaccedilatildeo dos cinco agregados evidenciou distintas condiccedilotildees espaciais sociais econocircmicas ambientais culturais infraestruturais (saneamento baacutesico) e de lideranccedilas comuni-taacuterias e por conseguinte uma conjuntura urbana peculiar agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti para a transmissatildeo da dengue Essa condiccedilatildeo associada ao processo de implantaccedilatildeo do enfo-que ecossistecircmico no controle da dengue disponibilizou rica fonte de coleta de dados por meio de trecircs principais teacutecnicas de coleta de dados anaacutelise documental - diaacuterios de campo produ-zidos pelos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados obser-vaccedilatildeo sistemaacutetica dos agregados nos bairros Parreatildeo e Passareacute a fim de ajuntar mais subsiacutedios agrave anaacutelise de dados

Examinou-se 55 diaacuterios de campo e 12 observaccedilotildees siste-maacuteticas As informaccedilotildees prevalecentes permitiram a contex-tualizaccedilatildeo do comportamento dos atores sociais clareando a participaccedilatildeo relacionada agrave equidade de gecircnero nos momentos da abordagem integrada no controle da dengue Para a anaacutelise do material qualitativo optou-se pela modalidade de anaacutelise de conteuacutedo que busca a interpretaccedilatildeo cifrada do material de caraacuteter qualitativo (MINAYO 2010)

Os sujeitos da pesquisa compreenderam os profissionais de controle de endemias supervisores de endemias (SE) e agente de controle de endemia (ACE) os educadores em sauacute-de (ES) os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) enfermeira

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(Enf) e os moradores (M) Para manter o anonimato dos par-ticipantes elencou-se as iniciais dos atores sociais seguidas de um algarismo araacutebico sequencial de acordo com a especifici-dade de cada funccedilatildeo presente nos encontros e accedilotildees dos cinco agregados

Na realizaccedilatildeo desta pesquisa obedeceu-se agrave Resoluccedilatildeo 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL 2012) e a aprovaccedilatildeo do projeto guarda-chuva pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute com o nuacutemero de Protocolo 09553425-3

RESULTADOS E DISCUSSAtildeOO estudo para implantaccedilatildeo da abordagem ecossauacutede foi

constituiacutedo por 54 pessoas sendo 27 mulheres e 27 homens inseridos nas diversas categorias participantes durante a in-vestigaccedilatildeo que compreendeu cinco bairros do Municiacutepio de Fortaleza-CE no periacuteodo de 2012-2013 Na meacutedia geral da categoria morador prevaleceu o sexo feminino Jaacute na ca-tegoria de profissionais de endemias -agentes de controle de endemias supervisores de endemias e educadores em sauacutede obteve-se maior nuacutemero de homens nas duas iniciais Consi-derando os profissionais e trabalhadores de sauacutede implicados no processondash PSF NASF e ACS houve predomiacutenio do sexo feminino Essas categorias seratildeo explicitadas nos resultados e nas discussotildees

MoradoresO puacuteblico de moradores presente aos encontros realiza-

dos para implantaccedilatildeo da ecossauacutede correspondeu a um total de 20 pessoas em que o gecircnero feminino atingiu 13 partici-pantes (65 )

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Em consonacircncia com o resultado atual Gonccedilalves et al (2012) detectaram uma maior disposiccedilatildeo do sexo feminino na contribuiccedilatildeo com seu estudo Para eles a sociedade atribui as responsabilidades de cuidados com a casa ao sexo feminino o que pode contribuir com a baixa participaccedilatildeo e interesse dos homens aleacutem do fato de a pesquisa ter ocorrido geralmente no horaacuterio de expediente

Diaz et al (2009) observaram que a participaccedilatildeo de mu-lheres chegou a 70 o que possibilitou as pessoas da mesma comunidade se organizarem voluntaacuteria e livremente em prol da vigilacircncia e controle das condiccedilotildees ambientais que podem ocasionar a transmissatildeo da dengue aleacutem de educaccedilatildeo dos resi-dentes sobre ecossauacutede

A aparente facilidade de abordar mulheres em estudos que favoreccedilam seu envolvimento e participaccedilatildeo no tocante agrave sauacutede mais especificamente no controle da dengue pode ter relaccedilatildeo com sua presenccedila marcante no ambiente domeacutestico pois a mulher ainda exerce inuacutemeras funccedilotildees dentro do domi-ciacutelio como cuidar dos filhos do homem e da proacutepria residecircn-cia (BRITO 2011) Isto faz da mulher uma figura em potencial para o controle do Aedes aegypti desde a rotina domiciliar para evitar seus possiacuteveis criadouros (CLARO et al 2004)

Matos (2012) ressaltou que para ocorrer uma participa-ccedilatildeo significativa no controle da dengue eacute necessaacuterio o envol-vimento dos atores nas praacuteticas propostas pela abordagem de ecossauacutede Detectou no entanto baixa adesatildeo da comunida-de independentemente do gecircnero ante os convites feitos agrave co-munidadepara participar das reuniotildees

Costa et al (2011) constataram que nos anos de 2008 e 2009 o sexo feminino foi o mais acometido por dengue apre-sentando em sua maioria as formas mais graves dengue com

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complicaccedilotildees e choque Os dados corroboram a ligaccedilatildeo da permanecircncia da mulher no ambiente domeacutestico e as caracte-riacutesticas domeacutesticas do vetor facilitando o evento (BARONI OLIVEIRA 2009)

As informaccedilotildees mencionadas demonstram a relevacircncia do envolvimento da mulher nas estrateacutegias de controle da den-gue embora a equidade de gecircnero seja buscada neste processo Accedilotildees direcionadas ao puacuteblico feminino podem trazer impli-caccedilotildees positivas no sentido de envolver o homem de forma indireta ou posteriormente e por fim abranger toda a famiacutelia no contexto da dengue

Profissionais de Endemias

A categoria de profissionais de endemias situou o puacutebli-co masculino no topo 18 pessoas (69) O grupo de agentes de controle de endemias (ACE) configurou sete participantes (3888) do puacuteblico masculino Jaacute o grupo dos supervisores de endemias demostrou interesse em participar da pesquisa re-presentado por oito homens (4444) e trecircs mulheres Quan-to ao grupo dos educadores em sauacutede houve uma quantidade aproximada nas participaccedilotildees cinco pessoas do sexo feminino e trecircs do sexo masculino (1666) apontando predominacircncia feminina

Matos (2012) demonstrou que o agente de endemias eacute comprometido com as questotildees referentes agrave dengue e buscou a adesatildeo da comunidade Poreacutem referiu frustraccedilatildeo devido agrave participaccedilatildeo diminuta da comunidade sem diferenciar o pre-domiacutenio de homens ou mulheres

Oliveira (2004) configurou o universo masculino e jo-vem desses profissionais de controle da dengue Jaacute Maia et

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al (2013) mostraram outra realidade - a atuaccedilatildeo de homens e mulheres no controle de endemias no Municiacutepio de NatalRN com 50 de representaccedilatildeo feminina Acredita-se que o maior envolvimento de homens nessa profissatildeo eacute motivado pelo trabalho que requer o enfrentamento de situaccedilotildees que envolvem uso da forccedila perigo o que favorece a notoacuteria pre-senccedila de homens nessa funccedilatildeo Reforccedilada por Santana (2012) que referiu relatos da rotina de trabalho dos agentes experiecircn-cias com assaltos e a transporte da escada ao percorrer grandes distacircncias casa a casa

Eacute consenso o fato de que cada agente de endemias esteja ligado diretamente ao supervisor de aacuterea que faraacute o elo entre os agentes e o supervisor geral O uacuteltimo tem a funccedilatildeo de pla-nejamento acompanhamento supervisatildeo e avaliaccedilatildeo das ati-vidades operacionais de campo demonstrando conhecimento dos recursos teacutecnicos empregados na vigilacircncia e controle do Aedes aegypti (SECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2007) e eacute claro a importacircncia dos su-pervisores no controle da dengue em razatildeo inclusive do seu poder de decisatildeo e envolvimento com a gestatildeo com vistas a promover novas discussotildees acerca de inovaccedilotildees metodoloacutegi-cas de controle eacute que se torna premente a sua participaccedilatildeo nas accedilotildees em ecossauacutede

Outro agente com papel fundamental no controle da den-gue eacute o educador em Sauacutede Gabriel (2013) mencionou que

[] o educador em sauacutede tem a funccedilatildeo de fa-cilitador das descobertas e reflexotildees dos indi-viacuteduos sobre os aspetos a modificar levando em consideraccedilatildeo a relaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e o ambiente envolvente estimulando-os a agir sobre as proacuteprias vidas

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Esse autor referiu tambeacutem que o desenvolvimento de profissionais qualificados competentes na aacuterea de Educaccedilatildeo em Sauacutede eacute importante pois afeta o desenvolvimento da pro-moccedilatildeo da sauacutede Esses profissionais requerem novos conheci-mentos e ideias para a accedilatildeo minimizando os efeitos do modelo tradicional de controle do dengue pois

[] o conhecimento cientificamente produ-zido no campo da sauacutede intermediado pelos profissionais de sauacutede atinge a vida cotidia-na das pessoas uma vez que a compreensatildeo dos condicionantes do processo sauacutede-doen-ccedila oferece subsiacutedios para a adoccedilatildeo de novos haacutebitos e condutas de sauacutede (ALVES 2005 p 43)

Um ponto que chamou a atenccedilatildeo foi agrave crenccedila de que a mobilizaccedilatildeo popular eacute tarefa exclusiva do educador em sauacute-de Sabe-se este papel eacute de todas as classes trabalhadoras e da populaccedilatildeo em geral - situaccedilatildeo valorizada por Gomes e Mina-yo (2006) quando descreveram como uma das vantagens da abordagem integrada o envolvimento dos diversos atores so-ciais empoderando sujeitos com base na participaccedilatildeo social

Acredita-se que para o controle da dengue eacute necessaacuterio percorrer caminhos alternativos observar o enfoque mul-tidisciplinar somado aos programas tradicionais em curso possibilitando resultados com maiores eficiecircncia e eficaacutecia (QUINTERO et al 2009) aspiraccedilatildeo esta suscitada pelo ES3 que sugeriu fazer encontros intersetoriais a fim de proporcio-nar maior envolvimento da comunidade

Supotildee-se que mergulhar na praacutetica da intersetorialidade traz uma seacuterie de dificuldades a principal seria o intensivo viacutenculo com a formaccedilatildeo verticalizada modelo biomeacutedico he-

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gemocircnico Lima e Vilasbocircas (2011) expressaram para o avan-ccedilo das praacuteticas intersetoriais compromisso coletivo governa-mental e equipe condutora responsaacutevel pelo trabalho Oliveira (1998) defendeu a ideia de que a mudanccedila de haacutebito do sujeito estaacute centrada na ampliaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees so-ciais e natildeo a produccedilatildeo de mais informaccedilotildees

Trabalhadores e Profissionais de Sauacutede

Essa categoria representou a participaccedilatildeo iacutenfima dos tra-balhadores e profissionais de sauacutede no estudo sob relatoacuterio que se distribuiacuteram nos grupos agente comunitaacuterio de sauacutede (ACS) programa de sauacutede da famiacutelia (PSF) e nuacutecleo de apoio agrave sauacutede da famiacutelia (NASF)

Nos diversos encontros promovidos para a implantaccedilatildeo da abordagem integrada no controle da dengue somente oito pessoas estiveram presentes representando todos os grupos dessa categoria foram seis (75) participantes do puacuteblico fe-minino A representaccedilatildeo do PSF foi surpreendente pois ape-nas uma profissional e cinco (62) pessoas marcaram a pre-senccedila do ACS sendo um homem e quatro mulheres

Mertens (2007) destacou a importacircncia de envolver os agentes de sauacutede que sejam moradores dos bairros onde tra-balham no controle da dengue facilitando os contatos com a comunidade e as accedilotildees de vigilacircncia para que se enraiacutezem nas redes sociais Em nenhum momento dos encontros entretan-to foi referida por esses profissionais a efetivaccedilatildeo da atribuiccedilatildeo do ACS presente nas diretrizes da poliacutetica de controle da den-gue nacional (PNCD 2002)

Acredita-se que a reduzida presenccedila do ACS e dos profis-sionais de sauacutede nos encontros da pesquisa pode ter aconteci-

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do em detrimento da alta demanda do setor sauacutede que deteacutem precaacuteria condiccedilatildeo funcional e de infraestrutura mediante as poliacuteticas puacuteblicas vigentes Assim como a proposta do Progra-ma que insinua a sedimentaccedilatildeo das funccedilotildees para a capacitaccedilatildeo os ACSrsquos nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue e as equipes PSF nas accedilotildees assistenciais para diagnoacutestico e trata-mento das formas graves e hemorraacutegicas da dengue (PNCD 2002)

Na opiniatildeo dos participantes da implantaccedilatildeo da ecossauacute-de a presenccedila do ACS seria uma soluccedilatildeo para a recusa Essa situaccedilatildeo poderia ter sido amenizada se houvesse a unificaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas de trabalho dos agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) e dos agentes de controle de endemias (ACE) Conforme as diretrizes do PNCD (2002) deve-se consolidar a inserccedilatildeo do Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) e do Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue visando principalmente a promover mudanccedilas de haacutebito da comunidade para manter o ambiente domeacutestico livre do Aedes aegypti

Percebeu-se nos comentaacuterios dos participantes o fato de que o ambiente da pesquisa propondo uma abordagem inte-grada despertou o interesse dos agentes em apresentar solu-ccedilotildees e a ter outra perspectiva transpondo a intervenccedilatildeo tradi-cional como se segue

Os agentes de endemia e os agentes comuni-taacuterios devem se ajudar no sentido de facilitar a entrada nas casas [] (ACS - 2)

Essa aacuterea natildeo tem ACS (ACS - 3)

Laacute a comunidade eacute mais acessiacutevel agrave entra-da dos agentes em suas casas [] o contato agente e comunidade eacute muito mais proacuteximo

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uma vez que eacute facilitado pela presenccedila de um liacuteder comunitaacuterio [] (ACS - 3)

Deveria ter uma maior participaccedilatildeo da miacutedia em chamar essa populaccedilatildeo para engajamen-to e controle das accedilotildees [] (SE -2)

[] o mais importante eacute a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo deixar a populaccedilatildeo ciente [] da responsabilidade de cada um [] do ACS ACE [] e tambeacutem da prioridade desse tra-balho o porquecirc de fazer esse trabalho de casa em casa [] que muitas vezes no quarteiratildeo o agente natildeo consegue entrar nem em 10 do quarteiratildeo por quecirc Porque as pessoas natildeo conhecem [] se tivesse uma maior divulga-ccedilatildeo [] junto agrave comunidade (ES -1)

O plano de accedilatildeo natildeo eacute apenas para a dengue e sim com todos os problemas jaacute abordados aqui e que tem que ser um plano contiacutenuo natildeo pode parar (SE -9)

Eacute necessaacuterio que o governo invista na comu-nidade para que ela participe dos encontros e qualquer outra mobilizaccedilatildeo que eacute realizado e que insistir eacute um ponto forte que aos poucos agraves pessoas vatildeo sensibilizando uns aos outros e cada um vai aderindo o que eacute promovido (SE ndash 10)

O SE-4 relatou que sempre nas reuniotildees ine-rentes ao trabalho deles eacute realizado o convite para o comparecimento de um membro da companhia de aacutegua No entanto natildeo haacute o comparecimento de nenhum representante A CAGECE afirma que o abastecimento ine-ficaz estaacute relacionado ao uso clandestino de aacutegua por parte dos moradores dificultando o fluxo da aacutegua (P -12)

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Esse tipo de accedilatildeo provoca no morador a im-portacircncia do cuidado definitivo no que diz respeito ao depoacutesito caixa drsquoaacutegua em funccedilatildeo da doenccedila dengue (ES ndash 4)

Se o abastecimento fosse regular natildeo haveria tanta oferta para o mosquito (SE - 7)

O panorama dos agregados no relacionado agraves categorias profissionais e gecircneros evidenciou que o bairro de Messejana contabilizou o valor miacutenimo de moradores uma mulher assim como o grupo de trabalhadores e profissionais de sauacutede com um ACS do sexo feminino A presenccedila do NASF aconteceu exclusivamente no bairro Quintino Cunha ao passo que o bairro do Passareacute natildeo contabilizou presenccedila dos trabalhadores e profissionais de sauacutede e teve menor nuacutemero de participan-tes Jaacute o bairro Parreatildeo teve o maior nuacutemero de ES e SE com predomiacutenio do sexo masculino que teve a uacutenica participaccedilatildeo do profissional do PSF O Joseacute Walter destacou-se pelo maior nuacutemero de mulheres participantes principalmente na catego-ria de moradores

Dantas et al (2009) no acircmbito histoacuterico relataram que a sauacutede eacute responsabilidade de variados setores da sociedade puacuteblico privado ONGS e a sociedade por meio de accedilotildees in-terdisciplinares e intersetoriais sendo necessaacuterio que se en-volvam na discussatildeo acerca da qualidade de vida individual e coletiva

Assim o desafio que se impotildee conforme os pensamen-tos de Derrida (2001) estaacute na transformaccedilatildeo de uma cidadania acostumada a exigir e a participar de projetos comuns para as-sumir as responsabilidades visto que ainda persistem os con-ceitos tradicionais de participaccedilatildeo - aspiraccedilotildees estas possiacuteveis pelas accedilotildees da abordagem ecossauacutede

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CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

A implantaccedilatildeo da ecossauacutede no controle da dengue cer-tamente recebeu influecircncia dos aspectos de singularidade culturais socioeconocircmicos e de produccedilatildeo social inerentes aos atores sociais considerados determinantes para as novas formas de pensar e agir no controle da dengue assimiladas e evidenciadas pelos participantes Notou-se inclusive que as mulheres moradoras predominaram em algumas categorias e fortaleceram a crenccedila de que satildeo peccedilas-chave para a mobiliza-ccedilatildeo e o envolvimento da comunidade nas accedilotildees de prevenccedilatildeo da doenccedila

Esse panorama denotou a importacircncia da participaccedilatildeo social da atuaccedilatildeo multissetorial e da equidade de gecircnero para a concretizaccedilatildeo da abordagem integrada no controle dessa enfermidade aleacutem dos outros princiacutepios embora a participa-ccedilatildeo social tenha estado aqueacutem do potencial de cada agregado investigado Com arrimo nessa constataccedilatildeo crecirc-se que seraacute possiacutevel percorrer novos caminhos o entendimento e promo-ccedilatildeo da participaccedilatildeo social e equidade de gecircnero pressupostos da ecossauacutede no controle da dengue e por sua vez realccedilar o envolvimento das mulheres como personagens importantes para a soluccedilatildeo efetiva e sustentaacutevel - realidade que estimulou o entendimento da relaccedilatildeo sauacutede e meio ambiente com vistas agrave condiccedilatildeo de contribuir para a Sauacutede Puacuteblica

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CAPIacuteTULO 7

PRAacuteTICAS DE PREVENccedilAtildeO DA DENGUE SOB O OLHAR DAS FAMIacuteLIAS DOS PROFIS-SIONAIS DE SAUacuteDE E DOS ATORES ENVOL-VIDOS NO PROGRAMA DE CONTROLE DO VETOR

Adriana Ponte Carneiro de MatosCyntia Monteiro Vasconcelos Motta

Edina Silva CostaSelma Nunes Diniz

Andrea CapraraFrancisco Joseacute Maia Pinto

INTRODUccedilAtildeO

A dengue representa um desafio para a Sauacutede Puacuteblica sendo considerada doenccedila reemergente e a arbovirose mais comum e mais distribuiacuteda no Mundo (OMS 2009) O aumen-to da prevalecircncia do dengue tem levado as autoridades sanitaacute-rias a considerarem-no como um dos principais problemas de sauacutede puacuteblica de todo o mundo e com isso dispor de recursos para o enfrentamento dessa problemaacutetica

Seguindo uma sazonalidade existe associaccedilatildeo intensa entre as condiccedilotildees climaacuteticas e a incidecircncia da dengue (DO-NALISIO amp GLASSER 2002) de forma que a morbidade estaacute associada positivamente com a estaccedilatildeo chuvosa pois o vetor prolifera mais com uma umidade relativa alta (ARUNACHA-LAM et al 2010) Aleacutem disso as mudanccedilas demograacuteficas e o intenso fluxo migratoacuterio rural-urbano geram o crescimento

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desordenado das cidades e favorecem a proliferaccedilatildeo do vetor com as precaacuterias condiccedilotildees de saneamento baacutesico (BRAGA amp VALLE 2007)

A relaccedilatildeo entre o abastecimento domeacutestico de aacutegua e a presenccedila de vetor tambeacutem eacute um fator relevante pois tanto o fornecimento irregular de aacutegua quanto a falta de aacutegua encana-da podem levar a uma presenccedila maior de criadouros e tam-beacutem o aumento no uso de embalagens descartaacuteveis para pro-dutos industrializados contribui para o acuacutemulo de recipientes que se tornam possiacuteveis focos do mosquito Essas embalagens e outros produtos satildeo descartadas e ateacute mesmo reaproveitadas pela populaccedilatildeo com finalidades diversas e mantidos no espaccedilo domeacutestico quase sempre mal acondicionados em funccedilatildeo das condiccedilotildees precaacuterias dos domiciacutelios (CLARO TOMASSINI ROSA 2004)

Braga e Valle (2007) acentuam que apesar dos esforccedilos puacuteblicos para uma meta de controle da doenccedila a dengue per-manece como endecircmico com esporaacutedicas epidemias no Brasil Mais recentemente Teixeira (2008) refere ainda que dificulda-des em controlar as infecccedilotildees satildeo vislumbradas por diversos paiacuteses como no Brasil evidenciando que o conhecimento cientiacutefico neste campo da prevenccedilatildeo ainda eacute insuficiente para combater esta virose Nesse sentido sabe-se que ainda natildeo se dispotildee de medicamentos especiacuteficos para as pessoas acometi-das por dengue natildeo se dispotildee de vacina segura e eficaz e dessa forma ao longo dos anos o controle desta virose se manteve centrado apenas no combate ao seu vetor

Peacuterez - Guerra et al (2009) confirmam que o controle do mosquito transmissor foi iniciado por meio de uma poliacutetica centralizadora e vertical caracterizada por programas prati-camente militarizados com o uso de inseticidas que combi-

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nados promoveriam a reduccedilatildeo do nuacutemero de criadouros de mosquitos Posteriormente constatou-se que programas com essas caracteriacutesticas natildeo se sustentam ao longo dos anos e das mudanccedilas sociais

Dessa maneira as poliacuteticas de controle do dengue nas Ameacutericas se resumiram ao combate ao vetor o Aedes aegyp-ti uacutenico transmissor com importacircncia epidemioloacutegica nessa regiatildeo Para diminuir os criadouros do vetor o Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2002) preconizou o saneamento ambiental e o controle quiacutemico e propocircs o incentivo agrave participaccedilatildeo co-munitaacuteria com fortalecimento das atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede Verifica-se entretanto que as campanhas educativas centradas na divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees natildeo produzem mu-danccedilas significativas de comportamento apesar de atingirem a populaccedilatildeo proporcionando conhecimento sobre a dengue seus vetores e as medidas de controle

No artigo de Zambrini (2011) sobre as liccedilotildees aprendidas durante a epidemia de dengue de 2009 na Argentina o autor ressalta que na eacutepoca o Paiacutes apresentava condiccedilotildees ambien-tais favoraacuteveis para o estabelecimento do mosquito transmis-sor com zonas urbanas expressando uma densidade popula-cional alta e com empobrecimento das condiccedilotildees de vida e o sistema de vigilacircncia epidemioloacutegica jaacute previa a vulnerabilida-de da populaccedilatildeo A falta de articulaccedilatildeo entre setores desfavo-receu no entanto a abordagem ante os determinantes sociais e a definiccedilatildeo de prioridades

Uma experiecircncia de Schweigmann e colaboradores (2009) com suporte nesse contexto vivenciado na Argentina estimu-lou intervenccedilotildees por meio da articulaccedilatildeo do programa de con-trole do vetor com o setor da Educaccedilatildeo partindo do princiacutepio de que a informaccedilatildeo adequada eacute o fator decisivo (apesar de natildeo

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suficiente) para a apropriaccedilatildeo do conhecimento e no favoreci-mento de adoccedilatildeo de praacuteticas ambientais saudaacuteveis

Em outra experiecircncia com base na temaacutetica da interseto-rialidade Lima amp Vilasbocircas (2011) descrevem a implantaccedilatildeo de accedilotildees intersetoriais para o controle do dengue na Bahia Brasil Os autores defendem a criaccedilatildeo de um comitecirc interse-torial com uma equipe condutora responsaacutevel pelo trabalho a qual tenha capacidade teacutecnica e poliacutetica com as condiccedilotildees de conduzir acompanhar e avaliar as atividades e estimular a articulaccedilatildeo entre os vaacuterios setores dissipando as barreiras disciplinares

Apesar de estudos mais recentes (SOMMERFELD amp KROEGER 2012 ARUNACHALAN et al 2012) somados agraves reflexotildees das experiecircncias de controle da dengue confluiacuterem para o estiacutemulo ao controle pautado na intersetorialidade e na participaccedilatildeo comunitaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que uma mo-bilizaccedilatildeo em Educaccedilatildeo em Sauacutede por si soacute natildeo eacute capaz de pro-duzir mudanccedilas e controlar problemas de sauacutede Para tanto eacute necessaacuterio que o controle da dengue adquira uma visatildeo mais ampla e possa ser atuante nos determinantes ecobiossociais que envolvem essa enfermidade (TEIXEIRA 2008 ARUNA-CHALAM ET AL 2010 TANA et al 2012) E assim os pro-gramas de controle devem levar em consideraccedilatildeo uma vigilacircn-cia epidemioloacutegica eficaz um controle vetorial sustentaacutevel e sobretudo a promoccedilatildeo de accedilotildees de saneamento baacutesico

Na contextura desta realidade questiona-se quais os pa-peacuteis dos vaacuterios atores sociais no cenaacuterio da dengue em Forta-leza Como realizam suas atividades de controle da dengue O que fazem para diminuir os fatores determinantes da dengue Como cada um deles se articula para melhorar o controle da dengue

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Estes questionamentos somados agrave oportunidade de par-ticipaccedilatildeo no Estudo Multicecircntrico - ldquoPesquisa Ecobiossocial sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Ca-riberdquo desenvolvido pela Universidade Estadual do Cearaacute nos instiga a dialogar com os atores sociais com o objetivo de ana-lisar a perspectiva de familiares profissionais de sauacutede e atores do programa de controle do dengue sobre seu papel presente as praacuteticas de prevenccedilatildeo

METODOLOGIAEste eacute um experimento de abordagem qualitativa realiza-

do no periacuteodo de janeiro de 2011 a maio de 2012 com base no protocolo central do Estudo Multicecircntrico ldquoPesquisa Ecobios-social sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Cariberdquo O estudo adotou uma perspectiva antropoloacutegica baseada principalmente em meacutetodos qualitativos e no Brasil a respectiva anaacutelise foi realizada em aacutereas selecionadas do Mu-niciacutepio de Fortaleza-CE

Administrativamente o Municiacutepio de Fortaleza estaacute divi-dido em seis regiotildees cada uma delas sob o comando de uma Secretaria Executiva Regional (SER) Foram selecionadas dez aacutereas para o estudo apoacutes de sorteios de recortes do mapa do Fortaleza de forma que a cada recorte correspondesse uma lo-calidade com cerca de 100 imoacuteveis

Foi realizado um total de 66 visitas observacionais nos domiciacutelios correspondentes e 31 entrevistas foram gravadas e transcritas e as observaccedilotildees-participantes bem como as con-versas informais com os moradores da aacuterea foram anotadas em diaacuterios de campo e posteriormente codificadas analisadas e interpretadas

Para complementar foram realizados grupos focais para cada aacuterea do estudo agrupando as categorias de atores sociais

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investigadas familiares profissionais de sauacutede (Equipe de Sauacute-de da Famiacutelia) e atores do programa de controle da dengue

Adotou-se como ferramenta para organizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados da pesquisa o software Qualitative Solutions Re-search N-vivo (QSR) versatildeo 20 Inicialmente foram realiza-das leituras sucessivas para atingir uma compreensatildeo geral do sentido dos textos e em seguida cada transcriccedilatildeo de entrevista e nota de diaacuterio de campo foi importada para o software em um arquivo rich text

Apoacutes esse passo durante a leitura de cada arquivo se rela-cionou passagens dos textos a categorias que o pesquisador de-senvolveu com base nos seus objetivos e na compreensatildeo geral do texto (KELLE 2012) A esse passo denomina-se codificaccedilatildeo e a cada categoria o software N-vivo denomina de Node Para o ensaio sob relatoacuterio as passagens foram relacionadas afree nodes ou seja coacutedigos livres ou natildeo hieraacuterquicos A lista resul-tante das passagens dos textos selecionados foi exportada para o software Microsoft Word 2007 e assim os dados puderam ser analisados com apoio na identificaccedilatildeo dos nuacutecleos de sentido e sua posterior anaacutelise e interpretaccedilatildeo (MINAYO 2008)

As categorias analiacuteticas que emergiram durante a anaacutelise dos dados foram A divergecircncia sobre seu papel no controle da dengue e os interesses dos atores A participaccedilatildeo como praacutetica de prevenccedilatildeo e A necessidade de integraccedilatildeo

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

A divergecircncia sobre seu papel no controle do dengue e os interesses dos atores

Os resultados apontaram para uma complexa divergecircn-cia entre os interesses e papeacuteis dos diferentes agentes sociais no cenaacuterio da dengue em Fortaleza As informaccedilotildees colhidas

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retratam a complexidade em que cada ator social se insere se percebe e se envolve nas accedilotildees de combate prevenccedilatildeo e con-trole desta doenccedila

Nas falas dos profissionais de sauacutede destaca-se As pessoas sabem eacute muito divulgado pelos meios de comunicaccedilatildeo Mas laacute na periferia mesmo fazer o trabalho em si que eacute evitar os criadouros do mosquito eacute difiacutecil O grau de instruccedilatildeo eacute menor (P- AacuteREA 10)

As pessoas com descuido deixam caixa drsquoaacutegua aberta acumulam lixo [] Tem tam-beacutem a falta de conscientizaccedilatildeo e educaccedilatildeo muitas pessoas aglomeradas a falta de abas-tecimento de aacutegua reservatoacuterios de estoque (P- AacuteREA 4)

A informaccedilatildeo tem Todos sabem o que eacute dengue Mas natildeo cuidam das suas casas (P - AacuteREA 3)

As falas dos profissionais atribui a disseminaccedilatildeo da den-gue ao descuido da populaccedilatildeo e registram o desconhecimento da necessidade de desempenhar o seu papel de profissional de sauacutede com uma reflexatildeo do que pode ser melhorado em suas accedilotildees e atitudes Esta atitude eacute negativa visto que conforme Zagury (2006) a culpabilizaccedilatildeo que ocorre quando se imputa responsabilidades isoladas na forma de eleiccedilatildeo automaacutetica de culpados dentro da complexidade do contexto configura uma maneira simplista de debater os problemas que dificulta sua soluccedilatildeo

O papel dos profissionais da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia inclui a conduta de se integrarem com a comunidade buscan-do conhecer a realidade vivida por parte de cada integrante seja individual ou coletivamente com o intuito de melhorar a

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qualidade de vida dos integrantes da comunidade assumindo uma postura de agente de transformaccedilatildeo e motivando a parti-cipaccedilatildeo popular O profissional deve buscar entender e aten-der as necessidades reais e potenciais da pessoa seja esta no seu conviacutevio familiar coletivo ou individual (SCHULTZ 2008)

Nos depoimentos dos atores envolvidos no controle da dengue sobressaiacuteram-se

Deveria ter mais agentes O correto era ter uma visita a cada dois meses Ou seja seis vi-sitas em um ano Tem quadra que fica cinco meses sem ser visitada e algumas uma vez ao ano (C-AacuteREA 7)

[] Uma grande reclamaccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute o fato da prefeitura natildeo realizar mais a dis-tribuiccedilatildeo de telas para vedaccedilatildeo Antigamente isso era feito mas agora os proacuteprios donos da casa precisam comprar suas telas (C- AacuteREA 4)

Rapaz eu considero nosso papel muito im-portante neacute Porque a gente taacute conscienti-zando a populaccedilatildeo e salvando as vidas dela A gente estaacute eliminando o foco do mosquito Eu creio que a populaccedilatildeo tinha que ter mais consciecircncia neacute Porque o que jaacute repassado por televisatildeo pela gente mesmo eu acho que jaacute eacute bem amplo neacute E pra eles tanto faz como tanto fez (C- AacuteREA 1)

Bem nosso trabalho eacute basicamente procurar encontrar e eliminar os focos do mosquito Aedes aegypti neacute Esse eacute o nosso trabalho E dar a educaccedilatildeo sanitaacuteria aos moradores e a populaccedilatildeo para como se evitar os criadores em sua residecircncia [] (C-AacuteREA 3)

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As falas dos agentes de endemias revelam que estes assu-mem um papel que denominam de ldquoconscientizaccedilatildeordquo poreacutem contraditoriamente a esta proposta todos reconhecem que suas accedilotildees satildeo ineficazes haja vista que para eles a populaccedilatildeo natildeo cumpre o seu papel Percebe-se mediante seus discursos que os agentes de endemias tambeacutem inculpem o outro seja a Prefeitura seja o Governo do Estado ou ainda a comunidade

O conteuacutedo ofertado pelos agentes de endemias natildeo en-contra eco na populaccedilatildeo simplesmente porque a comunidade natildeo interioriza os conceitos procedentes da abstraccedilatildeo cientiacutefi-ca inserida nos materiais produzidos Infere-se que o trabalho nominado de conscientizaccedilatildeo segue a proposta educativa tra-dicional cuja praacutetica se torna um ato de depositar em que os educandos satildeo os depositaacuterios e o educador o depositante sem haver uma preocupaccedilatildeo com a aplicaccedilatildeo dos conteuacutedos no co-tidiano do educando (MARTINS GARCIA PASSOS 2008)

Assim a conscientizaccedilatildeo referida pelos agentes de ende-mias parece seguir um processo educativo de caraacuteter verticali-zado que natildeo encontra resposta na comunidade Esta realida-de eacute preocupante considerando-se que ao agente comunitaacuterio de endemias (ACE) competem accedilotildees como Educaccedilatildeo em Sauacute-de a mobilizaccedilatildeo comunitaacuteria a identificaccedilatildeo de criadouros e que o distanciamento decorrente deste tipo de comportamen-to dos ACEs compromete a eficaacutecia da Educaccedilatildeo em Sauacutede por eles promovida

Corroborando as dificuldades citadas nos discursos o pretenso papel de educaccedilatildeo visando agrave mudanccedila de haacutebito da comunidade com relaccedilatildeo agraves medidas preventivas de controle da dengue eacute falho pela quantidade de ACEs disponiacuteveis e pelo pouco tempo dispensado em cada imoacutevel com a finalidade de atingir o percentual necessaacuterio

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Nas falas dos membros das famiacutelias chamou atenccedilatildeoAs visitas dos agentes de endemias deve-riam ocorrer com uma frequecircncia maior pois atualmente soacute ocorrem cerca de 3 em 3 meses e com o tempo acabo esquecendo de tomar os cuidados com a aacutegua parada Eu acho muito bonito porque quem combate eacute eles mesmo (MF- AacuteREA 4)

[] O governo jaacute deveria ter uma accedilatildeo mais eficiente jaacute que esperar pela participaccedilatildeo natildeo resolve Num instante criam vacina para gripe por que natildeo tem para dengue Jaacute estaacute com tanto tempo (MF- AacuteREA 5)

A dengue a gente soacute vecirc falar mal O problema eacute do governo que natildeo cuida da gente Esse posto de sauacutede aiacute natildeo serve pra nada Nunca tem meacutedico (MF- AacuteREA 1)

Agraves vezes por que vecirc a casa assim agraves vezes coloca a proacutepria vizinha aiacute agraves vezes coloca lixo o lixo aqui da minha casa eacute condiciona-do em sacos plaacutesticos copinho aparece aiacute mas meu natildeo eacute (MF ndash AacuteREA 9)

De quem eacute a culpa Das pessoas que deixam acumular Natildeo tem higiene Eu tenho que fa-zer neacute Laacute em casa eacute bomba de puxar aacutegua natildeo eacute Cagece Eu encho o balde pra tomar banho mas logo seco A prefeitura deve fa-zer mais visitas agraves casas pois a gente cai na rotina e a gente esquece (MF- AacuteREA 2)

A culpa eacute da populaccedilatildeo eu faccedilo a minha par-te tem gente que natildeo [] (MF ndash AacuteREA 6)

De novo parece evidente nas falas da comunidade o fato de que o ldquoproblemardquo eacute sempre do outro ou pertence ao ou-

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tro seja este o vizinho a Prefeitura ou os oacutergatildeos competentes Tambeacutem a responsabilidade passa a ser do outro e a pessoa natildeo se enquadra como sujeito ativo e participativo no processo de prevenccedilatildeo e controle da dengue

Salta a sensaccedilatildeo de que a comunidade ainda natildeo se apro-priou do seu papel como sujeito ativo de transformaccedilatildeo da realidade neste caso a dengue em nosso meio

A participaccedilatildeo comunitaacuteria como praacutetica de preven-ccedilatildeo

Foi observado com arrimo nas informaccedilotildees coletadas que os atores - sejam eles profissionais de sauacutede atores do contro-le da dengue ou mesmo membros da comunidadendashacreditam que uma boa praacutetica de prevenccedilatildeo decorre da conscientizaccedilatildeo e da participaccedilatildeo comunitaacuteria mas ressaltam tambeacutem a difi-culdade em atingi-la

Eu creio que se natildeo fosse o nosso trabalho [de controle] estaria pior do que estaacute [] A tecla que a gente bate mais eacute a conscientiza-ccedilatildeo do morador Mas aiacute natildeo depende soacute do agente sanitarista depende sim do morador Ele tem que tomar accedilatildeo (C ndash AacuteREA 10)

[] A gente ensina como eacute que se lava o pote Vocecirc lava aquele pote pra ele [o mo-rador] ensinando quando vocecirc passa 2 3 meses depois ele estaacute esperando vocecirc pra lavar Taacute entendendo Ele fica acomodado A populaccedilatildeo mesmo se acomoda porque eles sabem que tem uma pessoa que vai chegar laacute e vai fazer aquilo (C ndash AacuteREA 1)

A dengue eacute um besouro maligno que se fer-roar uma pessoa a pessoa taacute ferrada Entatildeo o

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morador tem que cuidar da casa para natildeo ter febre dor de cabeccedila vocircmito Eu natildeo posso dizer muito porque nunca vi pessoalmente Por aqui natildeo tem isso natildeo Natildeo conheccedilo ningueacutem que jaacute pegou O que a gente sabe eacute mais o que passa no raacutedio e na televisatildeo (MF ndash AacuteREA 1)

O trabalho dos agentes eacute bom eles estatildeo sempre por aqui falta agrave populaccedilatildeo participar (MF ndash AacuteREA 3)

Os discursos anteriores retratam que apesar de todas as categorias de atores afirmarem a importacircncia da participaccedilatildeo comunitaacuteria para a prevenccedilatildeo da doenccedila daacute-se muito creacutedito ao trabalho dos agentes de controle de endemias mas pouco se observa de mudanccedila nas praacuteticas das comunidades

Estudo sobre conhecimentos atitudes e praacuteticas no Nor-deste brasileiro aponta essas informaccedilotildees quando ressalta que os moradores ficam agrave espera de uma accedilatildeo do agente de sauacutede para realizar atividades que poderiam ser incorporadas em sua rotina domeacutestica

Em estudo de Reis Andrade e Cunha (2013) seus dados empiacutericos apontam que pela loacutegica dos profissionais envol-vidos no controle da dengue a populaccedilatildeo confia nos agentes puacuteblicos para realizar as praacuteticas de higiene ambiental no do-miciacutelio e que pela loacutegica da populaccedilatildeo daacute-se pouco creacutedito agrave ocorrecircncia e gravidade da doenccedila

Primeiramente eacute importante salientar que alguns estudos (SANTOS CABRAL AUGUSTO 2011) sobre conhecimento da populaccedilatildeo mostram que a taxa de acerto em inqueacuteritos fei-tos sobre o vetor e a doenccedila eacute alta mas que isto natildeo se reflete na praacutetica Assim natildeo apenas o conhecimento eacute importante mas para Reis Andrade e Cunha (2013) eacute necessaacuteria uma

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abstraccedilatildeo bastante elaborada para entender como um viacuterus ser invisiacutevel pode causar transtornos tatildeo intensos e soacute depois desse processo eacute possiacutevel realizar atividades para estimular uma participaccedilatildeo comunitaacuteria jaacute que ldquosoacute consegue-se fazer a populaccedilatildeo querer algo quando ela entende a necessidade das accedilotildeesrdquo (REIS ANDRADE CUNHA 2013 p 523)

O mais difiacutecil de acabar com a dengue eacute jus-tamente pela mudanccedila de consciecircncia do povo porque eu acho que informaccedilatildeo natildeo falta neacute Noacutes estamos passando de mecircs em mecircs em uma casa na televisatildeo eacute soacute o que tem eacute comercial e propaganda a respeito da den-gue [] A gente trata hoje elimina o foco mas quando passa o outro ciclo o foco ta laacute agraves vezes ateacute no mesmo depoacutesito (C- AacuteREA 3)

A funccedilatildeo eacute eliminar o mosquito e ensinar a populaccedilatildeo como eacute que se previne A gente trabalha na parte da prevenccedilatildeo e no comba-te porque se a gente taacute combatendo a gente taacute prevenindo (C ndash AacuteREA 5)

Percebeu-se uma lacuna nas campanhas educativas cujos conteuacutedos natildeo conseguem ensejar a conscientizaccedilatildeo popular Para Freire (1999) o ponto criacutetico da educaccedilatildeo eacute a conscien-tizaccedilatildeo que deve ter como consequecircncia a promoccedilatildeo de uma mudanccedila entre as pessoas que sairiam de um estaacutedio de alie-naccedilatildeo para uma atitude de reflexatildeo - accedilatildeo Esse teorista defen-de a pedagogia que estabelece relaccedilatildeo de igualdade e criticida-de entre educador e educando em que ambos satildeo herdeiros de experiecircncias criando e recriando integrando-se agrave realida-de enfrentando desafios e apreendendo seus papeacuteis no acircmbito dos seus contextos biopsicossociais

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A necessidade de integraccedilatildeo

Algumas informaccedilotildees coletadas refletem que mesmo os discursos dos atores apontando uma culpabilizaccedilatildeo alguns concordam com a ideia de que a integraccedilatildeo entre os atores seja um elemento-chave para o controle da dengue e assim necessita de reunir esforccedilos de vaacuterios campos para atingir os fatores ecobiossociais envolvidos na manutenccedilatildeo e dispersatildeo desse vetor

Tem ainda a questatildeo governamental soacute vatildeo olhar pra dengue quando taacute na epidemia natildeo eacute utilizado na prevenccedilatildeo (P-AacuteREA 4)

[] A dengue natildeo eacute soacute o posto de sauacutede natildeo Tem que ter mais profissionais Tem que ter materiais para o trabalho Tem que ter sanea-mento Natildeo adianta vocecirc tratar de dengue soacute no posto se existem caixas drsquoaacutegua aacuteguas pa-radas esgotos tudo isso contribui Haacute pes-soal sem condiccedilatildeo de ajeitar a caixa drsquoaacutegua isso contribui (P-AacuteREA 1)

As falas anteriores refletem a noccedilatildeo de que os profissio-nais tambeacutem associam a disseminaccedilatildeo da dengue agrave falta de condiccedilotildees de trabalho e a ausecircncia de accedilatildeo efetiva dos atores poliacuteticos para o controle da doenccedila

A segunda fala reflete a necessidade da intersetorialidade no controle do dengue Lima amp Vilasbocircas (2011) ressaltam que a intersetorialidade pode se tornar um dos eixos principais para a consolidaccedilatildeo de um sistema de sauacutede mais efetivo poreacutem im-plica mudanccedilas seja na gestatildeo ainda muito setorializada seja na implantaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis e de promoccedilatildeo da sauacutede evitando a subordinaccedilatildeo de um setor a outro e exi-gindo maior articulaccedilatildeo com membros da populaccedilatildeo

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[] Tecircm equipes que fazem isso as visitas domiciliares os agentes de sauacutede E aiacute vem o mesmo problema da equipe de sauacutede da famiacutelia que estatildeo sempre incompleta falta meacutedico falta enfermeira ou natildeo satildeo cober-tos A gente vecirc a sobrecarga dos exames labo-ratoriais A gente taacute vivendo uma epidemia Ningueacutem ouve falar de alocaccedilatildeo de recursos para isso que foi contratado uma equipe de campanha que a prefeitura fez contrataccedilotildees de equipes extras A gente continua traba-lhando com a mesma maacutequina a mesma quantidade de profissionais que trabalham em dias normais Acho que a gente tem que falar do lixo da proacutepria falta de contrataccedilatildeo de agentes de endemias para vasculhar mes-mo esses terrenos baldios (P-AacuteREA7)

Eacute importante salientar que como parte integrante da Equi-pe de Sauacutede da Famiacutelia os profissionais devem ser peccedilas-cha-ve a fim de romper com o comportamento passivo das equi-pes de sauacutede e estender suas accedilotildees para toda a comunidade responsabilizando-se pelo territoacuterio fundamentado pelos refe-renciais da vigilacircncia e promoccedilatildeo da sauacutede (ALVEZ AERTZ 2011) Os profissionais concordam no entanto com a ideia de que isoladamente a prevenccedilatildeo da dengue natildeo eacute eficaz e ne-cessita de uma seacuterie de atividades justificadas por Sommerfeld amp Kroeger (2013) jaacute que a complexidade dos contextos eco-biossociais ressaltam repetidamente que o controle da dengue exige uma abordagem intersetorial que combine praacuteticas de gestatildeo ambiental com a mobilizaccedilatildeo da comunidade

Uma vez me deram um papel no centro social urbano (onde fica o posto) mas foi soacute essa vez porque laacute no posto eles natildeo ex-plicam nada natildeo ensinam nada Acho que

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a dengue atua mais quando tem aacutegua limpa parada canto brejado e quando chove muito mas na caixa drsquoaacutegua natildeo daacute natildeo (MF - AacuteREA 1)

Natildeo tem outra pessoa para combater natildeo E o povo cooperar tambeacutem porque se natildeo coo-perar natildeo vai acabar nunca esse negoacutecio da dengue Eacute importante o trabalho dos agentes de endemias mas infelizmente a prefeitura natildeo daacute crachaacutes e fardas aos mesmos (MF - AacuteREA 7)

A populaccedilatildeo eacute mobilizada mas enquanto natildeo acontece com algueacutem da famiacutelia natildeo mudam Existe informaccedilatildeo o que falta eacute educaccedilatildeo A responsabilidade deve ser de to-dos Haacute dois anos teve a campanha lsquocasa limpa exemplo de sauacutedersquo na qual a pessoa da comunidade que mantivesse a casa sempre limpa ganhava precircmios [] No CSF sempre tem panfletos e tem tambeacutem uma maquete no posto lsquocasa limpa casa sujarsquo com um ACS ensinando e informando o povo sobre a den-gue e o que deve ser feito em casa para evitar (C-AacuteREA 4)

Oportunamente parece que ocorre uma cultura gover-namental que estaacute implicitamente presente nos discursos de todos os atores sociais de individualizaccedilatildeo das questotildees de prevenccedilatildeo e combate da dengue em que o culpado direto pela doenccedila eacute o vetor (Aedes aegypti como mosquito transmissor) e que a populaccedilatildeo soacute eacute acometida pela doenccedila por natildeo ter as-sumido o seu papel e praticado as orientaccedilotildees de controle e prevenccedilatildeo da doenccedila deixando escondidos o descomprome-timento dos governantes e o mau funcionamento dos serviccedilos puacuteblicos (VALLA et al 1998)

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Analisando os resultados emerge alguns questionamen-tos a atitude e as informaccedilotildees dos profissionais de sauacutede e dos ACEs potencializam as accedilotildees de combate e prevenccedilatildeo da den-gue junto agrave populaccedilatildeo Talvez a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento das redes sociais sejam mais efetivos na adesatildeo de cada um dos sujeitos e no cumprimento de seu papel A valorizaccedilatildeo dos atores sociais e o apoio aos sujeitos pode efetivar uma transfor-maccedilatildeo no contexto da dengue bem mais eficaz do que a sim-ples melhoria dos conteuacutedos das informaccedilotildees e as formas de transmiti-los A posiccedilatildeo do Estado que deixa a desejar em suas poliacuteticas puacuteblicas de vigilacircncia sanitaacuteria de coleta seletiva de lixo de pavimentaccedilatildeo das ruas e de abastecimento de aacutegua en-tre outras natildeo pode focar apenas os agentes de endemias e de sauacutede os profissionais da ESF e a populaccedilatildeo como principais transformadores da situaccedilatildeo endecircmica da dengue no Cearaacute

CONSIDERAccedilOtildeES FINAISApoacutes extensa trajetoacuteria em busca de respostas para a pro-

blemaacutetica situaccedilatildeo da dengue na cidade de Fortaleza os resul-tados desvelaram que ao analisar a perspectiva de cada sujeito integrante deste projeto sobre o seu papel na prevenccedilatildeo e no controle do dengue foi possiacutevel perceber comportamentos de culpabilizaccedilatildeo do outro no processo de disseminaccedilatildeo da doen-ccedila de maneira que os papeacuteis social e individual do ator so-cial natildeo satildeo assimilados o que corrobora a pouca eficaacutecia das estrateacutegias educativas para o controle e prevenccedilatildeo da dengue

Dessa maneira os profissionais entendiam que as famiacutelias natildeo cumpriam seu papel de providenciar o descarte correto dos resiacuteduos soacutelidos e cuidar dos seus depoacutesitos enquanto membros da famiacutelia relatavam o papel fundamental do agente sanitarista e vaacuterios fatores intimamente ligados agrave proliferaccedilatildeo

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do mosquito que dependiam da gestatildeo puacuteblica entre os quais a precariedade da coleta de lixo do acesso do caminhatildeo de lixo agraves ruelas do gerenciamento do lixo o irregular abastecimento de aacutegua a falta de saneamento baacutesico etc

Com a ideia de que os atores sociais necessitam de um espaccedilo que facilite a promoccedilatildeo da integraccedilatildeo e debata sobre os determinantes da dengue em suas respectivas localidades Ante tais achados parece necessaacuterio investir na almejada in-tersetorialidade e participaccedilatildeo social em busca de um empo-deramento comunitaacuterio que transcenderaacute o papel individual para atender ao interesse coletivo e por fim impulsionar a im-plantaccedilatildeo de accedilotildees efetivas no combate agrave dengue

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REFERecircNCIASALVES G G AERTZ D As praacuteticas educativas em sauacutede e a Es-trateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 16 n 1 p 319-325 2011ARUNACHALAM N TANA S ESPINO F et al Eco-bio-social determinants of dengue vector breeding a multi-country study in ur-ban and periurban Asia Bull World Health Organ n 88 p 173-184 2010ARUNACHALAM N TYAGI B K SAMUEL M et al Commu-nity-based control of Aedes aegypti by adoption of ecohealth me-thods in Chennai City IndiaPathogens Global Health v 106 n 8 p 488-96 2012BRAGA I A VALLE D Aedes aegypti histoacuterico do controle no Brasil Epidemiologia e Serviccedilos de Sauacutede v 16 n 2 p 113-118 2007BRASIL MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) Brasiacutelia Minis-teacuterio da Sauacutede 2002 Disponiacutevel 103 online httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpncd_2002pdf Acesso em 08 nov 2012CLARO LBL TOMASSINI HCB ROSA MLG Prevenccedilatildeo e contro-le do dengue uma revisatildeo de estudos sobre conhecimentos crenccedilas e praacuteticas da populaccedilatildeo Cadernos Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 20 n 6 p 1447-1457 2004DONALISIO M R GLASSER C M Vigilacircncia entomoloacutegica e con-trole de vetores do dengue Revista Brasileira de Epidemiologia v 5 n 3 2002FREIRE P Pedagogia da autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Rio deJaneiro Paz e Terra Coleccedilatildeo Leitura 1999KELLE U Anaacutelise com auxiacutelio de computador codificaccedilatildeo e indexa-ccedilatildeo In BAUER M W GASKEL G Pesquisa qualitativa com texto imagem e som Petroacutepolis RJ Vozes 2012 p 393-415LIMA E C VILASBOcircAS A L Q Implantaccedilatildeo das accedilotildees interseto-riais de mobilizaccedilatildeo social para o controle da dengue na Bahia Brasil Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v 27 n 8 p 1507-1519 2011MINAYO M C S Desafio do conhecimento ndash pesquisa qualitativa

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em sauacutede Satildeo Paulo HUCITEC 11 ed 2008ORGANIZACcedilAtildeO MUNDIAL DA SAUacuteDE Dengue guidelines for diagnosis treatment prevention and controlOMS 2009PEacuteREZ-GUERRA C L ZIELINSKI-GUTIERREZ E VARGAS-TORRES D et al Community beliefs and practices about dengue in Puerto Rico Revista Panamericana de Salud Publica v 25 n 3 p 218-226 2009REIS C B ANDRADE S M O CUNHA R V Aliados do Aedes aegypti fatores contribuientes para a ocorrecircncia do dengue segundo as representaccedilotildees sociais dos profissionais das equipes de sauacutede da famiacutelia Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 18 n 2 p 517-526 2013SANTOS S L CABRAL A C S P AUGUSTO L G S Conheci-mentos atitudes e praacuteticas sobre dengue seu vetor e accedilotildees de controle em uma comunidade urbana do nordeste Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 16 suppl 1 p 1319-1330 2011SCHWEIGMANN N RIZZOTTI A CASTIGLIA G et al Infor-macioacuten conocimiento y percepcioacuten sobre el riesgo de contraer el dengue en Argentina generar estrategias locales de control Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v 25 supl 1 p 137-48 2009SOMMERFELD J KROEGER A Eco-bio-social research on dengue in Asia a multicountry study on ecosystem and community-based approaches for the control of dengue vectors in urban and peri-urban Asia Pathogens and Global Health v 106 n 8 p 428-435 2012TANA S ABEYEWICKREME N ARUNACHALAM F et al Eco-Bio-Social Research on Dengue in Asia General Principles and a Case Study from Indonesia In CHARRON D EcoHealth Research in Practice Canadaacute Springer 2012 p173-186TEIXEIRA M G Controle do dengue importacircncia da articulaccedilatildeo de conhecimentos transdisciplinares Interface v 12 n 25 p 442-444 2008ZAGURY T O Professor refeacutem para pais e professores entenderem por que fracassa a educaccedilatildeo no Brasil Rio de Janeiro Record 2006ZAMBRINI D A B Lecciones desatendidas entorno a la epidemia de dengue en Argentina 2009 Revista de Sauacutede Puacuteblica v 45 n 2 p 428-431 2011

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CAPIacuteTULO 8

SIGNIFICADOS E DIMENSOtildeES DO CONTRO-LE DO DENGUE CONCEPccedilOtildeES DE UMA CO-MUNIDADE PARTICIPATIVA NO MUNICIacute-PIO DE FORTALEZAndashCE

Cyntia Monteiro Vasconcelos MottaKrysne Kelly de Franccedila Oliveira

Elaine Neves de FreitasEdina Silva Costa

Andrea Caprara

INTRODUccedilAtildeO

Em decorrecircncia de sua complexidade a dengue perpassa o tempo as estrateacutegias utilizadas em seu controle e segue in-trigando profissionais gestores e outros agentes sociais envol-vidos em seu contexto Isso a torna uma arbovirose de grande importacircncia para a Sauacutede Puacuteblica

Dados revelados pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) apontam que cerca de 25 bilhotildees de pessoas se encon-tram sob o risco de se infectarem particularmente nos paiacuteses tropicais onde a temperatura e a umidade favorecem a proli-feraccedilatildeo do vetor (OMS 2009)

O Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil em seu documento in-titulado ldquoDiretrizes nacionais para a prevenccedilatildeo e controle de epidemias de denguerdquo confirma a referida estimativa e ainda acrescenta que anualmente a populaccedilatildeo mundial estaacute sob o ris-co de 50 milhotildees de casos de dengue Desses 50 mil necessitam de hospitalizaccedilatildeo e pelo menos 20 mil morrem em consequecircn-cia da doenccedila (BRASIL 2009)

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A relaccedilatildeo com o saneamento ambiental faz-se importante em razatildeo da vulnerabilidade agrave presenccedila de potenciais criadou-ros domiciliares peridomiciliares em logradouros puacuteblicos e no ambiente urbano em geral (SANTOS 2003) A deficiecircncia no abastecimento de aacutegua e na coleta de lixo a utilizaccedilatildeo de materiais biodegradaacuteveis inventados pelo homem como por exemplo pneus velhos garrafas vasos de plantas calhas pisci-nas entre outros tambeacutem contribuem com a problemaacutetica em torno da dengue (ELLIS WILCOX 2009)

Ruacutea-Uribe et al (2013) revelaram uma associaccedilatildeo entre as mudanccedilas nas condiccedilotildees climaacuteticas e a transmissatildeo da doen-ccedila Esta uacuteltima depende de outros fatores mas aqueles consi-derados chaves satildeo a densidade da populaccedilatildeo dos mosquitos vetores (afetada pelas mudanccedilas na temperatura e no regime de chuvas) e o nuacutemero de casos de dengue na populaccedilatildeo em risco de um surto epidecircmico Acrescenta-se a essa informaccedilatildeo o estudo de Teixeira et al (1999) em que foi relatado agrave eacutepoca que a transmissatildeo estaacute condicionada a alguns fatores como a distribuiccedilatildeo a densidade e a dispersatildeo do vetor

Nimmagadda et al (2014) assinalam que a proliferaccedilatildeo de mosquitos e infecccedilotildees por dengue teve um rompante cresci-mento com um aumento de 30 vezes na incidecircncia estima-da nas uacuteltimas cinco deacutecadas Isso decorre de fatores como o crescimento da populaccedilatildeo a raacutepida urbanizaccedilatildeo e falta de me-didas sanitaacuterias apropriadas No Brasil o vetor dessa doenccedila encontra condiccedilotildees ideais para sua proliferaccedilatildeo e manutenccedilatildeo no meio urbano em virtude das condiccedilotildees ambientais os gran-des aglomerados populacionais e o modus vivendi associado agraves precaacuterias condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo

Vale ressaltar que as aacutereas onde ocorre a transmissatildeo au-toacutectone vatildeo se modificando na medida em que se acaba com

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o estoque de pessoas suscetiacuteveis bem como quando se efetua o combate ao vetor Logo o programa de controle deve intuir a ideia de que a doenccedila tende a lsquomigrarrsquo para outras aacutereas que tenham densidade vetorial suficiente para manter o ciclo (TEI-XEIRA et al 2002)

Mediante as questotildees aqui abordadas o olhar sobre a dengue deve ser amplo pois se deve admitir sua complexidade e multifatorialidade e portanto ultrapassar o prisma exclusivo do campo da sauacutede e reforccedilar seus fatores ecobiossociais Para esclarecer tais fatores tem-se que os ecoloacutegicos fazem referecircn-cia ao clima (chuva umidade temperatura entre outros) e ao ambiente natural e antroacutepico (incluindo o ambiente urbano e agriacutecola etc) Os fatores bioloacutegicos se relacionam com o com-portamento do vetor o Aedes aegypti e dinacircmicas de trans-missatildeo da doenccedila Os domiacutenios ecoloacutegico e bioloacutegico estatildeo ligados agrave ecologia da populaccedilatildeo do vetor

Quanto aos fatores sociais estes incorporam uma seacuterie de elementos relacionados aos sistemas de sauacutede incluindo o controle do vetor os serviccedilos de sauacutede e o contexto poliacutetico (por exemplo reformas no setor da sauacutede) serviccedilos puacuteblicos e privados como saneamento e esgoto coleta de lixo e abasteci-mento de aacutegua eventos ldquomacrossociaisrdquo como o crescimento demograacutefico e da urbanizaccedilatildeo e praacuteticas da comunidade e da famiacutelia conhecimentos e atitudes bem como estas satildeo molda-das por forccedilas de grande escala como a pobreza a desigualda-de social e a dinacircmica da comunidade

Parece loacutegico que o olhar sobre a dengue deva perpassar esses fatores entretanto na praacutetica as poliacuteticas puacuteblicas de controle da doenccedila se mantiveram no decorrer dos anos com uma caracteriacutestica verticalizada e centrada apenas no controle quiacutemico Sabe-se do impacto negativo agrave sauacutede e ao meio am-

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biente gerado pelo uso de inseticidas poreacutem a populaccedilatildeo e os proacuteprios gestores situam o controle quiacutemico na suprema-cia em detrimento da participaccedilatildeo popular da mobilizaccedilatildeo da transdisciplinaridade e da intersetorialidade que deveriam nortear qualquer plano de controle da doenccedila

Mertens (2007) confirma essa afirmaccedilatildeo quando ressal-ta que a dengue natildeo tem causa uacutenica e seu controle requer a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de soluccedilotildees integradas que le-vem em consideraccedilatildeo as inter-relaccedilotildees dos fatores ambientais sociais culturais e econocircmicos e que envolvam os diversos atores sociais como a populaccedilatildeo local os pesquisadores e os gestores de aacutereas

Eacute na busca dessa outra visatildeo na tentativa de que esses atores transformem seu paradigma em relaccedilatildeo a dengue que se admite a importacircncia da abordagem em ecossauacutede ante os fatores ecobiossociais no que tange a sauacutede-doenccedila Por isso mediante as limitaccedilotildees dos programas atuais de controle da dengue fez-se necessaacuterio o uso de abordagens que integrem esses fatores

Assim em 2010 o Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases (TDR) da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e o International Development Research Cen-tre (IDRC) lanccedilaram uma iniciativa visando a analisar inter-venccedilotildees de melhoria na prevenccedilatildeo da dengue que valorizam um controle sustentaacutevel e participativo

Entendimento do projeto de intervenccedilatildeo

A iniciativa analisa intervenccedilotildees baseadas num desenho de estudo de clusters-randomizados para a melhoria da pre-venccedilatildeo da dengue e doenccedila de Chagas Com a origem no pre-ceito de que para intervir eacute imprescindiacutevel conhecer bem a

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necessidade do local de intervenccedilatildeo o estudo multicecircntrico designou a fase 1 o primeiro ano do estudo para a realizaccedilatildeo de uma anaacutelise situacional Nesse periacuteodo que perdurou du-rante os anos de 2010 e 2011 foram realizados levantamentos entomoloacutegicos e pesquisas qualitativas nos locais de estudos

No Brasil a iniciativa concentrou os esforccedilos na melhoria da prevenccedilatildeo dos casos de dengue e os locais foram seleciona-dos na cidade de Fortaleza-Cearaacute Para a seleccedilatildeo dos locais do estudo foram tomados aleatoriamente por meio de quadriacutecu-las do mapa de Fortaleza mediante software AutoCad map e o software ArcView 33 de forma que cada quadriacutecula corres-pondia a um local com cerca de 100 imoacuteveis Cada quadriacutecula correspondia a um cluster traduzidopara portuguecircs como um agregado Assim a pesquisa seguiu com a seleccedilatildeo de dez agre-gados

A intervenccedilatildeo propriamente dita foi designada para a fase 2 inicialmente realizada no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013 realizada nos mesmos dez agregados A intervenccedilatildeo estaacute alicerccedilada nos princiacutepios da ecossauacutede (mais intimamente aos princiacutepios da participaccedilatildeo sustentabilidade e transdisci-plinaridade) Seguem algumas finalidades

- Capacitar comunidades urbanas com suporte no estiacute-mulo a accedilotildeesde manejo ambiental com foconos recipientes descartados em que foram encontradas formas imaturas do vetor da dengue tanto em suas casas como no seu entorno

- Ter agentes de endemias zoneados e qualificados para fornecer informaccedilotildees corretas sobre a dengue para a populaccedilatildeo

- Promover atividades multissetoriais que permitindo que os agentes de controle da dengue e os profissionais da Estra-teacutegia de Sauacutede da Famiacutelia desempenhem o papel de liacutederes da populaccedilatildeo e educadores

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- Estimular aparceria entrecomunidades urbanas especiacute-ficas de Fortaleza e os muacuteltiplos serviccedilos urbanos do Municiacute-pio da capital baseando-se no manejo de resiacuteduos soacutelidos para contribuir com o controle de vetores urbanos

- Estimular a comunidade e outros agentes envolvidos a estabelecer em estrateacutegias efetivas e sustentaacuteveis quanto ao controle da dengue

Bosi (2012) assinou que haacute um grande investimento em pesquisas do acircmbito da ciecircncia moderna mas salienta que certas iniciativas apesar de grande relevacircncia e potencialidade para o enfrentamentos de questotildees da Sauacutede Puacuteblica soacute seratildeo uacuteteis se e quando forem assimiladas culturalmente

Portanto este experimento se destinou a examinar os sig-nificados e as dimensotildees da controle do dengue em uma co-munidade participativa e assim reconhecer as perspectivas dos atores sociais sobre os desafios e caminhos para o controle da dengue

METODOLOGIAHouve um aprofundamento na abordagem qualitativa no

propoacutesito de trabalhar com o universo dos valores motivos aspiraccedilotildees e atitudes (MINAYO 2008 CAPRARA amp LAN-DIM 2008)

A metodologia contribuiu para o campo da pesquisa pelo fato de o pesquisador buscar os significados dos sujeitos como se fizesse parte do grupo Dessa forma Minayo (2008) garante que a pesquisa social natildeo pode ser definida de forma estaacutetica e as pesquisas qualitativas buscam compreender a conduta hu-mana dando ecircnfase aos significados em seu contexto

Com efeito o estudo de caso destinou-se a analisar a pers-pectiva dos agentes sociais e acredita-se ser uma fase impor-

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tante de um estudo de intervenccedilatildeo a de ldquoouvirrdquo os atores co-munitaacuterios poliacuteticos e sociais envolvidos para com isso natildeo cair no erro que Santos (1995 p 8-9) denomina ldquoa ciecircncia teima em considerar irrelevante ilusoacuterio e falsordquo

Estamos de novo regressados agrave necessidade de perguntar pelas relaccedilotildees entre a ciecircncia e a virtude pelo valor do conhecimento dito ordinaacuterio ou vulgar que noacutes sujeitos indi-viduais ou coletivos criamos e usamos para dar sentido agraves nossas praacuteticas e que a ciecircncia teima em considerar irrelevante ilusoacuterio e falso e temos finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento cientiacutefico acumulado no enriquecimento ou no empo-brecimento ou no empobrecimento praacutetico das nossas vidas ou seja pelo contributo positivo ou negativo da ciecircncia para a nossa felicidade

No Brasil a iniciativa selecionou os locais de estudo por meio de um sorteio de dez aacutereas na cidade de Fortaleza-Cearaacute A escolha foi por um agregado do bairro do Quintino Cunha em razatildeo da individualidade do bairro referente agrave organizaccedilatildeo comunitaacuteria jaacute presente e a manutenccedilatildeo da alta incidecircncia dos iacutendices da doenccedila

O bairro do Quintino Cunha expressa uma organizaccedilatildeo comunitaacuteria soacutelida com lideranccedilas comunitaacuterias e centro co-munitaacuterio de referecircncia Para uma pesquisa que parte da pro-posta participativa esse criteacuterio de escolha emergiu da ideia de que existem diversas formas e niacuteveis de participaccedilatildeo pos-siacuteveis e que em muitos casos ldquono hay que pensar en promover desde cero sino de articularnos con procesos participativos que ya existen y que frecuentemente no son reconocidosrdquo (KEIJZER 2005)

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Assim corrobora a questatildeo definida em Horochovski (2006) quando explicita que o empoderamento a ser alcanccedilado natildeo eacute algo que pode ser imposto por outro mas que as popu-laccedilotildees locais tecircm responsabilidade pelos projetos participativos por vezes formulados originalmente por agentes externos

O estudo de caso iniciou em marccedilo do ano de 2011 com anaacutelise situacional do bairro buscando caracteriacutesticas do contex-to socioambiental da localidade A inserccedilatildeo da abordagem ecos-sistecircmica por meio da intervenccedilatildeo propriamente dita se deu no primeiro semestre do ano de 2012 e finalizou em marccedilo de 2013

Foram realizadas observaccedilotildees participantes das visitas domiciliares dos agentes de endemias e entrevistas com ato-res funcionaacuterios do controle de endemias (FCE) funcionaacuterios do Nuacutecleo de Mobilizaccedilatildeo Social (MS) profissionais de sauacutede (PS) funcionaacuterios do Centro Comunitaacuterio (CC) liacutederes co-munitaacuterios (LC) e membros da comunidade (M)

Adotou-se como ferramenta para organizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados da pesquisa o software Qualitative Solutions Resear-ch N-vivo (QSR) versatildeo 20 em que foram realizadas leituras sucessivas para atingir uma compreensatildeo geral do sentido dos textos e em seguida cada transcriccedilatildeo de entrevista e nota de diaacuterio de campo foi importada para o software em um arquivo rich text

Apoacutes esse passo durante a leitura de cada arquivo foram relacionadas passagens dos textos a categorias que o pesquisa-dor desenvolveu baseado nos seus objetivos e na compreensatildeo geral do texto (KELLE 2012)

A lista resultante das passagens dos textos selecionados pocircde ser analisada com base na identificaccedilatildeo dos nuacutecleos de sentido e sua posterior anaacutelise e interpretaccedilatildeo (MINAYO 2008)

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RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

O exame das informaccedilotildees analisadas possibilitou estabe-lecer trecircs categorias de anaacutelise Significados sobre a funccedilatildeo no controle da dengue As limitaccedilotildees do programa de controle atual e A idealizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo em Sauacutede

Significados sobre a funccedilatildeo no controle da dengue

Os agentes sociais citaram algumas de suas funccedilotildees no contexto da dengue Para os funcionaacuterios do controle de ende-mias e do Nuacutecleo de Mobilizaccedilatildeo Social

O setor de endemias do focal eacute que abrange diretamente os trabalhos residenciais com-batendo diretamente o mosquito o vetor da dengue e outros que vecircm aparecer (FCE-03)

ldquoA funccedilatildeo do Agente de Endemias por exemplo eacute fazer visitas casa-a-casa encon-trar focos eliminar focos e tratar os depoacutesi-tosrdquo (FCE-01)

O nosso carro chefe eacute a dengue A gente prio-riza mais a dengue que eacute o ano todo Mas a gente fala de DST de HIVAIDS fala de han-seniacutease alcoolismo droga calazar alimenta-ccedilatildeo saudaacutevel leptospirose mas o nosso carro chefe eacute a dengue [] Eacute orientar o que a pes-soa deve prestar atenccedilatildeo ensinar como lavar o tambor ir atraacutes de tampa para o tambor e observar a aacutegua se natildeo estaacute com os cabeccedila-de-prego (MS-01)

Palestras Reuniotildees gincanas exposiccedilotildees passeatas divulgaccedilatildeo em carros de som e vaacute-rias outras atividades (MS-03)

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Nas falas anteriores os funcionaacuterios retratam o que para eles significa a sua funccedilatildeo no controle da dengue ficando claro nas falas o quanto eles referem agrave figura do agente de endemias com atividades nos domiciacutelios para o combate do vetor e agraves atividades de orientaccedilotildees sob a responsabilidade do setor de mobilizaccedilatildeo social

Para os profissionais de sauacutedeO nosso papel tambeacutem eacute promover a sauacutede das pessoas E tambeacutem na parte de orien-taccedilatildeo orientar as famiacutelias principalmente sobre a dengue que eacute uma doenccedila que infe-lizmente natildeo eacute todo mundo que se preocupa E no nosso dia a dia a gente jaacute orienta o que pode ser feito o que a pessoa deve fazer E se o vizinho natildeo faz ela deve orientar ldquoAleacutem de fazer a parte dela tem que orientar o vizinho tambeacutem a fazer sua parte porque a dengue eacute uma doenccedila que estaacute aiacute alastrada e soacute quem pode acabar com ela eacute a proacutepria populaccedilatildeo mesmo atraveacutes do cuidado da sua proacutepria casardquo (PS-03)

ldquoSobre a dengue assim tem sido um dos agravos ateacute recorrentes no territoacuterio e a nos-sa equipe estaacute sempre aberta para ver novos trabalhos para ouvir experiecircncias relatos e contribuir com o possiacutevel que nossa inten-ccedilatildeo eacute essa (PS-01)

Os profissionais de sauacutede admitem seu papel curativo e preventivo no que diz respeito a dengue de forma que satildeo ob-servadas nas falas a importacircncia de atividades de promoccedilatildeo agrave sauacutede das famiacutelias e o reconhecimento da participaccedilatildeo da popular no cuidado da sua casa e nas accedilotildees que envolvem o territoacuterio

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A comunidade estudada tem o apoio de um centro co-munitaacuterio em que satildeo organizadas diversas atividades como grupos de idosos e gestantes cursos de aperfeiccediloamento pro-fissional solicitaccedilatildeo de documentos cadastramento em pro-gramas assistenciais formulaccedilatildeo de projetos para melhoria dos bairros dentre outras Para os funcionaacuterios

Eu trabalho aqui na associaccedilatildeo no centro comunitaacuterio e tenho um movimento social do idoso E o que eu me preocupo de um a dois anos nessa aacuterea ambiental eacute o problema do lixo Eu jaacute tenho um projeto um movi-mento de coleta seletiva Natildeo vai acabar o problema da dengue mas diminuir vai Eu acredito muito nesse projeto nesse trabalho um novo empreendimento que vai aconte-cer [] Quer dizer que quando comeccedilar o projeto de coleta de reciclagem fazer tudo direitinho ter uma articulaccedilatildeo de todas as se-cretarias aiacute vai diminuir os casos dessa doen-ccedila Vai diminuir porque vai ter uma respon-sabilidade de cada morador com o seu lixo O que eu vejo que vai melhorar a questatildeo da sauacutede da dengue e a questatildeo do meio am-biente (CC-01)

Como se trata de uma comunidade organizada e parti-cipativa as lideranccedilas comunitaacuterias aparecem ativamente no cenaacuterio da dengue

Eu faccedilo parte de outros projetos na comu-nidade O que eu sei eacute que a dengue eacute uma coisa que estaacute se alastrando A comunidade estaacute ficando a mercecirc de um mosquito que eacute uma coisa que jaacute era pra se ter feito alguma coisa pra combater esse mosquito [] Eu vou em palestras caminhadas movimentos sociais (LC-01)

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A fala anterior retrata as atividades das lideranccedilas ante o controle da dengue de forma a referir as atividades dos movi-mentos sociais proacuteximos aos membros da comunidade e todo seu esforccedilo em solicitar que os moradores cuidem do seu do-miciacutelio para o controle do vetor

Quando os moradores eram entrevistados os discursos confluiacuteam para a participaccedilatildeo no campo mais individual

Eu estou todo dia juntando o lixo que apa-rece e guardo o lixo dentro de casa e soacute boto no dia que o carro passa [] Qualquer um que entrar laacute aliaacutes tem vez que vatildeo laacute e vecirc neacute Porque eu tenho cuidado a minha caixa drsquoaacutegua eacute bem fechadinha eacute tampada toda chumbadazinha soacute entra soacute mesmo aacutegua e ar outra coisa num entra natildeo de maneira ne-nhuma (M-01)

As falas anteriores instigam a reflexatildeo sobre o diversifica-do papel dos sujeitos na prevenccedilatildeo e no controle da dengue mas tambeacutem trazem a reflexatildeo sobre a diversidade das respon-sabilidades como sujeitos Por exemplo enquanto os funcio-naacuterios dos setores puacuteblicos e os liacutederes comunitaacuterios enfati-zam atividades em um contexto mais coletivo os moradores se reduzem agraves funccedilotildees mais individuais ldquoEu estou todo tempo juntando o lixo [] guardo o lixo [] Eu tenho cuidadordquo

Tal perspectiva entra no loacutecus da discussatildeo sobre a distri-buiccedilatildeo do poder entre as pessoas ou entre os segmentos das sociedades organizadas tendo em vista o poder definido por Lordecirclo e Pontes (2009) como a possibilidade de tomar deci-sotildees e fazer com que estas sejam implementadas

Mesmo sabendo que o Estado eacute a instacircncia de poder mais representativa a sociedade ganhou espaccedilo junto agrave figura do ci-

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dadatildeo entretanto a expectativa contemporacircnea de maior par-ticipaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees de interesse coletivo e natildeo somente no acircmbito individual entra em um embate da dicoto-mia entre o crescente conhecimento produzido pela ciecircncia e o poder poliacutetico de decisatildeo conferido aos representantes sociais interessados que com frequecircncia seguem direccedilotildees divergen-tes (LORDEcircLO PONTES 2009)

Para tanto a abordagem da ecossauacutede tenta neutralizar as divergecircncias por meio da transdisciplinaridade considerando a pesquisa transdisciplinar natildeo somente como a presenccedila de pesquisadores de aacutereas diversas trabalhando juntos mas a in-tegraccedilatildeo de vaacuterios tipos de saberes disciplinares com os signi-ficados e as praacuteticas da experiecircncia dos agentes locais (IRIART amp CAPRARA 2011)

Embora a complexidade do dengue requeira uma abor-dagem transdisciplinar eacute perceptiacutevel nas falas dos sujeitos a dificuldade em se conferir uma discussatildeo horizontal entre en-tes puacuteblicos e os moradores do agregado Considerando essa fragilidade o grupo implantado na localidade foi denominado como interdisciplinar Ainda assim a intervenccedilatildeo fortaleceu a participaccedilatildeo social no processo sauacutede-doenccedila da dengue na medida emque fortaleceu a capacidade de formulaccedilatildeo e nego-ciaccedilatildeo de novas propostas

Essa tentativa de um diaacutelogo mais horizontal entre varia-dosagentes locais tambeacutem foi implementada por uma inter-venccedilatildeo em Havana (IDRC 2006) quando o fortalecimento da participaccedilatildeo foi estruturado com um apoio interdisciplinar como observado na figura A finalidade dessa intervenccedilatildeo era de que as vaacuterias funccedilotildees dos stakeholders (famiacutelias organiza-ccedilotildees organismos e instituiccedilotildees) se reunissem em uma cogestatildeo no processo social da sauacutede para uma melhora do ecossistema

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Figura ndash Modelo de Cogestatildeo para a participaccedilatildeo comunitaacute-ria

Famiacutelias

Organizaciones

Organismos

Instituciones

Produccioacuten socialde la Salud

MEJORAMIENTO DEL ECOSISTEMA

Fonte IDRC 2006

As limitaccedilotildees do programa de controle atual

No Brasil os planos de controle da dengue foram elabo-rados pelo Ministeacuterio da Sauacutede a partir de 1996 ndash o Plano de Erradicaccedilatildeo do Aedes aegypti (PEAa) o Plano de Intensifica-ccedilatildeo das Accedilotildees de Controle da Dengue (PIACD) e o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) esse uacuteltimo de ca-raacuteter emergencial a partir de 2002 em virtude da introduccedilatildeo do novo sorotipo (DENV 3) mas que ainda eacute apontado como um programa executado em todos os municiacutepios brasileiros

Apesar do dispecircndio de vultuosos recursos em accedilotildees para o controle da dengue o Brasil ainda enfrenta dificuldades em reduzir as infecccedilotildees no Paiacutes (TEIXEIRA 2008) Com efeito a sensaccedilatildeo de descontentamento eacute referida pelos funcionaacuterios vinculados a essas accedilotildees

No trabalho de combate ao dengue vocecirc estaacute passando de dois em dois meses naquela casa Vocecirc pega um bairro X trabalha naque-le bairro faz as orientaccedilotildees com dois meses volta a passar de novo Aiacute como jaacute passei

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nessa aacuterea eu sei que natildeo vou dizer todos mas de 20 a 30 cai no esquecimento [] Outras natildeo ficam no esquecimento e deixam a doenccedila adentrar em seus proacuteprios lares En-tendeu Natildeo satildeo todos que assimilam e que levam essa campanha ao longo da vida Eu natildeo sei se eacute ignoracircncia do povo ainda Aquela cultura antiga que muitos deles ainda espe-ram por nossa visita Eles natildeo se veem como voluntaacuterios do seu proacuteprio lar Muitos deles soacute esperam pelo agente Por isso que hoje a gente tem que dizer que vocecirc eacute um voluntaacute-rio de sua residecircncia para natildeo deixar que a doenccedila o seu periacutemetro residencial Sempre estatildeo caindo no esquecimento e a gente estaacute aqui para estar relembrando (MS-AacuteREA 3)

Eacute expliacutecita a dificuldade da realizaccedilatildeo das visitas domici-liares Em estudo de Sales (2008) fragilidades dos aspectos de trabalho de campo foram reveladas como fragilidade e accedilotildees pontuais conteuacutedo das mensagens educativas distantes da realidade local estrateacutegias autoritaacuterias e coercitivas aleacutem de converter as pessoas os receptores em meros receptaacuteculos de mensagens taxativas

Emergiram acerca das limitaccedilotildees com o programa tradi-cional seja do processo de trabalho ou seja no uso de produ-tos quiacutemicos para controle do vetor

O controle da dengue aqui visa muito produ-ccedilatildeo Eacute raro liberar algum agente de endemias para fazer um trabalho diferenciado Seria de mera importacircncia Mas essa integraccedilatildeo eacute difiacutecil porque eles trabalham por produccedilatildeo ou seja tem que visitar um nuacutemero certo de casas por dia (MS-01)

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Primeiro o produto [larvicida] natildeo eacute eficaz porque dizem que o produto atrasa o ciclo do mosquito mas a gente faz ateacute um teste dizem que eacute uma gota por um total de aacutegua E a gente colocou o triplo do produto passou mais de 15 dias e a larva estava laacute Entatildeo eu acho que natildeo eacute eficaz Eu vejo que esse tra-balho tambeacutem eacute ultrapassado porque eles preconizam 5 ou 6 visitas ao ano mas eacute feito um trabalho de 10 de Fortaleza Em uma aacuterea de 5 mil imoacuteveis eacute visitada apenas 10 Tem casas que passam mais de 4 visitas que natildeo visitam Entatildeo o nosso trabalho deixa a desejar O produto natildeo soluciona o problema e tem que ser feito um trabalho mais preven-tivo em mais casas e natildeo com a pesquisa de 10 das casas que quando vatildeo ver as casas que natildeo foram visitas estoura os iacutendices eacute por isso que eu digo que tem que ser feito 100 dos imoacuteveis (FCE-01)

Enquanto os sujeitos envolvidos no controle da dengue no Quintino Cunha percebem o atual controle como ldquoultra-passadordquo os dados epidemioloacutegicos contabilizam iacutendices preocupantes Durante um levantamento dos iacutendices de infes-taccedilatildeo predial (IIP) do bairro Quintino Cunha realizado pela Vigilacircncia Epidemioloacutegica (FORTALEZA 2013) da cidade de Fortaleza no periacuteodo de 2007 a 2010 observa-se uma seacuterie histoacuterica preocupante jaacute que em todos os anos foram alcan-ccedilados iacutendices superiores a 1 o que caracteriza uma situaccedilatildeo de alerta ou situaccedilatildeo de risco seguindo a classificaccedilatildeo adotada por Valadares Rodrigues Filho e Peluzio (2013) na qual o IIP eacute classificado como satisfatoacuterio (lt1) situaccedilatildeo de alerta (1 a 39) e risco de surto (gt39) Como limite superior encon-trou-se no segundo ciclo da pesquisa do ano de 2009 em que

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se atingiu um iacutendice de 651 Quanto aos casos de dengue no ano de 2012 o bairro acumulou um total de 499 casos no-tificados e ateacute o primeiro semestre do ano de 2013 o total foi de 486

Para Gondim Lima amp Caprara (2013) a casa eacute o local de referecircncia para muitas doenccedilas transmitidas por insetos-veto-res Entatildeo deixa de ser surpresa que estrateacutegias de controle das doenccedilas devam ser frequentemente implantadas nos niacuteveis dos domiciacutelios A intrusatildeo no entanto de pessoas tecnologias ou ideologias estranhas pode trazer inuacutemeros aspectos relacio-nados entre o que deve ser de domiacutenio puacuteblico e domeacutestico ocasionando uma ameaccedila sobre o poder e autoridade da figura da ldquodona do larrdquo

Cavalcanti (2013) assinala que em um curto espaccedilo de tempo seraacute cada vez mais difiacutecil ancorar as medidas de con-trole vetorial na visita domiciliar de agentes de endemias pois essa atividade estaacute comprometida por questotildees de custos as-pectos operacionais e profissionais instaacuteveis o que enseja des-qualificaccedilatildeo e falta de aceitaccedilatildeo da visita dos agentes por parte da populaccedilatildeo

A idealizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo em Sauacutede e mobilizaccedilatildeo social

Outro ponto citado pelos sujeitos adveacutem da dificuldade de surtir bons resultados com as atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede e mobilizaccedilatildeo social para o controle da dengue o que para eles na praacutetica natildeo significa que levaraacute maior participa-ccedilatildeo dos sujeitos

Eacute complicado tem pessoas que natildeo tem as condiccedilotildees miacutenimas de higiene natildeo tem aacutegua

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tratada natildeo tem esgoto e aiacute A gente taacute lidan-do com questotildees sociais tambeacutem principal-mente sabe A dengue natildeo eacute soacute uma doenccedila em si Ela traz uma questatildeo social tambeacutem Aiacute eacute preciso muito cuidado quando a gen-te for tratar dessas questotildees Eacute complicado (PS-02)

Eu estava fazendo um movimento social uma caminhada e eu parei assim e disse ateacute o seguinte lsquoPelo amor de Deus natildeo eacute possiacutevel que precise morrer algueacutem de vocecircs pra vo-cecircs acordarem rsquo Natildeo eacute isso que a gente quer Noacutes estamos querendo que eles se eduquem Coloquem o lixo no lugar e na hora certa que o lixo taacute passando Deixe o saco de lixo em casa Natildeo deixe acumular aacutegua naquele saco de lixo (LC01)

Na perspectiva de Teixeira (2008) eacute necessaacuterio desmisti-ficar o discurso de que comunicaccedilatildeo educaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo social por si eacute capaz de produzir mudanccedilas e controlar pro-blemas de sauacutede Especialmente os programas de controle da dengue devem ser atuantes com base em uma vigilacircncia epide-mioloacutegica eficaz um controle vetorial sustentaacutevel e sobretudo a promoccedilatildeo de accedilotildees de saneamento baacutesico tais como coleta de lixo adequada suprimento de aacutegua com qualidade e sem intermitecircncia esgotamento sanitaacuterio limpeza de logradouros puacuteblicos etc

Outro limite percebido pelos sujeitos eacute exemplificado na fala de uma educadora em sauacutede que reflete sobre um desafio do controle da dengue com apoio na compreensatildeo de que a dengue natildeo estaacute isolada de outros problemas socioeconocircmicos

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Vocecirc entra em uma casa () para falar da dengue do que eacute certo e o que eacute errado para a proliferaccedilatildeo do mosquito para uma pessoa que natildeo comeu que estaacute drogada ou que a matildee saiu e na casa soacute tem crianccedila Eacute compli-cado Entatildeo a populaccedilatildeo agraves vezes eacute um de-safio eacute complicado trabalhar com o povo A gente faz combina tudo mas na hora que vecirc uma situaccedilatildeo dessa trava tudo (MS-01)

Apesar de os estudos mostrarem que a participaccedilatildeo social eacute um caminho para o controle da dengue - e as falas indicam que a participaccedilatildeo em uma comunidade engajada eacute possiacutevel - deve-se levar em consideraccedilatildeo o fato de que que os caminhos para o devido controle da doenccedila ainda satildeo influenciados por vaacuterias lacunas

Efetivamente nos bairros de estratos sociais mais baixos onde as populaccedilotildees se veem apartadas de seus direitos es-senciais a dengue tende a se caracterizar como problema de menor grandeza que pode ser explicado pela emergecircncia em suprir outras necessidades essenciais (CHIARAVALLOTI et al 2007)

Esta constataccedilatildeo daacute ecircnfase a alguns questionamentos le-vantados pelos sujeitos Como orientar uma famiacutelia que natildeo tem condiccedilotildees miacutenimas de higiene a natildeo armazenarem aacutegua em recipientes abertos Como orientar moradores com trans-tornos psicossociais a limparem seus quintais

Em um estudo de Chiaravalloti e colaboradores (2007) foi visto que essa eacute uma dificuldade tambeacutem percebida no Pro-grama Sauacutede da Famiacutelia quando os agentes comunitaacuterios de sauacutede alegam que o trabalho de conscientizaccedilatildeo concorre com o atendimento agraves carecircncias imediatas

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CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Os resultados mostraram que os funcionaacuterios do controle da dengue conhecem as limitaccedilotildees no controle da dengue ba-seado no uso de inseticidas e que a populaccedilatildeo em uma comu-nidade engajada socialmente eacute possiacutevel mas que a prevenccedilatildeo deve ser pautada em uma comunidade participativa e natildeo ape-nas com atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede

Dado esse contexto mais do que uma lista de praacuteticas ade-quadas como ldquotampe seu balderdquo ldquolimpe sua vasilhardquo e ldquonatildeo acumule aacuteguardquo o empoderamento dos moradores deve per-mitir tambeacutem um espaccedilo de autogestatildeo em sauacutede em contato estreito com as autoridades envolvidas no processo

A experiecircncia demostra que os esforccedilos de participaccedilatildeo esbarram em uma complexidade no que tange agrave relaccedilatildeo en-tre sauacutede ambiente e doenccedilas transmissiacuteveis por vetores Para solucionar este empasse as possibilidades se alinham a uma integraccedilatildeo interdisciplinar com uma accedilatildeo de controle vetorial racional reconhecendo os saberes locais a fim de estabelecer uma autonomia comunitaacuteria sem excluir no cerne da questatildeo as responsabilidades puacuteblicas no sentido de promover uma in-fraestrutura adequada a reorganizaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede e a formulaccedilatildeo de programas que sustentem a intervenccedilatildeo sobre o processo sauacutede-doenccedila das coletividades

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CAPIacuteTULO 9

O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO SOBRE SAUacuteDE DIREITO agrave SAUacuteDE E PARTICIPA-ccedilAtildeO

Berenice Temoteo da SilvaLucia Conde de Oliveira

Maria Homeacuteria Leite de Morais Sampaio

INTRODUccedilAtildeO

As principais bandeiras do movimento da Reforma Sani-taacuteria Brasileira satildeo a defesa da sauacutede como direito de todos e dever do Estado a criaccedilatildeo de um sistema uacutenico de sauacutede e a concepccedilatildeo ampliada de sauacutede Esse movimento se insere na luta pela democratizaccedilatildeo da sociedade bem como no desen-volvimento de uma nova consciecircncia sanitaacuteria entre os sujeitos partiacutecipes desse processo ndash intelectuais usuaacuterios trabalhado-res de sauacutede gestores e prestadores de serviccedilos

Essas bandeiras vatildeo ser inscritas na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que estabelece o direito agrave sauacutede e pressupotildee a res-ponsabilidade do Estado na implantaccedilatildeo de poliacuteticas sociais e econocircmicas capazes de reduzir os riscos de doenccedilas e melhorar as condiccedilotildees de vida e de trabalho da populaccedilatildeo

Como se vive poreacutem numa sociedade de classes o Estado eacute compreendido como espaccedilo para disputa poliacutetica passiacutevel de incluir parcialmente os interesses das classes dominadas (SE-VERO DA ROS 2012) Para tanto eacute necessaacuteria a participaccedilatildeo da sociedade civil nos espaccedilos de decisatildeo para a garantia de direitos

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Com efeito o direito agrave sauacutede de forma universal integral e equacircnime e a participaccedilatildeo das entidades comunitaacuterias na gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede representam um grande avanccedilo no processo de democratizaccedilatildeo da sociedade brasileira Isso significa importante conquista resultante do movimento da Reforma Sanitaacuteria

A institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS estabelecida pela Lei 81421990 entre outras providecircncias cria os conselhos de sauacutede de caraacuteter perma-nente deliberativo e paritaacuterio em relaccedilatildeo aos usuaacuterios Esses conselhos possuem a atribuiccedilatildeo de atuar na formulaccedilatildeo e con-trole da execuccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede representando um mecanismo para continuar a luta pela concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

O poder de deliberaccedilatildeo dos conselhos corresponde ao mais elevado grau de participaccedilatildeo Na categorizaccedilatildeo de Pate-man (1992) eacute uma participaccedilatildeo plena No modelo de anaacutelise de Arnstein (1969) representa o poder cidadatildeo No estudo em-piacuterico realizado por Oliveira (2006) no entanto os conselhei-ros participam das discussotildees no conselho poreacutem natildeo tecircm o poder de decisatildeo Na classificaccedilatildeo de Pateman corresponderia a uma participaccedilatildeo parcial e na taxionomia de Arnstein seria uma participaccedilatildeo simboacutelica

Este texto eacute parte de uma dissertaccedilatildeo de mestrado que in-vestigou as concepccedilotildees de conselheiros sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo no Conselho Municipal de Sauacutede de Cra-tondashCE A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada com 18 conselheiros dos quais 12 represen-tavam os usuaacuterios e seis os trabalhadores da sauacutede A anaacutelise de dados consistiu na anaacutelise do discurso do sujeito coletivo Os sujeitos entrevistados foram identificados por S1 S2

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S18 Cada DSC foi organizado com base nas expressotildees chave selecionado das entrevistas que traduziam as ideias centrais aprendidas nas falas dos entrevistados

O estudo obedeceu agraves normas e preceitos eacuteticos que orien-tam a pesquisa com seres humanos e obteve parecer favoraacutevel do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute

O que eacute sauacutede

Ao longo da histoacuteria a sauacutede foi tratada como se natildeo pu-desse ser apreendida pela razatildeo e por isso natildeo pertencesse ao campo cientiacutefico (ALMEIDA FILHO 2011) Neste sentido existiu uma discussatildeo secular questionando a sauacutede como um objeto cientiacutefico na medida em que esta era compreendida de forma tatildeo ampla que transcenderia o olhar da ciecircncia

A sauacutede passou poreacutem a ser amplamente reconhecida como objeto cientiacutefico e foi conceituada pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) como o completo estado de bem-es-tar fiacutesico mental e social natildeo consistindo apenas na ausecircncia de doenccedila Essa definiccedilatildeo tem o meacuterito de ser uma matriz para estimular as naccedilotildees a buscarem a garantia de bens e serviccedilos que promovam a sauacutede conforme essa concepccedilatildeo (SANTOS 2010)

Apesar da criacutetica a essa definiccedilatildeo por ser um conceito estaacutetico e irrealizaacutevel a definiccedilatildeo de sauacutede trazida pela OMS permaneceu despertando o interesse de intelectuais da comu-nidade cientiacutefica Foi na primeira Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo da Sauacutede realizada em Ottawa Canadaacute em novembro de 1986 que foram estabelecidos poreacutem os preacute-re-quisitos para a sauacutede na sua concepccedilatildeo ampla A Organiza-ccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a OMS foram grandes

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apoiadoras da difusatildeo desse conceito de sauacutede formulado na Carta de Ottawa (PAIM 2006)

Vale ressaltar que a sauacutede eacute uma questatildeo complexa por envolver fatores bioloacutegicos socioambientais econocircmicos culturais e de estilo de vida (SANTOS 2010) Assim como na perspectiva teoacuterica a sauacutede tambeacutem se mostrou plural na compreensatildeo dos conselheiros pesquisados Neste sentido utilizando a teacutecnica de organizaccedilatildeo de dados proposta por Le-feacutevre e Lefeacutevre (2005) denominada de DSC foi possiacutevel elabo-rar dois discursos coletivos externados de acordo com a ideia central em grupamentos organizados pelas letras do alfabeto

De acordo com o Quadro 1 os grupamentos A e B expli-cam a ideia de sauacutede na perspectiva biologicista minoritaacuteria entre os entrevistados condensados no DSC 1 jaacute os grupa-mentos C D e E trazem a compreensatildeo ampliada de sauacutede e aglutinam-se em torno do DSC 2 contemplado na maioria das falasQuadro 1 Siacutentese das ideias centrais sobre sauacutede

DSC 1 A Ausecircncia de doenccedila

B Ter higiene

DSC 2 C Bem-estar

D A dimensatildeo social da sauacutede

E Qualidade de vida

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores

Vale ressaltar que na fala os sujeitos pesquisados por ve-zes exprimiram um discurso contraditoacuterio na medida em que compreenderam sauacutede como ausecircncia de doenccedila e tambeacutem re-conheceram elementos da concepccedilatildeo ampliada de sauacutede Esse

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fato foi evidenciado nos sujeitos 16 e 18 os quais contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do DSC 1 e 2 e que denotaram concepccedilotildees divergentes de sauacutede

DSC1 Eu acho que sauacutede eacute natildeo estaacute doen-te natildeo sentir dor A aacutegua que a gente bebe e a limpeza por exemplo faz parte da sauacutede Sauacutede eacute ter bom atendimento meacutedico ter um posto de sauacutede adequado para atender todos os cidadatildeos e caso necessaacuterio fazer encami-nhamento ou seja eacute ter um tratamento ade-quado pelo menos o baacutesico (S5 S16 S18)

Este discurso restringe o conceito de sauacutede agrave sua dimen-satildeo biologicista uma vez que o situa como ausecircncia de doenccedila e higiene Tendo em vista que a consciecircncia da determinaccedilatildeo social da sauacutede decorre de uma experiecircncia mediatizada pela teoria o discurso do sujeito coletivo sugere a inexistecircncia da mediaccedilatildeo da experiecircncia existencial desses conselheiros com a teoria de sauacutede presente no arcabouccedilo juriacutedico do SUS

Este mesmo posicionamento esteve presente no estudo realizado por Bosi e Affonso (1998) no Municiacutepio do Rio de Janeiro ainda na primeira deacutecada de implantaccedilatildeo do SUS cujo objeto de anaacutelise correspondia ao conceito de sauacutede na perspectiva dos usuaacuterios Ao deparar a concepccedilatildeo de sauacutede como ausecircncia de doenccedila os referidos autores sugerem que na ausecircncia da mediaccedilatildeo de um saber cientiacutefico abstrato o su-jeito coletivo encontra como criteacuterio para definir sauacutede unica-mente sua experiecircncia concreta expressa pela ausecircncia de dor

Casos e esteja de acordo com o fato de que sauacutede eacute muito mais do que ausecircncia de doenccedila por outro lado natildeo se pode discordar de que tambeacutem seja isto Indaga-se todavia se ao admitir tal concepccedilatildeo natildeo haacute um comprometimento da luta pela sauacutede nos espaccedilos decisoacuterios do Conselho uma vez que

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os horizontes almejados nessa luta correspondem a elementos suficientes para garantir serviccedilos com funccedilotildees curativas

O DSC2 emerge das falas dos sujeitos guiado pela indaga-ccedilatildeo sobre a concepccedilatildeo de sauacutede de modo que as ideias centrais indicadas nos grupamentos C D e E corroboram o conceito ampliado de sauacutede conforme mostra-se a seguir

DSC 2 Sauacutede eacute o bem-estar do ser humano eacute estaacute bem de sauacutede com o corpo fiacutesico e com a mente estaacute com seu espiacuterito em paz bem consigo mesmo dessa forma eu acho que a sauacutede envolve o ser como um todo A sauacutede para mim estaacute acima de tudo vocecirc pode ter dinheiro vocecirc pode ter todos os bens ma-teriais mas se natildeo tiver sauacutede vocecirc natildeo eacute nada pois vocecirc natildeo pode trabalhar estudar Entatildeo a sauacutede eacute vocecirc viver bem ter moradia digna saneamento baacutesico alimentaccedilatildeo sau-daacutevel sem agrotoacutexico produzir seu proacuteprio alimento com qualidade cuidando do meio ambiente eacute vocecirc ter trabalho digno e obter o seu sustento eacute ter qualidade de vida (S1 S2 S3 S4 S6 S9 S10 S11 S12 S13 S14 S15 S16 S17 S18)

O discurso referido haacute pouco exprime a sauacutede como valor numa perspectiva de totalidade e estaacute em sintonia com a con-cepccedilatildeo expressa no artigo 3ordm da Lei Orgacircnica 80801990 O DSC reconhece a dimensatildeo social da sauacutede e considera os seus fatores determinantes e condicionantes os quais consistem na alimentaccedilatildeo moradia saneamento baacutesico meio ambiente trabalho renda educaccedilatildeo transporte lazer e acesso aos bens e serviccedilos essenciais

Outro aspecto presente no grupamento E do DSC 2 con-siste na percepccedilatildeo de sauacutede como qualidade de vida Do mes-

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mo modo que o conceito de sauacutede eacute complexo assim eacute tam-beacutem a definiccedilatildeo de qualidade de vida Para a OMS esta pode ser entendida como a percepccedilatildeo da pessoa de sua posiccedilatildeo na vida no contexto de cultura e sistema de valores e em relaccedilatildeo aos seus objetivos expectativas padrotildees e preocupaccedilotildees

O direito agrave sauacutede no contexto neoliberalNa intelecccedilatildeo de Coelho (2012) com a evoluccedilatildeo da ideia

ampliada de sauacutede trazida pelo movimento de Reforma Sani-taacuteria o direito agrave sauacutede tambeacutem avanccedilou significativamente Para a autora novas praacuteticas aleacutem da assistencial foram en-globadas ao cuidado com a sauacutede e tambeacutem passaram a ser dever do Estado Assim o direito agrave sauacutede ultrapassando uma dimensatildeo legal passou a integrar as reivindicaccedilotildees populares

A conquista desse direito entretanto numa sociedade de capitalismo perifeacuterico como a brasileira na vigecircncia da crise do Estado de Bem-Estar nos paiacuteses centrais com a adoccedilatildeo do neoliberalismo impotildee grandes restriccedilotildees agrave garantia desse di-reito A recomendaccedilatildeo por parte dos organismos multilaterais de focalizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas nas populaccedilotildees mais po-bres teraacute como consequecircncia o financiamento insuficiente do SUS repercutindo em todos os niacuteveis do sistema

Neste sentido no questionamento em torno do direito agrave sauacutede as concepccedilotildees foram bastante amplas de modo que possibilitaram a elaboraccedilatildeo de trecircs discursos conforme apre-sentado no Quadro 2 O DSC 3 estaacute relacionado aos escritos presentes na lei e foi organizado em torno dos grupamentos A e B O DSC 4 expressa o direito agrave sauacutede no sentido de acesso e corresponde aos grupamentos C e D E o DSC 5 denotando a sauacutede como direito violado foi sintetizado nos grupamentos E F e G

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Quadro 2 Siacutentese das ideias centrais sobre direito agrave sauacutede

DSC 3 A Direito fundamental

B Ferramenta de luta

DSC 4 C Acesso aos bens determinantes para garan-tia da sauacutede

D Acesso aos serviccedilos de sauacutede

DSC 5 E As iniquidades presentes na garantia desse direito

F O direito reconhecido na lei poreacutem natildeo concretizado

G A cultura patrimonialistaFonte Elaboraccedilatildeo dos autores

Neste sentido a ideia central presente no grupamento A remete-nos ao direito agrave sauacutede como um direito fundamental conquistado pela sociedade na forma de lei federal devendo ser garantido pelo Estado E no grupamento B reconhece que a simples existecircncia de tal lei natildeo garante sua concretizaccedilatildeo para isso sendo necessaacuteria a luta

DSC 3 Direito a sauacutede esse eacute um direito como o direito a vida eacute um direito natural fundamental A gente vive em um paiacutes de-mocraacutetico assim o direito a sauacutede foi uma conquista na Constituiccedilatildeo de 1988 uma conquista nossa ningueacutem precisa bater na porta de ningueacutem pedindo uma coisa que jaacute eacute sua um direito conquistado no entanto muito sangue foi derramado por conta disso Todos noacutes temos direito agrave sauacutede garantida pela constituiccedilatildeo federal jaacute estaacute dizendo eacute lei eacute direito de todos da classe mais humil-

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de agrave classe mais poderosa portanto direito a sauacutede eacute um direito do cidadatildeo que estaacute laacute na Constituiccedilatildeo e o governo tem obrigaccedilatildeo de oferecer uma sauacutede de qualidade eacute um dever do estado do municiacutepio e tambeacutem da ins-tacircncia federal porque noacutes pagamos impostos e se pagamos impostos noacutes temos direito Contudo para a gente ter os nossos direitos garantidos o cidadatildeo tem que lutar para ter direito agrave sauacutede (S2 S4 S9 S10 S11 S12 S14 S16 S17)

A expressatildeo direitos humanos data do seacuteculo XX e veio substituir o termo ateacute entatildeo corrente de direitos naturais Os direitos humanos satildeo denotados como direitos inerentes ao ser humano que mesmo natildeo estando expresso em nenhum documento informativo natildeo deixaratildeo jamais de ser direitos humanos Jaacute os direitos fundamentais satildeo direitos humanos positivados nas constituiccedilotildees nas leis nos tratados internacio-nais (AITH 2010)

Com efeito a Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988 re-conheceu expressamente a sauacutede como um direito fundamen-tal Tal reconhecimento legal eacute de grande importacircncia pois so-mente com a positivaccedilatildeo de um direito humano eacute que se abre o caminho para a sua plena realizaccedilatildeo

Anteriormente agrave Constituiccedilatildeo de 1988 a assistecircncia agrave sauacutede era assegurada apenas para os trabalhadores vinculados ao mer-cado formal de trabalho segurados da previdecircncia social Era um sistema de proteccedilatildeo social organizado sob a loacutegica do segu-ro e tinha direito apenas quem contribuiacutea (OLIVEIRA 2006)

Dessa forma a sauacutede natildeo era reconhecida como um di-reito e por essa razatildeo o Estado natildeo tinha esse dever para com a sociedade Com os questionamentos e a luta da sociedade

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civil acerca das poliacuteticas de proteccedilatildeo social garantidas pelo Estado somente para uma pequena parcela da populaccedilatildeo fo-ram requeridas mudanccedilas no setor sauacutede de forma a tornaacute-lo democraacutetico acessiacutevel universal e equacircnime (GERSCHMAN 2004)

Portanto o direito humano agrave sauacutede juriacutedico-positivado em direito fundamental e a criaccedilatildeo do SUS na Constituiccedilatildeo Federal representam uma conquista dos cidadatildeos A luta pela sauacutede universal e puacuteblica de qualidade contudo natildeo termina na consagraccedilatildeo desse direito na Constituiccedilatildeo uma vez que a institucionalidade representa a conquista de uma ferramenta de luta e natildeo a garantia da efetivaccedilatildeo desse direito O reconhe-cimento da constitucionalidade do direito agrave sauacutede eacute um ins-trumento de luta para os conselheiros nos espaccedilos decisoacuterios e representa um mecanismo potencial na sua concretizaccedilatildeo

O DSC 4 se refere ao direito agrave sauacutede essencialmente como ideia de acesso Nesta perspectiva haacute duas ideias centrais re-presentadas pelos grupamentos C no sentido de acesso aos bens e serviccedilos determinantes sociais da sauacutede e D relaciona-do ao acesso aos serviccedilos de sauacutede

DSC 4 Direito a sauacutede eacute a pessoa ter acesso agrave sauacutede a todos os determinantes sociais que levam o cidadatildeo a ter sauacutede como ter mo-radia digna como ter emprego digno como ter acesso agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel cuidado do meio ambiente Uma pessoa laacute na Alemanha dura 100 110 anos isso eacute a sauacutede mais de qualidade a gente ver aquela praccedila tem onde vocecirc fazer educaccedilatildeo fiacutesica tem onde vocecirc jo-gar uma bolinha tem os idosos correndo os idosos andando mais numa aacuterea bem boa florestal Eu acho que direito agrave sauacutede eacute ter di-reito ao meacutedico eacute ter direito aos exames eacute

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ter direito tambeacutem a medicaccedilatildeo eacute o povo ter acesso as comunidades de mais difiacutecil acesso facilite o transporte para a equipe meacutedica ir fazer as visitas e tambeacutem na hora de chegar a um hospital tambeacutem ser atendido ter direito a um atendimento adequado a gente ter um bom atendimento se eu natildeo estou bem quero chegar no posto de sauacutede e quero ser aten-dida (S4 S5 S6 S8 S10 S11 S12 S13 S18)

Esse discurso demonstra a compreensatildeo dos conselheiros acerca do direito agrave sauacutede em conformidade com o artigo 196 da Constituiccedilatildeo na medida em que o direito agrave sauacutede estaacute rela-cionado ao acesso agrave sauacutede no seu conceito amplo e ao sistema de serviccedilos de sauacutede

Mencionado artigo pressupotildee que o Estado deve natildeo ape-nas garantir serviccedilos puacuteblicos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recu-peraccedilatildeo da sauacutede mas tambeacutem adotar poliacuteticas econocircmicas e sociais que melhorem as condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo evitando assim o risco de adoecer (GARBOIS VARGAS CUNHA 2008)

Corrobora-se entretanto a indagaccedilatildeo de Santos (2010) quando refletindo sobre a amplitude da redaccedilatildeo desse artigo a autora questiona sobre qual seraacute o campo de atuaccedilatildeo do sis-tema de sauacutede - Como dotar um sistema de serviccedilos puacuteblicos que garantam o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e servi-ccedilos de sauacutede e aos seus determinantes sociais

Uma vez que o exerciacutecio do direito agrave sauacutede universal e integral passa a depender das necessidades das pessoas com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 tornou-se o principal argu-mento para que as necessidades insatisfeitas dos usuaacuterios do SUS se transformassem natildeo soacute em demandas poliacuteticas e so-ciais como tambeacutem em demandas judiciais (FLEURY 2012)

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Esse fato somado agraves condiccedilotildees financeiras adversas ateacute hoje natildeo superadas em que o SUS foi implantado certamente impede a distribuiccedilatildeo igualitaacuteria de serviccedilos de qualidade de forma que a populaccedilatildeo se ache segura napuniccedilatildeo desse direito Esta contradiccedilatildeo entre o texto legal e a realidade institucional eacute responsaacutevel pela judicializaccedilatildeo da sauacutede (FLEURY 2012)

Em meio ao amplo campo de atuaccedilatildeo do sistema de sauacutede e agrave judicializaccedilatildeo do SUS cabe citar o decreto 75082011 que regulamenta a Lei 80801990 Esse decreto obriga o Ministeacuterio da Sauacutede a estabelecer o pacote dos serviccedilos de sauacutede por meio da Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede que agluti-na todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede Tambeacutem regulamenta a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos (RENA-ME) que deve estabelecer todos os medicamentos que podem ser disponibilizados pelo SUS em suas unidades proacuteprias e conveniadas Estas devem ser renovadas a cada dois anos Fato demonstrativo que o direito agrave sauacutede eacute uma obra jamais aca-bada de modo que sua concretizaccedilatildeo eacute tensionada de forma permanente e dependente da participaccedilatildeo de vaacuterios agentes sociais dos poderes estatais e da sociedade civil (SILVA 2012)

Ainda explicando a compreensatildeo dos conselheiros acerca do direito agrave sauacutede emerge o DSC 5 composto por trecircs ideias centrais representadas pelo grupamento E denunciando as iniquidades presentes na garantia desse direito grupamento F no qual o direito agrave sauacutede eacute reconhecido na lei poreacutem natildeo concretizado e o grupamento G denunciando a cultura patri-monialista que interfere na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

DSC 5 A sauacutede eacute um direito nosso Soacute que eacute um direito atribuiacutedo a poucos Eacute como se o Brasil fosse dois ou trecircs Brasis O SUS na rea-

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lidade eacute excelente soacute que ele natildeo funciona na maneira que deveria funcionar estaacute longe de realizar o que esta no papel Porque se fosse do jeito que esta laacute na Constituiccedilatildeo no artigo que se refere agrave sauacutede isso aqui era uma ma-ravilha estava melhor que a Suiacuteccedila Na reali-dade eacute um direito que estaacute sendo totalmente distorcido porque tecircm pessoas que acham que eacute um favor para conseguir uma consulta via SUS para conseguir um atendimento via SUS num hospital ou num posto tem que ser por o intermeacutedio de algueacutem vatildeo laacute e dizem eu vou ajeitar e muitas vezes o intermeacutedio eacute simplesmente para tirar vantagens futuras muitas vezes pessoas procuram determina-das pessoas por influecircncias poliacuteticas para tirar proveito eacute o que temos visto nas confe-recircncias municipais de sauacutede o nosso direito jogado como um favor poliacutetico Infelizmente os gestores de hoje em dia natildeo cumprem com sua responsabilidade essa parte do dinheiro que agraves vezes eacute desviado entatildeo o direito agrave sauacute-de eacute violado todos os dias eacute surrupiado da populaccedilatildeo que mais carece ele natildeo eacute cumpri-do (S2 S3 S4 S5 S9 S14 S15 S17)

Supondo de saiacuteda que toda a sociedade brasileira eacute be-neficiaacuteria do SUS especialmente dos bens puacuteblicos de sauacutede que ele oferece Medici (2010) realizou uma pesquisa sobre as iniquidades na utilizaccedilatildeo do SUS entre ricos e pobres e eviden-ciou que as iniquidades do SUS natildeo estatildeo no gr au de utiliza-ccedilatildeo do sistema por parte de ricos e pobres pois os grupos de renda mais elevadas utilizam bem menos o sistema do que os mais pobres As iniquidades do uso do SUS poreacutem entre ricos e pobres repousam na natureza dos procedimentos que o siste-ma disponibiliza aos mais ricos procedimentos que podem ser

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questionados quanto agrave prioridade social e essencialidade ante a escassez de recursos (MEDICI 2010)

Nesta perspectiva acrescenta-se a causa das iniquidades de acesso aos bens e serviccedilos de sauacutede do SUS aleacutem da rela-ccedilatildeo entre ricos e pobres relacionada ao baixo financiamento do sistema o que restringe a oferta de accedilotildees e serviccedilos assim como as formas de privatizaccedilatildeo do sistema que destina grande volume de recursos para compra de serviccedilos no setor privado como tambeacutem o uso privado da coisa puacuteblica por meio do favor e do clientelismo

Neste sentido na medida em que as iniquidades sociais em sauacutede podem ser compreendidas como a diferenccedila no esta-do de sauacutede entre grupos tais iniquidades no uso dos serviccedilos podem estar relacionadas ao aprofundamento das desigualda-des sociais em sauacutede

Aqui cabe referir a ideia de Paim (2009) de SUS para po-bres refletindo uma noccedilatildeo reducionista de que asauacutede publica eacute coisa para pobre sendo suficiente uma medicina simplifica-da Jaacute os defensores do SUS real ateacute reconhecem o direito agrave sauacutede entretanto na medida em que satildeo refeacutens da ideologia neoliberal predominante nas instituiccedilotildees puacuteblicas resignam-se com a situaccedilatildeo e terminam favorecendo o crescimento do mercado privado de sauacutede O SUS formal corresponde aoque estaacute estabelecido pela Constituiccedilatildeo federal constituiccedilotildees esta-duais e leis orgacircnicas embora distante da realidade dos servi-ccedilos puacuteblicos em que prevalecem o SUS real e o SUS para po-bres (PAIM 2009) Eacuteneste contexto que o direito agrave sauacutede foi trazido no discurso coletivo ao retratar a distacircncia entre esse SUS para pobres e tambeacutem real e o SUS formal

Quando a proacutepria populaccedilatildeo natildeo reconhece os serviccedilos de sauacutede como um direito esses podem ser utilizados como moe-

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da de troca de favores A ausecircncia do sentido do bem puacuteblico caracteriza as praacuteticas fundamentadas na cultura patrimonia-lista Eacute neste sentido que o sujeito coletivo percebe o direito agrave sauacutede como um direito violado pois convive com uma realida-de na qual o direito agrave sauacutede muitas vezes eacute negado Essas expe-riecircncias provocam nos entrevistados um conflito haja vista os seus conhecimentos do texto Constitucional e o cotidiano que enfrentam nos serviccedilos de sauacutede

Os dilemas da participaccedilatildeo

Com a finalidade de conhecer os pensamentos e as opi-niotildees dos conselheiros sobre a participaccedilatildeo utilizamos a se-guinte pergunta o que vocecirc entende por participaccedilatildeo

O quadro 3 expressa as ideias centrais sobre participaccedilatildeo das quais emergem trecircs discursos o DSC 6 traz a participaccedilatildeo no sentido de fazer parte o DSC 7 na perspectiva de fazer mo-vimento social e o DSC 8 exprime uma ideia aproximada do conceito de participaccedilatildeo poliacuteticaQuadro 3 Siacutentese das ideias centrais sobre participaccedilatildeo

DSC 6A Representar a populaccedilatildeo na associaccedilatildeo e no conselho

B Estar presente em reuniotildees do conselho e de entidades

DSC 7C Reunir e expressar a demanda da populaccedilatildeo no conse-

lho

D Lutar para que as demandas da populaccedilatildeo sejam aten-didas

DSC 8

E Participar das discussotildees nos espaccedilos puacuteblicos

F Fiscalizar as accedilotildees do Estado por parte da sociedade civil

G Propor soluccedilotildees para os serviccedilos de sauacutede no conselho

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores

209

O DSC 6 foi organizado em torno de duas ideias centrais representar a populaccedilatildeo na associaccedilatildeo e no conselho e estar presente em reuniotildees do Colegiado e de entidades Nas classi-ficaccedilotildees de Pateman (1992) e Arnstein (1969) eacute uma pseudo-participaccedilatildeo ou natildeo participaccedilatildeo respectivamente

DSC 6 A participaccedilatildeo eacute a comunidade eleger seus membros para junto com eles a gente colher o que eacute votado e que tem maioria de votaccedilatildeo portanto eacute representar a associaccedilatildeo Neste sentido participaccedilatildeo eacute a presenccedila da pessoa nas associaccedilotildees entidades nas reu-niotildees do conselho eacute estaacute engajado nos movi-mentos participando de alguma coisa assim alguma entidade com a finalidade de procu-rar estar informado dos direitos (S3 S6 S8 S16 S17 S18)

Inicialmente eacute compreensiacutevel que a participaccedilatildeo esteja conceituada no sentido de estar presente nas reuniotildees jaacute que somente aprendemos a participar participando No iniacutecio des-sa trajetoacuteria estar presente tem fundamental relevacircncia so-bretudo para tomar conhecimento dos direitos e deveres do cidadatildeo faz parte do processo de aprendizagem Permanecer todavia nas instacircncias deliberativas apenas com essa perspec-tiva de passividade prejudica natildeo soacute a representaccedilatildeo dos inte-resses dos representados mas favorece tambeacutem a legitimaccedilatildeo dos interesses dos que realmente decidem

Continuando a explanaccedilatildeo da ideia dos conselheiros sobre participaccedilatildeo o sujeito coletivo a conceitua numa perspectiva que evidencia a relaccedilatildeo dos conselheiros com a comunidade trazendo a ideia da representaccedilatildeo dos interesses comunitaacuterios e sua reivindicaccedilatildeo (DSC 7) Dessa forma a ideia central pre-sente nesse discurso considera participaccedilatildeo como reunir e ex-

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pressar a demanda (grupamento C) e lutar para que esta seja atendida (grupamento D)

DSC 7 Eacute vocecirc estaacute junto das pessoas vocecirc tem que ter uma escuta do povo esse povo tem um objetivo as pessoas tecircm um foco Entatildeo eacute saber a necessidade do povo procu-rar saber o que realmente estaacute acontecendo na sua comunidade e a gente se juntar pautar de forma organizada e tomar uma posiccedilatildeo e vamos atraacutes cobrar o que eacute que tem que vir para a melhoria daquela comunidade Levar as suas reivindicaccedilotildees para quem de direito cobrar que realmente aquilo seja feito de-fender aquilo que a gente entende que eacute um direito e uma necessidade buscar melhorias para a populaccedilatildeo e reivindicar o bem estar do ser humano (S1 S2 S4 S5 S6 S13 S16 S18)

Os interesses disputados pela sociedade civil nos conse-lhos de sauacutede devem corresponder agraves demandas de um movi-mento na base como associaccedilotildees sindicatos ONGs etc Nesse movimento eacute fundamental que as reivindicaccedilotildees coletivas se-jam pautadas e natildeo os interesses particulares

A representaccedilatildeo dos movimentos sociais no conselho ad-quire relevacircncia na medida em que este espaccedilo funciona como instacircncia fiscalizadora no intuito de reduzir a possibilidade de transgressatildeo pelo Estado e esses representantes se configuram como porta-vozes das demandas populares (OLIVEIRA PI-NHEIRO 2010)

Para Gohn (2011) a participaccedilatildeo de segmentos sociais na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a possibilidade de a populaccedilatildeo ter acesso aos espaccedilos nos quais as decisotildees satildeo tomadas possibi-litam imprimir um novo formato a essas poliacuteticas Esse processo exige outro padratildeo de relaccedilotildees entre Estado e Sociedade Civil

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No DSC 8 a participaccedilatildeo eacute entendida como a inclusatildeo das entidades no conselho participando do processo de debate de maneira democraacutetica (grupamento E) Aleacutem da participaccedilatildeo por meio do voto os conselheiros a expressaram no sentido de fiscalizar discurso representado pelo grupamento F e sobre-tudo propor soluccedilotildees para os problemas do sistema de serviccedilos de sauacutede ideia central do grupamento G

DSC 8 Eacute uma luta social que envolve muita coisa sobretudo o que noacutes estamos vivendo laacute no proacuteprio conselho eacute o presidente dos sindicatos das associaccedilotildees discutindo demo-craticamente o seu espaccedilo junto aos conse-lhos portanto eacute o nosso direito de expressatildeo um direito que qualquer cidadatildeo tem pois estaacute na lei que vocecirc tem o direito de exigir seus direitos Essas manifestaccedilotildees que estatildeo aiacute todo mundo estaacute correndo atraacutes do que a gente realmente precisa a gente precisa co-brar ir aos conselhos cobrar e fiscalizar para que as coisas sejam feitas de forma justa de uma forma legal Assim aleacutem de participar das eleiccedilotildees com o voto a gente participa tambeacutem das poliacuteticas puacuteblicas trazendo solu-ccedilotildees para ajudar a sociedade de uma forma geral eacute isso (S2 S5 S6 S7 S9 S11 S14)

Para Coelho Andrade e Montoya (2006) o processo de institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo por meio dos conselhos eacute considerado como importante mecanismo da democracia deliberativa De acordo com os referidos autores o conteuacutedo substantivo desse modelo representa uma ampliaccedilatildeo do es-paccedilo puacuteblico com a possibilidade de a discussatildeo aberta e de-liberaccedilatildeo acerca de poliacuteticas puacuteblicas e a democratizaccedilatildeo do processo decisoacuterio

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Considerando essa perspectiva o discurso do sujeito cole-tivo trouxe a ampliaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico para discussatildeo aber-ta no entanto sem fazer referecircncia agrave deliberaccedilatildeo Levando em consideraccedilatildeo a escada de participaccedilatildeo cidadatilde de Arnstein a compreensatildeo acerca de participaccedilatildeo presente neste discurso eacute apresentada conforme o degrau mais alto dentro do niacutevel de participaccedilatildeo simboacutelica denominado de conciliaccedilatildeo

Neste degrau as regras permitem que os cidadatildeos faccedilam recomendaccedilotildees mas o poder de decidir continua retido nas matildeos de poucos Isso ocorre quando a sociedade pode opinar indefinidamente contudo tais opiniotildees natildeo se vinculam agrave de-cisatildeo (GARCIA 2009)

Outro elemento presente no DSC 8 consiste na fiscaliza-ccedilatildeo das accedilotildees do Estado por parte da sociedade civil nos espa-ccedilos do conselho de sauacutede contudo o exerciacutecio da fiscalizaccedilatildeo e do controle social requer conhecimentos e informaccedilotildees de que muitas vezes a maioria dos conselheiros natildeo dispotildee o que revela a fragilidade desse poder

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

O discurso hegemocircnico sobre sauacutede se relacionou ao es-tado de bem-estar e dessa forma considera-se que os entre-vistados possuem um conceito de sauacutede bastante proacuteximo ao que foi preconizado pelo movimento sanitaacuterio Ainda se iden-tificou poreacutem um discurso minoritaacuterio com uma dimensatildeo biologicista admitindo a ausecircncia de doenccedila como elemento explicativo para a sauacutede

O discurso do sujeito coletivo sobre o direito agrave sauacutede es-teve relacionado ao acesso aos bens e serviccedilos determinantes e condicionantes da sauacutede evidenciando o conhecimento teoacuteri-

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co eou praacutetico do Texto Constitucional A realidade de nega-ccedilatildeo desse direito entretanto foi denunciada pelos entrevista-dos o que demonstra a anguacutestia dos conselheiros em vivenciar essa contradiccedilatildeo

Por fim as concepccedilotildees de participaccedilatildeo dos conselheiros natildeo estatildeo permeadas pela plena consciecircncia da possibilidade de compartilhamento do poder de decisatildeo no processo de con-cretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tendo que avanccedilar neste sentido Acredita-se entretanto que essa participaccedilatildeoao buscar uma articulaccedilatildeo com seus representados pode configurar-se numa importante ferramenta de luta

Considera-se que as concepccedilotildees dos pesquisados sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo estatildeo alinhadas com os referenciais do movimento da Reforma Sanitaacuteria poreacutem esse alinhamento tem pouca repercussatildeo na garantia do direito agrave sauacutede

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REFERecircNCIAS

AITH F Perspectivas do direito sanitaacuterio no Brasil as garantias ju-riacutedicas do direito agrave sauacutede e os desafios para sua efetivaccedilatildeo In SAN-TOS L Direito da sauacutede no Brasil Campinas SP Saberes 2010ALMEIDA FILHO N A o que eacute sauacutede Rio de Janeiro Fiocruz 2011ARNSTEIN S R A Ladder Of Citizen Participation Journal of the American Institute of Planners v 35 n 4 p 216-224 1969 Dispo-niacutevel em lthttpdxdoiorg10108001944366908977225gt Acesso em 21 out 2013BOSI M L M AFFONSO K C Cidadania participaccedilatildeo popular e sauacutede com a palavra os usuaacuterios da Rede Puacuteblica de Serviccedilos Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 14 n 2 p 355-365 abrjun 1998BRASILDecreto nordm 7508Presidecircncia da RepuacuteblicaCasa Civil de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras providecircncias Brasiacutelia Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 28 jun 2011COELHO J S Construindo a Participaccedilatildeo Social no SUS um cons-tante repensar em busca de equidade e transformaccedilatildeo Sauacutede Soc Satildeo Paulo v 21 supl1 p 138-151 2012COELHO V S P ANDRADE I AL MONTOYA MC Foacuteruns deliberativos uma boa estrateacutegia para melhorar nossas poliacuteticas so-ciaisCronos Natal-RN v 7 n 1 p 15-25 janjun 2006FLEURYS Judicializaccedilatildeo pode salvar o SUS Sauacutede em Debate Rio de Janeiro v36 n93 p 159-162 abrjun 2012GARBOIS J A VARGAS L A CUNHA FTSO Direitoagrave Sauacutede na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia uma reflexatildeo necessaacuteriaPhysis Rio de Janeiro v 18 n 1 p 27-44 2008GARCIA L P Definiccedilatildeo de criteacuterios para verificaccedilatildeo da adequabili-dade do modelo level of participation de David Wilcox como base para a classificaccedilatildeo dos objetivos educacionais em accedilotildees de estiacutemulo

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ao controle social 2009 107p Monografia (Especializaccedilatildeo) Univer-sidade Gama Filho Brasiacutelia ndash DF 2009GERSCHMAN S A Democracia Inconclusa um estudo da Reforma Sanitaacuteria brasileira 2ed Rio de Janeiro Fiocruz 2004GOHN MG Conselhos gestores e participaccedilatildeo sociopoliacutetica Satildeo Paulo Cortez 2011LEFEgraveVRE F LEFEgraveVRE AM C Discurso do Sujeito Coletivo um enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos) 2 ed Caxias do Sul RS Educs 2005MEDICI A Breves consideraccedilotildees sobre a relaccedilatildeo entre financiamen-to da sauacutede e direito sanitaacuterio no Brasil In SANTOS L Direito da sauacutede no Brasil CampinasSP Saberes 2010OLIVEIRA LC As praacuteticas de participaccedilatildeo institucionalizadas e sua interface com a cultura poliacutetica um olhar sobre o cotidiano de um Conselho Municipal de Sauacutede no Nordeste brasileiro 258p Tese (doutorado) Instituto de Medicina Social - Universidade do Estado do Rio de Janeiro 2006OLIVEIRA L C PINHEIRO RA participaccedilatildeo nos conselhos de sauacutede e sua interface com a cultura poliacutetica Ciecircncia amp Sauacutede Coleti-va Rio de Janeiro v 15 n 5 p 2455-2464 2010PAIM JS Desafios para a sauacutede coletiva no seacuteculo XXI Salvador UDUFBA 2006_______ O que eacute o SUS Rio de Janeiro Fiocruz 2009PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 SANTOS L Direito da sauacutede no Brasil Campinas SP Saberes 2010SEVERO DO DA ROS MA A Participaccedilatildeo no controle social do SUS concepccedilatildeo do movimento dos trabalhadores rurais sem terra Sauacutede Soc Satildeo Paulo v 21 supl1 p 177-184 2012SILVA MBB O direito achado na rua introduccedilatildeo criacutetica ao direito agrave sauacutede Sauacutede em Debate Rio de Janeiro v 36 n 92 p 5-8 janmar 2012

PARTE 3

DIVERSIDADES EPISTEMOLoacuteGICAS

TEMAacuteTICAS

217

CAPIacuteTULO 10

ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DOS ASPECTOS HISToacuteRICOS DO ENVELHECI-MENTO AO PERFIL DEMOGRAacuteFICO DE IDO-SOS DO CEARAacute

Juliana Lucena de Miranda CavalcanteLiacutellian de Queiroz Costa

Elzo Pereira Pinto JuniorEdina Silva Costa

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

INTRODUccedilAtildeO

Desde o iniacutecio da civilizaccedilatildeo o envelhecimento eacute conside-rado fator relevante para a constituiccedilatildeo das sociedades (PA-PALEacuteO NETTO 2002 ALBUQUERQUE 2008 PEREIRA et al 2009) Em Roma e na Greacutecia no seacuteculo II aC os idosos eram valorizados e respeitados comandavam as famiacutelias e eram privilegiados pela sua experiecircncia (PAPALEacuteO NETTO 2002 ALBUQUERQUE 2008)

Alguns seacuteculos mais tarde jaacute na Idade Meacutedia os idosos eram pouco numerosos e sobreviver era uma tarefa aacuterdua ne-cessitando da ajuda da famiacutelia da igreja e de alguns senhores feudais (ALBUQUERQUE 2008)

De acordo com Piccolo (2011 p169) ldquodefinir a velhice eacute uma questatildeo social coletiva e profundamente complexardquo pois as concepccedilotildees de velhice variam de acordo com os periacuteodos histoacutericos Na Franccedila no seacuteculo XIX velho era compreendido como algueacutem que natildeo podia mais se sustentar financeiramente

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sozinho passando a depender de outras pessoas Nada tinha de relacionado com a questatildeo cronoloacutegica (PICCOLO 2011)

A velhice surge como nova etapa da vida apenas no seacuteculo XIX Esse fato esteve vinculado agrave modernizaccedilatildeo das sociedades ocidentais e foi essencial para que se desenvolvessem socieda-des que determinassem a periodizaccedilatildeo da vida humana em etapas cronoloacutegicas (SILVA 2008)

A sociedade se torna cada vez mais complexa com pouca valorizaccedilatildeo da vida simples Os ideais se voltam agrave acumulaccedilatildeo de capital e agrave valorizaccedilatildeo do homem forte (produtivo) con-forme sua capacidade laboral Os mais fraacutegeis representados pelos idosos deficientes doentes e portadores de transtornos mentais satildeo postos agrave margem da sociedade (PAPALEacuteO NET-TO 2002 PICCOLO 2011)

Ante uma sociedade capitalista qualquer ameaccedila neste sentido pode ser avaliada por demais negativa Os processos patoloacutegicos fiacutesicos e psiacutequicos as alteraccedilotildees funcionais bem como a proacutepria chegada da velhice podem ser vistos como algo indesejado (GUERRA CALDAS 2010) Alguns estudos demonstram que idosos associam a chegada da velhice agrave perda da capacidade laboral e agrave dependecircncia em relaccedilatildeo agrave famiacutelia ou parentes proacuteximos aleacutem de estar relacionada ao aparecimento de enfermidades (SANTOS 2002 GUERRA CALDAS 2010)

A percepccedilatildeo desta etapa da vida como algo negativo tam-beacutem estaacute associada agrave sensaccedilatildeo de desaceleraccedilatildeo da vida Por conta de todas as perdas e acontecimentos os idosos necessi-tam de uma vida com maiores contatos com seus familiares e amigos procurando inclusive se envolver de forma ativa nas relaccedilotildees entre filhos e netos (LIMA COELHO 2011)

Contribuindo com essa visatildeo depreciativa do envelheci-mento aflora uma sociedade ligada a padrotildees de beleza deter-

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minados que prioriza a juventude e a esteacutetica das coisas e pes-soas Esse fato se concretiza quando se observa o crescimento do nuacutemero de cirurgias plaacutesticas e dos vaacuterios tratamentos de beleza e esteacutetica (MOTA 2002)

Eacute necessaacuterio destacar poreacutem que a velhice tambeacutem pode ser bem tolerada principalmente quando eacute esperada e isso ocorre devido uma seacuterie de fatores no decorrer da vida huma-na (LIMA COELHO 2011) Oliveira (2007) propotildee a necessi-dade da mudanccedila de paradigma estimulando a ruptura de es-tereoacutetipos negativos atribuiacutedos a este periacuteodo desmistificando esta etapa da vida como algo nocivo incorporando aspectos positivos reconhecendo esta fase como uma grande conquista social

Na concepccedilatildeo de Piccolo (2011 p172)Por uma questatildeo de coerecircncia tanto filosoacute-fica como praacutetica natildeo podemos coadunar com o pressuposto de que a juventude sig-nifique por si soacute sauacutede e o envelhecimento agrave simbologia de sua decadecircncia devido ao des-gaste do organismo

O envelhecimento natildeo eacute apenas algo natural e bioloacutegico mas se ldquoconstitui tambeacutem como elemento histoacuterico e social que varia de acordo com os interesses de uma determinada sociedaderdquo (OLIVEIRA 2007 SILVA FEIJAtildeO 2008) Enve-lhecer eacute um fenocircmeno complexo e multifacetado abrangendo diversas dimensotildees do conhecimento incluindo a bioloacutegica psicoloacutegica social demograacutefica juriacutedica poliacutetica entre outras (BERZINS BORGES 2012)

Nas uacuteltimas deacutecadas o aumento no nuacutemero de pessoas idosas eacute considerado elemento primordial que merece a aten-ccedilatildeo especial por parte da sociedade e dos poderes puacuteblicos A

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Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) se refere ao periacuteo-do dos anos de 1975 a 2025 como a era do envelhecimento (ALBUQUERQUE 2008) Este fenocircmeno eacute desafiador prin-cipalmente quando se pretende proporcionar qualidade sig-nificativa haacute esses anos acrescidos (CAMARANO et al 2004 MOIMAZ et al 2009 ROUQUAYROL ALMEIDA FILHO 2013)

Na perspectiva da evoluccedilatildeo cientiacutefica relacionada a essa etapa da vida tem-se que durante os seacuteculos XVIII e XIX surgiram alguns estudos meacutedicos referentes ao processo de envelhecimento poreacutem restritos agraves doenccedilas comuns da senili-dade e aos seus respectivos tratamentos (PEREIRA et al 2009) Somente no seacuteculo XX foi que se reconheceu a importacircncia de estudos que beneficiem o envelhecimento em outras pers-pectivas natildeo se limitando a questotildees patoloacutegicas e bioloacutegicas (PEREIRA et al 2009)

Assim o seacuteculo XX se destacou como um periacuteodo no qual a ciecircncia do envelhecimento teve grandes avanccedilos destacan-do-se o trabalho de Metchnikoff em 1903 que estabeleceu os fundamentos da Gerontologia (estudo da velhice de maneira interdisciplinar) e Nasher em 1909 com o surgimento da Ge-riatria desvendando os aspectos cliacutenicos deste periacuteodo (PA-PALEacuteO NETTO 2002)

Acredita-se que a experiecircncia acumulada dos idosos um dia poderaacute ser zelada e considerada como algo importante para a sociedade enquanto as descobertas teoacutericas e teacutecnicas poderatildeo ser descartadas ante as muitas outras novas descober-tas (NEGREIROS 2003)

Entendendo a importacircncia dos idosos na sociedade con-temporacircnea buscamos caracterizar o perfil demograacutefico dos idosos no Estado do Cearaacute

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METODOLOGIA

Estudo ecoloacutegico quantitativo com abordagem descriti-va Esta pesquisa abrange as pessoas idosas (mais de 60 anos) residentes no Estado do Cearaacute no periacuteodo de 2000 a 2011 se-gundo as estratificaccedilotildees de macrorregiatildeo e microrregiotildees de sauacutede definidas pelo Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo (PDR) do Estado do Cearaacute

O periacuteodo do estudo foi subdividido em quatro triecircnios (2000 a 2002 2003 a 2005 2006 a 2008 e 2009 a 2011) de for-ma a reduzir as variabilidades anuais porventura existentes

Os dados foram obtidos de fontes secundaacuterias por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e do Instituto de Pesquisas e Estrateacutegias Econocircmicas do Cearaacute (IPECE)

A coleta de dados se deu com o auxiacutelio do programa Ta-bwin versatildeo 32 (arquivos reduzidos em formato de DEF) e posteriormente os dados foram organizados em planilhas do software Excel Nesse mesmo software foi conduzida a anaacutelise estatiacutestica descritiva realizada por meio das frequecircncias abso-lutas e relativas

Para o caacutelculo dos percentuais de idosos em cada faixa etaacuteria foi utilizado como referecircncia o total de idosos de cada triecircnio para se calcular os percentuais totais tomou-se como referecircncia a soma da populaccedilatildeo residente no Cearaacute em cada triecircnio segundo dados do IPECE

Apesar de este estudo envolver a utilizaccedilatildeo de banco de dados secundaacuterios ele foi enviado ao Comitecirc de Eacutetica em Pes-quisa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) para apre-ciaccedilatildeo eacutetica por meio do site da Plataforma Brasil obtendo parecer favoraacutevel (Nordm 370566)

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RESULTADOS

Os resultados foram descritos com relaccedilatildeo aos aspectos demograacuteficos dos idosos (destacando especificamente faixas etaacuterias e gecircnero) os quais foram subdivididos de acordo com as microrregiotildees e macrorregiotildees de sauacutede do Estado

No Estado do Cearaacute observa-se aumento do nuacutemero de idosos passando de 664989 idosos em 2000 para 917199 em 2011 o que representa um acrescimo de 379 desse quantita-tivo em 12 anos (Figura 1)

Figura 1 ndash Crescimento do nuacutemero de idosos no Estado do Cearaacute de 2000 a 2011

Na tabela 1 realizou-se uma anaacutelise por triecircnios sendo possiacutevel observar o crescimento do nuacutemero de idosos de ma-neira geral ultrapassando o percentual de 88 do total da populaccedilatildeo (primeiro triecircnio) para 103 (uacuteltimo triecircnio)

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Tabela 1 ndash Censo de idosos por triecircnio e faixa etaacuteria no Esta-do do Cearaacute no periacuteodo de 2000 a 2001

Grupos de idosos

(em anos)

1ordm Triecircnio 2ordm Triecircnio 3ordm Triecircnio 4ordm Triecircnio

2000-02 2003-05 2006-08 2009-11Nordm Nordm Nordm Nordm

60 a 69 1054782 526 1102142 5264 1140636 5181 1381630 5247

70 a 79 662865 3306 691802 3304 725178 3294 822131 3122

80 ou + 287316 1433 299635 1431 335397 1523 429275 163

Total 2004963 888 2093579 892 2201211 902 2633036 1038

Fonte DATASUS

Na visualizaccedilatildeo da figura 2 eacute perceptiacutevel o crescimento de idosos em nuacutemeros absolutos em todas as faixas etaacuterias Ob-serva-se tambeacutem que a coluna que representa os idosos com idades entre 70 a 79 anos permaneceu praticamente est aacutevel quase sem alteraccedilotildees Entretanto as colunas representantes dos idosos com 60 a 69 anos e 80 anos ou mais foram as que demonstraram maiores diferenccedilas no periacuteodoFigura 2 ndash Distribuiccedilatildeo da quantidade total e por faixa etaacuterias especiacuteficas de idosos no Estado

0

5000000

10000000

15000000

20000000

25000000

30000000

Nordm

2000-02

1ordm Triecircnio

Nordm

2003-05

2ordm Triecircnio

Nordm

2006-08

3ordm Triecircnio

Nordm

2009-11

4ordm Triecircnio

Tiacutetulo do Graacutefico

60 a 69 70 a 79 80 ou + Total

Fonte DATASUS

224

Em todas as regionais de sauacutede observa-se aumento pro-porcional do nuacutemero de idosos acompanhado por uma maior prevalecircncia de idosos do sexo feminino (tabelas 2 e 3)

A seguir satildeo apresentadas duas tabelas referentes aos anos 2000 e 2011 que detalham o quantitativo de idosos con-forme regiatildeo de sauacutede e gecircnero detalhando-se os valores ab-solutos e relativos aleacutem da quantidade total de idosos em cada localidade e da relaccedilatildeo percentual com o quantitativo geral de idosos do Estado Assim eacute notoria a contribuiccedilatildeo de cada regiatildeo relativa ao seu quantitativo de idosos tomando como referecircncia o EstadoTabela 2 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo entre as regionais de sauacutede e sua variaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Estado no ano 2000

Regiatildeo de Sauacutede

Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo Total

Masculino Femini-no

Nuacutemero total de idosos

em relaccedilatildeo agraves regiotildees

Fortaleza 61450 363 101698 601 169148 74

Caucaia 15645 477 17086 522 32731 71

Maracanauacute 12819 59 15066 54 27885 68

Baturiteacute 6462 494 6606 505 13068 105

Canindeacute 9337 499 9359 50 18696 105

Itapipoca 10266 494 10483 505 20749 91

Aracati 3707 45 4519 549 8226 85

Quixadaacute 14668 489 15288 51 29956 108

Russas 8216 481 8850 518 17066 96Limoeiro do

Norte 9720 475 10709 524 20429 101

225

Sobral 24923 464 28703 535 53626 98

Acarauacute 7400 503 7296 496 14696 82

Tianguaacute 11312 468 12841 531 24153 93

Tauaacute 5558 50 5545 499 11103 104

Crateuacutes 15156 474 16781 525 31937 112

Camocim 5540 484 5902 515 11442 82

Icoacute 8882 48 9589 519 18471 112

Iguatu 15171 481 16333 518 31504 11

Brejo Santo 9033 463 10452 536 19485 101

Crato 13991 456 16664 543 30655 102Juazeiro do Norte 13983 419 19319 58 33302 95

Cascavel 10098 488 10568 511 20666 88

Total 293337 - 359657 - 658994 -

Fonte IBGEPNAD

Das regiotildees de sauacutede descritas na Tabela 2 que se desta-caram por possuiacuterem maior proporccedilatildeo de pessoas idosas em relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de idosos do Estado foram as de Iguatu (110) Icoacute (112) e Crateuacutes (112) A que estavam menor proporccedilatildeo foram Maracanauacute (68) Caucaia (71) e Fortale-za (74) Vale ressaltar que as trecircs regiotildees que demonstraram menor quantitativo de idosos pertencem a uma soacute macrorre-giatildeo de sauacutede

Com relaccedilatildeo agraves distribuiccedilotildees de idosos em 2011 tem-se o seguinte resultado

226

Tabela 3 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo entre as regionais de sauacutede e sua variaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Estado no ano 2011

Regional de Sauacutede

Distribuiccedilatildeo por Sexo Total

Masculino Feminino Nuacutemero total

em relaccedilatildeo agraves

regiotildeesFortaleza 103486 397 157165 602 260651 98Caucaia 24061 465 27647 534 51708 9

Maracanauacute 19893 454 23899 545 43792 87

Baturiteacute 7560 477 8258 522 15818 117Canindeacute 12050 49 12503 509 24553 124

Itapipoca 14193 491 14694 508 28887 104Aracati 5786 455 6913 544 12699 114

Quixadaacute 18962 479 20551 52 39513 127

Russas 10989 469 12410 53 23399 121Limoeiro do

Norte 13044 47 14664 529 27708 126

Sobral 32409 455 38670 544 71079 115

Acarauacute 10473 489 10909 51 21382 99

Tianguaacute 15356 464 17737 535 33093 11

Tauaacute 7549 488 7899 511 15448 138

Crateuacutes 19227 466 21992 533 41219 141

Camocim 7403 472 8265 527 15668 103

Icoacute 11142 465 12793 534 23935 141

Iguatuacute 20581 475 22715 524 43296 139Brejo Santo 11925 458 14095 541 26020 125

Crato 19046 453 22952 546 41998 126

Juazeiro do Norte 18808 419 26025 58 44833 111

Cascavel 14637 474 16215 525 30852 102

Total 418580 - 518971 - 937551 -

Fonte IBGEPNAD

227

Em 2011 observamos que Fortaleza (98) Maracanauacute (87) e Caucaia (90) cresceram nas proporccedilotildees de idosos em relaccedilatildeo ao ano de 2000 apesar de continuarem indicando as menores proporccedilotildees de idosos As regiotildees de sauacutede po-reacutem que apontaram maiores proporccedilotildees de pessoas senis em 2011 continuam sendo Crateuacutes (141) Iguatu (139) e Icoacute (141) (Tabela 3)

Fazendo-se um comparativo do primeiro e dos uacuteltimos anos da seacuterie histoacuterica relativo agrave distribuiccedilatildeo das pessoas de mais de 60 anos no Estado distribuiacutedo por faixa etaacuteria e sexo tem-se o resultado na tabela 4Tabela 4 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por faixa etaacuteria e sexo no Cearaacute nos anos 2000 e 2011

Faixa

etaacuteria

2000 2011

Masc Fem Total Geral Masc Fem Total Geral

Idosos N N Total N N Total

60 a 69

anos157373 525 189238 526 346611 526 224221 535 262706 506 486927 519

70 a 79

anos100034 334 117881 327 217915 330 126956 303 162822 313 289778 309

80 ou

mais41930 140 52538 146 94468 143 67403 161 93443 180 160846 171

Total 299337 - 359657 - 658994 418580 - 518971 - 937551 -

Fonte DATASUS

De acordo com a tabela 4 percebe-se a prevalecircncia de ido-sos do sexo feminino em ambos os anos analisados Nas tabe-las 2 e 3 notamos tambeacutem prevalecircncia do sexo feminino tendo como exceccedilatildeo as regionais de Acarauacute (503) e Tauaacute (500) que no ano 2000 denotaram maioria do sexo masculino

228

DISCUSSAtildeO

Apesar de se tratar de estudo envolvendo dados secun-daacuterios haacute de se reconhecer a importacircncia da utilizaccedilatildeo desses dados na realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas hajam vista ampli-tude nacional e a sua capacidade na obtenccedilatildeo de diagnoacutesticos situacionais demograacuteficos e analiacuteticos relativos aos aspectos aqui abordados

Desse modo haacute o envelhec imento populacional como uma das grandes conquistas da humanidade e um desafio no sentido do processo adaptativo da sociedade a essas transfor-maccedilotildees demograacuteficas (OMS 2005)

Essas transformaccedilotildees que se limitavam a regiotildees desen-volvidas dos paiacutesesse alteram substancialmente passando os paises em desenvolvimento a fazer parte tambeacutem dessas mu-danccedilas A forma como se encara esse processo varia entre as sociedades (OMS 2005)

No Brasil a mudanccedila na estrutura etaacuteria da populaccedilatildeo e a rapidez da sua transformaccedilatildeo satildeo fenocircmenos identificados discutidoshaacute algum tempo (VERAS 1988)

Evidencia-se uma carecircncia de estudos que abordem a questatildeo social referente a consequecircncias do processo de en-velhecimento da populaccedilatildeo (VERAS 1988) A maioria dos estudos que envolvem idosos no Cearaacute refere-se a questotildees relativas a limitaccedilotildees e dependecircncia instituiccedilotildees de longa per-manecircncia violecircncia contra os idosos uso abusivo de medica-mentos entre outros

Na anaacutelise por triecircnios observamos um aumento signi-ficativo no nuacutemero de idosos fazendo-se necessaacuterio conside-rar as consequecircncias disso para a sociedade De acordo com o Censo do IBGE (2010) o Brasil tem 109 de idosos em sua

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populaccedilatildeo geral valor muito compatiacutevel com o percentual de idosos no Cearaacute (103)

Segundo a OMS (2005) um paiacutes pode ser considerado envelhecido quando 7 da sua populaccedilatildeo assim constituiacuteda eacute formada de pessoas com 60 anos ou mais de vida (MARIN et al 2004 VITOR et al 2009) Percebemos que os percentuais encontrados no Cearaacute e no Brasil encontram-se bem acima da referecircncia e portanto eacute licito afirmar que natildeo somente o Paiacutes mas tambeacutem o Estado do Cearaacute e suas micro e macrorregiotildees se encontram em decurso de envelhecimento demograacutefico

A faixa etaacuteria entre os idosos que apontou maior cres-cimento foi a de 80 anos ou mais poreacutem a que concentrou o maior nuacutemero de idosos no Estado do Cearaacute foi a de 60 a 69 anos Esse resultado corrobora o que dispocircs Veras (1995) quando relata que a maioria das pessoas idosas se encontra justamente nesta faixa de 60 a 69 anos diferindo da realidade europeia onde a maioria dos idosos estaacute acima dos 70 (faixa etaacuteria que tambeacutem mais cresce)

Apesar de em todos os triecircnios analisados prevelecer em termos quantitativos a faixa etaacuteria de idosos com 60 a 69 anos sabemos que a faixa etaacuteria dos mais velhos (80 ou mais anos) eacute objeto de uma elevaccedilatildeo acentuada o que pode ser uma expli-caccedilatildeo para o aumento de gastos no setor sauacutede

Os idosos com idades avanccediladas (80 anos ou mais) estatildeo mais propensos a ter algum grau de incapacidade fiacutesica e de serem dependentes nas praacuteticas de atividades da vida diaacuteria Portanto faz-se necessaacuteria a identificaccedilatildeo dos possiacuteveis cuida-dores para que os profissionais atuantes na atenccedilatildeo primaacuteria possam apoiaacute-los dando o suporte necessaacuterio no sentido de orientar quanto aos cuidados na prevenccedilatildeo de complicaccedilotildees e agravos (NUNES et al 2010)

230

Com relaccedilatildeo aos idosos mais jovens eacute recomendado utili-zar atividades de orientaccedilotildees rotineiras sobre a prevenccedilatildeo im-pedindo que possiacuteveis agravos possam contribuir e provocar internaccedilotildees desnecessaacuterias e evitaacuteveis

No cenaacuterio em que considera-se a distribuiccedilatildeo por sexo nota-se que em todo o Estado e na maioria das regionais de sauacutede estudadas a prevalecircncia de mulheres entre os idosos eacute destaque Esse fenocircmeno tambeacutem natildeo foi algo inovador pois jaacute satildeo encontrados resultados semelhantes em vaacuterias outras pesquisas (NEGREIROS 2003 CARVALHO et al 2009 NI-CODEMOS GODOI 2010) Outro fato interessante foi que em todas as faixas etaacuterias entre os idosos no Estado prevale-ceu o sexo feminino

Alguns autores justificam o fenocircmeno da feminizaccedilatildeo da velhice como resultado do aumento da expectativa de vida das mulheres em relaccedilatildeo aos homens e do maior cuidado das mu-lheres em relaccedilatildeo agrave sua sauacutede (VERAS 2004) Segundo Carva-lho et al (2009 p 580) ldquoas mulheres satildeo detentoras de saberes e praacuteticas de sauacutede vivenciadas nas suas experiecircncias cotidia-nas do cuidar e identificam de forma precoce sinais e sintomas de vaacuterias doenccedilas []rdquo Assim tecircm-se as mulheres vivendo em meacutedia sete anos a mais do que os homens (SALGADO 2002)

Algumas pesquisas justificam a feminizaccedilatildeo pela menor mortalidade de idosas quando em comparaccedilatildeo com os idosos do sexo masculino (NEGREIROS 2003 LUIZAGA GOTLIEB 2013) Os homens morrem mais e mais precocemente do que as mulheres predominando o sexo feminino entre as pessoas de mais de 60 anos (LUIZAGA GOTLIEB 2013)

Vale ressaltar ainda que aleacutem dos idosos as mulheres tambeacutem demandam por cuidados mais especializados e vol-

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tados para as suas necessidades de sauacutede especiacuteficas Podemos mencionar dentre esses a prevenccedilatildeo de cacircncer de colo do uacutete-ro e mama prevenccedilatildeo e tratamento da depressatildeo e diagnoacutestico e tratamento dos sintomas da menopausa entre outros

Apesar de as mulheres se expressarem em maiores pro-porccedilotildees e serem mais longevas quando comparadas aos ho-mens estas tendem a apresentar maiores nuacutemeros de inca-pacidades fiacutesicas (GRUNDY 2003) Portanto consideramos a questatildeo de gecircnero no planejamento das accedilotildees de sauacutede um fator importante para que possamos prestar uma assistecircncia de qualidade prevenindo tanto as internaccedilotildees por condiccedilotildees sensiacuteveis como mortes evitaacuteveis

Em razatildeo da velocidade do aumento do nuacutemero de ido-sos presentes no Mundo no Brasil e no Cearaacute como pode ser constatado foi que Minayo e Coimbra (2002 p 46) relataram ser necessaacuterio ldquoouvir a loacutegica deste grupo socioetaacuteriordquo contan-do com a sua participaccedilatildeo na resoluccedilatildeo e satisfaccedilatildeo das suas principais demandas as quais muitas vezes coincidem com as da sociedade de maneira geral

CONCLUSAtildeO

Por intermeacutedio desta pesquisa foi possiacutevel obter resul-tados consistentes para a obtenccedilatildeo de um diagnoacutestico situa-cional demograacutefico e analiacutetico relativo aos aspectos ligados ao envelhecimento

A alteraccedilatildeo demograacutefica eacute algo real sendo apontada a necessidade de preparar a sociedade para enfrentar as conse-quecircncias que poderatildeo surgir com a materializaccedilatildeo deste fenocirc-meno principalmente quando se refere a um estado pobre e

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que enfrenta dificuldades sociais e econocircmicas situado no in-terior do Nordeste brasileiro

O Cearaacute estaacute caracterizado como Estado com elevada con-centraccedilatildeo de idosos Tais pessoas estatildeo mais propensas a regis-trar doenccedilas crocircnicas e complicaccedilotildees relativas a esses agravos necessitam de cuidados apropriados de maiores gastos e de tecnologias mais avanccediladas que possam satisfazer as necessi-dades de sauacutede especiacuteficas desse grupo-alvo

Este estudo natildeo pretende caracterizar esta alteraccedilatildeo de-mograacutefica como uma vilatilde responsabilizando-a pelas mazelas da sociedade O foco eacute demonstrar a necessidade de mudanccedilas e direcionamento das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para esta par-cela da populaccedilatildeo destacando as necessidades de sauacutede dos idosos no momento da formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

233

REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 11

SUBSIacuteDIOS PARA PESQUISAS SOBRE A OBE-SIDADE A INFLUecircNCIA DA INFECccedilAtildeO PELO HELICOBACTER PyLORI SOBRE O ES-TADO NUTRICIONAL

Helena Alves de Carvalho SampaioDaianne Cristina Rocha

Ciacutecera Beatriz Baratta PinheiroAntocircnio Augusto Ferreira CariocaSoraia Pinheiro Machado ArrudaJoseacute Wellington de Oliveira Lima

INTRODUccedilAtildeO

A incidecircncia de obesidade entre os brasileiros aumentou 54 de 2006 a 2012 Ao todo 51 da populaccedilatildeo acima de 18 anos tecircm excesso de peso Entre os homens o excesso de peso atinge 54 e entre as mulheres 48 (BRASIL 2013)

Esse eacute resultado de um montante de fatores relaciona-dos ao estilo de vida incluindo um aumento na ingestatildeo de alimentos caloacutericos e diminuiccedilatildeo da atividade fiacutesica atitudes atribuiacutedas agrave natureza sedentaacuteria do homem moderno e aos meios de transporte (FENTOFLU et al 2009)

Na busca de mais causas determinantes da obesidade nos uacuteltimos anos a literatura comeccedilou a explorar uma possiacutevel as-sociaccedilatildeo entre obesidade e presenccedila de infecccedilatildeo pelo H pylori

A infecccedilatildeo pelo H pylori ocorre em todo o Mundo e aco-mete mais da metade da humanidade sendo considerada im-portante problema de sauacutede puacuteblica Sua prevalecircncia eacute signifi-

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cativamente maior em paiacuteses em desenvolvimento e em todas as faixas etaacuterias acometendo de 70 a 90 da populaccedilatildeo Em paiacuteses desenvolvidos a prevalecircncia eacute menor situando-se de 25 a 50 No Brasil a prevalecircncia em adultos de 82 (World Gastroenterology Organization - WGO 2010)

Pesquisas apontam que a infecccedilatildeo pelo H pylori pode influenciar a ingestatildeo e homeostase caloacuterica mediante a sina-lizaccedilatildeo da grelina (BLASER ATHERTON 2004) um peptiacute-deo secretado no estocircmago e implicado no comportamento de ingestatildeo alimentar e regulaccedilatildeo do peso corporal O tipo de influecircncia que ocorre entretanto ainda eacute tema controverso

Sabe-se que ocorre elevaccedilatildeo fisioloacutegica dos niacuteveis de greli-na durante o jejum aumentando o apetite e sinalizando para a ingestatildeo alimentar Desde o iniacutecio do ato de comer seus niacuteveis vatildeo se reduzindo na mesma medida em que o apetite tambeacutem diminui e desta forma a alimentaccedilatildeo eacute finalizada ( KONTU-REK et al 2004)

Consoante reportam alguns autores a gastrite frequente-mente induzida pela infecccedilatildeo pelo H pylori leva a uma redu-ccedilatildeo dos niacuteveis de grelina gaacutestrica com repercussatildeo nos niacuteveis seacutericos Se esta reduccedilatildeo de fato ocorre pode estar associada agrave perda ponderal (OSAWA et al 2005)

Coerentemente a erradicaccedilatildeo da bacteacuteria parece influen-ciar a dinacircmica da grelina restaurando os niacuteveis desta e au-mentando o peso corporal (NWOKOLO et al 2003 TATSU-GUCHI et al 2004)

A relaccedilatildeo entretanto natildeo eacute assim tatildeo clara de forma que haacute estudos contraditoacuterios dessas observaccedilotildees citadas (NWOKOLO et al 2003) mas haacute ensaios que apontam ga-nho ponderal com a presenccedila do microorganismo (BLASER

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ATHERTON 2004) Haacute ainda pesquisas que natildeo detectaram alteraccedilotildees dos niacuteveis de grelina associadas agrave infecccedilatildeo (OSAWA et al 2005)

A adiccedilatildeo de um potencial mediador no processo de ganho ponderal a H pylori produz as seguintes interrogaccedilotildees existe influecircncia da infecccedilatildeo pelo microorganismo sobre o peso cor-poral Haacute respostas diferenciadas segundo presenccedila ou ausecircn-cia de excesso ponderal previamente agrave infecccedilatildeo

Em face da ausecircncia de conclusotildees definitivas justifica-se a realizaccedilatildeo desta investigaccedilatildeo que pretende estudar os efeitos da presenccedila de H pylori sobre o estado nutricional em pacien-tes atendidos pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

METODOLOGIA

Este eacute um estudo transversal de abordagem quantitativa e comparativa desenvolvido em uma unidade de sauacutede que atende pacientes do SUS A Unidade de Sauacutede foi escolhida com base na existecircncia ali de um Serviccedilo de Endoscopia Di-gestiva uma vez que a realizaccedilatildeo do exame endoscoacutepico eacute uma das estrateacutegias disponiacuteveis para diagnoacutestico da presenccedila de in-fecccedilatildeo pela H pylori

A populaccedilatildeo do estudo foi constituiacuteda por pacientes aten-didos pelo SUS e que buscaram o Serviccedilo de Endoscopia da Instituiccedilatildeo citada para realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta

A amostra foi calculada considerando revisatildeo sistemaacutetica com metanaacutelise de Nweneka e Prentice (2011) que avaliaram estudos enfocando a temaacutetica a ser aqui abordada Para o caacutel-culo dentre os estudos englobados pelos autores citados fo-ram considerados os que tiveram pelo menos 50 pessoas em cada um dos dois grupos (H pylori positivo ou negativo) com

239

um erro alfa = 005 e poder = 080 Assim a amostra prevista dependendo do estudo avaliado variou de 38 a 72 pessoas em cada grupo Opta-se pelo nuacutemero maior para conferir preci-satildeo agraves anaacutelises realizadas Assim a amostra ficou constituiacuteda por 144 pacientes a serem distribuiacutedos igualmente em cada grupo 72 pessoas H pylori positivo e 72 pessoas H pylori ne-gativo

Foram incluiacutedos indiviacuteduos (20 a 59 anos) de ambos os sexos e que estivessem sendo atendidos no Serviccedilo citado para realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta Foram excluiacutedos pa-cientes portadores de neoplasia gaacutestrica pela possiacutevel influecircn-cia nos marcadores a serem avaliados que natildeo moravam na Capital pessoas que apresentavam sangramento digestivo aleacutem daquelas que faziam uso de medicaccedilatildeo agrave base de inibidor de bomba de proacutetons

A amostra final ficou constituiacuteda por 140 colaboradores sendo 62 H pylori positivos e 78 H pylori negativos

A coleta de dados ocorreu de julho2012 a maio2013 e abrangeu a realizaccedilatildeo de exames e entrevista para obtenccedilatildeo das informaccedilotildees como discriminado a seguir bull Identificaccedilatildeo dos participantes (nuacutemero de cadastro no hos-

pital nome sexo idade telefone ocupaccedilatildeo escolaridade renda mensal familiar e problemas de sauacutede auto-referidos)

bull Exame endoscoacutepico com bioacutepsiabull Antropometria (afericcedilatildeo de peso e altura)

Os pacientes compareceram em jejum absoluto de seis horas e de oito horas para produtos laacutecteos para a realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta

Os participantes foram distribuiacutedos em dois grupos H pylori positivo (Hp +) e H pylori negativo (Hp -)

240

O iacutendice de massa corporal - IMC (kgm2) dos pacientes foi determinado antes do iniacutecio do exame endoscoacutepico me-diante coleta de dados de peso e altura Para tal foi adotado protocolo de Alvarez e Pavan (1999) utilizando balanccedila antro-pomeacutetrica marca Balmak capacidade 200 kg com intervalo de 100g e 200m com intervalo de 10cm A partir do IMC o estado nutricional dos participantes foi categorizado segundo a WHO (1998)

Os dados foram tabulados para apresentaccedilatildeo em frequumlecircn-cias simples e percentual meacutedias e desvio-padratildeo ou medianas e intervalo interquartil sempre comparando os achados dos dois grupos de pacientes (Hp + e Hp -)

A anaacutelise estatiacutestica foi efetuada por via dos programas estatiacutesticos Epi InfoTM 7106 e SPSS (Statistical Program of Social Science) versatildeo 200 As variaacuteveis categoriais foram analisadas peloTeste Qui-quadrado Foi realizado Teste de Normalidade de Kolmogorov-Smirnov Com suporte neste foi utilizado o Teste t de Student para comparaccedilatildeo das meacute-dias ou de Mann-Whitney para comparaccedilatildeo das meacutedias dos postos Para todos os testes foi adotado p lt 005 como niacutevel de significacircncia

O projeto foi delineado conforme a Resoluccedilatildeo 1961996 do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 1996) que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos O plano de estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Instituiccedilatildeo responsaacutevel pelo estudo sob nuacutemero 11582611-4 e a coleta de dados foi ini-ciada apenas apoacutes aprovaccedilatildeo por este orgatildeo Os participantes ainda segundo a Resoluccedilatildeo citada assinaram oTermo de Con-sentimento Livre e Esclarecido anuindo sua participaccedilatildeo no estudo

241

RESULTADOS

Os entrevistados foram caracterizados quanto ao sexo a faixa etaacuteria a escolaridade a renda familiar mensal e cor (auto referida) cujos achados estatildeo expostos na Tabela 1

Dentre os 140 pacientes estudados 101 (721) eram mu-lheres e 39 (279) homens Em relaccedilatildeo agrave presenccedila da bacteacuteria H pylori 78 (557) eram Hp - e 62 (443) Hp + havendo 18 homens e 44 mulheres Hp + sem diferenccedila considerando o sexo (p = 0782) A idade meacutedia dos participantes foi 397 plusmn 120 anos sendo similar nos dois grupos

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade a maioria dos entrevistados tinha de nove a 11 anos de estudo o que equivale a cursar o ensino meacutedio sem diferenccedila estatiacutestica (p = 0196) entre os dois grupos

A distribuiccedilatildeo dos entrevistados segundo a renda familiar foi determinada conforme a quantidade de salaacuterios-miacutenimos recebidos pela famiacutelia A renda familiar meacutedia geral foi de 24 plusmn 19 salaacuterios-miacutenimos sendo para homens e mulheres Tam-beacutem natildeo houve diferenccedila entre os dois grupos de pacientes (p = 0836)

A distribuiccedilatildeo dos pacientes segundo a cor presenccedila da bacteacuteria e o sexo indicou dados similares (p = 0665) como cor da pele classificada como lsquorsquooutrasrsquorsquo foram incluiacutedas negra parda e amarela

A situaccedilatildeo nutricional do grupo foi investigada conside-rando o Iacutendice de Massa Corporal (IMC)

O estado nutricional dos pacientes estudados determina-do pelo IMC e categorizado pela WHO (1998) revelou predo-miacutenio de pacientes com diagnoacutestico nutricional de sobrepeso tanto nos Hp - (29 ndash 372) quanto nos Hp + (22 ndash 355)

242

como exposto na Tabela 2 Destacam-se duas mulheres (26) Hp - e um (16) homem Hp + com diagnoacutestico nutricional de magreza grau I Considerando os pacientes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e sem excesso de peso (magreza grau I e eutrofia) verifica-se que natildeo houve diferenccedila significa-tiva entre os pacientes Hp ndash e Hp + (p = 0361) como mostra a Tabela 3

Considerando natildeo mais a categorizaccedilatildeo nutricional mas a meacutedia de IMC (Tabela 4) os pacientes negativos tanto do sexo feminino quanto do masculino exibiram meacutedia um pou-co maior poreacutem sem significacircncia estatiacutestica (p = 0208)

DISCUSSAtildeO

Abordando inicialmente os resultados dos testes da urea-se percebe-se que em 140 pessoas 443 eram positivas para a bacteacuteria Natildeo se trata de um estudo de prevalecircncia mas es-perava-se encontrar valores mais proacuteximos a outros realizados na regiatildeo pois os pacientes ingressaram no estudo ao acaso Os achados tambeacutem se encontram abaixo dos percentuais encontrados em paiacuteses em desenvolvimento mas coincidem com os dos paiacuteses desenvolvidos (World Gastroenterology Or-ganization - WGO 2010)

Em relaccedilatildeo a dados epidemioloacutegicos brasileiros tambeacutem em Fortaleza a prevalecircncia da infecccedilatildeo pela H pylori foi ava-liada em 610 moradores de uma comunidade urbana de baixa renda Restou evidente que 629 (384) tinham H pylori (RO-DRIGUES et al 2005) Os dados desse estudo foram coletados em 2000 e 2001 podendo ter havido mudanccedila no quadro en-contrado agravequela eacutepoca

243

A utilizaccedilatildeo do serviccedilo de endoscopia foi significativa-mente maior pelas mulheres (721) confirmando indica-dores de que as mulheres buscam mais os serviccedilos de sauacutede (FERNANDES BERTOLDI BARROS 2009 TOMASI et al 2011)

Ainda com relaccedilatildeo ao sexo Nogara Frandoloso e Re-zende(2010) natildeo encontraram diferenccedila significativa entre os pacientes com H pylori (RP = 24 IC 95 = 079 ndash 719 p = 0165) Segundo McCallion et al (1995) e Kodaira Escobar e Grisi (2002) a infecccedilatildeo eacute igualmente encontrada em homens e mulheres o que foi confirmado neste estudo

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade da populaccedilatildeo a maioria (551) apresentou niacutevel de escolaridade de 9 a 11 anos de estudos Segundo dados da PNAD (BRASIL 2011) o nuacutemero meacutedio de anos de estudos no Brasil eacute de 7 e 73 anos para homens e mulheres respectivamente ao passo que no Nordeste estes nuacutemeros caem para 56 e 64 anos Portanto os dados encon-trados foram um pouco melhores quando comparados com os anos de estudo no Nordeste e no Brasil Para Vergueiro et al (2008) o fator de maior significacircncia para a aquisiccedilatildeo de H pylori foi a escolaridade sugerindo que os haacutebitos higiecircnicos e comportamentais possam ser determinantes da infecccedilatildeo A alta escolaridade em ambos os sexos observada no estudo atual sugere que pode ter influenciado a baixa prevalecircncia da bac-teacuteria

Houve predominacircncia de pacientes com a cor da pele classificada como lsquorsquooutrasrsquorsquo (436) que incluiacutea negras pardas e amarelas seguida pelos de cor morena (422) Este quadro estaacute em certo acordo com dados da PNAD (BRASIL 2011) so-bre o Nordeste onde satildeo apontados 289 de brancos 105 de pretos 598 de pardos e 08 amarelos

244

Finalmente analisando a distribuiccedilatildeo por sexo faixa etaacute-ria anos de estudo renda familiar e cor detecta-se que os gru-pos natildeo diferiram mostrando uma homogeneidade que facili-ta a interpretaccedilatildeo dos achados relativos ao estado nutricional

Revisatildeo da epidemiologia da infecccedilatildeo pela H pylori en-controu menor prevalecircncia do microorganismo em pessoas de etnia branca (KODAIRA ESCOBAR GRISI 2002) O meca-nismo responsaacutevel por esta diferenccedila natildeo pode ser atribuiacutedo somente agraves condiccedilotildees socioeconocircmicas ou ao modo de vida Graham e colaboradores (1991) relataram uma diferenccedila na prevalecircncia segundo raccedila mesmo apoacutes ajuste por fatores so-cioeconocircmicos Sendo assim pode-se presumir que fatores ge-neacuteticos determinantes de uma susceptibilidade diferente para os grupos eacutetnicos podem ter relevacircncia

Em relaccedilatildeo ao estado nutricional nota-se que a maioria dos pacientes tanto Hp - (603) quanto Hp + (678) expres-saram excesso ponderal sem diferenccedila entre os grupos (Ta-belas 3) Os valores encontrados se situaram acima dos dados apontados no uacuteltimo levantamento nacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) por uma Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 (IBGE 2010) que apontou 49 de excesso de peso na populaccedilatildeo brasileira acima de 20 anos de idade

Eacute possiacutevel que um estudo com amostra mais robusta aponte maior presenccedila de excesso ponderal entre os Hp + uma vez que a proporccedilatildeo de portadores de excesso de peso foi elevada em ambos os grupos podendo impedir uma com-provaccedilatildeo a diferenccedila entre eles Por outro lado Ioannou et al (2005) em um estudo de base populacional que incluiu 6724 participantes adultos da terceira National Health and Nutri-tion Examination Survey demonstraram que a presenccedila de H

245

pyloriCagA natildeo estava associada com obesidade [odds ratio ajustado (OR) 12 95 CI 09ndash16 comparando (++) com (minusminus) e OR ajustado 11 95 CI 08ndash15 comparando (+minus) com (minusminus)] nem com sobrepeso [OR ajustado 10 95 CI 07ndash12 comparando (++) com (minusminus) e OR ajustado 10 95 CI 08ndash13 comparando (+minus) com (minusminus)]

Contrariamente em estudo de Wu et al (2005) com 414 pacientes com obesidade moacuterbida e 683 controles a prevalecircn-cia da infecccedilatildeo por H pylori foi mostrada ser significativamen-te mais elevada em pacientes magros do que em obesos e os autores concluiacuteram que a ausecircncia de H pylori pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de obesidade Os da-dos desse estudo epidemioloacutegico natildeo satildeo forte argumento para essa hipoacutetese pois natildeo foram correlacionados com padrotildees de higiene e socioeconocircmicos e esses como citado anteriormen-te satildeo tambeacutem conhecidos por mostrarem uma relaccedilatildeo com o estado nutricional e obesidade (NAGEL et al 2007 SANTOS EBRAHIM BARROS 2008)

Revisatildeo de literatura indicou que a hipoacutetese de H pylori como um protetor contra a obesidade natildeo tem base cientiacutefica soacutelida (WEIGT MALFERTHEINER 2009)

Em contrapartida aumentos modestos de peso e IMC satildeo relatados apoacutes a erradicaccedilatildeo da H pylori Em um estudo japo-necircs houve pequeno (lt 05kgmsup2) mas significativo aumento do IMC apoacutes um ano de sucesso da erradicaccedilatildeo da H pylori (n = 421) mas natildeo registrou alteraccedilatildeo no IMC apoacutes fracasso de tratamento (n = 158) (FURUTA et al 2002) Realizou-se um estudo na Europa tambeacutem investigando o impacto da er-radicaccedilatildeo da H pylori no IMC e encontrou-se que a meacutedia do IMC aumentou de 275 kgmsup2 para 278kgmsup2 apoacutes 6 meses no grupo de intervenccedilatildeo em comparaccedilatildeo com o aumento de 270

246

kgmsup2 para 272kgm2 no grupo placebo e a diferenccedila ajustada entre os grupos foi estatisticamente significativa de 02 kgm2 (95 CI 011 031) (LANE et al 2011)

CONCLUSAtildeO

Pode haver um impacto de marcadores bioquiacutemicos como a leptina e grelina aqui citadas e mesmo estas podem ser influenciadas de forma diferente de acordo com o perfil da populaccedilatildeo estudada Haacute ainda muitas indagaccedilotildees a serem res-pondidas e mais estudos satildeo necessaacuterios principalmente ori-ginados em distintas regiotildees ajudando a compor um quadro mais detalhado e aprofundado das inter-relaccedilotildees

Fica a proposta de continuar a investigaccedilatildeo acompanhan-do maior nuacutemero de pacientes verificando efeitos da erradica-ccedilatildeo da infecccedilatildeo realizando dosagens de marcadores bioquiacutemi-cos de apetite para citar apenas algumas das lacunas a serem preenchidas e suscitadas por este estudo

A infecccedilatildeo pela H pylori natildeo influenciou o estado nutri-cional no grupo populacional avaliado

247

REFERecircNCIASALVAREZ BR PAVAN AL Alturas e comprimentosIn E L Pe-troski (Ed) Antropometria teacutecnicas e padronizaccedilotildees Porto Alegre Pallotti p 29-51 1999BLASER MJ ATHERTON JC Helicobacter pylori persistence biology and disease J Clin Invest v 113 p 321-33 2004 BRASIL Conselho Nacional de Sauacutede Resoluccedilatildeo CNS nordm 19696 ndash Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Se-res Humanos Diaacuterio Oficial da Uniatildeo p 21082-5 1996BRASIL Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Pes-quisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios - PNAD 2011 Brasil 2011 Disponiacutevel em http wwwibgegovbr home presidencia noticias imprensa ppts 00000010135709212012572220530659 pdf Acesso em 6 Ago 2013BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede De-partamento de Vigilacircncia de Doenccedilas e Agravos natildeo Transmissiacuteveis e Promoccedilatildeo de Sauacutede Vigitel Brasil 2012 vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnicoMinisteacuterio da Sauacutede 2013FENTOFLU O et al Periodontal Status in Subjects With Hyperli-pidemia J Periodontol v 80 n 2 p 267-273 2009 doi 101902jop2009080104FERNANDES LCL BERTOLDI AD BARROS AJD Utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede pela populaccedilatildeo coberta pela estrateacutegia sauacutede da famiacutelia Rev Sauacutede Puacuteblica v 43 n 4 p 595-603 2009 FURUTA Tet al Effect of H pylori infection and its eradication on nutrition Aliment Pharmacol Therv 53 n 5 p 617-242009 doi 101590S0004-27302009000500014GRAHAM DY et al Epidemiology of H pylori in an asymptomatic population in the United States Effect of age race and socioecono-mic status Gastroenterology v 100 n6 p 1495-501 1991 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA

248

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249

2005 doi 101590S0034-89102005000500022SANTOS AC EBRAHIM S BARROS H Gender socio-economic status and metabolic syndrome in middle-aged and old adults BMC Public Health v 8 p 2458ndash2462 2008 doi 1011861471-2458-8-62TATSUGUCHI A et al Effect of H pylori infection on ghrelin ex-pression in human gastric mucosa Am J Gastroenterol v 99 n11 p 2121-2127 2004TOMASI E et al Caracteriacutesticas da utilizaccedilatildeo de serviccedilos de Atenccedilatildeo Baacutesica auml Sauacutede nas regiotildees Sul e Nordeste do Brasil diferenccedilas por modelo de atenccedilatildeo Ciecircnc Sauacutede Coletiva v 8 n 3 p 301-306 2009 doi 101590S1413-81232011001200012WEIGT J MALFERTHEINER P Influence of H pylori on gastric regulation of food intake Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care v12 p 522ndash525 2009WGO Practice Guidelines H pylori nos paiacuteses em desenvolvimen-to World Gastroenterology Organisation 14p 2010 Disponiacutevel em lt httpwww worldgastroenterologyorgassetsdownloadsptpdfguidelineshelicobacter_pylori_developing_countries_ptpdfgt Aces-so em 01 de ago de 2013WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION Obesity Preventing and Managing the Global Epidemic Geneva World Health Organi-zation1998276pWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION The World Health Organization warns of the rising threat of heart disease and stroke as overweight and obesity rapidly increase Geneva World Health Or-ganization 2011 Disponiacutevel em httpwwwwhoint mediacentrenewsreleases2005pr44enindexhtml Acesso em 05 mar 2011WU MSet al A case-control study of association of H pylori infec-tion with morbid obesity in Taiwan Arch Intern Medv165 n 13 p1552ndash55 2005

250

Tabela 1 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes avaliados segundo anos de estudo e renda familiar e presenccedila de Helicobacter pylori e sexo Fortaleza 2013

Anos de estudo

Negativo Positivo

Total

n ()Teste1

Mascu-

lino

n ()

Femini-

no

n ()

Total

n ()

Mascu-

lino

n ()

Feminino

n ()

Total

n ()

le 8 9 (428) 14 (246) 23 (295) 6 (333) 21 (477) 27 (435) 50 (357)

χ2 = 326

p = 01969 ndash 11 11 (524) 32 (561) 43 (551) 9 (500) 20 (455) 29 (468) 72 (514)

ge12 1 (48) 11 (193) 12 (154) 3 (167) 3 (68) 6 (97) 18 (129)

Renda Familiar (SM) 3

lt1 0 (0) 2 (35) 2 (26) 0 (0) 2 (45) 2 (32) 4 (29)

χ2 = 145

p = 0836

1-3 13 (619) 41 (719) 48 (615) 10 (556) 27 (613) 43 (694) 91 (650)

3-5 7 (333) 5 (88) 22 (282) 4 (222) 13 (295) 13 (210) 35 (250)

ge 5 1 (48) 7 (123) 4 (51) 3 (136) 1 (23) 2 (32) 6 (42)

NS2 0 (0) 2 (35) 2 (26) 1 (56) 1 (23) 2 (32) 4 (29)

Cor (auto referida)

Branca 3 (143) 10 (175) 13 (167) 2 (111) 5 (114) 7 (113) 20 (143)

χ2 = 082

p = 0665Morena 10 (476) 22 (386) 32 (410) 9 (500) 18 (409) 27 (436) 59 (421)

Outras 8 (381) 25 (439) 33 (423) 7 (389) 21 (477) 28 (451) 61 (436)

Total 21 (1000)57

(1000)78 (1000) 18 (1000) 44 (1000) 62 (1000) 140 (1000)

1p lt 005 como niacutevel de significacircncia 2NS = Natildeo sabe 3SM = Salaacuterio-Miacutenimo (R$ 67800)

251

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes avaliados segundo es-tado nutricional sexo e presenccedila de Helicobacter pylori For-taleza 2013

Estadonutricio-

nal1

Masculino Feminino Total

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Magreza I 0 (0) 1 (56) 2 (35) 0 (0) 2 (25) 1 (16)

Eutrofia 11 (524) 5 (278) 18 (316)

14 (318)

29 (372)

19 (306)

Sobre-peso

6 (286) 8 (444) 23 (403)

14 (318)

29 (372)

22 (355)

Obesida-de

4 (190) 4 (222) 14 (246)

16 (364)

18 (231)

20 (323)

Total 21 (1000)

18 (1000)

57 (1000)

44 (1000)

78 (1000)

62 (1000)

1Estado nutricional determinado pelo Iacutendice de Massa Corporal e categori-zado segundo World Health Organization (1998) agrupando-se os variados graus de obesidade em categoria uacutenica

252

Tabela 3 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes estudados segundo ex-cesso ponderal sexo presenccedila de Helicobacter pylori Forta-leza 2013

Excessoponde-

ral1

Masculino Feminino Total

Nega-tivo

n ()

Positi-vo

n ()Teste2

Nega-tivo

n ()

Positivon ()

Teste2Nega-

tivon ()

Positivon ()

Teste2

Natildeo11

(524)6 (333)

χ2 =1430p=0232

20 (351)

14 (318)

χ2=0119p=0730

31 (397) 20 (323)

χ2=0836p=0361

Sim10

(476)12

(667)37

(649)30 (682) 47 (603) 42 (678)

Total21

(1000)18

(1000)57

(1000)44 (1000)

78 (1000)

62 (1000)

1Excesso ponderal segundo Iacutendice de Massa Corporal catego-rizado pela World Health Organization (1998) agrupando-se sobrepeso e obesidade 2p lt 005 como niacutevel de significacircncia

Tabela 4 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes estudados segundo sexo presenccedila de H pylori sexo e meacutedia de Iacutendice de Massa Corporal (IMC) Fortaleza 2013

Sexo

H pylori

NegativoIMCMeacutedia plusmn DP1

PositivoIMCMeacutedia plusmn DP1

Teste2

Masculino 266 plusmn 52 262 plusmn 39 p = 0802

Feminino 283 plusmn 64 268 plusmn 51 p = 0191

Total 278 plusmn 61 266 plusmn 48 p = 0208

1DP = desvio-padratildeo 2Teste t de Student com p lt 005 como niacutevel de significacircncia

253

CAPIacuteTULO 12

CARACTERIZAccedilAtildeO SOCIODEMOGRAacuteFICA E DE ATIVIDADE FIacuteSICA EM ESCOLARES ADULTOS JOVENS

Laryssa Veras AndradeThereza Maria Magalhatildees Moreira

Raquel Sampaio FlorecircncioLeandro Arauacutejo Carvalho

INTRODUccedilAtildeO

A exposiccedilatildeo a fatores de risco comportamentais como o sedentarismo frequentemente se inicia na adolescecircncia e se consolida na vida adulta Esse fator interligado a outros aumenta o risco de desenvolvimento da maioria das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Infecciosas (DCNI) como as cardiovasculares diabetes e cacircncer principais causas de morbimortalidade na vida adulta Experiecircncias e exposiccedilotildees ao longo da vida em es-pecial na infacircncia e juventude tecircm repercussotildees de longo pra-zo na sauacutede e podem contribuir para desigualdades em sauacutede na vida adulta e idosa (BARRETO PASSOS GIATTI 2009)

Apesar de a populaccedilatildeo ter conhecimento da importacircn-cia da praacutetica do exerciacutecio fiacutesico para diminuir as morbidades ao longo da vida tal comportamento ainda se mostra pouco prevalente na sociedade Estimativas globais da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) indicaram o sedentarismo como responsaacutevel por quase dois milhotildees de mortes anuais por 22 dos casos de doenccedila isquecircmica cardiacuteaca e por 10 a 16 dos casos de Diabetes Mellitus e de cacircnceres de mama coacutelon e reto

254

(WHO 2002) Sendo assim a realizaccedilatildeo de atividade fiacutesica destaca-se como forma de promoccedilatildeo da sauacutede e de prevenccedilatildeo de DCNI

Alguns autores nos mostram o conceito de atividade fiacute-sica e exerciacutecio fiacutesico Segundo Caspersen Powel e Christen-son (1985) a atividade fiacutesica eacute qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esqueleacutetica que resulta em gasto energeacutetico tendo componentes e determinantes de ordem biopsicossocial cultural e comportamental podendo ser exemplificada por atividades ocupacionais (trabalho) ativida-des da vida diaacuteria (vestir-se banhar-se comer) deslocamento (transporte) e atividades de lazer incluindo exerciacutecios fiacutesicos jogos lutas danccedilas e esportes Com relaccedilatildeo ao exerciacutecio fiacutesi-co os autores definem como atividade repetitiva planejada e estruturada cujo objetivo eacute a manutenccedilatildeo e a melhoria de um ou mais componentes da aptidatildeo fiacutesica Assim embora esses dois termos estejam relacionados natildeo devem ser entendidos como sinocircnimos

Nos EUA satildeo dez milhotildees de coronariopatas que origi-nam 100 mil intervenccedilotildees por ano Estudos controlados evi-denciam que os coronariopatas que entram num programa de exerciacutecio fiacutesico regular diminuem em 25 o risco de morte (ERLICHMAN KERBEY JAMES 2002) Estudos prospecti-vos populacionais demonstram que a atividade fiacutesica diminui o risco de doenccedila coronariana e uma metanaacutelise cerca de 40 estudos demonstrou que o risco de doenccedila coronariana em pessoas inativas eacute 19 vez maior em comparaccedilatildeo com as ativas independentemente de outros fatores de risco (MILLER BA-LADY FLETCHER 1997)

Segundo Koo e Rohan (1999) Alves et al (2005) e Huang et al (1998) a praacutetica do exerciacutecio fiacutesico diminui o risco de

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aterosclerose e suas consequecircncias (angina infarto do miocaacuter-dio doenccedila vascular cerebral) ajuda no controle da obesida-de hipertensatildeo arterial diabetes osteoporose e dislipidemias e diminui o risco de afecccedilotildees osteomusculares e de alguns ti-pos de cacircncer (colo e mama) Contribui ainda no controle da ansiedade depressatildeo doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica asma aleacutem de proporcionar melhor autoestima e ajudar no bem-estar e socializaccedilatildeo do cidadatildeo Apesar de todas essas evi-decircncias cientiacuteficas no entanto a maioria da humanidade leva vida sedentaacuteria

Sendo assim um estilo de vida saudaacutevel incluindo as ati-vidades fiacutesicas eacute um fator importante na prevenccedilatildeo e contro-le de certas doenccedilas crocircnicas natildeo infecciosas (KUJALA et al 1998) Nesse sentido a atividade fiacutesica eacute expressa como um dos principais componentes de um estilo de vida saudaacutevel mas infelizmente sua praacutetica regular continua em nuacutemero reduzido

Estudos obtidos em um levantamento nacional nos EUA nos anos de 1997 e 1998 mostraram que aproximadamente quatro em cada dez adultos estadunidenses (383) natildeo par-ticipavam de qualquer atividade fiacutesica no lazer (USDHHS 2002) No Brasil estudos menores indicaram valores de 60 a 67 de comportamento sedentaacuterio em regiotildees e populaccedilotildees especiacuteficas do Nordeste Sul e Sudeste (FARIAS 2002 SOUZA et al 2000) Esses dados mostram a inatividade fiacutesica como um dos mais importantes problemas de sauacutede puacuteblica do Paiacutes Segundo Michelin Corrente e Burini (2010) o aumento de 1 no niacutevel de atividade fiacutesica da populaccedilatildeo adulta enseja eco-nomia de sete milhotildees de doacutelares em custos para tratamento de muitas DCNI Este panorama demonstra a importacircncia de conhecer os niacuteveis de atividade fiacutesica e possibilitar o desen-

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volvimento de metas factiacuteveis para a prevenccedilatildeo e controle da inatividade fiacutesica

Consoante Silva et al (2011) o Brasil eacute um paiacutes que difere muito em costumes distribuiccedilatildeo de renda e acuacutemulo de rique-zas de uma regiatildeo para outra diferenccedilas essas que resultam em haacutebitos de vida distintos e se refletem nos comportamentos de sauacutede o que faz ser relevante conhecer os niacuteveis de atividade fiacute-sica nas diversas populaccedilotildees dentre elas a adulta jovem visando a elaborar poliacuteticas puacuteblicas de incentivo a essa praacutetica adapta-das agraves questotildees sociais ambientais e culturais dessa populaccedilatildeo Tal fato faz realccedilar a necessidade de levantamentos regionais que possam identificar as caracteriacutesticas de clientelas especiacutefi-cas de forma a subsidiar poliacuteticas sociais adequadas incluindo a vigilacircncia e a promoccedilatildeo de praacuteticas de atividades fiacutesicas

Portanto o estudo respondeu aos seguintes questiona-mentos quais satildeoas caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas e o niacutevel de atividade fiacutesica dos adultos jovens escolares de Maracanauacute-Cearaacute-Brasil

Aspira-se a que as respostas a esses questionamentos se tornem importantes para maior eficaacutecia e elaboraccedilatildeo de poliacuteti-cas puacuteblicas voltadas agrave populaccedilatildeo adulta jovem visando a sua aderecircncia agrave praacutetica de atividade fiacutesica regular e agrave prevenccedilatildeo de complicaccedilotildees na sauacutede

Dessa forma foi objetivo do estudo foi descrever as ca-racteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas e o niacutevel de atividade fiacutesica dos adultos jovens escolares de Maracanauacute-Cearaacute-Brasil

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo descritivo quantitativo realizado com adultos jovens escolares

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O local da pesquisa compreendeu as escolas da rede es-tadual de ensino meacutedio e as escolas municipais com Ensino de Jovens e Adultos (EJA) do Municiacutepio de Maracanauacute-Cearaacute Este eacute localizado na Regiatildeo Metropolitana de Fortaleza com populaccedilatildeo de 206000 habitantes (IBGE 2010) Trata-se de regiatildeo urbana com grande quantidade de induacutestrias e com a segunda maior receita orccedilamentaacuteria do Cearaacute Maracanauacute eacute populosa tem vaacuterios conjuntos habitacionais muitas casas de alvenaria e em grande parte tem saneamento baacutesico e sistema de aacutegua e esgoto Maracanauacute foi escolhido neste estudo por ter uma populaccedilatildeo representativa para dados estatiacutesticos e ter sido premiado nacionalmente na aacuterea de atenccedilatildeo agrave sauacutede do adolescente e adulto jovem aleacutem de ter o Programa Sauacutede na Escola (PSE) implantado e boa cobertura da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

O PSE instituiacutedo por Decreto Presidencial nordm 6286 de 5 de dezembro de 2007 resulta do trabalho integrado dos Mi-nisteacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo na perspectiva de ampliar as accedilotildees de sauacutede aos alunos da rede puacuteblica de ensino funda-mental meacutedio e tecnoloacutegico (BRASIL 2008)

A escola que tem como missatildeo primordial desenvolver processos de ensino-aprendizagem desempenha papel funda-mental na formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo das pessoas em todas as aacutereas da vida social Junto com outros espaccedilos sociais ela cumpre papel decisivo na formaccedilatildeo dos estudantes na percepccedilatildeo e conquis-ta da cidadania e no acesso agraves poliacuteticas puacuteblicas Desse modo pode tornar-se locus para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede para sua clientela (DEMARZO AQUILANTE 2008)

De acordo com a Secretaria de Educaccedilatildeo do Estado do Cearaacute-SEDUC o Municiacutepio de Maracanauacute dispotildee de 96 es-colas sendo 74 municipais de ensino infantil fundamental

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para deficientes ou educaccedilatildeo de jovens e adultos (EJA) e 22 estaduais sendo dez de ensino fundamental e doze de ensino fundamental e meacutedio

A populaccedilatildeo alvo do estudo foi constituiacuteda de escolares adultos jovens do referido Municiacutepio das escolas estaduais e daquelas municipais com EJA Para fins de delimitaccedilatildeo do es-tudo essa fase da vida foi compreendida como aquela de 20 a 24 anos de idade segundo a OMS e o marco legal brasileiro (BRASIL 2007 OMSOPAS 2005)

Para identificar a quantidade de pessoas que compunha a populaccedilatildeo do estudo contatamos as Secretarias de Educaccedilatildeo e de Sauacutede do Municiacutepio de Maracanauacute-Cearaacute apresentando os objetivos do estudo e a temaacutetica Solicitamos listagem de todos os alunos do Ensino Meacutedio e do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na faixa etaacuteria de 20 a 24 anos matriculados no ano de 2011

Assim contou-secom populaccedilatildeo finita de 1737 estudan-tes A amostra foi calculada na foacutermula de caacutelculo de amostra para populaccedilatildeo finita adotou-se prevalecircncia de 50 (preva-lecircncia do niacutevel de atividade fiacutesica na populaccedilatildeo era desco-nhecida) e utilizou-se erro de 4 obtendo amostra de 446 adultos jovens Foi criteacuterio de exclusatildeo da amostra o aluno ausente nos dias da coleta de dados

A coleta foi realizada em duas fases Na primeira foram mostradas a temaacutetica e objetivo do estudo agrave comunidade es-colar selecionando os alunos com potencial para inserccedilatildeo na amostra com assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Na segunda foi preenchido um questionaacuterio com as caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas (sexo idade seacuterie estado civil renda familiar filhos trabalho remunerado e ho-

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ras trabalhadas) e o Questionaacuterio Internacional de Atividade Fiacutesica (IPAQ) versatildeo curta pois estudos observaram que suas duas versotildees (longa e curta) apresentam reprodutibilidade si-milar (MATSUDO et al 2001)

Apoacutes estes indicadores foram registrados em banco de dados Para as caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas foram calcu-ladas medidas estatiacutesticas descritivas Para analisar os dados do niacutevel de atividade fiacutesica foi utilizado o consenso realiza-do pelo Centro de Estudos do Laboratoacuterio de Aptidatildeo Fiacutesica de Satildeo Caetano do Sul (CELAFISCS) e pelo Center of Disease Control and Prevention (CDC) de Atlanta considerando os criteacuterios de frequecircncia e duraccedilatildeo que classifica as pessoas em cinco categorias Sedentaacuterios Insuficientemente Ativos A In-suficientemente Ativos B Ativos e Muito Ativos (CDC 2000) Para efeito de anaacutelise essas cinco categorias foram agrupadas em duas inativos (sedentaacuterios insuficientemente ativos A e B) e ativos (ativos e muito ativos) Os resultados foram apresen-tados em graacutefico e tabela

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesqui-sa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) sob Parecer Ndeg11044795-6

RESULTADOS

Na Tabela 1 tem-se a organizaccedilatildeo dos dados soacutecio-demograacute-fico

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TABELA 1 - Caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas dos escolares adultos jovens (n=446) Maracanauacute-Cearaacute-Brasil 2013

Variaacuteveis f X DP

SexoMasculinoFeminino

216230

484516

Idade20 anos21 anos22 anos23 anos24 anos

22480565432

50217912612172

2108 plusmn 132

Seacuterie (Ensino Meacutedio)1deg2deg3degNatildeo preenchido

9115918511

20435741524

Estado CivilSem companheiro (a)Com companheiro (a)Natildeo preenchido

349943

78321106

Renda familiar mensallt 2 salaacuterios miacutenimosgt 2 salaacuterios miacutenimos

35789

800200 119 plusmn 040

Tem filhos

SimNatildeoNatildeo preenchido

993425

22276711

Trabalha de forma remuneradaSimNatildeoNatildeo preenchido

26916413

60336829

Horas de trabalho por dialt6 gt6Natildeo preenchido

23912978

536289175

135 plusmn 047

f Frequecircncia absoluta Frequecircncia relativa X Meacutedia DP Desvio-padratildeo Salaacuterio miacutenimo (R$ 62200 vigente em 2012)Fonte elaboraccedilatildeo dos autores

261

Na tabela 1 verificou-se que pouco mais da metade (516) dos adultos jovens escolares eram do sexo feminino e tinham 20 anos (502) A meacutedia de idade foi de 2108 anos (+132) Predominaram as pessoas sem companheiro (a) (783) e sem filho (a) (767) Concernente agrave renda familiar mensal obti-vemos a informaccedilatildeo que 800 das famiacutelias tinham renda ateacute dois salaacuterios-miacutenimos o equivalente a 124400 reais A meacutedia da renda familiar mensal foi de 119 salaacuterios-miacutenimos (+040)

Quando indagados se trabalhavam remuneradamente a maioria dos escolares respondeu afirmativamente (603) Com relaccedilatildeo agraves horas diaacuterias de trabalho mais da meta-de (536) respondeu que trabalhava ateacute seis horas por dia e a meacutedia de horas diaacuterias trabalhadas foi de 135 (+047) A maior parte dos pesquisados cursava o 3ordm ano do ensino meacutedio (415) No graacutefico 1 a seguir expomos o pesquisado sobre o niacutevel de atividade fiacutesica constatando predomiacutenio de ativos (787) sobre inativos (213)

GRAacuteFICO 1ndash Classificaccedilatildeo dos escolares adultos jovens em ativos e inativos Maracanauacute Cearaacute-Brasil 2013

787

213 Ativos

Inativos

Fonte elaboraccedilatildeo dos autores

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DISCUSSAtildeO

Sobre a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas a predominacircncia foi de mulheres de 20 anos sem companheiro ou filho com renda de ateacute dois salaacuterios-miacutenimos que traba-lhavam ateacute seis horas por dia remunerado Quanto ao niacutevel de atividade fiacutesica mais de trecircs quartos do total era de ativos

Houve predominacircncia do sexo feminino em outros estu-dos (FONTES VIANNA 2009 BARRETO PASSOS GIAT-TI 2009 DEL CIAMPO et al 2010) Alguns autores acreditam que este fato esteja relacionado natildeo soacute a questotildees demograacutefi-cas mas pela crescente participaccedilatildeo das mulheres no campo profissional e consequentemente no educacional (GOMES et al 2012) Em relaccedilatildeo agrave faixa etaacuteria o encontro confirma o fato de as poliacuteticas educacionais atuais prezarem pela proporciona-lidade entre idade e ano escolar cursado

No item estado civil Fontes e Vianna (2009) ao avaliarem a prevalecircncia e fatores associados ao baixo niacutevel de atividade fiacutesica entre estudantes adultos jovens verificaram que 906 viviam sem companheiro (a) Moura Juacutenior et al (2011) ao analisarem o niacutevel de atividade fiacutesica e perfil sociodemograacutefico dos usuaacuterios adultos jovens dos ambientes puacuteblicos de ativi-dades fiacutesicas de Joatildeo Pessoa-PB-Brasil constataram predomi-nacircncia de pessoas sem companheiro (a)Esse perfil de pessoas solteiras pode estar relacionado agrave faixa etaacuteria jovem do estudo pois muitos deles ainda moram com os pais

A renda familiar evidenciou baixo poder aquisitivo entre os adultos jovens Esse dado converge com os resultados de Gomes et al (2012) ao analisarem adultos jovens escolares de Juazeiro do Norte-Cearaacute no entanto contrapotildee-se ao estudo de Moura Juacutenior et al (2011) que verificaram apenas 373 de

263

usuaacuterios de ambientes puacuteblicos com essa renda familiar Bun-gum e Vincent (1997) acenaram que o niacutevel socioeconocircmico pode influenciar o nuacutemero de oportunidades oferecidas aos jovens jaacute que os mais ricos podem ter envolvimento em ativi-dades estruturadas (academias e clubes) e em atividades livres gratuitas (parques vizinhanccedila ou playground) enquanto os mais pobres teoricamente soacute teriam a segunda opccedilatildeo

Quanto agrave natildeo existecircncia de filhos resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Fontes Vianna (2009) Esse resultado pode ter sido influenciado pela idade jovem dos par-ticipantes do estudo que ainda vivem com os pais e sem com-panheiro (a)

Nesta pesquisa houve maior nuacutemero de pessoas que tra-balhavam de forma remunerada Bielemann et al (2007) en-contraram em seu estudo resultados convergentes Pesquisa feita por Gomes et al (2012) mostrou que a maioria dos adul-tos jovens conciliava trabalho e estudo (632) e continuava vivendo na casa dos pais sem companheiro(a) Tal situaccedilatildeo eacute observada nessa sociedade dada a percepccedilatildeo das dificuldades da inserccedilatildeo no mercado de trabalho e da busca por salaacuterios melhores ao que se alia a vontade de seguir desfrutando do conforto da casa dos pais Divergindo desse achado pesquisa feita por Fontes e Vianna (2009) encontrou 605 dos estu-dantes sem trabalhar remuneradamente Segundo o Departa-mento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos Socioeconocircmicos poreacutem o jovem brasileiro cada vez mais estaacute buscando tra-balho e o Brasil figura entre os paiacuteses que mais possui jovens trabalhadores (DIEESE 2013) Quanto ao total de horas tra-balhadas isso pode ser justificado pelo fato de a populaccedilatildeo do estudo ser de escolares adultos jovens que conciliavam estudo e trabalho

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Relativamente agrave classificaccedilatildeo do Questionaacuterio Internacio-nal de Atividade Fiacutesica (IPAQ) aplicado as maiores porcen-tagens de respostas foram para os escolares ativos (787) em detrimento dos inativos (213) Melo Oliveira Almeida (2009) em estudo realizado com escolares do ensino meacutedio da rede puacuteblica do Estado do Rio do Janeiro identificaram alta ocorrecircncia de niacutevel de atividade fiacutesica satisfatoacuterio (691) Va-lores maiores de atividade fiacutesica (813) foram encontrados por Mielke et al (2010) Estudo feito no Estado de Satildeo Pau-lo por Matsudo Matsudo e Arauacutejo (2002) encontrou apenas 563 de ativos Valores de inatividade fiacutesica aproximados aos do presente estudo foram observados no estudo VIGITEL in-queacuterito telefocircnico em todas as capitais brasileiras no qual as prevalecircncias de inatividade fiacutesica variaram de 187 em Palmas a 256 em Satildeo Paulo e 323 em Natal (ZANCHETTA 2010)

Alguns autores destacam que a participaccedilatildeo nas aulas de Educaccedilatildeo Fiacutesica eacute um fator associado ao niacutevel de praacutetica de atividades fiacutesicas e agrave exposiccedilatildeo a comportamento natildeo sedentaacute-rio em estudantes do ensino meacutedio Nesse sentido as escolas devem estar atentas ao planejamento desse componente cur-ricular no acircmbito escolar de modo a incentivar os jovens a se engajarem nas atividades fiacutesicas Considerando que esta eacute uma fase da vida em que as atividades em grupo satildeo muito motivadoras a organizaccedilatildeo de equipes de campeonatos e de atividades extras na escola pode ser incrementada de modo a proporcionar e alargar os espaccedilos de conviacutevio social aumen-tando as possibilidades de envolvimento dos adolescentes e jovens nessas atividades Aleacutem disto como os haacutebitos de ativi-dades fiacutesica na adolescecircncia estatildeo associados agrave atividade fiacutesica na idade adulta os benefiacutecios desses programas e accedilotildees podem ser ainda mais amplos (TENOacuteRIO et al 2010)

265

CONCLUSAtildeO

O estudo mostrou predominacircncia de mulheres com 20 anos sem companheiro ou filho com renda de ateacute dois sa-laacuterios-miacutenimos que trabalhavam com remuneraccedilatildeo ateacute seis horas por dia e eram ativas O conhecimento das caracteriacutes-ticas sociodemograacuteficas eacute fundamental para orientar o desen-volvimento de poliacuteticas promotoras de sauacutede simplificando o traccedilado de estrateacutegias individuais e coletivas

Sobre a atividade fiacutesica percebemos o quanto essa praacute-tica pode e deve ser incentivada no ambiente escolar Os es-tudantes estatildeo continuamente sujeitos a trabalhos prazos de entrega longas horas de estudo e situaccedilotildees de exaustatildeo fiacutesica e mental Assim estudar o niacutevel de atividade fiacutesica de esco-lares eacute importante e pode incentivar a adoccedilatildeo de estrateacutegias preventivas especiacuteficas para o estilo de vida saudaacutevel A escola dissemina saberes cultura e valores dos quais a atividade fiacutesica natildeo pode estar excluiacuteda

Este ensaio tem limitaccedilotildees no que tange agrave validade das medidas subjetivas das atividades fiacutesicas via auto relato Reco-mendamos estudos futuros com agregaccedilatildeo de medidas objeti-vas da atividade fiacutesica

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REFERecircNCIAS

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DIEESEO trabalho tolerado de crianccedilas ateacute catorze anos [acessado em 20 de marccedilo de 2013] Disponiacutevel em lthttpwwwdieeseorgbeespespecialhtmlgtERLICHMAN J KERBEY AL JAMES WP Physical activity and its impact on health outcomes Paper 1 The impact of physical acti-vity on cardiovascular disease and all-cause mortality an historical perspective Obes Rev v 3 p 257-271 2002FARIAS JUNIOR JC Estilo de vida de escolares do ensino meacutedio no Municiacutepio de Florianoacutepolis Santa Catarina [Dissertaccedilatildeo de Mes-trado] Florianoacutepolis (SC) Universidade Federal de Santa Catarina 2002FONTES A C D VIANNA R P T Prevalecircncia e fatores associa-dos ao baixo niacutevel de atividade fiacutesica entre estudantes universitaacuterios de uma universidade puacuteblica da regiatildeo Nordeste - Brasil Rev bras epidemiol v 12 n 1 p 20-29 2009GOMES EB et al Fatores de risco cardiovascular em adultos jovens de um municiacutepio do Nordeste brasileiro Rev Bras Enferm v 65 n 4 p 594-600 julago 2012HUANG Y et al Physical fitness physical activity and functional limitation in adults aged 40 in older Med Sci Sports Exer v 30 n 9 p 1430-1435 1998IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Dados do Censo 2010 publicados no Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Dados MaracanauacuteCea-raacute Disponiacutevel em lthttpwwwcenso2010ibgegovbrdados_divul-gadosindexphpuf=23gt Acesso em 18 out 2012KOO MN ROHAN TE Comparison of four habitual physical ac-tivity questionnaires in girls aged 7- 15 yr Med Sci Sports Exer v31 n 3 p 421-427 1999 KUJALA UM et al Relationship of leisure-time physical activity and mortality the finish twin cohort JAMA v 279 p 440-444 1998MATSUDO S et alQuestionaacuterio Internacional de Atividade Fiacutesica

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TENOacuteRIO M C et al Physical activity and sedentary behavior among adolescent high school students Rev Bras Epidemiol v 13 p 105-117 2010 USDHHS Physical activity fundamental to preventing disease Office of the Assistant Secretary for Planning and Evaluation p1-19 2002 USDHHS (US Department of Health and Human Services)Physical activity and health a report of the surgeon general Atlanta Center for Disease Prevention and Health Promotion The Presidentrsquos Coun-cil on Physical Fitness and Sports 1996WHO World Health Organization The world health report 2002 re-ducing risks promoting healthy life Geneva WHO 2002ZANCHETTA L M et alInatividade fiacutesica e fatores associados em adultos Satildeo Paulo Brasil Rev Bras Epidemiol v 13 n 3 p 387-399 2010

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CAPIacuteTULO 13

MORTALIDADE INFANTIL ANAacuteLISE DE FATORES DE RISCO EM UMA CAPITAL DO NORDESTE BRASILEIRO

Liacutedia Samara de Castro SandersJardenia Chaves Domeneguetti

Francisco Joseacute Maia Pinto

INTRODUccedilAtildeO

A mortalidade infantil eacute considerada grave problema de sauacutede puacuteblica mundial pois apesar da diminuiccedilatildeo global de seus iacutendices esta ainda eacute uma realidade presente em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento (UNICEF 2013)

A taxa de mortalidade infantil (TMI) eacute um dos melhores indicadores do niacutevel de vida e bem-estar social de uma popu-laccedilatildeo (WHO 2010) Este claacutessico indicador de sauacutede eacute um im-portante componente epidemioloacutegico internacional visto que tem grande peso na expectativa de vida ao nascer(GARCIA SANTANA 2011)

Os oacutebitos de crianccedilas menores de um ano satildeo eventos indesejaacuteveis pois satildeo mortes precoces e em muitos casos evitaacuteveis A reduccedilatildeo da mortalidade infantil integra um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) compro-misso dos paiacuteses-membros da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) para que com a globalizaccedilatildeo o Mundo se torne mais inclusivo e equitativo no novo milecircnio(IPEA 2010)

Desse modo torna-se necessaacuteria a reduccedilatildeo das desigual-dades em sauacutede e em especial a sobrevivecircncia infantil que eacute alvo da atenccedilatildeo de organizaccedilotildees internacionais e do Governo

271

brasileiro Uma dessas iniciativas eacute o Pacto pela Reduccedilatildeo da Mortalidade Infantil na Regiatildeo Nordeste e Amazocircnia Legal que faz parte de um compromisso mais amplo proposto pelo Governo federal para acelerar a reduccedilatildeo das desigualdades re-gionais(GARCIA SANTANA 2011)

Nas uacuteltimas deacutecadas observou-se reduccedilatildeo naTMI em vaacute-rias regiotildees do Mundo O Brasil tambeacutem expressa tendecircncia de decliacutenio com melhora em seus indicadores sociais poreacutem ainda ostenta grandes disparidades regionais principalmente no que se refere agrave regiatildeo Nordeste dentre as quais estatildeo as desigualdades raciais de renda per capita escolaridade e ex-pectativa de vida ao nascer (SOUSA LEITE-FILHO 2008)

O Cearaacute de 1980 a 2010 foi o segundo estado brasileiro que mais reduziu a TMI Em 30 anos deixaram de morrer 918 crianccedilas menores de um ano para cada mil nascidas nuacutemero menor apenas do que o da Paraiacuteba que em 2010 evitou 942 mortes em relaccedilatildeo a 1980 Em 1980 o Cearaacute tinha a terceira pior TMI do Nordeste de 1115 por mil nascidos agrave frente ape-nas de Alagoas (1116) e da proacutepria Paraiacuteba (1171) Em 2010 o Cearaacute ficou com a segunda melhor taxa da regiatildeo de 197 por mil nascidos atraacutes apenas de Pernambuco que registrou taxa de 185 (IBGE 2010)

Apesar dessa reduccedilatildeo observada no Nordeste especial-mente no Cearaacute a TMI ainda continua com iacutendices acima do recomendado por oacutergatildeos internacionais Para tanto o Sistema de Informaccedilatildeo sobre Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informaccedilatildeo sobre Mortalidade (SIM) constituem em im-portantes ferramentas para enfrentar o desafio da mortalidade infantil visto que em estudos epidemioloacutegicos a utilizaccedilatildeo desses sistemas de informaccedilatildeo possibilita a detecccedilatildeo de fatores de risco associados agrave mortalidade nesse grupo etaacuterio

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Ademais a anaacutelise de fatores de risco em menores de um ano eacute um valioso determinante na elaboraccedilatildeo de estrateacutegias efetivas de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede para a reduccedilatildeo da mor-talidade infantil

Com efeito esta investigaccedilatildeo teve como objetivo analisar fatores de risco para a mortalidade infantil no municiacutepio de Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

MeacuteTODOS

Este eacute um estudo do tipo caso-controle realizado em For-taleza-CE

As informaccedilotildees que serviram de base a este ensaio foram coletadas do Sistema de Informaccedilotildees sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informaccedilotildees sobre Mortalidade (SIM) ambos alimentados pelas Declaraccedilotildees de Nascidos Vi-vos (DNV) e Declaraccedilotildees de Oacutebitos (DO) do periacuteodo de 2005 a 2010 disponibilizados pela Ceacutelula de Vigilacircncia Epidemio-loacutegica (CEVEP) da Secretaria Municipal de Sauacutede Escola de Fortaleza

A populaccedilatildeo do estudo foi composta de todos os nascidos (230080) em Fortaleza com DNV devidamente preenchida no periacuteodo de 01012005 a31122010 filhos de mulheres re-sidentes no referido municiacutepio Foram inclusos nessa popula-ccedilatildeo tambeacutem todos os oacutebitos em menores de um ano (3694) registrados nas DO originados desses nascidos

A amostra foi constituiacuteda por 588 registros sendo 147 ca-sos (oacutebitos) e 441 controles (natildeo oacutebitos) Para identificar os oacutebitos em menores de um ano usou-se a teacutecnica de linkage entre os dois bancos de dados do SINASC e do SIM Foram utilizadas as variaacuteveis data do nascimento peso ao nascer en-

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dereccedilo de residecircncia da matildee e nome da matildee para facilitar a identificaccedilatildeo do par perfeito

Neste estudo a variaacutevel dependente foi agrave ocorrecircncia do oacutebito em menores de um ano (sim ou natildeo) As variaacuteveis inde-pendentes referentes agrave exposiccedilatildeo foram classificadas em mo-delo hieraacuterquico com trecircs niacuteveis de determinaccedilatildeo conforme estaacute agrave frente

a) Bloco 1 ou niacutevel distal (variaacuteveis sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas maternas) - idade da matildee (lt 20 anos 20 a 34 anos e ge 35 anos) estado civil (com companheiro e sem companheiro) escolaridade da matildee (lt 4 anos 4 a 7 anos ge 8 anos de estudo)

b) Bloco 2 ou niacutevel intermediaacuterio (variaacuteveis relacionadas agrave assistecircncia na gestaccedilatildeo e no parto) ndash nuacutemero de consultas de preacute-natal (le 3 consultas quatro a seis consultas ge 7 consul-tas) idade gestacional (le 36 semanas 37 a 41 semanas ge 42 semanas) tipo de gestaccedilatildeo (uacutenica ou gemelar) e tipo de parto (vaginal ou cesaacutereo)

c) Bloco 3 ou niacutevel proximal (variaacuteveis relacionadas agrave crianccedila ao nascer) ndash sexo (masculino ou feminino) peso (lt 1500 gramas 1500 a 2499 gramas e ge 2500 gramas) iacutendice de Apgar no 1ordm e 5ordm minutos de vida (0-3 4-7 8-10)

Para o processamento dos dados foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences ndash SPSS versatildeo 200 Na anaacutelise dos dados para testar a associaccedilatildeo dos vaacuterios fato-res de risco com o oacutebito infantil ou seja verificar a associaccedilatildeo entre cada variaacutevel de exposiccedilatildeo e a variaacutevel-resposta foram realizadas anaacutelises univariadas e multivariadas

Na anaacutelise univariada verificamos a distribuiccedilatildeo de fre-quecircncia tabulaccedilatildeo cruzada entre variaacuteveis estimativa da probabilidade de oacutebito em menores de um ano segundo as

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categorias de exposiccedilatildeo existecircncia de associaccedilatildeo nas variaacuteveis qualitativas entre o desfecho e as variaacuteveis explicativas Utili-zamos o teste do Qui-Quadrado ao niacutevel de significacircncia de 5 Foi observado o criteacuterio de entrada das variaacuteveis no mo-delo tendo sido selecionadas aquelas que apresentaram niacutevel descritivo p lt 020 e as que permaneceram no modelo apenas aquelas que tiveram valor de p lt 005

A medida da forccedila de associaccedilatildeo entre as variaacuteveis foi ob-tida pela regressatildeo logiacutestica que identificou por meio da razatildeo de chances (Odds Ratio ndash OR) o valor da OR bruta para as variaacuteveis de cada bloco que apresentaram associaccedilatildeo signifi-cativa (p lt 005) O controle dos possiacuteveis fatores de confu-satildeo existentes nas associaccedilotildees obtidas na anaacutelise univariada foi conseguido por meio da teacutecnica de anaacutelise multivariada da qual foi obtido o valor da OR ajustada

Finalmente realizamos a regressatildeo logiacutestica muacuteltipla apenas com as variaacuteveis significativas em cada bloco hierarqui-zado Deste modo as variaacuteveis significativas do bloco 1 foram anexadas sucessivamente agraves variaacuteveis significativas dos blocos 2 e 3 Este ajuste por bloco permitiu identificar as variaacuteveis de confusatildeo bem como a importacircncia de cada variaacutevel que parti-cipou do modelo final

A anaacutelise final da regressatildeo logiacutestica realizada obedeceu aos criteacuterios de Hosmer e Lemeshow (1989)nos termos dos quais o bom ajuste do modelo final proposto pode ser veri-ficado por meio da diferenccedila natildeo significativa entre as pro-babilidades preditas e observadas As variaacuteveis significativas e incluiacutedas em cada bloco fizeram parte do ajuste do modelo

O estudo foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) e aprovado pelo Parecer Nordm 12446

275

RESULTADOS

No ano de 2005 a TMI encontrada em Fortaleza foi de 206 oacutebitos por mil nascidos (NV) e em 2010 reduziu-se para 1191000 NV Dos147 casos de oacutebitos da amostra 119 (81) ocorreram no periacuteodo neonatal e 28 (19) no periacuteodo poacutes-neonatal sendo que a maioria 88 (599) dos oacutebitos ocorreu no periacuteodo neonatal precoce

Na anaacutelise univariada realizada com o modelo hierarqui-zado demostrou associaccedilatildeo estatisticamente significante (p lt 005) com o oacutebito infantil as seguintes variaacuteveis escolaridade da matildee menor do que quatro anos de estudo (bloco1) nuacutemero de consultas preacute-natal menor do que quatro idade gestacional inferior a 37 semanas gestaccedilatildeo gemelar parto cesaacutereo (bloco 2) e peso ao nascer (bloco3)

A anaacutelise univariada do bloco 1 (niacutevel distal) mostrou que somente a escolaridade materna (menor do que quatro anos de estudo) teve associaccedilatildeo com o desfecho pois se exibiu alta-mente significativa (p lt 0001) As matildees que estudaram menos de quatro anos expressaram alto risco de seus filhos virem a oacutebito (OR 170183 IC 73219 395555) (Tabela 1)

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TABELA 1- Fatores de risco distais natildeo ajustados para a mor-talidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas sociodemo-graacuteficas e socioeconocircmicas maternas Fortaleza-CE no periacuteo-do de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo

ajustadaIC 95 p

N=147 N=441

Idade materna

0809lt 20 anos 27 184 71 161 11780717

193520 a 34 anos 102 694 316 717 10

ge 35 anos 18 122 53 120 10520589

1878

Total 147 1000 440 998

Escolaridade

materna

lt0001lt 4 anos 131 891 32 73 170183

73219

395555

4 a 7 anos 5 34 107 243 19430604

6252ge 8 anos 7 48 291 660 10Total 143 973 430 976Estado civil

0358Sem compa-

nheiro99 673 285 646 099 099 100

Com compa-

nheiro48 327 150 340 10

Total 147 1000 435 986

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado Teste da Razatildeo de Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

277

No bloco 2 (niacutevel intermediaacuterio) constatamos ao realizar a anaacutelise univariada que todas as variaacuteveis tiveram associaccedilatildeo significativa com o desfecho tipo de gestaccedilatildeo (p lt 0001) nuacute-mero de consultas de preacute-natal (p lt 0025) pelo teste da Razatildeo de Maacutexima Verossimilhanccedila idade gestacional (p lt 0001) e tipo de parto (p lt 0001)

A gestaccedilatildeo gemelar e a idade gestacional demostraram maior risco de desencadear o desfecho com altiacutessimos valo-res relativos ao caacutelculo da razatildeo de chances (OR 633167 IC 166744 240818) e (OR 259571 IC 106867 630478) res-pectivamente O nuacutemero de consultas de preacute-natal menor do que quatro indicou duas vezes maior risco de levar as crianccedilas ao oacutebito (OR 2177 IC 1221 3880) O parto cesaacutereo mos-trou-se como fator de proteccedilatildeo (OR 0027 IC 0011 0067) em relaccedilatildeo ao desfecho (Tabela 2)

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TABELA 2 - Fatores de risco intermediaacuterios natildeo ajustados para a mortalidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas relacionadas agrave assistecircncia sobre gestaccedilatildeo e parto Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo

ajustadaIC 95 p

N=147 N=441 Tipo de gestaccedilatildeo

lt0001Uacutenica 15 102 435 986 10

Gemelar 131 891 6 14 633167166744

240818 Total 146 993 441 1000

Ndeg de consultas0025

lt0001

le 3 26 177 46 104 21771221

3880

4 a 6 74 503 201 456 14180934

2152

ge 7 47 320 181 410 10

Total 147 1000 428 971

Idade gestacional

le 36 semanas 138 939 35 79 259571106867

63047837 a 41 6 41 395 896 10ge 42 semanas - - 2 05Total 144 980 432 980

Tipo de parto

lt0001Vaginal 141 959 190 431 10

Cesaacutereo 5 34 250 567 00270011

0067 Total 146 993 440 998

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadradoTeste da Razatildeo da Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

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A anaacutelise univariada do bloco 3 (niacutevel proximal) referen-te agraves caracteriacutesticas da crianccedila ao nascer revelou que somente o baixo peso ao nascer teve associaccedilatildeo altamente significativa com o desfecho com valor de plt0001 O baixo peso ao nascer pelo caacutelculo da razatildeo de chances possui aproximadamente 26 vezes maior risco de levar as crianccedilas ao oacutebito (OR 26267 IC 7574 91087) (Tabela 3)

TABELA 3 - Fatores de risco proximais natildeo ajustados para a mortalidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas da crian-ccedila ao nascer Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo ajusta-

daIC 95 p

N=147 N=441 Sexo 0782

Masculino 81 554 240 544 10550723 1539

Feminino 66 446 201 456 10

Total 147 1000 441 1000

Peso lt0001

lt 1500 g 6 41 15 34 274979112504 672095

1500 a 2499 g

134 912 32 73 262677574 91087

ge 2500 g 6 41 394 893 10

Total 146 993 441 1000Apgar no 1ordm minuto

0614

0 a 3 2 14 7 160774 2114

280

4 a 7 26 176 62 141 08720179 4253

8 a 10 119 810 363 823 10

Total 147 1000 432 980

Apgar no 5ordm minuto

0736

0 a 3 - - 1 03

4 a 7 4 27 11 25 10120317 3229

8 a 10 143 973 398 902 10

Total 147 1000 410 930

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadradoTeste da Razatildeo da Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

Na tabela 4 consta o resultado referente agrave anaacutelise mul-tivariada com todas as variaacuteveis que participaram da anaacutelise univariada e foram significativas (plt 005) e ainda tinham plt 020 como criteacuterio de inclusatildeo na etapa de ajuste com as de-mais variaacuteveis significativas dos blocos seguintes

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TABELA 4 - Anaacutelise multivariada de fatores relacionados agraves caracteriacutesticas sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas mater-nas informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e parto e caracteriacutesticas da crianccedila ao nascer associados ao oacutebito infantil Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

Variaacutevel OR ajustada IC 95 p

Bloco 1 Caracteriacutesticas sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas maternas

Escolaridadelt4 anos 3855 0879 16905 00744 a 7 anos 0847 0188 3812 0829ge8 anos 10 0132

Bloco 2 Informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e partoTipo de gestaccedilatildeoUacutenica 10Gemelar 71137 19529 259125 lt0001Ndeg de consultasle3 0667 0136 3262 06174 a 6 0830 0235 2929 0772ge7 10 0883Idade gestacionalle36 semanas 20514 6297 66824 lt0001ge37 semanas 10Tipo de partoVaginal 10Cesaacutereo 0119 0030 0484 0003

Bloco 3 Caracteriacutesticas da crianccedila ao nascerPesolt1500 g 1049 0089 12386 09701500 a 2499 g 1993 0233 17020 0529ge2500 g 10 0631

Fonte SMSCEVEPSIMSINASCOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado

282

Ao examinarmos o efeito das variaacuteveis significativas no modelo univariado do bloco 1 em conjunto sobre o desfecho exercido pelas variaacuteveis relacionadas agraves caracteriacutesticas socio-demograacuteficas maternas notamos que a escolaridade materna perdeu a significacircncia estatiacutestica natildeo sendo incluiacuteda no mo-delo final

Em relaccedilatildeo ao efeito das variaacuteveis significativas no modelo univariado do bloco 2 em conjunto sobre o desfecho exerci-do pelas variaacuteveis relacionadas agrave gestaccedilatildeo e ao parto perma-neceram estatisticamente significantes as seguintes variaacuteveis idade gestacional le 36 semanas (plt 0001) gestaccedilatildeo gemelar (plt 0001) e parto cesaacutereo (p= 0003) que foram incluiacutedas no modelo final O nuacutemero de consultas no periacuteodo preacute-natal natildeo apresentou significacircncia estatiacutestica (p= 0883) e natildeo foi incluiacute-do no modelo final

Quanto agrave relaccedilatildeo do efeito das variaacuteveis em conjunto sobre o desfecho exercido pelas variaacuteveis relacionadas agraves ca-racteriacutesticas da crianccedila ao nascer (bloco 3) verificamos que a variaacutevel peso perdeu a significacircncia estatiacutestica (p= 0631) natildeo sendo incluiacuteda no modelo final

A tabela 5 traz o modelo final constituiacutedo com suporte nas variaacuteveis significantes ocorridas no modelo multivariado tipo de gestaccedilatildeo idade gestacional e tipo de parto relacionadas ao desfecho

A regressatildeo logiacutestica foi realizada ajustando as variaacuteveis significativas apenas do bloco 2 com o desfecho pois os de-mais blocos natildeo apresentaram variaacuteveis estatisticamente signi-ficativas Portanto mantiveram associaccedilatildeo com o oacutebito infan-til as seguintes variaacuteveis gestaccedilatildeo gemelar e idade gestacional le 36 semanas O parto cesaacutereo demostrou-se como fator de proteccedilatildeo

283

TABELA 5 - Modelo final dos fatores de risco associados ao oacutebito infantil Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

Variaacutevel OR ajus-tada

IC 95 p

Bloco 2 Informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e parto

Tipo de gestaccedilatildeo

Uacutenica 10

Gemelar 78104 22136 275580

lt0001

Idade gestacional

le36 semanas 18754 6168 57024 lt0001

ge37 semanas 10

Tipo de parto

Vaginal 10

Cesaacutereo 0121 0031 0477 0003Fonte SMSCEVEPSIMSINASCOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado

DISCUSSAtildeO

O uso de bancos de dados secundaacuterios para a realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas eacute importante Denota poreacutem apresen-ta vantagens e desvantagens Este se expressou como grande fonte para diversas investigaccedilotildees e satildeo capazes de gerar gran-de contribuiccedilatildeo para a sauacutede puacuteblica especialmente quanto agrave

284

anaacutelise do perfil de oacutebitos e seus fatores de risco A falta de controle de qualidade da informaccedilatildeo e padronizaccedilatildeo nos pro-cedimentos utilizados para a coleta das informaccedilotildees configu-ra-se no entanto como uma desvantagem

A persistente precariedade nos dados do SIM e SINASC encontrados em alguns estados das regiotildees Norte e Nordes-te especificamente em alguns municiacutepios resulta na falta de qualidade das informaccedilotildees de ambos os sistemas(FRIAS et al 2010)

A teacutecnica de linkage utilizada nesta pesquisa revelou e confirmou as incompletudes desses dois bancos de dados fato que pode ter se exibido como uma limitaccedilatildeo do estudo

Neste experimento os oacutebitos infantis indicam que o com-ponente neonatal contribuiu com o maior percentual da mor-talidade em menores de um ano com 119 (810) sendo que o periacuteodo neonatal precoce corresponde ao maior nuacutemero de oacutebitos com 88 (599)

Nas uacuteltimas deacutecadas diversas pesquisas confirmam essa crescente participaccedilatildeo dos oacutebitos neonatais na TMI em com-paraccedilatildeo ao componente poacutes-neonatal e que o componente neonatal precoce representa a maior parcela desses oacutebitos sendo responsaacutevel por mais da metade das mortes no primeiro ano de vida (RISSO NASCIMENTO 2010 SILVA et al 2010 SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009)

Notamos que a maioria das matildees tanto para casos como para controles exibiu faixa etaacuteria de 20 a 34 anos com 102 (694) e 316 (717) respectivamente Este resultado eacute cor-roborado por vaacuterios estudos(RISSO NASCIMENTO 2010 ZANINI et al 2011 DOMINGUES et al 2012) onde aproxi-madamente 700 das matildees se encontravam nessa faixa etaacuteria

285

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade materna verificamos que o tempo de estudo inferior a quatro anos mostrou associaccedilatildeo significativa na anaacutelise univariada com o desfecho As matildees que estudaram menos de quatro anos expressaram maior risco de seus filhos morrerem Apoacutes a regressatildeo logiacutestica contendo essa variaacutevel natildeo permaneceu como fator de risco no mode-lo final Resultado semelhante foi encontrado por Jehan et al (2009) quando tambeacutem analisaram a escolaridade materna em modelo de regressatildeo logiacutestica e anaacutelise hieraacuterquica

Com relaccedilatildeo ao estado civil 652 das matildees viviam sem companheiro proporccedilatildeo semelhante para o grupo dos casos (673) e dos controles (646) Natildeo houve associaccedilatildeo estatiacutes-tica entre a situaccedilatildeo conjugal materna e o oacutebito em menores de um ano Esse achado foi corrobora do pela pesquisa de Carva-lho et al (2007) onde tambeacutem natildeo foi encontrada associaccedilatildeo estatisticamente significante entre estado civil e oacutebito neonatal

Neste estudo dentre as variaacuteveis do bloco 2 apenas o nuacutemero de consultas de preacute-natal natildeo teve associaccedilatildeo com o oacutebito infantil Embora o nuacutemero de consultas de preacute-natal natildeo tenha mostrado associaccedilatildeo com o desfecho verificamos que o nuacutemero de consultas inferior a quatro possui risco de 21 vezes maior das crianccedilas morrerem Este resultado da razatildeo de chances foi semelhante ao realizado por Santa Helena Sousa e Silva (2005)em cuja anaacutelise univariada mostraram que matildees que realizaram um nuacutemero de consultas no preacute-natal menor ou igual a trecircs exteriorizaccedilatildeo risco 229 vezes maior para mor-talidade no periacuteodo neonatal do que as matildees que realizaram um nuacutemero maior de consultas

Em relaccedilatildeo ao tipo de gestaccedilatildeo aleacutem da gravidez gemelar ter mostrado associaccedilatildeo significativa com o desfecho o risco de morte se mostrou aproximadamente 78 vezes maior em

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relaccedilatildeo agrave gravidez uacutenica Este resultado foi corroborado por outros estudos (SOARES MENEZES 2010 ZANINI et al 2011)

A associaccedilatildeo entre mortalidade infantil e gemelaridade eacute descrita na literatura por vaacuterios autores Esta eacute considerada importante fator de risco porque na maioria das vezes estaacute relacionada agrave baixa idade gestacional e ao baixo peso ao nascer (SILVA et al 2010 RIBEIRO et al 2012)

Analisando a idade gestacional observamos que no grupo dos casos a maioria das matildees (939) tive filhos prematuros de menos de 37 semanas de gestaccedilatildeo Estes achados foram seme-lhantes agraves pesquisas de Silva et al (2010) e de Ribeiro et al (2009) onde indicou a maioria dos oacutebitos com nascimento preacute-termo 887 e 577 respectivamente Ao analisar o grupo dos con-troles percebemos que a idade gestacional a termo foi predomi-nante (896) Estudo de Doldan Costa e Nunes (2011) apon-tou achados semelhantes quando mostrou que os nascimentos a termo foram mais prevalentes (957) entre os controles

Em pesquisa efetuada por Ortiz e Oushiro (2008) a idade gestacional abaixo de 37 semanas tambeacutem esteve associada estatisticamente com o oacutebito neonatal nas anaacutelises univariada e multivariada permanecendo associada inclusive no modelo final da anaacutelise onde se registrou um risco 294 vezes maior de oacutebito naqueles nascidos de gestaccedilotildees com duraccedilatildeo de 22 a 27 semanas quando comparados com os nascidos de gestaccedilotildees com duraccedilatildeo acima de 37 semanas

Neste estudo o parto cesaacutereo apresentou-se como fator de proteccedilatildeo para o oacutebito infantil (OR 0121 IC95 0031 0477) Achado semelhante foi destacado por outros estudos na literatura (SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009 ORTIZ OUSHIRO 2008)

287

Diversos estudos brasileiros apontam essa associaccedilatildeo entre o parto normal e a mortalidade infantil quando com-parado com o cesariano Nesta associaccedilatildeo destaca-se o papel exercido pela maacute qualidade da assistecircncia ao parto vaginal pela alta incidecircncia de cesarianas no Paiacutes e pelas distorccedilotildees na indicaccedilatildeo da via de parto como a realizaccedilatildeo de cesarianas em gestaccedilotildees de baixo risco e parto vaginal nas de alto risco para o oacutebito neonatal (SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009 ORTIZ OUSHIRO 2008)

Eacute relatado ainda o fato que o parto operatoacuterio pode ex-primir efeito protetor sobre a mortalidade neonatal principal-mente em virtude da sua maior concentraccedilatildeo no Brasil em hospitais privados cuja populaccedilatildeo de melhor niacutevel socioeco-nocircmico possui outras caracteriacutesticas que contribuem para a sobrevivecircncia no periacuteodo neonatal(ORTIZ OUSHIRO 2008)

Em relaccedilatildeo aos determinantes proximais referentes agraves ca-racteriacutesticas da crianccedila ao nascer o sexo masculino foi o mais prevalente (546) Resultado semelhante foi encontrado por Shoeps et al (2007) com (51) O predomiacutenio de oacutebitos tam-beacutem foi maior neste sexo (554) poreacutem natildeo foi constatada relaccedilatildeo estatisticamente significante entre sexo da crianccedila e oacutebi-to infantil desfecho que condiz com os resultados encontrados por Santa Helena Sousa e Silva(2005) e por Schoeps et al (2007)

A variaacutevel sexo da crianccedila natildeo recebeu influecircncia direta das caracteriacutesticas maternas assistecircncia agrave gravidez e ao parto o que poderia justificar ausecircncia de relaccedilatildeo estatiacutestica (SANTA HELENA SOUSA SILVA 2005 SHOEPS et al 2007)

Quanto ao iacutendice de Apgar no 1ordm e nos 5ordm minutos natildeo houve associaccedilatildeo entre esta variaacutevel e o oacutebito infantil Eacute im-portante ressaltar porem que na literatura haacute estudos sobre mortalidade infantil principalmente no periacuteodo neonatal

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afirmando que quanto menor o escore de Apgar no primeiro e no quinto minutos de vida menor eacute a chance de sobrevivecircncia (RISSO NASCIMENTO 2009 GEIG et al 2010)

O iacutendice de Apgar representa um importante fator de risco para a mortalidade infantil essencialmente no periacuteodo neonatal Este fato remete ao papel da organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal no sentido de minimizar os fatores que podem levar a asfixia e consequentemente ao oacutebito nessas crianccedilas (RISSO NASCIMENTO 2009 GEIG et al 2010)

O baixo peso ao nascer foi a uacutenica variaacutevel referente aos determinantes proximais que teve associaccedilatildeo com o oacutebito infantil mostrando na anaacutelise univariada uma significacircncia altamente estatiacutestica (plt0001) e um risco de morte aproxi-madamente 26 vezes maior quando comparado com crianccedilas com peso normal ao nascer Verificamos no entanto que apoacutes a regressatildeo logiacutestica essa variaacutevel perdeu a significacircncia estatiacutes-tica e foi excluiacuteda do modelo final

O resultado evidenciado neste estudo foi corroborado pelo de Mombelli et al (2012) o qual demostrou que os receacutem-nascidos de baixo peso possuem risco 49 vezes maior de mor-rer do que aqueles com peso igual ou superior a 2500g Estudo de Geib et al (2010) indicou o baixo peso (1500 a 2499g) com risco variando de 67 a 108 enquanto os de muito baixo peso (lt 1500g) expressaram risco de 797 Barros et al (2008)veri-ficaram que os receacutem-nascidos com baixo peso e prematuros registraram risco de oacutebito quatro vezes maior do que aqueles com peso acima de 2500g ou a termo

A significativa associaccedilatildeo encontrada entre o baixo peso ao nascer e o oacutebito infantil evidencia a interaccedilatildeo dos fatores bioloacutegicos e sociais jaacute consagrado na literatura e reforccedila a sua manutenccedilatildeo como criteacuterio isolado para a identificaccedilatildeo de crianccedilas vulneraacuteveis ao oacutebito(BARROS et al 2008)

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CONCLUSAtildeO

Neste estudo configuram-se como fatores de risco para a mortalidade infantil as variaacuteveis que permaneceram no mo-delo final gestaccedilatildeo gemelar e idade gestacional inferior a 37 semanas O parto cesaacutereo foi expresso como fator de proteccedilatildeo

Embora os determinantes que levem ao oacutebito no primeiro ano de vida sejam variados e interajam com diversas intensida-des observamos entre os fatores de risco identificados a im-portacircncia dos relacionados com a atenccedilatildeo agrave sauacutede da gestante e do receacutem-nascido redutiacuteveis pela atuaccedilatildeo do setor sauacutede

Nesse sentido torna-se necessaacuterio um olhar mais apro-fundado para a atenccedilatildeo preacute-natal e consequentemente para a assistecircncia ao parto e ao receacutem-nascido sendo fundamen-tal avaliar a estruturaccedilatildeo da rede assistencial e a qualidade dos serviccedilos oferecidos pelo Municiacutepio

Consideramos como um fator limitante desta pesquisa a utilizaccedilatildeo somente de dados secundaacuterios pois constatamos ausecircncia de informaccedilotildees em muitas variaacuteveis aleacutem de duplici-dade nos registros dos bancos de dados do SIM e do SINASC Este achadoporeacutem natildeo invalidou a anaacutelise final e os seus re-sultados

Ressalta-se contudo a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede quanto ao correto e completo preenchi-mento das declaraccedilotildees de nascimentos e de oacutebitos para que as informaccedilotildees coletadas sejam fidedignas capazes de refletir a realidade Essa medida aumentaria a consistecircncia e a repro-dutibilidade de pesquisas de base epidemioloacutegica para o plane-jamento das accedilotildees de sauacutede e assim contribuiria para a dimi-nuiccedilatildeo da mortalidade infantil

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CAPIacuteTULO 14

HUMANIZAccedilAtildeO DO PARTO ESTUDO ET-NOGRAacuteFICO EM UMA MATERNIDADE PUacute-BLICA DE FORTALEZA

Maria Celestina S de OliveiraAndrea Caprara

INTRODUccedilAtildeO

A atenccedilatildeo humanizada ao parto compreende conheci-mentos praacuteticas e atitudes que buscam a promoccedilatildeo do parto natural nascimentos saudaacuteveis e prevenccedilatildeo da morbimortali-dade materna e perinatal (BRASIL 2001) Humanizar entatildeo engloba assistecircncia de qualidade teacutecnica e natildeo teacutecnica forma-ccedilatildeo continuada dos profissionais de sauacutede evidecircncias cientiacute-ficas que orientam as rotinas assistenciais instalaccedilotildees fiacutesicas adequadas e recursos financeiros (BRASIL 2006)

No Brasil a institucionalizaccedilatildeo do parto ao longo da deacute-cada de 1940 foi provavelmente a primeira accedilatildeo de sauacutede puacute-blica dirigida agrave mulher Nos anos 1960 a preocupaccedilatildeo com a sauacutede materna se limitou agrave assistecircncia ao parto Com a chegada da Medicina preventiva ao Paiacutes e a criaccedilatildeo dos centros de sauacute-de iniciaram-se os programas de preacute-natal que na realidade tinham como objetivo principal reduzir a mortalidade infantil Nos anos 1980 ocorreram iniciativas voltadas para a reduccedilatildeo da mortalidade materna No Cearaacute uma iniciativa de destaque foi o projeto desenvolvido pelo meacutedico Galba de Arauacutejo tendo como objetivo integrar as parteiras leigas ao sistema local de sauacutede (ARAUacuteJO 1987) Tambeacutem em 1990 no Cearaacute nova

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iniciativa de humanizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede deu-se no Hospital Geral de Fortaleza com o desenvolvimento de um trabalho em prol da qualidade e da humanizaccedilatildeo na sauacutede

Em janeiro de 2000 um passo importante eacute dado a cami-nho da humanizaccedilatildeo do parto quando a Secretaria de Sauacutede do Estado do Cearaacute e a Agecircncia de Cooperaccedilatildeo Internacional do Japatildeo (JICA) publicam o Manual do Parto Humanizado (SESA 2000) Em junho deste mesmo ano o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa de Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) Neste programa os elementos estru-turais foram assim estabelecidos percepccedilatildeo da mulher como sujeito conhecimento e respeito aos direitos reprodutivos a perspectiva da humanizaccedilatildeo (BRASIL 2000)

O Ministeacuterio da Sauacutede no ano de 2003 define sete aacutereas prioritaacuterias de atuaccedilatildeo e cria a Poliacutetica Nacional de Humani-zaccedilatildeo (PNH) O foco das atenccedilotildees passou do hospitalar a todo o sistema de sauacutede Os eixos de accedilatildeo para a implementaccedilatildeo do PNH foram assim definidos o das instituiccedilotildees o da gestatildeo do trabalho o do financiamento o da atenccedilatildeo o da educaccedilatildeo permanente o da informaccedilatildeocomunicaccedilatildeo e o da gestatildeo da proacutepria PNH Poder-se-ia citar como exemplo da praacutetica des-sa Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo o caso do Cearaacute com a criaccedilatildeo dos comitecircs estaduais e municipais e dos grupos de trabalho de humanizaccedilatildeo da atenccedilatildeo e da gestatildeo nas unidades de sauacutede (SESA 2006)

Apesar de todas as experiecircncias as recomendaccedilotildees ba-seadas em evidecircncias cientiacuteficas sobre acompanhamento do parto sintetizadas e publicadas pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS 1996) satildeo ainda hoje desconsideradas no Brasil (RNFSDR 2002) Haacute um predomiacutenio do modelo de atendi-mento ao nascimento que valoriza o saber teacutecnico dos profis-

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sionais e desconsidera aspectos sociais e culturais das pacientes (DAVIS-FLOYD 2001 DIAS DESLANDES 2004) Pesquisa realizada pela Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar revela que as taxas de cesarianas no Brasil satildeo quatro vezes acima das recomendadas pela OMS (BRASIL 2005) Outras referecircncias confirmam essas elevadas taxas (FAUacuteNDES CECATTI 1991 ROUQUAYROL ALMEIDA-FILHO 2003)

Em face dessa realidade tenta-se responder por intermeacute-dio desta pesquisa aos seguintes questionamentos quais os sa-beres natildeo teacutecnicos presentes nos atos dos profissionais da Obs-tetriacutecia Ateacute que ponto a humanizaccedilatildeo do parto eacute uma praacutetica presente nos hospitais Como vatildeo se incorporando as praacuteticas de humanizaccedilatildeo agraves atividades dos profissionais da Obstetriacutecia

Compreendendo que a humanizaccedilatildeo eacute uma temaacutetica atualmente trabalhada em todas as aacutereas da sauacutede e que se tor-nou imprescindiacutevel para a mudanccedila no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede a busca de respostas a essas perguntas levou a pensar e aprofundar a investigaccedilatildeo sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede parto natural e nascimento saudaacutevel

Em razatildeo da humanizaccedilatildeo na sauacutede a sauacutede da mulher constituiaacuterea de conhecimento e praacuteticas no espaccedilo da mater-nidade Portanto este capiacutetulo procura o modo como os co-nhecimentos e as praacuteticas sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede estatildeo sendo incorporados pelos profissionais da Obstetriacutecia

METODOLOGIA

Neste trabalho empregou-se uma abordagem etnograacutefica baseada principalmente em meacutetodos qualitativos de coleta de dados Dentre as definiccedilotildees de pesquisa etnograacutefica selecio-nou-se a que eacute defendida por Fabietti amp Remoti (FABIETTI

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REMOTI 1997) como ldquoatividade de pesquisa no terreno [] por prolongado periacuteodo de tempo [] com contato direto com o objeto de estudo [] seguido pela sistematizaccedilatildeo em formato de texto da experiecircnciardquo Pocircde-se daiacute deduzir que a etnografia estaacute do comeccedilo ao fim imersa na escrita Essa escrita relata a experiecircncia na forma de texto (GLIFFORD 2002)

Ametodologia etnograacutefica eacute adotada com certa frequecircncia nos temas da aacuterea de sauacutede (BONADIO 1996 CARVALHO 2001 MENEZES 2001 CAPRARA LANDIM 2008) Ao uti-lizar essa metodologia pretendeu-se mediante seus procedi-mentos dar resposta agraves questotildees sobre humanizaccedilatildeo do parto

Esta pesquisa foi desenvolvida no Municiacutepio de Fortaleza-CE de abril a outubro de 2006 O Hospital Puacuteblico escolhi-do cujo nome omiti-se para evitar certos constrangimentos desenvolve ciclos de seminaacuterios e cursos sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede para os funcionaacuterios e possui uma estrutura fiacutesica individualizada de atenccedilatildeo para cada mulher na sala de parto

Para a coleta de dados seguiu-se duas fases o atendimen-to agrave gestante considerando-se o preacute-natal preacute-parto parto e poacutes-parto e a humanizaccedilatildeo na sala de parto

A coleta de dados ocorreu na sala de parto e no aloja-mento conjunto Adotou-se para essa pesquisa o esquema de plantotildees de oito horas por dia trecircs vezes por semana num periacuteodo de seis meses Somaram-se ao todo 576 horas de ob-servaccedilatildeo participante e entrevistas semi-estruturadas com sete pacientes quatro meacutedicos quatro enfermeiras duas auxiliares de enfermagem e uma voluntaacuteria O grupo de profissionais foi dividido em trecircs equipes de acordo com o dia do plantatildeo Durante a observaccedilatildeo participante escolheu-se os profissio-nais para as entrevistas de acordo com a maior participaccedilatildeo na cena do parto As pacientes pertencentes ao grupo de mulhe-

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res sem complicaccedilotildees obsteacutetricas foram escolhidas de maneira aleatoacuteria Os dados foram interpretados segundo a Anaacutelise de conteuacutedo (BAUER GASKELL 2002) e a antropologia inter-pretativa de Geertz (GEERTZ 1989) foi utilizada como supor-te para a interpretaccedilatildeo

Das leituras repetidas das transcriccedilotildees dos dados coletados surgiram duas linhas temaacuteticas os cuidados materno-fetais e a incorporaccedilatildeo de praacuteticas de humanizaccedilatildeo na sala de parto

Todos os nomes citados nesta pesquisa foram substituiacute-dos a fim de evitar identificaccedilatildeo das pessoas Para a partici-paccedilatildeo nesta pesquisa os profissionais e pacientes livremente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a Resoluccedilatildeo 46612 do CNSMinisteacuterio da Sauacute-de Brasil

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

OS CUIDADOS MATERNOFETAISO atendimento agrave gestante considerando-se o preacute-natal

preacute-parto parto e poacutes-parto mediante as observaccedilotildees perce-bidas dos relatos das pacientes e dos profissionais segue um modelo ritualiacutestico no qual a paciente na maioria das vezes natildeo participa das decisotildees cliacutenicas

O preacute-natal tem iniacutecio com a primeira consulta sob a res-ponsabilidade de uma enfermeira

No primeiro encontro as pacientes satildeo convidadas a par-ticiparem do curso do parto Segundo a enfermeira Sueli o ideal seria a mulher iniciar o primeiro moacutedulo no primeiro trimestre Para ela o curso consta de trecircs moacutedulos no pri-meiro fez-se explanaccedilatildeo sobre vacina higiene e gravidez No

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segundo discutiu-se as mudanccedilas fisioloacutegicas aleitamento ma-terno e o cuidado do bebecirc No terceiro faz-se a visita agrave sala de parto e ao alojamento conjunto Sobre esse treinamento o tes-temunho de uma paciente chamada Rita sobre as orientaccedilotildees recebidas eacute de importacircncia capital para os cuidados materno-fetais ldquoTeve o curso do parto Compareci a dois moacutedulos Ai eles vinham e mostrava a sala de parto onde ia ser o parto Mostrava as enfermeiras e as pessoas Como ia ser Aiacute dava orientaccedilatildeo palestras falava com a assistente socialrdquo

Falando sobre preacute-natal e curso do parto a enfermeira Sueli percebeu que a participaccedilatildeo das mulheres o aprendi-zado delas em si eacute acanhado Pelas palavras dessa enfermeira ela avalia o profissional do ambulatoacuterio o qual tem pressa em passar as informaccedilotildees para as gestantes comprometendo a re-laccedilatildeo profissionalpaciente Portanto natildeo se dando o prota-gonismo e a corresponsabilidade das mulheres A enfermeira Sueli eacute clara sobre esse ponto de vista ldquoMas agraves vezes a gente tem aquela pressa neacute Elas jaacute estatildeo muito tempo esperando Agraves vezes eacute assim a gente vai vendo os toacutepicos pergunta se ela []O que vocecirc quer saber Agraves vezes elas fazem perguntasrdquo

O preacute-natal de qualidade envolve profissionais como psi-coacutelogos fisioterapeutas assistentes sociais enfermeiras e meacute-dicos fortalecendo o curso do parto para que a mulher tenha conhecimento dos seus direitos e deveres como cidadatilde Aco-lhimento cuidado suporte emocional presenccedila do acompa-nhante curso do parto satildeo aspectos da humanizaccedilatildeo na sauacutede Essa nova praacutetica precisa ser mais efetiva porque o avanccedilo das tecnologias natildeo estaacute conseguindo resolver os problemas que temos (MORIN 2005)

O meu primeiro contato com a realidade das visitas das gestantes agrave sala do parto ocorreu agraves 3 horas da tarde

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No diaacuterio de campo registrou-se o cotidiano das visitas das gestantes do curso do parto Uma enfermeira acompanhou um grupo de gestantes na sala de parto Elas caminham em grupo fazendo uma visita de leito a leito Uma delas se destaca com perguntas ldquoeacute um quarto para cada mulher A cama se modifica na hora de ganhar o bebecirc Na hora de ganha o bebecirc as pernas ficam penduradasrdquo O restante do grupo permane-ceu calado ouvindo e observando o ambiente desconhecido Nas visitas seguintes a rotina da enfermeira se repetiu com suas explicaccedilotildees para as gestantes enquanto a participaccedilatildeo das mulheres era miacutenima

Outro aspecto que pareceu aviltante ao atendimento da gestante e seus familiares foi o serviccedilo hospitalar

As gestantes e seus familiares aguardam sentados nos bancos da pequena sala de espera atendendo as regras hospi-talares Para que a paciente possa ser examinada eacute necessaacuterio passar pelo Serviccedilo de Arquivo Meacutedico e Estatiacutestico (SAME) e preencher a ficha de atendimento

A emergecircncia geral estaacute em reforma e na ocasiatildeo o SAME fica mais distante da sala de parto O funcionaacuterio do SAME na maioria das vezes natildeo entra em contato com a proacutepria pacien-te natildeo vecirc as condiccedilotildees da gestante pois eacute o familiar que vai fazer a ficha Existe uma demora no preenchimento da ficha as reclamaccedilotildees de pacientes e familiares nesta ocasiatildeo satildeo mais frequentes do que de costume Eacute o caso da paciente Gorete que jaacute em fase de expulsatildeo fetal tem que enfrentar problemas burocraacuteticos antes de um atendimento necessaacuterio

Gorete eacute uma gestante que procurou o hospital por apre-sentar contraccedilotildees uterinas de dez em dez minutos Ela sente dificuldades para fazer a ficha de atendimento ldquoEacute muito dis-tante porque a outra estaacute em reforma aqui deste lado que eacute

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a sala de parto e eacute laacute do outro lado Aiacute fica do outro lado do hospitalrdquo Agrave medida que se conversou sobre o atendimento inicial outras dificuldades vatildeo sendo reveladas ldquoAi bati laacute A gente toca a campainha ai eu disse assim moccedila ele disse que natildeo ia fazer a ficha Soacute entra com a ficha Ela disse eacute entatildeo eu disse vou parir aqui no meio do banco porque Ela disse natildeo aguarde um pouquinho que ela vai jaacute chegarrdquo Este eacute um momento de troca de plantatildeoO funcionaacuterio que estaacute saindo natildeo quis fazer a ficha deixando essa tarefa para o outro que o substituiraacute Ao mesmo tempo a funcionaacuteria que falou com a paciente entendia o que estava acontecendo mas natildeo abriu ex-ceccedilatildeo para um atendimento sem a ficha submetendo a gestan-te a uma sobrecarga de estresse e a um risco de ter que assistir um parto na sala de espera

Na sala de espera a paciente Rosa Maria tambeacutem passa por algumas horas de preocupaccedilatildeo por saber que o material de parto eacute suficiente apenas para assistir dois partos e ela eacute a quarta paciente em face do aviso da funcionaacuteria que transmi-te a informaccedilatildeo do profissional em exerciacutecio ldquoA doutora que estava de plantatildeo saiu laacute fora e disse a maacutequina de esterilizaccedilatildeo do hospital estaacute com defeito eu soacute tenho material para duas pacientes quem for a mais necessitada fica quem natildeo for vai para casa ou vai transferida para outro hospitalrdquo

Com esse depoimento pocircde-se observar que o problema da instituiccedilatildeo hospitalar como o de uma maacutequina de esterili-zaccedilatildeo quebrada eacute dividido com as pacientes e seus familiares pela plantonista Tal fato concorre para ser um elemento gera-dor de afliccedilatildeo para a gestante

Um aspecto importante a ser relatado vem a ser o primei-ro exame preacute-parto

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Satildeo sete horas da manhatilde uma gestante entra na sala de exame sem acompanhante Algumas exceccedilotildees satildeo feitas para mulheres com problemas com a justiccedila adolescentes porta-doras de problemas mentais e outras possiacuteveis Uma pergunta eacute feita pela auxiliar de enfermagem ainda na porta de entrada ldquotaacute sentindo dorrdquo O profissional com essa pergunta tenta fa-zer uma seleccedilatildeo entre pacientes de ambulatoacuterio e pacientes de emergecircncia Durante o primeiro exame obsteacutetrico a paciente natildeo identifica a categoria nem o nome dos profissionais que a atendem assim comenta a paciente ldquoquem me internou foi uma loirinha de azulrdquo

Na maioria das vezes o exame fiacutesico eacute realizado antes da anamnese ou entatildeo as perguntas cliacutenicas satildeo realizadas durante o exame obsteacutetrico O meacutedico confere o cartatildeo de preacute-natal e se dirige agrave paciente para o exame As perguntas assim como o exame obsteacutetrico satildeo realizadas com muita objetividade sem detalhes da vida da mulher o que estaacute sentindo Jaacute tem filhos Ultima regra Neste espaccedilo a relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute muito passageira

Agraves 9 horas da manhatilde chega uma paciente sentindo muita dor O profissional a submete a exames costumeiros de toque vaginal e ausculta fetal Esses exames fornecem vaacuterias infor-maccedilotildees sobre a possibilidade de o parto ser normal dilataccedilatildeo do colo uterino apresentaccedilatildeo fetal variedade de posiccedilatildeo al-tura da apresentaccedilatildeo e as condiccedilotildees da bolsa das aacuteguas Os batimentos do coraccedilatildeo fetal satildeo registrados pelo aparelho cha-mado sonar As anotaccedilotildees satildeo feitas no partograma Algumas mulheres saem do primeiro exame obsteacutetrico para um interna-mento sem nenhuma informaccedilatildeo sobre as suas reais condiccedilotildees de trabalho de parto ou ateacute mesmo com informaccedilotildees equi-vocadas A paciente Josefa estaacute na sexta gravidez e ainda natildeo sabe o que significa dilataccedilatildeo completa do colo uterino e com

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total desconhecimento de tal fato afirmaldquoEu estava com sete centiacutemetros ai eu natildeo Sete vai custar mais Acho que o nenecirc nasce com dois ou trecircs centiacutemetros ai ta pertordquo Comumente o profissional meacutedico na maioria das vezes natildeo conversa com a paciente esclarecendo-a sobre a sua avaliaccedilatildeo

A espera pelo parto eacute sempre traumatizante pelo que se observou durante as reaccedilotildees das pacientes

Satildeo 10 horas da manhatilde A paciente Francisca estaacute deses-perada chora grita e acha que vai morrer Plantonista Antocircnia entra no quarto e diz ldquoestou cansada de ensinar as coisas para essa menina parece que estou falando com a parederdquo Francis-ca foi internada no plantatildeo anterior e jaacute satildeo mais de seis horas de trabalho de parto com vaacuterios toques vaginais O fato de ter algueacutem para conversar ou distrair a mulher neste momento de dor do trabalho de parto eacute reconhecido pela gestante como muita atenccedilatildeo recebida No depoimento de Gorete constatou-se esse fato ldquoEu fui tratada super bem Ela chegou sentou e ficou laacute conversando ateacute eu terrdquo Gorete comenta ainda que se sente bem cuidada porque estaacute com sete centiacutemetros de dila-taccedilatildeo e natildeo tem necessidade de a toda hora e todo instante de novo toque vaginal

A maioria das gestantes contudo permanece sem acom-panhante Os profissionais de plantatildeo natildeo se aproximam ex-ceto quando necessitam realizar um procedimento de rotina A presenccedila dos voluntaacuterios em alguns plantotildees oferece cui-dados agraves mulheres

O momento do parto apresenta duas faces de um lado o medo a dor e de outro a alegria de uma vida que chega

Apoacutes a dilataccedilatildeo completa do colo uterino a mulher em trabalho de parto entra no periacuteodo expulsivo o qual termina

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com o nascimento da crianccedila e eacute essa ocasiatildeo referida por al-gumas mulheres como o pior momento de dor

A presenccedila de um familiar ou ateacute de mesmo um grupo de estudantes na hora do parto significa ajuda apoio Uma pa-ciente de nome Carmem comenta de que gosta da presenccedila dos estudantes ldquoSoacute assim eu natildeo me sentia tatildeo soacute foi bom eles estarem laacute perto de mim todo o tempordquo E principalmente a presenccedila da matildee no nascimento do nenecirc lhe deu forccedilas e as duas puderam dividir a emoccedilatildeoAssim se expressa ldquoDeu forccedila demais e quando o nenecirc saiu ela chorou muito e eu tambeacutemrdquo

Os partos satildeo assistidos a maioria com a mulher na po-siccedilatildeo deitada ou semisentada Nessas horas de nascimento a palavra ldquoforccedilardquo eacute utilizada com grande insistecircncia pelos pro-fissionais da sauacutede Segundo a enfermeira Sandra o esforccedilo fiacutesico eacute meacuterito da mulher porque o menino nasce com ou sem o meacutedico

A expressatildeo ldquoforccedilardquo comumente usada no trabalho de par-to eacute com ecircnfase repetitoacuteria pela meacutedica Vacircnia quando percebe contraccedilatildeo uterina ldquoForccedila forccedila forccedila forccedila forccedila forccedilardquo A paciente faz a forccedila que tem condiccedilatildeo ou necessaacuteria No depoi-mento escrito em diaacuterio de campo a paciente Auzira comenta ldquoeu acho que quem manda[] Quando chega a hora a nature-za expulsa por si soacute natildeo tem como natildeo nascer chegou a hora tem que nascer em qualquer canto que estiverrdquo A paciente que tem experiecircncia com o parto normal sabe a diferenccedila entre pa-lavras de ordem e de estiacutemulo e muitas vezes se manteacutem calada na hora do parto por sabedoria proacutepria

O poacutes-parto realiza-se com o nascimento da crianccedila e a saiacuteda da placenta Alguns plantonistas fazem pressatildeo no fundo uterina para acelerar a saiacuteda desse anexo uterino Nesta ocasiatildeo espera-se pela necessidade ou natildeo de correccedilatildeo de episiotomia

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ou laceraccedilatildeo espontacircnea do canal de parto Eacute da responsabili-dade do profissional que fez a assistecircncia ao parto acompanhar esse momento e tomar as condutas necessaacuterias

O nascimento da crianccedila natildeo modifica a rotina dos pro-cedimentos da sala de parto Haacute pressa em executar a tarefa da rotina hospitalar o que concorre para que o funcionaacuterio se esqueccedila da relaccedilatildeo matildee-filho quando logo algumas crianccedilas satildeo levadas para o asseio antes dos primeiros cuidados da matildee

A paciente Nataacutelia cujo parto normal natildeo precisou de ne-nhuma correccedilatildeo na regiatildeo do canal de parto estaacute livre cuida do filho antes que algueacutemo leve para o banho Vitoriosa diz ldquouma felicidade Eu vi o bichinho colocado em cima de mim Aiacute depois levou Natildeo fui ponteada taiacute uma coisa que me dei-xou muito feliz Tudo normalrdquo Diante da visatildeo avaliativa de uma matildee de examinar o proacuteprio filho e de sua alegria de que tudo estaacute perfeito negar agrave matildee esse primeiro contato eacute desu-mano e ao mesmo tempo se perde um processo de coopera-ccedilatildeo avaliativa

INCORPORAccedilAtildeO DAS PRAacuteTICAS DE HUMANI-ZAccedilAtildeO NA SALA DE PARTO

Alguns funcionaacuterios deste Hospital Distrital falam de um curso que a Secretaria de Sauacutede do Cearaacute realizou junto a Agecircncia de Cooperaccedilatildeo Internacional do Japatildeo (JICA) e que na eacutepoca tomaram conhecimento de formas alternativas para aliviar e melhorar a dor da mulher em trabalho de parto

A enfermeira Maria fala com emoccedilatildeo do curso da JICA tal como ficou conhecido Segundo ela o novo aspecto da atenccedilatildeo agrave mulher inclui acolhimento cuidado e coloca-se no lugar do outro ou agrave disposiccedilatildeo do outro para ajudaacute-lo ldquoO que

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estaacute ao alcance da gente () o que a gente pode fazer para me-lhorar esse trabalho de parto para a matildee tornaacute-lo mais suave menos traumaacutetico para ela para tornar a experiecircncia do parto positiva prazerosa procuro fazer com que ela encare o par-to realmente como uma experiecircncia positiva que vai trazer alegria felicidade e a graccedila de ser matildeerdquo afirmou a enfermeira

A meacutedica Paula tomou conhecimento do curso da JICA cujo objetivo era humanizaccedilatildeo do parto Algumas pessoas fo-ram para o Japatildeo outras fizeram o curso aqui em Fortaleza Ela percebe que desde esse curso algumas mudanccedilas ocorreram dentro da sala de partoAssim comenta ldquo Eu observei a par-ticipaccedilatildeo maior de outros profissionais a enfermeira passou a fazer parto normal foi introduzido instrumento como o ca-valinho e a bola algumas mudanccedilas de condutas como massa-gens nas mulheres natildeo fazer mais tricotomia natildeo fazer clister evacuativo dieta liacutequida ao inveacutes de zerordquo

Mesmo ao se referir agraves mudanccedilas na sala de parto Pau-la observa que haacute resistecircncia de uma parcela importante dos profissionais meacutedicos Considera que talvez essa ldquoresistecircncia foi em funccedilatildeo de que o espaccedilo que era do meacutedico seria ocupa-do pela enfermeirardquo A possibilidade da perda de seu poder na atuaccedilatildeo do serviccedilo de parto para as enfermeiras afastou os meacute-dicos do conhecimento das novas praacuteticas de sauacutede da mulher

Ocorre comumente que os profissionais que trabalham em sala de parto independentemente de sua categoria profis-sional estatildeo submetidos a uma rotina hospitalar concorrendo para que muitos desses profissionais adquiram mais habili-dade com as tarefas teacutecnicas do que desenvolver atitudes de apoio emocional agraves pacientes Encontrou-se na fala de uma enfermeira o quanto a praacutetica diaacuteria de normas teacutecnicas pode influenciar a dimensatildeo psicossocial e relacional com as pacien-

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tes ldquoVai naquela rotina e comeccedila a trabalhar como se fosse maacutequina sem sensibilidade sem carinho sem amor sem se colocar no lugar do outrordquo O modelo biomeacutedico centrado na teacutecnica obsteacutetrica natildeo valoriza o saber da mulher e deixa de lado o aspecto subjetivo da relaccedilatildeo (AYRES 2000 AYRES 2004 BRUumlGGEMANN PARPINELLI OSIS 2005)

Nas palavras de Michel Odent se encontrajustificativas para o desconhecimento dos elementos da humanizaccedilatildeo do parto e uso abusivo dos procedimentos obsteacutetricos no caso especial da cesariana no lugar da espera pelo fisioloacutegico ldquoa obstetriacutecia moderna natildeo sabe nada e se preocupa menos ain-da quanto ao fato de que o trabalho de parto o parto e a fase inicial da amamentaccedilatildeo satildeo partes integrais da vida sexual da mulherrdquo (ODENT 2002 p18)

Dois tipos baacutesicos de profissionais se destacam na assis-tecircncia ao parto normal O primeiro eacute aquele profissional que estaacute ao lado da mulher que trabalha todos os seus sentidos porque aposta nas tecnologias leves mencionadas por Merhy (2000) O outro eacute aquele que sempre se potildee agrave frente da mulher na assistecircncia ao receacutem-nascido e que na maioria das vezes soacute reconhece o poder da teacutecnica obsteacutetrica e desconsidera o apoio emocional como uma etapa do acompanhamento profissional Neste caso a supervalorizaccedilatildeo das teacutecnicas se sobrepotildee agrave re-laccedilatildeo profissional-paciente (CAPRARA RODRIGUES 2004) Sobre as observaccedilotildees dirigidas para a realidade do parto da maternidade do Hospital Puacuteblico selecionado na busca de as-pectos de humanizaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede voltadas para a gestante trecircs situaccedilotildees foram destacadas e descritas

Na primeira situaccedilatildeo eacute a realizaccedilatildeo de trecircs partos num pe-riacuteodo exiacuteguo de duas horas quando a humanizaccedilatildeo se torna

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uma praacutetica difiacutecil em face das resistecircncias de certos profissio-nais que tecircm pressa em resolver o problema do parto

A emergecircncia encontra-se superlotada Na sala cinco gestantes em trabalho de parto e destas trecircs jaacute passaram pela experiecircncia de ser matildee Agraves 9 horas eacute decidido pela plantonista Antocircnia iniciar medicaccedilatildeo ocitocina nas gestantes Uma su-cessatildeo de nascimentos um apoacutes outro As trecircs primeiras mu-lheres a conhecerem que seus filhos foram experientes mul-tiacuteparas Agraves 10 horas a terceira multiacutepara pariu A plantonista Antocircnia demonstra surpresa com a rapidez dos nascimentos e chega a fazer o seguinte comentaacuterio ldquoessa minha mania de querer resolver logo as coisasrdquo Nestes casos o medicamento utilizado nas gestantes que estatildeo em trabalho de parto normal provoca um efeito que aumenta mais ainda a contraccedilatildeo ute-rina e como resultado foi o nascimento de trecircs crianccedilas num tempo muito raacutepido

A auxiliar de enfermagem Faacutetima conta que o que apren-deu nos quatros moacutedulos do curso da JICA tenta colocar em praacutetica mas eacute difiacutecil porque natildeo satildeo todos os plantonistas que aceitam a nova maneira de acompanhar a paciente Pela razatildeo de o tempo com o parto fisioloacutegico ser demorado o meacutedico abrevia esse momento com um procedimento da teacutecnica obs-teacutetrica ldquo [] acontece da gente preparar uma paciente para o parto normal com banho morno exerciacutecios na bola exerciacute-cios de respiraccedilatildeo e massagem estaacute tudo bem chega a hora do nenecirc nasce ai chama o doutor Aiacute ele decide fazer uma episiotomia sem anestesia Eu achei que ele desfez tudo des-manchou toda a preparaccedilatildeo a proacutepria paciente disse o que eacute mais terriacutevel eacute esse corterdquo

Faacutetima conta ainda que eacute testemunha de momentos be-liacutessimos no qual o parto deu certo com luz na penumbra sem

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episiotomia e com calma um clima de harmonia Ela observa que tambeacutem natildeo eacute soacute a falta de apoio de um grupo de profis-sionais ldquohaacute pacientes muito despreparadas que soacute conseguem evoluir para um parto com muito sofrimentordquo Chama a aten-ccedilatildeo para um preacute-natal no qual a mulher se prepara para um parto fisioloacutegico com conhecimento de seu corpo e todas as etapas necessaacuterias para um bom parto normal

Na segunda situaccedilatildeo foi observada a funccedilatildeo da voluntaacuteria denominada de doula na sala do parto

Um grupo de mulheres eacute acolhido na sala de parto com praacuteticas e teacutecnicas humanizadas de acordo com as poliacuteticas de sauacutede do Brasil As praacuteticas satildeo percebidas com naturalidade nas falas das pacientes ldquoDoutora vamos fazer borboletasrdquo Doutora quero ir para a bolardquo Durante o trabalho de parto as pacientes andam sentam deitam tomam banho fazem exer-ciacutecios espontaneamente ou com a ajuda das voluntaacuterias Satildeo frequentes e espontacircneas as atividades de movimentaccedilatildeo den-tro da sala de parto e a manifestaccedilatildeo do desejo de tomar banho O trabalho de parto evolui muito mais raacutepido e com menor sofrimento Algumas gestantes quebram o ciclo da tensatildeo-me-do e dor tendo agrave sua disposiccedilatildeo um profissional que estimula orienta e se mostra acessiacutevel as suas solicitaccedilotildees

Satildeo 11 horas da manhatilde haacute duas voluntaacuterias na sala de parto Elas fazem massagens na regiatildeo lombar no abdome e nas costas das gestantes Estimulam as pacientes a ficarem de coacutecoras ensinam a puxar o ar prender e soltar com a boca fe-chada O tempo eacute preenchido com conversa explicaccedilatildeo toque de matildeos e olhares

Uma das voluntaacuterias encontra-se com uma bata amarela e se identifica como Doula Ela mesma define que ldquoDoula signi-fica matildeo amigardquo Segundo essa profissional ldquoa Doula natildeo tem

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funccedilatildeo de ajeitar prontuaacuterio ou medir pressatildeo como a enfer-meira e a auxiliar de enfermagem Noacutes somos da matildeezinhardquo Como voluntaacuteria ela estaacute disponiacutevel natildeo tem tarefa de rotina e consegue contar histoacuterias cantar fazer oraccedilotildees aplicar mas-sagens levar para o banho estimular um pensamento positivo como por exemplo ldquopensar no filho que vai nascerrdquo eacute uma forma para suportar a dor do trabalho de parto

Na terceira observaccedilatildeo se pode chamar de parto assistido com humanizaccedilatildeo e nascimento feliz

No quarto trecircs haacute uma paciente em trabalho de parto Observa-se a Doul autilizando seu braccedilo direito como apoio para as costas da paciente a enfermeira encontra-se sentada na posiccedilatildeo de assistecircncia agrave crianccedila o meacutedico estaacute agrave esquerda da paciente O quarto tem pouca luz e no momento natildeo haacute barulho na sala As pessoas que acompanham o parto estatildeo pacientes e a mulher recebe orientaccedilotildees massagens estiacutemulos e toque de matildeos Na hora da contraccedilatildeo ela se espreme faz forccedila e se apoia em um suporte a sua frente e no braccedilo da Dou-la para ficar na posiccedilatildeo semisentada Satildeo 11 horas da manhatilde momento em que o poacutelo cefaacutelico abaula discretamente o periacute-neo haacute um clima de confianccedila de que tudo se encaminha para um parto normal sem complicaccedilotildees A paciente demonstra sentir dor forte durante contraccedilatildeo mas depois fica tranquila e recebe orientaccedilatildeo para respirar profundo e natildeo se esforccedilar quando natildeo haacute contraccedilatildeo Apoacutes 20 minutos a apresentaccedilatildeo fe-tal forccedila o periacuteneo e haacute um questionamento entre a enfermei-ra e o meacutedico quanto agrave necessidade da episiotomia Decidem que natildeo precisa do procedimento Meacutedico e enfermeira estatildeo em campo e preparados para a recepccedilatildeo ao receacutem-nascido A crianccedila nasce bem chora e eacute colocada sobre o ventre mater-no Algueacutem comenta ldquoconversa com o teu bebecirc matildeerdquo Ela estaacute

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sorrindo e natildeo consegue pronunciar nenhuma palavra Todos estatildeo felizes porque eacute um parto bem-sucedido e um nascimen-to saudaacutevel

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

As experiecircncias relatadas pelas mulheres que pariram na Maternidade do Hospital Puacuteblico em Fortaleza Cearaacute sele-cionado para esta pesquisa mostram que encontrar os ele-mentos da humanizaccedilatildeo como cuidado acolhimento suporte emocional presenccedila do acompanhante seja durante o preacute-na-tal ou no momento do parto eacute uma realidade incomum

Fragmento de discurso de uma paciente que passou pela experiecircncia de um parto vaginal reflete bem essa situaccedilatildeo Satildeo palavras suas ldquouma experiecircncia ruim pela forma como as pessoas me trataram natildeo deram importacircncia para mim nem para as minhas dores nem para os meus medos e minhas an-siedadesrdquo portanto a realidade traumatizante da falta de uma praacutetica humanizada traraacute para essas mulheres um sofrimento sempre presente

A baixa qualidade do atendimento no preacute-natal se repete em todas as etapas do parto Haacute um total desconhecimento de que a humanizaccedilatildeo do parto faz parte de uma estrateacutegia do Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil com apoio da OMS para me-lhorar a sauacutede reprodutiva porque assim entendem que a sauacute-de reprodutiva eacute fundamental para os casais e famiacutelias assim como o desenvolvimento social e econocircmico das comunidades e naccedilotildees

Uma reflexatildeo a ser feita recai sobre o modelo de atendi-mento agrave gestante centrado no problema que desconsidera a subjetividade da paciente e a recebe de forma mecacircnica Para a

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humanizaccedilatildeo da sauacutede o profissional precisa valorizar a cultu-ra da matildee disponibilizar tempo para apoio emocional e incluir nas suas condutas as decisotildees da paciente

Outro aspecto de importacircncia capital eacute fazer da sala de parto um espaccedilo de humanizaccedilatildeo onde a luz da vida renasce em cada crianccedila e natildeo transformaacute-la em uma faacutebrica com uma linha de montagem e uma produccedilatildeo a ser alcanccedilada

Investir em uma relaccedilatildeo profissional-paciente com maior qualidade favorece satisfaccedilatildeo profissional por diversas oca-siotildees e supera problemas da gestatildeo e de atenccedilatildeo hospitalar

Percebeu-se uma grande diferenccedila nas relaccedilotildees manti-das pelo profissional que fez o curso Humanizaccedilatildeo do Parto e aquele que natildeo o desenvolveu Na primeira haacute uma sintonia entre profissional-paciente que reduz a assimetria da relaccedilatildeo Na segunda a relaccedilatildeo se limita a cumprir as tarefas de rotina

Utilizou-se dos conhecimentos disponiacuteveis para com-preender e explicar as dificuldades de implementaccedilatildeo da praacuteti-ca de humanizaccedilatildeo da sauacutede especialmente na Obstetriacutecia Haacute necessidade de conhecimento tanto filosoacutefico quanto cientiacutefi-co de novos cursos na formaccedilatildeo do profissional de sauacutede que o habilite a trabalhar com as novas praacuteticas de sauacutede

A proposta de utilizaccedilatildeo da dualidade do conhecimento compreensatildeo-explicaccedilatildeo fica como uma estrateacutegia a ser uti-lizada para discutir humanizaccedilatildeo na sauacutede em benefiacutecio da constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede a serem uti-lizadas nas maternidades

Espera-se que outros estudos possam ser realizados abor-dando este tema contribuindo com a poliacutetica de humanizaccedilatildeo das maternidades brasileiras gerando assim benefiacutecios para pacientes e profissionais de sauacutede envolvidos nesse processo

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REFERecircNCIAS

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CAPRARA A RODRIGUES J A relaccedilatildeo assimeacutetrica meacutedico-pa-ciente repensando o viacutenculo terapecircutico Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 9 p 139-146 2004 CAPRARA A LANDIM L P Etnografia uso potencialidades e limites na pesquisa em sauacutede Interface-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Edu-caccedilatildeo Disponiacutevel em HTTPwwwinterfaceorgbrarquivosapro-vadosartigo46pdfgt acesso 20032008 preacute-publicaccedilatildeoCARVALHO M L M A participaccedilatildeo do pai no nascimento da-crianccedila as famiacutelias e os desafios institucionais em uma maternidade puacuteblica Rio de Janeiro 2001 Dissertaccedilatildeo de Mestrado Instituto de Psicologia UFRJDAVIS-FLOYD R E The technocratic humanistic and holistic pa-radigms of childbirthInternational Journal of Gynecology and obste-trics v 75 p 5-23 2001DIAS M A B DESLANDES S F Cesarianas percepccedilatildeo de risco e sua indicaccedilatildeo pelo obstetra em uma maternidade puacuteblica no municiacute-pio do Rio de Janeiro Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 20 p 109-116 2004DOSSIEcirc HUMANIZACcedilAtildeO DO PARTOREDE NACIONAL FEMI-NISTA DE SAUacuteDE DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODU-TIVOS Satildeo Paulo 2002FABIETTI U REMOTI F Dicionario di antropologia etnologia an-tropologia sociale Editora Zanichelli Bologna 1997FAUacuteNDES A CECATTI J G A operaccedilatildeo cesaacuterea no Brasil inci-decircncia tendecircncia causas consequumlecircncias e propostas de accedilatildeo Cader-nos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 7 p 150-173 1991GEERTZ G A interpretaccedilatildeo das culturas Traduccedilatildeo Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos Editora SA Rio de Janeiro 1989GLIFFORD G A experiecircncia etnograacutefica Editora da UFRJ Rio de Janeiro 2002MENEZES R A Etnografia do ensino meacutedico em um CTI Interfa-ce-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 5 p 117-130 2001

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CAPIacuteTULO 15

AVALIAccedilAtildeO DAS NECESSIDADES DE FAMI-LIARES DE PACIENTES EM UNIDADE DE TE-RAPIA INTENSIVA PEDIAacuteTRICA

Ilse Maria Tigre de Arruda LeitatildeoAna Camila Moura Rodrigues

Roberta Meneses de OliveiraAdriana Catarina de Souza Oliveira

Letiacutecia Lima AguiarMarcelo Gurgel Carlos da Silva

INTRODUccedilAtildeO

O capiacutetulo teve como objetivo geral analisar as necessida-des de familiares de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediaacutetrica utilizando como base o Inventaacute-rio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI

A famiacutelia ocupa um papel importante no cuidado da crianccedila cardiopata principalmente a matildee a que permanece o maior tempo na unidade e muitas vezes suas necessidades satildeo desconhecidas pelo enfermeiro A famiacutelia vivencia uma experiecircncia regida por sofrimento inseguranccedila preocupaccedilatildeo frustraccedilatildeo desapontamento ansiedade e falta de confianccedila na capacidade de cuidar do seu filho A satisfaccedilatildeo dos familiares eacute definida como um grau de congruecircncia entre a percepccedilatildeo des-te sobre o cuidado recebido em unidades especializadas

As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) foram conce-bidas com a finalidade de oferecer atenccedilatildeo contiacutenua e suporte avanccedilado aos pacientes criacuteticos com risco de morte lanccedilando matildeo de recursos de alta tecnologia que auxiliam ou substituem

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a funccedilatildeo de oacutergatildeos vitaisA Unidade de Terapia Intensiva Pe-diaacutetrica eacute um ambiente de alta complexidade tecnoloacutegica e possui uma linguagem teacutecnica bastante especiacutefica e familiar aos profissionais de sauacutede entretanto assusta agravequeles que adentram o ambiente pela primeira vez (COSTA ARANTES BRITO 2010)

Na maioria das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) Pediaacutetricas a permanecircncia eacute restrita aos funcionaacuterios que ali trabalham e aos pais das crianccedilas internadas que disponibili-zam somente de uma hora de visita diaacuteria sendo isto um fator gerador de anguacutestia para os pais que esperam o dia inteiro para ver seus filhos

As instituiccedilotildees hospitalares alegam que esta metodologia de funcionamento diminui os riscos de infecccedilotildees manuseio excessivo dos pacientes e o barulho dentro da Unidade de Te-rapia Intensiva Pediaacutetrica colaborando assim para a recupera-ccedilatildeo da crianccedila e minimizando o sofrimento dos pais pelo fato de natildeo presenciarem os procedimentos realizados com seu fi-lho (CUNHA ZAGONEL 2006)

Geralmente crianccedilas que necessitam de cuidados meacute-dicos ou ciruacutergicos nas primeiras horas de vida satildeo encami-nhados para as UTIs pediaacutetricas onde recebem assistecircncia imediata de profissionais aptos Desse modo o nuacutemero de internaccedilotildees nessas unidades eacute elevado em detrimento das condiccedilotildees de nascimento tais como cardiopatias associadas a prematuridade muito baixo peso ao nascer desconforto respi-ratoacuterio prolongado infecccedilotildees intra e perinatal mal formaccedilotildees e outros diagnoacutesticos que predispotildeem a crianccedila a tratamentos especializados

Cerca de seis milhotildees de crianccedilas nascem anualmente no Brasil das quais aproximadamente 45 mil satildeo portadoras de

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alguma anomalia cardiacuteaca Tendo em vista a quantidade de nascidos a grande maioria natildeo tem acesso a tratamento cliacuteni-co ou ciruacutergico mesmo sabendo-se que 80 satildeo portadoras de cardiopatias congecircnitas e necessitam ser submetidas agrave cirurgia cardiacuteaca ateacute o sexto mecircs de vida (MALUF et al 2009)

A famiacutelia tambeacutem se percebe doente em razatildeo de vivecircn-cia diaacuteria do risco iminente da perda do filho sensaccedilatildeo de impotecircncia diante da doenccedila por vezes carregando consigo sentimento de culpa por ter que administrar cuidado entre a crianccedila doente e os demais filhos A famiacutelia na maioria dos ca-sos inevitavelmente sofre natildeo somente pela situaccedilatildeo criacutetica da crianccedila tanto em relaccedilatildeo agrave doenccedila da crianccedila como sua inter-naccedilatildeo na UTI como tambeacutem passa por um processo doloroso de culpabilidade e medo de perder definitivamente o viacutenculo a afetividade e o sentimento de perda Todo isso pode influir di-retamente e dificultar o processo assistencial (GORGULHO RODRIGUES 2010)

O cuidado da famiacutelia eacute parte fundamental para a recupe-raccedilatildeo de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva tornan-do-se ainda mais importante em casos de crianccedilas com adoeci-mento cardiacuteaco de natureza grave poreacutem para a famiacutelia nem sempre eacute faacutecil manter-se presente haja vista a dificuldade em lidar e encarar as incertezas sobre o futuro do seu familiar (SA-LIMENA et al 2012)

Questotildees como essas suscitam uma reflexatildeo acerca das necessidades especiacuteficas apresentadas pelos familiares e suas elevadas frequecircncias de estresse distuacuterbios do humor e an-siedade durante o acompanhamento da internaccedilatildeo na UTI e segundo Castro (1999) muitas vezes esses sentimentos persis-tem apoacutes a morte do seu ente querido

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A famiacutelia como sujeito importante no cuidado de pacien-tes internados em UTI e suas necessidades especialmente de informaccedilatildeo sobre todo este processo como agente participante que complementa o afrontamento das dificuldades da proacutepria doenccedila do paciente foi estudada e indicada por muitos autores e organizaccedilotildees internacionais como um meio de proporcionar ao paciente criacutetico um cuidado de qualidade com uma atenccedilatildeo holiacutestica o integral (LLAMAS-SAacuteNCHEZ et al 2008 KEAN 2010 DAVIDSON et al 2010)

Com efeito faz-se necessaacuterio que a humanizaccedilatildeo da as-sistecircncia de enfermagem se configure como elemento basilar para o estabelecimento de um cuidado integral seguro e de qualidade capaz de atender as demandas natildeo soacute do doente mas tambeacutem de toda a sua famiacutelia Para tanto ela deve ser embasada em conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos de modo que os profissionais compreendam o processo sauacutede-doenccedila segundo o ponto de vista da crianccedila e de seus familiares (OLI-VEIRA et al 2013)

A famiacutelia quando devidamente preparada e educada para ser agente participante do processo de cuidar traz benefiacutecios ao paciente dando respostas agraves necessidades da famiacutelia e pa-ciente aleacutem de fortalecer o viacutenculo afetivo e a confianccedila entre a famiacutelia e a equipe de trabalho na UTI ainda considerando que eacute a famiacutelia quem cuidaraacute e realizaraacute o seguimento do cui-dado depois da alta hospitalar (DUSING VAN DREW BRO-WN 2012)

O primeiro estudo que abordou as necessidades da famiacute-lia no contexto da UTI foi publicado pela enfermeira dos EUA Nancy Molter em 1979 e teve como objetivo identificar as ne-cessidades percebidas pelos familiares dos pacientes Foram le-vantadas 45 necessidades (MORGON GUIRARDELLO 2004)

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Em 1986 a enfermeira Jane Leske replicou o trabalho de Molter aplicando o mesmo questionaacuterio apoacutes reorganizaccedilatildeo randocircmica da sequecircncia dos itens Esse questionaacuterio recebeu o nome de Critical Care Family Needs Inventory (CCFNI) sendo constituiacutedo pelas mesmas 45 necessidades agraves quais os fami-liares atribuiacuteam diferentes graus de importacircncia numa escala crescente de 1 a 4 Em 1991 Leske conduziu um estudo com 677 familiares utilizando o CCFNI e apoacutes anaacutelise fatorial os itens foram alocados em cinco dimensotildees Suporte Conforto Informaccedilatildeo Proximidade e Seguranccedila (MORGON GUIRAR-DELLO 2004)

Outros estudos utilizaram este instrumento na iacutentegra e parcialmente Dada a relevacircncia e a pertinecircncia com as ques-totildees vivenciadas no cotidiano dos serviccedilos de sauacutede brasilei-ros o instrumento foi adaptado e validado para a cultura do Paiacutes sendo denominado Inventaacuterio de Necessidades e Estres-sores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Inten-siva- INEFTI constituiacutedo de 43 necessidades que se dividem em cinco categorias informaccedilatildeo seguranccedila acesso suporte e conforto (CASTRO 1999)

Com base no exposto interrogamos que tipo de necessi-dades como base no Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI os familiares de crianccedilas internadas expressam

Para responder a esta questatildeo este estudo destaca como objetivo geral analisar as necessidades de familiares de crian-ccedilas internados em duas Unidades de Terapia Intensiva Pediaacute-trica de um hospital puacuteblico de referecircncia utilizando como base o Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI

320

METODOLOGIA

A pesquisa configura um estudo descritivo transversal com abordagem quantitativa) sendo um recorte de uma pes-quisa intitulada Qualidade da Assistecircncia de Enfermagem Fundamentada no modelo Donabediana (estrutura- proces-so- resultado) anaacutelise de organizaccedilotildees hospitalares de Forta-leza-CE

O estudo foi realizado em duas Unidades de Terapia In-tensiva Pediaacutetrica existentes em um hospital de referecircncia em cuidados cardiacuteacos e pulmonares da rede puacuteblica Estadual do Cearaacute localizado em Fortaleza O levantamento de dados foi realizado nos meses de setembro a novembro de 2013

O tipo de assistecircncia agrave sauacutede das UTIs varia de acordo com as necessidades do paciente levando em conta o cuidado progressivo em sauacutede Dessa forma a primeira unidade deno-minada UTI pediaacutetrica recebe pacientes graves ou com risco iminente de morte Dispotildee de nove leitos sendo dois destes para isolamento e outro para pacientes transplantados A equi-pe de Enfermagem eacute composta por 14 enfermeiras e 33 teacutecni-cos e auxiliares de Enfermagem divididos em escala mensal da seguinte forma em cada plantatildeo de 12h existem duas en-fermeiras e seis auxiliares Caso a unidade receba uma crianccedila transplantada eacute necessaacuterio que exista uma enfermeira a mais durante o plantatildeo ateacute o momento da alta

A segunda UTI denominada UTI Pediaacutetrica Poacutes-Ciruacutergi-ca recebe pacientes advindos de cirurgias eletivas de coraccedilatildeo eou pulmatildeo Eacute dotada de oito leitos sendo dois destes reser-vados agraves situaccedilotildees de isolamento Dispotildee de duas enfermeiras por plantatildeo seis auxiliares eou teacutecnicos de Enfermagem uma

321

secretaacuteria uma pessoa responsaacutevel por material e serviccedilos ex-ternos um meacutedico diarista e um meacutedico plantonista

A populaccedilatildeo foi composta pela totalidade de familiares de pacientes que estavam internados durante o periacuteodo de coleta de dados nas unidades em estudo

A amostragem da pesquisa foi do tipo intencional e deter-minada pelo objetivo do estudo em um grupo o mais homo-gecircneo possiacutevel

Foram utilizados os seguintes criteacuterios de inclusatildeo matildee ou avoacutes (em razatildeo do protocolo da instituiccedilatildeo estudada) com idade igual ou superior a 18 anos que tenham permanecido na unidade no miacutenimo trecircs dias com o paciente na UTI e que apresentaram condiccedilotildees de compreender e de responder o ins-trumento de coleta de dados

Apesar de as duas UTIs possuiacuterem 17 leitos ocupados so-mente 15 matildees foram entrevistadas Justifica-se a ausecircncia de duas pois elas natildeo compareciam as unidades em questatildeo para visita diaacuteria no decorrer da coleta do estudo

Foram utilizados dois instrumentos de coleta questionaacute-rio soacutecioeconocircmico da famiacutelia e Instrumento de Inventaacuterio de Necessidades dos Familiares (INEFTI) em Terapia Intensiva com base em Castro (1999) Para este estudo foram empre-gados 21 itens do Critical Care Family Needs Inventory (CC-FNI) organizados em quatro categorias de necessidades a sa-ber necessidade de conhecimento informaccedilatildeo na qual seratildeo agrupados os itens relacionados agrave necessidade dos familiares de receber informaccedilotildees das mais variadas ou de obter conhe-cimento relacionado ao estado de sauacutede ou aos procedimentos envolvidos na terapecircutica do familiar doente necessidade de conforto relacionada ao planejamento fiacutesico da unidade mo-

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biacutelia nela contida e necessidade dos familiares em sentirem-se confortaacuteveis na sala de espera ou na proacutepria unidade no de-correr de sua estada necessidade de seguranccedila emocional na qual foram agrupados os itens relacionados agraves necessidade dos familiares de sentirem-se seguros menos ansiosos eou teme-rosos quanto ao estado de sauacutede e ao prognoacutestico de seu fa-miliar e necessidade de acesso ao paciente e aos profissionais da unidade na qual foram agrupados os itens relacionados agrave necessidade dos familiares em ter mais acesso aos profissionais da instituiccedilatildeo (meacutedicos enfermeiros fisioterapeutas nutri-cionistas psicoacutelogos e outros funcionaacuterios natildeo relacionados agraves reais necessidades de sauacutede) que aborda necessidades re-lacionadas a quatro dimensotildees (conforto informaccedilatildeo proxi-midade e seguranccedila aproximando da realidade e do contexto famiacutelia hospital e paciente)

O instrumento eacute composto por duas escalas importacircncia e satisfaccedilatildeo As escalas satildeo crescentes ou seja quanto maior o valor atribuiacutedo aos itens maior eacute o grau de importacircncia ou satisfaccedilatildeo deles

Apoacutes aplicaccedilatildeo do instrumento INEFTI foram escolhidas as situaccedilotildees de maiores meacutedias de respostas apresentadas nas duas unidades de terapia intensiva para elaboraccedilatildeo da escala da razatildeo (ER)

O sistema de pontuaccedilatildeo utilizado seguiu a aplicaccedilatildeo feita por Lucchese (2003) com escores em escala do tipo Likert va-riando de 1 a 4 As necessidades com meacutedia maior ou igual a 3 foram definidas como importantes e satisfeitas A escala Likert eacute uma escala psicomeacutetrica das mais conhecidas e utilizada em pesquisa quantitativa que pretende registrar o niacutevel de con-cordacircncia ou discordacircncia com uma declaraccedilatildeo dada

323

Apoacutes aplicaccedilatildeo do instrumento INEFTI foram escolhidas as situaccedilotildees de maiores meacutedias de respostas expressas nas duas unidades de terapia intensiva para elaboraccedilatildeo da escala da ra-zatildeo Outra teacutecnica empregada foi a observaccedilatildeo da realidade do serviccedilo e suas accedilotildees com registros em um diaacuterio de campo

A estatiacutestica descritiva foi utilizada para caracterizaccedilatildeo dos pacientes e dos respectivos familiares As variaacuteveis de-pendentes fizeram parte do levantamento das necessidades relativas agrave dimensatildeo de conhecimentoinformaccedilatildeo conforto e seguranccedila As variaacuteveis independentes relativas agrave dimensatildeo de necessidade de acesso ao paciente por apresentarem poucos registros foram apenas listadas pelo INEFTI A aplicaccedilatildeo do instrumento ocorreu em local privativo e foi realizada em qua-tro momentos com duraccedilatildeo meacutedia de 50 minutos

A maioria dos estudos que utilizou o CCFNI considerou como aspecto importante o tipo de escala de medida utilizado na aplicaccedilatildeo e anaacutelise desse instrumento Na adaptaccedilatildeo brasi-leira a escala de medida varia de 01 a 04

Nesta pesquisa optamos por utilizar para classificar o grau de importacircncia uma escala numeacuterica (ESCALA DA RAZAtildeO ER) de 01 a 21 que eacute o quantitativo de necessidades apresentadas aos participantes aleacutem de uma escala de catego-ria que produz dados descritivos

Para a elaboraccedilatildeo do instrumento buscou-se conciliar quatro das cinco dimensotildees utilizadas no instrumento do INEFTI a saber Conforto Informaccedilatildeo Acessibilidade e Segu-ranccedila que contemplam as necessidades dos familiares que tecircm pacientes internados em UTI

Cada necessidade do instrumento foi mostrada aos partici-pantes que foram solicitados a assinalar o grau de importacircncia

324

que eles atribuiacuteam agravequelas necessidades Para cada dimensatildeo abordada foram elaboradas instruccedilotildees especificas em folhas separadas de modo que cada familiar expocircs em momentos distintos suas necessidades sobre quatro abordagens diferen-ciadas Em cada necessidade abordada em uma das dimensotildees foi dada oportunidade para que as famiacutelias entrevistadas dis-cutissem contassem fatos chorarem agradecessem reclamas-sem dessem sugestotildees Todas as respostas foram registradas imediatamente agrave medida que as entrevistas transcorreram

O projeto passou pelo Comitecirc de Eacutetica na Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute visando a obedecer aos pre-ceitos eacuteticos da pesquisa em sauacutede com seres humanos (BRA-SIL 2012) assim como o compromisso social com eles Apoacutes aprovaccedilatildeo foi encaminhado ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do hospital cenaacuterio da pesquisa obtendo Parecer de nordm 77180

RESULTADOS

Caracterizaccedilatildeo de pacientes e familiaresOs dados coletados estatildeo em tabelas o que permite a ca-

racterizaccedilatildeo dos familiares entrevistados quanto a estado civil escolaridade religiatildeo situaccedilatildeo de trabalho e renda familiarTABELA 1 - Caracteriacutesticas dos familiares de duas UTIs pe-diaacutetricas Fortaleza-CE 2013

Variaacuteveisn=15

f

Estado civilCasada 2 133Solteira 2 133Uniatildeo estaacutevel 11 733Idade15-20 anos 1 67

325

21-30 anos 5 33331-40 anos 7 467EscolaridadeAnalfabeta 1 67Fundamental incompleto 5 333Fundamental completo 3 200

Meacutedio incompleto 2 133Meacutedio completo 3 200Superior incompleto 1 67Religiatildeo Catoacutelica 9 60Evangeacutelica 5 333Outros 1 67Situaccedilatildeo de trabalhoDiarista 2 133Dona de casa 7 467Agricultora 4 267Outros 2 133Renda familiar (SM= salaacuterio-miacutenimo)Menos de 1 SM 5 3331 SM 6 401 a 2 SM 4 267Tipo de moradiaProacutepria 8 533Alugada 1 67Cedida 6 40

FONTE pesquisa direta

Na amostra analisada 100 satildeo do sexo feminino e matildees das crianccedilas internadas A idade das genitoras variou de 31 a 40 anos Os dados estatildeo de acordo com achados na literatura como o estudo realizado na Faculdade de Medicina de Botuca-tu (UNESP) no qual foi constatado um predomiacutenio de mulhe-res cuidadoras (73) (CERQUEIRAOLIVEIRA 2002)

326

Quanto agrave ocupaccedilatildeo sete delas referiram trabalhos domeacutes-ticos e cuidados com os outros filhos ficando a renda principal a cargo do parceiro Do total 733 das matildees vivem em regi-me de uniatildeo conjugal estaacutevel 40 tecircm renda familiar de um salaacuterio-miacutenimo e 533 moram em casa proacutepria O niacutevel de escolaridade de 333 era ensino fundamental incompleto e 60 das entrevistadas eram catoacutelicas

Na variaacutevel religiatildeo foi possiacutevel identificar o fato de que grande parte dos familiares relatou ser catoacutelico o que jaacute foi demonstrado em outros estudos (CASTRO 1999 FREITAS KIMURA FERREIRA 2007) Eacute importante ressaltar que a feacute em Deus independe da religiatildeo seguida representa aspecto importante que permeia o processo sauacutede-doenccedila principal-mente em uma UTI O apego ao ldquoespiritualrdquo estaacute muitas vezes relacionado agrave necessidade de cura ou de esperanccedila enquanto se espera um milagre proporcionando muitas vezes aliacutevio e amparo em relaccedilatildeo agrave adversidade

No que concerne agrave caracterizaccedilatildeo das crianccedilas notamos que a totalidade das internaccedilotildees foi motivada por cardiopa-tias congecircnitas (100 dos casos) onde haacute uma malformaccedilatildeo estrutural do coraccedilatildeo ou dos grandes vasos presentes no nas-cimento podendo representar defeito cardiacuteaco uacutenico ou uma combinaccedilatildeo deles (OLIVEIRA etal 2012)

O desenvolvimento cardiovascular anormal eacute responsaacutevel por uma grande quantidade de cardiopatias permitindo con-sideraacutevel variaccedilatildeo em efeitos cliacutenicos Sua maioria origina-se no desenvolvimento embrionaacuterio e natildeo se sabe a causa deter-minada (OLIVEIRA etal 2012)

No periacuteodo de coleta de dados a maioria das crianccedilas inter-nadas estavam com idade de dois a quatro meses de vida Destas 12 estavam internadas em um periacuteodo de zero a dois meses

327

Avaliaccedilatildeo do grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo das necessi-dades de familiares de pacientes internados

Necessidade eacute compreendida como ldquomanifestaccedilatildeo de ca-recircncia (sentida ou natildeo) de uma condiccedilatildeo interna desencadean-do processos psicoloacutegicos e fisioloacutegicos que se traduzem em comportamentos particularesrdquo (CHALIFOUR p 32 2008)

Conforme Nascimento Erdmann (2006) os familiares percebem que o aparato tecnoloacutegico eacute capaz de dar mais se-guranccedila e tranquilidade em relaccedilatildeo ao cuidado ofertado a seu ente no entanto tambeacutem eacute responsaacutevel em grande parte pelo isolamento e pela solidatildeo a que os paciente e familiares satildeo submetidos Eacute comum que estes expressem o desejo e a ne-cessidade de prestar algum conforto de contribuir com sua presenccedila de ficar perto e ainda de participar do tratamento

TABELA 2 - Necessidades de conhecimento informaccedilatildeo e o grau de importacircncia atribuiacutedo por familiares de pacientes in-ternados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidades 1Nordm

2Nordm

3Nordm

4Nordm Meacutedia plusmn DP

NECESSIDADE TOTAL 15 - - - - - - - 21873plusmn025483

1Sentir-se agrave vontade para demonstrar meus sentimentos e emoccedilotildees

2 133 9 600 2 133 2 133 227plusmn0884

2Sentir que o pessoal do hospital se interes-sa pelo paciente

- - 3 200 9 60 3 200 300plusmn0655

3Ser comunicado sobre possiacuteveis trans-ferecircncias

10 667 - - 1 67 4 267 193plusmn1387

328

4Estar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dado

5 333 2 133 6 400 2 133 233plusmn1113

5Saber qual tratamen-to meacutedico estaacute sendo dado ao paciente

11 733 1 67 1 67 2 133 160plusmn1121

6Saber porque deter-minados tratamentos foram realizados com o paciente

10 6671

67 1 67 3 20 180plusmn1265

7Saber quais as chances de melhora do paciente

4 2676

400 5 333 - - 207plusmn0799

8Conversar sobre a possibilidade de morte do paciente

4 267 7 467 3 200 1 67 207plusmn0884

9Comeccedilar a visita na hora marcada

- - - - 2 133 13 867 387plusmn0352

10Receber explica-ccedilotildees que possam ser compreendida

151000 - - - - - - 100plusmn0000

11Ter perguntas respondidas com franqueza

10 667 2 133 2 133 1 67 160plusmn0986

12Ajudar a cuidar do paciente na UTI

2 133 - - 4 267 9 600 333plusmn1047

13Saber quem pode dar a informaccedilatildeo que necessita

9 600 1 67 2 133 3 200 193plusmn1280

14Ser informado sobre o que fazer quando estiver ao lado do paciente

7 467 1 67 3 200 4 267 227plusmn1335

15Sentir que haacute esperanccedila de melhora do paciente

1 67 11 733 1 67 2 133 227plusmn0799

329

16Ser informado a respeito de tudo que se relacione agrave evolu-ccedilatildeo do paciente

8 533 3 200 2 133 2 133 187plusmn1125

17Ter orientaccedilotildees gerais sobre a UTI na primeira visita

12 800 1 67 - - 2 133 147plusmn1060

18Receber informa-ccedilotildees sobre o paciente no miacutenimo uma vez ao dia

9 600 --

3 200 3 200 200plusmn1309

19Sentir-se aceito pe-las pessoas do quadro de funcionaacuterios do hospital

- - 6 400 8 533 1 67 267plusmn0617

20Ser informado so-bre serviccedilos religioso

4 267 11 733 - - - - 173plusmn0458

21Conversar com a mesma enfermeira todos os dias

3 200 - - 8 533 4 267 287plusmn1060

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria

Na Tabela 2 foram citadas cinco necessidades e somente duas foram julgadas muito importantes e totalmente satisfei-tas ldquoSaber quais as chances de melhora do pacienterdquo e ldquosentir que haacute esperanccedila de melhora do pacienterdquo foram citadas por mais de 50 das entrevistadas A necessidade ldquoser informado sobre serviccedilos religiososrdquo recebeu o menor iacutendice de satisfa-ccedilatildeo pois 733 da amostra se apresentam como bastante insa-tisfeitos com o serviccedilo

330

TABELA 03 - Necessidades de conforto classificadas confor-me grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacien-tes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de conforto n

Senti-se agrave vontade para demonstrar meus senti-mentos e emoccedilotildeesSaber quais chances de melhora do paciente

96

6040

Conversar sobre a possibilidade de morte do pa-ciente

7 467

Sentir que haacute esperanccedila de melhora do paciente 11 733

Ser informado sobre serviccedilos religiosos 11 733FONTE Pesquisa direta

A busca por informaccedilotildees demonstra a necessidade que o familiar tem de conhecer o real estado de sauacutede da crianccedila internada em UTI Assim compreender as reais chances de melhora do paciente foi entendido como um modo de prestar apoio para recuperaccedilatildeo de seu parente

TABELA 4 - Necessidades de seguranccedila classificadas confor-me grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacien-tes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de seguranccedila n

Sentir que o pessoal do hospital se interessa pelo paciente

9 60

Estar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dado ao paciente

6 40

Sentir-se aceito pelas pessoas do quadro de fun-cionaacuterios do hospital

8 533

Conversar com a mesma enfermeira todos os dias 8 533FONTE Pesquisa direta

331

Quatro itens foram destacados como necessidades de seguranccedila e trecircs receberam destaque quanto agrave importacircncia e satisfaccedilatildeo ldquosentir que o pessoal do hospital se interessa pelo pacienterdquo ldquoestar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dadordquo e ldquosentir-se aceito pelas pessoas do quadro de funcionaacuterios do hospitalrdquo A necessidade ldquoconversar com a mesma enfermeira todos os diasrdquo foi classificada por 80 da amostra como muito importante e recebeu deles 80 o menor iacutendice de satisfaccedilatildeo referindo que essa demanda nem sempre consegue ser suprida talvez por conta do excesso de afazeres e trabalhos burocraacuteticos na unidade

O maior iacutendice de insatisfaccedilatildeo foi quanto a ldquoconversar com a mesma enfermeira todos os diasrdquo Assim o achado cor-robora o que foi afirmado por Freitas (2005) quando ele traz em seu estudo que a relaccedilatildeo enfermeiro ndash famiacutelia deve ser me-lhorada durante os momentos de visita Autores ressaltam as dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros para manter essa interaccedilatildeo em decorrecircncia de problemas pessoais ou organi-zacionais o que implica uma menor satisfaccedilatildeo por parte dos paisparentes (CASTRO 1999 SOARES SANTOS E GASPA-RINO 2010)

Duas necessidades se enquadraram como acesso ao pa-ciente Estas foram ldquocomeccedilar a visita na hora marcadardquo des-tacada como muito importante e satisfeita ldquoajudar a cuidar do paciente na UTIrdquo classificada por 667 das entrevistadas como muito importante e recebeu de 867 o menor grau de satisfaccedilatildeo

332

TABELA 5 - Necessidades de acesso ao paciente classificadas conforme grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacientes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de acesso ao paciente n

Comeccedilar visita na hora marcada 13 867

Ajudar a cuidar do paciente na UTI 9 60FONTE Pesquisa direta

Durante as entrevistas 867 das matildees relataram o de-sejo de um horaacuterio de visitas livre e a necessidade de ajudar a cuidar do paciente na UTI Tais reivindicaccedilotildees vatildeo contra os estudos de Castro (1999) Morgon e Guirardello (2004) e Freitas (2005) que demonstraram a falta de interesse dos fami-liares dos pacientes de UTI em ajudar de seus parentes tendo em vista compreender em que o manejo muito frequente pode interferir no bom funcionamento da unidade e no bem-estar do paciente

DISCUSSAtildeO

De acordo com Soares Santos e Gasparino (2010) os niacute-veis de instruccedilatildeo e renda podem estar diretamente associados ao fato de a pesquisa ter sido feita em instituiccedilatildeo puacuteblica tendo em vista o puacuteblico-alvo

Na variaacutevel religiatildeo foi possiacutevel identificar o fato de que grande parte dos familiares relatou ser catoacutelico o que jaacute foi demonstrado em outros estudos (CASTRO 1999 FREITAS KIMURA FERREIRA 2007)

333

Segundo Oliveira et al (2013) a separaccedilatildeo do filho por ter que o deixou na UTI contribui para aumentar o desespero da famiacutelia durante os dias de hospitalizaccedilatildeo A gravidade do quadro e o passar do tempo deixam as matildees mais frustradas ante a impossibilidade de viver a expectativa cultivada durante toda a gestaccedilatildeo jaacute que o desfecho esperado do processo eacute o nascimento e desenvolvimento de uma crianccedila saudaacutevel que seja imediatamente integrada agrave convivecircncia familiar

O tempo de internaccedilatildeo prolongado provoca o rompimen-to ou o natildeo estabelecimento de viacutenculo afetivo entre a crian-ccedila e a famiacutelia Quando a matildee recebe o diagnoacutestico da doenccedila cardiacuteaca congecircnita do filhoantes ou apoacutes o seu nascimento tem iniacutecio para ela a vivecircncia do processo detransiccedilatildeo de sauacute-de-doenccedila do filho o qual se desenvolve como um processo detransformaccedilotildees com origem na notiacutecia de que seu filho pos-sui a doenccedila (WIGERT HELLSTROumlM BERG 2008) O tem-po de internaccedilatildeo em UTI tambeacutem foi indicado como espaccedilo considerado ponte entre a crianccedila e a famiacutelia Esta ponte pode ser um elo ou distanciamento entre famiacutelia e crianccedila depen-dendo das atitudes dos profissionais e da proacutepria instituiccedilatildeo Quando agrave internaccedilatildeo eacute de larga duraccedilatildeo e existe uma ponte de distanciamento os benefiacutecios natildeo aparecem e as consequecircn-cias podem ter uma grande magnitude no desenvolvimento da crianccedila no acircmbito afetivo moral e fiacutesico (TALMI HARMON 2003 SIQUEIRA DIAS 2011)

Apoiado no INEFTI o estudo apontou que 733 dos familiares avaliaram como importantiacutessimas as necessidades das dimensotildees acesso ao paciente e conhecimentoinforma-ccedilatildeo atribuindo menor importacircncia agraves dimensotildees seguranccedila (517) e conforto (587)

334

Este dado sugere que a maior preocupaccedilatildeo do familiar eacute com a crianccedila internada e aspectos relacionados aos cuidados ofertados e o interesse da equipe em manter o familiar infor-mado Os aspectos direcionados ao conforto e seguranccedila que atingem diretamente o familiar foram pouco valorizados

Do total de 21 necessidades extraiacutedas no INEFTI dez fo-ram classificadas como necessidade de conhecimento infor-maccedilatildeo e sete apareceram com maiores iacutendices de importacircncia e satisfaccedilatildeo citadas na tabela Duas destas mereceram desta-que por expressarem maiores iacutendices dentre as entrevistadas ldquoReceber explicaccedilotildees que possam ser compreendidasrdquo e ldquoTer orientaccedilotildees gerais sobre a UTI na primeira visitardquo

Os familiares necessitam obter informaccedilotildees que possam ser compreendidas de forma clara e objetiva para melhor en-tendimento do prognoacutestico de suas crianccedilas internadas e que-rem obter informaccedilotildees acerca dos cuidados de Enfermagem realizados diariamente dentre os quais os procedimentos de rotina da unidade e tudo o mais que venha a contribuir para o restabelecimento da sauacutede do paciente (SOARES 2007)

Em pesquisa realizada por Santanae Madeira (2013) que tambeacutem avaliava as necessidades de familiares de pacientes internados em unidade de cuidados intensivos os autores ob-tiveram como resultados das necessidades de conforto que os familiares valorizam bastante o espaccedilo fiacutesico e a mobiacutelia da sala de espera da UTI

Pedro et al (2008) lembram que os familiares acompa-nhantes tecircm que se adaptar ao cenaacuterio hostil do hospital e embora natildeo seja uma experiecircncia prazerosa assumem seus papeacuteis com resignaccedilatildeo amparados por uma obrigaccedilatildeo moral em relaccedilatildeo ao paciente

335

A ausecircncia do profissional causa ainda mais apreensatildeo para os familiares que esperam aflitos pelo momento da visita para retirarem as suas duacutevidas e receberem notiacutecias de pre-ferecircncia boas Por isso o horaacuterio em que ocorrem as visitas deve ser encarado como um momento para os profissionais principalmente o enfermeiro entrarem em contato com a fa-miacutelia do doente o que permitiraacute a identificaccedilatildeo das condiccedilotildees psicoloacutegicas e emocionais dos familiares e a compreensatildeo das reais necessidades aleacutem de estabelecer relaccedilotildees interpessoais fortalecedoras

Almeida Neto etal (2012) Morgon e Guirardello (2004) e Reichert Lins Collet (2007) sugeriram em seus estudos com-partilhar a assistecircncia familiar com outro profissional para minimizar tais dificuldades haacute pouco citadas Por exemplo solicitar que um colega enfermeiro acompanhe um familiar enquanto estaacute executando outras atividades

Eacute domiacutenio de saber o fato de que os enfermeiros devem fornecer informaccedilotildees aos familiares a respeito de suas crianccedilas internadas na unidade Foi observado que 80 das entrevis-tadas natildeo tinham o conhecimento acerca da enfermeira que cuidava dos pacientes sendo por muitas vezes esta confundida com teacutecnicos eou auxiliares de enfermagem Durante a anaacuteli-se de campo enfrentamos dificuldades em identificar a enfer-meira de plantatildeo

CONCLUSOtildeES

De acordo com os objetivos propostos para este estudo os resultados encontrados permitiram as conclusotildees delineadas sequentemente

336

Todas as crianccedilas internadas possuiacuteam algum tipo de car-diopatia congecircnita e estavam nas unidades em meacutedia haacute dois meses As matildees representaram a totalidade da amostra entre-vistada tendo em vista sua maioria residir fora da cidade do hospital em estudo Em observaccedilatildeo notamos a ausecircncia de al-guns familiares das crianccedilas internadas haja vista a sua maio-ria ser procedente de outras localidades distantes de Fortaleza onde o hospital eacute situado

De forma geral as necessidades foram consideradas igual-mente importantes pelos familiares entrevistados Cerca de 90 das necessidades foram avaliadas como importantes ou muito importantes pelos familiares

As necessidades de maior pontuaccedilatildeo estavam relaciona-das agraves necessidades de conhecimentoinformaccedilatildeo e acesso ao paciente De acordo com o niacutevel de satisfaccedilatildeo 762 das ne-cessidades foram consideradas satisfeitas

A hospitalizaccedilatildeo da crianccedila na unidade de cuidados in-tensivos pode acarretar desequiliacutebrio na estrutura familiar A famiacutelia ocupa um papel importante no cuidado da crianccedila principalmente a matildee que permanece o maior tempo na uni-dade e muitas vezes suas necessidades satildeo desconhecidas pelo enfermeiro

Em geral os familiares chegam agrave UTI com medo do que iratildeo ver e do estado em que se encontraraacute o seu ente querido Desconhecem as caracteriacutesticas fiacutesicas e as rotinas da unidade jaacute que na maioria dos casos os familiares estatildeo vivenciando a internaccedilatildeo ou estatildeo entrando nesse ambiente pela primeira vez sendo tudo uma novidade

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REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 16

FAMILIARES QUE ACOMPANHAM USUAacute-RIOS DE crack PARA O CUIDADO EM CEN-TRO DE ATENccedilAtildeO PSICOSSOCIAL DE AacuteL-COOL E DROGAS (CAPS AD)

Milena Lima de PaulaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

As transformaccedilotildees cientiacuteficas e tecnoloacutegicas juntamente com o modelo capitalista vigente na nossa sociedade contri-buem para a ascensatildeo de valores voltados para a competiti-vidade individualismo esteacutetica e consumo Dessa forma em uma sociedade na qual o consumo eacute bastante incentivado o uso da droga pode ser considerado alternativa raacutepida de ob-tenccedilatildeo de prazer bem como estrateacutegia de esquiva de sofrimen-tos tambeacutem comuns em um mundo marcado por desigualda-des sociais (SOUSA KANTORSKI MIELKE 2006)

Esse uso de drogas no entanto traz tambeacutem prejuiacutezos no caso do crack a droga ocasiona agravos orgacircnicos e psiacutequicos como sentimento de perseguiccedilatildeo agitaccedilatildeo motora problemas respiratoacuterios perda de apetite falta de sono e outros Haacute tam-beacutem muitos conflitos nos relacionamentos interpessoais dos usuaacuterios principalmente com as suas famiacutelias (BRASIL 2009)

Desse modo muitas vezes a convivecircncia familiar de usuaacute-rios de crack eacute marcada por sofrimento pois eacute comum que os usuaacuterios realizem pequenos furtos em casa e apresentem com-portamentos violentos quando contrariados fato que enseja

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uma impotecircncia familiar diante da situaccedilatildeo (NONTICURI 2010)

Aleacutem de a famiacutelia ser afetada com as consequecircncias do uso do crack acredita-se que esta possui tambeacutem um papel importante na formaccedilatildeo dos filhos podendo funcionar tanto como um fator de proteccedilatildeo como de risco para o comporta-mento de consumir drogas A famiacutelia protege quando oferece um ambiente de suporte harmocircnico estaacutevel e seguro no en-tanto pode funcionar como fator de risco quando o ambiente familiar tem pouco suporte haacute uso de drogas e tambeacutem falta de monitoramento em relaccedilatildeo aos filhos (SCHENKER MI-NAYO 2004)

O fato de a famiacutelia ser considerada como um fator de ris-co mas tambeacutem de proteccedilatildeo para o uso da droga justifica-se segundo Seleghim et al (2011) pelo fato de o uso ser aprendi-do a partir do relacionamento entre a pessoa e suas fontes pri-maacuterias de socializaccedilatildeo que correspondem agrave famiacutelia agrave escola e ao grupo de amigos

Sobre o conceito de famiacutelia Santos (2006) o considera muito impreciso pois para o autor as relaccedilotildees de parentesco modificaram-se no decorrer da histoacuteria Geralmente no entan-to a famiacutelia estaacute relacionada a pessoas ligado pelo sangue pelo casamento pela adoccedilatildeo podendo tambeacutem referir-se a pessoas pertencentes a uma determinada linhada importante O termo presume tambeacutem a coabitaccedilatildeo de seus membros poreacutem mui-tas vezes os componentes de uma famiacutelia natildeo vivem sob um mesmo teto Portanto a famiacutelia compreende diversos tipos de agrupamento familiar que podem ou natildeo viver juntos

Na contemporaneidade a coexistecircncia dos diversos tipos de configuraccedilotildees e estruturas familiares amplia esse conceito de famiacutelia Dessa forma nas duas uacuteltimas deacutecadas eacute impossiacute-

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vel observar tendecircncia em relaccedilatildeo ao nuacutemero de pessoas que compotildeem a famiacutelia aumento do nuacutemero de divoacutercios e reca-samentos maior participaccedilatildeo da mulher na vida econocircmica bem como no sustento do lar e aparecimento dos casais de dupla carreira Tambeacutem satildeo comuns modelos familiares di-ferentes dos nucleares como os constituiacutedos por duplas ho-mossexuais monoparentais recasados e outros (WAGNER TRONCO ARMANI 2011) (BROEKER JOU 2007) (RIOS GOMES 2009) (GABARDO JUNGES SELLI 2009)

Mesmo ante as modificaccedilotildees ocorridas nos uacuteltimos anos segundo Pratta e Santos (2007) a famiacutelia ainda eacute reconhecida e valorizada tendo papel importante na sociedade Em rela-ccedilatildeo ao contexto de uso de drogas a famiacutelia tem a relevante funccedilatildeo de motivar o usuaacuterio a procurar ajuda Almeida (2010) e Pulcherio (2010) destacam a famiacutelia como principal impul-sionadora para a busca de tratamento pois eacute o principal su-porte para enfrentar os desafios desse processo Dessa forma os usuaacuterios ao perceberem que ao iniciarem um tratamento podem ter seus viacutenculos familiares recuperados jaacute que eacute co-mum que os laccedilos de famiacutelia sejam rompidos em decorrecircncia de relacionamentos difiacuteceis sentem-se motivados a inserirem-se em terapecircuticas

Percebe-se entatildeo que a famiacutelia assume papel importante em relaccedilatildeo ao cuidado e ressocializaccedilatildeo dos usuaacuterios de ser-viccedilo de sauacutede mental o que acarreta sobrecarga de cunho fi-nanceiro relacionada a gastos com consultas e medicamentos sobrecarga do cuidado pois geralmente o usuaacuterio fica na res-ponsabilidade de uma soacute pessoa sobrecarga fiacutesica e emocio-nal ocasionada pela tensatildeo e nervosismo em decorrecircncia do relacionamento familiar conflituoso Tal fato tambeacutem justifica a necessidade de atenccedilatildeo agraves famiacutelias dos usuaacuterios do serviccedilo (BORBA SCHWARTZ KANTORSKI 2008)

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Aleacutem disso se a famiacutelia for devidamente estimulada e acompanhada teraacute mais recursos para lidar com o membro usuaacuterio de crack e demonstraraacute maior comprometimento na tentativa de contribuir para a manutenccedilatildeo do usuaacuterio em tratamento haja vista que os familiares possuem responsabi-lidade pelo problema do uso da droga Portanto os centros de atenccedilatildeo psicossocial aacutelcool e outras drogas (CAPS AD) confi-guram-se como serviccedilos de sauacutede relacionados ao tratamento de drogas centrados na reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio e de sua famiacutelia incluindo em suas atividades o trabalho com familiares usuaacuterios oferecendo suporte e apoio a eles (AZE-VEDO MIRANDA 2010)

O CAPS AD exprime a principal estrateacutegia de atenccedilatildeo agrave sauacutede relacionada ao consumo de substacircncias e utiliza es-trateacutegias de reduccedilatildeo de danos como ferramentas nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Assim O CAPS AD eacute um serviccedilo substitutivo de acordo com os princiacutepios da Refor-ma Psiquiaacutetrica os quais preconizam que o tratamento para dependecircncia quiacutemica seja feito preferencialmente em meio aberto e seja articulado agrave rede de sauacutede mental enfatizando a reabilitaccedilatildeo e reinserccedilatildeo social dos usuaacuterios (AZEVEDO MI-RANDA 2010)

Destarte na presenccedila dos vaacuterios tratamentos oferecidos na rede de serviccedilos substitutivos desde a reforma psiquiaacutetri-ca haacute que se considerar a importacircncia da famiacutelia pois esta eacute percebida pelos proacuteprios familiares e pelos usuaacuterios de drogas como um recurso fundamental na reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio pois ao compreender a terapecircutica a famiacutelia consen-te em colaborar com ela e a lidar melhor com o problema do uso do crack Sobe esse prisma a famiacutelia representa predomi-nantemente afeto e apoio que iratildeo contribuir para que o usuaacute-rio se mantenha em tratamento (JORGE et al 2008)

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Em razatildeo da importacircncia da famiacutelia para o ecircxito dos tra-tamentos relacionados ao sofrimento psiacutequico os CAPS con-sideram a atenccedilatildeo agrave famiacutelia como fundamento na orientaccedilatildeo de suas praacuteticas de acordo com o modelo psicossocial de re-inserccedilatildeo da pessoa com sofrimento psiacutequico na sociedade e no proacuteprio meio familiar Algumas atividades voltadas a esse puacuteblico no serviccedilo CAPS geral podem ser destacadas como acolhimento visita domiciliar atendimento individual e em grupo (SCHRANK OLSCHOWSKY 2007)

Em razatildeo da importacircncia do restabelecimento de viacutencu-los sociais e familiares para a motivaccedilatildeo do usuaacuterio a iniciar e manter um tratamento e da escassa literatura sobre atenccedilatildeo aos familiares de usuaacuterios de drogas pois os estudos existentes se restringem ao CAPS geral elaborou-se o objetivo principal da pesquisa analisar o modo como a famiacutelia eacute incluiacuteda nas accedilotildeesintervenccedilotildees desenvolvidas pelo CAPS AD relacionadas ao cuidado integral aos usuaacuterios de crack

MeacuteTODO

O estudo foi de natureza qualitativa com vista a buscar significados opiniotildees sentimentos como possibilidade de en-tender (analisar) o fenocircmeno social e suas relaccedilotildees no campo da sauacutede mental coletiva tendo como finalidade a compreen-satildeo do conhecimento buscando o sentido e o significado do fenocircmeno estudado (MINAYO 2010)

A pesquisa qualitativa reconhece a existecircncia de uma re-laccedilatildeo entre o pesquisador e o objeto de estudo ou seja uma interdependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao objeto estabelecida de maneira interpretativa sem neutralidade O sujeito eacute par-te do processo sujeito-observador que atribui significado aos

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fenocircmenos que interpreta O objeto eacute constituiacutedo ou seja eacute significado na relaccedilatildeo direta entre ele e o sujeito com suporte numa problematizaccedilatildeo (DEMO 1989)

A pesquisa foi realizada no CAPS AD das Secretarias Exe-cutivas Regionais IV e V do Municiacutepio de Fortaleza ndash Cearaacute A SER IV possui 280 mil habitantes e eacute composta por 19 bairros e a SER V possui 570 mil habitantes e 76 bairros (FORTALE-ZA 2008) A escolha do territoacuterio poliacutetico-administrativo das SERs IV e V decorre do fato de estas estarem pactuadas no Sis-tema Municipal Sauacutede-Escola no qual a UECE e a Prefeitura de Fortaleza desenvolvem parcerias no acircmbito da formaccedilatildeo e atividades soacutecio comunitaacuterias

Delimita-se como participantes do estudo 14 trabalha-dores de sauacutede que atuam no CAPS AD SER IV e V 21 usuaacute-rios em tratamento no CAPS AD em razatildeo do uso de crack e nove familiares Como criteacuterios de inclusatildeo dos participantes na pesquisa estabelece-se para os trabalhadores aqueles que estivessem acompanhando usuaacuterios de crack em tratamento e que atuassem no CAPS AD haacute no miacutenimo seis meses para os usuaacuterios escolhe-se aqueles que fizessem tratamento no CAPS AD haacute no miacutenimo seis meses que tenham buscado tratamen-to em consequecircncia do uso problemaacutetico do crack e que fos-sem maiores de 18 anos

Para os familiares foram selecionados aqueles que esti-verem acompanhando um membro de sua famiacutelia em trata-mento no CAPS AD relacionado ao uso de crack natildeo neces-sitando de laccedilos consanguiacuteneos Dessa forma participaram do estudo 44 pessoas Esse quantitativo se deu agrave medida que se coletava e analisava-se o fenocircmeno pois havia a compreensatildeo e o aprofundamento das questotildees levantadas denominados de saturaccedilatildeo teoacuterica

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Portanto os participantes do estudo foram constituiacutedos por trecircs grupos de informantes Grupo 1 - Usuaacuterios de crack em tratamento nos CAPS AD Grupo 2 ndash Familiares de usuaacute-rios de crack Grupo 3 ndash Trabalhadores dos CAPS AD

Realizou-se entrevistas em profundidade com os partici-pantes que abordavam temaacuteticas relacionadas a intervenccedilotildees de familiares em tratamento para usuaacuterios de crack em CAPS AD As entrevistas aconteceram no proacuteprio serviccedilo e foram gravadas com a concordacircncia preacutevia do entrevistado apoacutes a leitura e compreensatildeo do Termo de Consentimento Livre e Es-clarecido formulado conforme os padrotildees do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute tendo como nuacutemero do Parecer 10724251-6 Destarte as entrevistas foram transcritas e submetidas a todas as fases de anaacutelise de dados

Apoacutes a transcriccedilatildeo das entrevistas realizaram-se leituras flutuantes e exaustivas para conhecer o material de forma aprofundada

Para anaacutelise das informaccedilotildees utilizou-se a teacutecnica de Anaacute-lise Hermenecircutica Criacutetica que possibilitou estabelecer conver-gecircncias divergecircncias e complementaridades bem como con-frontos referentes ao tema estudado

Minayo (2010) citando Gadamer (1999) exprime que a Hermenecircutica se caracteriza como movimento abrangente e universal do humano fundado na compreensatildeo A Herme-necircutica tem origem na intersubjetividade e objetivaccedilatildeo huma-nas e significa a capacidade do pesquisador de se colocar no lugar do outro podendo-se dizer entatildeo que tal compreensatildeo conteacutem a gecircnese da consciecircncia histoacuterica

A Hermenecircutica eacute a arte de compreender textos que con-siderou-se presente como unidade temporal em que se marca o encontro entre o passado e o futuro Essa compreensatildeo eacute me-

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diada pela linguagem que pode ser transparente ou intranspa-rente e pode levar a um entendimento (que nunca eacute completo ou total) ou a um impasse na comunicaccedilatildeo (MINAYO 2010)

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Expectativas e reflexotildees ante intervenccedilotildees com famiacutelias de usuaacuterios de drogas

De acordo com relato dos entrevistados os profissionais acreditam que a famiacutelia tem um papel importante no compor-tamento de usar drogas bem como na eficaacutecia em tratamentos relacionados a drogas

[] atribuo sim a essa questatildeo (uso de crack) da famiacutelia desestruturada e tal pai que bebe eacute o tio que usa e jaacute oferece ao sobrinho [] (Grupo 3)

[] entatildeo mexe muito com o psicoloacutegico da famiacutelia toda entatildeo acho que tem que ter um acompanhamento NE principalmente a matildee ou um irmatildeo a mulher ou uma filha [] (Grupo 4)

Tais reflexotildees estatildeo de acordo com o modelo atual de Sauacute-de Mental que enfatiza a importacircncia da famiacutelia e recomenda o tratamento do usuaacuterio desses serviccedilos no seio familiar As-sim a famiacutelia passa a ser inserida no acircmbito terapecircutico con-tribuindo para a reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio Antes os familiares se mantinham afastados do tratamento hoje o serviccedilo necessita buscar a inserccedilatildeo da famiacutelia incentivando a sua participaccedilatildeo nas atividades propostas pelo serviccedilo Tal rea-lidade estaacute de acordo com a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 336 de 19 de fevereiro de 2002 que caracteriza os serviccedilos de Sauacutede Mental os CAPS como de atendimento comunitaacuterio e

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ambulatorial (BIELEMANN et al 2009)Os profissionais tambeacutem acreditam que a famiacutelia quando

natildeo sabe lidar com o problema do abuso de drogas contribui para as recaiacutedas dos usuaacuterios

[] mas a famiacutelia natildeo aceita qualquer recaiacute-da acha que estaacute perdido aiacute dificulta muito porque a famiacutelia bota para fora de casa Um dos maiores motivadores de recaiacuteda eacute a famiacute-lia Eacute a famiacutelia sabe os ressentimentos [] (grupo 3)

Assim nota-se que os profissionais acreditam que a fa-miacutelia dos usuaacuterios tambeacutem necessita de atenccedilatildeo pois quando devidamente orientados os familiares contribuem para a efi-caacutecia do tratamento jaacute a famiacutelia que natildeo possui nenhum tipo de suporte piora a situaccedilatildeo dos usuaacuterios

Desse modo a ideia dos profissionais sobre a importacircncia da famiacutelia corrobora a discussatildeo de Azevedo e Miranda (2010) ao acreditarem que a necessidade de a famiacutelia ser inserida em terapecircuticas voltadas para o abuso de drogas pode ser expli-cada em parte pelo fato de os familiares serem geralmente os mais comprometidos com os problemas apresentados pelo usuaacuterio e por isso quando devidamente estimulados por exemplo mediante intervenccedilotildees nos serviccedilos de sauacutede satildeo os sujeitos que mais tecircm recursos para auxiliar o usuaacuterio de dro-gas

Ante a importacircncia que os profissionais atribuem agrave famiacute-lia alguns consideram que uma parceria entre familiares e as equipes do serviccedilo eacute fundamental para eficaacutecia do tratamento

Apenas com o usuaacuterio o caminho eacute bem mais longo jaacute com a ajuda da famiacutelia o cami-nho eacute bem mais curto [] A famiacutelia tem que

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estar junto [] eacute difiacutecil sem a famiacutelia com-preender como eacute esse processo de tratamen-to e a pessoa acaba sem nenhum apoio Por isso que eacute importante a presenccedila do familiar (Grupo 3)

Essa visatildeo da famiacutelia como parceira foi constituiacuteda com base em processos de desinstitucionalizaccedilatildeo que mostraram a falecircncia de instituiccedilotildees totais como os hospitais psiquiaacutetricos (ROSA 2005)

Ante a crenccedila na importacircncia da famiacutelia para um trata-mento eficaz os profissionais do serviccedilo de sauacutede CAPS AD buscam restabelecer viacutenculos com as famiacutelias daqueles usuaacute-rios que jaacute romperam com seguinte famiacutelia fato descrito pelos usuaacuterios

[] os profissionais daqui jaacute convidaram mi-nha esposa minha matildee para vir participar [] Aiacute tentaram entrar em contato com meu filho pra ver o que ele podia fazer porque nessas condiccedilotildees natildeo podia ficar mas eu pedindo a Deus ateacute que ele nem atendesse (Grupo 3)

Assim a maioria dos usuaacuterios de crack que foram entre-vistados possui uma relaccedilatildeo bastante difiacutecil com a famiacutelia ca-racterizada por vaacuterios conflitos ocasionados ou agravados pelo uso de crack o que culminou na perda de contato com seus parentes

Tal situaccedilatildeo estaacute de acordo com a literatura estudada pois a pesquisa de Seleghim et al (2011) sobre viacutenculos familiares de usuaacuterios de crack em uma unidade de internaccedilatildeo apontou que a maioria dos entrevistados natildeo possuiacutea relaccedilatildeo estaacutevel com o parceiro e boa parte era separada e tambeacutem natildeo man-

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tinha boa relaccedilatildeo com os pais havendo histoacuterico de agressatildeo contra os familiares

Nesse contexto de perdas eacute importante que o usuaacuterio procure restabelecer viacutenculos principalmente com a famiacutelia jaacute que esta representa um suporte muito importante deven-do os serviccedilos relacionados a tratamentos de aacutelcool e drogas facilitar esse processo buscando sempre a aproximaccedilatildeo das fa-miacutelias ao serviccedilo contribuindo para o fortalecimento da rede de suporte

Portanto eacute fundamental que a equipe se empenhe em convocar a famiacutelia ao serviccedilo bem como no suporte a todo o sistema familiar visto que o tratamento tenderaacute a ser mais eficaz se houver a participaccedilatildeo dos familiares (GUIMARAtildeES ALELUIA 2012)

Outro fato que justifica a necessidade de atenccedilatildeo aos fa-miliares eacute a sobrecarga que a famiacutelia enfrenta com o proble-ma de uso de droga pois a famiacutelia eacute considerada a principal cuidadora dos sujeitos com problemas relacionados ao abuso de drogas e por isso frequentemente se acha sobrecarregada ante a situaccedilatildeo em que vive o que ocasiona a necessidade de cuidados a esse puacuteblico tambeacutem

[] agora eu tocirc cansada de todo dia vocecirc che-gar e ver aquela mesma situaccedilatildeo [] tenho que buscar ajuda Jaacute tive ateacute depressatildeo por es-sas coisas [] aiacute eu liguei pra clinica aiacute olha eacute 1200 reais aiacute eu conversei aiacute consegui pela metade neacute aiacute tudo bem Laacute vai eu aiacute organi-zei tudo para levar neacute No dia de levar aiacute ele resolveu que natildeo ia porque era uma covardia que estavam fazendo comigo que eu natildeo po-deria pagar uma cliacutenica para ele e que ele ia largar sozinho [] (Grupo 2)

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Outro componente importante da famiacutelia eacute servir de pon-te entre os familiares e os serviccedilos de sauacutede pois muitos profis-sionais relataram que os familiares costumam acompanhar os usuaacuterios durante os atendimentos Os trabalhadores tambeacutem acreditam que o usuaacuterio muitas vezes continua participando do tratamento em razatildeo do acompanhamento de seus fami-liares

[] Eu o acompanho aqui a gente eacute bem atendido (Grupo 2)

[] alguns vecircm porque os familiares trazem (Grupo 3)

Tal fato estaacute de acordo com literatura estudada pois Biele-mann et al (2009) destacam que muitas vezes a famiacutelia eacute res-ponsaacutevel por promover o contato entre o usuaacuterio e os serviccedilos de sauacutede Assim os familiares estimulam o usuaacuterio a procurar um tratamento e a manter-se por meio do acompanhamento do usuaacuterio ao serviccedilo

Quanto agraves expectativas dos familiares ao procurarem por intervenccedilotildees voltadas para eles nota-se que eles esperam um suporte para o enfrentamento do problema buscando apren-der melhores estrateacutegias de lidar com o usuaacuterio

Aqui eu tenho vontade assim de me fortale-cer para lidar com a situaccedilatildeo porque quando ele comeccedilou neacute eu tava forte [] agora eu to cansada [] eu tenho que buscar ajuda e al-gum lugar que encontre apoio neacute uma ajuda de alguma forma (Grupo 2)

Tais achados convergem com os estudos de Seadi e Oli-veira (2009) ao ressaltarem que a maioria das famiacutelias vai em busca de terapecircuticas direcionadas agraves famiacutelias de usuaacuterios de

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drogas para aprender a lidar melhor com o ente que usa drogas e receber orientaccedilatildeo profissional

Logo apreende-se que os familiares ao iniciarem uma te-rapecircutica direcionada ao problema de uso de drogas passam a nutrir melhores expectativas e prognoacutesticos em relaccedilatildeo ao tratamento do usuaacuterio fato que melhora a relaccedilatildeo familiar

Os usuaacuterios de crack no entanto que estavam em trata-mento no CAPS AD natildeo reconhecem a importacircncia da famiacutelia em tratamentos relacionados ao abuso de crack considerando que preferem uma terapecircutica voltada apenas para eles pois muitas vezes natildeo querem que a famiacutelia tome conhecimento do uso de drogas

Assim por mim eu natildeo queria que eles sou-bessem disso natildeo Para mim eu natildeo achava interessante eles precisarem de tratamento natildeo Da outra vez que eu passei aqui natildeo en-volveram a minha famiacutelia natildeo foi soacute comigo mesmo soacute comigo mesmo e eu ateacute acho me-lhor (Grupo 1)

Tal situaccedilatildeo foi encontrada na literatura pois de acordo com Nonticuri (2010) em muitos casos o usuaacuterio esconde da famiacutelia o uso e tenta se afastar para impedir que ela saiba

Jaacute os familiares que demonstram assiduidade diante dos processos terapecircuticos relacionados ao uso de droga do seu parente relatam melhoras decorrentes do engajamento em in-tervenccedilotildees voltadas para famiacutelias

[] porque tem me dado muito respaldo as-sim muito apoio Eu me sinto mais fortaleci-da [] Estaacute dando resultado para mim para mim estaacute neacute (Grupo 2)

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Intervenccedilotildees direcionadas a famiacutelias Nos CAPS estudados as accedilotildees voltadas para os familia-

res mais citadas por profissionais usuaacuterios e familiares foram acolhimento visita domiciliar atendimento individual e em grupo

O grupo de famiacutelia parece ser a principal estrateacutegia di-recionada a esse puacuteblico e caracteriza-se como um espaccedilo no qual os familiares satildeo acolhidos pela equipe do CAPSAD di-videm suas anguacutestias compartilham suas histoacuterias e identifi-cam-se uns com os outros

Tecircm os grupos de famiacutelia que satildeo coordena-dos pela terapeuta X e pela y que eacute assistente social [] e nesse grupo elas vatildeo compartilhar anguacutestias porque aquela famiacutelia pensa que soacute ela que estaacute com aquele problema e toda fa-miacutelia que tem usuaacuterio tem sempre sofrimen-to neacute aquela anguacutestia entatildeo esses grupos de famiacutelia satildeo feitos para isso Entatildeo nesse gru-po eles dividem as anguacutestias satildeo acolhidos na ausecircncia neacute na ausecircncia tanto do usuaacuterio quanto do familiar [ ] (Grupo 3)

Assim o grupo composto por familiares surge como for-ma de inserir a famiacutelia e tambeacutem como maneira utilizada pelo serviccedilo para contribuir no processo terapecircutico do usuaacuterio restabelecendo o viacutenculo familiar e instrumentalizando a fa-miacutelia para o cuidado no entanto essa intervenccedilatildeo possui li-mites por natildeo abranger a totalidade das necessidades sentidas pelos familiares (PONCIANO CAVALCANTI FEacuteREZ-CA-RENIRO 2010)

Quanto agrave composiccedilatildeo desses grupos observa-se que natildeo existe um grupo exclusivo para familiares de usuaacuterios de crack Desse modo podem participar familiares de usuaacuterios de vaacuterias drogas

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Assim o grupo cumpre papel importante em relaccedilatildeo ao acolhimento das famiacutelias jaacute que os familiares se acham aco-lhidos em um grupo em que os outros componentes passam pelo mesmo problema e aprendem muito com as histoacuterias de seus colegas poreacutem tal accedilatildeo natildeo deve se limitar ao comparti-lhamento de histoacuterias pois existem outras necessidades que devem ser privilegiadas que variam de famiacutelia para famiacutelia e que soacute seratildeo conhecidas com a compreensatildeo da dinacircmica fa-miliar de cada usuaacuterio

Um fato a ilustrar que a dinacircmica de cada famiacutelia natildeo eacute levada em conta nesse tipo de accedilatildeo voltada agrave famiacutelia nos CAPS pesquisados eacute que a metodologia utilizada possui formato de palestras nas quais os profissionais passam informaccedilotildees agraves fa-miacutelias sobre as drogas bem como acerca das consequecircncias do uso e ensinam agrave famiacutelia melhores formas de lidar com o problema

Eu estou aprendendo aqui no CAPS a como conviver com ele agora eu estou tendo uma relaccedilatildeo boa com ele eu converso com ele eu chamo ele vou deixar na rede o de comer dele Tambeacutem tem umas palestras que eu assisto nas terccedilas muito boa elas ensinam como a gente convive com ele em casa (Gru-po 2)

Destarte pode-se observar que a intervenccedilatildeo realizada neste estudo natildeo leva em conta a influecircncia da famiacutelia na ma-nifestaccedilatildeo do uso abusivo de drogas Sobre esse tipo de inter-venccedilatildeo Schenker e Minayo (2004) discutem que se caracte-rizam por pretender trabalhar habilidades e operacionalizar condutas da famiacutelia sem considerar a formaccedilatildeo dos viacutenculos familiares produzindo mudanccedilas limitadas no usuaacuterio e no familiar

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Nesse contexto as accedilotildees desenvolvidas nos serviccedilos da atenccedilatildeo psicossocial tecircm relevacircncia pois possibilitam espaccedilos para tirar duacutevidas sobre o tratamento e o manejo com o usuaacute-rio falar das anguacutestias e dos cansaccedilos desabafar no entanto a utilizaccedilatildeo de palestras natildeo possibilita reflexotildees e mudanccedilas internas no modo de pensar a sauacutede das famiacutelias e das pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento Portanto esse processo de trabalho com as famiacutelias poderia levar em consideraccedilatildeo as metodolo-gias ativas (rodas de conversa oficinas) em que haja interlocu-ccedilatildeo com familiares e usuaacuterios no processo de cuidado

Nesses grupos com familiares os entrevistados tambeacutem destacaram o grupo de fuxico os quais satildeo importantes se-gundo os trabalhadores do serviccedilo pois tambeacutem funcionam como um acolhimento para aqueles familiares que estatildeo no serviccedilo acompanhando o usuaacuterio pois em vez de ficaram pa-rados podem participar de uma atividade prazerosa

[] tem o grupo do fuxico alguns falam neacute que fazem o trabalho de arte enquanto seus companheiros e maridos estatildeo sendo traba-lhados aqui esse tambeacutem eacute uma forma de acompanhamento familiar porque eacute uma forma de acolher essas pessoas que ficariam paradas em peacute [] (Grupo 3)

Eacute o grupo de famiacutelia a gente faz trabalho de reciclagem a gente faz fuxico a gente faz muitas coisas de artesanato que as meninas ensinam [] pra levar tempo neacute o tempo da pessoa para natildeo estaacute pensado besteiras [] (Grupo 2)

As oficinas tambeacutem podem ser vistas como estrateacutegia de grupo de integraccedilatildeo entre famiacutelia equipe e usuaacuterio contri-buindo ainda mais para a motivaccedilatildeo da famiacutelia para participa-ccedilatildeo nos serviccedilos do CAPS

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Nesse sentido as oficinas no CAPS caracterizam-se por ser em um espaccedilo que possibilita o contato dos usuaacuterios e fa-miacutelias com atividades manuais o que ajuda a explorar a criati-vidade e a inventividade sendo coordenada por profissionais habilitados (SCHRANK OLSCHWSKY 2008)

Os trabalhadores do CAPS AD tambeacutem acreditam que a visita domiciliar que realizam eacute outra forma de intervenccedilatildeo direcionada agrave famiacutelia pois entendem que tal atividade eacute uma forma de acompanhar o familiar A visita domiciliar normal-mente eacute realizada quando o usuaacuterio estaacute ausente do serviccedilo Assim eacute realizada a chamada ldquobusca ativardquo na qual os profis-sionais se deslocam ateacute a residecircncia do usuaacuterio e conversam com a famiacutelia sobre as causas das possiacuteveis faltas com o objeti-vo de fazer com que o usuaacuterio retorne ao tratamento

Tem as visitas eles vatildeo ateacute as casas dos usuaacute-rios chama-se de busca ativaQuando o pa-ciente taacute ausente vai buscar o que foi que houve porque essa pessoa natildeo estaacute vindo [] O acompanhamento da famiacutelia ocorre atraveacutes de visitas domiciliares quando elas satildeo pertinentes neacute no caso por faltas contiacute-nuas do paciente [] (Grupo 3)

Nessa perspectiva eacute relevante que os trabalhadores que lidam com as familiares e usuaacuterios de crack procurem se apro-ximar das famiacutelias para mobilizar discursos ideias e novas possibilidades de conhecimento Assim a visita domiciliar eacute uma praacutetica que contribui exatamente para a aproximaccedilatildeo en-tre trabalhadores da sauacutede e famiacutelias

Corroborando a ideia Schrank e Olschwsky (2008) con-sideram que a visita domiciliar se caracteriza como praacutetica assistencial essencial para o cuidado do usuaacuterio e da famiacutelia pois pode ser entendida como um acolhimento desses sujei-

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tos no meio em que vivem oferecendo cuidados alternativos agravequeles centrados na instituiccedilatildeo o que possibilita uma noccedilatildeo mais realista das reais necessidades do usuaacuterio e familiares bem como a compreensatildeo da dinacircmica da famiacutelia Viabiliza tambeacutem uma parceria entre profissionais e familiares para juntos atuarem na manutenccedilatildeo do usuaacuterio no tratamento

Desse modo a visita familiar quando realizada natildeo ape-nas com o objetivo de conhecer os motivos da falta do pacien-te pode ser bem mais eficaz Logo a visita deve cobrir outros objetivos como acolhimento dos familiares conhecimento da dinacircmica familiar e aproximaccedilatildeo das famiacutelias Caso contraacuterio as visitas natildeo seratildeo muito eficazes nem mesmo para o objetivo de fazer com que o usuaacuterio seja mais assiacuteduo ao tratamento

Outro problema de realizar a visita apenas para realizar o que os profissionais chamam de ldquobusca ativardquo eacute que des-sa forma nem todos os familiares satildeo contemplados com tal acompanhamento fato que pode ser percebido de acordo com o relato dos usuaacuterios

No momento minha famiacutelia natildeo recebe acompanhamento do caps [] o pessoal (equipe) natildeo foi a minha residecircncia ainda fa-lar com minha famiacutelia (Grupo 2)

Natildeo recebi nenhuma visita ainda do pessoal do CAPS natildeo soacute eu sou acompanhado aqui (Grupo 3)

Outro tipo de intervenccedilatildeo voltada agrave famiacutelia relatado pe-los trabalhadores foi o atendimento individual o qual ocorre quando haacute necessidade no entanto mesmo esse tipo de aten-dimento natildeo acontecendo com muita frequecircncia os profissio-nais ressaltam que geralmente tentam aproveitar a presenccedila daquele familiar no serviccedilo procurando escutaacute-lo e engajaacute-lo

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Tem acompanhamento com a famiacutelia a atuaccedilatildeo entre a famiacutelia e tambeacutem a escuta com familiares quando achamos necessaacuterio [] haacute o acompanhamento individual nor-malmente quase todos os atendimentos eu converso com o paciente e converso com a famiacutelia ou separado ou junto (Grupo 3)

Tal estrateacutegia eacute deveras interessante para compreender melhor a dinacircmica familiar de cada usuaacuterio e tambeacutem contri-bui para um melhor acolhimento no entanto notamos que tal praacutetica ocorre com uma frequecircncia bem menor em relaccedilatildeo agrave do grupo Aleacutem disso a necessidade do atendimento eacute analisa-da pelos profissionais e natildeo pelos usuaacuterios e famiacutelias

Partilhando da ideia Schrank e Olschwsky (2008) acre-ditam que haacute de existir tantos recursos grupais como indi-viduais para usuaacuterios e tambeacutem para os familiares Afinal o atendimento individual tambeacutem eacute importante pois permite uma maneira mais direta de acolher o familiar e escutar o seu sofrimento possibilitando tambeacutem uma conversa mais reso-lutiva das dificuldades encontradas por profissionais usuaacuterios e familiares

Outras atividades como festas para que haja maior apro-ximaccedilatildeo entre usuaacuterios e suas famiacutelias e tambeacutem para apro-ximar esses familiares do serviccedilo foram relatadas Ademais esses eventos proporcionam momentos de lazer

Esse mecircs agora mecircs de novembro foi uma turma danada levamos os pacientes para praia Passaram a manhatilde todinha na praia de Sabiaguaba Dia 19 agora vai ter o Natal da gente [] a gente sempre taacute fazendo coisa para eles se sentirem melhor (Grupo 3)

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Sobre esses momentos de lazer Azevedo e Miranda (2010) expressou que os passeios festas e comemoraccedilotildees que costu-mam acontecer regularmente nos CAPS congregam usuaacuterios familiares e teacutecnicos sendo considerados formas de participa-ccedilatildeo informais porque natildeo fazem parte das atividades regulares realizadas semanal ou mensalmente

As intervenccedilotildees citadas acima estatildeo de acordo com o re-lato dos trabalhadores dos familiares e de alguns usuaacuterios do CAPS AD no entanto percebe-se uma contradiccedilatildeo com a fala de alguns usuaacuterios que verbalizaram que suas famiacutelias natildeo estavam sendo acompanhadas pelos trabalhadores atraveacutes de grupos

Minha famiacutelia natildeo passa por nenhum acom-panhamento aqui soacute eu (Grupo 2)

No momento minha famiacutelia natildeo recebe acompanhamento do caps [] o pessoal (equipe) natildeo foi a minha residecircncia ainda fa-lar com minha famiacutelia (Grupo 2)

Tal fato pode estar relacionado agrave proacutepria ausecircncia dos fa-miliares do serviccedilo que segundo os profissionais do CAPS eacute frequente

A famiacutelia muitas vezes natildeo ajuda [] agraves vezes quando o cara comeccedila a fazer o atendimen-to a famiacutelia natildeo vem pros grupos de famiacutelia []Existe uma resistecircncia dessas famiacutelias de estarem vindo ao serviccedilo lsquoah mas eu natildeo tenho tempo ah mas eu trabalho eu tenho uma vida muito ocupadarsquo e acabam que de-positam os pacientes aqui [ ] (Grupo 3)

Assim foi percebido que o proacuteprio CAPS possui mui-tas dificuldades para manter a famiacutelia no tratamento como questotildees econocircmicas (muitos familiares natildeo tecircm como pagar

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transporte e muitas vezes o serviccedilo natildeo fornece o vale-trans-porte) e problemas de horaacuterios (muitos familiares trabalham o dia inteiro e os serviccedilos CAPS pesquisados funcionam em horaacuterio comercial)

Portanto um dos principais problemas nos serviccedilos de sauacutede mental eacute assegurar a presenccedila de familiares porque tal puacuteblico possui sobrecarga de tarefas domeacutesticas principal-mente aquele familiar responsaacutevel pelo cuidado com usuaacuterio Aleacutem disso haacute as dificuldades econocircmicas pois se deslocar com certa frequecircncia a um serviccedilo de sauacutede torna-se oneroso para a famiacutelia Rosa (2005) ressalta que alguns serviccedilos ofere-cem o vale-transporte para o familiar mas mesmo assim eacute rara a manutenccedilatildeo de frequecircncia semanal apesar de a famiacutelia reconhecer a importacircncia dessas intervenccedilotildees

Aspecto importante percebido em todas as intervenccedilotildees foi o seguimento de um modelo que considera problemas refe-rentes ao uso de drogas como doenccedila pois profissionais fami-liares e usuaacuterios entrevistados relataram que recebem muitas informaccedilotildees sobre essa ldquodoenccedilardquo durante os atendimentos e aprendem muito com isso

Eu aprendi aqui que era uma doenccedila [] eu nem tinha a cura dela dessa doenccedila [] (Grupo 2)

Dessa forma eacute muito positivo oferecer informaccedilotildees sobre o problema em questatildeo aos familiares no entanto a ideia de que problemas com o uso de drogas eacute uma doenccedila que encai-xa-se numa visatildeo do usuaacuterio como um doente Nesses casos enfatiza-se bem mais a substacircncia psicoativa do que a relaccedilatildeo que o sujeito estabelece com a droga em contextos muacuteltiplos de relaccedilotildees (com famiacutelia amigos comunidade) num determi-nado espaccedilo sociocultural (SCHANKER MINAYO 2004)

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Corroborando o exposto Rosa (2010) discorre sobre as consequecircncias de considerar o uso de substacircncias psicoativas como doenccedila e o usuaacuterio como doente O autor acredita que dessa forma se cria um estereoacutetipo de dependecircncia negando a autonomia do usuaacuterio o que favorece o poder meacutedico e tor-na menos importantes os outros aspectos do abuso de drogas como o social tornando o problema bastante simplista

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Notou-se que os profissionais do serviccedilo CAPS AD parti-lham da crenccedila de que a famiacutelia eacute o principal recurso do usuaacute-rio sendo a rede de suporte principal para o enfrentamento do problema do uso de drogas Quando poreacutem a famiacutelia natildeo sabe lidar com o problema esta tambeacutem pode contribuir para recaiacutedas Destarte para os profissionais do serviccedilo eacute impor-tante que a famiacutelia seja engajada em alguma terapecircutica para aprender a lidar com o problema contribuindo para uma maior eficaacutecia do tratamento relacionado ao uso de droga

Dessa forma eacute importante que os profissionais tenham essa visatildeo da famiacutelia como parceira em relaccedilatildeo ao tratamento Eacute preciso pensar contudo tambeacutem em melhores estrateacutegias de atender a esses familiares pois apesar de os profissionais acre-ditarem que a famiacutelia possui participaccedilatildeo importante no de-senvolvimento do comportamento de usar drogas natildeo levam em conta a formaccedilatildeo dos viacutenculos familiares na realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees utilizando um modelo de palestras e deixando de lado outras metodologias ativas como as rodas de conversas

Ainda as intervenccedilotildees realizadas pelo CAPS AD contem-plam as expectativas dos familiares em relaccedilatildeo agrave aprendiza-gem de estrateacutegias para lidar com o problema jaacute que as inter-

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venccedilotildees desse serviccedilo focam bastante a operacionalizaccedilatildeo de condutas e habilidades poreacutem deve-se considerar as relaccedilotildees estabelecidas em cada famiacutelia pois cada uma possui uma di-nacircmica diferente e o que eacute uacutetil para uma famiacutelia pode natildeo ser uacutetil para a outra

Ante o exposto percebe-se a importacircncia de o CAPS AD considerar e conhecer melhor a dinacircmica familiar de cada usuaacuterio para propor intervenccedilotildees mais adequadas Assim a atenccedilatildeo agraves famiacutelias atendidas no CAPS AD deve ser realiza-da de modo mais personalizado garantindo um atendimento mais humano e integral a usuaacuterios e famiacutelias e contribuindo para mudanccedilas mais duradouras

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CAPIacuteTULO 17

COMPORTAMENTO DE CRIANccedilAS E PRAacute-TICAS EDUCATIVAS PARENTAIS NA CON-TEMPORANEIDADE COM UM rdquoREMEDI-NHOrdquo eacute MAIS FAacuteCIL

Ana Maria ZuwickMaria Salete Bessa Jorge

-Titia posso ir ateacute o jardim ()-Vaacute mas volte logo para estudar

-Sim senhora-Natildeo esqueccedila que os exames estatildeo perto

-Sim senhora-Natildeo apanhe muito sereno

-Sim senhora(Trecho do romance Clarissa Eacuterico Veriacutessimo)4

Educaccedilatildeo ou medicaccedilatildeo

ldquoDoutora Ele tem dormido muito tarderdquo ndash a matildee recla-ma Questionada do que ele se ocupa enquanto natildeo adormece ela responde - ldquoEle fica jogando videogamerdquo ndashldquoPor que a Sra natildeo recolhe o jogo e combina o horaacuterio de dormir rdquo ndashldquoAh Doutora Com um remedinho eacute mais faacutecilrdquo Situaccedilotildees como estassatildeo frequentes em serviccedilos voltados para o atendimento em sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes A autoridade dos pais parece haver se fragmentado em poacute dentro de uma caacutepsu-la medicamentosa

As queixas principais de familiares eou da escola em rela-ccedilatildeo agrave crianccedila ou adolescente envolvem brigas rebeldia inquie-taccedilatildeo agressividade fiacutesica em relaccedilatildeo aos pais desrespeito agraves 4 VERIacuteSSIMOE(1933)ClarissaRiodeJaneiroCompanhiaJoseacuteAguilar1966p74

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regras mentiras furtos fugas de casa baixa toleracircncia agrave frus-traccedilatildeo queixas em relaccedilatildeo a comportamento inespeciacuteficas isoladas ou insuficientes para comporem criteacuterios diagnoacutesti-cos que envolvam os transtornos de conduta como quadros nosoloacutegicos

Vaacuterios trabalhos onde se estressou socioacutelogos psicoacutelogos e educadores em relaccedilatildeo agrave medicaccedilatildeo de crianccedilas em Sauacutede Mental muitas vezes responsabilizam a Medicina de ater-se a criteacuterios diagnoacutesticos e com base nestes contribuir para a ldquopatologizaccedilatildeordquo das pessoasNatildeo somente poreacutem a medicina particularmente a Psiquiatria tem criteacuterios universais e abso-lutos para considerar o que eacute normal ou patoloacutegico conforme ela mesma eacute perpassada por transformaccedilotildees socioculturais A Antropologia Meacutedica nos indica que em todas as sociedades humanas as praacuteticas e crenccedilas relativas aos processos de sauacute-de-doenccedila satildeo caracterizadas por parte de cada cultura pela organizaccedilatildeo da sociedade em relaccedilatildeo agrave sauacutede e agrave doenccedila e pelo sistema de cuidados em sauacutede Este por sua vez se refere ao modo de as pessoas serem reconhecidas doentes como a doenccedila eacute manifestada agraves outras pessoas os atributos destas e a forma de a doenccedila ser abordada (HELMAN 2009)

A compreensatildeo do processo sauacutede-doenccedila como fenocircme-no sociocultural comporta a ideia de que ldquoas experiecircncias de sauacutede e doenccedila satildeo atravessadas pelos significados socialmente construiacutedos logo natildeo podem ser desvinculadas das estruturas sociais mais abrangentes que permeiam as sociedadesrdquo (COS-TA GUALDA 2010 p 2) Buscando identificar e analisar a mediaccedilatildeo que os fatores sociais e culturais exercem sobre de-terminadas formas de pensar e agir frente a sauacutede e a doenccedila a Antropologia amplia o contexto que deve ser levado em conta no entendimento dos processos patoloacutegicos (UCHOcircA VI-

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DAL 1994) Assim novos modelos de sauacutede-doenccedila podem ser constituiacutedos reavendo a dimensatildeo experiencial e psicosso-cial dos sujeitos (GUALDA BERGAMASCO 2004 apud COS-TA GUALDA 2010)

A consideraccedilatildeo sobre o que eacute doenccedila ou natildeo se transfor-ma ao longo do tempo dependendo das mudanccedilas sociocul-turais cujo exemplo paradigmaacutetico eacute a homossexualidade Se nos Estados Unidos eacute encontrado o percentual de 9 de crian-ccedilas com Transtorno de Deficit de Atenccedilatildeo e Hiperatividade na Franccedila esta prevalecircncia eacute inferior a 05 A Medicina francesa natildeo somente considera o transtorno como condiccedilatildeo meacutedica causada por condiccedilotildees psicossociais e situacionais como tem seu sistema de classificaccedilatildeo de transtornos (WEDGE 2013) Na categoria dos transtornos de comportamento na infacircncia e adolescecircncia no DSM-II (AMERICAN PSYCHIATRIC AS-SOCIATION 1968 p 50) aparece como diagnoacutestico a ldquorea-ccedilatildeo natildeo socializada agressiva da infacircncia (ou adolescecircncia) rdquo as crianccedilas se caracterizam por terem ataques de raiva men-tirem roubarem provocarem outras crianccedilas serem desobe-dientes vingativas e destrutivas Conforme o proacuteprio Manual estas crianccedilas comumente natildeo recebem uma disciplina consis-tente por parte dos pais O que eacute foco da educaccedilatildeo familiar e escolar o que possa se constituir em manifestaccedilatildeo de um tem-peramento ou uma conduta reativa tem passado facilmente a ser categorizado como doenccedila problema a ser resolvido pela Medicina Problemas de comportamento envolvidos eou re-sultantes de condiccedilotildees como dificuldades no aprendizado mal conduzidas desagregaccedilatildeo familiar violecircncias intra e extrafa-miliares precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas e de sauacutede podem ser ldquomedicalizadasrdquo

Joatildeo de quatro anos esperneava gritava e chorava no chatildeo em meio agraves pernas das pessoas sentadas na recepccedilatildeo de

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um serviccedilo de sauacutede mental - a imagem antiga da conhecida ldquobirrardquo A matildee tambeacutem chorava profusamente e dizia o quan-to fora difiacutecil trazecirc-lo ao serviccedilo para a consulta e mais tarde insistiria que o filho fosse medicado por sua conduta frequen-temente rebelde Joatildeo crianccedila bastante esperta de bom voca-bulaacuterio explicou que era violento porque a matildee batia muito Os dois irmatildeos adolescentes satildeo usuaacuterios de drogas e eram muito agressivos para com ele O pai natildeo tinha contato com a famiacutelia que vivia em precaacuterias condiccedilotildees materiais e de hi-giene situaccedilatildeo observada em visita domiciliar feita pela equipe do serviccedilo Algumas tentativas de orientaccedilatildeo a esta matildee foram feitas quanto a ser acompanhada no grupo de familiares e o manejo do menino A matildee pareceu natildeo ouvir e ante a recusa do profissional em medicar seu filho ficou por demais irritada e pediu a troca de meacutedico

O que estaacute submerso sob a aparente concordacircncia e ade-satildeo da sociedade ao tempo de comprimidos gotas suspen-sotildees e caacutepsulas como substitutivos de praacuteticas educacionais referentes a alteraccedilotildees de conduta de crianccedilas Como com-preender a tendecircncia da famiacutelia e tambeacutem da escola a bus-car e aderir a explicaccedilotildees neuropsiquiaacutetricas e possivelmente prescriccedilotildees medicamentosas para problemas comportamen-tais antes contemplados por estrateacutegias educativas Estaria a proacutepria sociedade se submetendo acriticamente para que a soluccedilatildeo de dificuldades diversas seja dada pela ldquopatologizaccedilatildeordquo de seus membros Na histoacuteria da crianccedila e de quem a acom-panha particularmente em serviccedilos puacuteblicos de sauacutede mental eacute frequente a narrativa de situaccedilotildees socioeconocircmicas precaacute-rias em que o sustento principal eacute o Bolsa-Famiacutelia moradia em espaccedilo insuficiente para o nuacutemero de pessoas comunidade violenta falta de opccedilotildees de lazer dificuldade de acesso agrave es-

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cola isolamento ausecircncia da figura paterna e distanciamento de membros da famiacutelia estendida como avoacutes e tios A famiacutelia perde suas referecircncias culturais quando migra da zona rural agrave Capital Seus modelos de educaccedilatildeo para os mais jovens se con-fundem ante a novos padrotildees de convivecircncia A crianccedila natildeo tem espaccedilo para brincar com amiguinhos a rua eacute perigosa A medicaccedilatildeo preencheria os vazios da falta de recursos e da au-secircncia de pessoas com quem trocar experiecircncias compartilhar dificuldades

De ordinaacuterio a crianccedila ou adolescente vem ao serviccedilo trazida por demanda da famiacutelia eou encaminhada por uma instituiccedilatildeo como Conselho Tutelar ou escola E outros vieses na descriccedilatildeo dos problemas que motivam a procura de atendi-mento podem ocorrer Os informantes principalmente aque-les que estatildeo mais envolvidos no cuidado da crianccedila poderatildeo estar inconformados com determinados comportamentos com base nas proacuteprias condiccedilotildees e histoacuterias de vida para as quais a crianccedila pode por sua idade ter pouca capacidade de refutaccedilatildeo Conhecer a dinacircmica familiar as caracteriacutesticas importantes do ambiente e as interaccedilotildees da crianccedila com elas fazem parte de uma avaliaccedilatildeo adequada (VINOCUR PEREIRA 2011) mas frequentemente dificultada pela precariedade de espaccedilo e de profissionais nos serviccedilos

O atravessamento das fases de desenvolvimento proacuteprios da crianccedila pode interferir na expressatildeo de sintomas ou estes ser proacuteprios de determinada etapa de vida A avaliaccedilatildeo psi-quiaacutetricapsicoloacutegica eacute delicada pois a crianccedila pode ter difi-culdades em manifestar seu desconforto interno eou externo mediante a palavra Se ela pode ser diagnosticada e medica-da como um ser adulto nem sempre eacute ouvida creditada eou compreendida como pessoa de direito

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Na corrente de uma maior preocupaccedilatildeo com a sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes evidenciada nas uacuteltimas deacute-cadas no Brasil por uma implantaccedilatildeo dos centros de atenccedilatildeo psicossocial infantojuvenil (CAPSi) tambeacutem ldquoflutuamrdquo caacutep-sulas e comprimidos e eles refletem uma tendecircncia de paiacuteses ocidentalizados Vaacuterios fatores entre os quais a pesquisa e a produccedilatildeo de faacutermacos encontram na populaccedilatildeo jovem um interessante locus de aplicaccedilatildeo e de lucratividade Nossa so-ciedade que parece buscar a soluccedilatildeo raacutepida e cada vez mais eficiente como anota Fiore (2005) parece corresponder a tais interesses e os considera bem-vindos O comportamento inde-sejaacutevel ldquoinimigordquo eacute facilmente alvejado e derrotado como no jogo de viacutedeogame representando uma tendecircncia sociocultu-ral de nosso mundo poacutes-moderno A faacutecil aceitaccedilatildeo ou procu-ra da medicaccedilatildeo de muitos pais na resoluccedilatildeo de condutas con-sideradas indesejaacuteveis por parte de seus filhos poderia refletir a aceitaccedilatildeo natildeo consciente ou pouco reflexiva do poder midiaacute-tico que entre outras coisas promete a resoluccedilatildeo imediata de muitos problemas de manchas difiacuteceis na roupa e perda da gordura abdominal com seis caacutepsulas ao dia sem o trabalho de esfregar a roupa sem a dificuldade da dieta sem o cansaccedilo e o suor de exerciacutecios fiacutesicos

Voltando agraves crianccedilas e adolescentes a prescriccedilatildeo de psi-cofaacutermacos para esta populaccedilatildeo aumentou significativamente nas cinco uacuteltimas deacutecadas principalmente nos Estados Uni-dos norte da Europa Austraacutelia e Nova Zelacircndia Pesquisas que analisaram as tendecircncias das prescriccedilotildees meacutedicas em nove paiacuteses de 2000 e 2002 encontraram um aumento significati-vo do nuacutemero de psicofaacutermacos receitados para crianccedilas em todos os paiacuteses de 13 como na Alemanha ateacute 68 como no Reino Unido (TIMIMI 2010) Em 2005 foi proposta pelo

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Instituto Nacional de Sauacutede e Pesquisa Meacutedica da Franccedila uma poliacutetica de prevenccedilatildeo baseada na triagem e no atendimento precoce psicoterapecircutico e medicamentoso para crianccedilas a partir de trecircs anos de idade com problemas de comportamen-to em vaacuterios niacuteveis de gravidade O objetivo era o de prevenir o desenvolvimento de comportamento delinquente futuro Quando identificado ao transtorno de conduta era recomen-dada uma seacuterie de programas de prevenccedilatildeo psicossociais e se necessaacuterio o uso de tratamento farmacoloacutegico Tal proposta causou muita celeuma tanto na populaccedilatildeo quanto entre espe-cialistas de aacutereas diversas na eacutepoca (LEROY 2006)

Com base na pergunta ldquopor que lsquomedicalizarrsquo se tornou uma urgecircncia contemporacircneardquo Fiore (2005) parte da visatildeo dos educadores que trabalham com crianccedilas que fazem uso de psicofaacutermacos A autora discute o quanto a sociedade com sua busca de eficiecircncia a todo custo ldquopatologizardquo crianccedilas que necessitam natildeo mais do que atenccedilatildeo especializada em termos educacionais Caracteriacutesticas dos sujeitos antes vistos como atributos como raiva passividade agressividade tendem a ser hoje percebidas como patologias que necessitam ser ldquome-dicalizadasrdquo Esta percepccedilatildeo do corpo como sendo o foco das dificuldades das pessoas particularmente das crianccedilas perpas-sa boa parte da sociedade dos pais da escola e dos profissio-nais de sauacutede Na mesma vertente Tesser e Poli Neto (2011) chamam a atenccedilatildeo para a tendecircncia das famiacutelias procurarem algum profissional que sancione cuidados que poderiam e de-veriam ser promovidos por elas mesmas com proacuteprias com-petecircncias cuidados estes que acreditam estar na medicaccedilatildeo Para Costa (2004 apud LIMA 2008) as famiacutelias na Poacutes-Mo-dernidade abriram matildeo de resolver sozinhas os problemas que sempre foram de sua competecircncia e estatildeo cada vez mais

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procurando especialistas Segundo o autor a normatizaccedilatildeo da famiacutelia imposta pela ordem meacutedica desestruturou as famiacutelias que se sentem inseguras quanto ao seu amor e cuidado em re-laccedilatildeo agraves crianccedilas

Considerando que os processos de sauacutede e doenccedila se re-configuram de forma muito dinacircmica abarcando ampla aacuterea de determinantes socioculturais e necessidade de accedilotildees e sa-beres interdisciplinares os estudos em Sauacutede Coletiva podem contribuir para a compreensatildeo de determinados fenocircmenos como a crescente ldquomedicalizaccedilatildeordquo em Sauacutede Mental de crian-ccedilas e adolescentes Os avanccedilos nas neurociecircncias e a possibi-lidade maior de aliviar o sofrimento psiacutequico mediante o do uso de psicofaacutermacos mais efetivos satildeo bem-vindos Natildeo po-de-se no entanto como profissionais estudiosos pesquisado-res e sobretudo sujeitos sociais deixar de mobilizar posiccedilotildees criacuteticas as nossas praacuteticas

Problemas de comportamento e praacuteticas educativas

Haacute cerca de 30 anos a socializaccedilatildeo de crianccedilas significava a transmissatildeo de valores crenccedilas e normas da sociedade por meio da famiacutelia e da escola As crianccedilas absorviam tais princiacute-pios de forma passiva mediante a interiorizaccedilatildeo deste Com o advento da Sociologia da Infacircncia na deacutecada de 90 do seacuteculo passado com a perspectiva do estudo dos cotidianos e das cul-turas das crianccedilas estas deixam de ser consideradas passivas em relaccedilatildeo aos adultos A infacircncia representada por sujeitos singulares ldquonatildeo pode ser abordada apenas por aquilo que as instituiccedilotildees adultas dela esperam mas tambeacutem como grupo especiacutefico que produz e reproduz a vida socialrdquo (NASCIMEN-TO 2008 p 93)

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Estudos transculturais indicam que existe ampla variaccedilatildeo na forma como a infacircncia eacute definida e o comportamento que eacute esperado para as crianccedilas e para aqueles que as rodeiam Dis-tintas sociedades definem a idade com que as crianccedilas rece-bem educaccedilatildeo formal eou componham a forccedila de trabalho A infacircncia percebida como periacuteodo a ser protegido caracteriza sociedades economicamente mais desenvolvidas enquanto nas mais pobres as crianccedilas satildeo consideradas potencialmente aprendizes para a realizaccedilatildeo de tarefas dos adultos (HELMAN 2009) Como estatildeo sendo vistas e compreendidas as crianccedilas por pais e educadores em manifestaccedilotildees comportamentais consideradas inadequadas em nossa cultura

Os problemas externalizantes em crianccedilas e adolescentes satildeo foco de estudos nas uacuteltimas duas deacutecadas e a noccedilatildeo de ser um sistema organizado de comportamentos que aparecem se intensificam ou mudam em frequecircncia e conteuacutedo durante o curso do desenvolvimento eacute recente (HANN BOREK 2001) Achenbach e Edelbroook (1979) classificaram os problemas de comportamento em crianccedilas em duas categorias os internali-zantes (tristeza retraimento social desinteresse por atividades acadecircmicas) e os externalizantes Estes focalizados neste tra-balho se caracterizam por agressividade irritabilidade rebel-dia impulsividade desobediecircncia e condutas transgressoras como furto mentiras fugas de casa

Os distuacuterbios comportamentais constituem significativa demanda aos serviccedilos de sauacutede mental destinados ao aten-dimento de crianccedilas e adolescentes Estudos brasileiros que procuraram caracterizar as crianccedilas e adolescentes atendidos em serviccedilos de sauacutede mental descobriram que a agressividade (BORZA SOUZA BANDEIRA 2011) e a conduta transgres-sora estatildeo entre as queixas principais dos pais (PESCE ASSIS

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AVANCI 2008 RONCHI AVELLAR 2010) Em algumas pesquisas os problemas externalizantes chegam a ter uma pre-valecircncia mais elevada em relaccedilatildeo a outros distuacuterbios (ANSEL-MI et al 2004 RONCHI AVELLAR 2010)

Necessariamente manifestaccedilotildees comportamentais natildeo constituem um quadro nosoloacutegico Para todos os problemas de comportamento existe um continuum que vai da normali-dade agrave expressatildeo de organizaccedilotildees patoloacutegicas as mais variaacuteveis e quando ocorrem de forma intermitente ou isolada podem natildeo ter um significado psicopatoloacutegico Um comportamento externalizante como roubar ou mentir pode se manifestar ao longo do desenvolvimento das crianccedilas e dos adolescentes com maior ou menor intensidade Quando estatildeo associados a outros sintomas em sentido diagnoacutestico ou cliacutenico podem aparecer em distintos quadros diagnoacutesticos e estes requerem tambeacutem a observaccedilatildeo de criteacuterios como idade tempo de du-raccedilatildeo dos sintomas e condutas perturbadoras bem definidas (DUMAS 2011) Problemas de comportamento constituem motivo de preocupaccedilatildeo quando se repetem e se produzem no tempo associados a vaacuterias outras condutas ou sintomas de outra natureza (MARCELLI COHEN 2009) ou quando re-percutem de modo a causar prejuiacutezos na interaccedilatildeo familiar no desempenho acadecircmico e na convivecircncia social

Fatores de risco para comportamentos agressivos eou transgressores satildeo multifatoriais como geneacutetica sexo tem-peramento idade competecircncia cognitiva contexto familiar vizinhanccedila sociedade e cultura (PESCE ASSIS AVANCI 2008) Aspectos neuroendoacutecrinos (BARRA 2007 TEIXEIRA et al 2013) condiccedilotildees socioeconocircmicas precaacuterias comunida-de violenta e eventos estressores (MURRAY et al 2013) idade e educaccedilatildeo da matildee presenccedila do pai (ANSELMI et al 2004)

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negligecircncia abuso fiacutesico e psicoloacutegico (VINOCUR PEREIRA 2011) estatildeo associados nestes casos Pela observaccedilatildeo e imitaccedilatildeo de modelos a influecircncia da miacutedia tambeacutem eacute apontada como os jogos de videogame violentos (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS 2001)

O conjunto caracteriacutestico de comportamentos nas rela-ccedilotildees estabelecidas entre pais e filhos eacute denominado na literatu-ra por praacuteticas parentais estilos parentais praacuteticas educativas ou cuidados parentais (MACARINI et al 2010) Por seu pa-pel fundamental na socializaccedilatildeo das crianccedilas eacute sobre a famiacute-lia que vaacuterios estudos nas uacuteltimas deacutecadas se debruccedilam na compreensatildeo de modelos explicativos para praacuteticas educativas favorecedoras ou natildeo para comportamentos desviantes ou ha-bilidosos na interaccedilatildeo social

Pesquisas sobre problemas de comportamento externa-lizante e praacuteticas educativas apontaram caracteriacutesticas da re-laccedilatildeo pais-filhos que podem influenciar no aparecimento de condutas desviantes O estiacutemulo desses comportamentos pode ser dado pela disciplina inconsistente interaccedilatildeo positiva defi-ciente pouco monitoramento e supervisatildeo das atividades da crianccedila Os pais natildeo reforccedilariam os comportamentos proacute-so-ciais ignorando-os dando-lhes pouca atenccedilatildeo ou respostas inapropriadas com emprego de puniccedilotildees severas para com-portamentos natildeo desejados Desta forma comportamentos coercitivos seriam reforccedilados pelos proacuteprios pais (BOLSONI-SILVA MARTURANO 2002)

Os estudos que se dedicaram aos modelos educativos dos quais citam-se alguns referidos com frequecircncia na literatura identificaram caracteriacutesticas nas praacuteticas dos pais Baumrind (1966) por exemplo destacou trecircs modelos o autoritaacuterio (controle imposiccedilatildeo de regras pouco apoio agrave crianccedila) o

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permissivo (pouco controle pouca exigecircncia e apoio forte) e o ldquoautoritativordquo (controle apoio regras fixas incentivo agrave au-tonomia) Hoffman (1975) define dois modelos praacuteticas in-dutivas sinalizadoras das consequecircncias dos atos da crianccedila e as coercitivas com atitudes disciplinares que envolvem forccedila fiacutesica puniccedilatildeo fiacutesica e puniccedilotildees Darling e Steinberg (1993) privilegiam natildeo somente as praacuteticas educativas no desenvol-vimento da crianccedila mas tambeacutem a cultura a classe social a composiccedilatildeo da famiacutelia e as crenccedilas dos pais (valores e metas) em relaccedilatildeo aos seus filhos As praacuteticas educativas natildeo se dis-tinguiriam entre si em relaccedilatildeo a serem menos ou mais efetivas mas dependeriam do contexto cultural e das condiccedilotildees sociais e fiacutesicas na qual elas ocorrem Gomide (2006 apud BOLSO-NI-SILVA SILVEIRA MARTURANO 2008) salienta que as praacuteticas positivas incluem monitoria positiva expressotildees de afeto estabelecimento de limites supervisatildeo das atividades da crianccedila e promoccedilatildeo de comportamento moral As praacuteticas educativas negativas envolvem abuso fiacutesico eou psicoloacutegico negligecircncia ausecircncia de atenccedilatildeo e afeto monitoria negativa que corresponde ao excesso de instruccedilotildees sem atenccedilatildeo ao seu cumprimento

Os comportamentos proacute-sociais e antissociais satildeo apren-didos nas interaccedilotildees familiares Tais interaccedilotildees por sua vez satildeo favorecidas pelo ambiente por caracteriacutesticas da crianccedila e dos cuidadores pelas relaccedilotildees conjugais e a rede de apoio pela comunidade e escola A etiologia dos problemas de comporta-mento estaria na inter-relaccedilatildeo de eventos fatores contextuais fatores bioloacutegicos comportamentos parentais e infantis Inte-raccedilotildees parentais coercitivas ocorrem por via de mecanismos de feedback positivos e negativos em padrotildees de interaccedilatildeo de pais e filhos Condutas parentais de crianccedilas com problemas

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de comportamento costumam ser inconsistentes quanto a re-ferenciar comportamentos positivos eou estes satildeo pouco va-lorizados A famiacutelia pode apresentar uma disciplina severa e inconsistente junto com baixo envolvimento monitoramento e supervisatildeo parental (GRANIC PATTERSON 2006)

Praacuteticas parentais educativas e Poacutes-Modernidade

Situa-se como um desafio a ideia de compreender como a socializaccedilatildeo entre famiacutelia e crianccedila ocorre em nosso mundo contemporacircneo no qual a tecnologia nos impotildee modelos de accedilatildeo e interaccedilatildeo diversos instantacircneos de consumo desen-freado de forma tatildeo raacutepida que obstaculiza a reflexatildeo criacuteti-ca A sociedade capitalista estimula a competitividade o in-dividualismo e preconiza valores conforme a lucratividade de mercado

A configuraccedilatildeo da famiacutelia ou dos membros que dela fazem parte conforme Wagner Tronco e Armani (2011) tambeacutem mudou nas uacuteltimas deacutecadas do modelo tradicional definido pela consanguinidade e parentesco ateacute as mais complexas re-presentadas pela coabitaccedilatildeo de filhos de variados casamentos relaccedilotildees homoafetivas monoparentais e assim por diante En-tre os membros que configuram uma famiacutelia existe uma estru-tura representada pelas regras exerciacutecio de poder combina-ccedilotildees de convivecircncia e limites A configuraccedilatildeo e a estrutura de interaccedilotildees familiares passaram a ter muacuteltiplas representaccedilotildees na atualidade no entanto a dificuldade em estabelecer hierar-quias bem definidas bom funcionamento na interaccedilatildeo e sauacutede familiar observadas em pesquisas brasileiras eacute independente da composiccedilatildeo dos membros da famiacutelia

Tradicionalmente a socializaccedilatildeo das crianccedilas por parte da famiacutelia e da escola era compreendida como a transmissatildeo

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de valores crenccedilas e normas da sociedade As crianccedilas pela in-fluecircncia dos adultos os internalizariam passivamente (NASCI-MENTO 2007) Estudos sociais sobre a infacircncia surgidos nas uacuteltimas trecircs deacutecadas ressaltam que a infacircncia como estrutura social emerge de um contexto de macroparacircmetros como for-maccedilatildeo cultural globalizaccedilatildeo mercado sistema sociopoliacutetico e muda historicamente conforme a mudanccedila destes paracircmetros (QVORTRUP 2007) Como lembra Mollo-Bouvier (2005) a crianccedila como sujeito social eacute partiacutecipe em sua socializaccedilatildeo na reproduccedilatildeo e na transformaccedilatildeo da sociedade Em meio agraves mu-danccedilas aceleradas de nossa sociedade multicultural deve-se le-var em conta a noccedilatildeo de que a crianccedila natildeo pode ser considera-da ldquoum ser agrave parterdquo ser passivo das atuais conjunturas sociais poliacuteticas e econocircmicas que podem estar impondo modelos de normalidade e anormalidade

Se a Sociologia da Infacircncia busca elencar a crianccedila como sujeito o criacutetico social Neil Postman (2002) particularizado a sociedade estadunidense defende a ideia do desaparecimento da infacircncia na Poacutes-Modernidade O surgimento da miacutedia ele-troeletrocircnica privilegia a imagem mais do que seu conteuacutedo verbal da informaccedilatildeo Adultos e crianccedilas tecircm acesso indiscri-minado agraves mesmas informaccedilotildees de modo que os limites entre as geraccedilotildees se tornaram tecircnues demais O mundo adulto se empobrece das informaccedilotildees que seriam dadas aos mais jovens ao longo do seu desenvolvimento o que desfaz sua autoridade para com as crianccedilas

Para Postman (2012) entre as informaccedilotildees agraves quais a crianccedila tecircm acesso se encontram as violecircncias diversas reais e cotidianas Ao contraacuterio das violecircncias retratadas nos contos infantis mediadas pela voz de um adulto adaptadas agrave com-preensatildeo da crianccedila ou narradas em um contexto apaziguador

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a violecircncia escancarada pela miacutedia banaliza o ato agressivo e estimula a ldquolei do mais forterdquo O autor questiona em relaccedilatildeo ao modo de representaccedilatildeo deste mundo adulto violento mo-ralmente degenerado se natildeo estaria enfraquecida a crenccedila da crianccedila num mundo adulto bem ordenado racional e em sua capacidade futura de controlar os proacuteprios impulsos violentos Os meios de comunicaccedilatildeo atuais ao proporcionarem acesso indiscriminado de informaccedilotildees agraves crianccedilas e aos adultos bor-raria as diferenccedilas entre geraccedilotildees A crianccedila eacute tratada pelos meios de consumo como adultos pequenos o que constata-se facilmente em revistas de moda para crianccedilas e adolescentes A autoridade que caracterizava o adulto e a curiosidade proacute-pria das crianccedilas encontram-se opacificadas nas interaccedilotildees fa-miliares atuais Segundo Costa (2004 apud LIMA 2008) as fa-miacutelias na Poacutes-Modernidade abriram matildeo de resolver sozinhas os problemas que sempre foram de sua competecircncia e estatildeo cada vez mais procurando por especialistas A normatizaccedilatildeo da famiacutelia imposta pela ordem meacutedica desestruturou as famiacute-lias que se sentem inseguras quanto ao seu amor e cuidado em relaccedilatildeo agraves crianccedilas

Na Poacutes-Modernidade adverte Dufour (2005) a tendecircncia eacute de se perceber os atos de violecircncia como da natureza das pes-soas Antes de se entender as crianccedilas que impulsivamente passam ao ato pela incapacidade da expressatildeo pela palavra tende-se a ldquomedicalizaacute-lasrdquo Com dificuldade na capacidade de simbolizaccedilatildeo essas crianccedilas desenvolvem ldquosintomas poacutes-modernosrdquo como distraccedilatildeo hiperatividade entre outros sin-tomas fashion e a incapacidade de pais e profissionais entende-rem o que estaacute acontecendo leva agrave ldquomedicalizaccedilatildeordquo

Os recortes das etapas da infacircncia satildeo cada vez mais es-treitos salienta Mollo-Bouvier (2005) o tempo social conce-

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dido agrave infacircncia se segmenta eacute encurtado por vezes esquecido e exemplo disso eacute a escolarizaccedilatildeo cada vez mais precoce das crianccedilas As normas socializadoras satildeo cada vez mais flutuan-tes Tende-se no mundo atual a uma certa ldquoimpaciecircnciardquo como diz a autora A autonomia e a esperteza satildeo privilegiadas em detrimento do desenvolvimento e maturaccedilatildeo ldquoa rapidez de aquisiccedilatildeo e de execuccedilatildeo eacute mais prezada que o perfeccionis-mo o desempenho e a competiccedilatildeo nos acircmbitos esportivos e artiacutesticos tornaram a falta de jeito e a modeacutestia vergonhosas e associaisrdquo (p 395)

Nunca foi dada tanta importacircncia agraves poliacuteticas de sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes em nosso paiacutes como nas uacutel-timas deacutecadas A sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes re-cebeu maior atenccedilatildeo de vaacuterios setores de estudo e assistecircncia como Medicina Psicologia Poliacuteticas Puacuteblicas e Educaccedilatildeo O reconhecimento das repercussotildees de vaacuterias formas de violecircn-cia sobre o desenvolvimento mental os indicadores da exis-tecircncia de transtornos psiquiaacutetricos antes reconhecidos somen-te em pessoas adultas e a poliacutetica de inclusatildeo escolar emergem paralelamente com os interesses dos laboratoacuterios em ampliar seu mercado farmacoloacutegico para a populaccedilatildeo infantojuvenil Contraditoriamente entretanto serviccedilos de Sauacutede Mental voltados para esta populaccedilatildeo ainda satildeo poucos e muitas ve-zes precaacuterios natildeo somente os destinados ao atendimento de transtornos graves e persistentes como os representados pelos centros de atenccedilatildeo psicossocial infanto juvenis (CAPSi) mas tambeacutem aqueles voltados para atendimento de outros sofri-mentos psiacutequicos Necessita de recursos pedagoacutegicos desti-nados agraves dificuldades escolares de instituiccedilotildees destinadas agraves disfunccedilotildees familiares de um trabalho mais consistente e efe-tivo na rede de cuidados Aleacutem de tudo pode-se natildeo ter um

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atendimento que focalize tatildeo somente aspectos biomeacutedicos se pretende o cuidado que beneficie a subjetividade Natildeo se deve em avaliaccedilotildees e acompanhamentos meacutedicos psicoloacutegicos e pe-dagoacutegicos obscurecer os atravessamentos socioculturais que tendem a borrar a crianccedila como sujeito

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CAPIacuteTULO 18

ITINERAacuteRIOS E REDES SOCIAIS DE APOIO DAS FAMIacuteLIAS DE PESSOAS EM CRISE PSI-QUIAacuteTRICA REDES E FLUXOS EM BUSCA DO CUIDADO EM SAUacuteDE

Juliana Pessoa CostaMardecircnia Gomes Ferreira Vasconcelos

Rebeka Rafaella Saraiva CarvalhoMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A noccedilatildeo de itineraacuterio terapecircutico assinala arranjos mo-vimentos caminhos percursos trajetoacuterias buscas planos estrateacutegias projetos enfrentamentos escolhas mobilizaccedilotildees e aderecircncias com a finalidade de prevenir tratar e recuperar o estado de sauacutede ante a constataccedilatildeo de uma desordem social (AUGEacute 1984 NEVES NUNES 2010) e de uma heterogenei-dade de recursos baseados em sentidos e significados que as pessoas atribuem a essas vivecircncias (MARQUES MAcircNGIA 2013) Essa procura de cuidados segundo definiccedilatildeo de Masseacute (1985) estaacute condicionada tanto pelas atitudes valores e ideo-logias quanto pelos perfis da doenccedila pelo acesso econocircmico e pela disponibilidade de tecnologia

O aprofundamento desse conceito requer a compreensatildeo de ldquocuidados em sauacutederdquo Nessa perspectiva Gutierrez e Mina-yo (2010) destacam a existecircncia de no miacutenimo dois contextos em que estes satildeo produzidos a rede oficial de serviccedilos repre-sentada pelo saber biomeacutedico-cientiacutefico e as tecnologias tera-

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pecircuticas modernas e a rede informal significadas pela famiacutelia e rede de relaccedilotildees sociais que complementarmente produ-zem accedilotildees concretas em seu cotidiano desde a identificaccedilatildeo do problema ateacute a orientaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de escolhas terapecircuticas que ocorrem com suporte em negociaccedilotildees e em um campo de significados compartilhados

Assim estudos que envolvem itineraacuterios terapecircuticos se tornam relevantes por contribuiacuterem para descolonizar esse territoacuterio atentando para os modos como a famiacutelia amparada por uma rede social produz cuidados indispensaacuteveis e especiacutefi-cos para a sauacutede e investigando como esses cuidados se somam aos produzidos o sistema de serviccedilos

O sofrimento mental eacute entendido como uma forma de adaptaccedilatildeo e de reaccedilatildeo do sujeito ante a estiacutemulos internos ou externos ao organismo (MAcircNGIA YASUTAKI 2008) Cons-titui situaccedilatildeo-problema que demanda rearranjos no cotidiano dos sujeitos e de sua rede social Eacute uma experiecircncia que traz um excesso do que eacute ldquoinsuportaacutevelrdquo e ldquointoleraacutevelrdquo (CANGUI-LHEM 2010) Assim o sujeito pode experienciar momentos de crise ou seja periacuteodos em que os afetos sentimentos ges-tos e comportamentos surgem de forma expressiva e em graus variados quanto a intensidade e manifestaccedilatildeo Em seu entor-no encontram-se aspectos que exprimem alguma ordem de estranheza e perturbaccedilatildeo social (OLIVEIRA 2007)

O novo modelo de assistecircncia e cuidado agrave pessoa com transtorno mental prevecirc a participaccedilatildeo da famiacutelia no trata-mento por meio das novas legislaccedilotildees dentre as quais a Por-taria nordm 2241992 do Ministeacuterio da Sauacutede que dispotildee sobre as diretrizes assistenciais em Sauacutede Mental e estabelece normas para o atendimento ambulatorial e hospitalar Posteriormente esse instrumento foi atualizado pela Portaria nordm 3362002 que

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definiu os paracircmetros para o atendimento ambulatorial diver-sificando as modalidades de serviccedilos substitutivos de atenccedilatildeo diaacuteria e articulada com o territoacuterio (BRASIL 2004)

Por territoacuterio compreende-se aleacutem do local geograacutefico um locus de trocas de identidade social e afetiva Assim para essa discussatildeo eacute necessaacuterio refletir sobre a articulaccedilatildeo dos ser-viccedilos com diversas finalidades para ajudar nesta construccedilatildeo de espaccedilos existenciais que promovam e incentivem a vida em todos os aspectos do seu cotidiano rompendo com a estrutu-ra hospitalocecircntrica em que a famiacutelia foi destituiacuteda dos largos de convivecircncia com o seu sujeito em adoecimento (PINHO 2009)

Efetivamente as mudanccedilas de paradigmas na Sauacutede Men-tal promoveram mudanccedila significativa na relaccedilatildeo da famiacutelia com o seu componente com sofrimento psiacutequico A desinsti-tucionalizaccedilatildeo e o retorno do sujeito agrave comunidade devolveu agrave famiacutelia a sua condiccedilatildeo de cuidadora tornando-se tambeacutem objeto de estudo e cuidado aleacutem de garantir seu papel de ava-liadora dos serviccedilos de Sauacutede Mental A participaccedilatildeo da famiacute-lia nestes serviccedilos aumentou o interesse em melhor compreen-der a convivecircncia dos familiares com seus pacientes e a forma como estabelecem suas relaccedilotildees com os serviccedilos (BANDEIRA BARROSO 2005)

A famiacutelia nessa realidade em algumas circunstacircncias pode contribuir negativamente com a evoluccedilatildeo do transtorno mental provocando as crises as quais muitas vezes exigem hospitalizaccedilotildees Eacute ela tambeacutem no entanto a primeira instacircn-cia cuidadora da pessoa adoecida (LEITE VASCONCELOS 2006 ARAUacuteJO BELLATO HILLER 2009) Ocorre ainda que a situaccedilatildeo de adversidade ensejada pelo adoecimento pode ajudar na descoberta de potencialidades dentro do grupo fa-

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miliar O que propicia estresse e altera o modo de vida da fa-miacutelia pode tambeacutem fortalecer os laccedilos de amizade respeito e solidariedade entre os membros

Vale salientar que o itineraacuterio terapecircutico por envolver experiecircncias estabelecidas e reestabelecidas cotidianamente com origem nas informaccedilotildees acumuladas pela famiacutelia aliando racionalidades biomeacutedicas e populares de sauacutede (GERHARDT 2006) natildeo pode ser reduzido a uma lsquogeometria do vividorsquo (AL-VES SOUZA 1999) ou seja racionalizado em modelos den-tro dos quais possam ser enquadrados os processos de escolha (TRAD et al 2010) Assim estudos sobre itineraacuterios terapecircu-ticos objetivam desvendar os processos pelos quais as pessoas ldquoescolhem avaliam e aderem (ou natildeo) a determinados tipos de tratamentordquo (ALVES SOUZA 1999) na busca de soluccedilotildees que possam estabilizar seus cotidianos e sustentar novas ma-neiras de organizar suas vidas questionamentos relevantes no planejamento organizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de serviccedilos assistenciais de sauacutede de modo a garantiracesso viacutenculo e praacuteticas terapecircu-ticas mais efetivas (CABRAL 2011)

Anteo exposto esta pesquisa procura discutir itineraacuterios terapecircuticos e redes sociais de apoio dos familiares de pessoas com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise Foram investiga-dos os fluxos os serviccedilos acessados e a rede social de apoio que a famiacutelia procura em busca de respostas para seu problema

METODOLOGIA

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa demonstrou a compreensatildeo das narrativas dos componentes da famiacutelia sobre o itineraacuterio terapecircutico e as redes sociais de apoio dos familia-res de pessoas em situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetrica Foi realizada

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no Municiacutepio de Maracanauacute-CE regiatildeo metropolitana de For-taleza ndash CE Nordeste do Brasil Assim utilizou-se especifica-mente os serviccedilos da Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental entre estes o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) Geral e o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial Aacutelcool e Drogas (CAPS Ad)

Optou-se por incluir como sujeitos do estudo familiares de pessoas atendidas no CAPS Emprega-se como criteacuterio de inclusatildeo o fato de familiares que estivessem no serviccedilo haacute pelo menos um ano acompanhando seus entes nas consultas e par-ticipando do projeto terapecircutico dispensando cuidado domi-ciliar agrave estes usuaacuterios do serviccedilo Ao final coletou-se informa-ccedilotildees baseados nas narrativas dos dez participantes por meio da teacutecnica da entrevista semiestruturada Estes foram aborda-dos no CAPS enquanto aguardavam atendimento Em geral os familiares eram matildees irmatildes e filhas corroborando a ideia do cuidado estar sob a responsabilidade de mulheres Todos os participantes demonstraram interesse em colaborar com a pesquisa declarando esta opccedilatildeo com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Antes da realizaccedilatildeo do trabalho de campo como exigido o estudo foi submetido agrave anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pes-quisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) onde obteve parecer favoraacutevel sob Protocolo ndeg10724690-2 iniciando-se pois a coleta das informaccedilotildees De posse das informaccedilotildees procede-se agrave anaacutelise orientada pela Hermenecircutica de Paul Ricoeur

Os passos necessaacuterios para utilizaccedilatildeo da Teoria foram adaptados por Geanellos (2000) essa adaptaccedilatildeo que foi alcan-ccedilada usando criteacuterios da Filosofia Hermenecircutica do entendi-mento de Gadamer Assim considera-se a interpretaccedilatildeo como um fenocircmeno que envolve diversas etapas entre as quais a

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transcriccedilatildeo das entrevistas em texto interpretaccedilatildeo superficial anaacutelise estrutural e compreensatildeo abrangente dos escritos Esse procedimento interativo eacute representado em forma de espiral pois relaciona as partes do texto com o todo e vice-versa

Os resultados se conformam na configuraccedilatildeo analiacutetica da compreensatildeo do objeto de estudo dispostos em narrativas e observaccedilotildees constituindo o entendimento temaacutetico da catego-ria itineraacuterios e redes sociais de apoio das famiacutelias de pessoas em crise psiquiaacutetrica redes e fluxos em busca do cuidado em sauacutede

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A investigaccedilatildeo sobre os itineraacuterios de pessoas em busca de resoluccedilatildeo de seus problemas de sauacutede pode contribuir para o entendimento sobre o comportamento em relaccedilatildeo ao cuidado e utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede (CABRAL et al 2011) As-sim eacute possiacutevel por meio da anaacutelise do itineraacuterio terapecircutico visualizar fluxos redes sociais de apoio aleacutem do acesso dos usuaacuterios ao serviccedilo formal de sauacutede Destaca-se o fato de que os caminhos percorridos pelas famiacutelias natildeo necessariamente coincidem com fluxos predeterminados Suas escolhas ex-pressam elaboraccedilotildees subjetivas individuais e coletivas acerca do adoecimento e de formas de tratamento influenciadas por diversos fatores e contextos

Estas escolhas vatildeo definir accedilotildees que passo a passo cons-tituiratildeo um determinado percurso Diante disso observou-se no campo empiacuterico que as famiacutelias estudadas viveram traje-toacuterias semelhantes na busca de apoio na crise da pessoa com transtorno mental Familiares e vizinhos satildeo os grupos primei-ramente acessados e quando mobilizados contribuem para

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criar estrateacutegias para lidar com o sofrimento em geral a busca pelo Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial ou hospital conforme a narrativa

Na primeira crise dela a minha matildee trouxe ela direto pro CAPS porque ela natildeo aguen-tava mais o posto indicou pra ela vir pra caacute soacute que quando ela chegou aqui na eacutepoca ela tinha quinze anos eles natildeo quiseram aceitar porque ela era adolescente soacute que um enfer-meiro olhou pra ela e viu a situaccedilatildeo entatildeo ele se responsabilizou e recebeu ela depois eu comecei a vir com ela pra cuidar dela direito e [] quando ela tem uma crise jaacute aconteceu umas quatro vezes Sou eu os vizinhos os irmatildeos porque satildeo dez irmatildeos que leva ela no hospital Eles moram tudo distante [] sou eu que moro parede com parede com ela O filho participa mas ele trabalha aiacute ela vive sozinha em casa A gente soacute procura o hospi-tal mesmo aqui e o posto de sauacutede

Esta descriccedilatildeo evidencia que as famiacutelias encontram ma-neiras de lidar com a crise psiquiaacutetrica Suas accedilotildees resultam de negociaccedilotildees cotidianas entre seu ente em adoecimento psiacutequi-co e a rede social de apoio Os fluxos estabelecidos natildeo seguem um caminho preestabelecido como um protocolo mas deli-neiam-se com base em necessidades praacuteticas e subjetividades

No campo empiacuterico observa-se que as famiacutelias ou o fa-miliar responsaacutevel pelo cuidado da pessoa com transtorno mental acessam inicialmente o serviccedilo formal de sauacutede numa situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetrica conforme Figura 1 Desse modo a primeira tentativa de buscar ajuda para o problema do seu familiar em crise com o profissional de sauacutede fato demons-

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trativo de que estes profissionais se tornam referecircncia e apoio para os cuidadores

Outra situaccedilatildeo revelada pela investigaccedilatildeo diz respeito ao serviccedilo de sauacutede inicialmente acessado pelos cuidadores Nes-te caso a Unidade Baacutesica de Sauacutede foi descrita como o local inicialmente procurado pelos participantes para solucionar os problemas da pessoa com transtorno psiquiaacutetrico e em si-tuaccedilatildeo de crise Esta circunstacircncia demonstra a potecircncia do trabalho da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia no territoacuterio ou seja as relaccedilotildees de confianccedila das famiacutelias na equipe e o serviccedilo se estabelecem e satildeo acessadas ateacute em situaccedilotildees de criacuteticas de ur-gecircncia e emergecircncia Propoe-se no entanto a reflexatildeo sobre a resolubilidade deste serviccedilo para este contexto de crise psi-quiaacutetrica

Continuando no itineraacuterio do familiar em busca de aten-dimento outros serviccedilos acessados satildeo o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial e os hospitais Nestes serviccedilos satildeo oferecidos atendimentos mais complexos quando comparados agrave assis-tecircncia prestada na Atenccedilatildeo Baacutesica Por isso eacute opccedilatildeo da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia realizar encaminhamento para estas ins-tacircncias Destaca-se neste percurso o fato de que o encaminha-mento ao CAPS pode ser resolutivo pois eacute laacute onde o usuaacuterio em crise encontraraacute o profissional de referecircncia poderaacute ter acesso ao meacutedico psiquiatra e a todos os procedimentos ne-cessaacuterios para o atendimento em situaccedilatildeo de crise Tambeacutem resguarda entretanto suas fragilidades principalmente no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do atendimento e recursos dis-poniacuteveis para este tipo de situaccedilatildeo

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Figura 1 - Itineraacuterio terapecircutico dos familiares de pessoas com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetricaFonte elaboraccedilatildeo dos autores

O hospital tambeacutem deveraacute prestar este atendimento de urgecircncia ou emergecircncia psiquiaacutetrica manejando o quadro do paciente e realizando apoacutes estabilizaccedilatildeo dos sinais e sintomas Deveraacute referenciar a pessoa com transtorno mental a um servi-ccedilo de atendimento especializado neste caso o CAPS Este per-curso problematiza a funccedilatildeo do CAPS como acolhedor final destas pessoas e seus familiares Para tanto eacute necessaacuterio que se organizem processos de trabalho capazes de absorver esta demanda e assim prestar atendimento de qualidade

Nesta trajetoacuteria do familiar outra reflexatildeo pertinente sobre a rede de apoio destas Sob este aspecto Macircngia e Ya-sutaki (2008) reconhecem a importacircncia de investimento no campo relacional das famiacutelias e pessoas com transtorno men-tal justificado pela escassez de interaccedilotildees sociais nas vidas desses sujeitos que se tornaram reduzidos agrave ldquodoenccedila mentalrdquo pelas praacuteticas hospitalocecircntricas respaldadas pelo paradigma psiquiaacutetrico Desse modo a possibilidade de realizar trocas e

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relaccedilotildees significativas com o meio social eacute expressa como pre-missa para a famiacutelia responsaacutevel pelo cuidado da pessoa com adoecimento psiacutequico

Assume-se pois a premissa de que o cuidado em sauacutede especificamente na Sauacutede Mental natildeo se estrutura apenas em torno de serviccedilos formais das redes assistenciais como CAPS hospitais e unidades de atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede mas esten-de-se ao cuidado prestado pela famiacutelia denominado cuidado prestado pelas redes informais

A reflexatildeo sobre as redes sociais de apoio conduzem ao entendimento de um conjunto de interaccedilotildees do sujeito no seu cotidiano Estas muitas vezes funcionam como suporte aos familiares de pessoas com transtorno mental no cuidado domiciliar Desse modo a rede social de apoio dos familiares pode ser composta principalmente pelos profissionais dos serviccedilos a famiacutelia amigos e gestores dos serviccedilos de sauacutede conforme visualizado ldquo[] conto com os meacutedicos com meu marido e a secretaria de sauacutede []rdquo ldquoSempre venho com ela quando natildeo posso vem uma amiga Ela tem um filho que mora com ela que cuida dela Sou irmatilde dela e sou vizinha []rdquo ou seja satildeo ligaccedilotildees entre pessoas com quem haacute uma relaccedilatildeo familiar proacutexima eou com envolvimento afetivo num plano em que a capacidade de influenciar e apoiar a si mesmo e ao outro favorece a situaccedilatildeo

Sob este aspecto Lavall Olschowsky e Kantorski (2009) acrescentam que o conhecimento dessas redes de apoio con-tribui com a praacutetica assistencial e possibilita maior vinculaccedilatildeo com o usuaacuterio e seu familiar com base no reconhecimento de valores e crenccedilas num processo mais especiacutefico de atuaccedilatildeo nos distintos processos de vida do sujeito em grupo e sua comuni-dade facilitando a interlocuccedilatildeo com o territoacuterio

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Supondo desde jaacute de que a famiacutelia quando cuida natildeo o faz sozinha mas estaacute amparada por uma rede de relaccedilotildees sociais naturais e mobilizadora de recursos que estatildeo aleacutem das situaccedilotildees imediatas e servem de apoio em momentos de ne-cessidade e de crise a rede eacute considerada valioso recurso e eacute a principal fonte de ajuda As redes constituem o contexto social em que o apoio fornecido eacute muacutetuo em situaccedilotildees nas quais os necessitados alternam favores e ajudas e verdadeiras redes de reciprocidade (GUTIERREZ e MINAYO 2010)

Na compreensatildeo dos profissionais do CAPS a possibi-lidade de um trabalho mais estreito com as redes sociais de apoio ampliam projeto terapecircutico do usuaacuterio pois aumenta as ofertas terapecircuticas e funciona como mais um indicador de qualidade pois ldquo[] um pouco do sucesso do tratamento po-deria taacute aiacute a gente tentar aproximar essas redes [] a gente po-deria taacute fortalecendo essas redes pra ele [o usuaacuterio] conhecer outras coisas na comunidade a proacutepria famiacutelia eu acho que a gente poderia provocar esse estreitamento dessas relaccedilotildeesrdquo

Cardoso e Galera (2012) no entanto destacam que a arti-culaccedilatildeo entre os serviccedilos de Sauacutede Mental a famiacutelia e a comu-nidade ainda estaacute em desenvolvimento e exprime vaacuterias fragi-lidades seja pela falta de recursos financeiros pela miacutengua de qualidade do serviccedilo prestado ou pela carecircncia de qualificaccedilatildeo teacutecnica Waidman et al (2011) complementam dizendo que os serviccedilos ainda satildeo insuficientes para atender a demanda acarretando descrenccedila na resolubilidade e levando a famiacutelia a desistir do atendimento Os autores enfatizam a descrenccedila com relaccedilatildeo ao atendimento da famiacutelia na Atenccedilatildeo Baacutesica que embora tenha como caracteriacutestica o domiciacutelio como es-paccedilo terapecircutico natildeo alcanccedilou ainda uma estrateacutegia adequada para atender as famiacutelias de portadores de transtorno mental

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A identificaccedilatildeo valorizaccedilatildeo e uso dessas redes sociais de apoio potencializam o cuidado em Sauacutede Mental jaacute que levam em consideraccedilatildeo a subjetividade do sujeito Operam com uma loacutegica diferente da oferta formal de serviccedilos utilizando-se de processos terapecircuticos envolvidos nas relaccedilotildees de confianccedila es-tabelecidas com um profissional do serviccedilo assistencial apoio emocional de um familiar ou vizinho bem como no aliacutevio de sofrimento por meio da arte da expressatildeo musical e da escrita

Assim os sentimentos que envolvem os relacionamen-tos dos usuaacuterios e suas redes sociais de apoio dizem respeito a seguranccedila compreensatildeo dos outros a respeito de si amizade confianccedila amparo e cuidado Mesmo quando o apoio de pes-soas proacuteximas como a famiacutelia fica limitado os usuaacuterios utilizam recursos de expressatildeo como a escrita que possibilita uma vida melhor o aliacutevio de ansiedades e o conforto de ser ouvida ou seja

Quando preciso de ajuda [] tenho um ca-derno porque quando eu natildeo tenho com que conversar ou eu acho que vocecirc natildeo vai enten-der o que eu estou passando aiacute eu passo tudo para o meu caderno [] Ele eacute o meu amigo Eacute bom porque ele ouve e guarda segredo [] quando eu estou muito ansiosa eu tento pas-sar o que eu estou sentindo na hora porque meus filhos natildeo vatildeo entender

De acordo com estudo de Lavall Olschowsky e Kantorski (2009) o apoio emocional pode ser encontrado junto aos fa-miliares que oferecem auxiacutelio e solidariedade entretanto ob-serva-se nas narrativas a capacidade de autonomia dos usuaacute-rios quando identificam uma forma de expressar sentimentos capazes de influenciar a si mesmo Nessa atitude eacute produzido a sensaccedilatildeo de poder compartilhar sua vida e emocionalmente essas vivecircncias satildeo positivas

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Desse modo Apreende-se que a subjetividade de pessoa em sofrimento psiacutequico se torna significativa para as accedilotildees de sauacutede dos profissionais do serviccedilo enfatizando a sua singulari-dade e as suas dimensotildees familiares e socioculturais Fenocircme-no este que se destacou na luta poliacutetica da Reforma Psiquiaacute-trica na mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede mental pois a atenccedilatildeo psicossocial centrou a perspectiva no territoacuterio do su-jeito preocupando-se com o seu cotidiano e a sua inserccedilatildeo na sociedade (LAVALL OLSCHOWSKY e KANTORSKI 2009)

Para os usuaacuterios a principal rede de apoio social eacute a fa-miacutelia nuclear que tambeacutem desempenha o papel de cuidador apesar de tambeacutem considerarem os vizinhos como apoio nas horas difiacuteceis Assim identificam-se como pessoas como fi-lhos irmatilde e a matildee que entendem o sofrimento psiacutequico ou transtorno mental e acompanham o usuaacuterio na trajetoacuteria do adoecimento O papel de cuidador eacute ldquo[] do meu filho ele me leva para casa dele me dar um chaacute de algum calmante aiacute tomo e volto para casa Sou viuacuteva natildeo tenho marido e nem matildeerdquo A famiacutelia eacute entendida como parceira no enfrentamento e vivecircn-cia do sofrimento transformando os serviccedilos formais como os CAPS hospitais e postos de sauacutede

Este fenocircmeno tambeacutem foi observado no estudo de Mota et al (2010 p 837)no qual verificaram que a rede social de apoio de idosos eacute composta em 50 por filhos ou membros mais proacuteximos da famiacutelia ou seja aqueles que mantecircm maior contato com os demais componentes ajudando sempre que necessaacuterio embora natildeo residindo no mesmo domiciacutelio

Assim numa situaccedilatildeo de adoecimento o usuaacuterio com maior grau de autonomia aciona sua rede de apoio mobili-zando inicialmente a famiacutelia

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[] fui pedir ajuda ao meu irmatildeo Que me acudiu na casa dele ai eles me ajudaram A presenccedila deles me ajudou [] Aiacute meu irmatildeo falou com a minha terapeuta ocupacional ai ela falou que eu tinha que procurar o CAPS na quinta-feira

Por sua vez a famiacutelia recorre aos profissionais e serviccedilos formais como os CAPS postos de sauacutede e hospitais para apoio nas horas difiacuteceis

Confirmando este acontecimento estudo de Lavall Ols-chowsky e Kantorski (2009 p 204) que identifica um signifi-cativo apoio em relaccedilatildeo ao microssistema familiar e seu rela-cionamento com o macroespaccedilo social centrado no serviccedilo de sauacutede Tal fato deve ser aproveitado como informaccedilatildeo para as equipes de sauacutede identificarem fragilidades e fortalezas a fim de implementarem a atenccedilatildeo em Sauacutede Mental

Assim a rede de apoio aos familiares no enfrentamento de situaccedilotildees de crises e trajetoacuteria de acompanhamento do adoeci-mento do seu familiar eacute tambeacutem composta por familiares en-tres eles o marido e a sogra por profissionais da sauacutede atuantes no hospital ESF ou CAPS ldquo[] vou no posto a coordenadora tambeacutem me ajuda a levar ela pra Messejana a minha sogra tambeacutem me ajuda muitordquo aleacutem da secretaria de sauacutede do mu-niciacutepio ldquoconto com os meacutedicos com meu marido e a secreta-ria de sauacutederdquo Isso porque o apoio da Secretaria Municipal de Sauacutede representa accedilatildeo de fazer valer o direito do usuaacuterio agrave sauacute-de no SUS uma vez que o direito natildeo eacute soacute lei pois constituido no cotidiano e nas relaccedilotildees com os outros

Desse modo o direito do usuaacuterio eacute garantido quando eacute as-segurado o acesso aos serviccedilos agrave medicaccedilatildeo e a todos os recur-sos terapecircuticos da rede Assim haacute possibilidade de ampliar o

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projeto terapecircutico com visitas domiciliares e disponibilizaccedilatildeo de carro para facilitar o acesso do usuaacuterio a hospitais fora do Municiacutepio no caso o Hospital de Sauacutede Mental de Messejana localizado em Fortaleza-CE

Nessas relaccedilotildees do dia a dia dentre os profissionais de sauacutede que mais possuem envolvimento com os usuaacuterios e fa-miliares foi revelado por meio da anaacutelise das narrativas que principalmente o meacutedico psiquiatra seguido do cliacutenico geral assistente social psicoacutelogo e o terapeuta ocupacional satildeo as referecircncias profissionais na rede social de apoio de familiares

Estudo de Mota et al (2010 p 837) comprovou em par-te esta afirmaccedilatildeo pois revelou que os profissionais da sauacutede que mais tinham algum envolvimento com as famiacutelias foi o profissional meacutedico (45) fato este justificado pela imagem culturalmente formada ao longo dos anos do meacutedico como detentor de alta resolubilidade dos problemas de sauacutede prova-velmente em decorrecircncia da prescriccedilatildeo medicamentosa

Uma rede social de apoio ampliada representa a capacida-de de se criar e manter laccedilos entre as pessoas O uso combina-do de variadas possibilidades de integraccedilatildeo de fluxos de servi-ccedilos e pessoas tem relaccedilatildeo com a autonomia pois indica para o usuaacuterio e seu familiar um caminho natildeo linear mas com vaacuterias conexotildees que promovam sentimentos de confianccedila e apoio o viacutenculo com o cuidador aleacutem de fomentar espaccedilos para o cui-dado Com singularidades estas redes podem ser ampliadas ou mas sempre satildeo acionadas quando necessaacuterio demons-trando a capacidade e graus de autonomia dos sujeitos

Desse modo a utilizaccedilatildeo dessa rede funciona como re-cursos facilitadores do trabalho em Sauacutede Mental ampliando as perspectivas e campos de atuaccedilatildeo do projeto terapecircutico a

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partir de uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano Tambeacutem se coaduna com os princiacutepios da Reforma Psiquiaacute-trica em que a pessoa deve ser visto em sua singularidade e inserido a uma sociedade que tenha um novo modo de lidar com a loucura e o sofrimento psiacutequico

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

As transformaccedilotildees no modo de cuidado agrave pessoa com transtorno mental faz parte de uma dinacircmica que exige re-flexatildeo constante por parte de gestores profissionais e comu-nidade A anaacutelise dos itineraacuterios terapecircuticos pode ser uma importante ferramenta para a qualificaccedilatildeo da assistecircncia na medida em que revela os fluxos percorridos em busca de re-soluccedilatildeo para um problema de sauacutede as conexotildees com as redes sociais e o acesso aos serviccedilos formais

Com efeito esta anaacutelise permite uma compreensatildeo am-pliada do ldquocuidado em sauacutederdquo pois inclui necessariamente os cuidados ofertados em serviccedilos assistenciais formais e os cui-dados informais prestados principalmente pela famiacutelia dos usuaacuterios de sauacutede mental Por sua vez a famiacutelia tambeacutem busca articulaccedilotildees para a efetividade desse cuidado estabelecendo viacutenculos proacuteximos e de ajuda muacutetua com seus entes entre eles pai matildee e irmatildeo aleacutem de vizinhos e profissionais de sauacutede dos serviccedilos formais pessoas que iratildeo compor a rede de apoio social do membro familiar

A utilizaccedilatildeo da rede social de apoio funciona como um in-dicador de qualidade no trabalho em Sauacutede Mental amplian-do as perspectivas e campos de atuaccedilatildeo do projeto terapecircutico com procedecircncia em uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano Tambeacutem se coaduna com os princiacutepios da Refor-

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ma Psiquiaacutetrica em que a pessoa deve ser vista em sua singu-laridade e inserido a como jaacute expresso numa sociedade que tenha um novo modo de lidar com a loucura e o sofrimento psiacutequico

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REFERecircNCIAS

ALVES P C B SOUZA I M A S Escolha e avaliaccedilatildeo de trata-mento para problemas de sauacutede consideraccedilotildees sobre o itineraacuterio te-rapecircutico In RABELO M C M ALVES P C B SOUZA I M A Experiecircncia de doenccedila e narrativa Rio de Janeiro Fiocruz 1999 p 125-138ARAUacuteJO L F S BELLATO R HILLER M Itineraacuterios terapecircuticos de famiacutelias e redes para o cuidado na condiccedilatildeo crocircnica algumas ex-periecircncias In Pinheiro R Martins PH organizadores Avaliaccedilatildeo em sauacutede na perspectiva do usuaacuterio abordagem multicecircntrica Recife Ed Universitaacuteria UFPE 2009 203-14pAUGEacute M Ordre biologique ordre social la maladie forme eacutelemen-taire de lrsquoeacutevegravenement In Augeacute M Hezlich C editors Le sens du mal Anthropologie histoire et sociologie de la maladie Paris Eacuteditions de Archives Contemporaines 1984 35-91pBANDEIRA M BARROSO S M Sobrecarga das Famiacutelias de Pa-cientes Psiquiaacutetricos Artigo de Revisatildeo J bras psiquiatr v 54 n 1 p 34-46 2005BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Sauacutede Mental no SUS os Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial Brasiacutelia MS 2004b (Seacuterie F Comunicaccedilatildeo e Educaccedilatildeo em Sauacutede)CABRAL A L L V et al Itineraacuterios terapecircuticos o estado da arte da produccedilatildeo cientiacutefica no Brasil Ciecircnc sauacutede coletiva [online] v 16 n11 p 4433-4442 2011 CANGUILHEM G O normal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2010CARDOSO Lucilene GALERA Sueli Aparecida Frari and VIEIRA Mariana Verderoce O cuidador e a sobrecarga do cuidado agrave sauacutede de pacientes egressos de internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Acta paul enferm [online] 2012 vol 25 n4 p 517-523 GEANELLOS R Exploring Ricoeurrsquos hermeneutic theory of inter-pretation as a method of analyzing research texts Nurs Inq v 7 p

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bioeacutetico uma face da desinstitucionalizaccedilatildeo revelada em uma notiacutecia de jornal Physis [online] 2009 vol19 n 3 p 817-828TRAD L A B et al Itineraacuterios terapecircuticos face agrave hipertensatildeo arte-rial em famiacutelias de classe popular Cad Sauacutede Puacuteblica v 26 n 4 p 797-806 2010WAIDMAN Maria Angeacutelica Pagliarini et al O cotidiano do indiviacute-duo com ferida crocircnica e sua sauacutede mental Texto contexto - enferm [online] 2011 vol 20 n 4 p 691-699

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CAPIacuteTULO 19

PLANEJAMENTO DE AccedilOtildeES DESINSTITU-CIONALIZANTES COM VISTAS agrave CONSOLI-DAccedilAtildeO DO ACESSO agrave REDE ASSISTENCIAL DE SAUacuteDE MENTAL

Racircndson Soares de SousaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A consolidaccedilatildeo do acesso no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) configura-se nos desafios de se (re) organizar as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede para assim poder garantir o comprimento de seus princiacutepios basilares que incluem universalidade equi-dade e integralidade sendo necessaacuterio assumir de forma clara a ideia de que esse se daacute no movimento solidaacuterio-histoacuterico de avanccedilos desafios e retrocessos dos cotidianos personificados e vividos por gestores trabalhadores e usuaacuterios

No que concerne ao acesso agrave assistecircncia em Sauacutede Mental o movimento de Reforma Psiquiaacutetrica brasileira tem partici-paccedilatildeo no iniacutecio dos anos de 1970 junto ao Movimento Sanita-rista tendo como particularidade a elaboraccedilatildeo de um modelo de assistecircncia que se embasa no distanciamento do padratildeo hospitalocecircntrico por meio do ideaacuterio antimanicomial e em defesa de uma desinstitucionalizaccedilatildeo que progressivamente ofereccedila e fortaleccedila a existecircncia de espaccedilos e serviccedilos substituti-vos possibilitando a reinserccedilatildeo social dos que por muito tem-po foram esquecidos como ldquoloucosrdquo e esquecidos agrave margem da sociedade (TAVARES 2005 JORGE 2006)

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Como de fato poreacutem se faz o planejamento de accedilotildees que possibilitem efetivamente a nova forma de pensar e produzir sauacutede mental Quais os serviccedilos e estrateacutegias para que a desins-titucionalizaccedilatildeo manicomial e a criaccedilatildeo de espaccedilos substituti-vos possa ocorrer e fazer jus a pensar da Reforma Psiquiaacutetrica

Entende-se que eacute na perspectiva de se responder atais questionamentos que urge a necessidade da existecircncia organi-zada de uma Rede de Assistecircncia em Sauacutede Mental (RASM) que no atual contexto pode ser composta por centros de aten-ccedilatildeo psicossocial (CAPS) serviccedilos residenciais terapecircuticos (SRT) Centros de convivecircncia ambulatoacuterios de sauacutede mental e hospitais gerais caracteriza-se por ser essencialmente puacutebli-ca de base municipal e com um controle social fiscalizador e gestor na consolidaccedilatildeo da Reforma Psiquiaacutetrica (BRASIL 2005) Sendo assim satildeo relevantes os estudos que abordam os avanccedilos e desafios no que concerne agraves estrateacutegias do planeja-mento em sauacutede com vistas a consolidaccedilatildeo do acesso as redes assistecircncias de Sauacutede Mental objeto deste estudo

Os CAPS aleacutem de serem serviccedilos importantes para a consolidaccedilatildeo da Reforma Psiquiaacutetrica satildeo equipamentos so-ciais de sauacutede estrateacutegicos que permitem a (re)organizaccedilatildeo da RASM em um determinado territoacuterio tendo em vista que as-sumem a centralidade dessa rede (DELGADO 2007 ONOC-KO-CAMPOS 2006) Muitas vezes no entanto esses serviccedilos que compotildeem a atenccedilatildeo secundaacuteria da estrutura hierarquizada da rede de serviccedilos do SUS ficam como ldquopeccedilas soltasrdquo dentro do sistema na medida em que sua articulaccedilatildeo com a atenccedilatildeo primaacuteria e terciaacuteria eacute ldquomal-equacionadardquo dificultando assim a garantia do acesso ao usuaacuterio (CECILIO 1997)

Na condiccedilatildeo de centralidade na RASM e natildeo diferente-mente de outros serviccedilos de sauacutede os CAPS enfrentam proble-

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mas recorrentes como longas filas de espera por atendimento organizadas por ordem de chegada sem avaliaccedilatildeo do risco de-mora no atendimento nuacutemero de profissionais pequeno com relaccedilatildeo agrave demanda falta de medicamentos bem como insta-laccedilotildees precaacuterias Satildeo situaccedilotildees observadas cotidianamente nas instituiccedilotildees de sauacutede do Brasil sendo revelada por meio da insatisfaccedilatildeo e da inseguranccedila dos usuaacuterios com o tipo de assis-tecircncia prestada e da forma como os profissionais e a gestatildeo de sauacutede operam os serviccedilos

Os problemas apontados precisam ser enfrentados de forma conjunta pelos agentes sociais que vivenciam cotidiana-mente a problemaacutetica de acesso agrave assistecircncia em sauacutede haven-do a necessidade de se reconhecer o planejamento em sauacutede como instrumento para a gestatildeo participativa na conformaccedilatildeo estrateacutegica das diretrizes metas e operacionalidade executiva das demandas e necessidades da populaccedilatildeo em seu territoacuterio

Portanto acredita-se ser inviaacutevel uma gestatildeo dos serviccedilos de sauacutede a fim de se consolidar o acesso quando natildeo haacute um planejamento das accedilotildees pensado e dialogado pelos agentes so-ciais Nessa perspectiva o planejamento em sauacutede constitui base norteadora das demais praacuteticas de sauacutede quando satildeo de-senvolvidas de forma dialoacutegica e comunicativa em que todos os sujeitos sociais deveriam atuar de forma conflitiva na iden-tificaccedilatildeo dos problemas priorizando-os e propondo soluccedilotildees (SILVA 2006)

Para Jesus e Assis(2010) eacute sob a eacutegide da concepccedilatildeo de dispositivo que o planejamento no campo da sauacutede se insti-tui com vistas a garantir o acesso dos brasileiros aos serviccedilos de sauacutede e como categoria analiacutetica importante na elaboraccedilatildeo teoacuterico-praacutetica do cotidiano no SUS Nesse entendimento os autoresressignificam o trabalho de Giovanella e Fleury (1996)

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agrave medida que esses relacionam as dimensotildees analiacuteticas do acesso com o planejamento analisando essa relaccedilatildeo em quatro dimensotildees tecnoassitencial poliacutetica econocircmica e simboacutelica

O acesso eacute entendido como a ldquoporta de entradardquo ldquocomo o local de acolhimento do usuaacuterio no momento de expressatildeo de sua necessidade e de certa forma os caminhos percorridos por ele no sistema na busca da resoluccedilatildeo dessa necessidaderdquo havendo a necessidade de um entendimento que extrapola os aspectos relacionados apenas a assistecircncia a sauacutede entenden-do que deve envolver os fatores econocircmicos culturais sociais intersetoriais e as estruturais de governo de um paiacutes (JESUS ASSIS 2010 p 162)

Perante o exposto este o estudo busca analisar o processo de planejamento em sauacutede com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo do acesso na RASM de uma capital nordestina do Brasil toman-do comoeixo norteador a dimensatildeo tecnoassitencial do acesso Espera-se que o estudo tenha relevacircncia agrave medida que os re-sultados revelam problemas que necessitam da (re)elaboraccedilatildeo e da implantaccedilatildeo de estrateacutegias para sanar ou diminuir as fra-gilidades desse processo bem como possa apontar os meios de fortalecer as potencialidades das accedilotildees de planejamento com vistas agrave consolidaccedilatildeo do acesso na rede pois entende-se como Matus (1993 p14) que ldquonegar o planejamento eacute negar a pos-sibilidade de escolher o futuro eacute aceitaacute-lo seja ele qual forrdquo

MeacuteTODO

Este ensaio constitui pesquisa com abordagem qualita-tiva realizada na cidade de Fortaleza Estado do Cearaacute (CE) nos centros de atenccedilatildeo psicossocial de uma das seis secretarias executivas regionais da Cidade Os participantes da pesquisa

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foram 19 pessoas subdivididas em trecircs grupos I ndash cinco sujei-tos II ndash nove sujeitos e III ndash cinco sujeitos O primeiro grupo foi constituiacutedo por gestores da RASM o segundo pelos tra-balhadores de sauacutede e o terceiro pelos usuaacuterios dos CAPS ou familiares destes

Para tanto adota-se como criteacuterio de inclusatildeo para os su-jeitos dos grupos I e II serem gestores ou trabalhadores que estivessem com permanecircncia de no miacutenimo seis meses nos equipamentos sociais de sauacutede (CAPS da SER IV) na RASM de Fortaleza-CE E no grupo III serem usuaacuterios ou familia-res daqueles que frequentassem os CAPS da SER IV por no miacutenimo seis meses eacute criteacuterio de exclusatildeo dos usuaacuterios a clas-sificaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia (desorientados ou sob efeito da medicaccedilatildeo)

Na coleta de dados realizada no periacuteodo de janeiro a ju-nho de 2012 utilizou-se a entrevista semiestruturada e a obser-vaccedilatildeo sistemaacutetica como fonte primaacuteria Neste intuito elabora-ram-se trecircs roteiros de entrevista um destinado aos grupos I e II e outro para o grupo III como tambeacutem um roteiro para nortear a observaccedilatildeo

Ademais realizou-se ainda no intuito de complementar os dados a serem obtidos pelas fontes primaacuterias a anaacutelise de documentos Assim foram selecionados e identificados cinco documentos teacutecnicos que abordam o Planejamento em Sauacutede no contexto federal e municipal documento 1 ndash Plano Muni-cipal de Sauacutede de Fortaleza (2006-2009) documento 2 ndash Rela-toacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2005) documento 3 ndash Relatoacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2006) do-cumento 4 ndash Relatoacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2007) e documento 5 ndash Sistema de Planejamento do SUS uma construccedilatildeo coletiva organizaccedilatildeo e funcionamento No

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decorrer do texto os documentos satildeo citados e identificados abreviadamente por (Doc x) em que X significa o nuacutemero do documento correspondente aqui especificado sendo esses apontados nas referecircncias respectivamente conforme o tiacutetulo prenunciado

Para apreciaccedilatildeo dos resultados utilizou-se a anaacutelise criacute-tica proposta por Minayo entendendo que toda teacutecnica de investigaccedilatildeo proporciona aos investigadores um meio de apreender as relaccedilotildees sociais em determinados espaccedilos de uma forma apropriada ao tipo de problema a ser pesquisado (2008)

Eacute vaacutelido ressaltar que a fim de privilegiar os aspectos eacuteti-cos de pesquisas envolvendo seres humanos esta investigaccedilatildeo foi submetida inicialmente ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute (CEPUECE) aprova-da sob Parecer nordm 08573214-1 Esta eacute tambeacutem recorte de um projeto maior intitulado ldquoProduccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e suas articulaccedilotildees com as linhas de cuidado do SUS e da assistencial de sauacutede mentalrdquo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Sauacutede Mental Famiacutelia Praacuteticas de Sauacutede e Enfermagem (GRUPSFEUECE)

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Os resultados e a discussatildeo aqui mostrados em duas ca-tegorias analiacuteticas com ecircnfase na anaacutelise estrateacutegias do plane-jamento com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo da rede assistencial de sauacutede mental tomando como base a dimensatildeo tecnoassisten-cial do acesso sendo essas denominadas Constituiccedilatildeo e de-safios da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental de Fortaleza-CE e Interlocuccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental de Fortaleza-CE com a Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS)

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Rede Assistencial de Sauacutede Mental de Fortaleza-CE avanccedilos e desafios de sua constituiccedilatildeo

Eacute fato notoacuterio que a Rede Assistencial de Sauacutede Mental de Fortaleza-CE possibilita o caminho de accedilotildees desinstitucio-nalizadoras sobretudo com o seu crescimento de oferta do nuacutemero de serviccedilo Eacute preciso analisar poreacutem a efetivaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de outros entendimentos do que eacute de fato acesso aos serviccedilos e bens de sauacutede privilegiando outras dimensotildees e perspectivas do que simplesmente o ato do usuaacuterio ingressar no serviccedilo

Assim especificamente no campo de investigaccedilatildeo os do-cumentos analisados destacam que havia uma incipiente Po-liacutetica de Sauacutede Mental ateacute final do ano de 2004 sendo a rede composta por apenas trecircs CAPS o que tornava a assistecircncia insuficiente agrave populaccedilatildeo ensejando uma demanda reprimida em filas de espera e outras dificuldades quanto ao acesso (Doc 1)

Em face disso o Plano Municipal de Fortaleza 2006-2009 (Doc 1) como uma de suas propostas estrateacutegicas para a (re) organizaccedilatildeo dos serviccedilos de Sauacutede Mental propocircs as seguin-tes metas expandir a rede de serviccedilos extra-hospitalares para serviccedilos substitutivos de modo a ter 15 CAPS para atendimen-to de transtornos mentais eou decorrentes do uso de aacutelcool e outras drogas trecircs residecircncias terapecircuticas e centros de con-vivecircncia e cultura Ademais ocorreram ainda a implantaccedilatildeo de ambulatoacuterios de Sauacutede Mental bem como a efetivaccedilatildeo da garantia de leitos em hospital geral

Jaacute no ano de 2007 conforme o Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 2 Doc 3 e Doc 4) apresentado somente em 2009 a RASM de Fortaleza era composta por diversos equipamentos sociais conforme segue a descriccedilatildeo seis CAPS gerais para

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atendimentos de transtornos diversos seis CAPSad para pes-soas que apresentam uso abusivo de aacutelcool ou outras drogas dois CAPSi que tratam de transtornos mentais referentes agrave in-facircncia e adolescecircncia uma Residecircncia Terapecircutica uma Uni-dade de Sauacutede Mental em Hospital Geral com 30 leitos duas emergecircncias psiquiaacutetricas especializadas nove emergecircncias cliacutenicas em hospitais municipais uma ambulacircncia do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia especializada em sauacutede mental 18 equipes de apoio matricial em Sauacutede Mental duas ocas de sauacutede comunitaacuteria que realizam atividades de promo-ccedilatildeo de sauacutede com os grupos de resgate de autoestima terapia comunitaacuteria e massoterapia

Ao extrair do Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 4) e com suporte no conhecimento e conviacutevio da realidade as metas quanto agrave expansatildeo dos equipamentos e serviccedilos de sauacutede do local estudado foram parcialmente atingidas uma vez que o nuacutemero de CAPS implantados foi de 14 enquanto a meta era de 15 e apenas a existecircncia de uma Residecircncia Terapecircutica em vez de trecircs residecircncias terapecircuticas da meta inicial do Plano Municipal de Sauacutede 2006-2009 (Doc 1)

Pode-se observar que os serviccedilos de Sauacutede Mental de For-taleza-CE buscam seguir a conformaccedilatildeo em redes de atenccedilatildeo em sauacutede pois trazem outras possibilidades de acesso aos ser-viccedilos e procuram se adequar agrave demanda Esta compreensatildeo foi permitida com a observaccedilatildeo sistemaacutetica acerca de como se daacute o acesso aos CAPS de Fortaleza-CE bem como pela definiccedilatildeo da estrateacutegia do Plano Municipal de Sauacutede (Doc1) de garantir o acesso e o cuidado do usuaacuterio por toda a rede desde de a implantaccedilatildeo do acolhimento e da escuta qualificada nos CAPS da SER IV

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Evidencia-se pois uma quebra da loacutegica verticalizada do sistema de sauacutede Os encaminhamentos podem vir tanto no niacutevel primaacuterio de atenccedilatildeo quanto referenciado dos hospitais de referecircncia Os usuaacuterios advecircm dos mais diversos setores sociais bem como de quaisquer niacuteveis de complexidade do sistema de sauacutede como se comprova na convergecircncia dos dis-cursos a seguir

[] O acesso ele eacute espontacircneo geralmente tem um teacutecnico de referencia de niacutevel supe-rior pra se estaacute fazendo a acolhida de quem estaacute chegando ao serviccedilo seja pela primeira vez ou que jaacute esteja no nosso serviccedilo e o mes-mo pra pessoa que recebe um encaminha-mento e caso a necessidade seja para algum outro equipamento da rede agente faz algu-mas articulaccedilotildees com os outros equipamen-tos [] (GRUPO I)

[] a demanda eacute espontacircnea e todos satildeo atendidos e se uma questatildeo que num possa ser resolvido de imediato eacute agendado ou eacute encaminhado [] (GRUPO II)

[] Minha chegada aqui foi assim eu morava laacute no outro bairro e aiacute faccedilo parte de um grupo laacute da igreja e aiacute eu contando meus problemas o padre disse que eu procurasse o CAPS e aiacute quando eu me mudei pra caacute eu vi e eles me atenderam e depois eu voltei e fiquei vindo pra consulta com o psiquiatra e com a enfer-meira [](GRUPO III)

Em face disso algumas importantes questotildees na proacutepria organizaccedilatildeo do SUS emergem e nos levam a refletir sobre a importacircncia dos serviccedilos de sauacutede estarem interconectados evitando a fragmentaccedilatildeo dos atendimentos (ONOCKO-

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CAMPOS 2006 VIEIRA FILHO NOacuteBREGA 2004) Nota-se assim que os equipamentos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo de redes de sauacutede no Municiacutepio natildeo fogem agrave loacutegica nacional uma vez que essa eacute uma realidade em elaboraccedilatildeo no Brasil

No Plano Municipal de Sauacutede 2006-2009 (Doc 1) eacute pos-siacutevel perceber que a Gestatildeo Municipal de Fortaleza neste pe-riacuteodo assumiu o compromisso da proposiccedilatildeo de rede no mo-delo da gestatildeo e atenccedilatildeo integral agrave sauacutede entendendo que

Trabalhar com o conceito de rede eacute estabele-cer um diaacutelogo construtivo com outras aacutereas do conhecimento como forma de responder aos complexos desafios da produccedilatildeo da sauacute-de e ainda potencializar a organizaccedilatildeo e o funcionamento do modelo de atenccedilatildeo inte-gral agrave sauacutede (FORTALEZA 2008 p 47)

A rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definida como ma-lha que interconecta e integra os estabelecimentos e serviccedilos de sauacutede de um determinado territoacuterio organizando-os siste-maticamente para que os niacuteveis e densidades tecnoloacutegicas de atenccedilatildeo estejam articulado e adequadas para o atendimento do usuaacuterio e para a promoccedilatildeo da sauacutede (CARVALHO 2008)

Entende-se que o desafio do planejamento com vistas agrave constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede em rede estaacute aleacutem da perspectiva da utilizaccedilatildeo do conceito havendo a neces-sidade de buscar formas de oferecer estrateacutegias que favoreccedilam o desenvolvimento de processos emancipatoacuterios coletivos so-lidaacuterios e compartilhados de conhecimento e enfrentamento de situaccedilotildees complexas que envolvem a (re)-organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede em rede

Nesse entendimento identificou-se pelo menos dois grandes desafios a serem enfrentados na (re)organizaccedilatildeo e

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interconexatildeo da RASM de Fortaleza-CE com as demais redes assistenciais 1- a natildeo existecircncia de um CAPS tipo III na RASM de Fortaleza-CE ateacute o iniacutecio do ano de 2012 e 2- a natildeo inclu-satildeo da RASM no Sistema de Informatizaccedilatildeo das redes assisten-ciais dificultando assim a interconexatildeo necessaacuteria entre essas

Destaca-se primeiramente a natildeo existecircncia de um CAPS do tipo III em nenhuma das SER de Fortaleza-CE podendo esse ser o deacutecimo quinto CAPS a ser implantado e cumprir com a meta inicial estabelecida Ressalta-se ainda que esse equipamento social de sauacutede natildeo poderia deixar de existir se de fato os criteacuterios de implantaccedilatildeo de abrangecircncia popu-lacional tivessem sido levados em consideraccedilatildeo uma vez que nenhuma daquelas possui menos do que 200 mil habitantes criteacuterio esse utilizado para implantaccedilatildeo de um CAPS tipo III

Tal situaccedilatildeo sem duacutevida eacute um problema a ser enfrentado pelo sujeitos sociais (gestores trabalhadores de sauacutede e usuaacute-rios) que se articulam nas redes assistenciais com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo dos serviccedilos e consolidaccedilatildeo do acesso sendo esta uma questatildeo identificada nos discursos dos grupos de sujeitos

[] nossos CAPS satildeo tipo II noacutes cometemos erros mas natildeo foi foi por falta de orientaccedilatildeo por uma decisatildeo de gestatildeo era pra Fortaleza jaacute ter comeccedilado com o CAPS tipo III pelo menos o geral mas natildeo o que foi que se fez se implantou 14 CAPS e ai por caso de cus-tos natildeo se teve mais perna pra poder ter um CAPS tipo trecircs [] (GRUPO I)

[] no nosso CAPS agente percebe a necessi-dade de um CAPS tipo III e sem isso agente num ver condiccedilatildeo de desistitucionalizaccedilatildeo eu acho que na medida em que se nega uma proposta vocecirc tem que daacute outra pra quem

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estaacute do outro lado e a favor do outro modelo natildeo possa dizer ldquotaacute vendo natildeo deu certo e ai o que eacute que vai fazer agora com as pessoas que estatildeo criserdquo [] (GRUPO II)

[] Eu num tenho o que dizer do atendi-mento da organizaccedilatildeo natildeo eu soacute fico preo-cupada eacute porque eu sei que num eacute bom in-ternar mas ai eu tenho medo de ele ter uma crise e ai pra onde eu vou levar entendeu [] (GRUPO III)

Apreende-se com isso que natildeo eacute apenas a implantaccedilatildeo de serviccedilos substitutivos e extra-hospitalares que promovem a real mudanccedila no modelo de atenccedilatildeo agraves pessoas que necessitam de assistecircncia em sauacutede mental Natildeo adianta termos serviccedilos substitutivos ao hospital psiquiaacutetrico se reproduziu na praacuteti-ca destes serviccedilos o modelo manicomial tatildeo questionado de atenccedilatildeo ou se este natildeo existem em quantidade suficiente para assistecircncia integral de toda a demanda da comunidade

Em relaccedilatildeo ao outro desafio percebe-se que para o forta-lecimento das interconexotildees das redes deve-se discutir a natildeo inclusatildeo da RASM no Sistema de Informatizaccedilatildeo das redes as-sistenciais o que iria facilitar a interconexatildeo necessaacuteria dessas Tal problemaacutetica foi evidenciada com as visitas aos CAPS bem como na convergecircncia dos discursos abaixo

[] A questatildeo eacute que nossa rede natildeo eacute infor-matizada e com isso a gente perde dados a gente natildeo consegue ver o fluxo do usuaacuterio a gente natildeo consegue ver o caminho dele pela rede inteira se ele estar internado ou natildeo es-tar se ele esta na atenccedilatildeo baacutesica ou se natildeo es-tar isso entatildeo a gente natildeo tem e isso poderia ser uma estrateacutegia pra gente ta vendo esses fluxos e isso poderia ate ajudar na questatildeo

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do planejamento em si porque a gente natildeo perderia tantos dados e ateacute mesmo de uma questatildeo de custos[] (GRUPO I)

De fato este eacute um problema especiacutefico da RASM de Forta-leza-CEentretanto uma vez em anaacutelise do Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 4) identifica-se a existecircncia de uma tecnologia de informaccedilatildeo (TI) configurada como ferramenta que enseja o acesso e as funcionalidades como prontuaacuterios baacutesicos e espe-cializados central de marcaccedilatildeo de consultas exames especiali-zados regulaccedilatildeo e leitos auditoacuteria dentre outros

Assim ressalva-se ser necessaacuterio que os serviccedilos de Sauacutede Mental sempre estabeleccedilam articulaccedilotildees e entendam a dinacirc-mica dos novos fluxos de atenccedilatildeo com os demais serviccedilos de sauacutede a fim de natildeo soacute oferecerem respostas aos problemas de sauacutede mas tambeacutem fazerem articulaccedilotildees com outros setores da sociedade para que possam prestar uma atenccedilatildeo mais inte-gral aos que deles necessitam (MATTOS 2001 QUINDEREacute 2008)

Destarte a RASM de Fortaleza-CE mesmo com suas li-mitaccedilotildees funcionaria como articuladora das accedilotildees deSauacutede Mental dentro da macro rede de serviccedilos de sauacutede que com-potildeem o seu conjunto de rede assistenciais do modelo a gestatildeo e atenccedilatildeo integral a sauacutede natildeo se configurando como uma rede de serviccedilos de Sauacutede Mental separada mas sim com intercone-xatildeo com os diversos serviccedilos de sauacutede aleacutem de estar interco-nectada com os diversos setores inseridos no territoacuterio

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RASM - CE e sua articulaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacute-de apoio matricial como uma estrateacutegia possiacutevel

Em anaacutelise da centralidade que os CAPS ocupam enten-de-se que estes dentro da estrutura de rede assumem impor-tante papel nas novas praacuteticas de Sauacutede Mental uma vez que se configuram como dispositivos estrateacutegicos para a transfor-maccedilatildeo do modelo hospitalocecircntrico sendo serviccedilos potencial-mente capazes de articular as accedilotildees de Sauacutede Mental junto aos serviccedilos de outras redes como ambulatoacuterios leitos de inter-naccedilatildeo em hospitais gerais accedilotildees de suporte e reabilitaccedilatildeo psi-cossocial e especialmente os serviccedilos da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) (ONOCKO-CAMPOS 2006)

Sobre a articulaccedilatildeo dos CAPS e a APS Vieira Filho e Noacutebrega (2004) acentuam que esses serviccedilos precisam estar articulados para que seja facilitado o planejamento de accedilotildees na respectiva aacuterea distritalregional de abrangecircncia princi-palmente no que diz respeito agraves intervenccedilotildees cliacutenicas na rede de suporte social e de inter-relaccedilotildees pessoais significativas do usuaacuterio dos serviccedilos

Para tanto e a fim de facilitar a constituiccedilatildeo de redes re-gionalizadas e integradas os trabalhadores da sauacutede no niacutevel da APS contam com o auxiacutelio das equipes de apoio matricial O apoio matricial em Sauacutede Mental eacute compreendido como ar-ranjo institucional criado para promover a interlocuccedilatildeo dos serviccedilos de Sauacutede Mental como os CAPS e as Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF) Destina-se principalmente a contri-buir com a implementaccedilatildeo de uma cliacutenica ampliada e singu-lar a promover sauacutede e diversidade de ofertas terapecircuticas a favorecer a corresponsabilizaccedilatildeo entre as equipes e a servir de apoio para as equipes de referecircncia (equipes da ESF) (ONOC-KO-CAMPOS 2006)

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Neste intuito a proposta preconizada do apoio matricial eacute de que os profissionais da Sauacutede Mental acompanhem fre-quentemente as equipes da ESF propiciando um suporte teoacute-rico-praacutetico que natildeo se pauta na loacutegica do encaminhamento ou da referecircncia e contrarreferecircncia mas sim numa responsa-bilidade compartilhada dos casos aumentando a capacidade resolutiva das necessidades de sauacutede dos usuaacuterios (DIMENS-TEIN 2008 COSTA JORGE 2002)

Os profissionais dos CAPS de Fortaleza-CE implantam o apoio matricial na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e realizam vi-sitas domiciliaacuterias possibilitando aleacutem da (re) organizaccedilatildeo da oferta a rede para atender a demanda Conforme o Relatoacuterio de Gestatildeo de 2007 (Doc4) a SER IV conta com duas equipes de apoio matricial em Sauacutede Mental para atender as 12 unida-des de Sauacutede da Famiacutelia da Regional tendo sido implantado o apoio matricial no ano de 2007 em apenas seis dessas unidades

Nos discursos apreendidos nas entrevistas semiestrutura-das e discriminados abaixo a realidade de cobertura de apoio matricial avanccedilou e possibilita mudanccedilas

Uma estrateacutegia utilizada para se garantir o acesso tem sido a questatildeo do apoio matricial que aqui na regional IV estaacute bem avanccedilada e atualmente satildeo trecircs equipes os trecircs CAPS participam e estamos atendendo atualmen-te 11 postos dos 12 Eacute pelo menos uma vez por mecircs em cada unidade de sauacutede E agora tambeacutem noacutes temos iniciado tambeacutem o apoio matricial em um hospital secundaacuterio que tem sido interessante (GRUPO I)

Como propriamente assumiu no iniacutecio do texto no entan-to a consolidaccedilatildeo do acesso eacute de fato um movimento solidaacute-rio-histoacuterico de avanccedilos desafios e retrocesso dos cotidianos

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personificados e vividos por gestores trabalhadores e usuaacuterios pois que sabe-se que atualmente a estrateacutegia de apoio matricial eacute objeto de um retrocesso e nem funciona muito incipiente-mente no Municiacutepio mas analisou-se que o apreendido como perspectiva de vislumbrar o que foi e o que eacute possiacutevel

Assim no entendimento do existido e do vivido por ges-tores trabalhadores e usuaacuterios no momento de coleta de da-dos pode-ses afirmar que o matriciamento em Sauacutede Mental na atenccedilatildeo baacutesica possibilita mudanccedilas na produccedilatildeo do cuida-do propondo uma articulaccedilatildeo de saberes e praacuteticas ocorrem por intermeacutedio de uma organizaccedilatildeo horizontal do processo de trabalho numa tentativa de combinar especializaccedilatildeo com interdisciplinaridade e ainda supera a alienaccedilatildeo fragmenta-ccedilatildeo e tecnicismo biologicista possibilitando uma correspon-sabilizaccedilatildeo e uma reconstituiccedilatildeo de viacutenculos entre a equipe de referecircncia a equipe matricial e a clientela atendida (DIMENS-TEIN 2008 CAMPOS AMARAL 2007)

Por todo o exposto reconhece-se a importacircncia da regio-nalizaccedilatildeo com vistas ao fortalecimento do acesso agraves praacuteticas de sauacutede no acircmbito do territoacuterio comunitaacuterio e familiar do usuaacuterio mas natildeo para engessar e burocratizar a oferta dis-ponibilizada pelos serviccedilos de sauacutede Entende-se ainda que a delimitaccedilatildeo dessas aacutereas permite o direcionamento e a defini-ccedilatildeo da populaccedilatildeo-alvo a ser assistida possibilitando estudos de cobertura avaliaccedilatildeo e resolubilidade e ainda permitindo alocaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo dos recursos de que a rede dispotildee

Conforme consta nos documentos Doc5 Doc4 e Doc1 seguindo a loacutegica de regionalizaccedilatildeo que nacionalmente se tem no planejamento em sauacutede a cidade de Fortaleza-CE estabe-leceu metas especiacuteficas para cada um de seus seis grupos po-pulacionais de modo a superar o desafio de prestar assistecircncia

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em sauacutede no territoacuterio em que os usuaacuterios tecem suas relaccedilotildees sociais Para isso visa agrave articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede de modo a consolidar o modelo da gestatildeo e atenccedilatildeo integral agrave sauacutede

A fim de privilegiar a integralidade das accedilotildees serviccedilos e cuidado a pessoa a famiacutelia e a comunidade em Sauacutede Mental Jesus (2006) acentua que eacute necessaacuterio o mecanismo de refe-recircncia e contrarreferecircncia na relaccedilatildeo entre agraves unidades da rede de serviccedilos de sauacutede de modo que esses mecanismos possam possibilitar uma delineaccedilatildeo dos fluxos de cuidado com ecircnfase no acesso

Com efeitoa questatildeo do acesso assume um caraacuteter regula-dor sobre o sistema de sauacutede definindo fluxos funcionamento capacidade e necessidade de expansatildeo e organizaccedilatildeo da rede para o cuidado progressivo ao usuaacuterio impulsionando o pla-nejamento da sauacutede na direccedilatildeo da dimensatildeo cuidadora horizontal defendida no modelo do ciacuterculo (JESUS ASSIS 2010 p 114)

O modelo de ciacuterculo envolve o entendimento conceitual e praacutetico de relativizaccedilatildeo da concepccedilatildeo de organizaccedilatildeo hie-raacuterquica e regionalizada da atenccedilatildeo em sauacutede com vistas a garantir acesso agrave tecnologia adequada no momento em que o usuaacuterio eacute acolhido e expressa sua necessidade ensejando uma demanda que necessita de uma accedilatildeo resolutiva por parte da unidade de serviccedilo da rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede que o acolheu (CECILIO 1997 ASSIS VILLA NASCIMENTO 2003)

Nessa perspectiva eacute necessaacuterio entender que no modelo de atenccedilatildeo psicossocial as praacuteticas de sauacutede natildeo cabem numa estrutura organizacional determinantemente estabelecida A

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composiccedilatildeo de modelos fixos e padronizados indica um en-gessamento das praacuteticas uma burocratizaccedilatildeo das accedilotildees do sis-tema de sauacutede tornando o acesso aleacutem de burocraacutetico exclu-dente inflexiacutevel e segregador (AMARANTE GULJOR 2005)

Assim torna-se necessaacuterio que os CAPS interajam de ma-neira horizontalizada com os equipamentos sociais que com-potildeem a rede de assistecircncia agrave sauacutede mental como os serviccedilos residenciais terapecircuticos as unidades de ESF e as unidades de internaccedilatildeo psiquiaacutetricas a fim de acompanhar o usuaacuterio em eventuais internaccedilotildees bem como fazendo articulaccedilatildeo com os demais setores sociais no intuito de desmistificar o imaginaacute-rio negativo que ainda existe sobre as pessoas com transtornos mentais e possibilitar de fato a reinserccedilatildeo social

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Entende-se que o planejamento com vistas agrave (re) organi-zaccedilatildeo da RASM em que se deu este estudo eacute efetivo e possibi-lita a consolidaccedilatildeo do acesso na perspectiva tecnoassistencial tendo sido as estrateacutegias de ampliaccedilatildeo dos equipamentos so-ciais de sauacutede uma realidade concretizada permitindo assim o acesso de variadas formas seja ele espontacircneo ou encami-nhado de outra rede assistencial

A (re)organizaccedilatildeo da RASM no entanto ainda deve ser pauta de planejamento e um desafio a gestatildeo uma vez que os equipamentos sociais sobretudo os serviccedilos substitutivos dentro esses os CAPS natildeo permitem que os usuaacuterios sejam atendidos num eventual momento de suas necessidades em seu territoacuterio Referimo-nos especificamente agrave existecircncia tar-dia de um soacute CAPS do tipo III na Cidade para que o atendi-mento dos usuaacuterios possa ocorrer em qualquer hora e dia da

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semana evitando assim internaccedilotildees desnecessaacuterias em hos-pitais psiquiaacutetricos bem como possibilitando a consolidaccedilatildeo do acesso na perspectiva de serviccedilos substitutivos do modelo de atenccedilatildeo psicossocial Outro desafio refere-se ao fato de que a RASM natildeo se encontra informatizada como as demais redes impossibilitando a interconexatildeo efetiva dessas redes e o acom-panhamento dos usuaacuterios no sistema

Ressalta-se ainda a necessidade de entender que o pla-nejamento em Sauacutede Mental deve ser um sistema maleaacutevel do ponto de vista das referecircncias teoacutericos sobretudo no que con-cerne as suas subjetividades no entanto natildeo se nega a neces-sidade da instrumentalidade do desenho do ldquodeve-serdquo pois nesse satildeo reconhecidos problemas e apontados caminhos e estrateacutegias de enfrentamento da situaccedilatildeo possibilitando tam-beacutem os processos avaliativos das accedilotildees realizadas

Por fim entende-se que o desafio entatildeo continua a ser a (re) organizaccedilatildeo da RASM e sua interconexatildeo com as demais redes assistenciais sendo necessaacuterio que os CAPS interajam de maneira horizontalizada com os equipamentos sociais que compotildeem a RASM do Municiacutepio como os serviccedilos re-sidenciais terapecircuticos as unidades de ESF e as unidades de internaccedilatildeo psiquiaacutetricas a fim de acompanhar o usuaacuterio em eventuais internaccedilotildees bem como fazendo articulaccedilatildeo com os demais setores sociaiscom vistas a desmistificar o imaginaacuterio negativo que ainda existe sobre as pessoas com transtornos mentais e possibilitar de fato a reinserccedilatildeo social

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REFERecircNCIAS

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BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria-Executiva Subsecretaria de Planejamento e OrccedilamentoSistema de Planejamento do SUS uma construccedilatildeo coletiva organizaccedilatildeo e funcionamento Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria-Executiva Subsecretaria de Planejamento e Orccedila-mento ndash 3 ed ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2009a100 p

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FORTALEZA Prefeitura Municipal Secretaria Municipal de Sauacutede Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 Fortaleza Secretaria Municipal de Sauacutede de Fortaleza 2010 500p Disponiacutevel em wwwsaudefortalezacegovbr

FORTALEZA Secretaria Municipal de Sauacutede Plano municipal de sauacutede de Fortaleza 2006-2009 Secretaria de Sauacutede Fortaleza Se-cretaria Municipal de Sauacutede de Fortaleza 2008 296p Disponiacutevel em wwwsaudefortalezacegovbr

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VIEIRA FILHO N G NOacuteBREGA S M A atenccedilatildeo psicossocial em sauacutede mental contribuiccedilatildeo teoacuterica para o trabalho terapecircutico em rede social Rev Estudos de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 9(2) 373-379 2004

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POSFAacuteCIO

A presente obra eacute constituiacuteda dos resultados de pesqui-sas referenciadas a partir de inquietaccedilotildees de docentes e dis-centes nas diversas temaacuteticas no contexto da Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute e de convidados externos sinalizando integraccedilatildeo dos pares na perspectiva de subsidiar o puacuteblico de leitores com material atual e diversificado que per-passa nos toacutepicos Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede En-foque Ecossistecircmico e suas interfaces no controle da dengue Participaccedilatildeo Social Epistemologias Temaacuteticas e Sauacutede Men-tal E assim poderaacute contribuir de forma efetiva e sistemaacutetica para a Promoccedilatildeo da sauacutede

Cleoneide Paulo Oliveira PinheiroDocente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Page 2: D E NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE: Concepção dos …

Universidade Estadual do Cearaacute

ReitorJoseacute Jackson Coelho Sampaio

Vice-ReitorHidelbrando dos Santos Soares

Editora da UECEErasmo Miessa Ruiz

Conselho EditorialAntonio Luciano Pontes

Eduardo Diatahy Bezerra de MenezesEmanuel Angelo da Rocha Fragoso

Francisco Horaacutecio da Silva FrotaFrancisco Josecircnio Camelo Parente

Gisafran Nazareno Mota JucaacuteJoseacute Ferreira Nunes

Lucili Grangeiro CortezLuiz Cruz Lima

Manfredo RamosMarcelo Gurgel Carlos da Silva

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Maria Salete Bessa JorgeSilvia Maria Noacutebrega Terrien

Conselho ConsultivoAntonio Torres Montenegro (UFPE)

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Maria Liacuterida Callou de Arauacutejoe Mendonccedila(UNIFOR)Maria do Socorro Silva Aragatildeo (UFC)Pierre Salama (Universidade de Paris)

Romeu Gomes (Fiocruz)Tuacutelio Batista Franco (UFF)

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo Carvalho

Organizadores

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE

Concepccedilatildeo dos alunos e professores de Sauacutede Coletiva

1a

Fortaleza2014

UECE

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE Concepccedilatildeo dos alunos e professores de Sauacutede Coletiva

copy 2014 Copyright by Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre e Leandro Arauacutejo Carvalho

Impresso no Brasil Printed in BrazilEfetuado depoacutesito legal na Biblioteca Nacional

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Editora da Universidade Estadual do Cearaacute ndash EdUECEAv Dr Silas Munguba 1700 ndash Campus do Itaperi ndash Reitoria ndash Fortaleza ndash Cearaacute

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Coordenaccedilatildeo EditorialErasmo Miessa Ruiz

RevisatildeoVianney Campos de Mesquita

Projeto Graacutefico e CapaJuscelino Guilherme

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P769 Poliacutetica gestatildeo e sauacutede no contexto da coletividade concepccedilatildeo dos alunos e professores de sauacutede coletiva Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre Leandro Arauacutejo Carvalho (Orgs) - Fortaleza EdUECE 2014 432 p il

ISBN 978-85-7826-250-1

1 Sauacutede coletiva 2 Sauacutede puacuteblica ndash Cearaacute 3 Dengue I Gomes Ilvana Lima Verde II Nobre Joana Mary Soares III Carvalho Leandro Arauacutejo

CDD 614

AUTORESORGANIZADORES

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em Sauacutede Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)Coordenadora do Comi-tecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) -Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Curso de Fisioterapia e Coordenadora do Programa de Responsabilidade Social do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do CearaacuteDiscente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leandro Arauacutejo CarvalhoProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Mestre em Sauacutede Coletiva Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Pro-grama de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

AUTORESCOLABORADORES

Adriana Catarina de Souza OliveiraEnfermeira Doutora em Sauacutede PuacuteblicaUniversidad de Murcia Mestra em Gestao da Qualidade dos Servicios de SaudeUniver-sidad de Murcia Docente do Curso de Graduaccedilao em Enferma-gem e do Programa de Postgrado em Investigacioacuten em Ciencias Socio SanitariasUniversidad Catoacutelica de MurciaEspantildea

Adriana Ponte Carneiro de MatosFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Docente do Centro Universitaacuterio Es-taacutecio do Cearaacute

Amanda Ferreira PereiraEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede da Crianccedila e do Adolescente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Ana Camila Moura RodriguesEnfermeira Discente do Curso de Especializaccedilatildeo em Gestatildeo da Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente- Universida-de Estadual do Cearaacute (UECE)

Ana Carolina Rocha PeixotoTerapeuta Ocupacional Doutora em Sauacutede Coletiva - Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ana Cleacutea Veras Camurccedila VieiraTerapeuta Ocupacional e Fisioterapeuta Mestra em Educaccedilatildeo em Sauacutede - Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Ana Maria ZuwickMeacutedica psiquiatra Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Andrea CapraraMeacutedico Doutor em Antropologia - Universidade de Montreal Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Andrea Gomes LinardDoutora em Enfermagem Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeo da Uni-versidade da Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Bra-sileira (UNILAB) Bolsista do Programa BPIFUNCAP

Antocircnio Augusto Ferreira CariocaNutricionista Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo - Mestrado Nutriccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica ndash Universidade de Satildeo Paulo

Berenice Temoteo da SilvaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Sauacutede Cole-tiva (Doutorado) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Ciacutecera Beatriz Baratta PinheiroEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Claudia sobral de Oliveira UchoaFonoaudioacuteloga Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE)

Cyntia Monteiro Vasconcelos MottaFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Gradua-

ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Daianne Cristina RochaNutricionista Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente (Doutorado)do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Edina Silva CostaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Elaine Neves de FreitasFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Elzo Pereira Pinto JuniorFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Emilia Kelma Alves MarquesFonoaudioacuteloga Mestra em Linguiacutestica e Literatura PUC ndash MG Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute (HGF)

Ermanna Peixoto LimaAluna do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Pro-grama BPIFUNCAP

Francisco Joseacute Maia PintoEstatiacutestico Poacutes-Doutor em Sauacutede Coletiva - Universidade de Satildeo Paulo (USP) Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Geisy Lanne Muniz LunaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade de For-taleza (UNIFOR)

Gutemberg dos Santos ChavesDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Programa Jovens Talentos para CiecircnciaCAPES

Helena Alves de Carvalho SampaioNutricionista Doutora em Farmacologia Centro de Ciecircncias da Sauacutede Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacute-de Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilse Maria Tigre de Arruda LeitatildeoEnfermeira Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universida-de de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Mestra em Sauacutede Puacuteblica Docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Enferma-gem da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em Sauacutede Coletiva - Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-gradua-

ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE) Coordenadora do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) - Se-cretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Jardenia Chaves DomeneguettiProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Discente do Curso de Mestra-do Profissionalizante em Sauacutede da Crianccedila e do Adolescente - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do curso de graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Fiacutesica da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE) Docente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Joseacute Wellington de Oliveira LimaMeacutedico Doutor em Science Tropical Public Health Univer-sidade de Harvard Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado e Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Juliana Alencar Moreira BorgesMestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Experiecircncia em Vigilacircncia Epidemioloacutegica investi-gaccedilatildeo de oacutebitos anaacutelise atenccedilatildeo baacutesica

Juliana Lucena de Miranda CavalcanteEnfermeira Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Juliana Pessoa CostaTerapeuta Ocupacional Discente do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Krysne Kelly de Franccedila OliveiraTerapeuta ocupacional Especialista em Sauacutede Puacuteblica - Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE)

Laryssa Veras AndradeEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cui-dados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Mestrado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leandro Arauacutejo CarvalhoProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Mestre em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Pro-grama de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leilson Lira LimaEnfermeiro Mestre em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cuidados Cliacutenicos e Enfermagem (Doutorado) da Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Letiacutecia Lima AguiarEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cui-dados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Mestrado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Curso de

Especializaccedilatildeo em Enfermagem em Nefrologia - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Liacutedia Samara de Castro SandersEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Liacutellian de Queiroz CostaEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Lucia Conde de OliveiraAssistente Social Poacutes-Doutora em Sauacutede Coletiva pelo Ins-tituto de Sauacutede Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Docente do Curso de Serviccedilo Social e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Luiza Jane Eyre de Souza VieiraEnfermeira Doutora em Enfermagem - Universidade Fede-ral do Cearaacute (UFC) Professora Titular do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Docente do Doutorado em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla - Universidade de Fortaleza (UNIFOR)Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)Universidade Fede-ral do Cearaacute (UFC)

Marcelo Gurgel Carlos da SilvaMeacutedico Poacutes-Doutor em Economia da Sauacutede - Universidade de Barcelona Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE)

Mardecircnia Gomes Ferreira VasconcelosEnfermeira Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Cearaacute Discente do Programa Poacutes Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) em Associaccedilatildeo Ampla Universi-dade de Fortaleza (Unifor) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Maria Celestina S de OliveiraMedica Mestra em Sauacutede puacuteblica ndash Universidade Estadual do Ceara (UECE) Residente do Hospital Geral Cesar Cals e Irman-dade Beneficente da Santa Casa de Misericoacuterdia de Fortaleza

Maria Gleiciane Lima RochaDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Programa BPIFUNCAP

Maria Homeacuteria Leite de Morais SampaioFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Maria Salete Bessa JorgeEnfermeira Doutora em Enfermagem - Universidade de Satildeo Paulo Docente Coordenadora do Programa de Poacutes-gradua-ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE) e do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Marilene Calderaro da Silva MungubaTerapeuta ocupacional e fisioterapeuta Poacutes-Doutora em Terapia Ocupacional Social pelo Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Doutora em Ciecircncias da Sauacutede pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

Milena Lima de PaulaPsicoacuteloga Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla (Doutorado) Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Racircndson Soares de SouzaEnfermeiro Mestre em Cuidados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Raquel Sampaio FlorecircncioEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Rebeka Rafaella Saraiva CarvalhoEnfermeira Mestranda em Sauacutede Coletiva pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Roberta Meneses de OliveiraEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cuidados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Curso

de Graduaccedilatildeo em Enfermagem da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Rosileacutea Alves de SouzaEnfermeira Doutora em Enfermagem pela Universidade Fe-deral do Cearaacute Docente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Selma Nunes DinizEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Soraia Pinheiro Machado ArrudaDoutora em Sauacutede Coletiva - Universidade Federal do Mara-nhatildeo Docente da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Talita da Silva NogueiraDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista ICCNPq

Thereza Maria Magalhatildees MoreiraEnfermeira e Advogada Poacutes-Doutora em Sauacutede Coletiva Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Wilson Junior de Arauacutejo CarvalhoFonoaudioacutelogo Poacutes-Doutor pelo Programa de Poacutes-Gradua-ccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos da Faculdade de Letras da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Docente da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)

SUMAacuteRIO

Agradecimentos 19Prefaacutecio 21Introduccedilatildeo 23

PARTE I - POLIacuteTICA E GESTAtildeO EM SERVIccedilOS DE SAUacuteDE

Capitulo 1- Integralidade da assistecircncia na sauacutede da mulher compreensatildeo de enfermeiros do maciccedilo de Baturiteacute 31Andrea Gomes Linard Ermanna Peixoto Lima Maria Gleiciane Lima Rocha Talita da Silva Nogueira Gutemberg dos Santos Chaves

Capitulo 2- A (in) visibilidade de dados sobre violecircncia contra crianccedila e adolescente com deficiecircncia ante as diretrizes que norteiam a proteccedilatildeo integral 48Ana Cleacutea Veras Camurccedila Vieira Geisy Lanne Muniz Luna Marilene Calde-raro da Silva Munguba Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

Capitulo 3- Anaacutelise da produccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva de Fortaleza 67Claudia Sobral de Oliveira Uchoa Ilvana Lima Verde Gomes Emiacutelia Kelma Alves Marques Wilson Junior de Arauacutejo Carvalho Leilson Lira de Lima Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 4- Obtenccedilatildeo do consentimento informado e permanecircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica contribuiccedilatildeo da relaccedilatildeo profissional paciente 90Edina Silva Costa Andrea Caprara Amanda Pereira Ferreira Cyntia Mon-teiro Vasconcelos Motta Selma Antunes Nunes Diniz Juliana Alencar Mo-reira Borges

PARTE 2- DENGUE PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL PRAacuteTICAS E SUAS INTERFACES

Capitulo 5- Implantaccedilatildeo da ecossauacutede no controle da dengue implicaccedilotildees da participaccedilatildeo social 110Joana Mary Soares Nobre Andrea Caprara Ana Carolina Rocha Peixoto Ilvana Lima Verde Gomes Rosileacutea Alves de Souza

Capitulo 6- Participaccedilatildeo social e equidade de gecircnero no controle da dengue um processo de implantaccedilatildeo da ecossaacuteude 130Joana Mary Soares Nobre Andrea Caprara Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Ana Carolina Rocha Peixoto

Capitulo 7- Praacuteticas de prevenccedilatildeo da dengue sob o olhar das famiacutelias dos profissionais de sauacutede e dos atores envolvidos no programa de controle do vetor 151Edina Silva Costa Andrea Caprara Amanda Pereira Ferreira Cyntia Mon-teiro Vasconcelos Motta Selma Antunes Nunes Diniz Juliana Alencar Mo-reira Borges

Capitulo 8- Significados e dimensotildees do controle do dengue concepccedilotildees de uma comunidade participativa no Municiacutepio de Fortaleza-CE 171Cyntia Monteiro Vasconcelos Motta Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Elaine Neves de Freitas Edina Silva Costa Andrea Caprara

Capitulo 9- O discurso do sujeito coletivo sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo 194Berenice Temoteo da Silva Luacutecia Conde de Oliveira Maria Homeacuteria Leite de Morais Sampaio

PARTE 3- DIVERSIDADES EPISTEMOLoacuteGICAS TEMAacuteTICAS

Capitulo 10- Envelhecimento Populacional dos aspectos histoacutericos do envelhecimento ao perfil demograacutefico de idosos do Cearaacute 217Juliana Lucena de Miranda Cavalcante Liacutellian de Queiroz Costa Elzo Pereira Pinto Junior Edina Silva Costa Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Capitulo 11- Subsiacutedios para Pesquisas sobre a Obesidade a influecircncia da infecccedilatildeo pelo Helicobacter pylori sobre o estado nutricional 236Helena Alves de Carvalho Sampaio Daianne Cristina Rocha Ciacutecera Beatriz Baratta Pinheiro Antocircnio Augusto Ferreira Carioca Soraia Pinheiro Macha-do Arruda Joseacute Wellington de Oliveira Lima

Capitulo 12 - Caracterizaccedilatildeo sociodemograacutefica e de atividade fiacutesica em escolares adultos jovens 253Laryssa Veras Andrade Thereza Maria Magalhatildees Moreira Raquel Sampaio Florecircncio Leandro Arauacutejo Carvalho

Capitulo 13 - Mortalidade infantil anaacutelise de fatores de risco em uma capital do Nordeste brasileiro 270Liacutedia Samara de Castro Sanders Jardenia Chaves Domeneguetti Francisco Joseacute Maia Pinto

Capiacutetulo 14- Humanizaccedilatildeo do parto estudo etnograacutefico em uma maternidade puacuteblica de Fortaleza 293Andrea Caprara Maria Celestina S de Oliveira

Capiacutetulos 15 - Avaliaccedilatildeo das necessidades de familiares de pacientes em unidade de terapia intensiva pediaacutetrica 315 Ilse Maria Tigre de Arruda Leitatildeo Ana Camila Moura Rodrigues Rober-ta Meneses de Oliveira Adriana Catarina de Souza Oliveira Letiacutecia Lima Aguiar Marcelo Gurgel Carlos da Silva

PARTE 4- SAUacuteDE MENTAL E SUBJETIVIDADE

Capiacutetulo 16- Familiares que acompanham usuaacuterios de crackpara o cuidado em Centro de Atenccedilatildeo psicossocial de Aacutelcool e Drogas (CAPS AD) 341Milena de Lima de Paula Maria Salete Bessa Jorge

Capiacutetulo 17- Comportamento de crianccedilas e praacuteticas educativas parentais na contemporaneidade com um rdquoremedinhordquo eacute mais faacutecil 367Ana Maria Zurick Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 18 ndash Itineraacuterio terapecircutico de famiacutelia de pessoas com transtorno mental em crise fluxos e redes de compromissos 389Juliana Pessoa Costa Mardecircnia Gomes Ferreira Vasconcelos Rebeka Rafaella Saraiva Carvalho Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 19 - Planejamento de accedilotildees desinstitucionalizantes com vistas agrave consolidaccedilatildeo do acesso agrave rede assistencial de sauacutede mental 409Racircndson Soares de Sousa Maria Salete Bessa Jorge

AGRADECIMENTOS

A Deus por sua infinita bondadeAo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva

(CCS) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) por nos dar esta oportunidade e incentivo

A Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) pelo apoio e importacircncia no nosso meio

Aos Docentes discentes profissionais de sauacutede partici-pantes das pesquisas e convidados externos que trouxeram preciosas contribuiccedilotildees e disponibilizaram suas expertises com amor para agregar valores na elaboraccedilatildeo de cada capiacute-tulo que compotildee essa obra aleacutem do prefaacutecio e posfaacutecio e da introduccedilatildeo

Aos familiares que nos apoiaram em toda a trajetoacuteria de nossas vidas em busca de crescimento e maturidade no uni-verso da pesquisa e nos presentearam com o alicerce funda-mental para prosseguir aspirando agrave concretizaccedilatildeo de nossos sonhos

A elaboraccedilatildeo de um livro implica em muitas tarefas e en-volve diversas pessoas tanto as que iratildeo escrever seus capiacutetulos como os que satildeo convidados para fazer prefaacutecio introduccedilatildeo e posfaacutecio organizadores a editora o diagramador parece-ristas e tantos outros natildeo menos importantes A todas essas pessoas que colaboraram conosco neste sonho de publicar um livro o nosso agradecimento

PREFAacuteCIO

O livro ldquoPOLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEX-TO DA COLETIVIDADE concepccedilatildeo dos alunos e professo-res de Sauacutede Coletivardquo traz uma contribuiccedilatildeo relevante para o campo da sauacutede coletiva pois satildeo recortes de dissertaccedilotildees pro-duzidas no Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute programa esse que ao longo dos anos vem contribuindo na formaccedilatildeo de profissionais tanto do nosso Estado como de outros Estados brasileiros

A parceria de professores e alunos na construccedilatildeo das dis-sertaccedilotildees e nos recortes para os capiacutetulos fortaleceu a visatildeo que encontrou-se na sauacutede coletiva a multidisciplinar inter-disciplinar e transdisciplinar jaacute que houve participaccedilatildeo de en-fermeiros nutricionistas fisioterapeutas educadores fiacutesicos meacutedicos psicoacutelogos fonoaudioacutelogos odontoacutelogos unidos na construccedilatildeo de saberes e praacuteticas

Os capiacutetulos deste livro podem servir de fonte de pesquisa para gestores profissionais e estudantes para a elaboraccedilatildeo de projetos ou para embasamento teoacuterico relacionados ao Siste-ma Uacutenico de Sauacutede e a formaccedilatildeo de pessoal

O livro em questatildeo possibilitaraacute de forma significativa a aacuterea de sauacutede coletiva Apresenta um conjunto de dezenove capiacutetulos dividido em quatro as quais se denominam em par-tes Parte I - Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Parte 2- Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteticas e suas Interfaces Parte 3- Diversidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas e Parte 4- Sauacutede Mental e Subjetividade baseados em dissertaccedilotildees e teses do Programa de Poacutes-Graduaccedilotildees em Sauacutede Coletiva da Universi-dade Estadual do Cearaacute

O livro tem como meacuterito estreitar a parceria entre alunos docentes do PPSAC com a finalidade de promoccedilatildeo da escrita acadecircmica

Enfim deseja-se a todos uma boa leitura e que haja cresci-mento teoacuterico-metodoloacutegico possibilitando um agir para pes-quisa e sua interlocuccedilatildeo com a praacutetica e mudanccedilas no processo de trabalho em que a pesquisa seja a mola propulsora

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo carvalho

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1 INTRODUccedilAtildeO

Eacute com grande alegria que atendo ao convite do Mestra-do de Sauacutede Coletiva da Universidade do Estado do Cearaacute para escrever a apresentaccedilatildeo dessa obra organizada por Ilvana Gomes Joana Nobre e Leandro Carvalho que abrange as con-cepccedilotildees de alunos e professores de Sauacutede Coletiva sobre um conjunto de temaacuteticas muito relevantes neste campo

Comeccedilo ressaltando o papel deste esforccedilo editorial em contribuir para o fortalecimento de uma cultura da publicaccedilatildeo acadecircmica no paiacutes jaacute que urge cada vez mais que a Univer-sidade se coloque perante a sociedade sem ficar voltada em si mesma ou limitada tatildeo-somente a sua funccedilatildeo formadora mas sendo tambeacutem espaccedilo de disseminaccedilatildeo do conhecimento produzido entre seus muros Trata-se de importante iniciativa de publicizaccedilatildeo dos trabalhos elaborados que contribui para reforccedilar a necessaacuteria descentralizaccedilatildeo e deslocamento na pro-duccedilatildeo de conhecimento nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo no paiacutes do eixo sulsudeste

Consoante com a visatildeo da Sauacutede Coletiva enquanto cam-po de saberes e praacuteticas sobre o processo sauacutededoenccedila em suas dimensotildees materiais e simboacutelicas bem como das respos-tas sociais organizadas para seu enfrentamento os trabalhos destacam-se pela dimensatildeo interdisciplinar abrangente pela diversidade de temaacuteticas abordadas e abordagens metodoloacutegi-cas utilizadas e pelo comprometimento com as realidades de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Igualmente digno de menccedilatildeo eacute o forte enfoque loco-re-gional das investigaccedilotildees realizadas ao mesmo tempo em que se abordam temaacuteticas absolutamente pertinentes em todo con-texto nacional Essa caracteriacutestica eleva as possibilidades de

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que muito dos conhecimentos advindos das pesquisas possam ser apropriados pelos sistemas de sauacutede locais contribuindo na melhoria e aperfeiccediloamento dos processos de cuidado ges-tatildeo e avaliaccedilatildeo dos serviccedilos do SUS no estado do Cearaacute

Sem pretender antecipar o itineraacuterio do leitor cabe trazer aqui uma breve visatildeo geral da diversidade de temas presentes nos dezenove trabalhos incluiacutedos que se organizam em tor-no de quatro eixos centrais Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteticas e suas Interfaces Diversidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas e Sauacutede Mental e Subjetividade

O primeiro eixo organizador mdash Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede mdash se encontra representado por quatro produtos Os autores do manuscrito ldquoIntegralidade da assis-tecircncia na sauacutede da mulher compreensatildeo de enfermeiros do Maciccedilo de Baturiteacuterdquo buscaram conhecer os significados des-se conceito tatildeo polissecircmico nas accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino desenvolvidas em unidades baacutesicas de sauacutede de dez municiacutepios dessa regiatildeo cearense e permitindo contri-buir na intensificaccedilatildeo e reorientaccedilatildeo das medidas direcionadas a uma condiccedilatildeo que persiste como grave problema de sauacutede em nosso meio Os resultados do estudo ldquoAnaacutelise da produ-ccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva de Fortalezardquo sinalizam para um conjunto de elementos que podem subsidiar um aten-dimento integral de maior qualidade agravequeles que necessitam dessa tecnologia de ponta para o tratamento da surdez ainda de acesso restrito em vaacuterias de nossas localidades Fica claro a partir das discussotildees trazidas no trabalho ldquoA (in) visibilida-de de dados sobre violecircncia contra crianccedila e adolescente com deficiecircncia diante das diretrizes que norteiam a proteccedilatildeo in-

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tegralrdquo o elevado grau de desconhecimento desse problema em consequecircncia da subnotificaccedilatildeo dos casos e do despreparo profissional para lidar com a situaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede que deveriam realizar seu diagnoacutestico presuntivo e tomar as providecircncias iniciais para garantir sua proteccedilatildeo Finalmente a pesquisa ldquoObtenccedilatildeo do consentimento informado e perma-necircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica contribuiccedilatildeo da relaccedilatildeo profissional pacienterdquo mostrou que embora a ade-satildeo inicial ao projeto de estudo estivesse relacionada agrave busca por cuidados especializados a boa qualidade da relaccedilatildeo entre usuaacuterios e profissionais revela-se fundamental para a colabo-raccedilatildeo e permanecircncia dos indiviacuteduos na investigaccedilatildeo cliacutenica

O segundo eixo mdash Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteti-cas e suas Interfaces mdash congrega um conjunto de produccedilotildees vinculadas ao estudo multicecircntrico ldquoPesquisa ecobiossocial sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Cariberdquo desenvolvido pela Universidade Estadual do Cearaacute e financiado com recursos da UNICEF e do Banco Mundial No trabalho ldquoImplantaccedilatildeo da Ecossauacutede no controle da den-gue implicaccedilotildees da participaccedilatildeo socialrdquo os autores verificam que a participaccedilatildeo de diversos atores sociais estaacute aqueacutem de seu potencial e sinalizam para um conjunto de limitantes a serem sobrepujados para a efetiva mudanccedila das condiccedilotildees subjacen-tes ao controle da doenccedila A importacircncia dessa participaccedilatildeo e a anaacutelise de aspectos mais especiacuteficos relacionados ao gecircnero para a concretizaccedilatildeo da abordagem integrada no domiacutenio da enfermidade eacute tratada na investigaccedilatildeo ldquoParticipaccedilatildeo social e equidade de gecircnero no controle da dengue um processo de implantaccedilatildeo da ecossauacutederdquo O texto ldquoPraacuteticas de prevenccedilatildeo da dengue sob o olhar das famiacutelias dos profissionais de sauacute-de e dos atores envolvidos no programa de controle do vetorrdquo

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retrata a complexidade de inserccedilotildees percepccedilotildees e envolvi-mentos dos diversos atores que devem ser levadas em conta na integraccedilatildeo de esforccedilos que efetivamente atinjam os fato-res ecobiossociais envolvidos na manutenccedilatildeo do vetor e nas accedilotildees de combate prevenccedilatildeo e controle da doenccedila O estudo de caso apresentado em ldquoSignificados e dimensotildees do contro-le do dengue concepccedilotildees de uma comunidade participativa no municiacutepio de Fortaleza-CErdquo desenvolvido em um bairro com organizaccedilatildeo comunitaacuteria soacutelida lideranccedilas comunitaacuterias e centro comunitaacuterio de referecircncia mas que mesmo assim convive com alta incidecircncia da doenccedila Seus resultados reite-ram as complexas relaccedilotildees existentes entre sauacutede ambiente e vetor que dificultam os esforccedilos de participaccedilatildeo e necessitam de integraccedilatildeo interdisciplinar que reconheccedila os saberes locais a fim de construir uma autonomia comunitaacuteria que contribua na superaccedilatildeo dos problemas Finalmente o texto apresentado no ldquoDiscurso do sujeito coletivo sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeordquo eacute oriundo de uma dissertaccedilatildeo de mestrado que investigou as concepccedilotildees de dezoito conselheiros representan-tes de usuaacuterios e trabalhadores sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo no Conselho Municipal de Sauacutede de Crato Fica evidente o quanto ainda eacute necessaacuterio avanccedilar no compartilha-mento do poder de decisatildeo nos processos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e como a articulaccedilatildeo dos conselheiros e seus representados pode se configurar em importante ferramenta de luta nesse sentido

Na sequecircncia as seis produccedilotildees do terceiro eixo mdash Di-versidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas mdash cobrem uma plura-lidade de temas abordados por diversas oacuteticas metodoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de conhecimentos ldquoMortalidade in-fantil anaacutelise de fatores de risco em uma capital do Nordeste

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brasileirordquo mostra a importacircncia de um conjunto de fatores associados com a atenccedilatildeo agrave sauacutede da gestante e dos receacutem-nas-cidos contribuintes nesses eventos agregando elementos para que os progressos no controle do indicador em Fortaleza si-gam avanccedilando no sentido de se aproximar do recomendado pelos organismos internacionais Como tambeacutem eacute importante mirar o futuro que jaacute estaacute batendo agraves portas e que se encon-tra representado no progressivo envelhecimento populacional brasileiro a caracterizaccedilatildeo do perfil demograacutefico dos idosos cearenses no periacuteodo de 2000 a 2011 presente no texto ldquoEn-velhecimento populacional dos aspectos histoacutericos do enve-lhecimento ao perfil demograacutefico de idosos do Cearaacuterdquo pode auxiliar no desenvolvimento e direcionamento das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para esta parcela da populaccedilatildeo no estado O desenvolvimento de poliacuteticas promotoras de sauacutede bem su-cedidas necessita levar em conta as especificidades locais de clientelas especiacuteficas e o trabalho ldquoCaracterizaccedilatildeo sociode-mograacutefica e de atividade fiacutesica em escolares adultos jovensrdquo explora esses aspectos em pesquisa realizada em Maracanauacute municiacutepio de meacutedio porte localizado na regiatildeo metropolita-na de Fortaleza e premiado nacionalmente na aacuterea de atenccedilatildeo agrave sauacutede do adolescente e adulto jovem O texto ldquoSubsidian-do pesquisas para a obesidade a influecircncia da infecccedilatildeo pelo Helicobacter pylori sobre o estado nutricionalrdquo apresenta os resultados de um estudo transversal de abordagem quantita-tiva e comparativa que se dedicou a investigar os efeitos da presenccedila deste agente infeccioso sobre o estado nutricional de pacientes atendidos pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede Os autores do trabalho ldquoHumanizaccedilatildeo do parto um estudo etnograacutefico em uma maternidade puacuteblica de Fortalezardquo identificam que o modelo de atendimento agrave gestante ainda se caracteriza pelo

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caraacuteter fundamentalmente teacutecnico e sem considerar as subjeti-vidades das pacientes reforccedilando que a reconstruccedilatildeo das praacute-ticas de sauacutede mais humanizadas durante o preacute-natal ou parto satildeo ainda uma realidade ser perseguida em nossos serviccedilos Fechando este eixo a pesquisa ldquoAvaliaccedilatildeo das necessidades de familiares de pacientes em unidade de terapia intensiva pediaacute-tricardquo utilizou-se do instrumento Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados em Terapia Intensiva para examinar as principais categorias de necessida-des e o grau em que estas eram satisfeitas nos acompanhantes de um hospital puacuteblico de referecircncia de Fortaleza destacando a importacircncia de demandas de conhecimentoinformaccedilatildeo e acesso ao pacientes infantis

Em sua parte uacuteltima o livro apresenta um conjunto de re-flexotildees sobre Sauacutede Mental e Subjetividade O capiacutetulo ldquoFami-liares que acompanham usuaacuterios de crack para o cuidado em Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial de Aacutelcool e Drogasrdquo buscou analisar a partir de entrevistas com trabalhadores de sauacutede familiares e usuaacuterios adultos em tratamento como a famiacutelia eacute incluiacuteda nas accedilotildees desenvolvidas por estes centros Apesar do reconhecimento profissional da importacircncia desse grupo de suporte no cuidado e ressocializaccedilatildeo dos usuaacuterios de drogas as dinacircmicas familiares particulares ainda satildeo pouco conside-radas na realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees devendo adquirir forma mais personalizada para garantir um atendimento mais hu-manizado e integral que possa efetivamente contribuir para mudanccedilas mais duradouras ldquoComportamento de crianccedilas e praacuteticas educativas parentais na contemporaneidade com um lsquoremedinhorsquo eacute mais faacutecilrdquo traz um conjunto de reflexotildees sobre a frequecircncia crescente com que problemas de comportamento envolvidos eou resultantes de condiccedilotildees como dificuldades

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no aprendizado mal conduzidas desagregaccedilatildeo familiar vio-lecircncias intra e extrafamiliares precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas e de sauacutede vem sendo medicalizados na sociedade contempo-racircnea e como esta medicalizaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede men-tal pode contribuir para a patologizaccedilatildeo dos indiviacuteduos Na perspectiva de ampliar os campos de atuaccedilatildeo dos projetos te-rapecircuticos a partir de uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano os autores do capiacutetulo ldquoItineraacuterios e redes sociais de apoio das famiacutelias de pessoas em crise psiquiaacutetrica redes e fluxos em busca do cuidado em sauacutederdquo discutem as estrateacutegias fluxos serviccedilos acessados e redes sociais de apoio utilizadas pelos familiares de indiviacuteduos com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise atendidos em unidades de atenccedilatildeo agrave sauacutede mental do Municiacutepio de Maracanauacute localizado na regiatildeo me-tropolitana da capital cearense Fechando este eixo e o livro o manuscrito ldquoPlanejamento de accedilotildees (des)institucionalizantes com vista agrave consolidaccedilatildeo do acesso agrave rede assistencial de sauacutede mentalrdquo identificou um leque de problemas que necessitam da elaboraccedilatildeo e implantaccedilatildeo de estrateacutegias que minimizem fragi-lidades do processo de organizaccedilatildeo da RASM e intensifiquem sua interconexatildeo com as demais redes assistenciais de Forta-leza

Espera-se que os leitores apreciem a leitura escutando e reagindo com reflexotildees e accedilotildees que nos permitam avanccedilar na construccedilatildeo de melhores condiccedilotildees de vida para nossa popula-ccedilatildeo e melhores serviccedilos de sauacutede para todos

Uma boa leituraProfa Dra Rosacircngela Caetano

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ JMS)

PARTE 1

POLIacuteTICA E GESTAtildeO EM SERVIccedilOS DE SAUacuteDE

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CAPIacuteTULO 1

INTEGRALIDADE DA ASSISTecircNCIA NA SAUacute-DE DA MULHER COMPREENSAtildeO DE ENFER-MEIROS DO MACIccedilO DE BATURITeacute

Andrea Gomes LinardErmanna Peixot o Lima

Maria Gleiciane Lima RochaTalita da Silva Nogueira

Gutemberg dos Santos Chaves

INTRODUccedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira promulgada em 1988 estabelece as diretrizes para a Organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e destaca a integralidade significando tratar-se de atividades preventivas sem prejuiacutezo dos serviccedilos assisten-ciais O termo integralidade estaacute descrito na Lei Orgacircnica de Sauacutede (Lei 8080 e 814290) como conjunto articulado e con-tiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de com-plexidade (BRASIL 1998)

O Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) criado em 1994 tem como proposta a reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos da Atenccedilatildeo Pri-maacuteria agrave Sauacutede contribuindo para a consolidaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) mediante a substituiccedilatildeo do modelo tra-dicional (KANTORSKIet al 2009)

Com os avanccedilos obtidos a denominaccedilatildeo Programa cede lugar agrave adoccedilatildeo do conceito Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) considerando seu papel estrateacutegico na mudanccedila do modelo as-

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sistencial no Paiacutes Essa discussatildeo traz agrave pauta tambeacutem a neces-sidade de investimentos natildeo soacute na quantidade mas tambeacutem na qualidade das Equipes de Sauacutede da Famiacutelia em atuaccedilatildeo envi-dando esforccedilos para que o objetivo antes somente de amplia-ccedilatildeo da estrateacutegia hoje seja de sua consolidaccedilatildeo

Sendo assim o crescimento e a progressiva ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF trazem a necessidade de reflexatildeo sobre sua ideia operacionalizaccedilatildeo e sustentabilidade o que reflete tam-beacutem na qualidade de seu desenvolvimento e da atenccedilatildeo agrave sauacute-de prestada pelas equipes (BRASIL 2005)

A ESF veio para constituir perspectiva no concernente agrave atenccedilatildeo primaacuteria substituindo o modelo biomeacutedico por novas praacuteticas assistenciais rompendo com praacuteticas cliacutenicas conven-cionais de sauacutede ensejando maior interaccedilatildeo e respeito entre profissional e usuaacuterio

Em virtude das caracteriacutesticas predominantes nas atuais praacuteticas de sauacutede e suas consequecircncias para a populaccedilatildeo dependente dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede parece relevante a uniatildeo de esforccedilos para a constituir de uma assistecircncia que incorpore os princiacutepios do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e ofereccedila um modelo de cuidado integral humanizado e com-prometido em garantir o direito agrave sauacutede e em atender as ne-cessidades socialmente determinadas as quais muitas vezes satildeo imperceptiacuteveis em detrimento do problema bioloacutegico que demanda o serviccedilo (BEHEREGARAY GERHARDT 2010)

O termo integralidade pode ser compreendido sob vaacuterias dimensotildees que permeiam o atendimento agrave populaccedilatildeo preco-nizado pela Constituiccedilatildeo de 1988 Tais dimensotildees direcionam a organizaccedilatildeo expansatildeo e qualificaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede do SUS com a oferta de um elenco ampliado de servi-ccedilos como imunizaccedilotildees ateacute os serviccedilos de reabilitaccedilatildeo fiacutesica

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e mental aleacutem das accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede em caraacuteter intersetorial

A integralidade traduz-se em realizar atenccedilatildeo integrando accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo pro-movendo acesso aos vaacuterios niacuteveis de atenccedilatildeo e ofertando res-postas ao conjunto de necessidades de sauacutede de uma comuni-dade e natildeo apenas a um recorte de problemas A integralidade exige que a Atenccedilatildeo Baacutesica reconheccedila as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo e os recursos para abordaacute-las (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2010)

O atendimento integral extrapola a estrutura organiza-cional hierarquizada e regionalizada da assistecircncia agrave sauacutede prolonga-se pela qualidade real da atenccedilatildeo individual e cole-tiva assegurada aos usuaacuterios do sistema de sauacutede e requisita o compromisso com o contiacutenuo aprendizado e com a praacutetica multidisciplinar (MACHADO et al 2007)

A implementaccedilatildeo da integralidade da assistecircncia talvez seja nos dias de hoje o maior desafio da sauacutede no Brasil ocor-rente em razatildeo da atual conjuntura que ainda revela um sis-tema estruturado para atender prioritariamente os pacientes com a doenccedila jaacute instalada com foco de atenccedilatildeo no agravo

Com efeito apesar dos avanccedilos obtidos com o SUS seus princiacutepios orientadores ainda natildeo satildeo uma completa realida-de no cotidiano dos serviccedilos de sauacutede Dentre os princiacutepios e diretrizes do SUS talvez o da integralidade seja o que eacute menos visiacutevel na trajetoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede e de suas praacuteti-cas As mudanccedilas no sistema com relaccedilatildeo agrave integralidade natildeo se exprimem tatildeo evidentes Elas acontecem de forma sutil mas ainda natildeo ganharam a generalizaccedilatildeo nem a visibilidade que se almeja (LINARD CASTRO CRUZ 2011)

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Nas poliacuteticas de sauacutede as accedilotildees preventivas e assistenciais tecircm impactos distintos as atividades assistenciais respondem agraves necessidades de sauacutede dos usuaacuterios e as accedilotildees preventivas modificam o quadro social de uma doenccedila modificando a de-manda futura para os serviccedilos assistenciais No que se refere agrave gestatildeo em sauacutede eacute preciso democratizar o processo de tra-balho na organizaccedilatildeo dos serviccedilos horizontalizando saberes promovendo as atividades multiprofissionais e interdiscipli-nares incorporando a renovaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede numa perspectiva de integralidade em que a valorizaccedilatildeo da atenccedilatildeo e do cuidado desponta como dimensatildeo baacutesica para a poliacutetica de sauacutede que se desenvolve ativamente no cotidiano dos serviccedilos (PINHEIRO LUZ 2003)

O profissional que busca incorporar a integralidade em seu atendimento amplia suas percepccedilotildees oferecendo uma as-sistecircncia voltada para as reais necessidades do cliente e conse-quentemente supri suas demandas de maneira mais especiacutefica e individualizada respeitando o direito universal e integral agrave sauacutede

Eacute vaacutelido salientar entretanto que a integralidade eacute o prin-ciacutepio mais negligenciado no acircmbito do SUS No iniacutecio da deacute-cada de 1990 a preocupaccedilatildeo com a integralidade limitava-se a alguns centros acadecircmicos e experiecircncias municipais pois a ecircnfase poliacutetica da eacutepoca se concentrava em questotildees de fi-nanciamento e descentralizaccedilatildeo Somente com a expansatildeo e reorientaccedilatildeo do PSF foi possiacutevel enfatizar propostas como territorializaccedilatildeo vigilacircncia em sauacutede acolhimento e viacutenculo retomando a discussatildeo da integralidade expressa pela Refor-ma Sanitaacuteria (PAIM 2009)

Assim a integralidade na Sauacutede da Mulher no que tange agraves accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino configura es-

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paccedilo de praacuteticas saberes e discussotildees que dia a dia procura avanccedilar na tentativa de reduzir o perfil de mortalidade do re-ferido agravo a sauacutede

No Brasil ceacutervico-uterino eacute o tipo de cacircncer mais co-mum em algumas aacutereas menos desenvolvidas Sua ocorrecircncia se concentra principalmente em mulheres acima dos 35 anos Dentre todos os tipos de cacircncer eacute o que apresenta um dos mais altos potenciais de prevenccedilatildeo e cura

Como estrateacutegia de prevenccedilatildeo e controle do cacircncer ceacuter-vico-uterino a realizaccedilatildeo do exame citopatoloacutegico de Papa-nicolau eacute reconhecido mundialmente como estrateacutegia segura eficiente indolor de baixo custo e eficaz podendo ser colhido por via de infraestrutura simples e sua aplicaccedilatildeo modificou efetivamente as taxas de incidecircncia e mortalidade (SECRETA-RIA DE SAUacuteDE 2002)

As accedilotildees de prevenccedilatildeo ao cacircncer ceacutervico-uterino satildeo desenvolvidas na contextura da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) mediante consulta meacutedica e de enfermagem que realiza accedilotildees de rastreamento junto agrave populaccedilatildeo feminina Na loacutegica do trabalho por aacuterea adscrita a ESF se propotildee ter equipes res-ponsaacuteveis por famiacutelias de forma que seja possiacutevel estabelecer o viacutenculo profissional-usuaacuterio e estimular a adesatildeo agrave prevenccedilatildeo ginecoloacutegica

Apesar de a neoplasia em foco ser facilmente diagnosti-cada a cifra alberga estimativas preocupantes Para o ano de 2014 no Brasil satildeo esperados 15590 casos novos de cacircncer do colo do uacutetero com um risco estimado de 1533 casos a cada 100 mil mulheres Sem considerar os tumores de pele natildeo me-lanoma o cacircncer do colo do uacutetero eacute o mais incidente na regiatildeo Norte (2357 100 mil) Nas regiotildees Centro-Oeste (2219 100 mil) e Nordeste (1879 100 mil) eacute o segundo mais frequente

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Na regiatildeo Sudeste (1015100 mil) o quarto e na regiatildeo Sul (1587 100 mil) o quinto mais frequente (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2014)

Estas elevadas cifras natildeo se justificam pois a prevenccedilatildeo do cacircncer ceacutervico-uterino eacute eficaz se implementada adequada-mente na ESF A elevada incidecircncia da referida neoplasia pode estar ligada agrave ausecircncia de uma poliacutetica voltada para a educaccedilatildeo em sauacutede bem como agrave baixa qualidade dos serviccedilos de sauacutede Por esse motivo eacute digno de uma atenccedilatildeo especial dos gestores em sauacutede dos profissionais e da sociedade

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o prin-cipal fator de risco para a doenccedila eacute a infecccedilatildeo pelo viacuterus Pa-piloma Humano - HPV Todas as mulheres que iniciaram a atividade sexual satildeo potencialmente susceptiacuteveis ao desenvol-vimento da doenccedila As maacutes condiccedilotildees de higiene alimentaccedilatildeo tabagismo iniacutecio precoce da atividade sexual multiplicidade de parceiros e o uso de contraceptivos orais entretanto tam-beacutem favorecem o surgimento desse cacircncer Tornando-se mais evidente na faixa etaacuteria de 20 a 29 anos e o risco aumenta rapi-damente ateacute atingir o pico geralmente na faixa de 45 a 49 anos (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2006)

A prevenccedilatildeo do cacircncer ginecoloacutegico assim como o diag-noacutestico precoce e o tratamento requer a implantaccedilatildeo articula-da de medidas como sensibilizaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo feminina investimento tecnoloacutegico e em recursos humanos organizaccedilatildeo da rede disponibilidade dos tratamentos e me-lhoria dos sistemas de informaccedilatildeo

Assim uma mudanccedila nesse perfil depende de accedilotildees arti-culadas voltadas para a sauacutede envolvendo accedilotildees profissionais poliacuteticas puacuteblicas infraestrutura das unidades de sauacutede e par-ticipaccedilatildeo da comunidade Tais accedilotildees vecircm ao encontro do Pac-

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to pela Vida 2010-2011 que traccedila como um dos seus objetivos ampliar a oferta do exame preventivo do cacircncer do colo do uacutetero visando a alcanccedilar uma cobertura de 80 da popula-ccedilatildeo-alvo

Portanto o cacircncer ceacutervico-uterino deve ser tratado como um contexto de atenccedilatildeo agrave sauacutede relevante no Brasil uma vez que demanda accedilotildees voltadas para a integralidade de uma as-sistecircncia agrave sauacutede ainda em elaboraccedilatildeo no Sistema Uacutenico de Sauacutede

A equipe da ESF pode contribuir para o controle da doen-ccedila por meio das accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e detecccedilatildeo precoce realizadas nos serviccedilos bem assim com a realizaccedilatildeo de accedilotildees educativas com a participaccedilatildeo da comu-nidade no sentido de ampliar o conhecimento sobre os fato-res de risco o desenvolvimento da doenccedila e a importacircncia da realizaccedilatildeo perioacutedica do exame preventivo com objetivo de se alcanccedilar resultados satisfatoacuterios para a reduccedilatildeo das taxas de morbimortalidade

A complexidade de se trabalhar ante qualquer fenocircmeno social constituiacutedo com base em conjunto de determinantes condicionantes e fatores sociais e bioloacutegicos exprime uma ne-cessidade de compreensatildeo mais ampla e qualificada sobre o assunto Nessa perspectiva emerge a necessidade de estudos que possam contribuir para a compreensatildeo da integralidade da assistecircncia muito mais aleacutem do simples ato de realizar um atendimento ambulatorial

Em tais circunstacircncias a realidade contemporacircnea traz novos desafios no modo como certos temas satildeo habitualmente abordados especialmente no campo da sauacutede A dimensatildeo e a relevacircncia social e poliacutetica agregadas pelo campo da sauacutede desde a reforma sanitaacuteria e constituiccedilatildeo do Sistema Uacutenico de

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Sauacutede (SUS) tencionam para a sauacutede a ideia de que esta pode contribuir significativamente para a realidade vivida por nos-sa sociedade no que tange ao bem-estar da coletividade e de como a ausecircncia deste bem-estar influencia nas dinacircmicas de funcionamento

A produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea da Sauacutede da Mulher possibilitaraacute a melhoria do serviccedilo de sauacutede no que concerne agrave organizaccedilatildeo do rastreamento do cacircncer cervical e agrave qualifi-caccedilatildeo dos profissionais o fortalecimento da integraccedilatildeo ensi-no-serviccedilo e o impacto positivo na diminuiccedilatildeo do cacircncer de colo do uacutetero contribuindo para melhor qualidade de vida da populaccedilatildeo

No conjunto de profissionais que integram a ESF o enfer-meiro desempenha relevante papel na execuccedilatildeo de accedilotildees que permeiam as esferas gerenciais cliacutenica e educativas No exer-ciacutecio de suas funccedilotildees aleacutem de competecircncia teacutecnica responsa-bilidade e compromisso eacutetico eacute necessaacuterio ao enfermeiro com-preender e discutir de que forma a filosofia de alguns princiacutepios doutrinaacuterios do SUS acontecem na aacuterea da sauacutede feminina

Outros estudos corroboram essa posiccedilatildeo ressaltando a importacircncia de se discutir a concepccedilatildeo do enfermeiro sobre a municipalizaccedilatildeo por se entender que o enfermeiro eacute um agente da equipe multidisciplinar em sauacutede estando diretamente en-volvido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MINISTEacuteRIO DA SAUacute-DE 2012)

Dessa maneira as peculiaridades dessa poliacutetica de sauacutede por meio do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) receberam in-fluecircncias da municipalizaccedilatildeo e principalmente pela reorga-nizaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica por meio da ESF O cacircncer ceacutervico-uterino ainda constitui um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica no Paiacutes apesar da existecircncia de programas da necessidade de

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uma simples tecnologia baixo custo para a prevenccedilatildeo e diag-noacutestico precoce do exame citopatoloacutegico percebe-se a gravi-dade do cenaacuterio epidemioloacutegico

Ante tais fatos surgiu o questionamento qual a concep-ccedilatildeo dos enfermeiros a respeito de integralidade na assistecircn-cia no acircmbito da Sauacutede da Mulher Como esta integralidade acontece nas accedilotildees de combate ao cacircncer cervico-uterino Para responder a tais indagaccedilotildees realizou-se uma investigaccedilatildeo a respeito com os objetivos descritos na sequecircncia

Conhecer os significados sobre integralidade concebidos pelos enfermeiros

Identificar a correlaccedilatildeo feita pelos profissionais entre in-tegralidade da assistecircncia e accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervi-co-uterino

Verificar como os serviccedilos de sauacutede na atenccedilatildeo primaacuteria estatildeo organizados de modo a privilegiar a integralidade da as-sistecircncia

METODOLOGIA

O estudo eacute descritivo-exploratoacuterio com abordagem qua-litativa pois possibilitou uma investigaccedilatildeo detalhada e que melhor harmoniza aos objetivos propostos A pesquisa explo-ratoacuteria permite maior familiaridade com o problema e o apri-moramento de ideias ou descoberta de intuiccedilotildees Enquanto isso a pesquisa descritiva tem por objetivo expor e buscar as explicaccedilotildees de um fenocircmeno (GIL 1999)

Compuseram o universo da pesquisa todos os enfermei-ros lotados nas unidades baacutesicas de sauacutede dos Municiacutepios do Maciccedilo de Baturiteacute vinculadas agrave Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e que aceitaram participar do estudo

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O nuacutemero de sujeitos envolvidos foi estipulado com base no criteacuterio de saturaccedilatildeo e repeticcedilatildeo ferramenta esta muito utilizada na pesquisa qualitativa onde o fechamento amostral se processa pela suspensatildeo de novos participantes quando os dados obtidos passam a redundacircncia e repeticcedilatildeo Na aborda-gem qualitativa as amostras satildeo propositais e buscam singu-laridade aprofundamento e abrangecircncia da compreensatildeo do fenocircmeno estudado (GIL 1999)

A regiatildeo sob exame foi eleita para loacutecus da pesquisa pelo fato de que neste espaccedilo geograacutefico funciona a UNILAB ins-tituiccedilatildeo a que o projeto estaacute vinculado Esta autarquia federal de acordo com as diretrizes estabelecidas na Lei 12289 san-cionada pelo Presidente da Repuacuteblica em 20 de julho de 2010 alberga a responsabilidade de desenvolver ensino pesquisa e extensatildeo em consonacircncia com as necessidades de sauacutede e edu-caccedilatildeo da regiatildeo do Maciccedilo de Baturiteacute

A coleta de dados aconteceu durante os meses de mar-ccedilo a novembro do ano de 2013 Para a coleta utilizou-se um roteiro de entrevista que abordou questotildees a respeito ao aten-dimento na atenccedilatildeo primaacuteria no contexto da integralidade da assistecircncia na Sauacutede da Mulher organizaccedilatildeo dos serviccedilos oferta de accedilotildees para atender as demandas inerentes ao com-bate do cacircncer de colo uterino e referecircnciacontraAreferecircncia As entrevistas aconteceram na Unidade Baacutesica de Sauacutede apoacutes o expediente de atendimento dos enfermeiros em uma sala reservada na unidade para essa atividade

A entrevista semiestruturada foi utilizada como recurso por permitir certa liberdade ao entrevistado de discorrer apesar da utilizaccedilatildeo de toacutepicos que o pesquisador define a priori Este recurso eacute capaz de orientar uma ldquoconversa com

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finalidaderdquo devendo ser facilitador de abertura ampliaccedilatildeo e aprofundamento da comunicaccedilatildeo (MINAYO 2004)

As informaccedilotildees foram organizadascom suporte nas trans-criccedilotildees das entrevistas e leituras sucessivas das falas onde as ideias centrais ou seja aquelas mais evidentes que descreve-ram de forma sinteacutetica e precisa o sentido das falas forami-dentificadas e registradas As transcriccedilotildees foram organizadas conforme Teacutecnica de Anaacutelise de Conteuacutedo (BARDIN 2004) As categorias posteriormente identificadas foram discutidas com embasamento da literatura

Com o intuito de obedecer agraves diretrizes que regulamen-tam os estudos envolvendo seres humanos para as partici-pantes desta pesquisa foi exibido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com dados referentes ao caraacuteter voluntaacuterio do estudo e possibilidade de desistecircncia a qualquer momento Com o intuito de garantir o anonimato as falas foram identi-ficadas pelo coacutedigo enf seguido do nuacutemero de ordem O es-tudo na fase de projeto de pesquisa foi enviado para o Comitecirc de Eacutetica da Universidade de Fortaleza e aprovado segundo o Parecer nordm20308

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Foram entrevistados 47 profissionais graduados em En-fermagem sendo 45 do sexo feminino e dois do masculino Os profissionais estavam lotadas nos Municiacutepios de Acarape Aratuba Aracoiaba Baturiteacute Barreira Itapiuacutena Capistrano Ocara Palmaacutecia e Redenccedilatildeo Os enfermeiros encontravam-se na faixa etaacuteria de 21 a 63 anos com predominacircncia do inter-valo de 21 a 35 O tempo meacutedio de graduaccedilatildeo foi de oito anos o tempo de atuaccedilatildeo profissional da atenccedilatildeo primaacuteria oscilou

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de 2 a 30 anos A maioria possui algum tipo de especializaccedilatildeo As especializaccedilotildees realizadas foram nas seguintes aacutereas Sauacutede Puacuteblica Unidade de Terapia Intensiva Gestatildeo em Sauacutede En-fermagem do Trabalho Obstetriacutecia Urgecircncia e Emergecircncia Sauacutede da Famiacutelia Sauacutede Indiacutegena Sauacutede do Idoso Gestatildeo em Serviccedilos e Sistemas de Sauacutede

A seguir se exibiu as categorias emergidas assinadas na anaacutelise das entrevistas

Significados atribuiacutedos ao termo integralidade

Para os entrevistados o significado de integralidade con-siste em garantir ao usuaacuterio uma assistecircncia integral que as-socie a prevenccedilatildeo e o tratamento considerando a pessoa na totalidade num contexto que englobe suas necessidades

Atender a pacienta de uma forma integral tratar todos os aspectos de doenccedila daquela mulher tratar hipertensatildeo e diabetes tratar de uma forma integral (enf 01)

Eacute um cuidado de assistecircncia prestado aos in-diviacuteduos de modo que ele seja assistido em todos os aspectos onde natildeo tratado somente a doenccedila deve ser tratado de um modo geral natildeo soacute a doenccedila (enf 02)

Eacute a assistecircncia de forma integral em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede (enf 03)

Eacute atender desde a prevenccedilatildeo ateacute o diagnoacutes-tico aliaacutes ateacute o final do tratamento (enf 04)

Observar o paciente como um todo anotar todo o estado cliacutenico dele e se necessaacuterio en-caminhar a outro profissional Isso acontece por exemplo uma gestante de risco (enf 05)

Atender a todos em todos os niacuteveis de aten-ccedilatildeo (enf 06)

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A integralidade eacute um atendimento globaliza-do um atendimento que tenha vaacuterias nuan-ces natildeo soacute no tratamento mas tambeacutem na prevenccedilatildeo integral no sentido de atender a todas as necessidades das pacientes (enf 06)

A perspectiva da integralidade aparece no relato dos pro-fissionais associada ao direito universal do usuaacuterio de ser aten-dido em suas necessidades de sauacutede

A integralidade eacute uma ferramenta que nos permite enten-der a magnitude da sauacutede-doenccedila e visualizar como sua am-plitude extrapola o campo bioloacutegico Dessa forma accedilotildees mais efetivas soacute seratildeo possiacuteveis com profissionais que alarguem seus conceitos e atuem equipes multiprofissionais (MACHADO et al 2007)

A garantia de um atendimento integral ultrapassa uma assistecircncia agrave sauacutede hierarquizada e regionalizada abrange o individual e o coletivo e requer um compromisso constante com o aprendizado e a atuaccedilatildeo multiprofissional (CECIM FEUERWERKER 2004)

Esse princiacutepio conduz seu bojo uma discussatildeo criacutetica e propositiva da dissociaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede de cunho pre-ventivo e as praacuteticas assistenciais Articular essas praacuteticas de sauacutede significa propor uma reestruturaccedilatildeo na forma de con-ceber os serviccedilos de sauacutede compreendendo o atendimento numa oacuteptica longitudinal de accedilotildees

Compreensatildeo da integralidade da assistecircncia nas accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino

No entendimento dos profissionais as accedilotildees de combate ao cacircncer satildeo percebidas nas perspectivas descritas a seguir

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Eu entendo a integralidade como uma con-tinuidade da assistecircncia se eu faccedilo a coleta e consigo tratar ou se natildeo tenho condiccedilotildees para trataacute-la entatildeo encaminho para o gine-cologista para buscar uma soluccedilatildeo (enf 07)

Conforme o resultado da prevenccedilatildeo ela jaacute vai orientada de alguma forma se apresenta NIC III por exemplo eu explico que ela pre-cisa de maiores cuidados entatildeo ela eacute referen-ciada com os exames (enf 08)

Atraveacutes das orientaccedilotildees palestras conscien-tizaccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo agraves doenccedilas que podem haver contaminaccedilatildeo pelo HPV e a partir disso a mulher se conscientizar e atraveacutes da conscientizaccedilatildeo e cuidados reali-zar avaliaccedilotildees rotineiras (enf 09)

Fazer a coleta direitinho realizar entrevista pesquisar sobre a famiacutelia e se preciso enca-minhar para realizar exames (enf 10)

Eu entendo a integralidade como uma con-tinuidade da assistecircncia se eu faccedilo a coleta e consigo tratar ou se natildeo tenho condiccedilotildees para trataacute-la entatildeo encaminho para o gine-cologista para buscar uma soluccedilatildeo (enf 11)

Com certeza se identificada uma lesatildeo noacutes possamos dar continuidade ao tratamento encaminhando para um serviccedilo especializa-do e daiacute dependendo do que ocorrer ter esse retorno seria interessante (enf 12)

A integralidade da assistecircncia eacute entendida em termos de lei como um conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e ser-viccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos

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para cada caso em todos os niacuteveis de complexidade do sistema (GIOVANELLA 2008)

Accedilotildees como levantar o histoacuterico da paciente realizar a co-leta citoloacutegica identificar a lesatildeo quando possiacutevel implemen-tar um tratamento e encaminhar a paciente para um serviccedilo especializado ilustram a compreensatildeo dos profissionais frente agrave integralidade da assistecircncia

O trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria deveraacute ter uma aborda-gem interdisciplinar que conjuguealeacutem das accedilotildees os esforccedilos de uma equipe multiprofissional voltados para a accedilatildeo preven-tiva ante os fatores de risco para o cacircncer ceacutervico-uterino Para tal adoccedilatildeo dos princiacutepios da Educaccedilatildeo em Sauacutede numa pers-pectiva problematizadora que desperte no outro o interesse pelo cuidado eacute condiccedilatildeo fundamental para iniciar uma rela-ccedilatildeo dialoacutegica entre profissionais e paciente

A organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede no atual modelo do Sistema de Sauacutede busca privilegiar espaccedilos nos quais se pos-sa concretiza uma praacutetica cliacutenica com foco na integralidade entretanto a concretude dessa premissa estaraacute relacionada aos determinantes sociais que influenciaram a populaccedilatildeo assistida e os profissionais

CONCLUSOtildeESAgrave integralidade satildeo atribuiacutedos diversos sentidos entre os

quais se destacam aqueles relacionados ao atendimento inte-gral vislumbrando o ser humano em contexto holiacutestico nos trecircs niacuteveis de atenccedilatildeo

A accedilatildeo do enfermeiro na Sauacutede da Mulher deve abranger a manutenccedilatildeo promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com origem na relaccedilatildeo estabelecida com a paciente que busca o serviccedilo de

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sauacutede mediante estrateacutegias educativas envolvendo a identifi-caccedilatildeo de suas necessidades de sauacutede

Reconhecer a relevacircncia da perspectiva da integralidade na assistecircncia agrave Sauacutede da Mulher implica o envolvimento do enfermeiro que deve se fazer presente natildeo apenas em situaccedilatildeo de doenccedila mastambeacutem em todo o horizonte de atendimento proposto pelo Sistema de Sauacutede

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GIOVANELLA L (Org) Poliacuteticas e Sistemas de Sauacutede no Brasil Rio de Janeiro Fiocruz 2008

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CAPIacuteTULO 2

A (IN) VISIBILIDADE DE DADOS SOBRE VIOLecircNCIA CONTRA CRIANccedilA E ADOLES-CENTE COM DEFICIecircNCIA DIANTE DAS DIRETRIZES QUE NORTEIAM A PROTEccedilAtildeO INTEGRAL

Ana Cleacutea Veras Camurccedila VieiraGeisy Lane Muniz Luna43

Marilene Calderaro MungubaLuiza Jane Eyre de Souza Vieira

INTRODUccedilAtildeO

A violecircncia evidencia-se como fenocircmeno multicausal e complexo e correlacionando-se com determinantes sociais e econocircmicos principalmente desemprego baixa escolarida-de concentraccedilatildeo de renda exclusatildeo social Aflui aos aspectos comportamentais e culturais resultando em uma interaccedilatildeo de fatores individuais relacionais comunitaacuterios e sociais Nesse iacutenterim o Informe Mundial sobre laviolencia y la salud publi-cado pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (2002) define vio-lecircncia como

O uso intencional da forccedila ou poder em uma forma de ameaccedila ou efetivamente contra si mesmo outra pessoa ou grupo ou comuni-dade que ocasiona ou tem grandes proba-bilidades de ocasionar lesatildeo morte dano psiacutequico alteraccedilotildees do desenvolvimento ou privaccedilotildees (KRUG et al 2002)

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Sendo assim percebe-se que os iacutendices mais elevados de comportamentos violentos em algumas comunidades natildeo po-dem ser explicados por um fator isoladamente Compreender entretanto a maneira como esses fatores estatildeo vinculados agrave violecircncia eacute um dos passos importantes no enfoque da sauacutede puacuteblica para a prevenccedilatildeo do fenocircmeno Em face da realidade eacute relevante conhecer como se articulam as manifestaccedilotildees da violecircncia haja vista o fato dessas situaccedilotildees se modificarem de acordo com o contexto histoacuterico social (FROTA et al 2011)

Em razatildeo dessa complexidade a violecircncia direcionada a crianccedilas e adolescentes eacute muito presente Esta eacute uma reali-dade que constrange e inquieta a sociedade civil e os oacutergatildeos governantes Waiselfisz (2011) acentua ser nessa faixa etaacuteria que duas em cada trecircs mortes se originam numa violecircncia seja ela homiciacutedio suiciacutedio ou acidente de transporte Aleacutem disso com essa faixa etaacuteria eacute difiacutecil distinguir os casos de acidentes ndash que podem acontecer de forma casual e despretensiosa ndash dos de violecircncia por conta da dificuldade em estabelecer o caraacuteter de intencionalidade Os acidentes tambeacutem podem em mui-tos casos ser considerados como modalidade de violecircncia jaacute que estes podem resultar de omissotildees das accedilotildees humanas

Sanchez e Minayo (2004) refletem acerca da magnitude do tema sua repercussatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo brasilei-ra e indaga se o indicador de mortalidade natildeo deveria ser as-sociado a outro que retratasse o significado e a dinacircmica das muacuteltiplas violecircncias considerando o contexto sociocultural e a qualidade de vida de crianccedilas e adolescentes

Essas afirmaccedilotildees retratam a cruel realidade em que estatildeo inseridos as crianccedilas e adolescentes brasileiros contudo esti-ma-se que muito mais preocupante satildeo os dados referentes agrave violecircncia cometida contra crianccedilas e adolescentes com defi-

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ciecircncia haja vista a subnotificaccedilatildeo desses casos e o despreparo profissional para lidar com esse fato

Contextualizando o leitor o modelo da deficiecircncia foi aprovado por lei de 1975 ldquode orientaccedilatildeo em favor das pessoas deficientesrdquo Na realidade o relatoacuterio Bloch-Laineacute de 1967 jaacute o propunha razatildeo pela qual pode ser considerado um texto de transiccedilatildeo entre o modelo de inadaptaccedilatildeo e o de deficiecircncia pa-radoxalmente a lei de 1975 absteacutem-se de qualquer definiccedilatildeo Segundo os relatores de entatildeo exprimir o conceito parecia-lhes totalmente impossiacutevel haja vista as divergecircncias de abor-dagens cientiacuteficas sobre a maneira de tratar o assunto e que do ponto de vista deles era necessaacuterio dar maior abertura possiacutevel sobre o futuro para evitar possiacuteveis exclusotildees dos beneficiaacuterios da lei A deficiecircncia transforma-se em novo ldquosistema de refe-recircncias da accedilatildeo puacuteblicardquo suscetiacutevel de ser aplicado a todas as idades ldquoa deficiecircncia eacute a leirdquo (PLAISANCE 2005)

RETRATOS DA DEFICIecircNCIA

Dados do Censo de 2010 publicados pelo Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) demonstrou a existecircncia ou natildeo de algum tipo de deficiecircncia permanente por autode-claraccedilatildeo Os resultados apontaram que 45606048 brasileiros (239 da populaccedilatildeo total) tecircm algum tipo de deficiecircncia vi-sual auditiva motora e mental ou intelectual (IBGE 2010)

Trazendo essa anaacutelise para o acircmbito regional observa-se que 277 da populaccedilatildeo residente no Cearaacute correspondendo a um total de 2 340 150 cearenses apresentam algum tipo de deficiecircncia percentual acima do registrado nacionalmente (239) e da Regiatildeo Nordeste (266) (IPECE 2012)

Os dados do Censo mostraram que a deficiecircncia chega a

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pessoas em qualquer idade Algumas nascem com ela outras a adquirem ao longo da vida O contingente populacional tem pelo menos uma das deficiecircncias investigadas pelo Censo de 2010 revelados que sua prevalecircncia eacute bastante alta na popula-ccedilatildeo brasileira de 1987 milhotildees (IBGE 2010)

O Programa das Naccedilotildees Unidas para o De-senvolvimento (PNUD) mediante a institu-cionalizaccedilatildeo do Iacutendice de Desenvolvimento Humano (IDH) mensura o progresso de uma naccedilatildeo a partir da anaacutelise de trecircs dimen-sotildees renda sauacutede e educaccedilatildeo De acordo com o Relatoacuterio do Desenvolvimento Huma-no o (IDH) global de 2012 entre 186 paiacuteses elege a Noruega como o paiacutes que apresentou melhor IDH com 0 955 incluso no bloco de paiacuteses com o iacutendice muito alto O Brasil re-gistrou a 85ordf posiccedilatildeo com o iacutendice de 0 730 atraacutes do Chile Argentina Uruguai Cuba Panamaacute Venezuela Peru (PNUD 2013)

A importacircncia desses dados estaacute no fato que os paiacuteses com iacutendice de desenvolvimento hu-mano baixo (IDH) 99 da populaccedilatildeo tecircm uma deficiecircncia nos paiacuteses com iacutendice de desenvolvimento humano meacutedio a percen-tagem cai para 37 e em paiacuteses de desenvol-vimento humano elevado estima-se que 1 as pessoas com deficiecircncia (PNUD 2013)

A anaacutelise realizada pelo Instituto de Pesquisa e Estrateacutegia Econocircmica do Cearaacute (IPECE) sobre a infacircncia em Fortaleza com os dados socioeconocircmicos divulgados no Censo 2010 mostra que 75 da populaccedilatildeo de zero a 14 anos em Fortale-za possuem algum tipo de deficiecircncia visual (SILVA SILVA 2013)

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A proporccedilatildeo de crianccedilas com problemas de visatildeo aumen-ta significativamente a partir dos seis anos de idade periacuteodo coincidente com o iniacutecio do ciclo escolar para um nuacutemero significativo de crianccedilas Eacute preconizado nas poliacuteticas puacuteblicas o acompanhamento dessas crianccedilas nas creches e escolas Em termos de deficiecircncia auditiva a proporccedilatildeo cai para 2 en-quanto para a deficiecircncia de locomoccedilatildeo e mental essa propor-ccedilatildeo registra 13 e 08 respectivamente Chama-se atenccedilatildeo para o total de 63978 crianccedilas com algum tipo de deficiecircncia que necessita de atenccedilatildeo especial das poliacuteticas puacuteblicas (SIL-VA SILVA 2013)

Em pesquisa realizada no mecircs de abril de 2014 nas bases de dados para indicadores de sauacutede gerais e especiacuteficos para a infacircncia e adolescecircncia (DATASUS SIPIA TABNET-SMS) natildeo foram evidenciadas informaccedilotildees especiacuteficas sobre crianccedila com deficiecircncia associada agraves situaccedilotildees de violecircncia ou mesmo no grande grupo denominado de causas externas consideran-do ainda a populaccedilatildeo 63978 crianccedilas com deficiecircncia

A inexistecircncia de dados que possam proporcionar a vi-gilacircncia em sauacutede da populaccedilatildeo com deficiecircncia demonstra o quanto essa realidade ainda estaacute invisiacutevel apesar de avanccedilos na trajetoacuteria de realizaccedilotildees de eventos internacionais e nacionais poliacuteticas planos e dispositivos legais que norteiam a atenccedilatildeo integral agrave pessoa com deficiecircncia como a Poliacutetica Nacional de Sauacutede da Pessoa com Deficiecircncia (BRASIL 2010) e as dire-trizes que integram as accedilotildees do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia conhecido como Viver sem Limite (BRASIL 2013)

Esse fato remete a certas inquietaccedilotildees em razatildeo desse contingente populacional como se deu a trajetoacuteria das poliacuteti-cas puacuteblicas que tencionavam proteger e cuidar Quais lacunas

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ainda permanecem para que seja possiacutevel ter maior aproxima-ccedilatildeo dessa realidade

Por mais baacutesicas que sejam as informaccedilotildees estas apontam para potenciais estudos que por sua vez podem se aprofun-dar na anaacutelise das condiccedilotildees de vida e sauacutede da crianccedila com deficiecircncia viacutetima de violecircncia Estudos mostram a importacircn-cia da infacircncia para a formaccedilatildeo do capital humano da pessoa Os efeitos de longo prazo do investimento na formaccedilatildeo do ca-pital humano na infacircncia e adolescecircncia vatildeo desde o aumento dos niacuteveis educacionais maiores salaacuterios e melhores ocupa-ccedilotildees no mercado de trabalho ateacute melhores condiccedilotildees de sauacutede e satisfaccedilatildeo com a vida (SILVA SILVA 2013)

GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANccedilA E ADO-LESCENTE

Iniciou-se no Brasil na deacutecada de 1980 intenso movi-mento com vistas a garantir os direitos das crianccedilas Com a mudanccedila no modelo de sauacutede vigente que buscava uma as-sistecircncia mais integral criou-se o Programa de Assistecircncia In-tegral agrave Sauacutede da Crianccedila (PAISC) em 1984 (BRASIL 1984)

Esta poliacutetica de atenccedilatildeo envolvia accedilotildees de acompanha-mento do crescimento infantil estiacutemulo ao aleitamento ma-terno e orientaccedilatildeo alimentar para o desmame assistecircnciae controle das infecccedilotildees respiratoacuterias agudas controle das doen-ccedilas diarreacuteicas e das prevenidas por imunizaccedilotildees Malgrado priorizar a assistecircncia agrave crianccedila na rede baacutesica de sauacutede tam-beacutem foram implementadas estrateacutegias com vistas a humanizar o preacute-natal e o parto dando mais espaccedilo para a participaccedilatildeo da famiacutelia no cuidado ao bebecirc no acircmbito hospitalar (BRASIL 1984)

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Em relaccedilatildeo agraves conquistas juriacutedicas sobre os maus tratos em 12 de outubro de 1927 o Decreto-Lei 17943 instituiu o primeiro Coacutedigo de Menores no Brasil como medida para sis-tematizar a accedilatildeo de tutela e coerccedilatildeo e por isso o Estado passou a adotaacute-lo Com esse decreto o Brasil comeccedilou a implantar o sistema puacuteblico de atenccedilatildeo agraves crianccedilas e aos jovens em circuns-tacircncias especialmente difiacuteceis (CURY 1987)

A Doutrina de Situaccedilatildeo Irregular descrita desde 1927 juridicamente citada como Coacutedigo de Menores como caraacute-ter ldquomenoristardquo apesar da reformulaccedilatildeo em 1979 manteve-se ideologicamente para intervir com a infacircncia pobre e estigma-tizada As bases conceituais sustentavam a exclusatildeo e o con-trole social da pobreza e a prevenccedilatildeo detinha a instituciona-lizaccedilatildeo conforme o momento poliacutetico da eacutepoca no Paiacutes Esse movimento sem duacutevida marca a transiccedilatildeo paradigmaacutetica en-tre o Direito do Menor para o Direito da Crianccedila e do Adoles-cente (CUSTOacuteDIO 2008 ROSEMBERG MARIANO 2010)

Nos uacuteltimos anos do regime militar no Brasil de 1974 a 1984 havia grande crise econocircmica recessatildeo e o iniacutecio do movimento democraacutetico com participaccedilatildeo social Nessa deacuteca-da de 1970 a 80 muitas conquistas foram possiacuteveis na histoacuteria da sauacutede puacuteblica brasileira Era a luta pela reforma sanitaacuteria Natildeo se pode esquecer o surgimento dos movimentos sociais que denunciavam a ineficiecircncia das estruturas de sauacutede e pre-videnciaacuterias dentre eles o movimento das pessoas com defi-ciecircncia (AGUIAR 2011)

Atualmente estaacute em vigecircncia no Brasil o Estatuto da Crianccedila e do Adolescente (ECA) Lei 8069 de 13 de julho de 1990 que revolucionando em termos doutrinaacuterios e legislati-vos rompeu com a doutrinada situaccedilatildeo irregular e adotou o entendimento da proteccedilatildeo integral (BRASIL 2012a)

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A compreensatildeo sobre a doutrina de proteccedilatildeo integral ad-veacutem de marcos legais como a Declaraccedilatildeo Universal dos Direi-tos da Crianccedila (1959) no cenaacuterio brasileiro que faz parte do ordenamento juriacutedico como marco definitivo somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Art 227 Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade o direi-to agrave vida agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo ao lazer agrave profissionalizaccedilatildeo agrave cultura agrave dig-nidade ao respeito agrave liberdade e agrave convivecircn-cia familiar e comunitaacuteria aleacutem de colocaacute-los a salvo de toda forma de negligecircncia discri-minaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo (BRASIL 1988)

Nas disposiccedilotildees preliminares o ECA afirma que nenhu-ma crianccedila ou adolescente seraacute objeto de qualquer forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia cruelda-de e opressatildeo punidona forma da lei qualquer atentado por accedilatildeo ou omissatildeo aos seus direitos fundamentais (OLIVEIRA 1995) A leitura dessa disposiccedilatildeo pode encher de perplexidade Deve-se perguntar se uma legislaccedilatildeo tatildeo avanccedilada natildeo seria uma contradiccedilatildeo a mais num Paiacutes jaacute tatildeo cheio de contradiccedilotildees (LUNA et al 2010)

Eacute evidente que o dia adia demonstra a grande distacircncia que vai do que a lei dispotildee para a realidade Basta ler os jornais para encontrar cotidianamente o relato da displicecircncia com que satildeo tratadas questotildees de cunho social envolvendo os jo-vens (GONCcedilALVES FERREIRA 2002)

Nesse periacuteodo os estudos sobre deficiecircncia no Brasil fo-ram impulsionados principalmente em 1981 que ficou co-nhecido como Ano Internacional da Pessoa Deficiente A

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Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) aprovou em 1982 o Programa de Accedilatildeo Mundial para Pessoas com Deficiecircncia proclamando o periacuteodo de 1983 a 1992 como ldquoDeacutecada das Naccedilotildees Unidas para as Pessoas com Deficiecircnciardquo (ONU1982) Assim a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (ONU 1948) traz ecircnfase no valor da vida humana no respeito agrave liber-dade e na dignidade

Art 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo dotados de razatildeo e consciecircncia e devem agir em re-laccedilatildeo uns aos outros com espiacuterito de frater-nidade

Art 3 Todo ser humano tem direito agrave vida agrave liberdade e agrave seguranccedila pessoal

Art 7 Todos satildeo iguais perante a lei e tem direito sem qualquer distinccedilatildeo a igual pro-teccedilatildeo da lei Todos tecircm direito a igual prote-ccedilatildeo contra qualquer discriminaccedilatildeo que viole a presente Declaraccedilatildeo e contra qualquer in-citamento a tal discriminaccedilatildeo (PIOVESAN 2012 p 40)

No acircmbito histoacuterico o Estatuto da Crianccedila e do Adoles-cente (ECA) define o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) como res-ponsaacutevel por garantir ldquoo direito a proteccedilatildeo agrave vida e agrave sauacutederdquo das crianccedilas e adolescentes com deficiecircncia e traz em seus arti-gos 11 e 14 o seguinte

Art 11 Eacute assegurado atendimento integral agrave sauacutede da crianccedila e do adolescente por intermeacutedio do Sistema Uacutenico de Sauacutede ga-rantido o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Paraacutegrafo 1ordm A crian-ccedila e o adolescente portadores de deficiecircncia

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receberatildeo atendimento especializado Como tambeacutem revela em seu capiacutetulo referente ao Direito agrave Educaccedilatildeo Cultura Esporte e Lazer as responsabilidades dos estados para com as crianccedilas e adolescente com deficiecircncia

Art 54 Eacute dever de o Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente ensino fundamental obrigatoacuterio e gratuito inclusive para os que a ele natildeo tiveram acesso na idade proacutepria atendimento educacional especializado aos portadores de deficiecircncia preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL 2012b p 42-43)

O ECA ainda afirma na Convenccedilatildeo sobre Direitos da Crianccedila Parte I artigos 23 que os Estados reconhecem que a crianccedila portadora de deficiecircncias fiacutesicas ou mentais deveraacute desfrutar de uma vida plena e decente em condiccedilotildees que ga-rantam sua dignidade favoreccedilam sua autonomia e facilitem sua participaccedilatildeo ativa na comunidade (BRASIL 2010)

Apesar de uma legislaccedilatildeo que trata da proteccedilatildeo integral das crianccedilas e adolescentes incluindo as portadoras de deficiecircncia iniciam-se no Brasil investigaccedilotildees realizadas pelas comissotildees parlamentares inqueacuterito (CPIs) que datam respectivamente de 1991 e 1993 decorrentes do extermiacutenio de meninos e meni-nas de rua e sobre a prostituiccedilatildeo infanto-juvenil e inserem-se na agenda da sauacutede Conforme estudo realizado por Landini (2006) essas questotildees refletiram diretamente em termos le-gais o reconhecimento e a necessidade de que a crianccedila deve ser protegida de todas as formas de violecircncia e a legislaccedilatildeo vai incorporando artigos e dispositivos que diferenciam cada vez mais a violecircncia sofrida por crianccedilas e adolescentes

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Com origem nesse documento muitas accedilotildees iniciam-se no Brasil Ressalta-se a da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministeacuterio da Justiccedila com caraacuteter intersetorial e portanto contando com a contribuiccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacute-de e de profissionais da aacuterea ao formularem o Plano Nacional de Enfrentamento da Violecircncia Sexual Infantojuvenil (BRA-SIL 2002)

Posteriormente a Portaria Nordm 936GM de 19 de maio de 2004 cria a Rede Nacional de Prevenccedilatildeo da Violecircncia para sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos gestores e profissionais de sauacute-de na identificaccedilatildeo e encaminhamento adequado de situaccedilotildees de violecircncia intrafamiliar e sexual o estiacutemulo agrave articulaccedilatildeo in-tersetorial que envolva a reduccedilatildeo e o controle de situaccedilotildees de abuso exploraccedilatildeo e turismo sexual a implementaccedilatildeo da ficha de notificaccedilatildeo de violecircncia interpessoal o incentivo ao desen-volvimento de planos estaduais e municipais de prevenccedilatildeo da violecircncia o monitoramento e avaliaccedilatildeo do desenvolvimento dos planos estaduais e municipais de prevenccedilatildeo da violecircncia mediante a realizaccedilatildeo de coleta sistematizaccedilatildeo anaacutelise e disse-minaccedilatildeo de informaccedilotildees e a implantaccedilatildeo de Serviccedilos Sentine-la que seratildeo responsaacuteveis pela notificaccedilatildeo dos casos de violecircn-cias (BRASIL 2004)

As temaacuteticas relacionadas agrave proteccedilatildeo e sauacutede das crianccedilas e adolescentes satildeo transversais interdependentes e inseparaacute-veis perpassam o campo social e essa questatildeo seraacute um grande desafio para se alcanccedilar Nesse iacutenterim no ano 2000 a Or-ganizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) ao analisar os maiores problemas mundiais estabeleceu Oito Objetivos do Milecircnio- chamados no Brasil de Oito Jeitos de Mudar o Mundo ndash que devem ser atingidos por todos os paiacuteses ateacute 2015 Entre estes pode-se citar trecircs relacionados agrave defesa dos direitos da crianccedila

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e do adolescente (1) acabar com a fome e a miseacuteria (2) educa-ccedilatildeo baacutesica de qualidade para todos e (3) reduzir a mortalidade infantil (ONU 2000)

Ante tal complexidade houve a preocupaccedilatildeo em padro-nizar o levantamento das estatiacutesticas a respeito das pessoas com deficiecircncia no Brasil em 2005 no Rio de Janeiro junto ao Grupo de Washington sobre Estatiacutesticas das Pessoas com Deficiecircncia (Washington Groupon Disability Statistics - GW) contando com o apoio da Coordenadoria Nacional para In-tegraccedilatildeo da Pessoa Portadora de Deficiecircncia (CORDE) a Se-cretaria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) representantes dos institutos nacionais de estatiacutestica de cerca de 40paiacuteses e outras organizaccedilotildees internacionais iniciaram le-vantamentos de iacutendices de pessoas com deficiecircncia na popula-ccedilatildeo brasileira (IBGE 2010)

Em 2006 o Ministeacuterio da Sauacutede reformulou os eixos de accedilatildeo atinentes agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave atenccedilatildeo integral agraves pes-soas em situaccedilatildeo de violecircncia contiacuteguos das diretrizes e accedilotildees especiacuteficas da Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (Porta-ria nordm 6872006) agrave Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (Por-taria nordm 6482006) e agraves diretrizes para organizaccedilatildeo de redes de atenccedilatildeo integral agraves urgecircncias (Portaria nordm 10202009) condes-cendidas com as trecircs esferas de gestatildeo do SUS (BRASIL 2010)

Formulou ainda um documento intitulado ldquoLinha de Cuidado para a Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede de Crianccedilas Adoles-centes e suas Famiacutelias em Situaccedilatildeo de Violecircncias ndash Orientaccedilatildeo para Gestores e Profissionais de Sauacutederdquo com a finalidade de sensibilizar os agentes envolvidos nessa contiacutenua integralidade do cuidado (BRASIL 2010)

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Trata-se de uma estrateacutegia para a accedilatildeo um caminho para o alcance da atenccedilatildeo integral ou integralidade da atenccedilatildeo um dos princiacutepios do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) que propor-ciona a produccedilatildeo de cuidados desde a atenccedilatildeo primaacuteria ateacute o mais complexo niacutevel da atenccedilatildeo exigindo ainda interaccedilatildeo dos demais sistemas de garantias de direitos proteccedilatildeo e defesa de crianccedilas e adolescentes (BRASIL 2010)

A Linha de Cuidado de atendimento agrave crianccedila e ao adoles-cente em situaccedilatildeo de violecircncia tem iniacutecio no primeiro contato independentemente do niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede Na Atenccedilatildeo Primaacuteria estatildeo as unidades baacutesicas de sauacutede da famiacutelia a equi-pe de sauacutede da famiacutelia e os agentes comunitaacuterios de sauacutede Em meacutedia e alta complexidade encontram-se os serviccedilos de atenccedilatildeo especializada os hospitais os centros de atenccedilatildeo psi-cossocial e conta com a integraccedilatildeo de uma Rede Intersetorial onde se encontram tambeacutem os conselhos tutelares e demais serviccedilos (BRASIL 2010)

Pode-se destacar que nas situaccedilotildees de violecircncia contra crianccedilas adolescentes idosos e mulheres a legislaccedilatildeo prevecirc a notificaccedilatildeo compulsoacuteria em qualquer suspeita ou caso confir-mado de violecircncia mas ainda natildeo eacute possiacutevel encontrar legisla-ccedilotildees especiacuteficas sobre a proteccedilatildeo da crianccedila e adolescente com deficiecircncia em situaccedilatildeo de violecircncia

Essa realidade nos move a algumas ponderaccedilotildees o Poder Puacuteblico representado pela gestatildeo nos trecircs niacuteveis de governo haacute que enfrentar a fragilidade dos indicadores de sauacutede da popu-laccedilatildeo brasileira considerando a maacute utilizaccedilatildeo ou natildeo utilizaccedilatildeo dos sistemas de informaccedilotildees em sauacutede e aacutereas convergentes

Outro ponto impulsiona a refletir sobre o desafio expresso aos oacutergatildeos de proteccedilatildeo quanto ao alcance de crianccedilas e adoles-centes com deficiecircncia atendendo o preconizado nas poliacuteticas

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puacuteblicas de sauacutede e proteccedilatildeo integral Por uacuteltimo poreacutem natildeo menos importante diz-se sobre a imperiosa reorientaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas de educaccedilatildeo permanente de modo longitudinal agrave praacutetica profissional

Observa-se que os profissionais necessitam de esclareci-mento da noccedilatildeo legal de maus-tratosviolecircncia e da concepccedilatildeo de deficiecircncia Dessa forma algumas diversidades de accedilatildeo po-deriam transformar a universidade num foro para discussatildeo e apoio ao fortalecimento de estrateacutegias possibilitando assim que este profissional ao entrar no mercado de trabalho es-teja habilitado e sensiacutevel aos desafios do cotidiano Cuidar de crianccedila e adolescente com deficiecircncia e exposto a situaccedilatildeo de violecircncia requer sensibilidade conhecimento e atitude

Estas dimensotildees devem ser coerentes com as demandas sociais que aportam ao setor sauacutede bem como ao contexto in-tersetorial Por outro lado natildeo eacute possiacutevel omitir os esforccedilos que o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) e o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) empreendem com reformulaccedilotildees de matrizes curricu-lares que privilegiem a agenda de sauacutede e as transformaccedilotildees sociais e econocircmicas do Paiacutes atentando para as especificidades regionais e locais sem contudo excluir as potencialidades e os limites da globalizaccedilatildeo

REFLEXOtildeES INCONCLUSIVAS

Agrave vista desse panorama complexo enfrentar a violecircncia com fundamento em uma perspectiva inclusiva requer com-promisso poliacutetico das naccedilotildees governantes sensiacuteveis agraves iniqui-dades sociais e uma sociedade solidaacuteria e altruiacutesta que esteja disposta a rever e ressignificar padrotildees culturais e comporta-mentais Este tripeacute articulado impulsiona as instituiccedilotildees for-

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madoras agrave ampliaccedilatildeo de suas perspectivas para reconstituiccedilotildees coletivas e sociais mediante a educaccedilatildeo transformadora e a formaccedilatildeo cientiacutefica teacutecnica eacutetica e esteacutetica

Acredita-se que percorrendo essa linha idealizada de modo natural fluiratildeo concepccedilotildees e accedilotildees interdisciplinares brotaraacute o respeito pelo outro emergiratildeo empatias e desejos de alcanccedilar uma sociedade igualitaacuteria inclusiva em que os di-ferentes sejam potencializados em suas singularidades Desse modo o conjunto de instituiccedilotildees atuaraacute de modo coordenado em busca da garantia de acesso a uma rede de serviccedilos de pro-teccedilatildeo beneficiada no arcabouccedilo poliacutetico brasileiro assistecircncia social cultura educaccedilatildeo justiccedila sauacutede seguridade social tra-balho transporte dentre outros segmentos

O estudo pondera a necessidade de serem desenvolvidas diretrizes para crianccedilas e adolescentes com deficiecircncia e expos-tas agraves situaccedilotildees de violecircncia aleacutem de recomendar o aprofun-damento de estudos especiacuteficos nessa parcela da populaccedilatildeo o que pode fomentar discussotildees e reorientaccedilotildees das poliacuteticas

As armas de que se dispotildee para lutar satildeo consciecircncia e conhecimento Nas poliacuteticas puacuteblicas vigentes eacute preciso tor-nar visiacutevel o que aparenta estar invisiacutevel ou seja a proteccedilatildeo agraves crianccedilas e aos adolescentes com deficiecircncia e expostos agrave vio-lecircncia e enfrentar as formas mais insidiosas de preconceito discriminaccedilatildeo estigma e exclusatildeo

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REFERecircNCIAS

AGUIAR ZN SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede - Antecedentes percur-so perspectivas e desafios Satildeo Paulo Martinari 2011

BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia DF Senado Federal 1988

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Depar-tamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Sauacutede da Pessoa com Deficiecircncia Brasiacutelia Editora do Ministeacuterio da Sauacutede 2010

BRASIL Deficiecircncia Viver sem Limite Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com deficiecircncia Secretaria de Direitos Humanos da Pre-sidecircncia da Repuacuteblica (SDHPR) Secretaria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) Brasiacutelia SDH-PRSNPD 2013

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Departamento de Accedilotildees Programaacuteti-cas Estrateacutegicas Estatuto da crianccedila e adolescente 7 ed atualizada Brasiacutelia (DF) Ministeacuterio da Sauacutede 2012a

BRASIL Cartilha do Censo 2010 Pessoas com Deficiecircncia Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia da Repuacuteblica (SDHPR) Secre-taria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) Coordenaccedilatildeo-Geral do Sistema de Informaccedilotildees sobre a Pes-soa com Deficiecircncia Brasiacutelia SDH-PRSNPD 2012b

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Programa de Assistecircncia Integral agrave Sauacutede da Crianccedila Brasiacutelia (DF) PAISC 1984

CURY AM Temas de direito do menor coordenaccedilatildeo das curadorias de menores do Ministeacuterio Puacuteblico do estado de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Ministeacuterio da Sauacutede 1987

CUSTOacuteDIO AV Teoria da Proteccedilatildeo Integral pressuposto para a compreensatildeo do direito da crianccedila e do adolescente Revista do Di-reito n 29 p 22-43 2008

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CAPIacuteTULO 3

ANAacuteLISE DA PRODUccedilAtildeO DO CUIDADO agraveS CRIANccedilAS SUBMETIDAS A IMPLANTE COCLEAR EM UM SERVIccedilO TERCIAacuteRIO DE SAUacuteDE AUDITIVA DE FORTALEZA

Claudia sobral de Oliveira UchoaIlvana Lima Verde Gomes

Emilia Kelma Alves MarquesWilson Junior de Araujo Carvalho

Leilson Lira LimaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A surdez haacute muitos anos desperta interesse dos pesqui-sadores Do ponto de vista do ouvinte ouvir eacute um privileacutegio que condiciona o desenvolvimento de uma crianccedila em todos os seus aspectos Uma crianccedila com uma surdez severa ou pro-funda pode ter prejuiacutezos irreparaacuteveis na aquisiccedilatildeo de lingua-gem e como consequecircncia sequelas em todos os seus aspectos comunicativos cognitivos afetivos e sociais dentre outros

Caracteriza-se como problema sensorial natildeo visiacutevel que acarreta dificuldades na recepccedilatildeo percepccedilatildeo e reconhecimen-to de sons ocorrendo em distintos graus do mais leve ao mais profundo Observa-se que o aspecto mais sensiacutevel nas deficiecircn-cias auditivas eacute a ausecircncia da linguagem oral e essa ausecircncia eacute realccedilada numa sociedade que se comunica principalmente pela linguagem oral (SILVA PEREIRA ZANOLLI 2007) O deacutefice auditivo pode limitar tambeacutem a comunicaccedilatildeo efetiva e

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a interaccedilatildeo social afetando negativamente a qualidade de vida relacionada agrave sauacutede ao estado cognitivo e emocional (AGRA-WAL PLATZ NIPARKO 2008)

De acordo com as estimativas da World Health Organiza-tion (2012) cerca de 360 milhotildees de pessoas no Mundo pos-suem algum tipo de perda auditiva ou seja 10 da populaccedilatildeo sendo 32 milhotildees de crianccedilas No Brasil satildeo 15 milhotildees de pessoas convivendo com o problema Desses 350 mil tem defi-ciecircncia auditiva severa Estima-se que no Brasil de trecircs a qua-tro crianccedilas em 1000 nascem surdas aumentando para dois a quatro em cada 100 receacutem-nascidos quando provenientes de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal - UTIN (USP 2012)

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) garante a universalidade do acesso equidade integralidade e o controle social1 sobre as poliacuteticas de sauacutede auditiva como princiacutepios que estatildeo em consonacircncia com as diretrizes do Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS (CFFa 2011)

Para minimizar o dano da deficiecircncia auditiva na popu-laccedilatildeo surgiu entatildeo a Poliacutetica Nacional de Sauacutede Auditiva re-gulamentada pelo Ministeacuterio da SauacutedePortaria GM nordm 2073 de 28 de setembro de 2004 e veio como mais um direito ga-rantido por lei aos que necessitam de um serviccedilo especializado (CFFa 2011)

1 Universalidadeequidade integralidadeecontrole social satildeoprinciacutepios constitu-cionais do Sistema Uacutenico de Sauacutede que norteiam o sistema juriacutedico em relaccedilatildeo aoSUSAuniversalidadeestaacutedispostanoartigo196daConstituiccedilatildeoBrasileirade1988ondedizqueldquoasauacutedeeacuteumdireitodetodosedeverdoEstadordquoOsoutrosprinciacutepiosintegralidade(confereaoEstadoodeverdoldquoatendimentointegralcomprioridadeparaasatividadespreventivassemprejuiacutezodosserviccedilosassistenciaisrdquo)aequidade(oEstadodevetratardesigualmenteosdesiguaisconcentrandoseusesforccediloseinvestimentosemzonasterritoriaiscompioresiacutendicesedeacuteficitsnapres-taccedilatildeodoserviccedilopuacuteblico)econtrolesocial(prevecircaldquoparticipaccedilatildeodacomunidaderdquonas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede atuando na formulaccedilatildeo e no controle da execuccedilatildeodestes)estatildeodispostosnoartigo198

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Entende-se que o objetivo norteador dessa poliacutetica foi entatildeo estruturar uma rede de serviccedilos regionalizada e hierar-quizada que estabeleccedila linhas de cuidados integrados no aten-dimento das principais causas da deficiecircncia auditiva e deter-minar diretrizes para credenciamento de serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica meacutedia e alta complexidade no atendimento da pessoa com deficiecircncia auditiva Essa normatizaccedilatildeo estaacute na Portaria SASMS nordm 587 de 07102004 que definiu a distribuiccedilatildeo da rede estadual para accedilotildees na atenccedilatildeo baacutesica na meacutedia e alta complexidade (BRASIL 2004)

No que diz respeito ao implante coclear sua efetivaccedilatildeo se deu pela Portaria GMMS nordm 1278 de 20 de outubro de 1999 antes mesmo da regulamentaccedilatildeo da portaria da Poliacutetica Nacio-nal de Sauacutede Auditiva Atualmente eacute uma alta tecnologia para o tratamento da surdez e como tecnologia de sauacutede aponta como o recurso que proporciona melhores resultados aos que dela se utilizam (BRASIL 1999)

O implante coclear como possibilidade de superaccedilatildeo de dificuldades no desenvolvimento linguiacutestico de adultos e crianccedilas surdas veio dar outra esperanccedila ao paciente pelo fato de lhe proporcionar a sensaccedilatildeo auditiva e natildeo apenas a sua am-plificaccedilatildeo (MORET BEVILACQUA COSTA 2007)

Por ser contudo um tratamento de alto custo a atenccedilatildeo terciaacuteria que envolve o Programa de Implante Coclear natildeo eacute ainda um serviccedilo universalmente constituiacutedo Ele eacute um pro-grama que afunila a grande demanda de usuaacuterios necessitados dessa tecnologia avanccedilada Infelizmente os serviccedilos que pos-suem o Programa de Implante Coclear ainda natildeo tecircm acesso integral para todos os que necessitam

A praacutetica integral de assistecircncia ao usuaacuterio requer um mo-delo de projetos coletivos integrados aos cuidados de sauacutede

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em que trabalhadores gestores e usuaacuterios devem ser corres-ponsaacuteveis no fazer sauacutede cotidianamente (ASSIS NASCI-MENTO FRANCO et al 2010) O cuidado resulta de trabalho coletivo que envolve relaccedilotildees de trocas comunicaccedilotildees e inuacute-meros atos associados uns aos outros e que entre si formam o processo produtivo da assistecircncia (ALMEIDA FERREIRA FRANCO et al 2010)

A anaacutelise da organizaccedilatildeo do cuidado eacute um elemento im-portante para produccedilatildeo do cuidado e avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede que nos permite olhar a organizaccedilatildeo das praacuteticas as-sistenciais em sauacutede no cotidiano do trabalho de uma equipe que [] eacute capaz de levar os profissionais a refletirem sobre o cuidado que realizam e a relaccedilatildeo que mantecircm com o usuaacuterio possibilitando o exerciacutecio da autoanaacutelise (ALMEIDA FER-REIRA FRANCO et al 2010)

Ante a carecircncia de pesquisas sobre esse enfoque e por ser o implante coclear um serviccedilo novo que cresce a cada dia com a ampliaccedilatildeo pelo Ministeacuterio da Sauacutede de novos serviccedilos habilitados observa-se a necessidade de investigaccedilatildeo do deli-neamento das praacuteticas da produccedilatildeo do cuidado ao usuaacuterio de um serviccedilo terciaacuterio para subsidiar um atendimento integral de mais qualidade para um maior nuacutemero possiacutevel de pessoas com perda auditiva

Destaca-se tambeacutem a importacircncia do conhecimento das formas de acesso dos usuaacuterios das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede auditiva pois mesmo sendo essa rede de serviccedilo organizada em um complexo sistema de regulaccedilatildeo com fluxo uacutenico eacute im-portante conhecer o caminho que um portador de deficiecircncia auditiva percorre identificando sua trajetoacuteria ateacute o serviccedilo ter-ciaacuterio Muitas vezes essa regulaccedilatildeo natildeo eacute realizada de forma

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hierarquizada de acordo com que o preconizam as diretrizes do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Como objeto do estudo a produccedilatildeo do cuidado de um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva traz alguns questionamen-tos como ocorrem o acesso o acolhimento e o viacutenculo das crianccedilas submetidas agrave cirurgia de implante coclear Como eacute a visatildeo dos profissionais e familiares quanto ao processo do cuidado Como se daacute a participaccedilatildeo destes no tratamento e recuperaccedilatildeo da sua sauacutede O modo de cuidado ofertado pelos profissionais promove a responsabilizaccedilatildeo a estes usuaacuterios

O objetivo deste estudo eacute entatildeo analisar a produccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo de sauacutede auditiva terciaacuterio de Fortaleza mediante a identificaccedilatildeo das formas de acesso dos usuaacuterios a esse serviccedilo terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave sauacutede auditiva e a descriccedilatildeo do fluxo as-sistencial e das relaccedilotildees entre crianccedilas submetidas ao implante coclear suas famiacutelias e os trabalhadores de sauacutede no cuidado com base na integralidade

O conhecimento do acesso dos usuaacuterios do Programa de Implante Coclear e as linhas de cuidado aos usuaacuterios dessa rede poderatildeo subsidiar a promoccedilatildeo da reordenaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos para esse puacuteblico

REFERENCIAL TEoacuteRICO

Em 1999 com a publicaccedilatildeo da portaria que aprovou os criteacuterios de indicaccedilatildeo e contraindicaccedilatildeo de implante coclear e as normas para cadastramento de centrosnuacutecleos para rea-lizaccedilatildeo de implante coclear foi dado um grande salto para a criaccedilatildeo de uma poliacutetica nacional que atendesse a necessidades de usuaacuterios com perda auditiva

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A necessidade de instituiccedilatildeo da poliacutetica emergiu prin-cipalmente apoacutes constataccedilatildeo pelo Ministeacuterio da Sauacutede do desequiliacutebrio entre o nuacutemero de procedimentos referentes ao diagnoacutestico e a concessatildeo do aparelho de amplificaccedilatildeo sonora individual (AASI) em comparaccedilatildeo com a produccedilatildeo ambula-torial dos procedimentos de acompanhamento e reabilitaccedilatildeo auditiva como tambeacutem pelo empenho de profissionais da aacuterea da sauacutede (ARAUacuteJO 2011)

A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Auditiva implantada pela Portaria Ministerial GM nordm 2073 veio entatildeo com o objetivo de proporcionar uma superaccedilatildeo de dificuldades para questotildees inerentes a problemas auditivos com o objetivo maior de pro-teger recuperar a sauacutede e garantir a qualidade de vida e auto-nomia das pessoas com deficiecircncia auditiva (BRASIL 2004)

Em contrapartida alguns defendem a posiccedilatildeo de que a Libras eacute a liacutengua natural das comunidades surdas e que as liacuten-guas de sinais natildeo satildeo simplesmente miacutemicas e gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar a comunicaccedilatildeo Consti-tuem liacutenguas com estruturas gramaticais proacuteprias compostas pelos niacuteveis linguiacutesticos o fonoloacutegico o morfoloacutegico o sintaacuteti-co e o semacircntico A mesma utiliza-se de sinais em substituiccedilatildeo agrave liacutengua que todos conheccedilaqm em nas comunicaccedilotildees a liacutengua de sons ou oral (LIBRAS 2012)

Eacute necessaacuterio portanto que a famiacutelia esteja ciente e deci-dida sobre a escolha da liacutengua (sinais ou oral) que seja mais adequada para a crianccedila para que possa estar motivada e capaz de colaborar no seu desenvolvimento

Atualmente 143 unidades de serviccedilos de sauacutede auditiva estatildeo habilitadas em todo o Paiacutes para oferecer atendimento ao deficiente auditivo na atenccedilatildeo baacutesica meacutedia e na alta comple-xidade Os Estados do Amazonas Acre e Roraima poreacutem ain-

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da natildeo possuem tais serviccedilos De acordo com o levantamento da produccedilatildeo 2010 dos Serviccedilos de Sauacutede Auditiva habilitados (DATASUS) foram realizados cerca de um milhatildeo e duzentos mil procedimentos da aacuterea de sauacutede auditiva (CFFa 2011)

No Estado do Cearaacute estatildeo credenciadas oito unidades de serviccedilos de sauacutede auditiva Dentre estas cinco localizam-se no municiacutepio de Fortaleza uma em Juazeiro do Norte uma em Sobral e uma em Cascavel (USP 2012)

Para assegurar atenccedilatildeo integral os serviccedilos de sauacutede de-vem estar configurados em redes sustentadas por criteacuterios flu-xos e mecanismos de pactuaccedilatildeo de funcionamento O desenho loacutegico da rede prevecirc a hierarquizaccedilatildeo dos niacuteveis de comple-xidade viabilizando encaminhamentos resolutivos (dentre os vaacuterios equipamentos de sauacutede) A organizaccedilatildeo e o funciona-mento adequados dos sistemas de referecircncia e contrarreferecircn-cia satildeo portanto requisitos fundamentais para o alcance da integralidade (CFFa 2011)

Os serviccedilos de sauacutede auditiva no Brasil abrangem os qua-tro niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede e cada um com suas responsabi-lidades definidas pela Portaria de sauacutede auditiva e devemse articular mediante um sistema de regulaccedilatildeo organizado

Sabe-se hoje que a cirurgia de implante coclear eacute o que haacute de mais moderno no tratamento da surdez tanto de adultos como de crianccedilas surdas O implante coclear ou mais popular-mente conhecido como ouvido biocircnico eacute um aparelho eletrocirc-nico de alta complexidade tecnoloacutegica que nos uacuteltimos anos para restaurar a funccedilatildeo da audiccedilatildeo nos pacientes portadores de surdez profunda que natildeo se beneficiam do uso de proacuteteses auditivas convencionais (OUVIDO BIOcircNICO 2012)

Trata-se de um equipamento eletrocircnico computadori-zado que substitui totalmente o ouvido de pessoas que tecircm

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surdez total ou quase total Assim o implante eacute que estimula diretamente o nervo auditivo por meio de eletrodos situados dentro da coacuteclea e o nervo leva estes sinais para o ceacuterebro Eacute um aparelho muito sofisticado que foi uma das maiores con-quistas da Engenharia ligada agrave Medicina Jaacute existe haacute alguns anos e hoje cerca de 150000 pessoas no Mundo jaacute o estatildeo usando No Brasil cerca de 2000 pessoas jaacute utilizam este apa-relho(OUVIDOBIOcircNICO2012)

No Estado do Cearaacute foram realizadas cerca de 100 cirur-gias no Hospital Geral de Fortaleza uacutenico serviccedilo puacuteblico no Cearaacute cadastrado para tal procedimento

O implante coclear como alternativa de tratamento para crianccedilas deficientes auditivas preacute-linguiacutesticas apresenta inuacute-meras peculiaridades Natildeo se trata apenas de um procedimento ciruacutergico no qual a crianccedila pode ser conduzida exclusivamen-te por seu dispositivo eletrocircnico Constitui-se na verdade de um processo multifatorial que ocorre em trecircs fases distintas na avaliaccedilatildeo preacute-ciruacutergica no ato ciruacutergico e no acompanha-mento (MORET BEVILACQUA COSTA 2007)

Os usuaacuterios com deficiecircncia auditiva tecircm que cumprir al-guns criteacuterios primordiais definidos na Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede que regulamenta as condiccedilotildees de um candidato estar apto a receber um implante coclear Por isso poucos satildeo os que satildeo privilegiados e recebem pelo SUS toda a assistecircncia que envolve esse Programa (TEIXEIRA 2009) Para se chegar a esse niacutevel de alta complexidade o usuaacuterio deve ser referen-ciado pelos outros niacuteveis de atenccedilatildeo (Conselho Federal de Fo-noaudiologia 2011)

Para que esse novo modelo assistencial em sauacutede em que a atenccedilatildeo ao usuaacuterio eacute o foco eacute necessaacuterio uma mudanccedila no processo de trabalho Essa deveraacute ser fundamentada na pro-

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duccedilatildeo do cuidado na perspectiva da autonomia do sujeito norteada pelo Princiacutepio da Integralidade e requerendo como ferramentas a interdisciplinaridade a intersetorialidade o trabalho em equipe a humanizaccedilatildeo dos serviccedilos e a criaccedilatildeo de viacutenculos entre usuaacuterioprofissionalequipe de sauacutede (RODRI-GUES ARAUacuteJO 2003)

Franco e Mehry (2003) consideram entatildeo a integralidade como um potente dispositivo para desencadear processos de transformaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede permitindo um redire-cionamento do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Nesse acircmbito Assis Nascimento e Franco et al (2010) assinalam que o profissional de sauacutede teria que repensar as praacuteticas desenvolvidas em seu cotidiano e rever os valores e conhecimentos de todos os sujeitos envolvidos no processo de produccedilatildeo social da sauacutede para favorecer a elaboraccedilatildeo de uma consciecircncia sanitaacuteria Esses autores compreendem a respon-sabilizaccedilatildeo da equipe com o usuaacuterio para tornaacute-lo autocircnomo e acompanhar seu processo terapecircutico concebendo a pessoa como sujeito social capaz de traccedilar projetos proacuteprios de de-senvolvimento e ser coparticipante no cuidado a ele oferecido

Eacute preciso portanto compreender a produccedilatildeo do cuidado como cenaacuterio de relaccedilotildees como trabalho vivo em ato consu-mido no momento em que eacute produzido no qual encontros e desencontros satildeo visiacuteveis ou invisiacuteveis em meio ao poder entre sujeitos e territoacuterios (FRANCO MEHRY 2003)

Eacute preciso no entanto (des)constituir a praacutetica centrada no meacutedico e nos saberes pautados nos nuacutecleos especializados sendo necessaacuterio incorporar aos saberes ampliados agrave dimen-satildeo cuidadora de cada trabalhador de sauacutede a valorizaccedilatildeo do outro a preocupaccedilatildeo com o cuidado e o respeito com a visatildeo de mundo de cada um considerando o outro como cuacutemplice

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de estrateacutegias de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo cura e reabilitaccedilatildeo dos usuaacuterios

METODOLOGIA

Este eacute um ensaio de natureza qualitativa por ser pertinen-te agrave investigaccedilatildeo das dimensotildees subjetivas que envolvem as praacuteticas de sauacutede Nessa perspectiva a abordagem qualitativa vem ao encontro do objeto de estudo desta pesquisa uma vez que haacute uma preocupaccedilatildeo com o aprofundamento e abrangecircn-cia da compreensatildeo dos processos de trabalho que envolvem o cuidado e a assistecircncia aos usuaacuterios de um serviccedilo de sauacutede

O estudo foi realizado no Hospital Geral de Fortaleza que foi credenciado pelo Ministeacuterio da Sauacutede em 15092009 me-diante a Portaria MS nordm 4402009 para a realizaccedilatildeo de cirurgias de implante coclear O local do estudo foio Setor de Proacutetese Auditiva coordenado pelo Setor de Fonoaudiologia locali-zado no Ambulatoacuterio de Proacutetese Auditiva que divide com a Otorrinolaringologia o Ambulatoacuterio nuacutemero nove do 1ordm an-dar da Unidade Reacutegis Jucaacute

O Programa de Implante Coclear eacute composto de uma equipe compreendendo fonoaudioacutelogos responsaacuteveis pela avaliaccedilatildeo dos candidatos a cirurgia de implante coclear ate-lemetria de respostas neurais (procedimento realizado no ato ciruacutergico) ativaccedilatildeo do implante e mapeamentos de programa-ccedilatildeo perioacutedica e reabilitaccedilatildeo psicoacuteloga cirurgiotildees otorrinola-ringologistas e assistente social

Obedece a uma portaria do Ministeacuterio da Sauacutede que orienta quanto aos criteacuterios a serem cumpridos para escolha dos candidatos a receberem o dispositivo do implante coclear

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As pessoas pertencentes agrave pesquisa foram divididas em dois grupos 15 familiares das crianccedilas operadas pelo progra-ma e cinco profissionais de sauacutede atuantes no Programa de Implante Coclear do Hospital Geral de Fortaleza

As entrevistas foram realizadas apenas com o primeiro grupo aproveitando o momento em que a crianccedila estava em atendimento quando utilizou-se um roteiro de entrevista se-miestruturada aplicada com o objetivo de coletar informaccedilotildees relativas ao acesso da crianccedila ao serviccedilo de implante coclear e ao atendimento recebido As questotildees norteadoras orienta-ram o relato dos entrevistados e natildeo houve limitaccedilatildeo do tempo para a sua aplicaccedilatildeo

Foram entrevistados 17 componentes familiares respon-saacuteveis pelas crianccedilas (sendo 16 matildees e uma irmatilde) dentre as quais duas foram descartadas pois natildeo contribuiacuteram para o objetivo da pesquisa A realizaccedilatildeo da coleta das informaccedilotildees com os usuaacuterios foi realizada nos meses de agosto e setembro de 2013

As entrevistas realizadas com os participantes foram transcritas para melhor utilizaccedilatildeo A anaacutelise dos dados foi baseada nas regras da anaacutelise de conteuacutedo proposta por Flick (2009) que obedece aos seguintes passos siacutentese da anaacutelise de conteuacutedo por meio da omissatildeo de enunciados anaacutelise expli-cativa de conteuacutedo com o esclarecimento de trechos difusos ambiacuteguos ou contraditoacuterios por fim a anaacutelise estruturadora de conteuacutedo por meio da estruturaccedilatildeo no niacutevel formal relativo ao conteuacutedo

O material em anaacutelise eacute avaliado constrastivamente com as leituras reflexivas na tentativa de reduzir o material com base em nuacutecleos de sentidos que posteriormente satildeo agrupa-dos por semelhanccedilas Esta anaacutelise compreende criticamente o

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sentido manifesto ou oculto das comunicaccedilotildees o significado das mensagens com um olhar atento aos objetivos da pesquisa (MOZZATO GEZYBOVSKI 2011)

Apoacutes a transcriccedilatildeo das entrevistas realizou-se levanta-mento e organizaccedilatildeo do material coletado Observando os objetivos propostos pela pesquisa fez-se a primeira leitura do material empiacuterico abstraindo os nuacutecleos de sentido orienta-dos pelas temaacuteticas discutidas Nessa perspectiva buscou-se fazer os recortes de grupos de temas semelhantes reduzindo o material a categorias

Para o grupo dos profissionais de sauacutede foi realizada uma oficina como teacutecnica de coleta de dados agendada previa-mente Todos os participantes do setor de implante coclear do Hospital foram convidados pessoalmente a participar da ofici-na Neste momento foi explicado o objetivo da pesquisa e soli-citada a sua presenccedila no dia marcado Foi utilizado um roteiro com algumas questotildees norteadoras para iniciar o debate entre os profissionais o qual foi gravado mediante o consentimento deles com o intuito de facilitar a posterior anaacutelise dos dados

O grupo foi conduzido por duas moderadoras que ques-tionavam os profissionais a relatarem os fluxos de atendimen-to do serviccedilo seus protocolos de atendimento e as dificulda-des encontradas para sua realizaccedilatildeo Contou com o auxiacutelio de duas colaboradoras para o registro de imagens fotograacuteficas de viacutedeo e gravaccedilatildeo de aacuteudio a fim de auxiliar na coleta de infor-maccedilotildees importantes durante a realizaccedilatildeo da oficina e posterior exame dos indicadores

Durante a oficina foi elaborado com base na ferramenta proposta por Mehry e Franco (2003) o Fluxograma Analisa-dor que eacute um instrumento de autoanaacutelise e de autogestatildeo do processo de trabalho em sauacutede O uso dessa ferramenta se deu

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coletivamente no espaccedilo do serviccedilo mapeando o desenvolvi-mento dos processos no cotidiano tendo como foco central o usuaacuterio

O Fluxograma Analisador permite um olhar agudo sobre os fluxos no momento da produccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede e a detecccedilatildeo de seus problemas A interaccedilatildeo do grupo levou agrave compreensatildeo dos processos que envolvem sua atividade bem como sua implicaccedilatildeo com uma dada realidade o que lhe daacute a possibilidade de intervir para provocar processos de mudanccedila nos espaccedilos onde atua (FRANCO 2003)

Para a anaacutelise dos processos de trabalho foi considerado o Fluxograma Analisador proposto por Mehry elaborado pelos profissionais durante a oficina

A pesquisa foi submetida ao Comitecirc de Eacutetica em Pesqui-sa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) como entidade proponente e do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) como uni-dade coparticipante Foi aprovado de acordo com os respec-tivos pareceres nordm 274583 e nordm 301269 O iniacutecio da coleta de dados se deu apoacutes a sua aprovaccedilatildeo Foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e posteriormente assi-nado por todos os participantes de acordo com o que rege a Resoluccedilatildeo nordm 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Observou-se que todos os familiares entrevistados se dis-puseram muito bem a participar da pesquisa Ao primeiro contato com um dos pesquisadores aceitaram prontamente contribuir ou seja natildeo se houve recusa de nenhum familiar Quanto aos profissionais tambeacutem se pode dizer o mesmo Para a realizaccedilatildeo da oficina a fim de elaborar o Fluxograma

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Analisador os profissionais participaram com muita presteza e objetividade

Na anaacutelise das entrevistas com os membros familiares emergiram duas temaacuteticas e suas respectivas categorias Te-maacutetica - Caminho desde a descoberta da surdez ateacute o Serviccedilo de Implante Coclear e as categorias a Descoberta da surdez b Busca pelos serviccedilos de sauacutede e c Acesso ao serviccedilo de implante coclear do HGF A segunda temaacutetica beneficiou a Produccedilatildeo do Cuidado agrave crianccedila submetida agrave cirurgia de im-plante coclear com as categorias a O cuidado pela equipe de sauacutede fluxos de atendimento no serviccedilo de implante coclear b Cuidado pela famiacutelia participaccedilatildeo envolvimento e corres-ponsabilizaccedilatildeo e c Percepccedilotildees diante dos resultados do trata-mento- expectativas e realidade

Observou-se com essas entrevistas que a descoberta da surdez acontece na maioria dos casos em idade tardia muitas vezes por uma atenccedilatildeo baacutesica fragilizada que natildeo detecta essas dificuldades As matildees percebiam que seus filhos podiam ter al-guma dificuldade mas como a surdez se pronuncia como uma dificuldade silenciosa o diagnoacutestico se tornou mais difiacutecil

Costa (2000) reafirma que as suspeitas dos pais acerca de uma possiacutevel surdez natildeo ocorrem logo nos primeiros meses pois o desenvolvimento de uma crianccedila que nasce surda se processa normalmente tal como na crianccedila ouvinte Assim as suspeitas de surdez ficam adormecidas uma vez que as crian-ccedilas surdas como as ouvintes tecircm comportamentos adaptados agraves interaccedilotildees estabelecidas por elas com os adultos mais proacutexi-mos e deste modo soacute por volta de um ano de idade eacute que satildeo notadas as diferenccedilas e as dificuldades de comunicaccedilatildeo

Uma forma de detectar precocemente a surdez de uma crianccedila eacute a realizaccedilatildeo do ldquoTeste da orelhinhardquo ou Triagem

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Auditiva Neonatal nos primeiros dias de vida Apoacutes a sua realizaccedilatildeo eacute possiacutevel iniciar o diagnoacutestico e o tratamento das alteraccedilotildees auditivas precocemente O Conselho Federal de Fo-noaudiologia e outras entidades brasileiras recomendam que o exame seja realizado na maternidade antes da alta hospitalar

Apoacutes a descoberta precoce da surdez o profissional de sauacutede tem papel fundamental na orientaccedilatildeo familiar quanto a todas as possibilidades para essa crianccedila A decisatildeo da famiacutelia afetaraacute todo o seu futuro quanto agrave escolha de um tratamento mais adequado E uma das estrateacutegicas mais acertadas pelos profissionais eacute propiciar aos familiares todas as informaccedilotildees necessaacuterias quanto agrave surdez

Da anaacutelise geral de todas as entrevistas parece ressaltar um aspecto que domina e caracteriza o comportamento desses pais Eacute a preocupaccedilatildeo com a comunicaccedilatildeo como se comunicar com a crianccedila e como esta pode se comunicar com eles e os ou-tros Eacute o que motiva a procura por um atendimento especiali-zado para as suas necessidades O que percebeu-se poreacutem foi uma longa caminhada Alguns familiares peregrinam muitas vezes desorientados sem saber como procurar por esses ser-viccedilos e frequentemente ainda sem diagnoacutestico

Outra situaccedilatildeo que observa-se eacute quando a famiacutelia eacute desa-creditada na sua suspeita atrasando o diagnoacutestico e o iniacutecio do tratamento A insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao apoio dos profissio-nais meacutedicos para o diagnoacutestico eacute grande por estes natildeo acre-ditarem nas suspeitas dos pais afirmando que a crianccedila ouve Por outro lado tambeacutem se tem o caso de pais que natildeo acredi-tam no diagnoacutestico da surdez contrariando a opiniatildeo meacutedica Os pais entatildeo procuram outros profissionais que confirmem as suas esperanccedilas atrasando assim a intervenccedilatildeo precoce ne-cessaacuteria agrave crianccedila (RODRIGUES PIRES 2002)

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Algumas relataram que ao receberem a notiacutecia logo pro-curaram pelo tratamento de seus filhos poreacutem haacute dificuldades e demora ateacute chegar a um serviccedilo com maior resolubilidade considerando que se trata de serviccedilos que deveriam estar co-nectados para resolver os problemas de sauacutede Eacute visiacutevel a falta de cobertura da assistecircncia na rede baacutesica fazendo com que alguns usuaacuterios busquem de imediato o atendimento numa unidade especializada sem que houvesse um diaacutelogo dos pro-fissionais com as outras instacircncias do cuidado de modo a faci-litar a integraccedilatildeo dos serviccedilos

Nesta busca pelos serviccedilos de sauacutede os usuaacuterios procuram opccedilotildees para conseguir chegar ateacute o serviccedilo de que tanto neces-sitam Segundo os profissionais da equipe de implante coclear essa situaccedilatildeo acontece com frequecircncia Quando satildeo solicitados exames para avaliaccedilatildeo do paciente muitos familiares se utili-zam de planos de sauacutede para a sua realizaccedilatildeo com o intuito re-solver mais rapidamente Encontrou-se tambeacutem uma grande demanda de usuaacuterios que chegam ateacute o serviccedilo terciaacuterio por meio de uma procura espontacircnea

Contrapondo-se essa realidade tambeacutem teve relatos de usuaacuterios que natildeo conseguiram chegar facilmente ateacute os servi-ccedilos de sauacutede auditiva Um fator determinante dessa dificulda-de eacute a distacircncia entre os usuaacuterios e os serviccedilos especializados jaacute que estes se concentram nos grandes centros urbanos

A Rede de Sauacutede Puacuteblica precisa integrar os seus serviccedilos para facilitar os casos em que alguns pacientes tecircm que per-correr muitos quilocircmetros para fazer um tratamento A maio-ria dos municiacutepios oferece esse serviccedilo de transporte de seus usuaacuterios mas agraves vezes natildeo conseguem vaga na data marcada pela grande demanda de pacientes que dele se utilizam A dis-

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tacircncia entre esses serviccedilos especializados e os usuaacuterios com-promete seu atendimento

Eacute imprescindiacutevel que os serviccedilos de sauacutede estejam organi-zados em uma rede de atenccedilatildeo para referenciar seus usuaacuterios sendo observada a classificaccedilatildeo de risco a vulnerabilidade des-se usuaacuterio e a garantia da continuidade do cuidado

Observou-se que todos os usuaacuterios que chegam ateacute o ser-viccedilo de implante coclear relatam a indicaccedilatildeo ou encaminha-mento por um profissional ou ainda outra forma de acesso Natildeo se conseguiu ainda encontrar algum que tenha sido en-caminhado pela Central de Regulaccedilatildeo Isso denota que o aces-so regulado ao serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva no Cearaacute por um sistema informatizado ainda natildeo estaacute efetivamente funcionando

Na anaacutelise da oficina realizada com os profissionais de sauacutede foram descritos os fluxos de atendimentos do serviccedilo apresentando tambeacutem alguns ruiacutedos que interferem na con-tinuidade do cuidado a esses usuaacuterios Analisando o fluxo-grama formulado pelos profissionais pode-se verificar como o atendimento do serviccedilo de implante coclear do HGF ocorre

A elaboraccedilatildeo do Fluxograma Analisador funcionou como importante dispositivo para trazer um olhar sobre as relaccedilotildees entre os trabalhadores os usuaacuterios e o serviccedilo Com a com-preensatildeo dessas relaccedilotildees conclui-se que os profissionais de sauacutede satildeo responsaacuteveis pelos seus usuaacuterios e isso traz uma sig-nificacircncia muito grande no concernente agrave Produccedilatildeo do Cui-dado Tambeacutem ante as diversas entrevistas realizadas pocircde-se compreender de forma geral que os usuaacuterios percebem o acolhimento e consequentemente o cuidado aos seus filhos

Pocircde-se entender entatildeo que a integralidade pode ser al-canccedilada como os diversos dispositivos como o acesso ao ser-

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viccedilo de sauacutede o viacutenculo entre os profissionais e os usuaacuterios e a responsabilizaccedilatildeo e a resolubilidade no estabelecimento das linhas de cuidado em todos os serviccedilos da rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede E a articulaccedilatildeo nas relaccedilotildees entre profissionais de sauacutede e usuaacuterios pode ser vista como possibilidade de abertura para uma comunicaccedilatildeo permitindo melhor compreensatildeo dos seus problemas de sauacutede

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Os profissionais de sauacutede do estudo demonstraram pro-funda vinculaccedilatildeo com as famiacutelias e os usuaacuterios Estes se preo-cupam desde o acolhimento ateacute a continuidade do cuidado quando procuram organizar os retornos de acordo com as condiccedilotildees da famiacutelia As praacuteticas acolhedoras e os laccedilos afeti-vos entre os sujeitos possuem uma abordagem que privilegia a continuidade do cuidado e um viacutenculo com a responsabiliza-ccedilatildeo assegurando assim accedilotildees direcionadas para a resoluccedilatildeo dos seus problemas

As famiacutelias das crianccedilas submetidas agrave cirurgia de implante coclear satildeo participativas e envolvidas com o tratamento do filho Satildeo cientes de que eacute parte integrante do processo e que o desenvolvimento da linguagem eacute produto das relaccedilotildees inter-pessoais estabelecidas por esse envolvimento Procuram enca-rar as dificuldades buscando a compreensatildeo dos problemas com a criaccedilatildeo de viacutenculos com a equipe de sauacutede e a necessi-dade de readequaccedilatildeo de comportamentos perante a crianccedila

Essa confianccedila que os pais tecircm nos profissionais eacute fator decisivo para o sucesso do tratamento da crianccedila Outros fa-tores que contribuem para o sucesso do implante coclear satildeo a idade em que a crianccedila recebe o implante coclear o tempo

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de privaccedilatildeo sonora as caracteriacutesticas individuais da crianccedila o acompanhamento ciruacutergico rigoroso e o envolvimento da famiacutelia

Sendo assim o implante coclear por si natildeo garante o sucesso da habilitaccedilatildeo Depende aleacutem de todos os fatores in-triacutensecos agrave reabilitaccedilatildeo auditiva de uma famiacutelia que invista e acredite no seu desenvolvimento Famiacutelia e paciente precisam estar suficientemente motivados para usar o implante e se sub-meterem agraves adaptaccedilotildees que teratildeo que fazer no seu cotidiano

Os pais demonstraram ter muitas expectativas a respeito dos benefiacutecios que o implante coclear poderaacute propiciar na vida de seus filhos O benefiacutecio que mais esperam estaacute relacionado agrave melhoria da comunicaccedilatildeo jaacute que eacute nesse aspecto que os pais encontram dificuldade no conviacutevio com seus filhos Melhorar a comunicaccedilatildeo significa para a maioria deles que o filho possa ouvir e consequentemente falar

Quanto agraves questotildees relacionadas ao conhecimento e compreensatildeo das famiacutelias sobre o tratamento e todas as suas peculiaridades apreende-se que elas satildeo bem orientadas Sa-bem descrever com detalhes todas as fases do tratamento bem como as fases ainda a serem vivenciadas e a necessidade de uma reabilitaccedilatildeo fonoaudioloacutegica sistemaacutetica

Compreendem que o implante coclear pode trazer melhor qualidade de vida aos seus filhos e que iraacute facilitar algumas si-tuaccedilotildees como o estudo o trabalho a comunicaccedilatildeo e socializa-ccedilatildeo e principalmente a possibilidade de melhor se desenvol-verem e no futuro cuidarem da proacutepria vida

Ao depararem a possibilidade de realizar a cirurgia de im-plante coclear para solucionar a surdez de um filho os pais depositam essa expectativa de tal forma que veem o procedi-

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mento como um sonho realizado e essa expectativa pode ser alta e permeada por mitos e fantasias Alguns familiares acre-ditam que o implante coclear eacute a ldquocurardquo a uacutenica possibilidade de ouvir e falar Essa expectativa no entanto deve ser encara-da e desmistificada pela equipe multidisciplinar trazendo para a realidade a condiccedilatildeo de cada crianccedila

A expectativa pelo implante coclear pode produzir nas famiacutelias muitas duacutevidas medos e inseguranccedilas referentes agrave cirurgia considerando que envolve riscos e benefiacutecios Perce-beu-se entretanto que os familiares do estudo se acham segu-ros de sua decisatildeo e que fizeram a melhor escolha pelos seus filhos

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CAPIacuteTULO 4

OBTENccedilAtildeO DO CONSENTIMENTO INFOR-MADO E PERMANecircNCIA DO PACIENTE EM UMA PES-QUISA CLIacuteNICA CONTRIBUIccedilAtildeO DA RELAccedilAtildeO PROFISSIONAL PACIENTE

Edina Silva CostaAndrea Caprara

Amanda Pereira FerreiraCyntia Monteiro Vasconcelos Motta

Selma Antunes Nunes DinizJuliana Alencar Moreira Borges

INTRODUccedilAtildeO

O Consentimento Informado (CI) refere-se ao esclare-cimento do paciente eou responsaacutevel a respeito do procedi-mento ao que seraacute submetido A intenccedilatildeo eacute obter o seu con-sentimento de forma voluntaacuteria por meio da assinatura para a aceitaccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo ou participaccedilatildeo em uma pes-quisa especiacutefica Nesse caso o sujeito deve participar de todas as decisotildees e estaremcientes dos riscos benefiacutecios e possiacuteveis consequecircncias que possam ocorrer (VAZ e REIS 2007)

Busca-se com a utilizaccedilatildeo do CI a autonomia dos sujeitos e o resguardo dos princiacutepios de beneficecircncia e justiccedila propa-gados pela Bioeacutetica Esse documento procura haacute algum tempo estabelecer princiacutepios eacuteticos que devem ser seguidos em pes-quisas que envolvem seres humanos (PERES et al 2011)

Os fundamentos do CI encontram respaldo nos direitos individuais contidos de modo impliacutecito na Declaraccedilatildeo Uni-

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versal dos Direitos Humanos (1948) ao expressar que ldquoTodos tecircm direito agrave vida escolha e seguranccedila pessoalrdquo (Art 3deg) ldquoNin-gueacutem seraacute submetido agrave tortura puniccedilatildeo cruel desumana ou degradanterdquo (Art 5deg) (SABATOVSKI e FONTOURA 2009)

No Brasil o CI regulamenta-se pela Resoluccedilatildeo nordm 46612 baseada nos principais documentos internacionais resultantes dos coacutedigos declaraccedilotildees e diretrizes sobre pesquisas cientiacutefi-cas Tambeacutem estabelece exigecircncias eacuteticas para o desenvolvi-mento das pesquisas cientiacuteficas e exige que o esclarecimento dos sujeitos se faccedila em linguagem acessiacutevel ao seu niacutevel socio-cultural dos mesmos (BRASIL 2013)

A obtenccedilatildeo do CI no exerciacutecio das praacuteticas de sauacutede eacute proacutepria das uacuteltimas deacutecadas e caracteriza o aperfeiccediloamento da eacutetica nesse setor constituindo-se como um requerimento obrigatoacuterio na pesquisa que envolve seres humanos em espe-cial na investigaccedilatildeo cliacutenica Uma vez que estudos cliacutenicos re-querem um recrutamento significativo de participantes e satildeo desenvolvidos em sua maioria mediante procedimentos inva-sivos eacute necessaacuterio um cuidado mais detalhado no cumprimen-to dos princiacutepios eacuteticos da pesquisa durante todo o transcorrer do estudo (SILVA OLIVEIRA e MUCCIOLI 2005)

Esse tipo de estudo eacute desenvolvido em todo o Mundo e no Brasil registra crescimento constatado com a criaccedilatildeo da Rede Nacional de Pesquisa Cliacutenica (RNPC) em 2005 cujo objetivo eacute a consolidaccedilatildeo desse tipo de busca no Paiacutes e o incremento da produccedilatildeo cientiacutefica e tecnoloacutegica em todo o Territoacuterio Nacio-nal (BRASIL 2011)

Vale destacar o fato de que a crescente participaccedilatildeo do Brasil no cenaacuterio da pesquisa cliacutenica eacute descrita natildeo soacute em es-tudos cliacutenicos nacionais como tambeacutem em estudos multicecircn-tricos desenvolvidos sempre com base nos princiacutepios estabe-

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lecidos pelo Conselho Nacional de Sauacutede (THIERS SINSKEY e BERNDT 2008)

Esse crescimento traz o reconhecimento do Paiacutes como parceiro em pesquisas multicecircntricas Essa globalizaccedilatildeo dos estudos cliacutenicos no entanto ainda eacute predominante na induacutes-tria farmacecircutica multinacional que expande horizontes em busca de outros centros de pesquisa e ampliando sua capacida-de de recrutamento de pacientes (DAINESI e GOLDBAUM 2012) Esse crescimento natildeo ocorre na mesma proporccedilatildeo quando se trata de estudos cliacutenicos nacionais ou multicecircntri-cos na atenccedilatildeo primaacuteria uma vez que no Brasil essa praacutetica ainda eacute pouco realizada e ateacute mesmo a discussatildeo na literatura sobre o tema eacute escassa

Alguns pontos dificultam a realizaccedilatildeo de estudos cliacutenicos multicecircntricos na atenccedilatildeo primaacuteria e podem ser facilmente percebidos quando se observam a falta de estrutura das uni-dades de sauacutede a ausecircncia de profissionais habilitados a obri-gatoriedade do seguimento das condutas eacuteticas estabelecidas pelos protocolos de pesquisa e a necessidade de adaptaccedilatildeo de documentos eacuteticos como o CI para que possam ser desenvol-vidos estudos deste tipo no Brasil

Apesar das dificuldades enfrentadas no desenvolvimento de uma pesquisa cliacutenica na Atenccedilatildeo Primaacuteria natildeo se pode ne-gar sua importacircncia Nesse sentido o Manual sobre Eacutetica com Seres Humanos (2010) da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo expotildee que ldquopesquisas deste tipo podem produzir resultados re-levantes mas para isso devem sempre indicar como requisito fundamental para sua realizaccedilatildeo a o uso do CI o qual exprime que todo participante deve deixar claro a intenccedilatildeo de contri-buir com o estudo mediante assinatura desse documentordquo

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O Manual ressalta ainda que um dos fatores que muito contribui para o desenvolvimento satisfatoacuterio das pesquisas em sauacutede eacute a boa qualidade da relaccedilatildeo profissional paciente (RPP)

Diversos trabalhos apontam que um bom relacionamento com o profissional aumenta a satisfaccedilatildeo do paciente e a quali-dade do serviccedilo de sauacutede (CAPRARA e RODRIGUES 2004)

Tendo por base as consideraccedilotildees retroexpostas observa-se que ante contexto eacutetico da pesquisa com seres humanos o CI aparece sempre como um elemento essencial ao desenvol-vimento das pesquisas em sauacutede e a RPP como ferramenta de maacutexima importacircncia para sua obtenccedilatildeo Assim este es-tudo teve como objetivo verificar qual a influecircncia da RPP para obtenccedilatildeo do Consentimento Informado e permanecircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica desenvolvida na atenccedilatildeo primaacuteria

MeacuteTODOS

Este eacute um estudo de natureza qualitativa do tipo explo-ratoacuterio e descritivo desenvolvido mediante recorte de uma pesquisa multicecircntrica intitulada Consoacutercio Internacional de Pesquisa em Gestatildeo de Risco Avaliaccedilatildeo e Vigilacircncia em Den-gue (IDAMS) financiada pela Uniatildeo Europeia e envolvendo seis paiacuteses Vietnatilde Malaacutesia Indoneacutesia Camboja Alemanha e o Brasil (CearaacuteFortaleza) Que tinha como objetivo identificar o diagnoacutestico precoce e diferencial entre dengue claacutessica e gra-ve distinguindo-as de outras doenccedilas febris em ateacute 72h apoacutes o iniacutecio da febre no Serviccedilo de Atenccedilatildeo Primaacuteria

O experimento foi realizado na Unidade de Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (UAPS) Paracampos unidade de sauacutede

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localizada no bairro Mondubim da cidade de Fortaleza-CE e vinculada agrave Secretaacuteria Executiva Regional V da Prefeitu-ra Municipal Aescolha desta UAPS se deu pelo fato de seus profissionais meacutedicos e enfermeiros terem participado de um treinamento em boas praacuteticas cliacutenicas o que os tornou aptos a colaborarem no atendimento aos pacientes do IDAMS

A coleta dos dados ocorreu nos meses de marccedilo e junho de 2013 por meio de observaccedilotildees participantes diaacuterios de campo e entrevistas A populaccedilatildeo foi composta pelos profis-sionais e pacientes cadastrados no IDAMS o que permitiu a composiccedilatildeo de uma amostra de 15 pacientes e dois profissio-nais constituindo 17 colaboradores

Para anaacutelise dos dados foi utilizada como ferramenta de organizaccedilatildeo o software Qualitative Solutions Research Nvivo (QSR) versatildeo 20 que corresponde a um software desenvolvi-do para realizar a organizaccedilatildeo e codificaccedilatildeo de dados qualitati-vos Desenvolvida pela Universidade de La Trobe Melbourne Austraacutelia este programa ajuda na administraccedilatildeo e siacutentese das ideias dos pesquisadores e fornece a possibilidade de acrescen-tar modificar ligar e cruzar dados originados de documentos textuais (FERREIRA e MACHADO 1999)

Apoacutes realizada a codificaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo dos dados pelo software QSR Nvivo foi efetuada a anaacutelise temaacutetica dos temas provindos dessa organizaccedilatildeo jaacute que essa teacutecnica eacute consi-derada apropriada para as investigaccedilotildees qualitativas em sauacutede (MINAYO 2010)

Foram levadas em consideraccedilatildeo as exigecircncias contidas na Resoluccedilatildeo nordm 46612 que atualmente regulamenta os as-pectos eacutetico-legais da pesquisa com seres humanos Aos par-ticipantes foram asseguradas a autonomia natildeo maleficecircncia beneficecircncia anonimato privacidade e o direito agrave desistecircncia

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em qualquer etapa da pesquisa Foi solicitada aos participan-tes a assinatura do Termo de Consentimento Informado apoacutes os devidos esclarecimentos sobre esse documento (BRASIL 2007)

ACHADOS E DISCUSSOtildeES

Neste seguimento estatildeo os achados obtidos nas entrevis-tas e observaccedilotildees bem como se promove uma discussatildeo ba-seada nas reflexotildees procedidas Buscou-se compreender por meio das falas e observaccedilotildees de que forma a RPP contribuiu para a assinatura e a permanecircncia do participante em um de-terminado estudo cliacutenico

Na sequecircncia satildeo indicadas as categorias constituiacutedas apoacutes submissatildeo do material coletado no campo de estudo agraves etapas da anaacutelise do software N-VIVO tendo por base os ob-jetivos delineados Satildeo elas PROCURA POR ASSISTEcircNCIA e ACOLHIMENTO E SATISFACcedilAtildeO DO USUAacuteRIO

Procura por Assistecircncia

O foco desta discussatildeo nesse momento se volta breve-mente para a dengue por ser essa a doenccedila acompanhada pelo IDAMS e por ser essa a enfermidade responsaacutevel pela procura de assistecircncia na referida unidade de estudo

A Atenccedilatildeo Primaacuteria oferece um atendimento que utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade para resolver os problemas de sauacutede de maior frequecircncia e de rele-vacircncia em seu territoacuterio A intensidade e o modo de utilizaccedilatildeo desse niacutevel de atenccedilatildeo no entanto estatildeo relacionados agrave capaci-dade de a pessoa se avaliar em seu estado de sauacutede assim como

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suas expectativas e necessidades de sauacutede O relativo grau de autonomia que possui tambeacutem colabora com esta determina-ccedilatildeo (GOLDBAUM GIANINI NOVAES e CEacuteSAR 2005)

A disparidade entre os princiacutepios do SUS e a realidade vi-venciada pelos usuaacuterios da Atenccedilatildeo Primaacuteria favorece a busca pelos serviccedilos de sauacutede apenas quando eacute realmente necessaacuterio

Assim notou-se que a procura pelo serviccedilo de sauacutede mui-tas vezes ocorre pela necessidade real de atendimento a qual pode ser percebida pela presenccedila de sinais e sintomas seja de dengue de qualquer outra doenccedila ou de uma alteraccedilatildeo que requeira cuidados Isto acarreta em uma maior predisposiccedilatildeo do paciente a aceitar o tratamento que for sugerido pelo pro-fissional mesmo que terapia esteja vinculada a estudos cien-tiacuteficos como o que ocorreu com os participantes do IDAMS ao relatarem que inicialmente aceitaram participar do estudo cliacutenico por meio da assinatura do CI em razatildeo da presenccedila dos sintomas de dengue e da promessa da garantia de receber as-sistecircncia conforme o relato apresentado

[] Assinei [o consentimento] porque eu tava tatildeo mal mesmo e eu queria era ser aten-dida eu estava ruim queria ser atendida por-que eu natildeo consegui nem andar direito era febre e vocircmito direto aiacute eu assinei o [consen-timento][] (ANA)

[] Assinei [o consentimento] por que eu tava doente neacute e a [profissional] disse que eu ia fazer os exames pra saber se era den-gue e se fosse fazia o tratamento aqui no posto aiacute assinei [consentimento] porque eu tava doente e queria saber realmente o que era que eu tinha Eacute ruim demais essa doenccedila tava de cama pra se levantar era um sacrifiacutecio [] (JOANA)

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Foi possiacutevel perceber que essa necessidade e busca por cuidado estavam presentes nos pacientes que aceitaram par-ticipar do IDAMS Deixaram claro em suas falas que a adesatildeo agrave pesquisa se deu porque estavam agrave procura de solucionar as necessidades de sauacutede jaacute que a pesquisa oferecia essa possibi-lidade de forma integral diaacuteria e sem a necessidade de per-correr grandes distacircncias para chegar ao serviccedilo por isso eles decidiam assinar o documento CI como se pode identificar

[] Eu assinei [o consentimento] justamen-te por estar doente por que eacute uma garantia de ser atendida aqui perto de casa [] (ANA PAULA)

[] Porque eu achei interessante ia fazer os exames tudo aqui mesmo no posto por-que se eu tivesse com a dengue mesmo ia ser acompanhada aqui mesmo neacute [] (JOSEFA)

A realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas na Atenccedilatildeo Primaacute-ria eacute uma praacutetica bem comum entretanto quando se fala em pesquisa cliacutenica essa praacutetica deixa de ser tatildeo comum e passa a ser um desafio jaacute que a pesquisa cliacutenica ainda eacute objeto de preconceito principalmente em paiacuteses perifeacutericos A origem deste preconceito eacute justificada pelo histoacuterico de certos estudos cientiacuteficos altamente condenaacuteveis do ponto de vista eacutetico (LA-CATIVA et al 2008)

Por diversas razotildees - como falta de estrutura de incen-tivo financeiro e ateacute de profissionais qualificados - natildeo eacute tatildeo comum a realizaccedilatildeo de estudos cliacutenicos na atenccedilatildeo primaacuteria Quando essa praacutetica ocorre um dos motivos se natildeo o principal deles que levam os pacientes a aderir ao estudo no momento que chegam ao serviccedilo em busca de atendimento eacute sem duacutevi-das a busca pela cura

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[] Eu assinei [o consentimento] porque eu queria ficar boa porque queria fazer o tra-tamento Eacute muito ruim vocecirc taacute doente sem poder fazer nada Eu fui bem atendida mas mesmo que natildeo tivesse sido eu tinha assina-do por que eu queria era ficar boa [] (MAR-TA)

[] Todo mundo do posto foi muito legal comigo mas primeiramente minha sauacutede neacute eu tava preocupada comigo neacute queria ficar boa aiacute assinei o [consentimento] [] (MARIA)

A anaacutelise dos dados junto aos participantes do IDAMS revelou a busca e a necessidade de cuidados como fatores pri-mordiais para a adesatildeo ao estudo o que pode ser facilmen-te identificado nas falas dos entrevistados Corroborando os resultados encontrados e referidos pelos participantes apre-senta-se os achados provenientes do discurso dos profissio-nais envolvidos responsaacuteveis pela implantaccedilatildeo e conduccedilatildeo do IDAMS em uma unidade da Atenccedilatildeo Primaacuteria

[] O paciente assina o [consentimento] porque ele ta num momento que ele quer atenccedilatildeo ele quer cuidado entatildeo assim de qualquer forma vocecirc explica esclarece a pes-quisa mais eu tenho duacutevida se ele compreen-de realmente a importacircncia da pesquisa [] ele quer participar dessa pesquisa por que ele vai ter o cuidado vai ter atenccedilatildeo durante o estar na pesquisa [] (JOAQUINA)

[] A gente explica que ele vai ter um acom-panhamento tanto faz ele ta na pesquisa quanto natildeo A gente explica que eacute uma pes-quisa muito importante pra sauacutede [] Que

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eacute uma coisa que vai beneficiar o ser humano [] Mas na verdade o que leva ele a assinar eacute por que ele acha que tem uma garantia de assistecircncia que vai ser atendido diariamente [] (PAULA)

Os profissionais expuseram suas concepccedilotildees sobre adesatildeo ao IDAMS em suas falas as quais convergem para a formaccedilatildeo de uma demanda participativa que possui necessidade expliacuteci-ta e expressa de sauacutede Na visatildeo e experiecircncia dos profissionais o paciente acredita que esta necessidade pode ser garantida eou sanada pela participaccedilatildeo no estudo Assim a obtenccedilatildeo do consentimento informado envolve fatores diretamente rela-cionados agraves condiccedilotildees de sauacutede e doenccedila das pessoas agrave busca pelo cuidado ao acesso a exames consultas e acompanhamen-to profissional

Eacute inegaacutevel que as necessidades de assistecircncia e a busca por atendimento profissional implicam a procura pelo serviccedilo de sauacutede e como a garantia de acesso a tal assistecircncia influencia de forma significativa a participaccedilatildeo das pessoas em um deter-minado estudo cliacutenico Esta afirmaccedilatildeo pode ser visualizada nas falas dos participantes e profissionais do IDAMS aqui repro-duzidas conforme mencionado anteriormente ficando claro que a adesatildeo ao estudo pode ser percebida pelos pacientes e pelos profissionais como a garantia de resoluccedilatildeo dos proble-mas de sauacutede

Acolhimento e Satisfaccedilatildeo do Usuaacuterio

Existem vaacuterias definiccedilotildees de acolhimento o que revela os muacuteltiplos sentidos e significados atribuiacutedos a esse termo No setor sauacutede pode-se dizer que o acolhimento eacute uma praacutetica presente em todas as relaccedilotildees de cuidado nos encontros en-

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tre trabalhadores de sauacutede e usuaacuterios nos atos de receber e escutar as pessoas podendo acontecer de formas variadas na praacutetica constitutiva das relaccedilotildees de cuidado (BRASIL 2011)

O acolhimento na Atenccedilatildeo Primaacuteria deve conduzir os processos de trabalho em sauacutede de forma a atender a todos os que procuram o serviccedilo mediante a escuta de seus pedidos e de uma atitude acolhedora com capacidade de natildeo apenas escutar mas tambeacutem de dar respostas adequadas aos usuaacuterios

Nesse funcionamento o acolhimento deixa de ser accedilatildeo contingente na produccedilatildeo da sauacutede e se multiplica em inuacuteme-ras outras accedilotildees contando para isso com o apoio de uma RPP adequada para que se estabeleccedila um viacutenculo entre paciente e profissional (BRASIL 2006)

O estabelecimento dessa boa relaccedilatildeo permite que se esta-beleccedila um viacutenculo entre os envolvidos ampliando a eficaacutecia das accedilotildees de sauacutede e favorecendo a participaccedilatildeo do usuaacuterio durante a prestaccedilatildeo do serviccedilo (SCHIMITH e LIMA 2004)

Vale lembrar que o efeito terapecircutico produzido por uma boa relaccedilatildeo profissional-paciente eacute reconhecido haacute bastante tempo e que quando bem estabelecida essa relaccedilatildeo passa a ter uma importacircncia fundamental para a adesatildeo agraves propostas terapecircuticas e para o sucesso das intervenccedilotildees contribuindo para as diversas formas de cuidado agrave sauacutede inclusive nas ques-totildees cientiacuteficas como as pesquisas cliacutenicas (SUCUPIRA 2007)

Se no primeiro momento a RPP natildeo se mostrou rele-vante na adesatildeo ao estudo IDAMS ao tratar da permanecircncia do paciente no estudo a boa qualidade da RPP se manifestou com o elemento fundante e indispensaacutevel contribuindo indis-cutivelmente para a conduccedilatildeo do IDAMS inclusive para que muitos dos participantes permanecessem ateacute o final Eacute possiacutevel

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identificar nas falas Fato de que a qualidade RPP surge como fator influenciador na permanecircncia do paciente no estudo cliacute-nico

[] Eu cheguei no posto me acabando de fe-bre e dor em todo canto tudo que eu queria era ficar boa aiacute eu assinei [o consentimento] soacute que eu fui muito bem atendida pelos [pro-fissionais da pesquisa] perguntavam o que que eu tinha o que tava sentindo me explica-vam tudo conversavam comigo ligavam pra saber como eu tava fui muito bem tratada E quem eacute que natildeo gosta de ser bem tratada Se eu tivesse sido mal tratada mal atendida eu natildeo tinha voltado natildeo eu tinha procurado outro canto ou entatildeo tinha passado os dias em casa Com certeza eu ter sido bem trata-da bem cuidada influenciou eu ter ficado na pesquisa ateacute o fim [] e foi por que eu levei um monte de furada Se fosse pra participar de outra pesquisa nesse posto eu fazia tudo de novo [] (MARIA)

Com base no acompanhamento do processo de desenvol-vimento do IDAMS foi possiacutevel identificar por via das ob-servaccedilotildees e das entrevistas a real influecircncia da RPP na cola-boraccedilatildeo dos pacientes nos mais variados tipos de tratamento mesmo que este seja oferecido por meio de uma pesquisa cien-tiacutefica que esteja agrave procura de uma forma para diagnoacutestico e tra-tamento de uma doenccedila a caso do estudo IDAMS a dengue

[] Desde o primeiro dia que eu cheguei aqui no posto me atenderam muito bem Quando eu cheguei aqui correram tudo pra cima de mim conversaram comigo me ex-plicaram da pesquisa perguntaram o que eu tava sentindo fiz os exame tudim colo-

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caram soro ficaram me acompanhando de vez em quando ia laacute na sala perguntar se eu tava melhor se a dor de cabeccedila tinha passado todo tempo foram umas pessoas muito legais comigo Eu achei um atendimento excelen-te aiacute pronto por causa disso eu fiquei vindo todo dia ateacute o fim melhor de que ir pra outro canto que natildeo sabia como ia ser atendida neacute Quando elas conversavam comigo eu achava oacutetimo mostrava compromisso querendo sa-ber se eu fiquei boa como eacute que tava como num estava Achei excelente o jeito que [as profissionais] me trataram se fosse hoje eu participava de novo [] (JOANA)

A importacircncia de um viacutenculo e da comunicaccedilatildeo pode ser percebida num relato em que a paciente expotildee a importacircncia destes em seu sentido mais humanizado e completo ao ponto de levar agrave priorizaccedilatildeo de um serviccedilo de sauacutede a outro

[] Eu assinei [o consentimento] porque eu tava muito doente e queria ficar boa mais eu gostei de como me trataram de como con-versaram comigo explicaram [a pesquisa] bem direitinho tiveram cuidado comigo aiacute eu fiquei vindo ate o final ateacute depois de fi-car boa [] se eu tivesse sido mal atendida eu tinha procurado outro canto neacute mesmo eu tendo assinado [o consentimento] mesmo eu estando com febre e com dor eu natildeo tinha mais vindo ruim por ruim fico em casa [] tinha feito como fiz laacute no hospital num fui mais nem laacute por que nem olharam pra mi-nha cara direito me jogaram numa sala com um monte de gente vocecirc natildeo sabe nem o que aquelas pessoas tem aliaacutes num eacute nem uma sala eacute um corredor com um monte de pa-

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ciente gente de todo jeito [] aiacute eu disse vou mim boraacute que aqui eu vou ficar eacute pior [] aiacute fui pra casa depois vim pro posto aqui fiquei na observaccedilatildeo tomei soro os [profissionais] de vez em quando ia laacute saber como era que eu tava conversar comigo aiacute fiz os exames to-mei remeacutedio e fui melhorando chegava aqui jaacute conhecia todo mundo [] (ANTOcircNIA)

De acordo com Possama e Dacoreggio (2008) a comuni-caccedilatildeo eacute um dos pilares da RPP e um instrumento essencial no trabalho do profissional e na promoccedilatildeo da sauacutede Com efeito o diaacutelogo facilita o estabelecimento das relaccedilotildees entre ambos e desde o momento em que o paciente se acha respeitado e toma consciecircncia de sua importacircncia como agente da proacutepria sauacutede ele passa natildeo soacute a cuidar melhor de si como tambeacutem a con-tribuir com as accedilotildees desenvolvidas na unidade de sauacutede Isso tem efeito positivo e direto sobre a sua sauacutede a sauacutede de toda a sociedade e a produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico como ex-potildeem os autores Percebeu-se com base no uacuteltimo depoimen-to acima que a qualidade da RPP ajuda a definir a trajetoacuteria a permanecircncia e os fluxos do paciente entre os serviccedilos de sauacutede

Costa e Azevedo (2010) ensinam que as interaccedilotildees dos pacientes com o profissional natildeo estatildeo relacionadas apenas agrave satisfaccedilatildeo durante uma visita que por si jaacute eacute complexa mas tambeacutem com a colaboraccedilatildeo ao tratamento

Essa colaboraccedilatildeo tambeacutem se evidenciou nas entrevistas com os profissionais atuantes no IDAMS jaacute que a percepccedilatildeo destes no que diz respeito agrave adesatildeo e a permanecircncia no estu-do colaboram com a percepccedilatildeo dos pacientes ficando claro que os profissionais tambeacutem natildeo associam a RPP agrave adesatildeo ao estudo mas quando se refere agrave permanecircncia as falas dos pro-fissionais expotildeem de forma evidente essa influecircncia

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[] essa boa relaccedilatildeo eu acho que natildeo influen-cia na assinatura do Consentimento Infor-mado entatildeo eu acho que o assinar o aderir ao estudo natildeo influencia natildeo Agora pra per-manecer na pesquisa influencia eu acho que quando vocecirc tem uma boa relaccedilatildeo quando cria um vinculo com paciente influencia de-mais os que permaneceram mesmo sem ser da minha equipe criou-se um vinculo por causa da pesquisa por que a gente fica ven-do conversa Eles ficam surpresos por que no dia a dia natildeo eacute esse a metodologia do pro-cesso de trabalho natildeo eacute esse de conversas se importar entatildeo cria viacutenculo e influencia sim na permanecircncia na pesquisa [] (PAULA)

Eacute possiacutevel perceber a importacircncia do investimento na RPP bem como o quanto um simples diaacutelogo desde que acompanhado pela atenccedilatildeo pode ser valorizado pelos que es-tatildeo doentes Esta reflexatildeo deve acompanhar o profissional sob a forma de um respeito maior por aqueles que seratildeo tratadosacompanhados

O estabelecimento de um viacutenculo e de uma empatia entre paciente e profissional eacute por demais importante por permitir que o primeiro fique mais seguro e disposto a colaborar Costa e Azevedo (2010) explicaram que a familiaridade a confianccedila e a colaboraccedilatildeo que surgem graccedilas a uma boa RPP tecircm im-portacircncia fundamental para a efetividade dos processos diag-noacutesticos terapecircuticos e cientiacuteficos indispensaacuteveis ao resultado da arte de cuidar

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Eacute inegaacutevel a importacircncia das pesquisas cliacutenicas para o avanccedilo da Ciecircncia pois diversas doenccedilas e agravos foram e

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podem vir a ser diagnosticados controlados e ateacute curados gra-ccedilas a elas Eacute certo que esse tipo de estudo em virtude da sua evoluccedilatildeo histoacuterica necessita de um seguimento eacutetico rigoroso desde a sua composiccedilatildeo ateacute a publicaccedilatildeo dos resultados

As pesquisas cliacutenicas costumam em sua maioria indepen-dentemente do niacutevel de atenccedilatildeo em que sejam realizadas ser demoradas requerendo um acompanhamento do participan-te Nesse sentido a adesatildeo e permanecircncia no IDAMS foram observadas sob a oacuteptica da influecircncia da relaccedilatildeo profissional-paciente que se mostrou a princiacutepio sem grande relevacircncia

Durante as entrevistas profissionais e participantes reite-raram a ideia de que a adesatildeo ao IDAMS natildeo estava relacio-nada agrave presenccedila de um viacutenculo e sim com a busca de cuidados especializados Ao tratar da permanecircncia no estudo ficou cla-ra a existecircncia significativa da valorizaccedilatildeo da RPP nessa cola-boraccedilatildeo no transcorrer do IDAMS em especial das mulheres

Assim a RPP deve ser cada vez mais estimulada tendo sido possiacutevel perceber a relevacircncia do viacutenculo estabelecido entre profissional e paciente se a princiacutepio natildeo existia uma valorizaccedilatildeo desse viacutenculo com o transcorrer do IDAMS essa valorizaccedilatildeo foi surgindo e se fortalecendo contribuindo para o desenvolvimento do estudo cliacutenico

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PARTE 2

DENGUE PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL PRAacuteTICAS E SUAS

INTERFACES

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CAPIacuteTULO 5

IMPLANTAccedilAtildeO DA ECOSSAUacuteDE NO CON-TROLE DA DENGUE IMPLICAccedilOtildeES DA PAR-TICIPAccedilAtildeO SOCIAL

Joana Mary Soares NobreAndrea Caprara

Ana Carolina Rocha PeixotoIlvana Lima Verde Gomes

Rosilea Alves de Souza

INTRODUccedilAtildeO

Em tempos remotos jaacute se pensava na relaccedilatildeo sauacutede-ambiente e seus desdobramentos na deter-minaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das doenccedilas (GOUVEIA 1999) A situaccedilatildeo de desequiliacutebrio ambiental favorece a vulnerabili-dade individual e local tornando-se cada vez mais suscetiacutevel aos desastres naturais e ao surgimento de pragas ou epidemias (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009) Enquanto natildeo houver a compreensatildeo das relaccedilotildees modo de produccedilatildeo-consumo e ambiente-sauacutede fica difiacutecil o equiliacutebrio entre a atividade econocircmica e a preservaccedilatildeo ambiental como tambeacutem o desenvolvimento sustentaacutevel e qualidade de vida no Planeta (RIGOTTO 2002 RIOS DERANI 2005 SIQUEIRA MORAES 2009)

A Organizaccedilatildeo Panamericana de Sauacutede (2009) trouxe agrave tona as complexas relaccedilotildees causais entre mudanccedilas ambien-tais e sauacutede humana geradas pela degradaccedilatildeo dos ecossiste-mas que constituem os serviccedilos de suporte para as diversas formas de vida incluindo a espeacutecie humana (CORVALAN

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HALES MICHAEL 2005 FORANTINI 1992 ORGANIZA-CcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009) Estas repercus-sotildees advindas dos desgastes da interaccedilatildeo sauacutede-ambiente satildeo beneficiadas pela condiccedilatildeo socioeconocircmica desfavoraacutevel que impulsiona a pobreza e as iniquidades socioambientais po-dendo suscitar implicaccedilotildees indesejaacuteveis para a qualidade de vida humana

Reflexo das grandes transformaccedilotildees promovidas pela expansatildeo mundial da civilizaccedilatildeo urbano industrial o esgota-mento dos recursos naturais natildeo ocorre isoladamente pois o homem tambeacutem sofre as consequecircncias maleacuteficas dos maus tratos dos ecossistemas caracteriacutesticas do modelo de desenvol-vimento vigente (PAacuteDUA 2002) Na contramatildeo do panorama vigente procura-se o equiliacutebrio entre a atividade econocircmica e a preservaccedilatildeo ambiental fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel com uma perspectiva de igualdade entre as diver-sas geraccedilotildees (RIOS E DERANI 2005)

Na ocupaccedilatildeo das cidades modernas dos paiacuteses em desen-volvimento como o Brasil as condiccedilotildees ambientais e o com-portamento humano satildeo favoraacuteveis agrave ocorrecircncia de muitas doenccedilas e lesotildees inclusive a dengue o que justifica a necessi-dade de estudar e intervir sobre novos problemas bem como abordar os antigos problemas em uma perspectiva integrado-ra nas praacuteticas da Sauacutede Puacuteblica (BARCELLOS 2006 COS-TA TEIXEIRA 1999)

Desta forma o panorama brasileiro configura-se vulne-raacutevel aos fatores condicionantes para a proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti vetor transmissor da dengue ante o clima tropical metroacutepoles com densidade populacional elevada dificuldades dos sistemas de sauacutede desigualdades sociais saneamento baacutesi-co ineficiente violecircncia conduta do ser humano elevada pro-

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duccedilatildeo de lixo e materiais descartaacuteveis meios por demais adep-tos ao ciclo bioloacutegico viacuterus-vetor-homem Assim o controle vetorial eacute a uacutenica opccedilatildeo para proteger o homem (LOPEZ et al 2012 MINAYO et al 2000 SERPA et al 2010 TEIXEIRA et al 2009 COSTA TEIXEIRA 1999)

Componente do cenaacuterio nacional de epidemias de den-gue o Estado do Cearaacute no periacuteodo de 1987 a 2012 registrou seis epidemias da doenccedila Nos trecircs uacuteltimos surtos de dengue estaduais pelo menos 167 (90) municiacutepios tiveram trans-missatildeo da doenccedila (SESA 2013) Sua capital Fortaleza que possui a maior densidade demograacutefica do Paiacutes clima tropical condiccedilotildees socioambientais favoraacuteveis agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti acompanha as condiccedilotildees de epidemia no Estado que no periacuteodo de 2007 a 2012 expressou uma distribuiccedilatildeo de sur-tos epidecircmicos predominantes em relaccedilatildeo aos registros esta-duais com um percentil de 63 das confirmaccedilotildees de dengue (SESA 2012)

Nesta conjuntura os enfoques ecossistecircmicos em sauacutede oferecem proeminecircncia nos paiacuteses da Ameacuterica Latina consti-tuindo um potencial para os modos de compreensatildeo e busca de soluccedilotildees na Sauacutede Puacuteblica e por conseguinte exigindo uma anaacutelise criacutetica de suas limitaccedilotildees (OPAS 2009)

Para Gomes e Minayo (2006) o enfoque ecossistecircmico da sauacutede humana busca a vinculaccedilatildeo interdisciplinar da sauacutede e do ambiente por meio do desenvolvimento cientiacutefico e tecno-loacutegico estabelecido e efetivado conjuntamente com gestores puacuteblicos privados a sociedade civil e as populaccedilotildees locais com vistas a seis princiacutepios pensamento sistecircmico transdis-ciplinaridade participaccedilatildeo social equidade social e de gecircnero sustentabilidade e conhecimento para atuar O enfoque ecos-sistecircmico eacute trazido ainda por Minayo e Miranda (2002) Lebel

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(2005) como tentativa desafiadora de promover uma mudan-ccedila do paradigma antropocecircntrico e de dominaccedilatildeo de acordo com a ocupaccedilatildeo dos grandes centros

Gomes e Minayo (2006) descreveram entre as vantagens da abordagem integrada principalmente no Canadaacute o envol-vimento dos diversos agentes sociais com a participaccedilatildeo social

Mediante a complexidade dos problemas de Sauacutede Puacutebli-ca a participaccedilatildeo tornou-se um processo inclusivo de varia-dos agentes em prol de direitos e funccedilotildees de bens e serviccedilos na s ociedade e na tarefa de promover a sauacutede da populaccedilatildeo sem questionar a participaccedilatildeo como condiccedilatildeo de conquista e garantia de direitos como sauacutede alimentaccedilatildeo transporte mo-radia educaccedilatildeo e trabalho (OLIVEIRA 2009 STRECK 2010) Houve inclusive a valorizaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos cidadatildeos como o melhor modo de tratar das questotildees do meio ambiente (THOMASI 2011)

Em tese as formas de participaccedilatildeo social podem es-tar relacionadas tanto agrave histoacuteria como ao regime de governo (DONADONE GRUN 2001) No Brasil despontaram com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 fruto de uma articula-ccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas e sociais que possibilitou a inovaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico (ESCOREL MOREIRA 2009) Desde entatildeo a participaccedilatildeo da comunidade passou a ser um dos requisitos fundamentais (DANTAS et al 2009) Essa participaccedilatildeo ora exprime potencialidade ora limitaccedilatildeo pois as accedilotildees de sauacutede nem sempre estatildeo situadas de forma ordenada e continuam do ponto de vista operativo poliacutetico ou institucional (ORGANI-ZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 1991)

Dentre alguns desafios metodoloacutegicos fundamentais no relacionado agrave participaccedilatildeo social Minayo (2010 p141) consi-derou que ldquoo conceito de participaccedilatildeo eacute muito mais amplo que

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o da participaccedilatildeo comunitaacuteria incluindo nas reflexotildees e accedilotildees gestores puacuteblicos poliacuteticos e cidadatildeosrdquo

Conceitualmente a participaccedilatildeo popular eacute apontada como indispensaacutevel na condiccedilatildeo de controle de endemias especial-mente no caso da dengue cujo principal vetor estaacute associado intimamente aos modos de vida e moradia nas aacutereas urbanas logo o enfrentamento dessas enfermidades natildeo apenas admite mas requer o envolvimento comunitaacuterio (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 1991) No acircmbito familiar ela possui funccedilatildeo instrumental e pedagoacutegica pois proporcio-na a formaccedilatildeo de haacutebitos participativos e se acredita que os tornem habilitados a reproduzir em outras relaccedilotildees sociais uma praacutetica de valorizaccedilatildeo do puacuteblico e do coletivo (ESCO-REL MOREIRA 2009) Putnam (1996) entende o capital so-cial como um elemento-chave para o desenvolvimento social e econocircmico poreacutem defende a ideia de que a participaccedilatildeo natildeo deve ser naturalizada como algo positivo em si mesmo tam-pouco desvinculado das relaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteti-cas

Dada a importacircncia do assunto realizou-se a pesquisa com o objetivo de analisar a participaccedilatildeo social na implanta-ccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico em sauacutede humana- ecossauacutede no controle da dengue

METODOLOGIA

Este constituiu um ensaio de natureza qualitativa no acircm-bito de um marco conceitual mais amplo caracterizado por Pesquisa Multicecircntrica 2 financiada por UNICEFIDRC amp UNDPWorld BankWHO Special Programme for Research 2 PesquisamulticecircntricaldquoEco-Bio-SocialsobreDengueeDoenccediladeChagasnaAmeacute-

ricaLatinaenoCaribe

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amp Training in Tropical Diseases (TDR) Realizou-se em cin-co bairros do Municiacutepio de Fortaleza (Parreatildeo Messejana Quintino Cunha Joseacute Walter e Passareacute) com o diferencial da abordagem de ecossauacutede no controle da dengue no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013

Minayo (2010 p 57) relata que a abordagem qualitativa ldquose aplica ao estudo da histoacuteria das relaccedilotildees das represen-taccedilotildees das crenccedilas das percepccedilotildees e das opiniotildees produtos das interpretaccedilotildees que os humanos fazem a respeito de como vivem constroem seus artefatos e a si mesmos sentem e pen-samrdquo

A investigaccedilatildeo dos cinco agregados evidenciou distintas condiccedilotildees espaciais sociais econocircmicas ambientais cultu-rais infraestruturais (saneamento baacutesico) e de lideranccedilas co-munitaacuterias e por conseguinte uma conjuntura urbana pe-culiar agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti para a transmissatildeo da dengue Essa condiccedilatildeo associada agrave implantaccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico no controle da dengue disponibilizou rica fonte de coleta de dados por meio de trecircs principais teacutecnicas de co-leta de dados anaacutelise documental - diaacuterios de campo produzi-dos pelos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados observa-ccedilatildeo sistemaacutetica dos agregados nos bairros Parreatildeo e Passareacute e entrevista aplicada junto aos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados a fim de ajuntar mais subsiacutedios agrave anaacutelise de dados

Examinou-se 55 diaacuterios de campo e pocircde-se observar o total de cinco devolutivas 40 encontros e accedilotildees 747 atores sociais participantes nenhum agregado possuiacutea lideranccedila co-munitaacuteria formal um agregado demonstrou iacutendice elevado de recusas Registrou-se ainda cinco entrevistas abertas e 12 ob-servaccedilotildees sistemaacuteticas na sequecircncia catalogou-se os dados que prevaleceram no material coletado

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Com suporte na esquematizaccedilatildeo dos documentos por agregado que conteve as respectivas informaccedilotildees - agentes sociais presentes e seus comentaacuterios existecircncia de lideranccedila comunitaacuteria relatos de recusas situaccedilotildees socioeconocircmicas e populacionais poliacuteticas de controle da dengue de gestatildeo am-biental assim como a percepccedilatildeo dos pesquisadores- foi permi-tida a contextualizaccedilatildeo do comportamento dos atores sociais eevidenciou a participaccedilatildeo na abordagem integrada no con-trole da dengue

Para a anaacutelise do material qualitativo optou-se pela moda-lidade de anaacutelise de conteuacutedo assim conceituada por Minayo (2010 p 303)

Diz respeito a teacutecnicas de pesquisa que permi-tem tornar replicaacuteveis e vaacutelidas as inferecircncias sobre dados de um determinado contexto por meio de procedimentos especializados e cientiacuteficos [] busca a interpretaccedilatildeo cifrada do material de caraacuteter qualitativo

Os sujeitos da pesquisa compreenderam os profissionais de controle de endemias supervisores de endemias (SE) e agente de controle de endemia (ACE) educadores em sauacutede (ES) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) Profissionais do PSF - enfermeira (Enf) Profissionais do NASF moradores (M) e pesquisadores (P)

Na realizaccedilatildeo desta pesquisa obedeceu-se agrave Resoluccedilatildeo 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL 2012) Para manter o anonimato dos participantes utilizou-se as letras iniciais dos atores sociais seguidas de um algarismo araacutebico sequencial de acordo com a especificidade de cada funccedilatildeo pre-sente nos encontros e accedilotildees dos cinco agregados

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RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Este estudo focou na participaccedilatildeo social um dos princiacute-pios da ecossauacutede pois se considera importante aprofundar as discussotildees sobre situaccedilotildees problemas identificadas durante os encontros as quais apresentam estreita relaccedilatildeo com fatores ecobiossociais locais agentes sociais presentes falta de interes-se da populaccedilatildeo recusa lixo aacutegua que de certa forma depen-dem dos cuidados da populaccedilatildeo e dos oacutergatildeos puacuteblicos poreacutem sem a intenccedilatildeo de restringir a dimensatildeo desse enfoque

A implantaccedilatildeo da abordagem em ecossauacutede no controle da dengue no Municiacutepio de Fortaleza demonstrou implica-ccedilotildees surgidas na realidade investigada em que a participaccedilatildeo social atingiu parcela miacutenima de agentes (profissionais de en-demias sociedade civil educadores em sauacutede trabalhadores e profissionais de sauacutede) ante o potencial de cada agregado e dos demais setores concernentes ao contexto complexo da doenccedila (REZENDE DANTAS 2009)

Historicamente a participaccedilatildeo social na aacuterea da sauacutede se mostra de vaacuterias formas (1) beneficiaacuterio (2) contribuiccedilatildeo para a promoccedilatildeo da sauacutede (3) participaccedilatildeo comunitaacuteria e por fim (4) visatildeo mais complexa de participaccedilatildeo em sauacutede que reco-nhece as pessoas No que concerne ao crescente interesse da Gestatildeo Puacuteblica local pela introduccedilatildeo da participaccedilatildeo dos ci-dadatildeos tanto na Ameacuterica Latina quanto na Europa ocidental dizem respeito agrave crise do Estado que viu a participaccedilatildeo como estrateacutegia organizacional para controlar a burocracia ineficien-te e passou a ser modelo como de Gestatildeo Puacuteblica em prol da renovaccedilatildeo das relaccedilotildees Governo-Sociedade (MILANI 2008)

Outros fatores condicionantes para a participaccedilatildeo social destacados por Escorel e Moreira (2009) foram os aspectos

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culturais - idade sexo camada social grau e tipo de instruccedilatildeo e de fatores psicossociais como normas e valores de ponde-raccedilotildees sobre os custos e benefiacutecios e as caracteriacutesticas- per-sistecircncia dedicaccedilatildeo disciplina resiliecircncia organizaccedilatildeo auto-compreensatildeo coerecircncia dos objetivos autocriacutetica reflexatildeo as quais associadas a um espaccedilo favoraacutevel permitiratildeo a cultura de participaccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo dos valores democraacuteticos na sociedade

No concernente agraves especificidades dos atores sociais fica-ram aqueacutem dos relatos de Minayo (2002) Dantas e Rezende (2009) quando falaram da inclusatildeo dos gestores puacuteblicos dos poliacuteticos dos empresaacuterios e de todos os outros atores para buscar um processo de articulaccedilatildeo com base em correspon-sabilidade cogestatildeo compromisso sustentabilidade e parti-cipaccedilatildeo (DANTAS REZENDE 2009) Isto porque a partici-paccedilatildeo social deve incluir os gestores puacuteblicos os poliacuteticos os empresaacuterios e todos os outros agentes individuais e coletivos envolvidos direta ou indiretamente com o problema (MINA-YO 2002)

Esse contexto pode ter influenciado o comportamento dos atores sociais durante as intervenccedilotildees da abordagem em ecossauacutede haja vista a representaccedilatildeo de apenas algumas cate-gorias sobremaneira em cenaacuterios com histoacuterico de lideranccedilas comunitaacuterias menor niacutevel socioeconocircmico e condiccedilotildees mais favoraacuteveis agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti

As discussotildees dos grupos durante os encontros realizados obedeceram tambeacutem agrave oacuterbita do reduzido envolvimento dos agentes em relaccedilatildeo aos convites feitos tanto pelos agentes de endemias como pelos moradores e pesquisadores e cogitou-se como justificativa falta de interesse recusa ao acesso do agente agraves residecircncias poder aquisitivo mais alto e lideranccedila

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comunitaacuteria inexistente ou pouco proativa mostrando o quatildeo desafiante foram promover a participaccedilatildeo social no processo de implantaccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico em sauacutede humana Destacou-se um agregado com maior poder aquisitivo

Ficou 30 das casas sem visita pela recusa ou domiciacutelio sem ningueacutem quando o limite seria 10 Em muitas casas as pessoas estatildeo em casa e natildeo abrem ou pedem para vir depois Sem falar que agraves vezes a gente eacute expulso como cachorro (SE - 1)

No tocante agrave recusa pensou-se ainda na falta de informaccedilatildeo referida por Vaacutezquez etal (2005) ao considerarem a informaccedilatildeo fundamental para o reconhecimento dos me-canismos como alternativa para a atuaccedilatildeo unida aos serviccedilos podendo ser amplamente explorada pela miacutedia E ressaltado pelo mo-rador

Por causa daquela casa que recusou pode chegar a atingir o bairro todo O problema eacute tudo isso aiacute Eu tenho apenas uma suges-tatildeo que os meios de comunicaccedilatildeo tarem re-forccedilando essa recusa aiacute Essa recusa eacute a parte mais importante Soacute os agentes de sauacutede natildeo vatildeo resolver esses problemas Os meios de comunicaccedilatildeo satildeo importantes Se cada pro-grama tivesse o alerta de deixar o agente en-trar Aiacute sim (M -11)

Como propoacutesito de reverter este quadro de rejeiccedilatildeo con-siderou-se tambeacutem a integraccedilatildeo do trabalho de campo dos agentes de controle de endemias agentes comunitaacuterios de sauacute-de e educador em sauacutede para visitas aos domiciacutelios agraves escolas associaccedilotildees igrejas catoacutelicas e evangeacutelicas solicitando a adesatildeo dos seus liacutederes aleacutem de capacitaccedilatildeo dos profissionais de con-

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trole de endemias no concernente agrave formaccedilatildeo direcionada agrave abordagem no domiciacutelio

Essa dimensatildeo da miacutedia dada pelo morador para solucio-nar as recusas natildeo eacute explicitada pelo PNCD (2002) uma vez que preconiza a comunicaccedilatildeo social tem como objetivo divul-gar e informar sobre as accedilotildees de Educaccedilatildeo Em Sauacutede e mobi-lizaccedilatildeo social para mudanccedila de comportamento e de haacutebitos da populaccedilatildeo buscando evitar a presenccedila e a reproduccedilatildeo do Aedes aegypti nos domiciacutelios - ponto relevante e que poderia ser categoacuterico para a reduccedilatildeo de recusas

Haacute 16 anos Oliveira (1998) jaacute defendeu a ideia de que a mudanccedila de haacutebito do sujeito estaacute centrada na ampliaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais Portanto as propagandas por si natildeo representam real possibilidade de mudanccedila pois em ocasiotildees da pesquisa notou-se que os agentes detinham co-nhecimento poreacutem natildeo o aplicavam no dia a dia

Em vaacuterios momentos da pesquisa observou-se a ldquodistacircn-ciardquo da populaccedilatildeo relativamente ao controle da dengue e con-siderou-se como ldquofalta de interesserdquo podendo ser fruto da so-cializaccedilatildeo poliacutetica destacada em Bobbio Matteuci e Pasquino (1991) dos fatores culturais e psicossociais (ESCOREL MO-REIRA 2009) jaacute mencionados e da violecircncia e das condiccedilotildees socioeconocircmicas comportamento que se observa nos relatos a seguir

Divulguei o que estaacutevamos fazendo para a comunidade mas muitos natildeo queriam nem escutar soacute observar o que poderia haver de benefiacutecios para eles proacuteprios (ACS -1)

A maior dificuldade encontrada foi em rela-ccedilatildeo agrave comunidade onde as pessoas se recu-saram a participar da reuniatildeo conseguimos

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apenas uma moradora entatildeo resolvemos chamar os trabalhadores da escola (que esta-vam laacute) e que residem no bairro para partici-par da devolutiva (P - 8)

Refletiu-se igualmente que essa situaccedilatildeo pode estar rela-cionada com a histoacuteria recente de democratizaccedilatildeo da sauacutede no Paiacutes ou ainda pelo ensino de haacutebitos considerados adequados agrave populaccedilatildeo com base nos preceitos biologicistas atuando na pessoa dissociando-a da escola e do territoacuterio (DANTAS et al 2009)

Se o que se busca eacute a participaccedilatildeo da sociedade brasileira na tomada de decisotildees deve-se realizar amplas campanhas de educaccedilatildeo ao puacuteblico a comeccedilar pelos direitos da populaccedilatildeo com informaccedilatildeo a respeito do funcionamento do SUS Essas campanhas devem orientar-se aos proacuteprios serviccedilos ndash cuja atuaccedilatildeo tem uma forte influencia a atuaccedilatildeo popular Como passo inicial no entanto necessaacuterio embora natildeo suficiente haacute de se garantir o acesso ao atendimento agrave sauacutede (VAZQUEZ et al 2003)

As questotildees de carecircncia de saneamento baacutesico como abastecimento de aacutegua rede de esgotamento sanitaacuterio e coleta de lixo foram marcantes nos agregados de niacutevel socioeconocirc-mico mais baixo Esses serviccedilos precaacuterios representam alto risco para a sauacutede e satildeo fatores que favorecem a degradaccedilatildeo do meio ambiente (FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DE SAUacuteDE ndash FUNASA 2004)

Tal situaccedilatildeo eacute replicada na pesquisa conforme comentaacute-rios

As pessoas precisam estocar aacutegua porque natildeo existe um sistema de tratamento de aacutegua (NASF -2)

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Algo que me chamou muita atenccedilatildeo no Quintino foi a enorme quantidade de arma-zenamento de aacutegua Em todos os domiciacutelios que visitamos existia aacutegua armazenada uns de forma correta outras natildeo (P - 9)

Na eacutepoca da chuva natildeo tem quem consiga en-trar na rua devido ao acuacutemulo de aacutegua (P -6)

Quando a coleta seletiva do lixo funcionar de fato ldquovai serrdquo diminuiacuteda vaacuterias doenccedilas oriundas do lixo (M -7)

Na ocasiatildeo da devoluccedilatildeo dos resultados da pesquisa os problemas apontados no grupo focal foram o lixo colocado fora do dia da coleta jogado na correnteza da chuva no quintal sem lideranccedila comunitaacuteria a recusa (8) devido agrave aacuterea de melhor condiccedilatildeo cri-minalidade ou dona de casa sozinha [] Foi sugerido a participaccedilatildeo dos educadores em sauacutede nas reuniotildees (P -7)

A sugestatildeo de colocar um container na via para evitar o acuacutemulo de lixo pelas ruas irri-tou M -6 que falou ldquoeu natildeo aceito de forma nenhuma pois a populaccedilatildeo natildeo tem educa-ccedilatildeo nem higiene e natildeo vatildeo fazer bom uso do containerrdquo Outros temas foram discutidos como condutas de vizinhos ausentes terreno baldio Percebeu-se que estas questotildees levan-tadas pela comunidade satildeo assuntos ligados tambeacutem agrave Gestatildeo Puacuteblica da cidade de For-taleza (P -6)

Isso posto restou denotada a complexidade em solucio-nar problemas intimamente ligados agrave baixa condiccedilatildeo socioe-conocircmica Precisaria contar com a participaccedilatildeo e integraccedilatildeo de agentes sociais ligados diretamente ao planejamento e exe-

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cuccedilatildeo de programas voltados para a questatildeo econocircmica favo-recendo agrave elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas

Melo e Pasqualetto em 2009 referiram que eacute difiacutecil elimi-nar completamente os casos de dengue mas natildeo eacute impossiacutevel o controle eacute mais faacutecil seu controle desde que haja interesse por parte de todos comunidade e oacutergatildeos de combate deve-se daacute maior atenccedilatildeo agrave elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de projetos para saneamento baacutesico

O controle do vetor da dengue o mosquito Aedes aegyp-ti consiste em medidas contra as larvas e os mosquitos adul-tos Seus criadouros principais satildeo produzidos pelos seres humanos pois consistem em reservatoacuterios artificiais de aacutegua (TAUIL 2006) mas ainda existem pessoas que natildeo se preo-cupam em eliminar os criadouros e esperam soacute pelo controle quiacutemico

No que tange agrave lideranccedila comunitaacuteria na implantaccedilatildeo da ecossauacutede para o controle da denguenatildeo foi observada parti-cipaccedilatildeo ativa principalmente nos locais com pessoas de maior poder aquisitivo

O contexto descrito requer a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de soluccedilotildees integradas que levem em consideraccedilatildeo os aspec-tos ambientais ecoloacutegicos poliacuteticos sociais culturais e eco-nocircmicos e que envolvam populaccedilotildees locais pesquisadores e gestores de aacutereas diversas (AUGUSTO et al 2005) Estruturas organizacionais como comunidades de praacuteticas e iniciativas de lideranccedilas tecircm um grande papel a desempenhar em apoio agrave constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do campo de ecossauacutede (PASSO et al 2013)

Em recentes avaliaccedilotildees promovidas pela FUNASA quanto ao processo de descentralizaccedilatildeo das accedilotildees de epidemiologia e controle de doenccedilas com a participaccedilatildeo dos gestores estaduais

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e municipais constatou-se a necessidade de melhorar a capa-cidade para a detecccedilatildeo e correccedilatildeo oportuna de problemas que interferem diretamente na efetividade das accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue (PNCD 2002)

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

A inserccedilatildeo no contexto da participaccedilatildeo social como prin-ciacutepio e intervenccedilatildeo da abordagem ecossauacutede para o controle da dengue ensejou o conhecimento de um conjunto de im-plicaccedilotildees limitantes que se mostraram ao longo do processo Podem ter ocorrido por influecircncia dos aspectos proacuteprios dos agentes sociais e determinantes nas formas diferenciadas de agir no controle da dengue como singularidade sobre o pris-ma cultural socioeconocircmico e de produccedilatildeo social

Assim verificou-se a importacircncia de aprofundar estudos que busquem entender a percepccedilatildeo de cada agente sobre o seu papel nas accedilotildees de controle da dengue favorecendo uma aproximaccedilatildeo com a real participaccedilatildeo social Partindo desse conhecimento acredita-se que seraacute possiacutevel percorrer novos caminhos na compreensatildeo e promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social no controle da dengue e por sua vez na implantaccedilatildeo da abor-dagem ecossistecircmica em sauacutede humana

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CAPIacuteTULO 6

PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL E EQUIDADE DE GecircNERO NO CONTROLE DA DENGUE UM PROCESSO DE IMPLANTAccedilAtildeO DA ECOS-SAacuteUDE

Joana Mary Soares NobreAndrea Caprara

Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Ana Carolina Rocha Peixoto

INTRODUccedilAtildeO

Houaiss (2010) trouxe o sentido de participaccedilatildeo como fa-zer parte em um evento fazer as pessoas saberem de algo no sentido de comunicar Social que inclui o contato entre as pes-soas e sociedade um agrupamento de pessoas que vivem em colaboraccedilatildeo muacutetua Essa amplitude de significados situa a par-ticipaccedilatildeo como intriacutenseca agrave vida em sociedade natildeo deixando de indicar as contradiccedilotildees nas relaccedilotildees indiviacuteduocoletividade e ao papel mais ou menos ativopassivo de quem participa (ES-COREL MOREIRA 2009)

Os autores consideraram que a participaccedilatildeo embora em situaccedilotildees diacutespares eacute caracterizada pela valorizaccedilatildeo de conta-tos espaccedilos foacuteruns mais bem compartilhados e mais puacuteblicos Nessas condiccedilotildees deve ser estruturada no contexto histoacuterico e social Com essa origem enseja que a pessoa tenha maior con-trole sobre a situaccedilatildeo que lhe afeta direta ou indiretamente e a sociedade onde convive

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A participaccedilatildeo pressupotildee mais espiacuterito puacute-blico do que atitudes voltadas para a afirma-ccedilatildeo de interesse pessoal onde a cidadania implica direitos e deveres para todos e se manteacutem unida por relaccedilotildees horizontais de reciprocidade e confianccedila e natildeo por relaccedilotildees verticais de autoridade e dependecircncia (PUT-NAM 1996 p102)

A participaccedilatildeo social no Brasil despontou com a promul-gaccedilatildeo da Carta Magnade 1988 fruto da articulaccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas e sociais que garantiu inovaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico (ESCOREL MOREIRA 2009) Desde aiacute a participaccedilatildeo da comunidade passou a ser um dos requisitos fundamentais (DANTAS et al 2009)

Conceitualmente participaccedilatildeo social em sauacutede foi de-finida como algo inclusivo de variados atores em prol de di-reitos e usufrutos de bens e serviccedilos na sociedade e na tarefa de promover a sauacutede da populaccedilatildeo (OLIVEIRA 2009) Streck (2010) ensina que a participaccedilatildeo eacute condiccedilatildeo para a conquista e a garantia de direitos como sauacutede alimentaccedilatildeo transporte moradia educaccedilatildeo e trabalho

O enfoque ecossistecircmico considera o conceito de parti-cipaccedilatildeo social mais amplo do que participaccedilatildeo comunitaacuteria e inclui os gestores puacuteblicos poliacuteticos empresaacuterios e outros agentes individuais e coletivos envolvidos direta ou indire-tamente com o problema valorizando a participaccedilatildeo dos que vivem os problemas ambientais e de sauacutede no seu cotidiano (MINAYO 2002)

Escorel e Moreira (2009) consideraram que o ponto de partida para a participaccedilatildeo social eacute a pessoa buscar intervir na situaccedilatildeo concreta e histoacuterica em que vive construindo-se

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como sujeito social e estaacute condicionada aos fatores idade sexo camada social grau e tipo de instruccedilatildeo e psicossociais como normas e valores ponderaccedilotildees sobre os custos e bene-fiacutecios

A participaccedilatildeo popular eacute apontada como indispensaacutevel na condiccedilatildeo de controle de endemias especialmente no caso da dengue cujo principal vetor estaacute associado intimamente aos modos de vida e moradia nas aacutereas urbanas Por tal motivo o enfrentamento das endemias natildeo apenas admite mas tambeacutem requer o envolvimento comunitaacuterio (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009)

Um dos grandes desafios agrave sauacutede puacuteblica na atualidade eacute o controle da dengue Seu mosquito transmissor de maior im-portacircncia o Aedes aegypti combina alto grau de adaptabilida-de ao ambiente e ao controle quiacutemico realizado agrave facilidade de manutenccedilatildeo de sua espeacutecie proporcionada por potenciais cria-douros existentes no espaccedilo urbano atual dentre outros fatores

Souzaet al (2012) consideraram que dois terccedilos da popu-laccedilatildeo estejam suscetiacuteveis agrave dengue Esta eacute caracterizada como uma doenccedila febril aguda causada por um flaviviacuterus designa-do viacuterus dengue que apresenta quatro sorotipos (DENV 1 DENV 2 DENV 3 e DENV 4) A ausecircncia de uma vacina faz do Aedes aegypti o principal alvo de controle centrando-se em seus estaacutedios larvaacuterios e quando necessaacuterio no mosquito adulto (CAVALCANTI 2013) Sua alta incidecircncia estaacute tradi-cionalmente relacionada inclusive aos aspectos climaacuteticos e densidade demograacutefica (TEIXEIRA et al 2009)

A dimensatildeo epidemioloacutegica dessa doenccedila demonstra elementos bioloacutegicos ecoloacutegicos poliacuteticos e econocircmicos tra-duzindo um problema complexo fato que supotildee um enfoque sistecircmico para seu controle que leve em consideraccedilatildeo as inter

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-relaccedilotildees desses fatores e que envolva os diversos atores sociais (SANTOS AUGUSTO 2011 AUGUSTO et al 2005)

No contexto histoacuterico de combate agrave dengue no Brasil o modelo claacutessico de controle prioriza uso de pesticidas con-firmados ineficazes na atualidade Defende-se uma mudanccedila de paradigma que propotildee um modelo de accedilatildeo baseado na abordagem ecossistecircmica descentralizado e participativo que integra educaccedilatildeo contiacutenua vigilacircncia epidemioloacutegica e ento-moloacutegica aleacutem da intervenccedilatildeo ambiental (AUGUSTO et al 2005) E ainda preconiza a participaccedilatildeo social e a formaccedilatildeo de lideranccedilas no acircmbito comunitaacuterio que promovam accedilotildees seguindo a peculiaridade do contexto local (SANTOS AU-GUSTO 2011) [] O arcabouccedilo conceitual e metodoloacutegico dos enfoques em ecossauacutede representa grande oportunidade para melhorar as estrateacutegias dessa problemaacutetica de maneira mais eficaz e com melhores relaccedilotildees custo-benefiacutecio (PASSO et al 2013)

Em conformidade destaca-se o princiacutepio da equidade de gecircnero da abordagem em ecossauacutede Caprara et al (2006) evi-denciaram a relevacircncia das questotildees de gecircnero no controle da dengue junto aos fatores ecobiossociais que afetam a dinacircmica de transmissatildeo da doenccedila em Fortaleza Nordeste do Brasil com foco na urbanizaccedilatildeo dinacircmicas comunitaacuterias e respon-sabilidade poliacutetica

As relaccedilotildees de gecircnero e a divisatildeo de tarefas influenciam na percepccedilatildeo de doenccedilas endecircmicas como a dengue Eacute impor-tante o resgate do sentimento de coletividade mediante des-mistificaccedilatildeo da culpa individual e a formaccedilatildeo de redes de cui-dado como estrateacutegias a serem promovidas nas comunidades independentemente do sexo da pessoa (WINCH et al 1994 BRITO 2000 GIFFIN 2002 e LEBEL 2003)

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Para Augusto et al (2005) eacute necessaacuterio mudar o foco da participaccedilatildeo do niacutevel da famiacutelia-domiciacutelio para o niacutevel da famiacutelia como rede social incorporando as diversas relaccedilotildees sociais Eles defendem uma atuaccedilatildeo integrada envolvendo as muacuteltiplas redes sociais para viabilizar uma eficiente accedilatildeo cole-tiva no controle do vetor ao niacutevel do bairro ou da comunida-de somado ao envolvimento dos setores privados e puacuteblicos responsaacuteveis pela gestatildeo de aacutereas que oferecem condiccedilotildees fa-voraacuteveis para a proliferaccedilatildeo dos mosquitos sem desprezar as potencialidades especiacuteficas de cada gecircnero

Desse modo o estudo objetivou analisar a participaccedilatildeo social na implantaccedilatildeo da ecossauacutede no contexto da dengue respeitando e valorizando a questatildeo do gecircnero na proposta de integrar as estrateacutegias de controle da dengue na perspectiva de possibilitar uma transformaccedilatildeo social e histoacuterica da recorrecircn-cia de surtos epidecircmicos da enfermidade

METODOLOGIA

Estudo de natureza exploratoacuteria com enfoque de anaacuteli-se qualitativa que se situou dentro de um marco conceitual mais amplo caracterizado por uma Pesquisa Multicecircntrica 3 financiada por UNICEFIDRC amp UNDPWorld BankWHO Special Programme for Research amp Training in Tropical Di-seases (TDR)

Minayo (2010 p 57) relatou que a abordagem qualitativa ldquose aplica ao estudo da histoacuteria das relaccedilotildees das representa-ccedilotildees das crenccedilas das percepccedilotildees e das opiniotildees produtos das interpretaccedilotildees que os humanos fazem a respeito de como vi-vem constroem seus artefatos e a si mesmos sentem e pensamrdquo 3 PesquisamulticecircntricaldquoEco-Bio-SocialsobreDengueeDoenccediladeChagasnaAmeacute-

ricaLatinaenoCaribe

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O estudo foi realizado em cinco bairros do municiacutepio de Fortaleza (Parreatildeo Messejana Quintino Cunha Joseacute Walter e Passareacute) no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013 Estes fizeram parte da pesquisa multicecircntrica e tiveram como dife-rencial a abordagem de ecossauacutede dentro do contexto tiacutepico no tocante ao controle da dengue e aos fatores ecobiossociais intriacutensecos de cada agregado investigado

A investigaccedilatildeo dos cinco agregados evidenciou distintas condiccedilotildees espaciais sociais econocircmicas ambientais culturais infraestruturais (saneamento baacutesico) e de lideranccedilas comuni-taacuterias e por conseguinte uma conjuntura urbana peculiar agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti para a transmissatildeo da dengue Essa condiccedilatildeo associada ao processo de implantaccedilatildeo do enfo-que ecossistecircmico no controle da dengue disponibilizou rica fonte de coleta de dados por meio de trecircs principais teacutecnicas de coleta de dados anaacutelise documental - diaacuterios de campo produ-zidos pelos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados obser-vaccedilatildeo sistemaacutetica dos agregados nos bairros Parreatildeo e Passareacute a fim de ajuntar mais subsiacutedios agrave anaacutelise de dados

Examinou-se 55 diaacuterios de campo e 12 observaccedilotildees siste-maacuteticas As informaccedilotildees prevalecentes permitiram a contex-tualizaccedilatildeo do comportamento dos atores sociais clareando a participaccedilatildeo relacionada agrave equidade de gecircnero nos momentos da abordagem integrada no controle da dengue Para a anaacutelise do material qualitativo optou-se pela modalidade de anaacutelise de conteuacutedo que busca a interpretaccedilatildeo cifrada do material de caraacuteter qualitativo (MINAYO 2010)

Os sujeitos da pesquisa compreenderam os profissionais de controle de endemias supervisores de endemias (SE) e agente de controle de endemia (ACE) os educadores em sauacute-de (ES) os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) enfermeira

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(Enf) e os moradores (M) Para manter o anonimato dos par-ticipantes elencou-se as iniciais dos atores sociais seguidas de um algarismo araacutebico sequencial de acordo com a especifici-dade de cada funccedilatildeo presente nos encontros e accedilotildees dos cinco agregados

Na realizaccedilatildeo desta pesquisa obedeceu-se agrave Resoluccedilatildeo 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL 2012) e a aprovaccedilatildeo do projeto guarda-chuva pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute com o nuacutemero de Protocolo 09553425-3

RESULTADOS E DISCUSSAtildeOO estudo para implantaccedilatildeo da abordagem ecossauacutede foi

constituiacutedo por 54 pessoas sendo 27 mulheres e 27 homens inseridos nas diversas categorias participantes durante a in-vestigaccedilatildeo que compreendeu cinco bairros do Municiacutepio de Fortaleza-CE no periacuteodo de 2012-2013 Na meacutedia geral da categoria morador prevaleceu o sexo feminino Jaacute na ca-tegoria de profissionais de endemias -agentes de controle de endemias supervisores de endemias e educadores em sauacutede obteve-se maior nuacutemero de homens nas duas iniciais Consi-derando os profissionais e trabalhadores de sauacutede implicados no processondash PSF NASF e ACS houve predomiacutenio do sexo feminino Essas categorias seratildeo explicitadas nos resultados e nas discussotildees

MoradoresO puacuteblico de moradores presente aos encontros realiza-

dos para implantaccedilatildeo da ecossauacutede correspondeu a um total de 20 pessoas em que o gecircnero feminino atingiu 13 partici-pantes (65 )

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Em consonacircncia com o resultado atual Gonccedilalves et al (2012) detectaram uma maior disposiccedilatildeo do sexo feminino na contribuiccedilatildeo com seu estudo Para eles a sociedade atribui as responsabilidades de cuidados com a casa ao sexo feminino o que pode contribuir com a baixa participaccedilatildeo e interesse dos homens aleacutem do fato de a pesquisa ter ocorrido geralmente no horaacuterio de expediente

Diaz et al (2009) observaram que a participaccedilatildeo de mu-lheres chegou a 70 o que possibilitou as pessoas da mesma comunidade se organizarem voluntaacuteria e livremente em prol da vigilacircncia e controle das condiccedilotildees ambientais que podem ocasionar a transmissatildeo da dengue aleacutem de educaccedilatildeo dos resi-dentes sobre ecossauacutede

A aparente facilidade de abordar mulheres em estudos que favoreccedilam seu envolvimento e participaccedilatildeo no tocante agrave sauacutede mais especificamente no controle da dengue pode ter relaccedilatildeo com sua presenccedila marcante no ambiente domeacutestico pois a mulher ainda exerce inuacutemeras funccedilotildees dentro do domi-ciacutelio como cuidar dos filhos do homem e da proacutepria residecircn-cia (BRITO 2011) Isto faz da mulher uma figura em potencial para o controle do Aedes aegypti desde a rotina domiciliar para evitar seus possiacuteveis criadouros (CLARO et al 2004)

Matos (2012) ressaltou que para ocorrer uma participa-ccedilatildeo significativa no controle da dengue eacute necessaacuterio o envol-vimento dos atores nas praacuteticas propostas pela abordagem de ecossauacutede Detectou no entanto baixa adesatildeo da comunida-de independentemente do gecircnero ante os convites feitos agrave co-munidadepara participar das reuniotildees

Costa et al (2011) constataram que nos anos de 2008 e 2009 o sexo feminino foi o mais acometido por dengue apre-sentando em sua maioria as formas mais graves dengue com

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complicaccedilotildees e choque Os dados corroboram a ligaccedilatildeo da permanecircncia da mulher no ambiente domeacutestico e as caracte-riacutesticas domeacutesticas do vetor facilitando o evento (BARONI OLIVEIRA 2009)

As informaccedilotildees mencionadas demonstram a relevacircncia do envolvimento da mulher nas estrateacutegias de controle da den-gue embora a equidade de gecircnero seja buscada neste processo Accedilotildees direcionadas ao puacuteblico feminino podem trazer impli-caccedilotildees positivas no sentido de envolver o homem de forma indireta ou posteriormente e por fim abranger toda a famiacutelia no contexto da dengue

Profissionais de Endemias

A categoria de profissionais de endemias situou o puacutebli-co masculino no topo 18 pessoas (69) O grupo de agentes de controle de endemias (ACE) configurou sete participantes (3888) do puacuteblico masculino Jaacute o grupo dos supervisores de endemias demostrou interesse em participar da pesquisa re-presentado por oito homens (4444) e trecircs mulheres Quan-to ao grupo dos educadores em sauacutede houve uma quantidade aproximada nas participaccedilotildees cinco pessoas do sexo feminino e trecircs do sexo masculino (1666) apontando predominacircncia feminina

Matos (2012) demonstrou que o agente de endemias eacute comprometido com as questotildees referentes agrave dengue e buscou a adesatildeo da comunidade Poreacutem referiu frustraccedilatildeo devido agrave participaccedilatildeo diminuta da comunidade sem diferenciar o pre-domiacutenio de homens ou mulheres

Oliveira (2004) configurou o universo masculino e jo-vem desses profissionais de controle da dengue Jaacute Maia et

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al (2013) mostraram outra realidade - a atuaccedilatildeo de homens e mulheres no controle de endemias no Municiacutepio de NatalRN com 50 de representaccedilatildeo feminina Acredita-se que o maior envolvimento de homens nessa profissatildeo eacute motivado pelo trabalho que requer o enfrentamento de situaccedilotildees que envolvem uso da forccedila perigo o que favorece a notoacuteria pre-senccedila de homens nessa funccedilatildeo Reforccedilada por Santana (2012) que referiu relatos da rotina de trabalho dos agentes experiecircn-cias com assaltos e a transporte da escada ao percorrer grandes distacircncias casa a casa

Eacute consenso o fato de que cada agente de endemias esteja ligado diretamente ao supervisor de aacuterea que faraacute o elo entre os agentes e o supervisor geral O uacuteltimo tem a funccedilatildeo de pla-nejamento acompanhamento supervisatildeo e avaliaccedilatildeo das ati-vidades operacionais de campo demonstrando conhecimento dos recursos teacutecnicos empregados na vigilacircncia e controle do Aedes aegypti (SECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2007) e eacute claro a importacircncia dos su-pervisores no controle da dengue em razatildeo inclusive do seu poder de decisatildeo e envolvimento com a gestatildeo com vistas a promover novas discussotildees acerca de inovaccedilotildees metodoloacutegi-cas de controle eacute que se torna premente a sua participaccedilatildeo nas accedilotildees em ecossauacutede

Outro agente com papel fundamental no controle da den-gue eacute o educador em Sauacutede Gabriel (2013) mencionou que

[] o educador em sauacutede tem a funccedilatildeo de fa-cilitador das descobertas e reflexotildees dos indi-viacuteduos sobre os aspetos a modificar levando em consideraccedilatildeo a relaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e o ambiente envolvente estimulando-os a agir sobre as proacuteprias vidas

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Esse autor referiu tambeacutem que o desenvolvimento de profissionais qualificados competentes na aacuterea de Educaccedilatildeo em Sauacutede eacute importante pois afeta o desenvolvimento da pro-moccedilatildeo da sauacutede Esses profissionais requerem novos conheci-mentos e ideias para a accedilatildeo minimizando os efeitos do modelo tradicional de controle do dengue pois

[] o conhecimento cientificamente produ-zido no campo da sauacutede intermediado pelos profissionais de sauacutede atinge a vida cotidia-na das pessoas uma vez que a compreensatildeo dos condicionantes do processo sauacutede-doen-ccedila oferece subsiacutedios para a adoccedilatildeo de novos haacutebitos e condutas de sauacutede (ALVES 2005 p 43)

Um ponto que chamou a atenccedilatildeo foi agrave crenccedila de que a mobilizaccedilatildeo popular eacute tarefa exclusiva do educador em sauacute-de Sabe-se este papel eacute de todas as classes trabalhadoras e da populaccedilatildeo em geral - situaccedilatildeo valorizada por Gomes e Mina-yo (2006) quando descreveram como uma das vantagens da abordagem integrada o envolvimento dos diversos atores so-ciais empoderando sujeitos com base na participaccedilatildeo social

Acredita-se que para o controle da dengue eacute necessaacuterio percorrer caminhos alternativos observar o enfoque mul-tidisciplinar somado aos programas tradicionais em curso possibilitando resultados com maiores eficiecircncia e eficaacutecia (QUINTERO et al 2009) aspiraccedilatildeo esta suscitada pelo ES3 que sugeriu fazer encontros intersetoriais a fim de proporcio-nar maior envolvimento da comunidade

Supotildee-se que mergulhar na praacutetica da intersetorialidade traz uma seacuterie de dificuldades a principal seria o intensivo viacutenculo com a formaccedilatildeo verticalizada modelo biomeacutedico he-

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gemocircnico Lima e Vilasbocircas (2011) expressaram para o avan-ccedilo das praacuteticas intersetoriais compromisso coletivo governa-mental e equipe condutora responsaacutevel pelo trabalho Oliveira (1998) defendeu a ideia de que a mudanccedila de haacutebito do sujeito estaacute centrada na ampliaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees so-ciais e natildeo a produccedilatildeo de mais informaccedilotildees

Trabalhadores e Profissionais de Sauacutede

Essa categoria representou a participaccedilatildeo iacutenfima dos tra-balhadores e profissionais de sauacutede no estudo sob relatoacuterio que se distribuiacuteram nos grupos agente comunitaacuterio de sauacutede (ACS) programa de sauacutede da famiacutelia (PSF) e nuacutecleo de apoio agrave sauacutede da famiacutelia (NASF)

Nos diversos encontros promovidos para a implantaccedilatildeo da abordagem integrada no controle da dengue somente oito pessoas estiveram presentes representando todos os grupos dessa categoria foram seis (75) participantes do puacuteblico fe-minino A representaccedilatildeo do PSF foi surpreendente pois ape-nas uma profissional e cinco (62) pessoas marcaram a pre-senccedila do ACS sendo um homem e quatro mulheres

Mertens (2007) destacou a importacircncia de envolver os agentes de sauacutede que sejam moradores dos bairros onde tra-balham no controle da dengue facilitando os contatos com a comunidade e as accedilotildees de vigilacircncia para que se enraiacutezem nas redes sociais Em nenhum momento dos encontros entretan-to foi referida por esses profissionais a efetivaccedilatildeo da atribuiccedilatildeo do ACS presente nas diretrizes da poliacutetica de controle da den-gue nacional (PNCD 2002)

Acredita-se que a reduzida presenccedila do ACS e dos profis-sionais de sauacutede nos encontros da pesquisa pode ter aconteci-

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do em detrimento da alta demanda do setor sauacutede que deteacutem precaacuteria condiccedilatildeo funcional e de infraestrutura mediante as poliacuteticas puacuteblicas vigentes Assim como a proposta do Progra-ma que insinua a sedimentaccedilatildeo das funccedilotildees para a capacitaccedilatildeo os ACSrsquos nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue e as equipes PSF nas accedilotildees assistenciais para diagnoacutestico e trata-mento das formas graves e hemorraacutegicas da dengue (PNCD 2002)

Na opiniatildeo dos participantes da implantaccedilatildeo da ecossauacute-de a presenccedila do ACS seria uma soluccedilatildeo para a recusa Essa situaccedilatildeo poderia ter sido amenizada se houvesse a unificaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas de trabalho dos agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) e dos agentes de controle de endemias (ACE) Conforme as diretrizes do PNCD (2002) deve-se consolidar a inserccedilatildeo do Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) e do Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue visando principalmente a promover mudanccedilas de haacutebito da comunidade para manter o ambiente domeacutestico livre do Aedes aegypti

Percebeu-se nos comentaacuterios dos participantes o fato de que o ambiente da pesquisa propondo uma abordagem inte-grada despertou o interesse dos agentes em apresentar solu-ccedilotildees e a ter outra perspectiva transpondo a intervenccedilatildeo tradi-cional como se segue

Os agentes de endemia e os agentes comuni-taacuterios devem se ajudar no sentido de facilitar a entrada nas casas [] (ACS - 2)

Essa aacuterea natildeo tem ACS (ACS - 3)

Laacute a comunidade eacute mais acessiacutevel agrave entra-da dos agentes em suas casas [] o contato agente e comunidade eacute muito mais proacuteximo

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uma vez que eacute facilitado pela presenccedila de um liacuteder comunitaacuterio [] (ACS - 3)

Deveria ter uma maior participaccedilatildeo da miacutedia em chamar essa populaccedilatildeo para engajamen-to e controle das accedilotildees [] (SE -2)

[] o mais importante eacute a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo deixar a populaccedilatildeo ciente [] da responsabilidade de cada um [] do ACS ACE [] e tambeacutem da prioridade desse tra-balho o porquecirc de fazer esse trabalho de casa em casa [] que muitas vezes no quarteiratildeo o agente natildeo consegue entrar nem em 10 do quarteiratildeo por quecirc Porque as pessoas natildeo conhecem [] se tivesse uma maior divulga-ccedilatildeo [] junto agrave comunidade (ES -1)

O plano de accedilatildeo natildeo eacute apenas para a dengue e sim com todos os problemas jaacute abordados aqui e que tem que ser um plano contiacutenuo natildeo pode parar (SE -9)

Eacute necessaacuterio que o governo invista na comu-nidade para que ela participe dos encontros e qualquer outra mobilizaccedilatildeo que eacute realizado e que insistir eacute um ponto forte que aos poucos agraves pessoas vatildeo sensibilizando uns aos outros e cada um vai aderindo o que eacute promovido (SE ndash 10)

O SE-4 relatou que sempre nas reuniotildees ine-rentes ao trabalho deles eacute realizado o convite para o comparecimento de um membro da companhia de aacutegua No entanto natildeo haacute o comparecimento de nenhum representante A CAGECE afirma que o abastecimento ine-ficaz estaacute relacionado ao uso clandestino de aacutegua por parte dos moradores dificultando o fluxo da aacutegua (P -12)

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Esse tipo de accedilatildeo provoca no morador a im-portacircncia do cuidado definitivo no que diz respeito ao depoacutesito caixa drsquoaacutegua em funccedilatildeo da doenccedila dengue (ES ndash 4)

Se o abastecimento fosse regular natildeo haveria tanta oferta para o mosquito (SE - 7)

O panorama dos agregados no relacionado agraves categorias profissionais e gecircneros evidenciou que o bairro de Messejana contabilizou o valor miacutenimo de moradores uma mulher assim como o grupo de trabalhadores e profissionais de sauacutede com um ACS do sexo feminino A presenccedila do NASF aconteceu exclusivamente no bairro Quintino Cunha ao passo que o bairro do Passareacute natildeo contabilizou presenccedila dos trabalhadores e profissionais de sauacutede e teve menor nuacutemero de participan-tes Jaacute o bairro Parreatildeo teve o maior nuacutemero de ES e SE com predomiacutenio do sexo masculino que teve a uacutenica participaccedilatildeo do profissional do PSF O Joseacute Walter destacou-se pelo maior nuacutemero de mulheres participantes principalmente na catego-ria de moradores

Dantas et al (2009) no acircmbito histoacuterico relataram que a sauacutede eacute responsabilidade de variados setores da sociedade puacuteblico privado ONGS e a sociedade por meio de accedilotildees in-terdisciplinares e intersetoriais sendo necessaacuterio que se en-volvam na discussatildeo acerca da qualidade de vida individual e coletiva

Assim o desafio que se impotildee conforme os pensamen-tos de Derrida (2001) estaacute na transformaccedilatildeo de uma cidadania acostumada a exigir e a participar de projetos comuns para as-sumir as responsabilidades visto que ainda persistem os con-ceitos tradicionais de participaccedilatildeo - aspiraccedilotildees estas possiacuteveis pelas accedilotildees da abordagem ecossauacutede

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CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

A implantaccedilatildeo da ecossauacutede no controle da dengue cer-tamente recebeu influecircncia dos aspectos de singularidade culturais socioeconocircmicos e de produccedilatildeo social inerentes aos atores sociais considerados determinantes para as novas formas de pensar e agir no controle da dengue assimiladas e evidenciadas pelos participantes Notou-se inclusive que as mulheres moradoras predominaram em algumas categorias e fortaleceram a crenccedila de que satildeo peccedilas-chave para a mobiliza-ccedilatildeo e o envolvimento da comunidade nas accedilotildees de prevenccedilatildeo da doenccedila

Esse panorama denotou a importacircncia da participaccedilatildeo social da atuaccedilatildeo multissetorial e da equidade de gecircnero para a concretizaccedilatildeo da abordagem integrada no controle dessa enfermidade aleacutem dos outros princiacutepios embora a participa-ccedilatildeo social tenha estado aqueacutem do potencial de cada agregado investigado Com arrimo nessa constataccedilatildeo crecirc-se que seraacute possiacutevel percorrer novos caminhos o entendimento e promo-ccedilatildeo da participaccedilatildeo social e equidade de gecircnero pressupostos da ecossauacutede no controle da dengue e por sua vez realccedilar o envolvimento das mulheres como personagens importantes para a soluccedilatildeo efetiva e sustentaacutevel - realidade que estimulou o entendimento da relaccedilatildeo sauacutede e meio ambiente com vistas agrave condiccedilatildeo de contribuir para a Sauacutede Puacuteblica

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CAPIacuteTULO 7

PRAacuteTICAS DE PREVENccedilAtildeO DA DENGUE SOB O OLHAR DAS FAMIacuteLIAS DOS PROFIS-SIONAIS DE SAUacuteDE E DOS ATORES ENVOL-VIDOS NO PROGRAMA DE CONTROLE DO VETOR

Adriana Ponte Carneiro de MatosCyntia Monteiro Vasconcelos Motta

Edina Silva CostaSelma Nunes Diniz

Andrea CapraraFrancisco Joseacute Maia Pinto

INTRODUccedilAtildeO

A dengue representa um desafio para a Sauacutede Puacuteblica sendo considerada doenccedila reemergente e a arbovirose mais comum e mais distribuiacuteda no Mundo (OMS 2009) O aumen-to da prevalecircncia do dengue tem levado as autoridades sanitaacute-rias a considerarem-no como um dos principais problemas de sauacutede puacuteblica de todo o mundo e com isso dispor de recursos para o enfrentamento dessa problemaacutetica

Seguindo uma sazonalidade existe associaccedilatildeo intensa entre as condiccedilotildees climaacuteticas e a incidecircncia da dengue (DO-NALISIO amp GLASSER 2002) de forma que a morbidade estaacute associada positivamente com a estaccedilatildeo chuvosa pois o vetor prolifera mais com uma umidade relativa alta (ARUNACHA-LAM et al 2010) Aleacutem disso as mudanccedilas demograacuteficas e o intenso fluxo migratoacuterio rural-urbano geram o crescimento

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desordenado das cidades e favorecem a proliferaccedilatildeo do vetor com as precaacuterias condiccedilotildees de saneamento baacutesico (BRAGA amp VALLE 2007)

A relaccedilatildeo entre o abastecimento domeacutestico de aacutegua e a presenccedila de vetor tambeacutem eacute um fator relevante pois tanto o fornecimento irregular de aacutegua quanto a falta de aacutegua encana-da podem levar a uma presenccedila maior de criadouros e tam-beacutem o aumento no uso de embalagens descartaacuteveis para pro-dutos industrializados contribui para o acuacutemulo de recipientes que se tornam possiacuteveis focos do mosquito Essas embalagens e outros produtos satildeo descartadas e ateacute mesmo reaproveitadas pela populaccedilatildeo com finalidades diversas e mantidos no espaccedilo domeacutestico quase sempre mal acondicionados em funccedilatildeo das condiccedilotildees precaacuterias dos domiciacutelios (CLARO TOMASSINI ROSA 2004)

Braga e Valle (2007) acentuam que apesar dos esforccedilos puacuteblicos para uma meta de controle da doenccedila a dengue per-manece como endecircmico com esporaacutedicas epidemias no Brasil Mais recentemente Teixeira (2008) refere ainda que dificulda-des em controlar as infecccedilotildees satildeo vislumbradas por diversos paiacuteses como no Brasil evidenciando que o conhecimento cientiacutefico neste campo da prevenccedilatildeo ainda eacute insuficiente para combater esta virose Nesse sentido sabe-se que ainda natildeo se dispotildee de medicamentos especiacuteficos para as pessoas acometi-das por dengue natildeo se dispotildee de vacina segura e eficaz e dessa forma ao longo dos anos o controle desta virose se manteve centrado apenas no combate ao seu vetor

Peacuterez - Guerra et al (2009) confirmam que o controle do mosquito transmissor foi iniciado por meio de uma poliacutetica centralizadora e vertical caracterizada por programas prati-camente militarizados com o uso de inseticidas que combi-

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nados promoveriam a reduccedilatildeo do nuacutemero de criadouros de mosquitos Posteriormente constatou-se que programas com essas caracteriacutesticas natildeo se sustentam ao longo dos anos e das mudanccedilas sociais

Dessa maneira as poliacuteticas de controle do dengue nas Ameacutericas se resumiram ao combate ao vetor o Aedes aegyp-ti uacutenico transmissor com importacircncia epidemioloacutegica nessa regiatildeo Para diminuir os criadouros do vetor o Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2002) preconizou o saneamento ambiental e o controle quiacutemico e propocircs o incentivo agrave participaccedilatildeo co-munitaacuteria com fortalecimento das atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede Verifica-se entretanto que as campanhas educativas centradas na divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees natildeo produzem mu-danccedilas significativas de comportamento apesar de atingirem a populaccedilatildeo proporcionando conhecimento sobre a dengue seus vetores e as medidas de controle

No artigo de Zambrini (2011) sobre as liccedilotildees aprendidas durante a epidemia de dengue de 2009 na Argentina o autor ressalta que na eacutepoca o Paiacutes apresentava condiccedilotildees ambien-tais favoraacuteveis para o estabelecimento do mosquito transmis-sor com zonas urbanas expressando uma densidade popula-cional alta e com empobrecimento das condiccedilotildees de vida e o sistema de vigilacircncia epidemioloacutegica jaacute previa a vulnerabilida-de da populaccedilatildeo A falta de articulaccedilatildeo entre setores desfavo-receu no entanto a abordagem ante os determinantes sociais e a definiccedilatildeo de prioridades

Uma experiecircncia de Schweigmann e colaboradores (2009) com suporte nesse contexto vivenciado na Argentina estimu-lou intervenccedilotildees por meio da articulaccedilatildeo do programa de con-trole do vetor com o setor da Educaccedilatildeo partindo do princiacutepio de que a informaccedilatildeo adequada eacute o fator decisivo (apesar de natildeo

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suficiente) para a apropriaccedilatildeo do conhecimento e no favoreci-mento de adoccedilatildeo de praacuteticas ambientais saudaacuteveis

Em outra experiecircncia com base na temaacutetica da interseto-rialidade Lima amp Vilasbocircas (2011) descrevem a implantaccedilatildeo de accedilotildees intersetoriais para o controle do dengue na Bahia Brasil Os autores defendem a criaccedilatildeo de um comitecirc interse-torial com uma equipe condutora responsaacutevel pelo trabalho a qual tenha capacidade teacutecnica e poliacutetica com as condiccedilotildees de conduzir acompanhar e avaliar as atividades e estimular a articulaccedilatildeo entre os vaacuterios setores dissipando as barreiras disciplinares

Apesar de estudos mais recentes (SOMMERFELD amp KROEGER 2012 ARUNACHALAN et al 2012) somados agraves reflexotildees das experiecircncias de controle da dengue confluiacuterem para o estiacutemulo ao controle pautado na intersetorialidade e na participaccedilatildeo comunitaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que uma mo-bilizaccedilatildeo em Educaccedilatildeo em Sauacutede por si soacute natildeo eacute capaz de pro-duzir mudanccedilas e controlar problemas de sauacutede Para tanto eacute necessaacuterio que o controle da dengue adquira uma visatildeo mais ampla e possa ser atuante nos determinantes ecobiossociais que envolvem essa enfermidade (TEIXEIRA 2008 ARUNA-CHALAM ET AL 2010 TANA et al 2012) E assim os pro-gramas de controle devem levar em consideraccedilatildeo uma vigilacircn-cia epidemioloacutegica eficaz um controle vetorial sustentaacutevel e sobretudo a promoccedilatildeo de accedilotildees de saneamento baacutesico

Na contextura desta realidade questiona-se quais os pa-peacuteis dos vaacuterios atores sociais no cenaacuterio da dengue em Forta-leza Como realizam suas atividades de controle da dengue O que fazem para diminuir os fatores determinantes da dengue Como cada um deles se articula para melhorar o controle da dengue

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Estes questionamentos somados agrave oportunidade de par-ticipaccedilatildeo no Estudo Multicecircntrico - ldquoPesquisa Ecobiossocial sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Ca-riberdquo desenvolvido pela Universidade Estadual do Cearaacute nos instiga a dialogar com os atores sociais com o objetivo de ana-lisar a perspectiva de familiares profissionais de sauacutede e atores do programa de controle do dengue sobre seu papel presente as praacuteticas de prevenccedilatildeo

METODOLOGIAEste eacute um experimento de abordagem qualitativa realiza-

do no periacuteodo de janeiro de 2011 a maio de 2012 com base no protocolo central do Estudo Multicecircntrico ldquoPesquisa Ecobios-social sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Cariberdquo O estudo adotou uma perspectiva antropoloacutegica baseada principalmente em meacutetodos qualitativos e no Brasil a respectiva anaacutelise foi realizada em aacutereas selecionadas do Mu-niciacutepio de Fortaleza-CE

Administrativamente o Municiacutepio de Fortaleza estaacute divi-dido em seis regiotildees cada uma delas sob o comando de uma Secretaria Executiva Regional (SER) Foram selecionadas dez aacutereas para o estudo apoacutes de sorteios de recortes do mapa do Fortaleza de forma que a cada recorte correspondesse uma lo-calidade com cerca de 100 imoacuteveis

Foi realizado um total de 66 visitas observacionais nos domiciacutelios correspondentes e 31 entrevistas foram gravadas e transcritas e as observaccedilotildees-participantes bem como as con-versas informais com os moradores da aacuterea foram anotadas em diaacuterios de campo e posteriormente codificadas analisadas e interpretadas

Para complementar foram realizados grupos focais para cada aacuterea do estudo agrupando as categorias de atores sociais

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investigadas familiares profissionais de sauacutede (Equipe de Sauacute-de da Famiacutelia) e atores do programa de controle da dengue

Adotou-se como ferramenta para organizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados da pesquisa o software Qualitative Solutions Re-search N-vivo (QSR) versatildeo 20 Inicialmente foram realiza-das leituras sucessivas para atingir uma compreensatildeo geral do sentido dos textos e em seguida cada transcriccedilatildeo de entrevista e nota de diaacuterio de campo foi importada para o software em um arquivo rich text

Apoacutes esse passo durante a leitura de cada arquivo se rela-cionou passagens dos textos a categorias que o pesquisador de-senvolveu com base nos seus objetivos e na compreensatildeo geral do texto (KELLE 2012) A esse passo denomina-se codificaccedilatildeo e a cada categoria o software N-vivo denomina de Node Para o ensaio sob relatoacuterio as passagens foram relacionadas afree nodes ou seja coacutedigos livres ou natildeo hieraacuterquicos A lista resul-tante das passagens dos textos selecionados foi exportada para o software Microsoft Word 2007 e assim os dados puderam ser analisados com apoio na identificaccedilatildeo dos nuacutecleos de sentido e sua posterior anaacutelise e interpretaccedilatildeo (MINAYO 2008)

As categorias analiacuteticas que emergiram durante a anaacutelise dos dados foram A divergecircncia sobre seu papel no controle da dengue e os interesses dos atores A participaccedilatildeo como praacutetica de prevenccedilatildeo e A necessidade de integraccedilatildeo

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

A divergecircncia sobre seu papel no controle do dengue e os interesses dos atores

Os resultados apontaram para uma complexa divergecircn-cia entre os interesses e papeacuteis dos diferentes agentes sociais no cenaacuterio da dengue em Fortaleza As informaccedilotildees colhidas

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retratam a complexidade em que cada ator social se insere se percebe e se envolve nas accedilotildees de combate prevenccedilatildeo e con-trole desta doenccedila

Nas falas dos profissionais de sauacutede destaca-se As pessoas sabem eacute muito divulgado pelos meios de comunicaccedilatildeo Mas laacute na periferia mesmo fazer o trabalho em si que eacute evitar os criadouros do mosquito eacute difiacutecil O grau de instruccedilatildeo eacute menor (P- AacuteREA 10)

As pessoas com descuido deixam caixa drsquoaacutegua aberta acumulam lixo [] Tem tam-beacutem a falta de conscientizaccedilatildeo e educaccedilatildeo muitas pessoas aglomeradas a falta de abas-tecimento de aacutegua reservatoacuterios de estoque (P- AacuteREA 4)

A informaccedilatildeo tem Todos sabem o que eacute dengue Mas natildeo cuidam das suas casas (P - AacuteREA 3)

As falas dos profissionais atribui a disseminaccedilatildeo da den-gue ao descuido da populaccedilatildeo e registram o desconhecimento da necessidade de desempenhar o seu papel de profissional de sauacutede com uma reflexatildeo do que pode ser melhorado em suas accedilotildees e atitudes Esta atitude eacute negativa visto que conforme Zagury (2006) a culpabilizaccedilatildeo que ocorre quando se imputa responsabilidades isoladas na forma de eleiccedilatildeo automaacutetica de culpados dentro da complexidade do contexto configura uma maneira simplista de debater os problemas que dificulta sua soluccedilatildeo

O papel dos profissionais da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia inclui a conduta de se integrarem com a comunidade buscan-do conhecer a realidade vivida por parte de cada integrante seja individual ou coletivamente com o intuito de melhorar a

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qualidade de vida dos integrantes da comunidade assumindo uma postura de agente de transformaccedilatildeo e motivando a parti-cipaccedilatildeo popular O profissional deve buscar entender e aten-der as necessidades reais e potenciais da pessoa seja esta no seu conviacutevio familiar coletivo ou individual (SCHULTZ 2008)

Nos depoimentos dos atores envolvidos no controle da dengue sobressaiacuteram-se

Deveria ter mais agentes O correto era ter uma visita a cada dois meses Ou seja seis vi-sitas em um ano Tem quadra que fica cinco meses sem ser visitada e algumas uma vez ao ano (C-AacuteREA 7)

[] Uma grande reclamaccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute o fato da prefeitura natildeo realizar mais a dis-tribuiccedilatildeo de telas para vedaccedilatildeo Antigamente isso era feito mas agora os proacuteprios donos da casa precisam comprar suas telas (C- AacuteREA 4)

Rapaz eu considero nosso papel muito im-portante neacute Porque a gente taacute conscienti-zando a populaccedilatildeo e salvando as vidas dela A gente estaacute eliminando o foco do mosquito Eu creio que a populaccedilatildeo tinha que ter mais consciecircncia neacute Porque o que jaacute repassado por televisatildeo pela gente mesmo eu acho que jaacute eacute bem amplo neacute E pra eles tanto faz como tanto fez (C- AacuteREA 1)

Bem nosso trabalho eacute basicamente procurar encontrar e eliminar os focos do mosquito Aedes aegypti neacute Esse eacute o nosso trabalho E dar a educaccedilatildeo sanitaacuteria aos moradores e a populaccedilatildeo para como se evitar os criadores em sua residecircncia [] (C-AacuteREA 3)

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As falas dos agentes de endemias revelam que estes assu-mem um papel que denominam de ldquoconscientizaccedilatildeordquo poreacutem contraditoriamente a esta proposta todos reconhecem que suas accedilotildees satildeo ineficazes haja vista que para eles a populaccedilatildeo natildeo cumpre o seu papel Percebe-se mediante seus discursos que os agentes de endemias tambeacutem inculpem o outro seja a Prefeitura seja o Governo do Estado ou ainda a comunidade

O conteuacutedo ofertado pelos agentes de endemias natildeo en-contra eco na populaccedilatildeo simplesmente porque a comunidade natildeo interioriza os conceitos procedentes da abstraccedilatildeo cientiacutefi-ca inserida nos materiais produzidos Infere-se que o trabalho nominado de conscientizaccedilatildeo segue a proposta educativa tra-dicional cuja praacutetica se torna um ato de depositar em que os educandos satildeo os depositaacuterios e o educador o depositante sem haver uma preocupaccedilatildeo com a aplicaccedilatildeo dos conteuacutedos no co-tidiano do educando (MARTINS GARCIA PASSOS 2008)

Assim a conscientizaccedilatildeo referida pelos agentes de ende-mias parece seguir um processo educativo de caraacuteter verticali-zado que natildeo encontra resposta na comunidade Esta realida-de eacute preocupante considerando-se que ao agente comunitaacuterio de endemias (ACE) competem accedilotildees como Educaccedilatildeo em Sauacute-de a mobilizaccedilatildeo comunitaacuteria a identificaccedilatildeo de criadouros e que o distanciamento decorrente deste tipo de comportamen-to dos ACEs compromete a eficaacutecia da Educaccedilatildeo em Sauacutede por eles promovida

Corroborando as dificuldades citadas nos discursos o pretenso papel de educaccedilatildeo visando agrave mudanccedila de haacutebito da comunidade com relaccedilatildeo agraves medidas preventivas de controle da dengue eacute falho pela quantidade de ACEs disponiacuteveis e pelo pouco tempo dispensado em cada imoacutevel com a finalidade de atingir o percentual necessaacuterio

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Nas falas dos membros das famiacutelias chamou atenccedilatildeoAs visitas dos agentes de endemias deve-riam ocorrer com uma frequecircncia maior pois atualmente soacute ocorrem cerca de 3 em 3 meses e com o tempo acabo esquecendo de tomar os cuidados com a aacutegua parada Eu acho muito bonito porque quem combate eacute eles mesmo (MF- AacuteREA 4)

[] O governo jaacute deveria ter uma accedilatildeo mais eficiente jaacute que esperar pela participaccedilatildeo natildeo resolve Num instante criam vacina para gripe por que natildeo tem para dengue Jaacute estaacute com tanto tempo (MF- AacuteREA 5)

A dengue a gente soacute vecirc falar mal O problema eacute do governo que natildeo cuida da gente Esse posto de sauacutede aiacute natildeo serve pra nada Nunca tem meacutedico (MF- AacuteREA 1)

Agraves vezes por que vecirc a casa assim agraves vezes coloca a proacutepria vizinha aiacute agraves vezes coloca lixo o lixo aqui da minha casa eacute condiciona-do em sacos plaacutesticos copinho aparece aiacute mas meu natildeo eacute (MF ndash AacuteREA 9)

De quem eacute a culpa Das pessoas que deixam acumular Natildeo tem higiene Eu tenho que fa-zer neacute Laacute em casa eacute bomba de puxar aacutegua natildeo eacute Cagece Eu encho o balde pra tomar banho mas logo seco A prefeitura deve fa-zer mais visitas agraves casas pois a gente cai na rotina e a gente esquece (MF- AacuteREA 2)

A culpa eacute da populaccedilatildeo eu faccedilo a minha par-te tem gente que natildeo [] (MF ndash AacuteREA 6)

De novo parece evidente nas falas da comunidade o fato de que o ldquoproblemardquo eacute sempre do outro ou pertence ao ou-

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tro seja este o vizinho a Prefeitura ou os oacutergatildeos competentes Tambeacutem a responsabilidade passa a ser do outro e a pessoa natildeo se enquadra como sujeito ativo e participativo no processo de prevenccedilatildeo e controle da dengue

Salta a sensaccedilatildeo de que a comunidade ainda natildeo se apro-priou do seu papel como sujeito ativo de transformaccedilatildeo da realidade neste caso a dengue em nosso meio

A participaccedilatildeo comunitaacuteria como praacutetica de preven-ccedilatildeo

Foi observado com arrimo nas informaccedilotildees coletadas que os atores - sejam eles profissionais de sauacutede atores do contro-le da dengue ou mesmo membros da comunidadendashacreditam que uma boa praacutetica de prevenccedilatildeo decorre da conscientizaccedilatildeo e da participaccedilatildeo comunitaacuteria mas ressaltam tambeacutem a difi-culdade em atingi-la

Eu creio que se natildeo fosse o nosso trabalho [de controle] estaria pior do que estaacute [] A tecla que a gente bate mais eacute a conscientiza-ccedilatildeo do morador Mas aiacute natildeo depende soacute do agente sanitarista depende sim do morador Ele tem que tomar accedilatildeo (C ndash AacuteREA 10)

[] A gente ensina como eacute que se lava o pote Vocecirc lava aquele pote pra ele [o mo-rador] ensinando quando vocecirc passa 2 3 meses depois ele estaacute esperando vocecirc pra lavar Taacute entendendo Ele fica acomodado A populaccedilatildeo mesmo se acomoda porque eles sabem que tem uma pessoa que vai chegar laacute e vai fazer aquilo (C ndash AacuteREA 1)

A dengue eacute um besouro maligno que se fer-roar uma pessoa a pessoa taacute ferrada Entatildeo o

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morador tem que cuidar da casa para natildeo ter febre dor de cabeccedila vocircmito Eu natildeo posso dizer muito porque nunca vi pessoalmente Por aqui natildeo tem isso natildeo Natildeo conheccedilo ningueacutem que jaacute pegou O que a gente sabe eacute mais o que passa no raacutedio e na televisatildeo (MF ndash AacuteREA 1)

O trabalho dos agentes eacute bom eles estatildeo sempre por aqui falta agrave populaccedilatildeo participar (MF ndash AacuteREA 3)

Os discursos anteriores retratam que apesar de todas as categorias de atores afirmarem a importacircncia da participaccedilatildeo comunitaacuteria para a prevenccedilatildeo da doenccedila daacute-se muito creacutedito ao trabalho dos agentes de controle de endemias mas pouco se observa de mudanccedila nas praacuteticas das comunidades

Estudo sobre conhecimentos atitudes e praacuteticas no Nor-deste brasileiro aponta essas informaccedilotildees quando ressalta que os moradores ficam agrave espera de uma accedilatildeo do agente de sauacutede para realizar atividades que poderiam ser incorporadas em sua rotina domeacutestica

Em estudo de Reis Andrade e Cunha (2013) seus dados empiacutericos apontam que pela loacutegica dos profissionais envol-vidos no controle da dengue a populaccedilatildeo confia nos agentes puacuteblicos para realizar as praacuteticas de higiene ambiental no do-miciacutelio e que pela loacutegica da populaccedilatildeo daacute-se pouco creacutedito agrave ocorrecircncia e gravidade da doenccedila

Primeiramente eacute importante salientar que alguns estudos (SANTOS CABRAL AUGUSTO 2011) sobre conhecimento da populaccedilatildeo mostram que a taxa de acerto em inqueacuteritos fei-tos sobre o vetor e a doenccedila eacute alta mas que isto natildeo se reflete na praacutetica Assim natildeo apenas o conhecimento eacute importante mas para Reis Andrade e Cunha (2013) eacute necessaacuteria uma

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abstraccedilatildeo bastante elaborada para entender como um viacuterus ser invisiacutevel pode causar transtornos tatildeo intensos e soacute depois desse processo eacute possiacutevel realizar atividades para estimular uma participaccedilatildeo comunitaacuteria jaacute que ldquosoacute consegue-se fazer a populaccedilatildeo querer algo quando ela entende a necessidade das accedilotildeesrdquo (REIS ANDRADE CUNHA 2013 p 523)

O mais difiacutecil de acabar com a dengue eacute jus-tamente pela mudanccedila de consciecircncia do povo porque eu acho que informaccedilatildeo natildeo falta neacute Noacutes estamos passando de mecircs em mecircs em uma casa na televisatildeo eacute soacute o que tem eacute comercial e propaganda a respeito da den-gue [] A gente trata hoje elimina o foco mas quando passa o outro ciclo o foco ta laacute agraves vezes ateacute no mesmo depoacutesito (C- AacuteREA 3)

A funccedilatildeo eacute eliminar o mosquito e ensinar a populaccedilatildeo como eacute que se previne A gente trabalha na parte da prevenccedilatildeo e no comba-te porque se a gente taacute combatendo a gente taacute prevenindo (C ndash AacuteREA 5)

Percebeu-se uma lacuna nas campanhas educativas cujos conteuacutedos natildeo conseguem ensejar a conscientizaccedilatildeo popular Para Freire (1999) o ponto criacutetico da educaccedilatildeo eacute a conscien-tizaccedilatildeo que deve ter como consequecircncia a promoccedilatildeo de uma mudanccedila entre as pessoas que sairiam de um estaacutedio de alie-naccedilatildeo para uma atitude de reflexatildeo - accedilatildeo Esse teorista defen-de a pedagogia que estabelece relaccedilatildeo de igualdade e criticida-de entre educador e educando em que ambos satildeo herdeiros de experiecircncias criando e recriando integrando-se agrave realida-de enfrentando desafios e apreendendo seus papeacuteis no acircmbito dos seus contextos biopsicossociais

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A necessidade de integraccedilatildeo

Algumas informaccedilotildees coletadas refletem que mesmo os discursos dos atores apontando uma culpabilizaccedilatildeo alguns concordam com a ideia de que a integraccedilatildeo entre os atores seja um elemento-chave para o controle da dengue e assim necessita de reunir esforccedilos de vaacuterios campos para atingir os fatores ecobiossociais envolvidos na manutenccedilatildeo e dispersatildeo desse vetor

Tem ainda a questatildeo governamental soacute vatildeo olhar pra dengue quando taacute na epidemia natildeo eacute utilizado na prevenccedilatildeo (P-AacuteREA 4)

[] A dengue natildeo eacute soacute o posto de sauacutede natildeo Tem que ter mais profissionais Tem que ter materiais para o trabalho Tem que ter sanea-mento Natildeo adianta vocecirc tratar de dengue soacute no posto se existem caixas drsquoaacutegua aacuteguas pa-radas esgotos tudo isso contribui Haacute pes-soal sem condiccedilatildeo de ajeitar a caixa drsquoaacutegua isso contribui (P-AacuteREA 1)

As falas anteriores refletem a noccedilatildeo de que os profissio-nais tambeacutem associam a disseminaccedilatildeo da dengue agrave falta de condiccedilotildees de trabalho e a ausecircncia de accedilatildeo efetiva dos atores poliacuteticos para o controle da doenccedila

A segunda fala reflete a necessidade da intersetorialidade no controle do dengue Lima amp Vilasbocircas (2011) ressaltam que a intersetorialidade pode se tornar um dos eixos principais para a consolidaccedilatildeo de um sistema de sauacutede mais efetivo poreacutem im-plica mudanccedilas seja na gestatildeo ainda muito setorializada seja na implantaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis e de promoccedilatildeo da sauacutede evitando a subordinaccedilatildeo de um setor a outro e exi-gindo maior articulaccedilatildeo com membros da populaccedilatildeo

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[] Tecircm equipes que fazem isso as visitas domiciliares os agentes de sauacutede E aiacute vem o mesmo problema da equipe de sauacutede da famiacutelia que estatildeo sempre incompleta falta meacutedico falta enfermeira ou natildeo satildeo cober-tos A gente vecirc a sobrecarga dos exames labo-ratoriais A gente taacute vivendo uma epidemia Ningueacutem ouve falar de alocaccedilatildeo de recursos para isso que foi contratado uma equipe de campanha que a prefeitura fez contrataccedilotildees de equipes extras A gente continua traba-lhando com a mesma maacutequina a mesma quantidade de profissionais que trabalham em dias normais Acho que a gente tem que falar do lixo da proacutepria falta de contrataccedilatildeo de agentes de endemias para vasculhar mes-mo esses terrenos baldios (P-AacuteREA7)

Eacute importante salientar que como parte integrante da Equi-pe de Sauacutede da Famiacutelia os profissionais devem ser peccedilas-cha-ve a fim de romper com o comportamento passivo das equi-pes de sauacutede e estender suas accedilotildees para toda a comunidade responsabilizando-se pelo territoacuterio fundamentado pelos refe-renciais da vigilacircncia e promoccedilatildeo da sauacutede (ALVEZ AERTZ 2011) Os profissionais concordam no entanto com a ideia de que isoladamente a prevenccedilatildeo da dengue natildeo eacute eficaz e ne-cessita de uma seacuterie de atividades justificadas por Sommerfeld amp Kroeger (2013) jaacute que a complexidade dos contextos eco-biossociais ressaltam repetidamente que o controle da dengue exige uma abordagem intersetorial que combine praacuteticas de gestatildeo ambiental com a mobilizaccedilatildeo da comunidade

Uma vez me deram um papel no centro social urbano (onde fica o posto) mas foi soacute essa vez porque laacute no posto eles natildeo ex-plicam nada natildeo ensinam nada Acho que

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a dengue atua mais quando tem aacutegua limpa parada canto brejado e quando chove muito mas na caixa drsquoaacutegua natildeo daacute natildeo (MF - AacuteREA 1)

Natildeo tem outra pessoa para combater natildeo E o povo cooperar tambeacutem porque se natildeo coo-perar natildeo vai acabar nunca esse negoacutecio da dengue Eacute importante o trabalho dos agentes de endemias mas infelizmente a prefeitura natildeo daacute crachaacutes e fardas aos mesmos (MF - AacuteREA 7)

A populaccedilatildeo eacute mobilizada mas enquanto natildeo acontece com algueacutem da famiacutelia natildeo mudam Existe informaccedilatildeo o que falta eacute educaccedilatildeo A responsabilidade deve ser de to-dos Haacute dois anos teve a campanha lsquocasa limpa exemplo de sauacutedersquo na qual a pessoa da comunidade que mantivesse a casa sempre limpa ganhava precircmios [] No CSF sempre tem panfletos e tem tambeacutem uma maquete no posto lsquocasa limpa casa sujarsquo com um ACS ensinando e informando o povo sobre a den-gue e o que deve ser feito em casa para evitar (C-AacuteREA 4)

Oportunamente parece que ocorre uma cultura gover-namental que estaacute implicitamente presente nos discursos de todos os atores sociais de individualizaccedilatildeo das questotildees de prevenccedilatildeo e combate da dengue em que o culpado direto pela doenccedila eacute o vetor (Aedes aegypti como mosquito transmissor) e que a populaccedilatildeo soacute eacute acometida pela doenccedila por natildeo ter as-sumido o seu papel e praticado as orientaccedilotildees de controle e prevenccedilatildeo da doenccedila deixando escondidos o descomprome-timento dos governantes e o mau funcionamento dos serviccedilos puacuteblicos (VALLA et al 1998)

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Analisando os resultados emerge alguns questionamen-tos a atitude e as informaccedilotildees dos profissionais de sauacutede e dos ACEs potencializam as accedilotildees de combate e prevenccedilatildeo da den-gue junto agrave populaccedilatildeo Talvez a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento das redes sociais sejam mais efetivos na adesatildeo de cada um dos sujeitos e no cumprimento de seu papel A valorizaccedilatildeo dos atores sociais e o apoio aos sujeitos pode efetivar uma transfor-maccedilatildeo no contexto da dengue bem mais eficaz do que a sim-ples melhoria dos conteuacutedos das informaccedilotildees e as formas de transmiti-los A posiccedilatildeo do Estado que deixa a desejar em suas poliacuteticas puacuteblicas de vigilacircncia sanitaacuteria de coleta seletiva de lixo de pavimentaccedilatildeo das ruas e de abastecimento de aacutegua en-tre outras natildeo pode focar apenas os agentes de endemias e de sauacutede os profissionais da ESF e a populaccedilatildeo como principais transformadores da situaccedilatildeo endecircmica da dengue no Cearaacute

CONSIDERAccedilOtildeES FINAISApoacutes extensa trajetoacuteria em busca de respostas para a pro-

blemaacutetica situaccedilatildeo da dengue na cidade de Fortaleza os resul-tados desvelaram que ao analisar a perspectiva de cada sujeito integrante deste projeto sobre o seu papel na prevenccedilatildeo e no controle do dengue foi possiacutevel perceber comportamentos de culpabilizaccedilatildeo do outro no processo de disseminaccedilatildeo da doen-ccedila de maneira que os papeacuteis social e individual do ator so-cial natildeo satildeo assimilados o que corrobora a pouca eficaacutecia das estrateacutegias educativas para o controle e prevenccedilatildeo da dengue

Dessa maneira os profissionais entendiam que as famiacutelias natildeo cumpriam seu papel de providenciar o descarte correto dos resiacuteduos soacutelidos e cuidar dos seus depoacutesitos enquanto membros da famiacutelia relatavam o papel fundamental do agente sanitarista e vaacuterios fatores intimamente ligados agrave proliferaccedilatildeo

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do mosquito que dependiam da gestatildeo puacuteblica entre os quais a precariedade da coleta de lixo do acesso do caminhatildeo de lixo agraves ruelas do gerenciamento do lixo o irregular abastecimento de aacutegua a falta de saneamento baacutesico etc

Com a ideia de que os atores sociais necessitam de um espaccedilo que facilite a promoccedilatildeo da integraccedilatildeo e debata sobre os determinantes da dengue em suas respectivas localidades Ante tais achados parece necessaacuterio investir na almejada in-tersetorialidade e participaccedilatildeo social em busca de um empo-deramento comunitaacuterio que transcenderaacute o papel individual para atender ao interesse coletivo e por fim impulsionar a im-plantaccedilatildeo de accedilotildees efetivas no combate agrave dengue

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REFERecircNCIASALVES G G AERTZ D As praacuteticas educativas em sauacutede e a Es-trateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 16 n 1 p 319-325 2011ARUNACHALAM N TANA S ESPINO F et al Eco-bio-social determinants of dengue vector breeding a multi-country study in ur-ban and periurban Asia Bull World Health Organ n 88 p 173-184 2010ARUNACHALAM N TYAGI B K SAMUEL M et al Commu-nity-based control of Aedes aegypti by adoption of ecohealth me-thods in Chennai City IndiaPathogens Global Health v 106 n 8 p 488-96 2012BRAGA I A VALLE D Aedes aegypti histoacuterico do controle no Brasil Epidemiologia e Serviccedilos de Sauacutede v 16 n 2 p 113-118 2007BRASIL MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) Brasiacutelia Minis-teacuterio da Sauacutede 2002 Disponiacutevel 103 online httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpncd_2002pdf Acesso em 08 nov 2012CLARO LBL TOMASSINI HCB ROSA MLG Prevenccedilatildeo e contro-le do dengue uma revisatildeo de estudos sobre conhecimentos crenccedilas e praacuteticas da populaccedilatildeo Cadernos Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 20 n 6 p 1447-1457 2004DONALISIO M R GLASSER C M Vigilacircncia entomoloacutegica e con-trole de vetores do dengue Revista Brasileira de Epidemiologia v 5 n 3 2002FREIRE P Pedagogia da autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Rio deJaneiro Paz e Terra Coleccedilatildeo Leitura 1999KELLE U Anaacutelise com auxiacutelio de computador codificaccedilatildeo e indexa-ccedilatildeo In BAUER M W GASKEL G Pesquisa qualitativa com texto imagem e som Petroacutepolis RJ Vozes 2012 p 393-415LIMA E C VILASBOcircAS A L Q Implantaccedilatildeo das accedilotildees interseto-riais de mobilizaccedilatildeo social para o controle da dengue na Bahia Brasil Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v 27 n 8 p 1507-1519 2011MINAYO M C S Desafio do conhecimento ndash pesquisa qualitativa

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em sauacutede Satildeo Paulo HUCITEC 11 ed 2008ORGANIZACcedilAtildeO MUNDIAL DA SAUacuteDE Dengue guidelines for diagnosis treatment prevention and controlOMS 2009PEacuteREZ-GUERRA C L ZIELINSKI-GUTIERREZ E VARGAS-TORRES D et al Community beliefs and practices about dengue in Puerto Rico Revista Panamericana de Salud Publica v 25 n 3 p 218-226 2009REIS C B ANDRADE S M O CUNHA R V Aliados do Aedes aegypti fatores contribuientes para a ocorrecircncia do dengue segundo as representaccedilotildees sociais dos profissionais das equipes de sauacutede da famiacutelia Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 18 n 2 p 517-526 2013SANTOS S L CABRAL A C S P AUGUSTO L G S Conheci-mentos atitudes e praacuteticas sobre dengue seu vetor e accedilotildees de controle em uma comunidade urbana do nordeste Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 16 suppl 1 p 1319-1330 2011SCHWEIGMANN N RIZZOTTI A CASTIGLIA G et al Infor-macioacuten conocimiento y percepcioacuten sobre el riesgo de contraer el dengue en Argentina generar estrategias locales de control Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v 25 supl 1 p 137-48 2009SOMMERFELD J KROEGER A Eco-bio-social research on dengue in Asia a multicountry study on ecosystem and community-based approaches for the control of dengue vectors in urban and peri-urban Asia Pathogens and Global Health v 106 n 8 p 428-435 2012TANA S ABEYEWICKREME N ARUNACHALAM F et al Eco-Bio-Social Research on Dengue in Asia General Principles and a Case Study from Indonesia In CHARRON D EcoHealth Research in Practice Canadaacute Springer 2012 p173-186TEIXEIRA M G Controle do dengue importacircncia da articulaccedilatildeo de conhecimentos transdisciplinares Interface v 12 n 25 p 442-444 2008ZAGURY T O Professor refeacutem para pais e professores entenderem por que fracassa a educaccedilatildeo no Brasil Rio de Janeiro Record 2006ZAMBRINI D A B Lecciones desatendidas entorno a la epidemia de dengue en Argentina 2009 Revista de Sauacutede Puacuteblica v 45 n 2 p 428-431 2011

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CAPIacuteTULO 8

SIGNIFICADOS E DIMENSOtildeES DO CONTRO-LE DO DENGUE CONCEPccedilOtildeES DE UMA CO-MUNIDADE PARTICIPATIVA NO MUNICIacute-PIO DE FORTALEZAndashCE

Cyntia Monteiro Vasconcelos MottaKrysne Kelly de Franccedila Oliveira

Elaine Neves de FreitasEdina Silva Costa

Andrea Caprara

INTRODUccedilAtildeO

Em decorrecircncia de sua complexidade a dengue perpassa o tempo as estrateacutegias utilizadas em seu controle e segue in-trigando profissionais gestores e outros agentes sociais envol-vidos em seu contexto Isso a torna uma arbovirose de grande importacircncia para a Sauacutede Puacuteblica

Dados revelados pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) apontam que cerca de 25 bilhotildees de pessoas se encon-tram sob o risco de se infectarem particularmente nos paiacuteses tropicais onde a temperatura e a umidade favorecem a proli-feraccedilatildeo do vetor (OMS 2009)

O Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil em seu documento in-titulado ldquoDiretrizes nacionais para a prevenccedilatildeo e controle de epidemias de denguerdquo confirma a referida estimativa e ainda acrescenta que anualmente a populaccedilatildeo mundial estaacute sob o ris-co de 50 milhotildees de casos de dengue Desses 50 mil necessitam de hospitalizaccedilatildeo e pelo menos 20 mil morrem em consequecircn-cia da doenccedila (BRASIL 2009)

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A relaccedilatildeo com o saneamento ambiental faz-se importante em razatildeo da vulnerabilidade agrave presenccedila de potenciais criadou-ros domiciliares peridomiciliares em logradouros puacuteblicos e no ambiente urbano em geral (SANTOS 2003) A deficiecircncia no abastecimento de aacutegua e na coleta de lixo a utilizaccedilatildeo de materiais biodegradaacuteveis inventados pelo homem como por exemplo pneus velhos garrafas vasos de plantas calhas pisci-nas entre outros tambeacutem contribuem com a problemaacutetica em torno da dengue (ELLIS WILCOX 2009)

Ruacutea-Uribe et al (2013) revelaram uma associaccedilatildeo entre as mudanccedilas nas condiccedilotildees climaacuteticas e a transmissatildeo da doen-ccedila Esta uacuteltima depende de outros fatores mas aqueles consi-derados chaves satildeo a densidade da populaccedilatildeo dos mosquitos vetores (afetada pelas mudanccedilas na temperatura e no regime de chuvas) e o nuacutemero de casos de dengue na populaccedilatildeo em risco de um surto epidecircmico Acrescenta-se a essa informaccedilatildeo o estudo de Teixeira et al (1999) em que foi relatado agrave eacutepoca que a transmissatildeo estaacute condicionada a alguns fatores como a distribuiccedilatildeo a densidade e a dispersatildeo do vetor

Nimmagadda et al (2014) assinalam que a proliferaccedilatildeo de mosquitos e infecccedilotildees por dengue teve um rompante cresci-mento com um aumento de 30 vezes na incidecircncia estima-da nas uacuteltimas cinco deacutecadas Isso decorre de fatores como o crescimento da populaccedilatildeo a raacutepida urbanizaccedilatildeo e falta de me-didas sanitaacuterias apropriadas No Brasil o vetor dessa doenccedila encontra condiccedilotildees ideais para sua proliferaccedilatildeo e manutenccedilatildeo no meio urbano em virtude das condiccedilotildees ambientais os gran-des aglomerados populacionais e o modus vivendi associado agraves precaacuterias condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo

Vale ressaltar que as aacutereas onde ocorre a transmissatildeo au-toacutectone vatildeo se modificando na medida em que se acaba com

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o estoque de pessoas suscetiacuteveis bem como quando se efetua o combate ao vetor Logo o programa de controle deve intuir a ideia de que a doenccedila tende a lsquomigrarrsquo para outras aacutereas que tenham densidade vetorial suficiente para manter o ciclo (TEI-XEIRA et al 2002)

Mediante as questotildees aqui abordadas o olhar sobre a dengue deve ser amplo pois se deve admitir sua complexidade e multifatorialidade e portanto ultrapassar o prisma exclusivo do campo da sauacutede e reforccedilar seus fatores ecobiossociais Para esclarecer tais fatores tem-se que os ecoloacutegicos fazem referecircn-cia ao clima (chuva umidade temperatura entre outros) e ao ambiente natural e antroacutepico (incluindo o ambiente urbano e agriacutecola etc) Os fatores bioloacutegicos se relacionam com o com-portamento do vetor o Aedes aegypti e dinacircmicas de trans-missatildeo da doenccedila Os domiacutenios ecoloacutegico e bioloacutegico estatildeo ligados agrave ecologia da populaccedilatildeo do vetor

Quanto aos fatores sociais estes incorporam uma seacuterie de elementos relacionados aos sistemas de sauacutede incluindo o controle do vetor os serviccedilos de sauacutede e o contexto poliacutetico (por exemplo reformas no setor da sauacutede) serviccedilos puacuteblicos e privados como saneamento e esgoto coleta de lixo e abasteci-mento de aacutegua eventos ldquomacrossociaisrdquo como o crescimento demograacutefico e da urbanizaccedilatildeo e praacuteticas da comunidade e da famiacutelia conhecimentos e atitudes bem como estas satildeo molda-das por forccedilas de grande escala como a pobreza a desigualda-de social e a dinacircmica da comunidade

Parece loacutegico que o olhar sobre a dengue deva perpassar esses fatores entretanto na praacutetica as poliacuteticas puacuteblicas de controle da doenccedila se mantiveram no decorrer dos anos com uma caracteriacutestica verticalizada e centrada apenas no controle quiacutemico Sabe-se do impacto negativo agrave sauacutede e ao meio am-

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biente gerado pelo uso de inseticidas poreacutem a populaccedilatildeo e os proacuteprios gestores situam o controle quiacutemico na suprema-cia em detrimento da participaccedilatildeo popular da mobilizaccedilatildeo da transdisciplinaridade e da intersetorialidade que deveriam nortear qualquer plano de controle da doenccedila

Mertens (2007) confirma essa afirmaccedilatildeo quando ressal-ta que a dengue natildeo tem causa uacutenica e seu controle requer a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de soluccedilotildees integradas que le-vem em consideraccedilatildeo as inter-relaccedilotildees dos fatores ambientais sociais culturais e econocircmicos e que envolvam os diversos atores sociais como a populaccedilatildeo local os pesquisadores e os gestores de aacutereas

Eacute na busca dessa outra visatildeo na tentativa de que esses atores transformem seu paradigma em relaccedilatildeo a dengue que se admite a importacircncia da abordagem em ecossauacutede ante os fatores ecobiossociais no que tange a sauacutede-doenccedila Por isso mediante as limitaccedilotildees dos programas atuais de controle da dengue fez-se necessaacuterio o uso de abordagens que integrem esses fatores

Assim em 2010 o Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases (TDR) da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e o International Development Research Cen-tre (IDRC) lanccedilaram uma iniciativa visando a analisar inter-venccedilotildees de melhoria na prevenccedilatildeo da dengue que valorizam um controle sustentaacutevel e participativo

Entendimento do projeto de intervenccedilatildeo

A iniciativa analisa intervenccedilotildees baseadas num desenho de estudo de clusters-randomizados para a melhoria da pre-venccedilatildeo da dengue e doenccedila de Chagas Com a origem no pre-ceito de que para intervir eacute imprescindiacutevel conhecer bem a

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necessidade do local de intervenccedilatildeo o estudo multicecircntrico designou a fase 1 o primeiro ano do estudo para a realizaccedilatildeo de uma anaacutelise situacional Nesse periacuteodo que perdurou du-rante os anos de 2010 e 2011 foram realizados levantamentos entomoloacutegicos e pesquisas qualitativas nos locais de estudos

No Brasil a iniciativa concentrou os esforccedilos na melhoria da prevenccedilatildeo dos casos de dengue e os locais foram seleciona-dos na cidade de Fortaleza-Cearaacute Para a seleccedilatildeo dos locais do estudo foram tomados aleatoriamente por meio de quadriacutecu-las do mapa de Fortaleza mediante software AutoCad map e o software ArcView 33 de forma que cada quadriacutecula corres-pondia a um local com cerca de 100 imoacuteveis Cada quadriacutecula correspondia a um cluster traduzidopara portuguecircs como um agregado Assim a pesquisa seguiu com a seleccedilatildeo de dez agre-gados

A intervenccedilatildeo propriamente dita foi designada para a fase 2 inicialmente realizada no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013 realizada nos mesmos dez agregados A intervenccedilatildeo estaacute alicerccedilada nos princiacutepios da ecossauacutede (mais intimamente aos princiacutepios da participaccedilatildeo sustentabilidade e transdisci-plinaridade) Seguem algumas finalidades

- Capacitar comunidades urbanas com suporte no estiacute-mulo a accedilotildeesde manejo ambiental com foconos recipientes descartados em que foram encontradas formas imaturas do vetor da dengue tanto em suas casas como no seu entorno

- Ter agentes de endemias zoneados e qualificados para fornecer informaccedilotildees corretas sobre a dengue para a populaccedilatildeo

- Promover atividades multissetoriais que permitindo que os agentes de controle da dengue e os profissionais da Estra-teacutegia de Sauacutede da Famiacutelia desempenhem o papel de liacutederes da populaccedilatildeo e educadores

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- Estimular aparceria entrecomunidades urbanas especiacute-ficas de Fortaleza e os muacuteltiplos serviccedilos urbanos do Municiacute-pio da capital baseando-se no manejo de resiacuteduos soacutelidos para contribuir com o controle de vetores urbanos

- Estimular a comunidade e outros agentes envolvidos a estabelecer em estrateacutegias efetivas e sustentaacuteveis quanto ao controle da dengue

Bosi (2012) assinou que haacute um grande investimento em pesquisas do acircmbito da ciecircncia moderna mas salienta que certas iniciativas apesar de grande relevacircncia e potencialidade para o enfrentamentos de questotildees da Sauacutede Puacuteblica soacute seratildeo uacuteteis se e quando forem assimiladas culturalmente

Portanto este experimento se destinou a examinar os sig-nificados e as dimensotildees da controle do dengue em uma co-munidade participativa e assim reconhecer as perspectivas dos atores sociais sobre os desafios e caminhos para o controle da dengue

METODOLOGIAHouve um aprofundamento na abordagem qualitativa no

propoacutesito de trabalhar com o universo dos valores motivos aspiraccedilotildees e atitudes (MINAYO 2008 CAPRARA amp LAN-DIM 2008)

A metodologia contribuiu para o campo da pesquisa pelo fato de o pesquisador buscar os significados dos sujeitos como se fizesse parte do grupo Dessa forma Minayo (2008) garante que a pesquisa social natildeo pode ser definida de forma estaacutetica e as pesquisas qualitativas buscam compreender a conduta hu-mana dando ecircnfase aos significados em seu contexto

Com efeito o estudo de caso destinou-se a analisar a pers-pectiva dos agentes sociais e acredita-se ser uma fase impor-

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tante de um estudo de intervenccedilatildeo a de ldquoouvirrdquo os atores co-munitaacuterios poliacuteticos e sociais envolvidos para com isso natildeo cair no erro que Santos (1995 p 8-9) denomina ldquoa ciecircncia teima em considerar irrelevante ilusoacuterio e falsordquo

Estamos de novo regressados agrave necessidade de perguntar pelas relaccedilotildees entre a ciecircncia e a virtude pelo valor do conhecimento dito ordinaacuterio ou vulgar que noacutes sujeitos indi-viduais ou coletivos criamos e usamos para dar sentido agraves nossas praacuteticas e que a ciecircncia teima em considerar irrelevante ilusoacuterio e falso e temos finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento cientiacutefico acumulado no enriquecimento ou no empo-brecimento ou no empobrecimento praacutetico das nossas vidas ou seja pelo contributo positivo ou negativo da ciecircncia para a nossa felicidade

No Brasil a iniciativa selecionou os locais de estudo por meio de um sorteio de dez aacutereas na cidade de Fortaleza-Cearaacute A escolha foi por um agregado do bairro do Quintino Cunha em razatildeo da individualidade do bairro referente agrave organizaccedilatildeo comunitaacuteria jaacute presente e a manutenccedilatildeo da alta incidecircncia dos iacutendices da doenccedila

O bairro do Quintino Cunha expressa uma organizaccedilatildeo comunitaacuteria soacutelida com lideranccedilas comunitaacuterias e centro co-munitaacuterio de referecircncia Para uma pesquisa que parte da pro-posta participativa esse criteacuterio de escolha emergiu da ideia de que existem diversas formas e niacuteveis de participaccedilatildeo pos-siacuteveis e que em muitos casos ldquono hay que pensar en promover desde cero sino de articularnos con procesos participativos que ya existen y que frecuentemente no son reconocidosrdquo (KEIJZER 2005)

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Assim corrobora a questatildeo definida em Horochovski (2006) quando explicita que o empoderamento a ser alcanccedilado natildeo eacute algo que pode ser imposto por outro mas que as popu-laccedilotildees locais tecircm responsabilidade pelos projetos participativos por vezes formulados originalmente por agentes externos

O estudo de caso iniciou em marccedilo do ano de 2011 com anaacutelise situacional do bairro buscando caracteriacutesticas do contex-to socioambiental da localidade A inserccedilatildeo da abordagem ecos-sistecircmica por meio da intervenccedilatildeo propriamente dita se deu no primeiro semestre do ano de 2012 e finalizou em marccedilo de 2013

Foram realizadas observaccedilotildees participantes das visitas domiciliares dos agentes de endemias e entrevistas com ato-res funcionaacuterios do controle de endemias (FCE) funcionaacuterios do Nuacutecleo de Mobilizaccedilatildeo Social (MS) profissionais de sauacutede (PS) funcionaacuterios do Centro Comunitaacuterio (CC) liacutederes co-munitaacuterios (LC) e membros da comunidade (M)

Adotou-se como ferramenta para organizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados da pesquisa o software Qualitative Solutions Resear-ch N-vivo (QSR) versatildeo 20 em que foram realizadas leituras sucessivas para atingir uma compreensatildeo geral do sentido dos textos e em seguida cada transcriccedilatildeo de entrevista e nota de diaacuterio de campo foi importada para o software em um arquivo rich text

Apoacutes esse passo durante a leitura de cada arquivo foram relacionadas passagens dos textos a categorias que o pesquisa-dor desenvolveu baseado nos seus objetivos e na compreensatildeo geral do texto (KELLE 2012)

A lista resultante das passagens dos textos selecionados pocircde ser analisada com base na identificaccedilatildeo dos nuacutecleos de sentido e sua posterior anaacutelise e interpretaccedilatildeo (MINAYO 2008)

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RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

O exame das informaccedilotildees analisadas possibilitou estabe-lecer trecircs categorias de anaacutelise Significados sobre a funccedilatildeo no controle da dengue As limitaccedilotildees do programa de controle atual e A idealizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo em Sauacutede

Significados sobre a funccedilatildeo no controle da dengue

Os agentes sociais citaram algumas de suas funccedilotildees no contexto da dengue Para os funcionaacuterios do controle de ende-mias e do Nuacutecleo de Mobilizaccedilatildeo Social

O setor de endemias do focal eacute que abrange diretamente os trabalhos residenciais com-batendo diretamente o mosquito o vetor da dengue e outros que vecircm aparecer (FCE-03)

ldquoA funccedilatildeo do Agente de Endemias por exemplo eacute fazer visitas casa-a-casa encon-trar focos eliminar focos e tratar os depoacutesi-tosrdquo (FCE-01)

O nosso carro chefe eacute a dengue A gente prio-riza mais a dengue que eacute o ano todo Mas a gente fala de DST de HIVAIDS fala de han-seniacutease alcoolismo droga calazar alimenta-ccedilatildeo saudaacutevel leptospirose mas o nosso carro chefe eacute a dengue [] Eacute orientar o que a pes-soa deve prestar atenccedilatildeo ensinar como lavar o tambor ir atraacutes de tampa para o tambor e observar a aacutegua se natildeo estaacute com os cabeccedila-de-prego (MS-01)

Palestras Reuniotildees gincanas exposiccedilotildees passeatas divulgaccedilatildeo em carros de som e vaacute-rias outras atividades (MS-03)

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Nas falas anteriores os funcionaacuterios retratam o que para eles significa a sua funccedilatildeo no controle da dengue ficando claro nas falas o quanto eles referem agrave figura do agente de endemias com atividades nos domiciacutelios para o combate do vetor e agraves atividades de orientaccedilotildees sob a responsabilidade do setor de mobilizaccedilatildeo social

Para os profissionais de sauacutedeO nosso papel tambeacutem eacute promover a sauacutede das pessoas E tambeacutem na parte de orien-taccedilatildeo orientar as famiacutelias principalmente sobre a dengue que eacute uma doenccedila que infe-lizmente natildeo eacute todo mundo que se preocupa E no nosso dia a dia a gente jaacute orienta o que pode ser feito o que a pessoa deve fazer E se o vizinho natildeo faz ela deve orientar ldquoAleacutem de fazer a parte dela tem que orientar o vizinho tambeacutem a fazer sua parte porque a dengue eacute uma doenccedila que estaacute aiacute alastrada e soacute quem pode acabar com ela eacute a proacutepria populaccedilatildeo mesmo atraveacutes do cuidado da sua proacutepria casardquo (PS-03)

ldquoSobre a dengue assim tem sido um dos agravos ateacute recorrentes no territoacuterio e a nos-sa equipe estaacute sempre aberta para ver novos trabalhos para ouvir experiecircncias relatos e contribuir com o possiacutevel que nossa inten-ccedilatildeo eacute essa (PS-01)

Os profissionais de sauacutede admitem seu papel curativo e preventivo no que diz respeito a dengue de forma que satildeo ob-servadas nas falas a importacircncia de atividades de promoccedilatildeo agrave sauacutede das famiacutelias e o reconhecimento da participaccedilatildeo da popular no cuidado da sua casa e nas accedilotildees que envolvem o territoacuterio

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A comunidade estudada tem o apoio de um centro co-munitaacuterio em que satildeo organizadas diversas atividades como grupos de idosos e gestantes cursos de aperfeiccediloamento pro-fissional solicitaccedilatildeo de documentos cadastramento em pro-gramas assistenciais formulaccedilatildeo de projetos para melhoria dos bairros dentre outras Para os funcionaacuterios

Eu trabalho aqui na associaccedilatildeo no centro comunitaacuterio e tenho um movimento social do idoso E o que eu me preocupo de um a dois anos nessa aacuterea ambiental eacute o problema do lixo Eu jaacute tenho um projeto um movi-mento de coleta seletiva Natildeo vai acabar o problema da dengue mas diminuir vai Eu acredito muito nesse projeto nesse trabalho um novo empreendimento que vai aconte-cer [] Quer dizer que quando comeccedilar o projeto de coleta de reciclagem fazer tudo direitinho ter uma articulaccedilatildeo de todas as se-cretarias aiacute vai diminuir os casos dessa doen-ccedila Vai diminuir porque vai ter uma respon-sabilidade de cada morador com o seu lixo O que eu vejo que vai melhorar a questatildeo da sauacutede da dengue e a questatildeo do meio am-biente (CC-01)

Como se trata de uma comunidade organizada e parti-cipativa as lideranccedilas comunitaacuterias aparecem ativamente no cenaacuterio da dengue

Eu faccedilo parte de outros projetos na comu-nidade O que eu sei eacute que a dengue eacute uma coisa que estaacute se alastrando A comunidade estaacute ficando a mercecirc de um mosquito que eacute uma coisa que jaacute era pra se ter feito alguma coisa pra combater esse mosquito [] Eu vou em palestras caminhadas movimentos sociais (LC-01)

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A fala anterior retrata as atividades das lideranccedilas ante o controle da dengue de forma a referir as atividades dos movi-mentos sociais proacuteximos aos membros da comunidade e todo seu esforccedilo em solicitar que os moradores cuidem do seu do-miciacutelio para o controle do vetor

Quando os moradores eram entrevistados os discursos confluiacuteam para a participaccedilatildeo no campo mais individual

Eu estou todo dia juntando o lixo que apa-rece e guardo o lixo dentro de casa e soacute boto no dia que o carro passa [] Qualquer um que entrar laacute aliaacutes tem vez que vatildeo laacute e vecirc neacute Porque eu tenho cuidado a minha caixa drsquoaacutegua eacute bem fechadinha eacute tampada toda chumbadazinha soacute entra soacute mesmo aacutegua e ar outra coisa num entra natildeo de maneira ne-nhuma (M-01)

As falas anteriores instigam a reflexatildeo sobre o diversifica-do papel dos sujeitos na prevenccedilatildeo e no controle da dengue mas tambeacutem trazem a reflexatildeo sobre a diversidade das respon-sabilidades como sujeitos Por exemplo enquanto os funcio-naacuterios dos setores puacuteblicos e os liacutederes comunitaacuterios enfati-zam atividades em um contexto mais coletivo os moradores se reduzem agraves funccedilotildees mais individuais ldquoEu estou todo tempo juntando o lixo [] guardo o lixo [] Eu tenho cuidadordquo

Tal perspectiva entra no loacutecus da discussatildeo sobre a distri-buiccedilatildeo do poder entre as pessoas ou entre os segmentos das sociedades organizadas tendo em vista o poder definido por Lordecirclo e Pontes (2009) como a possibilidade de tomar deci-sotildees e fazer com que estas sejam implementadas

Mesmo sabendo que o Estado eacute a instacircncia de poder mais representativa a sociedade ganhou espaccedilo junto agrave figura do ci-

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dadatildeo entretanto a expectativa contemporacircnea de maior par-ticipaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees de interesse coletivo e natildeo somente no acircmbito individual entra em um embate da dicoto-mia entre o crescente conhecimento produzido pela ciecircncia e o poder poliacutetico de decisatildeo conferido aos representantes sociais interessados que com frequecircncia seguem direccedilotildees divergen-tes (LORDEcircLO PONTES 2009)

Para tanto a abordagem da ecossauacutede tenta neutralizar as divergecircncias por meio da transdisciplinaridade considerando a pesquisa transdisciplinar natildeo somente como a presenccedila de pesquisadores de aacutereas diversas trabalhando juntos mas a in-tegraccedilatildeo de vaacuterios tipos de saberes disciplinares com os signi-ficados e as praacuteticas da experiecircncia dos agentes locais (IRIART amp CAPRARA 2011)

Embora a complexidade do dengue requeira uma abor-dagem transdisciplinar eacute perceptiacutevel nas falas dos sujeitos a dificuldade em se conferir uma discussatildeo horizontal entre en-tes puacuteblicos e os moradores do agregado Considerando essa fragilidade o grupo implantado na localidade foi denominado como interdisciplinar Ainda assim a intervenccedilatildeo fortaleceu a participaccedilatildeo social no processo sauacutede-doenccedila da dengue na medida emque fortaleceu a capacidade de formulaccedilatildeo e nego-ciaccedilatildeo de novas propostas

Essa tentativa de um diaacutelogo mais horizontal entre varia-dosagentes locais tambeacutem foi implementada por uma inter-venccedilatildeo em Havana (IDRC 2006) quando o fortalecimento da participaccedilatildeo foi estruturado com um apoio interdisciplinar como observado na figura A finalidade dessa intervenccedilatildeo era de que as vaacuterias funccedilotildees dos stakeholders (famiacutelias organiza-ccedilotildees organismos e instituiccedilotildees) se reunissem em uma cogestatildeo no processo social da sauacutede para uma melhora do ecossistema

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Figura ndash Modelo de Cogestatildeo para a participaccedilatildeo comunitaacute-ria

Famiacutelias

Organizaciones

Organismos

Instituciones

Produccioacuten socialde la Salud

MEJORAMIENTO DEL ECOSISTEMA

Fonte IDRC 2006

As limitaccedilotildees do programa de controle atual

No Brasil os planos de controle da dengue foram elabo-rados pelo Ministeacuterio da Sauacutede a partir de 1996 ndash o Plano de Erradicaccedilatildeo do Aedes aegypti (PEAa) o Plano de Intensifica-ccedilatildeo das Accedilotildees de Controle da Dengue (PIACD) e o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) esse uacuteltimo de ca-raacuteter emergencial a partir de 2002 em virtude da introduccedilatildeo do novo sorotipo (DENV 3) mas que ainda eacute apontado como um programa executado em todos os municiacutepios brasileiros

Apesar do dispecircndio de vultuosos recursos em accedilotildees para o controle da dengue o Brasil ainda enfrenta dificuldades em reduzir as infecccedilotildees no Paiacutes (TEIXEIRA 2008) Com efeito a sensaccedilatildeo de descontentamento eacute referida pelos funcionaacuterios vinculados a essas accedilotildees

No trabalho de combate ao dengue vocecirc estaacute passando de dois em dois meses naquela casa Vocecirc pega um bairro X trabalha naque-le bairro faz as orientaccedilotildees com dois meses volta a passar de novo Aiacute como jaacute passei

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nessa aacuterea eu sei que natildeo vou dizer todos mas de 20 a 30 cai no esquecimento [] Outras natildeo ficam no esquecimento e deixam a doenccedila adentrar em seus proacuteprios lares En-tendeu Natildeo satildeo todos que assimilam e que levam essa campanha ao longo da vida Eu natildeo sei se eacute ignoracircncia do povo ainda Aquela cultura antiga que muitos deles ainda espe-ram por nossa visita Eles natildeo se veem como voluntaacuterios do seu proacuteprio lar Muitos deles soacute esperam pelo agente Por isso que hoje a gente tem que dizer que vocecirc eacute um voluntaacute-rio de sua residecircncia para natildeo deixar que a doenccedila o seu periacutemetro residencial Sempre estatildeo caindo no esquecimento e a gente estaacute aqui para estar relembrando (MS-AacuteREA 3)

Eacute expliacutecita a dificuldade da realizaccedilatildeo das visitas domici-liares Em estudo de Sales (2008) fragilidades dos aspectos de trabalho de campo foram reveladas como fragilidade e accedilotildees pontuais conteuacutedo das mensagens educativas distantes da realidade local estrateacutegias autoritaacuterias e coercitivas aleacutem de converter as pessoas os receptores em meros receptaacuteculos de mensagens taxativas

Emergiram acerca das limitaccedilotildees com o programa tradi-cional seja do processo de trabalho ou seja no uso de produ-tos quiacutemicos para controle do vetor

O controle da dengue aqui visa muito produ-ccedilatildeo Eacute raro liberar algum agente de endemias para fazer um trabalho diferenciado Seria de mera importacircncia Mas essa integraccedilatildeo eacute difiacutecil porque eles trabalham por produccedilatildeo ou seja tem que visitar um nuacutemero certo de casas por dia (MS-01)

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Primeiro o produto [larvicida] natildeo eacute eficaz porque dizem que o produto atrasa o ciclo do mosquito mas a gente faz ateacute um teste dizem que eacute uma gota por um total de aacutegua E a gente colocou o triplo do produto passou mais de 15 dias e a larva estava laacute Entatildeo eu acho que natildeo eacute eficaz Eu vejo que esse tra-balho tambeacutem eacute ultrapassado porque eles preconizam 5 ou 6 visitas ao ano mas eacute feito um trabalho de 10 de Fortaleza Em uma aacuterea de 5 mil imoacuteveis eacute visitada apenas 10 Tem casas que passam mais de 4 visitas que natildeo visitam Entatildeo o nosso trabalho deixa a desejar O produto natildeo soluciona o problema e tem que ser feito um trabalho mais preven-tivo em mais casas e natildeo com a pesquisa de 10 das casas que quando vatildeo ver as casas que natildeo foram visitas estoura os iacutendices eacute por isso que eu digo que tem que ser feito 100 dos imoacuteveis (FCE-01)

Enquanto os sujeitos envolvidos no controle da dengue no Quintino Cunha percebem o atual controle como ldquoultra-passadordquo os dados epidemioloacutegicos contabilizam iacutendices preocupantes Durante um levantamento dos iacutendices de infes-taccedilatildeo predial (IIP) do bairro Quintino Cunha realizado pela Vigilacircncia Epidemioloacutegica (FORTALEZA 2013) da cidade de Fortaleza no periacuteodo de 2007 a 2010 observa-se uma seacuterie histoacuterica preocupante jaacute que em todos os anos foram alcan-ccedilados iacutendices superiores a 1 o que caracteriza uma situaccedilatildeo de alerta ou situaccedilatildeo de risco seguindo a classificaccedilatildeo adotada por Valadares Rodrigues Filho e Peluzio (2013) na qual o IIP eacute classificado como satisfatoacuterio (lt1) situaccedilatildeo de alerta (1 a 39) e risco de surto (gt39) Como limite superior encon-trou-se no segundo ciclo da pesquisa do ano de 2009 em que

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se atingiu um iacutendice de 651 Quanto aos casos de dengue no ano de 2012 o bairro acumulou um total de 499 casos no-tificados e ateacute o primeiro semestre do ano de 2013 o total foi de 486

Para Gondim Lima amp Caprara (2013) a casa eacute o local de referecircncia para muitas doenccedilas transmitidas por insetos-veto-res Entatildeo deixa de ser surpresa que estrateacutegias de controle das doenccedilas devam ser frequentemente implantadas nos niacuteveis dos domiciacutelios A intrusatildeo no entanto de pessoas tecnologias ou ideologias estranhas pode trazer inuacutemeros aspectos relacio-nados entre o que deve ser de domiacutenio puacuteblico e domeacutestico ocasionando uma ameaccedila sobre o poder e autoridade da figura da ldquodona do larrdquo

Cavalcanti (2013) assinala que em um curto espaccedilo de tempo seraacute cada vez mais difiacutecil ancorar as medidas de con-trole vetorial na visita domiciliar de agentes de endemias pois essa atividade estaacute comprometida por questotildees de custos as-pectos operacionais e profissionais instaacuteveis o que enseja des-qualificaccedilatildeo e falta de aceitaccedilatildeo da visita dos agentes por parte da populaccedilatildeo

A idealizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo em Sauacutede e mobilizaccedilatildeo social

Outro ponto citado pelos sujeitos adveacutem da dificuldade de surtir bons resultados com as atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede e mobilizaccedilatildeo social para o controle da dengue o que para eles na praacutetica natildeo significa que levaraacute maior participa-ccedilatildeo dos sujeitos

Eacute complicado tem pessoas que natildeo tem as condiccedilotildees miacutenimas de higiene natildeo tem aacutegua

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tratada natildeo tem esgoto e aiacute A gente taacute lidan-do com questotildees sociais tambeacutem principal-mente sabe A dengue natildeo eacute soacute uma doenccedila em si Ela traz uma questatildeo social tambeacutem Aiacute eacute preciso muito cuidado quando a gen-te for tratar dessas questotildees Eacute complicado (PS-02)

Eu estava fazendo um movimento social uma caminhada e eu parei assim e disse ateacute o seguinte lsquoPelo amor de Deus natildeo eacute possiacutevel que precise morrer algueacutem de vocecircs pra vo-cecircs acordarem rsquo Natildeo eacute isso que a gente quer Noacutes estamos querendo que eles se eduquem Coloquem o lixo no lugar e na hora certa que o lixo taacute passando Deixe o saco de lixo em casa Natildeo deixe acumular aacutegua naquele saco de lixo (LC01)

Na perspectiva de Teixeira (2008) eacute necessaacuterio desmisti-ficar o discurso de que comunicaccedilatildeo educaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo social por si eacute capaz de produzir mudanccedilas e controlar pro-blemas de sauacutede Especialmente os programas de controle da dengue devem ser atuantes com base em uma vigilacircncia epide-mioloacutegica eficaz um controle vetorial sustentaacutevel e sobretudo a promoccedilatildeo de accedilotildees de saneamento baacutesico tais como coleta de lixo adequada suprimento de aacutegua com qualidade e sem intermitecircncia esgotamento sanitaacuterio limpeza de logradouros puacuteblicos etc

Outro limite percebido pelos sujeitos eacute exemplificado na fala de uma educadora em sauacutede que reflete sobre um desafio do controle da dengue com apoio na compreensatildeo de que a dengue natildeo estaacute isolada de outros problemas socioeconocircmicos

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Vocecirc entra em uma casa () para falar da dengue do que eacute certo e o que eacute errado para a proliferaccedilatildeo do mosquito para uma pessoa que natildeo comeu que estaacute drogada ou que a matildee saiu e na casa soacute tem crianccedila Eacute compli-cado Entatildeo a populaccedilatildeo agraves vezes eacute um de-safio eacute complicado trabalhar com o povo A gente faz combina tudo mas na hora que vecirc uma situaccedilatildeo dessa trava tudo (MS-01)

Apesar de os estudos mostrarem que a participaccedilatildeo social eacute um caminho para o controle da dengue - e as falas indicam que a participaccedilatildeo em uma comunidade engajada eacute possiacutevel - deve-se levar em consideraccedilatildeo o fato de que que os caminhos para o devido controle da doenccedila ainda satildeo influenciados por vaacuterias lacunas

Efetivamente nos bairros de estratos sociais mais baixos onde as populaccedilotildees se veem apartadas de seus direitos es-senciais a dengue tende a se caracterizar como problema de menor grandeza que pode ser explicado pela emergecircncia em suprir outras necessidades essenciais (CHIARAVALLOTI et al 2007)

Esta constataccedilatildeo daacute ecircnfase a alguns questionamentos le-vantados pelos sujeitos Como orientar uma famiacutelia que natildeo tem condiccedilotildees miacutenimas de higiene a natildeo armazenarem aacutegua em recipientes abertos Como orientar moradores com trans-tornos psicossociais a limparem seus quintais

Em um estudo de Chiaravalloti e colaboradores (2007) foi visto que essa eacute uma dificuldade tambeacutem percebida no Pro-grama Sauacutede da Famiacutelia quando os agentes comunitaacuterios de sauacutede alegam que o trabalho de conscientizaccedilatildeo concorre com o atendimento agraves carecircncias imediatas

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CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Os resultados mostraram que os funcionaacuterios do controle da dengue conhecem as limitaccedilotildees no controle da dengue ba-seado no uso de inseticidas e que a populaccedilatildeo em uma comu-nidade engajada socialmente eacute possiacutevel mas que a prevenccedilatildeo deve ser pautada em uma comunidade participativa e natildeo ape-nas com atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede

Dado esse contexto mais do que uma lista de praacuteticas ade-quadas como ldquotampe seu balderdquo ldquolimpe sua vasilhardquo e ldquonatildeo acumule aacuteguardquo o empoderamento dos moradores deve per-mitir tambeacutem um espaccedilo de autogestatildeo em sauacutede em contato estreito com as autoridades envolvidas no processo

A experiecircncia demostra que os esforccedilos de participaccedilatildeo esbarram em uma complexidade no que tange agrave relaccedilatildeo en-tre sauacutede ambiente e doenccedilas transmissiacuteveis por vetores Para solucionar este empasse as possibilidades se alinham a uma integraccedilatildeo interdisciplinar com uma accedilatildeo de controle vetorial racional reconhecendo os saberes locais a fim de estabelecer uma autonomia comunitaacuteria sem excluir no cerne da questatildeo as responsabilidades puacuteblicas no sentido de promover uma in-fraestrutura adequada a reorganizaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede e a formulaccedilatildeo de programas que sustentem a intervenccedilatildeo sobre o processo sauacutede-doenccedila das coletividades

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CAPIacuteTULO 9

O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO SOBRE SAUacuteDE DIREITO agrave SAUacuteDE E PARTICIPA-ccedilAtildeO

Berenice Temoteo da SilvaLucia Conde de Oliveira

Maria Homeacuteria Leite de Morais Sampaio

INTRODUccedilAtildeO

As principais bandeiras do movimento da Reforma Sani-taacuteria Brasileira satildeo a defesa da sauacutede como direito de todos e dever do Estado a criaccedilatildeo de um sistema uacutenico de sauacutede e a concepccedilatildeo ampliada de sauacutede Esse movimento se insere na luta pela democratizaccedilatildeo da sociedade bem como no desen-volvimento de uma nova consciecircncia sanitaacuteria entre os sujeitos partiacutecipes desse processo ndash intelectuais usuaacuterios trabalhado-res de sauacutede gestores e prestadores de serviccedilos

Essas bandeiras vatildeo ser inscritas na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que estabelece o direito agrave sauacutede e pressupotildee a res-ponsabilidade do Estado na implantaccedilatildeo de poliacuteticas sociais e econocircmicas capazes de reduzir os riscos de doenccedilas e melhorar as condiccedilotildees de vida e de trabalho da populaccedilatildeo

Como se vive poreacutem numa sociedade de classes o Estado eacute compreendido como espaccedilo para disputa poliacutetica passiacutevel de incluir parcialmente os interesses das classes dominadas (SE-VERO DA ROS 2012) Para tanto eacute necessaacuteria a participaccedilatildeo da sociedade civil nos espaccedilos de decisatildeo para a garantia de direitos

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Com efeito o direito agrave sauacutede de forma universal integral e equacircnime e a participaccedilatildeo das entidades comunitaacuterias na gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede representam um grande avanccedilo no processo de democratizaccedilatildeo da sociedade brasileira Isso significa importante conquista resultante do movimento da Reforma Sanitaacuteria

A institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS estabelecida pela Lei 81421990 entre outras providecircncias cria os conselhos de sauacutede de caraacuteter perma-nente deliberativo e paritaacuterio em relaccedilatildeo aos usuaacuterios Esses conselhos possuem a atribuiccedilatildeo de atuar na formulaccedilatildeo e con-trole da execuccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede representando um mecanismo para continuar a luta pela concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

O poder de deliberaccedilatildeo dos conselhos corresponde ao mais elevado grau de participaccedilatildeo Na categorizaccedilatildeo de Pate-man (1992) eacute uma participaccedilatildeo plena No modelo de anaacutelise de Arnstein (1969) representa o poder cidadatildeo No estudo em-piacuterico realizado por Oliveira (2006) no entanto os conselhei-ros participam das discussotildees no conselho poreacutem natildeo tecircm o poder de decisatildeo Na classificaccedilatildeo de Pateman corresponderia a uma participaccedilatildeo parcial e na taxionomia de Arnstein seria uma participaccedilatildeo simboacutelica

Este texto eacute parte de uma dissertaccedilatildeo de mestrado que in-vestigou as concepccedilotildees de conselheiros sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo no Conselho Municipal de Sauacutede de Cra-tondashCE A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada com 18 conselheiros dos quais 12 represen-tavam os usuaacuterios e seis os trabalhadores da sauacutede A anaacutelise de dados consistiu na anaacutelise do discurso do sujeito coletivo Os sujeitos entrevistados foram identificados por S1 S2

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S18 Cada DSC foi organizado com base nas expressotildees chave selecionado das entrevistas que traduziam as ideias centrais aprendidas nas falas dos entrevistados

O estudo obedeceu agraves normas e preceitos eacuteticos que orien-tam a pesquisa com seres humanos e obteve parecer favoraacutevel do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute

O que eacute sauacutede

Ao longo da histoacuteria a sauacutede foi tratada como se natildeo pu-desse ser apreendida pela razatildeo e por isso natildeo pertencesse ao campo cientiacutefico (ALMEIDA FILHO 2011) Neste sentido existiu uma discussatildeo secular questionando a sauacutede como um objeto cientiacutefico na medida em que esta era compreendida de forma tatildeo ampla que transcenderia o olhar da ciecircncia

A sauacutede passou poreacutem a ser amplamente reconhecida como objeto cientiacutefico e foi conceituada pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) como o completo estado de bem-es-tar fiacutesico mental e social natildeo consistindo apenas na ausecircncia de doenccedila Essa definiccedilatildeo tem o meacuterito de ser uma matriz para estimular as naccedilotildees a buscarem a garantia de bens e serviccedilos que promovam a sauacutede conforme essa concepccedilatildeo (SANTOS 2010)

Apesar da criacutetica a essa definiccedilatildeo por ser um conceito estaacutetico e irrealizaacutevel a definiccedilatildeo de sauacutede trazida pela OMS permaneceu despertando o interesse de intelectuais da comu-nidade cientiacutefica Foi na primeira Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo da Sauacutede realizada em Ottawa Canadaacute em novembro de 1986 que foram estabelecidos poreacutem os preacute-re-quisitos para a sauacutede na sua concepccedilatildeo ampla A Organiza-ccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a OMS foram grandes

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apoiadoras da difusatildeo desse conceito de sauacutede formulado na Carta de Ottawa (PAIM 2006)

Vale ressaltar que a sauacutede eacute uma questatildeo complexa por envolver fatores bioloacutegicos socioambientais econocircmicos culturais e de estilo de vida (SANTOS 2010) Assim como na perspectiva teoacuterica a sauacutede tambeacutem se mostrou plural na compreensatildeo dos conselheiros pesquisados Neste sentido utilizando a teacutecnica de organizaccedilatildeo de dados proposta por Le-feacutevre e Lefeacutevre (2005) denominada de DSC foi possiacutevel elabo-rar dois discursos coletivos externados de acordo com a ideia central em grupamentos organizados pelas letras do alfabeto

De acordo com o Quadro 1 os grupamentos A e B expli-cam a ideia de sauacutede na perspectiva biologicista minoritaacuteria entre os entrevistados condensados no DSC 1 jaacute os grupa-mentos C D e E trazem a compreensatildeo ampliada de sauacutede e aglutinam-se em torno do DSC 2 contemplado na maioria das falasQuadro 1 Siacutentese das ideias centrais sobre sauacutede

DSC 1 A Ausecircncia de doenccedila

B Ter higiene

DSC 2 C Bem-estar

D A dimensatildeo social da sauacutede

E Qualidade de vida

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores

Vale ressaltar que na fala os sujeitos pesquisados por ve-zes exprimiram um discurso contraditoacuterio na medida em que compreenderam sauacutede como ausecircncia de doenccedila e tambeacutem re-conheceram elementos da concepccedilatildeo ampliada de sauacutede Esse

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fato foi evidenciado nos sujeitos 16 e 18 os quais contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do DSC 1 e 2 e que denotaram concepccedilotildees divergentes de sauacutede

DSC1 Eu acho que sauacutede eacute natildeo estaacute doen-te natildeo sentir dor A aacutegua que a gente bebe e a limpeza por exemplo faz parte da sauacutede Sauacutede eacute ter bom atendimento meacutedico ter um posto de sauacutede adequado para atender todos os cidadatildeos e caso necessaacuterio fazer encami-nhamento ou seja eacute ter um tratamento ade-quado pelo menos o baacutesico (S5 S16 S18)

Este discurso restringe o conceito de sauacutede agrave sua dimen-satildeo biologicista uma vez que o situa como ausecircncia de doenccedila e higiene Tendo em vista que a consciecircncia da determinaccedilatildeo social da sauacutede decorre de uma experiecircncia mediatizada pela teoria o discurso do sujeito coletivo sugere a inexistecircncia da mediaccedilatildeo da experiecircncia existencial desses conselheiros com a teoria de sauacutede presente no arcabouccedilo juriacutedico do SUS

Este mesmo posicionamento esteve presente no estudo realizado por Bosi e Affonso (1998) no Municiacutepio do Rio de Janeiro ainda na primeira deacutecada de implantaccedilatildeo do SUS cujo objeto de anaacutelise correspondia ao conceito de sauacutede na perspectiva dos usuaacuterios Ao deparar a concepccedilatildeo de sauacutede como ausecircncia de doenccedila os referidos autores sugerem que na ausecircncia da mediaccedilatildeo de um saber cientiacutefico abstrato o su-jeito coletivo encontra como criteacuterio para definir sauacutede unica-mente sua experiecircncia concreta expressa pela ausecircncia de dor

Casos e esteja de acordo com o fato de que sauacutede eacute muito mais do que ausecircncia de doenccedila por outro lado natildeo se pode discordar de que tambeacutem seja isto Indaga-se todavia se ao admitir tal concepccedilatildeo natildeo haacute um comprometimento da luta pela sauacutede nos espaccedilos decisoacuterios do Conselho uma vez que

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os horizontes almejados nessa luta correspondem a elementos suficientes para garantir serviccedilos com funccedilotildees curativas

O DSC2 emerge das falas dos sujeitos guiado pela indaga-ccedilatildeo sobre a concepccedilatildeo de sauacutede de modo que as ideias centrais indicadas nos grupamentos C D e E corroboram o conceito ampliado de sauacutede conforme mostra-se a seguir

DSC 2 Sauacutede eacute o bem-estar do ser humano eacute estaacute bem de sauacutede com o corpo fiacutesico e com a mente estaacute com seu espiacuterito em paz bem consigo mesmo dessa forma eu acho que a sauacutede envolve o ser como um todo A sauacutede para mim estaacute acima de tudo vocecirc pode ter dinheiro vocecirc pode ter todos os bens ma-teriais mas se natildeo tiver sauacutede vocecirc natildeo eacute nada pois vocecirc natildeo pode trabalhar estudar Entatildeo a sauacutede eacute vocecirc viver bem ter moradia digna saneamento baacutesico alimentaccedilatildeo sau-daacutevel sem agrotoacutexico produzir seu proacuteprio alimento com qualidade cuidando do meio ambiente eacute vocecirc ter trabalho digno e obter o seu sustento eacute ter qualidade de vida (S1 S2 S3 S4 S6 S9 S10 S11 S12 S13 S14 S15 S16 S17 S18)

O discurso referido haacute pouco exprime a sauacutede como valor numa perspectiva de totalidade e estaacute em sintonia com a con-cepccedilatildeo expressa no artigo 3ordm da Lei Orgacircnica 80801990 O DSC reconhece a dimensatildeo social da sauacutede e considera os seus fatores determinantes e condicionantes os quais consistem na alimentaccedilatildeo moradia saneamento baacutesico meio ambiente trabalho renda educaccedilatildeo transporte lazer e acesso aos bens e serviccedilos essenciais

Outro aspecto presente no grupamento E do DSC 2 con-siste na percepccedilatildeo de sauacutede como qualidade de vida Do mes-

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mo modo que o conceito de sauacutede eacute complexo assim eacute tam-beacutem a definiccedilatildeo de qualidade de vida Para a OMS esta pode ser entendida como a percepccedilatildeo da pessoa de sua posiccedilatildeo na vida no contexto de cultura e sistema de valores e em relaccedilatildeo aos seus objetivos expectativas padrotildees e preocupaccedilotildees

O direito agrave sauacutede no contexto neoliberalNa intelecccedilatildeo de Coelho (2012) com a evoluccedilatildeo da ideia

ampliada de sauacutede trazida pelo movimento de Reforma Sani-taacuteria o direito agrave sauacutede tambeacutem avanccedilou significativamente Para a autora novas praacuteticas aleacutem da assistencial foram en-globadas ao cuidado com a sauacutede e tambeacutem passaram a ser dever do Estado Assim o direito agrave sauacutede ultrapassando uma dimensatildeo legal passou a integrar as reivindicaccedilotildees populares

A conquista desse direito entretanto numa sociedade de capitalismo perifeacuterico como a brasileira na vigecircncia da crise do Estado de Bem-Estar nos paiacuteses centrais com a adoccedilatildeo do neoliberalismo impotildee grandes restriccedilotildees agrave garantia desse di-reito A recomendaccedilatildeo por parte dos organismos multilaterais de focalizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas nas populaccedilotildees mais po-bres teraacute como consequecircncia o financiamento insuficiente do SUS repercutindo em todos os niacuteveis do sistema

Neste sentido no questionamento em torno do direito agrave sauacutede as concepccedilotildees foram bastante amplas de modo que possibilitaram a elaboraccedilatildeo de trecircs discursos conforme apre-sentado no Quadro 2 O DSC 3 estaacute relacionado aos escritos presentes na lei e foi organizado em torno dos grupamentos A e B O DSC 4 expressa o direito agrave sauacutede no sentido de acesso e corresponde aos grupamentos C e D E o DSC 5 denotando a sauacutede como direito violado foi sintetizado nos grupamentos E F e G

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Quadro 2 Siacutentese das ideias centrais sobre direito agrave sauacutede

DSC 3 A Direito fundamental

B Ferramenta de luta

DSC 4 C Acesso aos bens determinantes para garan-tia da sauacutede

D Acesso aos serviccedilos de sauacutede

DSC 5 E As iniquidades presentes na garantia desse direito

F O direito reconhecido na lei poreacutem natildeo concretizado

G A cultura patrimonialistaFonte Elaboraccedilatildeo dos autores

Neste sentido a ideia central presente no grupamento A remete-nos ao direito agrave sauacutede como um direito fundamental conquistado pela sociedade na forma de lei federal devendo ser garantido pelo Estado E no grupamento B reconhece que a simples existecircncia de tal lei natildeo garante sua concretizaccedilatildeo para isso sendo necessaacuteria a luta

DSC 3 Direito a sauacutede esse eacute um direito como o direito a vida eacute um direito natural fundamental A gente vive em um paiacutes de-mocraacutetico assim o direito a sauacutede foi uma conquista na Constituiccedilatildeo de 1988 uma conquista nossa ningueacutem precisa bater na porta de ningueacutem pedindo uma coisa que jaacute eacute sua um direito conquistado no entanto muito sangue foi derramado por conta disso Todos noacutes temos direito agrave sauacutede garantida pela constituiccedilatildeo federal jaacute estaacute dizendo eacute lei eacute direito de todos da classe mais humil-

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de agrave classe mais poderosa portanto direito a sauacutede eacute um direito do cidadatildeo que estaacute laacute na Constituiccedilatildeo e o governo tem obrigaccedilatildeo de oferecer uma sauacutede de qualidade eacute um dever do estado do municiacutepio e tambeacutem da ins-tacircncia federal porque noacutes pagamos impostos e se pagamos impostos noacutes temos direito Contudo para a gente ter os nossos direitos garantidos o cidadatildeo tem que lutar para ter direito agrave sauacutede (S2 S4 S9 S10 S11 S12 S14 S16 S17)

A expressatildeo direitos humanos data do seacuteculo XX e veio substituir o termo ateacute entatildeo corrente de direitos naturais Os direitos humanos satildeo denotados como direitos inerentes ao ser humano que mesmo natildeo estando expresso em nenhum documento informativo natildeo deixaratildeo jamais de ser direitos humanos Jaacute os direitos fundamentais satildeo direitos humanos positivados nas constituiccedilotildees nas leis nos tratados internacio-nais (AITH 2010)

Com efeito a Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988 re-conheceu expressamente a sauacutede como um direito fundamen-tal Tal reconhecimento legal eacute de grande importacircncia pois so-mente com a positivaccedilatildeo de um direito humano eacute que se abre o caminho para a sua plena realizaccedilatildeo

Anteriormente agrave Constituiccedilatildeo de 1988 a assistecircncia agrave sauacutede era assegurada apenas para os trabalhadores vinculados ao mer-cado formal de trabalho segurados da previdecircncia social Era um sistema de proteccedilatildeo social organizado sob a loacutegica do segu-ro e tinha direito apenas quem contribuiacutea (OLIVEIRA 2006)

Dessa forma a sauacutede natildeo era reconhecida como um di-reito e por essa razatildeo o Estado natildeo tinha esse dever para com a sociedade Com os questionamentos e a luta da sociedade

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civil acerca das poliacuteticas de proteccedilatildeo social garantidas pelo Estado somente para uma pequena parcela da populaccedilatildeo fo-ram requeridas mudanccedilas no setor sauacutede de forma a tornaacute-lo democraacutetico acessiacutevel universal e equacircnime (GERSCHMAN 2004)

Portanto o direito humano agrave sauacutede juriacutedico-positivado em direito fundamental e a criaccedilatildeo do SUS na Constituiccedilatildeo Federal representam uma conquista dos cidadatildeos A luta pela sauacutede universal e puacuteblica de qualidade contudo natildeo termina na consagraccedilatildeo desse direito na Constituiccedilatildeo uma vez que a institucionalidade representa a conquista de uma ferramenta de luta e natildeo a garantia da efetivaccedilatildeo desse direito O reconhe-cimento da constitucionalidade do direito agrave sauacutede eacute um ins-trumento de luta para os conselheiros nos espaccedilos decisoacuterios e representa um mecanismo potencial na sua concretizaccedilatildeo

O DSC 4 se refere ao direito agrave sauacutede essencialmente como ideia de acesso Nesta perspectiva haacute duas ideias centrais re-presentadas pelos grupamentos C no sentido de acesso aos bens e serviccedilos determinantes sociais da sauacutede e D relaciona-do ao acesso aos serviccedilos de sauacutede

DSC 4 Direito a sauacutede eacute a pessoa ter acesso agrave sauacutede a todos os determinantes sociais que levam o cidadatildeo a ter sauacutede como ter mo-radia digna como ter emprego digno como ter acesso agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel cuidado do meio ambiente Uma pessoa laacute na Alemanha dura 100 110 anos isso eacute a sauacutede mais de qualidade a gente ver aquela praccedila tem onde vocecirc fazer educaccedilatildeo fiacutesica tem onde vocecirc jo-gar uma bolinha tem os idosos correndo os idosos andando mais numa aacuterea bem boa florestal Eu acho que direito agrave sauacutede eacute ter di-reito ao meacutedico eacute ter direito aos exames eacute

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ter direito tambeacutem a medicaccedilatildeo eacute o povo ter acesso as comunidades de mais difiacutecil acesso facilite o transporte para a equipe meacutedica ir fazer as visitas e tambeacutem na hora de chegar a um hospital tambeacutem ser atendido ter direito a um atendimento adequado a gente ter um bom atendimento se eu natildeo estou bem quero chegar no posto de sauacutede e quero ser aten-dida (S4 S5 S6 S8 S10 S11 S12 S13 S18)

Esse discurso demonstra a compreensatildeo dos conselheiros acerca do direito agrave sauacutede em conformidade com o artigo 196 da Constituiccedilatildeo na medida em que o direito agrave sauacutede estaacute rela-cionado ao acesso agrave sauacutede no seu conceito amplo e ao sistema de serviccedilos de sauacutede

Mencionado artigo pressupotildee que o Estado deve natildeo ape-nas garantir serviccedilos puacuteblicos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recu-peraccedilatildeo da sauacutede mas tambeacutem adotar poliacuteticas econocircmicas e sociais que melhorem as condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo evitando assim o risco de adoecer (GARBOIS VARGAS CUNHA 2008)

Corrobora-se entretanto a indagaccedilatildeo de Santos (2010) quando refletindo sobre a amplitude da redaccedilatildeo desse artigo a autora questiona sobre qual seraacute o campo de atuaccedilatildeo do sis-tema de sauacutede - Como dotar um sistema de serviccedilos puacuteblicos que garantam o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e servi-ccedilos de sauacutede e aos seus determinantes sociais

Uma vez que o exerciacutecio do direito agrave sauacutede universal e integral passa a depender das necessidades das pessoas com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 tornou-se o principal argu-mento para que as necessidades insatisfeitas dos usuaacuterios do SUS se transformassem natildeo soacute em demandas poliacuteticas e so-ciais como tambeacutem em demandas judiciais (FLEURY 2012)

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Esse fato somado agraves condiccedilotildees financeiras adversas ateacute hoje natildeo superadas em que o SUS foi implantado certamente impede a distribuiccedilatildeo igualitaacuteria de serviccedilos de qualidade de forma que a populaccedilatildeo se ache segura napuniccedilatildeo desse direito Esta contradiccedilatildeo entre o texto legal e a realidade institucional eacute responsaacutevel pela judicializaccedilatildeo da sauacutede (FLEURY 2012)

Em meio ao amplo campo de atuaccedilatildeo do sistema de sauacutede e agrave judicializaccedilatildeo do SUS cabe citar o decreto 75082011 que regulamenta a Lei 80801990 Esse decreto obriga o Ministeacuterio da Sauacutede a estabelecer o pacote dos serviccedilos de sauacutede por meio da Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede que agluti-na todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede Tambeacutem regulamenta a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos (RENA-ME) que deve estabelecer todos os medicamentos que podem ser disponibilizados pelo SUS em suas unidades proacuteprias e conveniadas Estas devem ser renovadas a cada dois anos Fato demonstrativo que o direito agrave sauacutede eacute uma obra jamais aca-bada de modo que sua concretizaccedilatildeo eacute tensionada de forma permanente e dependente da participaccedilatildeo de vaacuterios agentes sociais dos poderes estatais e da sociedade civil (SILVA 2012)

Ainda explicando a compreensatildeo dos conselheiros acerca do direito agrave sauacutede emerge o DSC 5 composto por trecircs ideias centrais representadas pelo grupamento E denunciando as iniquidades presentes na garantia desse direito grupamento F no qual o direito agrave sauacutede eacute reconhecido na lei poreacutem natildeo concretizado e o grupamento G denunciando a cultura patri-monialista que interfere na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

DSC 5 A sauacutede eacute um direito nosso Soacute que eacute um direito atribuiacutedo a poucos Eacute como se o Brasil fosse dois ou trecircs Brasis O SUS na rea-

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lidade eacute excelente soacute que ele natildeo funciona na maneira que deveria funcionar estaacute longe de realizar o que esta no papel Porque se fosse do jeito que esta laacute na Constituiccedilatildeo no artigo que se refere agrave sauacutede isso aqui era uma ma-ravilha estava melhor que a Suiacuteccedila Na reali-dade eacute um direito que estaacute sendo totalmente distorcido porque tecircm pessoas que acham que eacute um favor para conseguir uma consulta via SUS para conseguir um atendimento via SUS num hospital ou num posto tem que ser por o intermeacutedio de algueacutem vatildeo laacute e dizem eu vou ajeitar e muitas vezes o intermeacutedio eacute simplesmente para tirar vantagens futuras muitas vezes pessoas procuram determina-das pessoas por influecircncias poliacuteticas para tirar proveito eacute o que temos visto nas confe-recircncias municipais de sauacutede o nosso direito jogado como um favor poliacutetico Infelizmente os gestores de hoje em dia natildeo cumprem com sua responsabilidade essa parte do dinheiro que agraves vezes eacute desviado entatildeo o direito agrave sauacute-de eacute violado todos os dias eacute surrupiado da populaccedilatildeo que mais carece ele natildeo eacute cumpri-do (S2 S3 S4 S5 S9 S14 S15 S17)

Supondo de saiacuteda que toda a sociedade brasileira eacute be-neficiaacuteria do SUS especialmente dos bens puacuteblicos de sauacutede que ele oferece Medici (2010) realizou uma pesquisa sobre as iniquidades na utilizaccedilatildeo do SUS entre ricos e pobres e eviden-ciou que as iniquidades do SUS natildeo estatildeo no gr au de utiliza-ccedilatildeo do sistema por parte de ricos e pobres pois os grupos de renda mais elevadas utilizam bem menos o sistema do que os mais pobres As iniquidades do uso do SUS poreacutem entre ricos e pobres repousam na natureza dos procedimentos que o siste-ma disponibiliza aos mais ricos procedimentos que podem ser

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questionados quanto agrave prioridade social e essencialidade ante a escassez de recursos (MEDICI 2010)

Nesta perspectiva acrescenta-se a causa das iniquidades de acesso aos bens e serviccedilos de sauacutede do SUS aleacutem da rela-ccedilatildeo entre ricos e pobres relacionada ao baixo financiamento do sistema o que restringe a oferta de accedilotildees e serviccedilos assim como as formas de privatizaccedilatildeo do sistema que destina grande volume de recursos para compra de serviccedilos no setor privado como tambeacutem o uso privado da coisa puacuteblica por meio do favor e do clientelismo

Neste sentido na medida em que as iniquidades sociais em sauacutede podem ser compreendidas como a diferenccedila no esta-do de sauacutede entre grupos tais iniquidades no uso dos serviccedilos podem estar relacionadas ao aprofundamento das desigualda-des sociais em sauacutede

Aqui cabe referir a ideia de Paim (2009) de SUS para po-bres refletindo uma noccedilatildeo reducionista de que asauacutede publica eacute coisa para pobre sendo suficiente uma medicina simplifica-da Jaacute os defensores do SUS real ateacute reconhecem o direito agrave sauacutede entretanto na medida em que satildeo refeacutens da ideologia neoliberal predominante nas instituiccedilotildees puacuteblicas resignam-se com a situaccedilatildeo e terminam favorecendo o crescimento do mercado privado de sauacutede O SUS formal corresponde aoque estaacute estabelecido pela Constituiccedilatildeo federal constituiccedilotildees esta-duais e leis orgacircnicas embora distante da realidade dos servi-ccedilos puacuteblicos em que prevalecem o SUS real e o SUS para po-bres (PAIM 2009) Eacuteneste contexto que o direito agrave sauacutede foi trazido no discurso coletivo ao retratar a distacircncia entre esse SUS para pobres e tambeacutem real e o SUS formal

Quando a proacutepria populaccedilatildeo natildeo reconhece os serviccedilos de sauacutede como um direito esses podem ser utilizados como moe-

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da de troca de favores A ausecircncia do sentido do bem puacuteblico caracteriza as praacuteticas fundamentadas na cultura patrimonia-lista Eacute neste sentido que o sujeito coletivo percebe o direito agrave sauacutede como um direito violado pois convive com uma realida-de na qual o direito agrave sauacutede muitas vezes eacute negado Essas expe-riecircncias provocam nos entrevistados um conflito haja vista os seus conhecimentos do texto Constitucional e o cotidiano que enfrentam nos serviccedilos de sauacutede

Os dilemas da participaccedilatildeo

Com a finalidade de conhecer os pensamentos e as opi-niotildees dos conselheiros sobre a participaccedilatildeo utilizamos a se-guinte pergunta o que vocecirc entende por participaccedilatildeo

O quadro 3 expressa as ideias centrais sobre participaccedilatildeo das quais emergem trecircs discursos o DSC 6 traz a participaccedilatildeo no sentido de fazer parte o DSC 7 na perspectiva de fazer mo-vimento social e o DSC 8 exprime uma ideia aproximada do conceito de participaccedilatildeo poliacuteticaQuadro 3 Siacutentese das ideias centrais sobre participaccedilatildeo

DSC 6A Representar a populaccedilatildeo na associaccedilatildeo e no conselho

B Estar presente em reuniotildees do conselho e de entidades

DSC 7C Reunir e expressar a demanda da populaccedilatildeo no conse-

lho

D Lutar para que as demandas da populaccedilatildeo sejam aten-didas

DSC 8

E Participar das discussotildees nos espaccedilos puacuteblicos

F Fiscalizar as accedilotildees do Estado por parte da sociedade civil

G Propor soluccedilotildees para os serviccedilos de sauacutede no conselho

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores

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O DSC 6 foi organizado em torno de duas ideias centrais representar a populaccedilatildeo na associaccedilatildeo e no conselho e estar presente em reuniotildees do Colegiado e de entidades Nas classi-ficaccedilotildees de Pateman (1992) e Arnstein (1969) eacute uma pseudo-participaccedilatildeo ou natildeo participaccedilatildeo respectivamente

DSC 6 A participaccedilatildeo eacute a comunidade eleger seus membros para junto com eles a gente colher o que eacute votado e que tem maioria de votaccedilatildeo portanto eacute representar a associaccedilatildeo Neste sentido participaccedilatildeo eacute a presenccedila da pessoa nas associaccedilotildees entidades nas reu-niotildees do conselho eacute estaacute engajado nos movi-mentos participando de alguma coisa assim alguma entidade com a finalidade de procu-rar estar informado dos direitos (S3 S6 S8 S16 S17 S18)

Inicialmente eacute compreensiacutevel que a participaccedilatildeo esteja conceituada no sentido de estar presente nas reuniotildees jaacute que somente aprendemos a participar participando No iniacutecio des-sa trajetoacuteria estar presente tem fundamental relevacircncia so-bretudo para tomar conhecimento dos direitos e deveres do cidadatildeo faz parte do processo de aprendizagem Permanecer todavia nas instacircncias deliberativas apenas com essa perspec-tiva de passividade prejudica natildeo soacute a representaccedilatildeo dos inte-resses dos representados mas favorece tambeacutem a legitimaccedilatildeo dos interesses dos que realmente decidem

Continuando a explanaccedilatildeo da ideia dos conselheiros sobre participaccedilatildeo o sujeito coletivo a conceitua numa perspectiva que evidencia a relaccedilatildeo dos conselheiros com a comunidade trazendo a ideia da representaccedilatildeo dos interesses comunitaacuterios e sua reivindicaccedilatildeo (DSC 7) Dessa forma a ideia central pre-sente nesse discurso considera participaccedilatildeo como reunir e ex-

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pressar a demanda (grupamento C) e lutar para que esta seja atendida (grupamento D)

DSC 7 Eacute vocecirc estaacute junto das pessoas vocecirc tem que ter uma escuta do povo esse povo tem um objetivo as pessoas tecircm um foco Entatildeo eacute saber a necessidade do povo procu-rar saber o que realmente estaacute acontecendo na sua comunidade e a gente se juntar pautar de forma organizada e tomar uma posiccedilatildeo e vamos atraacutes cobrar o que eacute que tem que vir para a melhoria daquela comunidade Levar as suas reivindicaccedilotildees para quem de direito cobrar que realmente aquilo seja feito de-fender aquilo que a gente entende que eacute um direito e uma necessidade buscar melhorias para a populaccedilatildeo e reivindicar o bem estar do ser humano (S1 S2 S4 S5 S6 S13 S16 S18)

Os interesses disputados pela sociedade civil nos conse-lhos de sauacutede devem corresponder agraves demandas de um movi-mento na base como associaccedilotildees sindicatos ONGs etc Nesse movimento eacute fundamental que as reivindicaccedilotildees coletivas se-jam pautadas e natildeo os interesses particulares

A representaccedilatildeo dos movimentos sociais no conselho ad-quire relevacircncia na medida em que este espaccedilo funciona como instacircncia fiscalizadora no intuito de reduzir a possibilidade de transgressatildeo pelo Estado e esses representantes se configuram como porta-vozes das demandas populares (OLIVEIRA PI-NHEIRO 2010)

Para Gohn (2011) a participaccedilatildeo de segmentos sociais na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a possibilidade de a populaccedilatildeo ter acesso aos espaccedilos nos quais as decisotildees satildeo tomadas possibi-litam imprimir um novo formato a essas poliacuteticas Esse processo exige outro padratildeo de relaccedilotildees entre Estado e Sociedade Civil

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No DSC 8 a participaccedilatildeo eacute entendida como a inclusatildeo das entidades no conselho participando do processo de debate de maneira democraacutetica (grupamento E) Aleacutem da participaccedilatildeo por meio do voto os conselheiros a expressaram no sentido de fiscalizar discurso representado pelo grupamento F e sobre-tudo propor soluccedilotildees para os problemas do sistema de serviccedilos de sauacutede ideia central do grupamento G

DSC 8 Eacute uma luta social que envolve muita coisa sobretudo o que noacutes estamos vivendo laacute no proacuteprio conselho eacute o presidente dos sindicatos das associaccedilotildees discutindo demo-craticamente o seu espaccedilo junto aos conse-lhos portanto eacute o nosso direito de expressatildeo um direito que qualquer cidadatildeo tem pois estaacute na lei que vocecirc tem o direito de exigir seus direitos Essas manifestaccedilotildees que estatildeo aiacute todo mundo estaacute correndo atraacutes do que a gente realmente precisa a gente precisa co-brar ir aos conselhos cobrar e fiscalizar para que as coisas sejam feitas de forma justa de uma forma legal Assim aleacutem de participar das eleiccedilotildees com o voto a gente participa tambeacutem das poliacuteticas puacuteblicas trazendo solu-ccedilotildees para ajudar a sociedade de uma forma geral eacute isso (S2 S5 S6 S7 S9 S11 S14)

Para Coelho Andrade e Montoya (2006) o processo de institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo por meio dos conselhos eacute considerado como importante mecanismo da democracia deliberativa De acordo com os referidos autores o conteuacutedo substantivo desse modelo representa uma ampliaccedilatildeo do es-paccedilo puacuteblico com a possibilidade de a discussatildeo aberta e de-liberaccedilatildeo acerca de poliacuteticas puacuteblicas e a democratizaccedilatildeo do processo decisoacuterio

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Considerando essa perspectiva o discurso do sujeito cole-tivo trouxe a ampliaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico para discussatildeo aber-ta no entanto sem fazer referecircncia agrave deliberaccedilatildeo Levando em consideraccedilatildeo a escada de participaccedilatildeo cidadatilde de Arnstein a compreensatildeo acerca de participaccedilatildeo presente neste discurso eacute apresentada conforme o degrau mais alto dentro do niacutevel de participaccedilatildeo simboacutelica denominado de conciliaccedilatildeo

Neste degrau as regras permitem que os cidadatildeos faccedilam recomendaccedilotildees mas o poder de decidir continua retido nas matildeos de poucos Isso ocorre quando a sociedade pode opinar indefinidamente contudo tais opiniotildees natildeo se vinculam agrave de-cisatildeo (GARCIA 2009)

Outro elemento presente no DSC 8 consiste na fiscaliza-ccedilatildeo das accedilotildees do Estado por parte da sociedade civil nos espa-ccedilos do conselho de sauacutede contudo o exerciacutecio da fiscalizaccedilatildeo e do controle social requer conhecimentos e informaccedilotildees de que muitas vezes a maioria dos conselheiros natildeo dispotildee o que revela a fragilidade desse poder

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

O discurso hegemocircnico sobre sauacutede se relacionou ao es-tado de bem-estar e dessa forma considera-se que os entre-vistados possuem um conceito de sauacutede bastante proacuteximo ao que foi preconizado pelo movimento sanitaacuterio Ainda se iden-tificou poreacutem um discurso minoritaacuterio com uma dimensatildeo biologicista admitindo a ausecircncia de doenccedila como elemento explicativo para a sauacutede

O discurso do sujeito coletivo sobre o direito agrave sauacutede es-teve relacionado ao acesso aos bens e serviccedilos determinantes e condicionantes da sauacutede evidenciando o conhecimento teoacuteri-

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co eou praacutetico do Texto Constitucional A realidade de nega-ccedilatildeo desse direito entretanto foi denunciada pelos entrevista-dos o que demonstra a anguacutestia dos conselheiros em vivenciar essa contradiccedilatildeo

Por fim as concepccedilotildees de participaccedilatildeo dos conselheiros natildeo estatildeo permeadas pela plena consciecircncia da possibilidade de compartilhamento do poder de decisatildeo no processo de con-cretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tendo que avanccedilar neste sentido Acredita-se entretanto que essa participaccedilatildeoao buscar uma articulaccedilatildeo com seus representados pode configurar-se numa importante ferramenta de luta

Considera-se que as concepccedilotildees dos pesquisados sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo estatildeo alinhadas com os referenciais do movimento da Reforma Sanitaacuteria poreacutem esse alinhamento tem pouca repercussatildeo na garantia do direito agrave sauacutede

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REFERecircNCIAS

AITH F Perspectivas do direito sanitaacuterio no Brasil as garantias ju-riacutedicas do direito agrave sauacutede e os desafios para sua efetivaccedilatildeo In SAN-TOS L Direito da sauacutede no Brasil Campinas SP Saberes 2010ALMEIDA FILHO N A o que eacute sauacutede Rio de Janeiro Fiocruz 2011ARNSTEIN S R A Ladder Of Citizen Participation Journal of the American Institute of Planners v 35 n 4 p 216-224 1969 Dispo-niacutevel em lthttpdxdoiorg10108001944366908977225gt Acesso em 21 out 2013BOSI M L M AFFONSO K C Cidadania participaccedilatildeo popular e sauacutede com a palavra os usuaacuterios da Rede Puacuteblica de Serviccedilos Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 14 n 2 p 355-365 abrjun 1998BRASILDecreto nordm 7508Presidecircncia da RepuacuteblicaCasa Civil de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras providecircncias Brasiacutelia Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 28 jun 2011COELHO J S Construindo a Participaccedilatildeo Social no SUS um cons-tante repensar em busca de equidade e transformaccedilatildeo Sauacutede Soc Satildeo Paulo v 21 supl1 p 138-151 2012COELHO V S P ANDRADE I AL MONTOYA MC Foacuteruns deliberativos uma boa estrateacutegia para melhorar nossas poliacuteticas so-ciaisCronos Natal-RN v 7 n 1 p 15-25 janjun 2006FLEURYS Judicializaccedilatildeo pode salvar o SUS Sauacutede em Debate Rio de Janeiro v36 n93 p 159-162 abrjun 2012GARBOIS J A VARGAS L A CUNHA FTSO Direitoagrave Sauacutede na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia uma reflexatildeo necessaacuteriaPhysis Rio de Janeiro v 18 n 1 p 27-44 2008GARCIA L P Definiccedilatildeo de criteacuterios para verificaccedilatildeo da adequabili-dade do modelo level of participation de David Wilcox como base para a classificaccedilatildeo dos objetivos educacionais em accedilotildees de estiacutemulo

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ao controle social 2009 107p Monografia (Especializaccedilatildeo) Univer-sidade Gama Filho Brasiacutelia ndash DF 2009GERSCHMAN S A Democracia Inconclusa um estudo da Reforma Sanitaacuteria brasileira 2ed Rio de Janeiro Fiocruz 2004GOHN MG Conselhos gestores e participaccedilatildeo sociopoliacutetica Satildeo Paulo Cortez 2011LEFEgraveVRE F LEFEgraveVRE AM C Discurso do Sujeito Coletivo um enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos) 2 ed Caxias do Sul RS Educs 2005MEDICI A Breves consideraccedilotildees sobre a relaccedilatildeo entre financiamen-to da sauacutede e direito sanitaacuterio no Brasil In SANTOS L Direito da sauacutede no Brasil CampinasSP Saberes 2010OLIVEIRA LC As praacuteticas de participaccedilatildeo institucionalizadas e sua interface com a cultura poliacutetica um olhar sobre o cotidiano de um Conselho Municipal de Sauacutede no Nordeste brasileiro 258p Tese (doutorado) Instituto de Medicina Social - Universidade do Estado do Rio de Janeiro 2006OLIVEIRA L C PINHEIRO RA participaccedilatildeo nos conselhos de sauacutede e sua interface com a cultura poliacutetica Ciecircncia amp Sauacutede Coleti-va Rio de Janeiro v 15 n 5 p 2455-2464 2010PAIM JS Desafios para a sauacutede coletiva no seacuteculo XXI Salvador UDUFBA 2006_______ O que eacute o SUS Rio de Janeiro Fiocruz 2009PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 SANTOS L Direito da sauacutede no Brasil Campinas SP Saberes 2010SEVERO DO DA ROS MA A Participaccedilatildeo no controle social do SUS concepccedilatildeo do movimento dos trabalhadores rurais sem terra Sauacutede Soc Satildeo Paulo v 21 supl1 p 177-184 2012SILVA MBB O direito achado na rua introduccedilatildeo criacutetica ao direito agrave sauacutede Sauacutede em Debate Rio de Janeiro v 36 n 92 p 5-8 janmar 2012

PARTE 3

DIVERSIDADES EPISTEMOLoacuteGICAS

TEMAacuteTICAS

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CAPIacuteTULO 10

ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DOS ASPECTOS HISToacuteRICOS DO ENVELHECI-MENTO AO PERFIL DEMOGRAacuteFICO DE IDO-SOS DO CEARAacute

Juliana Lucena de Miranda CavalcanteLiacutellian de Queiroz Costa

Elzo Pereira Pinto JuniorEdina Silva Costa

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

INTRODUccedilAtildeO

Desde o iniacutecio da civilizaccedilatildeo o envelhecimento eacute conside-rado fator relevante para a constituiccedilatildeo das sociedades (PA-PALEacuteO NETTO 2002 ALBUQUERQUE 2008 PEREIRA et al 2009) Em Roma e na Greacutecia no seacuteculo II aC os idosos eram valorizados e respeitados comandavam as famiacutelias e eram privilegiados pela sua experiecircncia (PAPALEacuteO NETTO 2002 ALBUQUERQUE 2008)

Alguns seacuteculos mais tarde jaacute na Idade Meacutedia os idosos eram pouco numerosos e sobreviver era uma tarefa aacuterdua ne-cessitando da ajuda da famiacutelia da igreja e de alguns senhores feudais (ALBUQUERQUE 2008)

De acordo com Piccolo (2011 p169) ldquodefinir a velhice eacute uma questatildeo social coletiva e profundamente complexardquo pois as concepccedilotildees de velhice variam de acordo com os periacuteodos histoacutericos Na Franccedila no seacuteculo XIX velho era compreendido como algueacutem que natildeo podia mais se sustentar financeiramente

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sozinho passando a depender de outras pessoas Nada tinha de relacionado com a questatildeo cronoloacutegica (PICCOLO 2011)

A velhice surge como nova etapa da vida apenas no seacuteculo XIX Esse fato esteve vinculado agrave modernizaccedilatildeo das sociedades ocidentais e foi essencial para que se desenvolvessem socieda-des que determinassem a periodizaccedilatildeo da vida humana em etapas cronoloacutegicas (SILVA 2008)

A sociedade se torna cada vez mais complexa com pouca valorizaccedilatildeo da vida simples Os ideais se voltam agrave acumulaccedilatildeo de capital e agrave valorizaccedilatildeo do homem forte (produtivo) con-forme sua capacidade laboral Os mais fraacutegeis representados pelos idosos deficientes doentes e portadores de transtornos mentais satildeo postos agrave margem da sociedade (PAPALEacuteO NET-TO 2002 PICCOLO 2011)

Ante uma sociedade capitalista qualquer ameaccedila neste sentido pode ser avaliada por demais negativa Os processos patoloacutegicos fiacutesicos e psiacutequicos as alteraccedilotildees funcionais bem como a proacutepria chegada da velhice podem ser vistos como algo indesejado (GUERRA CALDAS 2010) Alguns estudos demonstram que idosos associam a chegada da velhice agrave perda da capacidade laboral e agrave dependecircncia em relaccedilatildeo agrave famiacutelia ou parentes proacuteximos aleacutem de estar relacionada ao aparecimento de enfermidades (SANTOS 2002 GUERRA CALDAS 2010)

A percepccedilatildeo desta etapa da vida como algo negativo tam-beacutem estaacute associada agrave sensaccedilatildeo de desaceleraccedilatildeo da vida Por conta de todas as perdas e acontecimentos os idosos necessi-tam de uma vida com maiores contatos com seus familiares e amigos procurando inclusive se envolver de forma ativa nas relaccedilotildees entre filhos e netos (LIMA COELHO 2011)

Contribuindo com essa visatildeo depreciativa do envelheci-mento aflora uma sociedade ligada a padrotildees de beleza deter-

219

minados que prioriza a juventude e a esteacutetica das coisas e pes-soas Esse fato se concretiza quando se observa o crescimento do nuacutemero de cirurgias plaacutesticas e dos vaacuterios tratamentos de beleza e esteacutetica (MOTA 2002)

Eacute necessaacuterio destacar poreacutem que a velhice tambeacutem pode ser bem tolerada principalmente quando eacute esperada e isso ocorre devido uma seacuterie de fatores no decorrer da vida huma-na (LIMA COELHO 2011) Oliveira (2007) propotildee a necessi-dade da mudanccedila de paradigma estimulando a ruptura de es-tereoacutetipos negativos atribuiacutedos a este periacuteodo desmistificando esta etapa da vida como algo nocivo incorporando aspectos positivos reconhecendo esta fase como uma grande conquista social

Na concepccedilatildeo de Piccolo (2011 p172)Por uma questatildeo de coerecircncia tanto filosoacute-fica como praacutetica natildeo podemos coadunar com o pressuposto de que a juventude sig-nifique por si soacute sauacutede e o envelhecimento agrave simbologia de sua decadecircncia devido ao des-gaste do organismo

O envelhecimento natildeo eacute apenas algo natural e bioloacutegico mas se ldquoconstitui tambeacutem como elemento histoacuterico e social que varia de acordo com os interesses de uma determinada sociedaderdquo (OLIVEIRA 2007 SILVA FEIJAtildeO 2008) Enve-lhecer eacute um fenocircmeno complexo e multifacetado abrangendo diversas dimensotildees do conhecimento incluindo a bioloacutegica psicoloacutegica social demograacutefica juriacutedica poliacutetica entre outras (BERZINS BORGES 2012)

Nas uacuteltimas deacutecadas o aumento no nuacutemero de pessoas idosas eacute considerado elemento primordial que merece a aten-ccedilatildeo especial por parte da sociedade e dos poderes puacuteblicos A

220

Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) se refere ao periacuteo-do dos anos de 1975 a 2025 como a era do envelhecimento (ALBUQUERQUE 2008) Este fenocircmeno eacute desafiador prin-cipalmente quando se pretende proporcionar qualidade sig-nificativa haacute esses anos acrescidos (CAMARANO et al 2004 MOIMAZ et al 2009 ROUQUAYROL ALMEIDA FILHO 2013)

Na perspectiva da evoluccedilatildeo cientiacutefica relacionada a essa etapa da vida tem-se que durante os seacuteculos XVIII e XIX surgiram alguns estudos meacutedicos referentes ao processo de envelhecimento poreacutem restritos agraves doenccedilas comuns da senili-dade e aos seus respectivos tratamentos (PEREIRA et al 2009) Somente no seacuteculo XX foi que se reconheceu a importacircncia de estudos que beneficiem o envelhecimento em outras pers-pectivas natildeo se limitando a questotildees patoloacutegicas e bioloacutegicas (PEREIRA et al 2009)

Assim o seacuteculo XX se destacou como um periacuteodo no qual a ciecircncia do envelhecimento teve grandes avanccedilos destacan-do-se o trabalho de Metchnikoff em 1903 que estabeleceu os fundamentos da Gerontologia (estudo da velhice de maneira interdisciplinar) e Nasher em 1909 com o surgimento da Ge-riatria desvendando os aspectos cliacutenicos deste periacuteodo (PA-PALEacuteO NETTO 2002)

Acredita-se que a experiecircncia acumulada dos idosos um dia poderaacute ser zelada e considerada como algo importante para a sociedade enquanto as descobertas teoacutericas e teacutecnicas poderatildeo ser descartadas ante as muitas outras novas descober-tas (NEGREIROS 2003)

Entendendo a importacircncia dos idosos na sociedade con-temporacircnea buscamos caracterizar o perfil demograacutefico dos idosos no Estado do Cearaacute

221

METODOLOGIA

Estudo ecoloacutegico quantitativo com abordagem descriti-va Esta pesquisa abrange as pessoas idosas (mais de 60 anos) residentes no Estado do Cearaacute no periacuteodo de 2000 a 2011 se-gundo as estratificaccedilotildees de macrorregiatildeo e microrregiotildees de sauacutede definidas pelo Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo (PDR) do Estado do Cearaacute

O periacuteodo do estudo foi subdividido em quatro triecircnios (2000 a 2002 2003 a 2005 2006 a 2008 e 2009 a 2011) de for-ma a reduzir as variabilidades anuais porventura existentes

Os dados foram obtidos de fontes secundaacuterias por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e do Instituto de Pesquisas e Estrateacutegias Econocircmicas do Cearaacute (IPECE)

A coleta de dados se deu com o auxiacutelio do programa Ta-bwin versatildeo 32 (arquivos reduzidos em formato de DEF) e posteriormente os dados foram organizados em planilhas do software Excel Nesse mesmo software foi conduzida a anaacutelise estatiacutestica descritiva realizada por meio das frequecircncias abso-lutas e relativas

Para o caacutelculo dos percentuais de idosos em cada faixa etaacuteria foi utilizado como referecircncia o total de idosos de cada triecircnio para se calcular os percentuais totais tomou-se como referecircncia a soma da populaccedilatildeo residente no Cearaacute em cada triecircnio segundo dados do IPECE

Apesar de este estudo envolver a utilizaccedilatildeo de banco de dados secundaacuterios ele foi enviado ao Comitecirc de Eacutetica em Pes-quisa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) para apre-ciaccedilatildeo eacutetica por meio do site da Plataforma Brasil obtendo parecer favoraacutevel (Nordm 370566)

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RESULTADOS

Os resultados foram descritos com relaccedilatildeo aos aspectos demograacuteficos dos idosos (destacando especificamente faixas etaacuterias e gecircnero) os quais foram subdivididos de acordo com as microrregiotildees e macrorregiotildees de sauacutede do Estado

No Estado do Cearaacute observa-se aumento do nuacutemero de idosos passando de 664989 idosos em 2000 para 917199 em 2011 o que representa um acrescimo de 379 desse quantita-tivo em 12 anos (Figura 1)

Figura 1 ndash Crescimento do nuacutemero de idosos no Estado do Cearaacute de 2000 a 2011

Na tabela 1 realizou-se uma anaacutelise por triecircnios sendo possiacutevel observar o crescimento do nuacutemero de idosos de ma-neira geral ultrapassando o percentual de 88 do total da populaccedilatildeo (primeiro triecircnio) para 103 (uacuteltimo triecircnio)

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Tabela 1 ndash Censo de idosos por triecircnio e faixa etaacuteria no Esta-do do Cearaacute no periacuteodo de 2000 a 2001

Grupos de idosos

(em anos)

1ordm Triecircnio 2ordm Triecircnio 3ordm Triecircnio 4ordm Triecircnio

2000-02 2003-05 2006-08 2009-11Nordm Nordm Nordm Nordm

60 a 69 1054782 526 1102142 5264 1140636 5181 1381630 5247

70 a 79 662865 3306 691802 3304 725178 3294 822131 3122

80 ou + 287316 1433 299635 1431 335397 1523 429275 163

Total 2004963 888 2093579 892 2201211 902 2633036 1038

Fonte DATASUS

Na visualizaccedilatildeo da figura 2 eacute perceptiacutevel o crescimento de idosos em nuacutemeros absolutos em todas as faixas etaacuterias Ob-serva-se tambeacutem que a coluna que representa os idosos com idades entre 70 a 79 anos permaneceu praticamente est aacutevel quase sem alteraccedilotildees Entretanto as colunas representantes dos idosos com 60 a 69 anos e 80 anos ou mais foram as que demonstraram maiores diferenccedilas no periacuteodoFigura 2 ndash Distribuiccedilatildeo da quantidade total e por faixa etaacuterias especiacuteficas de idosos no Estado

0

5000000

10000000

15000000

20000000

25000000

30000000

Nordm

2000-02

1ordm Triecircnio

Nordm

2003-05

2ordm Triecircnio

Nordm

2006-08

3ordm Triecircnio

Nordm

2009-11

4ordm Triecircnio

Tiacutetulo do Graacutefico

60 a 69 70 a 79 80 ou + Total

Fonte DATASUS

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Em todas as regionais de sauacutede observa-se aumento pro-porcional do nuacutemero de idosos acompanhado por uma maior prevalecircncia de idosos do sexo feminino (tabelas 2 e 3)

A seguir satildeo apresentadas duas tabelas referentes aos anos 2000 e 2011 que detalham o quantitativo de idosos con-forme regiatildeo de sauacutede e gecircnero detalhando-se os valores ab-solutos e relativos aleacutem da quantidade total de idosos em cada localidade e da relaccedilatildeo percentual com o quantitativo geral de idosos do Estado Assim eacute notoria a contribuiccedilatildeo de cada regiatildeo relativa ao seu quantitativo de idosos tomando como referecircncia o EstadoTabela 2 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo entre as regionais de sauacutede e sua variaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Estado no ano 2000

Regiatildeo de Sauacutede

Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo Total

Masculino Femini-no

Nuacutemero total de idosos

em relaccedilatildeo agraves regiotildees

Fortaleza 61450 363 101698 601 169148 74

Caucaia 15645 477 17086 522 32731 71

Maracanauacute 12819 59 15066 54 27885 68

Baturiteacute 6462 494 6606 505 13068 105

Canindeacute 9337 499 9359 50 18696 105

Itapipoca 10266 494 10483 505 20749 91

Aracati 3707 45 4519 549 8226 85

Quixadaacute 14668 489 15288 51 29956 108

Russas 8216 481 8850 518 17066 96Limoeiro do

Norte 9720 475 10709 524 20429 101

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Sobral 24923 464 28703 535 53626 98

Acarauacute 7400 503 7296 496 14696 82

Tianguaacute 11312 468 12841 531 24153 93

Tauaacute 5558 50 5545 499 11103 104

Crateuacutes 15156 474 16781 525 31937 112

Camocim 5540 484 5902 515 11442 82

Icoacute 8882 48 9589 519 18471 112

Iguatu 15171 481 16333 518 31504 11

Brejo Santo 9033 463 10452 536 19485 101

Crato 13991 456 16664 543 30655 102Juazeiro do Norte 13983 419 19319 58 33302 95

Cascavel 10098 488 10568 511 20666 88

Total 293337 - 359657 - 658994 -

Fonte IBGEPNAD

Das regiotildees de sauacutede descritas na Tabela 2 que se desta-caram por possuiacuterem maior proporccedilatildeo de pessoas idosas em relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de idosos do Estado foram as de Iguatu (110) Icoacute (112) e Crateuacutes (112) A que estavam menor proporccedilatildeo foram Maracanauacute (68) Caucaia (71) e Fortale-za (74) Vale ressaltar que as trecircs regiotildees que demonstraram menor quantitativo de idosos pertencem a uma soacute macrorre-giatildeo de sauacutede

Com relaccedilatildeo agraves distribuiccedilotildees de idosos em 2011 tem-se o seguinte resultado

226

Tabela 3 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo entre as regionais de sauacutede e sua variaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Estado no ano 2011

Regional de Sauacutede

Distribuiccedilatildeo por Sexo Total

Masculino Feminino Nuacutemero total

em relaccedilatildeo agraves

regiotildeesFortaleza 103486 397 157165 602 260651 98Caucaia 24061 465 27647 534 51708 9

Maracanauacute 19893 454 23899 545 43792 87

Baturiteacute 7560 477 8258 522 15818 117Canindeacute 12050 49 12503 509 24553 124

Itapipoca 14193 491 14694 508 28887 104Aracati 5786 455 6913 544 12699 114

Quixadaacute 18962 479 20551 52 39513 127

Russas 10989 469 12410 53 23399 121Limoeiro do

Norte 13044 47 14664 529 27708 126

Sobral 32409 455 38670 544 71079 115

Acarauacute 10473 489 10909 51 21382 99

Tianguaacute 15356 464 17737 535 33093 11

Tauaacute 7549 488 7899 511 15448 138

Crateuacutes 19227 466 21992 533 41219 141

Camocim 7403 472 8265 527 15668 103

Icoacute 11142 465 12793 534 23935 141

Iguatuacute 20581 475 22715 524 43296 139Brejo Santo 11925 458 14095 541 26020 125

Crato 19046 453 22952 546 41998 126

Juazeiro do Norte 18808 419 26025 58 44833 111

Cascavel 14637 474 16215 525 30852 102

Total 418580 - 518971 - 937551 -

Fonte IBGEPNAD

227

Em 2011 observamos que Fortaleza (98) Maracanauacute (87) e Caucaia (90) cresceram nas proporccedilotildees de idosos em relaccedilatildeo ao ano de 2000 apesar de continuarem indicando as menores proporccedilotildees de idosos As regiotildees de sauacutede po-reacutem que apontaram maiores proporccedilotildees de pessoas senis em 2011 continuam sendo Crateuacutes (141) Iguatu (139) e Icoacute (141) (Tabela 3)

Fazendo-se um comparativo do primeiro e dos uacuteltimos anos da seacuterie histoacuterica relativo agrave distribuiccedilatildeo das pessoas de mais de 60 anos no Estado distribuiacutedo por faixa etaacuteria e sexo tem-se o resultado na tabela 4Tabela 4 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por faixa etaacuteria e sexo no Cearaacute nos anos 2000 e 2011

Faixa

etaacuteria

2000 2011

Masc Fem Total Geral Masc Fem Total Geral

Idosos N N Total N N Total

60 a 69

anos157373 525 189238 526 346611 526 224221 535 262706 506 486927 519

70 a 79

anos100034 334 117881 327 217915 330 126956 303 162822 313 289778 309

80 ou

mais41930 140 52538 146 94468 143 67403 161 93443 180 160846 171

Total 299337 - 359657 - 658994 418580 - 518971 - 937551 -

Fonte DATASUS

De acordo com a tabela 4 percebe-se a prevalecircncia de ido-sos do sexo feminino em ambos os anos analisados Nas tabe-las 2 e 3 notamos tambeacutem prevalecircncia do sexo feminino tendo como exceccedilatildeo as regionais de Acarauacute (503) e Tauaacute (500) que no ano 2000 denotaram maioria do sexo masculino

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DISCUSSAtildeO

Apesar de se tratar de estudo envolvendo dados secun-daacuterios haacute de se reconhecer a importacircncia da utilizaccedilatildeo desses dados na realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas hajam vista ampli-tude nacional e a sua capacidade na obtenccedilatildeo de diagnoacutesticos situacionais demograacuteficos e analiacuteticos relativos aos aspectos aqui abordados

Desse modo haacute o envelhec imento populacional como uma das grandes conquistas da humanidade e um desafio no sentido do processo adaptativo da sociedade a essas transfor-maccedilotildees demograacuteficas (OMS 2005)

Essas transformaccedilotildees que se limitavam a regiotildees desen-volvidas dos paiacutesesse alteram substancialmente passando os paises em desenvolvimento a fazer parte tambeacutem dessas mu-danccedilas A forma como se encara esse processo varia entre as sociedades (OMS 2005)

No Brasil a mudanccedila na estrutura etaacuteria da populaccedilatildeo e a rapidez da sua transformaccedilatildeo satildeo fenocircmenos identificados discutidoshaacute algum tempo (VERAS 1988)

Evidencia-se uma carecircncia de estudos que abordem a questatildeo social referente a consequecircncias do processo de en-velhecimento da populaccedilatildeo (VERAS 1988) A maioria dos estudos que envolvem idosos no Cearaacute refere-se a questotildees relativas a limitaccedilotildees e dependecircncia instituiccedilotildees de longa per-manecircncia violecircncia contra os idosos uso abusivo de medica-mentos entre outros

Na anaacutelise por triecircnios observamos um aumento signi-ficativo no nuacutemero de idosos fazendo-se necessaacuterio conside-rar as consequecircncias disso para a sociedade De acordo com o Censo do IBGE (2010) o Brasil tem 109 de idosos em sua

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populaccedilatildeo geral valor muito compatiacutevel com o percentual de idosos no Cearaacute (103)

Segundo a OMS (2005) um paiacutes pode ser considerado envelhecido quando 7 da sua populaccedilatildeo assim constituiacuteda eacute formada de pessoas com 60 anos ou mais de vida (MARIN et al 2004 VITOR et al 2009) Percebemos que os percentuais encontrados no Cearaacute e no Brasil encontram-se bem acima da referecircncia e portanto eacute licito afirmar que natildeo somente o Paiacutes mas tambeacutem o Estado do Cearaacute e suas micro e macrorregiotildees se encontram em decurso de envelhecimento demograacutefico

A faixa etaacuteria entre os idosos que apontou maior cres-cimento foi a de 80 anos ou mais poreacutem a que concentrou o maior nuacutemero de idosos no Estado do Cearaacute foi a de 60 a 69 anos Esse resultado corrobora o que dispocircs Veras (1995) quando relata que a maioria das pessoas idosas se encontra justamente nesta faixa de 60 a 69 anos diferindo da realidade europeia onde a maioria dos idosos estaacute acima dos 70 (faixa etaacuteria que tambeacutem mais cresce)

Apesar de em todos os triecircnios analisados prevelecer em termos quantitativos a faixa etaacuteria de idosos com 60 a 69 anos sabemos que a faixa etaacuteria dos mais velhos (80 ou mais anos) eacute objeto de uma elevaccedilatildeo acentuada o que pode ser uma expli-caccedilatildeo para o aumento de gastos no setor sauacutede

Os idosos com idades avanccediladas (80 anos ou mais) estatildeo mais propensos a ter algum grau de incapacidade fiacutesica e de serem dependentes nas praacuteticas de atividades da vida diaacuteria Portanto faz-se necessaacuteria a identificaccedilatildeo dos possiacuteveis cuida-dores para que os profissionais atuantes na atenccedilatildeo primaacuteria possam apoiaacute-los dando o suporte necessaacuterio no sentido de orientar quanto aos cuidados na prevenccedilatildeo de complicaccedilotildees e agravos (NUNES et al 2010)

230

Com relaccedilatildeo aos idosos mais jovens eacute recomendado utili-zar atividades de orientaccedilotildees rotineiras sobre a prevenccedilatildeo im-pedindo que possiacuteveis agravos possam contribuir e provocar internaccedilotildees desnecessaacuterias e evitaacuteveis

No cenaacuterio em que considera-se a distribuiccedilatildeo por sexo nota-se que em todo o Estado e na maioria das regionais de sauacutede estudadas a prevalecircncia de mulheres entre os idosos eacute destaque Esse fenocircmeno tambeacutem natildeo foi algo inovador pois jaacute satildeo encontrados resultados semelhantes em vaacuterias outras pesquisas (NEGREIROS 2003 CARVALHO et al 2009 NI-CODEMOS GODOI 2010) Outro fato interessante foi que em todas as faixas etaacuterias entre os idosos no Estado prevale-ceu o sexo feminino

Alguns autores justificam o fenocircmeno da feminizaccedilatildeo da velhice como resultado do aumento da expectativa de vida das mulheres em relaccedilatildeo aos homens e do maior cuidado das mu-lheres em relaccedilatildeo agrave sua sauacutede (VERAS 2004) Segundo Carva-lho et al (2009 p 580) ldquoas mulheres satildeo detentoras de saberes e praacuteticas de sauacutede vivenciadas nas suas experiecircncias cotidia-nas do cuidar e identificam de forma precoce sinais e sintomas de vaacuterias doenccedilas []rdquo Assim tecircm-se as mulheres vivendo em meacutedia sete anos a mais do que os homens (SALGADO 2002)

Algumas pesquisas justificam a feminizaccedilatildeo pela menor mortalidade de idosas quando em comparaccedilatildeo com os idosos do sexo masculino (NEGREIROS 2003 LUIZAGA GOTLIEB 2013) Os homens morrem mais e mais precocemente do que as mulheres predominando o sexo feminino entre as pessoas de mais de 60 anos (LUIZAGA GOTLIEB 2013)

Vale ressaltar ainda que aleacutem dos idosos as mulheres tambeacutem demandam por cuidados mais especializados e vol-

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tados para as suas necessidades de sauacutede especiacuteficas Podemos mencionar dentre esses a prevenccedilatildeo de cacircncer de colo do uacutete-ro e mama prevenccedilatildeo e tratamento da depressatildeo e diagnoacutestico e tratamento dos sintomas da menopausa entre outros

Apesar de as mulheres se expressarem em maiores pro-porccedilotildees e serem mais longevas quando comparadas aos ho-mens estas tendem a apresentar maiores nuacutemeros de inca-pacidades fiacutesicas (GRUNDY 2003) Portanto consideramos a questatildeo de gecircnero no planejamento das accedilotildees de sauacutede um fator importante para que possamos prestar uma assistecircncia de qualidade prevenindo tanto as internaccedilotildees por condiccedilotildees sensiacuteveis como mortes evitaacuteveis

Em razatildeo da velocidade do aumento do nuacutemero de ido-sos presentes no Mundo no Brasil e no Cearaacute como pode ser constatado foi que Minayo e Coimbra (2002 p 46) relataram ser necessaacuterio ldquoouvir a loacutegica deste grupo socioetaacuteriordquo contan-do com a sua participaccedilatildeo na resoluccedilatildeo e satisfaccedilatildeo das suas principais demandas as quais muitas vezes coincidem com as da sociedade de maneira geral

CONCLUSAtildeO

Por intermeacutedio desta pesquisa foi possiacutevel obter resul-tados consistentes para a obtenccedilatildeo de um diagnoacutestico situa-cional demograacutefico e analiacutetico relativo aos aspectos ligados ao envelhecimento

A alteraccedilatildeo demograacutefica eacute algo real sendo apontada a necessidade de preparar a sociedade para enfrentar as conse-quecircncias que poderatildeo surgir com a materializaccedilatildeo deste fenocirc-meno principalmente quando se refere a um estado pobre e

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que enfrenta dificuldades sociais e econocircmicas situado no in-terior do Nordeste brasileiro

O Cearaacute estaacute caracterizado como Estado com elevada con-centraccedilatildeo de idosos Tais pessoas estatildeo mais propensas a regis-trar doenccedilas crocircnicas e complicaccedilotildees relativas a esses agravos necessitam de cuidados apropriados de maiores gastos e de tecnologias mais avanccediladas que possam satisfazer as necessi-dades de sauacutede especiacuteficas desse grupo-alvo

Este estudo natildeo pretende caracterizar esta alteraccedilatildeo de-mograacutefica como uma vilatilde responsabilizando-a pelas mazelas da sociedade O foco eacute demonstrar a necessidade de mudanccedilas e direcionamento das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para esta par-cela da populaccedilatildeo destacando as necessidades de sauacutede dos idosos no momento da formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

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REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 11

SUBSIacuteDIOS PARA PESQUISAS SOBRE A OBE-SIDADE A INFLUecircNCIA DA INFECccedilAtildeO PELO HELICOBACTER PyLORI SOBRE O ES-TADO NUTRICIONAL

Helena Alves de Carvalho SampaioDaianne Cristina Rocha

Ciacutecera Beatriz Baratta PinheiroAntocircnio Augusto Ferreira CariocaSoraia Pinheiro Machado ArrudaJoseacute Wellington de Oliveira Lima

INTRODUccedilAtildeO

A incidecircncia de obesidade entre os brasileiros aumentou 54 de 2006 a 2012 Ao todo 51 da populaccedilatildeo acima de 18 anos tecircm excesso de peso Entre os homens o excesso de peso atinge 54 e entre as mulheres 48 (BRASIL 2013)

Esse eacute resultado de um montante de fatores relaciona-dos ao estilo de vida incluindo um aumento na ingestatildeo de alimentos caloacutericos e diminuiccedilatildeo da atividade fiacutesica atitudes atribuiacutedas agrave natureza sedentaacuteria do homem moderno e aos meios de transporte (FENTOFLU et al 2009)

Na busca de mais causas determinantes da obesidade nos uacuteltimos anos a literatura comeccedilou a explorar uma possiacutevel as-sociaccedilatildeo entre obesidade e presenccedila de infecccedilatildeo pelo H pylori

A infecccedilatildeo pelo H pylori ocorre em todo o Mundo e aco-mete mais da metade da humanidade sendo considerada im-portante problema de sauacutede puacuteblica Sua prevalecircncia eacute signifi-

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cativamente maior em paiacuteses em desenvolvimento e em todas as faixas etaacuterias acometendo de 70 a 90 da populaccedilatildeo Em paiacuteses desenvolvidos a prevalecircncia eacute menor situando-se de 25 a 50 No Brasil a prevalecircncia em adultos de 82 (World Gastroenterology Organization - WGO 2010)

Pesquisas apontam que a infecccedilatildeo pelo H pylori pode influenciar a ingestatildeo e homeostase caloacuterica mediante a sina-lizaccedilatildeo da grelina (BLASER ATHERTON 2004) um peptiacute-deo secretado no estocircmago e implicado no comportamento de ingestatildeo alimentar e regulaccedilatildeo do peso corporal O tipo de influecircncia que ocorre entretanto ainda eacute tema controverso

Sabe-se que ocorre elevaccedilatildeo fisioloacutegica dos niacuteveis de greli-na durante o jejum aumentando o apetite e sinalizando para a ingestatildeo alimentar Desde o iniacutecio do ato de comer seus niacuteveis vatildeo se reduzindo na mesma medida em que o apetite tambeacutem diminui e desta forma a alimentaccedilatildeo eacute finalizada ( KONTU-REK et al 2004)

Consoante reportam alguns autores a gastrite frequente-mente induzida pela infecccedilatildeo pelo H pylori leva a uma redu-ccedilatildeo dos niacuteveis de grelina gaacutestrica com repercussatildeo nos niacuteveis seacutericos Se esta reduccedilatildeo de fato ocorre pode estar associada agrave perda ponderal (OSAWA et al 2005)

Coerentemente a erradicaccedilatildeo da bacteacuteria parece influen-ciar a dinacircmica da grelina restaurando os niacuteveis desta e au-mentando o peso corporal (NWOKOLO et al 2003 TATSU-GUCHI et al 2004)

A relaccedilatildeo entretanto natildeo eacute assim tatildeo clara de forma que haacute estudos contraditoacuterios dessas observaccedilotildees citadas (NWOKOLO et al 2003) mas haacute ensaios que apontam ga-nho ponderal com a presenccedila do microorganismo (BLASER

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ATHERTON 2004) Haacute ainda pesquisas que natildeo detectaram alteraccedilotildees dos niacuteveis de grelina associadas agrave infecccedilatildeo (OSAWA et al 2005)

A adiccedilatildeo de um potencial mediador no processo de ganho ponderal a H pylori produz as seguintes interrogaccedilotildees existe influecircncia da infecccedilatildeo pelo microorganismo sobre o peso cor-poral Haacute respostas diferenciadas segundo presenccedila ou ausecircn-cia de excesso ponderal previamente agrave infecccedilatildeo

Em face da ausecircncia de conclusotildees definitivas justifica-se a realizaccedilatildeo desta investigaccedilatildeo que pretende estudar os efeitos da presenccedila de H pylori sobre o estado nutricional em pacien-tes atendidos pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

METODOLOGIA

Este eacute um estudo transversal de abordagem quantitativa e comparativa desenvolvido em uma unidade de sauacutede que atende pacientes do SUS A Unidade de Sauacutede foi escolhida com base na existecircncia ali de um Serviccedilo de Endoscopia Di-gestiva uma vez que a realizaccedilatildeo do exame endoscoacutepico eacute uma das estrateacutegias disponiacuteveis para diagnoacutestico da presenccedila de in-fecccedilatildeo pela H pylori

A populaccedilatildeo do estudo foi constituiacuteda por pacientes aten-didos pelo SUS e que buscaram o Serviccedilo de Endoscopia da Instituiccedilatildeo citada para realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta

A amostra foi calculada considerando revisatildeo sistemaacutetica com metanaacutelise de Nweneka e Prentice (2011) que avaliaram estudos enfocando a temaacutetica a ser aqui abordada Para o caacutel-culo dentre os estudos englobados pelos autores citados fo-ram considerados os que tiveram pelo menos 50 pessoas em cada um dos dois grupos (H pylori positivo ou negativo) com

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um erro alfa = 005 e poder = 080 Assim a amostra prevista dependendo do estudo avaliado variou de 38 a 72 pessoas em cada grupo Opta-se pelo nuacutemero maior para conferir preci-satildeo agraves anaacutelises realizadas Assim a amostra ficou constituiacuteda por 144 pacientes a serem distribuiacutedos igualmente em cada grupo 72 pessoas H pylori positivo e 72 pessoas H pylori ne-gativo

Foram incluiacutedos indiviacuteduos (20 a 59 anos) de ambos os sexos e que estivessem sendo atendidos no Serviccedilo citado para realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta Foram excluiacutedos pa-cientes portadores de neoplasia gaacutestrica pela possiacutevel influecircn-cia nos marcadores a serem avaliados que natildeo moravam na Capital pessoas que apresentavam sangramento digestivo aleacutem daquelas que faziam uso de medicaccedilatildeo agrave base de inibidor de bomba de proacutetons

A amostra final ficou constituiacuteda por 140 colaboradores sendo 62 H pylori positivos e 78 H pylori negativos

A coleta de dados ocorreu de julho2012 a maio2013 e abrangeu a realizaccedilatildeo de exames e entrevista para obtenccedilatildeo das informaccedilotildees como discriminado a seguir bull Identificaccedilatildeo dos participantes (nuacutemero de cadastro no hos-

pital nome sexo idade telefone ocupaccedilatildeo escolaridade renda mensal familiar e problemas de sauacutede auto-referidos)

bull Exame endoscoacutepico com bioacutepsiabull Antropometria (afericcedilatildeo de peso e altura)

Os pacientes compareceram em jejum absoluto de seis horas e de oito horas para produtos laacutecteos para a realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta

Os participantes foram distribuiacutedos em dois grupos H pylori positivo (Hp +) e H pylori negativo (Hp -)

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O iacutendice de massa corporal - IMC (kgm2) dos pacientes foi determinado antes do iniacutecio do exame endoscoacutepico me-diante coleta de dados de peso e altura Para tal foi adotado protocolo de Alvarez e Pavan (1999) utilizando balanccedila antro-pomeacutetrica marca Balmak capacidade 200 kg com intervalo de 100g e 200m com intervalo de 10cm A partir do IMC o estado nutricional dos participantes foi categorizado segundo a WHO (1998)

Os dados foram tabulados para apresentaccedilatildeo em frequumlecircn-cias simples e percentual meacutedias e desvio-padratildeo ou medianas e intervalo interquartil sempre comparando os achados dos dois grupos de pacientes (Hp + e Hp -)

A anaacutelise estatiacutestica foi efetuada por via dos programas estatiacutesticos Epi InfoTM 7106 e SPSS (Statistical Program of Social Science) versatildeo 200 As variaacuteveis categoriais foram analisadas peloTeste Qui-quadrado Foi realizado Teste de Normalidade de Kolmogorov-Smirnov Com suporte neste foi utilizado o Teste t de Student para comparaccedilatildeo das meacute-dias ou de Mann-Whitney para comparaccedilatildeo das meacutedias dos postos Para todos os testes foi adotado p lt 005 como niacutevel de significacircncia

O projeto foi delineado conforme a Resoluccedilatildeo 1961996 do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 1996) que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos O plano de estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Instituiccedilatildeo responsaacutevel pelo estudo sob nuacutemero 11582611-4 e a coleta de dados foi ini-ciada apenas apoacutes aprovaccedilatildeo por este orgatildeo Os participantes ainda segundo a Resoluccedilatildeo citada assinaram oTermo de Con-sentimento Livre e Esclarecido anuindo sua participaccedilatildeo no estudo

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RESULTADOS

Os entrevistados foram caracterizados quanto ao sexo a faixa etaacuteria a escolaridade a renda familiar mensal e cor (auto referida) cujos achados estatildeo expostos na Tabela 1

Dentre os 140 pacientes estudados 101 (721) eram mu-lheres e 39 (279) homens Em relaccedilatildeo agrave presenccedila da bacteacuteria H pylori 78 (557) eram Hp - e 62 (443) Hp + havendo 18 homens e 44 mulheres Hp + sem diferenccedila considerando o sexo (p = 0782) A idade meacutedia dos participantes foi 397 plusmn 120 anos sendo similar nos dois grupos

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade a maioria dos entrevistados tinha de nove a 11 anos de estudo o que equivale a cursar o ensino meacutedio sem diferenccedila estatiacutestica (p = 0196) entre os dois grupos

A distribuiccedilatildeo dos entrevistados segundo a renda familiar foi determinada conforme a quantidade de salaacuterios-miacutenimos recebidos pela famiacutelia A renda familiar meacutedia geral foi de 24 plusmn 19 salaacuterios-miacutenimos sendo para homens e mulheres Tam-beacutem natildeo houve diferenccedila entre os dois grupos de pacientes (p = 0836)

A distribuiccedilatildeo dos pacientes segundo a cor presenccedila da bacteacuteria e o sexo indicou dados similares (p = 0665) como cor da pele classificada como lsquorsquooutrasrsquorsquo foram incluiacutedas negra parda e amarela

A situaccedilatildeo nutricional do grupo foi investigada conside-rando o Iacutendice de Massa Corporal (IMC)

O estado nutricional dos pacientes estudados determina-do pelo IMC e categorizado pela WHO (1998) revelou predo-miacutenio de pacientes com diagnoacutestico nutricional de sobrepeso tanto nos Hp - (29 ndash 372) quanto nos Hp + (22 ndash 355)

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como exposto na Tabela 2 Destacam-se duas mulheres (26) Hp - e um (16) homem Hp + com diagnoacutestico nutricional de magreza grau I Considerando os pacientes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e sem excesso de peso (magreza grau I e eutrofia) verifica-se que natildeo houve diferenccedila significa-tiva entre os pacientes Hp ndash e Hp + (p = 0361) como mostra a Tabela 3

Considerando natildeo mais a categorizaccedilatildeo nutricional mas a meacutedia de IMC (Tabela 4) os pacientes negativos tanto do sexo feminino quanto do masculino exibiram meacutedia um pou-co maior poreacutem sem significacircncia estatiacutestica (p = 0208)

DISCUSSAtildeO

Abordando inicialmente os resultados dos testes da urea-se percebe-se que em 140 pessoas 443 eram positivas para a bacteacuteria Natildeo se trata de um estudo de prevalecircncia mas es-perava-se encontrar valores mais proacuteximos a outros realizados na regiatildeo pois os pacientes ingressaram no estudo ao acaso Os achados tambeacutem se encontram abaixo dos percentuais encontrados em paiacuteses em desenvolvimento mas coincidem com os dos paiacuteses desenvolvidos (World Gastroenterology Or-ganization - WGO 2010)

Em relaccedilatildeo a dados epidemioloacutegicos brasileiros tambeacutem em Fortaleza a prevalecircncia da infecccedilatildeo pela H pylori foi ava-liada em 610 moradores de uma comunidade urbana de baixa renda Restou evidente que 629 (384) tinham H pylori (RO-DRIGUES et al 2005) Os dados desse estudo foram coletados em 2000 e 2001 podendo ter havido mudanccedila no quadro en-contrado agravequela eacutepoca

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A utilizaccedilatildeo do serviccedilo de endoscopia foi significativa-mente maior pelas mulheres (721) confirmando indica-dores de que as mulheres buscam mais os serviccedilos de sauacutede (FERNANDES BERTOLDI BARROS 2009 TOMASI et al 2011)

Ainda com relaccedilatildeo ao sexo Nogara Frandoloso e Re-zende(2010) natildeo encontraram diferenccedila significativa entre os pacientes com H pylori (RP = 24 IC 95 = 079 ndash 719 p = 0165) Segundo McCallion et al (1995) e Kodaira Escobar e Grisi (2002) a infecccedilatildeo eacute igualmente encontrada em homens e mulheres o que foi confirmado neste estudo

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade da populaccedilatildeo a maioria (551) apresentou niacutevel de escolaridade de 9 a 11 anos de estudos Segundo dados da PNAD (BRASIL 2011) o nuacutemero meacutedio de anos de estudos no Brasil eacute de 7 e 73 anos para homens e mulheres respectivamente ao passo que no Nordeste estes nuacutemeros caem para 56 e 64 anos Portanto os dados encon-trados foram um pouco melhores quando comparados com os anos de estudo no Nordeste e no Brasil Para Vergueiro et al (2008) o fator de maior significacircncia para a aquisiccedilatildeo de H pylori foi a escolaridade sugerindo que os haacutebitos higiecircnicos e comportamentais possam ser determinantes da infecccedilatildeo A alta escolaridade em ambos os sexos observada no estudo atual sugere que pode ter influenciado a baixa prevalecircncia da bac-teacuteria

Houve predominacircncia de pacientes com a cor da pele classificada como lsquorsquooutrasrsquorsquo (436) que incluiacutea negras pardas e amarelas seguida pelos de cor morena (422) Este quadro estaacute em certo acordo com dados da PNAD (BRASIL 2011) so-bre o Nordeste onde satildeo apontados 289 de brancos 105 de pretos 598 de pardos e 08 amarelos

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Finalmente analisando a distribuiccedilatildeo por sexo faixa etaacute-ria anos de estudo renda familiar e cor detecta-se que os gru-pos natildeo diferiram mostrando uma homogeneidade que facili-ta a interpretaccedilatildeo dos achados relativos ao estado nutricional

Revisatildeo da epidemiologia da infecccedilatildeo pela H pylori en-controu menor prevalecircncia do microorganismo em pessoas de etnia branca (KODAIRA ESCOBAR GRISI 2002) O meca-nismo responsaacutevel por esta diferenccedila natildeo pode ser atribuiacutedo somente agraves condiccedilotildees socioeconocircmicas ou ao modo de vida Graham e colaboradores (1991) relataram uma diferenccedila na prevalecircncia segundo raccedila mesmo apoacutes ajuste por fatores so-cioeconocircmicos Sendo assim pode-se presumir que fatores ge-neacuteticos determinantes de uma susceptibilidade diferente para os grupos eacutetnicos podem ter relevacircncia

Em relaccedilatildeo ao estado nutricional nota-se que a maioria dos pacientes tanto Hp - (603) quanto Hp + (678) expres-saram excesso ponderal sem diferenccedila entre os grupos (Ta-belas 3) Os valores encontrados se situaram acima dos dados apontados no uacuteltimo levantamento nacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) por uma Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 (IBGE 2010) que apontou 49 de excesso de peso na populaccedilatildeo brasileira acima de 20 anos de idade

Eacute possiacutevel que um estudo com amostra mais robusta aponte maior presenccedila de excesso ponderal entre os Hp + uma vez que a proporccedilatildeo de portadores de excesso de peso foi elevada em ambos os grupos podendo impedir uma com-provaccedilatildeo a diferenccedila entre eles Por outro lado Ioannou et al (2005) em um estudo de base populacional que incluiu 6724 participantes adultos da terceira National Health and Nutri-tion Examination Survey demonstraram que a presenccedila de H

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pyloriCagA natildeo estava associada com obesidade [odds ratio ajustado (OR) 12 95 CI 09ndash16 comparando (++) com (minusminus) e OR ajustado 11 95 CI 08ndash15 comparando (+minus) com (minusminus)] nem com sobrepeso [OR ajustado 10 95 CI 07ndash12 comparando (++) com (minusminus) e OR ajustado 10 95 CI 08ndash13 comparando (+minus) com (minusminus)]

Contrariamente em estudo de Wu et al (2005) com 414 pacientes com obesidade moacuterbida e 683 controles a prevalecircn-cia da infecccedilatildeo por H pylori foi mostrada ser significativamen-te mais elevada em pacientes magros do que em obesos e os autores concluiacuteram que a ausecircncia de H pylori pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de obesidade Os da-dos desse estudo epidemioloacutegico natildeo satildeo forte argumento para essa hipoacutetese pois natildeo foram correlacionados com padrotildees de higiene e socioeconocircmicos e esses como citado anteriormen-te satildeo tambeacutem conhecidos por mostrarem uma relaccedilatildeo com o estado nutricional e obesidade (NAGEL et al 2007 SANTOS EBRAHIM BARROS 2008)

Revisatildeo de literatura indicou que a hipoacutetese de H pylori como um protetor contra a obesidade natildeo tem base cientiacutefica soacutelida (WEIGT MALFERTHEINER 2009)

Em contrapartida aumentos modestos de peso e IMC satildeo relatados apoacutes a erradicaccedilatildeo da H pylori Em um estudo japo-necircs houve pequeno (lt 05kgmsup2) mas significativo aumento do IMC apoacutes um ano de sucesso da erradicaccedilatildeo da H pylori (n = 421) mas natildeo registrou alteraccedilatildeo no IMC apoacutes fracasso de tratamento (n = 158) (FURUTA et al 2002) Realizou-se um estudo na Europa tambeacutem investigando o impacto da er-radicaccedilatildeo da H pylori no IMC e encontrou-se que a meacutedia do IMC aumentou de 275 kgmsup2 para 278kgmsup2 apoacutes 6 meses no grupo de intervenccedilatildeo em comparaccedilatildeo com o aumento de 270

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kgmsup2 para 272kgm2 no grupo placebo e a diferenccedila ajustada entre os grupos foi estatisticamente significativa de 02 kgm2 (95 CI 011 031) (LANE et al 2011)

CONCLUSAtildeO

Pode haver um impacto de marcadores bioquiacutemicos como a leptina e grelina aqui citadas e mesmo estas podem ser influenciadas de forma diferente de acordo com o perfil da populaccedilatildeo estudada Haacute ainda muitas indagaccedilotildees a serem res-pondidas e mais estudos satildeo necessaacuterios principalmente ori-ginados em distintas regiotildees ajudando a compor um quadro mais detalhado e aprofundado das inter-relaccedilotildees

Fica a proposta de continuar a investigaccedilatildeo acompanhan-do maior nuacutemero de pacientes verificando efeitos da erradica-ccedilatildeo da infecccedilatildeo realizando dosagens de marcadores bioquiacutemi-cos de apetite para citar apenas algumas das lacunas a serem preenchidas e suscitadas por este estudo

A infecccedilatildeo pela H pylori natildeo influenciou o estado nutri-cional no grupo populacional avaliado

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249

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250

Tabela 1 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes avaliados segundo anos de estudo e renda familiar e presenccedila de Helicobacter pylori e sexo Fortaleza 2013

Anos de estudo

Negativo Positivo

Total

n ()Teste1

Mascu-

lino

n ()

Femini-

no

n ()

Total

n ()

Mascu-

lino

n ()

Feminino

n ()

Total

n ()

le 8 9 (428) 14 (246) 23 (295) 6 (333) 21 (477) 27 (435) 50 (357)

χ2 = 326

p = 01969 ndash 11 11 (524) 32 (561) 43 (551) 9 (500) 20 (455) 29 (468) 72 (514)

ge12 1 (48) 11 (193) 12 (154) 3 (167) 3 (68) 6 (97) 18 (129)

Renda Familiar (SM) 3

lt1 0 (0) 2 (35) 2 (26) 0 (0) 2 (45) 2 (32) 4 (29)

χ2 = 145

p = 0836

1-3 13 (619) 41 (719) 48 (615) 10 (556) 27 (613) 43 (694) 91 (650)

3-5 7 (333) 5 (88) 22 (282) 4 (222) 13 (295) 13 (210) 35 (250)

ge 5 1 (48) 7 (123) 4 (51) 3 (136) 1 (23) 2 (32) 6 (42)

NS2 0 (0) 2 (35) 2 (26) 1 (56) 1 (23) 2 (32) 4 (29)

Cor (auto referida)

Branca 3 (143) 10 (175) 13 (167) 2 (111) 5 (114) 7 (113) 20 (143)

χ2 = 082

p = 0665Morena 10 (476) 22 (386) 32 (410) 9 (500) 18 (409) 27 (436) 59 (421)

Outras 8 (381) 25 (439) 33 (423) 7 (389) 21 (477) 28 (451) 61 (436)

Total 21 (1000)57

(1000)78 (1000) 18 (1000) 44 (1000) 62 (1000) 140 (1000)

1p lt 005 como niacutevel de significacircncia 2NS = Natildeo sabe 3SM = Salaacuterio-Miacutenimo (R$ 67800)

251

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes avaliados segundo es-tado nutricional sexo e presenccedila de Helicobacter pylori For-taleza 2013

Estadonutricio-

nal1

Masculino Feminino Total

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Magreza I 0 (0) 1 (56) 2 (35) 0 (0) 2 (25) 1 (16)

Eutrofia 11 (524) 5 (278) 18 (316)

14 (318)

29 (372)

19 (306)

Sobre-peso

6 (286) 8 (444) 23 (403)

14 (318)

29 (372)

22 (355)

Obesida-de

4 (190) 4 (222) 14 (246)

16 (364)

18 (231)

20 (323)

Total 21 (1000)

18 (1000)

57 (1000)

44 (1000)

78 (1000)

62 (1000)

1Estado nutricional determinado pelo Iacutendice de Massa Corporal e categori-zado segundo World Health Organization (1998) agrupando-se os variados graus de obesidade em categoria uacutenica

252

Tabela 3 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes estudados segundo ex-cesso ponderal sexo presenccedila de Helicobacter pylori Forta-leza 2013

Excessoponde-

ral1

Masculino Feminino Total

Nega-tivo

n ()

Positi-vo

n ()Teste2

Nega-tivo

n ()

Positivon ()

Teste2Nega-

tivon ()

Positivon ()

Teste2

Natildeo11

(524)6 (333)

χ2 =1430p=0232

20 (351)

14 (318)

χ2=0119p=0730

31 (397) 20 (323)

χ2=0836p=0361

Sim10

(476)12

(667)37

(649)30 (682) 47 (603) 42 (678)

Total21

(1000)18

(1000)57

(1000)44 (1000)

78 (1000)

62 (1000)

1Excesso ponderal segundo Iacutendice de Massa Corporal catego-rizado pela World Health Organization (1998) agrupando-se sobrepeso e obesidade 2p lt 005 como niacutevel de significacircncia

Tabela 4 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes estudados segundo sexo presenccedila de H pylori sexo e meacutedia de Iacutendice de Massa Corporal (IMC) Fortaleza 2013

Sexo

H pylori

NegativoIMCMeacutedia plusmn DP1

PositivoIMCMeacutedia plusmn DP1

Teste2

Masculino 266 plusmn 52 262 plusmn 39 p = 0802

Feminino 283 plusmn 64 268 plusmn 51 p = 0191

Total 278 plusmn 61 266 plusmn 48 p = 0208

1DP = desvio-padratildeo 2Teste t de Student com p lt 005 como niacutevel de significacircncia

253

CAPIacuteTULO 12

CARACTERIZAccedilAtildeO SOCIODEMOGRAacuteFICA E DE ATIVIDADE FIacuteSICA EM ESCOLARES ADULTOS JOVENS

Laryssa Veras AndradeThereza Maria Magalhatildees Moreira

Raquel Sampaio FlorecircncioLeandro Arauacutejo Carvalho

INTRODUccedilAtildeO

A exposiccedilatildeo a fatores de risco comportamentais como o sedentarismo frequentemente se inicia na adolescecircncia e se consolida na vida adulta Esse fator interligado a outros aumenta o risco de desenvolvimento da maioria das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Infecciosas (DCNI) como as cardiovasculares diabetes e cacircncer principais causas de morbimortalidade na vida adulta Experiecircncias e exposiccedilotildees ao longo da vida em es-pecial na infacircncia e juventude tecircm repercussotildees de longo pra-zo na sauacutede e podem contribuir para desigualdades em sauacutede na vida adulta e idosa (BARRETO PASSOS GIATTI 2009)

Apesar de a populaccedilatildeo ter conhecimento da importacircn-cia da praacutetica do exerciacutecio fiacutesico para diminuir as morbidades ao longo da vida tal comportamento ainda se mostra pouco prevalente na sociedade Estimativas globais da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) indicaram o sedentarismo como responsaacutevel por quase dois milhotildees de mortes anuais por 22 dos casos de doenccedila isquecircmica cardiacuteaca e por 10 a 16 dos casos de Diabetes Mellitus e de cacircnceres de mama coacutelon e reto

254

(WHO 2002) Sendo assim a realizaccedilatildeo de atividade fiacutesica destaca-se como forma de promoccedilatildeo da sauacutede e de prevenccedilatildeo de DCNI

Alguns autores nos mostram o conceito de atividade fiacute-sica e exerciacutecio fiacutesico Segundo Caspersen Powel e Christen-son (1985) a atividade fiacutesica eacute qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esqueleacutetica que resulta em gasto energeacutetico tendo componentes e determinantes de ordem biopsicossocial cultural e comportamental podendo ser exemplificada por atividades ocupacionais (trabalho) ativida-des da vida diaacuteria (vestir-se banhar-se comer) deslocamento (transporte) e atividades de lazer incluindo exerciacutecios fiacutesicos jogos lutas danccedilas e esportes Com relaccedilatildeo ao exerciacutecio fiacutesi-co os autores definem como atividade repetitiva planejada e estruturada cujo objetivo eacute a manutenccedilatildeo e a melhoria de um ou mais componentes da aptidatildeo fiacutesica Assim embora esses dois termos estejam relacionados natildeo devem ser entendidos como sinocircnimos

Nos EUA satildeo dez milhotildees de coronariopatas que origi-nam 100 mil intervenccedilotildees por ano Estudos controlados evi-denciam que os coronariopatas que entram num programa de exerciacutecio fiacutesico regular diminuem em 25 o risco de morte (ERLICHMAN KERBEY JAMES 2002) Estudos prospecti-vos populacionais demonstram que a atividade fiacutesica diminui o risco de doenccedila coronariana e uma metanaacutelise cerca de 40 estudos demonstrou que o risco de doenccedila coronariana em pessoas inativas eacute 19 vez maior em comparaccedilatildeo com as ativas independentemente de outros fatores de risco (MILLER BA-LADY FLETCHER 1997)

Segundo Koo e Rohan (1999) Alves et al (2005) e Huang et al (1998) a praacutetica do exerciacutecio fiacutesico diminui o risco de

255

aterosclerose e suas consequecircncias (angina infarto do miocaacuter-dio doenccedila vascular cerebral) ajuda no controle da obesida-de hipertensatildeo arterial diabetes osteoporose e dislipidemias e diminui o risco de afecccedilotildees osteomusculares e de alguns ti-pos de cacircncer (colo e mama) Contribui ainda no controle da ansiedade depressatildeo doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica asma aleacutem de proporcionar melhor autoestima e ajudar no bem-estar e socializaccedilatildeo do cidadatildeo Apesar de todas essas evi-decircncias cientiacuteficas no entanto a maioria da humanidade leva vida sedentaacuteria

Sendo assim um estilo de vida saudaacutevel incluindo as ati-vidades fiacutesicas eacute um fator importante na prevenccedilatildeo e contro-le de certas doenccedilas crocircnicas natildeo infecciosas (KUJALA et al 1998) Nesse sentido a atividade fiacutesica eacute expressa como um dos principais componentes de um estilo de vida saudaacutevel mas infelizmente sua praacutetica regular continua em nuacutemero reduzido

Estudos obtidos em um levantamento nacional nos EUA nos anos de 1997 e 1998 mostraram que aproximadamente quatro em cada dez adultos estadunidenses (383) natildeo par-ticipavam de qualquer atividade fiacutesica no lazer (USDHHS 2002) No Brasil estudos menores indicaram valores de 60 a 67 de comportamento sedentaacuterio em regiotildees e populaccedilotildees especiacuteficas do Nordeste Sul e Sudeste (FARIAS 2002 SOUZA et al 2000) Esses dados mostram a inatividade fiacutesica como um dos mais importantes problemas de sauacutede puacuteblica do Paiacutes Segundo Michelin Corrente e Burini (2010) o aumento de 1 no niacutevel de atividade fiacutesica da populaccedilatildeo adulta enseja eco-nomia de sete milhotildees de doacutelares em custos para tratamento de muitas DCNI Este panorama demonstra a importacircncia de conhecer os niacuteveis de atividade fiacutesica e possibilitar o desen-

256

volvimento de metas factiacuteveis para a prevenccedilatildeo e controle da inatividade fiacutesica

Consoante Silva et al (2011) o Brasil eacute um paiacutes que difere muito em costumes distribuiccedilatildeo de renda e acuacutemulo de rique-zas de uma regiatildeo para outra diferenccedilas essas que resultam em haacutebitos de vida distintos e se refletem nos comportamentos de sauacutede o que faz ser relevante conhecer os niacuteveis de atividade fiacute-sica nas diversas populaccedilotildees dentre elas a adulta jovem visando a elaborar poliacuteticas puacuteblicas de incentivo a essa praacutetica adapta-das agraves questotildees sociais ambientais e culturais dessa populaccedilatildeo Tal fato faz realccedilar a necessidade de levantamentos regionais que possam identificar as caracteriacutesticas de clientelas especiacutefi-cas de forma a subsidiar poliacuteticas sociais adequadas incluindo a vigilacircncia e a promoccedilatildeo de praacuteticas de atividades fiacutesicas

Portanto o estudo respondeu aos seguintes questiona-mentos quais satildeoas caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas e o niacutevel de atividade fiacutesica dos adultos jovens escolares de Maracanauacute-Cearaacute-Brasil

Aspira-se a que as respostas a esses questionamentos se tornem importantes para maior eficaacutecia e elaboraccedilatildeo de poliacuteti-cas puacuteblicas voltadas agrave populaccedilatildeo adulta jovem visando a sua aderecircncia agrave praacutetica de atividade fiacutesica regular e agrave prevenccedilatildeo de complicaccedilotildees na sauacutede

Dessa forma foi objetivo do estudo foi descrever as ca-racteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas e o niacutevel de atividade fiacutesica dos adultos jovens escolares de Maracanauacute-Cearaacute-Brasil

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo descritivo quantitativo realizado com adultos jovens escolares

257

O local da pesquisa compreendeu as escolas da rede es-tadual de ensino meacutedio e as escolas municipais com Ensino de Jovens e Adultos (EJA) do Municiacutepio de Maracanauacute-Cearaacute Este eacute localizado na Regiatildeo Metropolitana de Fortaleza com populaccedilatildeo de 206000 habitantes (IBGE 2010) Trata-se de regiatildeo urbana com grande quantidade de induacutestrias e com a segunda maior receita orccedilamentaacuteria do Cearaacute Maracanauacute eacute populosa tem vaacuterios conjuntos habitacionais muitas casas de alvenaria e em grande parte tem saneamento baacutesico e sistema de aacutegua e esgoto Maracanauacute foi escolhido neste estudo por ter uma populaccedilatildeo representativa para dados estatiacutesticos e ter sido premiado nacionalmente na aacuterea de atenccedilatildeo agrave sauacutede do adolescente e adulto jovem aleacutem de ter o Programa Sauacutede na Escola (PSE) implantado e boa cobertura da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

O PSE instituiacutedo por Decreto Presidencial nordm 6286 de 5 de dezembro de 2007 resulta do trabalho integrado dos Mi-nisteacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo na perspectiva de ampliar as accedilotildees de sauacutede aos alunos da rede puacuteblica de ensino funda-mental meacutedio e tecnoloacutegico (BRASIL 2008)

A escola que tem como missatildeo primordial desenvolver processos de ensino-aprendizagem desempenha papel funda-mental na formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo das pessoas em todas as aacutereas da vida social Junto com outros espaccedilos sociais ela cumpre papel decisivo na formaccedilatildeo dos estudantes na percepccedilatildeo e conquis-ta da cidadania e no acesso agraves poliacuteticas puacuteblicas Desse modo pode tornar-se locus para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede para sua clientela (DEMARZO AQUILANTE 2008)

De acordo com a Secretaria de Educaccedilatildeo do Estado do Cearaacute-SEDUC o Municiacutepio de Maracanauacute dispotildee de 96 es-colas sendo 74 municipais de ensino infantil fundamental

258

para deficientes ou educaccedilatildeo de jovens e adultos (EJA) e 22 estaduais sendo dez de ensino fundamental e doze de ensino fundamental e meacutedio

A populaccedilatildeo alvo do estudo foi constituiacuteda de escolares adultos jovens do referido Municiacutepio das escolas estaduais e daquelas municipais com EJA Para fins de delimitaccedilatildeo do es-tudo essa fase da vida foi compreendida como aquela de 20 a 24 anos de idade segundo a OMS e o marco legal brasileiro (BRASIL 2007 OMSOPAS 2005)

Para identificar a quantidade de pessoas que compunha a populaccedilatildeo do estudo contatamos as Secretarias de Educaccedilatildeo e de Sauacutede do Municiacutepio de Maracanauacute-Cearaacute apresentando os objetivos do estudo e a temaacutetica Solicitamos listagem de todos os alunos do Ensino Meacutedio e do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na faixa etaacuteria de 20 a 24 anos matriculados no ano de 2011

Assim contou-secom populaccedilatildeo finita de 1737 estudan-tes A amostra foi calculada na foacutermula de caacutelculo de amostra para populaccedilatildeo finita adotou-se prevalecircncia de 50 (preva-lecircncia do niacutevel de atividade fiacutesica na populaccedilatildeo era desco-nhecida) e utilizou-se erro de 4 obtendo amostra de 446 adultos jovens Foi criteacuterio de exclusatildeo da amostra o aluno ausente nos dias da coleta de dados

A coleta foi realizada em duas fases Na primeira foram mostradas a temaacutetica e objetivo do estudo agrave comunidade es-colar selecionando os alunos com potencial para inserccedilatildeo na amostra com assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Na segunda foi preenchido um questionaacuterio com as caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas (sexo idade seacuterie estado civil renda familiar filhos trabalho remunerado e ho-

259

ras trabalhadas) e o Questionaacuterio Internacional de Atividade Fiacutesica (IPAQ) versatildeo curta pois estudos observaram que suas duas versotildees (longa e curta) apresentam reprodutibilidade si-milar (MATSUDO et al 2001)

Apoacutes estes indicadores foram registrados em banco de dados Para as caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas foram calcu-ladas medidas estatiacutesticas descritivas Para analisar os dados do niacutevel de atividade fiacutesica foi utilizado o consenso realiza-do pelo Centro de Estudos do Laboratoacuterio de Aptidatildeo Fiacutesica de Satildeo Caetano do Sul (CELAFISCS) e pelo Center of Disease Control and Prevention (CDC) de Atlanta considerando os criteacuterios de frequecircncia e duraccedilatildeo que classifica as pessoas em cinco categorias Sedentaacuterios Insuficientemente Ativos A In-suficientemente Ativos B Ativos e Muito Ativos (CDC 2000) Para efeito de anaacutelise essas cinco categorias foram agrupadas em duas inativos (sedentaacuterios insuficientemente ativos A e B) e ativos (ativos e muito ativos) Os resultados foram apresen-tados em graacutefico e tabela

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesqui-sa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) sob Parecer Ndeg11044795-6

RESULTADOS

Na Tabela 1 tem-se a organizaccedilatildeo dos dados soacutecio-demograacute-fico

260

TABELA 1 - Caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas dos escolares adultos jovens (n=446) Maracanauacute-Cearaacute-Brasil 2013

Variaacuteveis f X DP

SexoMasculinoFeminino

216230

484516

Idade20 anos21 anos22 anos23 anos24 anos

22480565432

50217912612172

2108 plusmn 132

Seacuterie (Ensino Meacutedio)1deg2deg3degNatildeo preenchido

9115918511

20435741524

Estado CivilSem companheiro (a)Com companheiro (a)Natildeo preenchido

349943

78321106

Renda familiar mensallt 2 salaacuterios miacutenimosgt 2 salaacuterios miacutenimos

35789

800200 119 plusmn 040

Tem filhos

SimNatildeoNatildeo preenchido

993425

22276711

Trabalha de forma remuneradaSimNatildeoNatildeo preenchido

26916413

60336829

Horas de trabalho por dialt6 gt6Natildeo preenchido

23912978

536289175

135 plusmn 047

f Frequecircncia absoluta Frequecircncia relativa X Meacutedia DP Desvio-padratildeo Salaacuterio miacutenimo (R$ 62200 vigente em 2012)Fonte elaboraccedilatildeo dos autores

261

Na tabela 1 verificou-se que pouco mais da metade (516) dos adultos jovens escolares eram do sexo feminino e tinham 20 anos (502) A meacutedia de idade foi de 2108 anos (+132) Predominaram as pessoas sem companheiro (a) (783) e sem filho (a) (767) Concernente agrave renda familiar mensal obti-vemos a informaccedilatildeo que 800 das famiacutelias tinham renda ateacute dois salaacuterios-miacutenimos o equivalente a 124400 reais A meacutedia da renda familiar mensal foi de 119 salaacuterios-miacutenimos (+040)

Quando indagados se trabalhavam remuneradamente a maioria dos escolares respondeu afirmativamente (603) Com relaccedilatildeo agraves horas diaacuterias de trabalho mais da meta-de (536) respondeu que trabalhava ateacute seis horas por dia e a meacutedia de horas diaacuterias trabalhadas foi de 135 (+047) A maior parte dos pesquisados cursava o 3ordm ano do ensino meacutedio (415) No graacutefico 1 a seguir expomos o pesquisado sobre o niacutevel de atividade fiacutesica constatando predomiacutenio de ativos (787) sobre inativos (213)

GRAacuteFICO 1ndash Classificaccedilatildeo dos escolares adultos jovens em ativos e inativos Maracanauacute Cearaacute-Brasil 2013

787

213 Ativos

Inativos

Fonte elaboraccedilatildeo dos autores

262

DISCUSSAtildeO

Sobre a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas a predominacircncia foi de mulheres de 20 anos sem companheiro ou filho com renda de ateacute dois salaacuterios-miacutenimos que traba-lhavam ateacute seis horas por dia remunerado Quanto ao niacutevel de atividade fiacutesica mais de trecircs quartos do total era de ativos

Houve predominacircncia do sexo feminino em outros estu-dos (FONTES VIANNA 2009 BARRETO PASSOS GIAT-TI 2009 DEL CIAMPO et al 2010) Alguns autores acreditam que este fato esteja relacionado natildeo soacute a questotildees demograacutefi-cas mas pela crescente participaccedilatildeo das mulheres no campo profissional e consequentemente no educacional (GOMES et al 2012) Em relaccedilatildeo agrave faixa etaacuteria o encontro confirma o fato de as poliacuteticas educacionais atuais prezarem pela proporciona-lidade entre idade e ano escolar cursado

No item estado civil Fontes e Vianna (2009) ao avaliarem a prevalecircncia e fatores associados ao baixo niacutevel de atividade fiacutesica entre estudantes adultos jovens verificaram que 906 viviam sem companheiro (a) Moura Juacutenior et al (2011) ao analisarem o niacutevel de atividade fiacutesica e perfil sociodemograacutefico dos usuaacuterios adultos jovens dos ambientes puacuteblicos de ativi-dades fiacutesicas de Joatildeo Pessoa-PB-Brasil constataram predomi-nacircncia de pessoas sem companheiro (a)Esse perfil de pessoas solteiras pode estar relacionado agrave faixa etaacuteria jovem do estudo pois muitos deles ainda moram com os pais

A renda familiar evidenciou baixo poder aquisitivo entre os adultos jovens Esse dado converge com os resultados de Gomes et al (2012) ao analisarem adultos jovens escolares de Juazeiro do Norte-Cearaacute no entanto contrapotildee-se ao estudo de Moura Juacutenior et al (2011) que verificaram apenas 373 de

263

usuaacuterios de ambientes puacuteblicos com essa renda familiar Bun-gum e Vincent (1997) acenaram que o niacutevel socioeconocircmico pode influenciar o nuacutemero de oportunidades oferecidas aos jovens jaacute que os mais ricos podem ter envolvimento em ativi-dades estruturadas (academias e clubes) e em atividades livres gratuitas (parques vizinhanccedila ou playground) enquanto os mais pobres teoricamente soacute teriam a segunda opccedilatildeo

Quanto agrave natildeo existecircncia de filhos resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Fontes Vianna (2009) Esse resultado pode ter sido influenciado pela idade jovem dos par-ticipantes do estudo que ainda vivem com os pais e sem com-panheiro (a)

Nesta pesquisa houve maior nuacutemero de pessoas que tra-balhavam de forma remunerada Bielemann et al (2007) en-contraram em seu estudo resultados convergentes Pesquisa feita por Gomes et al (2012) mostrou que a maioria dos adul-tos jovens conciliava trabalho e estudo (632) e continuava vivendo na casa dos pais sem companheiro(a) Tal situaccedilatildeo eacute observada nessa sociedade dada a percepccedilatildeo das dificuldades da inserccedilatildeo no mercado de trabalho e da busca por salaacuterios melhores ao que se alia a vontade de seguir desfrutando do conforto da casa dos pais Divergindo desse achado pesquisa feita por Fontes e Vianna (2009) encontrou 605 dos estu-dantes sem trabalhar remuneradamente Segundo o Departa-mento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos Socioeconocircmicos poreacutem o jovem brasileiro cada vez mais estaacute buscando tra-balho e o Brasil figura entre os paiacuteses que mais possui jovens trabalhadores (DIEESE 2013) Quanto ao total de horas tra-balhadas isso pode ser justificado pelo fato de a populaccedilatildeo do estudo ser de escolares adultos jovens que conciliavam estudo e trabalho

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Relativamente agrave classificaccedilatildeo do Questionaacuterio Internacio-nal de Atividade Fiacutesica (IPAQ) aplicado as maiores porcen-tagens de respostas foram para os escolares ativos (787) em detrimento dos inativos (213) Melo Oliveira Almeida (2009) em estudo realizado com escolares do ensino meacutedio da rede puacuteblica do Estado do Rio do Janeiro identificaram alta ocorrecircncia de niacutevel de atividade fiacutesica satisfatoacuterio (691) Va-lores maiores de atividade fiacutesica (813) foram encontrados por Mielke et al (2010) Estudo feito no Estado de Satildeo Pau-lo por Matsudo Matsudo e Arauacutejo (2002) encontrou apenas 563 de ativos Valores de inatividade fiacutesica aproximados aos do presente estudo foram observados no estudo VIGITEL in-queacuterito telefocircnico em todas as capitais brasileiras no qual as prevalecircncias de inatividade fiacutesica variaram de 187 em Palmas a 256 em Satildeo Paulo e 323 em Natal (ZANCHETTA 2010)

Alguns autores destacam que a participaccedilatildeo nas aulas de Educaccedilatildeo Fiacutesica eacute um fator associado ao niacutevel de praacutetica de atividades fiacutesicas e agrave exposiccedilatildeo a comportamento natildeo sedentaacute-rio em estudantes do ensino meacutedio Nesse sentido as escolas devem estar atentas ao planejamento desse componente cur-ricular no acircmbito escolar de modo a incentivar os jovens a se engajarem nas atividades fiacutesicas Considerando que esta eacute uma fase da vida em que as atividades em grupo satildeo muito motivadoras a organizaccedilatildeo de equipes de campeonatos e de atividades extras na escola pode ser incrementada de modo a proporcionar e alargar os espaccedilos de conviacutevio social aumen-tando as possibilidades de envolvimento dos adolescentes e jovens nessas atividades Aleacutem disto como os haacutebitos de ativi-dades fiacutesica na adolescecircncia estatildeo associados agrave atividade fiacutesica na idade adulta os benefiacutecios desses programas e accedilotildees podem ser ainda mais amplos (TENOacuteRIO et al 2010)

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CONCLUSAtildeO

O estudo mostrou predominacircncia de mulheres com 20 anos sem companheiro ou filho com renda de ateacute dois sa-laacuterios-miacutenimos que trabalhavam com remuneraccedilatildeo ateacute seis horas por dia e eram ativas O conhecimento das caracteriacutes-ticas sociodemograacuteficas eacute fundamental para orientar o desen-volvimento de poliacuteticas promotoras de sauacutede simplificando o traccedilado de estrateacutegias individuais e coletivas

Sobre a atividade fiacutesica percebemos o quanto essa praacute-tica pode e deve ser incentivada no ambiente escolar Os es-tudantes estatildeo continuamente sujeitos a trabalhos prazos de entrega longas horas de estudo e situaccedilotildees de exaustatildeo fiacutesica e mental Assim estudar o niacutevel de atividade fiacutesica de esco-lares eacute importante e pode incentivar a adoccedilatildeo de estrateacutegias preventivas especiacuteficas para o estilo de vida saudaacutevel A escola dissemina saberes cultura e valores dos quais a atividade fiacutesica natildeo pode estar excluiacuteda

Este ensaio tem limitaccedilotildees no que tange agrave validade das medidas subjetivas das atividades fiacutesicas via auto relato Reco-mendamos estudos futuros com agregaccedilatildeo de medidas objeti-vas da atividade fiacutesica

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REFERecircNCIAS

ALVES JGB et al Praacutetica de esportes durante a adolescecircncia e ati-vidade fiacutesica de lazer na vida adulta Rev Bras Med Esporte v 11 n 5 p 291-294 2005 BARRETO S M PASSOS V M A P GIATTI L Comportamen-to saudaacutevel entre adultos jovens no Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica v 43 supl 2 p 9-17 2009BIELEMANN R et al Praacutetica de atividade fiacutesica no lazer entre aca-decircmicos de educaccedilatildeo fiacutesica e fatores associados Rev bras ativ fiacutes sauacutede v 12 n 3 setdez 2007BUNGUM T J VINCENT M L Determinants of physical activity among female adolescents Am J Prev Med v 13 p 115-122 1997 BRASIL Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Aacuterea de Sauacutede do Adolescen-te e do Jovem Marco legal sauacutede um direito de adolescentes Brasiacute-lia Ministeacuterio da Sauacutede 2007______ Conselho Nacional de Sauacutede (BR) Resoluccedilatildeo n 46612 Dispotildee sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas en-volvendo seres humanos Brasiacutelia (DF) Conselho Nacional de Sauacutede 2012CASPERSEN C J POWELL K E CHRISTENSON G M Physical activity exercise and physical fitness Public Health Reports v 100 n 2 p 126-131 1985CDC- Center For Disease Control and Prevention Promoting physi-cal activity a best buy in public health 2000DEMARZO M M P AQUILANTE A G Sauacutede Escolar e Escolas Promotoras de Sauacutede In Programa de Atualizaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Porto Alegre RS Artmed Pan-Americana v 3 p 49-76 2008DEL CIAMPO LA et alPercepccedilatildeo corporal e atividade fiacutesica em uma coorte de adultos jovens brasileiros Rev Bras Cresc Desenv Hum v 20 n 3 p 671- 679 2010

267

DIEESEO trabalho tolerado de crianccedilas ateacute catorze anos [acessado em 20 de marccedilo de 2013] Disponiacutevel em lthttpwwwdieeseorgbeespespecialhtmlgtERLICHMAN J KERBEY AL JAMES WP Physical activity and its impact on health outcomes Paper 1 The impact of physical acti-vity on cardiovascular disease and all-cause mortality an historical perspective Obes Rev v 3 p 257-271 2002FARIAS JUNIOR JC Estilo de vida de escolares do ensino meacutedio no Municiacutepio de Florianoacutepolis Santa Catarina [Dissertaccedilatildeo de Mes-trado] Florianoacutepolis (SC) Universidade Federal de Santa Catarina 2002FONTES A C D VIANNA R P T Prevalecircncia e fatores associa-dos ao baixo niacutevel de atividade fiacutesica entre estudantes universitaacuterios de uma universidade puacuteblica da regiatildeo Nordeste - Brasil Rev bras epidemiol v 12 n 1 p 20-29 2009GOMES EB et al Fatores de risco cardiovascular em adultos jovens de um municiacutepio do Nordeste brasileiro Rev Bras Enferm v 65 n 4 p 594-600 julago 2012HUANG Y et al Physical fitness physical activity and functional limitation in adults aged 40 in older Med Sci Sports Exer v 30 n 9 p 1430-1435 1998IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Dados do Censo 2010 publicados no Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Dados MaracanauacuteCea-raacute Disponiacutevel em lthttpwwwcenso2010ibgegovbrdados_divul-gadosindexphpuf=23gt Acesso em 18 out 2012KOO MN ROHAN TE Comparison of four habitual physical ac-tivity questionnaires in girls aged 7- 15 yr Med Sci Sports Exer v31 n 3 p 421-427 1999 KUJALA UM et al Relationship of leisure-time physical activity and mortality the finish twin cohort JAMA v 279 p 440-444 1998MATSUDO S et alQuestionaacuterio Internacional de Atividade Fiacutesica

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(IPAQ) estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil Rev Bras Ativ Fis Sauacutede v 6 n 2 p 05-18 2001MATSUDO SM MATSUDO VK ARAUacuteJO T Niacutevel de atividade fiacutesica da populaccedilatildeo do Estado de Satildeo Paulo anaacutelise de acordo com o gecircnero idade niacutevel socioeconocircmico distribuiccedilatildeo geograacutefica e deco-nhecimento Rev Bras Ciecircncia Mov v 10 n p 41-50 2002MELO FAP OLIVEIRA FMF ALMEIDA MB Niacutevel de ativi-dade fiacutesica natildeo identifica o niacutevel de flexibilidade de adolescentes Rev Bras Ativ Fiacutes Sauacutede v14 n 1p48-54 2009MICHELIN E CORRENTE JE BURINI RC Associaccedilatildeo dos niacute-veis de atividade fiacutesica com indicadores socioeconocircmicos de obesi-dade e de aptidatildeo fiacutesica em adultos Rev Bras Ativ Fis Sauacutede v15 n1 p35-41 2010MIELKE GI et al Atividade fiacutesica e fatores associados em universi-taacuterios do primeiro ano da Universidade Federal de Pelotas Rev Bras Ativ Fis Sauacutede v15 n1 p 57-64 2010MILLER TD BALADY GJ FLETCHER GF Exercise and its role in the prevention and rehabilitation of cardiovascular disease Ann Behav Med v19 p 220-229 1997MOURA JUNIOR JS et al Niacutevel de atividade fiacutesica e perfil sociode-mograacutefico dos usuaacuterios dos ambientes puacuteblicos de atividades fiacutesicas na cidade de Joatildeo Pessoa-PBRev Bras Ciecircnc Sauacutede v 15 n 3 p 349-356 2011OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede OPAS Organizaccedilatildeo Pan-A-mericana de Sauacutede Prevenccedilatildeo de Doenccedilas Crocircnicas um investimen-to vital Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 2005SILVA DAS et al Diferenccedilas e similaridades dos estaacutegios de mu-danccedila de comportamento para atividade fiacutesica em adolescentes de duas aacutereas brasileirasRev Paul Pediatr v 29 n 2 p 193-201 2011 SOUZA GS et al Estilo de vida e aptidatildeo fiacutesica relacionada agrave sauacutede de servidores da Universidade de Pernambuco Rev Baiana Educaccedilatildeo Fiacutesica v 1 p 6-14 2000

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TENOacuteRIO M C et al Physical activity and sedentary behavior among adolescent high school students Rev Bras Epidemiol v 13 p 105-117 2010 USDHHS Physical activity fundamental to preventing disease Office of the Assistant Secretary for Planning and Evaluation p1-19 2002 USDHHS (US Department of Health and Human Services)Physical activity and health a report of the surgeon general Atlanta Center for Disease Prevention and Health Promotion The Presidentrsquos Coun-cil on Physical Fitness and Sports 1996WHO World Health Organization The world health report 2002 re-ducing risks promoting healthy life Geneva WHO 2002ZANCHETTA L M et alInatividade fiacutesica e fatores associados em adultos Satildeo Paulo Brasil Rev Bras Epidemiol v 13 n 3 p 387-399 2010

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CAPIacuteTULO 13

MORTALIDADE INFANTIL ANAacuteLISE DE FATORES DE RISCO EM UMA CAPITAL DO NORDESTE BRASILEIRO

Liacutedia Samara de Castro SandersJardenia Chaves Domeneguetti

Francisco Joseacute Maia Pinto

INTRODUccedilAtildeO

A mortalidade infantil eacute considerada grave problema de sauacutede puacuteblica mundial pois apesar da diminuiccedilatildeo global de seus iacutendices esta ainda eacute uma realidade presente em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento (UNICEF 2013)

A taxa de mortalidade infantil (TMI) eacute um dos melhores indicadores do niacutevel de vida e bem-estar social de uma popu-laccedilatildeo (WHO 2010) Este claacutessico indicador de sauacutede eacute um im-portante componente epidemioloacutegico internacional visto que tem grande peso na expectativa de vida ao nascer(GARCIA SANTANA 2011)

Os oacutebitos de crianccedilas menores de um ano satildeo eventos indesejaacuteveis pois satildeo mortes precoces e em muitos casos evitaacuteveis A reduccedilatildeo da mortalidade infantil integra um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) compro-misso dos paiacuteses-membros da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) para que com a globalizaccedilatildeo o Mundo se torne mais inclusivo e equitativo no novo milecircnio(IPEA 2010)

Desse modo torna-se necessaacuteria a reduccedilatildeo das desigual-dades em sauacutede e em especial a sobrevivecircncia infantil que eacute alvo da atenccedilatildeo de organizaccedilotildees internacionais e do Governo

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brasileiro Uma dessas iniciativas eacute o Pacto pela Reduccedilatildeo da Mortalidade Infantil na Regiatildeo Nordeste e Amazocircnia Legal que faz parte de um compromisso mais amplo proposto pelo Governo federal para acelerar a reduccedilatildeo das desigualdades re-gionais(GARCIA SANTANA 2011)

Nas uacuteltimas deacutecadas observou-se reduccedilatildeo naTMI em vaacute-rias regiotildees do Mundo O Brasil tambeacutem expressa tendecircncia de decliacutenio com melhora em seus indicadores sociais poreacutem ainda ostenta grandes disparidades regionais principalmente no que se refere agrave regiatildeo Nordeste dentre as quais estatildeo as desigualdades raciais de renda per capita escolaridade e ex-pectativa de vida ao nascer (SOUSA LEITE-FILHO 2008)

O Cearaacute de 1980 a 2010 foi o segundo estado brasileiro que mais reduziu a TMI Em 30 anos deixaram de morrer 918 crianccedilas menores de um ano para cada mil nascidas nuacutemero menor apenas do que o da Paraiacuteba que em 2010 evitou 942 mortes em relaccedilatildeo a 1980 Em 1980 o Cearaacute tinha a terceira pior TMI do Nordeste de 1115 por mil nascidos agrave frente ape-nas de Alagoas (1116) e da proacutepria Paraiacuteba (1171) Em 2010 o Cearaacute ficou com a segunda melhor taxa da regiatildeo de 197 por mil nascidos atraacutes apenas de Pernambuco que registrou taxa de 185 (IBGE 2010)

Apesar dessa reduccedilatildeo observada no Nordeste especial-mente no Cearaacute a TMI ainda continua com iacutendices acima do recomendado por oacutergatildeos internacionais Para tanto o Sistema de Informaccedilatildeo sobre Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informaccedilatildeo sobre Mortalidade (SIM) constituem em im-portantes ferramentas para enfrentar o desafio da mortalidade infantil visto que em estudos epidemioloacutegicos a utilizaccedilatildeo desses sistemas de informaccedilatildeo possibilita a detecccedilatildeo de fatores de risco associados agrave mortalidade nesse grupo etaacuterio

272

Ademais a anaacutelise de fatores de risco em menores de um ano eacute um valioso determinante na elaboraccedilatildeo de estrateacutegias efetivas de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede para a reduccedilatildeo da mor-talidade infantil

Com efeito esta investigaccedilatildeo teve como objetivo analisar fatores de risco para a mortalidade infantil no municiacutepio de Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

MeacuteTODOS

Este eacute um estudo do tipo caso-controle realizado em For-taleza-CE

As informaccedilotildees que serviram de base a este ensaio foram coletadas do Sistema de Informaccedilotildees sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informaccedilotildees sobre Mortalidade (SIM) ambos alimentados pelas Declaraccedilotildees de Nascidos Vi-vos (DNV) e Declaraccedilotildees de Oacutebitos (DO) do periacuteodo de 2005 a 2010 disponibilizados pela Ceacutelula de Vigilacircncia Epidemio-loacutegica (CEVEP) da Secretaria Municipal de Sauacutede Escola de Fortaleza

A populaccedilatildeo do estudo foi composta de todos os nascidos (230080) em Fortaleza com DNV devidamente preenchida no periacuteodo de 01012005 a31122010 filhos de mulheres re-sidentes no referido municiacutepio Foram inclusos nessa popula-ccedilatildeo tambeacutem todos os oacutebitos em menores de um ano (3694) registrados nas DO originados desses nascidos

A amostra foi constituiacuteda por 588 registros sendo 147 ca-sos (oacutebitos) e 441 controles (natildeo oacutebitos) Para identificar os oacutebitos em menores de um ano usou-se a teacutecnica de linkage entre os dois bancos de dados do SINASC e do SIM Foram utilizadas as variaacuteveis data do nascimento peso ao nascer en-

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dereccedilo de residecircncia da matildee e nome da matildee para facilitar a identificaccedilatildeo do par perfeito

Neste estudo a variaacutevel dependente foi agrave ocorrecircncia do oacutebito em menores de um ano (sim ou natildeo) As variaacuteveis inde-pendentes referentes agrave exposiccedilatildeo foram classificadas em mo-delo hieraacuterquico com trecircs niacuteveis de determinaccedilatildeo conforme estaacute agrave frente

a) Bloco 1 ou niacutevel distal (variaacuteveis sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas maternas) - idade da matildee (lt 20 anos 20 a 34 anos e ge 35 anos) estado civil (com companheiro e sem companheiro) escolaridade da matildee (lt 4 anos 4 a 7 anos ge 8 anos de estudo)

b) Bloco 2 ou niacutevel intermediaacuterio (variaacuteveis relacionadas agrave assistecircncia na gestaccedilatildeo e no parto) ndash nuacutemero de consultas de preacute-natal (le 3 consultas quatro a seis consultas ge 7 consul-tas) idade gestacional (le 36 semanas 37 a 41 semanas ge 42 semanas) tipo de gestaccedilatildeo (uacutenica ou gemelar) e tipo de parto (vaginal ou cesaacutereo)

c) Bloco 3 ou niacutevel proximal (variaacuteveis relacionadas agrave crianccedila ao nascer) ndash sexo (masculino ou feminino) peso (lt 1500 gramas 1500 a 2499 gramas e ge 2500 gramas) iacutendice de Apgar no 1ordm e 5ordm minutos de vida (0-3 4-7 8-10)

Para o processamento dos dados foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences ndash SPSS versatildeo 200 Na anaacutelise dos dados para testar a associaccedilatildeo dos vaacuterios fato-res de risco com o oacutebito infantil ou seja verificar a associaccedilatildeo entre cada variaacutevel de exposiccedilatildeo e a variaacutevel-resposta foram realizadas anaacutelises univariadas e multivariadas

Na anaacutelise univariada verificamos a distribuiccedilatildeo de fre-quecircncia tabulaccedilatildeo cruzada entre variaacuteveis estimativa da probabilidade de oacutebito em menores de um ano segundo as

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categorias de exposiccedilatildeo existecircncia de associaccedilatildeo nas variaacuteveis qualitativas entre o desfecho e as variaacuteveis explicativas Utili-zamos o teste do Qui-Quadrado ao niacutevel de significacircncia de 5 Foi observado o criteacuterio de entrada das variaacuteveis no mo-delo tendo sido selecionadas aquelas que apresentaram niacutevel descritivo p lt 020 e as que permaneceram no modelo apenas aquelas que tiveram valor de p lt 005

A medida da forccedila de associaccedilatildeo entre as variaacuteveis foi ob-tida pela regressatildeo logiacutestica que identificou por meio da razatildeo de chances (Odds Ratio ndash OR) o valor da OR bruta para as variaacuteveis de cada bloco que apresentaram associaccedilatildeo signifi-cativa (p lt 005) O controle dos possiacuteveis fatores de confu-satildeo existentes nas associaccedilotildees obtidas na anaacutelise univariada foi conseguido por meio da teacutecnica de anaacutelise multivariada da qual foi obtido o valor da OR ajustada

Finalmente realizamos a regressatildeo logiacutestica muacuteltipla apenas com as variaacuteveis significativas em cada bloco hierarqui-zado Deste modo as variaacuteveis significativas do bloco 1 foram anexadas sucessivamente agraves variaacuteveis significativas dos blocos 2 e 3 Este ajuste por bloco permitiu identificar as variaacuteveis de confusatildeo bem como a importacircncia de cada variaacutevel que parti-cipou do modelo final

A anaacutelise final da regressatildeo logiacutestica realizada obedeceu aos criteacuterios de Hosmer e Lemeshow (1989)nos termos dos quais o bom ajuste do modelo final proposto pode ser veri-ficado por meio da diferenccedila natildeo significativa entre as pro-babilidades preditas e observadas As variaacuteveis significativas e incluiacutedas em cada bloco fizeram parte do ajuste do modelo

O estudo foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) e aprovado pelo Parecer Nordm 12446

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RESULTADOS

No ano de 2005 a TMI encontrada em Fortaleza foi de 206 oacutebitos por mil nascidos (NV) e em 2010 reduziu-se para 1191000 NV Dos147 casos de oacutebitos da amostra 119 (81) ocorreram no periacuteodo neonatal e 28 (19) no periacuteodo poacutes-neonatal sendo que a maioria 88 (599) dos oacutebitos ocorreu no periacuteodo neonatal precoce

Na anaacutelise univariada realizada com o modelo hierarqui-zado demostrou associaccedilatildeo estatisticamente significante (p lt 005) com o oacutebito infantil as seguintes variaacuteveis escolaridade da matildee menor do que quatro anos de estudo (bloco1) nuacutemero de consultas preacute-natal menor do que quatro idade gestacional inferior a 37 semanas gestaccedilatildeo gemelar parto cesaacutereo (bloco 2) e peso ao nascer (bloco3)

A anaacutelise univariada do bloco 1 (niacutevel distal) mostrou que somente a escolaridade materna (menor do que quatro anos de estudo) teve associaccedilatildeo com o desfecho pois se exibiu alta-mente significativa (p lt 0001) As matildees que estudaram menos de quatro anos expressaram alto risco de seus filhos virem a oacutebito (OR 170183 IC 73219 395555) (Tabela 1)

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TABELA 1- Fatores de risco distais natildeo ajustados para a mor-talidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas sociodemo-graacuteficas e socioeconocircmicas maternas Fortaleza-CE no periacuteo-do de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo

ajustadaIC 95 p

N=147 N=441

Idade materna

0809lt 20 anos 27 184 71 161 11780717

193520 a 34 anos 102 694 316 717 10

ge 35 anos 18 122 53 120 10520589

1878

Total 147 1000 440 998

Escolaridade

materna

lt0001lt 4 anos 131 891 32 73 170183

73219

395555

4 a 7 anos 5 34 107 243 19430604

6252ge 8 anos 7 48 291 660 10Total 143 973 430 976Estado civil

0358Sem compa-

nheiro99 673 285 646 099 099 100

Com compa-

nheiro48 327 150 340 10

Total 147 1000 435 986

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado Teste da Razatildeo de Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

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No bloco 2 (niacutevel intermediaacuterio) constatamos ao realizar a anaacutelise univariada que todas as variaacuteveis tiveram associaccedilatildeo significativa com o desfecho tipo de gestaccedilatildeo (p lt 0001) nuacute-mero de consultas de preacute-natal (p lt 0025) pelo teste da Razatildeo de Maacutexima Verossimilhanccedila idade gestacional (p lt 0001) e tipo de parto (p lt 0001)

A gestaccedilatildeo gemelar e a idade gestacional demostraram maior risco de desencadear o desfecho com altiacutessimos valo-res relativos ao caacutelculo da razatildeo de chances (OR 633167 IC 166744 240818) e (OR 259571 IC 106867 630478) res-pectivamente O nuacutemero de consultas de preacute-natal menor do que quatro indicou duas vezes maior risco de levar as crianccedilas ao oacutebito (OR 2177 IC 1221 3880) O parto cesaacutereo mos-trou-se como fator de proteccedilatildeo (OR 0027 IC 0011 0067) em relaccedilatildeo ao desfecho (Tabela 2)

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TABELA 2 - Fatores de risco intermediaacuterios natildeo ajustados para a mortalidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas relacionadas agrave assistecircncia sobre gestaccedilatildeo e parto Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo

ajustadaIC 95 p

N=147 N=441 Tipo de gestaccedilatildeo

lt0001Uacutenica 15 102 435 986 10

Gemelar 131 891 6 14 633167166744

240818 Total 146 993 441 1000

Ndeg de consultas0025

lt0001

le 3 26 177 46 104 21771221

3880

4 a 6 74 503 201 456 14180934

2152

ge 7 47 320 181 410 10

Total 147 1000 428 971

Idade gestacional

le 36 semanas 138 939 35 79 259571106867

63047837 a 41 6 41 395 896 10ge 42 semanas - - 2 05Total 144 980 432 980

Tipo de parto

lt0001Vaginal 141 959 190 431 10

Cesaacutereo 5 34 250 567 00270011

0067 Total 146 993 440 998

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadradoTeste da Razatildeo da Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

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A anaacutelise univariada do bloco 3 (niacutevel proximal) referen-te agraves caracteriacutesticas da crianccedila ao nascer revelou que somente o baixo peso ao nascer teve associaccedilatildeo altamente significativa com o desfecho com valor de plt0001 O baixo peso ao nascer pelo caacutelculo da razatildeo de chances possui aproximadamente 26 vezes maior risco de levar as crianccedilas ao oacutebito (OR 26267 IC 7574 91087) (Tabela 3)

TABELA 3 - Fatores de risco proximais natildeo ajustados para a mortalidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas da crian-ccedila ao nascer Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo ajusta-

daIC 95 p

N=147 N=441 Sexo 0782

Masculino 81 554 240 544 10550723 1539

Feminino 66 446 201 456 10

Total 147 1000 441 1000

Peso lt0001

lt 1500 g 6 41 15 34 274979112504 672095

1500 a 2499 g

134 912 32 73 262677574 91087

ge 2500 g 6 41 394 893 10

Total 146 993 441 1000Apgar no 1ordm minuto

0614

0 a 3 2 14 7 160774 2114

280

4 a 7 26 176 62 141 08720179 4253

8 a 10 119 810 363 823 10

Total 147 1000 432 980

Apgar no 5ordm minuto

0736

0 a 3 - - 1 03

4 a 7 4 27 11 25 10120317 3229

8 a 10 143 973 398 902 10

Total 147 1000 410 930

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadradoTeste da Razatildeo da Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

Na tabela 4 consta o resultado referente agrave anaacutelise mul-tivariada com todas as variaacuteveis que participaram da anaacutelise univariada e foram significativas (plt 005) e ainda tinham plt 020 como criteacuterio de inclusatildeo na etapa de ajuste com as de-mais variaacuteveis significativas dos blocos seguintes

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TABELA 4 - Anaacutelise multivariada de fatores relacionados agraves caracteriacutesticas sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas mater-nas informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e parto e caracteriacutesticas da crianccedila ao nascer associados ao oacutebito infantil Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

Variaacutevel OR ajustada IC 95 p

Bloco 1 Caracteriacutesticas sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas maternas

Escolaridadelt4 anos 3855 0879 16905 00744 a 7 anos 0847 0188 3812 0829ge8 anos 10 0132

Bloco 2 Informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e partoTipo de gestaccedilatildeoUacutenica 10Gemelar 71137 19529 259125 lt0001Ndeg de consultasle3 0667 0136 3262 06174 a 6 0830 0235 2929 0772ge7 10 0883Idade gestacionalle36 semanas 20514 6297 66824 lt0001ge37 semanas 10Tipo de partoVaginal 10Cesaacutereo 0119 0030 0484 0003

Bloco 3 Caracteriacutesticas da crianccedila ao nascerPesolt1500 g 1049 0089 12386 09701500 a 2499 g 1993 0233 17020 0529ge2500 g 10 0631

Fonte SMSCEVEPSIMSINASCOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado

282

Ao examinarmos o efeito das variaacuteveis significativas no modelo univariado do bloco 1 em conjunto sobre o desfecho exercido pelas variaacuteveis relacionadas agraves caracteriacutesticas socio-demograacuteficas maternas notamos que a escolaridade materna perdeu a significacircncia estatiacutestica natildeo sendo incluiacuteda no mo-delo final

Em relaccedilatildeo ao efeito das variaacuteveis significativas no modelo univariado do bloco 2 em conjunto sobre o desfecho exerci-do pelas variaacuteveis relacionadas agrave gestaccedilatildeo e ao parto perma-neceram estatisticamente significantes as seguintes variaacuteveis idade gestacional le 36 semanas (plt 0001) gestaccedilatildeo gemelar (plt 0001) e parto cesaacutereo (p= 0003) que foram incluiacutedas no modelo final O nuacutemero de consultas no periacuteodo preacute-natal natildeo apresentou significacircncia estatiacutestica (p= 0883) e natildeo foi incluiacute-do no modelo final

Quanto agrave relaccedilatildeo do efeito das variaacuteveis em conjunto sobre o desfecho exercido pelas variaacuteveis relacionadas agraves ca-racteriacutesticas da crianccedila ao nascer (bloco 3) verificamos que a variaacutevel peso perdeu a significacircncia estatiacutestica (p= 0631) natildeo sendo incluiacuteda no modelo final

A tabela 5 traz o modelo final constituiacutedo com suporte nas variaacuteveis significantes ocorridas no modelo multivariado tipo de gestaccedilatildeo idade gestacional e tipo de parto relacionadas ao desfecho

A regressatildeo logiacutestica foi realizada ajustando as variaacuteveis significativas apenas do bloco 2 com o desfecho pois os de-mais blocos natildeo apresentaram variaacuteveis estatisticamente signi-ficativas Portanto mantiveram associaccedilatildeo com o oacutebito infan-til as seguintes variaacuteveis gestaccedilatildeo gemelar e idade gestacional le 36 semanas O parto cesaacutereo demostrou-se como fator de proteccedilatildeo

283

TABELA 5 - Modelo final dos fatores de risco associados ao oacutebito infantil Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

Variaacutevel OR ajus-tada

IC 95 p

Bloco 2 Informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e parto

Tipo de gestaccedilatildeo

Uacutenica 10

Gemelar 78104 22136 275580

lt0001

Idade gestacional

le36 semanas 18754 6168 57024 lt0001

ge37 semanas 10

Tipo de parto

Vaginal 10

Cesaacutereo 0121 0031 0477 0003Fonte SMSCEVEPSIMSINASCOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado

DISCUSSAtildeO

O uso de bancos de dados secundaacuterios para a realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas eacute importante Denota poreacutem apresen-ta vantagens e desvantagens Este se expressou como grande fonte para diversas investigaccedilotildees e satildeo capazes de gerar gran-de contribuiccedilatildeo para a sauacutede puacuteblica especialmente quanto agrave

284

anaacutelise do perfil de oacutebitos e seus fatores de risco A falta de controle de qualidade da informaccedilatildeo e padronizaccedilatildeo nos pro-cedimentos utilizados para a coleta das informaccedilotildees configu-ra-se no entanto como uma desvantagem

A persistente precariedade nos dados do SIM e SINASC encontrados em alguns estados das regiotildees Norte e Nordes-te especificamente em alguns municiacutepios resulta na falta de qualidade das informaccedilotildees de ambos os sistemas(FRIAS et al 2010)

A teacutecnica de linkage utilizada nesta pesquisa revelou e confirmou as incompletudes desses dois bancos de dados fato que pode ter se exibido como uma limitaccedilatildeo do estudo

Neste experimento os oacutebitos infantis indicam que o com-ponente neonatal contribuiu com o maior percentual da mor-talidade em menores de um ano com 119 (810) sendo que o periacuteodo neonatal precoce corresponde ao maior nuacutemero de oacutebitos com 88 (599)

Nas uacuteltimas deacutecadas diversas pesquisas confirmam essa crescente participaccedilatildeo dos oacutebitos neonatais na TMI em com-paraccedilatildeo ao componente poacutes-neonatal e que o componente neonatal precoce representa a maior parcela desses oacutebitos sendo responsaacutevel por mais da metade das mortes no primeiro ano de vida (RISSO NASCIMENTO 2010 SILVA et al 2010 SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009)

Notamos que a maioria das matildees tanto para casos como para controles exibiu faixa etaacuteria de 20 a 34 anos com 102 (694) e 316 (717) respectivamente Este resultado eacute cor-roborado por vaacuterios estudos(RISSO NASCIMENTO 2010 ZANINI et al 2011 DOMINGUES et al 2012) onde aproxi-madamente 700 das matildees se encontravam nessa faixa etaacuteria

285

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade materna verificamos que o tempo de estudo inferior a quatro anos mostrou associaccedilatildeo significativa na anaacutelise univariada com o desfecho As matildees que estudaram menos de quatro anos expressaram maior risco de seus filhos morrerem Apoacutes a regressatildeo logiacutestica contendo essa variaacutevel natildeo permaneceu como fator de risco no mode-lo final Resultado semelhante foi encontrado por Jehan et al (2009) quando tambeacutem analisaram a escolaridade materna em modelo de regressatildeo logiacutestica e anaacutelise hieraacuterquica

Com relaccedilatildeo ao estado civil 652 das matildees viviam sem companheiro proporccedilatildeo semelhante para o grupo dos casos (673) e dos controles (646) Natildeo houve associaccedilatildeo estatiacutes-tica entre a situaccedilatildeo conjugal materna e o oacutebito em menores de um ano Esse achado foi corrobora do pela pesquisa de Carva-lho et al (2007) onde tambeacutem natildeo foi encontrada associaccedilatildeo estatisticamente significante entre estado civil e oacutebito neonatal

Neste estudo dentre as variaacuteveis do bloco 2 apenas o nuacutemero de consultas de preacute-natal natildeo teve associaccedilatildeo com o oacutebito infantil Embora o nuacutemero de consultas de preacute-natal natildeo tenha mostrado associaccedilatildeo com o desfecho verificamos que o nuacutemero de consultas inferior a quatro possui risco de 21 vezes maior das crianccedilas morrerem Este resultado da razatildeo de chances foi semelhante ao realizado por Santa Helena Sousa e Silva (2005)em cuja anaacutelise univariada mostraram que matildees que realizaram um nuacutemero de consultas no preacute-natal menor ou igual a trecircs exteriorizaccedilatildeo risco 229 vezes maior para mor-talidade no periacuteodo neonatal do que as matildees que realizaram um nuacutemero maior de consultas

Em relaccedilatildeo ao tipo de gestaccedilatildeo aleacutem da gravidez gemelar ter mostrado associaccedilatildeo significativa com o desfecho o risco de morte se mostrou aproximadamente 78 vezes maior em

286

relaccedilatildeo agrave gravidez uacutenica Este resultado foi corroborado por outros estudos (SOARES MENEZES 2010 ZANINI et al 2011)

A associaccedilatildeo entre mortalidade infantil e gemelaridade eacute descrita na literatura por vaacuterios autores Esta eacute considerada importante fator de risco porque na maioria das vezes estaacute relacionada agrave baixa idade gestacional e ao baixo peso ao nascer (SILVA et al 2010 RIBEIRO et al 2012)

Analisando a idade gestacional observamos que no grupo dos casos a maioria das matildees (939) tive filhos prematuros de menos de 37 semanas de gestaccedilatildeo Estes achados foram seme-lhantes agraves pesquisas de Silva et al (2010) e de Ribeiro et al (2009) onde indicou a maioria dos oacutebitos com nascimento preacute-termo 887 e 577 respectivamente Ao analisar o grupo dos con-troles percebemos que a idade gestacional a termo foi predomi-nante (896) Estudo de Doldan Costa e Nunes (2011) apon-tou achados semelhantes quando mostrou que os nascimentos a termo foram mais prevalentes (957) entre os controles

Em pesquisa efetuada por Ortiz e Oushiro (2008) a idade gestacional abaixo de 37 semanas tambeacutem esteve associada estatisticamente com o oacutebito neonatal nas anaacutelises univariada e multivariada permanecendo associada inclusive no modelo final da anaacutelise onde se registrou um risco 294 vezes maior de oacutebito naqueles nascidos de gestaccedilotildees com duraccedilatildeo de 22 a 27 semanas quando comparados com os nascidos de gestaccedilotildees com duraccedilatildeo acima de 37 semanas

Neste estudo o parto cesaacutereo apresentou-se como fator de proteccedilatildeo para o oacutebito infantil (OR 0121 IC95 0031 0477) Achado semelhante foi destacado por outros estudos na literatura (SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009 ORTIZ OUSHIRO 2008)

287

Diversos estudos brasileiros apontam essa associaccedilatildeo entre o parto normal e a mortalidade infantil quando com-parado com o cesariano Nesta associaccedilatildeo destaca-se o papel exercido pela maacute qualidade da assistecircncia ao parto vaginal pela alta incidecircncia de cesarianas no Paiacutes e pelas distorccedilotildees na indicaccedilatildeo da via de parto como a realizaccedilatildeo de cesarianas em gestaccedilotildees de baixo risco e parto vaginal nas de alto risco para o oacutebito neonatal (SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009 ORTIZ OUSHIRO 2008)

Eacute relatado ainda o fato que o parto operatoacuterio pode ex-primir efeito protetor sobre a mortalidade neonatal principal-mente em virtude da sua maior concentraccedilatildeo no Brasil em hospitais privados cuja populaccedilatildeo de melhor niacutevel socioeco-nocircmico possui outras caracteriacutesticas que contribuem para a sobrevivecircncia no periacuteodo neonatal(ORTIZ OUSHIRO 2008)

Em relaccedilatildeo aos determinantes proximais referentes agraves ca-racteriacutesticas da crianccedila ao nascer o sexo masculino foi o mais prevalente (546) Resultado semelhante foi encontrado por Shoeps et al (2007) com (51) O predomiacutenio de oacutebitos tam-beacutem foi maior neste sexo (554) poreacutem natildeo foi constatada relaccedilatildeo estatisticamente significante entre sexo da crianccedila e oacutebi-to infantil desfecho que condiz com os resultados encontrados por Santa Helena Sousa e Silva(2005) e por Schoeps et al (2007)

A variaacutevel sexo da crianccedila natildeo recebeu influecircncia direta das caracteriacutesticas maternas assistecircncia agrave gravidez e ao parto o que poderia justificar ausecircncia de relaccedilatildeo estatiacutestica (SANTA HELENA SOUSA SILVA 2005 SHOEPS et al 2007)

Quanto ao iacutendice de Apgar no 1ordm e nos 5ordm minutos natildeo houve associaccedilatildeo entre esta variaacutevel e o oacutebito infantil Eacute im-portante ressaltar porem que na literatura haacute estudos sobre mortalidade infantil principalmente no periacuteodo neonatal

288

afirmando que quanto menor o escore de Apgar no primeiro e no quinto minutos de vida menor eacute a chance de sobrevivecircncia (RISSO NASCIMENTO 2009 GEIG et al 2010)

O iacutendice de Apgar representa um importante fator de risco para a mortalidade infantil essencialmente no periacuteodo neonatal Este fato remete ao papel da organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal no sentido de minimizar os fatores que podem levar a asfixia e consequentemente ao oacutebito nessas crianccedilas (RISSO NASCIMENTO 2009 GEIG et al 2010)

O baixo peso ao nascer foi a uacutenica variaacutevel referente aos determinantes proximais que teve associaccedilatildeo com o oacutebito infantil mostrando na anaacutelise univariada uma significacircncia altamente estatiacutestica (plt0001) e um risco de morte aproxi-madamente 26 vezes maior quando comparado com crianccedilas com peso normal ao nascer Verificamos no entanto que apoacutes a regressatildeo logiacutestica essa variaacutevel perdeu a significacircncia estatiacutes-tica e foi excluiacuteda do modelo final

O resultado evidenciado neste estudo foi corroborado pelo de Mombelli et al (2012) o qual demostrou que os receacutem-nascidos de baixo peso possuem risco 49 vezes maior de mor-rer do que aqueles com peso igual ou superior a 2500g Estudo de Geib et al (2010) indicou o baixo peso (1500 a 2499g) com risco variando de 67 a 108 enquanto os de muito baixo peso (lt 1500g) expressaram risco de 797 Barros et al (2008)veri-ficaram que os receacutem-nascidos com baixo peso e prematuros registraram risco de oacutebito quatro vezes maior do que aqueles com peso acima de 2500g ou a termo

A significativa associaccedilatildeo encontrada entre o baixo peso ao nascer e o oacutebito infantil evidencia a interaccedilatildeo dos fatores bioloacutegicos e sociais jaacute consagrado na literatura e reforccedila a sua manutenccedilatildeo como criteacuterio isolado para a identificaccedilatildeo de crianccedilas vulneraacuteveis ao oacutebito(BARROS et al 2008)

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CONCLUSAtildeO

Neste estudo configuram-se como fatores de risco para a mortalidade infantil as variaacuteveis que permaneceram no mo-delo final gestaccedilatildeo gemelar e idade gestacional inferior a 37 semanas O parto cesaacutereo foi expresso como fator de proteccedilatildeo

Embora os determinantes que levem ao oacutebito no primeiro ano de vida sejam variados e interajam com diversas intensida-des observamos entre os fatores de risco identificados a im-portacircncia dos relacionados com a atenccedilatildeo agrave sauacutede da gestante e do receacutem-nascido redutiacuteveis pela atuaccedilatildeo do setor sauacutede

Nesse sentido torna-se necessaacuterio um olhar mais apro-fundado para a atenccedilatildeo preacute-natal e consequentemente para a assistecircncia ao parto e ao receacutem-nascido sendo fundamen-tal avaliar a estruturaccedilatildeo da rede assistencial e a qualidade dos serviccedilos oferecidos pelo Municiacutepio

Consideramos como um fator limitante desta pesquisa a utilizaccedilatildeo somente de dados secundaacuterios pois constatamos ausecircncia de informaccedilotildees em muitas variaacuteveis aleacutem de duplici-dade nos registros dos bancos de dados do SIM e do SINASC Este achadoporeacutem natildeo invalidou a anaacutelise final e os seus re-sultados

Ressalta-se contudo a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede quanto ao correto e completo preenchi-mento das declaraccedilotildees de nascimentos e de oacutebitos para que as informaccedilotildees coletadas sejam fidedignas capazes de refletir a realidade Essa medida aumentaria a consistecircncia e a repro-dutibilidade de pesquisas de base epidemioloacutegica para o plane-jamento das accedilotildees de sauacutede e assim contribuiria para a dimi-nuiccedilatildeo da mortalidade infantil

290

REFERecircNCIAS

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291

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292

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293

CAPIacuteTULO 14

HUMANIZAccedilAtildeO DO PARTO ESTUDO ET-NOGRAacuteFICO EM UMA MATERNIDADE PUacute-BLICA DE FORTALEZA

Maria Celestina S de OliveiraAndrea Caprara

INTRODUccedilAtildeO

A atenccedilatildeo humanizada ao parto compreende conheci-mentos praacuteticas e atitudes que buscam a promoccedilatildeo do parto natural nascimentos saudaacuteveis e prevenccedilatildeo da morbimortali-dade materna e perinatal (BRASIL 2001) Humanizar entatildeo engloba assistecircncia de qualidade teacutecnica e natildeo teacutecnica forma-ccedilatildeo continuada dos profissionais de sauacutede evidecircncias cientiacute-ficas que orientam as rotinas assistenciais instalaccedilotildees fiacutesicas adequadas e recursos financeiros (BRASIL 2006)

No Brasil a institucionalizaccedilatildeo do parto ao longo da deacute-cada de 1940 foi provavelmente a primeira accedilatildeo de sauacutede puacute-blica dirigida agrave mulher Nos anos 1960 a preocupaccedilatildeo com a sauacutede materna se limitou agrave assistecircncia ao parto Com a chegada da Medicina preventiva ao Paiacutes e a criaccedilatildeo dos centros de sauacute-de iniciaram-se os programas de preacute-natal que na realidade tinham como objetivo principal reduzir a mortalidade infantil Nos anos 1980 ocorreram iniciativas voltadas para a reduccedilatildeo da mortalidade materna No Cearaacute uma iniciativa de destaque foi o projeto desenvolvido pelo meacutedico Galba de Arauacutejo tendo como objetivo integrar as parteiras leigas ao sistema local de sauacutede (ARAUacuteJO 1987) Tambeacutem em 1990 no Cearaacute nova

294

iniciativa de humanizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede deu-se no Hospital Geral de Fortaleza com o desenvolvimento de um trabalho em prol da qualidade e da humanizaccedilatildeo na sauacutede

Em janeiro de 2000 um passo importante eacute dado a cami-nho da humanizaccedilatildeo do parto quando a Secretaria de Sauacutede do Estado do Cearaacute e a Agecircncia de Cooperaccedilatildeo Internacional do Japatildeo (JICA) publicam o Manual do Parto Humanizado (SESA 2000) Em junho deste mesmo ano o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa de Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) Neste programa os elementos estru-turais foram assim estabelecidos percepccedilatildeo da mulher como sujeito conhecimento e respeito aos direitos reprodutivos a perspectiva da humanizaccedilatildeo (BRASIL 2000)

O Ministeacuterio da Sauacutede no ano de 2003 define sete aacutereas prioritaacuterias de atuaccedilatildeo e cria a Poliacutetica Nacional de Humani-zaccedilatildeo (PNH) O foco das atenccedilotildees passou do hospitalar a todo o sistema de sauacutede Os eixos de accedilatildeo para a implementaccedilatildeo do PNH foram assim definidos o das instituiccedilotildees o da gestatildeo do trabalho o do financiamento o da atenccedilatildeo o da educaccedilatildeo permanente o da informaccedilatildeocomunicaccedilatildeo e o da gestatildeo da proacutepria PNH Poder-se-ia citar como exemplo da praacutetica des-sa Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo o caso do Cearaacute com a criaccedilatildeo dos comitecircs estaduais e municipais e dos grupos de trabalho de humanizaccedilatildeo da atenccedilatildeo e da gestatildeo nas unidades de sauacutede (SESA 2006)

Apesar de todas as experiecircncias as recomendaccedilotildees ba-seadas em evidecircncias cientiacuteficas sobre acompanhamento do parto sintetizadas e publicadas pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS 1996) satildeo ainda hoje desconsideradas no Brasil (RNFSDR 2002) Haacute um predomiacutenio do modelo de atendi-mento ao nascimento que valoriza o saber teacutecnico dos profis-

295

sionais e desconsidera aspectos sociais e culturais das pacientes (DAVIS-FLOYD 2001 DIAS DESLANDES 2004) Pesquisa realizada pela Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar revela que as taxas de cesarianas no Brasil satildeo quatro vezes acima das recomendadas pela OMS (BRASIL 2005) Outras referecircncias confirmam essas elevadas taxas (FAUacuteNDES CECATTI 1991 ROUQUAYROL ALMEIDA-FILHO 2003)

Em face dessa realidade tenta-se responder por intermeacute-dio desta pesquisa aos seguintes questionamentos quais os sa-beres natildeo teacutecnicos presentes nos atos dos profissionais da Obs-tetriacutecia Ateacute que ponto a humanizaccedilatildeo do parto eacute uma praacutetica presente nos hospitais Como vatildeo se incorporando as praacuteticas de humanizaccedilatildeo agraves atividades dos profissionais da Obstetriacutecia

Compreendendo que a humanizaccedilatildeo eacute uma temaacutetica atualmente trabalhada em todas as aacutereas da sauacutede e que se tor-nou imprescindiacutevel para a mudanccedila no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede a busca de respostas a essas perguntas levou a pensar e aprofundar a investigaccedilatildeo sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede parto natural e nascimento saudaacutevel

Em razatildeo da humanizaccedilatildeo na sauacutede a sauacutede da mulher constituiaacuterea de conhecimento e praacuteticas no espaccedilo da mater-nidade Portanto este capiacutetulo procura o modo como os co-nhecimentos e as praacuteticas sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede estatildeo sendo incorporados pelos profissionais da Obstetriacutecia

METODOLOGIA

Neste trabalho empregou-se uma abordagem etnograacutefica baseada principalmente em meacutetodos qualitativos de coleta de dados Dentre as definiccedilotildees de pesquisa etnograacutefica selecio-nou-se a que eacute defendida por Fabietti amp Remoti (FABIETTI

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REMOTI 1997) como ldquoatividade de pesquisa no terreno [] por prolongado periacuteodo de tempo [] com contato direto com o objeto de estudo [] seguido pela sistematizaccedilatildeo em formato de texto da experiecircnciardquo Pocircde-se daiacute deduzir que a etnografia estaacute do comeccedilo ao fim imersa na escrita Essa escrita relata a experiecircncia na forma de texto (GLIFFORD 2002)

Ametodologia etnograacutefica eacute adotada com certa frequecircncia nos temas da aacuterea de sauacutede (BONADIO 1996 CARVALHO 2001 MENEZES 2001 CAPRARA LANDIM 2008) Ao uti-lizar essa metodologia pretendeu-se mediante seus procedi-mentos dar resposta agraves questotildees sobre humanizaccedilatildeo do parto

Esta pesquisa foi desenvolvida no Municiacutepio de Fortaleza-CE de abril a outubro de 2006 O Hospital Puacuteblico escolhi-do cujo nome omiti-se para evitar certos constrangimentos desenvolve ciclos de seminaacuterios e cursos sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede para os funcionaacuterios e possui uma estrutura fiacutesica individualizada de atenccedilatildeo para cada mulher na sala de parto

Para a coleta de dados seguiu-se duas fases o atendimen-to agrave gestante considerando-se o preacute-natal preacute-parto parto e poacutes-parto e a humanizaccedilatildeo na sala de parto

A coleta de dados ocorreu na sala de parto e no aloja-mento conjunto Adotou-se para essa pesquisa o esquema de plantotildees de oito horas por dia trecircs vezes por semana num periacuteodo de seis meses Somaram-se ao todo 576 horas de ob-servaccedilatildeo participante e entrevistas semi-estruturadas com sete pacientes quatro meacutedicos quatro enfermeiras duas auxiliares de enfermagem e uma voluntaacuteria O grupo de profissionais foi dividido em trecircs equipes de acordo com o dia do plantatildeo Durante a observaccedilatildeo participante escolheu-se os profissio-nais para as entrevistas de acordo com a maior participaccedilatildeo na cena do parto As pacientes pertencentes ao grupo de mulhe-

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res sem complicaccedilotildees obsteacutetricas foram escolhidas de maneira aleatoacuteria Os dados foram interpretados segundo a Anaacutelise de conteuacutedo (BAUER GASKELL 2002) e a antropologia inter-pretativa de Geertz (GEERTZ 1989) foi utilizada como supor-te para a interpretaccedilatildeo

Das leituras repetidas das transcriccedilotildees dos dados coletados surgiram duas linhas temaacuteticas os cuidados materno-fetais e a incorporaccedilatildeo de praacuteticas de humanizaccedilatildeo na sala de parto

Todos os nomes citados nesta pesquisa foram substituiacute-dos a fim de evitar identificaccedilatildeo das pessoas Para a partici-paccedilatildeo nesta pesquisa os profissionais e pacientes livremente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a Resoluccedilatildeo 46612 do CNSMinisteacuterio da Sauacute-de Brasil

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

OS CUIDADOS MATERNOFETAISO atendimento agrave gestante considerando-se o preacute-natal

preacute-parto parto e poacutes-parto mediante as observaccedilotildees perce-bidas dos relatos das pacientes e dos profissionais segue um modelo ritualiacutestico no qual a paciente na maioria das vezes natildeo participa das decisotildees cliacutenicas

O preacute-natal tem iniacutecio com a primeira consulta sob a res-ponsabilidade de uma enfermeira

No primeiro encontro as pacientes satildeo convidadas a par-ticiparem do curso do parto Segundo a enfermeira Sueli o ideal seria a mulher iniciar o primeiro moacutedulo no primeiro trimestre Para ela o curso consta de trecircs moacutedulos no pri-meiro fez-se explanaccedilatildeo sobre vacina higiene e gravidez No

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segundo discutiu-se as mudanccedilas fisioloacutegicas aleitamento ma-terno e o cuidado do bebecirc No terceiro faz-se a visita agrave sala de parto e ao alojamento conjunto Sobre esse treinamento o tes-temunho de uma paciente chamada Rita sobre as orientaccedilotildees recebidas eacute de importacircncia capital para os cuidados materno-fetais ldquoTeve o curso do parto Compareci a dois moacutedulos Ai eles vinham e mostrava a sala de parto onde ia ser o parto Mostrava as enfermeiras e as pessoas Como ia ser Aiacute dava orientaccedilatildeo palestras falava com a assistente socialrdquo

Falando sobre preacute-natal e curso do parto a enfermeira Sueli percebeu que a participaccedilatildeo das mulheres o aprendi-zado delas em si eacute acanhado Pelas palavras dessa enfermeira ela avalia o profissional do ambulatoacuterio o qual tem pressa em passar as informaccedilotildees para as gestantes comprometendo a re-laccedilatildeo profissionalpaciente Portanto natildeo se dando o prota-gonismo e a corresponsabilidade das mulheres A enfermeira Sueli eacute clara sobre esse ponto de vista ldquoMas agraves vezes a gente tem aquela pressa neacute Elas jaacute estatildeo muito tempo esperando Agraves vezes eacute assim a gente vai vendo os toacutepicos pergunta se ela []O que vocecirc quer saber Agraves vezes elas fazem perguntasrdquo

O preacute-natal de qualidade envolve profissionais como psi-coacutelogos fisioterapeutas assistentes sociais enfermeiras e meacute-dicos fortalecendo o curso do parto para que a mulher tenha conhecimento dos seus direitos e deveres como cidadatilde Aco-lhimento cuidado suporte emocional presenccedila do acompa-nhante curso do parto satildeo aspectos da humanizaccedilatildeo na sauacutede Essa nova praacutetica precisa ser mais efetiva porque o avanccedilo das tecnologias natildeo estaacute conseguindo resolver os problemas que temos (MORIN 2005)

O meu primeiro contato com a realidade das visitas das gestantes agrave sala do parto ocorreu agraves 3 horas da tarde

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No diaacuterio de campo registrou-se o cotidiano das visitas das gestantes do curso do parto Uma enfermeira acompanhou um grupo de gestantes na sala de parto Elas caminham em grupo fazendo uma visita de leito a leito Uma delas se destaca com perguntas ldquoeacute um quarto para cada mulher A cama se modifica na hora de ganhar o bebecirc Na hora de ganha o bebecirc as pernas ficam penduradasrdquo O restante do grupo permane-ceu calado ouvindo e observando o ambiente desconhecido Nas visitas seguintes a rotina da enfermeira se repetiu com suas explicaccedilotildees para as gestantes enquanto a participaccedilatildeo das mulheres era miacutenima

Outro aspecto que pareceu aviltante ao atendimento da gestante e seus familiares foi o serviccedilo hospitalar

As gestantes e seus familiares aguardam sentados nos bancos da pequena sala de espera atendendo as regras hospi-talares Para que a paciente possa ser examinada eacute necessaacuterio passar pelo Serviccedilo de Arquivo Meacutedico e Estatiacutestico (SAME) e preencher a ficha de atendimento

A emergecircncia geral estaacute em reforma e na ocasiatildeo o SAME fica mais distante da sala de parto O funcionaacuterio do SAME na maioria das vezes natildeo entra em contato com a proacutepria pacien-te natildeo vecirc as condiccedilotildees da gestante pois eacute o familiar que vai fazer a ficha Existe uma demora no preenchimento da ficha as reclamaccedilotildees de pacientes e familiares nesta ocasiatildeo satildeo mais frequentes do que de costume Eacute o caso da paciente Gorete que jaacute em fase de expulsatildeo fetal tem que enfrentar problemas burocraacuteticos antes de um atendimento necessaacuterio

Gorete eacute uma gestante que procurou o hospital por apre-sentar contraccedilotildees uterinas de dez em dez minutos Ela sente dificuldades para fazer a ficha de atendimento ldquoEacute muito dis-tante porque a outra estaacute em reforma aqui deste lado que eacute

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a sala de parto e eacute laacute do outro lado Aiacute fica do outro lado do hospitalrdquo Agrave medida que se conversou sobre o atendimento inicial outras dificuldades vatildeo sendo reveladas ldquoAi bati laacute A gente toca a campainha ai eu disse assim moccedila ele disse que natildeo ia fazer a ficha Soacute entra com a ficha Ela disse eacute entatildeo eu disse vou parir aqui no meio do banco porque Ela disse natildeo aguarde um pouquinho que ela vai jaacute chegarrdquo Este eacute um momento de troca de plantatildeoO funcionaacuterio que estaacute saindo natildeo quis fazer a ficha deixando essa tarefa para o outro que o substituiraacute Ao mesmo tempo a funcionaacuteria que falou com a paciente entendia o que estava acontecendo mas natildeo abriu ex-ceccedilatildeo para um atendimento sem a ficha submetendo a gestan-te a uma sobrecarga de estresse e a um risco de ter que assistir um parto na sala de espera

Na sala de espera a paciente Rosa Maria tambeacutem passa por algumas horas de preocupaccedilatildeo por saber que o material de parto eacute suficiente apenas para assistir dois partos e ela eacute a quarta paciente em face do aviso da funcionaacuteria que transmi-te a informaccedilatildeo do profissional em exerciacutecio ldquoA doutora que estava de plantatildeo saiu laacute fora e disse a maacutequina de esterilizaccedilatildeo do hospital estaacute com defeito eu soacute tenho material para duas pacientes quem for a mais necessitada fica quem natildeo for vai para casa ou vai transferida para outro hospitalrdquo

Com esse depoimento pocircde-se observar que o problema da instituiccedilatildeo hospitalar como o de uma maacutequina de esterili-zaccedilatildeo quebrada eacute dividido com as pacientes e seus familiares pela plantonista Tal fato concorre para ser um elemento gera-dor de afliccedilatildeo para a gestante

Um aspecto importante a ser relatado vem a ser o primei-ro exame preacute-parto

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Satildeo sete horas da manhatilde uma gestante entra na sala de exame sem acompanhante Algumas exceccedilotildees satildeo feitas para mulheres com problemas com a justiccedila adolescentes porta-doras de problemas mentais e outras possiacuteveis Uma pergunta eacute feita pela auxiliar de enfermagem ainda na porta de entrada ldquotaacute sentindo dorrdquo O profissional com essa pergunta tenta fa-zer uma seleccedilatildeo entre pacientes de ambulatoacuterio e pacientes de emergecircncia Durante o primeiro exame obsteacutetrico a paciente natildeo identifica a categoria nem o nome dos profissionais que a atendem assim comenta a paciente ldquoquem me internou foi uma loirinha de azulrdquo

Na maioria das vezes o exame fiacutesico eacute realizado antes da anamnese ou entatildeo as perguntas cliacutenicas satildeo realizadas durante o exame obsteacutetrico O meacutedico confere o cartatildeo de preacute-natal e se dirige agrave paciente para o exame As perguntas assim como o exame obsteacutetrico satildeo realizadas com muita objetividade sem detalhes da vida da mulher o que estaacute sentindo Jaacute tem filhos Ultima regra Neste espaccedilo a relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute muito passageira

Agraves 9 horas da manhatilde chega uma paciente sentindo muita dor O profissional a submete a exames costumeiros de toque vaginal e ausculta fetal Esses exames fornecem vaacuterias infor-maccedilotildees sobre a possibilidade de o parto ser normal dilataccedilatildeo do colo uterino apresentaccedilatildeo fetal variedade de posiccedilatildeo al-tura da apresentaccedilatildeo e as condiccedilotildees da bolsa das aacuteguas Os batimentos do coraccedilatildeo fetal satildeo registrados pelo aparelho cha-mado sonar As anotaccedilotildees satildeo feitas no partograma Algumas mulheres saem do primeiro exame obsteacutetrico para um interna-mento sem nenhuma informaccedilatildeo sobre as suas reais condiccedilotildees de trabalho de parto ou ateacute mesmo com informaccedilotildees equi-vocadas A paciente Josefa estaacute na sexta gravidez e ainda natildeo sabe o que significa dilataccedilatildeo completa do colo uterino e com

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total desconhecimento de tal fato afirmaldquoEu estava com sete centiacutemetros ai eu natildeo Sete vai custar mais Acho que o nenecirc nasce com dois ou trecircs centiacutemetros ai ta pertordquo Comumente o profissional meacutedico na maioria das vezes natildeo conversa com a paciente esclarecendo-a sobre a sua avaliaccedilatildeo

A espera pelo parto eacute sempre traumatizante pelo que se observou durante as reaccedilotildees das pacientes

Satildeo 10 horas da manhatilde A paciente Francisca estaacute deses-perada chora grita e acha que vai morrer Plantonista Antocircnia entra no quarto e diz ldquoestou cansada de ensinar as coisas para essa menina parece que estou falando com a parederdquo Francis-ca foi internada no plantatildeo anterior e jaacute satildeo mais de seis horas de trabalho de parto com vaacuterios toques vaginais O fato de ter algueacutem para conversar ou distrair a mulher neste momento de dor do trabalho de parto eacute reconhecido pela gestante como muita atenccedilatildeo recebida No depoimento de Gorete constatou-se esse fato ldquoEu fui tratada super bem Ela chegou sentou e ficou laacute conversando ateacute eu terrdquo Gorete comenta ainda que se sente bem cuidada porque estaacute com sete centiacutemetros de dila-taccedilatildeo e natildeo tem necessidade de a toda hora e todo instante de novo toque vaginal

A maioria das gestantes contudo permanece sem acom-panhante Os profissionais de plantatildeo natildeo se aproximam ex-ceto quando necessitam realizar um procedimento de rotina A presenccedila dos voluntaacuterios em alguns plantotildees oferece cui-dados agraves mulheres

O momento do parto apresenta duas faces de um lado o medo a dor e de outro a alegria de uma vida que chega

Apoacutes a dilataccedilatildeo completa do colo uterino a mulher em trabalho de parto entra no periacuteodo expulsivo o qual termina

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com o nascimento da crianccedila e eacute essa ocasiatildeo referida por al-gumas mulheres como o pior momento de dor

A presenccedila de um familiar ou ateacute de mesmo um grupo de estudantes na hora do parto significa ajuda apoio Uma pa-ciente de nome Carmem comenta de que gosta da presenccedila dos estudantes ldquoSoacute assim eu natildeo me sentia tatildeo soacute foi bom eles estarem laacute perto de mim todo o tempordquo E principalmente a presenccedila da matildee no nascimento do nenecirc lhe deu forccedilas e as duas puderam dividir a emoccedilatildeoAssim se expressa ldquoDeu forccedila demais e quando o nenecirc saiu ela chorou muito e eu tambeacutemrdquo

Os partos satildeo assistidos a maioria com a mulher na po-siccedilatildeo deitada ou semisentada Nessas horas de nascimento a palavra ldquoforccedilardquo eacute utilizada com grande insistecircncia pelos pro-fissionais da sauacutede Segundo a enfermeira Sandra o esforccedilo fiacutesico eacute meacuterito da mulher porque o menino nasce com ou sem o meacutedico

A expressatildeo ldquoforccedilardquo comumente usada no trabalho de par-to eacute com ecircnfase repetitoacuteria pela meacutedica Vacircnia quando percebe contraccedilatildeo uterina ldquoForccedila forccedila forccedila forccedila forccedila forccedilardquo A paciente faz a forccedila que tem condiccedilatildeo ou necessaacuteria No depoi-mento escrito em diaacuterio de campo a paciente Auzira comenta ldquoeu acho que quem manda[] Quando chega a hora a nature-za expulsa por si soacute natildeo tem como natildeo nascer chegou a hora tem que nascer em qualquer canto que estiverrdquo A paciente que tem experiecircncia com o parto normal sabe a diferenccedila entre pa-lavras de ordem e de estiacutemulo e muitas vezes se manteacutem calada na hora do parto por sabedoria proacutepria

O poacutes-parto realiza-se com o nascimento da crianccedila e a saiacuteda da placenta Alguns plantonistas fazem pressatildeo no fundo uterina para acelerar a saiacuteda desse anexo uterino Nesta ocasiatildeo espera-se pela necessidade ou natildeo de correccedilatildeo de episiotomia

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ou laceraccedilatildeo espontacircnea do canal de parto Eacute da responsabili-dade do profissional que fez a assistecircncia ao parto acompanhar esse momento e tomar as condutas necessaacuterias

O nascimento da crianccedila natildeo modifica a rotina dos pro-cedimentos da sala de parto Haacute pressa em executar a tarefa da rotina hospitalar o que concorre para que o funcionaacuterio se esqueccedila da relaccedilatildeo matildee-filho quando logo algumas crianccedilas satildeo levadas para o asseio antes dos primeiros cuidados da matildee

A paciente Nataacutelia cujo parto normal natildeo precisou de ne-nhuma correccedilatildeo na regiatildeo do canal de parto estaacute livre cuida do filho antes que algueacutemo leve para o banho Vitoriosa diz ldquouma felicidade Eu vi o bichinho colocado em cima de mim Aiacute depois levou Natildeo fui ponteada taiacute uma coisa que me dei-xou muito feliz Tudo normalrdquo Diante da visatildeo avaliativa de uma matildee de examinar o proacuteprio filho e de sua alegria de que tudo estaacute perfeito negar agrave matildee esse primeiro contato eacute desu-mano e ao mesmo tempo se perde um processo de coopera-ccedilatildeo avaliativa

INCORPORAccedilAtildeO DAS PRAacuteTICAS DE HUMANI-ZAccedilAtildeO NA SALA DE PARTO

Alguns funcionaacuterios deste Hospital Distrital falam de um curso que a Secretaria de Sauacutede do Cearaacute realizou junto a Agecircncia de Cooperaccedilatildeo Internacional do Japatildeo (JICA) e que na eacutepoca tomaram conhecimento de formas alternativas para aliviar e melhorar a dor da mulher em trabalho de parto

A enfermeira Maria fala com emoccedilatildeo do curso da JICA tal como ficou conhecido Segundo ela o novo aspecto da atenccedilatildeo agrave mulher inclui acolhimento cuidado e coloca-se no lugar do outro ou agrave disposiccedilatildeo do outro para ajudaacute-lo ldquoO que

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estaacute ao alcance da gente () o que a gente pode fazer para me-lhorar esse trabalho de parto para a matildee tornaacute-lo mais suave menos traumaacutetico para ela para tornar a experiecircncia do parto positiva prazerosa procuro fazer com que ela encare o par-to realmente como uma experiecircncia positiva que vai trazer alegria felicidade e a graccedila de ser matildeerdquo afirmou a enfermeira

A meacutedica Paula tomou conhecimento do curso da JICA cujo objetivo era humanizaccedilatildeo do parto Algumas pessoas fo-ram para o Japatildeo outras fizeram o curso aqui em Fortaleza Ela percebe que desde esse curso algumas mudanccedilas ocorreram dentro da sala de partoAssim comenta ldquo Eu observei a par-ticipaccedilatildeo maior de outros profissionais a enfermeira passou a fazer parto normal foi introduzido instrumento como o ca-valinho e a bola algumas mudanccedilas de condutas como massa-gens nas mulheres natildeo fazer mais tricotomia natildeo fazer clister evacuativo dieta liacutequida ao inveacutes de zerordquo

Mesmo ao se referir agraves mudanccedilas na sala de parto Pau-la observa que haacute resistecircncia de uma parcela importante dos profissionais meacutedicos Considera que talvez essa ldquoresistecircncia foi em funccedilatildeo de que o espaccedilo que era do meacutedico seria ocupa-do pela enfermeirardquo A possibilidade da perda de seu poder na atuaccedilatildeo do serviccedilo de parto para as enfermeiras afastou os meacute-dicos do conhecimento das novas praacuteticas de sauacutede da mulher

Ocorre comumente que os profissionais que trabalham em sala de parto independentemente de sua categoria profis-sional estatildeo submetidos a uma rotina hospitalar concorrendo para que muitos desses profissionais adquiram mais habili-dade com as tarefas teacutecnicas do que desenvolver atitudes de apoio emocional agraves pacientes Encontrou-se na fala de uma enfermeira o quanto a praacutetica diaacuteria de normas teacutecnicas pode influenciar a dimensatildeo psicossocial e relacional com as pacien-

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tes ldquoVai naquela rotina e comeccedila a trabalhar como se fosse maacutequina sem sensibilidade sem carinho sem amor sem se colocar no lugar do outrordquo O modelo biomeacutedico centrado na teacutecnica obsteacutetrica natildeo valoriza o saber da mulher e deixa de lado o aspecto subjetivo da relaccedilatildeo (AYRES 2000 AYRES 2004 BRUumlGGEMANN PARPINELLI OSIS 2005)

Nas palavras de Michel Odent se encontrajustificativas para o desconhecimento dos elementos da humanizaccedilatildeo do parto e uso abusivo dos procedimentos obsteacutetricos no caso especial da cesariana no lugar da espera pelo fisioloacutegico ldquoa obstetriacutecia moderna natildeo sabe nada e se preocupa menos ain-da quanto ao fato de que o trabalho de parto o parto e a fase inicial da amamentaccedilatildeo satildeo partes integrais da vida sexual da mulherrdquo (ODENT 2002 p18)

Dois tipos baacutesicos de profissionais se destacam na assis-tecircncia ao parto normal O primeiro eacute aquele profissional que estaacute ao lado da mulher que trabalha todos os seus sentidos porque aposta nas tecnologias leves mencionadas por Merhy (2000) O outro eacute aquele que sempre se potildee agrave frente da mulher na assistecircncia ao receacutem-nascido e que na maioria das vezes soacute reconhece o poder da teacutecnica obsteacutetrica e desconsidera o apoio emocional como uma etapa do acompanhamento profissional Neste caso a supervalorizaccedilatildeo das teacutecnicas se sobrepotildee agrave re-laccedilatildeo profissional-paciente (CAPRARA RODRIGUES 2004) Sobre as observaccedilotildees dirigidas para a realidade do parto da maternidade do Hospital Puacuteblico selecionado na busca de as-pectos de humanizaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede voltadas para a gestante trecircs situaccedilotildees foram destacadas e descritas

Na primeira situaccedilatildeo eacute a realizaccedilatildeo de trecircs partos num pe-riacuteodo exiacuteguo de duas horas quando a humanizaccedilatildeo se torna

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uma praacutetica difiacutecil em face das resistecircncias de certos profissio-nais que tecircm pressa em resolver o problema do parto

A emergecircncia encontra-se superlotada Na sala cinco gestantes em trabalho de parto e destas trecircs jaacute passaram pela experiecircncia de ser matildee Agraves 9 horas eacute decidido pela plantonista Antocircnia iniciar medicaccedilatildeo ocitocina nas gestantes Uma su-cessatildeo de nascimentos um apoacutes outro As trecircs primeiras mu-lheres a conhecerem que seus filhos foram experientes mul-tiacuteparas Agraves 10 horas a terceira multiacutepara pariu A plantonista Antocircnia demonstra surpresa com a rapidez dos nascimentos e chega a fazer o seguinte comentaacuterio ldquoessa minha mania de querer resolver logo as coisasrdquo Nestes casos o medicamento utilizado nas gestantes que estatildeo em trabalho de parto normal provoca um efeito que aumenta mais ainda a contraccedilatildeo ute-rina e como resultado foi o nascimento de trecircs crianccedilas num tempo muito raacutepido

A auxiliar de enfermagem Faacutetima conta que o que apren-deu nos quatros moacutedulos do curso da JICA tenta colocar em praacutetica mas eacute difiacutecil porque natildeo satildeo todos os plantonistas que aceitam a nova maneira de acompanhar a paciente Pela razatildeo de o tempo com o parto fisioloacutegico ser demorado o meacutedico abrevia esse momento com um procedimento da teacutecnica obs-teacutetrica ldquo [] acontece da gente preparar uma paciente para o parto normal com banho morno exerciacutecios na bola exerciacute-cios de respiraccedilatildeo e massagem estaacute tudo bem chega a hora do nenecirc nasce ai chama o doutor Aiacute ele decide fazer uma episiotomia sem anestesia Eu achei que ele desfez tudo des-manchou toda a preparaccedilatildeo a proacutepria paciente disse o que eacute mais terriacutevel eacute esse corterdquo

Faacutetima conta ainda que eacute testemunha de momentos be-liacutessimos no qual o parto deu certo com luz na penumbra sem

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episiotomia e com calma um clima de harmonia Ela observa que tambeacutem natildeo eacute soacute a falta de apoio de um grupo de profis-sionais ldquohaacute pacientes muito despreparadas que soacute conseguem evoluir para um parto com muito sofrimentordquo Chama a aten-ccedilatildeo para um preacute-natal no qual a mulher se prepara para um parto fisioloacutegico com conhecimento de seu corpo e todas as etapas necessaacuterias para um bom parto normal

Na segunda situaccedilatildeo foi observada a funccedilatildeo da voluntaacuteria denominada de doula na sala do parto

Um grupo de mulheres eacute acolhido na sala de parto com praacuteticas e teacutecnicas humanizadas de acordo com as poliacuteticas de sauacutede do Brasil As praacuteticas satildeo percebidas com naturalidade nas falas das pacientes ldquoDoutora vamos fazer borboletasrdquo Doutora quero ir para a bolardquo Durante o trabalho de parto as pacientes andam sentam deitam tomam banho fazem exer-ciacutecios espontaneamente ou com a ajuda das voluntaacuterias Satildeo frequentes e espontacircneas as atividades de movimentaccedilatildeo den-tro da sala de parto e a manifestaccedilatildeo do desejo de tomar banho O trabalho de parto evolui muito mais raacutepido e com menor sofrimento Algumas gestantes quebram o ciclo da tensatildeo-me-do e dor tendo agrave sua disposiccedilatildeo um profissional que estimula orienta e se mostra acessiacutevel as suas solicitaccedilotildees

Satildeo 11 horas da manhatilde haacute duas voluntaacuterias na sala de parto Elas fazem massagens na regiatildeo lombar no abdome e nas costas das gestantes Estimulam as pacientes a ficarem de coacutecoras ensinam a puxar o ar prender e soltar com a boca fe-chada O tempo eacute preenchido com conversa explicaccedilatildeo toque de matildeos e olhares

Uma das voluntaacuterias encontra-se com uma bata amarela e se identifica como Doula Ela mesma define que ldquoDoula signi-fica matildeo amigardquo Segundo essa profissional ldquoa Doula natildeo tem

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funccedilatildeo de ajeitar prontuaacuterio ou medir pressatildeo como a enfer-meira e a auxiliar de enfermagem Noacutes somos da matildeezinhardquo Como voluntaacuteria ela estaacute disponiacutevel natildeo tem tarefa de rotina e consegue contar histoacuterias cantar fazer oraccedilotildees aplicar mas-sagens levar para o banho estimular um pensamento positivo como por exemplo ldquopensar no filho que vai nascerrdquo eacute uma forma para suportar a dor do trabalho de parto

Na terceira observaccedilatildeo se pode chamar de parto assistido com humanizaccedilatildeo e nascimento feliz

No quarto trecircs haacute uma paciente em trabalho de parto Observa-se a Doul autilizando seu braccedilo direito como apoio para as costas da paciente a enfermeira encontra-se sentada na posiccedilatildeo de assistecircncia agrave crianccedila o meacutedico estaacute agrave esquerda da paciente O quarto tem pouca luz e no momento natildeo haacute barulho na sala As pessoas que acompanham o parto estatildeo pacientes e a mulher recebe orientaccedilotildees massagens estiacutemulos e toque de matildeos Na hora da contraccedilatildeo ela se espreme faz forccedila e se apoia em um suporte a sua frente e no braccedilo da Dou-la para ficar na posiccedilatildeo semisentada Satildeo 11 horas da manhatilde momento em que o poacutelo cefaacutelico abaula discretamente o periacute-neo haacute um clima de confianccedila de que tudo se encaminha para um parto normal sem complicaccedilotildees A paciente demonstra sentir dor forte durante contraccedilatildeo mas depois fica tranquila e recebe orientaccedilatildeo para respirar profundo e natildeo se esforccedilar quando natildeo haacute contraccedilatildeo Apoacutes 20 minutos a apresentaccedilatildeo fe-tal forccedila o periacuteneo e haacute um questionamento entre a enfermei-ra e o meacutedico quanto agrave necessidade da episiotomia Decidem que natildeo precisa do procedimento Meacutedico e enfermeira estatildeo em campo e preparados para a recepccedilatildeo ao receacutem-nascido A crianccedila nasce bem chora e eacute colocada sobre o ventre mater-no Algueacutem comenta ldquoconversa com o teu bebecirc matildeerdquo Ela estaacute

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sorrindo e natildeo consegue pronunciar nenhuma palavra Todos estatildeo felizes porque eacute um parto bem-sucedido e um nascimen-to saudaacutevel

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

As experiecircncias relatadas pelas mulheres que pariram na Maternidade do Hospital Puacuteblico em Fortaleza Cearaacute sele-cionado para esta pesquisa mostram que encontrar os ele-mentos da humanizaccedilatildeo como cuidado acolhimento suporte emocional presenccedila do acompanhante seja durante o preacute-na-tal ou no momento do parto eacute uma realidade incomum

Fragmento de discurso de uma paciente que passou pela experiecircncia de um parto vaginal reflete bem essa situaccedilatildeo Satildeo palavras suas ldquouma experiecircncia ruim pela forma como as pessoas me trataram natildeo deram importacircncia para mim nem para as minhas dores nem para os meus medos e minhas an-siedadesrdquo portanto a realidade traumatizante da falta de uma praacutetica humanizada traraacute para essas mulheres um sofrimento sempre presente

A baixa qualidade do atendimento no preacute-natal se repete em todas as etapas do parto Haacute um total desconhecimento de que a humanizaccedilatildeo do parto faz parte de uma estrateacutegia do Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil com apoio da OMS para me-lhorar a sauacutede reprodutiva porque assim entendem que a sauacute-de reprodutiva eacute fundamental para os casais e famiacutelias assim como o desenvolvimento social e econocircmico das comunidades e naccedilotildees

Uma reflexatildeo a ser feita recai sobre o modelo de atendi-mento agrave gestante centrado no problema que desconsidera a subjetividade da paciente e a recebe de forma mecacircnica Para a

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humanizaccedilatildeo da sauacutede o profissional precisa valorizar a cultu-ra da matildee disponibilizar tempo para apoio emocional e incluir nas suas condutas as decisotildees da paciente

Outro aspecto de importacircncia capital eacute fazer da sala de parto um espaccedilo de humanizaccedilatildeo onde a luz da vida renasce em cada crianccedila e natildeo transformaacute-la em uma faacutebrica com uma linha de montagem e uma produccedilatildeo a ser alcanccedilada

Investir em uma relaccedilatildeo profissional-paciente com maior qualidade favorece satisfaccedilatildeo profissional por diversas oca-siotildees e supera problemas da gestatildeo e de atenccedilatildeo hospitalar

Percebeu-se uma grande diferenccedila nas relaccedilotildees manti-das pelo profissional que fez o curso Humanizaccedilatildeo do Parto e aquele que natildeo o desenvolveu Na primeira haacute uma sintonia entre profissional-paciente que reduz a assimetria da relaccedilatildeo Na segunda a relaccedilatildeo se limita a cumprir as tarefas de rotina

Utilizou-se dos conhecimentos disponiacuteveis para com-preender e explicar as dificuldades de implementaccedilatildeo da praacuteti-ca de humanizaccedilatildeo da sauacutede especialmente na Obstetriacutecia Haacute necessidade de conhecimento tanto filosoacutefico quanto cientiacutefi-co de novos cursos na formaccedilatildeo do profissional de sauacutede que o habilite a trabalhar com as novas praacuteticas de sauacutede

A proposta de utilizaccedilatildeo da dualidade do conhecimento compreensatildeo-explicaccedilatildeo fica como uma estrateacutegia a ser uti-lizada para discutir humanizaccedilatildeo na sauacutede em benefiacutecio da constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede a serem uti-lizadas nas maternidades

Espera-se que outros estudos possam ser realizados abor-dando este tema contribuindo com a poliacutetica de humanizaccedilatildeo das maternidades brasileiras gerando assim benefiacutecios para pacientes e profissionais de sauacutede envolvidos nesse processo

312

REFERecircNCIAS

ARAUacuteJO G Parteiras Tradicionais na atenccedilatildeo obsteacutetrica no Nordes-te Rio de Janeiro Nova Fronteira 1987AYRES J R Cuidado tecnologia ou sabedoria praacutetica Interface-Co-municaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 6 p 117-120 2000AYRES J R Cuidado e reconstruccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede Interface-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 8 p 73-92 2004BAUER M W GASKELL G Pesquisa qualitativa com texto ima-gem e som um manual praacutetico Traduccedilatildeo de Pedrinho A Guareschi Rio de Janeiro Vozes 2002BONADIO I C Ser tratada como gente a vivecircncia de mulheres atendidas no serviccedilo de preacute-natal de uma instituiccedilatildeo filantroacutepica Satildeo Paulo 1996 Tese (Doutorado em Enfermagem) USPBRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Programa de humanizaccedilatildeo da assistecircn-cia hospitalar Brasiacutelia 2000BRASIL Resoluccedilatildeo 46612 Brasiacutelia Conselho Nacional de Sauacutede 2012BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Poliacuteticas de Sauacutede Aacuterea teacutecnica de sauacutede da mulher Parto aborto e puerpeacuterio assistecircncia hu-manizada agrave mulher Brasiacutelia 2001BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo Disponiacutevel em lt portal da sauacutede-wwwsauacutedegovbrsauacutedeaacutereac-fmid-aacuterea=390gt acesso em 30032005BRASIL Ministeacuterio da sauacutede Secretaria de atenccedilatildeo agrave sauacutede Nuacutecleo teacutecnico da Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo HumanizaSUS docu-mento base para gestores e trabalhadores do SUS Ministeacuterio da Sauacute-de 3ordf ed-Brasiacutelia editora do Ministeacuterio da Sauacutede 2006BRUumlGGEMANN O M PARPINELLI M A OSIS M J D Evidecircn-cia sobre o suporte durante o trabalho de partoparto uma revisatildeo da literatura Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 21 p 1316-1327 2005

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CAPRARA A RODRIGUES J A relaccedilatildeo assimeacutetrica meacutedico-pa-ciente repensando o viacutenculo terapecircutico Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 9 p 139-146 2004 CAPRARA A LANDIM L P Etnografia uso potencialidades e limites na pesquisa em sauacutede Interface-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Edu-caccedilatildeo Disponiacutevel em HTTPwwwinterfaceorgbrarquivosapro-vadosartigo46pdfgt acesso 20032008 preacute-publicaccedilatildeoCARVALHO M L M A participaccedilatildeo do pai no nascimento da-crianccedila as famiacutelias e os desafios institucionais em uma maternidade puacuteblica Rio de Janeiro 2001 Dissertaccedilatildeo de Mestrado Instituto de Psicologia UFRJDAVIS-FLOYD R E The technocratic humanistic and holistic pa-radigms of childbirthInternational Journal of Gynecology and obste-trics v 75 p 5-23 2001DIAS M A B DESLANDES S F Cesarianas percepccedilatildeo de risco e sua indicaccedilatildeo pelo obstetra em uma maternidade puacuteblica no municiacute-pio do Rio de Janeiro Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 20 p 109-116 2004DOSSIEcirc HUMANIZACcedilAtildeO DO PARTOREDE NACIONAL FEMI-NISTA DE SAUacuteDE DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODU-TIVOS Satildeo Paulo 2002FABIETTI U REMOTI F Dicionario di antropologia etnologia an-tropologia sociale Editora Zanichelli Bologna 1997FAUacuteNDES A CECATTI J G A operaccedilatildeo cesaacuterea no Brasil inci-decircncia tendecircncia causas consequumlecircncias e propostas de accedilatildeo Cader-nos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 7 p 150-173 1991GEERTZ G A interpretaccedilatildeo das culturas Traduccedilatildeo Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos Editora SA Rio de Janeiro 1989GLIFFORD G A experiecircncia etnograacutefica Editora da UFRJ Rio de Janeiro 2002MENEZES R A Etnografia do ensino meacutedico em um CTI Interfa-ce-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 5 p 117-130 2001

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MERHY E E Um ensaio sobre o meacutedico e suas valises tecnoloacutegicas Interface- Comunic Sauacutede Educaccedilatildeo v 4 p 109-116 2000MORINE O meacutetodo 3 conhecimento do conhecimento O meacutetodo 4 as ideacuteias O meacutetodo 5 a humanidade da humanidade Traduccedilatildeo de Juremir Machado da Silva 3ordf ediccedilatildeo-Porto Alegre Sulina 2005 ODENT M A cientificaccedilatildeo do amor2deged Traduccedilatildeo de Marcos de Noronha e Taacutelia Gevaerd de Souza Florianoacutepolis Saint Germain 2002ORGANIZACcedilAtildeO MUNDIAL DE SAUacuteDE Assistecircncia ao parto nor-mal um guia praacutetico Relatoacuterio de um grupo teacutecnico Genebra 1996ROUQUAYROL M Z ALMEIDA-FILHO N A Epidemiologia amp Sauacutede 6ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro MEDSI 2003 SECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DO CEARAacute (SESA) Ma-nual do Parto Humanizado projeto luz Fortaleza Secretaria de Sauacute-de do Estado do Cearaacute 2000 Disponiacutevel em wwwamigasdopartocombrjicahtmt_9kSECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DO CEARAacute (SESA) Se-minaacuterio Estadual de Humanizaccedilatildeo Programa e anais nuacutecleo de hu-manizaccedilatildeo-Fortaleza Secretaria de Sauacutede do Estado do Cearaacute 2006

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CAPIacuteTULO 15

AVALIAccedilAtildeO DAS NECESSIDADES DE FAMI-LIARES DE PACIENTES EM UNIDADE DE TE-RAPIA INTENSIVA PEDIAacuteTRICA

Ilse Maria Tigre de Arruda LeitatildeoAna Camila Moura Rodrigues

Roberta Meneses de OliveiraAdriana Catarina de Souza Oliveira

Letiacutecia Lima AguiarMarcelo Gurgel Carlos da Silva

INTRODUccedilAtildeO

O capiacutetulo teve como objetivo geral analisar as necessida-des de familiares de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediaacutetrica utilizando como base o Inventaacute-rio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI

A famiacutelia ocupa um papel importante no cuidado da crianccedila cardiopata principalmente a matildee a que permanece o maior tempo na unidade e muitas vezes suas necessidades satildeo desconhecidas pelo enfermeiro A famiacutelia vivencia uma experiecircncia regida por sofrimento inseguranccedila preocupaccedilatildeo frustraccedilatildeo desapontamento ansiedade e falta de confianccedila na capacidade de cuidar do seu filho A satisfaccedilatildeo dos familiares eacute definida como um grau de congruecircncia entre a percepccedilatildeo des-te sobre o cuidado recebido em unidades especializadas

As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) foram conce-bidas com a finalidade de oferecer atenccedilatildeo contiacutenua e suporte avanccedilado aos pacientes criacuteticos com risco de morte lanccedilando matildeo de recursos de alta tecnologia que auxiliam ou substituem

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a funccedilatildeo de oacutergatildeos vitaisA Unidade de Terapia Intensiva Pe-diaacutetrica eacute um ambiente de alta complexidade tecnoloacutegica e possui uma linguagem teacutecnica bastante especiacutefica e familiar aos profissionais de sauacutede entretanto assusta agravequeles que adentram o ambiente pela primeira vez (COSTA ARANTES BRITO 2010)

Na maioria das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) Pediaacutetricas a permanecircncia eacute restrita aos funcionaacuterios que ali trabalham e aos pais das crianccedilas internadas que disponibili-zam somente de uma hora de visita diaacuteria sendo isto um fator gerador de anguacutestia para os pais que esperam o dia inteiro para ver seus filhos

As instituiccedilotildees hospitalares alegam que esta metodologia de funcionamento diminui os riscos de infecccedilotildees manuseio excessivo dos pacientes e o barulho dentro da Unidade de Te-rapia Intensiva Pediaacutetrica colaborando assim para a recupera-ccedilatildeo da crianccedila e minimizando o sofrimento dos pais pelo fato de natildeo presenciarem os procedimentos realizados com seu fi-lho (CUNHA ZAGONEL 2006)

Geralmente crianccedilas que necessitam de cuidados meacute-dicos ou ciruacutergicos nas primeiras horas de vida satildeo encami-nhados para as UTIs pediaacutetricas onde recebem assistecircncia imediata de profissionais aptos Desse modo o nuacutemero de internaccedilotildees nessas unidades eacute elevado em detrimento das condiccedilotildees de nascimento tais como cardiopatias associadas a prematuridade muito baixo peso ao nascer desconforto respi-ratoacuterio prolongado infecccedilotildees intra e perinatal mal formaccedilotildees e outros diagnoacutesticos que predispotildeem a crianccedila a tratamentos especializados

Cerca de seis milhotildees de crianccedilas nascem anualmente no Brasil das quais aproximadamente 45 mil satildeo portadoras de

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alguma anomalia cardiacuteaca Tendo em vista a quantidade de nascidos a grande maioria natildeo tem acesso a tratamento cliacuteni-co ou ciruacutergico mesmo sabendo-se que 80 satildeo portadoras de cardiopatias congecircnitas e necessitam ser submetidas agrave cirurgia cardiacuteaca ateacute o sexto mecircs de vida (MALUF et al 2009)

A famiacutelia tambeacutem se percebe doente em razatildeo de vivecircn-cia diaacuteria do risco iminente da perda do filho sensaccedilatildeo de impotecircncia diante da doenccedila por vezes carregando consigo sentimento de culpa por ter que administrar cuidado entre a crianccedila doente e os demais filhos A famiacutelia na maioria dos ca-sos inevitavelmente sofre natildeo somente pela situaccedilatildeo criacutetica da crianccedila tanto em relaccedilatildeo agrave doenccedila da crianccedila como sua inter-naccedilatildeo na UTI como tambeacutem passa por um processo doloroso de culpabilidade e medo de perder definitivamente o viacutenculo a afetividade e o sentimento de perda Todo isso pode influir di-retamente e dificultar o processo assistencial (GORGULHO RODRIGUES 2010)

O cuidado da famiacutelia eacute parte fundamental para a recupe-raccedilatildeo de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva tornan-do-se ainda mais importante em casos de crianccedilas com adoeci-mento cardiacuteaco de natureza grave poreacutem para a famiacutelia nem sempre eacute faacutecil manter-se presente haja vista a dificuldade em lidar e encarar as incertezas sobre o futuro do seu familiar (SA-LIMENA et al 2012)

Questotildees como essas suscitam uma reflexatildeo acerca das necessidades especiacuteficas apresentadas pelos familiares e suas elevadas frequecircncias de estresse distuacuterbios do humor e an-siedade durante o acompanhamento da internaccedilatildeo na UTI e segundo Castro (1999) muitas vezes esses sentimentos persis-tem apoacutes a morte do seu ente querido

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A famiacutelia como sujeito importante no cuidado de pacien-tes internados em UTI e suas necessidades especialmente de informaccedilatildeo sobre todo este processo como agente participante que complementa o afrontamento das dificuldades da proacutepria doenccedila do paciente foi estudada e indicada por muitos autores e organizaccedilotildees internacionais como um meio de proporcionar ao paciente criacutetico um cuidado de qualidade com uma atenccedilatildeo holiacutestica o integral (LLAMAS-SAacuteNCHEZ et al 2008 KEAN 2010 DAVIDSON et al 2010)

Com efeito faz-se necessaacuterio que a humanizaccedilatildeo da as-sistecircncia de enfermagem se configure como elemento basilar para o estabelecimento de um cuidado integral seguro e de qualidade capaz de atender as demandas natildeo soacute do doente mas tambeacutem de toda a sua famiacutelia Para tanto ela deve ser embasada em conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos de modo que os profissionais compreendam o processo sauacutede-doenccedila segundo o ponto de vista da crianccedila e de seus familiares (OLI-VEIRA et al 2013)

A famiacutelia quando devidamente preparada e educada para ser agente participante do processo de cuidar traz benefiacutecios ao paciente dando respostas agraves necessidades da famiacutelia e pa-ciente aleacutem de fortalecer o viacutenculo afetivo e a confianccedila entre a famiacutelia e a equipe de trabalho na UTI ainda considerando que eacute a famiacutelia quem cuidaraacute e realizaraacute o seguimento do cui-dado depois da alta hospitalar (DUSING VAN DREW BRO-WN 2012)

O primeiro estudo que abordou as necessidades da famiacute-lia no contexto da UTI foi publicado pela enfermeira dos EUA Nancy Molter em 1979 e teve como objetivo identificar as ne-cessidades percebidas pelos familiares dos pacientes Foram le-vantadas 45 necessidades (MORGON GUIRARDELLO 2004)

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Em 1986 a enfermeira Jane Leske replicou o trabalho de Molter aplicando o mesmo questionaacuterio apoacutes reorganizaccedilatildeo randocircmica da sequecircncia dos itens Esse questionaacuterio recebeu o nome de Critical Care Family Needs Inventory (CCFNI) sendo constituiacutedo pelas mesmas 45 necessidades agraves quais os fami-liares atribuiacuteam diferentes graus de importacircncia numa escala crescente de 1 a 4 Em 1991 Leske conduziu um estudo com 677 familiares utilizando o CCFNI e apoacutes anaacutelise fatorial os itens foram alocados em cinco dimensotildees Suporte Conforto Informaccedilatildeo Proximidade e Seguranccedila (MORGON GUIRAR-DELLO 2004)

Outros estudos utilizaram este instrumento na iacutentegra e parcialmente Dada a relevacircncia e a pertinecircncia com as ques-totildees vivenciadas no cotidiano dos serviccedilos de sauacutede brasilei-ros o instrumento foi adaptado e validado para a cultura do Paiacutes sendo denominado Inventaacuterio de Necessidades e Estres-sores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Inten-siva- INEFTI constituiacutedo de 43 necessidades que se dividem em cinco categorias informaccedilatildeo seguranccedila acesso suporte e conforto (CASTRO 1999)

Com base no exposto interrogamos que tipo de necessi-dades como base no Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI os familiares de crianccedilas internadas expressam

Para responder a esta questatildeo este estudo destaca como objetivo geral analisar as necessidades de familiares de crian-ccedilas internados em duas Unidades de Terapia Intensiva Pediaacute-trica de um hospital puacuteblico de referecircncia utilizando como base o Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI

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METODOLOGIA

A pesquisa configura um estudo descritivo transversal com abordagem quantitativa) sendo um recorte de uma pes-quisa intitulada Qualidade da Assistecircncia de Enfermagem Fundamentada no modelo Donabediana (estrutura- proces-so- resultado) anaacutelise de organizaccedilotildees hospitalares de Forta-leza-CE

O estudo foi realizado em duas Unidades de Terapia In-tensiva Pediaacutetrica existentes em um hospital de referecircncia em cuidados cardiacuteacos e pulmonares da rede puacuteblica Estadual do Cearaacute localizado em Fortaleza O levantamento de dados foi realizado nos meses de setembro a novembro de 2013

O tipo de assistecircncia agrave sauacutede das UTIs varia de acordo com as necessidades do paciente levando em conta o cuidado progressivo em sauacutede Dessa forma a primeira unidade deno-minada UTI pediaacutetrica recebe pacientes graves ou com risco iminente de morte Dispotildee de nove leitos sendo dois destes para isolamento e outro para pacientes transplantados A equi-pe de Enfermagem eacute composta por 14 enfermeiras e 33 teacutecni-cos e auxiliares de Enfermagem divididos em escala mensal da seguinte forma em cada plantatildeo de 12h existem duas en-fermeiras e seis auxiliares Caso a unidade receba uma crianccedila transplantada eacute necessaacuterio que exista uma enfermeira a mais durante o plantatildeo ateacute o momento da alta

A segunda UTI denominada UTI Pediaacutetrica Poacutes-Ciruacutergi-ca recebe pacientes advindos de cirurgias eletivas de coraccedilatildeo eou pulmatildeo Eacute dotada de oito leitos sendo dois destes reser-vados agraves situaccedilotildees de isolamento Dispotildee de duas enfermeiras por plantatildeo seis auxiliares eou teacutecnicos de Enfermagem uma

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secretaacuteria uma pessoa responsaacutevel por material e serviccedilos ex-ternos um meacutedico diarista e um meacutedico plantonista

A populaccedilatildeo foi composta pela totalidade de familiares de pacientes que estavam internados durante o periacuteodo de coleta de dados nas unidades em estudo

A amostragem da pesquisa foi do tipo intencional e deter-minada pelo objetivo do estudo em um grupo o mais homo-gecircneo possiacutevel

Foram utilizados os seguintes criteacuterios de inclusatildeo matildee ou avoacutes (em razatildeo do protocolo da instituiccedilatildeo estudada) com idade igual ou superior a 18 anos que tenham permanecido na unidade no miacutenimo trecircs dias com o paciente na UTI e que apresentaram condiccedilotildees de compreender e de responder o ins-trumento de coleta de dados

Apesar de as duas UTIs possuiacuterem 17 leitos ocupados so-mente 15 matildees foram entrevistadas Justifica-se a ausecircncia de duas pois elas natildeo compareciam as unidades em questatildeo para visita diaacuteria no decorrer da coleta do estudo

Foram utilizados dois instrumentos de coleta questionaacute-rio soacutecioeconocircmico da famiacutelia e Instrumento de Inventaacuterio de Necessidades dos Familiares (INEFTI) em Terapia Intensiva com base em Castro (1999) Para este estudo foram empre-gados 21 itens do Critical Care Family Needs Inventory (CC-FNI) organizados em quatro categorias de necessidades a sa-ber necessidade de conhecimento informaccedilatildeo na qual seratildeo agrupados os itens relacionados agrave necessidade dos familiares de receber informaccedilotildees das mais variadas ou de obter conhe-cimento relacionado ao estado de sauacutede ou aos procedimentos envolvidos na terapecircutica do familiar doente necessidade de conforto relacionada ao planejamento fiacutesico da unidade mo-

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biacutelia nela contida e necessidade dos familiares em sentirem-se confortaacuteveis na sala de espera ou na proacutepria unidade no de-correr de sua estada necessidade de seguranccedila emocional na qual foram agrupados os itens relacionados agraves necessidade dos familiares de sentirem-se seguros menos ansiosos eou teme-rosos quanto ao estado de sauacutede e ao prognoacutestico de seu fa-miliar e necessidade de acesso ao paciente e aos profissionais da unidade na qual foram agrupados os itens relacionados agrave necessidade dos familiares em ter mais acesso aos profissionais da instituiccedilatildeo (meacutedicos enfermeiros fisioterapeutas nutri-cionistas psicoacutelogos e outros funcionaacuterios natildeo relacionados agraves reais necessidades de sauacutede) que aborda necessidades re-lacionadas a quatro dimensotildees (conforto informaccedilatildeo proxi-midade e seguranccedila aproximando da realidade e do contexto famiacutelia hospital e paciente)

O instrumento eacute composto por duas escalas importacircncia e satisfaccedilatildeo As escalas satildeo crescentes ou seja quanto maior o valor atribuiacutedo aos itens maior eacute o grau de importacircncia ou satisfaccedilatildeo deles

Apoacutes aplicaccedilatildeo do instrumento INEFTI foram escolhidas as situaccedilotildees de maiores meacutedias de respostas apresentadas nas duas unidades de terapia intensiva para elaboraccedilatildeo da escala da razatildeo (ER)

O sistema de pontuaccedilatildeo utilizado seguiu a aplicaccedilatildeo feita por Lucchese (2003) com escores em escala do tipo Likert va-riando de 1 a 4 As necessidades com meacutedia maior ou igual a 3 foram definidas como importantes e satisfeitas A escala Likert eacute uma escala psicomeacutetrica das mais conhecidas e utilizada em pesquisa quantitativa que pretende registrar o niacutevel de con-cordacircncia ou discordacircncia com uma declaraccedilatildeo dada

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Apoacutes aplicaccedilatildeo do instrumento INEFTI foram escolhidas as situaccedilotildees de maiores meacutedias de respostas expressas nas duas unidades de terapia intensiva para elaboraccedilatildeo da escala da ra-zatildeo Outra teacutecnica empregada foi a observaccedilatildeo da realidade do serviccedilo e suas accedilotildees com registros em um diaacuterio de campo

A estatiacutestica descritiva foi utilizada para caracterizaccedilatildeo dos pacientes e dos respectivos familiares As variaacuteveis de-pendentes fizeram parte do levantamento das necessidades relativas agrave dimensatildeo de conhecimentoinformaccedilatildeo conforto e seguranccedila As variaacuteveis independentes relativas agrave dimensatildeo de necessidade de acesso ao paciente por apresentarem poucos registros foram apenas listadas pelo INEFTI A aplicaccedilatildeo do instrumento ocorreu em local privativo e foi realizada em qua-tro momentos com duraccedilatildeo meacutedia de 50 minutos

A maioria dos estudos que utilizou o CCFNI considerou como aspecto importante o tipo de escala de medida utilizado na aplicaccedilatildeo e anaacutelise desse instrumento Na adaptaccedilatildeo brasi-leira a escala de medida varia de 01 a 04

Nesta pesquisa optamos por utilizar para classificar o grau de importacircncia uma escala numeacuterica (ESCALA DA RAZAtildeO ER) de 01 a 21 que eacute o quantitativo de necessidades apresentadas aos participantes aleacutem de uma escala de catego-ria que produz dados descritivos

Para a elaboraccedilatildeo do instrumento buscou-se conciliar quatro das cinco dimensotildees utilizadas no instrumento do INEFTI a saber Conforto Informaccedilatildeo Acessibilidade e Segu-ranccedila que contemplam as necessidades dos familiares que tecircm pacientes internados em UTI

Cada necessidade do instrumento foi mostrada aos partici-pantes que foram solicitados a assinalar o grau de importacircncia

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que eles atribuiacuteam agravequelas necessidades Para cada dimensatildeo abordada foram elaboradas instruccedilotildees especificas em folhas separadas de modo que cada familiar expocircs em momentos distintos suas necessidades sobre quatro abordagens diferen-ciadas Em cada necessidade abordada em uma das dimensotildees foi dada oportunidade para que as famiacutelias entrevistadas dis-cutissem contassem fatos chorarem agradecessem reclamas-sem dessem sugestotildees Todas as respostas foram registradas imediatamente agrave medida que as entrevistas transcorreram

O projeto passou pelo Comitecirc de Eacutetica na Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute visando a obedecer aos pre-ceitos eacuteticos da pesquisa em sauacutede com seres humanos (BRA-SIL 2012) assim como o compromisso social com eles Apoacutes aprovaccedilatildeo foi encaminhado ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do hospital cenaacuterio da pesquisa obtendo Parecer de nordm 77180

RESULTADOS

Caracterizaccedilatildeo de pacientes e familiaresOs dados coletados estatildeo em tabelas o que permite a ca-

racterizaccedilatildeo dos familiares entrevistados quanto a estado civil escolaridade religiatildeo situaccedilatildeo de trabalho e renda familiarTABELA 1 - Caracteriacutesticas dos familiares de duas UTIs pe-diaacutetricas Fortaleza-CE 2013

Variaacuteveisn=15

f

Estado civilCasada 2 133Solteira 2 133Uniatildeo estaacutevel 11 733Idade15-20 anos 1 67

325

21-30 anos 5 33331-40 anos 7 467EscolaridadeAnalfabeta 1 67Fundamental incompleto 5 333Fundamental completo 3 200

Meacutedio incompleto 2 133Meacutedio completo 3 200Superior incompleto 1 67Religiatildeo Catoacutelica 9 60Evangeacutelica 5 333Outros 1 67Situaccedilatildeo de trabalhoDiarista 2 133Dona de casa 7 467Agricultora 4 267Outros 2 133Renda familiar (SM= salaacuterio-miacutenimo)Menos de 1 SM 5 3331 SM 6 401 a 2 SM 4 267Tipo de moradiaProacutepria 8 533Alugada 1 67Cedida 6 40

FONTE pesquisa direta

Na amostra analisada 100 satildeo do sexo feminino e matildees das crianccedilas internadas A idade das genitoras variou de 31 a 40 anos Os dados estatildeo de acordo com achados na literatura como o estudo realizado na Faculdade de Medicina de Botuca-tu (UNESP) no qual foi constatado um predomiacutenio de mulhe-res cuidadoras (73) (CERQUEIRAOLIVEIRA 2002)

326

Quanto agrave ocupaccedilatildeo sete delas referiram trabalhos domeacutes-ticos e cuidados com os outros filhos ficando a renda principal a cargo do parceiro Do total 733 das matildees vivem em regi-me de uniatildeo conjugal estaacutevel 40 tecircm renda familiar de um salaacuterio-miacutenimo e 533 moram em casa proacutepria O niacutevel de escolaridade de 333 era ensino fundamental incompleto e 60 das entrevistadas eram catoacutelicas

Na variaacutevel religiatildeo foi possiacutevel identificar o fato de que grande parte dos familiares relatou ser catoacutelico o que jaacute foi demonstrado em outros estudos (CASTRO 1999 FREITAS KIMURA FERREIRA 2007) Eacute importante ressaltar que a feacute em Deus independe da religiatildeo seguida representa aspecto importante que permeia o processo sauacutede-doenccedila principal-mente em uma UTI O apego ao ldquoespiritualrdquo estaacute muitas vezes relacionado agrave necessidade de cura ou de esperanccedila enquanto se espera um milagre proporcionando muitas vezes aliacutevio e amparo em relaccedilatildeo agrave adversidade

No que concerne agrave caracterizaccedilatildeo das crianccedilas notamos que a totalidade das internaccedilotildees foi motivada por cardiopa-tias congecircnitas (100 dos casos) onde haacute uma malformaccedilatildeo estrutural do coraccedilatildeo ou dos grandes vasos presentes no nas-cimento podendo representar defeito cardiacuteaco uacutenico ou uma combinaccedilatildeo deles (OLIVEIRA etal 2012)

O desenvolvimento cardiovascular anormal eacute responsaacutevel por uma grande quantidade de cardiopatias permitindo con-sideraacutevel variaccedilatildeo em efeitos cliacutenicos Sua maioria origina-se no desenvolvimento embrionaacuterio e natildeo se sabe a causa deter-minada (OLIVEIRA etal 2012)

No periacuteodo de coleta de dados a maioria das crianccedilas inter-nadas estavam com idade de dois a quatro meses de vida Destas 12 estavam internadas em um periacuteodo de zero a dois meses

327

Avaliaccedilatildeo do grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo das necessi-dades de familiares de pacientes internados

Necessidade eacute compreendida como ldquomanifestaccedilatildeo de ca-recircncia (sentida ou natildeo) de uma condiccedilatildeo interna desencadean-do processos psicoloacutegicos e fisioloacutegicos que se traduzem em comportamentos particularesrdquo (CHALIFOUR p 32 2008)

Conforme Nascimento Erdmann (2006) os familiares percebem que o aparato tecnoloacutegico eacute capaz de dar mais se-guranccedila e tranquilidade em relaccedilatildeo ao cuidado ofertado a seu ente no entanto tambeacutem eacute responsaacutevel em grande parte pelo isolamento e pela solidatildeo a que os paciente e familiares satildeo submetidos Eacute comum que estes expressem o desejo e a ne-cessidade de prestar algum conforto de contribuir com sua presenccedila de ficar perto e ainda de participar do tratamento

TABELA 2 - Necessidades de conhecimento informaccedilatildeo e o grau de importacircncia atribuiacutedo por familiares de pacientes in-ternados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidades 1Nordm

2Nordm

3Nordm

4Nordm Meacutedia plusmn DP

NECESSIDADE TOTAL 15 - - - - - - - 21873plusmn025483

1Sentir-se agrave vontade para demonstrar meus sentimentos e emoccedilotildees

2 133 9 600 2 133 2 133 227plusmn0884

2Sentir que o pessoal do hospital se interes-sa pelo paciente

- - 3 200 9 60 3 200 300plusmn0655

3Ser comunicado sobre possiacuteveis trans-ferecircncias

10 667 - - 1 67 4 267 193plusmn1387

328

4Estar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dado

5 333 2 133 6 400 2 133 233plusmn1113

5Saber qual tratamen-to meacutedico estaacute sendo dado ao paciente

11 733 1 67 1 67 2 133 160plusmn1121

6Saber porque deter-minados tratamentos foram realizados com o paciente

10 6671

67 1 67 3 20 180plusmn1265

7Saber quais as chances de melhora do paciente

4 2676

400 5 333 - - 207plusmn0799

8Conversar sobre a possibilidade de morte do paciente

4 267 7 467 3 200 1 67 207plusmn0884

9Comeccedilar a visita na hora marcada

- - - - 2 133 13 867 387plusmn0352

10Receber explica-ccedilotildees que possam ser compreendida

151000 - - - - - - 100plusmn0000

11Ter perguntas respondidas com franqueza

10 667 2 133 2 133 1 67 160plusmn0986

12Ajudar a cuidar do paciente na UTI

2 133 - - 4 267 9 600 333plusmn1047

13Saber quem pode dar a informaccedilatildeo que necessita

9 600 1 67 2 133 3 200 193plusmn1280

14Ser informado sobre o que fazer quando estiver ao lado do paciente

7 467 1 67 3 200 4 267 227plusmn1335

15Sentir que haacute esperanccedila de melhora do paciente

1 67 11 733 1 67 2 133 227plusmn0799

329

16Ser informado a respeito de tudo que se relacione agrave evolu-ccedilatildeo do paciente

8 533 3 200 2 133 2 133 187plusmn1125

17Ter orientaccedilotildees gerais sobre a UTI na primeira visita

12 800 1 67 - - 2 133 147plusmn1060

18Receber informa-ccedilotildees sobre o paciente no miacutenimo uma vez ao dia

9 600 --

3 200 3 200 200plusmn1309

19Sentir-se aceito pe-las pessoas do quadro de funcionaacuterios do hospital

- - 6 400 8 533 1 67 267plusmn0617

20Ser informado so-bre serviccedilos religioso

4 267 11 733 - - - - 173plusmn0458

21Conversar com a mesma enfermeira todos os dias

3 200 - - 8 533 4 267 287plusmn1060

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria

Na Tabela 2 foram citadas cinco necessidades e somente duas foram julgadas muito importantes e totalmente satisfei-tas ldquoSaber quais as chances de melhora do pacienterdquo e ldquosentir que haacute esperanccedila de melhora do pacienterdquo foram citadas por mais de 50 das entrevistadas A necessidade ldquoser informado sobre serviccedilos religiososrdquo recebeu o menor iacutendice de satisfa-ccedilatildeo pois 733 da amostra se apresentam como bastante insa-tisfeitos com o serviccedilo

330

TABELA 03 - Necessidades de conforto classificadas confor-me grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacien-tes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de conforto n

Senti-se agrave vontade para demonstrar meus senti-mentos e emoccedilotildeesSaber quais chances de melhora do paciente

96

6040

Conversar sobre a possibilidade de morte do pa-ciente

7 467

Sentir que haacute esperanccedila de melhora do paciente 11 733

Ser informado sobre serviccedilos religiosos 11 733FONTE Pesquisa direta

A busca por informaccedilotildees demonstra a necessidade que o familiar tem de conhecer o real estado de sauacutede da crianccedila internada em UTI Assim compreender as reais chances de melhora do paciente foi entendido como um modo de prestar apoio para recuperaccedilatildeo de seu parente

TABELA 4 - Necessidades de seguranccedila classificadas confor-me grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacien-tes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de seguranccedila n

Sentir que o pessoal do hospital se interessa pelo paciente

9 60

Estar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dado ao paciente

6 40

Sentir-se aceito pelas pessoas do quadro de fun-cionaacuterios do hospital

8 533

Conversar com a mesma enfermeira todos os dias 8 533FONTE Pesquisa direta

331

Quatro itens foram destacados como necessidades de seguranccedila e trecircs receberam destaque quanto agrave importacircncia e satisfaccedilatildeo ldquosentir que o pessoal do hospital se interessa pelo pacienterdquo ldquoestar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dadordquo e ldquosentir-se aceito pelas pessoas do quadro de funcionaacuterios do hospitalrdquo A necessidade ldquoconversar com a mesma enfermeira todos os diasrdquo foi classificada por 80 da amostra como muito importante e recebeu deles 80 o menor iacutendice de satisfaccedilatildeo referindo que essa demanda nem sempre consegue ser suprida talvez por conta do excesso de afazeres e trabalhos burocraacuteticos na unidade

O maior iacutendice de insatisfaccedilatildeo foi quanto a ldquoconversar com a mesma enfermeira todos os diasrdquo Assim o achado cor-robora o que foi afirmado por Freitas (2005) quando ele traz em seu estudo que a relaccedilatildeo enfermeiro ndash famiacutelia deve ser me-lhorada durante os momentos de visita Autores ressaltam as dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros para manter essa interaccedilatildeo em decorrecircncia de problemas pessoais ou organi-zacionais o que implica uma menor satisfaccedilatildeo por parte dos paisparentes (CASTRO 1999 SOARES SANTOS E GASPA-RINO 2010)

Duas necessidades se enquadraram como acesso ao pa-ciente Estas foram ldquocomeccedilar a visita na hora marcadardquo des-tacada como muito importante e satisfeita ldquoajudar a cuidar do paciente na UTIrdquo classificada por 667 das entrevistadas como muito importante e recebeu de 867 o menor grau de satisfaccedilatildeo

332

TABELA 5 - Necessidades de acesso ao paciente classificadas conforme grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacientes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de acesso ao paciente n

Comeccedilar visita na hora marcada 13 867

Ajudar a cuidar do paciente na UTI 9 60FONTE Pesquisa direta

Durante as entrevistas 867 das matildees relataram o de-sejo de um horaacuterio de visitas livre e a necessidade de ajudar a cuidar do paciente na UTI Tais reivindicaccedilotildees vatildeo contra os estudos de Castro (1999) Morgon e Guirardello (2004) e Freitas (2005) que demonstraram a falta de interesse dos fami-liares dos pacientes de UTI em ajudar de seus parentes tendo em vista compreender em que o manejo muito frequente pode interferir no bom funcionamento da unidade e no bem-estar do paciente

DISCUSSAtildeO

De acordo com Soares Santos e Gasparino (2010) os niacute-veis de instruccedilatildeo e renda podem estar diretamente associados ao fato de a pesquisa ter sido feita em instituiccedilatildeo puacuteblica tendo em vista o puacuteblico-alvo

Na variaacutevel religiatildeo foi possiacutevel identificar o fato de que grande parte dos familiares relatou ser catoacutelico o que jaacute foi demonstrado em outros estudos (CASTRO 1999 FREITAS KIMURA FERREIRA 2007)

333

Segundo Oliveira et al (2013) a separaccedilatildeo do filho por ter que o deixou na UTI contribui para aumentar o desespero da famiacutelia durante os dias de hospitalizaccedilatildeo A gravidade do quadro e o passar do tempo deixam as matildees mais frustradas ante a impossibilidade de viver a expectativa cultivada durante toda a gestaccedilatildeo jaacute que o desfecho esperado do processo eacute o nascimento e desenvolvimento de uma crianccedila saudaacutevel que seja imediatamente integrada agrave convivecircncia familiar

O tempo de internaccedilatildeo prolongado provoca o rompimen-to ou o natildeo estabelecimento de viacutenculo afetivo entre a crian-ccedila e a famiacutelia Quando a matildee recebe o diagnoacutestico da doenccedila cardiacuteaca congecircnita do filhoantes ou apoacutes o seu nascimento tem iniacutecio para ela a vivecircncia do processo detransiccedilatildeo de sauacute-de-doenccedila do filho o qual se desenvolve como um processo detransformaccedilotildees com origem na notiacutecia de que seu filho pos-sui a doenccedila (WIGERT HELLSTROumlM BERG 2008) O tem-po de internaccedilatildeo em UTI tambeacutem foi indicado como espaccedilo considerado ponte entre a crianccedila e a famiacutelia Esta ponte pode ser um elo ou distanciamento entre famiacutelia e crianccedila depen-dendo das atitudes dos profissionais e da proacutepria instituiccedilatildeo Quando agrave internaccedilatildeo eacute de larga duraccedilatildeo e existe uma ponte de distanciamento os benefiacutecios natildeo aparecem e as consequecircn-cias podem ter uma grande magnitude no desenvolvimento da crianccedila no acircmbito afetivo moral e fiacutesico (TALMI HARMON 2003 SIQUEIRA DIAS 2011)

Apoiado no INEFTI o estudo apontou que 733 dos familiares avaliaram como importantiacutessimas as necessidades das dimensotildees acesso ao paciente e conhecimentoinforma-ccedilatildeo atribuindo menor importacircncia agraves dimensotildees seguranccedila (517) e conforto (587)

334

Este dado sugere que a maior preocupaccedilatildeo do familiar eacute com a crianccedila internada e aspectos relacionados aos cuidados ofertados e o interesse da equipe em manter o familiar infor-mado Os aspectos direcionados ao conforto e seguranccedila que atingem diretamente o familiar foram pouco valorizados

Do total de 21 necessidades extraiacutedas no INEFTI dez fo-ram classificadas como necessidade de conhecimento infor-maccedilatildeo e sete apareceram com maiores iacutendices de importacircncia e satisfaccedilatildeo citadas na tabela Duas destas mereceram desta-que por expressarem maiores iacutendices dentre as entrevistadas ldquoReceber explicaccedilotildees que possam ser compreendidasrdquo e ldquoTer orientaccedilotildees gerais sobre a UTI na primeira visitardquo

Os familiares necessitam obter informaccedilotildees que possam ser compreendidas de forma clara e objetiva para melhor en-tendimento do prognoacutestico de suas crianccedilas internadas e que-rem obter informaccedilotildees acerca dos cuidados de Enfermagem realizados diariamente dentre os quais os procedimentos de rotina da unidade e tudo o mais que venha a contribuir para o restabelecimento da sauacutede do paciente (SOARES 2007)

Em pesquisa realizada por Santanae Madeira (2013) que tambeacutem avaliava as necessidades de familiares de pacientes internados em unidade de cuidados intensivos os autores ob-tiveram como resultados das necessidades de conforto que os familiares valorizam bastante o espaccedilo fiacutesico e a mobiacutelia da sala de espera da UTI

Pedro et al (2008) lembram que os familiares acompa-nhantes tecircm que se adaptar ao cenaacuterio hostil do hospital e embora natildeo seja uma experiecircncia prazerosa assumem seus papeacuteis com resignaccedilatildeo amparados por uma obrigaccedilatildeo moral em relaccedilatildeo ao paciente

335

A ausecircncia do profissional causa ainda mais apreensatildeo para os familiares que esperam aflitos pelo momento da visita para retirarem as suas duacutevidas e receberem notiacutecias de pre-ferecircncia boas Por isso o horaacuterio em que ocorrem as visitas deve ser encarado como um momento para os profissionais principalmente o enfermeiro entrarem em contato com a fa-miacutelia do doente o que permitiraacute a identificaccedilatildeo das condiccedilotildees psicoloacutegicas e emocionais dos familiares e a compreensatildeo das reais necessidades aleacutem de estabelecer relaccedilotildees interpessoais fortalecedoras

Almeida Neto etal (2012) Morgon e Guirardello (2004) e Reichert Lins Collet (2007) sugeriram em seus estudos com-partilhar a assistecircncia familiar com outro profissional para minimizar tais dificuldades haacute pouco citadas Por exemplo solicitar que um colega enfermeiro acompanhe um familiar enquanto estaacute executando outras atividades

Eacute domiacutenio de saber o fato de que os enfermeiros devem fornecer informaccedilotildees aos familiares a respeito de suas crianccedilas internadas na unidade Foi observado que 80 das entrevis-tadas natildeo tinham o conhecimento acerca da enfermeira que cuidava dos pacientes sendo por muitas vezes esta confundida com teacutecnicos eou auxiliares de enfermagem Durante a anaacuteli-se de campo enfrentamos dificuldades em identificar a enfer-meira de plantatildeo

CONCLUSOtildeES

De acordo com os objetivos propostos para este estudo os resultados encontrados permitiram as conclusotildees delineadas sequentemente

336

Todas as crianccedilas internadas possuiacuteam algum tipo de car-diopatia congecircnita e estavam nas unidades em meacutedia haacute dois meses As matildees representaram a totalidade da amostra entre-vistada tendo em vista sua maioria residir fora da cidade do hospital em estudo Em observaccedilatildeo notamos a ausecircncia de al-guns familiares das crianccedilas internadas haja vista a sua maio-ria ser procedente de outras localidades distantes de Fortaleza onde o hospital eacute situado

De forma geral as necessidades foram consideradas igual-mente importantes pelos familiares entrevistados Cerca de 90 das necessidades foram avaliadas como importantes ou muito importantes pelos familiares

As necessidades de maior pontuaccedilatildeo estavam relaciona-das agraves necessidades de conhecimentoinformaccedilatildeo e acesso ao paciente De acordo com o niacutevel de satisfaccedilatildeo 762 das ne-cessidades foram consideradas satisfeitas

A hospitalizaccedilatildeo da crianccedila na unidade de cuidados in-tensivos pode acarretar desequiliacutebrio na estrutura familiar A famiacutelia ocupa um papel importante no cuidado da crianccedila principalmente a matildee que permanece o maior tempo na uni-dade e muitas vezes suas necessidades satildeo desconhecidas pelo enfermeiro

Em geral os familiares chegam agrave UTI com medo do que iratildeo ver e do estado em que se encontraraacute o seu ente querido Desconhecem as caracteriacutesticas fiacutesicas e as rotinas da unidade jaacute que na maioria dos casos os familiares estatildeo vivenciando a internaccedilatildeo ou estatildeo entrando nesse ambiente pela primeira vez sendo tudo uma novidade

337

REFERecircNCIAS

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341

CAPIacuteTULO 16

FAMILIARES QUE ACOMPANHAM USUAacute-RIOS DE crack PARA O CUIDADO EM CEN-TRO DE ATENccedilAtildeO PSICOSSOCIAL DE AacuteL-COOL E DROGAS (CAPS AD)

Milena Lima de PaulaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

As transformaccedilotildees cientiacuteficas e tecnoloacutegicas juntamente com o modelo capitalista vigente na nossa sociedade contri-buem para a ascensatildeo de valores voltados para a competiti-vidade individualismo esteacutetica e consumo Dessa forma em uma sociedade na qual o consumo eacute bastante incentivado o uso da droga pode ser considerado alternativa raacutepida de ob-tenccedilatildeo de prazer bem como estrateacutegia de esquiva de sofrimen-tos tambeacutem comuns em um mundo marcado por desigualda-des sociais (SOUSA KANTORSKI MIELKE 2006)

Esse uso de drogas no entanto traz tambeacutem prejuiacutezos no caso do crack a droga ocasiona agravos orgacircnicos e psiacutequicos como sentimento de perseguiccedilatildeo agitaccedilatildeo motora problemas respiratoacuterios perda de apetite falta de sono e outros Haacute tam-beacutem muitos conflitos nos relacionamentos interpessoais dos usuaacuterios principalmente com as suas famiacutelias (BRASIL 2009)

Desse modo muitas vezes a convivecircncia familiar de usuaacute-rios de crack eacute marcada por sofrimento pois eacute comum que os usuaacuterios realizem pequenos furtos em casa e apresentem com-portamentos violentos quando contrariados fato que enseja

342

uma impotecircncia familiar diante da situaccedilatildeo (NONTICURI 2010)

Aleacutem de a famiacutelia ser afetada com as consequecircncias do uso do crack acredita-se que esta possui tambeacutem um papel importante na formaccedilatildeo dos filhos podendo funcionar tanto como um fator de proteccedilatildeo como de risco para o comporta-mento de consumir drogas A famiacutelia protege quando oferece um ambiente de suporte harmocircnico estaacutevel e seguro no en-tanto pode funcionar como fator de risco quando o ambiente familiar tem pouco suporte haacute uso de drogas e tambeacutem falta de monitoramento em relaccedilatildeo aos filhos (SCHENKER MI-NAYO 2004)

O fato de a famiacutelia ser considerada como um fator de ris-co mas tambeacutem de proteccedilatildeo para o uso da droga justifica-se segundo Seleghim et al (2011) pelo fato de o uso ser aprendi-do a partir do relacionamento entre a pessoa e suas fontes pri-maacuterias de socializaccedilatildeo que correspondem agrave famiacutelia agrave escola e ao grupo de amigos

Sobre o conceito de famiacutelia Santos (2006) o considera muito impreciso pois para o autor as relaccedilotildees de parentesco modificaram-se no decorrer da histoacuteria Geralmente no entan-to a famiacutelia estaacute relacionada a pessoas ligado pelo sangue pelo casamento pela adoccedilatildeo podendo tambeacutem referir-se a pessoas pertencentes a uma determinada linhada importante O termo presume tambeacutem a coabitaccedilatildeo de seus membros poreacutem mui-tas vezes os componentes de uma famiacutelia natildeo vivem sob um mesmo teto Portanto a famiacutelia compreende diversos tipos de agrupamento familiar que podem ou natildeo viver juntos

Na contemporaneidade a coexistecircncia dos diversos tipos de configuraccedilotildees e estruturas familiares amplia esse conceito de famiacutelia Dessa forma nas duas uacuteltimas deacutecadas eacute impossiacute-

343

vel observar tendecircncia em relaccedilatildeo ao nuacutemero de pessoas que compotildeem a famiacutelia aumento do nuacutemero de divoacutercios e reca-samentos maior participaccedilatildeo da mulher na vida econocircmica bem como no sustento do lar e aparecimento dos casais de dupla carreira Tambeacutem satildeo comuns modelos familiares di-ferentes dos nucleares como os constituiacutedos por duplas ho-mossexuais monoparentais recasados e outros (WAGNER TRONCO ARMANI 2011) (BROEKER JOU 2007) (RIOS GOMES 2009) (GABARDO JUNGES SELLI 2009)

Mesmo ante as modificaccedilotildees ocorridas nos uacuteltimos anos segundo Pratta e Santos (2007) a famiacutelia ainda eacute reconhecida e valorizada tendo papel importante na sociedade Em rela-ccedilatildeo ao contexto de uso de drogas a famiacutelia tem a relevante funccedilatildeo de motivar o usuaacuterio a procurar ajuda Almeida (2010) e Pulcherio (2010) destacam a famiacutelia como principal impul-sionadora para a busca de tratamento pois eacute o principal su-porte para enfrentar os desafios desse processo Dessa forma os usuaacuterios ao perceberem que ao iniciarem um tratamento podem ter seus viacutenculos familiares recuperados jaacute que eacute co-mum que os laccedilos de famiacutelia sejam rompidos em decorrecircncia de relacionamentos difiacuteceis sentem-se motivados a inserirem-se em terapecircuticas

Percebe-se entatildeo que a famiacutelia assume papel importante em relaccedilatildeo ao cuidado e ressocializaccedilatildeo dos usuaacuterios de ser-viccedilo de sauacutede mental o que acarreta sobrecarga de cunho fi-nanceiro relacionada a gastos com consultas e medicamentos sobrecarga do cuidado pois geralmente o usuaacuterio fica na res-ponsabilidade de uma soacute pessoa sobrecarga fiacutesica e emocio-nal ocasionada pela tensatildeo e nervosismo em decorrecircncia do relacionamento familiar conflituoso Tal fato tambeacutem justifica a necessidade de atenccedilatildeo agraves famiacutelias dos usuaacuterios do serviccedilo (BORBA SCHWARTZ KANTORSKI 2008)

344

Aleacutem disso se a famiacutelia for devidamente estimulada e acompanhada teraacute mais recursos para lidar com o membro usuaacuterio de crack e demonstraraacute maior comprometimento na tentativa de contribuir para a manutenccedilatildeo do usuaacuterio em tratamento haja vista que os familiares possuem responsabi-lidade pelo problema do uso da droga Portanto os centros de atenccedilatildeo psicossocial aacutelcool e outras drogas (CAPS AD) confi-guram-se como serviccedilos de sauacutede relacionados ao tratamento de drogas centrados na reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio e de sua famiacutelia incluindo em suas atividades o trabalho com familiares usuaacuterios oferecendo suporte e apoio a eles (AZE-VEDO MIRANDA 2010)

O CAPS AD exprime a principal estrateacutegia de atenccedilatildeo agrave sauacutede relacionada ao consumo de substacircncias e utiliza es-trateacutegias de reduccedilatildeo de danos como ferramentas nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Assim O CAPS AD eacute um serviccedilo substitutivo de acordo com os princiacutepios da Refor-ma Psiquiaacutetrica os quais preconizam que o tratamento para dependecircncia quiacutemica seja feito preferencialmente em meio aberto e seja articulado agrave rede de sauacutede mental enfatizando a reabilitaccedilatildeo e reinserccedilatildeo social dos usuaacuterios (AZEVEDO MI-RANDA 2010)

Destarte na presenccedila dos vaacuterios tratamentos oferecidos na rede de serviccedilos substitutivos desde a reforma psiquiaacutetri-ca haacute que se considerar a importacircncia da famiacutelia pois esta eacute percebida pelos proacuteprios familiares e pelos usuaacuterios de drogas como um recurso fundamental na reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio pois ao compreender a terapecircutica a famiacutelia consen-te em colaborar com ela e a lidar melhor com o problema do uso do crack Sobe esse prisma a famiacutelia representa predomi-nantemente afeto e apoio que iratildeo contribuir para que o usuaacute-rio se mantenha em tratamento (JORGE et al 2008)

345

Em razatildeo da importacircncia da famiacutelia para o ecircxito dos tra-tamentos relacionados ao sofrimento psiacutequico os CAPS con-sideram a atenccedilatildeo agrave famiacutelia como fundamento na orientaccedilatildeo de suas praacuteticas de acordo com o modelo psicossocial de re-inserccedilatildeo da pessoa com sofrimento psiacutequico na sociedade e no proacuteprio meio familiar Algumas atividades voltadas a esse puacuteblico no serviccedilo CAPS geral podem ser destacadas como acolhimento visita domiciliar atendimento individual e em grupo (SCHRANK OLSCHOWSKY 2007)

Em razatildeo da importacircncia do restabelecimento de viacutencu-los sociais e familiares para a motivaccedilatildeo do usuaacuterio a iniciar e manter um tratamento e da escassa literatura sobre atenccedilatildeo aos familiares de usuaacuterios de drogas pois os estudos existentes se restringem ao CAPS geral elaborou-se o objetivo principal da pesquisa analisar o modo como a famiacutelia eacute incluiacuteda nas accedilotildeesintervenccedilotildees desenvolvidas pelo CAPS AD relacionadas ao cuidado integral aos usuaacuterios de crack

MeacuteTODO

O estudo foi de natureza qualitativa com vista a buscar significados opiniotildees sentimentos como possibilidade de en-tender (analisar) o fenocircmeno social e suas relaccedilotildees no campo da sauacutede mental coletiva tendo como finalidade a compreen-satildeo do conhecimento buscando o sentido e o significado do fenocircmeno estudado (MINAYO 2010)

A pesquisa qualitativa reconhece a existecircncia de uma re-laccedilatildeo entre o pesquisador e o objeto de estudo ou seja uma interdependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao objeto estabelecida de maneira interpretativa sem neutralidade O sujeito eacute par-te do processo sujeito-observador que atribui significado aos

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fenocircmenos que interpreta O objeto eacute constituiacutedo ou seja eacute significado na relaccedilatildeo direta entre ele e o sujeito com suporte numa problematizaccedilatildeo (DEMO 1989)

A pesquisa foi realizada no CAPS AD das Secretarias Exe-cutivas Regionais IV e V do Municiacutepio de Fortaleza ndash Cearaacute A SER IV possui 280 mil habitantes e eacute composta por 19 bairros e a SER V possui 570 mil habitantes e 76 bairros (FORTALE-ZA 2008) A escolha do territoacuterio poliacutetico-administrativo das SERs IV e V decorre do fato de estas estarem pactuadas no Sis-tema Municipal Sauacutede-Escola no qual a UECE e a Prefeitura de Fortaleza desenvolvem parcerias no acircmbito da formaccedilatildeo e atividades soacutecio comunitaacuterias

Delimita-se como participantes do estudo 14 trabalha-dores de sauacutede que atuam no CAPS AD SER IV e V 21 usuaacute-rios em tratamento no CAPS AD em razatildeo do uso de crack e nove familiares Como criteacuterios de inclusatildeo dos participantes na pesquisa estabelece-se para os trabalhadores aqueles que estivessem acompanhando usuaacuterios de crack em tratamento e que atuassem no CAPS AD haacute no miacutenimo seis meses para os usuaacuterios escolhe-se aqueles que fizessem tratamento no CAPS AD haacute no miacutenimo seis meses que tenham buscado tratamen-to em consequecircncia do uso problemaacutetico do crack e que fos-sem maiores de 18 anos

Para os familiares foram selecionados aqueles que esti-verem acompanhando um membro de sua famiacutelia em trata-mento no CAPS AD relacionado ao uso de crack natildeo neces-sitando de laccedilos consanguiacuteneos Dessa forma participaram do estudo 44 pessoas Esse quantitativo se deu agrave medida que se coletava e analisava-se o fenocircmeno pois havia a compreensatildeo e o aprofundamento das questotildees levantadas denominados de saturaccedilatildeo teoacuterica

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Portanto os participantes do estudo foram constituiacutedos por trecircs grupos de informantes Grupo 1 - Usuaacuterios de crack em tratamento nos CAPS AD Grupo 2 ndash Familiares de usuaacute-rios de crack Grupo 3 ndash Trabalhadores dos CAPS AD

Realizou-se entrevistas em profundidade com os partici-pantes que abordavam temaacuteticas relacionadas a intervenccedilotildees de familiares em tratamento para usuaacuterios de crack em CAPS AD As entrevistas aconteceram no proacuteprio serviccedilo e foram gravadas com a concordacircncia preacutevia do entrevistado apoacutes a leitura e compreensatildeo do Termo de Consentimento Livre e Es-clarecido formulado conforme os padrotildees do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute tendo como nuacutemero do Parecer 10724251-6 Destarte as entrevistas foram transcritas e submetidas a todas as fases de anaacutelise de dados

Apoacutes a transcriccedilatildeo das entrevistas realizaram-se leituras flutuantes e exaustivas para conhecer o material de forma aprofundada

Para anaacutelise das informaccedilotildees utilizou-se a teacutecnica de Anaacute-lise Hermenecircutica Criacutetica que possibilitou estabelecer conver-gecircncias divergecircncias e complementaridades bem como con-frontos referentes ao tema estudado

Minayo (2010) citando Gadamer (1999) exprime que a Hermenecircutica se caracteriza como movimento abrangente e universal do humano fundado na compreensatildeo A Herme-necircutica tem origem na intersubjetividade e objetivaccedilatildeo huma-nas e significa a capacidade do pesquisador de se colocar no lugar do outro podendo-se dizer entatildeo que tal compreensatildeo conteacutem a gecircnese da consciecircncia histoacuterica

A Hermenecircutica eacute a arte de compreender textos que con-siderou-se presente como unidade temporal em que se marca o encontro entre o passado e o futuro Essa compreensatildeo eacute me-

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diada pela linguagem que pode ser transparente ou intranspa-rente e pode levar a um entendimento (que nunca eacute completo ou total) ou a um impasse na comunicaccedilatildeo (MINAYO 2010)

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Expectativas e reflexotildees ante intervenccedilotildees com famiacutelias de usuaacuterios de drogas

De acordo com relato dos entrevistados os profissionais acreditam que a famiacutelia tem um papel importante no compor-tamento de usar drogas bem como na eficaacutecia em tratamentos relacionados a drogas

[] atribuo sim a essa questatildeo (uso de crack) da famiacutelia desestruturada e tal pai que bebe eacute o tio que usa e jaacute oferece ao sobrinho [] (Grupo 3)

[] entatildeo mexe muito com o psicoloacutegico da famiacutelia toda entatildeo acho que tem que ter um acompanhamento NE principalmente a matildee ou um irmatildeo a mulher ou uma filha [] (Grupo 4)

Tais reflexotildees estatildeo de acordo com o modelo atual de Sauacute-de Mental que enfatiza a importacircncia da famiacutelia e recomenda o tratamento do usuaacuterio desses serviccedilos no seio familiar As-sim a famiacutelia passa a ser inserida no acircmbito terapecircutico con-tribuindo para a reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio Antes os familiares se mantinham afastados do tratamento hoje o serviccedilo necessita buscar a inserccedilatildeo da famiacutelia incentivando a sua participaccedilatildeo nas atividades propostas pelo serviccedilo Tal rea-lidade estaacute de acordo com a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 336 de 19 de fevereiro de 2002 que caracteriza os serviccedilos de Sauacutede Mental os CAPS como de atendimento comunitaacuterio e

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ambulatorial (BIELEMANN et al 2009)Os profissionais tambeacutem acreditam que a famiacutelia quando

natildeo sabe lidar com o problema do abuso de drogas contribui para as recaiacutedas dos usuaacuterios

[] mas a famiacutelia natildeo aceita qualquer recaiacute-da acha que estaacute perdido aiacute dificulta muito porque a famiacutelia bota para fora de casa Um dos maiores motivadores de recaiacuteda eacute a famiacute-lia Eacute a famiacutelia sabe os ressentimentos [] (grupo 3)

Assim nota-se que os profissionais acreditam que a fa-miacutelia dos usuaacuterios tambeacutem necessita de atenccedilatildeo pois quando devidamente orientados os familiares contribuem para a efi-caacutecia do tratamento jaacute a famiacutelia que natildeo possui nenhum tipo de suporte piora a situaccedilatildeo dos usuaacuterios

Desse modo a ideia dos profissionais sobre a importacircncia da famiacutelia corrobora a discussatildeo de Azevedo e Miranda (2010) ao acreditarem que a necessidade de a famiacutelia ser inserida em terapecircuticas voltadas para o abuso de drogas pode ser expli-cada em parte pelo fato de os familiares serem geralmente os mais comprometidos com os problemas apresentados pelo usuaacuterio e por isso quando devidamente estimulados por exemplo mediante intervenccedilotildees nos serviccedilos de sauacutede satildeo os sujeitos que mais tecircm recursos para auxiliar o usuaacuterio de dro-gas

Ante a importacircncia que os profissionais atribuem agrave famiacute-lia alguns consideram que uma parceria entre familiares e as equipes do serviccedilo eacute fundamental para eficaacutecia do tratamento

Apenas com o usuaacuterio o caminho eacute bem mais longo jaacute com a ajuda da famiacutelia o cami-nho eacute bem mais curto [] A famiacutelia tem que

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estar junto [] eacute difiacutecil sem a famiacutelia com-preender como eacute esse processo de tratamen-to e a pessoa acaba sem nenhum apoio Por isso que eacute importante a presenccedila do familiar (Grupo 3)

Essa visatildeo da famiacutelia como parceira foi constituiacuteda com base em processos de desinstitucionalizaccedilatildeo que mostraram a falecircncia de instituiccedilotildees totais como os hospitais psiquiaacutetricos (ROSA 2005)

Ante a crenccedila na importacircncia da famiacutelia para um trata-mento eficaz os profissionais do serviccedilo de sauacutede CAPS AD buscam restabelecer viacutenculos com as famiacutelias daqueles usuaacute-rios que jaacute romperam com seguinte famiacutelia fato descrito pelos usuaacuterios

[] os profissionais daqui jaacute convidaram mi-nha esposa minha matildee para vir participar [] Aiacute tentaram entrar em contato com meu filho pra ver o que ele podia fazer porque nessas condiccedilotildees natildeo podia ficar mas eu pedindo a Deus ateacute que ele nem atendesse (Grupo 3)

Assim a maioria dos usuaacuterios de crack que foram entre-vistados possui uma relaccedilatildeo bastante difiacutecil com a famiacutelia ca-racterizada por vaacuterios conflitos ocasionados ou agravados pelo uso de crack o que culminou na perda de contato com seus parentes

Tal situaccedilatildeo estaacute de acordo com a literatura estudada pois a pesquisa de Seleghim et al (2011) sobre viacutenculos familiares de usuaacuterios de crack em uma unidade de internaccedilatildeo apontou que a maioria dos entrevistados natildeo possuiacutea relaccedilatildeo estaacutevel com o parceiro e boa parte era separada e tambeacutem natildeo man-

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tinha boa relaccedilatildeo com os pais havendo histoacuterico de agressatildeo contra os familiares

Nesse contexto de perdas eacute importante que o usuaacuterio procure restabelecer viacutenculos principalmente com a famiacutelia jaacute que esta representa um suporte muito importante deven-do os serviccedilos relacionados a tratamentos de aacutelcool e drogas facilitar esse processo buscando sempre a aproximaccedilatildeo das fa-miacutelias ao serviccedilo contribuindo para o fortalecimento da rede de suporte

Portanto eacute fundamental que a equipe se empenhe em convocar a famiacutelia ao serviccedilo bem como no suporte a todo o sistema familiar visto que o tratamento tenderaacute a ser mais eficaz se houver a participaccedilatildeo dos familiares (GUIMARAtildeES ALELUIA 2012)

Outro fato que justifica a necessidade de atenccedilatildeo aos fa-miliares eacute a sobrecarga que a famiacutelia enfrenta com o proble-ma de uso de droga pois a famiacutelia eacute considerada a principal cuidadora dos sujeitos com problemas relacionados ao abuso de drogas e por isso frequentemente se acha sobrecarregada ante a situaccedilatildeo em que vive o que ocasiona a necessidade de cuidados a esse puacuteblico tambeacutem

[] agora eu tocirc cansada de todo dia vocecirc che-gar e ver aquela mesma situaccedilatildeo [] tenho que buscar ajuda Jaacute tive ateacute depressatildeo por es-sas coisas [] aiacute eu liguei pra clinica aiacute olha eacute 1200 reais aiacute eu conversei aiacute consegui pela metade neacute aiacute tudo bem Laacute vai eu aiacute organi-zei tudo para levar neacute No dia de levar aiacute ele resolveu que natildeo ia porque era uma covardia que estavam fazendo comigo que eu natildeo po-deria pagar uma cliacutenica para ele e que ele ia largar sozinho [] (Grupo 2)

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Outro componente importante da famiacutelia eacute servir de pon-te entre os familiares e os serviccedilos de sauacutede pois muitos profis-sionais relataram que os familiares costumam acompanhar os usuaacuterios durante os atendimentos Os trabalhadores tambeacutem acreditam que o usuaacuterio muitas vezes continua participando do tratamento em razatildeo do acompanhamento de seus fami-liares

[] Eu o acompanho aqui a gente eacute bem atendido (Grupo 2)

[] alguns vecircm porque os familiares trazem (Grupo 3)

Tal fato estaacute de acordo com literatura estudada pois Biele-mann et al (2009) destacam que muitas vezes a famiacutelia eacute res-ponsaacutevel por promover o contato entre o usuaacuterio e os serviccedilos de sauacutede Assim os familiares estimulam o usuaacuterio a procurar um tratamento e a manter-se por meio do acompanhamento do usuaacuterio ao serviccedilo

Quanto agraves expectativas dos familiares ao procurarem por intervenccedilotildees voltadas para eles nota-se que eles esperam um suporte para o enfrentamento do problema buscando apren-der melhores estrateacutegias de lidar com o usuaacuterio

Aqui eu tenho vontade assim de me fortale-cer para lidar com a situaccedilatildeo porque quando ele comeccedilou neacute eu tava forte [] agora eu to cansada [] eu tenho que buscar ajuda e al-gum lugar que encontre apoio neacute uma ajuda de alguma forma (Grupo 2)

Tais achados convergem com os estudos de Seadi e Oli-veira (2009) ao ressaltarem que a maioria das famiacutelias vai em busca de terapecircuticas direcionadas agraves famiacutelias de usuaacuterios de

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drogas para aprender a lidar melhor com o ente que usa drogas e receber orientaccedilatildeo profissional

Logo apreende-se que os familiares ao iniciarem uma te-rapecircutica direcionada ao problema de uso de drogas passam a nutrir melhores expectativas e prognoacutesticos em relaccedilatildeo ao tratamento do usuaacuterio fato que melhora a relaccedilatildeo familiar

Os usuaacuterios de crack no entanto que estavam em trata-mento no CAPS AD natildeo reconhecem a importacircncia da famiacutelia em tratamentos relacionados ao abuso de crack considerando que preferem uma terapecircutica voltada apenas para eles pois muitas vezes natildeo querem que a famiacutelia tome conhecimento do uso de drogas

Assim por mim eu natildeo queria que eles sou-bessem disso natildeo Para mim eu natildeo achava interessante eles precisarem de tratamento natildeo Da outra vez que eu passei aqui natildeo en-volveram a minha famiacutelia natildeo foi soacute comigo mesmo soacute comigo mesmo e eu ateacute acho me-lhor (Grupo 1)

Tal situaccedilatildeo foi encontrada na literatura pois de acordo com Nonticuri (2010) em muitos casos o usuaacuterio esconde da famiacutelia o uso e tenta se afastar para impedir que ela saiba

Jaacute os familiares que demonstram assiduidade diante dos processos terapecircuticos relacionados ao uso de droga do seu parente relatam melhoras decorrentes do engajamento em in-tervenccedilotildees voltadas para famiacutelias

[] porque tem me dado muito respaldo as-sim muito apoio Eu me sinto mais fortaleci-da [] Estaacute dando resultado para mim para mim estaacute neacute (Grupo 2)

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Intervenccedilotildees direcionadas a famiacutelias Nos CAPS estudados as accedilotildees voltadas para os familia-

res mais citadas por profissionais usuaacuterios e familiares foram acolhimento visita domiciliar atendimento individual e em grupo

O grupo de famiacutelia parece ser a principal estrateacutegia di-recionada a esse puacuteblico e caracteriza-se como um espaccedilo no qual os familiares satildeo acolhidos pela equipe do CAPSAD di-videm suas anguacutestias compartilham suas histoacuterias e identifi-cam-se uns com os outros

Tecircm os grupos de famiacutelia que satildeo coordena-dos pela terapeuta X e pela y que eacute assistente social [] e nesse grupo elas vatildeo compartilhar anguacutestias porque aquela famiacutelia pensa que soacute ela que estaacute com aquele problema e toda fa-miacutelia que tem usuaacuterio tem sempre sofrimen-to neacute aquela anguacutestia entatildeo esses grupos de famiacutelia satildeo feitos para isso Entatildeo nesse gru-po eles dividem as anguacutestias satildeo acolhidos na ausecircncia neacute na ausecircncia tanto do usuaacuterio quanto do familiar [ ] (Grupo 3)

Assim o grupo composto por familiares surge como for-ma de inserir a famiacutelia e tambeacutem como maneira utilizada pelo serviccedilo para contribuir no processo terapecircutico do usuaacuterio restabelecendo o viacutenculo familiar e instrumentalizando a fa-miacutelia para o cuidado no entanto essa intervenccedilatildeo possui li-mites por natildeo abranger a totalidade das necessidades sentidas pelos familiares (PONCIANO CAVALCANTI FEacuteREZ-CA-RENIRO 2010)

Quanto agrave composiccedilatildeo desses grupos observa-se que natildeo existe um grupo exclusivo para familiares de usuaacuterios de crack Desse modo podem participar familiares de usuaacuterios de vaacuterias drogas

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Assim o grupo cumpre papel importante em relaccedilatildeo ao acolhimento das famiacutelias jaacute que os familiares se acham aco-lhidos em um grupo em que os outros componentes passam pelo mesmo problema e aprendem muito com as histoacuterias de seus colegas poreacutem tal accedilatildeo natildeo deve se limitar ao comparti-lhamento de histoacuterias pois existem outras necessidades que devem ser privilegiadas que variam de famiacutelia para famiacutelia e que soacute seratildeo conhecidas com a compreensatildeo da dinacircmica fa-miliar de cada usuaacuterio

Um fato a ilustrar que a dinacircmica de cada famiacutelia natildeo eacute levada em conta nesse tipo de accedilatildeo voltada agrave famiacutelia nos CAPS pesquisados eacute que a metodologia utilizada possui formato de palestras nas quais os profissionais passam informaccedilotildees agraves fa-miacutelias sobre as drogas bem como acerca das consequecircncias do uso e ensinam agrave famiacutelia melhores formas de lidar com o problema

Eu estou aprendendo aqui no CAPS a como conviver com ele agora eu estou tendo uma relaccedilatildeo boa com ele eu converso com ele eu chamo ele vou deixar na rede o de comer dele Tambeacutem tem umas palestras que eu assisto nas terccedilas muito boa elas ensinam como a gente convive com ele em casa (Gru-po 2)

Destarte pode-se observar que a intervenccedilatildeo realizada neste estudo natildeo leva em conta a influecircncia da famiacutelia na ma-nifestaccedilatildeo do uso abusivo de drogas Sobre esse tipo de inter-venccedilatildeo Schenker e Minayo (2004) discutem que se caracte-rizam por pretender trabalhar habilidades e operacionalizar condutas da famiacutelia sem considerar a formaccedilatildeo dos viacutenculos familiares produzindo mudanccedilas limitadas no usuaacuterio e no familiar

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Nesse contexto as accedilotildees desenvolvidas nos serviccedilos da atenccedilatildeo psicossocial tecircm relevacircncia pois possibilitam espaccedilos para tirar duacutevidas sobre o tratamento e o manejo com o usuaacute-rio falar das anguacutestias e dos cansaccedilos desabafar no entanto a utilizaccedilatildeo de palestras natildeo possibilita reflexotildees e mudanccedilas internas no modo de pensar a sauacutede das famiacutelias e das pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento Portanto esse processo de trabalho com as famiacutelias poderia levar em consideraccedilatildeo as metodolo-gias ativas (rodas de conversa oficinas) em que haja interlocu-ccedilatildeo com familiares e usuaacuterios no processo de cuidado

Nesses grupos com familiares os entrevistados tambeacutem destacaram o grupo de fuxico os quais satildeo importantes se-gundo os trabalhadores do serviccedilo pois tambeacutem funcionam como um acolhimento para aqueles familiares que estatildeo no serviccedilo acompanhando o usuaacuterio pois em vez de ficaram pa-rados podem participar de uma atividade prazerosa

[] tem o grupo do fuxico alguns falam neacute que fazem o trabalho de arte enquanto seus companheiros e maridos estatildeo sendo traba-lhados aqui esse tambeacutem eacute uma forma de acompanhamento familiar porque eacute uma forma de acolher essas pessoas que ficariam paradas em peacute [] (Grupo 3)

Eacute o grupo de famiacutelia a gente faz trabalho de reciclagem a gente faz fuxico a gente faz muitas coisas de artesanato que as meninas ensinam [] pra levar tempo neacute o tempo da pessoa para natildeo estaacute pensado besteiras [] (Grupo 2)

As oficinas tambeacutem podem ser vistas como estrateacutegia de grupo de integraccedilatildeo entre famiacutelia equipe e usuaacuterio contri-buindo ainda mais para a motivaccedilatildeo da famiacutelia para participa-ccedilatildeo nos serviccedilos do CAPS

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Nesse sentido as oficinas no CAPS caracterizam-se por ser em um espaccedilo que possibilita o contato dos usuaacuterios e fa-miacutelias com atividades manuais o que ajuda a explorar a criati-vidade e a inventividade sendo coordenada por profissionais habilitados (SCHRANK OLSCHWSKY 2008)

Os trabalhadores do CAPS AD tambeacutem acreditam que a visita domiciliar que realizam eacute outra forma de intervenccedilatildeo direcionada agrave famiacutelia pois entendem que tal atividade eacute uma forma de acompanhar o familiar A visita domiciliar normal-mente eacute realizada quando o usuaacuterio estaacute ausente do serviccedilo Assim eacute realizada a chamada ldquobusca ativardquo na qual os profis-sionais se deslocam ateacute a residecircncia do usuaacuterio e conversam com a famiacutelia sobre as causas das possiacuteveis faltas com o objeti-vo de fazer com que o usuaacuterio retorne ao tratamento

Tem as visitas eles vatildeo ateacute as casas dos usuaacute-rios chama-se de busca ativaQuando o pa-ciente taacute ausente vai buscar o que foi que houve porque essa pessoa natildeo estaacute vindo [] O acompanhamento da famiacutelia ocorre atraveacutes de visitas domiciliares quando elas satildeo pertinentes neacute no caso por faltas contiacute-nuas do paciente [] (Grupo 3)

Nessa perspectiva eacute relevante que os trabalhadores que lidam com as familiares e usuaacuterios de crack procurem se apro-ximar das famiacutelias para mobilizar discursos ideias e novas possibilidades de conhecimento Assim a visita domiciliar eacute uma praacutetica que contribui exatamente para a aproximaccedilatildeo en-tre trabalhadores da sauacutede e famiacutelias

Corroborando a ideia Schrank e Olschwsky (2008) con-sideram que a visita domiciliar se caracteriza como praacutetica assistencial essencial para o cuidado do usuaacuterio e da famiacutelia pois pode ser entendida como um acolhimento desses sujei-

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tos no meio em que vivem oferecendo cuidados alternativos agravequeles centrados na instituiccedilatildeo o que possibilita uma noccedilatildeo mais realista das reais necessidades do usuaacuterio e familiares bem como a compreensatildeo da dinacircmica da famiacutelia Viabiliza tambeacutem uma parceria entre profissionais e familiares para juntos atuarem na manutenccedilatildeo do usuaacuterio no tratamento

Desse modo a visita familiar quando realizada natildeo ape-nas com o objetivo de conhecer os motivos da falta do pacien-te pode ser bem mais eficaz Logo a visita deve cobrir outros objetivos como acolhimento dos familiares conhecimento da dinacircmica familiar e aproximaccedilatildeo das famiacutelias Caso contraacuterio as visitas natildeo seratildeo muito eficazes nem mesmo para o objetivo de fazer com que o usuaacuterio seja mais assiacuteduo ao tratamento

Outro problema de realizar a visita apenas para realizar o que os profissionais chamam de ldquobusca ativardquo eacute que des-sa forma nem todos os familiares satildeo contemplados com tal acompanhamento fato que pode ser percebido de acordo com o relato dos usuaacuterios

No momento minha famiacutelia natildeo recebe acompanhamento do caps [] o pessoal (equipe) natildeo foi a minha residecircncia ainda fa-lar com minha famiacutelia (Grupo 2)

Natildeo recebi nenhuma visita ainda do pessoal do CAPS natildeo soacute eu sou acompanhado aqui (Grupo 3)

Outro tipo de intervenccedilatildeo voltada agrave famiacutelia relatado pe-los trabalhadores foi o atendimento individual o qual ocorre quando haacute necessidade no entanto mesmo esse tipo de aten-dimento natildeo acontecendo com muita frequecircncia os profissio-nais ressaltam que geralmente tentam aproveitar a presenccedila daquele familiar no serviccedilo procurando escutaacute-lo e engajaacute-lo

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Tem acompanhamento com a famiacutelia a atuaccedilatildeo entre a famiacutelia e tambeacutem a escuta com familiares quando achamos necessaacuterio [] haacute o acompanhamento individual nor-malmente quase todos os atendimentos eu converso com o paciente e converso com a famiacutelia ou separado ou junto (Grupo 3)

Tal estrateacutegia eacute deveras interessante para compreender melhor a dinacircmica familiar de cada usuaacuterio e tambeacutem contri-bui para um melhor acolhimento no entanto notamos que tal praacutetica ocorre com uma frequecircncia bem menor em relaccedilatildeo agrave do grupo Aleacutem disso a necessidade do atendimento eacute analisa-da pelos profissionais e natildeo pelos usuaacuterios e famiacutelias

Partilhando da ideia Schrank e Olschwsky (2008) acre-ditam que haacute de existir tantos recursos grupais como indi-viduais para usuaacuterios e tambeacutem para os familiares Afinal o atendimento individual tambeacutem eacute importante pois permite uma maneira mais direta de acolher o familiar e escutar o seu sofrimento possibilitando tambeacutem uma conversa mais reso-lutiva das dificuldades encontradas por profissionais usuaacuterios e familiares

Outras atividades como festas para que haja maior apro-ximaccedilatildeo entre usuaacuterios e suas famiacutelias e tambeacutem para apro-ximar esses familiares do serviccedilo foram relatadas Ademais esses eventos proporcionam momentos de lazer

Esse mecircs agora mecircs de novembro foi uma turma danada levamos os pacientes para praia Passaram a manhatilde todinha na praia de Sabiaguaba Dia 19 agora vai ter o Natal da gente [] a gente sempre taacute fazendo coisa para eles se sentirem melhor (Grupo 3)

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Sobre esses momentos de lazer Azevedo e Miranda (2010) expressou que os passeios festas e comemoraccedilotildees que costu-mam acontecer regularmente nos CAPS congregam usuaacuterios familiares e teacutecnicos sendo considerados formas de participa-ccedilatildeo informais porque natildeo fazem parte das atividades regulares realizadas semanal ou mensalmente

As intervenccedilotildees citadas acima estatildeo de acordo com o re-lato dos trabalhadores dos familiares e de alguns usuaacuterios do CAPS AD no entanto percebe-se uma contradiccedilatildeo com a fala de alguns usuaacuterios que verbalizaram que suas famiacutelias natildeo estavam sendo acompanhadas pelos trabalhadores atraveacutes de grupos

Minha famiacutelia natildeo passa por nenhum acom-panhamento aqui soacute eu (Grupo 2)

No momento minha famiacutelia natildeo recebe acompanhamento do caps [] o pessoal (equipe) natildeo foi a minha residecircncia ainda fa-lar com minha famiacutelia (Grupo 2)

Tal fato pode estar relacionado agrave proacutepria ausecircncia dos fa-miliares do serviccedilo que segundo os profissionais do CAPS eacute frequente

A famiacutelia muitas vezes natildeo ajuda [] agraves vezes quando o cara comeccedila a fazer o atendimen-to a famiacutelia natildeo vem pros grupos de famiacutelia []Existe uma resistecircncia dessas famiacutelias de estarem vindo ao serviccedilo lsquoah mas eu natildeo tenho tempo ah mas eu trabalho eu tenho uma vida muito ocupadarsquo e acabam que de-positam os pacientes aqui [ ] (Grupo 3)

Assim foi percebido que o proacuteprio CAPS possui mui-tas dificuldades para manter a famiacutelia no tratamento como questotildees econocircmicas (muitos familiares natildeo tecircm como pagar

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transporte e muitas vezes o serviccedilo natildeo fornece o vale-trans-porte) e problemas de horaacuterios (muitos familiares trabalham o dia inteiro e os serviccedilos CAPS pesquisados funcionam em horaacuterio comercial)

Portanto um dos principais problemas nos serviccedilos de sauacutede mental eacute assegurar a presenccedila de familiares porque tal puacuteblico possui sobrecarga de tarefas domeacutesticas principal-mente aquele familiar responsaacutevel pelo cuidado com usuaacuterio Aleacutem disso haacute as dificuldades econocircmicas pois se deslocar com certa frequecircncia a um serviccedilo de sauacutede torna-se oneroso para a famiacutelia Rosa (2005) ressalta que alguns serviccedilos ofere-cem o vale-transporte para o familiar mas mesmo assim eacute rara a manutenccedilatildeo de frequecircncia semanal apesar de a famiacutelia reconhecer a importacircncia dessas intervenccedilotildees

Aspecto importante percebido em todas as intervenccedilotildees foi o seguimento de um modelo que considera problemas refe-rentes ao uso de drogas como doenccedila pois profissionais fami-liares e usuaacuterios entrevistados relataram que recebem muitas informaccedilotildees sobre essa ldquodoenccedilardquo durante os atendimentos e aprendem muito com isso

Eu aprendi aqui que era uma doenccedila [] eu nem tinha a cura dela dessa doenccedila [] (Grupo 2)

Dessa forma eacute muito positivo oferecer informaccedilotildees sobre o problema em questatildeo aos familiares no entanto a ideia de que problemas com o uso de drogas eacute uma doenccedila que encai-xa-se numa visatildeo do usuaacuterio como um doente Nesses casos enfatiza-se bem mais a substacircncia psicoativa do que a relaccedilatildeo que o sujeito estabelece com a droga em contextos muacuteltiplos de relaccedilotildees (com famiacutelia amigos comunidade) num determi-nado espaccedilo sociocultural (SCHANKER MINAYO 2004)

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Corroborando o exposto Rosa (2010) discorre sobre as consequecircncias de considerar o uso de substacircncias psicoativas como doenccedila e o usuaacuterio como doente O autor acredita que dessa forma se cria um estereoacutetipo de dependecircncia negando a autonomia do usuaacuterio o que favorece o poder meacutedico e tor-na menos importantes os outros aspectos do abuso de drogas como o social tornando o problema bastante simplista

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Notou-se que os profissionais do serviccedilo CAPS AD parti-lham da crenccedila de que a famiacutelia eacute o principal recurso do usuaacute-rio sendo a rede de suporte principal para o enfrentamento do problema do uso de drogas Quando poreacutem a famiacutelia natildeo sabe lidar com o problema esta tambeacutem pode contribuir para recaiacutedas Destarte para os profissionais do serviccedilo eacute impor-tante que a famiacutelia seja engajada em alguma terapecircutica para aprender a lidar com o problema contribuindo para uma maior eficaacutecia do tratamento relacionado ao uso de droga

Dessa forma eacute importante que os profissionais tenham essa visatildeo da famiacutelia como parceira em relaccedilatildeo ao tratamento Eacute preciso pensar contudo tambeacutem em melhores estrateacutegias de atender a esses familiares pois apesar de os profissionais acre-ditarem que a famiacutelia possui participaccedilatildeo importante no de-senvolvimento do comportamento de usar drogas natildeo levam em conta a formaccedilatildeo dos viacutenculos familiares na realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees utilizando um modelo de palestras e deixando de lado outras metodologias ativas como as rodas de conversas

Ainda as intervenccedilotildees realizadas pelo CAPS AD contem-plam as expectativas dos familiares em relaccedilatildeo agrave aprendiza-gem de estrateacutegias para lidar com o problema jaacute que as inter-

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venccedilotildees desse serviccedilo focam bastante a operacionalizaccedilatildeo de condutas e habilidades poreacutem deve-se considerar as relaccedilotildees estabelecidas em cada famiacutelia pois cada uma possui uma di-nacircmica diferente e o que eacute uacutetil para uma famiacutelia pode natildeo ser uacutetil para a outra

Ante o exposto percebe-se a importacircncia de o CAPS AD considerar e conhecer melhor a dinacircmica familiar de cada usuaacuterio para propor intervenccedilotildees mais adequadas Assim a atenccedilatildeo agraves famiacutelias atendidas no CAPS AD deve ser realiza-da de modo mais personalizado garantindo um atendimento mais humano e integral a usuaacuterios e famiacutelias e contribuindo para mudanccedilas mais duradouras

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CAPIacuteTULO 17

COMPORTAMENTO DE CRIANccedilAS E PRAacute-TICAS EDUCATIVAS PARENTAIS NA CON-TEMPORANEIDADE COM UM rdquoREMEDI-NHOrdquo eacute MAIS FAacuteCIL

Ana Maria ZuwickMaria Salete Bessa Jorge

-Titia posso ir ateacute o jardim ()-Vaacute mas volte logo para estudar

-Sim senhora-Natildeo esqueccedila que os exames estatildeo perto

-Sim senhora-Natildeo apanhe muito sereno

-Sim senhora(Trecho do romance Clarissa Eacuterico Veriacutessimo)4

Educaccedilatildeo ou medicaccedilatildeo

ldquoDoutora Ele tem dormido muito tarderdquo ndash a matildee recla-ma Questionada do que ele se ocupa enquanto natildeo adormece ela responde - ldquoEle fica jogando videogamerdquo ndashldquoPor que a Sra natildeo recolhe o jogo e combina o horaacuterio de dormir rdquo ndashldquoAh Doutora Com um remedinho eacute mais faacutecilrdquo Situaccedilotildees como estassatildeo frequentes em serviccedilos voltados para o atendimento em sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes A autoridade dos pais parece haver se fragmentado em poacute dentro de uma caacutepsu-la medicamentosa

As queixas principais de familiares eou da escola em rela-ccedilatildeo agrave crianccedila ou adolescente envolvem brigas rebeldia inquie-taccedilatildeo agressividade fiacutesica em relaccedilatildeo aos pais desrespeito agraves 4 VERIacuteSSIMOE(1933)ClarissaRiodeJaneiroCompanhiaJoseacuteAguilar1966p74

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regras mentiras furtos fugas de casa baixa toleracircncia agrave frus-traccedilatildeo queixas em relaccedilatildeo a comportamento inespeciacuteficas isoladas ou insuficientes para comporem criteacuterios diagnoacutesti-cos que envolvam os transtornos de conduta como quadros nosoloacutegicos

Vaacuterios trabalhos onde se estressou socioacutelogos psicoacutelogos e educadores em relaccedilatildeo agrave medicaccedilatildeo de crianccedilas em Sauacutede Mental muitas vezes responsabilizam a Medicina de ater-se a criteacuterios diagnoacutesticos e com base nestes contribuir para a ldquopatologizaccedilatildeordquo das pessoasNatildeo somente poreacutem a medicina particularmente a Psiquiatria tem criteacuterios universais e abso-lutos para considerar o que eacute normal ou patoloacutegico conforme ela mesma eacute perpassada por transformaccedilotildees socioculturais A Antropologia Meacutedica nos indica que em todas as sociedades humanas as praacuteticas e crenccedilas relativas aos processos de sauacute-de-doenccedila satildeo caracterizadas por parte de cada cultura pela organizaccedilatildeo da sociedade em relaccedilatildeo agrave sauacutede e agrave doenccedila e pelo sistema de cuidados em sauacutede Este por sua vez se refere ao modo de as pessoas serem reconhecidas doentes como a doenccedila eacute manifestada agraves outras pessoas os atributos destas e a forma de a doenccedila ser abordada (HELMAN 2009)

A compreensatildeo do processo sauacutede-doenccedila como fenocircme-no sociocultural comporta a ideia de que ldquoas experiecircncias de sauacutede e doenccedila satildeo atravessadas pelos significados socialmente construiacutedos logo natildeo podem ser desvinculadas das estruturas sociais mais abrangentes que permeiam as sociedadesrdquo (COS-TA GUALDA 2010 p 2) Buscando identificar e analisar a mediaccedilatildeo que os fatores sociais e culturais exercem sobre de-terminadas formas de pensar e agir frente a sauacutede e a doenccedila a Antropologia amplia o contexto que deve ser levado em conta no entendimento dos processos patoloacutegicos (UCHOcircA VI-

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DAL 1994) Assim novos modelos de sauacutede-doenccedila podem ser constituiacutedos reavendo a dimensatildeo experiencial e psicosso-cial dos sujeitos (GUALDA BERGAMASCO 2004 apud COS-TA GUALDA 2010)

A consideraccedilatildeo sobre o que eacute doenccedila ou natildeo se transfor-ma ao longo do tempo dependendo das mudanccedilas sociocul-turais cujo exemplo paradigmaacutetico eacute a homossexualidade Se nos Estados Unidos eacute encontrado o percentual de 9 de crian-ccedilas com Transtorno de Deficit de Atenccedilatildeo e Hiperatividade na Franccedila esta prevalecircncia eacute inferior a 05 A Medicina francesa natildeo somente considera o transtorno como condiccedilatildeo meacutedica causada por condiccedilotildees psicossociais e situacionais como tem seu sistema de classificaccedilatildeo de transtornos (WEDGE 2013) Na categoria dos transtornos de comportamento na infacircncia e adolescecircncia no DSM-II (AMERICAN PSYCHIATRIC AS-SOCIATION 1968 p 50) aparece como diagnoacutestico a ldquorea-ccedilatildeo natildeo socializada agressiva da infacircncia (ou adolescecircncia) rdquo as crianccedilas se caracterizam por terem ataques de raiva men-tirem roubarem provocarem outras crianccedilas serem desobe-dientes vingativas e destrutivas Conforme o proacuteprio Manual estas crianccedilas comumente natildeo recebem uma disciplina consis-tente por parte dos pais O que eacute foco da educaccedilatildeo familiar e escolar o que possa se constituir em manifestaccedilatildeo de um tem-peramento ou uma conduta reativa tem passado facilmente a ser categorizado como doenccedila problema a ser resolvido pela Medicina Problemas de comportamento envolvidos eou re-sultantes de condiccedilotildees como dificuldades no aprendizado mal conduzidas desagregaccedilatildeo familiar violecircncias intra e extrafa-miliares precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas e de sauacutede podem ser ldquomedicalizadasrdquo

Joatildeo de quatro anos esperneava gritava e chorava no chatildeo em meio agraves pernas das pessoas sentadas na recepccedilatildeo de

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um serviccedilo de sauacutede mental - a imagem antiga da conhecida ldquobirrardquo A matildee tambeacutem chorava profusamente e dizia o quan-to fora difiacutecil trazecirc-lo ao serviccedilo para a consulta e mais tarde insistiria que o filho fosse medicado por sua conduta frequen-temente rebelde Joatildeo crianccedila bastante esperta de bom voca-bulaacuterio explicou que era violento porque a matildee batia muito Os dois irmatildeos adolescentes satildeo usuaacuterios de drogas e eram muito agressivos para com ele O pai natildeo tinha contato com a famiacutelia que vivia em precaacuterias condiccedilotildees materiais e de hi-giene situaccedilatildeo observada em visita domiciliar feita pela equipe do serviccedilo Algumas tentativas de orientaccedilatildeo a esta matildee foram feitas quanto a ser acompanhada no grupo de familiares e o manejo do menino A matildee pareceu natildeo ouvir e ante a recusa do profissional em medicar seu filho ficou por demais irritada e pediu a troca de meacutedico

O que estaacute submerso sob a aparente concordacircncia e ade-satildeo da sociedade ao tempo de comprimidos gotas suspen-sotildees e caacutepsulas como substitutivos de praacuteticas educacionais referentes a alteraccedilotildees de conduta de crianccedilas Como com-preender a tendecircncia da famiacutelia e tambeacutem da escola a bus-car e aderir a explicaccedilotildees neuropsiquiaacutetricas e possivelmente prescriccedilotildees medicamentosas para problemas comportamen-tais antes contemplados por estrateacutegias educativas Estaria a proacutepria sociedade se submetendo acriticamente para que a soluccedilatildeo de dificuldades diversas seja dada pela ldquopatologizaccedilatildeordquo de seus membros Na histoacuteria da crianccedila e de quem a acom-panha particularmente em serviccedilos puacuteblicos de sauacutede mental eacute frequente a narrativa de situaccedilotildees socioeconocircmicas precaacute-rias em que o sustento principal eacute o Bolsa-Famiacutelia moradia em espaccedilo insuficiente para o nuacutemero de pessoas comunidade violenta falta de opccedilotildees de lazer dificuldade de acesso agrave es-

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cola isolamento ausecircncia da figura paterna e distanciamento de membros da famiacutelia estendida como avoacutes e tios A famiacutelia perde suas referecircncias culturais quando migra da zona rural agrave Capital Seus modelos de educaccedilatildeo para os mais jovens se con-fundem ante a novos padrotildees de convivecircncia A crianccedila natildeo tem espaccedilo para brincar com amiguinhos a rua eacute perigosa A medicaccedilatildeo preencheria os vazios da falta de recursos e da au-secircncia de pessoas com quem trocar experiecircncias compartilhar dificuldades

De ordinaacuterio a crianccedila ou adolescente vem ao serviccedilo trazida por demanda da famiacutelia eou encaminhada por uma instituiccedilatildeo como Conselho Tutelar ou escola E outros vieses na descriccedilatildeo dos problemas que motivam a procura de atendi-mento podem ocorrer Os informantes principalmente aque-les que estatildeo mais envolvidos no cuidado da crianccedila poderatildeo estar inconformados com determinados comportamentos com base nas proacuteprias condiccedilotildees e histoacuterias de vida para as quais a crianccedila pode por sua idade ter pouca capacidade de refutaccedilatildeo Conhecer a dinacircmica familiar as caracteriacutesticas importantes do ambiente e as interaccedilotildees da crianccedila com elas fazem parte de uma avaliaccedilatildeo adequada (VINOCUR PEREIRA 2011) mas frequentemente dificultada pela precariedade de espaccedilo e de profissionais nos serviccedilos

O atravessamento das fases de desenvolvimento proacuteprios da crianccedila pode interferir na expressatildeo de sintomas ou estes ser proacuteprios de determinada etapa de vida A avaliaccedilatildeo psi-quiaacutetricapsicoloacutegica eacute delicada pois a crianccedila pode ter difi-culdades em manifestar seu desconforto interno eou externo mediante a palavra Se ela pode ser diagnosticada e medica-da como um ser adulto nem sempre eacute ouvida creditada eou compreendida como pessoa de direito

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Na corrente de uma maior preocupaccedilatildeo com a sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes evidenciada nas uacuteltimas deacute-cadas no Brasil por uma implantaccedilatildeo dos centros de atenccedilatildeo psicossocial infantojuvenil (CAPSi) tambeacutem ldquoflutuamrdquo caacutep-sulas e comprimidos e eles refletem uma tendecircncia de paiacuteses ocidentalizados Vaacuterios fatores entre os quais a pesquisa e a produccedilatildeo de faacutermacos encontram na populaccedilatildeo jovem um interessante locus de aplicaccedilatildeo e de lucratividade Nossa so-ciedade que parece buscar a soluccedilatildeo raacutepida e cada vez mais eficiente como anota Fiore (2005) parece corresponder a tais interesses e os considera bem-vindos O comportamento inde-sejaacutevel ldquoinimigordquo eacute facilmente alvejado e derrotado como no jogo de viacutedeogame representando uma tendecircncia sociocultu-ral de nosso mundo poacutes-moderno A faacutecil aceitaccedilatildeo ou procu-ra da medicaccedilatildeo de muitos pais na resoluccedilatildeo de condutas con-sideradas indesejaacuteveis por parte de seus filhos poderia refletir a aceitaccedilatildeo natildeo consciente ou pouco reflexiva do poder midiaacute-tico que entre outras coisas promete a resoluccedilatildeo imediata de muitos problemas de manchas difiacuteceis na roupa e perda da gordura abdominal com seis caacutepsulas ao dia sem o trabalho de esfregar a roupa sem a dificuldade da dieta sem o cansaccedilo e o suor de exerciacutecios fiacutesicos

Voltando agraves crianccedilas e adolescentes a prescriccedilatildeo de psi-cofaacutermacos para esta populaccedilatildeo aumentou significativamente nas cinco uacuteltimas deacutecadas principalmente nos Estados Uni-dos norte da Europa Austraacutelia e Nova Zelacircndia Pesquisas que analisaram as tendecircncias das prescriccedilotildees meacutedicas em nove paiacuteses de 2000 e 2002 encontraram um aumento significati-vo do nuacutemero de psicofaacutermacos receitados para crianccedilas em todos os paiacuteses de 13 como na Alemanha ateacute 68 como no Reino Unido (TIMIMI 2010) Em 2005 foi proposta pelo

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Instituto Nacional de Sauacutede e Pesquisa Meacutedica da Franccedila uma poliacutetica de prevenccedilatildeo baseada na triagem e no atendimento precoce psicoterapecircutico e medicamentoso para crianccedilas a partir de trecircs anos de idade com problemas de comportamen-to em vaacuterios niacuteveis de gravidade O objetivo era o de prevenir o desenvolvimento de comportamento delinquente futuro Quando identificado ao transtorno de conduta era recomen-dada uma seacuterie de programas de prevenccedilatildeo psicossociais e se necessaacuterio o uso de tratamento farmacoloacutegico Tal proposta causou muita celeuma tanto na populaccedilatildeo quanto entre espe-cialistas de aacutereas diversas na eacutepoca (LEROY 2006)

Com base na pergunta ldquopor que lsquomedicalizarrsquo se tornou uma urgecircncia contemporacircneardquo Fiore (2005) parte da visatildeo dos educadores que trabalham com crianccedilas que fazem uso de psicofaacutermacos A autora discute o quanto a sociedade com sua busca de eficiecircncia a todo custo ldquopatologizardquo crianccedilas que necessitam natildeo mais do que atenccedilatildeo especializada em termos educacionais Caracteriacutesticas dos sujeitos antes vistos como atributos como raiva passividade agressividade tendem a ser hoje percebidas como patologias que necessitam ser ldquome-dicalizadasrdquo Esta percepccedilatildeo do corpo como sendo o foco das dificuldades das pessoas particularmente das crianccedilas perpas-sa boa parte da sociedade dos pais da escola e dos profissio-nais de sauacutede Na mesma vertente Tesser e Poli Neto (2011) chamam a atenccedilatildeo para a tendecircncia das famiacutelias procurarem algum profissional que sancione cuidados que poderiam e de-veriam ser promovidos por elas mesmas com proacuteprias com-petecircncias cuidados estes que acreditam estar na medicaccedilatildeo Para Costa (2004 apud LIMA 2008) as famiacutelias na Poacutes-Mo-dernidade abriram matildeo de resolver sozinhas os problemas que sempre foram de sua competecircncia e estatildeo cada vez mais

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procurando especialistas Segundo o autor a normatizaccedilatildeo da famiacutelia imposta pela ordem meacutedica desestruturou as famiacutelias que se sentem inseguras quanto ao seu amor e cuidado em re-laccedilatildeo agraves crianccedilas

Considerando que os processos de sauacutede e doenccedila se re-configuram de forma muito dinacircmica abarcando ampla aacuterea de determinantes socioculturais e necessidade de accedilotildees e sa-beres interdisciplinares os estudos em Sauacutede Coletiva podem contribuir para a compreensatildeo de determinados fenocircmenos como a crescente ldquomedicalizaccedilatildeordquo em Sauacutede Mental de crian-ccedilas e adolescentes Os avanccedilos nas neurociecircncias e a possibi-lidade maior de aliviar o sofrimento psiacutequico mediante o do uso de psicofaacutermacos mais efetivos satildeo bem-vindos Natildeo po-de-se no entanto como profissionais estudiosos pesquisado-res e sobretudo sujeitos sociais deixar de mobilizar posiccedilotildees criacuteticas as nossas praacuteticas

Problemas de comportamento e praacuteticas educativas

Haacute cerca de 30 anos a socializaccedilatildeo de crianccedilas significava a transmissatildeo de valores crenccedilas e normas da sociedade por meio da famiacutelia e da escola As crianccedilas absorviam tais princiacute-pios de forma passiva mediante a interiorizaccedilatildeo deste Com o advento da Sociologia da Infacircncia na deacutecada de 90 do seacuteculo passado com a perspectiva do estudo dos cotidianos e das cul-turas das crianccedilas estas deixam de ser consideradas passivas em relaccedilatildeo aos adultos A infacircncia representada por sujeitos singulares ldquonatildeo pode ser abordada apenas por aquilo que as instituiccedilotildees adultas dela esperam mas tambeacutem como grupo especiacutefico que produz e reproduz a vida socialrdquo (NASCIMEN-TO 2008 p 93)

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Estudos transculturais indicam que existe ampla variaccedilatildeo na forma como a infacircncia eacute definida e o comportamento que eacute esperado para as crianccedilas e para aqueles que as rodeiam Dis-tintas sociedades definem a idade com que as crianccedilas rece-bem educaccedilatildeo formal eou componham a forccedila de trabalho A infacircncia percebida como periacuteodo a ser protegido caracteriza sociedades economicamente mais desenvolvidas enquanto nas mais pobres as crianccedilas satildeo consideradas potencialmente aprendizes para a realizaccedilatildeo de tarefas dos adultos (HELMAN 2009) Como estatildeo sendo vistas e compreendidas as crianccedilas por pais e educadores em manifestaccedilotildees comportamentais consideradas inadequadas em nossa cultura

Os problemas externalizantes em crianccedilas e adolescentes satildeo foco de estudos nas uacuteltimas duas deacutecadas e a noccedilatildeo de ser um sistema organizado de comportamentos que aparecem se intensificam ou mudam em frequecircncia e conteuacutedo durante o curso do desenvolvimento eacute recente (HANN BOREK 2001) Achenbach e Edelbroook (1979) classificaram os problemas de comportamento em crianccedilas em duas categorias os internali-zantes (tristeza retraimento social desinteresse por atividades acadecircmicas) e os externalizantes Estes focalizados neste tra-balho se caracterizam por agressividade irritabilidade rebel-dia impulsividade desobediecircncia e condutas transgressoras como furto mentiras fugas de casa

Os distuacuterbios comportamentais constituem significativa demanda aos serviccedilos de sauacutede mental destinados ao aten-dimento de crianccedilas e adolescentes Estudos brasileiros que procuraram caracterizar as crianccedilas e adolescentes atendidos em serviccedilos de sauacutede mental descobriram que a agressividade (BORZA SOUZA BANDEIRA 2011) e a conduta transgres-sora estatildeo entre as queixas principais dos pais (PESCE ASSIS

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AVANCI 2008 RONCHI AVELLAR 2010) Em algumas pesquisas os problemas externalizantes chegam a ter uma pre-valecircncia mais elevada em relaccedilatildeo a outros distuacuterbios (ANSEL-MI et al 2004 RONCHI AVELLAR 2010)

Necessariamente manifestaccedilotildees comportamentais natildeo constituem um quadro nosoloacutegico Para todos os problemas de comportamento existe um continuum que vai da normali-dade agrave expressatildeo de organizaccedilotildees patoloacutegicas as mais variaacuteveis e quando ocorrem de forma intermitente ou isolada podem natildeo ter um significado psicopatoloacutegico Um comportamento externalizante como roubar ou mentir pode se manifestar ao longo do desenvolvimento das crianccedilas e dos adolescentes com maior ou menor intensidade Quando estatildeo associados a outros sintomas em sentido diagnoacutestico ou cliacutenico podem aparecer em distintos quadros diagnoacutesticos e estes requerem tambeacutem a observaccedilatildeo de criteacuterios como idade tempo de du-raccedilatildeo dos sintomas e condutas perturbadoras bem definidas (DUMAS 2011) Problemas de comportamento constituem motivo de preocupaccedilatildeo quando se repetem e se produzem no tempo associados a vaacuterias outras condutas ou sintomas de outra natureza (MARCELLI COHEN 2009) ou quando re-percutem de modo a causar prejuiacutezos na interaccedilatildeo familiar no desempenho acadecircmico e na convivecircncia social

Fatores de risco para comportamentos agressivos eou transgressores satildeo multifatoriais como geneacutetica sexo tem-peramento idade competecircncia cognitiva contexto familiar vizinhanccedila sociedade e cultura (PESCE ASSIS AVANCI 2008) Aspectos neuroendoacutecrinos (BARRA 2007 TEIXEIRA et al 2013) condiccedilotildees socioeconocircmicas precaacuterias comunida-de violenta e eventos estressores (MURRAY et al 2013) idade e educaccedilatildeo da matildee presenccedila do pai (ANSELMI et al 2004)

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negligecircncia abuso fiacutesico e psicoloacutegico (VINOCUR PEREIRA 2011) estatildeo associados nestes casos Pela observaccedilatildeo e imitaccedilatildeo de modelos a influecircncia da miacutedia tambeacutem eacute apontada como os jogos de videogame violentos (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS 2001)

O conjunto caracteriacutestico de comportamentos nas rela-ccedilotildees estabelecidas entre pais e filhos eacute denominado na literatu-ra por praacuteticas parentais estilos parentais praacuteticas educativas ou cuidados parentais (MACARINI et al 2010) Por seu pa-pel fundamental na socializaccedilatildeo das crianccedilas eacute sobre a famiacute-lia que vaacuterios estudos nas uacuteltimas deacutecadas se debruccedilam na compreensatildeo de modelos explicativos para praacuteticas educativas favorecedoras ou natildeo para comportamentos desviantes ou ha-bilidosos na interaccedilatildeo social

Pesquisas sobre problemas de comportamento externa-lizante e praacuteticas educativas apontaram caracteriacutesticas da re-laccedilatildeo pais-filhos que podem influenciar no aparecimento de condutas desviantes O estiacutemulo desses comportamentos pode ser dado pela disciplina inconsistente interaccedilatildeo positiva defi-ciente pouco monitoramento e supervisatildeo das atividades da crianccedila Os pais natildeo reforccedilariam os comportamentos proacute-so-ciais ignorando-os dando-lhes pouca atenccedilatildeo ou respostas inapropriadas com emprego de puniccedilotildees severas para com-portamentos natildeo desejados Desta forma comportamentos coercitivos seriam reforccedilados pelos proacuteprios pais (BOLSONI-SILVA MARTURANO 2002)

Os estudos que se dedicaram aos modelos educativos dos quais citam-se alguns referidos com frequecircncia na literatura identificaram caracteriacutesticas nas praacuteticas dos pais Baumrind (1966) por exemplo destacou trecircs modelos o autoritaacuterio (controle imposiccedilatildeo de regras pouco apoio agrave crianccedila) o

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permissivo (pouco controle pouca exigecircncia e apoio forte) e o ldquoautoritativordquo (controle apoio regras fixas incentivo agrave au-tonomia) Hoffman (1975) define dois modelos praacuteticas in-dutivas sinalizadoras das consequecircncias dos atos da crianccedila e as coercitivas com atitudes disciplinares que envolvem forccedila fiacutesica puniccedilatildeo fiacutesica e puniccedilotildees Darling e Steinberg (1993) privilegiam natildeo somente as praacuteticas educativas no desenvol-vimento da crianccedila mas tambeacutem a cultura a classe social a composiccedilatildeo da famiacutelia e as crenccedilas dos pais (valores e metas) em relaccedilatildeo aos seus filhos As praacuteticas educativas natildeo se dis-tinguiriam entre si em relaccedilatildeo a serem menos ou mais efetivas mas dependeriam do contexto cultural e das condiccedilotildees sociais e fiacutesicas na qual elas ocorrem Gomide (2006 apud BOLSO-NI-SILVA SILVEIRA MARTURANO 2008) salienta que as praacuteticas positivas incluem monitoria positiva expressotildees de afeto estabelecimento de limites supervisatildeo das atividades da crianccedila e promoccedilatildeo de comportamento moral As praacuteticas educativas negativas envolvem abuso fiacutesico eou psicoloacutegico negligecircncia ausecircncia de atenccedilatildeo e afeto monitoria negativa que corresponde ao excesso de instruccedilotildees sem atenccedilatildeo ao seu cumprimento

Os comportamentos proacute-sociais e antissociais satildeo apren-didos nas interaccedilotildees familiares Tais interaccedilotildees por sua vez satildeo favorecidas pelo ambiente por caracteriacutesticas da crianccedila e dos cuidadores pelas relaccedilotildees conjugais e a rede de apoio pela comunidade e escola A etiologia dos problemas de comporta-mento estaria na inter-relaccedilatildeo de eventos fatores contextuais fatores bioloacutegicos comportamentos parentais e infantis Inte-raccedilotildees parentais coercitivas ocorrem por via de mecanismos de feedback positivos e negativos em padrotildees de interaccedilatildeo de pais e filhos Condutas parentais de crianccedilas com problemas

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de comportamento costumam ser inconsistentes quanto a re-ferenciar comportamentos positivos eou estes satildeo pouco va-lorizados A famiacutelia pode apresentar uma disciplina severa e inconsistente junto com baixo envolvimento monitoramento e supervisatildeo parental (GRANIC PATTERSON 2006)

Praacuteticas parentais educativas e Poacutes-Modernidade

Situa-se como um desafio a ideia de compreender como a socializaccedilatildeo entre famiacutelia e crianccedila ocorre em nosso mundo contemporacircneo no qual a tecnologia nos impotildee modelos de accedilatildeo e interaccedilatildeo diversos instantacircneos de consumo desen-freado de forma tatildeo raacutepida que obstaculiza a reflexatildeo criacuteti-ca A sociedade capitalista estimula a competitividade o in-dividualismo e preconiza valores conforme a lucratividade de mercado

A configuraccedilatildeo da famiacutelia ou dos membros que dela fazem parte conforme Wagner Tronco e Armani (2011) tambeacutem mudou nas uacuteltimas deacutecadas do modelo tradicional definido pela consanguinidade e parentesco ateacute as mais complexas re-presentadas pela coabitaccedilatildeo de filhos de variados casamentos relaccedilotildees homoafetivas monoparentais e assim por diante En-tre os membros que configuram uma famiacutelia existe uma estru-tura representada pelas regras exerciacutecio de poder combina-ccedilotildees de convivecircncia e limites A configuraccedilatildeo e a estrutura de interaccedilotildees familiares passaram a ter muacuteltiplas representaccedilotildees na atualidade no entanto a dificuldade em estabelecer hierar-quias bem definidas bom funcionamento na interaccedilatildeo e sauacutede familiar observadas em pesquisas brasileiras eacute independente da composiccedilatildeo dos membros da famiacutelia

Tradicionalmente a socializaccedilatildeo das crianccedilas por parte da famiacutelia e da escola era compreendida como a transmissatildeo

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de valores crenccedilas e normas da sociedade As crianccedilas pela in-fluecircncia dos adultos os internalizariam passivamente (NASCI-MENTO 2007) Estudos sociais sobre a infacircncia surgidos nas uacuteltimas trecircs deacutecadas ressaltam que a infacircncia como estrutura social emerge de um contexto de macroparacircmetros como for-maccedilatildeo cultural globalizaccedilatildeo mercado sistema sociopoliacutetico e muda historicamente conforme a mudanccedila destes paracircmetros (QVORTRUP 2007) Como lembra Mollo-Bouvier (2005) a crianccedila como sujeito social eacute partiacutecipe em sua socializaccedilatildeo na reproduccedilatildeo e na transformaccedilatildeo da sociedade Em meio agraves mu-danccedilas aceleradas de nossa sociedade multicultural deve-se le-var em conta a noccedilatildeo de que a crianccedila natildeo pode ser considera-da ldquoum ser agrave parterdquo ser passivo das atuais conjunturas sociais poliacuteticas e econocircmicas que podem estar impondo modelos de normalidade e anormalidade

Se a Sociologia da Infacircncia busca elencar a crianccedila como sujeito o criacutetico social Neil Postman (2002) particularizado a sociedade estadunidense defende a ideia do desaparecimento da infacircncia na Poacutes-Modernidade O surgimento da miacutedia ele-troeletrocircnica privilegia a imagem mais do que seu conteuacutedo verbal da informaccedilatildeo Adultos e crianccedilas tecircm acesso indiscri-minado agraves mesmas informaccedilotildees de modo que os limites entre as geraccedilotildees se tornaram tecircnues demais O mundo adulto se empobrece das informaccedilotildees que seriam dadas aos mais jovens ao longo do seu desenvolvimento o que desfaz sua autoridade para com as crianccedilas

Para Postman (2012) entre as informaccedilotildees agraves quais a crianccedila tecircm acesso se encontram as violecircncias diversas reais e cotidianas Ao contraacuterio das violecircncias retratadas nos contos infantis mediadas pela voz de um adulto adaptadas agrave com-preensatildeo da crianccedila ou narradas em um contexto apaziguador

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a violecircncia escancarada pela miacutedia banaliza o ato agressivo e estimula a ldquolei do mais forterdquo O autor questiona em relaccedilatildeo ao modo de representaccedilatildeo deste mundo adulto violento mo-ralmente degenerado se natildeo estaria enfraquecida a crenccedila da crianccedila num mundo adulto bem ordenado racional e em sua capacidade futura de controlar os proacuteprios impulsos violentos Os meios de comunicaccedilatildeo atuais ao proporcionarem acesso indiscriminado de informaccedilotildees agraves crianccedilas e aos adultos bor-raria as diferenccedilas entre geraccedilotildees A crianccedila eacute tratada pelos meios de consumo como adultos pequenos o que constata-se facilmente em revistas de moda para crianccedilas e adolescentes A autoridade que caracterizava o adulto e a curiosidade proacute-pria das crianccedilas encontram-se opacificadas nas interaccedilotildees fa-miliares atuais Segundo Costa (2004 apud LIMA 2008) as fa-miacutelias na Poacutes-Modernidade abriram matildeo de resolver sozinhas os problemas que sempre foram de sua competecircncia e estatildeo cada vez mais procurando por especialistas A normatizaccedilatildeo da famiacutelia imposta pela ordem meacutedica desestruturou as famiacute-lias que se sentem inseguras quanto ao seu amor e cuidado em relaccedilatildeo agraves crianccedilas

Na Poacutes-Modernidade adverte Dufour (2005) a tendecircncia eacute de se perceber os atos de violecircncia como da natureza das pes-soas Antes de se entender as crianccedilas que impulsivamente passam ao ato pela incapacidade da expressatildeo pela palavra tende-se a ldquomedicalizaacute-lasrdquo Com dificuldade na capacidade de simbolizaccedilatildeo essas crianccedilas desenvolvem ldquosintomas poacutes-modernosrdquo como distraccedilatildeo hiperatividade entre outros sin-tomas fashion e a incapacidade de pais e profissionais entende-rem o que estaacute acontecendo leva agrave ldquomedicalizaccedilatildeordquo

Os recortes das etapas da infacircncia satildeo cada vez mais es-treitos salienta Mollo-Bouvier (2005) o tempo social conce-

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dido agrave infacircncia se segmenta eacute encurtado por vezes esquecido e exemplo disso eacute a escolarizaccedilatildeo cada vez mais precoce das crianccedilas As normas socializadoras satildeo cada vez mais flutuan-tes Tende-se no mundo atual a uma certa ldquoimpaciecircnciardquo como diz a autora A autonomia e a esperteza satildeo privilegiadas em detrimento do desenvolvimento e maturaccedilatildeo ldquoa rapidez de aquisiccedilatildeo e de execuccedilatildeo eacute mais prezada que o perfeccionis-mo o desempenho e a competiccedilatildeo nos acircmbitos esportivos e artiacutesticos tornaram a falta de jeito e a modeacutestia vergonhosas e associaisrdquo (p 395)

Nunca foi dada tanta importacircncia agraves poliacuteticas de sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes em nosso paiacutes como nas uacutel-timas deacutecadas A sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes re-cebeu maior atenccedilatildeo de vaacuterios setores de estudo e assistecircncia como Medicina Psicologia Poliacuteticas Puacuteblicas e Educaccedilatildeo O reconhecimento das repercussotildees de vaacuterias formas de violecircn-cia sobre o desenvolvimento mental os indicadores da exis-tecircncia de transtornos psiquiaacutetricos antes reconhecidos somen-te em pessoas adultas e a poliacutetica de inclusatildeo escolar emergem paralelamente com os interesses dos laboratoacuterios em ampliar seu mercado farmacoloacutegico para a populaccedilatildeo infantojuvenil Contraditoriamente entretanto serviccedilos de Sauacutede Mental voltados para esta populaccedilatildeo ainda satildeo poucos e muitas ve-zes precaacuterios natildeo somente os destinados ao atendimento de transtornos graves e persistentes como os representados pelos centros de atenccedilatildeo psicossocial infanto juvenis (CAPSi) mas tambeacutem aqueles voltados para atendimento de outros sofri-mentos psiacutequicos Necessita de recursos pedagoacutegicos desti-nados agraves dificuldades escolares de instituiccedilotildees destinadas agraves disfunccedilotildees familiares de um trabalho mais consistente e efe-tivo na rede de cuidados Aleacutem de tudo pode-se natildeo ter um

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atendimento que focalize tatildeo somente aspectos biomeacutedicos se pretende o cuidado que beneficie a subjetividade Natildeo se deve em avaliaccedilotildees e acompanhamentos meacutedicos psicoloacutegicos e pe-dagoacutegicos obscurecer os atravessamentos socioculturais que tendem a borrar a crianccedila como sujeito

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CAPIacuteTULO 18

ITINERAacuteRIOS E REDES SOCIAIS DE APOIO DAS FAMIacuteLIAS DE PESSOAS EM CRISE PSI-QUIAacuteTRICA REDES E FLUXOS EM BUSCA DO CUIDADO EM SAUacuteDE

Juliana Pessoa CostaMardecircnia Gomes Ferreira Vasconcelos

Rebeka Rafaella Saraiva CarvalhoMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A noccedilatildeo de itineraacuterio terapecircutico assinala arranjos mo-vimentos caminhos percursos trajetoacuterias buscas planos estrateacutegias projetos enfrentamentos escolhas mobilizaccedilotildees e aderecircncias com a finalidade de prevenir tratar e recuperar o estado de sauacutede ante a constataccedilatildeo de uma desordem social (AUGEacute 1984 NEVES NUNES 2010) e de uma heterogenei-dade de recursos baseados em sentidos e significados que as pessoas atribuem a essas vivecircncias (MARQUES MAcircNGIA 2013) Essa procura de cuidados segundo definiccedilatildeo de Masseacute (1985) estaacute condicionada tanto pelas atitudes valores e ideo-logias quanto pelos perfis da doenccedila pelo acesso econocircmico e pela disponibilidade de tecnologia

O aprofundamento desse conceito requer a compreensatildeo de ldquocuidados em sauacutederdquo Nessa perspectiva Gutierrez e Mina-yo (2010) destacam a existecircncia de no miacutenimo dois contextos em que estes satildeo produzidos a rede oficial de serviccedilos repre-sentada pelo saber biomeacutedico-cientiacutefico e as tecnologias tera-

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pecircuticas modernas e a rede informal significadas pela famiacutelia e rede de relaccedilotildees sociais que complementarmente produ-zem accedilotildees concretas em seu cotidiano desde a identificaccedilatildeo do problema ateacute a orientaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de escolhas terapecircuticas que ocorrem com suporte em negociaccedilotildees e em um campo de significados compartilhados

Assim estudos que envolvem itineraacuterios terapecircuticos se tornam relevantes por contribuiacuterem para descolonizar esse territoacuterio atentando para os modos como a famiacutelia amparada por uma rede social produz cuidados indispensaacuteveis e especiacutefi-cos para a sauacutede e investigando como esses cuidados se somam aos produzidos o sistema de serviccedilos

O sofrimento mental eacute entendido como uma forma de adaptaccedilatildeo e de reaccedilatildeo do sujeito ante a estiacutemulos internos ou externos ao organismo (MAcircNGIA YASUTAKI 2008) Cons-titui situaccedilatildeo-problema que demanda rearranjos no cotidiano dos sujeitos e de sua rede social Eacute uma experiecircncia que traz um excesso do que eacute ldquoinsuportaacutevelrdquo e ldquointoleraacutevelrdquo (CANGUI-LHEM 2010) Assim o sujeito pode experienciar momentos de crise ou seja periacuteodos em que os afetos sentimentos ges-tos e comportamentos surgem de forma expressiva e em graus variados quanto a intensidade e manifestaccedilatildeo Em seu entor-no encontram-se aspectos que exprimem alguma ordem de estranheza e perturbaccedilatildeo social (OLIVEIRA 2007)

O novo modelo de assistecircncia e cuidado agrave pessoa com transtorno mental prevecirc a participaccedilatildeo da famiacutelia no trata-mento por meio das novas legislaccedilotildees dentre as quais a Por-taria nordm 2241992 do Ministeacuterio da Sauacutede que dispotildee sobre as diretrizes assistenciais em Sauacutede Mental e estabelece normas para o atendimento ambulatorial e hospitalar Posteriormente esse instrumento foi atualizado pela Portaria nordm 3362002 que

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definiu os paracircmetros para o atendimento ambulatorial diver-sificando as modalidades de serviccedilos substitutivos de atenccedilatildeo diaacuteria e articulada com o territoacuterio (BRASIL 2004)

Por territoacuterio compreende-se aleacutem do local geograacutefico um locus de trocas de identidade social e afetiva Assim para essa discussatildeo eacute necessaacuterio refletir sobre a articulaccedilatildeo dos ser-viccedilos com diversas finalidades para ajudar nesta construccedilatildeo de espaccedilos existenciais que promovam e incentivem a vida em todos os aspectos do seu cotidiano rompendo com a estrutu-ra hospitalocecircntrica em que a famiacutelia foi destituiacuteda dos largos de convivecircncia com o seu sujeito em adoecimento (PINHO 2009)

Efetivamente as mudanccedilas de paradigmas na Sauacutede Men-tal promoveram mudanccedila significativa na relaccedilatildeo da famiacutelia com o seu componente com sofrimento psiacutequico A desinsti-tucionalizaccedilatildeo e o retorno do sujeito agrave comunidade devolveu agrave famiacutelia a sua condiccedilatildeo de cuidadora tornando-se tambeacutem objeto de estudo e cuidado aleacutem de garantir seu papel de ava-liadora dos serviccedilos de Sauacutede Mental A participaccedilatildeo da famiacute-lia nestes serviccedilos aumentou o interesse em melhor compreen-der a convivecircncia dos familiares com seus pacientes e a forma como estabelecem suas relaccedilotildees com os serviccedilos (BANDEIRA BARROSO 2005)

A famiacutelia nessa realidade em algumas circunstacircncias pode contribuir negativamente com a evoluccedilatildeo do transtorno mental provocando as crises as quais muitas vezes exigem hospitalizaccedilotildees Eacute ela tambeacutem no entanto a primeira instacircn-cia cuidadora da pessoa adoecida (LEITE VASCONCELOS 2006 ARAUacuteJO BELLATO HILLER 2009) Ocorre ainda que a situaccedilatildeo de adversidade ensejada pelo adoecimento pode ajudar na descoberta de potencialidades dentro do grupo fa-

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miliar O que propicia estresse e altera o modo de vida da fa-miacutelia pode tambeacutem fortalecer os laccedilos de amizade respeito e solidariedade entre os membros

Vale salientar que o itineraacuterio terapecircutico por envolver experiecircncias estabelecidas e reestabelecidas cotidianamente com origem nas informaccedilotildees acumuladas pela famiacutelia aliando racionalidades biomeacutedicas e populares de sauacutede (GERHARDT 2006) natildeo pode ser reduzido a uma lsquogeometria do vividorsquo (AL-VES SOUZA 1999) ou seja racionalizado em modelos den-tro dos quais possam ser enquadrados os processos de escolha (TRAD et al 2010) Assim estudos sobre itineraacuterios terapecircu-ticos objetivam desvendar os processos pelos quais as pessoas ldquoescolhem avaliam e aderem (ou natildeo) a determinados tipos de tratamentordquo (ALVES SOUZA 1999) na busca de soluccedilotildees que possam estabilizar seus cotidianos e sustentar novas ma-neiras de organizar suas vidas questionamentos relevantes no planejamento organizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de serviccedilos assistenciais de sauacutede de modo a garantiracesso viacutenculo e praacuteticas terapecircu-ticas mais efetivas (CABRAL 2011)

Anteo exposto esta pesquisa procura discutir itineraacuterios terapecircuticos e redes sociais de apoio dos familiares de pessoas com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise Foram investiga-dos os fluxos os serviccedilos acessados e a rede social de apoio que a famiacutelia procura em busca de respostas para seu problema

METODOLOGIA

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa demonstrou a compreensatildeo das narrativas dos componentes da famiacutelia sobre o itineraacuterio terapecircutico e as redes sociais de apoio dos familia-res de pessoas em situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetrica Foi realizada

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no Municiacutepio de Maracanauacute-CE regiatildeo metropolitana de For-taleza ndash CE Nordeste do Brasil Assim utilizou-se especifica-mente os serviccedilos da Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental entre estes o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) Geral e o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial Aacutelcool e Drogas (CAPS Ad)

Optou-se por incluir como sujeitos do estudo familiares de pessoas atendidas no CAPS Emprega-se como criteacuterio de inclusatildeo o fato de familiares que estivessem no serviccedilo haacute pelo menos um ano acompanhando seus entes nas consultas e par-ticipando do projeto terapecircutico dispensando cuidado domi-ciliar agrave estes usuaacuterios do serviccedilo Ao final coletou-se informa-ccedilotildees baseados nas narrativas dos dez participantes por meio da teacutecnica da entrevista semiestruturada Estes foram aborda-dos no CAPS enquanto aguardavam atendimento Em geral os familiares eram matildees irmatildes e filhas corroborando a ideia do cuidado estar sob a responsabilidade de mulheres Todos os participantes demonstraram interesse em colaborar com a pesquisa declarando esta opccedilatildeo com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Antes da realizaccedilatildeo do trabalho de campo como exigido o estudo foi submetido agrave anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pes-quisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) onde obteve parecer favoraacutevel sob Protocolo ndeg10724690-2 iniciando-se pois a coleta das informaccedilotildees De posse das informaccedilotildees procede-se agrave anaacutelise orientada pela Hermenecircutica de Paul Ricoeur

Os passos necessaacuterios para utilizaccedilatildeo da Teoria foram adaptados por Geanellos (2000) essa adaptaccedilatildeo que foi alcan-ccedilada usando criteacuterios da Filosofia Hermenecircutica do entendi-mento de Gadamer Assim considera-se a interpretaccedilatildeo como um fenocircmeno que envolve diversas etapas entre as quais a

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transcriccedilatildeo das entrevistas em texto interpretaccedilatildeo superficial anaacutelise estrutural e compreensatildeo abrangente dos escritos Esse procedimento interativo eacute representado em forma de espiral pois relaciona as partes do texto com o todo e vice-versa

Os resultados se conformam na configuraccedilatildeo analiacutetica da compreensatildeo do objeto de estudo dispostos em narrativas e observaccedilotildees constituindo o entendimento temaacutetico da catego-ria itineraacuterios e redes sociais de apoio das famiacutelias de pessoas em crise psiquiaacutetrica redes e fluxos em busca do cuidado em sauacutede

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A investigaccedilatildeo sobre os itineraacuterios de pessoas em busca de resoluccedilatildeo de seus problemas de sauacutede pode contribuir para o entendimento sobre o comportamento em relaccedilatildeo ao cuidado e utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede (CABRAL et al 2011) As-sim eacute possiacutevel por meio da anaacutelise do itineraacuterio terapecircutico visualizar fluxos redes sociais de apoio aleacutem do acesso dos usuaacuterios ao serviccedilo formal de sauacutede Destaca-se o fato de que os caminhos percorridos pelas famiacutelias natildeo necessariamente coincidem com fluxos predeterminados Suas escolhas ex-pressam elaboraccedilotildees subjetivas individuais e coletivas acerca do adoecimento e de formas de tratamento influenciadas por diversos fatores e contextos

Estas escolhas vatildeo definir accedilotildees que passo a passo cons-tituiratildeo um determinado percurso Diante disso observou-se no campo empiacuterico que as famiacutelias estudadas viveram traje-toacuterias semelhantes na busca de apoio na crise da pessoa com transtorno mental Familiares e vizinhos satildeo os grupos primei-ramente acessados e quando mobilizados contribuem para

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criar estrateacutegias para lidar com o sofrimento em geral a busca pelo Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial ou hospital conforme a narrativa

Na primeira crise dela a minha matildee trouxe ela direto pro CAPS porque ela natildeo aguen-tava mais o posto indicou pra ela vir pra caacute soacute que quando ela chegou aqui na eacutepoca ela tinha quinze anos eles natildeo quiseram aceitar porque ela era adolescente soacute que um enfer-meiro olhou pra ela e viu a situaccedilatildeo entatildeo ele se responsabilizou e recebeu ela depois eu comecei a vir com ela pra cuidar dela direito e [] quando ela tem uma crise jaacute aconteceu umas quatro vezes Sou eu os vizinhos os irmatildeos porque satildeo dez irmatildeos que leva ela no hospital Eles moram tudo distante [] sou eu que moro parede com parede com ela O filho participa mas ele trabalha aiacute ela vive sozinha em casa A gente soacute procura o hospi-tal mesmo aqui e o posto de sauacutede

Esta descriccedilatildeo evidencia que as famiacutelias encontram ma-neiras de lidar com a crise psiquiaacutetrica Suas accedilotildees resultam de negociaccedilotildees cotidianas entre seu ente em adoecimento psiacutequi-co e a rede social de apoio Os fluxos estabelecidos natildeo seguem um caminho preestabelecido como um protocolo mas deli-neiam-se com base em necessidades praacuteticas e subjetividades

No campo empiacuterico observa-se que as famiacutelias ou o fa-miliar responsaacutevel pelo cuidado da pessoa com transtorno mental acessam inicialmente o serviccedilo formal de sauacutede numa situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetrica conforme Figura 1 Desse modo a primeira tentativa de buscar ajuda para o problema do seu familiar em crise com o profissional de sauacutede fato demons-

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trativo de que estes profissionais se tornam referecircncia e apoio para os cuidadores

Outra situaccedilatildeo revelada pela investigaccedilatildeo diz respeito ao serviccedilo de sauacutede inicialmente acessado pelos cuidadores Nes-te caso a Unidade Baacutesica de Sauacutede foi descrita como o local inicialmente procurado pelos participantes para solucionar os problemas da pessoa com transtorno psiquiaacutetrico e em si-tuaccedilatildeo de crise Esta circunstacircncia demonstra a potecircncia do trabalho da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia no territoacuterio ou seja as relaccedilotildees de confianccedila das famiacutelias na equipe e o serviccedilo se estabelecem e satildeo acessadas ateacute em situaccedilotildees de criacuteticas de ur-gecircncia e emergecircncia Propoe-se no entanto a reflexatildeo sobre a resolubilidade deste serviccedilo para este contexto de crise psi-quiaacutetrica

Continuando no itineraacuterio do familiar em busca de aten-dimento outros serviccedilos acessados satildeo o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial e os hospitais Nestes serviccedilos satildeo oferecidos atendimentos mais complexos quando comparados agrave assis-tecircncia prestada na Atenccedilatildeo Baacutesica Por isso eacute opccedilatildeo da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia realizar encaminhamento para estas ins-tacircncias Destaca-se neste percurso o fato de que o encaminha-mento ao CAPS pode ser resolutivo pois eacute laacute onde o usuaacuterio em crise encontraraacute o profissional de referecircncia poderaacute ter acesso ao meacutedico psiquiatra e a todos os procedimentos ne-cessaacuterios para o atendimento em situaccedilatildeo de crise Tambeacutem resguarda entretanto suas fragilidades principalmente no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do atendimento e recursos dis-poniacuteveis para este tipo de situaccedilatildeo

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Figura 1 - Itineraacuterio terapecircutico dos familiares de pessoas com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetricaFonte elaboraccedilatildeo dos autores

O hospital tambeacutem deveraacute prestar este atendimento de urgecircncia ou emergecircncia psiquiaacutetrica manejando o quadro do paciente e realizando apoacutes estabilizaccedilatildeo dos sinais e sintomas Deveraacute referenciar a pessoa com transtorno mental a um servi-ccedilo de atendimento especializado neste caso o CAPS Este per-curso problematiza a funccedilatildeo do CAPS como acolhedor final destas pessoas e seus familiares Para tanto eacute necessaacuterio que se organizem processos de trabalho capazes de absorver esta demanda e assim prestar atendimento de qualidade

Nesta trajetoacuteria do familiar outra reflexatildeo pertinente sobre a rede de apoio destas Sob este aspecto Macircngia e Ya-sutaki (2008) reconhecem a importacircncia de investimento no campo relacional das famiacutelias e pessoas com transtorno men-tal justificado pela escassez de interaccedilotildees sociais nas vidas desses sujeitos que se tornaram reduzidos agrave ldquodoenccedila mentalrdquo pelas praacuteticas hospitalocecircntricas respaldadas pelo paradigma psiquiaacutetrico Desse modo a possibilidade de realizar trocas e

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relaccedilotildees significativas com o meio social eacute expressa como pre-missa para a famiacutelia responsaacutevel pelo cuidado da pessoa com adoecimento psiacutequico

Assume-se pois a premissa de que o cuidado em sauacutede especificamente na Sauacutede Mental natildeo se estrutura apenas em torno de serviccedilos formais das redes assistenciais como CAPS hospitais e unidades de atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede mas esten-de-se ao cuidado prestado pela famiacutelia denominado cuidado prestado pelas redes informais

A reflexatildeo sobre as redes sociais de apoio conduzem ao entendimento de um conjunto de interaccedilotildees do sujeito no seu cotidiano Estas muitas vezes funcionam como suporte aos familiares de pessoas com transtorno mental no cuidado domiciliar Desse modo a rede social de apoio dos familiares pode ser composta principalmente pelos profissionais dos serviccedilos a famiacutelia amigos e gestores dos serviccedilos de sauacutede conforme visualizado ldquo[] conto com os meacutedicos com meu marido e a secretaria de sauacutede []rdquo ldquoSempre venho com ela quando natildeo posso vem uma amiga Ela tem um filho que mora com ela que cuida dela Sou irmatilde dela e sou vizinha []rdquo ou seja satildeo ligaccedilotildees entre pessoas com quem haacute uma relaccedilatildeo familiar proacutexima eou com envolvimento afetivo num plano em que a capacidade de influenciar e apoiar a si mesmo e ao outro favorece a situaccedilatildeo

Sob este aspecto Lavall Olschowsky e Kantorski (2009) acrescentam que o conhecimento dessas redes de apoio con-tribui com a praacutetica assistencial e possibilita maior vinculaccedilatildeo com o usuaacuterio e seu familiar com base no reconhecimento de valores e crenccedilas num processo mais especiacutefico de atuaccedilatildeo nos distintos processos de vida do sujeito em grupo e sua comuni-dade facilitando a interlocuccedilatildeo com o territoacuterio

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Supondo desde jaacute de que a famiacutelia quando cuida natildeo o faz sozinha mas estaacute amparada por uma rede de relaccedilotildees sociais naturais e mobilizadora de recursos que estatildeo aleacutem das situaccedilotildees imediatas e servem de apoio em momentos de ne-cessidade e de crise a rede eacute considerada valioso recurso e eacute a principal fonte de ajuda As redes constituem o contexto social em que o apoio fornecido eacute muacutetuo em situaccedilotildees nas quais os necessitados alternam favores e ajudas e verdadeiras redes de reciprocidade (GUTIERREZ e MINAYO 2010)

Na compreensatildeo dos profissionais do CAPS a possibi-lidade de um trabalho mais estreito com as redes sociais de apoio ampliam projeto terapecircutico do usuaacuterio pois aumenta as ofertas terapecircuticas e funciona como mais um indicador de qualidade pois ldquo[] um pouco do sucesso do tratamento po-deria taacute aiacute a gente tentar aproximar essas redes [] a gente po-deria taacute fortalecendo essas redes pra ele [o usuaacuterio] conhecer outras coisas na comunidade a proacutepria famiacutelia eu acho que a gente poderia provocar esse estreitamento dessas relaccedilotildeesrdquo

Cardoso e Galera (2012) no entanto destacam que a arti-culaccedilatildeo entre os serviccedilos de Sauacutede Mental a famiacutelia e a comu-nidade ainda estaacute em desenvolvimento e exprime vaacuterias fragi-lidades seja pela falta de recursos financeiros pela miacutengua de qualidade do serviccedilo prestado ou pela carecircncia de qualificaccedilatildeo teacutecnica Waidman et al (2011) complementam dizendo que os serviccedilos ainda satildeo insuficientes para atender a demanda acarretando descrenccedila na resolubilidade e levando a famiacutelia a desistir do atendimento Os autores enfatizam a descrenccedila com relaccedilatildeo ao atendimento da famiacutelia na Atenccedilatildeo Baacutesica que embora tenha como caracteriacutestica o domiciacutelio como es-paccedilo terapecircutico natildeo alcanccedilou ainda uma estrateacutegia adequada para atender as famiacutelias de portadores de transtorno mental

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A identificaccedilatildeo valorizaccedilatildeo e uso dessas redes sociais de apoio potencializam o cuidado em Sauacutede Mental jaacute que levam em consideraccedilatildeo a subjetividade do sujeito Operam com uma loacutegica diferente da oferta formal de serviccedilos utilizando-se de processos terapecircuticos envolvidos nas relaccedilotildees de confianccedila es-tabelecidas com um profissional do serviccedilo assistencial apoio emocional de um familiar ou vizinho bem como no aliacutevio de sofrimento por meio da arte da expressatildeo musical e da escrita

Assim os sentimentos que envolvem os relacionamen-tos dos usuaacuterios e suas redes sociais de apoio dizem respeito a seguranccedila compreensatildeo dos outros a respeito de si amizade confianccedila amparo e cuidado Mesmo quando o apoio de pes-soas proacuteximas como a famiacutelia fica limitado os usuaacuterios utilizam recursos de expressatildeo como a escrita que possibilita uma vida melhor o aliacutevio de ansiedades e o conforto de ser ouvida ou seja

Quando preciso de ajuda [] tenho um ca-derno porque quando eu natildeo tenho com que conversar ou eu acho que vocecirc natildeo vai enten-der o que eu estou passando aiacute eu passo tudo para o meu caderno [] Ele eacute o meu amigo Eacute bom porque ele ouve e guarda segredo [] quando eu estou muito ansiosa eu tento pas-sar o que eu estou sentindo na hora porque meus filhos natildeo vatildeo entender

De acordo com estudo de Lavall Olschowsky e Kantorski (2009) o apoio emocional pode ser encontrado junto aos fa-miliares que oferecem auxiacutelio e solidariedade entretanto ob-serva-se nas narrativas a capacidade de autonomia dos usuaacute-rios quando identificam uma forma de expressar sentimentos capazes de influenciar a si mesmo Nessa atitude eacute produzido a sensaccedilatildeo de poder compartilhar sua vida e emocionalmente essas vivecircncias satildeo positivas

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Desse modo Apreende-se que a subjetividade de pessoa em sofrimento psiacutequico se torna significativa para as accedilotildees de sauacutede dos profissionais do serviccedilo enfatizando a sua singulari-dade e as suas dimensotildees familiares e socioculturais Fenocircme-no este que se destacou na luta poliacutetica da Reforma Psiquiaacute-trica na mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede mental pois a atenccedilatildeo psicossocial centrou a perspectiva no territoacuterio do su-jeito preocupando-se com o seu cotidiano e a sua inserccedilatildeo na sociedade (LAVALL OLSCHOWSKY e KANTORSKI 2009)

Para os usuaacuterios a principal rede de apoio social eacute a fa-miacutelia nuclear que tambeacutem desempenha o papel de cuidador apesar de tambeacutem considerarem os vizinhos como apoio nas horas difiacuteceis Assim identificam-se como pessoas como fi-lhos irmatilde e a matildee que entendem o sofrimento psiacutequico ou transtorno mental e acompanham o usuaacuterio na trajetoacuteria do adoecimento O papel de cuidador eacute ldquo[] do meu filho ele me leva para casa dele me dar um chaacute de algum calmante aiacute tomo e volto para casa Sou viuacuteva natildeo tenho marido e nem matildeerdquo A famiacutelia eacute entendida como parceira no enfrentamento e vivecircn-cia do sofrimento transformando os serviccedilos formais como os CAPS hospitais e postos de sauacutede

Este fenocircmeno tambeacutem foi observado no estudo de Mota et al (2010 p 837)no qual verificaram que a rede social de apoio de idosos eacute composta em 50 por filhos ou membros mais proacuteximos da famiacutelia ou seja aqueles que mantecircm maior contato com os demais componentes ajudando sempre que necessaacuterio embora natildeo residindo no mesmo domiciacutelio

Assim numa situaccedilatildeo de adoecimento o usuaacuterio com maior grau de autonomia aciona sua rede de apoio mobili-zando inicialmente a famiacutelia

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[] fui pedir ajuda ao meu irmatildeo Que me acudiu na casa dele ai eles me ajudaram A presenccedila deles me ajudou [] Aiacute meu irmatildeo falou com a minha terapeuta ocupacional ai ela falou que eu tinha que procurar o CAPS na quinta-feira

Por sua vez a famiacutelia recorre aos profissionais e serviccedilos formais como os CAPS postos de sauacutede e hospitais para apoio nas horas difiacuteceis

Confirmando este acontecimento estudo de Lavall Ols-chowsky e Kantorski (2009 p 204) que identifica um signifi-cativo apoio em relaccedilatildeo ao microssistema familiar e seu rela-cionamento com o macroespaccedilo social centrado no serviccedilo de sauacutede Tal fato deve ser aproveitado como informaccedilatildeo para as equipes de sauacutede identificarem fragilidades e fortalezas a fim de implementarem a atenccedilatildeo em Sauacutede Mental

Assim a rede de apoio aos familiares no enfrentamento de situaccedilotildees de crises e trajetoacuteria de acompanhamento do adoeci-mento do seu familiar eacute tambeacutem composta por familiares en-tres eles o marido e a sogra por profissionais da sauacutede atuantes no hospital ESF ou CAPS ldquo[] vou no posto a coordenadora tambeacutem me ajuda a levar ela pra Messejana a minha sogra tambeacutem me ajuda muitordquo aleacutem da secretaria de sauacutede do mu-niciacutepio ldquoconto com os meacutedicos com meu marido e a secreta-ria de sauacutederdquo Isso porque o apoio da Secretaria Municipal de Sauacutede representa accedilatildeo de fazer valer o direito do usuaacuterio agrave sauacute-de no SUS uma vez que o direito natildeo eacute soacute lei pois constituido no cotidiano e nas relaccedilotildees com os outros

Desse modo o direito do usuaacuterio eacute garantido quando eacute as-segurado o acesso aos serviccedilos agrave medicaccedilatildeo e a todos os recur-sos terapecircuticos da rede Assim haacute possibilidade de ampliar o

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projeto terapecircutico com visitas domiciliares e disponibilizaccedilatildeo de carro para facilitar o acesso do usuaacuterio a hospitais fora do Municiacutepio no caso o Hospital de Sauacutede Mental de Messejana localizado em Fortaleza-CE

Nessas relaccedilotildees do dia a dia dentre os profissionais de sauacutede que mais possuem envolvimento com os usuaacuterios e fa-miliares foi revelado por meio da anaacutelise das narrativas que principalmente o meacutedico psiquiatra seguido do cliacutenico geral assistente social psicoacutelogo e o terapeuta ocupacional satildeo as referecircncias profissionais na rede social de apoio de familiares

Estudo de Mota et al (2010 p 837) comprovou em par-te esta afirmaccedilatildeo pois revelou que os profissionais da sauacutede que mais tinham algum envolvimento com as famiacutelias foi o profissional meacutedico (45) fato este justificado pela imagem culturalmente formada ao longo dos anos do meacutedico como detentor de alta resolubilidade dos problemas de sauacutede prova-velmente em decorrecircncia da prescriccedilatildeo medicamentosa

Uma rede social de apoio ampliada representa a capacida-de de se criar e manter laccedilos entre as pessoas O uso combina-do de variadas possibilidades de integraccedilatildeo de fluxos de servi-ccedilos e pessoas tem relaccedilatildeo com a autonomia pois indica para o usuaacuterio e seu familiar um caminho natildeo linear mas com vaacuterias conexotildees que promovam sentimentos de confianccedila e apoio o viacutenculo com o cuidador aleacutem de fomentar espaccedilos para o cui-dado Com singularidades estas redes podem ser ampliadas ou mas sempre satildeo acionadas quando necessaacuterio demons-trando a capacidade e graus de autonomia dos sujeitos

Desse modo a utilizaccedilatildeo dessa rede funciona como re-cursos facilitadores do trabalho em Sauacutede Mental ampliando as perspectivas e campos de atuaccedilatildeo do projeto terapecircutico a

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partir de uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano Tambeacutem se coaduna com os princiacutepios da Reforma Psiquiaacute-trica em que a pessoa deve ser visto em sua singularidade e inserido a uma sociedade que tenha um novo modo de lidar com a loucura e o sofrimento psiacutequico

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

As transformaccedilotildees no modo de cuidado agrave pessoa com transtorno mental faz parte de uma dinacircmica que exige re-flexatildeo constante por parte de gestores profissionais e comu-nidade A anaacutelise dos itineraacuterios terapecircuticos pode ser uma importante ferramenta para a qualificaccedilatildeo da assistecircncia na medida em que revela os fluxos percorridos em busca de re-soluccedilatildeo para um problema de sauacutede as conexotildees com as redes sociais e o acesso aos serviccedilos formais

Com efeito esta anaacutelise permite uma compreensatildeo am-pliada do ldquocuidado em sauacutederdquo pois inclui necessariamente os cuidados ofertados em serviccedilos assistenciais formais e os cui-dados informais prestados principalmente pela famiacutelia dos usuaacuterios de sauacutede mental Por sua vez a famiacutelia tambeacutem busca articulaccedilotildees para a efetividade desse cuidado estabelecendo viacutenculos proacuteximos e de ajuda muacutetua com seus entes entre eles pai matildee e irmatildeo aleacutem de vizinhos e profissionais de sauacutede dos serviccedilos formais pessoas que iratildeo compor a rede de apoio social do membro familiar

A utilizaccedilatildeo da rede social de apoio funciona como um in-dicador de qualidade no trabalho em Sauacutede Mental amplian-do as perspectivas e campos de atuaccedilatildeo do projeto terapecircutico com procedecircncia em uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano Tambeacutem se coaduna com os princiacutepios da Refor-

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ma Psiquiaacutetrica em que a pessoa deve ser vista em sua singu-laridade e inserido a como jaacute expresso numa sociedade que tenha um novo modo de lidar com a loucura e o sofrimento psiacutequico

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REFERecircNCIAS

ALVES P C B SOUZA I M A S Escolha e avaliaccedilatildeo de trata-mento para problemas de sauacutede consideraccedilotildees sobre o itineraacuterio te-rapecircutico In RABELO M C M ALVES P C B SOUZA I M A Experiecircncia de doenccedila e narrativa Rio de Janeiro Fiocruz 1999 p 125-138ARAUacuteJO L F S BELLATO R HILLER M Itineraacuterios terapecircuticos de famiacutelias e redes para o cuidado na condiccedilatildeo crocircnica algumas ex-periecircncias In Pinheiro R Martins PH organizadores Avaliaccedilatildeo em sauacutede na perspectiva do usuaacuterio abordagem multicecircntrica Recife Ed Universitaacuteria UFPE 2009 203-14pAUGEacute M Ordre biologique ordre social la maladie forme eacutelemen-taire de lrsquoeacutevegravenement In Augeacute M Hezlich C editors Le sens du mal Anthropologie histoire et sociologie de la maladie Paris Eacuteditions de Archives Contemporaines 1984 35-91pBANDEIRA M BARROSO S M Sobrecarga das Famiacutelias de Pa-cientes Psiquiaacutetricos Artigo de Revisatildeo J bras psiquiatr v 54 n 1 p 34-46 2005BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Sauacutede Mental no SUS os Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial Brasiacutelia MS 2004b (Seacuterie F Comunicaccedilatildeo e Educaccedilatildeo em Sauacutede)CABRAL A L L V et al Itineraacuterios terapecircuticos o estado da arte da produccedilatildeo cientiacutefica no Brasil Ciecircnc sauacutede coletiva [online] v 16 n11 p 4433-4442 2011 CANGUILHEM G O normal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2010CARDOSO Lucilene GALERA Sueli Aparecida Frari and VIEIRA Mariana Verderoce O cuidador e a sobrecarga do cuidado agrave sauacutede de pacientes egressos de internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Acta paul enferm [online] 2012 vol 25 n4 p 517-523 GEANELLOS R Exploring Ricoeurrsquos hermeneutic theory of inter-pretation as a method of analyzing research texts Nurs Inq v 7 p

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112-9 2000GERHARDT T E Itineraacuterios terapecircuticos em situaccedilotildees de pobreza diversidade e pluralidade Cad Saude Publica v 22 n 11 p 2449-2463 2006GUTIERREZ D M D MINAYO M C S Produccedilatildeo de conheci-mento sobre cuidados da sauacutede no acircmbito da famiacutelia Ciecircnc sauacutede coletiva [online] v 15 suppl1 p 1497-1508 2010LAVALL E OLSCHOWSKY A KANTORSKI L P Avaliaccedilatildeo de famiacutelia rede de apoio social na atenccedilatildeo em sauacutede mental Rev Gauacutecha Enferm v 30 n 2 p 198-205 2009LEITE S N VASCONCELOS M P C Negociando fronteiras en-tre culturas doenccedilas e tratamentos no cotidiano familiar Hist cienc saude-Manguinhos v 13 n 1 p 113-128 2006MAcircNGIA E F YASUTAKI P M Itineraacuterios terapecircuticos Rev Ter Ocup v 19 n 1 p 61-71 2008MARQUES A L M MAcircNGIA E F Therapeutic Itineraries of indi-viduals with problems consequent to harmful use of alcohol Interface (Botucatu) v 17 n 45 p 433-44 2013MASSEacute R Culture et santeacute publique les contribuitions de lrsquoanthro-pologie agrave la preacutevention et agrave la promotion de la santeacute Montreal Gaeuml-tan Morin Eacutediteur 1985 330pMOTA F R N et al Redes sociais de apoio a idosos Esc Anna Nery v14 n4 p833-838 2010NEVES R F NUNES M O Da legitimaccedilatildeo agrave (res)significaccedilatildeo o itineraacuterio terapecircutico de trabalhadores com LERDORT Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 15 n 1 p 211-220 2010OLIVEIRA M MOTA E Entrevista com Eduardo Mota e Marcus Viniacutecius Oliveira supervisores do Programa de Intensificaccedilatildeo de Cuidados a Pacientes Psicoacuteticos In SILVA M V O(Org) IN-ten-saEX-tensa a cliacutenica psicossocial das psicoses Salvador LEV - Labo-ratoacuterio de Estudos VincularesUFBA 2007 15-36pPINHO Maacutercia Andrade Sauacutede mental mudanccedila social e discurso

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bioeacutetico uma face da desinstitucionalizaccedilatildeo revelada em uma notiacutecia de jornal Physis [online] 2009 vol19 n 3 p 817-828TRAD L A B et al Itineraacuterios terapecircuticos face agrave hipertensatildeo arte-rial em famiacutelias de classe popular Cad Sauacutede Puacuteblica v 26 n 4 p 797-806 2010WAIDMAN Maria Angeacutelica Pagliarini et al O cotidiano do indiviacute-duo com ferida crocircnica e sua sauacutede mental Texto contexto - enferm [online] 2011 vol 20 n 4 p 691-699

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CAPIacuteTULO 19

PLANEJAMENTO DE AccedilOtildeES DESINSTITU-CIONALIZANTES COM VISTAS agrave CONSOLI-DAccedilAtildeO DO ACESSO agrave REDE ASSISTENCIAL DE SAUacuteDE MENTAL

Racircndson Soares de SousaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A consolidaccedilatildeo do acesso no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) configura-se nos desafios de se (re) organizar as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede para assim poder garantir o comprimento de seus princiacutepios basilares que incluem universalidade equi-dade e integralidade sendo necessaacuterio assumir de forma clara a ideia de que esse se daacute no movimento solidaacuterio-histoacuterico de avanccedilos desafios e retrocessos dos cotidianos personificados e vividos por gestores trabalhadores e usuaacuterios

No que concerne ao acesso agrave assistecircncia em Sauacutede Mental o movimento de Reforma Psiquiaacutetrica brasileira tem partici-paccedilatildeo no iniacutecio dos anos de 1970 junto ao Movimento Sanita-rista tendo como particularidade a elaboraccedilatildeo de um modelo de assistecircncia que se embasa no distanciamento do padratildeo hospitalocecircntrico por meio do ideaacuterio antimanicomial e em defesa de uma desinstitucionalizaccedilatildeo que progressivamente ofereccedila e fortaleccedila a existecircncia de espaccedilos e serviccedilos substituti-vos possibilitando a reinserccedilatildeo social dos que por muito tem-po foram esquecidos como ldquoloucosrdquo e esquecidos agrave margem da sociedade (TAVARES 2005 JORGE 2006)

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Como de fato poreacutem se faz o planejamento de accedilotildees que possibilitem efetivamente a nova forma de pensar e produzir sauacutede mental Quais os serviccedilos e estrateacutegias para que a desins-titucionalizaccedilatildeo manicomial e a criaccedilatildeo de espaccedilos substituti-vos possa ocorrer e fazer jus a pensar da Reforma Psiquiaacutetrica

Entende-se que eacute na perspectiva de se responder atais questionamentos que urge a necessidade da existecircncia organi-zada de uma Rede de Assistecircncia em Sauacutede Mental (RASM) que no atual contexto pode ser composta por centros de aten-ccedilatildeo psicossocial (CAPS) serviccedilos residenciais terapecircuticos (SRT) Centros de convivecircncia ambulatoacuterios de sauacutede mental e hospitais gerais caracteriza-se por ser essencialmente puacutebli-ca de base municipal e com um controle social fiscalizador e gestor na consolidaccedilatildeo da Reforma Psiquiaacutetrica (BRASIL 2005) Sendo assim satildeo relevantes os estudos que abordam os avanccedilos e desafios no que concerne agraves estrateacutegias do planeja-mento em sauacutede com vistas a consolidaccedilatildeo do acesso as redes assistecircncias de Sauacutede Mental objeto deste estudo

Os CAPS aleacutem de serem serviccedilos importantes para a consolidaccedilatildeo da Reforma Psiquiaacutetrica satildeo equipamentos so-ciais de sauacutede estrateacutegicos que permitem a (re)organizaccedilatildeo da RASM em um determinado territoacuterio tendo em vista que as-sumem a centralidade dessa rede (DELGADO 2007 ONOC-KO-CAMPOS 2006) Muitas vezes no entanto esses serviccedilos que compotildeem a atenccedilatildeo secundaacuteria da estrutura hierarquizada da rede de serviccedilos do SUS ficam como ldquopeccedilas soltasrdquo dentro do sistema na medida em que sua articulaccedilatildeo com a atenccedilatildeo primaacuteria e terciaacuteria eacute ldquomal-equacionadardquo dificultando assim a garantia do acesso ao usuaacuterio (CECILIO 1997)

Na condiccedilatildeo de centralidade na RASM e natildeo diferente-mente de outros serviccedilos de sauacutede os CAPS enfrentam proble-

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mas recorrentes como longas filas de espera por atendimento organizadas por ordem de chegada sem avaliaccedilatildeo do risco de-mora no atendimento nuacutemero de profissionais pequeno com relaccedilatildeo agrave demanda falta de medicamentos bem como insta-laccedilotildees precaacuterias Satildeo situaccedilotildees observadas cotidianamente nas instituiccedilotildees de sauacutede do Brasil sendo revelada por meio da insatisfaccedilatildeo e da inseguranccedila dos usuaacuterios com o tipo de assis-tecircncia prestada e da forma como os profissionais e a gestatildeo de sauacutede operam os serviccedilos

Os problemas apontados precisam ser enfrentados de forma conjunta pelos agentes sociais que vivenciam cotidiana-mente a problemaacutetica de acesso agrave assistecircncia em sauacutede haven-do a necessidade de se reconhecer o planejamento em sauacutede como instrumento para a gestatildeo participativa na conformaccedilatildeo estrateacutegica das diretrizes metas e operacionalidade executiva das demandas e necessidades da populaccedilatildeo em seu territoacuterio

Portanto acredita-se ser inviaacutevel uma gestatildeo dos serviccedilos de sauacutede a fim de se consolidar o acesso quando natildeo haacute um planejamento das accedilotildees pensado e dialogado pelos agentes so-ciais Nessa perspectiva o planejamento em sauacutede constitui base norteadora das demais praacuteticas de sauacutede quando satildeo de-senvolvidas de forma dialoacutegica e comunicativa em que todos os sujeitos sociais deveriam atuar de forma conflitiva na iden-tificaccedilatildeo dos problemas priorizando-os e propondo soluccedilotildees (SILVA 2006)

Para Jesus e Assis(2010) eacute sob a eacutegide da concepccedilatildeo de dispositivo que o planejamento no campo da sauacutede se insti-tui com vistas a garantir o acesso dos brasileiros aos serviccedilos de sauacutede e como categoria analiacutetica importante na elaboraccedilatildeo teoacuterico-praacutetica do cotidiano no SUS Nesse entendimento os autoresressignificam o trabalho de Giovanella e Fleury (1996)

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agrave medida que esses relacionam as dimensotildees analiacuteticas do acesso com o planejamento analisando essa relaccedilatildeo em quatro dimensotildees tecnoassitencial poliacutetica econocircmica e simboacutelica

O acesso eacute entendido como a ldquoporta de entradardquo ldquocomo o local de acolhimento do usuaacuterio no momento de expressatildeo de sua necessidade e de certa forma os caminhos percorridos por ele no sistema na busca da resoluccedilatildeo dessa necessidaderdquo havendo a necessidade de um entendimento que extrapola os aspectos relacionados apenas a assistecircncia a sauacutede entenden-do que deve envolver os fatores econocircmicos culturais sociais intersetoriais e as estruturais de governo de um paiacutes (JESUS ASSIS 2010 p 162)

Perante o exposto este o estudo busca analisar o processo de planejamento em sauacutede com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo do acesso na RASM de uma capital nordestina do Brasil toman-do comoeixo norteador a dimensatildeo tecnoassitencial do acesso Espera-se que o estudo tenha relevacircncia agrave medida que os re-sultados revelam problemas que necessitam da (re)elaboraccedilatildeo e da implantaccedilatildeo de estrateacutegias para sanar ou diminuir as fra-gilidades desse processo bem como possa apontar os meios de fortalecer as potencialidades das accedilotildees de planejamento com vistas agrave consolidaccedilatildeo do acesso na rede pois entende-se como Matus (1993 p14) que ldquonegar o planejamento eacute negar a pos-sibilidade de escolher o futuro eacute aceitaacute-lo seja ele qual forrdquo

MeacuteTODO

Este ensaio constitui pesquisa com abordagem qualita-tiva realizada na cidade de Fortaleza Estado do Cearaacute (CE) nos centros de atenccedilatildeo psicossocial de uma das seis secretarias executivas regionais da Cidade Os participantes da pesquisa

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foram 19 pessoas subdivididas em trecircs grupos I ndash cinco sujei-tos II ndash nove sujeitos e III ndash cinco sujeitos O primeiro grupo foi constituiacutedo por gestores da RASM o segundo pelos tra-balhadores de sauacutede e o terceiro pelos usuaacuterios dos CAPS ou familiares destes

Para tanto adota-se como criteacuterio de inclusatildeo para os su-jeitos dos grupos I e II serem gestores ou trabalhadores que estivessem com permanecircncia de no miacutenimo seis meses nos equipamentos sociais de sauacutede (CAPS da SER IV) na RASM de Fortaleza-CE E no grupo III serem usuaacuterios ou familia-res daqueles que frequentassem os CAPS da SER IV por no miacutenimo seis meses eacute criteacuterio de exclusatildeo dos usuaacuterios a clas-sificaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia (desorientados ou sob efeito da medicaccedilatildeo)

Na coleta de dados realizada no periacuteodo de janeiro a ju-nho de 2012 utilizou-se a entrevista semiestruturada e a obser-vaccedilatildeo sistemaacutetica como fonte primaacuteria Neste intuito elabora-ram-se trecircs roteiros de entrevista um destinado aos grupos I e II e outro para o grupo III como tambeacutem um roteiro para nortear a observaccedilatildeo

Ademais realizou-se ainda no intuito de complementar os dados a serem obtidos pelas fontes primaacuterias a anaacutelise de documentos Assim foram selecionados e identificados cinco documentos teacutecnicos que abordam o Planejamento em Sauacutede no contexto federal e municipal documento 1 ndash Plano Muni-cipal de Sauacutede de Fortaleza (2006-2009) documento 2 ndash Rela-toacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2005) documento 3 ndash Relatoacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2006) do-cumento 4 ndash Relatoacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2007) e documento 5 ndash Sistema de Planejamento do SUS uma construccedilatildeo coletiva organizaccedilatildeo e funcionamento No

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decorrer do texto os documentos satildeo citados e identificados abreviadamente por (Doc x) em que X significa o nuacutemero do documento correspondente aqui especificado sendo esses apontados nas referecircncias respectivamente conforme o tiacutetulo prenunciado

Para apreciaccedilatildeo dos resultados utilizou-se a anaacutelise criacute-tica proposta por Minayo entendendo que toda teacutecnica de investigaccedilatildeo proporciona aos investigadores um meio de apreender as relaccedilotildees sociais em determinados espaccedilos de uma forma apropriada ao tipo de problema a ser pesquisado (2008)

Eacute vaacutelido ressaltar que a fim de privilegiar os aspectos eacuteti-cos de pesquisas envolvendo seres humanos esta investigaccedilatildeo foi submetida inicialmente ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute (CEPUECE) aprova-da sob Parecer nordm 08573214-1 Esta eacute tambeacutem recorte de um projeto maior intitulado ldquoProduccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e suas articulaccedilotildees com as linhas de cuidado do SUS e da assistencial de sauacutede mentalrdquo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Sauacutede Mental Famiacutelia Praacuteticas de Sauacutede e Enfermagem (GRUPSFEUECE)

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Os resultados e a discussatildeo aqui mostrados em duas ca-tegorias analiacuteticas com ecircnfase na anaacutelise estrateacutegias do plane-jamento com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo da rede assistencial de sauacutede mental tomando como base a dimensatildeo tecnoassisten-cial do acesso sendo essas denominadas Constituiccedilatildeo e de-safios da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental de Fortaleza-CE e Interlocuccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental de Fortaleza-CE com a Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS)

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Rede Assistencial de Sauacutede Mental de Fortaleza-CE avanccedilos e desafios de sua constituiccedilatildeo

Eacute fato notoacuterio que a Rede Assistencial de Sauacutede Mental de Fortaleza-CE possibilita o caminho de accedilotildees desinstitucio-nalizadoras sobretudo com o seu crescimento de oferta do nuacutemero de serviccedilo Eacute preciso analisar poreacutem a efetivaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de outros entendimentos do que eacute de fato acesso aos serviccedilos e bens de sauacutede privilegiando outras dimensotildees e perspectivas do que simplesmente o ato do usuaacuterio ingressar no serviccedilo

Assim especificamente no campo de investigaccedilatildeo os do-cumentos analisados destacam que havia uma incipiente Po-liacutetica de Sauacutede Mental ateacute final do ano de 2004 sendo a rede composta por apenas trecircs CAPS o que tornava a assistecircncia insuficiente agrave populaccedilatildeo ensejando uma demanda reprimida em filas de espera e outras dificuldades quanto ao acesso (Doc 1)

Em face disso o Plano Municipal de Fortaleza 2006-2009 (Doc 1) como uma de suas propostas estrateacutegicas para a (re) organizaccedilatildeo dos serviccedilos de Sauacutede Mental propocircs as seguin-tes metas expandir a rede de serviccedilos extra-hospitalares para serviccedilos substitutivos de modo a ter 15 CAPS para atendimen-to de transtornos mentais eou decorrentes do uso de aacutelcool e outras drogas trecircs residecircncias terapecircuticas e centros de con-vivecircncia e cultura Ademais ocorreram ainda a implantaccedilatildeo de ambulatoacuterios de Sauacutede Mental bem como a efetivaccedilatildeo da garantia de leitos em hospital geral

Jaacute no ano de 2007 conforme o Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 2 Doc 3 e Doc 4) apresentado somente em 2009 a RASM de Fortaleza era composta por diversos equipamentos sociais conforme segue a descriccedilatildeo seis CAPS gerais para

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atendimentos de transtornos diversos seis CAPSad para pes-soas que apresentam uso abusivo de aacutelcool ou outras drogas dois CAPSi que tratam de transtornos mentais referentes agrave in-facircncia e adolescecircncia uma Residecircncia Terapecircutica uma Uni-dade de Sauacutede Mental em Hospital Geral com 30 leitos duas emergecircncias psiquiaacutetricas especializadas nove emergecircncias cliacutenicas em hospitais municipais uma ambulacircncia do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia especializada em sauacutede mental 18 equipes de apoio matricial em Sauacutede Mental duas ocas de sauacutede comunitaacuteria que realizam atividades de promo-ccedilatildeo de sauacutede com os grupos de resgate de autoestima terapia comunitaacuteria e massoterapia

Ao extrair do Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 4) e com suporte no conhecimento e conviacutevio da realidade as metas quanto agrave expansatildeo dos equipamentos e serviccedilos de sauacutede do local estudado foram parcialmente atingidas uma vez que o nuacutemero de CAPS implantados foi de 14 enquanto a meta era de 15 e apenas a existecircncia de uma Residecircncia Terapecircutica em vez de trecircs residecircncias terapecircuticas da meta inicial do Plano Municipal de Sauacutede 2006-2009 (Doc 1)

Pode-se observar que os serviccedilos de Sauacutede Mental de For-taleza-CE buscam seguir a conformaccedilatildeo em redes de atenccedilatildeo em sauacutede pois trazem outras possibilidades de acesso aos ser-viccedilos e procuram se adequar agrave demanda Esta compreensatildeo foi permitida com a observaccedilatildeo sistemaacutetica acerca de como se daacute o acesso aos CAPS de Fortaleza-CE bem como pela definiccedilatildeo da estrateacutegia do Plano Municipal de Sauacutede (Doc1) de garantir o acesso e o cuidado do usuaacuterio por toda a rede desde de a implantaccedilatildeo do acolhimento e da escuta qualificada nos CAPS da SER IV

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Evidencia-se pois uma quebra da loacutegica verticalizada do sistema de sauacutede Os encaminhamentos podem vir tanto no niacutevel primaacuterio de atenccedilatildeo quanto referenciado dos hospitais de referecircncia Os usuaacuterios advecircm dos mais diversos setores sociais bem como de quaisquer niacuteveis de complexidade do sistema de sauacutede como se comprova na convergecircncia dos dis-cursos a seguir

[] O acesso ele eacute espontacircneo geralmente tem um teacutecnico de referencia de niacutevel supe-rior pra se estaacute fazendo a acolhida de quem estaacute chegando ao serviccedilo seja pela primeira vez ou que jaacute esteja no nosso serviccedilo e o mes-mo pra pessoa que recebe um encaminha-mento e caso a necessidade seja para algum outro equipamento da rede agente faz algu-mas articulaccedilotildees com os outros equipamen-tos [] (GRUPO I)

[] a demanda eacute espontacircnea e todos satildeo atendidos e se uma questatildeo que num possa ser resolvido de imediato eacute agendado ou eacute encaminhado [] (GRUPO II)

[] Minha chegada aqui foi assim eu morava laacute no outro bairro e aiacute faccedilo parte de um grupo laacute da igreja e aiacute eu contando meus problemas o padre disse que eu procurasse o CAPS e aiacute quando eu me mudei pra caacute eu vi e eles me atenderam e depois eu voltei e fiquei vindo pra consulta com o psiquiatra e com a enfer-meira [](GRUPO III)

Em face disso algumas importantes questotildees na proacutepria organizaccedilatildeo do SUS emergem e nos levam a refletir sobre a importacircncia dos serviccedilos de sauacutede estarem interconectados evitando a fragmentaccedilatildeo dos atendimentos (ONOCKO-

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CAMPOS 2006 VIEIRA FILHO NOacuteBREGA 2004) Nota-se assim que os equipamentos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo de redes de sauacutede no Municiacutepio natildeo fogem agrave loacutegica nacional uma vez que essa eacute uma realidade em elaboraccedilatildeo no Brasil

No Plano Municipal de Sauacutede 2006-2009 (Doc 1) eacute pos-siacutevel perceber que a Gestatildeo Municipal de Fortaleza neste pe-riacuteodo assumiu o compromisso da proposiccedilatildeo de rede no mo-delo da gestatildeo e atenccedilatildeo integral agrave sauacutede entendendo que

Trabalhar com o conceito de rede eacute estabele-cer um diaacutelogo construtivo com outras aacutereas do conhecimento como forma de responder aos complexos desafios da produccedilatildeo da sauacute-de e ainda potencializar a organizaccedilatildeo e o funcionamento do modelo de atenccedilatildeo inte-gral agrave sauacutede (FORTALEZA 2008 p 47)

A rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definida como ma-lha que interconecta e integra os estabelecimentos e serviccedilos de sauacutede de um determinado territoacuterio organizando-os siste-maticamente para que os niacuteveis e densidades tecnoloacutegicas de atenccedilatildeo estejam articulado e adequadas para o atendimento do usuaacuterio e para a promoccedilatildeo da sauacutede (CARVALHO 2008)

Entende-se que o desafio do planejamento com vistas agrave constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede em rede estaacute aleacutem da perspectiva da utilizaccedilatildeo do conceito havendo a neces-sidade de buscar formas de oferecer estrateacutegias que favoreccedilam o desenvolvimento de processos emancipatoacuterios coletivos so-lidaacuterios e compartilhados de conhecimento e enfrentamento de situaccedilotildees complexas que envolvem a (re)-organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede em rede

Nesse entendimento identificou-se pelo menos dois grandes desafios a serem enfrentados na (re)organizaccedilatildeo e

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interconexatildeo da RASM de Fortaleza-CE com as demais redes assistenciais 1- a natildeo existecircncia de um CAPS tipo III na RASM de Fortaleza-CE ateacute o iniacutecio do ano de 2012 e 2- a natildeo inclu-satildeo da RASM no Sistema de Informatizaccedilatildeo das redes assisten-ciais dificultando assim a interconexatildeo necessaacuteria entre essas

Destaca-se primeiramente a natildeo existecircncia de um CAPS do tipo III em nenhuma das SER de Fortaleza-CE podendo esse ser o deacutecimo quinto CAPS a ser implantado e cumprir com a meta inicial estabelecida Ressalta-se ainda que esse equipamento social de sauacutede natildeo poderia deixar de existir se de fato os criteacuterios de implantaccedilatildeo de abrangecircncia popu-lacional tivessem sido levados em consideraccedilatildeo uma vez que nenhuma daquelas possui menos do que 200 mil habitantes criteacuterio esse utilizado para implantaccedilatildeo de um CAPS tipo III

Tal situaccedilatildeo sem duacutevida eacute um problema a ser enfrentado pelo sujeitos sociais (gestores trabalhadores de sauacutede e usuaacute-rios) que se articulam nas redes assistenciais com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo dos serviccedilos e consolidaccedilatildeo do acesso sendo esta uma questatildeo identificada nos discursos dos grupos de sujeitos

[] nossos CAPS satildeo tipo II noacutes cometemos erros mas natildeo foi foi por falta de orientaccedilatildeo por uma decisatildeo de gestatildeo era pra Fortaleza jaacute ter comeccedilado com o CAPS tipo III pelo menos o geral mas natildeo o que foi que se fez se implantou 14 CAPS e ai por caso de cus-tos natildeo se teve mais perna pra poder ter um CAPS tipo trecircs [] (GRUPO I)

[] no nosso CAPS agente percebe a necessi-dade de um CAPS tipo III e sem isso agente num ver condiccedilatildeo de desistitucionalizaccedilatildeo eu acho que na medida em que se nega uma proposta vocecirc tem que daacute outra pra quem

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estaacute do outro lado e a favor do outro modelo natildeo possa dizer ldquotaacute vendo natildeo deu certo e ai o que eacute que vai fazer agora com as pessoas que estatildeo criserdquo [] (GRUPO II)

[] Eu num tenho o que dizer do atendi-mento da organizaccedilatildeo natildeo eu soacute fico preo-cupada eacute porque eu sei que num eacute bom in-ternar mas ai eu tenho medo de ele ter uma crise e ai pra onde eu vou levar entendeu [] (GRUPO III)

Apreende-se com isso que natildeo eacute apenas a implantaccedilatildeo de serviccedilos substitutivos e extra-hospitalares que promovem a real mudanccedila no modelo de atenccedilatildeo agraves pessoas que necessitam de assistecircncia em sauacutede mental Natildeo adianta termos serviccedilos substitutivos ao hospital psiquiaacutetrico se reproduziu na praacuteti-ca destes serviccedilos o modelo manicomial tatildeo questionado de atenccedilatildeo ou se este natildeo existem em quantidade suficiente para assistecircncia integral de toda a demanda da comunidade

Em relaccedilatildeo ao outro desafio percebe-se que para o forta-lecimento das interconexotildees das redes deve-se discutir a natildeo inclusatildeo da RASM no Sistema de Informatizaccedilatildeo das redes as-sistenciais o que iria facilitar a interconexatildeo necessaacuteria dessas Tal problemaacutetica foi evidenciada com as visitas aos CAPS bem como na convergecircncia dos discursos abaixo

[] A questatildeo eacute que nossa rede natildeo eacute infor-matizada e com isso a gente perde dados a gente natildeo consegue ver o fluxo do usuaacuterio a gente natildeo consegue ver o caminho dele pela rede inteira se ele estar internado ou natildeo es-tar se ele esta na atenccedilatildeo baacutesica ou se natildeo es-tar isso entatildeo a gente natildeo tem e isso poderia ser uma estrateacutegia pra gente ta vendo esses fluxos e isso poderia ate ajudar na questatildeo

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do planejamento em si porque a gente natildeo perderia tantos dados e ateacute mesmo de uma questatildeo de custos[] (GRUPO I)

De fato este eacute um problema especiacutefico da RASM de Forta-leza-CEentretanto uma vez em anaacutelise do Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 4) identifica-se a existecircncia de uma tecnologia de informaccedilatildeo (TI) configurada como ferramenta que enseja o acesso e as funcionalidades como prontuaacuterios baacutesicos e espe-cializados central de marcaccedilatildeo de consultas exames especiali-zados regulaccedilatildeo e leitos auditoacuteria dentre outros

Assim ressalva-se ser necessaacuterio que os serviccedilos de Sauacutede Mental sempre estabeleccedilam articulaccedilotildees e entendam a dinacirc-mica dos novos fluxos de atenccedilatildeo com os demais serviccedilos de sauacutede a fim de natildeo soacute oferecerem respostas aos problemas de sauacutede mas tambeacutem fazerem articulaccedilotildees com outros setores da sociedade para que possam prestar uma atenccedilatildeo mais inte-gral aos que deles necessitam (MATTOS 2001 QUINDEREacute 2008)

Destarte a RASM de Fortaleza-CE mesmo com suas li-mitaccedilotildees funcionaria como articuladora das accedilotildees deSauacutede Mental dentro da macro rede de serviccedilos de sauacutede que com-potildeem o seu conjunto de rede assistenciais do modelo a gestatildeo e atenccedilatildeo integral a sauacutede natildeo se configurando como uma rede de serviccedilos de Sauacutede Mental separada mas sim com intercone-xatildeo com os diversos serviccedilos de sauacutede aleacutem de estar interco-nectada com os diversos setores inseridos no territoacuterio

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RASM - CE e sua articulaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacute-de apoio matricial como uma estrateacutegia possiacutevel

Em anaacutelise da centralidade que os CAPS ocupam enten-de-se que estes dentro da estrutura de rede assumem impor-tante papel nas novas praacuteticas de Sauacutede Mental uma vez que se configuram como dispositivos estrateacutegicos para a transfor-maccedilatildeo do modelo hospitalocecircntrico sendo serviccedilos potencial-mente capazes de articular as accedilotildees de Sauacutede Mental junto aos serviccedilos de outras redes como ambulatoacuterios leitos de inter-naccedilatildeo em hospitais gerais accedilotildees de suporte e reabilitaccedilatildeo psi-cossocial e especialmente os serviccedilos da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) (ONOCKO-CAMPOS 2006)

Sobre a articulaccedilatildeo dos CAPS e a APS Vieira Filho e Noacutebrega (2004) acentuam que esses serviccedilos precisam estar articulados para que seja facilitado o planejamento de accedilotildees na respectiva aacuterea distritalregional de abrangecircncia princi-palmente no que diz respeito agraves intervenccedilotildees cliacutenicas na rede de suporte social e de inter-relaccedilotildees pessoais significativas do usuaacuterio dos serviccedilos

Para tanto e a fim de facilitar a constituiccedilatildeo de redes re-gionalizadas e integradas os trabalhadores da sauacutede no niacutevel da APS contam com o auxiacutelio das equipes de apoio matricial O apoio matricial em Sauacutede Mental eacute compreendido como ar-ranjo institucional criado para promover a interlocuccedilatildeo dos serviccedilos de Sauacutede Mental como os CAPS e as Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF) Destina-se principalmente a contri-buir com a implementaccedilatildeo de uma cliacutenica ampliada e singu-lar a promover sauacutede e diversidade de ofertas terapecircuticas a favorecer a corresponsabilizaccedilatildeo entre as equipes e a servir de apoio para as equipes de referecircncia (equipes da ESF) (ONOC-KO-CAMPOS 2006)

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Neste intuito a proposta preconizada do apoio matricial eacute de que os profissionais da Sauacutede Mental acompanhem fre-quentemente as equipes da ESF propiciando um suporte teoacute-rico-praacutetico que natildeo se pauta na loacutegica do encaminhamento ou da referecircncia e contrarreferecircncia mas sim numa responsa-bilidade compartilhada dos casos aumentando a capacidade resolutiva das necessidades de sauacutede dos usuaacuterios (DIMENS-TEIN 2008 COSTA JORGE 2002)

Os profissionais dos CAPS de Fortaleza-CE implantam o apoio matricial na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e realizam vi-sitas domiciliaacuterias possibilitando aleacutem da (re) organizaccedilatildeo da oferta a rede para atender a demanda Conforme o Relatoacuterio de Gestatildeo de 2007 (Doc4) a SER IV conta com duas equipes de apoio matricial em Sauacutede Mental para atender as 12 unida-des de Sauacutede da Famiacutelia da Regional tendo sido implantado o apoio matricial no ano de 2007 em apenas seis dessas unidades

Nos discursos apreendidos nas entrevistas semiestrutura-das e discriminados abaixo a realidade de cobertura de apoio matricial avanccedilou e possibilita mudanccedilas

Uma estrateacutegia utilizada para se garantir o acesso tem sido a questatildeo do apoio matricial que aqui na regional IV estaacute bem avanccedilada e atualmente satildeo trecircs equipes os trecircs CAPS participam e estamos atendendo atualmen-te 11 postos dos 12 Eacute pelo menos uma vez por mecircs em cada unidade de sauacutede E agora tambeacutem noacutes temos iniciado tambeacutem o apoio matricial em um hospital secundaacuterio que tem sido interessante (GRUPO I)

Como propriamente assumiu no iniacutecio do texto no entan-to a consolidaccedilatildeo do acesso eacute de fato um movimento solidaacute-rio-histoacuterico de avanccedilos desafios e retrocesso dos cotidianos

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personificados e vividos por gestores trabalhadores e usuaacuterios pois que sabe-se que atualmente a estrateacutegia de apoio matricial eacute objeto de um retrocesso e nem funciona muito incipiente-mente no Municiacutepio mas analisou-se que o apreendido como perspectiva de vislumbrar o que foi e o que eacute possiacutevel

Assim no entendimento do existido e do vivido por ges-tores trabalhadores e usuaacuterios no momento de coleta de da-dos pode-ses afirmar que o matriciamento em Sauacutede Mental na atenccedilatildeo baacutesica possibilita mudanccedilas na produccedilatildeo do cuida-do propondo uma articulaccedilatildeo de saberes e praacuteticas ocorrem por intermeacutedio de uma organizaccedilatildeo horizontal do processo de trabalho numa tentativa de combinar especializaccedilatildeo com interdisciplinaridade e ainda supera a alienaccedilatildeo fragmenta-ccedilatildeo e tecnicismo biologicista possibilitando uma correspon-sabilizaccedilatildeo e uma reconstituiccedilatildeo de viacutenculos entre a equipe de referecircncia a equipe matricial e a clientela atendida (DIMENS-TEIN 2008 CAMPOS AMARAL 2007)

Por todo o exposto reconhece-se a importacircncia da regio-nalizaccedilatildeo com vistas ao fortalecimento do acesso agraves praacuteticas de sauacutede no acircmbito do territoacuterio comunitaacuterio e familiar do usuaacuterio mas natildeo para engessar e burocratizar a oferta dis-ponibilizada pelos serviccedilos de sauacutede Entende-se ainda que a delimitaccedilatildeo dessas aacutereas permite o direcionamento e a defini-ccedilatildeo da populaccedilatildeo-alvo a ser assistida possibilitando estudos de cobertura avaliaccedilatildeo e resolubilidade e ainda permitindo alocaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo dos recursos de que a rede dispotildee

Conforme consta nos documentos Doc5 Doc4 e Doc1 seguindo a loacutegica de regionalizaccedilatildeo que nacionalmente se tem no planejamento em sauacutede a cidade de Fortaleza-CE estabe-leceu metas especiacuteficas para cada um de seus seis grupos po-pulacionais de modo a superar o desafio de prestar assistecircncia

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em sauacutede no territoacuterio em que os usuaacuterios tecem suas relaccedilotildees sociais Para isso visa agrave articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede de modo a consolidar o modelo da gestatildeo e atenccedilatildeo integral agrave sauacutede

A fim de privilegiar a integralidade das accedilotildees serviccedilos e cuidado a pessoa a famiacutelia e a comunidade em Sauacutede Mental Jesus (2006) acentua que eacute necessaacuterio o mecanismo de refe-recircncia e contrarreferecircncia na relaccedilatildeo entre agraves unidades da rede de serviccedilos de sauacutede de modo que esses mecanismos possam possibilitar uma delineaccedilatildeo dos fluxos de cuidado com ecircnfase no acesso

Com efeitoa questatildeo do acesso assume um caraacuteter regula-dor sobre o sistema de sauacutede definindo fluxos funcionamento capacidade e necessidade de expansatildeo e organizaccedilatildeo da rede para o cuidado progressivo ao usuaacuterio impulsionando o pla-nejamento da sauacutede na direccedilatildeo da dimensatildeo cuidadora horizontal defendida no modelo do ciacuterculo (JESUS ASSIS 2010 p 114)

O modelo de ciacuterculo envolve o entendimento conceitual e praacutetico de relativizaccedilatildeo da concepccedilatildeo de organizaccedilatildeo hie-raacuterquica e regionalizada da atenccedilatildeo em sauacutede com vistas a garantir acesso agrave tecnologia adequada no momento em que o usuaacuterio eacute acolhido e expressa sua necessidade ensejando uma demanda que necessita de uma accedilatildeo resolutiva por parte da unidade de serviccedilo da rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede que o acolheu (CECILIO 1997 ASSIS VILLA NASCIMENTO 2003)

Nessa perspectiva eacute necessaacuterio entender que no modelo de atenccedilatildeo psicossocial as praacuteticas de sauacutede natildeo cabem numa estrutura organizacional determinantemente estabelecida A

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composiccedilatildeo de modelos fixos e padronizados indica um en-gessamento das praacuteticas uma burocratizaccedilatildeo das accedilotildees do sis-tema de sauacutede tornando o acesso aleacutem de burocraacutetico exclu-dente inflexiacutevel e segregador (AMARANTE GULJOR 2005)

Assim torna-se necessaacuterio que os CAPS interajam de ma-neira horizontalizada com os equipamentos sociais que com-potildeem a rede de assistecircncia agrave sauacutede mental como os serviccedilos residenciais terapecircuticos as unidades de ESF e as unidades de internaccedilatildeo psiquiaacutetricas a fim de acompanhar o usuaacuterio em eventuais internaccedilotildees bem como fazendo articulaccedilatildeo com os demais setores sociais no intuito de desmistificar o imaginaacute-rio negativo que ainda existe sobre as pessoas com transtornos mentais e possibilitar de fato a reinserccedilatildeo social

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Entende-se que o planejamento com vistas agrave (re) organi-zaccedilatildeo da RASM em que se deu este estudo eacute efetivo e possibi-lita a consolidaccedilatildeo do acesso na perspectiva tecnoassistencial tendo sido as estrateacutegias de ampliaccedilatildeo dos equipamentos so-ciais de sauacutede uma realidade concretizada permitindo assim o acesso de variadas formas seja ele espontacircneo ou encami-nhado de outra rede assistencial

A (re)organizaccedilatildeo da RASM no entanto ainda deve ser pauta de planejamento e um desafio a gestatildeo uma vez que os equipamentos sociais sobretudo os serviccedilos substitutivos dentro esses os CAPS natildeo permitem que os usuaacuterios sejam atendidos num eventual momento de suas necessidades em seu territoacuterio Referimo-nos especificamente agrave existecircncia tar-dia de um soacute CAPS do tipo III na Cidade para que o atendi-mento dos usuaacuterios possa ocorrer em qualquer hora e dia da

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semana evitando assim internaccedilotildees desnecessaacuterias em hos-pitais psiquiaacutetricos bem como possibilitando a consolidaccedilatildeo do acesso na perspectiva de serviccedilos substitutivos do modelo de atenccedilatildeo psicossocial Outro desafio refere-se ao fato de que a RASM natildeo se encontra informatizada como as demais redes impossibilitando a interconexatildeo efetiva dessas redes e o acom-panhamento dos usuaacuterios no sistema

Ressalta-se ainda a necessidade de entender que o pla-nejamento em Sauacutede Mental deve ser um sistema maleaacutevel do ponto de vista das referecircncias teoacutericos sobretudo no que con-cerne as suas subjetividades no entanto natildeo se nega a neces-sidade da instrumentalidade do desenho do ldquodeve-serdquo pois nesse satildeo reconhecidos problemas e apontados caminhos e estrateacutegias de enfrentamento da situaccedilatildeo possibilitando tam-beacutem os processos avaliativos das accedilotildees realizadas

Por fim entende-se que o desafio entatildeo continua a ser a (re) organizaccedilatildeo da RASM e sua interconexatildeo com as demais redes assistenciais sendo necessaacuterio que os CAPS interajam de maneira horizontalizada com os equipamentos sociais que compotildeem a RASM do Municiacutepio como os serviccedilos re-sidenciais terapecircuticos as unidades de ESF e as unidades de internaccedilatildeo psiquiaacutetricas a fim de acompanhar o usuaacuterio em eventuais internaccedilotildees bem como fazendo articulaccedilatildeo com os demais setores sociaiscom vistas a desmistificar o imaginaacuterio negativo que ainda existe sobre as pessoas com transtornos mentais e possibilitar de fato a reinserccedilatildeo social

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TAVARES C M M A interdisciplinaridade como requisito para a formaccedilatildeo da enfermeira psiquiaacutetrica na perspectiva da atenccedilatildeo psi-cossocial Texto Contexto Enferm v 14 n 3 p 403-102005

VIEIRA FILHO N G NOacuteBREGA S M A atenccedilatildeo psicossocial em sauacutede mental contribuiccedilatildeo teoacuterica para o trabalho terapecircutico em rede social Rev Estudos de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 9(2) 373-379 2004

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POSFAacuteCIO

A presente obra eacute constituiacuteda dos resultados de pesqui-sas referenciadas a partir de inquietaccedilotildees de docentes e dis-centes nas diversas temaacuteticas no contexto da Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute e de convidados externos sinalizando integraccedilatildeo dos pares na perspectiva de subsidiar o puacuteblico de leitores com material atual e diversificado que per-passa nos toacutepicos Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede En-foque Ecossistecircmico e suas interfaces no controle da dengue Participaccedilatildeo Social Epistemologias Temaacuteticas e Sauacutede Men-tal E assim poderaacute contribuir de forma efetiva e sistemaacutetica para a Promoccedilatildeo da sauacutede

Cleoneide Paulo Oliveira PinheiroDocente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Page 3: D E NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE: Concepção dos …

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo Carvalho

Organizadores

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE

Concepccedilatildeo dos alunos e professores de Sauacutede Coletiva

1a

Fortaleza2014

UECE

POLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEXTO DA COLETIVIDADE Concepccedilatildeo dos alunos e professores de Sauacutede Coletiva

copy 2014 Copyright by Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre e Leandro Arauacutejo Carvalho

Impresso no Brasil Printed in BrazilEfetuado depoacutesito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Editora da Universidade Estadual do Cearaacute ndash EdUECEAv Dr Silas Munguba 1700 ndash Campus do Itaperi ndash Reitoria ndash Fortaleza ndash Cearaacute

CEP 60714-903 ndash Tel (085) 3101-9893 FAX (85) 3101-9893Internet wwwuecebreduece ndash E-mail edueceuecebr

Editora filiada agrave

Coordenaccedilatildeo EditorialErasmo Miessa Ruiz

RevisatildeoVianney Campos de Mesquita

Projeto Graacutefico e CapaJuscelino Guilherme

BibliotecaacuteriaFrancisco Leandro Castro Lopes CRB 31103x

P769 Poliacutetica gestatildeo e sauacutede no contexto da coletividade concepccedilatildeo dos alunos e professores de sauacutede coletiva Ilvana Lima Verde Gomes Joana Mary Soares Nobre Leandro Arauacutejo Carvalho (Orgs) - Fortaleza EdUECE 2014 432 p il

ISBN 978-85-7826-250-1

1 Sauacutede coletiva 2 Sauacutede puacuteblica ndash Cearaacute 3 Dengue I Gomes Ilvana Lima Verde II Nobre Joana Mary Soares III Carvalho Leandro Arauacutejo

CDD 614

AUTORESORGANIZADORES

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em Sauacutede Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)Coordenadora do Comi-tecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) -Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Curso de Fisioterapia e Coordenadora do Programa de Responsabilidade Social do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do CearaacuteDiscente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leandro Arauacutejo CarvalhoProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Mestre em Sauacutede Coletiva Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Pro-grama de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

AUTORESCOLABORADORES

Adriana Catarina de Souza OliveiraEnfermeira Doutora em Sauacutede PuacuteblicaUniversidad de Murcia Mestra em Gestao da Qualidade dos Servicios de SaudeUniver-sidad de Murcia Docente do Curso de Graduaccedilao em Enferma-gem e do Programa de Postgrado em Investigacioacuten em Ciencias Socio SanitariasUniversidad Catoacutelica de MurciaEspantildea

Adriana Ponte Carneiro de MatosFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Docente do Centro Universitaacuterio Es-taacutecio do Cearaacute

Amanda Ferreira PereiraEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede da Crianccedila e do Adolescente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Ana Camila Moura RodriguesEnfermeira Discente do Curso de Especializaccedilatildeo em Gestatildeo da Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente- Universida-de Estadual do Cearaacute (UECE)

Ana Carolina Rocha PeixotoTerapeuta Ocupacional Doutora em Sauacutede Coletiva - Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ana Cleacutea Veras Camurccedila VieiraTerapeuta Ocupacional e Fisioterapeuta Mestra em Educaccedilatildeo em Sauacutede - Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Ana Maria ZuwickMeacutedica psiquiatra Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Andrea CapraraMeacutedico Doutor em Antropologia - Universidade de Montreal Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Andrea Gomes LinardDoutora em Enfermagem Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeo da Uni-versidade da Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Bra-sileira (UNILAB) Bolsista do Programa BPIFUNCAP

Antocircnio Augusto Ferreira CariocaNutricionista Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo - Mestrado Nutriccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica ndash Universidade de Satildeo Paulo

Berenice Temoteo da SilvaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Sauacutede Cole-tiva (Doutorado) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Ciacutecera Beatriz Baratta PinheiroEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Claudia sobral de Oliveira UchoaFonoaudioacuteloga Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE)

Cyntia Monteiro Vasconcelos MottaFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Gradua-

ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Daianne Cristina RochaNutricionista Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE) Discente (Doutorado)do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Edina Silva CostaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Elaine Neves de FreitasFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Elzo Pereira Pinto JuniorFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Emilia Kelma Alves MarquesFonoaudioacuteloga Mestra em Linguiacutestica e Literatura PUC ndash MG Secretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute (HGF)

Ermanna Peixoto LimaAluna do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Pro-grama BPIFUNCAP

Francisco Joseacute Maia PintoEstatiacutestico Poacutes-Doutor em Sauacutede Coletiva - Universidade de Satildeo Paulo (USP) Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Geisy Lanne Muniz LunaEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade de For-taleza (UNIFOR)

Gutemberg dos Santos ChavesDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Programa Jovens Talentos para CiecircnciaCAPES

Helena Alves de Carvalho SampaioNutricionista Doutora em Farmacologia Centro de Ciecircncias da Sauacutede Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacute-de Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilse Maria Tigre de Arruda LeitatildeoEnfermeira Discente (Doutorado) do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universida-de de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Mestra em Sauacutede Puacuteblica Docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Enferma-gem da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Ilvana Lima Verde GomesEnfermeira Doutora em Sauacutede Coletiva - Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro Docente do Programa de Poacutes-gradua-

ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE) Coordenadora do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) - Se-cretaria da Sauacutede do Estado do Cearaacute

Jardenia Chaves DomeneguettiProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Discente do Curso de Mestra-do Profissionalizante em Sauacutede da Crianccedila e do Adolescente - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do curso de graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Fiacutesica da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Joana Mary Soares NobreFisioterapeuta Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE) Docente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Joseacute Wellington de Oliveira LimaMeacutedico Doutor em Science Tropical Public Health Univer-sidade de Harvard Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado e Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Juliana Alencar Moreira BorgesMestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Experiecircncia em Vigilacircncia Epidemioloacutegica investi-gaccedilatildeo de oacutebitos anaacutelise atenccedilatildeo baacutesica

Juliana Lucena de Miranda CavalcanteEnfermeira Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Juliana Pessoa CostaTerapeuta Ocupacional Discente do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Krysne Kelly de Franccedila OliveiraTerapeuta ocupacional Especialista em Sauacutede Puacuteblica - Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE)

Laryssa Veras AndradeEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cui-dados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Mestrado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leandro Arauacutejo CarvalhoProfissional de Educaccedilatildeo Fiacutesica Mestre em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Pro-grama de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Leilson Lira LimaEnfermeiro Mestre em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cuidados Cliacutenicos e Enfermagem (Doutorado) da Univer-sidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Letiacutecia Lima AguiarEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cui-dados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Mestrado) da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Curso de

Especializaccedilatildeo em Enfermagem em Nefrologia - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Liacutedia Samara de Castro SandersEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Liacutellian de Queiroz CostaEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Lucia Conde de OliveiraAssistente Social Poacutes-Doutora em Sauacutede Coletiva pelo Ins-tituto de Sauacutede Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Docente do Curso de Serviccedilo Social e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Luiza Jane Eyre de Souza VieiraEnfermeira Doutora em Enfermagem - Universidade Fede-ral do Cearaacute (UFC) Professora Titular do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Docente do Doutorado em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla - Universidade de Fortaleza (UNIFOR)Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)Universidade Fede-ral do Cearaacute (UFC)

Marcelo Gurgel Carlos da SilvaMeacutedico Poacutes-Doutor em Economia da Sauacutede - Universidade de Barcelona Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Es-tadual do Cearaacute (UECE)

Mardecircnia Gomes Ferreira VasconcelosEnfermeira Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Cearaacute Discente do Programa Poacutes Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) em Associaccedilatildeo Ampla Universi-dade de Fortaleza (Unifor) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Maria Celestina S de OliveiraMedica Mestra em Sauacutede puacuteblica ndash Universidade Estadual do Ceara (UECE) Residente do Hospital Geral Cesar Cals e Irman-dade Beneficente da Santa Casa de Misericoacuterdia de Fortaleza

Maria Gleiciane Lima RochaDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista IC do Programa BPIFUNCAP

Maria Homeacuteria Leite de Morais SampaioFisioterapeuta Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Maria Salete Bessa JorgeEnfermeira Doutora em Enfermagem - Universidade de Satildeo Paulo Docente Coordenadora do Programa de Poacutes-gradua-ccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universi-dade Estadual do Cearaacute (UECE) e do Programa de Poacutes-Gra-duaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Marilene Calderaro da Silva MungubaTerapeuta ocupacional e fisioterapeuta Poacutes-Doutora em Terapia Ocupacional Social pelo Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Doutora em Ciecircncias da Sauacutede pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

Milena Lima de PaulaPsicoacuteloga Mestra em Sauacutede Puacuteblica - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva em Associaccedilatildeo Ampla (Doutorado) Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR) Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Universidade Federal do Cearaacute (UFC)

Racircndson Soares de SouzaEnfermeiro Mestre em Cuidados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede - Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Raquel Sampaio FlorecircncioEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Rebeka Rafaella Saraiva CarvalhoEnfermeira Mestranda em Sauacutede Coletiva pela Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Roberta Meneses de OliveiraEnfermeira Discente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Cuidados Cliacutenicos em Enfermagem e Sauacutede (Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Curso

de Graduaccedilatildeo em Enfermagem da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Rosileacutea Alves de SouzaEnfermeira Doutora em Enfermagem pela Universidade Fe-deral do Cearaacute Docente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

Selma Nunes DinizEnfermeira Mestra em Sauacutede Coletiva - Universidade Esta-dual do Cearaacute (UECE)

Soraia Pinheiro Machado ArrudaDoutora em Sauacutede Coletiva - Universidade Federal do Mara-nhatildeo Docente da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Talita da Silva NogueiraDiscente do Curso de EnfermagemUNILAB Bolsista ICCNPq

Thereza Maria Magalhatildees MoreiraEnfermeira e Advogada Poacutes-Doutora em Sauacutede Coletiva Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE) Docente do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE)

Wilson Junior de Arauacutejo CarvalhoFonoaudioacutelogo Poacutes-Doutor pelo Programa de Poacutes-Gradua-ccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos da Faculdade de Letras da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Docente da Uni-versidade Estadual do Cearaacute (UECE)

SUMAacuteRIO

Agradecimentos 19Prefaacutecio 21Introduccedilatildeo 23

PARTE I - POLIacuteTICA E GESTAtildeO EM SERVIccedilOS DE SAUacuteDE

Capitulo 1- Integralidade da assistecircncia na sauacutede da mulher compreensatildeo de enfermeiros do maciccedilo de Baturiteacute 31Andrea Gomes Linard Ermanna Peixoto Lima Maria Gleiciane Lima Rocha Talita da Silva Nogueira Gutemberg dos Santos Chaves

Capitulo 2- A (in) visibilidade de dados sobre violecircncia contra crianccedila e adolescente com deficiecircncia ante as diretrizes que norteiam a proteccedilatildeo integral 48Ana Cleacutea Veras Camurccedila Vieira Geisy Lanne Muniz Luna Marilene Calde-raro da Silva Munguba Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

Capitulo 3- Anaacutelise da produccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva de Fortaleza 67Claudia Sobral de Oliveira Uchoa Ilvana Lima Verde Gomes Emiacutelia Kelma Alves Marques Wilson Junior de Arauacutejo Carvalho Leilson Lira de Lima Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 4- Obtenccedilatildeo do consentimento informado e permanecircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica contribuiccedilatildeo da relaccedilatildeo profissional paciente 90Edina Silva Costa Andrea Caprara Amanda Pereira Ferreira Cyntia Mon-teiro Vasconcelos Motta Selma Antunes Nunes Diniz Juliana Alencar Mo-reira Borges

PARTE 2- DENGUE PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL PRAacuteTICAS E SUAS INTERFACES

Capitulo 5- Implantaccedilatildeo da ecossauacutede no controle da dengue implicaccedilotildees da participaccedilatildeo social 110Joana Mary Soares Nobre Andrea Caprara Ana Carolina Rocha Peixoto Ilvana Lima Verde Gomes Rosileacutea Alves de Souza

Capitulo 6- Participaccedilatildeo social e equidade de gecircnero no controle da dengue um processo de implantaccedilatildeo da ecossaacuteude 130Joana Mary Soares Nobre Andrea Caprara Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Ana Carolina Rocha Peixoto

Capitulo 7- Praacuteticas de prevenccedilatildeo da dengue sob o olhar das famiacutelias dos profissionais de sauacutede e dos atores envolvidos no programa de controle do vetor 151Edina Silva Costa Andrea Caprara Amanda Pereira Ferreira Cyntia Mon-teiro Vasconcelos Motta Selma Antunes Nunes Diniz Juliana Alencar Mo-reira Borges

Capitulo 8- Significados e dimensotildees do controle do dengue concepccedilotildees de uma comunidade participativa no Municiacutepio de Fortaleza-CE 171Cyntia Monteiro Vasconcelos Motta Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Elaine Neves de Freitas Edina Silva Costa Andrea Caprara

Capitulo 9- O discurso do sujeito coletivo sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo 194Berenice Temoteo da Silva Luacutecia Conde de Oliveira Maria Homeacuteria Leite de Morais Sampaio

PARTE 3- DIVERSIDADES EPISTEMOLoacuteGICAS TEMAacuteTICAS

Capitulo 10- Envelhecimento Populacional dos aspectos histoacutericos do envelhecimento ao perfil demograacutefico de idosos do Cearaacute 217Juliana Lucena de Miranda Cavalcante Liacutellian de Queiroz Costa Elzo Pereira Pinto Junior Edina Silva Costa Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Capitulo 11- Subsiacutedios para Pesquisas sobre a Obesidade a influecircncia da infecccedilatildeo pelo Helicobacter pylori sobre o estado nutricional 236Helena Alves de Carvalho Sampaio Daianne Cristina Rocha Ciacutecera Beatriz Baratta Pinheiro Antocircnio Augusto Ferreira Carioca Soraia Pinheiro Macha-do Arruda Joseacute Wellington de Oliveira Lima

Capitulo 12 - Caracterizaccedilatildeo sociodemograacutefica e de atividade fiacutesica em escolares adultos jovens 253Laryssa Veras Andrade Thereza Maria Magalhatildees Moreira Raquel Sampaio Florecircncio Leandro Arauacutejo Carvalho

Capitulo 13 - Mortalidade infantil anaacutelise de fatores de risco em uma capital do Nordeste brasileiro 270Liacutedia Samara de Castro Sanders Jardenia Chaves Domeneguetti Francisco Joseacute Maia Pinto

Capiacutetulo 14- Humanizaccedilatildeo do parto estudo etnograacutefico em uma maternidade puacuteblica de Fortaleza 293Andrea Caprara Maria Celestina S de Oliveira

Capiacutetulos 15 - Avaliaccedilatildeo das necessidades de familiares de pacientes em unidade de terapia intensiva pediaacutetrica 315 Ilse Maria Tigre de Arruda Leitatildeo Ana Camila Moura Rodrigues Rober-ta Meneses de Oliveira Adriana Catarina de Souza Oliveira Letiacutecia Lima Aguiar Marcelo Gurgel Carlos da Silva

PARTE 4- SAUacuteDE MENTAL E SUBJETIVIDADE

Capiacutetulo 16- Familiares que acompanham usuaacuterios de crackpara o cuidado em Centro de Atenccedilatildeo psicossocial de Aacutelcool e Drogas (CAPS AD) 341Milena de Lima de Paula Maria Salete Bessa Jorge

Capiacutetulo 17- Comportamento de crianccedilas e praacuteticas educativas parentais na contemporaneidade com um rdquoremedinhordquo eacute mais faacutecil 367Ana Maria Zurick Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 18 ndash Itineraacuterio terapecircutico de famiacutelia de pessoas com transtorno mental em crise fluxos e redes de compromissos 389Juliana Pessoa Costa Mardecircnia Gomes Ferreira Vasconcelos Rebeka Rafaella Saraiva Carvalho Maria Salete Bessa Jorge

Capitulo 19 - Planejamento de accedilotildees desinstitucionalizantes com vistas agrave consolidaccedilatildeo do acesso agrave rede assistencial de sauacutede mental 409Racircndson Soares de Sousa Maria Salete Bessa Jorge

AGRADECIMENTOS

A Deus por sua infinita bondadeAo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva

(CCS) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) por nos dar esta oportunidade e incentivo

A Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) pelo apoio e importacircncia no nosso meio

Aos Docentes discentes profissionais de sauacutede partici-pantes das pesquisas e convidados externos que trouxeram preciosas contribuiccedilotildees e disponibilizaram suas expertises com amor para agregar valores na elaboraccedilatildeo de cada capiacute-tulo que compotildee essa obra aleacutem do prefaacutecio e posfaacutecio e da introduccedilatildeo

Aos familiares que nos apoiaram em toda a trajetoacuteria de nossas vidas em busca de crescimento e maturidade no uni-verso da pesquisa e nos presentearam com o alicerce funda-mental para prosseguir aspirando agrave concretizaccedilatildeo de nossos sonhos

A elaboraccedilatildeo de um livro implica em muitas tarefas e en-volve diversas pessoas tanto as que iratildeo escrever seus capiacutetulos como os que satildeo convidados para fazer prefaacutecio introduccedilatildeo e posfaacutecio organizadores a editora o diagramador parece-ristas e tantos outros natildeo menos importantes A todas essas pessoas que colaboraram conosco neste sonho de publicar um livro o nosso agradecimento

PREFAacuteCIO

O livro ldquoPOLIacuteTICA GESTAtildeO E SAUacuteDE NO CONTEX-TO DA COLETIVIDADE concepccedilatildeo dos alunos e professo-res de Sauacutede Coletivardquo traz uma contribuiccedilatildeo relevante para o campo da sauacutede coletiva pois satildeo recortes de dissertaccedilotildees pro-duzidas no Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute programa esse que ao longo dos anos vem contribuindo na formaccedilatildeo de profissionais tanto do nosso Estado como de outros Estados brasileiros

A parceria de professores e alunos na construccedilatildeo das dis-sertaccedilotildees e nos recortes para os capiacutetulos fortaleceu a visatildeo que encontrou-se na sauacutede coletiva a multidisciplinar inter-disciplinar e transdisciplinar jaacute que houve participaccedilatildeo de en-fermeiros nutricionistas fisioterapeutas educadores fiacutesicos meacutedicos psicoacutelogos fonoaudioacutelogos odontoacutelogos unidos na construccedilatildeo de saberes e praacuteticas

Os capiacutetulos deste livro podem servir de fonte de pesquisa para gestores profissionais e estudantes para a elaboraccedilatildeo de projetos ou para embasamento teoacuterico relacionados ao Siste-ma Uacutenico de Sauacutede e a formaccedilatildeo de pessoal

O livro em questatildeo possibilitaraacute de forma significativa a aacuterea de sauacutede coletiva Apresenta um conjunto de dezenove capiacutetulos dividido em quatro as quais se denominam em par-tes Parte I - Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Parte 2- Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteticas e suas Interfaces Parte 3- Diversidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas e Parte 4- Sauacutede Mental e Subjetividade baseados em dissertaccedilotildees e teses do Programa de Poacutes-Graduaccedilotildees em Sauacutede Coletiva da Universi-dade Estadual do Cearaacute

O livro tem como meacuterito estreitar a parceria entre alunos docentes do PPSAC com a finalidade de promoccedilatildeo da escrita acadecircmica

Enfim deseja-se a todos uma boa leitura e que haja cresci-mento teoacuterico-metodoloacutegico possibilitando um agir para pes-quisa e sua interlocuccedilatildeo com a praacutetica e mudanccedilas no processo de trabalho em que a pesquisa seja a mola propulsora

Ilvana Lima Verde GomesJoana Mary Soares NobreLeandro Arauacutejo carvalho

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1 INTRODUccedilAtildeO

Eacute com grande alegria que atendo ao convite do Mestra-do de Sauacutede Coletiva da Universidade do Estado do Cearaacute para escrever a apresentaccedilatildeo dessa obra organizada por Ilvana Gomes Joana Nobre e Leandro Carvalho que abrange as con-cepccedilotildees de alunos e professores de Sauacutede Coletiva sobre um conjunto de temaacuteticas muito relevantes neste campo

Comeccedilo ressaltando o papel deste esforccedilo editorial em contribuir para o fortalecimento de uma cultura da publicaccedilatildeo acadecircmica no paiacutes jaacute que urge cada vez mais que a Univer-sidade se coloque perante a sociedade sem ficar voltada em si mesma ou limitada tatildeo-somente a sua funccedilatildeo formadora mas sendo tambeacutem espaccedilo de disseminaccedilatildeo do conhecimento produzido entre seus muros Trata-se de importante iniciativa de publicizaccedilatildeo dos trabalhos elaborados que contribui para reforccedilar a necessaacuteria descentralizaccedilatildeo e deslocamento na pro-duccedilatildeo de conhecimento nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo no paiacutes do eixo sulsudeste

Consoante com a visatildeo da Sauacutede Coletiva enquanto cam-po de saberes e praacuteticas sobre o processo sauacutededoenccedila em suas dimensotildees materiais e simboacutelicas bem como das respos-tas sociais organizadas para seu enfrentamento os trabalhos destacam-se pela dimensatildeo interdisciplinar abrangente pela diversidade de temaacuteticas abordadas e abordagens metodoloacutegi-cas utilizadas e pelo comprometimento com as realidades de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Igualmente digno de menccedilatildeo eacute o forte enfoque loco-re-gional das investigaccedilotildees realizadas ao mesmo tempo em que se abordam temaacuteticas absolutamente pertinentes em todo con-texto nacional Essa caracteriacutestica eleva as possibilidades de

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que muito dos conhecimentos advindos das pesquisas possam ser apropriados pelos sistemas de sauacutede locais contribuindo na melhoria e aperfeiccediloamento dos processos de cuidado ges-tatildeo e avaliaccedilatildeo dos serviccedilos do SUS no estado do Cearaacute

Sem pretender antecipar o itineraacuterio do leitor cabe trazer aqui uma breve visatildeo geral da diversidade de temas presentes nos dezenove trabalhos incluiacutedos que se organizam em tor-no de quatro eixos centrais Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteticas e suas Interfaces Diversidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas e Sauacutede Mental e Subjetividade

O primeiro eixo organizador mdash Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede mdash se encontra representado por quatro produtos Os autores do manuscrito ldquoIntegralidade da assis-tecircncia na sauacutede da mulher compreensatildeo de enfermeiros do Maciccedilo de Baturiteacuterdquo buscaram conhecer os significados des-se conceito tatildeo polissecircmico nas accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino desenvolvidas em unidades baacutesicas de sauacutede de dez municiacutepios dessa regiatildeo cearense e permitindo contri-buir na intensificaccedilatildeo e reorientaccedilatildeo das medidas direcionadas a uma condiccedilatildeo que persiste como grave problema de sauacutede em nosso meio Os resultados do estudo ldquoAnaacutelise da produ-ccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva de Fortalezardquo sinalizam para um conjunto de elementos que podem subsidiar um aten-dimento integral de maior qualidade agravequeles que necessitam dessa tecnologia de ponta para o tratamento da surdez ainda de acesso restrito em vaacuterias de nossas localidades Fica claro a partir das discussotildees trazidas no trabalho ldquoA (in) visibilida-de de dados sobre violecircncia contra crianccedila e adolescente com deficiecircncia diante das diretrizes que norteiam a proteccedilatildeo in-

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tegralrdquo o elevado grau de desconhecimento desse problema em consequecircncia da subnotificaccedilatildeo dos casos e do despreparo profissional para lidar com a situaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede que deveriam realizar seu diagnoacutestico presuntivo e tomar as providecircncias iniciais para garantir sua proteccedilatildeo Finalmente a pesquisa ldquoObtenccedilatildeo do consentimento informado e perma-necircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica contribuiccedilatildeo da relaccedilatildeo profissional pacienterdquo mostrou que embora a ade-satildeo inicial ao projeto de estudo estivesse relacionada agrave busca por cuidados especializados a boa qualidade da relaccedilatildeo entre usuaacuterios e profissionais revela-se fundamental para a colabo-raccedilatildeo e permanecircncia dos indiviacuteduos na investigaccedilatildeo cliacutenica

O segundo eixo mdash Dengue Participaccedilatildeo Social Praacuteti-cas e suas Interfaces mdash congrega um conjunto de produccedilotildees vinculadas ao estudo multicecircntrico ldquoPesquisa ecobiossocial sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Cariberdquo desenvolvido pela Universidade Estadual do Cearaacute e financiado com recursos da UNICEF e do Banco Mundial No trabalho ldquoImplantaccedilatildeo da Ecossauacutede no controle da den-gue implicaccedilotildees da participaccedilatildeo socialrdquo os autores verificam que a participaccedilatildeo de diversos atores sociais estaacute aqueacutem de seu potencial e sinalizam para um conjunto de limitantes a serem sobrepujados para a efetiva mudanccedila das condiccedilotildees subjacen-tes ao controle da doenccedila A importacircncia dessa participaccedilatildeo e a anaacutelise de aspectos mais especiacuteficos relacionados ao gecircnero para a concretizaccedilatildeo da abordagem integrada no domiacutenio da enfermidade eacute tratada na investigaccedilatildeo ldquoParticipaccedilatildeo social e equidade de gecircnero no controle da dengue um processo de implantaccedilatildeo da ecossauacutederdquo O texto ldquoPraacuteticas de prevenccedilatildeo da dengue sob o olhar das famiacutelias dos profissionais de sauacute-de e dos atores envolvidos no programa de controle do vetorrdquo

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retrata a complexidade de inserccedilotildees percepccedilotildees e envolvi-mentos dos diversos atores que devem ser levadas em conta na integraccedilatildeo de esforccedilos que efetivamente atinjam os fato-res ecobiossociais envolvidos na manutenccedilatildeo do vetor e nas accedilotildees de combate prevenccedilatildeo e controle da doenccedila O estudo de caso apresentado em ldquoSignificados e dimensotildees do contro-le do dengue concepccedilotildees de uma comunidade participativa no municiacutepio de Fortaleza-CErdquo desenvolvido em um bairro com organizaccedilatildeo comunitaacuteria soacutelida lideranccedilas comunitaacuterias e centro comunitaacuterio de referecircncia mas que mesmo assim convive com alta incidecircncia da doenccedila Seus resultados reite-ram as complexas relaccedilotildees existentes entre sauacutede ambiente e vetor que dificultam os esforccedilos de participaccedilatildeo e necessitam de integraccedilatildeo interdisciplinar que reconheccedila os saberes locais a fim de construir uma autonomia comunitaacuteria que contribua na superaccedilatildeo dos problemas Finalmente o texto apresentado no ldquoDiscurso do sujeito coletivo sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeordquo eacute oriundo de uma dissertaccedilatildeo de mestrado que investigou as concepccedilotildees de dezoito conselheiros representan-tes de usuaacuterios e trabalhadores sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo no Conselho Municipal de Sauacutede de Crato Fica evidente o quanto ainda eacute necessaacuterio avanccedilar no compartilha-mento do poder de decisatildeo nos processos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e como a articulaccedilatildeo dos conselheiros e seus representados pode se configurar em importante ferramenta de luta nesse sentido

Na sequecircncia as seis produccedilotildees do terceiro eixo mdash Di-versidades Epistemoloacutegicas Temaacuteticas mdash cobrem uma plura-lidade de temas abordados por diversas oacuteticas metodoloacutegicas no campo da produccedilatildeo de conhecimentos ldquoMortalidade in-fantil anaacutelise de fatores de risco em uma capital do Nordeste

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brasileirordquo mostra a importacircncia de um conjunto de fatores associados com a atenccedilatildeo agrave sauacutede da gestante e dos receacutem-nas-cidos contribuintes nesses eventos agregando elementos para que os progressos no controle do indicador em Fortaleza si-gam avanccedilando no sentido de se aproximar do recomendado pelos organismos internacionais Como tambeacutem eacute importante mirar o futuro que jaacute estaacute batendo agraves portas e que se encon-tra representado no progressivo envelhecimento populacional brasileiro a caracterizaccedilatildeo do perfil demograacutefico dos idosos cearenses no periacuteodo de 2000 a 2011 presente no texto ldquoEn-velhecimento populacional dos aspectos histoacutericos do enve-lhecimento ao perfil demograacutefico de idosos do Cearaacuterdquo pode auxiliar no desenvolvimento e direcionamento das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para esta parcela da populaccedilatildeo no estado O desenvolvimento de poliacuteticas promotoras de sauacutede bem su-cedidas necessita levar em conta as especificidades locais de clientelas especiacuteficas e o trabalho ldquoCaracterizaccedilatildeo sociode-mograacutefica e de atividade fiacutesica em escolares adultos jovensrdquo explora esses aspectos em pesquisa realizada em Maracanauacute municiacutepio de meacutedio porte localizado na regiatildeo metropolita-na de Fortaleza e premiado nacionalmente na aacuterea de atenccedilatildeo agrave sauacutede do adolescente e adulto jovem O texto ldquoSubsidian-do pesquisas para a obesidade a influecircncia da infecccedilatildeo pelo Helicobacter pylori sobre o estado nutricionalrdquo apresenta os resultados de um estudo transversal de abordagem quantita-tiva e comparativa que se dedicou a investigar os efeitos da presenccedila deste agente infeccioso sobre o estado nutricional de pacientes atendidos pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede Os autores do trabalho ldquoHumanizaccedilatildeo do parto um estudo etnograacutefico em uma maternidade puacuteblica de Fortalezardquo identificam que o modelo de atendimento agrave gestante ainda se caracteriza pelo

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caraacuteter fundamentalmente teacutecnico e sem considerar as subjeti-vidades das pacientes reforccedilando que a reconstruccedilatildeo das praacute-ticas de sauacutede mais humanizadas durante o preacute-natal ou parto satildeo ainda uma realidade ser perseguida em nossos serviccedilos Fechando este eixo a pesquisa ldquoAvaliaccedilatildeo das necessidades de familiares de pacientes em unidade de terapia intensiva pediaacute-tricardquo utilizou-se do instrumento Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados em Terapia Intensiva para examinar as principais categorias de necessida-des e o grau em que estas eram satisfeitas nos acompanhantes de um hospital puacuteblico de referecircncia de Fortaleza destacando a importacircncia de demandas de conhecimentoinformaccedilatildeo e acesso ao pacientes infantis

Em sua parte uacuteltima o livro apresenta um conjunto de re-flexotildees sobre Sauacutede Mental e Subjetividade O capiacutetulo ldquoFami-liares que acompanham usuaacuterios de crack para o cuidado em Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial de Aacutelcool e Drogasrdquo buscou analisar a partir de entrevistas com trabalhadores de sauacutede familiares e usuaacuterios adultos em tratamento como a famiacutelia eacute incluiacuteda nas accedilotildees desenvolvidas por estes centros Apesar do reconhecimento profissional da importacircncia desse grupo de suporte no cuidado e ressocializaccedilatildeo dos usuaacuterios de drogas as dinacircmicas familiares particulares ainda satildeo pouco conside-radas na realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees devendo adquirir forma mais personalizada para garantir um atendimento mais hu-manizado e integral que possa efetivamente contribuir para mudanccedilas mais duradouras ldquoComportamento de crianccedilas e praacuteticas educativas parentais na contemporaneidade com um lsquoremedinhorsquo eacute mais faacutecilrdquo traz um conjunto de reflexotildees sobre a frequecircncia crescente com que problemas de comportamento envolvidos eou resultantes de condiccedilotildees como dificuldades

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no aprendizado mal conduzidas desagregaccedilatildeo familiar vio-lecircncias intra e extrafamiliares precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas e de sauacutede vem sendo medicalizados na sociedade contempo-racircnea e como esta medicalizaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede men-tal pode contribuir para a patologizaccedilatildeo dos indiviacuteduos Na perspectiva de ampliar os campos de atuaccedilatildeo dos projetos te-rapecircuticos a partir de uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano os autores do capiacutetulo ldquoItineraacuterios e redes sociais de apoio das famiacutelias de pessoas em crise psiquiaacutetrica redes e fluxos em busca do cuidado em sauacutederdquo discutem as estrateacutegias fluxos serviccedilos acessados e redes sociais de apoio utilizadas pelos familiares de indiviacuteduos com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise atendidos em unidades de atenccedilatildeo agrave sauacutede mental do Municiacutepio de Maracanauacute localizado na regiatildeo me-tropolitana da capital cearense Fechando este eixo e o livro o manuscrito ldquoPlanejamento de accedilotildees (des)institucionalizantes com vista agrave consolidaccedilatildeo do acesso agrave rede assistencial de sauacutede mentalrdquo identificou um leque de problemas que necessitam da elaboraccedilatildeo e implantaccedilatildeo de estrateacutegias que minimizem fragi-lidades do processo de organizaccedilatildeo da RASM e intensifiquem sua interconexatildeo com as demais redes assistenciais de Forta-leza

Espera-se que os leitores apreciem a leitura escutando e reagindo com reflexotildees e accedilotildees que nos permitam avanccedilar na construccedilatildeo de melhores condiccedilotildees de vida para nossa popula-ccedilatildeo e melhores serviccedilos de sauacutede para todos

Uma boa leituraProfa Dra Rosacircngela Caetano

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ JMS)

PARTE 1

POLIacuteTICA E GESTAtildeO EM SERVIccedilOS DE SAUacuteDE

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CAPIacuteTULO 1

INTEGRALIDADE DA ASSISTecircNCIA NA SAUacute-DE DA MULHER COMPREENSAtildeO DE ENFER-MEIROS DO MACIccedilO DE BATURITeacute

Andrea Gomes LinardErmanna Peixot o Lima

Maria Gleiciane Lima RochaTalita da Silva Nogueira

Gutemberg dos Santos Chaves

INTRODUccedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira promulgada em 1988 estabelece as diretrizes para a Organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e destaca a integralidade significando tratar-se de atividades preventivas sem prejuiacutezo dos serviccedilos assisten-ciais O termo integralidade estaacute descrito na Lei Orgacircnica de Sauacutede (Lei 8080 e 814290) como conjunto articulado e con-tiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de com-plexidade (BRASIL 1998)

O Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) criado em 1994 tem como proposta a reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos da Atenccedilatildeo Pri-maacuteria agrave Sauacutede contribuindo para a consolidaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) mediante a substituiccedilatildeo do modelo tra-dicional (KANTORSKIet al 2009)

Com os avanccedilos obtidos a denominaccedilatildeo Programa cede lugar agrave adoccedilatildeo do conceito Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) considerando seu papel estrateacutegico na mudanccedila do modelo as-

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sistencial no Paiacutes Essa discussatildeo traz agrave pauta tambeacutem a neces-sidade de investimentos natildeo soacute na quantidade mas tambeacutem na qualidade das Equipes de Sauacutede da Famiacutelia em atuaccedilatildeo envi-dando esforccedilos para que o objetivo antes somente de amplia-ccedilatildeo da estrateacutegia hoje seja de sua consolidaccedilatildeo

Sendo assim o crescimento e a progressiva ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF trazem a necessidade de reflexatildeo sobre sua ideia operacionalizaccedilatildeo e sustentabilidade o que reflete tam-beacutem na qualidade de seu desenvolvimento e da atenccedilatildeo agrave sauacute-de prestada pelas equipes (BRASIL 2005)

A ESF veio para constituir perspectiva no concernente agrave atenccedilatildeo primaacuteria substituindo o modelo biomeacutedico por novas praacuteticas assistenciais rompendo com praacuteticas cliacutenicas conven-cionais de sauacutede ensejando maior interaccedilatildeo e respeito entre profissional e usuaacuterio

Em virtude das caracteriacutesticas predominantes nas atuais praacuteticas de sauacutede e suas consequecircncias para a populaccedilatildeo dependente dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede parece relevante a uniatildeo de esforccedilos para a constituir de uma assistecircncia que incorpore os princiacutepios do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e ofereccedila um modelo de cuidado integral humanizado e com-prometido em garantir o direito agrave sauacutede e em atender as ne-cessidades socialmente determinadas as quais muitas vezes satildeo imperceptiacuteveis em detrimento do problema bioloacutegico que demanda o serviccedilo (BEHEREGARAY GERHARDT 2010)

O termo integralidade pode ser compreendido sob vaacuterias dimensotildees que permeiam o atendimento agrave populaccedilatildeo preco-nizado pela Constituiccedilatildeo de 1988 Tais dimensotildees direcionam a organizaccedilatildeo expansatildeo e qualificaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede do SUS com a oferta de um elenco ampliado de servi-ccedilos como imunizaccedilotildees ateacute os serviccedilos de reabilitaccedilatildeo fiacutesica

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e mental aleacutem das accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede em caraacuteter intersetorial

A integralidade traduz-se em realizar atenccedilatildeo integrando accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo pro-movendo acesso aos vaacuterios niacuteveis de atenccedilatildeo e ofertando res-postas ao conjunto de necessidades de sauacutede de uma comuni-dade e natildeo apenas a um recorte de problemas A integralidade exige que a Atenccedilatildeo Baacutesica reconheccedila as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo e os recursos para abordaacute-las (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2010)

O atendimento integral extrapola a estrutura organiza-cional hierarquizada e regionalizada da assistecircncia agrave sauacutede prolonga-se pela qualidade real da atenccedilatildeo individual e cole-tiva assegurada aos usuaacuterios do sistema de sauacutede e requisita o compromisso com o contiacutenuo aprendizado e com a praacutetica multidisciplinar (MACHADO et al 2007)

A implementaccedilatildeo da integralidade da assistecircncia talvez seja nos dias de hoje o maior desafio da sauacutede no Brasil ocor-rente em razatildeo da atual conjuntura que ainda revela um sis-tema estruturado para atender prioritariamente os pacientes com a doenccedila jaacute instalada com foco de atenccedilatildeo no agravo

Com efeito apesar dos avanccedilos obtidos com o SUS seus princiacutepios orientadores ainda natildeo satildeo uma completa realida-de no cotidiano dos serviccedilos de sauacutede Dentre os princiacutepios e diretrizes do SUS talvez o da integralidade seja o que eacute menos visiacutevel na trajetoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede e de suas praacuteti-cas As mudanccedilas no sistema com relaccedilatildeo agrave integralidade natildeo se exprimem tatildeo evidentes Elas acontecem de forma sutil mas ainda natildeo ganharam a generalizaccedilatildeo nem a visibilidade que se almeja (LINARD CASTRO CRUZ 2011)

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Nas poliacuteticas de sauacutede as accedilotildees preventivas e assistenciais tecircm impactos distintos as atividades assistenciais respondem agraves necessidades de sauacutede dos usuaacuterios e as accedilotildees preventivas modificam o quadro social de uma doenccedila modificando a de-manda futura para os serviccedilos assistenciais No que se refere agrave gestatildeo em sauacutede eacute preciso democratizar o processo de tra-balho na organizaccedilatildeo dos serviccedilos horizontalizando saberes promovendo as atividades multiprofissionais e interdiscipli-nares incorporando a renovaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede numa perspectiva de integralidade em que a valorizaccedilatildeo da atenccedilatildeo e do cuidado desponta como dimensatildeo baacutesica para a poliacutetica de sauacutede que se desenvolve ativamente no cotidiano dos serviccedilos (PINHEIRO LUZ 2003)

O profissional que busca incorporar a integralidade em seu atendimento amplia suas percepccedilotildees oferecendo uma as-sistecircncia voltada para as reais necessidades do cliente e conse-quentemente supri suas demandas de maneira mais especiacutefica e individualizada respeitando o direito universal e integral agrave sauacutede

Eacute vaacutelido salientar entretanto que a integralidade eacute o prin-ciacutepio mais negligenciado no acircmbito do SUS No iniacutecio da deacute-cada de 1990 a preocupaccedilatildeo com a integralidade limitava-se a alguns centros acadecircmicos e experiecircncias municipais pois a ecircnfase poliacutetica da eacutepoca se concentrava em questotildees de fi-nanciamento e descentralizaccedilatildeo Somente com a expansatildeo e reorientaccedilatildeo do PSF foi possiacutevel enfatizar propostas como territorializaccedilatildeo vigilacircncia em sauacutede acolhimento e viacutenculo retomando a discussatildeo da integralidade expressa pela Refor-ma Sanitaacuteria (PAIM 2009)

Assim a integralidade na Sauacutede da Mulher no que tange agraves accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino configura es-

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paccedilo de praacuteticas saberes e discussotildees que dia a dia procura avanccedilar na tentativa de reduzir o perfil de mortalidade do re-ferido agravo a sauacutede

No Brasil ceacutervico-uterino eacute o tipo de cacircncer mais co-mum em algumas aacutereas menos desenvolvidas Sua ocorrecircncia se concentra principalmente em mulheres acima dos 35 anos Dentre todos os tipos de cacircncer eacute o que apresenta um dos mais altos potenciais de prevenccedilatildeo e cura

Como estrateacutegia de prevenccedilatildeo e controle do cacircncer ceacuter-vico-uterino a realizaccedilatildeo do exame citopatoloacutegico de Papa-nicolau eacute reconhecido mundialmente como estrateacutegia segura eficiente indolor de baixo custo e eficaz podendo ser colhido por via de infraestrutura simples e sua aplicaccedilatildeo modificou efetivamente as taxas de incidecircncia e mortalidade (SECRETA-RIA DE SAUacuteDE 2002)

As accedilotildees de prevenccedilatildeo ao cacircncer ceacutervico-uterino satildeo desenvolvidas na contextura da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) mediante consulta meacutedica e de enfermagem que realiza accedilotildees de rastreamento junto agrave populaccedilatildeo feminina Na loacutegica do trabalho por aacuterea adscrita a ESF se propotildee ter equipes res-ponsaacuteveis por famiacutelias de forma que seja possiacutevel estabelecer o viacutenculo profissional-usuaacuterio e estimular a adesatildeo agrave prevenccedilatildeo ginecoloacutegica

Apesar de a neoplasia em foco ser facilmente diagnosti-cada a cifra alberga estimativas preocupantes Para o ano de 2014 no Brasil satildeo esperados 15590 casos novos de cacircncer do colo do uacutetero com um risco estimado de 1533 casos a cada 100 mil mulheres Sem considerar os tumores de pele natildeo me-lanoma o cacircncer do colo do uacutetero eacute o mais incidente na regiatildeo Norte (2357 100 mil) Nas regiotildees Centro-Oeste (2219 100 mil) e Nordeste (1879 100 mil) eacute o segundo mais frequente

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Na regiatildeo Sudeste (1015100 mil) o quarto e na regiatildeo Sul (1587 100 mil) o quinto mais frequente (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2014)

Estas elevadas cifras natildeo se justificam pois a prevenccedilatildeo do cacircncer ceacutervico-uterino eacute eficaz se implementada adequada-mente na ESF A elevada incidecircncia da referida neoplasia pode estar ligada agrave ausecircncia de uma poliacutetica voltada para a educaccedilatildeo em sauacutede bem como agrave baixa qualidade dos serviccedilos de sauacutede Por esse motivo eacute digno de uma atenccedilatildeo especial dos gestores em sauacutede dos profissionais e da sociedade

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o prin-cipal fator de risco para a doenccedila eacute a infecccedilatildeo pelo viacuterus Pa-piloma Humano - HPV Todas as mulheres que iniciaram a atividade sexual satildeo potencialmente susceptiacuteveis ao desenvol-vimento da doenccedila As maacutes condiccedilotildees de higiene alimentaccedilatildeo tabagismo iniacutecio precoce da atividade sexual multiplicidade de parceiros e o uso de contraceptivos orais entretanto tam-beacutem favorecem o surgimento desse cacircncer Tornando-se mais evidente na faixa etaacuteria de 20 a 29 anos e o risco aumenta rapi-damente ateacute atingir o pico geralmente na faixa de 45 a 49 anos (MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE 2006)

A prevenccedilatildeo do cacircncer ginecoloacutegico assim como o diag-noacutestico precoce e o tratamento requer a implantaccedilatildeo articula-da de medidas como sensibilizaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo feminina investimento tecnoloacutegico e em recursos humanos organizaccedilatildeo da rede disponibilidade dos tratamentos e me-lhoria dos sistemas de informaccedilatildeo

Assim uma mudanccedila nesse perfil depende de accedilotildees arti-culadas voltadas para a sauacutede envolvendo accedilotildees profissionais poliacuteticas puacuteblicas infraestrutura das unidades de sauacutede e par-ticipaccedilatildeo da comunidade Tais accedilotildees vecircm ao encontro do Pac-

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to pela Vida 2010-2011 que traccedila como um dos seus objetivos ampliar a oferta do exame preventivo do cacircncer do colo do uacutetero visando a alcanccedilar uma cobertura de 80 da popula-ccedilatildeo-alvo

Portanto o cacircncer ceacutervico-uterino deve ser tratado como um contexto de atenccedilatildeo agrave sauacutede relevante no Brasil uma vez que demanda accedilotildees voltadas para a integralidade de uma as-sistecircncia agrave sauacutede ainda em elaboraccedilatildeo no Sistema Uacutenico de Sauacutede

A equipe da ESF pode contribuir para o controle da doen-ccedila por meio das accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo e detecccedilatildeo precoce realizadas nos serviccedilos bem assim com a realizaccedilatildeo de accedilotildees educativas com a participaccedilatildeo da comu-nidade no sentido de ampliar o conhecimento sobre os fato-res de risco o desenvolvimento da doenccedila e a importacircncia da realizaccedilatildeo perioacutedica do exame preventivo com objetivo de se alcanccedilar resultados satisfatoacuterios para a reduccedilatildeo das taxas de morbimortalidade

A complexidade de se trabalhar ante qualquer fenocircmeno social constituiacutedo com base em conjunto de determinantes condicionantes e fatores sociais e bioloacutegicos exprime uma ne-cessidade de compreensatildeo mais ampla e qualificada sobre o assunto Nessa perspectiva emerge a necessidade de estudos que possam contribuir para a compreensatildeo da integralidade da assistecircncia muito mais aleacutem do simples ato de realizar um atendimento ambulatorial

Em tais circunstacircncias a realidade contemporacircnea traz novos desafios no modo como certos temas satildeo habitualmente abordados especialmente no campo da sauacutede A dimensatildeo e a relevacircncia social e poliacutetica agregadas pelo campo da sauacutede desde a reforma sanitaacuteria e constituiccedilatildeo do Sistema Uacutenico de

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Sauacutede (SUS) tencionam para a sauacutede a ideia de que esta pode contribuir significativamente para a realidade vivida por nos-sa sociedade no que tange ao bem-estar da coletividade e de como a ausecircncia deste bem-estar influencia nas dinacircmicas de funcionamento

A produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea da Sauacutede da Mulher possibilitaraacute a melhoria do serviccedilo de sauacutede no que concerne agrave organizaccedilatildeo do rastreamento do cacircncer cervical e agrave qualifi-caccedilatildeo dos profissionais o fortalecimento da integraccedilatildeo ensi-no-serviccedilo e o impacto positivo na diminuiccedilatildeo do cacircncer de colo do uacutetero contribuindo para melhor qualidade de vida da populaccedilatildeo

No conjunto de profissionais que integram a ESF o enfer-meiro desempenha relevante papel na execuccedilatildeo de accedilotildees que permeiam as esferas gerenciais cliacutenica e educativas No exer-ciacutecio de suas funccedilotildees aleacutem de competecircncia teacutecnica responsa-bilidade e compromisso eacutetico eacute necessaacuterio ao enfermeiro com-preender e discutir de que forma a filosofia de alguns princiacutepios doutrinaacuterios do SUS acontecem na aacuterea da sauacutede feminina

Outros estudos corroboram essa posiccedilatildeo ressaltando a importacircncia de se discutir a concepccedilatildeo do enfermeiro sobre a municipalizaccedilatildeo por se entender que o enfermeiro eacute um agente da equipe multidisciplinar em sauacutede estando diretamente en-volvido com a consolidaccedilatildeo do SUS (MINISTEacuteRIO DA SAUacute-DE 2012)

Dessa maneira as peculiaridades dessa poliacutetica de sauacutede por meio do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) receberam in-fluecircncias da municipalizaccedilatildeo e principalmente pela reorga-nizaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica por meio da ESF O cacircncer ceacutervico-uterino ainda constitui um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica no Paiacutes apesar da existecircncia de programas da necessidade de

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uma simples tecnologia baixo custo para a prevenccedilatildeo e diag-noacutestico precoce do exame citopatoloacutegico percebe-se a gravi-dade do cenaacuterio epidemioloacutegico

Ante tais fatos surgiu o questionamento qual a concep-ccedilatildeo dos enfermeiros a respeito de integralidade na assistecircn-cia no acircmbito da Sauacutede da Mulher Como esta integralidade acontece nas accedilotildees de combate ao cacircncer cervico-uterino Para responder a tais indagaccedilotildees realizou-se uma investigaccedilatildeo a respeito com os objetivos descritos na sequecircncia

Conhecer os significados sobre integralidade concebidos pelos enfermeiros

Identificar a correlaccedilatildeo feita pelos profissionais entre in-tegralidade da assistecircncia e accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervi-co-uterino

Verificar como os serviccedilos de sauacutede na atenccedilatildeo primaacuteria estatildeo organizados de modo a privilegiar a integralidade da as-sistecircncia

METODOLOGIA

O estudo eacute descritivo-exploratoacuterio com abordagem qua-litativa pois possibilitou uma investigaccedilatildeo detalhada e que melhor harmoniza aos objetivos propostos A pesquisa explo-ratoacuteria permite maior familiaridade com o problema e o apri-moramento de ideias ou descoberta de intuiccedilotildees Enquanto isso a pesquisa descritiva tem por objetivo expor e buscar as explicaccedilotildees de um fenocircmeno (GIL 1999)

Compuseram o universo da pesquisa todos os enfermei-ros lotados nas unidades baacutesicas de sauacutede dos Municiacutepios do Maciccedilo de Baturiteacute vinculadas agrave Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e que aceitaram participar do estudo

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O nuacutemero de sujeitos envolvidos foi estipulado com base no criteacuterio de saturaccedilatildeo e repeticcedilatildeo ferramenta esta muito utilizada na pesquisa qualitativa onde o fechamento amostral se processa pela suspensatildeo de novos participantes quando os dados obtidos passam a redundacircncia e repeticcedilatildeo Na aborda-gem qualitativa as amostras satildeo propositais e buscam singu-laridade aprofundamento e abrangecircncia da compreensatildeo do fenocircmeno estudado (GIL 1999)

A regiatildeo sob exame foi eleita para loacutecus da pesquisa pelo fato de que neste espaccedilo geograacutefico funciona a UNILAB ins-tituiccedilatildeo a que o projeto estaacute vinculado Esta autarquia federal de acordo com as diretrizes estabelecidas na Lei 12289 san-cionada pelo Presidente da Repuacuteblica em 20 de julho de 2010 alberga a responsabilidade de desenvolver ensino pesquisa e extensatildeo em consonacircncia com as necessidades de sauacutede e edu-caccedilatildeo da regiatildeo do Maciccedilo de Baturiteacute

A coleta de dados aconteceu durante os meses de mar-ccedilo a novembro do ano de 2013 Para a coleta utilizou-se um roteiro de entrevista que abordou questotildees a respeito ao aten-dimento na atenccedilatildeo primaacuteria no contexto da integralidade da assistecircncia na Sauacutede da Mulher organizaccedilatildeo dos serviccedilos oferta de accedilotildees para atender as demandas inerentes ao com-bate do cacircncer de colo uterino e referecircnciacontraAreferecircncia As entrevistas aconteceram na Unidade Baacutesica de Sauacutede apoacutes o expediente de atendimento dos enfermeiros em uma sala reservada na unidade para essa atividade

A entrevista semiestruturada foi utilizada como recurso por permitir certa liberdade ao entrevistado de discorrer apesar da utilizaccedilatildeo de toacutepicos que o pesquisador define a priori Este recurso eacute capaz de orientar uma ldquoconversa com

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finalidaderdquo devendo ser facilitador de abertura ampliaccedilatildeo e aprofundamento da comunicaccedilatildeo (MINAYO 2004)

As informaccedilotildees foram organizadascom suporte nas trans-criccedilotildees das entrevistas e leituras sucessivas das falas onde as ideias centrais ou seja aquelas mais evidentes que descreve-ram de forma sinteacutetica e precisa o sentido das falas forami-dentificadas e registradas As transcriccedilotildees foram organizadas conforme Teacutecnica de Anaacutelise de Conteuacutedo (BARDIN 2004) As categorias posteriormente identificadas foram discutidas com embasamento da literatura

Com o intuito de obedecer agraves diretrizes que regulamen-tam os estudos envolvendo seres humanos para as partici-pantes desta pesquisa foi exibido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com dados referentes ao caraacuteter voluntaacuterio do estudo e possibilidade de desistecircncia a qualquer momento Com o intuito de garantir o anonimato as falas foram identi-ficadas pelo coacutedigo enf seguido do nuacutemero de ordem O es-tudo na fase de projeto de pesquisa foi enviado para o Comitecirc de Eacutetica da Universidade de Fortaleza e aprovado segundo o Parecer nordm20308

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Foram entrevistados 47 profissionais graduados em En-fermagem sendo 45 do sexo feminino e dois do masculino Os profissionais estavam lotadas nos Municiacutepios de Acarape Aratuba Aracoiaba Baturiteacute Barreira Itapiuacutena Capistrano Ocara Palmaacutecia e Redenccedilatildeo Os enfermeiros encontravam-se na faixa etaacuteria de 21 a 63 anos com predominacircncia do inter-valo de 21 a 35 O tempo meacutedio de graduaccedilatildeo foi de oito anos o tempo de atuaccedilatildeo profissional da atenccedilatildeo primaacuteria oscilou

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de 2 a 30 anos A maioria possui algum tipo de especializaccedilatildeo As especializaccedilotildees realizadas foram nas seguintes aacutereas Sauacutede Puacuteblica Unidade de Terapia Intensiva Gestatildeo em Sauacutede En-fermagem do Trabalho Obstetriacutecia Urgecircncia e Emergecircncia Sauacutede da Famiacutelia Sauacutede Indiacutegena Sauacutede do Idoso Gestatildeo em Serviccedilos e Sistemas de Sauacutede

A seguir se exibiu as categorias emergidas assinadas na anaacutelise das entrevistas

Significados atribuiacutedos ao termo integralidade

Para os entrevistados o significado de integralidade con-siste em garantir ao usuaacuterio uma assistecircncia integral que as-socie a prevenccedilatildeo e o tratamento considerando a pessoa na totalidade num contexto que englobe suas necessidades

Atender a pacienta de uma forma integral tratar todos os aspectos de doenccedila daquela mulher tratar hipertensatildeo e diabetes tratar de uma forma integral (enf 01)

Eacute um cuidado de assistecircncia prestado aos in-diviacuteduos de modo que ele seja assistido em todos os aspectos onde natildeo tratado somente a doenccedila deve ser tratado de um modo geral natildeo soacute a doenccedila (enf 02)

Eacute a assistecircncia de forma integral em todos os niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede (enf 03)

Eacute atender desde a prevenccedilatildeo ateacute o diagnoacutes-tico aliaacutes ateacute o final do tratamento (enf 04)

Observar o paciente como um todo anotar todo o estado cliacutenico dele e se necessaacuterio en-caminhar a outro profissional Isso acontece por exemplo uma gestante de risco (enf 05)

Atender a todos em todos os niacuteveis de aten-ccedilatildeo (enf 06)

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A integralidade eacute um atendimento globaliza-do um atendimento que tenha vaacuterias nuan-ces natildeo soacute no tratamento mas tambeacutem na prevenccedilatildeo integral no sentido de atender a todas as necessidades das pacientes (enf 06)

A perspectiva da integralidade aparece no relato dos pro-fissionais associada ao direito universal do usuaacuterio de ser aten-dido em suas necessidades de sauacutede

A integralidade eacute uma ferramenta que nos permite enten-der a magnitude da sauacutede-doenccedila e visualizar como sua am-plitude extrapola o campo bioloacutegico Dessa forma accedilotildees mais efetivas soacute seratildeo possiacuteveis com profissionais que alarguem seus conceitos e atuem equipes multiprofissionais (MACHADO et al 2007)

A garantia de um atendimento integral ultrapassa uma assistecircncia agrave sauacutede hierarquizada e regionalizada abrange o individual e o coletivo e requer um compromisso constante com o aprendizado e a atuaccedilatildeo multiprofissional (CECIM FEUERWERKER 2004)

Esse princiacutepio conduz seu bojo uma discussatildeo criacutetica e propositiva da dissociaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede de cunho pre-ventivo e as praacuteticas assistenciais Articular essas praacuteticas de sauacutede significa propor uma reestruturaccedilatildeo na forma de con-ceber os serviccedilos de sauacutede compreendendo o atendimento numa oacuteptica longitudinal de accedilotildees

Compreensatildeo da integralidade da assistecircncia nas accedilotildees de combate ao cacircncer ceacutervico-uterino

No entendimento dos profissionais as accedilotildees de combate ao cacircncer satildeo percebidas nas perspectivas descritas a seguir

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Eu entendo a integralidade como uma con-tinuidade da assistecircncia se eu faccedilo a coleta e consigo tratar ou se natildeo tenho condiccedilotildees para trataacute-la entatildeo encaminho para o gine-cologista para buscar uma soluccedilatildeo (enf 07)

Conforme o resultado da prevenccedilatildeo ela jaacute vai orientada de alguma forma se apresenta NIC III por exemplo eu explico que ela pre-cisa de maiores cuidados entatildeo ela eacute referen-ciada com os exames (enf 08)

Atraveacutes das orientaccedilotildees palestras conscien-tizaccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo agraves doenccedilas que podem haver contaminaccedilatildeo pelo HPV e a partir disso a mulher se conscientizar e atraveacutes da conscientizaccedilatildeo e cuidados reali-zar avaliaccedilotildees rotineiras (enf 09)

Fazer a coleta direitinho realizar entrevista pesquisar sobre a famiacutelia e se preciso enca-minhar para realizar exames (enf 10)

Eu entendo a integralidade como uma con-tinuidade da assistecircncia se eu faccedilo a coleta e consigo tratar ou se natildeo tenho condiccedilotildees para trataacute-la entatildeo encaminho para o gine-cologista para buscar uma soluccedilatildeo (enf 11)

Com certeza se identificada uma lesatildeo noacutes possamos dar continuidade ao tratamento encaminhando para um serviccedilo especializa-do e daiacute dependendo do que ocorrer ter esse retorno seria interessante (enf 12)

A integralidade da assistecircncia eacute entendida em termos de lei como um conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e ser-viccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos

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para cada caso em todos os niacuteveis de complexidade do sistema (GIOVANELLA 2008)

Accedilotildees como levantar o histoacuterico da paciente realizar a co-leta citoloacutegica identificar a lesatildeo quando possiacutevel implemen-tar um tratamento e encaminhar a paciente para um serviccedilo especializado ilustram a compreensatildeo dos profissionais frente agrave integralidade da assistecircncia

O trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria deveraacute ter uma aborda-gem interdisciplinar que conjuguealeacutem das accedilotildees os esforccedilos de uma equipe multiprofissional voltados para a accedilatildeo preven-tiva ante os fatores de risco para o cacircncer ceacutervico-uterino Para tal adoccedilatildeo dos princiacutepios da Educaccedilatildeo em Sauacutede numa pers-pectiva problematizadora que desperte no outro o interesse pelo cuidado eacute condiccedilatildeo fundamental para iniciar uma rela-ccedilatildeo dialoacutegica entre profissionais e paciente

A organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede no atual modelo do Sistema de Sauacutede busca privilegiar espaccedilos nos quais se pos-sa concretiza uma praacutetica cliacutenica com foco na integralidade entretanto a concretude dessa premissa estaraacute relacionada aos determinantes sociais que influenciaram a populaccedilatildeo assistida e os profissionais

CONCLUSOtildeESAgrave integralidade satildeo atribuiacutedos diversos sentidos entre os

quais se destacam aqueles relacionados ao atendimento inte-gral vislumbrando o ser humano em contexto holiacutestico nos trecircs niacuteveis de atenccedilatildeo

A accedilatildeo do enfermeiro na Sauacutede da Mulher deve abranger a manutenccedilatildeo promoccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede com origem na relaccedilatildeo estabelecida com a paciente que busca o serviccedilo de

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sauacutede mediante estrateacutegias educativas envolvendo a identifi-caccedilatildeo de suas necessidades de sauacutede

Reconhecer a relevacircncia da perspectiva da integralidade na assistecircncia agrave Sauacutede da Mulher implica o envolvimento do enfermeiro que deve se fazer presente natildeo apenas em situaccedilatildeo de doenccedila mastambeacutem em todo o horizonte de atendimento proposto pelo Sistema de Sauacutede

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GIOVANELLA L (Org) Poliacuteticas e Sistemas de Sauacutede no Brasil Rio de Janeiro Fiocruz 2008

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CAPIacuteTULO 2

A (IN) VISIBILIDADE DE DADOS SOBRE VIOLecircNCIA CONTRA CRIANccedilA E ADOLES-CENTE COM DEFICIecircNCIA DIANTE DAS DIRETRIZES QUE NORTEIAM A PROTEccedilAtildeO INTEGRAL

Ana Cleacutea Veras Camurccedila VieiraGeisy Lane Muniz Luna43

Marilene Calderaro MungubaLuiza Jane Eyre de Souza Vieira

INTRODUccedilAtildeO

A violecircncia evidencia-se como fenocircmeno multicausal e complexo e correlacionando-se com determinantes sociais e econocircmicos principalmente desemprego baixa escolarida-de concentraccedilatildeo de renda exclusatildeo social Aflui aos aspectos comportamentais e culturais resultando em uma interaccedilatildeo de fatores individuais relacionais comunitaacuterios e sociais Nesse iacutenterim o Informe Mundial sobre laviolencia y la salud publi-cado pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (2002) define vio-lecircncia como

O uso intencional da forccedila ou poder em uma forma de ameaccedila ou efetivamente contra si mesmo outra pessoa ou grupo ou comuni-dade que ocasiona ou tem grandes proba-bilidades de ocasionar lesatildeo morte dano psiacutequico alteraccedilotildees do desenvolvimento ou privaccedilotildees (KRUG et al 2002)

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Sendo assim percebe-se que os iacutendices mais elevados de comportamentos violentos em algumas comunidades natildeo po-dem ser explicados por um fator isoladamente Compreender entretanto a maneira como esses fatores estatildeo vinculados agrave violecircncia eacute um dos passos importantes no enfoque da sauacutede puacuteblica para a prevenccedilatildeo do fenocircmeno Em face da realidade eacute relevante conhecer como se articulam as manifestaccedilotildees da violecircncia haja vista o fato dessas situaccedilotildees se modificarem de acordo com o contexto histoacuterico social (FROTA et al 2011)

Em razatildeo dessa complexidade a violecircncia direcionada a crianccedilas e adolescentes eacute muito presente Esta eacute uma reali-dade que constrange e inquieta a sociedade civil e os oacutergatildeos governantes Waiselfisz (2011) acentua ser nessa faixa etaacuteria que duas em cada trecircs mortes se originam numa violecircncia seja ela homiciacutedio suiciacutedio ou acidente de transporte Aleacutem disso com essa faixa etaacuteria eacute difiacutecil distinguir os casos de acidentes ndash que podem acontecer de forma casual e despretensiosa ndash dos de violecircncia por conta da dificuldade em estabelecer o caraacuteter de intencionalidade Os acidentes tambeacutem podem em mui-tos casos ser considerados como modalidade de violecircncia jaacute que estes podem resultar de omissotildees das accedilotildees humanas

Sanchez e Minayo (2004) refletem acerca da magnitude do tema sua repercussatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo brasilei-ra e indaga se o indicador de mortalidade natildeo deveria ser as-sociado a outro que retratasse o significado e a dinacircmica das muacuteltiplas violecircncias considerando o contexto sociocultural e a qualidade de vida de crianccedilas e adolescentes

Essas afirmaccedilotildees retratam a cruel realidade em que estatildeo inseridos as crianccedilas e adolescentes brasileiros contudo esti-ma-se que muito mais preocupante satildeo os dados referentes agrave violecircncia cometida contra crianccedilas e adolescentes com defi-

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ciecircncia haja vista a subnotificaccedilatildeo desses casos e o despreparo profissional para lidar com esse fato

Contextualizando o leitor o modelo da deficiecircncia foi aprovado por lei de 1975 ldquode orientaccedilatildeo em favor das pessoas deficientesrdquo Na realidade o relatoacuterio Bloch-Laineacute de 1967 jaacute o propunha razatildeo pela qual pode ser considerado um texto de transiccedilatildeo entre o modelo de inadaptaccedilatildeo e o de deficiecircncia pa-radoxalmente a lei de 1975 absteacutem-se de qualquer definiccedilatildeo Segundo os relatores de entatildeo exprimir o conceito parecia-lhes totalmente impossiacutevel haja vista as divergecircncias de abor-dagens cientiacuteficas sobre a maneira de tratar o assunto e que do ponto de vista deles era necessaacuterio dar maior abertura possiacutevel sobre o futuro para evitar possiacuteveis exclusotildees dos beneficiaacuterios da lei A deficiecircncia transforma-se em novo ldquosistema de refe-recircncias da accedilatildeo puacuteblicardquo suscetiacutevel de ser aplicado a todas as idades ldquoa deficiecircncia eacute a leirdquo (PLAISANCE 2005)

RETRATOS DA DEFICIecircNCIA

Dados do Censo de 2010 publicados pelo Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) demonstrou a existecircncia ou natildeo de algum tipo de deficiecircncia permanente por autode-claraccedilatildeo Os resultados apontaram que 45606048 brasileiros (239 da populaccedilatildeo total) tecircm algum tipo de deficiecircncia vi-sual auditiva motora e mental ou intelectual (IBGE 2010)

Trazendo essa anaacutelise para o acircmbito regional observa-se que 277 da populaccedilatildeo residente no Cearaacute correspondendo a um total de 2 340 150 cearenses apresentam algum tipo de deficiecircncia percentual acima do registrado nacionalmente (239) e da Regiatildeo Nordeste (266) (IPECE 2012)

Os dados do Censo mostraram que a deficiecircncia chega a

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pessoas em qualquer idade Algumas nascem com ela outras a adquirem ao longo da vida O contingente populacional tem pelo menos uma das deficiecircncias investigadas pelo Censo de 2010 revelados que sua prevalecircncia eacute bastante alta na popula-ccedilatildeo brasileira de 1987 milhotildees (IBGE 2010)

O Programa das Naccedilotildees Unidas para o De-senvolvimento (PNUD) mediante a institu-cionalizaccedilatildeo do Iacutendice de Desenvolvimento Humano (IDH) mensura o progresso de uma naccedilatildeo a partir da anaacutelise de trecircs dimen-sotildees renda sauacutede e educaccedilatildeo De acordo com o Relatoacuterio do Desenvolvimento Huma-no o (IDH) global de 2012 entre 186 paiacuteses elege a Noruega como o paiacutes que apresentou melhor IDH com 0 955 incluso no bloco de paiacuteses com o iacutendice muito alto O Brasil re-gistrou a 85ordf posiccedilatildeo com o iacutendice de 0 730 atraacutes do Chile Argentina Uruguai Cuba Panamaacute Venezuela Peru (PNUD 2013)

A importacircncia desses dados estaacute no fato que os paiacuteses com iacutendice de desenvolvimento hu-mano baixo (IDH) 99 da populaccedilatildeo tecircm uma deficiecircncia nos paiacuteses com iacutendice de desenvolvimento humano meacutedio a percen-tagem cai para 37 e em paiacuteses de desenvol-vimento humano elevado estima-se que 1 as pessoas com deficiecircncia (PNUD 2013)

A anaacutelise realizada pelo Instituto de Pesquisa e Estrateacutegia Econocircmica do Cearaacute (IPECE) sobre a infacircncia em Fortaleza com os dados socioeconocircmicos divulgados no Censo 2010 mostra que 75 da populaccedilatildeo de zero a 14 anos em Fortale-za possuem algum tipo de deficiecircncia visual (SILVA SILVA 2013)

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A proporccedilatildeo de crianccedilas com problemas de visatildeo aumen-ta significativamente a partir dos seis anos de idade periacuteodo coincidente com o iniacutecio do ciclo escolar para um nuacutemero significativo de crianccedilas Eacute preconizado nas poliacuteticas puacuteblicas o acompanhamento dessas crianccedilas nas creches e escolas Em termos de deficiecircncia auditiva a proporccedilatildeo cai para 2 en-quanto para a deficiecircncia de locomoccedilatildeo e mental essa propor-ccedilatildeo registra 13 e 08 respectivamente Chama-se atenccedilatildeo para o total de 63978 crianccedilas com algum tipo de deficiecircncia que necessita de atenccedilatildeo especial das poliacuteticas puacuteblicas (SIL-VA SILVA 2013)

Em pesquisa realizada no mecircs de abril de 2014 nas bases de dados para indicadores de sauacutede gerais e especiacuteficos para a infacircncia e adolescecircncia (DATASUS SIPIA TABNET-SMS) natildeo foram evidenciadas informaccedilotildees especiacuteficas sobre crianccedila com deficiecircncia associada agraves situaccedilotildees de violecircncia ou mesmo no grande grupo denominado de causas externas consideran-do ainda a populaccedilatildeo 63978 crianccedilas com deficiecircncia

A inexistecircncia de dados que possam proporcionar a vi-gilacircncia em sauacutede da populaccedilatildeo com deficiecircncia demonstra o quanto essa realidade ainda estaacute invisiacutevel apesar de avanccedilos na trajetoacuteria de realizaccedilotildees de eventos internacionais e nacionais poliacuteticas planos e dispositivos legais que norteiam a atenccedilatildeo integral agrave pessoa com deficiecircncia como a Poliacutetica Nacional de Sauacutede da Pessoa com Deficiecircncia (BRASIL 2010) e as dire-trizes que integram as accedilotildees do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia conhecido como Viver sem Limite (BRASIL 2013)

Esse fato remete a certas inquietaccedilotildees em razatildeo desse contingente populacional como se deu a trajetoacuteria das poliacuteti-cas puacuteblicas que tencionavam proteger e cuidar Quais lacunas

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ainda permanecem para que seja possiacutevel ter maior aproxima-ccedilatildeo dessa realidade

Por mais baacutesicas que sejam as informaccedilotildees estas apontam para potenciais estudos que por sua vez podem se aprofun-dar na anaacutelise das condiccedilotildees de vida e sauacutede da crianccedila com deficiecircncia viacutetima de violecircncia Estudos mostram a importacircn-cia da infacircncia para a formaccedilatildeo do capital humano da pessoa Os efeitos de longo prazo do investimento na formaccedilatildeo do ca-pital humano na infacircncia e adolescecircncia vatildeo desde o aumento dos niacuteveis educacionais maiores salaacuterios e melhores ocupa-ccedilotildees no mercado de trabalho ateacute melhores condiccedilotildees de sauacutede e satisfaccedilatildeo com a vida (SILVA SILVA 2013)

GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANccedilA E ADO-LESCENTE

Iniciou-se no Brasil na deacutecada de 1980 intenso movi-mento com vistas a garantir os direitos das crianccedilas Com a mudanccedila no modelo de sauacutede vigente que buscava uma as-sistecircncia mais integral criou-se o Programa de Assistecircncia In-tegral agrave Sauacutede da Crianccedila (PAISC) em 1984 (BRASIL 1984)

Esta poliacutetica de atenccedilatildeo envolvia accedilotildees de acompanha-mento do crescimento infantil estiacutemulo ao aleitamento ma-terno e orientaccedilatildeo alimentar para o desmame assistecircnciae controle das infecccedilotildees respiratoacuterias agudas controle das doen-ccedilas diarreacuteicas e das prevenidas por imunizaccedilotildees Malgrado priorizar a assistecircncia agrave crianccedila na rede baacutesica de sauacutede tam-beacutem foram implementadas estrateacutegias com vistas a humanizar o preacute-natal e o parto dando mais espaccedilo para a participaccedilatildeo da famiacutelia no cuidado ao bebecirc no acircmbito hospitalar (BRASIL 1984)

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Em relaccedilatildeo agraves conquistas juriacutedicas sobre os maus tratos em 12 de outubro de 1927 o Decreto-Lei 17943 instituiu o primeiro Coacutedigo de Menores no Brasil como medida para sis-tematizar a accedilatildeo de tutela e coerccedilatildeo e por isso o Estado passou a adotaacute-lo Com esse decreto o Brasil comeccedilou a implantar o sistema puacuteblico de atenccedilatildeo agraves crianccedilas e aos jovens em circuns-tacircncias especialmente difiacuteceis (CURY 1987)

A Doutrina de Situaccedilatildeo Irregular descrita desde 1927 juridicamente citada como Coacutedigo de Menores como caraacute-ter ldquomenoristardquo apesar da reformulaccedilatildeo em 1979 manteve-se ideologicamente para intervir com a infacircncia pobre e estigma-tizada As bases conceituais sustentavam a exclusatildeo e o con-trole social da pobreza e a prevenccedilatildeo detinha a instituciona-lizaccedilatildeo conforme o momento poliacutetico da eacutepoca no Paiacutes Esse movimento sem duacutevida marca a transiccedilatildeo paradigmaacutetica en-tre o Direito do Menor para o Direito da Crianccedila e do Adoles-cente (CUSTOacuteDIO 2008 ROSEMBERG MARIANO 2010)

Nos uacuteltimos anos do regime militar no Brasil de 1974 a 1984 havia grande crise econocircmica recessatildeo e o iniacutecio do movimento democraacutetico com participaccedilatildeo social Nessa deacuteca-da de 1970 a 80 muitas conquistas foram possiacuteveis na histoacuteria da sauacutede puacuteblica brasileira Era a luta pela reforma sanitaacuteria Natildeo se pode esquecer o surgimento dos movimentos sociais que denunciavam a ineficiecircncia das estruturas de sauacutede e pre-videnciaacuterias dentre eles o movimento das pessoas com defi-ciecircncia (AGUIAR 2011)

Atualmente estaacute em vigecircncia no Brasil o Estatuto da Crianccedila e do Adolescente (ECA) Lei 8069 de 13 de julho de 1990 que revolucionando em termos doutrinaacuterios e legislati-vos rompeu com a doutrinada situaccedilatildeo irregular e adotou o entendimento da proteccedilatildeo integral (BRASIL 2012a)

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A compreensatildeo sobre a doutrina de proteccedilatildeo integral ad-veacutem de marcos legais como a Declaraccedilatildeo Universal dos Direi-tos da Crianccedila (1959) no cenaacuterio brasileiro que faz parte do ordenamento juriacutedico como marco definitivo somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Art 227 Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade o direi-to agrave vida agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo ao lazer agrave profissionalizaccedilatildeo agrave cultura agrave dig-nidade ao respeito agrave liberdade e agrave convivecircn-cia familiar e comunitaacuteria aleacutem de colocaacute-los a salvo de toda forma de negligecircncia discri-minaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo (BRASIL 1988)

Nas disposiccedilotildees preliminares o ECA afirma que nenhu-ma crianccedila ou adolescente seraacute objeto de qualquer forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia cruelda-de e opressatildeo punidona forma da lei qualquer atentado por accedilatildeo ou omissatildeo aos seus direitos fundamentais (OLIVEIRA 1995) A leitura dessa disposiccedilatildeo pode encher de perplexidade Deve-se perguntar se uma legislaccedilatildeo tatildeo avanccedilada natildeo seria uma contradiccedilatildeo a mais num Paiacutes jaacute tatildeo cheio de contradiccedilotildees (LUNA et al 2010)

Eacute evidente que o dia adia demonstra a grande distacircncia que vai do que a lei dispotildee para a realidade Basta ler os jornais para encontrar cotidianamente o relato da displicecircncia com que satildeo tratadas questotildees de cunho social envolvendo os jo-vens (GONCcedilALVES FERREIRA 2002)

Nesse periacuteodo os estudos sobre deficiecircncia no Brasil fo-ram impulsionados principalmente em 1981 que ficou co-nhecido como Ano Internacional da Pessoa Deficiente A

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Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) aprovou em 1982 o Programa de Accedilatildeo Mundial para Pessoas com Deficiecircncia proclamando o periacuteodo de 1983 a 1992 como ldquoDeacutecada das Naccedilotildees Unidas para as Pessoas com Deficiecircnciardquo (ONU1982) Assim a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (ONU 1948) traz ecircnfase no valor da vida humana no respeito agrave liber-dade e na dignidade

Art 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Satildeo dotados de razatildeo e consciecircncia e devem agir em re-laccedilatildeo uns aos outros com espiacuterito de frater-nidade

Art 3 Todo ser humano tem direito agrave vida agrave liberdade e agrave seguranccedila pessoal

Art 7 Todos satildeo iguais perante a lei e tem direito sem qualquer distinccedilatildeo a igual pro-teccedilatildeo da lei Todos tecircm direito a igual prote-ccedilatildeo contra qualquer discriminaccedilatildeo que viole a presente Declaraccedilatildeo e contra qualquer in-citamento a tal discriminaccedilatildeo (PIOVESAN 2012 p 40)

No acircmbito histoacuterico o Estatuto da Crianccedila e do Adoles-cente (ECA) define o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) como res-ponsaacutevel por garantir ldquoo direito a proteccedilatildeo agrave vida e agrave sauacutederdquo das crianccedilas e adolescentes com deficiecircncia e traz em seus arti-gos 11 e 14 o seguinte

Art 11 Eacute assegurado atendimento integral agrave sauacutede da crianccedila e do adolescente por intermeacutedio do Sistema Uacutenico de Sauacutede ga-rantido o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede Paraacutegrafo 1ordm A crian-ccedila e o adolescente portadores de deficiecircncia

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receberatildeo atendimento especializado Como tambeacutem revela em seu capiacutetulo referente ao Direito agrave Educaccedilatildeo Cultura Esporte e Lazer as responsabilidades dos estados para com as crianccedilas e adolescente com deficiecircncia

Art 54 Eacute dever de o Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente ensino fundamental obrigatoacuterio e gratuito inclusive para os que a ele natildeo tiveram acesso na idade proacutepria atendimento educacional especializado aos portadores de deficiecircncia preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL 2012b p 42-43)

O ECA ainda afirma na Convenccedilatildeo sobre Direitos da Crianccedila Parte I artigos 23 que os Estados reconhecem que a crianccedila portadora de deficiecircncias fiacutesicas ou mentais deveraacute desfrutar de uma vida plena e decente em condiccedilotildees que ga-rantam sua dignidade favoreccedilam sua autonomia e facilitem sua participaccedilatildeo ativa na comunidade (BRASIL 2010)

Apesar de uma legislaccedilatildeo que trata da proteccedilatildeo integral das crianccedilas e adolescentes incluindo as portadoras de deficiecircncia iniciam-se no Brasil investigaccedilotildees realizadas pelas comissotildees parlamentares inqueacuterito (CPIs) que datam respectivamente de 1991 e 1993 decorrentes do extermiacutenio de meninos e meni-nas de rua e sobre a prostituiccedilatildeo infanto-juvenil e inserem-se na agenda da sauacutede Conforme estudo realizado por Landini (2006) essas questotildees refletiram diretamente em termos le-gais o reconhecimento e a necessidade de que a crianccedila deve ser protegida de todas as formas de violecircncia e a legislaccedilatildeo vai incorporando artigos e dispositivos que diferenciam cada vez mais a violecircncia sofrida por crianccedilas e adolescentes

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Com origem nesse documento muitas accedilotildees iniciam-se no Brasil Ressalta-se a da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministeacuterio da Justiccedila com caraacuteter intersetorial e portanto contando com a contribuiccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacute-de e de profissionais da aacuterea ao formularem o Plano Nacional de Enfrentamento da Violecircncia Sexual Infantojuvenil (BRA-SIL 2002)

Posteriormente a Portaria Nordm 936GM de 19 de maio de 2004 cria a Rede Nacional de Prevenccedilatildeo da Violecircncia para sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos gestores e profissionais de sauacute-de na identificaccedilatildeo e encaminhamento adequado de situaccedilotildees de violecircncia intrafamiliar e sexual o estiacutemulo agrave articulaccedilatildeo in-tersetorial que envolva a reduccedilatildeo e o controle de situaccedilotildees de abuso exploraccedilatildeo e turismo sexual a implementaccedilatildeo da ficha de notificaccedilatildeo de violecircncia interpessoal o incentivo ao desen-volvimento de planos estaduais e municipais de prevenccedilatildeo da violecircncia o monitoramento e avaliaccedilatildeo do desenvolvimento dos planos estaduais e municipais de prevenccedilatildeo da violecircncia mediante a realizaccedilatildeo de coleta sistematizaccedilatildeo anaacutelise e disse-minaccedilatildeo de informaccedilotildees e a implantaccedilatildeo de Serviccedilos Sentine-la que seratildeo responsaacuteveis pela notificaccedilatildeo dos casos de violecircn-cias (BRASIL 2004)

As temaacuteticas relacionadas agrave proteccedilatildeo e sauacutede das crianccedilas e adolescentes satildeo transversais interdependentes e inseparaacute-veis perpassam o campo social e essa questatildeo seraacute um grande desafio para se alcanccedilar Nesse iacutenterim no ano 2000 a Or-ganizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) ao analisar os maiores problemas mundiais estabeleceu Oito Objetivos do Milecircnio- chamados no Brasil de Oito Jeitos de Mudar o Mundo ndash que devem ser atingidos por todos os paiacuteses ateacute 2015 Entre estes pode-se citar trecircs relacionados agrave defesa dos direitos da crianccedila

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e do adolescente (1) acabar com a fome e a miseacuteria (2) educa-ccedilatildeo baacutesica de qualidade para todos e (3) reduzir a mortalidade infantil (ONU 2000)

Ante tal complexidade houve a preocupaccedilatildeo em padro-nizar o levantamento das estatiacutesticas a respeito das pessoas com deficiecircncia no Brasil em 2005 no Rio de Janeiro junto ao Grupo de Washington sobre Estatiacutesticas das Pessoas com Deficiecircncia (Washington Groupon Disability Statistics - GW) contando com o apoio da Coordenadoria Nacional para In-tegraccedilatildeo da Pessoa Portadora de Deficiecircncia (CORDE) a Se-cretaria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) representantes dos institutos nacionais de estatiacutestica de cerca de 40paiacuteses e outras organizaccedilotildees internacionais iniciaram le-vantamentos de iacutendices de pessoas com deficiecircncia na popula-ccedilatildeo brasileira (IBGE 2010)

Em 2006 o Ministeacuterio da Sauacutede reformulou os eixos de accedilatildeo atinentes agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave atenccedilatildeo integral agraves pes-soas em situaccedilatildeo de violecircncia contiacuteguos das diretrizes e accedilotildees especiacuteficas da Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (Porta-ria nordm 6872006) agrave Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (Por-taria nordm 6482006) e agraves diretrizes para organizaccedilatildeo de redes de atenccedilatildeo integral agraves urgecircncias (Portaria nordm 10202009) condes-cendidas com as trecircs esferas de gestatildeo do SUS (BRASIL 2010)

Formulou ainda um documento intitulado ldquoLinha de Cuidado para a Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede de Crianccedilas Adoles-centes e suas Famiacutelias em Situaccedilatildeo de Violecircncias ndash Orientaccedilatildeo para Gestores e Profissionais de Sauacutederdquo com a finalidade de sensibilizar os agentes envolvidos nessa contiacutenua integralidade do cuidado (BRASIL 2010)

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Trata-se de uma estrateacutegia para a accedilatildeo um caminho para o alcance da atenccedilatildeo integral ou integralidade da atenccedilatildeo um dos princiacutepios do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) que propor-ciona a produccedilatildeo de cuidados desde a atenccedilatildeo primaacuteria ateacute o mais complexo niacutevel da atenccedilatildeo exigindo ainda interaccedilatildeo dos demais sistemas de garantias de direitos proteccedilatildeo e defesa de crianccedilas e adolescentes (BRASIL 2010)

A Linha de Cuidado de atendimento agrave crianccedila e ao adoles-cente em situaccedilatildeo de violecircncia tem iniacutecio no primeiro contato independentemente do niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede Na Atenccedilatildeo Primaacuteria estatildeo as unidades baacutesicas de sauacutede da famiacutelia a equi-pe de sauacutede da famiacutelia e os agentes comunitaacuterios de sauacutede Em meacutedia e alta complexidade encontram-se os serviccedilos de atenccedilatildeo especializada os hospitais os centros de atenccedilatildeo psi-cossocial e conta com a integraccedilatildeo de uma Rede Intersetorial onde se encontram tambeacutem os conselhos tutelares e demais serviccedilos (BRASIL 2010)

Pode-se destacar que nas situaccedilotildees de violecircncia contra crianccedilas adolescentes idosos e mulheres a legislaccedilatildeo prevecirc a notificaccedilatildeo compulsoacuteria em qualquer suspeita ou caso confir-mado de violecircncia mas ainda natildeo eacute possiacutevel encontrar legisla-ccedilotildees especiacuteficas sobre a proteccedilatildeo da crianccedila e adolescente com deficiecircncia em situaccedilatildeo de violecircncia

Essa realidade nos move a algumas ponderaccedilotildees o Poder Puacuteblico representado pela gestatildeo nos trecircs niacuteveis de governo haacute que enfrentar a fragilidade dos indicadores de sauacutede da popu-laccedilatildeo brasileira considerando a maacute utilizaccedilatildeo ou natildeo utilizaccedilatildeo dos sistemas de informaccedilotildees em sauacutede e aacutereas convergentes

Outro ponto impulsiona a refletir sobre o desafio expresso aos oacutergatildeos de proteccedilatildeo quanto ao alcance de crianccedilas e adoles-centes com deficiecircncia atendendo o preconizado nas poliacuteticas

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puacuteblicas de sauacutede e proteccedilatildeo integral Por uacuteltimo poreacutem natildeo menos importante diz-se sobre a imperiosa reorientaccedilatildeo da formaccedilatildeo acadecircmica e a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas de educaccedilatildeo permanente de modo longitudinal agrave praacutetica profissional

Observa-se que os profissionais necessitam de esclareci-mento da noccedilatildeo legal de maus-tratosviolecircncia e da concepccedilatildeo de deficiecircncia Dessa forma algumas diversidades de accedilatildeo po-deriam transformar a universidade num foro para discussatildeo e apoio ao fortalecimento de estrateacutegias possibilitando assim que este profissional ao entrar no mercado de trabalho es-teja habilitado e sensiacutevel aos desafios do cotidiano Cuidar de crianccedila e adolescente com deficiecircncia e exposto a situaccedilatildeo de violecircncia requer sensibilidade conhecimento e atitude

Estas dimensotildees devem ser coerentes com as demandas sociais que aportam ao setor sauacutede bem como ao contexto in-tersetorial Por outro lado natildeo eacute possiacutevel omitir os esforccedilos que o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) e o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) empreendem com reformulaccedilotildees de matrizes curricu-lares que privilegiem a agenda de sauacutede e as transformaccedilotildees sociais e econocircmicas do Paiacutes atentando para as especificidades regionais e locais sem contudo excluir as potencialidades e os limites da globalizaccedilatildeo

REFLEXOtildeES INCONCLUSIVAS

Agrave vista desse panorama complexo enfrentar a violecircncia com fundamento em uma perspectiva inclusiva requer com-promisso poliacutetico das naccedilotildees governantes sensiacuteveis agraves iniqui-dades sociais e uma sociedade solidaacuteria e altruiacutesta que esteja disposta a rever e ressignificar padrotildees culturais e comporta-mentais Este tripeacute articulado impulsiona as instituiccedilotildees for-

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madoras agrave ampliaccedilatildeo de suas perspectivas para reconstituiccedilotildees coletivas e sociais mediante a educaccedilatildeo transformadora e a formaccedilatildeo cientiacutefica teacutecnica eacutetica e esteacutetica

Acredita-se que percorrendo essa linha idealizada de modo natural fluiratildeo concepccedilotildees e accedilotildees interdisciplinares brotaraacute o respeito pelo outro emergiratildeo empatias e desejos de alcanccedilar uma sociedade igualitaacuteria inclusiva em que os di-ferentes sejam potencializados em suas singularidades Desse modo o conjunto de instituiccedilotildees atuaraacute de modo coordenado em busca da garantia de acesso a uma rede de serviccedilos de pro-teccedilatildeo beneficiada no arcabouccedilo poliacutetico brasileiro assistecircncia social cultura educaccedilatildeo justiccedila sauacutede seguridade social tra-balho transporte dentre outros segmentos

O estudo pondera a necessidade de serem desenvolvidas diretrizes para crianccedilas e adolescentes com deficiecircncia e expos-tas agraves situaccedilotildees de violecircncia aleacutem de recomendar o aprofun-damento de estudos especiacuteficos nessa parcela da populaccedilatildeo o que pode fomentar discussotildees e reorientaccedilotildees das poliacuteticas

As armas de que se dispotildee para lutar satildeo consciecircncia e conhecimento Nas poliacuteticas puacuteblicas vigentes eacute preciso tor-nar visiacutevel o que aparenta estar invisiacutevel ou seja a proteccedilatildeo agraves crianccedilas e aos adolescentes com deficiecircncia e expostos agrave vio-lecircncia e enfrentar as formas mais insidiosas de preconceito discriminaccedilatildeo estigma e exclusatildeo

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REFERecircNCIAS

AGUIAR ZN SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede - Antecedentes percur-so perspectivas e desafios Satildeo Paulo Martinari 2011

BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia DF Senado Federal 1988

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Depar-tamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Sauacutede da Pessoa com Deficiecircncia Brasiacutelia Editora do Ministeacuterio da Sauacutede 2010

BRASIL Deficiecircncia Viver sem Limite Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com deficiecircncia Secretaria de Direitos Humanos da Pre-sidecircncia da Repuacuteblica (SDHPR) Secretaria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) Brasiacutelia SDH-PRSNPD 2013

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Departamento de Accedilotildees Programaacuteti-cas Estrateacutegicas Estatuto da crianccedila e adolescente 7 ed atualizada Brasiacutelia (DF) Ministeacuterio da Sauacutede 2012a

BRASIL Cartilha do Censo 2010 Pessoas com Deficiecircncia Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia da Repuacuteblica (SDHPR) Secre-taria Nacional de Promoccedilatildeo dos Direitos da Pessoa com Deficiecircncia (SNPD) Coordenaccedilatildeo-Geral do Sistema de Informaccedilotildees sobre a Pes-soa com Deficiecircncia Brasiacutelia SDH-PRSNPD 2012b

BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Programa de Assistecircncia Integral agrave Sauacutede da Crianccedila Brasiacutelia (DF) PAISC 1984

CURY AM Temas de direito do menor coordenaccedilatildeo das curadorias de menores do Ministeacuterio Puacuteblico do estado de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Ministeacuterio da Sauacutede 1987

CUSTOacuteDIO AV Teoria da Proteccedilatildeo Integral pressuposto para a compreensatildeo do direito da crianccedila e do adolescente Revista do Di-reito n 29 p 22-43 2008

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GONCcedilALVES HS FERREIRA AL A notificaccedilatildeo da violecircncia in-trafamiliar contra crianccedilas e adolescentes por profissionais de sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica v18 n1 p 315-319 2002

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ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS Aprovada pela 68ordf As-sembleia Geral das Naccedilotildees Unidas Trata da execuccedilatildeo do Programa

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WAISELFISZ J J Mapa da violecircncia 2011 os jovens do Brasil Satildeo Paulo MS 2011

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CAPIacuteTULO 3

ANAacuteLISE DA PRODUccedilAtildeO DO CUIDADO agraveS CRIANccedilAS SUBMETIDAS A IMPLANTE COCLEAR EM UM SERVIccedilO TERCIAacuteRIO DE SAUacuteDE AUDITIVA DE FORTALEZA

Claudia sobral de Oliveira UchoaIlvana Lima Verde Gomes

Emilia Kelma Alves MarquesWilson Junior de Araujo Carvalho

Leilson Lira LimaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A surdez haacute muitos anos desperta interesse dos pesqui-sadores Do ponto de vista do ouvinte ouvir eacute um privileacutegio que condiciona o desenvolvimento de uma crianccedila em todos os seus aspectos Uma crianccedila com uma surdez severa ou pro-funda pode ter prejuiacutezos irreparaacuteveis na aquisiccedilatildeo de lingua-gem e como consequecircncia sequelas em todos os seus aspectos comunicativos cognitivos afetivos e sociais dentre outros

Caracteriza-se como problema sensorial natildeo visiacutevel que acarreta dificuldades na recepccedilatildeo percepccedilatildeo e reconhecimen-to de sons ocorrendo em distintos graus do mais leve ao mais profundo Observa-se que o aspecto mais sensiacutevel nas deficiecircn-cias auditivas eacute a ausecircncia da linguagem oral e essa ausecircncia eacute realccedilada numa sociedade que se comunica principalmente pela linguagem oral (SILVA PEREIRA ZANOLLI 2007) O deacutefice auditivo pode limitar tambeacutem a comunicaccedilatildeo efetiva e

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a interaccedilatildeo social afetando negativamente a qualidade de vida relacionada agrave sauacutede ao estado cognitivo e emocional (AGRA-WAL PLATZ NIPARKO 2008)

De acordo com as estimativas da World Health Organiza-tion (2012) cerca de 360 milhotildees de pessoas no Mundo pos-suem algum tipo de perda auditiva ou seja 10 da populaccedilatildeo sendo 32 milhotildees de crianccedilas No Brasil satildeo 15 milhotildees de pessoas convivendo com o problema Desses 350 mil tem defi-ciecircncia auditiva severa Estima-se que no Brasil de trecircs a qua-tro crianccedilas em 1000 nascem surdas aumentando para dois a quatro em cada 100 receacutem-nascidos quando provenientes de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal - UTIN (USP 2012)

O Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) garante a universalidade do acesso equidade integralidade e o controle social1 sobre as poliacuteticas de sauacutede auditiva como princiacutepios que estatildeo em consonacircncia com as diretrizes do Sistema Uacutenico de Sauacutede-SUS (CFFa 2011)

Para minimizar o dano da deficiecircncia auditiva na popu-laccedilatildeo surgiu entatildeo a Poliacutetica Nacional de Sauacutede Auditiva re-gulamentada pelo Ministeacuterio da SauacutedePortaria GM nordm 2073 de 28 de setembro de 2004 e veio como mais um direito ga-rantido por lei aos que necessitam de um serviccedilo especializado (CFFa 2011)

1 Universalidadeequidade integralidadeecontrole social satildeoprinciacutepios constitu-cionais do Sistema Uacutenico de Sauacutede que norteiam o sistema juriacutedico em relaccedilatildeo aoSUSAuniversalidadeestaacutedispostanoartigo196daConstituiccedilatildeoBrasileirade1988ondedizqueldquoasauacutedeeacuteumdireitodetodosedeverdoEstadordquoOsoutrosprinciacutepiosintegralidade(confereaoEstadoodeverdoldquoatendimentointegralcomprioridadeparaasatividadespreventivassemprejuiacutezodosserviccedilosassistenciaisrdquo)aequidade(oEstadodevetratardesigualmenteosdesiguaisconcentrandoseusesforccediloseinvestimentosemzonasterritoriaiscompioresiacutendicesedeacuteficitsnapres-taccedilatildeodoserviccedilopuacuteblico)econtrolesocial(prevecircaldquoparticipaccedilatildeodacomunidaderdquonas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede atuando na formulaccedilatildeo e no controle da execuccedilatildeodestes)estatildeodispostosnoartigo198

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Entende-se que o objetivo norteador dessa poliacutetica foi entatildeo estruturar uma rede de serviccedilos regionalizada e hierar-quizada que estabeleccedila linhas de cuidados integrados no aten-dimento das principais causas da deficiecircncia auditiva e deter-minar diretrizes para credenciamento de serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica meacutedia e alta complexidade no atendimento da pessoa com deficiecircncia auditiva Essa normatizaccedilatildeo estaacute na Portaria SASMS nordm 587 de 07102004 que definiu a distribuiccedilatildeo da rede estadual para accedilotildees na atenccedilatildeo baacutesica na meacutedia e alta complexidade (BRASIL 2004)

No que diz respeito ao implante coclear sua efetivaccedilatildeo se deu pela Portaria GMMS nordm 1278 de 20 de outubro de 1999 antes mesmo da regulamentaccedilatildeo da portaria da Poliacutetica Nacio-nal de Sauacutede Auditiva Atualmente eacute uma alta tecnologia para o tratamento da surdez e como tecnologia de sauacutede aponta como o recurso que proporciona melhores resultados aos que dela se utilizam (BRASIL 1999)

O implante coclear como possibilidade de superaccedilatildeo de dificuldades no desenvolvimento linguiacutestico de adultos e crianccedilas surdas veio dar outra esperanccedila ao paciente pelo fato de lhe proporcionar a sensaccedilatildeo auditiva e natildeo apenas a sua am-plificaccedilatildeo (MORET BEVILACQUA COSTA 2007)

Por ser contudo um tratamento de alto custo a atenccedilatildeo terciaacuteria que envolve o Programa de Implante Coclear natildeo eacute ainda um serviccedilo universalmente constituiacutedo Ele eacute um pro-grama que afunila a grande demanda de usuaacuterios necessitados dessa tecnologia avanccedilada Infelizmente os serviccedilos que pos-suem o Programa de Implante Coclear ainda natildeo tecircm acesso integral para todos os que necessitam

A praacutetica integral de assistecircncia ao usuaacuterio requer um mo-delo de projetos coletivos integrados aos cuidados de sauacutede

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em que trabalhadores gestores e usuaacuterios devem ser corres-ponsaacuteveis no fazer sauacutede cotidianamente (ASSIS NASCI-MENTO FRANCO et al 2010) O cuidado resulta de trabalho coletivo que envolve relaccedilotildees de trocas comunicaccedilotildees e inuacute-meros atos associados uns aos outros e que entre si formam o processo produtivo da assistecircncia (ALMEIDA FERREIRA FRANCO et al 2010)

A anaacutelise da organizaccedilatildeo do cuidado eacute um elemento im-portante para produccedilatildeo do cuidado e avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede que nos permite olhar a organizaccedilatildeo das praacuteticas as-sistenciais em sauacutede no cotidiano do trabalho de uma equipe que [] eacute capaz de levar os profissionais a refletirem sobre o cuidado que realizam e a relaccedilatildeo que mantecircm com o usuaacuterio possibilitando o exerciacutecio da autoanaacutelise (ALMEIDA FER-REIRA FRANCO et al 2010)

Ante a carecircncia de pesquisas sobre esse enfoque e por ser o implante coclear um serviccedilo novo que cresce a cada dia com a ampliaccedilatildeo pelo Ministeacuterio da Sauacutede de novos serviccedilos habilitados observa-se a necessidade de investigaccedilatildeo do deli-neamento das praacuteticas da produccedilatildeo do cuidado ao usuaacuterio de um serviccedilo terciaacuterio para subsidiar um atendimento integral de mais qualidade para um maior nuacutemero possiacutevel de pessoas com perda auditiva

Destaca-se tambeacutem a importacircncia do conhecimento das formas de acesso dos usuaacuterios das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede auditiva pois mesmo sendo essa rede de serviccedilo organizada em um complexo sistema de regulaccedilatildeo com fluxo uacutenico eacute im-portante conhecer o caminho que um portador de deficiecircncia auditiva percorre identificando sua trajetoacuteria ateacute o serviccedilo ter-ciaacuterio Muitas vezes essa regulaccedilatildeo natildeo eacute realizada de forma

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hierarquizada de acordo com que o preconizam as diretrizes do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

Como objeto do estudo a produccedilatildeo do cuidado de um serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva traz alguns questionamen-tos como ocorrem o acesso o acolhimento e o viacutenculo das crianccedilas submetidas agrave cirurgia de implante coclear Como eacute a visatildeo dos profissionais e familiares quanto ao processo do cuidado Como se daacute a participaccedilatildeo destes no tratamento e recuperaccedilatildeo da sua sauacutede O modo de cuidado ofertado pelos profissionais promove a responsabilizaccedilatildeo a estes usuaacuterios

O objetivo deste estudo eacute entatildeo analisar a produccedilatildeo do cuidado agraves crianccedilas submetidas a implante coclear em um serviccedilo de sauacutede auditiva terciaacuterio de Fortaleza mediante a identificaccedilatildeo das formas de acesso dos usuaacuterios a esse serviccedilo terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave sauacutede auditiva e a descriccedilatildeo do fluxo as-sistencial e das relaccedilotildees entre crianccedilas submetidas ao implante coclear suas famiacutelias e os trabalhadores de sauacutede no cuidado com base na integralidade

O conhecimento do acesso dos usuaacuterios do Programa de Implante Coclear e as linhas de cuidado aos usuaacuterios dessa rede poderatildeo subsidiar a promoccedilatildeo da reordenaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos para esse puacuteblico

REFERENCIAL TEoacuteRICO

Em 1999 com a publicaccedilatildeo da portaria que aprovou os criteacuterios de indicaccedilatildeo e contraindicaccedilatildeo de implante coclear e as normas para cadastramento de centrosnuacutecleos para rea-lizaccedilatildeo de implante coclear foi dado um grande salto para a criaccedilatildeo de uma poliacutetica nacional que atendesse a necessidades de usuaacuterios com perda auditiva

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A necessidade de instituiccedilatildeo da poliacutetica emergiu prin-cipalmente apoacutes constataccedilatildeo pelo Ministeacuterio da Sauacutede do desequiliacutebrio entre o nuacutemero de procedimentos referentes ao diagnoacutestico e a concessatildeo do aparelho de amplificaccedilatildeo sonora individual (AASI) em comparaccedilatildeo com a produccedilatildeo ambula-torial dos procedimentos de acompanhamento e reabilitaccedilatildeo auditiva como tambeacutem pelo empenho de profissionais da aacuterea da sauacutede (ARAUacuteJO 2011)

A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Auditiva implantada pela Portaria Ministerial GM nordm 2073 veio entatildeo com o objetivo de proporcionar uma superaccedilatildeo de dificuldades para questotildees inerentes a problemas auditivos com o objetivo maior de pro-teger recuperar a sauacutede e garantir a qualidade de vida e auto-nomia das pessoas com deficiecircncia auditiva (BRASIL 2004)

Em contrapartida alguns defendem a posiccedilatildeo de que a Libras eacute a liacutengua natural das comunidades surdas e que as liacuten-guas de sinais natildeo satildeo simplesmente miacutemicas e gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar a comunicaccedilatildeo Consti-tuem liacutenguas com estruturas gramaticais proacuteprias compostas pelos niacuteveis linguiacutesticos o fonoloacutegico o morfoloacutegico o sintaacuteti-co e o semacircntico A mesma utiliza-se de sinais em substituiccedilatildeo agrave liacutengua que todos conheccedilaqm em nas comunicaccedilotildees a liacutengua de sons ou oral (LIBRAS 2012)

Eacute necessaacuterio portanto que a famiacutelia esteja ciente e deci-dida sobre a escolha da liacutengua (sinais ou oral) que seja mais adequada para a crianccedila para que possa estar motivada e capaz de colaborar no seu desenvolvimento

Atualmente 143 unidades de serviccedilos de sauacutede auditiva estatildeo habilitadas em todo o Paiacutes para oferecer atendimento ao deficiente auditivo na atenccedilatildeo baacutesica meacutedia e na alta comple-xidade Os Estados do Amazonas Acre e Roraima poreacutem ain-

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da natildeo possuem tais serviccedilos De acordo com o levantamento da produccedilatildeo 2010 dos Serviccedilos de Sauacutede Auditiva habilitados (DATASUS) foram realizados cerca de um milhatildeo e duzentos mil procedimentos da aacuterea de sauacutede auditiva (CFFa 2011)

No Estado do Cearaacute estatildeo credenciadas oito unidades de serviccedilos de sauacutede auditiva Dentre estas cinco localizam-se no municiacutepio de Fortaleza uma em Juazeiro do Norte uma em Sobral e uma em Cascavel (USP 2012)

Para assegurar atenccedilatildeo integral os serviccedilos de sauacutede de-vem estar configurados em redes sustentadas por criteacuterios flu-xos e mecanismos de pactuaccedilatildeo de funcionamento O desenho loacutegico da rede prevecirc a hierarquizaccedilatildeo dos niacuteveis de comple-xidade viabilizando encaminhamentos resolutivos (dentre os vaacuterios equipamentos de sauacutede) A organizaccedilatildeo e o funciona-mento adequados dos sistemas de referecircncia e contrarreferecircn-cia satildeo portanto requisitos fundamentais para o alcance da integralidade (CFFa 2011)

Os serviccedilos de sauacutede auditiva no Brasil abrangem os qua-tro niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede e cada um com suas responsabi-lidades definidas pela Portaria de sauacutede auditiva e devemse articular mediante um sistema de regulaccedilatildeo organizado

Sabe-se hoje que a cirurgia de implante coclear eacute o que haacute de mais moderno no tratamento da surdez tanto de adultos como de crianccedilas surdas O implante coclear ou mais popular-mente conhecido como ouvido biocircnico eacute um aparelho eletrocirc-nico de alta complexidade tecnoloacutegica que nos uacuteltimos anos para restaurar a funccedilatildeo da audiccedilatildeo nos pacientes portadores de surdez profunda que natildeo se beneficiam do uso de proacuteteses auditivas convencionais (OUVIDO BIOcircNICO 2012)

Trata-se de um equipamento eletrocircnico computadori-zado que substitui totalmente o ouvido de pessoas que tecircm

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surdez total ou quase total Assim o implante eacute que estimula diretamente o nervo auditivo por meio de eletrodos situados dentro da coacuteclea e o nervo leva estes sinais para o ceacuterebro Eacute um aparelho muito sofisticado que foi uma das maiores con-quistas da Engenharia ligada agrave Medicina Jaacute existe haacute alguns anos e hoje cerca de 150000 pessoas no Mundo jaacute o estatildeo usando No Brasil cerca de 2000 pessoas jaacute utilizam este apa-relho(OUVIDOBIOcircNICO2012)

No Estado do Cearaacute foram realizadas cerca de 100 cirur-gias no Hospital Geral de Fortaleza uacutenico serviccedilo puacuteblico no Cearaacute cadastrado para tal procedimento

O implante coclear como alternativa de tratamento para crianccedilas deficientes auditivas preacute-linguiacutesticas apresenta inuacute-meras peculiaridades Natildeo se trata apenas de um procedimento ciruacutergico no qual a crianccedila pode ser conduzida exclusivamen-te por seu dispositivo eletrocircnico Constitui-se na verdade de um processo multifatorial que ocorre em trecircs fases distintas na avaliaccedilatildeo preacute-ciruacutergica no ato ciruacutergico e no acompanha-mento (MORET BEVILACQUA COSTA 2007)

Os usuaacuterios com deficiecircncia auditiva tecircm que cumprir al-guns criteacuterios primordiais definidos na Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede que regulamenta as condiccedilotildees de um candidato estar apto a receber um implante coclear Por isso poucos satildeo os que satildeo privilegiados e recebem pelo SUS toda a assistecircncia que envolve esse Programa (TEIXEIRA 2009) Para se chegar a esse niacutevel de alta complexidade o usuaacuterio deve ser referen-ciado pelos outros niacuteveis de atenccedilatildeo (Conselho Federal de Fo-noaudiologia 2011)

Para que esse novo modelo assistencial em sauacutede em que a atenccedilatildeo ao usuaacuterio eacute o foco eacute necessaacuterio uma mudanccedila no processo de trabalho Essa deveraacute ser fundamentada na pro-

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duccedilatildeo do cuidado na perspectiva da autonomia do sujeito norteada pelo Princiacutepio da Integralidade e requerendo como ferramentas a interdisciplinaridade a intersetorialidade o trabalho em equipe a humanizaccedilatildeo dos serviccedilos e a criaccedilatildeo de viacutenculos entre usuaacuterioprofissionalequipe de sauacutede (RODRI-GUES ARAUacuteJO 2003)

Franco e Mehry (2003) consideram entatildeo a integralidade como um potente dispositivo para desencadear processos de transformaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede permitindo um redire-cionamento do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede

Nesse acircmbito Assis Nascimento e Franco et al (2010) assinalam que o profissional de sauacutede teria que repensar as praacuteticas desenvolvidas em seu cotidiano e rever os valores e conhecimentos de todos os sujeitos envolvidos no processo de produccedilatildeo social da sauacutede para favorecer a elaboraccedilatildeo de uma consciecircncia sanitaacuteria Esses autores compreendem a respon-sabilizaccedilatildeo da equipe com o usuaacuterio para tornaacute-lo autocircnomo e acompanhar seu processo terapecircutico concebendo a pessoa como sujeito social capaz de traccedilar projetos proacuteprios de de-senvolvimento e ser coparticipante no cuidado a ele oferecido

Eacute preciso portanto compreender a produccedilatildeo do cuidado como cenaacuterio de relaccedilotildees como trabalho vivo em ato consu-mido no momento em que eacute produzido no qual encontros e desencontros satildeo visiacuteveis ou invisiacuteveis em meio ao poder entre sujeitos e territoacuterios (FRANCO MEHRY 2003)

Eacute preciso no entanto (des)constituir a praacutetica centrada no meacutedico e nos saberes pautados nos nuacutecleos especializados sendo necessaacuterio incorporar aos saberes ampliados agrave dimen-satildeo cuidadora de cada trabalhador de sauacutede a valorizaccedilatildeo do outro a preocupaccedilatildeo com o cuidado e o respeito com a visatildeo de mundo de cada um considerando o outro como cuacutemplice

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de estrateacutegias de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo cura e reabilitaccedilatildeo dos usuaacuterios

METODOLOGIA

Este eacute um ensaio de natureza qualitativa por ser pertinen-te agrave investigaccedilatildeo das dimensotildees subjetivas que envolvem as praacuteticas de sauacutede Nessa perspectiva a abordagem qualitativa vem ao encontro do objeto de estudo desta pesquisa uma vez que haacute uma preocupaccedilatildeo com o aprofundamento e abrangecircn-cia da compreensatildeo dos processos de trabalho que envolvem o cuidado e a assistecircncia aos usuaacuterios de um serviccedilo de sauacutede

O estudo foi realizado no Hospital Geral de Fortaleza que foi credenciado pelo Ministeacuterio da Sauacutede em 15092009 me-diante a Portaria MS nordm 4402009 para a realizaccedilatildeo de cirurgias de implante coclear O local do estudo foio Setor de Proacutetese Auditiva coordenado pelo Setor de Fonoaudiologia locali-zado no Ambulatoacuterio de Proacutetese Auditiva que divide com a Otorrinolaringologia o Ambulatoacuterio nuacutemero nove do 1ordm an-dar da Unidade Reacutegis Jucaacute

O Programa de Implante Coclear eacute composto de uma equipe compreendendo fonoaudioacutelogos responsaacuteveis pela avaliaccedilatildeo dos candidatos a cirurgia de implante coclear ate-lemetria de respostas neurais (procedimento realizado no ato ciruacutergico) ativaccedilatildeo do implante e mapeamentos de programa-ccedilatildeo perioacutedica e reabilitaccedilatildeo psicoacuteloga cirurgiotildees otorrinola-ringologistas e assistente social

Obedece a uma portaria do Ministeacuterio da Sauacutede que orienta quanto aos criteacuterios a serem cumpridos para escolha dos candidatos a receberem o dispositivo do implante coclear

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As pessoas pertencentes agrave pesquisa foram divididas em dois grupos 15 familiares das crianccedilas operadas pelo progra-ma e cinco profissionais de sauacutede atuantes no Programa de Implante Coclear do Hospital Geral de Fortaleza

As entrevistas foram realizadas apenas com o primeiro grupo aproveitando o momento em que a crianccedila estava em atendimento quando utilizou-se um roteiro de entrevista se-miestruturada aplicada com o objetivo de coletar informaccedilotildees relativas ao acesso da crianccedila ao serviccedilo de implante coclear e ao atendimento recebido As questotildees norteadoras orienta-ram o relato dos entrevistados e natildeo houve limitaccedilatildeo do tempo para a sua aplicaccedilatildeo

Foram entrevistados 17 componentes familiares respon-saacuteveis pelas crianccedilas (sendo 16 matildees e uma irmatilde) dentre as quais duas foram descartadas pois natildeo contribuiacuteram para o objetivo da pesquisa A realizaccedilatildeo da coleta das informaccedilotildees com os usuaacuterios foi realizada nos meses de agosto e setembro de 2013

As entrevistas realizadas com os participantes foram transcritas para melhor utilizaccedilatildeo A anaacutelise dos dados foi baseada nas regras da anaacutelise de conteuacutedo proposta por Flick (2009) que obedece aos seguintes passos siacutentese da anaacutelise de conteuacutedo por meio da omissatildeo de enunciados anaacutelise expli-cativa de conteuacutedo com o esclarecimento de trechos difusos ambiacuteguos ou contraditoacuterios por fim a anaacutelise estruturadora de conteuacutedo por meio da estruturaccedilatildeo no niacutevel formal relativo ao conteuacutedo

O material em anaacutelise eacute avaliado constrastivamente com as leituras reflexivas na tentativa de reduzir o material com base em nuacutecleos de sentidos que posteriormente satildeo agrupa-dos por semelhanccedilas Esta anaacutelise compreende criticamente o

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sentido manifesto ou oculto das comunicaccedilotildees o significado das mensagens com um olhar atento aos objetivos da pesquisa (MOZZATO GEZYBOVSKI 2011)

Apoacutes a transcriccedilatildeo das entrevistas realizou-se levanta-mento e organizaccedilatildeo do material coletado Observando os objetivos propostos pela pesquisa fez-se a primeira leitura do material empiacuterico abstraindo os nuacutecleos de sentido orienta-dos pelas temaacuteticas discutidas Nessa perspectiva buscou-se fazer os recortes de grupos de temas semelhantes reduzindo o material a categorias

Para o grupo dos profissionais de sauacutede foi realizada uma oficina como teacutecnica de coleta de dados agendada previa-mente Todos os participantes do setor de implante coclear do Hospital foram convidados pessoalmente a participar da ofici-na Neste momento foi explicado o objetivo da pesquisa e soli-citada a sua presenccedila no dia marcado Foi utilizado um roteiro com algumas questotildees norteadoras para iniciar o debate entre os profissionais o qual foi gravado mediante o consentimento deles com o intuito de facilitar a posterior anaacutelise dos dados

O grupo foi conduzido por duas moderadoras que ques-tionavam os profissionais a relatarem os fluxos de atendimen-to do serviccedilo seus protocolos de atendimento e as dificulda-des encontradas para sua realizaccedilatildeo Contou com o auxiacutelio de duas colaboradoras para o registro de imagens fotograacuteficas de viacutedeo e gravaccedilatildeo de aacuteudio a fim de auxiliar na coleta de infor-maccedilotildees importantes durante a realizaccedilatildeo da oficina e posterior exame dos indicadores

Durante a oficina foi elaborado com base na ferramenta proposta por Mehry e Franco (2003) o Fluxograma Analisa-dor que eacute um instrumento de autoanaacutelise e de autogestatildeo do processo de trabalho em sauacutede O uso dessa ferramenta se deu

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coletivamente no espaccedilo do serviccedilo mapeando o desenvolvi-mento dos processos no cotidiano tendo como foco central o usuaacuterio

O Fluxograma Analisador permite um olhar agudo sobre os fluxos no momento da produccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede e a detecccedilatildeo de seus problemas A interaccedilatildeo do grupo levou agrave compreensatildeo dos processos que envolvem sua atividade bem como sua implicaccedilatildeo com uma dada realidade o que lhe daacute a possibilidade de intervir para provocar processos de mudanccedila nos espaccedilos onde atua (FRANCO 2003)

Para a anaacutelise dos processos de trabalho foi considerado o Fluxograma Analisador proposto por Mehry elaborado pelos profissionais durante a oficina

A pesquisa foi submetida ao Comitecirc de Eacutetica em Pesqui-sa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) como entidade proponente e do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) como uni-dade coparticipante Foi aprovado de acordo com os respec-tivos pareceres nordm 274583 e nordm 301269 O iniacutecio da coleta de dados se deu apoacutes a sua aprovaccedilatildeo Foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e posteriormente assi-nado por todos os participantes de acordo com o que rege a Resoluccedilatildeo nordm 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Observou-se que todos os familiares entrevistados se dis-puseram muito bem a participar da pesquisa Ao primeiro contato com um dos pesquisadores aceitaram prontamente contribuir ou seja natildeo se houve recusa de nenhum familiar Quanto aos profissionais tambeacutem se pode dizer o mesmo Para a realizaccedilatildeo da oficina a fim de elaborar o Fluxograma

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Analisador os profissionais participaram com muita presteza e objetividade

Na anaacutelise das entrevistas com os membros familiares emergiram duas temaacuteticas e suas respectivas categorias Te-maacutetica - Caminho desde a descoberta da surdez ateacute o Serviccedilo de Implante Coclear e as categorias a Descoberta da surdez b Busca pelos serviccedilos de sauacutede e c Acesso ao serviccedilo de implante coclear do HGF A segunda temaacutetica beneficiou a Produccedilatildeo do Cuidado agrave crianccedila submetida agrave cirurgia de im-plante coclear com as categorias a O cuidado pela equipe de sauacutede fluxos de atendimento no serviccedilo de implante coclear b Cuidado pela famiacutelia participaccedilatildeo envolvimento e corres-ponsabilizaccedilatildeo e c Percepccedilotildees diante dos resultados do trata-mento- expectativas e realidade

Observou-se com essas entrevistas que a descoberta da surdez acontece na maioria dos casos em idade tardia muitas vezes por uma atenccedilatildeo baacutesica fragilizada que natildeo detecta essas dificuldades As matildees percebiam que seus filhos podiam ter al-guma dificuldade mas como a surdez se pronuncia como uma dificuldade silenciosa o diagnoacutestico se tornou mais difiacutecil

Costa (2000) reafirma que as suspeitas dos pais acerca de uma possiacutevel surdez natildeo ocorrem logo nos primeiros meses pois o desenvolvimento de uma crianccedila que nasce surda se processa normalmente tal como na crianccedila ouvinte Assim as suspeitas de surdez ficam adormecidas uma vez que as crian-ccedilas surdas como as ouvintes tecircm comportamentos adaptados agraves interaccedilotildees estabelecidas por elas com os adultos mais proacutexi-mos e deste modo soacute por volta de um ano de idade eacute que satildeo notadas as diferenccedilas e as dificuldades de comunicaccedilatildeo

Uma forma de detectar precocemente a surdez de uma crianccedila eacute a realizaccedilatildeo do ldquoTeste da orelhinhardquo ou Triagem

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Auditiva Neonatal nos primeiros dias de vida Apoacutes a sua realizaccedilatildeo eacute possiacutevel iniciar o diagnoacutestico e o tratamento das alteraccedilotildees auditivas precocemente O Conselho Federal de Fo-noaudiologia e outras entidades brasileiras recomendam que o exame seja realizado na maternidade antes da alta hospitalar

Apoacutes a descoberta precoce da surdez o profissional de sauacutede tem papel fundamental na orientaccedilatildeo familiar quanto a todas as possibilidades para essa crianccedila A decisatildeo da famiacutelia afetaraacute todo o seu futuro quanto agrave escolha de um tratamento mais adequado E uma das estrateacutegicas mais acertadas pelos profissionais eacute propiciar aos familiares todas as informaccedilotildees necessaacuterias quanto agrave surdez

Da anaacutelise geral de todas as entrevistas parece ressaltar um aspecto que domina e caracteriza o comportamento desses pais Eacute a preocupaccedilatildeo com a comunicaccedilatildeo como se comunicar com a crianccedila e como esta pode se comunicar com eles e os ou-tros Eacute o que motiva a procura por um atendimento especiali-zado para as suas necessidades O que percebeu-se poreacutem foi uma longa caminhada Alguns familiares peregrinam muitas vezes desorientados sem saber como procurar por esses ser-viccedilos e frequentemente ainda sem diagnoacutestico

Outra situaccedilatildeo que observa-se eacute quando a famiacutelia eacute desa-creditada na sua suspeita atrasando o diagnoacutestico e o iniacutecio do tratamento A insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao apoio dos profissio-nais meacutedicos para o diagnoacutestico eacute grande por estes natildeo acre-ditarem nas suspeitas dos pais afirmando que a crianccedila ouve Por outro lado tambeacutem se tem o caso de pais que natildeo acredi-tam no diagnoacutestico da surdez contrariando a opiniatildeo meacutedica Os pais entatildeo procuram outros profissionais que confirmem as suas esperanccedilas atrasando assim a intervenccedilatildeo precoce ne-cessaacuteria agrave crianccedila (RODRIGUES PIRES 2002)

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Algumas relataram que ao receberem a notiacutecia logo pro-curaram pelo tratamento de seus filhos poreacutem haacute dificuldades e demora ateacute chegar a um serviccedilo com maior resolubilidade considerando que se trata de serviccedilos que deveriam estar co-nectados para resolver os problemas de sauacutede Eacute visiacutevel a falta de cobertura da assistecircncia na rede baacutesica fazendo com que alguns usuaacuterios busquem de imediato o atendimento numa unidade especializada sem que houvesse um diaacutelogo dos pro-fissionais com as outras instacircncias do cuidado de modo a faci-litar a integraccedilatildeo dos serviccedilos

Nesta busca pelos serviccedilos de sauacutede os usuaacuterios procuram opccedilotildees para conseguir chegar ateacute o serviccedilo de que tanto neces-sitam Segundo os profissionais da equipe de implante coclear essa situaccedilatildeo acontece com frequecircncia Quando satildeo solicitados exames para avaliaccedilatildeo do paciente muitos familiares se utili-zam de planos de sauacutede para a sua realizaccedilatildeo com o intuito re-solver mais rapidamente Encontrou-se tambeacutem uma grande demanda de usuaacuterios que chegam ateacute o serviccedilo terciaacuterio por meio de uma procura espontacircnea

Contrapondo-se essa realidade tambeacutem teve relatos de usuaacuterios que natildeo conseguiram chegar facilmente ateacute os servi-ccedilos de sauacutede auditiva Um fator determinante dessa dificulda-de eacute a distacircncia entre os usuaacuterios e os serviccedilos especializados jaacute que estes se concentram nos grandes centros urbanos

A Rede de Sauacutede Puacuteblica precisa integrar os seus serviccedilos para facilitar os casos em que alguns pacientes tecircm que per-correr muitos quilocircmetros para fazer um tratamento A maio-ria dos municiacutepios oferece esse serviccedilo de transporte de seus usuaacuterios mas agraves vezes natildeo conseguem vaga na data marcada pela grande demanda de pacientes que dele se utilizam A dis-

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tacircncia entre esses serviccedilos especializados e os usuaacuterios com-promete seu atendimento

Eacute imprescindiacutevel que os serviccedilos de sauacutede estejam organi-zados em uma rede de atenccedilatildeo para referenciar seus usuaacuterios sendo observada a classificaccedilatildeo de risco a vulnerabilidade des-se usuaacuterio e a garantia da continuidade do cuidado

Observou-se que todos os usuaacuterios que chegam ateacute o ser-viccedilo de implante coclear relatam a indicaccedilatildeo ou encaminha-mento por um profissional ou ainda outra forma de acesso Natildeo se conseguiu ainda encontrar algum que tenha sido en-caminhado pela Central de Regulaccedilatildeo Isso denota que o aces-so regulado ao serviccedilo terciaacuterio de sauacutede auditiva no Cearaacute por um sistema informatizado ainda natildeo estaacute efetivamente funcionando

Na anaacutelise da oficina realizada com os profissionais de sauacutede foram descritos os fluxos de atendimentos do serviccedilo apresentando tambeacutem alguns ruiacutedos que interferem na con-tinuidade do cuidado a esses usuaacuterios Analisando o fluxo-grama formulado pelos profissionais pode-se verificar como o atendimento do serviccedilo de implante coclear do HGF ocorre

A elaboraccedilatildeo do Fluxograma Analisador funcionou como importante dispositivo para trazer um olhar sobre as relaccedilotildees entre os trabalhadores os usuaacuterios e o serviccedilo Com a com-preensatildeo dessas relaccedilotildees conclui-se que os profissionais de sauacutede satildeo responsaacuteveis pelos seus usuaacuterios e isso traz uma sig-nificacircncia muito grande no concernente agrave Produccedilatildeo do Cui-dado Tambeacutem ante as diversas entrevistas realizadas pocircde-se compreender de forma geral que os usuaacuterios percebem o acolhimento e consequentemente o cuidado aos seus filhos

Pocircde-se entender entatildeo que a integralidade pode ser al-canccedilada como os diversos dispositivos como o acesso ao ser-

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viccedilo de sauacutede o viacutenculo entre os profissionais e os usuaacuterios e a responsabilizaccedilatildeo e a resolubilidade no estabelecimento das linhas de cuidado em todos os serviccedilos da rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede E a articulaccedilatildeo nas relaccedilotildees entre profissionais de sauacutede e usuaacuterios pode ser vista como possibilidade de abertura para uma comunicaccedilatildeo permitindo melhor compreensatildeo dos seus problemas de sauacutede

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Os profissionais de sauacutede do estudo demonstraram pro-funda vinculaccedilatildeo com as famiacutelias e os usuaacuterios Estes se preo-cupam desde o acolhimento ateacute a continuidade do cuidado quando procuram organizar os retornos de acordo com as condiccedilotildees da famiacutelia As praacuteticas acolhedoras e os laccedilos afeti-vos entre os sujeitos possuem uma abordagem que privilegia a continuidade do cuidado e um viacutenculo com a responsabiliza-ccedilatildeo assegurando assim accedilotildees direcionadas para a resoluccedilatildeo dos seus problemas

As famiacutelias das crianccedilas submetidas agrave cirurgia de implante coclear satildeo participativas e envolvidas com o tratamento do filho Satildeo cientes de que eacute parte integrante do processo e que o desenvolvimento da linguagem eacute produto das relaccedilotildees inter-pessoais estabelecidas por esse envolvimento Procuram enca-rar as dificuldades buscando a compreensatildeo dos problemas com a criaccedilatildeo de viacutenculos com a equipe de sauacutede e a necessi-dade de readequaccedilatildeo de comportamentos perante a crianccedila

Essa confianccedila que os pais tecircm nos profissionais eacute fator decisivo para o sucesso do tratamento da crianccedila Outros fa-tores que contribuem para o sucesso do implante coclear satildeo a idade em que a crianccedila recebe o implante coclear o tempo

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de privaccedilatildeo sonora as caracteriacutesticas individuais da crianccedila o acompanhamento ciruacutergico rigoroso e o envolvimento da famiacutelia

Sendo assim o implante coclear por si natildeo garante o sucesso da habilitaccedilatildeo Depende aleacutem de todos os fatores in-triacutensecos agrave reabilitaccedilatildeo auditiva de uma famiacutelia que invista e acredite no seu desenvolvimento Famiacutelia e paciente precisam estar suficientemente motivados para usar o implante e se sub-meterem agraves adaptaccedilotildees que teratildeo que fazer no seu cotidiano

Os pais demonstraram ter muitas expectativas a respeito dos benefiacutecios que o implante coclear poderaacute propiciar na vida de seus filhos O benefiacutecio que mais esperam estaacute relacionado agrave melhoria da comunicaccedilatildeo jaacute que eacute nesse aspecto que os pais encontram dificuldade no conviacutevio com seus filhos Melhorar a comunicaccedilatildeo significa para a maioria deles que o filho possa ouvir e consequentemente falar

Quanto agraves questotildees relacionadas ao conhecimento e compreensatildeo das famiacutelias sobre o tratamento e todas as suas peculiaridades apreende-se que elas satildeo bem orientadas Sa-bem descrever com detalhes todas as fases do tratamento bem como as fases ainda a serem vivenciadas e a necessidade de uma reabilitaccedilatildeo fonoaudioloacutegica sistemaacutetica

Compreendem que o implante coclear pode trazer melhor qualidade de vida aos seus filhos e que iraacute facilitar algumas si-tuaccedilotildees como o estudo o trabalho a comunicaccedilatildeo e socializa-ccedilatildeo e principalmente a possibilidade de melhor se desenvol-verem e no futuro cuidarem da proacutepria vida

Ao depararem a possibilidade de realizar a cirurgia de im-plante coclear para solucionar a surdez de um filho os pais depositam essa expectativa de tal forma que veem o procedi-

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mento como um sonho realizado e essa expectativa pode ser alta e permeada por mitos e fantasias Alguns familiares acre-ditam que o implante coclear eacute a ldquocurardquo a uacutenica possibilidade de ouvir e falar Essa expectativa no entanto deve ser encara-da e desmistificada pela equipe multidisciplinar trazendo para a realidade a condiccedilatildeo de cada crianccedila

A expectativa pelo implante coclear pode produzir nas famiacutelias muitas duacutevidas medos e inseguranccedilas referentes agrave cirurgia considerando que envolve riscos e benefiacutecios Perce-beu-se entretanto que os familiares do estudo se acham segu-ros de sua decisatildeo e que fizeram a melhor escolha pelos seus filhos

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CAPIacuteTULO 4

OBTENccedilAtildeO DO CONSENTIMENTO INFOR-MADO E PERMANecircNCIA DO PACIENTE EM UMA PES-QUISA CLIacuteNICA CONTRIBUIccedilAtildeO DA RELAccedilAtildeO PROFISSIONAL PACIENTE

Edina Silva CostaAndrea Caprara

Amanda Pereira FerreiraCyntia Monteiro Vasconcelos Motta

Selma Antunes Nunes DinizJuliana Alencar Moreira Borges

INTRODUccedilAtildeO

O Consentimento Informado (CI) refere-se ao esclare-cimento do paciente eou responsaacutevel a respeito do procedi-mento ao que seraacute submetido A intenccedilatildeo eacute obter o seu con-sentimento de forma voluntaacuteria por meio da assinatura para a aceitaccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo ou participaccedilatildeo em uma pes-quisa especiacutefica Nesse caso o sujeito deve participar de todas as decisotildees e estaremcientes dos riscos benefiacutecios e possiacuteveis consequecircncias que possam ocorrer (VAZ e REIS 2007)

Busca-se com a utilizaccedilatildeo do CI a autonomia dos sujeitos e o resguardo dos princiacutepios de beneficecircncia e justiccedila propa-gados pela Bioeacutetica Esse documento procura haacute algum tempo estabelecer princiacutepios eacuteticos que devem ser seguidos em pes-quisas que envolvem seres humanos (PERES et al 2011)

Os fundamentos do CI encontram respaldo nos direitos individuais contidos de modo impliacutecito na Declaraccedilatildeo Uni-

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versal dos Direitos Humanos (1948) ao expressar que ldquoTodos tecircm direito agrave vida escolha e seguranccedila pessoalrdquo (Art 3deg) ldquoNin-gueacutem seraacute submetido agrave tortura puniccedilatildeo cruel desumana ou degradanterdquo (Art 5deg) (SABATOVSKI e FONTOURA 2009)

No Brasil o CI regulamenta-se pela Resoluccedilatildeo nordm 46612 baseada nos principais documentos internacionais resultantes dos coacutedigos declaraccedilotildees e diretrizes sobre pesquisas cientiacutefi-cas Tambeacutem estabelece exigecircncias eacuteticas para o desenvolvi-mento das pesquisas cientiacuteficas e exige que o esclarecimento dos sujeitos se faccedila em linguagem acessiacutevel ao seu niacutevel socio-cultural dos mesmos (BRASIL 2013)

A obtenccedilatildeo do CI no exerciacutecio das praacuteticas de sauacutede eacute proacutepria das uacuteltimas deacutecadas e caracteriza o aperfeiccediloamento da eacutetica nesse setor constituindo-se como um requerimento obrigatoacuterio na pesquisa que envolve seres humanos em espe-cial na investigaccedilatildeo cliacutenica Uma vez que estudos cliacutenicos re-querem um recrutamento significativo de participantes e satildeo desenvolvidos em sua maioria mediante procedimentos inva-sivos eacute necessaacuterio um cuidado mais detalhado no cumprimen-to dos princiacutepios eacuteticos da pesquisa durante todo o transcorrer do estudo (SILVA OLIVEIRA e MUCCIOLI 2005)

Esse tipo de estudo eacute desenvolvido em todo o Mundo e no Brasil registra crescimento constatado com a criaccedilatildeo da Rede Nacional de Pesquisa Cliacutenica (RNPC) em 2005 cujo objetivo eacute a consolidaccedilatildeo desse tipo de busca no Paiacutes e o incremento da produccedilatildeo cientiacutefica e tecnoloacutegica em todo o Territoacuterio Nacio-nal (BRASIL 2011)

Vale destacar o fato de que a crescente participaccedilatildeo do Brasil no cenaacuterio da pesquisa cliacutenica eacute descrita natildeo soacute em es-tudos cliacutenicos nacionais como tambeacutem em estudos multicecircn-tricos desenvolvidos sempre com base nos princiacutepios estabe-

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lecidos pelo Conselho Nacional de Sauacutede (THIERS SINSKEY e BERNDT 2008)

Esse crescimento traz o reconhecimento do Paiacutes como parceiro em pesquisas multicecircntricas Essa globalizaccedilatildeo dos estudos cliacutenicos no entanto ainda eacute predominante na induacutes-tria farmacecircutica multinacional que expande horizontes em busca de outros centros de pesquisa e ampliando sua capacida-de de recrutamento de pacientes (DAINESI e GOLDBAUM 2012) Esse crescimento natildeo ocorre na mesma proporccedilatildeo quando se trata de estudos cliacutenicos nacionais ou multicecircntri-cos na atenccedilatildeo primaacuteria uma vez que no Brasil essa praacutetica ainda eacute pouco realizada e ateacute mesmo a discussatildeo na literatura sobre o tema eacute escassa

Alguns pontos dificultam a realizaccedilatildeo de estudos cliacutenicos multicecircntricos na atenccedilatildeo primaacuteria e podem ser facilmente percebidos quando se observam a falta de estrutura das uni-dades de sauacutede a ausecircncia de profissionais habilitados a obri-gatoriedade do seguimento das condutas eacuteticas estabelecidas pelos protocolos de pesquisa e a necessidade de adaptaccedilatildeo de documentos eacuteticos como o CI para que possam ser desenvol-vidos estudos deste tipo no Brasil

Apesar das dificuldades enfrentadas no desenvolvimento de uma pesquisa cliacutenica na Atenccedilatildeo Primaacuteria natildeo se pode ne-gar sua importacircncia Nesse sentido o Manual sobre Eacutetica com Seres Humanos (2010) da Prefeitura Municipal de Satildeo Paulo expotildee que ldquopesquisas deste tipo podem produzir resultados re-levantes mas para isso devem sempre indicar como requisito fundamental para sua realizaccedilatildeo a o uso do CI o qual exprime que todo participante deve deixar claro a intenccedilatildeo de contri-buir com o estudo mediante assinatura desse documentordquo

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O Manual ressalta ainda que um dos fatores que muito contribui para o desenvolvimento satisfatoacuterio das pesquisas em sauacutede eacute a boa qualidade da relaccedilatildeo profissional paciente (RPP)

Diversos trabalhos apontam que um bom relacionamento com o profissional aumenta a satisfaccedilatildeo do paciente e a quali-dade do serviccedilo de sauacutede (CAPRARA e RODRIGUES 2004)

Tendo por base as consideraccedilotildees retroexpostas observa-se que ante contexto eacutetico da pesquisa com seres humanos o CI aparece sempre como um elemento essencial ao desenvol-vimento das pesquisas em sauacutede e a RPP como ferramenta de maacutexima importacircncia para sua obtenccedilatildeo Assim este es-tudo teve como objetivo verificar qual a influecircncia da RPP para obtenccedilatildeo do Consentimento Informado e permanecircncia do paciente em uma pesquisa cliacutenica desenvolvida na atenccedilatildeo primaacuteria

MeacuteTODOS

Este eacute um estudo de natureza qualitativa do tipo explo-ratoacuterio e descritivo desenvolvido mediante recorte de uma pesquisa multicecircntrica intitulada Consoacutercio Internacional de Pesquisa em Gestatildeo de Risco Avaliaccedilatildeo e Vigilacircncia em Den-gue (IDAMS) financiada pela Uniatildeo Europeia e envolvendo seis paiacuteses Vietnatilde Malaacutesia Indoneacutesia Camboja Alemanha e o Brasil (CearaacuteFortaleza) Que tinha como objetivo identificar o diagnoacutestico precoce e diferencial entre dengue claacutessica e gra-ve distinguindo-as de outras doenccedilas febris em ateacute 72h apoacutes o iniacutecio da febre no Serviccedilo de Atenccedilatildeo Primaacuteria

O experimento foi realizado na Unidade de Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (UAPS) Paracampos unidade de sauacutede

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localizada no bairro Mondubim da cidade de Fortaleza-CE e vinculada agrave Secretaacuteria Executiva Regional V da Prefeitu-ra Municipal Aescolha desta UAPS se deu pelo fato de seus profissionais meacutedicos e enfermeiros terem participado de um treinamento em boas praacuteticas cliacutenicas o que os tornou aptos a colaborarem no atendimento aos pacientes do IDAMS

A coleta dos dados ocorreu nos meses de marccedilo e junho de 2013 por meio de observaccedilotildees participantes diaacuterios de campo e entrevistas A populaccedilatildeo foi composta pelos profis-sionais e pacientes cadastrados no IDAMS o que permitiu a composiccedilatildeo de uma amostra de 15 pacientes e dois profissio-nais constituindo 17 colaboradores

Para anaacutelise dos dados foi utilizada como ferramenta de organizaccedilatildeo o software Qualitative Solutions Research Nvivo (QSR) versatildeo 20 que corresponde a um software desenvolvi-do para realizar a organizaccedilatildeo e codificaccedilatildeo de dados qualitati-vos Desenvolvida pela Universidade de La Trobe Melbourne Austraacutelia este programa ajuda na administraccedilatildeo e siacutentese das ideias dos pesquisadores e fornece a possibilidade de acrescen-tar modificar ligar e cruzar dados originados de documentos textuais (FERREIRA e MACHADO 1999)

Apoacutes realizada a codificaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo dos dados pelo software QSR Nvivo foi efetuada a anaacutelise temaacutetica dos temas provindos dessa organizaccedilatildeo jaacute que essa teacutecnica eacute consi-derada apropriada para as investigaccedilotildees qualitativas em sauacutede (MINAYO 2010)

Foram levadas em consideraccedilatildeo as exigecircncias contidas na Resoluccedilatildeo nordm 46612 que atualmente regulamenta os as-pectos eacutetico-legais da pesquisa com seres humanos Aos par-ticipantes foram asseguradas a autonomia natildeo maleficecircncia beneficecircncia anonimato privacidade e o direito agrave desistecircncia

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em qualquer etapa da pesquisa Foi solicitada aos participan-tes a assinatura do Termo de Consentimento Informado apoacutes os devidos esclarecimentos sobre esse documento (BRASIL 2007)

ACHADOS E DISCUSSOtildeES

Neste seguimento estatildeo os achados obtidos nas entrevis-tas e observaccedilotildees bem como se promove uma discussatildeo ba-seada nas reflexotildees procedidas Buscou-se compreender por meio das falas e observaccedilotildees de que forma a RPP contribuiu para a assinatura e a permanecircncia do participante em um de-terminado estudo cliacutenico

Na sequecircncia satildeo indicadas as categorias constituiacutedas apoacutes submissatildeo do material coletado no campo de estudo agraves etapas da anaacutelise do software N-VIVO tendo por base os ob-jetivos delineados Satildeo elas PROCURA POR ASSISTEcircNCIA e ACOLHIMENTO E SATISFACcedilAtildeO DO USUAacuteRIO

Procura por Assistecircncia

O foco desta discussatildeo nesse momento se volta breve-mente para a dengue por ser essa a doenccedila acompanhada pelo IDAMS e por ser essa a enfermidade responsaacutevel pela procura de assistecircncia na referida unidade de estudo

A Atenccedilatildeo Primaacuteria oferece um atendimento que utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade para resolver os problemas de sauacutede de maior frequecircncia e de rele-vacircncia em seu territoacuterio A intensidade e o modo de utilizaccedilatildeo desse niacutevel de atenccedilatildeo no entanto estatildeo relacionados agrave capaci-dade de a pessoa se avaliar em seu estado de sauacutede assim como

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suas expectativas e necessidades de sauacutede O relativo grau de autonomia que possui tambeacutem colabora com esta determina-ccedilatildeo (GOLDBAUM GIANINI NOVAES e CEacuteSAR 2005)

A disparidade entre os princiacutepios do SUS e a realidade vi-venciada pelos usuaacuterios da Atenccedilatildeo Primaacuteria favorece a busca pelos serviccedilos de sauacutede apenas quando eacute realmente necessaacuterio

Assim notou-se que a procura pelo serviccedilo de sauacutede mui-tas vezes ocorre pela necessidade real de atendimento a qual pode ser percebida pela presenccedila de sinais e sintomas seja de dengue de qualquer outra doenccedila ou de uma alteraccedilatildeo que requeira cuidados Isto acarreta em uma maior predisposiccedilatildeo do paciente a aceitar o tratamento que for sugerido pelo pro-fissional mesmo que terapia esteja vinculada a estudos cien-tiacuteficos como o que ocorreu com os participantes do IDAMS ao relatarem que inicialmente aceitaram participar do estudo cliacutenico por meio da assinatura do CI em razatildeo da presenccedila dos sintomas de dengue e da promessa da garantia de receber as-sistecircncia conforme o relato apresentado

[] Assinei [o consentimento] porque eu tava tatildeo mal mesmo e eu queria era ser aten-dida eu estava ruim queria ser atendida por-que eu natildeo consegui nem andar direito era febre e vocircmito direto aiacute eu assinei o [consen-timento][] (ANA)

[] Assinei [o consentimento] por que eu tava doente neacute e a [profissional] disse que eu ia fazer os exames pra saber se era den-gue e se fosse fazia o tratamento aqui no posto aiacute assinei [consentimento] porque eu tava doente e queria saber realmente o que era que eu tinha Eacute ruim demais essa doenccedila tava de cama pra se levantar era um sacrifiacutecio [] (JOANA)

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Foi possiacutevel perceber que essa necessidade e busca por cuidado estavam presentes nos pacientes que aceitaram par-ticipar do IDAMS Deixaram claro em suas falas que a adesatildeo agrave pesquisa se deu porque estavam agrave procura de solucionar as necessidades de sauacutede jaacute que a pesquisa oferecia essa possibi-lidade de forma integral diaacuteria e sem a necessidade de per-correr grandes distacircncias para chegar ao serviccedilo por isso eles decidiam assinar o documento CI como se pode identificar

[] Eu assinei [o consentimento] justamen-te por estar doente por que eacute uma garantia de ser atendida aqui perto de casa [] (ANA PAULA)

[] Porque eu achei interessante ia fazer os exames tudo aqui mesmo no posto por-que se eu tivesse com a dengue mesmo ia ser acompanhada aqui mesmo neacute [] (JOSEFA)

A realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas na Atenccedilatildeo Primaacute-ria eacute uma praacutetica bem comum entretanto quando se fala em pesquisa cliacutenica essa praacutetica deixa de ser tatildeo comum e passa a ser um desafio jaacute que a pesquisa cliacutenica ainda eacute objeto de preconceito principalmente em paiacuteses perifeacutericos A origem deste preconceito eacute justificada pelo histoacuterico de certos estudos cientiacuteficos altamente condenaacuteveis do ponto de vista eacutetico (LA-CATIVA et al 2008)

Por diversas razotildees - como falta de estrutura de incen-tivo financeiro e ateacute de profissionais qualificados - natildeo eacute tatildeo comum a realizaccedilatildeo de estudos cliacutenicos na atenccedilatildeo primaacuteria Quando essa praacutetica ocorre um dos motivos se natildeo o principal deles que levam os pacientes a aderir ao estudo no momento que chegam ao serviccedilo em busca de atendimento eacute sem duacutevi-das a busca pela cura

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[] Eu assinei [o consentimento] porque eu queria ficar boa porque queria fazer o tra-tamento Eacute muito ruim vocecirc taacute doente sem poder fazer nada Eu fui bem atendida mas mesmo que natildeo tivesse sido eu tinha assina-do por que eu queria era ficar boa [] (MAR-TA)

[] Todo mundo do posto foi muito legal comigo mas primeiramente minha sauacutede neacute eu tava preocupada comigo neacute queria ficar boa aiacute assinei o [consentimento] [] (MARIA)

A anaacutelise dos dados junto aos participantes do IDAMS revelou a busca e a necessidade de cuidados como fatores pri-mordiais para a adesatildeo ao estudo o que pode ser facilmen-te identificado nas falas dos entrevistados Corroborando os resultados encontrados e referidos pelos participantes apre-senta-se os achados provenientes do discurso dos profissio-nais envolvidos responsaacuteveis pela implantaccedilatildeo e conduccedilatildeo do IDAMS em uma unidade da Atenccedilatildeo Primaacuteria

[] O paciente assina o [consentimento] porque ele ta num momento que ele quer atenccedilatildeo ele quer cuidado entatildeo assim de qualquer forma vocecirc explica esclarece a pes-quisa mais eu tenho duacutevida se ele compreen-de realmente a importacircncia da pesquisa [] ele quer participar dessa pesquisa por que ele vai ter o cuidado vai ter atenccedilatildeo durante o estar na pesquisa [] (JOAQUINA)

[] A gente explica que ele vai ter um acom-panhamento tanto faz ele ta na pesquisa quanto natildeo A gente explica que eacute uma pes-quisa muito importante pra sauacutede [] Que

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eacute uma coisa que vai beneficiar o ser humano [] Mas na verdade o que leva ele a assinar eacute por que ele acha que tem uma garantia de assistecircncia que vai ser atendido diariamente [] (PAULA)

Os profissionais expuseram suas concepccedilotildees sobre adesatildeo ao IDAMS em suas falas as quais convergem para a formaccedilatildeo de uma demanda participativa que possui necessidade expliacuteci-ta e expressa de sauacutede Na visatildeo e experiecircncia dos profissionais o paciente acredita que esta necessidade pode ser garantida eou sanada pela participaccedilatildeo no estudo Assim a obtenccedilatildeo do consentimento informado envolve fatores diretamente rela-cionados agraves condiccedilotildees de sauacutede e doenccedila das pessoas agrave busca pelo cuidado ao acesso a exames consultas e acompanhamen-to profissional

Eacute inegaacutevel que as necessidades de assistecircncia e a busca por atendimento profissional implicam a procura pelo serviccedilo de sauacutede e como a garantia de acesso a tal assistecircncia influencia de forma significativa a participaccedilatildeo das pessoas em um deter-minado estudo cliacutenico Esta afirmaccedilatildeo pode ser visualizada nas falas dos participantes e profissionais do IDAMS aqui repro-duzidas conforme mencionado anteriormente ficando claro que a adesatildeo ao estudo pode ser percebida pelos pacientes e pelos profissionais como a garantia de resoluccedilatildeo dos proble-mas de sauacutede

Acolhimento e Satisfaccedilatildeo do Usuaacuterio

Existem vaacuterias definiccedilotildees de acolhimento o que revela os muacuteltiplos sentidos e significados atribuiacutedos a esse termo No setor sauacutede pode-se dizer que o acolhimento eacute uma praacutetica presente em todas as relaccedilotildees de cuidado nos encontros en-

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tre trabalhadores de sauacutede e usuaacuterios nos atos de receber e escutar as pessoas podendo acontecer de formas variadas na praacutetica constitutiva das relaccedilotildees de cuidado (BRASIL 2011)

O acolhimento na Atenccedilatildeo Primaacuteria deve conduzir os processos de trabalho em sauacutede de forma a atender a todos os que procuram o serviccedilo mediante a escuta de seus pedidos e de uma atitude acolhedora com capacidade de natildeo apenas escutar mas tambeacutem de dar respostas adequadas aos usuaacuterios

Nesse funcionamento o acolhimento deixa de ser accedilatildeo contingente na produccedilatildeo da sauacutede e se multiplica em inuacuteme-ras outras accedilotildees contando para isso com o apoio de uma RPP adequada para que se estabeleccedila um viacutenculo entre paciente e profissional (BRASIL 2006)

O estabelecimento dessa boa relaccedilatildeo permite que se esta-beleccedila um viacutenculo entre os envolvidos ampliando a eficaacutecia das accedilotildees de sauacutede e favorecendo a participaccedilatildeo do usuaacuterio durante a prestaccedilatildeo do serviccedilo (SCHIMITH e LIMA 2004)

Vale lembrar que o efeito terapecircutico produzido por uma boa relaccedilatildeo profissional-paciente eacute reconhecido haacute bastante tempo e que quando bem estabelecida essa relaccedilatildeo passa a ter uma importacircncia fundamental para a adesatildeo agraves propostas terapecircuticas e para o sucesso das intervenccedilotildees contribuindo para as diversas formas de cuidado agrave sauacutede inclusive nas ques-totildees cientiacuteficas como as pesquisas cliacutenicas (SUCUPIRA 2007)

Se no primeiro momento a RPP natildeo se mostrou rele-vante na adesatildeo ao estudo IDAMS ao tratar da permanecircncia do paciente no estudo a boa qualidade da RPP se manifestou com o elemento fundante e indispensaacutevel contribuindo indis-cutivelmente para a conduccedilatildeo do IDAMS inclusive para que muitos dos participantes permanecessem ateacute o final Eacute possiacutevel

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identificar nas falas Fato de que a qualidade RPP surge como fator influenciador na permanecircncia do paciente no estudo cliacute-nico

[] Eu cheguei no posto me acabando de fe-bre e dor em todo canto tudo que eu queria era ficar boa aiacute eu assinei [o consentimento] soacute que eu fui muito bem atendida pelos [pro-fissionais da pesquisa] perguntavam o que que eu tinha o que tava sentindo me explica-vam tudo conversavam comigo ligavam pra saber como eu tava fui muito bem tratada E quem eacute que natildeo gosta de ser bem tratada Se eu tivesse sido mal tratada mal atendida eu natildeo tinha voltado natildeo eu tinha procurado outro canto ou entatildeo tinha passado os dias em casa Com certeza eu ter sido bem trata-da bem cuidada influenciou eu ter ficado na pesquisa ateacute o fim [] e foi por que eu levei um monte de furada Se fosse pra participar de outra pesquisa nesse posto eu fazia tudo de novo [] (MARIA)

Com base no acompanhamento do processo de desenvol-vimento do IDAMS foi possiacutevel identificar por via das ob-servaccedilotildees e das entrevistas a real influecircncia da RPP na cola-boraccedilatildeo dos pacientes nos mais variados tipos de tratamento mesmo que este seja oferecido por meio de uma pesquisa cien-tiacutefica que esteja agrave procura de uma forma para diagnoacutestico e tra-tamento de uma doenccedila a caso do estudo IDAMS a dengue

[] Desde o primeiro dia que eu cheguei aqui no posto me atenderam muito bem Quando eu cheguei aqui correram tudo pra cima de mim conversaram comigo me ex-plicaram da pesquisa perguntaram o que eu tava sentindo fiz os exame tudim colo-

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caram soro ficaram me acompanhando de vez em quando ia laacute na sala perguntar se eu tava melhor se a dor de cabeccedila tinha passado todo tempo foram umas pessoas muito legais comigo Eu achei um atendimento excelen-te aiacute pronto por causa disso eu fiquei vindo todo dia ateacute o fim melhor de que ir pra outro canto que natildeo sabia como ia ser atendida neacute Quando elas conversavam comigo eu achava oacutetimo mostrava compromisso querendo sa-ber se eu fiquei boa como eacute que tava como num estava Achei excelente o jeito que [as profissionais] me trataram se fosse hoje eu participava de novo [] (JOANA)

A importacircncia de um viacutenculo e da comunicaccedilatildeo pode ser percebida num relato em que a paciente expotildee a importacircncia destes em seu sentido mais humanizado e completo ao ponto de levar agrave priorizaccedilatildeo de um serviccedilo de sauacutede a outro

[] Eu assinei [o consentimento] porque eu tava muito doente e queria ficar boa mais eu gostei de como me trataram de como con-versaram comigo explicaram [a pesquisa] bem direitinho tiveram cuidado comigo aiacute eu fiquei vindo ate o final ateacute depois de fi-car boa [] se eu tivesse sido mal atendida eu tinha procurado outro canto neacute mesmo eu tendo assinado [o consentimento] mesmo eu estando com febre e com dor eu natildeo tinha mais vindo ruim por ruim fico em casa [] tinha feito como fiz laacute no hospital num fui mais nem laacute por que nem olharam pra mi-nha cara direito me jogaram numa sala com um monte de gente vocecirc natildeo sabe nem o que aquelas pessoas tem aliaacutes num eacute nem uma sala eacute um corredor com um monte de pa-

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ciente gente de todo jeito [] aiacute eu disse vou mim boraacute que aqui eu vou ficar eacute pior [] aiacute fui pra casa depois vim pro posto aqui fiquei na observaccedilatildeo tomei soro os [profissionais] de vez em quando ia laacute saber como era que eu tava conversar comigo aiacute fiz os exames to-mei remeacutedio e fui melhorando chegava aqui jaacute conhecia todo mundo [] (ANTOcircNIA)

De acordo com Possama e Dacoreggio (2008) a comuni-caccedilatildeo eacute um dos pilares da RPP e um instrumento essencial no trabalho do profissional e na promoccedilatildeo da sauacutede Com efeito o diaacutelogo facilita o estabelecimento das relaccedilotildees entre ambos e desde o momento em que o paciente se acha respeitado e toma consciecircncia de sua importacircncia como agente da proacutepria sauacutede ele passa natildeo soacute a cuidar melhor de si como tambeacutem a con-tribuir com as accedilotildees desenvolvidas na unidade de sauacutede Isso tem efeito positivo e direto sobre a sua sauacutede a sauacutede de toda a sociedade e a produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico como ex-potildeem os autores Percebeu-se com base no uacuteltimo depoimen-to acima que a qualidade da RPP ajuda a definir a trajetoacuteria a permanecircncia e os fluxos do paciente entre os serviccedilos de sauacutede

Costa e Azevedo (2010) ensinam que as interaccedilotildees dos pacientes com o profissional natildeo estatildeo relacionadas apenas agrave satisfaccedilatildeo durante uma visita que por si jaacute eacute complexa mas tambeacutem com a colaboraccedilatildeo ao tratamento

Essa colaboraccedilatildeo tambeacutem se evidenciou nas entrevistas com os profissionais atuantes no IDAMS jaacute que a percepccedilatildeo destes no que diz respeito agrave adesatildeo e a permanecircncia no estu-do colaboram com a percepccedilatildeo dos pacientes ficando claro que os profissionais tambeacutem natildeo associam a RPP agrave adesatildeo ao estudo mas quando se refere agrave permanecircncia as falas dos pro-fissionais expotildeem de forma evidente essa influecircncia

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[] essa boa relaccedilatildeo eu acho que natildeo influen-cia na assinatura do Consentimento Infor-mado entatildeo eu acho que o assinar o aderir ao estudo natildeo influencia natildeo Agora pra per-manecer na pesquisa influencia eu acho que quando vocecirc tem uma boa relaccedilatildeo quando cria um vinculo com paciente influencia de-mais os que permaneceram mesmo sem ser da minha equipe criou-se um vinculo por causa da pesquisa por que a gente fica ven-do conversa Eles ficam surpresos por que no dia a dia natildeo eacute esse a metodologia do pro-cesso de trabalho natildeo eacute esse de conversas se importar entatildeo cria viacutenculo e influencia sim na permanecircncia na pesquisa [] (PAULA)

Eacute possiacutevel perceber a importacircncia do investimento na RPP bem como o quanto um simples diaacutelogo desde que acompanhado pela atenccedilatildeo pode ser valorizado pelos que es-tatildeo doentes Esta reflexatildeo deve acompanhar o profissional sob a forma de um respeito maior por aqueles que seratildeo tratadosacompanhados

O estabelecimento de um viacutenculo e de uma empatia entre paciente e profissional eacute por demais importante por permitir que o primeiro fique mais seguro e disposto a colaborar Costa e Azevedo (2010) explicaram que a familiaridade a confianccedila e a colaboraccedilatildeo que surgem graccedilas a uma boa RPP tecircm im-portacircncia fundamental para a efetividade dos processos diag-noacutesticos terapecircuticos e cientiacuteficos indispensaacuteveis ao resultado da arte de cuidar

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Eacute inegaacutevel a importacircncia das pesquisas cliacutenicas para o avanccedilo da Ciecircncia pois diversas doenccedilas e agravos foram e

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podem vir a ser diagnosticados controlados e ateacute curados gra-ccedilas a elas Eacute certo que esse tipo de estudo em virtude da sua evoluccedilatildeo histoacuterica necessita de um seguimento eacutetico rigoroso desde a sua composiccedilatildeo ateacute a publicaccedilatildeo dos resultados

As pesquisas cliacutenicas costumam em sua maioria indepen-dentemente do niacutevel de atenccedilatildeo em que sejam realizadas ser demoradas requerendo um acompanhamento do participan-te Nesse sentido a adesatildeo e permanecircncia no IDAMS foram observadas sob a oacuteptica da influecircncia da relaccedilatildeo profissional-paciente que se mostrou a princiacutepio sem grande relevacircncia

Durante as entrevistas profissionais e participantes reite-raram a ideia de que a adesatildeo ao IDAMS natildeo estava relacio-nada agrave presenccedila de um viacutenculo e sim com a busca de cuidados especializados Ao tratar da permanecircncia no estudo ficou cla-ra a existecircncia significativa da valorizaccedilatildeo da RPP nessa cola-boraccedilatildeo no transcorrer do IDAMS em especial das mulheres

Assim a RPP deve ser cada vez mais estimulada tendo sido possiacutevel perceber a relevacircncia do viacutenculo estabelecido entre profissional e paciente se a princiacutepio natildeo existia uma valorizaccedilatildeo desse viacutenculo com o transcorrer do IDAMS essa valorizaccedilatildeo foi surgindo e se fortalecendo contribuindo para o desenvolvimento do estudo cliacutenico

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PARTE 2

DENGUE PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL PRAacuteTICAS E SUAS

INTERFACES

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CAPIacuteTULO 5

IMPLANTAccedilAtildeO DA ECOSSAUacuteDE NO CON-TROLE DA DENGUE IMPLICAccedilOtildeES DA PAR-TICIPAccedilAtildeO SOCIAL

Joana Mary Soares NobreAndrea Caprara

Ana Carolina Rocha PeixotoIlvana Lima Verde Gomes

Rosilea Alves de Souza

INTRODUccedilAtildeO

Em tempos remotos jaacute se pensava na relaccedilatildeo sauacutede-ambiente e seus desdobramentos na deter-minaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das doenccedilas (GOUVEIA 1999) A situaccedilatildeo de desequiliacutebrio ambiental favorece a vulnerabili-dade individual e local tornando-se cada vez mais suscetiacutevel aos desastres naturais e ao surgimento de pragas ou epidemias (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009) Enquanto natildeo houver a compreensatildeo das relaccedilotildees modo de produccedilatildeo-consumo e ambiente-sauacutede fica difiacutecil o equiliacutebrio entre a atividade econocircmica e a preservaccedilatildeo ambiental como tambeacutem o desenvolvimento sustentaacutevel e qualidade de vida no Planeta (RIGOTTO 2002 RIOS DERANI 2005 SIQUEIRA MORAES 2009)

A Organizaccedilatildeo Panamericana de Sauacutede (2009) trouxe agrave tona as complexas relaccedilotildees causais entre mudanccedilas ambien-tais e sauacutede humana geradas pela degradaccedilatildeo dos ecossiste-mas que constituem os serviccedilos de suporte para as diversas formas de vida incluindo a espeacutecie humana (CORVALAN

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HALES MICHAEL 2005 FORANTINI 1992 ORGANIZA-CcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009) Estas repercus-sotildees advindas dos desgastes da interaccedilatildeo sauacutede-ambiente satildeo beneficiadas pela condiccedilatildeo socioeconocircmica desfavoraacutevel que impulsiona a pobreza e as iniquidades socioambientais po-dendo suscitar implicaccedilotildees indesejaacuteveis para a qualidade de vida humana

Reflexo das grandes transformaccedilotildees promovidas pela expansatildeo mundial da civilizaccedilatildeo urbano industrial o esgota-mento dos recursos naturais natildeo ocorre isoladamente pois o homem tambeacutem sofre as consequecircncias maleacuteficas dos maus tratos dos ecossistemas caracteriacutesticas do modelo de desenvol-vimento vigente (PAacuteDUA 2002) Na contramatildeo do panorama vigente procura-se o equiliacutebrio entre a atividade econocircmica e a preservaccedilatildeo ambiental fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel com uma perspectiva de igualdade entre as diver-sas geraccedilotildees (RIOS E DERANI 2005)

Na ocupaccedilatildeo das cidades modernas dos paiacuteses em desen-volvimento como o Brasil as condiccedilotildees ambientais e o com-portamento humano satildeo favoraacuteveis agrave ocorrecircncia de muitas doenccedilas e lesotildees inclusive a dengue o que justifica a necessi-dade de estudar e intervir sobre novos problemas bem como abordar os antigos problemas em uma perspectiva integrado-ra nas praacuteticas da Sauacutede Puacuteblica (BARCELLOS 2006 COS-TA TEIXEIRA 1999)

Desta forma o panorama brasileiro configura-se vulne-raacutevel aos fatores condicionantes para a proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti vetor transmissor da dengue ante o clima tropical metroacutepoles com densidade populacional elevada dificuldades dos sistemas de sauacutede desigualdades sociais saneamento baacutesi-co ineficiente violecircncia conduta do ser humano elevada pro-

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duccedilatildeo de lixo e materiais descartaacuteveis meios por demais adep-tos ao ciclo bioloacutegico viacuterus-vetor-homem Assim o controle vetorial eacute a uacutenica opccedilatildeo para proteger o homem (LOPEZ et al 2012 MINAYO et al 2000 SERPA et al 2010 TEIXEIRA et al 2009 COSTA TEIXEIRA 1999)

Componente do cenaacuterio nacional de epidemias de den-gue o Estado do Cearaacute no periacuteodo de 1987 a 2012 registrou seis epidemias da doenccedila Nos trecircs uacuteltimos surtos de dengue estaduais pelo menos 167 (90) municiacutepios tiveram trans-missatildeo da doenccedila (SESA 2013) Sua capital Fortaleza que possui a maior densidade demograacutefica do Paiacutes clima tropical condiccedilotildees socioambientais favoraacuteveis agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti acompanha as condiccedilotildees de epidemia no Estado que no periacuteodo de 2007 a 2012 expressou uma distribuiccedilatildeo de sur-tos epidecircmicos predominantes em relaccedilatildeo aos registros esta-duais com um percentil de 63 das confirmaccedilotildees de dengue (SESA 2012)

Nesta conjuntura os enfoques ecossistecircmicos em sauacutede oferecem proeminecircncia nos paiacuteses da Ameacuterica Latina consti-tuindo um potencial para os modos de compreensatildeo e busca de soluccedilotildees na Sauacutede Puacuteblica e por conseguinte exigindo uma anaacutelise criacutetica de suas limitaccedilotildees (OPAS 2009)

Para Gomes e Minayo (2006) o enfoque ecossistecircmico da sauacutede humana busca a vinculaccedilatildeo interdisciplinar da sauacutede e do ambiente por meio do desenvolvimento cientiacutefico e tecno-loacutegico estabelecido e efetivado conjuntamente com gestores puacuteblicos privados a sociedade civil e as populaccedilotildees locais com vistas a seis princiacutepios pensamento sistecircmico transdis-ciplinaridade participaccedilatildeo social equidade social e de gecircnero sustentabilidade e conhecimento para atuar O enfoque ecos-sistecircmico eacute trazido ainda por Minayo e Miranda (2002) Lebel

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(2005) como tentativa desafiadora de promover uma mudan-ccedila do paradigma antropocecircntrico e de dominaccedilatildeo de acordo com a ocupaccedilatildeo dos grandes centros

Gomes e Minayo (2006) descreveram entre as vantagens da abordagem integrada principalmente no Canadaacute o envol-vimento dos diversos agentes sociais com a participaccedilatildeo social

Mediante a complexidade dos problemas de Sauacutede Puacutebli-ca a participaccedilatildeo tornou-se um processo inclusivo de varia-dos agentes em prol de direitos e funccedilotildees de bens e serviccedilos na s ociedade e na tarefa de promover a sauacutede da populaccedilatildeo sem questionar a participaccedilatildeo como condiccedilatildeo de conquista e garantia de direitos como sauacutede alimentaccedilatildeo transporte mo-radia educaccedilatildeo e trabalho (OLIVEIRA 2009 STRECK 2010) Houve inclusive a valorizaccedilatildeo da participaccedilatildeo dos cidadatildeos como o melhor modo de tratar das questotildees do meio ambiente (THOMASI 2011)

Em tese as formas de participaccedilatildeo social podem es-tar relacionadas tanto agrave histoacuteria como ao regime de governo (DONADONE GRUN 2001) No Brasil despontaram com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 fruto de uma articula-ccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas e sociais que possibilitou a inovaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico (ESCOREL MOREIRA 2009) Desde entatildeo a participaccedilatildeo da comunidade passou a ser um dos requisitos fundamentais (DANTAS et al 2009) Essa participaccedilatildeo ora exprime potencialidade ora limitaccedilatildeo pois as accedilotildees de sauacutede nem sempre estatildeo situadas de forma ordenada e continuam do ponto de vista operativo poliacutetico ou institucional (ORGANI-ZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 1991)

Dentre alguns desafios metodoloacutegicos fundamentais no relacionado agrave participaccedilatildeo social Minayo (2010 p141) consi-derou que ldquoo conceito de participaccedilatildeo eacute muito mais amplo que

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o da participaccedilatildeo comunitaacuteria incluindo nas reflexotildees e accedilotildees gestores puacuteblicos poliacuteticos e cidadatildeosrdquo

Conceitualmente a participaccedilatildeo popular eacute apontada como indispensaacutevel na condiccedilatildeo de controle de endemias especial-mente no caso da dengue cujo principal vetor estaacute associado intimamente aos modos de vida e moradia nas aacutereas urbanas logo o enfrentamento dessas enfermidades natildeo apenas admite mas requer o envolvimento comunitaacuterio (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 1991) No acircmbito familiar ela possui funccedilatildeo instrumental e pedagoacutegica pois proporcio-na a formaccedilatildeo de haacutebitos participativos e se acredita que os tornem habilitados a reproduzir em outras relaccedilotildees sociais uma praacutetica de valorizaccedilatildeo do puacuteblico e do coletivo (ESCO-REL MOREIRA 2009) Putnam (1996) entende o capital so-cial como um elemento-chave para o desenvolvimento social e econocircmico poreacutem defende a ideia de que a participaccedilatildeo natildeo deve ser naturalizada como algo positivo em si mesmo tam-pouco desvinculado das relaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteti-cas

Dada a importacircncia do assunto realizou-se a pesquisa com o objetivo de analisar a participaccedilatildeo social na implanta-ccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico em sauacutede humana- ecossauacutede no controle da dengue

METODOLOGIA

Este constituiu um ensaio de natureza qualitativa no acircm-bito de um marco conceitual mais amplo caracterizado por Pesquisa Multicecircntrica 2 financiada por UNICEFIDRC amp UNDPWorld BankWHO Special Programme for Research 2 PesquisamulticecircntricaldquoEco-Bio-SocialsobreDengueeDoenccediladeChagasnaAmeacute-

ricaLatinaenoCaribe

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amp Training in Tropical Diseases (TDR) Realizou-se em cin-co bairros do Municiacutepio de Fortaleza (Parreatildeo Messejana Quintino Cunha Joseacute Walter e Passareacute) com o diferencial da abordagem de ecossauacutede no controle da dengue no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013

Minayo (2010 p 57) relata que a abordagem qualitativa ldquose aplica ao estudo da histoacuteria das relaccedilotildees das represen-taccedilotildees das crenccedilas das percepccedilotildees e das opiniotildees produtos das interpretaccedilotildees que os humanos fazem a respeito de como vivem constroem seus artefatos e a si mesmos sentem e pen-samrdquo

A investigaccedilatildeo dos cinco agregados evidenciou distintas condiccedilotildees espaciais sociais econocircmicas ambientais cultu-rais infraestruturais (saneamento baacutesico) e de lideranccedilas co-munitaacuterias e por conseguinte uma conjuntura urbana pe-culiar agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti para a transmissatildeo da dengue Essa condiccedilatildeo associada agrave implantaccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico no controle da dengue disponibilizou rica fonte de coleta de dados por meio de trecircs principais teacutecnicas de co-leta de dados anaacutelise documental - diaacuterios de campo produzi-dos pelos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados observa-ccedilatildeo sistemaacutetica dos agregados nos bairros Parreatildeo e Passareacute e entrevista aplicada junto aos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados a fim de ajuntar mais subsiacutedios agrave anaacutelise de dados

Examinou-se 55 diaacuterios de campo e pocircde-se observar o total de cinco devolutivas 40 encontros e accedilotildees 747 atores sociais participantes nenhum agregado possuiacutea lideranccedila co-munitaacuteria formal um agregado demonstrou iacutendice elevado de recusas Registrou-se ainda cinco entrevistas abertas e 12 ob-servaccedilotildees sistemaacuteticas na sequecircncia catalogou-se os dados que prevaleceram no material coletado

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Com suporte na esquematizaccedilatildeo dos documentos por agregado que conteve as respectivas informaccedilotildees - agentes sociais presentes e seus comentaacuterios existecircncia de lideranccedila comunitaacuteria relatos de recusas situaccedilotildees socioeconocircmicas e populacionais poliacuteticas de controle da dengue de gestatildeo am-biental assim como a percepccedilatildeo dos pesquisadores- foi permi-tida a contextualizaccedilatildeo do comportamento dos atores sociais eevidenciou a participaccedilatildeo na abordagem integrada no con-trole da dengue

Para a anaacutelise do material qualitativo optou-se pela moda-lidade de anaacutelise de conteuacutedo assim conceituada por Minayo (2010 p 303)

Diz respeito a teacutecnicas de pesquisa que permi-tem tornar replicaacuteveis e vaacutelidas as inferecircncias sobre dados de um determinado contexto por meio de procedimentos especializados e cientiacuteficos [] busca a interpretaccedilatildeo cifrada do material de caraacuteter qualitativo

Os sujeitos da pesquisa compreenderam os profissionais de controle de endemias supervisores de endemias (SE) e agente de controle de endemia (ACE) educadores em sauacutede (ES) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) Profissionais do PSF - enfermeira (Enf) Profissionais do NASF moradores (M) e pesquisadores (P)

Na realizaccedilatildeo desta pesquisa obedeceu-se agrave Resoluccedilatildeo 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL 2012) Para manter o anonimato dos participantes utilizou-se as letras iniciais dos atores sociais seguidas de um algarismo araacutebico sequencial de acordo com a especificidade de cada funccedilatildeo pre-sente nos encontros e accedilotildees dos cinco agregados

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RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Este estudo focou na participaccedilatildeo social um dos princiacute-pios da ecossauacutede pois se considera importante aprofundar as discussotildees sobre situaccedilotildees problemas identificadas durante os encontros as quais apresentam estreita relaccedilatildeo com fatores ecobiossociais locais agentes sociais presentes falta de interes-se da populaccedilatildeo recusa lixo aacutegua que de certa forma depen-dem dos cuidados da populaccedilatildeo e dos oacutergatildeos puacuteblicos poreacutem sem a intenccedilatildeo de restringir a dimensatildeo desse enfoque

A implantaccedilatildeo da abordagem em ecossauacutede no controle da dengue no Municiacutepio de Fortaleza demonstrou implica-ccedilotildees surgidas na realidade investigada em que a participaccedilatildeo social atingiu parcela miacutenima de agentes (profissionais de en-demias sociedade civil educadores em sauacutede trabalhadores e profissionais de sauacutede) ante o potencial de cada agregado e dos demais setores concernentes ao contexto complexo da doenccedila (REZENDE DANTAS 2009)

Historicamente a participaccedilatildeo social na aacuterea da sauacutede se mostra de vaacuterias formas (1) beneficiaacuterio (2) contribuiccedilatildeo para a promoccedilatildeo da sauacutede (3) participaccedilatildeo comunitaacuteria e por fim (4) visatildeo mais complexa de participaccedilatildeo em sauacutede que reco-nhece as pessoas No que concerne ao crescente interesse da Gestatildeo Puacuteblica local pela introduccedilatildeo da participaccedilatildeo dos ci-dadatildeos tanto na Ameacuterica Latina quanto na Europa ocidental dizem respeito agrave crise do Estado que viu a participaccedilatildeo como estrateacutegia organizacional para controlar a burocracia ineficien-te e passou a ser modelo como de Gestatildeo Puacuteblica em prol da renovaccedilatildeo das relaccedilotildees Governo-Sociedade (MILANI 2008)

Outros fatores condicionantes para a participaccedilatildeo social destacados por Escorel e Moreira (2009) foram os aspectos

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culturais - idade sexo camada social grau e tipo de instruccedilatildeo e de fatores psicossociais como normas e valores de ponde-raccedilotildees sobre os custos e benefiacutecios e as caracteriacutesticas- per-sistecircncia dedicaccedilatildeo disciplina resiliecircncia organizaccedilatildeo auto-compreensatildeo coerecircncia dos objetivos autocriacutetica reflexatildeo as quais associadas a um espaccedilo favoraacutevel permitiratildeo a cultura de participaccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo dos valores democraacuteticos na sociedade

No concernente agraves especificidades dos atores sociais fica-ram aqueacutem dos relatos de Minayo (2002) Dantas e Rezende (2009) quando falaram da inclusatildeo dos gestores puacuteblicos dos poliacuteticos dos empresaacuterios e de todos os outros atores para buscar um processo de articulaccedilatildeo com base em correspon-sabilidade cogestatildeo compromisso sustentabilidade e parti-cipaccedilatildeo (DANTAS REZENDE 2009) Isto porque a partici-paccedilatildeo social deve incluir os gestores puacuteblicos os poliacuteticos os empresaacuterios e todos os outros agentes individuais e coletivos envolvidos direta ou indiretamente com o problema (MINA-YO 2002)

Esse contexto pode ter influenciado o comportamento dos atores sociais durante as intervenccedilotildees da abordagem em ecossauacutede haja vista a representaccedilatildeo de apenas algumas cate-gorias sobremaneira em cenaacuterios com histoacuterico de lideranccedilas comunitaacuterias menor niacutevel socioeconocircmico e condiccedilotildees mais favoraacuteveis agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti

As discussotildees dos grupos durante os encontros realizados obedeceram tambeacutem agrave oacuterbita do reduzido envolvimento dos agentes em relaccedilatildeo aos convites feitos tanto pelos agentes de endemias como pelos moradores e pesquisadores e cogitou-se como justificativa falta de interesse recusa ao acesso do agente agraves residecircncias poder aquisitivo mais alto e lideranccedila

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comunitaacuteria inexistente ou pouco proativa mostrando o quatildeo desafiante foram promover a participaccedilatildeo social no processo de implantaccedilatildeo do enfoque ecossistecircmico em sauacutede humana Destacou-se um agregado com maior poder aquisitivo

Ficou 30 das casas sem visita pela recusa ou domiciacutelio sem ningueacutem quando o limite seria 10 Em muitas casas as pessoas estatildeo em casa e natildeo abrem ou pedem para vir depois Sem falar que agraves vezes a gente eacute expulso como cachorro (SE - 1)

No tocante agrave recusa pensou-se ainda na falta de informaccedilatildeo referida por Vaacutezquez etal (2005) ao considerarem a informaccedilatildeo fundamental para o reconhecimento dos me-canismos como alternativa para a atuaccedilatildeo unida aos serviccedilos podendo ser amplamente explorada pela miacutedia E ressaltado pelo mo-rador

Por causa daquela casa que recusou pode chegar a atingir o bairro todo O problema eacute tudo isso aiacute Eu tenho apenas uma suges-tatildeo que os meios de comunicaccedilatildeo tarem re-forccedilando essa recusa aiacute Essa recusa eacute a parte mais importante Soacute os agentes de sauacutede natildeo vatildeo resolver esses problemas Os meios de comunicaccedilatildeo satildeo importantes Se cada pro-grama tivesse o alerta de deixar o agente en-trar Aiacute sim (M -11)

Como propoacutesito de reverter este quadro de rejeiccedilatildeo con-siderou-se tambeacutem a integraccedilatildeo do trabalho de campo dos agentes de controle de endemias agentes comunitaacuterios de sauacute-de e educador em sauacutede para visitas aos domiciacutelios agraves escolas associaccedilotildees igrejas catoacutelicas e evangeacutelicas solicitando a adesatildeo dos seus liacutederes aleacutem de capacitaccedilatildeo dos profissionais de con-

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trole de endemias no concernente agrave formaccedilatildeo direcionada agrave abordagem no domiciacutelio

Essa dimensatildeo da miacutedia dada pelo morador para solucio-nar as recusas natildeo eacute explicitada pelo PNCD (2002) uma vez que preconiza a comunicaccedilatildeo social tem como objetivo divul-gar e informar sobre as accedilotildees de Educaccedilatildeo Em Sauacutede e mobi-lizaccedilatildeo social para mudanccedila de comportamento e de haacutebitos da populaccedilatildeo buscando evitar a presenccedila e a reproduccedilatildeo do Aedes aegypti nos domiciacutelios - ponto relevante e que poderia ser categoacuterico para a reduccedilatildeo de recusas

Haacute 16 anos Oliveira (1998) jaacute defendeu a ideia de que a mudanccedila de haacutebito do sujeito estaacute centrada na ampliaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais Portanto as propagandas por si natildeo representam real possibilidade de mudanccedila pois em ocasiotildees da pesquisa notou-se que os agentes detinham co-nhecimento poreacutem natildeo o aplicavam no dia a dia

Em vaacuterios momentos da pesquisa observou-se a ldquodistacircn-ciardquo da populaccedilatildeo relativamente ao controle da dengue e con-siderou-se como ldquofalta de interesserdquo podendo ser fruto da so-cializaccedilatildeo poliacutetica destacada em Bobbio Matteuci e Pasquino (1991) dos fatores culturais e psicossociais (ESCOREL MO-REIRA 2009) jaacute mencionados e da violecircncia e das condiccedilotildees socioeconocircmicas comportamento que se observa nos relatos a seguir

Divulguei o que estaacutevamos fazendo para a comunidade mas muitos natildeo queriam nem escutar soacute observar o que poderia haver de benefiacutecios para eles proacuteprios (ACS -1)

A maior dificuldade encontrada foi em rela-ccedilatildeo agrave comunidade onde as pessoas se recu-saram a participar da reuniatildeo conseguimos

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apenas uma moradora entatildeo resolvemos chamar os trabalhadores da escola (que esta-vam laacute) e que residem no bairro para partici-par da devolutiva (P - 8)

Refletiu-se igualmente que essa situaccedilatildeo pode estar rela-cionada com a histoacuteria recente de democratizaccedilatildeo da sauacutede no Paiacutes ou ainda pelo ensino de haacutebitos considerados adequados agrave populaccedilatildeo com base nos preceitos biologicistas atuando na pessoa dissociando-a da escola e do territoacuterio (DANTAS et al 2009)

Se o que se busca eacute a participaccedilatildeo da sociedade brasileira na tomada de decisotildees deve-se realizar amplas campanhas de educaccedilatildeo ao puacuteblico a comeccedilar pelos direitos da populaccedilatildeo com informaccedilatildeo a respeito do funcionamento do SUS Essas campanhas devem orientar-se aos proacuteprios serviccedilos ndash cuja atuaccedilatildeo tem uma forte influencia a atuaccedilatildeo popular Como passo inicial no entanto necessaacuterio embora natildeo suficiente haacute de se garantir o acesso ao atendimento agrave sauacutede (VAZQUEZ et al 2003)

As questotildees de carecircncia de saneamento baacutesico como abastecimento de aacutegua rede de esgotamento sanitaacuterio e coleta de lixo foram marcantes nos agregados de niacutevel socioeconocirc-mico mais baixo Esses serviccedilos precaacuterios representam alto risco para a sauacutede e satildeo fatores que favorecem a degradaccedilatildeo do meio ambiente (FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DE SAUacuteDE ndash FUNASA 2004)

Tal situaccedilatildeo eacute replicada na pesquisa conforme comentaacute-rios

As pessoas precisam estocar aacutegua porque natildeo existe um sistema de tratamento de aacutegua (NASF -2)

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Algo que me chamou muita atenccedilatildeo no Quintino foi a enorme quantidade de arma-zenamento de aacutegua Em todos os domiciacutelios que visitamos existia aacutegua armazenada uns de forma correta outras natildeo (P - 9)

Na eacutepoca da chuva natildeo tem quem consiga en-trar na rua devido ao acuacutemulo de aacutegua (P -6)

Quando a coleta seletiva do lixo funcionar de fato ldquovai serrdquo diminuiacuteda vaacuterias doenccedilas oriundas do lixo (M -7)

Na ocasiatildeo da devoluccedilatildeo dos resultados da pesquisa os problemas apontados no grupo focal foram o lixo colocado fora do dia da coleta jogado na correnteza da chuva no quintal sem lideranccedila comunitaacuteria a recusa (8) devido agrave aacuterea de melhor condiccedilatildeo cri-minalidade ou dona de casa sozinha [] Foi sugerido a participaccedilatildeo dos educadores em sauacutede nas reuniotildees (P -7)

A sugestatildeo de colocar um container na via para evitar o acuacutemulo de lixo pelas ruas irri-tou M -6 que falou ldquoeu natildeo aceito de forma nenhuma pois a populaccedilatildeo natildeo tem educa-ccedilatildeo nem higiene e natildeo vatildeo fazer bom uso do containerrdquo Outros temas foram discutidos como condutas de vizinhos ausentes terreno baldio Percebeu-se que estas questotildees levan-tadas pela comunidade satildeo assuntos ligados tambeacutem agrave Gestatildeo Puacuteblica da cidade de For-taleza (P -6)

Isso posto restou denotada a complexidade em solucio-nar problemas intimamente ligados agrave baixa condiccedilatildeo socioe-conocircmica Precisaria contar com a participaccedilatildeo e integraccedilatildeo de agentes sociais ligados diretamente ao planejamento e exe-

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cuccedilatildeo de programas voltados para a questatildeo econocircmica favo-recendo agrave elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas

Melo e Pasqualetto em 2009 referiram que eacute difiacutecil elimi-nar completamente os casos de dengue mas natildeo eacute impossiacutevel o controle eacute mais faacutecil seu controle desde que haja interesse por parte de todos comunidade e oacutergatildeos de combate deve-se daacute maior atenccedilatildeo agrave elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de projetos para saneamento baacutesico

O controle do vetor da dengue o mosquito Aedes aegyp-ti consiste em medidas contra as larvas e os mosquitos adul-tos Seus criadouros principais satildeo produzidos pelos seres humanos pois consistem em reservatoacuterios artificiais de aacutegua (TAUIL 2006) mas ainda existem pessoas que natildeo se preo-cupam em eliminar os criadouros e esperam soacute pelo controle quiacutemico

No que tange agrave lideranccedila comunitaacuteria na implantaccedilatildeo da ecossauacutede para o controle da denguenatildeo foi observada parti-cipaccedilatildeo ativa principalmente nos locais com pessoas de maior poder aquisitivo

O contexto descrito requer a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de soluccedilotildees integradas que levem em consideraccedilatildeo os aspec-tos ambientais ecoloacutegicos poliacuteticos sociais culturais e eco-nocircmicos e que envolvam populaccedilotildees locais pesquisadores e gestores de aacutereas diversas (AUGUSTO et al 2005) Estruturas organizacionais como comunidades de praacuteticas e iniciativas de lideranccedilas tecircm um grande papel a desempenhar em apoio agrave constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do campo de ecossauacutede (PASSO et al 2013)

Em recentes avaliaccedilotildees promovidas pela FUNASA quanto ao processo de descentralizaccedilatildeo das accedilotildees de epidemiologia e controle de doenccedilas com a participaccedilatildeo dos gestores estaduais

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e municipais constatou-se a necessidade de melhorar a capa-cidade para a detecccedilatildeo e correccedilatildeo oportuna de problemas que interferem diretamente na efetividade das accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue (PNCD 2002)

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

A inserccedilatildeo no contexto da participaccedilatildeo social como prin-ciacutepio e intervenccedilatildeo da abordagem ecossauacutede para o controle da dengue ensejou o conhecimento de um conjunto de im-plicaccedilotildees limitantes que se mostraram ao longo do processo Podem ter ocorrido por influecircncia dos aspectos proacuteprios dos agentes sociais e determinantes nas formas diferenciadas de agir no controle da dengue como singularidade sobre o pris-ma cultural socioeconocircmico e de produccedilatildeo social

Assim verificou-se a importacircncia de aprofundar estudos que busquem entender a percepccedilatildeo de cada agente sobre o seu papel nas accedilotildees de controle da dengue favorecendo uma aproximaccedilatildeo com a real participaccedilatildeo social Partindo desse conhecimento acredita-se que seraacute possiacutevel percorrer novos caminhos na compreensatildeo e promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social no controle da dengue e por sua vez na implantaccedilatildeo da abor-dagem ecossistecircmica em sauacutede humana

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CAPIacuteTULO 6

PARTICIPAccedilAtildeO SOCIAL E EQUIDADE DE GecircNERO NO CONTROLE DA DENGUE UM PROCESSO DE IMPLANTAccedilAtildeO DA ECOS-SAacuteUDE

Joana Mary Soares NobreAndrea Caprara

Krysne Kelly de Franccedila Oliveira Ana Carolina Rocha Peixoto

INTRODUccedilAtildeO

Houaiss (2010) trouxe o sentido de participaccedilatildeo como fa-zer parte em um evento fazer as pessoas saberem de algo no sentido de comunicar Social que inclui o contato entre as pes-soas e sociedade um agrupamento de pessoas que vivem em colaboraccedilatildeo muacutetua Essa amplitude de significados situa a par-ticipaccedilatildeo como intriacutenseca agrave vida em sociedade natildeo deixando de indicar as contradiccedilotildees nas relaccedilotildees indiviacuteduocoletividade e ao papel mais ou menos ativopassivo de quem participa (ES-COREL MOREIRA 2009)

Os autores consideraram que a participaccedilatildeo embora em situaccedilotildees diacutespares eacute caracterizada pela valorizaccedilatildeo de conta-tos espaccedilos foacuteruns mais bem compartilhados e mais puacuteblicos Nessas condiccedilotildees deve ser estruturada no contexto histoacuterico e social Com essa origem enseja que a pessoa tenha maior con-trole sobre a situaccedilatildeo que lhe afeta direta ou indiretamente e a sociedade onde convive

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A participaccedilatildeo pressupotildee mais espiacuterito puacute-blico do que atitudes voltadas para a afirma-ccedilatildeo de interesse pessoal onde a cidadania implica direitos e deveres para todos e se manteacutem unida por relaccedilotildees horizontais de reciprocidade e confianccedila e natildeo por relaccedilotildees verticais de autoridade e dependecircncia (PUT-NAM 1996 p102)

A participaccedilatildeo social no Brasil despontou com a promul-gaccedilatildeo da Carta Magnade 1988 fruto da articulaccedilatildeo de forccedilas poliacuteticas e sociais que garantiu inovaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico (ESCOREL MOREIRA 2009) Desde aiacute a participaccedilatildeo da comunidade passou a ser um dos requisitos fundamentais (DANTAS et al 2009)

Conceitualmente participaccedilatildeo social em sauacutede foi de-finida como algo inclusivo de variados atores em prol de di-reitos e usufrutos de bens e serviccedilos na sociedade e na tarefa de promover a sauacutede da populaccedilatildeo (OLIVEIRA 2009) Streck (2010) ensina que a participaccedilatildeo eacute condiccedilatildeo para a conquista e a garantia de direitos como sauacutede alimentaccedilatildeo transporte moradia educaccedilatildeo e trabalho

O enfoque ecossistecircmico considera o conceito de parti-cipaccedilatildeo social mais amplo do que participaccedilatildeo comunitaacuteria e inclui os gestores puacuteblicos poliacuteticos empresaacuterios e outros agentes individuais e coletivos envolvidos direta ou indire-tamente com o problema valorizando a participaccedilatildeo dos que vivem os problemas ambientais e de sauacutede no seu cotidiano (MINAYO 2002)

Escorel e Moreira (2009) consideraram que o ponto de partida para a participaccedilatildeo social eacute a pessoa buscar intervir na situaccedilatildeo concreta e histoacuterica em que vive construindo-se

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como sujeito social e estaacute condicionada aos fatores idade sexo camada social grau e tipo de instruccedilatildeo e psicossociais como normas e valores ponderaccedilotildees sobre os custos e bene-fiacutecios

A participaccedilatildeo popular eacute apontada como indispensaacutevel na condiccedilatildeo de controle de endemias especialmente no caso da dengue cujo principal vetor estaacute associado intimamente aos modos de vida e moradia nas aacutereas urbanas Por tal motivo o enfrentamento das endemias natildeo apenas admite mas tambeacutem requer o envolvimento comunitaacuterio (ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DE SAUacuteDE 2009)

Um dos grandes desafios agrave sauacutede puacuteblica na atualidade eacute o controle da dengue Seu mosquito transmissor de maior im-portacircncia o Aedes aegypti combina alto grau de adaptabilida-de ao ambiente e ao controle quiacutemico realizado agrave facilidade de manutenccedilatildeo de sua espeacutecie proporcionada por potenciais cria-douros existentes no espaccedilo urbano atual dentre outros fatores

Souzaet al (2012) consideraram que dois terccedilos da popu-laccedilatildeo estejam suscetiacuteveis agrave dengue Esta eacute caracterizada como uma doenccedila febril aguda causada por um flaviviacuterus designa-do viacuterus dengue que apresenta quatro sorotipos (DENV 1 DENV 2 DENV 3 e DENV 4) A ausecircncia de uma vacina faz do Aedes aegypti o principal alvo de controle centrando-se em seus estaacutedios larvaacuterios e quando necessaacuterio no mosquito adulto (CAVALCANTI 2013) Sua alta incidecircncia estaacute tradi-cionalmente relacionada inclusive aos aspectos climaacuteticos e densidade demograacutefica (TEIXEIRA et al 2009)

A dimensatildeo epidemioloacutegica dessa doenccedila demonstra elementos bioloacutegicos ecoloacutegicos poliacuteticos e econocircmicos tra-duzindo um problema complexo fato que supotildee um enfoque sistecircmico para seu controle que leve em consideraccedilatildeo as inter

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-relaccedilotildees desses fatores e que envolva os diversos atores sociais (SANTOS AUGUSTO 2011 AUGUSTO et al 2005)

No contexto histoacuterico de combate agrave dengue no Brasil o modelo claacutessico de controle prioriza uso de pesticidas con-firmados ineficazes na atualidade Defende-se uma mudanccedila de paradigma que propotildee um modelo de accedilatildeo baseado na abordagem ecossistecircmica descentralizado e participativo que integra educaccedilatildeo contiacutenua vigilacircncia epidemioloacutegica e ento-moloacutegica aleacutem da intervenccedilatildeo ambiental (AUGUSTO et al 2005) E ainda preconiza a participaccedilatildeo social e a formaccedilatildeo de lideranccedilas no acircmbito comunitaacuterio que promovam accedilotildees seguindo a peculiaridade do contexto local (SANTOS AU-GUSTO 2011) [] O arcabouccedilo conceitual e metodoloacutegico dos enfoques em ecossauacutede representa grande oportunidade para melhorar as estrateacutegias dessa problemaacutetica de maneira mais eficaz e com melhores relaccedilotildees custo-benefiacutecio (PASSO et al 2013)

Em conformidade destaca-se o princiacutepio da equidade de gecircnero da abordagem em ecossauacutede Caprara et al (2006) evi-denciaram a relevacircncia das questotildees de gecircnero no controle da dengue junto aos fatores ecobiossociais que afetam a dinacircmica de transmissatildeo da doenccedila em Fortaleza Nordeste do Brasil com foco na urbanizaccedilatildeo dinacircmicas comunitaacuterias e respon-sabilidade poliacutetica

As relaccedilotildees de gecircnero e a divisatildeo de tarefas influenciam na percepccedilatildeo de doenccedilas endecircmicas como a dengue Eacute impor-tante o resgate do sentimento de coletividade mediante des-mistificaccedilatildeo da culpa individual e a formaccedilatildeo de redes de cui-dado como estrateacutegias a serem promovidas nas comunidades independentemente do sexo da pessoa (WINCH et al 1994 BRITO 2000 GIFFIN 2002 e LEBEL 2003)

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Para Augusto et al (2005) eacute necessaacuterio mudar o foco da participaccedilatildeo do niacutevel da famiacutelia-domiciacutelio para o niacutevel da famiacutelia como rede social incorporando as diversas relaccedilotildees sociais Eles defendem uma atuaccedilatildeo integrada envolvendo as muacuteltiplas redes sociais para viabilizar uma eficiente accedilatildeo cole-tiva no controle do vetor ao niacutevel do bairro ou da comunida-de somado ao envolvimento dos setores privados e puacuteblicos responsaacuteveis pela gestatildeo de aacutereas que oferecem condiccedilotildees fa-voraacuteveis para a proliferaccedilatildeo dos mosquitos sem desprezar as potencialidades especiacuteficas de cada gecircnero

Desse modo o estudo objetivou analisar a participaccedilatildeo social na implantaccedilatildeo da ecossauacutede no contexto da dengue respeitando e valorizando a questatildeo do gecircnero na proposta de integrar as estrateacutegias de controle da dengue na perspectiva de possibilitar uma transformaccedilatildeo social e histoacuterica da recorrecircn-cia de surtos epidecircmicos da enfermidade

METODOLOGIA

Estudo de natureza exploratoacuteria com enfoque de anaacuteli-se qualitativa que se situou dentro de um marco conceitual mais amplo caracterizado por uma Pesquisa Multicecircntrica 3 financiada por UNICEFIDRC amp UNDPWorld BankWHO Special Programme for Research amp Training in Tropical Di-seases (TDR)

Minayo (2010 p 57) relatou que a abordagem qualitativa ldquose aplica ao estudo da histoacuteria das relaccedilotildees das representa-ccedilotildees das crenccedilas das percepccedilotildees e das opiniotildees produtos das interpretaccedilotildees que os humanos fazem a respeito de como vi-vem constroem seus artefatos e a si mesmos sentem e pensamrdquo 3 PesquisamulticecircntricaldquoEco-Bio-SocialsobreDengueeDoenccediladeChagasnaAmeacute-

ricaLatinaenoCaribe

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O estudo foi realizado em cinco bairros do municiacutepio de Fortaleza (Parreatildeo Messejana Quintino Cunha Joseacute Walter e Passareacute) no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013 Estes fizeram parte da pesquisa multicecircntrica e tiveram como dife-rencial a abordagem de ecossauacutede dentro do contexto tiacutepico no tocante ao controle da dengue e aos fatores ecobiossociais intriacutensecos de cada agregado investigado

A investigaccedilatildeo dos cinco agregados evidenciou distintas condiccedilotildees espaciais sociais econocircmicas ambientais culturais infraestruturais (saneamento baacutesico) e de lideranccedilas comuni-taacuterias e por conseguinte uma conjuntura urbana peculiar agrave proliferaccedilatildeo do Aedes aegypti para a transmissatildeo da dengue Essa condiccedilatildeo associada ao processo de implantaccedilatildeo do enfo-que ecossistecircmico no controle da dengue disponibilizou rica fonte de coleta de dados por meio de trecircs principais teacutecnicas de coleta de dados anaacutelise documental - diaacuterios de campo produ-zidos pelos pesquisadores responsaacuteveis nos agregados obser-vaccedilatildeo sistemaacutetica dos agregados nos bairros Parreatildeo e Passareacute a fim de ajuntar mais subsiacutedios agrave anaacutelise de dados

Examinou-se 55 diaacuterios de campo e 12 observaccedilotildees siste-maacuteticas As informaccedilotildees prevalecentes permitiram a contex-tualizaccedilatildeo do comportamento dos atores sociais clareando a participaccedilatildeo relacionada agrave equidade de gecircnero nos momentos da abordagem integrada no controle da dengue Para a anaacutelise do material qualitativo optou-se pela modalidade de anaacutelise de conteuacutedo que busca a interpretaccedilatildeo cifrada do material de caraacuteter qualitativo (MINAYO 2010)

Os sujeitos da pesquisa compreenderam os profissionais de controle de endemias supervisores de endemias (SE) e agente de controle de endemia (ACE) os educadores em sauacute-de (ES) os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) enfermeira

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(Enf) e os moradores (M) Para manter o anonimato dos par-ticipantes elencou-se as iniciais dos atores sociais seguidas de um algarismo araacutebico sequencial de acordo com a especifici-dade de cada funccedilatildeo presente nos encontros e accedilotildees dos cinco agregados

Na realizaccedilatildeo desta pesquisa obedeceu-se agrave Resoluccedilatildeo 46612 do Conselho Nacional de Sauacutede (BRASIL 2012) e a aprovaccedilatildeo do projeto guarda-chuva pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute com o nuacutemero de Protocolo 09553425-3

RESULTADOS E DISCUSSAtildeOO estudo para implantaccedilatildeo da abordagem ecossauacutede foi

constituiacutedo por 54 pessoas sendo 27 mulheres e 27 homens inseridos nas diversas categorias participantes durante a in-vestigaccedilatildeo que compreendeu cinco bairros do Municiacutepio de Fortaleza-CE no periacuteodo de 2012-2013 Na meacutedia geral da categoria morador prevaleceu o sexo feminino Jaacute na ca-tegoria de profissionais de endemias -agentes de controle de endemias supervisores de endemias e educadores em sauacutede obteve-se maior nuacutemero de homens nas duas iniciais Consi-derando os profissionais e trabalhadores de sauacutede implicados no processondash PSF NASF e ACS houve predomiacutenio do sexo feminino Essas categorias seratildeo explicitadas nos resultados e nas discussotildees

MoradoresO puacuteblico de moradores presente aos encontros realiza-

dos para implantaccedilatildeo da ecossauacutede correspondeu a um total de 20 pessoas em que o gecircnero feminino atingiu 13 partici-pantes (65 )

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Em consonacircncia com o resultado atual Gonccedilalves et al (2012) detectaram uma maior disposiccedilatildeo do sexo feminino na contribuiccedilatildeo com seu estudo Para eles a sociedade atribui as responsabilidades de cuidados com a casa ao sexo feminino o que pode contribuir com a baixa participaccedilatildeo e interesse dos homens aleacutem do fato de a pesquisa ter ocorrido geralmente no horaacuterio de expediente

Diaz et al (2009) observaram que a participaccedilatildeo de mu-lheres chegou a 70 o que possibilitou as pessoas da mesma comunidade se organizarem voluntaacuteria e livremente em prol da vigilacircncia e controle das condiccedilotildees ambientais que podem ocasionar a transmissatildeo da dengue aleacutem de educaccedilatildeo dos resi-dentes sobre ecossauacutede

A aparente facilidade de abordar mulheres em estudos que favoreccedilam seu envolvimento e participaccedilatildeo no tocante agrave sauacutede mais especificamente no controle da dengue pode ter relaccedilatildeo com sua presenccedila marcante no ambiente domeacutestico pois a mulher ainda exerce inuacutemeras funccedilotildees dentro do domi-ciacutelio como cuidar dos filhos do homem e da proacutepria residecircn-cia (BRITO 2011) Isto faz da mulher uma figura em potencial para o controle do Aedes aegypti desde a rotina domiciliar para evitar seus possiacuteveis criadouros (CLARO et al 2004)

Matos (2012) ressaltou que para ocorrer uma participa-ccedilatildeo significativa no controle da dengue eacute necessaacuterio o envol-vimento dos atores nas praacuteticas propostas pela abordagem de ecossauacutede Detectou no entanto baixa adesatildeo da comunida-de independentemente do gecircnero ante os convites feitos agrave co-munidadepara participar das reuniotildees

Costa et al (2011) constataram que nos anos de 2008 e 2009 o sexo feminino foi o mais acometido por dengue apre-sentando em sua maioria as formas mais graves dengue com

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complicaccedilotildees e choque Os dados corroboram a ligaccedilatildeo da permanecircncia da mulher no ambiente domeacutestico e as caracte-riacutesticas domeacutesticas do vetor facilitando o evento (BARONI OLIVEIRA 2009)

As informaccedilotildees mencionadas demonstram a relevacircncia do envolvimento da mulher nas estrateacutegias de controle da den-gue embora a equidade de gecircnero seja buscada neste processo Accedilotildees direcionadas ao puacuteblico feminino podem trazer impli-caccedilotildees positivas no sentido de envolver o homem de forma indireta ou posteriormente e por fim abranger toda a famiacutelia no contexto da dengue

Profissionais de Endemias

A categoria de profissionais de endemias situou o puacutebli-co masculino no topo 18 pessoas (69) O grupo de agentes de controle de endemias (ACE) configurou sete participantes (3888) do puacuteblico masculino Jaacute o grupo dos supervisores de endemias demostrou interesse em participar da pesquisa re-presentado por oito homens (4444) e trecircs mulheres Quan-to ao grupo dos educadores em sauacutede houve uma quantidade aproximada nas participaccedilotildees cinco pessoas do sexo feminino e trecircs do sexo masculino (1666) apontando predominacircncia feminina

Matos (2012) demonstrou que o agente de endemias eacute comprometido com as questotildees referentes agrave dengue e buscou a adesatildeo da comunidade Poreacutem referiu frustraccedilatildeo devido agrave participaccedilatildeo diminuta da comunidade sem diferenciar o pre-domiacutenio de homens ou mulheres

Oliveira (2004) configurou o universo masculino e jo-vem desses profissionais de controle da dengue Jaacute Maia et

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al (2013) mostraram outra realidade - a atuaccedilatildeo de homens e mulheres no controle de endemias no Municiacutepio de NatalRN com 50 de representaccedilatildeo feminina Acredita-se que o maior envolvimento de homens nessa profissatildeo eacute motivado pelo trabalho que requer o enfrentamento de situaccedilotildees que envolvem uso da forccedila perigo o que favorece a notoacuteria pre-senccedila de homens nessa funccedilatildeo Reforccedilada por Santana (2012) que referiu relatos da rotina de trabalho dos agentes experiecircn-cias com assaltos e a transporte da escada ao percorrer grandes distacircncias casa a casa

Eacute consenso o fato de que cada agente de endemias esteja ligado diretamente ao supervisor de aacuterea que faraacute o elo entre os agentes e o supervisor geral O uacuteltimo tem a funccedilatildeo de pla-nejamento acompanhamento supervisatildeo e avaliaccedilatildeo das ati-vidades operacionais de campo demonstrando conhecimento dos recursos teacutecnicos empregados na vigilacircncia e controle do Aedes aegypti (SECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2007) e eacute claro a importacircncia dos su-pervisores no controle da dengue em razatildeo inclusive do seu poder de decisatildeo e envolvimento com a gestatildeo com vistas a promover novas discussotildees acerca de inovaccedilotildees metodoloacutegi-cas de controle eacute que se torna premente a sua participaccedilatildeo nas accedilotildees em ecossauacutede

Outro agente com papel fundamental no controle da den-gue eacute o educador em Sauacutede Gabriel (2013) mencionou que

[] o educador em sauacutede tem a funccedilatildeo de fa-cilitador das descobertas e reflexotildees dos indi-viacuteduos sobre os aspetos a modificar levando em consideraccedilatildeo a relaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e o ambiente envolvente estimulando-os a agir sobre as proacuteprias vidas

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Esse autor referiu tambeacutem que o desenvolvimento de profissionais qualificados competentes na aacuterea de Educaccedilatildeo em Sauacutede eacute importante pois afeta o desenvolvimento da pro-moccedilatildeo da sauacutede Esses profissionais requerem novos conheci-mentos e ideias para a accedilatildeo minimizando os efeitos do modelo tradicional de controle do dengue pois

[] o conhecimento cientificamente produ-zido no campo da sauacutede intermediado pelos profissionais de sauacutede atinge a vida cotidia-na das pessoas uma vez que a compreensatildeo dos condicionantes do processo sauacutede-doen-ccedila oferece subsiacutedios para a adoccedilatildeo de novos haacutebitos e condutas de sauacutede (ALVES 2005 p 43)

Um ponto que chamou a atenccedilatildeo foi agrave crenccedila de que a mobilizaccedilatildeo popular eacute tarefa exclusiva do educador em sauacute-de Sabe-se este papel eacute de todas as classes trabalhadoras e da populaccedilatildeo em geral - situaccedilatildeo valorizada por Gomes e Mina-yo (2006) quando descreveram como uma das vantagens da abordagem integrada o envolvimento dos diversos atores so-ciais empoderando sujeitos com base na participaccedilatildeo social

Acredita-se que para o controle da dengue eacute necessaacuterio percorrer caminhos alternativos observar o enfoque mul-tidisciplinar somado aos programas tradicionais em curso possibilitando resultados com maiores eficiecircncia e eficaacutecia (QUINTERO et al 2009) aspiraccedilatildeo esta suscitada pelo ES3 que sugeriu fazer encontros intersetoriais a fim de proporcio-nar maior envolvimento da comunidade

Supotildee-se que mergulhar na praacutetica da intersetorialidade traz uma seacuterie de dificuldades a principal seria o intensivo viacutenculo com a formaccedilatildeo verticalizada modelo biomeacutedico he-

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gemocircnico Lima e Vilasbocircas (2011) expressaram para o avan-ccedilo das praacuteticas intersetoriais compromisso coletivo governa-mental e equipe condutora responsaacutevel pelo trabalho Oliveira (1998) defendeu a ideia de que a mudanccedila de haacutebito do sujeito estaacute centrada na ampliaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees so-ciais e natildeo a produccedilatildeo de mais informaccedilotildees

Trabalhadores e Profissionais de Sauacutede

Essa categoria representou a participaccedilatildeo iacutenfima dos tra-balhadores e profissionais de sauacutede no estudo sob relatoacuterio que se distribuiacuteram nos grupos agente comunitaacuterio de sauacutede (ACS) programa de sauacutede da famiacutelia (PSF) e nuacutecleo de apoio agrave sauacutede da famiacutelia (NASF)

Nos diversos encontros promovidos para a implantaccedilatildeo da abordagem integrada no controle da dengue somente oito pessoas estiveram presentes representando todos os grupos dessa categoria foram seis (75) participantes do puacuteblico fe-minino A representaccedilatildeo do PSF foi surpreendente pois ape-nas uma profissional e cinco (62) pessoas marcaram a pre-senccedila do ACS sendo um homem e quatro mulheres

Mertens (2007) destacou a importacircncia de envolver os agentes de sauacutede que sejam moradores dos bairros onde tra-balham no controle da dengue facilitando os contatos com a comunidade e as accedilotildees de vigilacircncia para que se enraiacutezem nas redes sociais Em nenhum momento dos encontros entretan-to foi referida por esses profissionais a efetivaccedilatildeo da atribuiccedilatildeo do ACS presente nas diretrizes da poliacutetica de controle da den-gue nacional (PNCD 2002)

Acredita-se que a reduzida presenccedila do ACS e dos profis-sionais de sauacutede nos encontros da pesquisa pode ter aconteci-

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do em detrimento da alta demanda do setor sauacutede que deteacutem precaacuteria condiccedilatildeo funcional e de infraestrutura mediante as poliacuteticas puacuteblicas vigentes Assim como a proposta do Progra-ma que insinua a sedimentaccedilatildeo das funccedilotildees para a capacitaccedilatildeo os ACSrsquos nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue e as equipes PSF nas accedilotildees assistenciais para diagnoacutestico e trata-mento das formas graves e hemorraacutegicas da dengue (PNCD 2002)

Na opiniatildeo dos participantes da implantaccedilatildeo da ecossauacute-de a presenccedila do ACS seria uma soluccedilatildeo para a recusa Essa situaccedilatildeo poderia ter sido amenizada se houvesse a unificaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas de trabalho dos agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) e dos agentes de controle de endemias (ACE) Conforme as diretrizes do PNCD (2002) deve-se consolidar a inserccedilatildeo do Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) e do Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e controle da dengue visando principalmente a promover mudanccedilas de haacutebito da comunidade para manter o ambiente domeacutestico livre do Aedes aegypti

Percebeu-se nos comentaacuterios dos participantes o fato de que o ambiente da pesquisa propondo uma abordagem inte-grada despertou o interesse dos agentes em apresentar solu-ccedilotildees e a ter outra perspectiva transpondo a intervenccedilatildeo tradi-cional como se segue

Os agentes de endemia e os agentes comuni-taacuterios devem se ajudar no sentido de facilitar a entrada nas casas [] (ACS - 2)

Essa aacuterea natildeo tem ACS (ACS - 3)

Laacute a comunidade eacute mais acessiacutevel agrave entra-da dos agentes em suas casas [] o contato agente e comunidade eacute muito mais proacuteximo

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uma vez que eacute facilitado pela presenccedila de um liacuteder comunitaacuterio [] (ACS - 3)

Deveria ter uma maior participaccedilatildeo da miacutedia em chamar essa populaccedilatildeo para engajamen-to e controle das accedilotildees [] (SE -2)

[] o mais importante eacute a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo deixar a populaccedilatildeo ciente [] da responsabilidade de cada um [] do ACS ACE [] e tambeacutem da prioridade desse tra-balho o porquecirc de fazer esse trabalho de casa em casa [] que muitas vezes no quarteiratildeo o agente natildeo consegue entrar nem em 10 do quarteiratildeo por quecirc Porque as pessoas natildeo conhecem [] se tivesse uma maior divulga-ccedilatildeo [] junto agrave comunidade (ES -1)

O plano de accedilatildeo natildeo eacute apenas para a dengue e sim com todos os problemas jaacute abordados aqui e que tem que ser um plano contiacutenuo natildeo pode parar (SE -9)

Eacute necessaacuterio que o governo invista na comu-nidade para que ela participe dos encontros e qualquer outra mobilizaccedilatildeo que eacute realizado e que insistir eacute um ponto forte que aos poucos agraves pessoas vatildeo sensibilizando uns aos outros e cada um vai aderindo o que eacute promovido (SE ndash 10)

O SE-4 relatou que sempre nas reuniotildees ine-rentes ao trabalho deles eacute realizado o convite para o comparecimento de um membro da companhia de aacutegua No entanto natildeo haacute o comparecimento de nenhum representante A CAGECE afirma que o abastecimento ine-ficaz estaacute relacionado ao uso clandestino de aacutegua por parte dos moradores dificultando o fluxo da aacutegua (P -12)

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Esse tipo de accedilatildeo provoca no morador a im-portacircncia do cuidado definitivo no que diz respeito ao depoacutesito caixa drsquoaacutegua em funccedilatildeo da doenccedila dengue (ES ndash 4)

Se o abastecimento fosse regular natildeo haveria tanta oferta para o mosquito (SE - 7)

O panorama dos agregados no relacionado agraves categorias profissionais e gecircneros evidenciou que o bairro de Messejana contabilizou o valor miacutenimo de moradores uma mulher assim como o grupo de trabalhadores e profissionais de sauacutede com um ACS do sexo feminino A presenccedila do NASF aconteceu exclusivamente no bairro Quintino Cunha ao passo que o bairro do Passareacute natildeo contabilizou presenccedila dos trabalhadores e profissionais de sauacutede e teve menor nuacutemero de participan-tes Jaacute o bairro Parreatildeo teve o maior nuacutemero de ES e SE com predomiacutenio do sexo masculino que teve a uacutenica participaccedilatildeo do profissional do PSF O Joseacute Walter destacou-se pelo maior nuacutemero de mulheres participantes principalmente na catego-ria de moradores

Dantas et al (2009) no acircmbito histoacuterico relataram que a sauacutede eacute responsabilidade de variados setores da sociedade puacuteblico privado ONGS e a sociedade por meio de accedilotildees in-terdisciplinares e intersetoriais sendo necessaacuterio que se en-volvam na discussatildeo acerca da qualidade de vida individual e coletiva

Assim o desafio que se impotildee conforme os pensamen-tos de Derrida (2001) estaacute na transformaccedilatildeo de uma cidadania acostumada a exigir e a participar de projetos comuns para as-sumir as responsabilidades visto que ainda persistem os con-ceitos tradicionais de participaccedilatildeo - aspiraccedilotildees estas possiacuteveis pelas accedilotildees da abordagem ecossauacutede

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CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

A implantaccedilatildeo da ecossauacutede no controle da dengue cer-tamente recebeu influecircncia dos aspectos de singularidade culturais socioeconocircmicos e de produccedilatildeo social inerentes aos atores sociais considerados determinantes para as novas formas de pensar e agir no controle da dengue assimiladas e evidenciadas pelos participantes Notou-se inclusive que as mulheres moradoras predominaram em algumas categorias e fortaleceram a crenccedila de que satildeo peccedilas-chave para a mobiliza-ccedilatildeo e o envolvimento da comunidade nas accedilotildees de prevenccedilatildeo da doenccedila

Esse panorama denotou a importacircncia da participaccedilatildeo social da atuaccedilatildeo multissetorial e da equidade de gecircnero para a concretizaccedilatildeo da abordagem integrada no controle dessa enfermidade aleacutem dos outros princiacutepios embora a participa-ccedilatildeo social tenha estado aqueacutem do potencial de cada agregado investigado Com arrimo nessa constataccedilatildeo crecirc-se que seraacute possiacutevel percorrer novos caminhos o entendimento e promo-ccedilatildeo da participaccedilatildeo social e equidade de gecircnero pressupostos da ecossauacutede no controle da dengue e por sua vez realccedilar o envolvimento das mulheres como personagens importantes para a soluccedilatildeo efetiva e sustentaacutevel - realidade que estimulou o entendimento da relaccedilatildeo sauacutede e meio ambiente com vistas agrave condiccedilatildeo de contribuir para a Sauacutede Puacuteblica

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CAPIacuteTULO 7

PRAacuteTICAS DE PREVENccedilAtildeO DA DENGUE SOB O OLHAR DAS FAMIacuteLIAS DOS PROFIS-SIONAIS DE SAUacuteDE E DOS ATORES ENVOL-VIDOS NO PROGRAMA DE CONTROLE DO VETOR

Adriana Ponte Carneiro de MatosCyntia Monteiro Vasconcelos Motta

Edina Silva CostaSelma Nunes Diniz

Andrea CapraraFrancisco Joseacute Maia Pinto

INTRODUccedilAtildeO

A dengue representa um desafio para a Sauacutede Puacuteblica sendo considerada doenccedila reemergente e a arbovirose mais comum e mais distribuiacuteda no Mundo (OMS 2009) O aumen-to da prevalecircncia do dengue tem levado as autoridades sanitaacute-rias a considerarem-no como um dos principais problemas de sauacutede puacuteblica de todo o mundo e com isso dispor de recursos para o enfrentamento dessa problemaacutetica

Seguindo uma sazonalidade existe associaccedilatildeo intensa entre as condiccedilotildees climaacuteticas e a incidecircncia da dengue (DO-NALISIO amp GLASSER 2002) de forma que a morbidade estaacute associada positivamente com a estaccedilatildeo chuvosa pois o vetor prolifera mais com uma umidade relativa alta (ARUNACHA-LAM et al 2010) Aleacutem disso as mudanccedilas demograacuteficas e o intenso fluxo migratoacuterio rural-urbano geram o crescimento

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desordenado das cidades e favorecem a proliferaccedilatildeo do vetor com as precaacuterias condiccedilotildees de saneamento baacutesico (BRAGA amp VALLE 2007)

A relaccedilatildeo entre o abastecimento domeacutestico de aacutegua e a presenccedila de vetor tambeacutem eacute um fator relevante pois tanto o fornecimento irregular de aacutegua quanto a falta de aacutegua encana-da podem levar a uma presenccedila maior de criadouros e tam-beacutem o aumento no uso de embalagens descartaacuteveis para pro-dutos industrializados contribui para o acuacutemulo de recipientes que se tornam possiacuteveis focos do mosquito Essas embalagens e outros produtos satildeo descartadas e ateacute mesmo reaproveitadas pela populaccedilatildeo com finalidades diversas e mantidos no espaccedilo domeacutestico quase sempre mal acondicionados em funccedilatildeo das condiccedilotildees precaacuterias dos domiciacutelios (CLARO TOMASSINI ROSA 2004)

Braga e Valle (2007) acentuam que apesar dos esforccedilos puacuteblicos para uma meta de controle da doenccedila a dengue per-manece como endecircmico com esporaacutedicas epidemias no Brasil Mais recentemente Teixeira (2008) refere ainda que dificulda-des em controlar as infecccedilotildees satildeo vislumbradas por diversos paiacuteses como no Brasil evidenciando que o conhecimento cientiacutefico neste campo da prevenccedilatildeo ainda eacute insuficiente para combater esta virose Nesse sentido sabe-se que ainda natildeo se dispotildee de medicamentos especiacuteficos para as pessoas acometi-das por dengue natildeo se dispotildee de vacina segura e eficaz e dessa forma ao longo dos anos o controle desta virose se manteve centrado apenas no combate ao seu vetor

Peacuterez - Guerra et al (2009) confirmam que o controle do mosquito transmissor foi iniciado por meio de uma poliacutetica centralizadora e vertical caracterizada por programas prati-camente militarizados com o uso de inseticidas que combi-

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nados promoveriam a reduccedilatildeo do nuacutemero de criadouros de mosquitos Posteriormente constatou-se que programas com essas caracteriacutesticas natildeo se sustentam ao longo dos anos e das mudanccedilas sociais

Dessa maneira as poliacuteticas de controle do dengue nas Ameacutericas se resumiram ao combate ao vetor o Aedes aegyp-ti uacutenico transmissor com importacircncia epidemioloacutegica nessa regiatildeo Para diminuir os criadouros do vetor o Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2002) preconizou o saneamento ambiental e o controle quiacutemico e propocircs o incentivo agrave participaccedilatildeo co-munitaacuteria com fortalecimento das atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede Verifica-se entretanto que as campanhas educativas centradas na divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees natildeo produzem mu-danccedilas significativas de comportamento apesar de atingirem a populaccedilatildeo proporcionando conhecimento sobre a dengue seus vetores e as medidas de controle

No artigo de Zambrini (2011) sobre as liccedilotildees aprendidas durante a epidemia de dengue de 2009 na Argentina o autor ressalta que na eacutepoca o Paiacutes apresentava condiccedilotildees ambien-tais favoraacuteveis para o estabelecimento do mosquito transmis-sor com zonas urbanas expressando uma densidade popula-cional alta e com empobrecimento das condiccedilotildees de vida e o sistema de vigilacircncia epidemioloacutegica jaacute previa a vulnerabilida-de da populaccedilatildeo A falta de articulaccedilatildeo entre setores desfavo-receu no entanto a abordagem ante os determinantes sociais e a definiccedilatildeo de prioridades

Uma experiecircncia de Schweigmann e colaboradores (2009) com suporte nesse contexto vivenciado na Argentina estimu-lou intervenccedilotildees por meio da articulaccedilatildeo do programa de con-trole do vetor com o setor da Educaccedilatildeo partindo do princiacutepio de que a informaccedilatildeo adequada eacute o fator decisivo (apesar de natildeo

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suficiente) para a apropriaccedilatildeo do conhecimento e no favoreci-mento de adoccedilatildeo de praacuteticas ambientais saudaacuteveis

Em outra experiecircncia com base na temaacutetica da interseto-rialidade Lima amp Vilasbocircas (2011) descrevem a implantaccedilatildeo de accedilotildees intersetoriais para o controle do dengue na Bahia Brasil Os autores defendem a criaccedilatildeo de um comitecirc interse-torial com uma equipe condutora responsaacutevel pelo trabalho a qual tenha capacidade teacutecnica e poliacutetica com as condiccedilotildees de conduzir acompanhar e avaliar as atividades e estimular a articulaccedilatildeo entre os vaacuterios setores dissipando as barreiras disciplinares

Apesar de estudos mais recentes (SOMMERFELD amp KROEGER 2012 ARUNACHALAN et al 2012) somados agraves reflexotildees das experiecircncias de controle da dengue confluiacuterem para o estiacutemulo ao controle pautado na intersetorialidade e na participaccedilatildeo comunitaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que uma mo-bilizaccedilatildeo em Educaccedilatildeo em Sauacutede por si soacute natildeo eacute capaz de pro-duzir mudanccedilas e controlar problemas de sauacutede Para tanto eacute necessaacuterio que o controle da dengue adquira uma visatildeo mais ampla e possa ser atuante nos determinantes ecobiossociais que envolvem essa enfermidade (TEIXEIRA 2008 ARUNA-CHALAM ET AL 2010 TANA et al 2012) E assim os pro-gramas de controle devem levar em consideraccedilatildeo uma vigilacircn-cia epidemioloacutegica eficaz um controle vetorial sustentaacutevel e sobretudo a promoccedilatildeo de accedilotildees de saneamento baacutesico

Na contextura desta realidade questiona-se quais os pa-peacuteis dos vaacuterios atores sociais no cenaacuterio da dengue em Forta-leza Como realizam suas atividades de controle da dengue O que fazem para diminuir os fatores determinantes da dengue Como cada um deles se articula para melhorar o controle da dengue

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Estes questionamentos somados agrave oportunidade de par-ticipaccedilatildeo no Estudo Multicecircntrico - ldquoPesquisa Ecobiossocial sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Ca-riberdquo desenvolvido pela Universidade Estadual do Cearaacute nos instiga a dialogar com os atores sociais com o objetivo de ana-lisar a perspectiva de familiares profissionais de sauacutede e atores do programa de controle do dengue sobre seu papel presente as praacuteticas de prevenccedilatildeo

METODOLOGIAEste eacute um experimento de abordagem qualitativa realiza-

do no periacuteodo de janeiro de 2011 a maio de 2012 com base no protocolo central do Estudo Multicecircntrico ldquoPesquisa Ecobios-social sobre Dengue e Doenccedila de Chagas na Ameacuterica Latina e no Cariberdquo O estudo adotou uma perspectiva antropoloacutegica baseada principalmente em meacutetodos qualitativos e no Brasil a respectiva anaacutelise foi realizada em aacutereas selecionadas do Mu-niciacutepio de Fortaleza-CE

Administrativamente o Municiacutepio de Fortaleza estaacute divi-dido em seis regiotildees cada uma delas sob o comando de uma Secretaria Executiva Regional (SER) Foram selecionadas dez aacutereas para o estudo apoacutes de sorteios de recortes do mapa do Fortaleza de forma que a cada recorte correspondesse uma lo-calidade com cerca de 100 imoacuteveis

Foi realizado um total de 66 visitas observacionais nos domiciacutelios correspondentes e 31 entrevistas foram gravadas e transcritas e as observaccedilotildees-participantes bem como as con-versas informais com os moradores da aacuterea foram anotadas em diaacuterios de campo e posteriormente codificadas analisadas e interpretadas

Para complementar foram realizados grupos focais para cada aacuterea do estudo agrupando as categorias de atores sociais

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investigadas familiares profissionais de sauacutede (Equipe de Sauacute-de da Famiacutelia) e atores do programa de controle da dengue

Adotou-se como ferramenta para organizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados da pesquisa o software Qualitative Solutions Re-search N-vivo (QSR) versatildeo 20 Inicialmente foram realiza-das leituras sucessivas para atingir uma compreensatildeo geral do sentido dos textos e em seguida cada transcriccedilatildeo de entrevista e nota de diaacuterio de campo foi importada para o software em um arquivo rich text

Apoacutes esse passo durante a leitura de cada arquivo se rela-cionou passagens dos textos a categorias que o pesquisador de-senvolveu com base nos seus objetivos e na compreensatildeo geral do texto (KELLE 2012) A esse passo denomina-se codificaccedilatildeo e a cada categoria o software N-vivo denomina de Node Para o ensaio sob relatoacuterio as passagens foram relacionadas afree nodes ou seja coacutedigos livres ou natildeo hieraacuterquicos A lista resul-tante das passagens dos textos selecionados foi exportada para o software Microsoft Word 2007 e assim os dados puderam ser analisados com apoio na identificaccedilatildeo dos nuacutecleos de sentido e sua posterior anaacutelise e interpretaccedilatildeo (MINAYO 2008)

As categorias analiacuteticas que emergiram durante a anaacutelise dos dados foram A divergecircncia sobre seu papel no controle da dengue e os interesses dos atores A participaccedilatildeo como praacutetica de prevenccedilatildeo e A necessidade de integraccedilatildeo

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

A divergecircncia sobre seu papel no controle do dengue e os interesses dos atores

Os resultados apontaram para uma complexa divergecircn-cia entre os interesses e papeacuteis dos diferentes agentes sociais no cenaacuterio da dengue em Fortaleza As informaccedilotildees colhidas

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retratam a complexidade em que cada ator social se insere se percebe e se envolve nas accedilotildees de combate prevenccedilatildeo e con-trole desta doenccedila

Nas falas dos profissionais de sauacutede destaca-se As pessoas sabem eacute muito divulgado pelos meios de comunicaccedilatildeo Mas laacute na periferia mesmo fazer o trabalho em si que eacute evitar os criadouros do mosquito eacute difiacutecil O grau de instruccedilatildeo eacute menor (P- AacuteREA 10)

As pessoas com descuido deixam caixa drsquoaacutegua aberta acumulam lixo [] Tem tam-beacutem a falta de conscientizaccedilatildeo e educaccedilatildeo muitas pessoas aglomeradas a falta de abas-tecimento de aacutegua reservatoacuterios de estoque (P- AacuteREA 4)

A informaccedilatildeo tem Todos sabem o que eacute dengue Mas natildeo cuidam das suas casas (P - AacuteREA 3)

As falas dos profissionais atribui a disseminaccedilatildeo da den-gue ao descuido da populaccedilatildeo e registram o desconhecimento da necessidade de desempenhar o seu papel de profissional de sauacutede com uma reflexatildeo do que pode ser melhorado em suas accedilotildees e atitudes Esta atitude eacute negativa visto que conforme Zagury (2006) a culpabilizaccedilatildeo que ocorre quando se imputa responsabilidades isoladas na forma de eleiccedilatildeo automaacutetica de culpados dentro da complexidade do contexto configura uma maneira simplista de debater os problemas que dificulta sua soluccedilatildeo

O papel dos profissionais da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia inclui a conduta de se integrarem com a comunidade buscan-do conhecer a realidade vivida por parte de cada integrante seja individual ou coletivamente com o intuito de melhorar a

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qualidade de vida dos integrantes da comunidade assumindo uma postura de agente de transformaccedilatildeo e motivando a parti-cipaccedilatildeo popular O profissional deve buscar entender e aten-der as necessidades reais e potenciais da pessoa seja esta no seu conviacutevio familiar coletivo ou individual (SCHULTZ 2008)

Nos depoimentos dos atores envolvidos no controle da dengue sobressaiacuteram-se

Deveria ter mais agentes O correto era ter uma visita a cada dois meses Ou seja seis vi-sitas em um ano Tem quadra que fica cinco meses sem ser visitada e algumas uma vez ao ano (C-AacuteREA 7)

[] Uma grande reclamaccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute o fato da prefeitura natildeo realizar mais a dis-tribuiccedilatildeo de telas para vedaccedilatildeo Antigamente isso era feito mas agora os proacuteprios donos da casa precisam comprar suas telas (C- AacuteREA 4)

Rapaz eu considero nosso papel muito im-portante neacute Porque a gente taacute conscienti-zando a populaccedilatildeo e salvando as vidas dela A gente estaacute eliminando o foco do mosquito Eu creio que a populaccedilatildeo tinha que ter mais consciecircncia neacute Porque o que jaacute repassado por televisatildeo pela gente mesmo eu acho que jaacute eacute bem amplo neacute E pra eles tanto faz como tanto fez (C- AacuteREA 1)

Bem nosso trabalho eacute basicamente procurar encontrar e eliminar os focos do mosquito Aedes aegypti neacute Esse eacute o nosso trabalho E dar a educaccedilatildeo sanitaacuteria aos moradores e a populaccedilatildeo para como se evitar os criadores em sua residecircncia [] (C-AacuteREA 3)

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As falas dos agentes de endemias revelam que estes assu-mem um papel que denominam de ldquoconscientizaccedilatildeordquo poreacutem contraditoriamente a esta proposta todos reconhecem que suas accedilotildees satildeo ineficazes haja vista que para eles a populaccedilatildeo natildeo cumpre o seu papel Percebe-se mediante seus discursos que os agentes de endemias tambeacutem inculpem o outro seja a Prefeitura seja o Governo do Estado ou ainda a comunidade

O conteuacutedo ofertado pelos agentes de endemias natildeo en-contra eco na populaccedilatildeo simplesmente porque a comunidade natildeo interioriza os conceitos procedentes da abstraccedilatildeo cientiacutefi-ca inserida nos materiais produzidos Infere-se que o trabalho nominado de conscientizaccedilatildeo segue a proposta educativa tra-dicional cuja praacutetica se torna um ato de depositar em que os educandos satildeo os depositaacuterios e o educador o depositante sem haver uma preocupaccedilatildeo com a aplicaccedilatildeo dos conteuacutedos no co-tidiano do educando (MARTINS GARCIA PASSOS 2008)

Assim a conscientizaccedilatildeo referida pelos agentes de ende-mias parece seguir um processo educativo de caraacuteter verticali-zado que natildeo encontra resposta na comunidade Esta realida-de eacute preocupante considerando-se que ao agente comunitaacuterio de endemias (ACE) competem accedilotildees como Educaccedilatildeo em Sauacute-de a mobilizaccedilatildeo comunitaacuteria a identificaccedilatildeo de criadouros e que o distanciamento decorrente deste tipo de comportamen-to dos ACEs compromete a eficaacutecia da Educaccedilatildeo em Sauacutede por eles promovida

Corroborando as dificuldades citadas nos discursos o pretenso papel de educaccedilatildeo visando agrave mudanccedila de haacutebito da comunidade com relaccedilatildeo agraves medidas preventivas de controle da dengue eacute falho pela quantidade de ACEs disponiacuteveis e pelo pouco tempo dispensado em cada imoacutevel com a finalidade de atingir o percentual necessaacuterio

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Nas falas dos membros das famiacutelias chamou atenccedilatildeoAs visitas dos agentes de endemias deve-riam ocorrer com uma frequecircncia maior pois atualmente soacute ocorrem cerca de 3 em 3 meses e com o tempo acabo esquecendo de tomar os cuidados com a aacutegua parada Eu acho muito bonito porque quem combate eacute eles mesmo (MF- AacuteREA 4)

[] O governo jaacute deveria ter uma accedilatildeo mais eficiente jaacute que esperar pela participaccedilatildeo natildeo resolve Num instante criam vacina para gripe por que natildeo tem para dengue Jaacute estaacute com tanto tempo (MF- AacuteREA 5)

A dengue a gente soacute vecirc falar mal O problema eacute do governo que natildeo cuida da gente Esse posto de sauacutede aiacute natildeo serve pra nada Nunca tem meacutedico (MF- AacuteREA 1)

Agraves vezes por que vecirc a casa assim agraves vezes coloca a proacutepria vizinha aiacute agraves vezes coloca lixo o lixo aqui da minha casa eacute condiciona-do em sacos plaacutesticos copinho aparece aiacute mas meu natildeo eacute (MF ndash AacuteREA 9)

De quem eacute a culpa Das pessoas que deixam acumular Natildeo tem higiene Eu tenho que fa-zer neacute Laacute em casa eacute bomba de puxar aacutegua natildeo eacute Cagece Eu encho o balde pra tomar banho mas logo seco A prefeitura deve fa-zer mais visitas agraves casas pois a gente cai na rotina e a gente esquece (MF- AacuteREA 2)

A culpa eacute da populaccedilatildeo eu faccedilo a minha par-te tem gente que natildeo [] (MF ndash AacuteREA 6)

De novo parece evidente nas falas da comunidade o fato de que o ldquoproblemardquo eacute sempre do outro ou pertence ao ou-

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tro seja este o vizinho a Prefeitura ou os oacutergatildeos competentes Tambeacutem a responsabilidade passa a ser do outro e a pessoa natildeo se enquadra como sujeito ativo e participativo no processo de prevenccedilatildeo e controle da dengue

Salta a sensaccedilatildeo de que a comunidade ainda natildeo se apro-priou do seu papel como sujeito ativo de transformaccedilatildeo da realidade neste caso a dengue em nosso meio

A participaccedilatildeo comunitaacuteria como praacutetica de preven-ccedilatildeo

Foi observado com arrimo nas informaccedilotildees coletadas que os atores - sejam eles profissionais de sauacutede atores do contro-le da dengue ou mesmo membros da comunidadendashacreditam que uma boa praacutetica de prevenccedilatildeo decorre da conscientizaccedilatildeo e da participaccedilatildeo comunitaacuteria mas ressaltam tambeacutem a difi-culdade em atingi-la

Eu creio que se natildeo fosse o nosso trabalho [de controle] estaria pior do que estaacute [] A tecla que a gente bate mais eacute a conscientiza-ccedilatildeo do morador Mas aiacute natildeo depende soacute do agente sanitarista depende sim do morador Ele tem que tomar accedilatildeo (C ndash AacuteREA 10)

[] A gente ensina como eacute que se lava o pote Vocecirc lava aquele pote pra ele [o mo-rador] ensinando quando vocecirc passa 2 3 meses depois ele estaacute esperando vocecirc pra lavar Taacute entendendo Ele fica acomodado A populaccedilatildeo mesmo se acomoda porque eles sabem que tem uma pessoa que vai chegar laacute e vai fazer aquilo (C ndash AacuteREA 1)

A dengue eacute um besouro maligno que se fer-roar uma pessoa a pessoa taacute ferrada Entatildeo o

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morador tem que cuidar da casa para natildeo ter febre dor de cabeccedila vocircmito Eu natildeo posso dizer muito porque nunca vi pessoalmente Por aqui natildeo tem isso natildeo Natildeo conheccedilo ningueacutem que jaacute pegou O que a gente sabe eacute mais o que passa no raacutedio e na televisatildeo (MF ndash AacuteREA 1)

O trabalho dos agentes eacute bom eles estatildeo sempre por aqui falta agrave populaccedilatildeo participar (MF ndash AacuteREA 3)

Os discursos anteriores retratam que apesar de todas as categorias de atores afirmarem a importacircncia da participaccedilatildeo comunitaacuteria para a prevenccedilatildeo da doenccedila daacute-se muito creacutedito ao trabalho dos agentes de controle de endemias mas pouco se observa de mudanccedila nas praacuteticas das comunidades

Estudo sobre conhecimentos atitudes e praacuteticas no Nor-deste brasileiro aponta essas informaccedilotildees quando ressalta que os moradores ficam agrave espera de uma accedilatildeo do agente de sauacutede para realizar atividades que poderiam ser incorporadas em sua rotina domeacutestica

Em estudo de Reis Andrade e Cunha (2013) seus dados empiacutericos apontam que pela loacutegica dos profissionais envol-vidos no controle da dengue a populaccedilatildeo confia nos agentes puacuteblicos para realizar as praacuteticas de higiene ambiental no do-miciacutelio e que pela loacutegica da populaccedilatildeo daacute-se pouco creacutedito agrave ocorrecircncia e gravidade da doenccedila

Primeiramente eacute importante salientar que alguns estudos (SANTOS CABRAL AUGUSTO 2011) sobre conhecimento da populaccedilatildeo mostram que a taxa de acerto em inqueacuteritos fei-tos sobre o vetor e a doenccedila eacute alta mas que isto natildeo se reflete na praacutetica Assim natildeo apenas o conhecimento eacute importante mas para Reis Andrade e Cunha (2013) eacute necessaacuteria uma

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abstraccedilatildeo bastante elaborada para entender como um viacuterus ser invisiacutevel pode causar transtornos tatildeo intensos e soacute depois desse processo eacute possiacutevel realizar atividades para estimular uma participaccedilatildeo comunitaacuteria jaacute que ldquosoacute consegue-se fazer a populaccedilatildeo querer algo quando ela entende a necessidade das accedilotildeesrdquo (REIS ANDRADE CUNHA 2013 p 523)

O mais difiacutecil de acabar com a dengue eacute jus-tamente pela mudanccedila de consciecircncia do povo porque eu acho que informaccedilatildeo natildeo falta neacute Noacutes estamos passando de mecircs em mecircs em uma casa na televisatildeo eacute soacute o que tem eacute comercial e propaganda a respeito da den-gue [] A gente trata hoje elimina o foco mas quando passa o outro ciclo o foco ta laacute agraves vezes ateacute no mesmo depoacutesito (C- AacuteREA 3)

A funccedilatildeo eacute eliminar o mosquito e ensinar a populaccedilatildeo como eacute que se previne A gente trabalha na parte da prevenccedilatildeo e no comba-te porque se a gente taacute combatendo a gente taacute prevenindo (C ndash AacuteREA 5)

Percebeu-se uma lacuna nas campanhas educativas cujos conteuacutedos natildeo conseguem ensejar a conscientizaccedilatildeo popular Para Freire (1999) o ponto criacutetico da educaccedilatildeo eacute a conscien-tizaccedilatildeo que deve ter como consequecircncia a promoccedilatildeo de uma mudanccedila entre as pessoas que sairiam de um estaacutedio de alie-naccedilatildeo para uma atitude de reflexatildeo - accedilatildeo Esse teorista defen-de a pedagogia que estabelece relaccedilatildeo de igualdade e criticida-de entre educador e educando em que ambos satildeo herdeiros de experiecircncias criando e recriando integrando-se agrave realida-de enfrentando desafios e apreendendo seus papeacuteis no acircmbito dos seus contextos biopsicossociais

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A necessidade de integraccedilatildeo

Algumas informaccedilotildees coletadas refletem que mesmo os discursos dos atores apontando uma culpabilizaccedilatildeo alguns concordam com a ideia de que a integraccedilatildeo entre os atores seja um elemento-chave para o controle da dengue e assim necessita de reunir esforccedilos de vaacuterios campos para atingir os fatores ecobiossociais envolvidos na manutenccedilatildeo e dispersatildeo desse vetor

Tem ainda a questatildeo governamental soacute vatildeo olhar pra dengue quando taacute na epidemia natildeo eacute utilizado na prevenccedilatildeo (P-AacuteREA 4)

[] A dengue natildeo eacute soacute o posto de sauacutede natildeo Tem que ter mais profissionais Tem que ter materiais para o trabalho Tem que ter sanea-mento Natildeo adianta vocecirc tratar de dengue soacute no posto se existem caixas drsquoaacutegua aacuteguas pa-radas esgotos tudo isso contribui Haacute pes-soal sem condiccedilatildeo de ajeitar a caixa drsquoaacutegua isso contribui (P-AacuteREA 1)

As falas anteriores refletem a noccedilatildeo de que os profissio-nais tambeacutem associam a disseminaccedilatildeo da dengue agrave falta de condiccedilotildees de trabalho e a ausecircncia de accedilatildeo efetiva dos atores poliacuteticos para o controle da doenccedila

A segunda fala reflete a necessidade da intersetorialidade no controle do dengue Lima amp Vilasbocircas (2011) ressaltam que a intersetorialidade pode se tornar um dos eixos principais para a consolidaccedilatildeo de um sistema de sauacutede mais efetivo poreacutem im-plica mudanccedilas seja na gestatildeo ainda muito setorializada seja na implantaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis e de promoccedilatildeo da sauacutede evitando a subordinaccedilatildeo de um setor a outro e exi-gindo maior articulaccedilatildeo com membros da populaccedilatildeo

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[] Tecircm equipes que fazem isso as visitas domiciliares os agentes de sauacutede E aiacute vem o mesmo problema da equipe de sauacutede da famiacutelia que estatildeo sempre incompleta falta meacutedico falta enfermeira ou natildeo satildeo cober-tos A gente vecirc a sobrecarga dos exames labo-ratoriais A gente taacute vivendo uma epidemia Ningueacutem ouve falar de alocaccedilatildeo de recursos para isso que foi contratado uma equipe de campanha que a prefeitura fez contrataccedilotildees de equipes extras A gente continua traba-lhando com a mesma maacutequina a mesma quantidade de profissionais que trabalham em dias normais Acho que a gente tem que falar do lixo da proacutepria falta de contrataccedilatildeo de agentes de endemias para vasculhar mes-mo esses terrenos baldios (P-AacuteREA7)

Eacute importante salientar que como parte integrante da Equi-pe de Sauacutede da Famiacutelia os profissionais devem ser peccedilas-cha-ve a fim de romper com o comportamento passivo das equi-pes de sauacutede e estender suas accedilotildees para toda a comunidade responsabilizando-se pelo territoacuterio fundamentado pelos refe-renciais da vigilacircncia e promoccedilatildeo da sauacutede (ALVEZ AERTZ 2011) Os profissionais concordam no entanto com a ideia de que isoladamente a prevenccedilatildeo da dengue natildeo eacute eficaz e ne-cessita de uma seacuterie de atividades justificadas por Sommerfeld amp Kroeger (2013) jaacute que a complexidade dos contextos eco-biossociais ressaltam repetidamente que o controle da dengue exige uma abordagem intersetorial que combine praacuteticas de gestatildeo ambiental com a mobilizaccedilatildeo da comunidade

Uma vez me deram um papel no centro social urbano (onde fica o posto) mas foi soacute essa vez porque laacute no posto eles natildeo ex-plicam nada natildeo ensinam nada Acho que

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a dengue atua mais quando tem aacutegua limpa parada canto brejado e quando chove muito mas na caixa drsquoaacutegua natildeo daacute natildeo (MF - AacuteREA 1)

Natildeo tem outra pessoa para combater natildeo E o povo cooperar tambeacutem porque se natildeo coo-perar natildeo vai acabar nunca esse negoacutecio da dengue Eacute importante o trabalho dos agentes de endemias mas infelizmente a prefeitura natildeo daacute crachaacutes e fardas aos mesmos (MF - AacuteREA 7)

A populaccedilatildeo eacute mobilizada mas enquanto natildeo acontece com algueacutem da famiacutelia natildeo mudam Existe informaccedilatildeo o que falta eacute educaccedilatildeo A responsabilidade deve ser de to-dos Haacute dois anos teve a campanha lsquocasa limpa exemplo de sauacutedersquo na qual a pessoa da comunidade que mantivesse a casa sempre limpa ganhava precircmios [] No CSF sempre tem panfletos e tem tambeacutem uma maquete no posto lsquocasa limpa casa sujarsquo com um ACS ensinando e informando o povo sobre a den-gue e o que deve ser feito em casa para evitar (C-AacuteREA 4)

Oportunamente parece que ocorre uma cultura gover-namental que estaacute implicitamente presente nos discursos de todos os atores sociais de individualizaccedilatildeo das questotildees de prevenccedilatildeo e combate da dengue em que o culpado direto pela doenccedila eacute o vetor (Aedes aegypti como mosquito transmissor) e que a populaccedilatildeo soacute eacute acometida pela doenccedila por natildeo ter as-sumido o seu papel e praticado as orientaccedilotildees de controle e prevenccedilatildeo da doenccedila deixando escondidos o descomprome-timento dos governantes e o mau funcionamento dos serviccedilos puacuteblicos (VALLA et al 1998)

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Analisando os resultados emerge alguns questionamen-tos a atitude e as informaccedilotildees dos profissionais de sauacutede e dos ACEs potencializam as accedilotildees de combate e prevenccedilatildeo da den-gue junto agrave populaccedilatildeo Talvez a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento das redes sociais sejam mais efetivos na adesatildeo de cada um dos sujeitos e no cumprimento de seu papel A valorizaccedilatildeo dos atores sociais e o apoio aos sujeitos pode efetivar uma transfor-maccedilatildeo no contexto da dengue bem mais eficaz do que a sim-ples melhoria dos conteuacutedos das informaccedilotildees e as formas de transmiti-los A posiccedilatildeo do Estado que deixa a desejar em suas poliacuteticas puacuteblicas de vigilacircncia sanitaacuteria de coleta seletiva de lixo de pavimentaccedilatildeo das ruas e de abastecimento de aacutegua en-tre outras natildeo pode focar apenas os agentes de endemias e de sauacutede os profissionais da ESF e a populaccedilatildeo como principais transformadores da situaccedilatildeo endecircmica da dengue no Cearaacute

CONSIDERAccedilOtildeES FINAISApoacutes extensa trajetoacuteria em busca de respostas para a pro-

blemaacutetica situaccedilatildeo da dengue na cidade de Fortaleza os resul-tados desvelaram que ao analisar a perspectiva de cada sujeito integrante deste projeto sobre o seu papel na prevenccedilatildeo e no controle do dengue foi possiacutevel perceber comportamentos de culpabilizaccedilatildeo do outro no processo de disseminaccedilatildeo da doen-ccedila de maneira que os papeacuteis social e individual do ator so-cial natildeo satildeo assimilados o que corrobora a pouca eficaacutecia das estrateacutegias educativas para o controle e prevenccedilatildeo da dengue

Dessa maneira os profissionais entendiam que as famiacutelias natildeo cumpriam seu papel de providenciar o descarte correto dos resiacuteduos soacutelidos e cuidar dos seus depoacutesitos enquanto membros da famiacutelia relatavam o papel fundamental do agente sanitarista e vaacuterios fatores intimamente ligados agrave proliferaccedilatildeo

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do mosquito que dependiam da gestatildeo puacuteblica entre os quais a precariedade da coleta de lixo do acesso do caminhatildeo de lixo agraves ruelas do gerenciamento do lixo o irregular abastecimento de aacutegua a falta de saneamento baacutesico etc

Com a ideia de que os atores sociais necessitam de um espaccedilo que facilite a promoccedilatildeo da integraccedilatildeo e debata sobre os determinantes da dengue em suas respectivas localidades Ante tais achados parece necessaacuterio investir na almejada in-tersetorialidade e participaccedilatildeo social em busca de um empo-deramento comunitaacuterio que transcenderaacute o papel individual para atender ao interesse coletivo e por fim impulsionar a im-plantaccedilatildeo de accedilotildees efetivas no combate agrave dengue

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REFERecircNCIASALVES G G AERTZ D As praacuteticas educativas em sauacutede e a Es-trateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 16 n 1 p 319-325 2011ARUNACHALAM N TANA S ESPINO F et al Eco-bio-social determinants of dengue vector breeding a multi-country study in ur-ban and periurban Asia Bull World Health Organ n 88 p 173-184 2010ARUNACHALAM N TYAGI B K SAMUEL M et al Commu-nity-based control of Aedes aegypti by adoption of ecohealth me-thods in Chennai City IndiaPathogens Global Health v 106 n 8 p 488-96 2012BRAGA I A VALLE D Aedes aegypti histoacuterico do controle no Brasil Epidemiologia e Serviccedilos de Sauacutede v 16 n 2 p 113-118 2007BRASIL MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) Brasiacutelia Minis-teacuterio da Sauacutede 2002 Disponiacutevel 103 online httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpncd_2002pdf Acesso em 08 nov 2012CLARO LBL TOMASSINI HCB ROSA MLG Prevenccedilatildeo e contro-le do dengue uma revisatildeo de estudos sobre conhecimentos crenccedilas e praacuteticas da populaccedilatildeo Cadernos Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 20 n 6 p 1447-1457 2004DONALISIO M R GLASSER C M Vigilacircncia entomoloacutegica e con-trole de vetores do dengue Revista Brasileira de Epidemiologia v 5 n 3 2002FREIRE P Pedagogia da autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Rio deJaneiro Paz e Terra Coleccedilatildeo Leitura 1999KELLE U Anaacutelise com auxiacutelio de computador codificaccedilatildeo e indexa-ccedilatildeo In BAUER M W GASKEL G Pesquisa qualitativa com texto imagem e som Petroacutepolis RJ Vozes 2012 p 393-415LIMA E C VILASBOcircAS A L Q Implantaccedilatildeo das accedilotildees interseto-riais de mobilizaccedilatildeo social para o controle da dengue na Bahia Brasil Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v 27 n 8 p 1507-1519 2011MINAYO M C S Desafio do conhecimento ndash pesquisa qualitativa

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em sauacutede Satildeo Paulo HUCITEC 11 ed 2008ORGANIZACcedilAtildeO MUNDIAL DA SAUacuteDE Dengue guidelines for diagnosis treatment prevention and controlOMS 2009PEacuteREZ-GUERRA C L ZIELINSKI-GUTIERREZ E VARGAS-TORRES D et al Community beliefs and practices about dengue in Puerto Rico Revista Panamericana de Salud Publica v 25 n 3 p 218-226 2009REIS C B ANDRADE S M O CUNHA R V Aliados do Aedes aegypti fatores contribuientes para a ocorrecircncia do dengue segundo as representaccedilotildees sociais dos profissionais das equipes de sauacutede da famiacutelia Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 18 n 2 p 517-526 2013SANTOS S L CABRAL A C S P AUGUSTO L G S Conheci-mentos atitudes e praacuteticas sobre dengue seu vetor e accedilotildees de controle em uma comunidade urbana do nordeste Ciecircncias amp Sauacutede coletiva v 16 suppl 1 p 1319-1330 2011SCHWEIGMANN N RIZZOTTI A CASTIGLIA G et al Infor-macioacuten conocimiento y percepcioacuten sobre el riesgo de contraer el dengue en Argentina generar estrategias locales de control Cadernos de Sauacutede Puacuteblica v 25 supl 1 p 137-48 2009SOMMERFELD J KROEGER A Eco-bio-social research on dengue in Asia a multicountry study on ecosystem and community-based approaches for the control of dengue vectors in urban and peri-urban Asia Pathogens and Global Health v 106 n 8 p 428-435 2012TANA S ABEYEWICKREME N ARUNACHALAM F et al Eco-Bio-Social Research on Dengue in Asia General Principles and a Case Study from Indonesia In CHARRON D EcoHealth Research in Practice Canadaacute Springer 2012 p173-186TEIXEIRA M G Controle do dengue importacircncia da articulaccedilatildeo de conhecimentos transdisciplinares Interface v 12 n 25 p 442-444 2008ZAGURY T O Professor refeacutem para pais e professores entenderem por que fracassa a educaccedilatildeo no Brasil Rio de Janeiro Record 2006ZAMBRINI D A B Lecciones desatendidas entorno a la epidemia de dengue en Argentina 2009 Revista de Sauacutede Puacuteblica v 45 n 2 p 428-431 2011

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CAPIacuteTULO 8

SIGNIFICADOS E DIMENSOtildeES DO CONTRO-LE DO DENGUE CONCEPccedilOtildeES DE UMA CO-MUNIDADE PARTICIPATIVA NO MUNICIacute-PIO DE FORTALEZAndashCE

Cyntia Monteiro Vasconcelos MottaKrysne Kelly de Franccedila Oliveira

Elaine Neves de FreitasEdina Silva Costa

Andrea Caprara

INTRODUccedilAtildeO

Em decorrecircncia de sua complexidade a dengue perpassa o tempo as estrateacutegias utilizadas em seu controle e segue in-trigando profissionais gestores e outros agentes sociais envol-vidos em seu contexto Isso a torna uma arbovirose de grande importacircncia para a Sauacutede Puacuteblica

Dados revelados pela Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) apontam que cerca de 25 bilhotildees de pessoas se encon-tram sob o risco de se infectarem particularmente nos paiacuteses tropicais onde a temperatura e a umidade favorecem a proli-feraccedilatildeo do vetor (OMS 2009)

O Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil em seu documento in-titulado ldquoDiretrizes nacionais para a prevenccedilatildeo e controle de epidemias de denguerdquo confirma a referida estimativa e ainda acrescenta que anualmente a populaccedilatildeo mundial estaacute sob o ris-co de 50 milhotildees de casos de dengue Desses 50 mil necessitam de hospitalizaccedilatildeo e pelo menos 20 mil morrem em consequecircn-cia da doenccedila (BRASIL 2009)

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A relaccedilatildeo com o saneamento ambiental faz-se importante em razatildeo da vulnerabilidade agrave presenccedila de potenciais criadou-ros domiciliares peridomiciliares em logradouros puacuteblicos e no ambiente urbano em geral (SANTOS 2003) A deficiecircncia no abastecimento de aacutegua e na coleta de lixo a utilizaccedilatildeo de materiais biodegradaacuteveis inventados pelo homem como por exemplo pneus velhos garrafas vasos de plantas calhas pisci-nas entre outros tambeacutem contribuem com a problemaacutetica em torno da dengue (ELLIS WILCOX 2009)

Ruacutea-Uribe et al (2013) revelaram uma associaccedilatildeo entre as mudanccedilas nas condiccedilotildees climaacuteticas e a transmissatildeo da doen-ccedila Esta uacuteltima depende de outros fatores mas aqueles consi-derados chaves satildeo a densidade da populaccedilatildeo dos mosquitos vetores (afetada pelas mudanccedilas na temperatura e no regime de chuvas) e o nuacutemero de casos de dengue na populaccedilatildeo em risco de um surto epidecircmico Acrescenta-se a essa informaccedilatildeo o estudo de Teixeira et al (1999) em que foi relatado agrave eacutepoca que a transmissatildeo estaacute condicionada a alguns fatores como a distribuiccedilatildeo a densidade e a dispersatildeo do vetor

Nimmagadda et al (2014) assinalam que a proliferaccedilatildeo de mosquitos e infecccedilotildees por dengue teve um rompante cresci-mento com um aumento de 30 vezes na incidecircncia estima-da nas uacuteltimas cinco deacutecadas Isso decorre de fatores como o crescimento da populaccedilatildeo a raacutepida urbanizaccedilatildeo e falta de me-didas sanitaacuterias apropriadas No Brasil o vetor dessa doenccedila encontra condiccedilotildees ideais para sua proliferaccedilatildeo e manutenccedilatildeo no meio urbano em virtude das condiccedilotildees ambientais os gran-des aglomerados populacionais e o modus vivendi associado agraves precaacuterias condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo

Vale ressaltar que as aacutereas onde ocorre a transmissatildeo au-toacutectone vatildeo se modificando na medida em que se acaba com

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o estoque de pessoas suscetiacuteveis bem como quando se efetua o combate ao vetor Logo o programa de controle deve intuir a ideia de que a doenccedila tende a lsquomigrarrsquo para outras aacutereas que tenham densidade vetorial suficiente para manter o ciclo (TEI-XEIRA et al 2002)

Mediante as questotildees aqui abordadas o olhar sobre a dengue deve ser amplo pois se deve admitir sua complexidade e multifatorialidade e portanto ultrapassar o prisma exclusivo do campo da sauacutede e reforccedilar seus fatores ecobiossociais Para esclarecer tais fatores tem-se que os ecoloacutegicos fazem referecircn-cia ao clima (chuva umidade temperatura entre outros) e ao ambiente natural e antroacutepico (incluindo o ambiente urbano e agriacutecola etc) Os fatores bioloacutegicos se relacionam com o com-portamento do vetor o Aedes aegypti e dinacircmicas de trans-missatildeo da doenccedila Os domiacutenios ecoloacutegico e bioloacutegico estatildeo ligados agrave ecologia da populaccedilatildeo do vetor

Quanto aos fatores sociais estes incorporam uma seacuterie de elementos relacionados aos sistemas de sauacutede incluindo o controle do vetor os serviccedilos de sauacutede e o contexto poliacutetico (por exemplo reformas no setor da sauacutede) serviccedilos puacuteblicos e privados como saneamento e esgoto coleta de lixo e abasteci-mento de aacutegua eventos ldquomacrossociaisrdquo como o crescimento demograacutefico e da urbanizaccedilatildeo e praacuteticas da comunidade e da famiacutelia conhecimentos e atitudes bem como estas satildeo molda-das por forccedilas de grande escala como a pobreza a desigualda-de social e a dinacircmica da comunidade

Parece loacutegico que o olhar sobre a dengue deva perpassar esses fatores entretanto na praacutetica as poliacuteticas puacuteblicas de controle da doenccedila se mantiveram no decorrer dos anos com uma caracteriacutestica verticalizada e centrada apenas no controle quiacutemico Sabe-se do impacto negativo agrave sauacutede e ao meio am-

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biente gerado pelo uso de inseticidas poreacutem a populaccedilatildeo e os proacuteprios gestores situam o controle quiacutemico na suprema-cia em detrimento da participaccedilatildeo popular da mobilizaccedilatildeo da transdisciplinaridade e da intersetorialidade que deveriam nortear qualquer plano de controle da doenccedila

Mertens (2007) confirma essa afirmaccedilatildeo quando ressal-ta que a dengue natildeo tem causa uacutenica e seu controle requer a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de soluccedilotildees integradas que le-vem em consideraccedilatildeo as inter-relaccedilotildees dos fatores ambientais sociais culturais e econocircmicos e que envolvam os diversos atores sociais como a populaccedilatildeo local os pesquisadores e os gestores de aacutereas

Eacute na busca dessa outra visatildeo na tentativa de que esses atores transformem seu paradigma em relaccedilatildeo a dengue que se admite a importacircncia da abordagem em ecossauacutede ante os fatores ecobiossociais no que tange a sauacutede-doenccedila Por isso mediante as limitaccedilotildees dos programas atuais de controle da dengue fez-se necessaacuterio o uso de abordagens que integrem esses fatores

Assim em 2010 o Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases (TDR) da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e o International Development Research Cen-tre (IDRC) lanccedilaram uma iniciativa visando a analisar inter-venccedilotildees de melhoria na prevenccedilatildeo da dengue que valorizam um controle sustentaacutevel e participativo

Entendimento do projeto de intervenccedilatildeo

A iniciativa analisa intervenccedilotildees baseadas num desenho de estudo de clusters-randomizados para a melhoria da pre-venccedilatildeo da dengue e doenccedila de Chagas Com a origem no pre-ceito de que para intervir eacute imprescindiacutevel conhecer bem a

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necessidade do local de intervenccedilatildeo o estudo multicecircntrico designou a fase 1 o primeiro ano do estudo para a realizaccedilatildeo de uma anaacutelise situacional Nesse periacuteodo que perdurou du-rante os anos de 2010 e 2011 foram realizados levantamentos entomoloacutegicos e pesquisas qualitativas nos locais de estudos

No Brasil a iniciativa concentrou os esforccedilos na melhoria da prevenccedilatildeo dos casos de dengue e os locais foram seleciona-dos na cidade de Fortaleza-Cearaacute Para a seleccedilatildeo dos locais do estudo foram tomados aleatoriamente por meio de quadriacutecu-las do mapa de Fortaleza mediante software AutoCad map e o software ArcView 33 de forma que cada quadriacutecula corres-pondia a um local com cerca de 100 imoacuteveis Cada quadriacutecula correspondia a um cluster traduzidopara portuguecircs como um agregado Assim a pesquisa seguiu com a seleccedilatildeo de dez agre-gados

A intervenccedilatildeo propriamente dita foi designada para a fase 2 inicialmente realizada no periacuteodo de junho de 2012 a junho de 2013 realizada nos mesmos dez agregados A intervenccedilatildeo estaacute alicerccedilada nos princiacutepios da ecossauacutede (mais intimamente aos princiacutepios da participaccedilatildeo sustentabilidade e transdisci-plinaridade) Seguem algumas finalidades

- Capacitar comunidades urbanas com suporte no estiacute-mulo a accedilotildeesde manejo ambiental com foconos recipientes descartados em que foram encontradas formas imaturas do vetor da dengue tanto em suas casas como no seu entorno

- Ter agentes de endemias zoneados e qualificados para fornecer informaccedilotildees corretas sobre a dengue para a populaccedilatildeo

- Promover atividades multissetoriais que permitindo que os agentes de controle da dengue e os profissionais da Estra-teacutegia de Sauacutede da Famiacutelia desempenhem o papel de liacutederes da populaccedilatildeo e educadores

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- Estimular aparceria entrecomunidades urbanas especiacute-ficas de Fortaleza e os muacuteltiplos serviccedilos urbanos do Municiacute-pio da capital baseando-se no manejo de resiacuteduos soacutelidos para contribuir com o controle de vetores urbanos

- Estimular a comunidade e outros agentes envolvidos a estabelecer em estrateacutegias efetivas e sustentaacuteveis quanto ao controle da dengue

Bosi (2012) assinou que haacute um grande investimento em pesquisas do acircmbito da ciecircncia moderna mas salienta que certas iniciativas apesar de grande relevacircncia e potencialidade para o enfrentamentos de questotildees da Sauacutede Puacuteblica soacute seratildeo uacuteteis se e quando forem assimiladas culturalmente

Portanto este experimento se destinou a examinar os sig-nificados e as dimensotildees da controle do dengue em uma co-munidade participativa e assim reconhecer as perspectivas dos atores sociais sobre os desafios e caminhos para o controle da dengue

METODOLOGIAHouve um aprofundamento na abordagem qualitativa no

propoacutesito de trabalhar com o universo dos valores motivos aspiraccedilotildees e atitudes (MINAYO 2008 CAPRARA amp LAN-DIM 2008)

A metodologia contribuiu para o campo da pesquisa pelo fato de o pesquisador buscar os significados dos sujeitos como se fizesse parte do grupo Dessa forma Minayo (2008) garante que a pesquisa social natildeo pode ser definida de forma estaacutetica e as pesquisas qualitativas buscam compreender a conduta hu-mana dando ecircnfase aos significados em seu contexto

Com efeito o estudo de caso destinou-se a analisar a pers-pectiva dos agentes sociais e acredita-se ser uma fase impor-

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tante de um estudo de intervenccedilatildeo a de ldquoouvirrdquo os atores co-munitaacuterios poliacuteticos e sociais envolvidos para com isso natildeo cair no erro que Santos (1995 p 8-9) denomina ldquoa ciecircncia teima em considerar irrelevante ilusoacuterio e falsordquo

Estamos de novo regressados agrave necessidade de perguntar pelas relaccedilotildees entre a ciecircncia e a virtude pelo valor do conhecimento dito ordinaacuterio ou vulgar que noacutes sujeitos indi-viduais ou coletivos criamos e usamos para dar sentido agraves nossas praacuteticas e que a ciecircncia teima em considerar irrelevante ilusoacuterio e falso e temos finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento cientiacutefico acumulado no enriquecimento ou no empo-brecimento ou no empobrecimento praacutetico das nossas vidas ou seja pelo contributo positivo ou negativo da ciecircncia para a nossa felicidade

No Brasil a iniciativa selecionou os locais de estudo por meio de um sorteio de dez aacutereas na cidade de Fortaleza-Cearaacute A escolha foi por um agregado do bairro do Quintino Cunha em razatildeo da individualidade do bairro referente agrave organizaccedilatildeo comunitaacuteria jaacute presente e a manutenccedilatildeo da alta incidecircncia dos iacutendices da doenccedila

O bairro do Quintino Cunha expressa uma organizaccedilatildeo comunitaacuteria soacutelida com lideranccedilas comunitaacuterias e centro co-munitaacuterio de referecircncia Para uma pesquisa que parte da pro-posta participativa esse criteacuterio de escolha emergiu da ideia de que existem diversas formas e niacuteveis de participaccedilatildeo pos-siacuteveis e que em muitos casos ldquono hay que pensar en promover desde cero sino de articularnos con procesos participativos que ya existen y que frecuentemente no son reconocidosrdquo (KEIJZER 2005)

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Assim corrobora a questatildeo definida em Horochovski (2006) quando explicita que o empoderamento a ser alcanccedilado natildeo eacute algo que pode ser imposto por outro mas que as popu-laccedilotildees locais tecircm responsabilidade pelos projetos participativos por vezes formulados originalmente por agentes externos

O estudo de caso iniciou em marccedilo do ano de 2011 com anaacutelise situacional do bairro buscando caracteriacutesticas do contex-to socioambiental da localidade A inserccedilatildeo da abordagem ecos-sistecircmica por meio da intervenccedilatildeo propriamente dita se deu no primeiro semestre do ano de 2012 e finalizou em marccedilo de 2013

Foram realizadas observaccedilotildees participantes das visitas domiciliares dos agentes de endemias e entrevistas com ato-res funcionaacuterios do controle de endemias (FCE) funcionaacuterios do Nuacutecleo de Mobilizaccedilatildeo Social (MS) profissionais de sauacutede (PS) funcionaacuterios do Centro Comunitaacuterio (CC) liacutederes co-munitaacuterios (LC) e membros da comunidade (M)

Adotou-se como ferramenta para organizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados da pesquisa o software Qualitative Solutions Resear-ch N-vivo (QSR) versatildeo 20 em que foram realizadas leituras sucessivas para atingir uma compreensatildeo geral do sentido dos textos e em seguida cada transcriccedilatildeo de entrevista e nota de diaacuterio de campo foi importada para o software em um arquivo rich text

Apoacutes esse passo durante a leitura de cada arquivo foram relacionadas passagens dos textos a categorias que o pesquisa-dor desenvolveu baseado nos seus objetivos e na compreensatildeo geral do texto (KELLE 2012)

A lista resultante das passagens dos textos selecionados pocircde ser analisada com base na identificaccedilatildeo dos nuacutecleos de sentido e sua posterior anaacutelise e interpretaccedilatildeo (MINAYO 2008)

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RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

O exame das informaccedilotildees analisadas possibilitou estabe-lecer trecircs categorias de anaacutelise Significados sobre a funccedilatildeo no controle da dengue As limitaccedilotildees do programa de controle atual e A idealizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo em Sauacutede

Significados sobre a funccedilatildeo no controle da dengue

Os agentes sociais citaram algumas de suas funccedilotildees no contexto da dengue Para os funcionaacuterios do controle de ende-mias e do Nuacutecleo de Mobilizaccedilatildeo Social

O setor de endemias do focal eacute que abrange diretamente os trabalhos residenciais com-batendo diretamente o mosquito o vetor da dengue e outros que vecircm aparecer (FCE-03)

ldquoA funccedilatildeo do Agente de Endemias por exemplo eacute fazer visitas casa-a-casa encon-trar focos eliminar focos e tratar os depoacutesi-tosrdquo (FCE-01)

O nosso carro chefe eacute a dengue A gente prio-riza mais a dengue que eacute o ano todo Mas a gente fala de DST de HIVAIDS fala de han-seniacutease alcoolismo droga calazar alimenta-ccedilatildeo saudaacutevel leptospirose mas o nosso carro chefe eacute a dengue [] Eacute orientar o que a pes-soa deve prestar atenccedilatildeo ensinar como lavar o tambor ir atraacutes de tampa para o tambor e observar a aacutegua se natildeo estaacute com os cabeccedila-de-prego (MS-01)

Palestras Reuniotildees gincanas exposiccedilotildees passeatas divulgaccedilatildeo em carros de som e vaacute-rias outras atividades (MS-03)

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Nas falas anteriores os funcionaacuterios retratam o que para eles significa a sua funccedilatildeo no controle da dengue ficando claro nas falas o quanto eles referem agrave figura do agente de endemias com atividades nos domiciacutelios para o combate do vetor e agraves atividades de orientaccedilotildees sob a responsabilidade do setor de mobilizaccedilatildeo social

Para os profissionais de sauacutedeO nosso papel tambeacutem eacute promover a sauacutede das pessoas E tambeacutem na parte de orien-taccedilatildeo orientar as famiacutelias principalmente sobre a dengue que eacute uma doenccedila que infe-lizmente natildeo eacute todo mundo que se preocupa E no nosso dia a dia a gente jaacute orienta o que pode ser feito o que a pessoa deve fazer E se o vizinho natildeo faz ela deve orientar ldquoAleacutem de fazer a parte dela tem que orientar o vizinho tambeacutem a fazer sua parte porque a dengue eacute uma doenccedila que estaacute aiacute alastrada e soacute quem pode acabar com ela eacute a proacutepria populaccedilatildeo mesmo atraveacutes do cuidado da sua proacutepria casardquo (PS-03)

ldquoSobre a dengue assim tem sido um dos agravos ateacute recorrentes no territoacuterio e a nos-sa equipe estaacute sempre aberta para ver novos trabalhos para ouvir experiecircncias relatos e contribuir com o possiacutevel que nossa inten-ccedilatildeo eacute essa (PS-01)

Os profissionais de sauacutede admitem seu papel curativo e preventivo no que diz respeito a dengue de forma que satildeo ob-servadas nas falas a importacircncia de atividades de promoccedilatildeo agrave sauacutede das famiacutelias e o reconhecimento da participaccedilatildeo da popular no cuidado da sua casa e nas accedilotildees que envolvem o territoacuterio

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A comunidade estudada tem o apoio de um centro co-munitaacuterio em que satildeo organizadas diversas atividades como grupos de idosos e gestantes cursos de aperfeiccediloamento pro-fissional solicitaccedilatildeo de documentos cadastramento em pro-gramas assistenciais formulaccedilatildeo de projetos para melhoria dos bairros dentre outras Para os funcionaacuterios

Eu trabalho aqui na associaccedilatildeo no centro comunitaacuterio e tenho um movimento social do idoso E o que eu me preocupo de um a dois anos nessa aacuterea ambiental eacute o problema do lixo Eu jaacute tenho um projeto um movi-mento de coleta seletiva Natildeo vai acabar o problema da dengue mas diminuir vai Eu acredito muito nesse projeto nesse trabalho um novo empreendimento que vai aconte-cer [] Quer dizer que quando comeccedilar o projeto de coleta de reciclagem fazer tudo direitinho ter uma articulaccedilatildeo de todas as se-cretarias aiacute vai diminuir os casos dessa doen-ccedila Vai diminuir porque vai ter uma respon-sabilidade de cada morador com o seu lixo O que eu vejo que vai melhorar a questatildeo da sauacutede da dengue e a questatildeo do meio am-biente (CC-01)

Como se trata de uma comunidade organizada e parti-cipativa as lideranccedilas comunitaacuterias aparecem ativamente no cenaacuterio da dengue

Eu faccedilo parte de outros projetos na comu-nidade O que eu sei eacute que a dengue eacute uma coisa que estaacute se alastrando A comunidade estaacute ficando a mercecirc de um mosquito que eacute uma coisa que jaacute era pra se ter feito alguma coisa pra combater esse mosquito [] Eu vou em palestras caminhadas movimentos sociais (LC-01)

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A fala anterior retrata as atividades das lideranccedilas ante o controle da dengue de forma a referir as atividades dos movi-mentos sociais proacuteximos aos membros da comunidade e todo seu esforccedilo em solicitar que os moradores cuidem do seu do-miciacutelio para o controle do vetor

Quando os moradores eram entrevistados os discursos confluiacuteam para a participaccedilatildeo no campo mais individual

Eu estou todo dia juntando o lixo que apa-rece e guardo o lixo dentro de casa e soacute boto no dia que o carro passa [] Qualquer um que entrar laacute aliaacutes tem vez que vatildeo laacute e vecirc neacute Porque eu tenho cuidado a minha caixa drsquoaacutegua eacute bem fechadinha eacute tampada toda chumbadazinha soacute entra soacute mesmo aacutegua e ar outra coisa num entra natildeo de maneira ne-nhuma (M-01)

As falas anteriores instigam a reflexatildeo sobre o diversifica-do papel dos sujeitos na prevenccedilatildeo e no controle da dengue mas tambeacutem trazem a reflexatildeo sobre a diversidade das respon-sabilidades como sujeitos Por exemplo enquanto os funcio-naacuterios dos setores puacuteblicos e os liacutederes comunitaacuterios enfati-zam atividades em um contexto mais coletivo os moradores se reduzem agraves funccedilotildees mais individuais ldquoEu estou todo tempo juntando o lixo [] guardo o lixo [] Eu tenho cuidadordquo

Tal perspectiva entra no loacutecus da discussatildeo sobre a distri-buiccedilatildeo do poder entre as pessoas ou entre os segmentos das sociedades organizadas tendo em vista o poder definido por Lordecirclo e Pontes (2009) como a possibilidade de tomar deci-sotildees e fazer com que estas sejam implementadas

Mesmo sabendo que o Estado eacute a instacircncia de poder mais representativa a sociedade ganhou espaccedilo junto agrave figura do ci-

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dadatildeo entretanto a expectativa contemporacircnea de maior par-ticipaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees de interesse coletivo e natildeo somente no acircmbito individual entra em um embate da dicoto-mia entre o crescente conhecimento produzido pela ciecircncia e o poder poliacutetico de decisatildeo conferido aos representantes sociais interessados que com frequecircncia seguem direccedilotildees divergen-tes (LORDEcircLO PONTES 2009)

Para tanto a abordagem da ecossauacutede tenta neutralizar as divergecircncias por meio da transdisciplinaridade considerando a pesquisa transdisciplinar natildeo somente como a presenccedila de pesquisadores de aacutereas diversas trabalhando juntos mas a in-tegraccedilatildeo de vaacuterios tipos de saberes disciplinares com os signi-ficados e as praacuteticas da experiecircncia dos agentes locais (IRIART amp CAPRARA 2011)

Embora a complexidade do dengue requeira uma abor-dagem transdisciplinar eacute perceptiacutevel nas falas dos sujeitos a dificuldade em se conferir uma discussatildeo horizontal entre en-tes puacuteblicos e os moradores do agregado Considerando essa fragilidade o grupo implantado na localidade foi denominado como interdisciplinar Ainda assim a intervenccedilatildeo fortaleceu a participaccedilatildeo social no processo sauacutede-doenccedila da dengue na medida emque fortaleceu a capacidade de formulaccedilatildeo e nego-ciaccedilatildeo de novas propostas

Essa tentativa de um diaacutelogo mais horizontal entre varia-dosagentes locais tambeacutem foi implementada por uma inter-venccedilatildeo em Havana (IDRC 2006) quando o fortalecimento da participaccedilatildeo foi estruturado com um apoio interdisciplinar como observado na figura A finalidade dessa intervenccedilatildeo era de que as vaacuterias funccedilotildees dos stakeholders (famiacutelias organiza-ccedilotildees organismos e instituiccedilotildees) se reunissem em uma cogestatildeo no processo social da sauacutede para uma melhora do ecossistema

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Figura ndash Modelo de Cogestatildeo para a participaccedilatildeo comunitaacute-ria

Famiacutelias

Organizaciones

Organismos

Instituciones

Produccioacuten socialde la Salud

MEJORAMIENTO DEL ECOSISTEMA

Fonte IDRC 2006

As limitaccedilotildees do programa de controle atual

No Brasil os planos de controle da dengue foram elabo-rados pelo Ministeacuterio da Sauacutede a partir de 1996 ndash o Plano de Erradicaccedilatildeo do Aedes aegypti (PEAa) o Plano de Intensifica-ccedilatildeo das Accedilotildees de Controle da Dengue (PIACD) e o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) esse uacuteltimo de ca-raacuteter emergencial a partir de 2002 em virtude da introduccedilatildeo do novo sorotipo (DENV 3) mas que ainda eacute apontado como um programa executado em todos os municiacutepios brasileiros

Apesar do dispecircndio de vultuosos recursos em accedilotildees para o controle da dengue o Brasil ainda enfrenta dificuldades em reduzir as infecccedilotildees no Paiacutes (TEIXEIRA 2008) Com efeito a sensaccedilatildeo de descontentamento eacute referida pelos funcionaacuterios vinculados a essas accedilotildees

No trabalho de combate ao dengue vocecirc estaacute passando de dois em dois meses naquela casa Vocecirc pega um bairro X trabalha naque-le bairro faz as orientaccedilotildees com dois meses volta a passar de novo Aiacute como jaacute passei

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nessa aacuterea eu sei que natildeo vou dizer todos mas de 20 a 30 cai no esquecimento [] Outras natildeo ficam no esquecimento e deixam a doenccedila adentrar em seus proacuteprios lares En-tendeu Natildeo satildeo todos que assimilam e que levam essa campanha ao longo da vida Eu natildeo sei se eacute ignoracircncia do povo ainda Aquela cultura antiga que muitos deles ainda espe-ram por nossa visita Eles natildeo se veem como voluntaacuterios do seu proacuteprio lar Muitos deles soacute esperam pelo agente Por isso que hoje a gente tem que dizer que vocecirc eacute um voluntaacute-rio de sua residecircncia para natildeo deixar que a doenccedila o seu periacutemetro residencial Sempre estatildeo caindo no esquecimento e a gente estaacute aqui para estar relembrando (MS-AacuteREA 3)

Eacute expliacutecita a dificuldade da realizaccedilatildeo das visitas domici-liares Em estudo de Sales (2008) fragilidades dos aspectos de trabalho de campo foram reveladas como fragilidade e accedilotildees pontuais conteuacutedo das mensagens educativas distantes da realidade local estrateacutegias autoritaacuterias e coercitivas aleacutem de converter as pessoas os receptores em meros receptaacuteculos de mensagens taxativas

Emergiram acerca das limitaccedilotildees com o programa tradi-cional seja do processo de trabalho ou seja no uso de produ-tos quiacutemicos para controle do vetor

O controle da dengue aqui visa muito produ-ccedilatildeo Eacute raro liberar algum agente de endemias para fazer um trabalho diferenciado Seria de mera importacircncia Mas essa integraccedilatildeo eacute difiacutecil porque eles trabalham por produccedilatildeo ou seja tem que visitar um nuacutemero certo de casas por dia (MS-01)

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Primeiro o produto [larvicida] natildeo eacute eficaz porque dizem que o produto atrasa o ciclo do mosquito mas a gente faz ateacute um teste dizem que eacute uma gota por um total de aacutegua E a gente colocou o triplo do produto passou mais de 15 dias e a larva estava laacute Entatildeo eu acho que natildeo eacute eficaz Eu vejo que esse tra-balho tambeacutem eacute ultrapassado porque eles preconizam 5 ou 6 visitas ao ano mas eacute feito um trabalho de 10 de Fortaleza Em uma aacuterea de 5 mil imoacuteveis eacute visitada apenas 10 Tem casas que passam mais de 4 visitas que natildeo visitam Entatildeo o nosso trabalho deixa a desejar O produto natildeo soluciona o problema e tem que ser feito um trabalho mais preven-tivo em mais casas e natildeo com a pesquisa de 10 das casas que quando vatildeo ver as casas que natildeo foram visitas estoura os iacutendices eacute por isso que eu digo que tem que ser feito 100 dos imoacuteveis (FCE-01)

Enquanto os sujeitos envolvidos no controle da dengue no Quintino Cunha percebem o atual controle como ldquoultra-passadordquo os dados epidemioloacutegicos contabilizam iacutendices preocupantes Durante um levantamento dos iacutendices de infes-taccedilatildeo predial (IIP) do bairro Quintino Cunha realizado pela Vigilacircncia Epidemioloacutegica (FORTALEZA 2013) da cidade de Fortaleza no periacuteodo de 2007 a 2010 observa-se uma seacuterie histoacuterica preocupante jaacute que em todos os anos foram alcan-ccedilados iacutendices superiores a 1 o que caracteriza uma situaccedilatildeo de alerta ou situaccedilatildeo de risco seguindo a classificaccedilatildeo adotada por Valadares Rodrigues Filho e Peluzio (2013) na qual o IIP eacute classificado como satisfatoacuterio (lt1) situaccedilatildeo de alerta (1 a 39) e risco de surto (gt39) Como limite superior encon-trou-se no segundo ciclo da pesquisa do ano de 2009 em que

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se atingiu um iacutendice de 651 Quanto aos casos de dengue no ano de 2012 o bairro acumulou um total de 499 casos no-tificados e ateacute o primeiro semestre do ano de 2013 o total foi de 486

Para Gondim Lima amp Caprara (2013) a casa eacute o local de referecircncia para muitas doenccedilas transmitidas por insetos-veto-res Entatildeo deixa de ser surpresa que estrateacutegias de controle das doenccedilas devam ser frequentemente implantadas nos niacuteveis dos domiciacutelios A intrusatildeo no entanto de pessoas tecnologias ou ideologias estranhas pode trazer inuacutemeros aspectos relacio-nados entre o que deve ser de domiacutenio puacuteblico e domeacutestico ocasionando uma ameaccedila sobre o poder e autoridade da figura da ldquodona do larrdquo

Cavalcanti (2013) assinala que em um curto espaccedilo de tempo seraacute cada vez mais difiacutecil ancorar as medidas de con-trole vetorial na visita domiciliar de agentes de endemias pois essa atividade estaacute comprometida por questotildees de custos as-pectos operacionais e profissionais instaacuteveis o que enseja des-qualificaccedilatildeo e falta de aceitaccedilatildeo da visita dos agentes por parte da populaccedilatildeo

A idealizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo em Sauacutede e mobilizaccedilatildeo social

Outro ponto citado pelos sujeitos adveacutem da dificuldade de surtir bons resultados com as atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede e mobilizaccedilatildeo social para o controle da dengue o que para eles na praacutetica natildeo significa que levaraacute maior participa-ccedilatildeo dos sujeitos

Eacute complicado tem pessoas que natildeo tem as condiccedilotildees miacutenimas de higiene natildeo tem aacutegua

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tratada natildeo tem esgoto e aiacute A gente taacute lidan-do com questotildees sociais tambeacutem principal-mente sabe A dengue natildeo eacute soacute uma doenccedila em si Ela traz uma questatildeo social tambeacutem Aiacute eacute preciso muito cuidado quando a gen-te for tratar dessas questotildees Eacute complicado (PS-02)

Eu estava fazendo um movimento social uma caminhada e eu parei assim e disse ateacute o seguinte lsquoPelo amor de Deus natildeo eacute possiacutevel que precise morrer algueacutem de vocecircs pra vo-cecircs acordarem rsquo Natildeo eacute isso que a gente quer Noacutes estamos querendo que eles se eduquem Coloquem o lixo no lugar e na hora certa que o lixo taacute passando Deixe o saco de lixo em casa Natildeo deixe acumular aacutegua naquele saco de lixo (LC01)

Na perspectiva de Teixeira (2008) eacute necessaacuterio desmisti-ficar o discurso de que comunicaccedilatildeo educaccedilatildeo e mobilizaccedilatildeo social por si eacute capaz de produzir mudanccedilas e controlar pro-blemas de sauacutede Especialmente os programas de controle da dengue devem ser atuantes com base em uma vigilacircncia epide-mioloacutegica eficaz um controle vetorial sustentaacutevel e sobretudo a promoccedilatildeo de accedilotildees de saneamento baacutesico tais como coleta de lixo adequada suprimento de aacutegua com qualidade e sem intermitecircncia esgotamento sanitaacuterio limpeza de logradouros puacuteblicos etc

Outro limite percebido pelos sujeitos eacute exemplificado na fala de uma educadora em sauacutede que reflete sobre um desafio do controle da dengue com apoio na compreensatildeo de que a dengue natildeo estaacute isolada de outros problemas socioeconocircmicos

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Vocecirc entra em uma casa () para falar da dengue do que eacute certo e o que eacute errado para a proliferaccedilatildeo do mosquito para uma pessoa que natildeo comeu que estaacute drogada ou que a matildee saiu e na casa soacute tem crianccedila Eacute compli-cado Entatildeo a populaccedilatildeo agraves vezes eacute um de-safio eacute complicado trabalhar com o povo A gente faz combina tudo mas na hora que vecirc uma situaccedilatildeo dessa trava tudo (MS-01)

Apesar de os estudos mostrarem que a participaccedilatildeo social eacute um caminho para o controle da dengue - e as falas indicam que a participaccedilatildeo em uma comunidade engajada eacute possiacutevel - deve-se levar em consideraccedilatildeo o fato de que que os caminhos para o devido controle da doenccedila ainda satildeo influenciados por vaacuterias lacunas

Efetivamente nos bairros de estratos sociais mais baixos onde as populaccedilotildees se veem apartadas de seus direitos es-senciais a dengue tende a se caracterizar como problema de menor grandeza que pode ser explicado pela emergecircncia em suprir outras necessidades essenciais (CHIARAVALLOTI et al 2007)

Esta constataccedilatildeo daacute ecircnfase a alguns questionamentos le-vantados pelos sujeitos Como orientar uma famiacutelia que natildeo tem condiccedilotildees miacutenimas de higiene a natildeo armazenarem aacutegua em recipientes abertos Como orientar moradores com trans-tornos psicossociais a limparem seus quintais

Em um estudo de Chiaravalloti e colaboradores (2007) foi visto que essa eacute uma dificuldade tambeacutem percebida no Pro-grama Sauacutede da Famiacutelia quando os agentes comunitaacuterios de sauacutede alegam que o trabalho de conscientizaccedilatildeo concorre com o atendimento agraves carecircncias imediatas

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CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Os resultados mostraram que os funcionaacuterios do controle da dengue conhecem as limitaccedilotildees no controle da dengue ba-seado no uso de inseticidas e que a populaccedilatildeo em uma comu-nidade engajada socialmente eacute possiacutevel mas que a prevenccedilatildeo deve ser pautada em uma comunidade participativa e natildeo ape-nas com atividades de Educaccedilatildeo em Sauacutede

Dado esse contexto mais do que uma lista de praacuteticas ade-quadas como ldquotampe seu balderdquo ldquolimpe sua vasilhardquo e ldquonatildeo acumule aacuteguardquo o empoderamento dos moradores deve per-mitir tambeacutem um espaccedilo de autogestatildeo em sauacutede em contato estreito com as autoridades envolvidas no processo

A experiecircncia demostra que os esforccedilos de participaccedilatildeo esbarram em uma complexidade no que tange agrave relaccedilatildeo en-tre sauacutede ambiente e doenccedilas transmissiacuteveis por vetores Para solucionar este empasse as possibilidades se alinham a uma integraccedilatildeo interdisciplinar com uma accedilatildeo de controle vetorial racional reconhecendo os saberes locais a fim de estabelecer uma autonomia comunitaacuteria sem excluir no cerne da questatildeo as responsabilidades puacuteblicas no sentido de promover uma in-fraestrutura adequada a reorganizaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede e a formulaccedilatildeo de programas que sustentem a intervenccedilatildeo sobre o processo sauacutede-doenccedila das coletividades

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CAPIacuteTULO 9

O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO SOBRE SAUacuteDE DIREITO agrave SAUacuteDE E PARTICIPA-ccedilAtildeO

Berenice Temoteo da SilvaLucia Conde de Oliveira

Maria Homeacuteria Leite de Morais Sampaio

INTRODUccedilAtildeO

As principais bandeiras do movimento da Reforma Sani-taacuteria Brasileira satildeo a defesa da sauacutede como direito de todos e dever do Estado a criaccedilatildeo de um sistema uacutenico de sauacutede e a concepccedilatildeo ampliada de sauacutede Esse movimento se insere na luta pela democratizaccedilatildeo da sociedade bem como no desen-volvimento de uma nova consciecircncia sanitaacuteria entre os sujeitos partiacutecipes desse processo ndash intelectuais usuaacuterios trabalhado-res de sauacutede gestores e prestadores de serviccedilos

Essas bandeiras vatildeo ser inscritas na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que estabelece o direito agrave sauacutede e pressupotildee a res-ponsabilidade do Estado na implantaccedilatildeo de poliacuteticas sociais e econocircmicas capazes de reduzir os riscos de doenccedilas e melhorar as condiccedilotildees de vida e de trabalho da populaccedilatildeo

Como se vive poreacutem numa sociedade de classes o Estado eacute compreendido como espaccedilo para disputa poliacutetica passiacutevel de incluir parcialmente os interesses das classes dominadas (SE-VERO DA ROS 2012) Para tanto eacute necessaacuteria a participaccedilatildeo da sociedade civil nos espaccedilos de decisatildeo para a garantia de direitos

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Com efeito o direito agrave sauacutede de forma universal integral e equacircnime e a participaccedilatildeo das entidades comunitaacuterias na gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede representam um grande avanccedilo no processo de democratizaccedilatildeo da sociedade brasileira Isso significa importante conquista resultante do movimento da Reforma Sanitaacuteria

A institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS estabelecida pela Lei 81421990 entre outras providecircncias cria os conselhos de sauacutede de caraacuteter perma-nente deliberativo e paritaacuterio em relaccedilatildeo aos usuaacuterios Esses conselhos possuem a atribuiccedilatildeo de atuar na formulaccedilatildeo e con-trole da execuccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede representando um mecanismo para continuar a luta pela concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

O poder de deliberaccedilatildeo dos conselhos corresponde ao mais elevado grau de participaccedilatildeo Na categorizaccedilatildeo de Pate-man (1992) eacute uma participaccedilatildeo plena No modelo de anaacutelise de Arnstein (1969) representa o poder cidadatildeo No estudo em-piacuterico realizado por Oliveira (2006) no entanto os conselhei-ros participam das discussotildees no conselho poreacutem natildeo tecircm o poder de decisatildeo Na classificaccedilatildeo de Pateman corresponderia a uma participaccedilatildeo parcial e na taxionomia de Arnstein seria uma participaccedilatildeo simboacutelica

Este texto eacute parte de uma dissertaccedilatildeo de mestrado que in-vestigou as concepccedilotildees de conselheiros sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo no Conselho Municipal de Sauacutede de Cra-tondashCE A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada com 18 conselheiros dos quais 12 represen-tavam os usuaacuterios e seis os trabalhadores da sauacutede A anaacutelise de dados consistiu na anaacutelise do discurso do sujeito coletivo Os sujeitos entrevistados foram identificados por S1 S2

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S18 Cada DSC foi organizado com base nas expressotildees chave selecionado das entrevistas que traduziam as ideias centrais aprendidas nas falas dos entrevistados

O estudo obedeceu agraves normas e preceitos eacuteticos que orien-tam a pesquisa com seres humanos e obteve parecer favoraacutevel do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute

O que eacute sauacutede

Ao longo da histoacuteria a sauacutede foi tratada como se natildeo pu-desse ser apreendida pela razatildeo e por isso natildeo pertencesse ao campo cientiacutefico (ALMEIDA FILHO 2011) Neste sentido existiu uma discussatildeo secular questionando a sauacutede como um objeto cientiacutefico na medida em que esta era compreendida de forma tatildeo ampla que transcenderia o olhar da ciecircncia

A sauacutede passou poreacutem a ser amplamente reconhecida como objeto cientiacutefico e foi conceituada pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) como o completo estado de bem-es-tar fiacutesico mental e social natildeo consistindo apenas na ausecircncia de doenccedila Essa definiccedilatildeo tem o meacuterito de ser uma matriz para estimular as naccedilotildees a buscarem a garantia de bens e serviccedilos que promovam a sauacutede conforme essa concepccedilatildeo (SANTOS 2010)

Apesar da criacutetica a essa definiccedilatildeo por ser um conceito estaacutetico e irrealizaacutevel a definiccedilatildeo de sauacutede trazida pela OMS permaneceu despertando o interesse de intelectuais da comu-nidade cientiacutefica Foi na primeira Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo da Sauacutede realizada em Ottawa Canadaacute em novembro de 1986 que foram estabelecidos poreacutem os preacute-re-quisitos para a sauacutede na sua concepccedilatildeo ampla A Organiza-ccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a OMS foram grandes

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apoiadoras da difusatildeo desse conceito de sauacutede formulado na Carta de Ottawa (PAIM 2006)

Vale ressaltar que a sauacutede eacute uma questatildeo complexa por envolver fatores bioloacutegicos socioambientais econocircmicos culturais e de estilo de vida (SANTOS 2010) Assim como na perspectiva teoacuterica a sauacutede tambeacutem se mostrou plural na compreensatildeo dos conselheiros pesquisados Neste sentido utilizando a teacutecnica de organizaccedilatildeo de dados proposta por Le-feacutevre e Lefeacutevre (2005) denominada de DSC foi possiacutevel elabo-rar dois discursos coletivos externados de acordo com a ideia central em grupamentos organizados pelas letras do alfabeto

De acordo com o Quadro 1 os grupamentos A e B expli-cam a ideia de sauacutede na perspectiva biologicista minoritaacuteria entre os entrevistados condensados no DSC 1 jaacute os grupa-mentos C D e E trazem a compreensatildeo ampliada de sauacutede e aglutinam-se em torno do DSC 2 contemplado na maioria das falasQuadro 1 Siacutentese das ideias centrais sobre sauacutede

DSC 1 A Ausecircncia de doenccedila

B Ter higiene

DSC 2 C Bem-estar

D A dimensatildeo social da sauacutede

E Qualidade de vida

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores

Vale ressaltar que na fala os sujeitos pesquisados por ve-zes exprimiram um discurso contraditoacuterio na medida em que compreenderam sauacutede como ausecircncia de doenccedila e tambeacutem re-conheceram elementos da concepccedilatildeo ampliada de sauacutede Esse

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fato foi evidenciado nos sujeitos 16 e 18 os quais contribuiacuteram para a formaccedilatildeo do DSC 1 e 2 e que denotaram concepccedilotildees divergentes de sauacutede

DSC1 Eu acho que sauacutede eacute natildeo estaacute doen-te natildeo sentir dor A aacutegua que a gente bebe e a limpeza por exemplo faz parte da sauacutede Sauacutede eacute ter bom atendimento meacutedico ter um posto de sauacutede adequado para atender todos os cidadatildeos e caso necessaacuterio fazer encami-nhamento ou seja eacute ter um tratamento ade-quado pelo menos o baacutesico (S5 S16 S18)

Este discurso restringe o conceito de sauacutede agrave sua dimen-satildeo biologicista uma vez que o situa como ausecircncia de doenccedila e higiene Tendo em vista que a consciecircncia da determinaccedilatildeo social da sauacutede decorre de uma experiecircncia mediatizada pela teoria o discurso do sujeito coletivo sugere a inexistecircncia da mediaccedilatildeo da experiecircncia existencial desses conselheiros com a teoria de sauacutede presente no arcabouccedilo juriacutedico do SUS

Este mesmo posicionamento esteve presente no estudo realizado por Bosi e Affonso (1998) no Municiacutepio do Rio de Janeiro ainda na primeira deacutecada de implantaccedilatildeo do SUS cujo objeto de anaacutelise correspondia ao conceito de sauacutede na perspectiva dos usuaacuterios Ao deparar a concepccedilatildeo de sauacutede como ausecircncia de doenccedila os referidos autores sugerem que na ausecircncia da mediaccedilatildeo de um saber cientiacutefico abstrato o su-jeito coletivo encontra como criteacuterio para definir sauacutede unica-mente sua experiecircncia concreta expressa pela ausecircncia de dor

Casos e esteja de acordo com o fato de que sauacutede eacute muito mais do que ausecircncia de doenccedila por outro lado natildeo se pode discordar de que tambeacutem seja isto Indaga-se todavia se ao admitir tal concepccedilatildeo natildeo haacute um comprometimento da luta pela sauacutede nos espaccedilos decisoacuterios do Conselho uma vez que

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os horizontes almejados nessa luta correspondem a elementos suficientes para garantir serviccedilos com funccedilotildees curativas

O DSC2 emerge das falas dos sujeitos guiado pela indaga-ccedilatildeo sobre a concepccedilatildeo de sauacutede de modo que as ideias centrais indicadas nos grupamentos C D e E corroboram o conceito ampliado de sauacutede conforme mostra-se a seguir

DSC 2 Sauacutede eacute o bem-estar do ser humano eacute estaacute bem de sauacutede com o corpo fiacutesico e com a mente estaacute com seu espiacuterito em paz bem consigo mesmo dessa forma eu acho que a sauacutede envolve o ser como um todo A sauacutede para mim estaacute acima de tudo vocecirc pode ter dinheiro vocecirc pode ter todos os bens ma-teriais mas se natildeo tiver sauacutede vocecirc natildeo eacute nada pois vocecirc natildeo pode trabalhar estudar Entatildeo a sauacutede eacute vocecirc viver bem ter moradia digna saneamento baacutesico alimentaccedilatildeo sau-daacutevel sem agrotoacutexico produzir seu proacuteprio alimento com qualidade cuidando do meio ambiente eacute vocecirc ter trabalho digno e obter o seu sustento eacute ter qualidade de vida (S1 S2 S3 S4 S6 S9 S10 S11 S12 S13 S14 S15 S16 S17 S18)

O discurso referido haacute pouco exprime a sauacutede como valor numa perspectiva de totalidade e estaacute em sintonia com a con-cepccedilatildeo expressa no artigo 3ordm da Lei Orgacircnica 80801990 O DSC reconhece a dimensatildeo social da sauacutede e considera os seus fatores determinantes e condicionantes os quais consistem na alimentaccedilatildeo moradia saneamento baacutesico meio ambiente trabalho renda educaccedilatildeo transporte lazer e acesso aos bens e serviccedilos essenciais

Outro aspecto presente no grupamento E do DSC 2 con-siste na percepccedilatildeo de sauacutede como qualidade de vida Do mes-

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mo modo que o conceito de sauacutede eacute complexo assim eacute tam-beacutem a definiccedilatildeo de qualidade de vida Para a OMS esta pode ser entendida como a percepccedilatildeo da pessoa de sua posiccedilatildeo na vida no contexto de cultura e sistema de valores e em relaccedilatildeo aos seus objetivos expectativas padrotildees e preocupaccedilotildees

O direito agrave sauacutede no contexto neoliberalNa intelecccedilatildeo de Coelho (2012) com a evoluccedilatildeo da ideia

ampliada de sauacutede trazida pelo movimento de Reforma Sani-taacuteria o direito agrave sauacutede tambeacutem avanccedilou significativamente Para a autora novas praacuteticas aleacutem da assistencial foram en-globadas ao cuidado com a sauacutede e tambeacutem passaram a ser dever do Estado Assim o direito agrave sauacutede ultrapassando uma dimensatildeo legal passou a integrar as reivindicaccedilotildees populares

A conquista desse direito entretanto numa sociedade de capitalismo perifeacuterico como a brasileira na vigecircncia da crise do Estado de Bem-Estar nos paiacuteses centrais com a adoccedilatildeo do neoliberalismo impotildee grandes restriccedilotildees agrave garantia desse di-reito A recomendaccedilatildeo por parte dos organismos multilaterais de focalizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas nas populaccedilotildees mais po-bres teraacute como consequecircncia o financiamento insuficiente do SUS repercutindo em todos os niacuteveis do sistema

Neste sentido no questionamento em torno do direito agrave sauacutede as concepccedilotildees foram bastante amplas de modo que possibilitaram a elaboraccedilatildeo de trecircs discursos conforme apre-sentado no Quadro 2 O DSC 3 estaacute relacionado aos escritos presentes na lei e foi organizado em torno dos grupamentos A e B O DSC 4 expressa o direito agrave sauacutede no sentido de acesso e corresponde aos grupamentos C e D E o DSC 5 denotando a sauacutede como direito violado foi sintetizado nos grupamentos E F e G

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Quadro 2 Siacutentese das ideias centrais sobre direito agrave sauacutede

DSC 3 A Direito fundamental

B Ferramenta de luta

DSC 4 C Acesso aos bens determinantes para garan-tia da sauacutede

D Acesso aos serviccedilos de sauacutede

DSC 5 E As iniquidades presentes na garantia desse direito

F O direito reconhecido na lei poreacutem natildeo concretizado

G A cultura patrimonialistaFonte Elaboraccedilatildeo dos autores

Neste sentido a ideia central presente no grupamento A remete-nos ao direito agrave sauacutede como um direito fundamental conquistado pela sociedade na forma de lei federal devendo ser garantido pelo Estado E no grupamento B reconhece que a simples existecircncia de tal lei natildeo garante sua concretizaccedilatildeo para isso sendo necessaacuteria a luta

DSC 3 Direito a sauacutede esse eacute um direito como o direito a vida eacute um direito natural fundamental A gente vive em um paiacutes de-mocraacutetico assim o direito a sauacutede foi uma conquista na Constituiccedilatildeo de 1988 uma conquista nossa ningueacutem precisa bater na porta de ningueacutem pedindo uma coisa que jaacute eacute sua um direito conquistado no entanto muito sangue foi derramado por conta disso Todos noacutes temos direito agrave sauacutede garantida pela constituiccedilatildeo federal jaacute estaacute dizendo eacute lei eacute direito de todos da classe mais humil-

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de agrave classe mais poderosa portanto direito a sauacutede eacute um direito do cidadatildeo que estaacute laacute na Constituiccedilatildeo e o governo tem obrigaccedilatildeo de oferecer uma sauacutede de qualidade eacute um dever do estado do municiacutepio e tambeacutem da ins-tacircncia federal porque noacutes pagamos impostos e se pagamos impostos noacutes temos direito Contudo para a gente ter os nossos direitos garantidos o cidadatildeo tem que lutar para ter direito agrave sauacutede (S2 S4 S9 S10 S11 S12 S14 S16 S17)

A expressatildeo direitos humanos data do seacuteculo XX e veio substituir o termo ateacute entatildeo corrente de direitos naturais Os direitos humanos satildeo denotados como direitos inerentes ao ser humano que mesmo natildeo estando expresso em nenhum documento informativo natildeo deixaratildeo jamais de ser direitos humanos Jaacute os direitos fundamentais satildeo direitos humanos positivados nas constituiccedilotildees nas leis nos tratados internacio-nais (AITH 2010)

Com efeito a Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988 re-conheceu expressamente a sauacutede como um direito fundamen-tal Tal reconhecimento legal eacute de grande importacircncia pois so-mente com a positivaccedilatildeo de um direito humano eacute que se abre o caminho para a sua plena realizaccedilatildeo

Anteriormente agrave Constituiccedilatildeo de 1988 a assistecircncia agrave sauacutede era assegurada apenas para os trabalhadores vinculados ao mer-cado formal de trabalho segurados da previdecircncia social Era um sistema de proteccedilatildeo social organizado sob a loacutegica do segu-ro e tinha direito apenas quem contribuiacutea (OLIVEIRA 2006)

Dessa forma a sauacutede natildeo era reconhecida como um di-reito e por essa razatildeo o Estado natildeo tinha esse dever para com a sociedade Com os questionamentos e a luta da sociedade

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civil acerca das poliacuteticas de proteccedilatildeo social garantidas pelo Estado somente para uma pequena parcela da populaccedilatildeo fo-ram requeridas mudanccedilas no setor sauacutede de forma a tornaacute-lo democraacutetico acessiacutevel universal e equacircnime (GERSCHMAN 2004)

Portanto o direito humano agrave sauacutede juriacutedico-positivado em direito fundamental e a criaccedilatildeo do SUS na Constituiccedilatildeo Federal representam uma conquista dos cidadatildeos A luta pela sauacutede universal e puacuteblica de qualidade contudo natildeo termina na consagraccedilatildeo desse direito na Constituiccedilatildeo uma vez que a institucionalidade representa a conquista de uma ferramenta de luta e natildeo a garantia da efetivaccedilatildeo desse direito O reconhe-cimento da constitucionalidade do direito agrave sauacutede eacute um ins-trumento de luta para os conselheiros nos espaccedilos decisoacuterios e representa um mecanismo potencial na sua concretizaccedilatildeo

O DSC 4 se refere ao direito agrave sauacutede essencialmente como ideia de acesso Nesta perspectiva haacute duas ideias centrais re-presentadas pelos grupamentos C no sentido de acesso aos bens e serviccedilos determinantes sociais da sauacutede e D relaciona-do ao acesso aos serviccedilos de sauacutede

DSC 4 Direito a sauacutede eacute a pessoa ter acesso agrave sauacutede a todos os determinantes sociais que levam o cidadatildeo a ter sauacutede como ter mo-radia digna como ter emprego digno como ter acesso agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel cuidado do meio ambiente Uma pessoa laacute na Alemanha dura 100 110 anos isso eacute a sauacutede mais de qualidade a gente ver aquela praccedila tem onde vocecirc fazer educaccedilatildeo fiacutesica tem onde vocecirc jo-gar uma bolinha tem os idosos correndo os idosos andando mais numa aacuterea bem boa florestal Eu acho que direito agrave sauacutede eacute ter di-reito ao meacutedico eacute ter direito aos exames eacute

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ter direito tambeacutem a medicaccedilatildeo eacute o povo ter acesso as comunidades de mais difiacutecil acesso facilite o transporte para a equipe meacutedica ir fazer as visitas e tambeacutem na hora de chegar a um hospital tambeacutem ser atendido ter direito a um atendimento adequado a gente ter um bom atendimento se eu natildeo estou bem quero chegar no posto de sauacutede e quero ser aten-dida (S4 S5 S6 S8 S10 S11 S12 S13 S18)

Esse discurso demonstra a compreensatildeo dos conselheiros acerca do direito agrave sauacutede em conformidade com o artigo 196 da Constituiccedilatildeo na medida em que o direito agrave sauacutede estaacute rela-cionado ao acesso agrave sauacutede no seu conceito amplo e ao sistema de serviccedilos de sauacutede

Mencionado artigo pressupotildee que o Estado deve natildeo ape-nas garantir serviccedilos puacuteblicos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recu-peraccedilatildeo da sauacutede mas tambeacutem adotar poliacuteticas econocircmicas e sociais que melhorem as condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo evitando assim o risco de adoecer (GARBOIS VARGAS CUNHA 2008)

Corrobora-se entretanto a indagaccedilatildeo de Santos (2010) quando refletindo sobre a amplitude da redaccedilatildeo desse artigo a autora questiona sobre qual seraacute o campo de atuaccedilatildeo do sis-tema de sauacutede - Como dotar um sistema de serviccedilos puacuteblicos que garantam o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e servi-ccedilos de sauacutede e aos seus determinantes sociais

Uma vez que o exerciacutecio do direito agrave sauacutede universal e integral passa a depender das necessidades das pessoas com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 tornou-se o principal argu-mento para que as necessidades insatisfeitas dos usuaacuterios do SUS se transformassem natildeo soacute em demandas poliacuteticas e so-ciais como tambeacutem em demandas judiciais (FLEURY 2012)

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Esse fato somado agraves condiccedilotildees financeiras adversas ateacute hoje natildeo superadas em que o SUS foi implantado certamente impede a distribuiccedilatildeo igualitaacuteria de serviccedilos de qualidade de forma que a populaccedilatildeo se ache segura napuniccedilatildeo desse direito Esta contradiccedilatildeo entre o texto legal e a realidade institucional eacute responsaacutevel pela judicializaccedilatildeo da sauacutede (FLEURY 2012)

Em meio ao amplo campo de atuaccedilatildeo do sistema de sauacutede e agrave judicializaccedilatildeo do SUS cabe citar o decreto 75082011 que regulamenta a Lei 80801990 Esse decreto obriga o Ministeacuterio da Sauacutede a estabelecer o pacote dos serviccedilos de sauacutede por meio da Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede que agluti-na todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede Tambeacutem regulamenta a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos (RENA-ME) que deve estabelecer todos os medicamentos que podem ser disponibilizados pelo SUS em suas unidades proacuteprias e conveniadas Estas devem ser renovadas a cada dois anos Fato demonstrativo que o direito agrave sauacutede eacute uma obra jamais aca-bada de modo que sua concretizaccedilatildeo eacute tensionada de forma permanente e dependente da participaccedilatildeo de vaacuterios agentes sociais dos poderes estatais e da sociedade civil (SILVA 2012)

Ainda explicando a compreensatildeo dos conselheiros acerca do direito agrave sauacutede emerge o DSC 5 composto por trecircs ideias centrais representadas pelo grupamento E denunciando as iniquidades presentes na garantia desse direito grupamento F no qual o direito agrave sauacutede eacute reconhecido na lei poreacutem natildeo concretizado e o grupamento G denunciando a cultura patri-monialista que interfere na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede

DSC 5 A sauacutede eacute um direito nosso Soacute que eacute um direito atribuiacutedo a poucos Eacute como se o Brasil fosse dois ou trecircs Brasis O SUS na rea-

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lidade eacute excelente soacute que ele natildeo funciona na maneira que deveria funcionar estaacute longe de realizar o que esta no papel Porque se fosse do jeito que esta laacute na Constituiccedilatildeo no artigo que se refere agrave sauacutede isso aqui era uma ma-ravilha estava melhor que a Suiacuteccedila Na reali-dade eacute um direito que estaacute sendo totalmente distorcido porque tecircm pessoas que acham que eacute um favor para conseguir uma consulta via SUS para conseguir um atendimento via SUS num hospital ou num posto tem que ser por o intermeacutedio de algueacutem vatildeo laacute e dizem eu vou ajeitar e muitas vezes o intermeacutedio eacute simplesmente para tirar vantagens futuras muitas vezes pessoas procuram determina-das pessoas por influecircncias poliacuteticas para tirar proveito eacute o que temos visto nas confe-recircncias municipais de sauacutede o nosso direito jogado como um favor poliacutetico Infelizmente os gestores de hoje em dia natildeo cumprem com sua responsabilidade essa parte do dinheiro que agraves vezes eacute desviado entatildeo o direito agrave sauacute-de eacute violado todos os dias eacute surrupiado da populaccedilatildeo que mais carece ele natildeo eacute cumpri-do (S2 S3 S4 S5 S9 S14 S15 S17)

Supondo de saiacuteda que toda a sociedade brasileira eacute be-neficiaacuteria do SUS especialmente dos bens puacuteblicos de sauacutede que ele oferece Medici (2010) realizou uma pesquisa sobre as iniquidades na utilizaccedilatildeo do SUS entre ricos e pobres e eviden-ciou que as iniquidades do SUS natildeo estatildeo no gr au de utiliza-ccedilatildeo do sistema por parte de ricos e pobres pois os grupos de renda mais elevadas utilizam bem menos o sistema do que os mais pobres As iniquidades do uso do SUS poreacutem entre ricos e pobres repousam na natureza dos procedimentos que o siste-ma disponibiliza aos mais ricos procedimentos que podem ser

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questionados quanto agrave prioridade social e essencialidade ante a escassez de recursos (MEDICI 2010)

Nesta perspectiva acrescenta-se a causa das iniquidades de acesso aos bens e serviccedilos de sauacutede do SUS aleacutem da rela-ccedilatildeo entre ricos e pobres relacionada ao baixo financiamento do sistema o que restringe a oferta de accedilotildees e serviccedilos assim como as formas de privatizaccedilatildeo do sistema que destina grande volume de recursos para compra de serviccedilos no setor privado como tambeacutem o uso privado da coisa puacuteblica por meio do favor e do clientelismo

Neste sentido na medida em que as iniquidades sociais em sauacutede podem ser compreendidas como a diferenccedila no esta-do de sauacutede entre grupos tais iniquidades no uso dos serviccedilos podem estar relacionadas ao aprofundamento das desigualda-des sociais em sauacutede

Aqui cabe referir a ideia de Paim (2009) de SUS para po-bres refletindo uma noccedilatildeo reducionista de que asauacutede publica eacute coisa para pobre sendo suficiente uma medicina simplifica-da Jaacute os defensores do SUS real ateacute reconhecem o direito agrave sauacutede entretanto na medida em que satildeo refeacutens da ideologia neoliberal predominante nas instituiccedilotildees puacuteblicas resignam-se com a situaccedilatildeo e terminam favorecendo o crescimento do mercado privado de sauacutede O SUS formal corresponde aoque estaacute estabelecido pela Constituiccedilatildeo federal constituiccedilotildees esta-duais e leis orgacircnicas embora distante da realidade dos servi-ccedilos puacuteblicos em que prevalecem o SUS real e o SUS para po-bres (PAIM 2009) Eacuteneste contexto que o direito agrave sauacutede foi trazido no discurso coletivo ao retratar a distacircncia entre esse SUS para pobres e tambeacutem real e o SUS formal

Quando a proacutepria populaccedilatildeo natildeo reconhece os serviccedilos de sauacutede como um direito esses podem ser utilizados como moe-

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da de troca de favores A ausecircncia do sentido do bem puacuteblico caracteriza as praacuteticas fundamentadas na cultura patrimonia-lista Eacute neste sentido que o sujeito coletivo percebe o direito agrave sauacutede como um direito violado pois convive com uma realida-de na qual o direito agrave sauacutede muitas vezes eacute negado Essas expe-riecircncias provocam nos entrevistados um conflito haja vista os seus conhecimentos do texto Constitucional e o cotidiano que enfrentam nos serviccedilos de sauacutede

Os dilemas da participaccedilatildeo

Com a finalidade de conhecer os pensamentos e as opi-niotildees dos conselheiros sobre a participaccedilatildeo utilizamos a se-guinte pergunta o que vocecirc entende por participaccedilatildeo

O quadro 3 expressa as ideias centrais sobre participaccedilatildeo das quais emergem trecircs discursos o DSC 6 traz a participaccedilatildeo no sentido de fazer parte o DSC 7 na perspectiva de fazer mo-vimento social e o DSC 8 exprime uma ideia aproximada do conceito de participaccedilatildeo poliacuteticaQuadro 3 Siacutentese das ideias centrais sobre participaccedilatildeo

DSC 6A Representar a populaccedilatildeo na associaccedilatildeo e no conselho

B Estar presente em reuniotildees do conselho e de entidades

DSC 7C Reunir e expressar a demanda da populaccedilatildeo no conse-

lho

D Lutar para que as demandas da populaccedilatildeo sejam aten-didas

DSC 8

E Participar das discussotildees nos espaccedilos puacuteblicos

F Fiscalizar as accedilotildees do Estado por parte da sociedade civil

G Propor soluccedilotildees para os serviccedilos de sauacutede no conselho

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores

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O DSC 6 foi organizado em torno de duas ideias centrais representar a populaccedilatildeo na associaccedilatildeo e no conselho e estar presente em reuniotildees do Colegiado e de entidades Nas classi-ficaccedilotildees de Pateman (1992) e Arnstein (1969) eacute uma pseudo-participaccedilatildeo ou natildeo participaccedilatildeo respectivamente

DSC 6 A participaccedilatildeo eacute a comunidade eleger seus membros para junto com eles a gente colher o que eacute votado e que tem maioria de votaccedilatildeo portanto eacute representar a associaccedilatildeo Neste sentido participaccedilatildeo eacute a presenccedila da pessoa nas associaccedilotildees entidades nas reu-niotildees do conselho eacute estaacute engajado nos movi-mentos participando de alguma coisa assim alguma entidade com a finalidade de procu-rar estar informado dos direitos (S3 S6 S8 S16 S17 S18)

Inicialmente eacute compreensiacutevel que a participaccedilatildeo esteja conceituada no sentido de estar presente nas reuniotildees jaacute que somente aprendemos a participar participando No iniacutecio des-sa trajetoacuteria estar presente tem fundamental relevacircncia so-bretudo para tomar conhecimento dos direitos e deveres do cidadatildeo faz parte do processo de aprendizagem Permanecer todavia nas instacircncias deliberativas apenas com essa perspec-tiva de passividade prejudica natildeo soacute a representaccedilatildeo dos inte-resses dos representados mas favorece tambeacutem a legitimaccedilatildeo dos interesses dos que realmente decidem

Continuando a explanaccedilatildeo da ideia dos conselheiros sobre participaccedilatildeo o sujeito coletivo a conceitua numa perspectiva que evidencia a relaccedilatildeo dos conselheiros com a comunidade trazendo a ideia da representaccedilatildeo dos interesses comunitaacuterios e sua reivindicaccedilatildeo (DSC 7) Dessa forma a ideia central pre-sente nesse discurso considera participaccedilatildeo como reunir e ex-

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pressar a demanda (grupamento C) e lutar para que esta seja atendida (grupamento D)

DSC 7 Eacute vocecirc estaacute junto das pessoas vocecirc tem que ter uma escuta do povo esse povo tem um objetivo as pessoas tecircm um foco Entatildeo eacute saber a necessidade do povo procu-rar saber o que realmente estaacute acontecendo na sua comunidade e a gente se juntar pautar de forma organizada e tomar uma posiccedilatildeo e vamos atraacutes cobrar o que eacute que tem que vir para a melhoria daquela comunidade Levar as suas reivindicaccedilotildees para quem de direito cobrar que realmente aquilo seja feito de-fender aquilo que a gente entende que eacute um direito e uma necessidade buscar melhorias para a populaccedilatildeo e reivindicar o bem estar do ser humano (S1 S2 S4 S5 S6 S13 S16 S18)

Os interesses disputados pela sociedade civil nos conse-lhos de sauacutede devem corresponder agraves demandas de um movi-mento na base como associaccedilotildees sindicatos ONGs etc Nesse movimento eacute fundamental que as reivindicaccedilotildees coletivas se-jam pautadas e natildeo os interesses particulares

A representaccedilatildeo dos movimentos sociais no conselho ad-quire relevacircncia na medida em que este espaccedilo funciona como instacircncia fiscalizadora no intuito de reduzir a possibilidade de transgressatildeo pelo Estado e esses representantes se configuram como porta-vozes das demandas populares (OLIVEIRA PI-NHEIRO 2010)

Para Gohn (2011) a participaccedilatildeo de segmentos sociais na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a possibilidade de a populaccedilatildeo ter acesso aos espaccedilos nos quais as decisotildees satildeo tomadas possibi-litam imprimir um novo formato a essas poliacuteticas Esse processo exige outro padratildeo de relaccedilotildees entre Estado e Sociedade Civil

211

No DSC 8 a participaccedilatildeo eacute entendida como a inclusatildeo das entidades no conselho participando do processo de debate de maneira democraacutetica (grupamento E) Aleacutem da participaccedilatildeo por meio do voto os conselheiros a expressaram no sentido de fiscalizar discurso representado pelo grupamento F e sobre-tudo propor soluccedilotildees para os problemas do sistema de serviccedilos de sauacutede ideia central do grupamento G

DSC 8 Eacute uma luta social que envolve muita coisa sobretudo o que noacutes estamos vivendo laacute no proacuteprio conselho eacute o presidente dos sindicatos das associaccedilotildees discutindo demo-craticamente o seu espaccedilo junto aos conse-lhos portanto eacute o nosso direito de expressatildeo um direito que qualquer cidadatildeo tem pois estaacute na lei que vocecirc tem o direito de exigir seus direitos Essas manifestaccedilotildees que estatildeo aiacute todo mundo estaacute correndo atraacutes do que a gente realmente precisa a gente precisa co-brar ir aos conselhos cobrar e fiscalizar para que as coisas sejam feitas de forma justa de uma forma legal Assim aleacutem de participar das eleiccedilotildees com o voto a gente participa tambeacutem das poliacuteticas puacuteblicas trazendo solu-ccedilotildees para ajudar a sociedade de uma forma geral eacute isso (S2 S5 S6 S7 S9 S11 S14)

Para Coelho Andrade e Montoya (2006) o processo de institucionalizaccedilatildeo da participaccedilatildeo por meio dos conselhos eacute considerado como importante mecanismo da democracia deliberativa De acordo com os referidos autores o conteuacutedo substantivo desse modelo representa uma ampliaccedilatildeo do es-paccedilo puacuteblico com a possibilidade de a discussatildeo aberta e de-liberaccedilatildeo acerca de poliacuteticas puacuteblicas e a democratizaccedilatildeo do processo decisoacuterio

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Considerando essa perspectiva o discurso do sujeito cole-tivo trouxe a ampliaccedilatildeo do espaccedilo puacuteblico para discussatildeo aber-ta no entanto sem fazer referecircncia agrave deliberaccedilatildeo Levando em consideraccedilatildeo a escada de participaccedilatildeo cidadatilde de Arnstein a compreensatildeo acerca de participaccedilatildeo presente neste discurso eacute apresentada conforme o degrau mais alto dentro do niacutevel de participaccedilatildeo simboacutelica denominado de conciliaccedilatildeo

Neste degrau as regras permitem que os cidadatildeos faccedilam recomendaccedilotildees mas o poder de decidir continua retido nas matildeos de poucos Isso ocorre quando a sociedade pode opinar indefinidamente contudo tais opiniotildees natildeo se vinculam agrave de-cisatildeo (GARCIA 2009)

Outro elemento presente no DSC 8 consiste na fiscaliza-ccedilatildeo das accedilotildees do Estado por parte da sociedade civil nos espa-ccedilos do conselho de sauacutede contudo o exerciacutecio da fiscalizaccedilatildeo e do controle social requer conhecimentos e informaccedilotildees de que muitas vezes a maioria dos conselheiros natildeo dispotildee o que revela a fragilidade desse poder

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

O discurso hegemocircnico sobre sauacutede se relacionou ao es-tado de bem-estar e dessa forma considera-se que os entre-vistados possuem um conceito de sauacutede bastante proacuteximo ao que foi preconizado pelo movimento sanitaacuterio Ainda se iden-tificou poreacutem um discurso minoritaacuterio com uma dimensatildeo biologicista admitindo a ausecircncia de doenccedila como elemento explicativo para a sauacutede

O discurso do sujeito coletivo sobre o direito agrave sauacutede es-teve relacionado ao acesso aos bens e serviccedilos determinantes e condicionantes da sauacutede evidenciando o conhecimento teoacuteri-

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co eou praacutetico do Texto Constitucional A realidade de nega-ccedilatildeo desse direito entretanto foi denunciada pelos entrevista-dos o que demonstra a anguacutestia dos conselheiros em vivenciar essa contradiccedilatildeo

Por fim as concepccedilotildees de participaccedilatildeo dos conselheiros natildeo estatildeo permeadas pela plena consciecircncia da possibilidade de compartilhamento do poder de decisatildeo no processo de con-cretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tendo que avanccedilar neste sentido Acredita-se entretanto que essa participaccedilatildeoao buscar uma articulaccedilatildeo com seus representados pode configurar-se numa importante ferramenta de luta

Considera-se que as concepccedilotildees dos pesquisados sobre sauacutede direito agrave sauacutede e participaccedilatildeo estatildeo alinhadas com os referenciais do movimento da Reforma Sanitaacuteria poreacutem esse alinhamento tem pouca repercussatildeo na garantia do direito agrave sauacutede

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REFERecircNCIAS

AITH F Perspectivas do direito sanitaacuterio no Brasil as garantias ju-riacutedicas do direito agrave sauacutede e os desafios para sua efetivaccedilatildeo In SAN-TOS L Direito da sauacutede no Brasil Campinas SP Saberes 2010ALMEIDA FILHO N A o que eacute sauacutede Rio de Janeiro Fiocruz 2011ARNSTEIN S R A Ladder Of Citizen Participation Journal of the American Institute of Planners v 35 n 4 p 216-224 1969 Dispo-niacutevel em lthttpdxdoiorg10108001944366908977225gt Acesso em 21 out 2013BOSI M L M AFFONSO K C Cidadania participaccedilatildeo popular e sauacutede com a palavra os usuaacuterios da Rede Puacuteblica de Serviccedilos Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 14 n 2 p 355-365 abrjun 1998BRASILDecreto nordm 7508Presidecircncia da RepuacuteblicaCasa Civil de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras providecircncias Brasiacutelia Diaacuterio Oficial da Uniatildeo 28 jun 2011COELHO J S Construindo a Participaccedilatildeo Social no SUS um cons-tante repensar em busca de equidade e transformaccedilatildeo Sauacutede Soc Satildeo Paulo v 21 supl1 p 138-151 2012COELHO V S P ANDRADE I AL MONTOYA MC Foacuteruns deliberativos uma boa estrateacutegia para melhorar nossas poliacuteticas so-ciaisCronos Natal-RN v 7 n 1 p 15-25 janjun 2006FLEURYS Judicializaccedilatildeo pode salvar o SUS Sauacutede em Debate Rio de Janeiro v36 n93 p 159-162 abrjun 2012GARBOIS J A VARGAS L A CUNHA FTSO Direitoagrave Sauacutede na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia uma reflexatildeo necessaacuteriaPhysis Rio de Janeiro v 18 n 1 p 27-44 2008GARCIA L P Definiccedilatildeo de criteacuterios para verificaccedilatildeo da adequabili-dade do modelo level of participation de David Wilcox como base para a classificaccedilatildeo dos objetivos educacionais em accedilotildees de estiacutemulo

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ao controle social 2009 107p Monografia (Especializaccedilatildeo) Univer-sidade Gama Filho Brasiacutelia ndash DF 2009GERSCHMAN S A Democracia Inconclusa um estudo da Reforma Sanitaacuteria brasileira 2ed Rio de Janeiro Fiocruz 2004GOHN MG Conselhos gestores e participaccedilatildeo sociopoliacutetica Satildeo Paulo Cortez 2011LEFEgraveVRE F LEFEgraveVRE AM C Discurso do Sujeito Coletivo um enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos) 2 ed Caxias do Sul RS Educs 2005MEDICI A Breves consideraccedilotildees sobre a relaccedilatildeo entre financiamen-to da sauacutede e direito sanitaacuterio no Brasil In SANTOS L Direito da sauacutede no Brasil CampinasSP Saberes 2010OLIVEIRA LC As praacuteticas de participaccedilatildeo institucionalizadas e sua interface com a cultura poliacutetica um olhar sobre o cotidiano de um Conselho Municipal de Sauacutede no Nordeste brasileiro 258p Tese (doutorado) Instituto de Medicina Social - Universidade do Estado do Rio de Janeiro 2006OLIVEIRA L C PINHEIRO RA participaccedilatildeo nos conselhos de sauacutede e sua interface com a cultura poliacutetica Ciecircncia amp Sauacutede Coleti-va Rio de Janeiro v 15 n 5 p 2455-2464 2010PAIM JS Desafios para a sauacutede coletiva no seacuteculo XXI Salvador UDUFBA 2006_______ O que eacute o SUS Rio de Janeiro Fiocruz 2009PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 SANTOS L Direito da sauacutede no Brasil Campinas SP Saberes 2010SEVERO DO DA ROS MA A Participaccedilatildeo no controle social do SUS concepccedilatildeo do movimento dos trabalhadores rurais sem terra Sauacutede Soc Satildeo Paulo v 21 supl1 p 177-184 2012SILVA MBB O direito achado na rua introduccedilatildeo criacutetica ao direito agrave sauacutede Sauacutede em Debate Rio de Janeiro v 36 n 92 p 5-8 janmar 2012

PARTE 3

DIVERSIDADES EPISTEMOLoacuteGICAS

TEMAacuteTICAS

217

CAPIacuteTULO 10

ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DOS ASPECTOS HISToacuteRICOS DO ENVELHECI-MENTO AO PERFIL DEMOGRAacuteFICO DE IDO-SOS DO CEARAacute

Juliana Lucena de Miranda CavalcanteLiacutellian de Queiroz Costa

Elzo Pereira Pinto JuniorEdina Silva Costa

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

INTRODUccedilAtildeO

Desde o iniacutecio da civilizaccedilatildeo o envelhecimento eacute conside-rado fator relevante para a constituiccedilatildeo das sociedades (PA-PALEacuteO NETTO 2002 ALBUQUERQUE 2008 PEREIRA et al 2009) Em Roma e na Greacutecia no seacuteculo II aC os idosos eram valorizados e respeitados comandavam as famiacutelias e eram privilegiados pela sua experiecircncia (PAPALEacuteO NETTO 2002 ALBUQUERQUE 2008)

Alguns seacuteculos mais tarde jaacute na Idade Meacutedia os idosos eram pouco numerosos e sobreviver era uma tarefa aacuterdua ne-cessitando da ajuda da famiacutelia da igreja e de alguns senhores feudais (ALBUQUERQUE 2008)

De acordo com Piccolo (2011 p169) ldquodefinir a velhice eacute uma questatildeo social coletiva e profundamente complexardquo pois as concepccedilotildees de velhice variam de acordo com os periacuteodos histoacutericos Na Franccedila no seacuteculo XIX velho era compreendido como algueacutem que natildeo podia mais se sustentar financeiramente

218

sozinho passando a depender de outras pessoas Nada tinha de relacionado com a questatildeo cronoloacutegica (PICCOLO 2011)

A velhice surge como nova etapa da vida apenas no seacuteculo XIX Esse fato esteve vinculado agrave modernizaccedilatildeo das sociedades ocidentais e foi essencial para que se desenvolvessem socieda-des que determinassem a periodizaccedilatildeo da vida humana em etapas cronoloacutegicas (SILVA 2008)

A sociedade se torna cada vez mais complexa com pouca valorizaccedilatildeo da vida simples Os ideais se voltam agrave acumulaccedilatildeo de capital e agrave valorizaccedilatildeo do homem forte (produtivo) con-forme sua capacidade laboral Os mais fraacutegeis representados pelos idosos deficientes doentes e portadores de transtornos mentais satildeo postos agrave margem da sociedade (PAPALEacuteO NET-TO 2002 PICCOLO 2011)

Ante uma sociedade capitalista qualquer ameaccedila neste sentido pode ser avaliada por demais negativa Os processos patoloacutegicos fiacutesicos e psiacutequicos as alteraccedilotildees funcionais bem como a proacutepria chegada da velhice podem ser vistos como algo indesejado (GUERRA CALDAS 2010) Alguns estudos demonstram que idosos associam a chegada da velhice agrave perda da capacidade laboral e agrave dependecircncia em relaccedilatildeo agrave famiacutelia ou parentes proacuteximos aleacutem de estar relacionada ao aparecimento de enfermidades (SANTOS 2002 GUERRA CALDAS 2010)

A percepccedilatildeo desta etapa da vida como algo negativo tam-beacutem estaacute associada agrave sensaccedilatildeo de desaceleraccedilatildeo da vida Por conta de todas as perdas e acontecimentos os idosos necessi-tam de uma vida com maiores contatos com seus familiares e amigos procurando inclusive se envolver de forma ativa nas relaccedilotildees entre filhos e netos (LIMA COELHO 2011)

Contribuindo com essa visatildeo depreciativa do envelheci-mento aflora uma sociedade ligada a padrotildees de beleza deter-

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minados que prioriza a juventude e a esteacutetica das coisas e pes-soas Esse fato se concretiza quando se observa o crescimento do nuacutemero de cirurgias plaacutesticas e dos vaacuterios tratamentos de beleza e esteacutetica (MOTA 2002)

Eacute necessaacuterio destacar poreacutem que a velhice tambeacutem pode ser bem tolerada principalmente quando eacute esperada e isso ocorre devido uma seacuterie de fatores no decorrer da vida huma-na (LIMA COELHO 2011) Oliveira (2007) propotildee a necessi-dade da mudanccedila de paradigma estimulando a ruptura de es-tereoacutetipos negativos atribuiacutedos a este periacuteodo desmistificando esta etapa da vida como algo nocivo incorporando aspectos positivos reconhecendo esta fase como uma grande conquista social

Na concepccedilatildeo de Piccolo (2011 p172)Por uma questatildeo de coerecircncia tanto filosoacute-fica como praacutetica natildeo podemos coadunar com o pressuposto de que a juventude sig-nifique por si soacute sauacutede e o envelhecimento agrave simbologia de sua decadecircncia devido ao des-gaste do organismo

O envelhecimento natildeo eacute apenas algo natural e bioloacutegico mas se ldquoconstitui tambeacutem como elemento histoacuterico e social que varia de acordo com os interesses de uma determinada sociedaderdquo (OLIVEIRA 2007 SILVA FEIJAtildeO 2008) Enve-lhecer eacute um fenocircmeno complexo e multifacetado abrangendo diversas dimensotildees do conhecimento incluindo a bioloacutegica psicoloacutegica social demograacutefica juriacutedica poliacutetica entre outras (BERZINS BORGES 2012)

Nas uacuteltimas deacutecadas o aumento no nuacutemero de pessoas idosas eacute considerado elemento primordial que merece a aten-ccedilatildeo especial por parte da sociedade e dos poderes puacuteblicos A

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Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) se refere ao periacuteo-do dos anos de 1975 a 2025 como a era do envelhecimento (ALBUQUERQUE 2008) Este fenocircmeno eacute desafiador prin-cipalmente quando se pretende proporcionar qualidade sig-nificativa haacute esses anos acrescidos (CAMARANO et al 2004 MOIMAZ et al 2009 ROUQUAYROL ALMEIDA FILHO 2013)

Na perspectiva da evoluccedilatildeo cientiacutefica relacionada a essa etapa da vida tem-se que durante os seacuteculos XVIII e XIX surgiram alguns estudos meacutedicos referentes ao processo de envelhecimento poreacutem restritos agraves doenccedilas comuns da senili-dade e aos seus respectivos tratamentos (PEREIRA et al 2009) Somente no seacuteculo XX foi que se reconheceu a importacircncia de estudos que beneficiem o envelhecimento em outras pers-pectivas natildeo se limitando a questotildees patoloacutegicas e bioloacutegicas (PEREIRA et al 2009)

Assim o seacuteculo XX se destacou como um periacuteodo no qual a ciecircncia do envelhecimento teve grandes avanccedilos destacan-do-se o trabalho de Metchnikoff em 1903 que estabeleceu os fundamentos da Gerontologia (estudo da velhice de maneira interdisciplinar) e Nasher em 1909 com o surgimento da Ge-riatria desvendando os aspectos cliacutenicos deste periacuteodo (PA-PALEacuteO NETTO 2002)

Acredita-se que a experiecircncia acumulada dos idosos um dia poderaacute ser zelada e considerada como algo importante para a sociedade enquanto as descobertas teoacutericas e teacutecnicas poderatildeo ser descartadas ante as muitas outras novas descober-tas (NEGREIROS 2003)

Entendendo a importacircncia dos idosos na sociedade con-temporacircnea buscamos caracterizar o perfil demograacutefico dos idosos no Estado do Cearaacute

221

METODOLOGIA

Estudo ecoloacutegico quantitativo com abordagem descriti-va Esta pesquisa abrange as pessoas idosas (mais de 60 anos) residentes no Estado do Cearaacute no periacuteodo de 2000 a 2011 se-gundo as estratificaccedilotildees de macrorregiatildeo e microrregiotildees de sauacutede definidas pelo Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo (PDR) do Estado do Cearaacute

O periacuteodo do estudo foi subdividido em quatro triecircnios (2000 a 2002 2003 a 2005 2006 a 2008 e 2009 a 2011) de for-ma a reduzir as variabilidades anuais porventura existentes

Os dados foram obtidos de fontes secundaacuterias por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e do Instituto de Pesquisas e Estrateacutegias Econocircmicas do Cearaacute (IPECE)

A coleta de dados se deu com o auxiacutelio do programa Ta-bwin versatildeo 32 (arquivos reduzidos em formato de DEF) e posteriormente os dados foram organizados em planilhas do software Excel Nesse mesmo software foi conduzida a anaacutelise estatiacutestica descritiva realizada por meio das frequecircncias abso-lutas e relativas

Para o caacutelculo dos percentuais de idosos em cada faixa etaacuteria foi utilizado como referecircncia o total de idosos de cada triecircnio para se calcular os percentuais totais tomou-se como referecircncia a soma da populaccedilatildeo residente no Cearaacute em cada triecircnio segundo dados do IPECE

Apesar de este estudo envolver a utilizaccedilatildeo de banco de dados secundaacuterios ele foi enviado ao Comitecirc de Eacutetica em Pes-quisa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) para apre-ciaccedilatildeo eacutetica por meio do site da Plataforma Brasil obtendo parecer favoraacutevel (Nordm 370566)

222

RESULTADOS

Os resultados foram descritos com relaccedilatildeo aos aspectos demograacuteficos dos idosos (destacando especificamente faixas etaacuterias e gecircnero) os quais foram subdivididos de acordo com as microrregiotildees e macrorregiotildees de sauacutede do Estado

No Estado do Cearaacute observa-se aumento do nuacutemero de idosos passando de 664989 idosos em 2000 para 917199 em 2011 o que representa um acrescimo de 379 desse quantita-tivo em 12 anos (Figura 1)

Figura 1 ndash Crescimento do nuacutemero de idosos no Estado do Cearaacute de 2000 a 2011

Na tabela 1 realizou-se uma anaacutelise por triecircnios sendo possiacutevel observar o crescimento do nuacutemero de idosos de ma-neira geral ultrapassando o percentual de 88 do total da populaccedilatildeo (primeiro triecircnio) para 103 (uacuteltimo triecircnio)

223

Tabela 1 ndash Censo de idosos por triecircnio e faixa etaacuteria no Esta-do do Cearaacute no periacuteodo de 2000 a 2001

Grupos de idosos

(em anos)

1ordm Triecircnio 2ordm Triecircnio 3ordm Triecircnio 4ordm Triecircnio

2000-02 2003-05 2006-08 2009-11Nordm Nordm Nordm Nordm

60 a 69 1054782 526 1102142 5264 1140636 5181 1381630 5247

70 a 79 662865 3306 691802 3304 725178 3294 822131 3122

80 ou + 287316 1433 299635 1431 335397 1523 429275 163

Total 2004963 888 2093579 892 2201211 902 2633036 1038

Fonte DATASUS

Na visualizaccedilatildeo da figura 2 eacute perceptiacutevel o crescimento de idosos em nuacutemeros absolutos em todas as faixas etaacuterias Ob-serva-se tambeacutem que a coluna que representa os idosos com idades entre 70 a 79 anos permaneceu praticamente est aacutevel quase sem alteraccedilotildees Entretanto as colunas representantes dos idosos com 60 a 69 anos e 80 anos ou mais foram as que demonstraram maiores diferenccedilas no periacuteodoFigura 2 ndash Distribuiccedilatildeo da quantidade total e por faixa etaacuterias especiacuteficas de idosos no Estado

0

5000000

10000000

15000000

20000000

25000000

30000000

Nordm

2000-02

1ordm Triecircnio

Nordm

2003-05

2ordm Triecircnio

Nordm

2006-08

3ordm Triecircnio

Nordm

2009-11

4ordm Triecircnio

Tiacutetulo do Graacutefico

60 a 69 70 a 79 80 ou + Total

Fonte DATASUS

224

Em todas as regionais de sauacutede observa-se aumento pro-porcional do nuacutemero de idosos acompanhado por uma maior prevalecircncia de idosos do sexo feminino (tabelas 2 e 3)

A seguir satildeo apresentadas duas tabelas referentes aos anos 2000 e 2011 que detalham o quantitativo de idosos con-forme regiatildeo de sauacutede e gecircnero detalhando-se os valores ab-solutos e relativos aleacutem da quantidade total de idosos em cada localidade e da relaccedilatildeo percentual com o quantitativo geral de idosos do Estado Assim eacute notoria a contribuiccedilatildeo de cada regiatildeo relativa ao seu quantitativo de idosos tomando como referecircncia o EstadoTabela 2 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo entre as regionais de sauacutede e sua variaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Estado no ano 2000

Regiatildeo de Sauacutede

Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo Total

Masculino Femini-no

Nuacutemero total de idosos

em relaccedilatildeo agraves regiotildees

Fortaleza 61450 363 101698 601 169148 74

Caucaia 15645 477 17086 522 32731 71

Maracanauacute 12819 59 15066 54 27885 68

Baturiteacute 6462 494 6606 505 13068 105

Canindeacute 9337 499 9359 50 18696 105

Itapipoca 10266 494 10483 505 20749 91

Aracati 3707 45 4519 549 8226 85

Quixadaacute 14668 489 15288 51 29956 108

Russas 8216 481 8850 518 17066 96Limoeiro do

Norte 9720 475 10709 524 20429 101

225

Sobral 24923 464 28703 535 53626 98

Acarauacute 7400 503 7296 496 14696 82

Tianguaacute 11312 468 12841 531 24153 93

Tauaacute 5558 50 5545 499 11103 104

Crateuacutes 15156 474 16781 525 31937 112

Camocim 5540 484 5902 515 11442 82

Icoacute 8882 48 9589 519 18471 112

Iguatu 15171 481 16333 518 31504 11

Brejo Santo 9033 463 10452 536 19485 101

Crato 13991 456 16664 543 30655 102Juazeiro do Norte 13983 419 19319 58 33302 95

Cascavel 10098 488 10568 511 20666 88

Total 293337 - 359657 - 658994 -

Fonte IBGEPNAD

Das regiotildees de sauacutede descritas na Tabela 2 que se desta-caram por possuiacuterem maior proporccedilatildeo de pessoas idosas em relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de idosos do Estado foram as de Iguatu (110) Icoacute (112) e Crateuacutes (112) A que estavam menor proporccedilatildeo foram Maracanauacute (68) Caucaia (71) e Fortale-za (74) Vale ressaltar que as trecircs regiotildees que demonstraram menor quantitativo de idosos pertencem a uma soacute macrorre-giatildeo de sauacutede

Com relaccedilatildeo agraves distribuiccedilotildees de idosos em 2011 tem-se o seguinte resultado

226

Tabela 3 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por sexo entre as regionais de sauacutede e sua variaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Estado no ano 2011

Regional de Sauacutede

Distribuiccedilatildeo por Sexo Total

Masculino Feminino Nuacutemero total

em relaccedilatildeo agraves

regiotildeesFortaleza 103486 397 157165 602 260651 98Caucaia 24061 465 27647 534 51708 9

Maracanauacute 19893 454 23899 545 43792 87

Baturiteacute 7560 477 8258 522 15818 117Canindeacute 12050 49 12503 509 24553 124

Itapipoca 14193 491 14694 508 28887 104Aracati 5786 455 6913 544 12699 114

Quixadaacute 18962 479 20551 52 39513 127

Russas 10989 469 12410 53 23399 121Limoeiro do

Norte 13044 47 14664 529 27708 126

Sobral 32409 455 38670 544 71079 115

Acarauacute 10473 489 10909 51 21382 99

Tianguaacute 15356 464 17737 535 33093 11

Tauaacute 7549 488 7899 511 15448 138

Crateuacutes 19227 466 21992 533 41219 141

Camocim 7403 472 8265 527 15668 103

Icoacute 11142 465 12793 534 23935 141

Iguatuacute 20581 475 22715 524 43296 139Brejo Santo 11925 458 14095 541 26020 125

Crato 19046 453 22952 546 41998 126

Juazeiro do Norte 18808 419 26025 58 44833 111

Cascavel 14637 474 16215 525 30852 102

Total 418580 - 518971 - 937551 -

Fonte IBGEPNAD

227

Em 2011 observamos que Fortaleza (98) Maracanauacute (87) e Caucaia (90) cresceram nas proporccedilotildees de idosos em relaccedilatildeo ao ano de 2000 apesar de continuarem indicando as menores proporccedilotildees de idosos As regiotildees de sauacutede po-reacutem que apontaram maiores proporccedilotildees de pessoas senis em 2011 continuam sendo Crateuacutes (141) Iguatu (139) e Icoacute (141) (Tabela 3)

Fazendo-se um comparativo do primeiro e dos uacuteltimos anos da seacuterie histoacuterica relativo agrave distribuiccedilatildeo das pessoas de mais de 60 anos no Estado distribuiacutedo por faixa etaacuteria e sexo tem-se o resultado na tabela 4Tabela 4 ndash Distribuiccedilatildeo de idosos por faixa etaacuteria e sexo no Cearaacute nos anos 2000 e 2011

Faixa

etaacuteria

2000 2011

Masc Fem Total Geral Masc Fem Total Geral

Idosos N N Total N N Total

60 a 69

anos157373 525 189238 526 346611 526 224221 535 262706 506 486927 519

70 a 79

anos100034 334 117881 327 217915 330 126956 303 162822 313 289778 309

80 ou

mais41930 140 52538 146 94468 143 67403 161 93443 180 160846 171

Total 299337 - 359657 - 658994 418580 - 518971 - 937551 -

Fonte DATASUS

De acordo com a tabela 4 percebe-se a prevalecircncia de ido-sos do sexo feminino em ambos os anos analisados Nas tabe-las 2 e 3 notamos tambeacutem prevalecircncia do sexo feminino tendo como exceccedilatildeo as regionais de Acarauacute (503) e Tauaacute (500) que no ano 2000 denotaram maioria do sexo masculino

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DISCUSSAtildeO

Apesar de se tratar de estudo envolvendo dados secun-daacuterios haacute de se reconhecer a importacircncia da utilizaccedilatildeo desses dados na realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas hajam vista ampli-tude nacional e a sua capacidade na obtenccedilatildeo de diagnoacutesticos situacionais demograacuteficos e analiacuteticos relativos aos aspectos aqui abordados

Desse modo haacute o envelhec imento populacional como uma das grandes conquistas da humanidade e um desafio no sentido do processo adaptativo da sociedade a essas transfor-maccedilotildees demograacuteficas (OMS 2005)

Essas transformaccedilotildees que se limitavam a regiotildees desen-volvidas dos paiacutesesse alteram substancialmente passando os paises em desenvolvimento a fazer parte tambeacutem dessas mu-danccedilas A forma como se encara esse processo varia entre as sociedades (OMS 2005)

No Brasil a mudanccedila na estrutura etaacuteria da populaccedilatildeo e a rapidez da sua transformaccedilatildeo satildeo fenocircmenos identificados discutidoshaacute algum tempo (VERAS 1988)

Evidencia-se uma carecircncia de estudos que abordem a questatildeo social referente a consequecircncias do processo de en-velhecimento da populaccedilatildeo (VERAS 1988) A maioria dos estudos que envolvem idosos no Cearaacute refere-se a questotildees relativas a limitaccedilotildees e dependecircncia instituiccedilotildees de longa per-manecircncia violecircncia contra os idosos uso abusivo de medica-mentos entre outros

Na anaacutelise por triecircnios observamos um aumento signi-ficativo no nuacutemero de idosos fazendo-se necessaacuterio conside-rar as consequecircncias disso para a sociedade De acordo com o Censo do IBGE (2010) o Brasil tem 109 de idosos em sua

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populaccedilatildeo geral valor muito compatiacutevel com o percentual de idosos no Cearaacute (103)

Segundo a OMS (2005) um paiacutes pode ser considerado envelhecido quando 7 da sua populaccedilatildeo assim constituiacuteda eacute formada de pessoas com 60 anos ou mais de vida (MARIN et al 2004 VITOR et al 2009) Percebemos que os percentuais encontrados no Cearaacute e no Brasil encontram-se bem acima da referecircncia e portanto eacute licito afirmar que natildeo somente o Paiacutes mas tambeacutem o Estado do Cearaacute e suas micro e macrorregiotildees se encontram em decurso de envelhecimento demograacutefico

A faixa etaacuteria entre os idosos que apontou maior cres-cimento foi a de 80 anos ou mais poreacutem a que concentrou o maior nuacutemero de idosos no Estado do Cearaacute foi a de 60 a 69 anos Esse resultado corrobora o que dispocircs Veras (1995) quando relata que a maioria das pessoas idosas se encontra justamente nesta faixa de 60 a 69 anos diferindo da realidade europeia onde a maioria dos idosos estaacute acima dos 70 (faixa etaacuteria que tambeacutem mais cresce)

Apesar de em todos os triecircnios analisados prevelecer em termos quantitativos a faixa etaacuteria de idosos com 60 a 69 anos sabemos que a faixa etaacuteria dos mais velhos (80 ou mais anos) eacute objeto de uma elevaccedilatildeo acentuada o que pode ser uma expli-caccedilatildeo para o aumento de gastos no setor sauacutede

Os idosos com idades avanccediladas (80 anos ou mais) estatildeo mais propensos a ter algum grau de incapacidade fiacutesica e de serem dependentes nas praacuteticas de atividades da vida diaacuteria Portanto faz-se necessaacuteria a identificaccedilatildeo dos possiacuteveis cuida-dores para que os profissionais atuantes na atenccedilatildeo primaacuteria possam apoiaacute-los dando o suporte necessaacuterio no sentido de orientar quanto aos cuidados na prevenccedilatildeo de complicaccedilotildees e agravos (NUNES et al 2010)

230

Com relaccedilatildeo aos idosos mais jovens eacute recomendado utili-zar atividades de orientaccedilotildees rotineiras sobre a prevenccedilatildeo im-pedindo que possiacuteveis agravos possam contribuir e provocar internaccedilotildees desnecessaacuterias e evitaacuteveis

No cenaacuterio em que considera-se a distribuiccedilatildeo por sexo nota-se que em todo o Estado e na maioria das regionais de sauacutede estudadas a prevalecircncia de mulheres entre os idosos eacute destaque Esse fenocircmeno tambeacutem natildeo foi algo inovador pois jaacute satildeo encontrados resultados semelhantes em vaacuterias outras pesquisas (NEGREIROS 2003 CARVALHO et al 2009 NI-CODEMOS GODOI 2010) Outro fato interessante foi que em todas as faixas etaacuterias entre os idosos no Estado prevale-ceu o sexo feminino

Alguns autores justificam o fenocircmeno da feminizaccedilatildeo da velhice como resultado do aumento da expectativa de vida das mulheres em relaccedilatildeo aos homens e do maior cuidado das mu-lheres em relaccedilatildeo agrave sua sauacutede (VERAS 2004) Segundo Carva-lho et al (2009 p 580) ldquoas mulheres satildeo detentoras de saberes e praacuteticas de sauacutede vivenciadas nas suas experiecircncias cotidia-nas do cuidar e identificam de forma precoce sinais e sintomas de vaacuterias doenccedilas []rdquo Assim tecircm-se as mulheres vivendo em meacutedia sete anos a mais do que os homens (SALGADO 2002)

Algumas pesquisas justificam a feminizaccedilatildeo pela menor mortalidade de idosas quando em comparaccedilatildeo com os idosos do sexo masculino (NEGREIROS 2003 LUIZAGA GOTLIEB 2013) Os homens morrem mais e mais precocemente do que as mulheres predominando o sexo feminino entre as pessoas de mais de 60 anos (LUIZAGA GOTLIEB 2013)

Vale ressaltar ainda que aleacutem dos idosos as mulheres tambeacutem demandam por cuidados mais especializados e vol-

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tados para as suas necessidades de sauacutede especiacuteficas Podemos mencionar dentre esses a prevenccedilatildeo de cacircncer de colo do uacutete-ro e mama prevenccedilatildeo e tratamento da depressatildeo e diagnoacutestico e tratamento dos sintomas da menopausa entre outros

Apesar de as mulheres se expressarem em maiores pro-porccedilotildees e serem mais longevas quando comparadas aos ho-mens estas tendem a apresentar maiores nuacutemeros de inca-pacidades fiacutesicas (GRUNDY 2003) Portanto consideramos a questatildeo de gecircnero no planejamento das accedilotildees de sauacutede um fator importante para que possamos prestar uma assistecircncia de qualidade prevenindo tanto as internaccedilotildees por condiccedilotildees sensiacuteveis como mortes evitaacuteveis

Em razatildeo da velocidade do aumento do nuacutemero de ido-sos presentes no Mundo no Brasil e no Cearaacute como pode ser constatado foi que Minayo e Coimbra (2002 p 46) relataram ser necessaacuterio ldquoouvir a loacutegica deste grupo socioetaacuteriordquo contan-do com a sua participaccedilatildeo na resoluccedilatildeo e satisfaccedilatildeo das suas principais demandas as quais muitas vezes coincidem com as da sociedade de maneira geral

CONCLUSAtildeO

Por intermeacutedio desta pesquisa foi possiacutevel obter resul-tados consistentes para a obtenccedilatildeo de um diagnoacutestico situa-cional demograacutefico e analiacutetico relativo aos aspectos ligados ao envelhecimento

A alteraccedilatildeo demograacutefica eacute algo real sendo apontada a necessidade de preparar a sociedade para enfrentar as conse-quecircncias que poderatildeo surgir com a materializaccedilatildeo deste fenocirc-meno principalmente quando se refere a um estado pobre e

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que enfrenta dificuldades sociais e econocircmicas situado no in-terior do Nordeste brasileiro

O Cearaacute estaacute caracterizado como Estado com elevada con-centraccedilatildeo de idosos Tais pessoas estatildeo mais propensas a regis-trar doenccedilas crocircnicas e complicaccedilotildees relativas a esses agravos necessitam de cuidados apropriados de maiores gastos e de tecnologias mais avanccediladas que possam satisfazer as necessi-dades de sauacutede especiacuteficas desse grupo-alvo

Este estudo natildeo pretende caracterizar esta alteraccedilatildeo de-mograacutefica como uma vilatilde responsabilizando-a pelas mazelas da sociedade O foco eacute demonstrar a necessidade de mudanccedilas e direcionamento das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para esta par-cela da populaccedilatildeo destacando as necessidades de sauacutede dos idosos no momento da formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

233

REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 11

SUBSIacuteDIOS PARA PESQUISAS SOBRE A OBE-SIDADE A INFLUecircNCIA DA INFECccedilAtildeO PELO HELICOBACTER PyLORI SOBRE O ES-TADO NUTRICIONAL

Helena Alves de Carvalho SampaioDaianne Cristina Rocha

Ciacutecera Beatriz Baratta PinheiroAntocircnio Augusto Ferreira CariocaSoraia Pinheiro Machado ArrudaJoseacute Wellington de Oliveira Lima

INTRODUccedilAtildeO

A incidecircncia de obesidade entre os brasileiros aumentou 54 de 2006 a 2012 Ao todo 51 da populaccedilatildeo acima de 18 anos tecircm excesso de peso Entre os homens o excesso de peso atinge 54 e entre as mulheres 48 (BRASIL 2013)

Esse eacute resultado de um montante de fatores relaciona-dos ao estilo de vida incluindo um aumento na ingestatildeo de alimentos caloacutericos e diminuiccedilatildeo da atividade fiacutesica atitudes atribuiacutedas agrave natureza sedentaacuteria do homem moderno e aos meios de transporte (FENTOFLU et al 2009)

Na busca de mais causas determinantes da obesidade nos uacuteltimos anos a literatura comeccedilou a explorar uma possiacutevel as-sociaccedilatildeo entre obesidade e presenccedila de infecccedilatildeo pelo H pylori

A infecccedilatildeo pelo H pylori ocorre em todo o Mundo e aco-mete mais da metade da humanidade sendo considerada im-portante problema de sauacutede puacuteblica Sua prevalecircncia eacute signifi-

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cativamente maior em paiacuteses em desenvolvimento e em todas as faixas etaacuterias acometendo de 70 a 90 da populaccedilatildeo Em paiacuteses desenvolvidos a prevalecircncia eacute menor situando-se de 25 a 50 No Brasil a prevalecircncia em adultos de 82 (World Gastroenterology Organization - WGO 2010)

Pesquisas apontam que a infecccedilatildeo pelo H pylori pode influenciar a ingestatildeo e homeostase caloacuterica mediante a sina-lizaccedilatildeo da grelina (BLASER ATHERTON 2004) um peptiacute-deo secretado no estocircmago e implicado no comportamento de ingestatildeo alimentar e regulaccedilatildeo do peso corporal O tipo de influecircncia que ocorre entretanto ainda eacute tema controverso

Sabe-se que ocorre elevaccedilatildeo fisioloacutegica dos niacuteveis de greli-na durante o jejum aumentando o apetite e sinalizando para a ingestatildeo alimentar Desde o iniacutecio do ato de comer seus niacuteveis vatildeo se reduzindo na mesma medida em que o apetite tambeacutem diminui e desta forma a alimentaccedilatildeo eacute finalizada ( KONTU-REK et al 2004)

Consoante reportam alguns autores a gastrite frequente-mente induzida pela infecccedilatildeo pelo H pylori leva a uma redu-ccedilatildeo dos niacuteveis de grelina gaacutestrica com repercussatildeo nos niacuteveis seacutericos Se esta reduccedilatildeo de fato ocorre pode estar associada agrave perda ponderal (OSAWA et al 2005)

Coerentemente a erradicaccedilatildeo da bacteacuteria parece influen-ciar a dinacircmica da grelina restaurando os niacuteveis desta e au-mentando o peso corporal (NWOKOLO et al 2003 TATSU-GUCHI et al 2004)

A relaccedilatildeo entretanto natildeo eacute assim tatildeo clara de forma que haacute estudos contraditoacuterios dessas observaccedilotildees citadas (NWOKOLO et al 2003) mas haacute ensaios que apontam ga-nho ponderal com a presenccedila do microorganismo (BLASER

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ATHERTON 2004) Haacute ainda pesquisas que natildeo detectaram alteraccedilotildees dos niacuteveis de grelina associadas agrave infecccedilatildeo (OSAWA et al 2005)

A adiccedilatildeo de um potencial mediador no processo de ganho ponderal a H pylori produz as seguintes interrogaccedilotildees existe influecircncia da infecccedilatildeo pelo microorganismo sobre o peso cor-poral Haacute respostas diferenciadas segundo presenccedila ou ausecircn-cia de excesso ponderal previamente agrave infecccedilatildeo

Em face da ausecircncia de conclusotildees definitivas justifica-se a realizaccedilatildeo desta investigaccedilatildeo que pretende estudar os efeitos da presenccedila de H pylori sobre o estado nutricional em pacien-tes atendidos pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

METODOLOGIA

Este eacute um estudo transversal de abordagem quantitativa e comparativa desenvolvido em uma unidade de sauacutede que atende pacientes do SUS A Unidade de Sauacutede foi escolhida com base na existecircncia ali de um Serviccedilo de Endoscopia Di-gestiva uma vez que a realizaccedilatildeo do exame endoscoacutepico eacute uma das estrateacutegias disponiacuteveis para diagnoacutestico da presenccedila de in-fecccedilatildeo pela H pylori

A populaccedilatildeo do estudo foi constituiacuteda por pacientes aten-didos pelo SUS e que buscaram o Serviccedilo de Endoscopia da Instituiccedilatildeo citada para realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta

A amostra foi calculada considerando revisatildeo sistemaacutetica com metanaacutelise de Nweneka e Prentice (2011) que avaliaram estudos enfocando a temaacutetica a ser aqui abordada Para o caacutel-culo dentre os estudos englobados pelos autores citados fo-ram considerados os que tiveram pelo menos 50 pessoas em cada um dos dois grupos (H pylori positivo ou negativo) com

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um erro alfa = 005 e poder = 080 Assim a amostra prevista dependendo do estudo avaliado variou de 38 a 72 pessoas em cada grupo Opta-se pelo nuacutemero maior para conferir preci-satildeo agraves anaacutelises realizadas Assim a amostra ficou constituiacuteda por 144 pacientes a serem distribuiacutedos igualmente em cada grupo 72 pessoas H pylori positivo e 72 pessoas H pylori ne-gativo

Foram incluiacutedos indiviacuteduos (20 a 59 anos) de ambos os sexos e que estivessem sendo atendidos no Serviccedilo citado para realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta Foram excluiacutedos pa-cientes portadores de neoplasia gaacutestrica pela possiacutevel influecircn-cia nos marcadores a serem avaliados que natildeo moravam na Capital pessoas que apresentavam sangramento digestivo aleacutem daquelas que faziam uso de medicaccedilatildeo agrave base de inibidor de bomba de proacutetons

A amostra final ficou constituiacuteda por 140 colaboradores sendo 62 H pylori positivos e 78 H pylori negativos

A coleta de dados ocorreu de julho2012 a maio2013 e abrangeu a realizaccedilatildeo de exames e entrevista para obtenccedilatildeo das informaccedilotildees como discriminado a seguir bull Identificaccedilatildeo dos participantes (nuacutemero de cadastro no hos-

pital nome sexo idade telefone ocupaccedilatildeo escolaridade renda mensal familiar e problemas de sauacutede auto-referidos)

bull Exame endoscoacutepico com bioacutepsiabull Antropometria (afericcedilatildeo de peso e altura)

Os pacientes compareceram em jejum absoluto de seis horas e de oito horas para produtos laacutecteos para a realizaccedilatildeo de endoscopia digestiva alta

Os participantes foram distribuiacutedos em dois grupos H pylori positivo (Hp +) e H pylori negativo (Hp -)

240

O iacutendice de massa corporal - IMC (kgm2) dos pacientes foi determinado antes do iniacutecio do exame endoscoacutepico me-diante coleta de dados de peso e altura Para tal foi adotado protocolo de Alvarez e Pavan (1999) utilizando balanccedila antro-pomeacutetrica marca Balmak capacidade 200 kg com intervalo de 100g e 200m com intervalo de 10cm A partir do IMC o estado nutricional dos participantes foi categorizado segundo a WHO (1998)

Os dados foram tabulados para apresentaccedilatildeo em frequumlecircn-cias simples e percentual meacutedias e desvio-padratildeo ou medianas e intervalo interquartil sempre comparando os achados dos dois grupos de pacientes (Hp + e Hp -)

A anaacutelise estatiacutestica foi efetuada por via dos programas estatiacutesticos Epi InfoTM 7106 e SPSS (Statistical Program of Social Science) versatildeo 200 As variaacuteveis categoriais foram analisadas peloTeste Qui-quadrado Foi realizado Teste de Normalidade de Kolmogorov-Smirnov Com suporte neste foi utilizado o Teste t de Student para comparaccedilatildeo das meacute-dias ou de Mann-Whitney para comparaccedilatildeo das meacutedias dos postos Para todos os testes foi adotado p lt 005 como niacutevel de significacircncia

O projeto foi delineado conforme a Resoluccedilatildeo 1961996 do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 1996) que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos O plano de estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Instituiccedilatildeo responsaacutevel pelo estudo sob nuacutemero 11582611-4 e a coleta de dados foi ini-ciada apenas apoacutes aprovaccedilatildeo por este orgatildeo Os participantes ainda segundo a Resoluccedilatildeo citada assinaram oTermo de Con-sentimento Livre e Esclarecido anuindo sua participaccedilatildeo no estudo

241

RESULTADOS

Os entrevistados foram caracterizados quanto ao sexo a faixa etaacuteria a escolaridade a renda familiar mensal e cor (auto referida) cujos achados estatildeo expostos na Tabela 1

Dentre os 140 pacientes estudados 101 (721) eram mu-lheres e 39 (279) homens Em relaccedilatildeo agrave presenccedila da bacteacuteria H pylori 78 (557) eram Hp - e 62 (443) Hp + havendo 18 homens e 44 mulheres Hp + sem diferenccedila considerando o sexo (p = 0782) A idade meacutedia dos participantes foi 397 plusmn 120 anos sendo similar nos dois grupos

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade a maioria dos entrevistados tinha de nove a 11 anos de estudo o que equivale a cursar o ensino meacutedio sem diferenccedila estatiacutestica (p = 0196) entre os dois grupos

A distribuiccedilatildeo dos entrevistados segundo a renda familiar foi determinada conforme a quantidade de salaacuterios-miacutenimos recebidos pela famiacutelia A renda familiar meacutedia geral foi de 24 plusmn 19 salaacuterios-miacutenimos sendo para homens e mulheres Tam-beacutem natildeo houve diferenccedila entre os dois grupos de pacientes (p = 0836)

A distribuiccedilatildeo dos pacientes segundo a cor presenccedila da bacteacuteria e o sexo indicou dados similares (p = 0665) como cor da pele classificada como lsquorsquooutrasrsquorsquo foram incluiacutedas negra parda e amarela

A situaccedilatildeo nutricional do grupo foi investigada conside-rando o Iacutendice de Massa Corporal (IMC)

O estado nutricional dos pacientes estudados determina-do pelo IMC e categorizado pela WHO (1998) revelou predo-miacutenio de pacientes com diagnoacutestico nutricional de sobrepeso tanto nos Hp - (29 ndash 372) quanto nos Hp + (22 ndash 355)

242

como exposto na Tabela 2 Destacam-se duas mulheres (26) Hp - e um (16) homem Hp + com diagnoacutestico nutricional de magreza grau I Considerando os pacientes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e sem excesso de peso (magreza grau I e eutrofia) verifica-se que natildeo houve diferenccedila significa-tiva entre os pacientes Hp ndash e Hp + (p = 0361) como mostra a Tabela 3

Considerando natildeo mais a categorizaccedilatildeo nutricional mas a meacutedia de IMC (Tabela 4) os pacientes negativos tanto do sexo feminino quanto do masculino exibiram meacutedia um pou-co maior poreacutem sem significacircncia estatiacutestica (p = 0208)

DISCUSSAtildeO

Abordando inicialmente os resultados dos testes da urea-se percebe-se que em 140 pessoas 443 eram positivas para a bacteacuteria Natildeo se trata de um estudo de prevalecircncia mas es-perava-se encontrar valores mais proacuteximos a outros realizados na regiatildeo pois os pacientes ingressaram no estudo ao acaso Os achados tambeacutem se encontram abaixo dos percentuais encontrados em paiacuteses em desenvolvimento mas coincidem com os dos paiacuteses desenvolvidos (World Gastroenterology Or-ganization - WGO 2010)

Em relaccedilatildeo a dados epidemioloacutegicos brasileiros tambeacutem em Fortaleza a prevalecircncia da infecccedilatildeo pela H pylori foi ava-liada em 610 moradores de uma comunidade urbana de baixa renda Restou evidente que 629 (384) tinham H pylori (RO-DRIGUES et al 2005) Os dados desse estudo foram coletados em 2000 e 2001 podendo ter havido mudanccedila no quadro en-contrado agravequela eacutepoca

243

A utilizaccedilatildeo do serviccedilo de endoscopia foi significativa-mente maior pelas mulheres (721) confirmando indica-dores de que as mulheres buscam mais os serviccedilos de sauacutede (FERNANDES BERTOLDI BARROS 2009 TOMASI et al 2011)

Ainda com relaccedilatildeo ao sexo Nogara Frandoloso e Re-zende(2010) natildeo encontraram diferenccedila significativa entre os pacientes com H pylori (RP = 24 IC 95 = 079 ndash 719 p = 0165) Segundo McCallion et al (1995) e Kodaira Escobar e Grisi (2002) a infecccedilatildeo eacute igualmente encontrada em homens e mulheres o que foi confirmado neste estudo

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade da populaccedilatildeo a maioria (551) apresentou niacutevel de escolaridade de 9 a 11 anos de estudos Segundo dados da PNAD (BRASIL 2011) o nuacutemero meacutedio de anos de estudos no Brasil eacute de 7 e 73 anos para homens e mulheres respectivamente ao passo que no Nordeste estes nuacutemeros caem para 56 e 64 anos Portanto os dados encon-trados foram um pouco melhores quando comparados com os anos de estudo no Nordeste e no Brasil Para Vergueiro et al (2008) o fator de maior significacircncia para a aquisiccedilatildeo de H pylori foi a escolaridade sugerindo que os haacutebitos higiecircnicos e comportamentais possam ser determinantes da infecccedilatildeo A alta escolaridade em ambos os sexos observada no estudo atual sugere que pode ter influenciado a baixa prevalecircncia da bac-teacuteria

Houve predominacircncia de pacientes com a cor da pele classificada como lsquorsquooutrasrsquorsquo (436) que incluiacutea negras pardas e amarelas seguida pelos de cor morena (422) Este quadro estaacute em certo acordo com dados da PNAD (BRASIL 2011) so-bre o Nordeste onde satildeo apontados 289 de brancos 105 de pretos 598 de pardos e 08 amarelos

244

Finalmente analisando a distribuiccedilatildeo por sexo faixa etaacute-ria anos de estudo renda familiar e cor detecta-se que os gru-pos natildeo diferiram mostrando uma homogeneidade que facili-ta a interpretaccedilatildeo dos achados relativos ao estado nutricional

Revisatildeo da epidemiologia da infecccedilatildeo pela H pylori en-controu menor prevalecircncia do microorganismo em pessoas de etnia branca (KODAIRA ESCOBAR GRISI 2002) O meca-nismo responsaacutevel por esta diferenccedila natildeo pode ser atribuiacutedo somente agraves condiccedilotildees socioeconocircmicas ou ao modo de vida Graham e colaboradores (1991) relataram uma diferenccedila na prevalecircncia segundo raccedila mesmo apoacutes ajuste por fatores so-cioeconocircmicos Sendo assim pode-se presumir que fatores ge-neacuteticos determinantes de uma susceptibilidade diferente para os grupos eacutetnicos podem ter relevacircncia

Em relaccedilatildeo ao estado nutricional nota-se que a maioria dos pacientes tanto Hp - (603) quanto Hp + (678) expres-saram excesso ponderal sem diferenccedila entre os grupos (Ta-belas 3) Os valores encontrados se situaram acima dos dados apontados no uacuteltimo levantamento nacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) por uma Pesquisa de Orccedilamentos Familiares 2008-2009 (IBGE 2010) que apontou 49 de excesso de peso na populaccedilatildeo brasileira acima de 20 anos de idade

Eacute possiacutevel que um estudo com amostra mais robusta aponte maior presenccedila de excesso ponderal entre os Hp + uma vez que a proporccedilatildeo de portadores de excesso de peso foi elevada em ambos os grupos podendo impedir uma com-provaccedilatildeo a diferenccedila entre eles Por outro lado Ioannou et al (2005) em um estudo de base populacional que incluiu 6724 participantes adultos da terceira National Health and Nutri-tion Examination Survey demonstraram que a presenccedila de H

245

pyloriCagA natildeo estava associada com obesidade [odds ratio ajustado (OR) 12 95 CI 09ndash16 comparando (++) com (minusminus) e OR ajustado 11 95 CI 08ndash15 comparando (+minus) com (minusminus)] nem com sobrepeso [OR ajustado 10 95 CI 07ndash12 comparando (++) com (minusminus) e OR ajustado 10 95 CI 08ndash13 comparando (+minus) com (minusminus)]

Contrariamente em estudo de Wu et al (2005) com 414 pacientes com obesidade moacuterbida e 683 controles a prevalecircn-cia da infecccedilatildeo por H pylori foi mostrada ser significativamen-te mais elevada em pacientes magros do que em obesos e os autores concluiacuteram que a ausecircncia de H pylori pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de obesidade Os da-dos desse estudo epidemioloacutegico natildeo satildeo forte argumento para essa hipoacutetese pois natildeo foram correlacionados com padrotildees de higiene e socioeconocircmicos e esses como citado anteriormen-te satildeo tambeacutem conhecidos por mostrarem uma relaccedilatildeo com o estado nutricional e obesidade (NAGEL et al 2007 SANTOS EBRAHIM BARROS 2008)

Revisatildeo de literatura indicou que a hipoacutetese de H pylori como um protetor contra a obesidade natildeo tem base cientiacutefica soacutelida (WEIGT MALFERTHEINER 2009)

Em contrapartida aumentos modestos de peso e IMC satildeo relatados apoacutes a erradicaccedilatildeo da H pylori Em um estudo japo-necircs houve pequeno (lt 05kgmsup2) mas significativo aumento do IMC apoacutes um ano de sucesso da erradicaccedilatildeo da H pylori (n = 421) mas natildeo registrou alteraccedilatildeo no IMC apoacutes fracasso de tratamento (n = 158) (FURUTA et al 2002) Realizou-se um estudo na Europa tambeacutem investigando o impacto da er-radicaccedilatildeo da H pylori no IMC e encontrou-se que a meacutedia do IMC aumentou de 275 kgmsup2 para 278kgmsup2 apoacutes 6 meses no grupo de intervenccedilatildeo em comparaccedilatildeo com o aumento de 270

246

kgmsup2 para 272kgm2 no grupo placebo e a diferenccedila ajustada entre os grupos foi estatisticamente significativa de 02 kgm2 (95 CI 011 031) (LANE et al 2011)

CONCLUSAtildeO

Pode haver um impacto de marcadores bioquiacutemicos como a leptina e grelina aqui citadas e mesmo estas podem ser influenciadas de forma diferente de acordo com o perfil da populaccedilatildeo estudada Haacute ainda muitas indagaccedilotildees a serem res-pondidas e mais estudos satildeo necessaacuterios principalmente ori-ginados em distintas regiotildees ajudando a compor um quadro mais detalhado e aprofundado das inter-relaccedilotildees

Fica a proposta de continuar a investigaccedilatildeo acompanhan-do maior nuacutemero de pacientes verificando efeitos da erradica-ccedilatildeo da infecccedilatildeo realizando dosagens de marcadores bioquiacutemi-cos de apetite para citar apenas algumas das lacunas a serem preenchidas e suscitadas por este estudo

A infecccedilatildeo pela H pylori natildeo influenciou o estado nutri-cional no grupo populacional avaliado

247

REFERecircNCIASALVAREZ BR PAVAN AL Alturas e comprimentosIn E L Pe-troski (Ed) Antropometria teacutecnicas e padronizaccedilotildees Porto Alegre Pallotti p 29-51 1999BLASER MJ ATHERTON JC Helicobacter pylori persistence biology and disease J Clin Invest v 113 p 321-33 2004 BRASIL Conselho Nacional de Sauacutede Resoluccedilatildeo CNS nordm 19696 ndash Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Se-res Humanos Diaacuterio Oficial da Uniatildeo p 21082-5 1996BRASIL Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Pes-quisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios - PNAD 2011 Brasil 2011 Disponiacutevel em http wwwibgegovbr home presidencia noticias imprensa ppts 00000010135709212012572220530659 pdf Acesso em 6 Ago 2013BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Vigilacircncia em Sauacutede De-partamento de Vigilacircncia de Doenccedilas e Agravos natildeo Transmissiacuteveis e Promoccedilatildeo de Sauacutede Vigitel Brasil 2012 vigilacircncia de fatores de risco e proteccedilatildeo para doenccedilas crocircnicas por inqueacuterito telefocircnicoMinisteacuterio da Sauacutede 2013FENTOFLU O et al Periodontal Status in Subjects With Hyperli-pidemia J Periodontol v 80 n 2 p 267-273 2009 doi 101902jop2009080104FERNANDES LCL BERTOLDI AD BARROS AJD Utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede pela populaccedilatildeo coberta pela estrateacutegia sauacutede da famiacutelia Rev Sauacutede Puacuteblica v 43 n 4 p 595-603 2009 FURUTA Tet al Effect of H pylori infection and its eradication on nutrition Aliment Pharmacol Therv 53 n 5 p 617-242009 doi 101590S0004-27302009000500014GRAHAM DY et al Epidemiology of H pylori in an asymptomatic population in the United States Effect of age race and socioecono-mic status Gastroenterology v 100 n6 p 1495-501 1991 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA

248

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249

2005 doi 101590S0034-89102005000500022SANTOS AC EBRAHIM S BARROS H Gender socio-economic status and metabolic syndrome in middle-aged and old adults BMC Public Health v 8 p 2458ndash2462 2008 doi 1011861471-2458-8-62TATSUGUCHI A et al Effect of H pylori infection on ghrelin ex-pression in human gastric mucosa Am J Gastroenterol v 99 n11 p 2121-2127 2004TOMASI E et al Caracteriacutesticas da utilizaccedilatildeo de serviccedilos de Atenccedilatildeo Baacutesica auml Sauacutede nas regiotildees Sul e Nordeste do Brasil diferenccedilas por modelo de atenccedilatildeo Ciecircnc Sauacutede Coletiva v 8 n 3 p 301-306 2009 doi 101590S1413-81232011001200012WEIGT J MALFERTHEINER P Influence of H pylori on gastric regulation of food intake Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care v12 p 522ndash525 2009WGO Practice Guidelines H pylori nos paiacuteses em desenvolvimen-to World Gastroenterology Organisation 14p 2010 Disponiacutevel em lt httpwww worldgastroenterologyorgassetsdownloadsptpdfguidelineshelicobacter_pylori_developing_countries_ptpdfgt Aces-so em 01 de ago de 2013WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION Obesity Preventing and Managing the Global Epidemic Geneva World Health Organi-zation1998276pWHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION The World Health Organization warns of the rising threat of heart disease and stroke as overweight and obesity rapidly increase Geneva World Health Or-ganization 2011 Disponiacutevel em httpwwwwhoint mediacentrenewsreleases2005pr44enindexhtml Acesso em 05 mar 2011WU MSet al A case-control study of association of H pylori infec-tion with morbid obesity in Taiwan Arch Intern Medv165 n 13 p1552ndash55 2005

250

Tabela 1 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes avaliados segundo anos de estudo e renda familiar e presenccedila de Helicobacter pylori e sexo Fortaleza 2013

Anos de estudo

Negativo Positivo

Total

n ()Teste1

Mascu-

lino

n ()

Femini-

no

n ()

Total

n ()

Mascu-

lino

n ()

Feminino

n ()

Total

n ()

le 8 9 (428) 14 (246) 23 (295) 6 (333) 21 (477) 27 (435) 50 (357)

χ2 = 326

p = 01969 ndash 11 11 (524) 32 (561) 43 (551) 9 (500) 20 (455) 29 (468) 72 (514)

ge12 1 (48) 11 (193) 12 (154) 3 (167) 3 (68) 6 (97) 18 (129)

Renda Familiar (SM) 3

lt1 0 (0) 2 (35) 2 (26) 0 (0) 2 (45) 2 (32) 4 (29)

χ2 = 145

p = 0836

1-3 13 (619) 41 (719) 48 (615) 10 (556) 27 (613) 43 (694) 91 (650)

3-5 7 (333) 5 (88) 22 (282) 4 (222) 13 (295) 13 (210) 35 (250)

ge 5 1 (48) 7 (123) 4 (51) 3 (136) 1 (23) 2 (32) 6 (42)

NS2 0 (0) 2 (35) 2 (26) 1 (56) 1 (23) 2 (32) 4 (29)

Cor (auto referida)

Branca 3 (143) 10 (175) 13 (167) 2 (111) 5 (114) 7 (113) 20 (143)

χ2 = 082

p = 0665Morena 10 (476) 22 (386) 32 (410) 9 (500) 18 (409) 27 (436) 59 (421)

Outras 8 (381) 25 (439) 33 (423) 7 (389) 21 (477) 28 (451) 61 (436)

Total 21 (1000)57

(1000)78 (1000) 18 (1000) 44 (1000) 62 (1000) 140 (1000)

1p lt 005 como niacutevel de significacircncia 2NS = Natildeo sabe 3SM = Salaacuterio-Miacutenimo (R$ 67800)

251

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes avaliados segundo es-tado nutricional sexo e presenccedila de Helicobacter pylori For-taleza 2013

Estadonutricio-

nal1

Masculino Feminino Total

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Negati-vo

n ()

Positi-vo

n ()

Magreza I 0 (0) 1 (56) 2 (35) 0 (0) 2 (25) 1 (16)

Eutrofia 11 (524) 5 (278) 18 (316)

14 (318)

29 (372)

19 (306)

Sobre-peso

6 (286) 8 (444) 23 (403)

14 (318)

29 (372)

22 (355)

Obesida-de

4 (190) 4 (222) 14 (246)

16 (364)

18 (231)

20 (323)

Total 21 (1000)

18 (1000)

57 (1000)

44 (1000)

78 (1000)

62 (1000)

1Estado nutricional determinado pelo Iacutendice de Massa Corporal e categori-zado segundo World Health Organization (1998) agrupando-se os variados graus de obesidade em categoria uacutenica

252

Tabela 3 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes estudados segundo ex-cesso ponderal sexo presenccedila de Helicobacter pylori Forta-leza 2013

Excessoponde-

ral1

Masculino Feminino Total

Nega-tivo

n ()

Positi-vo

n ()Teste2

Nega-tivo

n ()

Positivon ()

Teste2Nega-

tivon ()

Positivon ()

Teste2

Natildeo11

(524)6 (333)

χ2 =1430p=0232

20 (351)

14 (318)

χ2=0119p=0730

31 (397) 20 (323)

χ2=0836p=0361

Sim10

(476)12

(667)37

(649)30 (682) 47 (603) 42 (678)

Total21

(1000)18

(1000)57

(1000)44 (1000)

78 (1000)

62 (1000)

1Excesso ponderal segundo Iacutendice de Massa Corporal catego-rizado pela World Health Organization (1998) agrupando-se sobrepeso e obesidade 2p lt 005 como niacutevel de significacircncia

Tabela 4 - Distribuiccedilatildeo dos pacientes estudados segundo sexo presenccedila de H pylori sexo e meacutedia de Iacutendice de Massa Corporal (IMC) Fortaleza 2013

Sexo

H pylori

NegativoIMCMeacutedia plusmn DP1

PositivoIMCMeacutedia plusmn DP1

Teste2

Masculino 266 plusmn 52 262 plusmn 39 p = 0802

Feminino 283 plusmn 64 268 plusmn 51 p = 0191

Total 278 plusmn 61 266 plusmn 48 p = 0208

1DP = desvio-padratildeo 2Teste t de Student com p lt 005 como niacutevel de significacircncia

253

CAPIacuteTULO 12

CARACTERIZAccedilAtildeO SOCIODEMOGRAacuteFICA E DE ATIVIDADE FIacuteSICA EM ESCOLARES ADULTOS JOVENS

Laryssa Veras AndradeThereza Maria Magalhatildees Moreira

Raquel Sampaio FlorecircncioLeandro Arauacutejo Carvalho

INTRODUccedilAtildeO

A exposiccedilatildeo a fatores de risco comportamentais como o sedentarismo frequentemente se inicia na adolescecircncia e se consolida na vida adulta Esse fator interligado a outros aumenta o risco de desenvolvimento da maioria das Doenccedilas Crocircnicas Natildeo Infecciosas (DCNI) como as cardiovasculares diabetes e cacircncer principais causas de morbimortalidade na vida adulta Experiecircncias e exposiccedilotildees ao longo da vida em es-pecial na infacircncia e juventude tecircm repercussotildees de longo pra-zo na sauacutede e podem contribuir para desigualdades em sauacutede na vida adulta e idosa (BARRETO PASSOS GIATTI 2009)

Apesar de a populaccedilatildeo ter conhecimento da importacircn-cia da praacutetica do exerciacutecio fiacutesico para diminuir as morbidades ao longo da vida tal comportamento ainda se mostra pouco prevalente na sociedade Estimativas globais da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) indicaram o sedentarismo como responsaacutevel por quase dois milhotildees de mortes anuais por 22 dos casos de doenccedila isquecircmica cardiacuteaca e por 10 a 16 dos casos de Diabetes Mellitus e de cacircnceres de mama coacutelon e reto

254

(WHO 2002) Sendo assim a realizaccedilatildeo de atividade fiacutesica destaca-se como forma de promoccedilatildeo da sauacutede e de prevenccedilatildeo de DCNI

Alguns autores nos mostram o conceito de atividade fiacute-sica e exerciacutecio fiacutesico Segundo Caspersen Powel e Christen-son (1985) a atividade fiacutesica eacute qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esqueleacutetica que resulta em gasto energeacutetico tendo componentes e determinantes de ordem biopsicossocial cultural e comportamental podendo ser exemplificada por atividades ocupacionais (trabalho) ativida-des da vida diaacuteria (vestir-se banhar-se comer) deslocamento (transporte) e atividades de lazer incluindo exerciacutecios fiacutesicos jogos lutas danccedilas e esportes Com relaccedilatildeo ao exerciacutecio fiacutesi-co os autores definem como atividade repetitiva planejada e estruturada cujo objetivo eacute a manutenccedilatildeo e a melhoria de um ou mais componentes da aptidatildeo fiacutesica Assim embora esses dois termos estejam relacionados natildeo devem ser entendidos como sinocircnimos

Nos EUA satildeo dez milhotildees de coronariopatas que origi-nam 100 mil intervenccedilotildees por ano Estudos controlados evi-denciam que os coronariopatas que entram num programa de exerciacutecio fiacutesico regular diminuem em 25 o risco de morte (ERLICHMAN KERBEY JAMES 2002) Estudos prospecti-vos populacionais demonstram que a atividade fiacutesica diminui o risco de doenccedila coronariana e uma metanaacutelise cerca de 40 estudos demonstrou que o risco de doenccedila coronariana em pessoas inativas eacute 19 vez maior em comparaccedilatildeo com as ativas independentemente de outros fatores de risco (MILLER BA-LADY FLETCHER 1997)

Segundo Koo e Rohan (1999) Alves et al (2005) e Huang et al (1998) a praacutetica do exerciacutecio fiacutesico diminui o risco de

255

aterosclerose e suas consequecircncias (angina infarto do miocaacuter-dio doenccedila vascular cerebral) ajuda no controle da obesida-de hipertensatildeo arterial diabetes osteoporose e dislipidemias e diminui o risco de afecccedilotildees osteomusculares e de alguns ti-pos de cacircncer (colo e mama) Contribui ainda no controle da ansiedade depressatildeo doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica asma aleacutem de proporcionar melhor autoestima e ajudar no bem-estar e socializaccedilatildeo do cidadatildeo Apesar de todas essas evi-decircncias cientiacuteficas no entanto a maioria da humanidade leva vida sedentaacuteria

Sendo assim um estilo de vida saudaacutevel incluindo as ati-vidades fiacutesicas eacute um fator importante na prevenccedilatildeo e contro-le de certas doenccedilas crocircnicas natildeo infecciosas (KUJALA et al 1998) Nesse sentido a atividade fiacutesica eacute expressa como um dos principais componentes de um estilo de vida saudaacutevel mas infelizmente sua praacutetica regular continua em nuacutemero reduzido

Estudos obtidos em um levantamento nacional nos EUA nos anos de 1997 e 1998 mostraram que aproximadamente quatro em cada dez adultos estadunidenses (383) natildeo par-ticipavam de qualquer atividade fiacutesica no lazer (USDHHS 2002) No Brasil estudos menores indicaram valores de 60 a 67 de comportamento sedentaacuterio em regiotildees e populaccedilotildees especiacuteficas do Nordeste Sul e Sudeste (FARIAS 2002 SOUZA et al 2000) Esses dados mostram a inatividade fiacutesica como um dos mais importantes problemas de sauacutede puacuteblica do Paiacutes Segundo Michelin Corrente e Burini (2010) o aumento de 1 no niacutevel de atividade fiacutesica da populaccedilatildeo adulta enseja eco-nomia de sete milhotildees de doacutelares em custos para tratamento de muitas DCNI Este panorama demonstra a importacircncia de conhecer os niacuteveis de atividade fiacutesica e possibilitar o desen-

256

volvimento de metas factiacuteveis para a prevenccedilatildeo e controle da inatividade fiacutesica

Consoante Silva et al (2011) o Brasil eacute um paiacutes que difere muito em costumes distribuiccedilatildeo de renda e acuacutemulo de rique-zas de uma regiatildeo para outra diferenccedilas essas que resultam em haacutebitos de vida distintos e se refletem nos comportamentos de sauacutede o que faz ser relevante conhecer os niacuteveis de atividade fiacute-sica nas diversas populaccedilotildees dentre elas a adulta jovem visando a elaborar poliacuteticas puacuteblicas de incentivo a essa praacutetica adapta-das agraves questotildees sociais ambientais e culturais dessa populaccedilatildeo Tal fato faz realccedilar a necessidade de levantamentos regionais que possam identificar as caracteriacutesticas de clientelas especiacutefi-cas de forma a subsidiar poliacuteticas sociais adequadas incluindo a vigilacircncia e a promoccedilatildeo de praacuteticas de atividades fiacutesicas

Portanto o estudo respondeu aos seguintes questiona-mentos quais satildeoas caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas e o niacutevel de atividade fiacutesica dos adultos jovens escolares de Maracanauacute-Cearaacute-Brasil

Aspira-se a que as respostas a esses questionamentos se tornem importantes para maior eficaacutecia e elaboraccedilatildeo de poliacuteti-cas puacuteblicas voltadas agrave populaccedilatildeo adulta jovem visando a sua aderecircncia agrave praacutetica de atividade fiacutesica regular e agrave prevenccedilatildeo de complicaccedilotildees na sauacutede

Dessa forma foi objetivo do estudo foi descrever as ca-racteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas e o niacutevel de atividade fiacutesica dos adultos jovens escolares de Maracanauacute-Cearaacute-Brasil

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo descritivo quantitativo realizado com adultos jovens escolares

257

O local da pesquisa compreendeu as escolas da rede es-tadual de ensino meacutedio e as escolas municipais com Ensino de Jovens e Adultos (EJA) do Municiacutepio de Maracanauacute-Cearaacute Este eacute localizado na Regiatildeo Metropolitana de Fortaleza com populaccedilatildeo de 206000 habitantes (IBGE 2010) Trata-se de regiatildeo urbana com grande quantidade de induacutestrias e com a segunda maior receita orccedilamentaacuteria do Cearaacute Maracanauacute eacute populosa tem vaacuterios conjuntos habitacionais muitas casas de alvenaria e em grande parte tem saneamento baacutesico e sistema de aacutegua e esgoto Maracanauacute foi escolhido neste estudo por ter uma populaccedilatildeo representativa para dados estatiacutesticos e ter sido premiado nacionalmente na aacuterea de atenccedilatildeo agrave sauacutede do adolescente e adulto jovem aleacutem de ter o Programa Sauacutede na Escola (PSE) implantado e boa cobertura da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia

O PSE instituiacutedo por Decreto Presidencial nordm 6286 de 5 de dezembro de 2007 resulta do trabalho integrado dos Mi-nisteacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo na perspectiva de ampliar as accedilotildees de sauacutede aos alunos da rede puacuteblica de ensino funda-mental meacutedio e tecnoloacutegico (BRASIL 2008)

A escola que tem como missatildeo primordial desenvolver processos de ensino-aprendizagem desempenha papel funda-mental na formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo das pessoas em todas as aacutereas da vida social Junto com outros espaccedilos sociais ela cumpre papel decisivo na formaccedilatildeo dos estudantes na percepccedilatildeo e conquis-ta da cidadania e no acesso agraves poliacuteticas puacuteblicas Desse modo pode tornar-se locus para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede para sua clientela (DEMARZO AQUILANTE 2008)

De acordo com a Secretaria de Educaccedilatildeo do Estado do Cearaacute-SEDUC o Municiacutepio de Maracanauacute dispotildee de 96 es-colas sendo 74 municipais de ensino infantil fundamental

258

para deficientes ou educaccedilatildeo de jovens e adultos (EJA) e 22 estaduais sendo dez de ensino fundamental e doze de ensino fundamental e meacutedio

A populaccedilatildeo alvo do estudo foi constituiacuteda de escolares adultos jovens do referido Municiacutepio das escolas estaduais e daquelas municipais com EJA Para fins de delimitaccedilatildeo do es-tudo essa fase da vida foi compreendida como aquela de 20 a 24 anos de idade segundo a OMS e o marco legal brasileiro (BRASIL 2007 OMSOPAS 2005)

Para identificar a quantidade de pessoas que compunha a populaccedilatildeo do estudo contatamos as Secretarias de Educaccedilatildeo e de Sauacutede do Municiacutepio de Maracanauacute-Cearaacute apresentando os objetivos do estudo e a temaacutetica Solicitamos listagem de todos os alunos do Ensino Meacutedio e do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na faixa etaacuteria de 20 a 24 anos matriculados no ano de 2011

Assim contou-secom populaccedilatildeo finita de 1737 estudan-tes A amostra foi calculada na foacutermula de caacutelculo de amostra para populaccedilatildeo finita adotou-se prevalecircncia de 50 (preva-lecircncia do niacutevel de atividade fiacutesica na populaccedilatildeo era desco-nhecida) e utilizou-se erro de 4 obtendo amostra de 446 adultos jovens Foi criteacuterio de exclusatildeo da amostra o aluno ausente nos dias da coleta de dados

A coleta foi realizada em duas fases Na primeira foram mostradas a temaacutetica e objetivo do estudo agrave comunidade es-colar selecionando os alunos com potencial para inserccedilatildeo na amostra com assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Na segunda foi preenchido um questionaacuterio com as caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas (sexo idade seacuterie estado civil renda familiar filhos trabalho remunerado e ho-

259

ras trabalhadas) e o Questionaacuterio Internacional de Atividade Fiacutesica (IPAQ) versatildeo curta pois estudos observaram que suas duas versotildees (longa e curta) apresentam reprodutibilidade si-milar (MATSUDO et al 2001)

Apoacutes estes indicadores foram registrados em banco de dados Para as caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas foram calcu-ladas medidas estatiacutesticas descritivas Para analisar os dados do niacutevel de atividade fiacutesica foi utilizado o consenso realiza-do pelo Centro de Estudos do Laboratoacuterio de Aptidatildeo Fiacutesica de Satildeo Caetano do Sul (CELAFISCS) e pelo Center of Disease Control and Prevention (CDC) de Atlanta considerando os criteacuterios de frequecircncia e duraccedilatildeo que classifica as pessoas em cinco categorias Sedentaacuterios Insuficientemente Ativos A In-suficientemente Ativos B Ativos e Muito Ativos (CDC 2000) Para efeito de anaacutelise essas cinco categorias foram agrupadas em duas inativos (sedentaacuterios insuficientemente ativos A e B) e ativos (ativos e muito ativos) Os resultados foram apresen-tados em graacutefico e tabela

O projeto foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesqui-sa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) sob Parecer Ndeg11044795-6

RESULTADOS

Na Tabela 1 tem-se a organizaccedilatildeo dos dados soacutecio-demograacute-fico

260

TABELA 1 - Caracteriacutesticas soacuteciodemograacuteficas dos escolares adultos jovens (n=446) Maracanauacute-Cearaacute-Brasil 2013

Variaacuteveis f X DP

SexoMasculinoFeminino

216230

484516

Idade20 anos21 anos22 anos23 anos24 anos

22480565432

50217912612172

2108 plusmn 132

Seacuterie (Ensino Meacutedio)1deg2deg3degNatildeo preenchido

9115918511

20435741524

Estado CivilSem companheiro (a)Com companheiro (a)Natildeo preenchido

349943

78321106

Renda familiar mensallt 2 salaacuterios miacutenimosgt 2 salaacuterios miacutenimos

35789

800200 119 plusmn 040

Tem filhos

SimNatildeoNatildeo preenchido

993425

22276711

Trabalha de forma remuneradaSimNatildeoNatildeo preenchido

26916413

60336829

Horas de trabalho por dialt6 gt6Natildeo preenchido

23912978

536289175

135 plusmn 047

f Frequecircncia absoluta Frequecircncia relativa X Meacutedia DP Desvio-padratildeo Salaacuterio miacutenimo (R$ 62200 vigente em 2012)Fonte elaboraccedilatildeo dos autores

261

Na tabela 1 verificou-se que pouco mais da metade (516) dos adultos jovens escolares eram do sexo feminino e tinham 20 anos (502) A meacutedia de idade foi de 2108 anos (+132) Predominaram as pessoas sem companheiro (a) (783) e sem filho (a) (767) Concernente agrave renda familiar mensal obti-vemos a informaccedilatildeo que 800 das famiacutelias tinham renda ateacute dois salaacuterios-miacutenimos o equivalente a 124400 reais A meacutedia da renda familiar mensal foi de 119 salaacuterios-miacutenimos (+040)

Quando indagados se trabalhavam remuneradamente a maioria dos escolares respondeu afirmativamente (603) Com relaccedilatildeo agraves horas diaacuterias de trabalho mais da meta-de (536) respondeu que trabalhava ateacute seis horas por dia e a meacutedia de horas diaacuterias trabalhadas foi de 135 (+047) A maior parte dos pesquisados cursava o 3ordm ano do ensino meacutedio (415) No graacutefico 1 a seguir expomos o pesquisado sobre o niacutevel de atividade fiacutesica constatando predomiacutenio de ativos (787) sobre inativos (213)

GRAacuteFICO 1ndash Classificaccedilatildeo dos escolares adultos jovens em ativos e inativos Maracanauacute Cearaacute-Brasil 2013

787

213 Ativos

Inativos

Fonte elaboraccedilatildeo dos autores

262

DISCUSSAtildeO

Sobre a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas a predominacircncia foi de mulheres de 20 anos sem companheiro ou filho com renda de ateacute dois salaacuterios-miacutenimos que traba-lhavam ateacute seis horas por dia remunerado Quanto ao niacutevel de atividade fiacutesica mais de trecircs quartos do total era de ativos

Houve predominacircncia do sexo feminino em outros estu-dos (FONTES VIANNA 2009 BARRETO PASSOS GIAT-TI 2009 DEL CIAMPO et al 2010) Alguns autores acreditam que este fato esteja relacionado natildeo soacute a questotildees demograacutefi-cas mas pela crescente participaccedilatildeo das mulheres no campo profissional e consequentemente no educacional (GOMES et al 2012) Em relaccedilatildeo agrave faixa etaacuteria o encontro confirma o fato de as poliacuteticas educacionais atuais prezarem pela proporciona-lidade entre idade e ano escolar cursado

No item estado civil Fontes e Vianna (2009) ao avaliarem a prevalecircncia e fatores associados ao baixo niacutevel de atividade fiacutesica entre estudantes adultos jovens verificaram que 906 viviam sem companheiro (a) Moura Juacutenior et al (2011) ao analisarem o niacutevel de atividade fiacutesica e perfil sociodemograacutefico dos usuaacuterios adultos jovens dos ambientes puacuteblicos de ativi-dades fiacutesicas de Joatildeo Pessoa-PB-Brasil constataram predomi-nacircncia de pessoas sem companheiro (a)Esse perfil de pessoas solteiras pode estar relacionado agrave faixa etaacuteria jovem do estudo pois muitos deles ainda moram com os pais

A renda familiar evidenciou baixo poder aquisitivo entre os adultos jovens Esse dado converge com os resultados de Gomes et al (2012) ao analisarem adultos jovens escolares de Juazeiro do Norte-Cearaacute no entanto contrapotildee-se ao estudo de Moura Juacutenior et al (2011) que verificaram apenas 373 de

263

usuaacuterios de ambientes puacuteblicos com essa renda familiar Bun-gum e Vincent (1997) acenaram que o niacutevel socioeconocircmico pode influenciar o nuacutemero de oportunidades oferecidas aos jovens jaacute que os mais ricos podem ter envolvimento em ativi-dades estruturadas (academias e clubes) e em atividades livres gratuitas (parques vizinhanccedila ou playground) enquanto os mais pobres teoricamente soacute teriam a segunda opccedilatildeo

Quanto agrave natildeo existecircncia de filhos resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Fontes Vianna (2009) Esse resultado pode ter sido influenciado pela idade jovem dos par-ticipantes do estudo que ainda vivem com os pais e sem com-panheiro (a)

Nesta pesquisa houve maior nuacutemero de pessoas que tra-balhavam de forma remunerada Bielemann et al (2007) en-contraram em seu estudo resultados convergentes Pesquisa feita por Gomes et al (2012) mostrou que a maioria dos adul-tos jovens conciliava trabalho e estudo (632) e continuava vivendo na casa dos pais sem companheiro(a) Tal situaccedilatildeo eacute observada nessa sociedade dada a percepccedilatildeo das dificuldades da inserccedilatildeo no mercado de trabalho e da busca por salaacuterios melhores ao que se alia a vontade de seguir desfrutando do conforto da casa dos pais Divergindo desse achado pesquisa feita por Fontes e Vianna (2009) encontrou 605 dos estu-dantes sem trabalhar remuneradamente Segundo o Departa-mento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos Socioeconocircmicos poreacutem o jovem brasileiro cada vez mais estaacute buscando tra-balho e o Brasil figura entre os paiacuteses que mais possui jovens trabalhadores (DIEESE 2013) Quanto ao total de horas tra-balhadas isso pode ser justificado pelo fato de a populaccedilatildeo do estudo ser de escolares adultos jovens que conciliavam estudo e trabalho

264

Relativamente agrave classificaccedilatildeo do Questionaacuterio Internacio-nal de Atividade Fiacutesica (IPAQ) aplicado as maiores porcen-tagens de respostas foram para os escolares ativos (787) em detrimento dos inativos (213) Melo Oliveira Almeida (2009) em estudo realizado com escolares do ensino meacutedio da rede puacuteblica do Estado do Rio do Janeiro identificaram alta ocorrecircncia de niacutevel de atividade fiacutesica satisfatoacuterio (691) Va-lores maiores de atividade fiacutesica (813) foram encontrados por Mielke et al (2010) Estudo feito no Estado de Satildeo Pau-lo por Matsudo Matsudo e Arauacutejo (2002) encontrou apenas 563 de ativos Valores de inatividade fiacutesica aproximados aos do presente estudo foram observados no estudo VIGITEL in-queacuterito telefocircnico em todas as capitais brasileiras no qual as prevalecircncias de inatividade fiacutesica variaram de 187 em Palmas a 256 em Satildeo Paulo e 323 em Natal (ZANCHETTA 2010)

Alguns autores destacam que a participaccedilatildeo nas aulas de Educaccedilatildeo Fiacutesica eacute um fator associado ao niacutevel de praacutetica de atividades fiacutesicas e agrave exposiccedilatildeo a comportamento natildeo sedentaacute-rio em estudantes do ensino meacutedio Nesse sentido as escolas devem estar atentas ao planejamento desse componente cur-ricular no acircmbito escolar de modo a incentivar os jovens a se engajarem nas atividades fiacutesicas Considerando que esta eacute uma fase da vida em que as atividades em grupo satildeo muito motivadoras a organizaccedilatildeo de equipes de campeonatos e de atividades extras na escola pode ser incrementada de modo a proporcionar e alargar os espaccedilos de conviacutevio social aumen-tando as possibilidades de envolvimento dos adolescentes e jovens nessas atividades Aleacutem disto como os haacutebitos de ativi-dades fiacutesica na adolescecircncia estatildeo associados agrave atividade fiacutesica na idade adulta os benefiacutecios desses programas e accedilotildees podem ser ainda mais amplos (TENOacuteRIO et al 2010)

265

CONCLUSAtildeO

O estudo mostrou predominacircncia de mulheres com 20 anos sem companheiro ou filho com renda de ateacute dois sa-laacuterios-miacutenimos que trabalhavam com remuneraccedilatildeo ateacute seis horas por dia e eram ativas O conhecimento das caracteriacutes-ticas sociodemograacuteficas eacute fundamental para orientar o desen-volvimento de poliacuteticas promotoras de sauacutede simplificando o traccedilado de estrateacutegias individuais e coletivas

Sobre a atividade fiacutesica percebemos o quanto essa praacute-tica pode e deve ser incentivada no ambiente escolar Os es-tudantes estatildeo continuamente sujeitos a trabalhos prazos de entrega longas horas de estudo e situaccedilotildees de exaustatildeo fiacutesica e mental Assim estudar o niacutevel de atividade fiacutesica de esco-lares eacute importante e pode incentivar a adoccedilatildeo de estrateacutegias preventivas especiacuteficas para o estilo de vida saudaacutevel A escola dissemina saberes cultura e valores dos quais a atividade fiacutesica natildeo pode estar excluiacuteda

Este ensaio tem limitaccedilotildees no que tange agrave validade das medidas subjetivas das atividades fiacutesicas via auto relato Reco-mendamos estudos futuros com agregaccedilatildeo de medidas objeti-vas da atividade fiacutesica

266

REFERecircNCIAS

ALVES JGB et al Praacutetica de esportes durante a adolescecircncia e ati-vidade fiacutesica de lazer na vida adulta Rev Bras Med Esporte v 11 n 5 p 291-294 2005 BARRETO S M PASSOS V M A P GIATTI L Comportamen-to saudaacutevel entre adultos jovens no Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica v 43 supl 2 p 9-17 2009BIELEMANN R et al Praacutetica de atividade fiacutesica no lazer entre aca-decircmicos de educaccedilatildeo fiacutesica e fatores associados Rev bras ativ fiacutes sauacutede v 12 n 3 setdez 2007BUNGUM T J VINCENT M L Determinants of physical activity among female adolescents Am J Prev Med v 13 p 115-122 1997 BRASIL Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Aacuterea de Sauacutede do Adolescen-te e do Jovem Marco legal sauacutede um direito de adolescentes Brasiacute-lia Ministeacuterio da Sauacutede 2007______ Conselho Nacional de Sauacutede (BR) Resoluccedilatildeo n 46612 Dispotildee sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas en-volvendo seres humanos Brasiacutelia (DF) Conselho Nacional de Sauacutede 2012CASPERSEN C J POWELL K E CHRISTENSON G M Physical activity exercise and physical fitness Public Health Reports v 100 n 2 p 126-131 1985CDC- Center For Disease Control and Prevention Promoting physi-cal activity a best buy in public health 2000DEMARZO M M P AQUILANTE A G Sauacutede Escolar e Escolas Promotoras de Sauacutede In Programa de Atualizaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Porto Alegre RS Artmed Pan-Americana v 3 p 49-76 2008DEL CIAMPO LA et alPercepccedilatildeo corporal e atividade fiacutesica em uma coorte de adultos jovens brasileiros Rev Bras Cresc Desenv Hum v 20 n 3 p 671- 679 2010

267

DIEESEO trabalho tolerado de crianccedilas ateacute catorze anos [acessado em 20 de marccedilo de 2013] Disponiacutevel em lthttpwwwdieeseorgbeespespecialhtmlgtERLICHMAN J KERBEY AL JAMES WP Physical activity and its impact on health outcomes Paper 1 The impact of physical acti-vity on cardiovascular disease and all-cause mortality an historical perspective Obes Rev v 3 p 257-271 2002FARIAS JUNIOR JC Estilo de vida de escolares do ensino meacutedio no Municiacutepio de Florianoacutepolis Santa Catarina [Dissertaccedilatildeo de Mes-trado] Florianoacutepolis (SC) Universidade Federal de Santa Catarina 2002FONTES A C D VIANNA R P T Prevalecircncia e fatores associa-dos ao baixo niacutevel de atividade fiacutesica entre estudantes universitaacuterios de uma universidade puacuteblica da regiatildeo Nordeste - Brasil Rev bras epidemiol v 12 n 1 p 20-29 2009GOMES EB et al Fatores de risco cardiovascular em adultos jovens de um municiacutepio do Nordeste brasileiro Rev Bras Enferm v 65 n 4 p 594-600 julago 2012HUANG Y et al Physical fitness physical activity and functional limitation in adults aged 40 in older Med Sci Sports Exer v 30 n 9 p 1430-1435 1998IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Dados do Censo 2010 publicados no Diaacuterio Oficial da Uniatildeo Dados MaracanauacuteCea-raacute Disponiacutevel em lthttpwwwcenso2010ibgegovbrdados_divul-gadosindexphpuf=23gt Acesso em 18 out 2012KOO MN ROHAN TE Comparison of four habitual physical ac-tivity questionnaires in girls aged 7- 15 yr Med Sci Sports Exer v31 n 3 p 421-427 1999 KUJALA UM et al Relationship of leisure-time physical activity and mortality the finish twin cohort JAMA v 279 p 440-444 1998MATSUDO S et alQuestionaacuterio Internacional de Atividade Fiacutesica

268

(IPAQ) estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil Rev Bras Ativ Fis Sauacutede v 6 n 2 p 05-18 2001MATSUDO SM MATSUDO VK ARAUacuteJO T Niacutevel de atividade fiacutesica da populaccedilatildeo do Estado de Satildeo Paulo anaacutelise de acordo com o gecircnero idade niacutevel socioeconocircmico distribuiccedilatildeo geograacutefica e deco-nhecimento Rev Bras Ciecircncia Mov v 10 n p 41-50 2002MELO FAP OLIVEIRA FMF ALMEIDA MB Niacutevel de ativi-dade fiacutesica natildeo identifica o niacutevel de flexibilidade de adolescentes Rev Bras Ativ Fiacutes Sauacutede v14 n 1p48-54 2009MICHELIN E CORRENTE JE BURINI RC Associaccedilatildeo dos niacute-veis de atividade fiacutesica com indicadores socioeconocircmicos de obesi-dade e de aptidatildeo fiacutesica em adultos Rev Bras Ativ Fis Sauacutede v15 n1 p35-41 2010MIELKE GI et al Atividade fiacutesica e fatores associados em universi-taacuterios do primeiro ano da Universidade Federal de Pelotas Rev Bras Ativ Fis Sauacutede v15 n1 p 57-64 2010MILLER TD BALADY GJ FLETCHER GF Exercise and its role in the prevention and rehabilitation of cardiovascular disease Ann Behav Med v19 p 220-229 1997MOURA JUNIOR JS et al Niacutevel de atividade fiacutesica e perfil sociode-mograacutefico dos usuaacuterios dos ambientes puacuteblicos de atividades fiacutesicas na cidade de Joatildeo Pessoa-PBRev Bras Ciecircnc Sauacutede v 15 n 3 p 349-356 2011OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede OPAS Organizaccedilatildeo Pan-A-mericana de Sauacutede Prevenccedilatildeo de Doenccedilas Crocircnicas um investimen-to vital Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 2005SILVA DAS et al Diferenccedilas e similaridades dos estaacutegios de mu-danccedila de comportamento para atividade fiacutesica em adolescentes de duas aacutereas brasileirasRev Paul Pediatr v 29 n 2 p 193-201 2011 SOUZA GS et al Estilo de vida e aptidatildeo fiacutesica relacionada agrave sauacutede de servidores da Universidade de Pernambuco Rev Baiana Educaccedilatildeo Fiacutesica v 1 p 6-14 2000

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TENOacuteRIO M C et al Physical activity and sedentary behavior among adolescent high school students Rev Bras Epidemiol v 13 p 105-117 2010 USDHHS Physical activity fundamental to preventing disease Office of the Assistant Secretary for Planning and Evaluation p1-19 2002 USDHHS (US Department of Health and Human Services)Physical activity and health a report of the surgeon general Atlanta Center for Disease Prevention and Health Promotion The Presidentrsquos Coun-cil on Physical Fitness and Sports 1996WHO World Health Organization The world health report 2002 re-ducing risks promoting healthy life Geneva WHO 2002ZANCHETTA L M et alInatividade fiacutesica e fatores associados em adultos Satildeo Paulo Brasil Rev Bras Epidemiol v 13 n 3 p 387-399 2010

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CAPIacuteTULO 13

MORTALIDADE INFANTIL ANAacuteLISE DE FATORES DE RISCO EM UMA CAPITAL DO NORDESTE BRASILEIRO

Liacutedia Samara de Castro SandersJardenia Chaves Domeneguetti

Francisco Joseacute Maia Pinto

INTRODUccedilAtildeO

A mortalidade infantil eacute considerada grave problema de sauacutede puacuteblica mundial pois apesar da diminuiccedilatildeo global de seus iacutendices esta ainda eacute uma realidade presente em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento (UNICEF 2013)

A taxa de mortalidade infantil (TMI) eacute um dos melhores indicadores do niacutevel de vida e bem-estar social de uma popu-laccedilatildeo (WHO 2010) Este claacutessico indicador de sauacutede eacute um im-portante componente epidemioloacutegico internacional visto que tem grande peso na expectativa de vida ao nascer(GARCIA SANTANA 2011)

Os oacutebitos de crianccedilas menores de um ano satildeo eventos indesejaacuteveis pois satildeo mortes precoces e em muitos casos evitaacuteveis A reduccedilatildeo da mortalidade infantil integra um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) compro-misso dos paiacuteses-membros da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) para que com a globalizaccedilatildeo o Mundo se torne mais inclusivo e equitativo no novo milecircnio(IPEA 2010)

Desse modo torna-se necessaacuteria a reduccedilatildeo das desigual-dades em sauacutede e em especial a sobrevivecircncia infantil que eacute alvo da atenccedilatildeo de organizaccedilotildees internacionais e do Governo

271

brasileiro Uma dessas iniciativas eacute o Pacto pela Reduccedilatildeo da Mortalidade Infantil na Regiatildeo Nordeste e Amazocircnia Legal que faz parte de um compromisso mais amplo proposto pelo Governo federal para acelerar a reduccedilatildeo das desigualdades re-gionais(GARCIA SANTANA 2011)

Nas uacuteltimas deacutecadas observou-se reduccedilatildeo naTMI em vaacute-rias regiotildees do Mundo O Brasil tambeacutem expressa tendecircncia de decliacutenio com melhora em seus indicadores sociais poreacutem ainda ostenta grandes disparidades regionais principalmente no que se refere agrave regiatildeo Nordeste dentre as quais estatildeo as desigualdades raciais de renda per capita escolaridade e ex-pectativa de vida ao nascer (SOUSA LEITE-FILHO 2008)

O Cearaacute de 1980 a 2010 foi o segundo estado brasileiro que mais reduziu a TMI Em 30 anos deixaram de morrer 918 crianccedilas menores de um ano para cada mil nascidas nuacutemero menor apenas do que o da Paraiacuteba que em 2010 evitou 942 mortes em relaccedilatildeo a 1980 Em 1980 o Cearaacute tinha a terceira pior TMI do Nordeste de 1115 por mil nascidos agrave frente ape-nas de Alagoas (1116) e da proacutepria Paraiacuteba (1171) Em 2010 o Cearaacute ficou com a segunda melhor taxa da regiatildeo de 197 por mil nascidos atraacutes apenas de Pernambuco que registrou taxa de 185 (IBGE 2010)

Apesar dessa reduccedilatildeo observada no Nordeste especial-mente no Cearaacute a TMI ainda continua com iacutendices acima do recomendado por oacutergatildeos internacionais Para tanto o Sistema de Informaccedilatildeo sobre Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informaccedilatildeo sobre Mortalidade (SIM) constituem em im-portantes ferramentas para enfrentar o desafio da mortalidade infantil visto que em estudos epidemioloacutegicos a utilizaccedilatildeo desses sistemas de informaccedilatildeo possibilita a detecccedilatildeo de fatores de risco associados agrave mortalidade nesse grupo etaacuterio

272

Ademais a anaacutelise de fatores de risco em menores de um ano eacute um valioso determinante na elaboraccedilatildeo de estrateacutegias efetivas de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede para a reduccedilatildeo da mor-talidade infantil

Com efeito esta investigaccedilatildeo teve como objetivo analisar fatores de risco para a mortalidade infantil no municiacutepio de Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

MeacuteTODOS

Este eacute um estudo do tipo caso-controle realizado em For-taleza-CE

As informaccedilotildees que serviram de base a este ensaio foram coletadas do Sistema de Informaccedilotildees sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informaccedilotildees sobre Mortalidade (SIM) ambos alimentados pelas Declaraccedilotildees de Nascidos Vi-vos (DNV) e Declaraccedilotildees de Oacutebitos (DO) do periacuteodo de 2005 a 2010 disponibilizados pela Ceacutelula de Vigilacircncia Epidemio-loacutegica (CEVEP) da Secretaria Municipal de Sauacutede Escola de Fortaleza

A populaccedilatildeo do estudo foi composta de todos os nascidos (230080) em Fortaleza com DNV devidamente preenchida no periacuteodo de 01012005 a31122010 filhos de mulheres re-sidentes no referido municiacutepio Foram inclusos nessa popula-ccedilatildeo tambeacutem todos os oacutebitos em menores de um ano (3694) registrados nas DO originados desses nascidos

A amostra foi constituiacuteda por 588 registros sendo 147 ca-sos (oacutebitos) e 441 controles (natildeo oacutebitos) Para identificar os oacutebitos em menores de um ano usou-se a teacutecnica de linkage entre os dois bancos de dados do SINASC e do SIM Foram utilizadas as variaacuteveis data do nascimento peso ao nascer en-

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dereccedilo de residecircncia da matildee e nome da matildee para facilitar a identificaccedilatildeo do par perfeito

Neste estudo a variaacutevel dependente foi agrave ocorrecircncia do oacutebito em menores de um ano (sim ou natildeo) As variaacuteveis inde-pendentes referentes agrave exposiccedilatildeo foram classificadas em mo-delo hieraacuterquico com trecircs niacuteveis de determinaccedilatildeo conforme estaacute agrave frente

a) Bloco 1 ou niacutevel distal (variaacuteveis sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas maternas) - idade da matildee (lt 20 anos 20 a 34 anos e ge 35 anos) estado civil (com companheiro e sem companheiro) escolaridade da matildee (lt 4 anos 4 a 7 anos ge 8 anos de estudo)

b) Bloco 2 ou niacutevel intermediaacuterio (variaacuteveis relacionadas agrave assistecircncia na gestaccedilatildeo e no parto) ndash nuacutemero de consultas de preacute-natal (le 3 consultas quatro a seis consultas ge 7 consul-tas) idade gestacional (le 36 semanas 37 a 41 semanas ge 42 semanas) tipo de gestaccedilatildeo (uacutenica ou gemelar) e tipo de parto (vaginal ou cesaacutereo)

c) Bloco 3 ou niacutevel proximal (variaacuteveis relacionadas agrave crianccedila ao nascer) ndash sexo (masculino ou feminino) peso (lt 1500 gramas 1500 a 2499 gramas e ge 2500 gramas) iacutendice de Apgar no 1ordm e 5ordm minutos de vida (0-3 4-7 8-10)

Para o processamento dos dados foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences ndash SPSS versatildeo 200 Na anaacutelise dos dados para testar a associaccedilatildeo dos vaacuterios fato-res de risco com o oacutebito infantil ou seja verificar a associaccedilatildeo entre cada variaacutevel de exposiccedilatildeo e a variaacutevel-resposta foram realizadas anaacutelises univariadas e multivariadas

Na anaacutelise univariada verificamos a distribuiccedilatildeo de fre-quecircncia tabulaccedilatildeo cruzada entre variaacuteveis estimativa da probabilidade de oacutebito em menores de um ano segundo as

274

categorias de exposiccedilatildeo existecircncia de associaccedilatildeo nas variaacuteveis qualitativas entre o desfecho e as variaacuteveis explicativas Utili-zamos o teste do Qui-Quadrado ao niacutevel de significacircncia de 5 Foi observado o criteacuterio de entrada das variaacuteveis no mo-delo tendo sido selecionadas aquelas que apresentaram niacutevel descritivo p lt 020 e as que permaneceram no modelo apenas aquelas que tiveram valor de p lt 005

A medida da forccedila de associaccedilatildeo entre as variaacuteveis foi ob-tida pela regressatildeo logiacutestica que identificou por meio da razatildeo de chances (Odds Ratio ndash OR) o valor da OR bruta para as variaacuteveis de cada bloco que apresentaram associaccedilatildeo signifi-cativa (p lt 005) O controle dos possiacuteveis fatores de confu-satildeo existentes nas associaccedilotildees obtidas na anaacutelise univariada foi conseguido por meio da teacutecnica de anaacutelise multivariada da qual foi obtido o valor da OR ajustada

Finalmente realizamos a regressatildeo logiacutestica muacuteltipla apenas com as variaacuteveis significativas em cada bloco hierarqui-zado Deste modo as variaacuteveis significativas do bloco 1 foram anexadas sucessivamente agraves variaacuteveis significativas dos blocos 2 e 3 Este ajuste por bloco permitiu identificar as variaacuteveis de confusatildeo bem como a importacircncia de cada variaacutevel que parti-cipou do modelo final

A anaacutelise final da regressatildeo logiacutestica realizada obedeceu aos criteacuterios de Hosmer e Lemeshow (1989)nos termos dos quais o bom ajuste do modelo final proposto pode ser veri-ficado por meio da diferenccedila natildeo significativa entre as pro-babilidades preditas e observadas As variaacuteveis significativas e incluiacutedas em cada bloco fizeram parte do ajuste do modelo

O estudo foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) e aprovado pelo Parecer Nordm 12446

275

RESULTADOS

No ano de 2005 a TMI encontrada em Fortaleza foi de 206 oacutebitos por mil nascidos (NV) e em 2010 reduziu-se para 1191000 NV Dos147 casos de oacutebitos da amostra 119 (81) ocorreram no periacuteodo neonatal e 28 (19) no periacuteodo poacutes-neonatal sendo que a maioria 88 (599) dos oacutebitos ocorreu no periacuteodo neonatal precoce

Na anaacutelise univariada realizada com o modelo hierarqui-zado demostrou associaccedilatildeo estatisticamente significante (p lt 005) com o oacutebito infantil as seguintes variaacuteveis escolaridade da matildee menor do que quatro anos de estudo (bloco1) nuacutemero de consultas preacute-natal menor do que quatro idade gestacional inferior a 37 semanas gestaccedilatildeo gemelar parto cesaacutereo (bloco 2) e peso ao nascer (bloco3)

A anaacutelise univariada do bloco 1 (niacutevel distal) mostrou que somente a escolaridade materna (menor do que quatro anos de estudo) teve associaccedilatildeo com o desfecho pois se exibiu alta-mente significativa (p lt 0001) As matildees que estudaram menos de quatro anos expressaram alto risco de seus filhos virem a oacutebito (OR 170183 IC 73219 395555) (Tabela 1)

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TABELA 1- Fatores de risco distais natildeo ajustados para a mor-talidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas sociodemo-graacuteficas e socioeconocircmicas maternas Fortaleza-CE no periacuteo-do de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo

ajustadaIC 95 p

N=147 N=441

Idade materna

0809lt 20 anos 27 184 71 161 11780717

193520 a 34 anos 102 694 316 717 10

ge 35 anos 18 122 53 120 10520589

1878

Total 147 1000 440 998

Escolaridade

materna

lt0001lt 4 anos 131 891 32 73 170183

73219

395555

4 a 7 anos 5 34 107 243 19430604

6252ge 8 anos 7 48 291 660 10Total 143 973 430 976Estado civil

0358Sem compa-

nheiro99 673 285 646 099 099 100

Com compa-

nheiro48 327 150 340 10

Total 147 1000 435 986

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado Teste da Razatildeo de Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

277

No bloco 2 (niacutevel intermediaacuterio) constatamos ao realizar a anaacutelise univariada que todas as variaacuteveis tiveram associaccedilatildeo significativa com o desfecho tipo de gestaccedilatildeo (p lt 0001) nuacute-mero de consultas de preacute-natal (p lt 0025) pelo teste da Razatildeo de Maacutexima Verossimilhanccedila idade gestacional (p lt 0001) e tipo de parto (p lt 0001)

A gestaccedilatildeo gemelar e a idade gestacional demostraram maior risco de desencadear o desfecho com altiacutessimos valo-res relativos ao caacutelculo da razatildeo de chances (OR 633167 IC 166744 240818) e (OR 259571 IC 106867 630478) res-pectivamente O nuacutemero de consultas de preacute-natal menor do que quatro indicou duas vezes maior risco de levar as crianccedilas ao oacutebito (OR 2177 IC 1221 3880) O parto cesaacutereo mos-trou-se como fator de proteccedilatildeo (OR 0027 IC 0011 0067) em relaccedilatildeo ao desfecho (Tabela 2)

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TABELA 2 - Fatores de risco intermediaacuterios natildeo ajustados para a mortalidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas relacionadas agrave assistecircncia sobre gestaccedilatildeo e parto Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo

ajustadaIC 95 p

N=147 N=441 Tipo de gestaccedilatildeo

lt0001Uacutenica 15 102 435 986 10

Gemelar 131 891 6 14 633167166744

240818 Total 146 993 441 1000

Ndeg de consultas0025

lt0001

le 3 26 177 46 104 21771221

3880

4 a 6 74 503 201 456 14180934

2152

ge 7 47 320 181 410 10

Total 147 1000 428 971

Idade gestacional

le 36 semanas 138 939 35 79 259571106867

63047837 a 41 6 41 395 896 10ge 42 semanas - - 2 05Total 144 980 432 980

Tipo de parto

lt0001Vaginal 141 959 190 431 10

Cesaacutereo 5 34 250 567 00270011

0067 Total 146 993 440 998

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadradoTeste da Razatildeo da Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

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A anaacutelise univariada do bloco 3 (niacutevel proximal) referen-te agraves caracteriacutesticas da crianccedila ao nascer revelou que somente o baixo peso ao nascer teve associaccedilatildeo altamente significativa com o desfecho com valor de plt0001 O baixo peso ao nascer pelo caacutelculo da razatildeo de chances possui aproximadamente 26 vezes maior risco de levar as crianccedilas ao oacutebito (OR 26267 IC 7574 91087) (Tabela 3)

TABELA 3 - Fatores de risco proximais natildeo ajustados para a mortalidade infantil de acordo com as caracteriacutesticas da crian-ccedila ao nascer Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

VariaacuteveisCasos Controles

OR natildeo ajusta-

daIC 95 p

N=147 N=441 Sexo 0782

Masculino 81 554 240 544 10550723 1539

Feminino 66 446 201 456 10

Total 147 1000 441 1000

Peso lt0001

lt 1500 g 6 41 15 34 274979112504 672095

1500 a 2499 g

134 912 32 73 262677574 91087

ge 2500 g 6 41 394 893 10

Total 146 993 441 1000Apgar no 1ordm minuto

0614

0 a 3 2 14 7 160774 2114

280

4 a 7 26 176 62 141 08720179 4253

8 a 10 119 810 363 823 10

Total 147 1000 432 980

Apgar no 5ordm minuto

0736

0 a 3 - - 1 03

4 a 7 4 27 11 25 10120317 3229

8 a 10 143 973 398 902 10

Total 147 1000 410 930

Fonte SIMSINASCSMSCEVEPOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadradoTeste da Razatildeo da Maacutexima VerossimilhanccedilaNota em algumas variaacuteveis a amostra natildeo correspondeu ao tamanho da amostra estabelecida para a pesquisa

Na tabela 4 consta o resultado referente agrave anaacutelise mul-tivariada com todas as variaacuteveis que participaram da anaacutelise univariada e foram significativas (plt 005) e ainda tinham plt 020 como criteacuterio de inclusatildeo na etapa de ajuste com as de-mais variaacuteveis significativas dos blocos seguintes

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TABELA 4 - Anaacutelise multivariada de fatores relacionados agraves caracteriacutesticas sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas mater-nas informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e parto e caracteriacutesticas da crianccedila ao nascer associados ao oacutebito infantil Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

Variaacutevel OR ajustada IC 95 p

Bloco 1 Caracteriacutesticas sociodemograacuteficas e socioeconocircmicas maternas

Escolaridadelt4 anos 3855 0879 16905 00744 a 7 anos 0847 0188 3812 0829ge8 anos 10 0132

Bloco 2 Informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e partoTipo de gestaccedilatildeoUacutenica 10Gemelar 71137 19529 259125 lt0001Ndeg de consultasle3 0667 0136 3262 06174 a 6 0830 0235 2929 0772ge7 10 0883Idade gestacionalle36 semanas 20514 6297 66824 lt0001ge37 semanas 10Tipo de partoVaginal 10Cesaacutereo 0119 0030 0484 0003

Bloco 3 Caracteriacutesticas da crianccedila ao nascerPesolt1500 g 1049 0089 12386 09701500 a 2499 g 1993 0233 17020 0529ge2500 g 10 0631

Fonte SMSCEVEPSIMSINASCOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado

282

Ao examinarmos o efeito das variaacuteveis significativas no modelo univariado do bloco 1 em conjunto sobre o desfecho exercido pelas variaacuteveis relacionadas agraves caracteriacutesticas socio-demograacuteficas maternas notamos que a escolaridade materna perdeu a significacircncia estatiacutestica natildeo sendo incluiacuteda no mo-delo final

Em relaccedilatildeo ao efeito das variaacuteveis significativas no modelo univariado do bloco 2 em conjunto sobre o desfecho exerci-do pelas variaacuteveis relacionadas agrave gestaccedilatildeo e ao parto perma-neceram estatisticamente significantes as seguintes variaacuteveis idade gestacional le 36 semanas (plt 0001) gestaccedilatildeo gemelar (plt 0001) e parto cesaacutereo (p= 0003) que foram incluiacutedas no modelo final O nuacutemero de consultas no periacuteodo preacute-natal natildeo apresentou significacircncia estatiacutestica (p= 0883) e natildeo foi incluiacute-do no modelo final

Quanto agrave relaccedilatildeo do efeito das variaacuteveis em conjunto sobre o desfecho exercido pelas variaacuteveis relacionadas agraves ca-racteriacutesticas da crianccedila ao nascer (bloco 3) verificamos que a variaacutevel peso perdeu a significacircncia estatiacutestica (p= 0631) natildeo sendo incluiacuteda no modelo final

A tabela 5 traz o modelo final constituiacutedo com suporte nas variaacuteveis significantes ocorridas no modelo multivariado tipo de gestaccedilatildeo idade gestacional e tipo de parto relacionadas ao desfecho

A regressatildeo logiacutestica foi realizada ajustando as variaacuteveis significativas apenas do bloco 2 com o desfecho pois os de-mais blocos natildeo apresentaram variaacuteveis estatisticamente signi-ficativas Portanto mantiveram associaccedilatildeo com o oacutebito infan-til as seguintes variaacuteveis gestaccedilatildeo gemelar e idade gestacional le 36 semanas O parto cesaacutereo demostrou-se como fator de proteccedilatildeo

283

TABELA 5 - Modelo final dos fatores de risco associados ao oacutebito infantil Fortaleza-CE no periacuteodo de 2005 a 2010

Variaacutevel OR ajus-tada

IC 95 p

Bloco 2 Informaccedilotildees sobre gestaccedilatildeo e parto

Tipo de gestaccedilatildeo

Uacutenica 10

Gemelar 78104 22136 275580

lt0001

Idade gestacional

le36 semanas 18754 6168 57024 lt0001

ge37 semanas 10

Tipo de parto

Vaginal 10

Cesaacutereo 0121 0031 0477 0003Fonte SMSCEVEPSIMSINASCOR odds ratio IC 95 Intervalo de confianccedila de 95 p Qui-quadrado

DISCUSSAtildeO

O uso de bancos de dados secundaacuterios para a realizaccedilatildeo de pesquisas cientiacuteficas eacute importante Denota poreacutem apresen-ta vantagens e desvantagens Este se expressou como grande fonte para diversas investigaccedilotildees e satildeo capazes de gerar gran-de contribuiccedilatildeo para a sauacutede puacuteblica especialmente quanto agrave

284

anaacutelise do perfil de oacutebitos e seus fatores de risco A falta de controle de qualidade da informaccedilatildeo e padronizaccedilatildeo nos pro-cedimentos utilizados para a coleta das informaccedilotildees configu-ra-se no entanto como uma desvantagem

A persistente precariedade nos dados do SIM e SINASC encontrados em alguns estados das regiotildees Norte e Nordes-te especificamente em alguns municiacutepios resulta na falta de qualidade das informaccedilotildees de ambos os sistemas(FRIAS et al 2010)

A teacutecnica de linkage utilizada nesta pesquisa revelou e confirmou as incompletudes desses dois bancos de dados fato que pode ter se exibido como uma limitaccedilatildeo do estudo

Neste experimento os oacutebitos infantis indicam que o com-ponente neonatal contribuiu com o maior percentual da mor-talidade em menores de um ano com 119 (810) sendo que o periacuteodo neonatal precoce corresponde ao maior nuacutemero de oacutebitos com 88 (599)

Nas uacuteltimas deacutecadas diversas pesquisas confirmam essa crescente participaccedilatildeo dos oacutebitos neonatais na TMI em com-paraccedilatildeo ao componente poacutes-neonatal e que o componente neonatal precoce representa a maior parcela desses oacutebitos sendo responsaacutevel por mais da metade das mortes no primeiro ano de vida (RISSO NASCIMENTO 2010 SILVA et al 2010 SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009)

Notamos que a maioria das matildees tanto para casos como para controles exibiu faixa etaacuteria de 20 a 34 anos com 102 (694) e 316 (717) respectivamente Este resultado eacute cor-roborado por vaacuterios estudos(RISSO NASCIMENTO 2010 ZANINI et al 2011 DOMINGUES et al 2012) onde aproxi-madamente 700 das matildees se encontravam nessa faixa etaacuteria

285

Em relaccedilatildeo agrave escolaridade materna verificamos que o tempo de estudo inferior a quatro anos mostrou associaccedilatildeo significativa na anaacutelise univariada com o desfecho As matildees que estudaram menos de quatro anos expressaram maior risco de seus filhos morrerem Apoacutes a regressatildeo logiacutestica contendo essa variaacutevel natildeo permaneceu como fator de risco no mode-lo final Resultado semelhante foi encontrado por Jehan et al (2009) quando tambeacutem analisaram a escolaridade materna em modelo de regressatildeo logiacutestica e anaacutelise hieraacuterquica

Com relaccedilatildeo ao estado civil 652 das matildees viviam sem companheiro proporccedilatildeo semelhante para o grupo dos casos (673) e dos controles (646) Natildeo houve associaccedilatildeo estatiacutes-tica entre a situaccedilatildeo conjugal materna e o oacutebito em menores de um ano Esse achado foi corrobora do pela pesquisa de Carva-lho et al (2007) onde tambeacutem natildeo foi encontrada associaccedilatildeo estatisticamente significante entre estado civil e oacutebito neonatal

Neste estudo dentre as variaacuteveis do bloco 2 apenas o nuacutemero de consultas de preacute-natal natildeo teve associaccedilatildeo com o oacutebito infantil Embora o nuacutemero de consultas de preacute-natal natildeo tenha mostrado associaccedilatildeo com o desfecho verificamos que o nuacutemero de consultas inferior a quatro possui risco de 21 vezes maior das crianccedilas morrerem Este resultado da razatildeo de chances foi semelhante ao realizado por Santa Helena Sousa e Silva (2005)em cuja anaacutelise univariada mostraram que matildees que realizaram um nuacutemero de consultas no preacute-natal menor ou igual a trecircs exteriorizaccedilatildeo risco 229 vezes maior para mor-talidade no periacuteodo neonatal do que as matildees que realizaram um nuacutemero maior de consultas

Em relaccedilatildeo ao tipo de gestaccedilatildeo aleacutem da gravidez gemelar ter mostrado associaccedilatildeo significativa com o desfecho o risco de morte se mostrou aproximadamente 78 vezes maior em

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relaccedilatildeo agrave gravidez uacutenica Este resultado foi corroborado por outros estudos (SOARES MENEZES 2010 ZANINI et al 2011)

A associaccedilatildeo entre mortalidade infantil e gemelaridade eacute descrita na literatura por vaacuterios autores Esta eacute considerada importante fator de risco porque na maioria das vezes estaacute relacionada agrave baixa idade gestacional e ao baixo peso ao nascer (SILVA et al 2010 RIBEIRO et al 2012)

Analisando a idade gestacional observamos que no grupo dos casos a maioria das matildees (939) tive filhos prematuros de menos de 37 semanas de gestaccedilatildeo Estes achados foram seme-lhantes agraves pesquisas de Silva et al (2010) e de Ribeiro et al (2009) onde indicou a maioria dos oacutebitos com nascimento preacute-termo 887 e 577 respectivamente Ao analisar o grupo dos con-troles percebemos que a idade gestacional a termo foi predomi-nante (896) Estudo de Doldan Costa e Nunes (2011) apon-tou achados semelhantes quando mostrou que os nascimentos a termo foram mais prevalentes (957) entre os controles

Em pesquisa efetuada por Ortiz e Oushiro (2008) a idade gestacional abaixo de 37 semanas tambeacutem esteve associada estatisticamente com o oacutebito neonatal nas anaacutelises univariada e multivariada permanecendo associada inclusive no modelo final da anaacutelise onde se registrou um risco 294 vezes maior de oacutebito naqueles nascidos de gestaccedilotildees com duraccedilatildeo de 22 a 27 semanas quando comparados com os nascidos de gestaccedilotildees com duraccedilatildeo acima de 37 semanas

Neste estudo o parto cesaacutereo apresentou-se como fator de proteccedilatildeo para o oacutebito infantil (OR 0121 IC95 0031 0477) Achado semelhante foi destacado por outros estudos na literatura (SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009 ORTIZ OUSHIRO 2008)

287

Diversos estudos brasileiros apontam essa associaccedilatildeo entre o parto normal e a mortalidade infantil quando com-parado com o cesariano Nesta associaccedilatildeo destaca-se o papel exercido pela maacute qualidade da assistecircncia ao parto vaginal pela alta incidecircncia de cesarianas no Paiacutes e pelas distorccedilotildees na indicaccedilatildeo da via de parto como a realizaccedilatildeo de cesarianas em gestaccedilotildees de baixo risco e parto vaginal nas de alto risco para o oacutebito neonatal (SOARES MENEZES 2010 RIBEIRO et al 2009 ORTIZ OUSHIRO 2008)

Eacute relatado ainda o fato que o parto operatoacuterio pode ex-primir efeito protetor sobre a mortalidade neonatal principal-mente em virtude da sua maior concentraccedilatildeo no Brasil em hospitais privados cuja populaccedilatildeo de melhor niacutevel socioeco-nocircmico possui outras caracteriacutesticas que contribuem para a sobrevivecircncia no periacuteodo neonatal(ORTIZ OUSHIRO 2008)

Em relaccedilatildeo aos determinantes proximais referentes agraves ca-racteriacutesticas da crianccedila ao nascer o sexo masculino foi o mais prevalente (546) Resultado semelhante foi encontrado por Shoeps et al (2007) com (51) O predomiacutenio de oacutebitos tam-beacutem foi maior neste sexo (554) poreacutem natildeo foi constatada relaccedilatildeo estatisticamente significante entre sexo da crianccedila e oacutebi-to infantil desfecho que condiz com os resultados encontrados por Santa Helena Sousa e Silva(2005) e por Schoeps et al (2007)

A variaacutevel sexo da crianccedila natildeo recebeu influecircncia direta das caracteriacutesticas maternas assistecircncia agrave gravidez e ao parto o que poderia justificar ausecircncia de relaccedilatildeo estatiacutestica (SANTA HELENA SOUSA SILVA 2005 SHOEPS et al 2007)

Quanto ao iacutendice de Apgar no 1ordm e nos 5ordm minutos natildeo houve associaccedilatildeo entre esta variaacutevel e o oacutebito infantil Eacute im-portante ressaltar porem que na literatura haacute estudos sobre mortalidade infantil principalmente no periacuteodo neonatal

288

afirmando que quanto menor o escore de Apgar no primeiro e no quinto minutos de vida menor eacute a chance de sobrevivecircncia (RISSO NASCIMENTO 2009 GEIG et al 2010)

O iacutendice de Apgar representa um importante fator de risco para a mortalidade infantil essencialmente no periacuteodo neonatal Este fato remete ao papel da organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal no sentido de minimizar os fatores que podem levar a asfixia e consequentemente ao oacutebito nessas crianccedilas (RISSO NASCIMENTO 2009 GEIG et al 2010)

O baixo peso ao nascer foi a uacutenica variaacutevel referente aos determinantes proximais que teve associaccedilatildeo com o oacutebito infantil mostrando na anaacutelise univariada uma significacircncia altamente estatiacutestica (plt0001) e um risco de morte aproxi-madamente 26 vezes maior quando comparado com crianccedilas com peso normal ao nascer Verificamos no entanto que apoacutes a regressatildeo logiacutestica essa variaacutevel perdeu a significacircncia estatiacutes-tica e foi excluiacuteda do modelo final

O resultado evidenciado neste estudo foi corroborado pelo de Mombelli et al (2012) o qual demostrou que os receacutem-nascidos de baixo peso possuem risco 49 vezes maior de mor-rer do que aqueles com peso igual ou superior a 2500g Estudo de Geib et al (2010) indicou o baixo peso (1500 a 2499g) com risco variando de 67 a 108 enquanto os de muito baixo peso (lt 1500g) expressaram risco de 797 Barros et al (2008)veri-ficaram que os receacutem-nascidos com baixo peso e prematuros registraram risco de oacutebito quatro vezes maior do que aqueles com peso acima de 2500g ou a termo

A significativa associaccedilatildeo encontrada entre o baixo peso ao nascer e o oacutebito infantil evidencia a interaccedilatildeo dos fatores bioloacutegicos e sociais jaacute consagrado na literatura e reforccedila a sua manutenccedilatildeo como criteacuterio isolado para a identificaccedilatildeo de crianccedilas vulneraacuteveis ao oacutebito(BARROS et al 2008)

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CONCLUSAtildeO

Neste estudo configuram-se como fatores de risco para a mortalidade infantil as variaacuteveis que permaneceram no mo-delo final gestaccedilatildeo gemelar e idade gestacional inferior a 37 semanas O parto cesaacutereo foi expresso como fator de proteccedilatildeo

Embora os determinantes que levem ao oacutebito no primeiro ano de vida sejam variados e interajam com diversas intensida-des observamos entre os fatores de risco identificados a im-portacircncia dos relacionados com a atenccedilatildeo agrave sauacutede da gestante e do receacutem-nascido redutiacuteveis pela atuaccedilatildeo do setor sauacutede

Nesse sentido torna-se necessaacuterio um olhar mais apro-fundado para a atenccedilatildeo preacute-natal e consequentemente para a assistecircncia ao parto e ao receacutem-nascido sendo fundamen-tal avaliar a estruturaccedilatildeo da rede assistencial e a qualidade dos serviccedilos oferecidos pelo Municiacutepio

Consideramos como um fator limitante desta pesquisa a utilizaccedilatildeo somente de dados secundaacuterios pois constatamos ausecircncia de informaccedilotildees em muitas variaacuteveis aleacutem de duplici-dade nos registros dos bancos de dados do SIM e do SINASC Este achadoporeacutem natildeo invalidou a anaacutelise final e os seus re-sultados

Ressalta-se contudo a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede quanto ao correto e completo preenchi-mento das declaraccedilotildees de nascimentos e de oacutebitos para que as informaccedilotildees coletadas sejam fidedignas capazes de refletir a realidade Essa medida aumentaria a consistecircncia e a repro-dutibilidade de pesquisas de base epidemioloacutegica para o plane-jamento das accedilotildees de sauacutede e assim contribuiria para a dimi-nuiccedilatildeo da mortalidade infantil

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REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 14

HUMANIZAccedilAtildeO DO PARTO ESTUDO ET-NOGRAacuteFICO EM UMA MATERNIDADE PUacute-BLICA DE FORTALEZA

Maria Celestina S de OliveiraAndrea Caprara

INTRODUccedilAtildeO

A atenccedilatildeo humanizada ao parto compreende conheci-mentos praacuteticas e atitudes que buscam a promoccedilatildeo do parto natural nascimentos saudaacuteveis e prevenccedilatildeo da morbimortali-dade materna e perinatal (BRASIL 2001) Humanizar entatildeo engloba assistecircncia de qualidade teacutecnica e natildeo teacutecnica forma-ccedilatildeo continuada dos profissionais de sauacutede evidecircncias cientiacute-ficas que orientam as rotinas assistenciais instalaccedilotildees fiacutesicas adequadas e recursos financeiros (BRASIL 2006)

No Brasil a institucionalizaccedilatildeo do parto ao longo da deacute-cada de 1940 foi provavelmente a primeira accedilatildeo de sauacutede puacute-blica dirigida agrave mulher Nos anos 1960 a preocupaccedilatildeo com a sauacutede materna se limitou agrave assistecircncia ao parto Com a chegada da Medicina preventiva ao Paiacutes e a criaccedilatildeo dos centros de sauacute-de iniciaram-se os programas de preacute-natal que na realidade tinham como objetivo principal reduzir a mortalidade infantil Nos anos 1980 ocorreram iniciativas voltadas para a reduccedilatildeo da mortalidade materna No Cearaacute uma iniciativa de destaque foi o projeto desenvolvido pelo meacutedico Galba de Arauacutejo tendo como objetivo integrar as parteiras leigas ao sistema local de sauacutede (ARAUacuteJO 1987) Tambeacutem em 1990 no Cearaacute nova

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iniciativa de humanizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede deu-se no Hospital Geral de Fortaleza com o desenvolvimento de um trabalho em prol da qualidade e da humanizaccedilatildeo na sauacutede

Em janeiro de 2000 um passo importante eacute dado a cami-nho da humanizaccedilatildeo do parto quando a Secretaria de Sauacutede do Estado do Cearaacute e a Agecircncia de Cooperaccedilatildeo Internacional do Japatildeo (JICA) publicam o Manual do Parto Humanizado (SESA 2000) Em junho deste mesmo ano o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa de Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) Neste programa os elementos estru-turais foram assim estabelecidos percepccedilatildeo da mulher como sujeito conhecimento e respeito aos direitos reprodutivos a perspectiva da humanizaccedilatildeo (BRASIL 2000)

O Ministeacuterio da Sauacutede no ano de 2003 define sete aacutereas prioritaacuterias de atuaccedilatildeo e cria a Poliacutetica Nacional de Humani-zaccedilatildeo (PNH) O foco das atenccedilotildees passou do hospitalar a todo o sistema de sauacutede Os eixos de accedilatildeo para a implementaccedilatildeo do PNH foram assim definidos o das instituiccedilotildees o da gestatildeo do trabalho o do financiamento o da atenccedilatildeo o da educaccedilatildeo permanente o da informaccedilatildeocomunicaccedilatildeo e o da gestatildeo da proacutepria PNH Poder-se-ia citar como exemplo da praacutetica des-sa Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo o caso do Cearaacute com a criaccedilatildeo dos comitecircs estaduais e municipais e dos grupos de trabalho de humanizaccedilatildeo da atenccedilatildeo e da gestatildeo nas unidades de sauacutede (SESA 2006)

Apesar de todas as experiecircncias as recomendaccedilotildees ba-seadas em evidecircncias cientiacuteficas sobre acompanhamento do parto sintetizadas e publicadas pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS 1996) satildeo ainda hoje desconsideradas no Brasil (RNFSDR 2002) Haacute um predomiacutenio do modelo de atendi-mento ao nascimento que valoriza o saber teacutecnico dos profis-

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sionais e desconsidera aspectos sociais e culturais das pacientes (DAVIS-FLOYD 2001 DIAS DESLANDES 2004) Pesquisa realizada pela Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar revela que as taxas de cesarianas no Brasil satildeo quatro vezes acima das recomendadas pela OMS (BRASIL 2005) Outras referecircncias confirmam essas elevadas taxas (FAUacuteNDES CECATTI 1991 ROUQUAYROL ALMEIDA-FILHO 2003)

Em face dessa realidade tenta-se responder por intermeacute-dio desta pesquisa aos seguintes questionamentos quais os sa-beres natildeo teacutecnicos presentes nos atos dos profissionais da Obs-tetriacutecia Ateacute que ponto a humanizaccedilatildeo do parto eacute uma praacutetica presente nos hospitais Como vatildeo se incorporando as praacuteticas de humanizaccedilatildeo agraves atividades dos profissionais da Obstetriacutecia

Compreendendo que a humanizaccedilatildeo eacute uma temaacutetica atualmente trabalhada em todas as aacutereas da sauacutede e que se tor-nou imprescindiacutevel para a mudanccedila no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede a busca de respostas a essas perguntas levou a pensar e aprofundar a investigaccedilatildeo sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede parto natural e nascimento saudaacutevel

Em razatildeo da humanizaccedilatildeo na sauacutede a sauacutede da mulher constituiaacuterea de conhecimento e praacuteticas no espaccedilo da mater-nidade Portanto este capiacutetulo procura o modo como os co-nhecimentos e as praacuteticas sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede estatildeo sendo incorporados pelos profissionais da Obstetriacutecia

METODOLOGIA

Neste trabalho empregou-se uma abordagem etnograacutefica baseada principalmente em meacutetodos qualitativos de coleta de dados Dentre as definiccedilotildees de pesquisa etnograacutefica selecio-nou-se a que eacute defendida por Fabietti amp Remoti (FABIETTI

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REMOTI 1997) como ldquoatividade de pesquisa no terreno [] por prolongado periacuteodo de tempo [] com contato direto com o objeto de estudo [] seguido pela sistematizaccedilatildeo em formato de texto da experiecircnciardquo Pocircde-se daiacute deduzir que a etnografia estaacute do comeccedilo ao fim imersa na escrita Essa escrita relata a experiecircncia na forma de texto (GLIFFORD 2002)

Ametodologia etnograacutefica eacute adotada com certa frequecircncia nos temas da aacuterea de sauacutede (BONADIO 1996 CARVALHO 2001 MENEZES 2001 CAPRARA LANDIM 2008) Ao uti-lizar essa metodologia pretendeu-se mediante seus procedi-mentos dar resposta agraves questotildees sobre humanizaccedilatildeo do parto

Esta pesquisa foi desenvolvida no Municiacutepio de Fortaleza-CE de abril a outubro de 2006 O Hospital Puacuteblico escolhi-do cujo nome omiti-se para evitar certos constrangimentos desenvolve ciclos de seminaacuterios e cursos sobre humanizaccedilatildeo da sauacutede para os funcionaacuterios e possui uma estrutura fiacutesica individualizada de atenccedilatildeo para cada mulher na sala de parto

Para a coleta de dados seguiu-se duas fases o atendimen-to agrave gestante considerando-se o preacute-natal preacute-parto parto e poacutes-parto e a humanizaccedilatildeo na sala de parto

A coleta de dados ocorreu na sala de parto e no aloja-mento conjunto Adotou-se para essa pesquisa o esquema de plantotildees de oito horas por dia trecircs vezes por semana num periacuteodo de seis meses Somaram-se ao todo 576 horas de ob-servaccedilatildeo participante e entrevistas semi-estruturadas com sete pacientes quatro meacutedicos quatro enfermeiras duas auxiliares de enfermagem e uma voluntaacuteria O grupo de profissionais foi dividido em trecircs equipes de acordo com o dia do plantatildeo Durante a observaccedilatildeo participante escolheu-se os profissio-nais para as entrevistas de acordo com a maior participaccedilatildeo na cena do parto As pacientes pertencentes ao grupo de mulhe-

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res sem complicaccedilotildees obsteacutetricas foram escolhidas de maneira aleatoacuteria Os dados foram interpretados segundo a Anaacutelise de conteuacutedo (BAUER GASKELL 2002) e a antropologia inter-pretativa de Geertz (GEERTZ 1989) foi utilizada como supor-te para a interpretaccedilatildeo

Das leituras repetidas das transcriccedilotildees dos dados coletados surgiram duas linhas temaacuteticas os cuidados materno-fetais e a incorporaccedilatildeo de praacuteticas de humanizaccedilatildeo na sala de parto

Todos os nomes citados nesta pesquisa foram substituiacute-dos a fim de evitar identificaccedilatildeo das pessoas Para a partici-paccedilatildeo nesta pesquisa os profissionais e pacientes livremente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a Resoluccedilatildeo 46612 do CNSMinisteacuterio da Sauacute-de Brasil

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

OS CUIDADOS MATERNOFETAISO atendimento agrave gestante considerando-se o preacute-natal

preacute-parto parto e poacutes-parto mediante as observaccedilotildees perce-bidas dos relatos das pacientes e dos profissionais segue um modelo ritualiacutestico no qual a paciente na maioria das vezes natildeo participa das decisotildees cliacutenicas

O preacute-natal tem iniacutecio com a primeira consulta sob a res-ponsabilidade de uma enfermeira

No primeiro encontro as pacientes satildeo convidadas a par-ticiparem do curso do parto Segundo a enfermeira Sueli o ideal seria a mulher iniciar o primeiro moacutedulo no primeiro trimestre Para ela o curso consta de trecircs moacutedulos no pri-meiro fez-se explanaccedilatildeo sobre vacina higiene e gravidez No

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segundo discutiu-se as mudanccedilas fisioloacutegicas aleitamento ma-terno e o cuidado do bebecirc No terceiro faz-se a visita agrave sala de parto e ao alojamento conjunto Sobre esse treinamento o tes-temunho de uma paciente chamada Rita sobre as orientaccedilotildees recebidas eacute de importacircncia capital para os cuidados materno-fetais ldquoTeve o curso do parto Compareci a dois moacutedulos Ai eles vinham e mostrava a sala de parto onde ia ser o parto Mostrava as enfermeiras e as pessoas Como ia ser Aiacute dava orientaccedilatildeo palestras falava com a assistente socialrdquo

Falando sobre preacute-natal e curso do parto a enfermeira Sueli percebeu que a participaccedilatildeo das mulheres o aprendi-zado delas em si eacute acanhado Pelas palavras dessa enfermeira ela avalia o profissional do ambulatoacuterio o qual tem pressa em passar as informaccedilotildees para as gestantes comprometendo a re-laccedilatildeo profissionalpaciente Portanto natildeo se dando o prota-gonismo e a corresponsabilidade das mulheres A enfermeira Sueli eacute clara sobre esse ponto de vista ldquoMas agraves vezes a gente tem aquela pressa neacute Elas jaacute estatildeo muito tempo esperando Agraves vezes eacute assim a gente vai vendo os toacutepicos pergunta se ela []O que vocecirc quer saber Agraves vezes elas fazem perguntasrdquo

O preacute-natal de qualidade envolve profissionais como psi-coacutelogos fisioterapeutas assistentes sociais enfermeiras e meacute-dicos fortalecendo o curso do parto para que a mulher tenha conhecimento dos seus direitos e deveres como cidadatilde Aco-lhimento cuidado suporte emocional presenccedila do acompa-nhante curso do parto satildeo aspectos da humanizaccedilatildeo na sauacutede Essa nova praacutetica precisa ser mais efetiva porque o avanccedilo das tecnologias natildeo estaacute conseguindo resolver os problemas que temos (MORIN 2005)

O meu primeiro contato com a realidade das visitas das gestantes agrave sala do parto ocorreu agraves 3 horas da tarde

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No diaacuterio de campo registrou-se o cotidiano das visitas das gestantes do curso do parto Uma enfermeira acompanhou um grupo de gestantes na sala de parto Elas caminham em grupo fazendo uma visita de leito a leito Uma delas se destaca com perguntas ldquoeacute um quarto para cada mulher A cama se modifica na hora de ganhar o bebecirc Na hora de ganha o bebecirc as pernas ficam penduradasrdquo O restante do grupo permane-ceu calado ouvindo e observando o ambiente desconhecido Nas visitas seguintes a rotina da enfermeira se repetiu com suas explicaccedilotildees para as gestantes enquanto a participaccedilatildeo das mulheres era miacutenima

Outro aspecto que pareceu aviltante ao atendimento da gestante e seus familiares foi o serviccedilo hospitalar

As gestantes e seus familiares aguardam sentados nos bancos da pequena sala de espera atendendo as regras hospi-talares Para que a paciente possa ser examinada eacute necessaacuterio passar pelo Serviccedilo de Arquivo Meacutedico e Estatiacutestico (SAME) e preencher a ficha de atendimento

A emergecircncia geral estaacute em reforma e na ocasiatildeo o SAME fica mais distante da sala de parto O funcionaacuterio do SAME na maioria das vezes natildeo entra em contato com a proacutepria pacien-te natildeo vecirc as condiccedilotildees da gestante pois eacute o familiar que vai fazer a ficha Existe uma demora no preenchimento da ficha as reclamaccedilotildees de pacientes e familiares nesta ocasiatildeo satildeo mais frequentes do que de costume Eacute o caso da paciente Gorete que jaacute em fase de expulsatildeo fetal tem que enfrentar problemas burocraacuteticos antes de um atendimento necessaacuterio

Gorete eacute uma gestante que procurou o hospital por apre-sentar contraccedilotildees uterinas de dez em dez minutos Ela sente dificuldades para fazer a ficha de atendimento ldquoEacute muito dis-tante porque a outra estaacute em reforma aqui deste lado que eacute

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a sala de parto e eacute laacute do outro lado Aiacute fica do outro lado do hospitalrdquo Agrave medida que se conversou sobre o atendimento inicial outras dificuldades vatildeo sendo reveladas ldquoAi bati laacute A gente toca a campainha ai eu disse assim moccedila ele disse que natildeo ia fazer a ficha Soacute entra com a ficha Ela disse eacute entatildeo eu disse vou parir aqui no meio do banco porque Ela disse natildeo aguarde um pouquinho que ela vai jaacute chegarrdquo Este eacute um momento de troca de plantatildeoO funcionaacuterio que estaacute saindo natildeo quis fazer a ficha deixando essa tarefa para o outro que o substituiraacute Ao mesmo tempo a funcionaacuteria que falou com a paciente entendia o que estava acontecendo mas natildeo abriu ex-ceccedilatildeo para um atendimento sem a ficha submetendo a gestan-te a uma sobrecarga de estresse e a um risco de ter que assistir um parto na sala de espera

Na sala de espera a paciente Rosa Maria tambeacutem passa por algumas horas de preocupaccedilatildeo por saber que o material de parto eacute suficiente apenas para assistir dois partos e ela eacute a quarta paciente em face do aviso da funcionaacuteria que transmi-te a informaccedilatildeo do profissional em exerciacutecio ldquoA doutora que estava de plantatildeo saiu laacute fora e disse a maacutequina de esterilizaccedilatildeo do hospital estaacute com defeito eu soacute tenho material para duas pacientes quem for a mais necessitada fica quem natildeo for vai para casa ou vai transferida para outro hospitalrdquo

Com esse depoimento pocircde-se observar que o problema da instituiccedilatildeo hospitalar como o de uma maacutequina de esterili-zaccedilatildeo quebrada eacute dividido com as pacientes e seus familiares pela plantonista Tal fato concorre para ser um elemento gera-dor de afliccedilatildeo para a gestante

Um aspecto importante a ser relatado vem a ser o primei-ro exame preacute-parto

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Satildeo sete horas da manhatilde uma gestante entra na sala de exame sem acompanhante Algumas exceccedilotildees satildeo feitas para mulheres com problemas com a justiccedila adolescentes porta-doras de problemas mentais e outras possiacuteveis Uma pergunta eacute feita pela auxiliar de enfermagem ainda na porta de entrada ldquotaacute sentindo dorrdquo O profissional com essa pergunta tenta fa-zer uma seleccedilatildeo entre pacientes de ambulatoacuterio e pacientes de emergecircncia Durante o primeiro exame obsteacutetrico a paciente natildeo identifica a categoria nem o nome dos profissionais que a atendem assim comenta a paciente ldquoquem me internou foi uma loirinha de azulrdquo

Na maioria das vezes o exame fiacutesico eacute realizado antes da anamnese ou entatildeo as perguntas cliacutenicas satildeo realizadas durante o exame obsteacutetrico O meacutedico confere o cartatildeo de preacute-natal e se dirige agrave paciente para o exame As perguntas assim como o exame obsteacutetrico satildeo realizadas com muita objetividade sem detalhes da vida da mulher o que estaacute sentindo Jaacute tem filhos Ultima regra Neste espaccedilo a relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute muito passageira

Agraves 9 horas da manhatilde chega uma paciente sentindo muita dor O profissional a submete a exames costumeiros de toque vaginal e ausculta fetal Esses exames fornecem vaacuterias infor-maccedilotildees sobre a possibilidade de o parto ser normal dilataccedilatildeo do colo uterino apresentaccedilatildeo fetal variedade de posiccedilatildeo al-tura da apresentaccedilatildeo e as condiccedilotildees da bolsa das aacuteguas Os batimentos do coraccedilatildeo fetal satildeo registrados pelo aparelho cha-mado sonar As anotaccedilotildees satildeo feitas no partograma Algumas mulheres saem do primeiro exame obsteacutetrico para um interna-mento sem nenhuma informaccedilatildeo sobre as suas reais condiccedilotildees de trabalho de parto ou ateacute mesmo com informaccedilotildees equi-vocadas A paciente Josefa estaacute na sexta gravidez e ainda natildeo sabe o que significa dilataccedilatildeo completa do colo uterino e com

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total desconhecimento de tal fato afirmaldquoEu estava com sete centiacutemetros ai eu natildeo Sete vai custar mais Acho que o nenecirc nasce com dois ou trecircs centiacutemetros ai ta pertordquo Comumente o profissional meacutedico na maioria das vezes natildeo conversa com a paciente esclarecendo-a sobre a sua avaliaccedilatildeo

A espera pelo parto eacute sempre traumatizante pelo que se observou durante as reaccedilotildees das pacientes

Satildeo 10 horas da manhatilde A paciente Francisca estaacute deses-perada chora grita e acha que vai morrer Plantonista Antocircnia entra no quarto e diz ldquoestou cansada de ensinar as coisas para essa menina parece que estou falando com a parederdquo Francis-ca foi internada no plantatildeo anterior e jaacute satildeo mais de seis horas de trabalho de parto com vaacuterios toques vaginais O fato de ter algueacutem para conversar ou distrair a mulher neste momento de dor do trabalho de parto eacute reconhecido pela gestante como muita atenccedilatildeo recebida No depoimento de Gorete constatou-se esse fato ldquoEu fui tratada super bem Ela chegou sentou e ficou laacute conversando ateacute eu terrdquo Gorete comenta ainda que se sente bem cuidada porque estaacute com sete centiacutemetros de dila-taccedilatildeo e natildeo tem necessidade de a toda hora e todo instante de novo toque vaginal

A maioria das gestantes contudo permanece sem acom-panhante Os profissionais de plantatildeo natildeo se aproximam ex-ceto quando necessitam realizar um procedimento de rotina A presenccedila dos voluntaacuterios em alguns plantotildees oferece cui-dados agraves mulheres

O momento do parto apresenta duas faces de um lado o medo a dor e de outro a alegria de uma vida que chega

Apoacutes a dilataccedilatildeo completa do colo uterino a mulher em trabalho de parto entra no periacuteodo expulsivo o qual termina

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com o nascimento da crianccedila e eacute essa ocasiatildeo referida por al-gumas mulheres como o pior momento de dor

A presenccedila de um familiar ou ateacute de mesmo um grupo de estudantes na hora do parto significa ajuda apoio Uma pa-ciente de nome Carmem comenta de que gosta da presenccedila dos estudantes ldquoSoacute assim eu natildeo me sentia tatildeo soacute foi bom eles estarem laacute perto de mim todo o tempordquo E principalmente a presenccedila da matildee no nascimento do nenecirc lhe deu forccedilas e as duas puderam dividir a emoccedilatildeoAssim se expressa ldquoDeu forccedila demais e quando o nenecirc saiu ela chorou muito e eu tambeacutemrdquo

Os partos satildeo assistidos a maioria com a mulher na po-siccedilatildeo deitada ou semisentada Nessas horas de nascimento a palavra ldquoforccedilardquo eacute utilizada com grande insistecircncia pelos pro-fissionais da sauacutede Segundo a enfermeira Sandra o esforccedilo fiacutesico eacute meacuterito da mulher porque o menino nasce com ou sem o meacutedico

A expressatildeo ldquoforccedilardquo comumente usada no trabalho de par-to eacute com ecircnfase repetitoacuteria pela meacutedica Vacircnia quando percebe contraccedilatildeo uterina ldquoForccedila forccedila forccedila forccedila forccedila forccedilardquo A paciente faz a forccedila que tem condiccedilatildeo ou necessaacuteria No depoi-mento escrito em diaacuterio de campo a paciente Auzira comenta ldquoeu acho que quem manda[] Quando chega a hora a nature-za expulsa por si soacute natildeo tem como natildeo nascer chegou a hora tem que nascer em qualquer canto que estiverrdquo A paciente que tem experiecircncia com o parto normal sabe a diferenccedila entre pa-lavras de ordem e de estiacutemulo e muitas vezes se manteacutem calada na hora do parto por sabedoria proacutepria

O poacutes-parto realiza-se com o nascimento da crianccedila e a saiacuteda da placenta Alguns plantonistas fazem pressatildeo no fundo uterina para acelerar a saiacuteda desse anexo uterino Nesta ocasiatildeo espera-se pela necessidade ou natildeo de correccedilatildeo de episiotomia

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ou laceraccedilatildeo espontacircnea do canal de parto Eacute da responsabili-dade do profissional que fez a assistecircncia ao parto acompanhar esse momento e tomar as condutas necessaacuterias

O nascimento da crianccedila natildeo modifica a rotina dos pro-cedimentos da sala de parto Haacute pressa em executar a tarefa da rotina hospitalar o que concorre para que o funcionaacuterio se esqueccedila da relaccedilatildeo matildee-filho quando logo algumas crianccedilas satildeo levadas para o asseio antes dos primeiros cuidados da matildee

A paciente Nataacutelia cujo parto normal natildeo precisou de ne-nhuma correccedilatildeo na regiatildeo do canal de parto estaacute livre cuida do filho antes que algueacutemo leve para o banho Vitoriosa diz ldquouma felicidade Eu vi o bichinho colocado em cima de mim Aiacute depois levou Natildeo fui ponteada taiacute uma coisa que me dei-xou muito feliz Tudo normalrdquo Diante da visatildeo avaliativa de uma matildee de examinar o proacuteprio filho e de sua alegria de que tudo estaacute perfeito negar agrave matildee esse primeiro contato eacute desu-mano e ao mesmo tempo se perde um processo de coopera-ccedilatildeo avaliativa

INCORPORAccedilAtildeO DAS PRAacuteTICAS DE HUMANI-ZAccedilAtildeO NA SALA DE PARTO

Alguns funcionaacuterios deste Hospital Distrital falam de um curso que a Secretaria de Sauacutede do Cearaacute realizou junto a Agecircncia de Cooperaccedilatildeo Internacional do Japatildeo (JICA) e que na eacutepoca tomaram conhecimento de formas alternativas para aliviar e melhorar a dor da mulher em trabalho de parto

A enfermeira Maria fala com emoccedilatildeo do curso da JICA tal como ficou conhecido Segundo ela o novo aspecto da atenccedilatildeo agrave mulher inclui acolhimento cuidado e coloca-se no lugar do outro ou agrave disposiccedilatildeo do outro para ajudaacute-lo ldquoO que

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estaacute ao alcance da gente () o que a gente pode fazer para me-lhorar esse trabalho de parto para a matildee tornaacute-lo mais suave menos traumaacutetico para ela para tornar a experiecircncia do parto positiva prazerosa procuro fazer com que ela encare o par-to realmente como uma experiecircncia positiva que vai trazer alegria felicidade e a graccedila de ser matildeerdquo afirmou a enfermeira

A meacutedica Paula tomou conhecimento do curso da JICA cujo objetivo era humanizaccedilatildeo do parto Algumas pessoas fo-ram para o Japatildeo outras fizeram o curso aqui em Fortaleza Ela percebe que desde esse curso algumas mudanccedilas ocorreram dentro da sala de partoAssim comenta ldquo Eu observei a par-ticipaccedilatildeo maior de outros profissionais a enfermeira passou a fazer parto normal foi introduzido instrumento como o ca-valinho e a bola algumas mudanccedilas de condutas como massa-gens nas mulheres natildeo fazer mais tricotomia natildeo fazer clister evacuativo dieta liacutequida ao inveacutes de zerordquo

Mesmo ao se referir agraves mudanccedilas na sala de parto Pau-la observa que haacute resistecircncia de uma parcela importante dos profissionais meacutedicos Considera que talvez essa ldquoresistecircncia foi em funccedilatildeo de que o espaccedilo que era do meacutedico seria ocupa-do pela enfermeirardquo A possibilidade da perda de seu poder na atuaccedilatildeo do serviccedilo de parto para as enfermeiras afastou os meacute-dicos do conhecimento das novas praacuteticas de sauacutede da mulher

Ocorre comumente que os profissionais que trabalham em sala de parto independentemente de sua categoria profis-sional estatildeo submetidos a uma rotina hospitalar concorrendo para que muitos desses profissionais adquiram mais habili-dade com as tarefas teacutecnicas do que desenvolver atitudes de apoio emocional agraves pacientes Encontrou-se na fala de uma enfermeira o quanto a praacutetica diaacuteria de normas teacutecnicas pode influenciar a dimensatildeo psicossocial e relacional com as pacien-

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tes ldquoVai naquela rotina e comeccedila a trabalhar como se fosse maacutequina sem sensibilidade sem carinho sem amor sem se colocar no lugar do outrordquo O modelo biomeacutedico centrado na teacutecnica obsteacutetrica natildeo valoriza o saber da mulher e deixa de lado o aspecto subjetivo da relaccedilatildeo (AYRES 2000 AYRES 2004 BRUumlGGEMANN PARPINELLI OSIS 2005)

Nas palavras de Michel Odent se encontrajustificativas para o desconhecimento dos elementos da humanizaccedilatildeo do parto e uso abusivo dos procedimentos obsteacutetricos no caso especial da cesariana no lugar da espera pelo fisioloacutegico ldquoa obstetriacutecia moderna natildeo sabe nada e se preocupa menos ain-da quanto ao fato de que o trabalho de parto o parto e a fase inicial da amamentaccedilatildeo satildeo partes integrais da vida sexual da mulherrdquo (ODENT 2002 p18)

Dois tipos baacutesicos de profissionais se destacam na assis-tecircncia ao parto normal O primeiro eacute aquele profissional que estaacute ao lado da mulher que trabalha todos os seus sentidos porque aposta nas tecnologias leves mencionadas por Merhy (2000) O outro eacute aquele que sempre se potildee agrave frente da mulher na assistecircncia ao receacutem-nascido e que na maioria das vezes soacute reconhece o poder da teacutecnica obsteacutetrica e desconsidera o apoio emocional como uma etapa do acompanhamento profissional Neste caso a supervalorizaccedilatildeo das teacutecnicas se sobrepotildee agrave re-laccedilatildeo profissional-paciente (CAPRARA RODRIGUES 2004) Sobre as observaccedilotildees dirigidas para a realidade do parto da maternidade do Hospital Puacuteblico selecionado na busca de as-pectos de humanizaccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede voltadas para a gestante trecircs situaccedilotildees foram destacadas e descritas

Na primeira situaccedilatildeo eacute a realizaccedilatildeo de trecircs partos num pe-riacuteodo exiacuteguo de duas horas quando a humanizaccedilatildeo se torna

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uma praacutetica difiacutecil em face das resistecircncias de certos profissio-nais que tecircm pressa em resolver o problema do parto

A emergecircncia encontra-se superlotada Na sala cinco gestantes em trabalho de parto e destas trecircs jaacute passaram pela experiecircncia de ser matildee Agraves 9 horas eacute decidido pela plantonista Antocircnia iniciar medicaccedilatildeo ocitocina nas gestantes Uma su-cessatildeo de nascimentos um apoacutes outro As trecircs primeiras mu-lheres a conhecerem que seus filhos foram experientes mul-tiacuteparas Agraves 10 horas a terceira multiacutepara pariu A plantonista Antocircnia demonstra surpresa com a rapidez dos nascimentos e chega a fazer o seguinte comentaacuterio ldquoessa minha mania de querer resolver logo as coisasrdquo Nestes casos o medicamento utilizado nas gestantes que estatildeo em trabalho de parto normal provoca um efeito que aumenta mais ainda a contraccedilatildeo ute-rina e como resultado foi o nascimento de trecircs crianccedilas num tempo muito raacutepido

A auxiliar de enfermagem Faacutetima conta que o que apren-deu nos quatros moacutedulos do curso da JICA tenta colocar em praacutetica mas eacute difiacutecil porque natildeo satildeo todos os plantonistas que aceitam a nova maneira de acompanhar a paciente Pela razatildeo de o tempo com o parto fisioloacutegico ser demorado o meacutedico abrevia esse momento com um procedimento da teacutecnica obs-teacutetrica ldquo [] acontece da gente preparar uma paciente para o parto normal com banho morno exerciacutecios na bola exerciacute-cios de respiraccedilatildeo e massagem estaacute tudo bem chega a hora do nenecirc nasce ai chama o doutor Aiacute ele decide fazer uma episiotomia sem anestesia Eu achei que ele desfez tudo des-manchou toda a preparaccedilatildeo a proacutepria paciente disse o que eacute mais terriacutevel eacute esse corterdquo

Faacutetima conta ainda que eacute testemunha de momentos be-liacutessimos no qual o parto deu certo com luz na penumbra sem

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episiotomia e com calma um clima de harmonia Ela observa que tambeacutem natildeo eacute soacute a falta de apoio de um grupo de profis-sionais ldquohaacute pacientes muito despreparadas que soacute conseguem evoluir para um parto com muito sofrimentordquo Chama a aten-ccedilatildeo para um preacute-natal no qual a mulher se prepara para um parto fisioloacutegico com conhecimento de seu corpo e todas as etapas necessaacuterias para um bom parto normal

Na segunda situaccedilatildeo foi observada a funccedilatildeo da voluntaacuteria denominada de doula na sala do parto

Um grupo de mulheres eacute acolhido na sala de parto com praacuteticas e teacutecnicas humanizadas de acordo com as poliacuteticas de sauacutede do Brasil As praacuteticas satildeo percebidas com naturalidade nas falas das pacientes ldquoDoutora vamos fazer borboletasrdquo Doutora quero ir para a bolardquo Durante o trabalho de parto as pacientes andam sentam deitam tomam banho fazem exer-ciacutecios espontaneamente ou com a ajuda das voluntaacuterias Satildeo frequentes e espontacircneas as atividades de movimentaccedilatildeo den-tro da sala de parto e a manifestaccedilatildeo do desejo de tomar banho O trabalho de parto evolui muito mais raacutepido e com menor sofrimento Algumas gestantes quebram o ciclo da tensatildeo-me-do e dor tendo agrave sua disposiccedilatildeo um profissional que estimula orienta e se mostra acessiacutevel as suas solicitaccedilotildees

Satildeo 11 horas da manhatilde haacute duas voluntaacuterias na sala de parto Elas fazem massagens na regiatildeo lombar no abdome e nas costas das gestantes Estimulam as pacientes a ficarem de coacutecoras ensinam a puxar o ar prender e soltar com a boca fe-chada O tempo eacute preenchido com conversa explicaccedilatildeo toque de matildeos e olhares

Uma das voluntaacuterias encontra-se com uma bata amarela e se identifica como Doula Ela mesma define que ldquoDoula signi-fica matildeo amigardquo Segundo essa profissional ldquoa Doula natildeo tem

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funccedilatildeo de ajeitar prontuaacuterio ou medir pressatildeo como a enfer-meira e a auxiliar de enfermagem Noacutes somos da matildeezinhardquo Como voluntaacuteria ela estaacute disponiacutevel natildeo tem tarefa de rotina e consegue contar histoacuterias cantar fazer oraccedilotildees aplicar mas-sagens levar para o banho estimular um pensamento positivo como por exemplo ldquopensar no filho que vai nascerrdquo eacute uma forma para suportar a dor do trabalho de parto

Na terceira observaccedilatildeo se pode chamar de parto assistido com humanizaccedilatildeo e nascimento feliz

No quarto trecircs haacute uma paciente em trabalho de parto Observa-se a Doul autilizando seu braccedilo direito como apoio para as costas da paciente a enfermeira encontra-se sentada na posiccedilatildeo de assistecircncia agrave crianccedila o meacutedico estaacute agrave esquerda da paciente O quarto tem pouca luz e no momento natildeo haacute barulho na sala As pessoas que acompanham o parto estatildeo pacientes e a mulher recebe orientaccedilotildees massagens estiacutemulos e toque de matildeos Na hora da contraccedilatildeo ela se espreme faz forccedila e se apoia em um suporte a sua frente e no braccedilo da Dou-la para ficar na posiccedilatildeo semisentada Satildeo 11 horas da manhatilde momento em que o poacutelo cefaacutelico abaula discretamente o periacute-neo haacute um clima de confianccedila de que tudo se encaminha para um parto normal sem complicaccedilotildees A paciente demonstra sentir dor forte durante contraccedilatildeo mas depois fica tranquila e recebe orientaccedilatildeo para respirar profundo e natildeo se esforccedilar quando natildeo haacute contraccedilatildeo Apoacutes 20 minutos a apresentaccedilatildeo fe-tal forccedila o periacuteneo e haacute um questionamento entre a enfermei-ra e o meacutedico quanto agrave necessidade da episiotomia Decidem que natildeo precisa do procedimento Meacutedico e enfermeira estatildeo em campo e preparados para a recepccedilatildeo ao receacutem-nascido A crianccedila nasce bem chora e eacute colocada sobre o ventre mater-no Algueacutem comenta ldquoconversa com o teu bebecirc matildeerdquo Ela estaacute

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sorrindo e natildeo consegue pronunciar nenhuma palavra Todos estatildeo felizes porque eacute um parto bem-sucedido e um nascimen-to saudaacutevel

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

As experiecircncias relatadas pelas mulheres que pariram na Maternidade do Hospital Puacuteblico em Fortaleza Cearaacute sele-cionado para esta pesquisa mostram que encontrar os ele-mentos da humanizaccedilatildeo como cuidado acolhimento suporte emocional presenccedila do acompanhante seja durante o preacute-na-tal ou no momento do parto eacute uma realidade incomum

Fragmento de discurso de uma paciente que passou pela experiecircncia de um parto vaginal reflete bem essa situaccedilatildeo Satildeo palavras suas ldquouma experiecircncia ruim pela forma como as pessoas me trataram natildeo deram importacircncia para mim nem para as minhas dores nem para os meus medos e minhas an-siedadesrdquo portanto a realidade traumatizante da falta de uma praacutetica humanizada traraacute para essas mulheres um sofrimento sempre presente

A baixa qualidade do atendimento no preacute-natal se repete em todas as etapas do parto Haacute um total desconhecimento de que a humanizaccedilatildeo do parto faz parte de uma estrateacutegia do Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil com apoio da OMS para me-lhorar a sauacutede reprodutiva porque assim entendem que a sauacute-de reprodutiva eacute fundamental para os casais e famiacutelias assim como o desenvolvimento social e econocircmico das comunidades e naccedilotildees

Uma reflexatildeo a ser feita recai sobre o modelo de atendi-mento agrave gestante centrado no problema que desconsidera a subjetividade da paciente e a recebe de forma mecacircnica Para a

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humanizaccedilatildeo da sauacutede o profissional precisa valorizar a cultu-ra da matildee disponibilizar tempo para apoio emocional e incluir nas suas condutas as decisotildees da paciente

Outro aspecto de importacircncia capital eacute fazer da sala de parto um espaccedilo de humanizaccedilatildeo onde a luz da vida renasce em cada crianccedila e natildeo transformaacute-la em uma faacutebrica com uma linha de montagem e uma produccedilatildeo a ser alcanccedilada

Investir em uma relaccedilatildeo profissional-paciente com maior qualidade favorece satisfaccedilatildeo profissional por diversas oca-siotildees e supera problemas da gestatildeo e de atenccedilatildeo hospitalar

Percebeu-se uma grande diferenccedila nas relaccedilotildees manti-das pelo profissional que fez o curso Humanizaccedilatildeo do Parto e aquele que natildeo o desenvolveu Na primeira haacute uma sintonia entre profissional-paciente que reduz a assimetria da relaccedilatildeo Na segunda a relaccedilatildeo se limita a cumprir as tarefas de rotina

Utilizou-se dos conhecimentos disponiacuteveis para com-preender e explicar as dificuldades de implementaccedilatildeo da praacuteti-ca de humanizaccedilatildeo da sauacutede especialmente na Obstetriacutecia Haacute necessidade de conhecimento tanto filosoacutefico quanto cientiacutefi-co de novos cursos na formaccedilatildeo do profissional de sauacutede que o habilite a trabalhar com as novas praacuteticas de sauacutede

A proposta de utilizaccedilatildeo da dualidade do conhecimento compreensatildeo-explicaccedilatildeo fica como uma estrateacutegia a ser uti-lizada para discutir humanizaccedilatildeo na sauacutede em benefiacutecio da constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede a serem uti-lizadas nas maternidades

Espera-se que outros estudos possam ser realizados abor-dando este tema contribuindo com a poliacutetica de humanizaccedilatildeo das maternidades brasileiras gerando assim benefiacutecios para pacientes e profissionais de sauacutede envolvidos nesse processo

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REFERecircNCIAS

ARAUacuteJO G Parteiras Tradicionais na atenccedilatildeo obsteacutetrica no Nordes-te Rio de Janeiro Nova Fronteira 1987AYRES J R Cuidado tecnologia ou sabedoria praacutetica Interface-Co-municaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 6 p 117-120 2000AYRES J R Cuidado e reconstruccedilatildeo das praacuteticas de sauacutede Interface-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 8 p 73-92 2004BAUER M W GASKELL G Pesquisa qualitativa com texto ima-gem e som um manual praacutetico Traduccedilatildeo de Pedrinho A Guareschi Rio de Janeiro Vozes 2002BONADIO I C Ser tratada como gente a vivecircncia de mulheres atendidas no serviccedilo de preacute-natal de uma instituiccedilatildeo filantroacutepica Satildeo Paulo 1996 Tese (Doutorado em Enfermagem) USPBRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Programa de humanizaccedilatildeo da assistecircn-cia hospitalar Brasiacutelia 2000BRASIL Resoluccedilatildeo 46612 Brasiacutelia Conselho Nacional de Sauacutede 2012BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Poliacuteticas de Sauacutede Aacuterea teacutecnica de sauacutede da mulher Parto aborto e puerpeacuterio assistecircncia hu-manizada agrave mulher Brasiacutelia 2001BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo Disponiacutevel em lt portal da sauacutede-wwwsauacutedegovbrsauacutedeaacutereac-fmid-aacuterea=390gt acesso em 30032005BRASIL Ministeacuterio da sauacutede Secretaria de atenccedilatildeo agrave sauacutede Nuacutecleo teacutecnico da Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo HumanizaSUS docu-mento base para gestores e trabalhadores do SUS Ministeacuterio da Sauacute-de 3ordf ed-Brasiacutelia editora do Ministeacuterio da Sauacutede 2006BRUumlGGEMANN O M PARPINELLI M A OSIS M J D Evidecircn-cia sobre o suporte durante o trabalho de partoparto uma revisatildeo da literatura Cad Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 21 p 1316-1327 2005

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CAPRARA A RODRIGUES J A relaccedilatildeo assimeacutetrica meacutedico-pa-ciente repensando o viacutenculo terapecircutico Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 9 p 139-146 2004 CAPRARA A LANDIM L P Etnografia uso potencialidades e limites na pesquisa em sauacutede Interface-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Edu-caccedilatildeo Disponiacutevel em HTTPwwwinterfaceorgbrarquivosapro-vadosartigo46pdfgt acesso 20032008 preacute-publicaccedilatildeoCARVALHO M L M A participaccedilatildeo do pai no nascimento da-crianccedila as famiacutelias e os desafios institucionais em uma maternidade puacuteblica Rio de Janeiro 2001 Dissertaccedilatildeo de Mestrado Instituto de Psicologia UFRJDAVIS-FLOYD R E The technocratic humanistic and holistic pa-radigms of childbirthInternational Journal of Gynecology and obste-trics v 75 p 5-23 2001DIAS M A B DESLANDES S F Cesarianas percepccedilatildeo de risco e sua indicaccedilatildeo pelo obstetra em uma maternidade puacuteblica no municiacute-pio do Rio de Janeiro Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 20 p 109-116 2004DOSSIEcirc HUMANIZACcedilAtildeO DO PARTOREDE NACIONAL FEMI-NISTA DE SAUacuteDE DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODU-TIVOS Satildeo Paulo 2002FABIETTI U REMOTI F Dicionario di antropologia etnologia an-tropologia sociale Editora Zanichelli Bologna 1997FAUacuteNDES A CECATTI J G A operaccedilatildeo cesaacuterea no Brasil inci-decircncia tendecircncia causas consequumlecircncias e propostas de accedilatildeo Cader-nos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 7 p 150-173 1991GEERTZ G A interpretaccedilatildeo das culturas Traduccedilatildeo Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos Editora SA Rio de Janeiro 1989GLIFFORD G A experiecircncia etnograacutefica Editora da UFRJ Rio de Janeiro 2002MENEZES R A Etnografia do ensino meacutedico em um CTI Interfa-ce-Comunicaccedilatildeo Sauacutede Educaccedilatildeo v 5 p 117-130 2001

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MERHY E E Um ensaio sobre o meacutedico e suas valises tecnoloacutegicas Interface- Comunic Sauacutede Educaccedilatildeo v 4 p 109-116 2000MORINE O meacutetodo 3 conhecimento do conhecimento O meacutetodo 4 as ideacuteias O meacutetodo 5 a humanidade da humanidade Traduccedilatildeo de Juremir Machado da Silva 3ordf ediccedilatildeo-Porto Alegre Sulina 2005 ODENT M A cientificaccedilatildeo do amor2deged Traduccedilatildeo de Marcos de Noronha e Taacutelia Gevaerd de Souza Florianoacutepolis Saint Germain 2002ORGANIZACcedilAtildeO MUNDIAL DE SAUacuteDE Assistecircncia ao parto nor-mal um guia praacutetico Relatoacuterio de um grupo teacutecnico Genebra 1996ROUQUAYROL M Z ALMEIDA-FILHO N A Epidemiologia amp Sauacutede 6ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro MEDSI 2003 SECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DO CEARAacute (SESA) Ma-nual do Parto Humanizado projeto luz Fortaleza Secretaria de Sauacute-de do Estado do Cearaacute 2000 Disponiacutevel em wwwamigasdopartocombrjicahtmt_9kSECRETARIA DE SAUacuteDE DO ESTADO DO CEARAacute (SESA) Se-minaacuterio Estadual de Humanizaccedilatildeo Programa e anais nuacutecleo de hu-manizaccedilatildeo-Fortaleza Secretaria de Sauacutede do Estado do Cearaacute 2006

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CAPIacuteTULO 15

AVALIAccedilAtildeO DAS NECESSIDADES DE FAMI-LIARES DE PACIENTES EM UNIDADE DE TE-RAPIA INTENSIVA PEDIAacuteTRICA

Ilse Maria Tigre de Arruda LeitatildeoAna Camila Moura Rodrigues

Roberta Meneses de OliveiraAdriana Catarina de Souza Oliveira

Letiacutecia Lima AguiarMarcelo Gurgel Carlos da Silva

INTRODUccedilAtildeO

O capiacutetulo teve como objetivo geral analisar as necessida-des de familiares de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediaacutetrica utilizando como base o Inventaacute-rio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI

A famiacutelia ocupa um papel importante no cuidado da crianccedila cardiopata principalmente a matildee a que permanece o maior tempo na unidade e muitas vezes suas necessidades satildeo desconhecidas pelo enfermeiro A famiacutelia vivencia uma experiecircncia regida por sofrimento inseguranccedila preocupaccedilatildeo frustraccedilatildeo desapontamento ansiedade e falta de confianccedila na capacidade de cuidar do seu filho A satisfaccedilatildeo dos familiares eacute definida como um grau de congruecircncia entre a percepccedilatildeo des-te sobre o cuidado recebido em unidades especializadas

As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) foram conce-bidas com a finalidade de oferecer atenccedilatildeo contiacutenua e suporte avanccedilado aos pacientes criacuteticos com risco de morte lanccedilando matildeo de recursos de alta tecnologia que auxiliam ou substituem

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a funccedilatildeo de oacutergatildeos vitaisA Unidade de Terapia Intensiva Pe-diaacutetrica eacute um ambiente de alta complexidade tecnoloacutegica e possui uma linguagem teacutecnica bastante especiacutefica e familiar aos profissionais de sauacutede entretanto assusta agravequeles que adentram o ambiente pela primeira vez (COSTA ARANTES BRITO 2010)

Na maioria das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) Pediaacutetricas a permanecircncia eacute restrita aos funcionaacuterios que ali trabalham e aos pais das crianccedilas internadas que disponibili-zam somente de uma hora de visita diaacuteria sendo isto um fator gerador de anguacutestia para os pais que esperam o dia inteiro para ver seus filhos

As instituiccedilotildees hospitalares alegam que esta metodologia de funcionamento diminui os riscos de infecccedilotildees manuseio excessivo dos pacientes e o barulho dentro da Unidade de Te-rapia Intensiva Pediaacutetrica colaborando assim para a recupera-ccedilatildeo da crianccedila e minimizando o sofrimento dos pais pelo fato de natildeo presenciarem os procedimentos realizados com seu fi-lho (CUNHA ZAGONEL 2006)

Geralmente crianccedilas que necessitam de cuidados meacute-dicos ou ciruacutergicos nas primeiras horas de vida satildeo encami-nhados para as UTIs pediaacutetricas onde recebem assistecircncia imediata de profissionais aptos Desse modo o nuacutemero de internaccedilotildees nessas unidades eacute elevado em detrimento das condiccedilotildees de nascimento tais como cardiopatias associadas a prematuridade muito baixo peso ao nascer desconforto respi-ratoacuterio prolongado infecccedilotildees intra e perinatal mal formaccedilotildees e outros diagnoacutesticos que predispotildeem a crianccedila a tratamentos especializados

Cerca de seis milhotildees de crianccedilas nascem anualmente no Brasil das quais aproximadamente 45 mil satildeo portadoras de

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alguma anomalia cardiacuteaca Tendo em vista a quantidade de nascidos a grande maioria natildeo tem acesso a tratamento cliacuteni-co ou ciruacutergico mesmo sabendo-se que 80 satildeo portadoras de cardiopatias congecircnitas e necessitam ser submetidas agrave cirurgia cardiacuteaca ateacute o sexto mecircs de vida (MALUF et al 2009)

A famiacutelia tambeacutem se percebe doente em razatildeo de vivecircn-cia diaacuteria do risco iminente da perda do filho sensaccedilatildeo de impotecircncia diante da doenccedila por vezes carregando consigo sentimento de culpa por ter que administrar cuidado entre a crianccedila doente e os demais filhos A famiacutelia na maioria dos ca-sos inevitavelmente sofre natildeo somente pela situaccedilatildeo criacutetica da crianccedila tanto em relaccedilatildeo agrave doenccedila da crianccedila como sua inter-naccedilatildeo na UTI como tambeacutem passa por um processo doloroso de culpabilidade e medo de perder definitivamente o viacutenculo a afetividade e o sentimento de perda Todo isso pode influir di-retamente e dificultar o processo assistencial (GORGULHO RODRIGUES 2010)

O cuidado da famiacutelia eacute parte fundamental para a recupe-raccedilatildeo de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva tornan-do-se ainda mais importante em casos de crianccedilas com adoeci-mento cardiacuteaco de natureza grave poreacutem para a famiacutelia nem sempre eacute faacutecil manter-se presente haja vista a dificuldade em lidar e encarar as incertezas sobre o futuro do seu familiar (SA-LIMENA et al 2012)

Questotildees como essas suscitam uma reflexatildeo acerca das necessidades especiacuteficas apresentadas pelos familiares e suas elevadas frequecircncias de estresse distuacuterbios do humor e an-siedade durante o acompanhamento da internaccedilatildeo na UTI e segundo Castro (1999) muitas vezes esses sentimentos persis-tem apoacutes a morte do seu ente querido

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A famiacutelia como sujeito importante no cuidado de pacien-tes internados em UTI e suas necessidades especialmente de informaccedilatildeo sobre todo este processo como agente participante que complementa o afrontamento das dificuldades da proacutepria doenccedila do paciente foi estudada e indicada por muitos autores e organizaccedilotildees internacionais como um meio de proporcionar ao paciente criacutetico um cuidado de qualidade com uma atenccedilatildeo holiacutestica o integral (LLAMAS-SAacuteNCHEZ et al 2008 KEAN 2010 DAVIDSON et al 2010)

Com efeito faz-se necessaacuterio que a humanizaccedilatildeo da as-sistecircncia de enfermagem se configure como elemento basilar para o estabelecimento de um cuidado integral seguro e de qualidade capaz de atender as demandas natildeo soacute do doente mas tambeacutem de toda a sua famiacutelia Para tanto ela deve ser embasada em conhecimentos teacutecnicos e cientiacuteficos de modo que os profissionais compreendam o processo sauacutede-doenccedila segundo o ponto de vista da crianccedila e de seus familiares (OLI-VEIRA et al 2013)

A famiacutelia quando devidamente preparada e educada para ser agente participante do processo de cuidar traz benefiacutecios ao paciente dando respostas agraves necessidades da famiacutelia e pa-ciente aleacutem de fortalecer o viacutenculo afetivo e a confianccedila entre a famiacutelia e a equipe de trabalho na UTI ainda considerando que eacute a famiacutelia quem cuidaraacute e realizaraacute o seguimento do cui-dado depois da alta hospitalar (DUSING VAN DREW BRO-WN 2012)

O primeiro estudo que abordou as necessidades da famiacute-lia no contexto da UTI foi publicado pela enfermeira dos EUA Nancy Molter em 1979 e teve como objetivo identificar as ne-cessidades percebidas pelos familiares dos pacientes Foram le-vantadas 45 necessidades (MORGON GUIRARDELLO 2004)

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Em 1986 a enfermeira Jane Leske replicou o trabalho de Molter aplicando o mesmo questionaacuterio apoacutes reorganizaccedilatildeo randocircmica da sequecircncia dos itens Esse questionaacuterio recebeu o nome de Critical Care Family Needs Inventory (CCFNI) sendo constituiacutedo pelas mesmas 45 necessidades agraves quais os fami-liares atribuiacuteam diferentes graus de importacircncia numa escala crescente de 1 a 4 Em 1991 Leske conduziu um estudo com 677 familiares utilizando o CCFNI e apoacutes anaacutelise fatorial os itens foram alocados em cinco dimensotildees Suporte Conforto Informaccedilatildeo Proximidade e Seguranccedila (MORGON GUIRAR-DELLO 2004)

Outros estudos utilizaram este instrumento na iacutentegra e parcialmente Dada a relevacircncia e a pertinecircncia com as ques-totildees vivenciadas no cotidiano dos serviccedilos de sauacutede brasilei-ros o instrumento foi adaptado e validado para a cultura do Paiacutes sendo denominado Inventaacuterio de Necessidades e Estres-sores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Inten-siva- INEFTI constituiacutedo de 43 necessidades que se dividem em cinco categorias informaccedilatildeo seguranccedila acesso suporte e conforto (CASTRO 1999)

Com base no exposto interrogamos que tipo de necessi-dades como base no Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI os familiares de crianccedilas internadas expressam

Para responder a esta questatildeo este estudo destaca como objetivo geral analisar as necessidades de familiares de crian-ccedilas internados em duas Unidades de Terapia Intensiva Pediaacute-trica de um hospital puacuteblico de referecircncia utilizando como base o Inventaacuterio de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados e Terapia Intensiva- INEFTI

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METODOLOGIA

A pesquisa configura um estudo descritivo transversal com abordagem quantitativa) sendo um recorte de uma pes-quisa intitulada Qualidade da Assistecircncia de Enfermagem Fundamentada no modelo Donabediana (estrutura- proces-so- resultado) anaacutelise de organizaccedilotildees hospitalares de Forta-leza-CE

O estudo foi realizado em duas Unidades de Terapia In-tensiva Pediaacutetrica existentes em um hospital de referecircncia em cuidados cardiacuteacos e pulmonares da rede puacuteblica Estadual do Cearaacute localizado em Fortaleza O levantamento de dados foi realizado nos meses de setembro a novembro de 2013

O tipo de assistecircncia agrave sauacutede das UTIs varia de acordo com as necessidades do paciente levando em conta o cuidado progressivo em sauacutede Dessa forma a primeira unidade deno-minada UTI pediaacutetrica recebe pacientes graves ou com risco iminente de morte Dispotildee de nove leitos sendo dois destes para isolamento e outro para pacientes transplantados A equi-pe de Enfermagem eacute composta por 14 enfermeiras e 33 teacutecni-cos e auxiliares de Enfermagem divididos em escala mensal da seguinte forma em cada plantatildeo de 12h existem duas en-fermeiras e seis auxiliares Caso a unidade receba uma crianccedila transplantada eacute necessaacuterio que exista uma enfermeira a mais durante o plantatildeo ateacute o momento da alta

A segunda UTI denominada UTI Pediaacutetrica Poacutes-Ciruacutergi-ca recebe pacientes advindos de cirurgias eletivas de coraccedilatildeo eou pulmatildeo Eacute dotada de oito leitos sendo dois destes reser-vados agraves situaccedilotildees de isolamento Dispotildee de duas enfermeiras por plantatildeo seis auxiliares eou teacutecnicos de Enfermagem uma

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secretaacuteria uma pessoa responsaacutevel por material e serviccedilos ex-ternos um meacutedico diarista e um meacutedico plantonista

A populaccedilatildeo foi composta pela totalidade de familiares de pacientes que estavam internados durante o periacuteodo de coleta de dados nas unidades em estudo

A amostragem da pesquisa foi do tipo intencional e deter-minada pelo objetivo do estudo em um grupo o mais homo-gecircneo possiacutevel

Foram utilizados os seguintes criteacuterios de inclusatildeo matildee ou avoacutes (em razatildeo do protocolo da instituiccedilatildeo estudada) com idade igual ou superior a 18 anos que tenham permanecido na unidade no miacutenimo trecircs dias com o paciente na UTI e que apresentaram condiccedilotildees de compreender e de responder o ins-trumento de coleta de dados

Apesar de as duas UTIs possuiacuterem 17 leitos ocupados so-mente 15 matildees foram entrevistadas Justifica-se a ausecircncia de duas pois elas natildeo compareciam as unidades em questatildeo para visita diaacuteria no decorrer da coleta do estudo

Foram utilizados dois instrumentos de coleta questionaacute-rio soacutecioeconocircmico da famiacutelia e Instrumento de Inventaacuterio de Necessidades dos Familiares (INEFTI) em Terapia Intensiva com base em Castro (1999) Para este estudo foram empre-gados 21 itens do Critical Care Family Needs Inventory (CC-FNI) organizados em quatro categorias de necessidades a sa-ber necessidade de conhecimento informaccedilatildeo na qual seratildeo agrupados os itens relacionados agrave necessidade dos familiares de receber informaccedilotildees das mais variadas ou de obter conhe-cimento relacionado ao estado de sauacutede ou aos procedimentos envolvidos na terapecircutica do familiar doente necessidade de conforto relacionada ao planejamento fiacutesico da unidade mo-

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biacutelia nela contida e necessidade dos familiares em sentirem-se confortaacuteveis na sala de espera ou na proacutepria unidade no de-correr de sua estada necessidade de seguranccedila emocional na qual foram agrupados os itens relacionados agraves necessidade dos familiares de sentirem-se seguros menos ansiosos eou teme-rosos quanto ao estado de sauacutede e ao prognoacutestico de seu fa-miliar e necessidade de acesso ao paciente e aos profissionais da unidade na qual foram agrupados os itens relacionados agrave necessidade dos familiares em ter mais acesso aos profissionais da instituiccedilatildeo (meacutedicos enfermeiros fisioterapeutas nutri-cionistas psicoacutelogos e outros funcionaacuterios natildeo relacionados agraves reais necessidades de sauacutede) que aborda necessidades re-lacionadas a quatro dimensotildees (conforto informaccedilatildeo proxi-midade e seguranccedila aproximando da realidade e do contexto famiacutelia hospital e paciente)

O instrumento eacute composto por duas escalas importacircncia e satisfaccedilatildeo As escalas satildeo crescentes ou seja quanto maior o valor atribuiacutedo aos itens maior eacute o grau de importacircncia ou satisfaccedilatildeo deles

Apoacutes aplicaccedilatildeo do instrumento INEFTI foram escolhidas as situaccedilotildees de maiores meacutedias de respostas apresentadas nas duas unidades de terapia intensiva para elaboraccedilatildeo da escala da razatildeo (ER)

O sistema de pontuaccedilatildeo utilizado seguiu a aplicaccedilatildeo feita por Lucchese (2003) com escores em escala do tipo Likert va-riando de 1 a 4 As necessidades com meacutedia maior ou igual a 3 foram definidas como importantes e satisfeitas A escala Likert eacute uma escala psicomeacutetrica das mais conhecidas e utilizada em pesquisa quantitativa que pretende registrar o niacutevel de con-cordacircncia ou discordacircncia com uma declaraccedilatildeo dada

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Apoacutes aplicaccedilatildeo do instrumento INEFTI foram escolhidas as situaccedilotildees de maiores meacutedias de respostas expressas nas duas unidades de terapia intensiva para elaboraccedilatildeo da escala da ra-zatildeo Outra teacutecnica empregada foi a observaccedilatildeo da realidade do serviccedilo e suas accedilotildees com registros em um diaacuterio de campo

A estatiacutestica descritiva foi utilizada para caracterizaccedilatildeo dos pacientes e dos respectivos familiares As variaacuteveis de-pendentes fizeram parte do levantamento das necessidades relativas agrave dimensatildeo de conhecimentoinformaccedilatildeo conforto e seguranccedila As variaacuteveis independentes relativas agrave dimensatildeo de necessidade de acesso ao paciente por apresentarem poucos registros foram apenas listadas pelo INEFTI A aplicaccedilatildeo do instrumento ocorreu em local privativo e foi realizada em qua-tro momentos com duraccedilatildeo meacutedia de 50 minutos

A maioria dos estudos que utilizou o CCFNI considerou como aspecto importante o tipo de escala de medida utilizado na aplicaccedilatildeo e anaacutelise desse instrumento Na adaptaccedilatildeo brasi-leira a escala de medida varia de 01 a 04

Nesta pesquisa optamos por utilizar para classificar o grau de importacircncia uma escala numeacuterica (ESCALA DA RAZAtildeO ER) de 01 a 21 que eacute o quantitativo de necessidades apresentadas aos participantes aleacutem de uma escala de catego-ria que produz dados descritivos

Para a elaboraccedilatildeo do instrumento buscou-se conciliar quatro das cinco dimensotildees utilizadas no instrumento do INEFTI a saber Conforto Informaccedilatildeo Acessibilidade e Segu-ranccedila que contemplam as necessidades dos familiares que tecircm pacientes internados em UTI

Cada necessidade do instrumento foi mostrada aos partici-pantes que foram solicitados a assinalar o grau de importacircncia

324

que eles atribuiacuteam agravequelas necessidades Para cada dimensatildeo abordada foram elaboradas instruccedilotildees especificas em folhas separadas de modo que cada familiar expocircs em momentos distintos suas necessidades sobre quatro abordagens diferen-ciadas Em cada necessidade abordada em uma das dimensotildees foi dada oportunidade para que as famiacutelias entrevistadas dis-cutissem contassem fatos chorarem agradecessem reclamas-sem dessem sugestotildees Todas as respostas foram registradas imediatamente agrave medida que as entrevistas transcorreram

O projeto passou pelo Comitecirc de Eacutetica na Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute visando a obedecer aos pre-ceitos eacuteticos da pesquisa em sauacutede com seres humanos (BRA-SIL 2012) assim como o compromisso social com eles Apoacutes aprovaccedilatildeo foi encaminhado ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do hospital cenaacuterio da pesquisa obtendo Parecer de nordm 77180

RESULTADOS

Caracterizaccedilatildeo de pacientes e familiaresOs dados coletados estatildeo em tabelas o que permite a ca-

racterizaccedilatildeo dos familiares entrevistados quanto a estado civil escolaridade religiatildeo situaccedilatildeo de trabalho e renda familiarTABELA 1 - Caracteriacutesticas dos familiares de duas UTIs pe-diaacutetricas Fortaleza-CE 2013

Variaacuteveisn=15

f

Estado civilCasada 2 133Solteira 2 133Uniatildeo estaacutevel 11 733Idade15-20 anos 1 67

325

21-30 anos 5 33331-40 anos 7 467EscolaridadeAnalfabeta 1 67Fundamental incompleto 5 333Fundamental completo 3 200

Meacutedio incompleto 2 133Meacutedio completo 3 200Superior incompleto 1 67Religiatildeo Catoacutelica 9 60Evangeacutelica 5 333Outros 1 67Situaccedilatildeo de trabalhoDiarista 2 133Dona de casa 7 467Agricultora 4 267Outros 2 133Renda familiar (SM= salaacuterio-miacutenimo)Menos de 1 SM 5 3331 SM 6 401 a 2 SM 4 267Tipo de moradiaProacutepria 8 533Alugada 1 67Cedida 6 40

FONTE pesquisa direta

Na amostra analisada 100 satildeo do sexo feminino e matildees das crianccedilas internadas A idade das genitoras variou de 31 a 40 anos Os dados estatildeo de acordo com achados na literatura como o estudo realizado na Faculdade de Medicina de Botuca-tu (UNESP) no qual foi constatado um predomiacutenio de mulhe-res cuidadoras (73) (CERQUEIRAOLIVEIRA 2002)

326

Quanto agrave ocupaccedilatildeo sete delas referiram trabalhos domeacutes-ticos e cuidados com os outros filhos ficando a renda principal a cargo do parceiro Do total 733 das matildees vivem em regi-me de uniatildeo conjugal estaacutevel 40 tecircm renda familiar de um salaacuterio-miacutenimo e 533 moram em casa proacutepria O niacutevel de escolaridade de 333 era ensino fundamental incompleto e 60 das entrevistadas eram catoacutelicas

Na variaacutevel religiatildeo foi possiacutevel identificar o fato de que grande parte dos familiares relatou ser catoacutelico o que jaacute foi demonstrado em outros estudos (CASTRO 1999 FREITAS KIMURA FERREIRA 2007) Eacute importante ressaltar que a feacute em Deus independe da religiatildeo seguida representa aspecto importante que permeia o processo sauacutede-doenccedila principal-mente em uma UTI O apego ao ldquoespiritualrdquo estaacute muitas vezes relacionado agrave necessidade de cura ou de esperanccedila enquanto se espera um milagre proporcionando muitas vezes aliacutevio e amparo em relaccedilatildeo agrave adversidade

No que concerne agrave caracterizaccedilatildeo das crianccedilas notamos que a totalidade das internaccedilotildees foi motivada por cardiopa-tias congecircnitas (100 dos casos) onde haacute uma malformaccedilatildeo estrutural do coraccedilatildeo ou dos grandes vasos presentes no nas-cimento podendo representar defeito cardiacuteaco uacutenico ou uma combinaccedilatildeo deles (OLIVEIRA etal 2012)

O desenvolvimento cardiovascular anormal eacute responsaacutevel por uma grande quantidade de cardiopatias permitindo con-sideraacutevel variaccedilatildeo em efeitos cliacutenicos Sua maioria origina-se no desenvolvimento embrionaacuterio e natildeo se sabe a causa deter-minada (OLIVEIRA etal 2012)

No periacuteodo de coleta de dados a maioria das crianccedilas inter-nadas estavam com idade de dois a quatro meses de vida Destas 12 estavam internadas em um periacuteodo de zero a dois meses

327

Avaliaccedilatildeo do grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo das necessi-dades de familiares de pacientes internados

Necessidade eacute compreendida como ldquomanifestaccedilatildeo de ca-recircncia (sentida ou natildeo) de uma condiccedilatildeo interna desencadean-do processos psicoloacutegicos e fisioloacutegicos que se traduzem em comportamentos particularesrdquo (CHALIFOUR p 32 2008)

Conforme Nascimento Erdmann (2006) os familiares percebem que o aparato tecnoloacutegico eacute capaz de dar mais se-guranccedila e tranquilidade em relaccedilatildeo ao cuidado ofertado a seu ente no entanto tambeacutem eacute responsaacutevel em grande parte pelo isolamento e pela solidatildeo a que os paciente e familiares satildeo submetidos Eacute comum que estes expressem o desejo e a ne-cessidade de prestar algum conforto de contribuir com sua presenccedila de ficar perto e ainda de participar do tratamento

TABELA 2 - Necessidades de conhecimento informaccedilatildeo e o grau de importacircncia atribuiacutedo por familiares de pacientes in-ternados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidades 1Nordm

2Nordm

3Nordm

4Nordm Meacutedia plusmn DP

NECESSIDADE TOTAL 15 - - - - - - - 21873plusmn025483

1Sentir-se agrave vontade para demonstrar meus sentimentos e emoccedilotildees

2 133 9 600 2 133 2 133 227plusmn0884

2Sentir que o pessoal do hospital se interes-sa pelo paciente

- - 3 200 9 60 3 200 300plusmn0655

3Ser comunicado sobre possiacuteveis trans-ferecircncias

10 667 - - 1 67 4 267 193plusmn1387

328

4Estar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dado

5 333 2 133 6 400 2 133 233plusmn1113

5Saber qual tratamen-to meacutedico estaacute sendo dado ao paciente

11 733 1 67 1 67 2 133 160plusmn1121

6Saber porque deter-minados tratamentos foram realizados com o paciente

10 6671

67 1 67 3 20 180plusmn1265

7Saber quais as chances de melhora do paciente

4 2676

400 5 333 - - 207plusmn0799

8Conversar sobre a possibilidade de morte do paciente

4 267 7 467 3 200 1 67 207plusmn0884

9Comeccedilar a visita na hora marcada

- - - - 2 133 13 867 387plusmn0352

10Receber explica-ccedilotildees que possam ser compreendida

151000 - - - - - - 100plusmn0000

11Ter perguntas respondidas com franqueza

10 667 2 133 2 133 1 67 160plusmn0986

12Ajudar a cuidar do paciente na UTI

2 133 - - 4 267 9 600 333plusmn1047

13Saber quem pode dar a informaccedilatildeo que necessita

9 600 1 67 2 133 3 200 193plusmn1280

14Ser informado sobre o que fazer quando estiver ao lado do paciente

7 467 1 67 3 200 4 267 227plusmn1335

15Sentir que haacute esperanccedila de melhora do paciente

1 67 11 733 1 67 2 133 227plusmn0799

329

16Ser informado a respeito de tudo que se relacione agrave evolu-ccedilatildeo do paciente

8 533 3 200 2 133 2 133 187plusmn1125

17Ter orientaccedilotildees gerais sobre a UTI na primeira visita

12 800 1 67 - - 2 133 147plusmn1060

18Receber informa-ccedilotildees sobre o paciente no miacutenimo uma vez ao dia

9 600 --

3 200 3 200 200plusmn1309

19Sentir-se aceito pe-las pessoas do quadro de funcionaacuterios do hospital

- - 6 400 8 533 1 67 267plusmn0617

20Ser informado so-bre serviccedilos religioso

4 267 11 733 - - - - 173plusmn0458

21Conversar com a mesma enfermeira todos os dias

3 200 - - 8 533 4 267 287plusmn1060

Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria

Na Tabela 2 foram citadas cinco necessidades e somente duas foram julgadas muito importantes e totalmente satisfei-tas ldquoSaber quais as chances de melhora do pacienterdquo e ldquosentir que haacute esperanccedila de melhora do pacienterdquo foram citadas por mais de 50 das entrevistadas A necessidade ldquoser informado sobre serviccedilos religiososrdquo recebeu o menor iacutendice de satisfa-ccedilatildeo pois 733 da amostra se apresentam como bastante insa-tisfeitos com o serviccedilo

330

TABELA 03 - Necessidades de conforto classificadas confor-me grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacien-tes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de conforto n

Senti-se agrave vontade para demonstrar meus senti-mentos e emoccedilotildeesSaber quais chances de melhora do paciente

96

6040

Conversar sobre a possibilidade de morte do pa-ciente

7 467

Sentir que haacute esperanccedila de melhora do paciente 11 733

Ser informado sobre serviccedilos religiosos 11 733FONTE Pesquisa direta

A busca por informaccedilotildees demonstra a necessidade que o familiar tem de conhecer o real estado de sauacutede da crianccedila internada em UTI Assim compreender as reais chances de melhora do paciente foi entendido como um modo de prestar apoio para recuperaccedilatildeo de seu parente

TABELA 4 - Necessidades de seguranccedila classificadas confor-me grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacien-tes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de seguranccedila n

Sentir que o pessoal do hospital se interessa pelo paciente

9 60

Estar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dado ao paciente

6 40

Sentir-se aceito pelas pessoas do quadro de fun-cionaacuterios do hospital

8 533

Conversar com a mesma enfermeira todos os dias 8 533FONTE Pesquisa direta

331

Quatro itens foram destacados como necessidades de seguranccedila e trecircs receberam destaque quanto agrave importacircncia e satisfaccedilatildeo ldquosentir que o pessoal do hospital se interessa pelo pacienterdquo ldquoestar seguro que o melhor tratamento possiacutevel estaacute sendo dadordquo e ldquosentir-se aceito pelas pessoas do quadro de funcionaacuterios do hospitalrdquo A necessidade ldquoconversar com a mesma enfermeira todos os diasrdquo foi classificada por 80 da amostra como muito importante e recebeu deles 80 o menor iacutendice de satisfaccedilatildeo referindo que essa demanda nem sempre consegue ser suprida talvez por conta do excesso de afazeres e trabalhos burocraacuteticos na unidade

O maior iacutendice de insatisfaccedilatildeo foi quanto a ldquoconversar com a mesma enfermeira todos os diasrdquo Assim o achado cor-robora o que foi afirmado por Freitas (2005) quando ele traz em seu estudo que a relaccedilatildeo enfermeiro ndash famiacutelia deve ser me-lhorada durante os momentos de visita Autores ressaltam as dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros para manter essa interaccedilatildeo em decorrecircncia de problemas pessoais ou organi-zacionais o que implica uma menor satisfaccedilatildeo por parte dos paisparentes (CASTRO 1999 SOARES SANTOS E GASPA-RINO 2010)

Duas necessidades se enquadraram como acesso ao pa-ciente Estas foram ldquocomeccedilar a visita na hora marcadardquo des-tacada como muito importante e satisfeita ldquoajudar a cuidar do paciente na UTIrdquo classificada por 667 das entrevistadas como muito importante e recebeu de 867 o menor grau de satisfaccedilatildeo

332

TABELA 5 - Necessidades de acesso ao paciente classificadas conforme grau de importacircncia e satisfaccedilatildeo dos familiares de pacientes internados em UTI Pediaacutetrica Fortaleza-CE 2013 (n=15)

Necessidade de acesso ao paciente n

Comeccedilar visita na hora marcada 13 867

Ajudar a cuidar do paciente na UTI 9 60FONTE Pesquisa direta

Durante as entrevistas 867 das matildees relataram o de-sejo de um horaacuterio de visitas livre e a necessidade de ajudar a cuidar do paciente na UTI Tais reivindicaccedilotildees vatildeo contra os estudos de Castro (1999) Morgon e Guirardello (2004) e Freitas (2005) que demonstraram a falta de interesse dos fami-liares dos pacientes de UTI em ajudar de seus parentes tendo em vista compreender em que o manejo muito frequente pode interferir no bom funcionamento da unidade e no bem-estar do paciente

DISCUSSAtildeO

De acordo com Soares Santos e Gasparino (2010) os niacute-veis de instruccedilatildeo e renda podem estar diretamente associados ao fato de a pesquisa ter sido feita em instituiccedilatildeo puacuteblica tendo em vista o puacuteblico-alvo

Na variaacutevel religiatildeo foi possiacutevel identificar o fato de que grande parte dos familiares relatou ser catoacutelico o que jaacute foi demonstrado em outros estudos (CASTRO 1999 FREITAS KIMURA FERREIRA 2007)

333

Segundo Oliveira et al (2013) a separaccedilatildeo do filho por ter que o deixou na UTI contribui para aumentar o desespero da famiacutelia durante os dias de hospitalizaccedilatildeo A gravidade do quadro e o passar do tempo deixam as matildees mais frustradas ante a impossibilidade de viver a expectativa cultivada durante toda a gestaccedilatildeo jaacute que o desfecho esperado do processo eacute o nascimento e desenvolvimento de uma crianccedila saudaacutevel que seja imediatamente integrada agrave convivecircncia familiar

O tempo de internaccedilatildeo prolongado provoca o rompimen-to ou o natildeo estabelecimento de viacutenculo afetivo entre a crian-ccedila e a famiacutelia Quando a matildee recebe o diagnoacutestico da doenccedila cardiacuteaca congecircnita do filhoantes ou apoacutes o seu nascimento tem iniacutecio para ela a vivecircncia do processo detransiccedilatildeo de sauacute-de-doenccedila do filho o qual se desenvolve como um processo detransformaccedilotildees com origem na notiacutecia de que seu filho pos-sui a doenccedila (WIGERT HELLSTROumlM BERG 2008) O tem-po de internaccedilatildeo em UTI tambeacutem foi indicado como espaccedilo considerado ponte entre a crianccedila e a famiacutelia Esta ponte pode ser um elo ou distanciamento entre famiacutelia e crianccedila depen-dendo das atitudes dos profissionais e da proacutepria instituiccedilatildeo Quando agrave internaccedilatildeo eacute de larga duraccedilatildeo e existe uma ponte de distanciamento os benefiacutecios natildeo aparecem e as consequecircn-cias podem ter uma grande magnitude no desenvolvimento da crianccedila no acircmbito afetivo moral e fiacutesico (TALMI HARMON 2003 SIQUEIRA DIAS 2011)

Apoiado no INEFTI o estudo apontou que 733 dos familiares avaliaram como importantiacutessimas as necessidades das dimensotildees acesso ao paciente e conhecimentoinforma-ccedilatildeo atribuindo menor importacircncia agraves dimensotildees seguranccedila (517) e conforto (587)

334

Este dado sugere que a maior preocupaccedilatildeo do familiar eacute com a crianccedila internada e aspectos relacionados aos cuidados ofertados e o interesse da equipe em manter o familiar infor-mado Os aspectos direcionados ao conforto e seguranccedila que atingem diretamente o familiar foram pouco valorizados

Do total de 21 necessidades extraiacutedas no INEFTI dez fo-ram classificadas como necessidade de conhecimento infor-maccedilatildeo e sete apareceram com maiores iacutendices de importacircncia e satisfaccedilatildeo citadas na tabela Duas destas mereceram desta-que por expressarem maiores iacutendices dentre as entrevistadas ldquoReceber explicaccedilotildees que possam ser compreendidasrdquo e ldquoTer orientaccedilotildees gerais sobre a UTI na primeira visitardquo

Os familiares necessitam obter informaccedilotildees que possam ser compreendidas de forma clara e objetiva para melhor en-tendimento do prognoacutestico de suas crianccedilas internadas e que-rem obter informaccedilotildees acerca dos cuidados de Enfermagem realizados diariamente dentre os quais os procedimentos de rotina da unidade e tudo o mais que venha a contribuir para o restabelecimento da sauacutede do paciente (SOARES 2007)

Em pesquisa realizada por Santanae Madeira (2013) que tambeacutem avaliava as necessidades de familiares de pacientes internados em unidade de cuidados intensivos os autores ob-tiveram como resultados das necessidades de conforto que os familiares valorizam bastante o espaccedilo fiacutesico e a mobiacutelia da sala de espera da UTI

Pedro et al (2008) lembram que os familiares acompa-nhantes tecircm que se adaptar ao cenaacuterio hostil do hospital e embora natildeo seja uma experiecircncia prazerosa assumem seus papeacuteis com resignaccedilatildeo amparados por uma obrigaccedilatildeo moral em relaccedilatildeo ao paciente

335

A ausecircncia do profissional causa ainda mais apreensatildeo para os familiares que esperam aflitos pelo momento da visita para retirarem as suas duacutevidas e receberem notiacutecias de pre-ferecircncia boas Por isso o horaacuterio em que ocorrem as visitas deve ser encarado como um momento para os profissionais principalmente o enfermeiro entrarem em contato com a fa-miacutelia do doente o que permitiraacute a identificaccedilatildeo das condiccedilotildees psicoloacutegicas e emocionais dos familiares e a compreensatildeo das reais necessidades aleacutem de estabelecer relaccedilotildees interpessoais fortalecedoras

Almeida Neto etal (2012) Morgon e Guirardello (2004) e Reichert Lins Collet (2007) sugeriram em seus estudos com-partilhar a assistecircncia familiar com outro profissional para minimizar tais dificuldades haacute pouco citadas Por exemplo solicitar que um colega enfermeiro acompanhe um familiar enquanto estaacute executando outras atividades

Eacute domiacutenio de saber o fato de que os enfermeiros devem fornecer informaccedilotildees aos familiares a respeito de suas crianccedilas internadas na unidade Foi observado que 80 das entrevis-tadas natildeo tinham o conhecimento acerca da enfermeira que cuidava dos pacientes sendo por muitas vezes esta confundida com teacutecnicos eou auxiliares de enfermagem Durante a anaacuteli-se de campo enfrentamos dificuldades em identificar a enfer-meira de plantatildeo

CONCLUSOtildeES

De acordo com os objetivos propostos para este estudo os resultados encontrados permitiram as conclusotildees delineadas sequentemente

336

Todas as crianccedilas internadas possuiacuteam algum tipo de car-diopatia congecircnita e estavam nas unidades em meacutedia haacute dois meses As matildees representaram a totalidade da amostra entre-vistada tendo em vista sua maioria residir fora da cidade do hospital em estudo Em observaccedilatildeo notamos a ausecircncia de al-guns familiares das crianccedilas internadas haja vista a sua maio-ria ser procedente de outras localidades distantes de Fortaleza onde o hospital eacute situado

De forma geral as necessidades foram consideradas igual-mente importantes pelos familiares entrevistados Cerca de 90 das necessidades foram avaliadas como importantes ou muito importantes pelos familiares

As necessidades de maior pontuaccedilatildeo estavam relaciona-das agraves necessidades de conhecimentoinformaccedilatildeo e acesso ao paciente De acordo com o niacutevel de satisfaccedilatildeo 762 das ne-cessidades foram consideradas satisfeitas

A hospitalizaccedilatildeo da crianccedila na unidade de cuidados in-tensivos pode acarretar desequiliacutebrio na estrutura familiar A famiacutelia ocupa um papel importante no cuidado da crianccedila principalmente a matildee que permanece o maior tempo na uni-dade e muitas vezes suas necessidades satildeo desconhecidas pelo enfermeiro

Em geral os familiares chegam agrave UTI com medo do que iratildeo ver e do estado em que se encontraraacute o seu ente querido Desconhecem as caracteriacutesticas fiacutesicas e as rotinas da unidade jaacute que na maioria dos casos os familiares estatildeo vivenciando a internaccedilatildeo ou estatildeo entrando nesse ambiente pela primeira vez sendo tudo uma novidade

337

REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 16

FAMILIARES QUE ACOMPANHAM USUAacute-RIOS DE crack PARA O CUIDADO EM CEN-TRO DE ATENccedilAtildeO PSICOSSOCIAL DE AacuteL-COOL E DROGAS (CAPS AD)

Milena Lima de PaulaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

As transformaccedilotildees cientiacuteficas e tecnoloacutegicas juntamente com o modelo capitalista vigente na nossa sociedade contri-buem para a ascensatildeo de valores voltados para a competiti-vidade individualismo esteacutetica e consumo Dessa forma em uma sociedade na qual o consumo eacute bastante incentivado o uso da droga pode ser considerado alternativa raacutepida de ob-tenccedilatildeo de prazer bem como estrateacutegia de esquiva de sofrimen-tos tambeacutem comuns em um mundo marcado por desigualda-des sociais (SOUSA KANTORSKI MIELKE 2006)

Esse uso de drogas no entanto traz tambeacutem prejuiacutezos no caso do crack a droga ocasiona agravos orgacircnicos e psiacutequicos como sentimento de perseguiccedilatildeo agitaccedilatildeo motora problemas respiratoacuterios perda de apetite falta de sono e outros Haacute tam-beacutem muitos conflitos nos relacionamentos interpessoais dos usuaacuterios principalmente com as suas famiacutelias (BRASIL 2009)

Desse modo muitas vezes a convivecircncia familiar de usuaacute-rios de crack eacute marcada por sofrimento pois eacute comum que os usuaacuterios realizem pequenos furtos em casa e apresentem com-portamentos violentos quando contrariados fato que enseja

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uma impotecircncia familiar diante da situaccedilatildeo (NONTICURI 2010)

Aleacutem de a famiacutelia ser afetada com as consequecircncias do uso do crack acredita-se que esta possui tambeacutem um papel importante na formaccedilatildeo dos filhos podendo funcionar tanto como um fator de proteccedilatildeo como de risco para o comporta-mento de consumir drogas A famiacutelia protege quando oferece um ambiente de suporte harmocircnico estaacutevel e seguro no en-tanto pode funcionar como fator de risco quando o ambiente familiar tem pouco suporte haacute uso de drogas e tambeacutem falta de monitoramento em relaccedilatildeo aos filhos (SCHENKER MI-NAYO 2004)

O fato de a famiacutelia ser considerada como um fator de ris-co mas tambeacutem de proteccedilatildeo para o uso da droga justifica-se segundo Seleghim et al (2011) pelo fato de o uso ser aprendi-do a partir do relacionamento entre a pessoa e suas fontes pri-maacuterias de socializaccedilatildeo que correspondem agrave famiacutelia agrave escola e ao grupo de amigos

Sobre o conceito de famiacutelia Santos (2006) o considera muito impreciso pois para o autor as relaccedilotildees de parentesco modificaram-se no decorrer da histoacuteria Geralmente no entan-to a famiacutelia estaacute relacionada a pessoas ligado pelo sangue pelo casamento pela adoccedilatildeo podendo tambeacutem referir-se a pessoas pertencentes a uma determinada linhada importante O termo presume tambeacutem a coabitaccedilatildeo de seus membros poreacutem mui-tas vezes os componentes de uma famiacutelia natildeo vivem sob um mesmo teto Portanto a famiacutelia compreende diversos tipos de agrupamento familiar que podem ou natildeo viver juntos

Na contemporaneidade a coexistecircncia dos diversos tipos de configuraccedilotildees e estruturas familiares amplia esse conceito de famiacutelia Dessa forma nas duas uacuteltimas deacutecadas eacute impossiacute-

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vel observar tendecircncia em relaccedilatildeo ao nuacutemero de pessoas que compotildeem a famiacutelia aumento do nuacutemero de divoacutercios e reca-samentos maior participaccedilatildeo da mulher na vida econocircmica bem como no sustento do lar e aparecimento dos casais de dupla carreira Tambeacutem satildeo comuns modelos familiares di-ferentes dos nucleares como os constituiacutedos por duplas ho-mossexuais monoparentais recasados e outros (WAGNER TRONCO ARMANI 2011) (BROEKER JOU 2007) (RIOS GOMES 2009) (GABARDO JUNGES SELLI 2009)

Mesmo ante as modificaccedilotildees ocorridas nos uacuteltimos anos segundo Pratta e Santos (2007) a famiacutelia ainda eacute reconhecida e valorizada tendo papel importante na sociedade Em rela-ccedilatildeo ao contexto de uso de drogas a famiacutelia tem a relevante funccedilatildeo de motivar o usuaacuterio a procurar ajuda Almeida (2010) e Pulcherio (2010) destacam a famiacutelia como principal impul-sionadora para a busca de tratamento pois eacute o principal su-porte para enfrentar os desafios desse processo Dessa forma os usuaacuterios ao perceberem que ao iniciarem um tratamento podem ter seus viacutenculos familiares recuperados jaacute que eacute co-mum que os laccedilos de famiacutelia sejam rompidos em decorrecircncia de relacionamentos difiacuteceis sentem-se motivados a inserirem-se em terapecircuticas

Percebe-se entatildeo que a famiacutelia assume papel importante em relaccedilatildeo ao cuidado e ressocializaccedilatildeo dos usuaacuterios de ser-viccedilo de sauacutede mental o que acarreta sobrecarga de cunho fi-nanceiro relacionada a gastos com consultas e medicamentos sobrecarga do cuidado pois geralmente o usuaacuterio fica na res-ponsabilidade de uma soacute pessoa sobrecarga fiacutesica e emocio-nal ocasionada pela tensatildeo e nervosismo em decorrecircncia do relacionamento familiar conflituoso Tal fato tambeacutem justifica a necessidade de atenccedilatildeo agraves famiacutelias dos usuaacuterios do serviccedilo (BORBA SCHWARTZ KANTORSKI 2008)

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Aleacutem disso se a famiacutelia for devidamente estimulada e acompanhada teraacute mais recursos para lidar com o membro usuaacuterio de crack e demonstraraacute maior comprometimento na tentativa de contribuir para a manutenccedilatildeo do usuaacuterio em tratamento haja vista que os familiares possuem responsabi-lidade pelo problema do uso da droga Portanto os centros de atenccedilatildeo psicossocial aacutelcool e outras drogas (CAPS AD) confi-guram-se como serviccedilos de sauacutede relacionados ao tratamento de drogas centrados na reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio e de sua famiacutelia incluindo em suas atividades o trabalho com familiares usuaacuterios oferecendo suporte e apoio a eles (AZE-VEDO MIRANDA 2010)

O CAPS AD exprime a principal estrateacutegia de atenccedilatildeo agrave sauacutede relacionada ao consumo de substacircncias e utiliza es-trateacutegias de reduccedilatildeo de danos como ferramentas nas accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Assim O CAPS AD eacute um serviccedilo substitutivo de acordo com os princiacutepios da Refor-ma Psiquiaacutetrica os quais preconizam que o tratamento para dependecircncia quiacutemica seja feito preferencialmente em meio aberto e seja articulado agrave rede de sauacutede mental enfatizando a reabilitaccedilatildeo e reinserccedilatildeo social dos usuaacuterios (AZEVEDO MI-RANDA 2010)

Destarte na presenccedila dos vaacuterios tratamentos oferecidos na rede de serviccedilos substitutivos desde a reforma psiquiaacutetri-ca haacute que se considerar a importacircncia da famiacutelia pois esta eacute percebida pelos proacuteprios familiares e pelos usuaacuterios de drogas como um recurso fundamental na reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio pois ao compreender a terapecircutica a famiacutelia consen-te em colaborar com ela e a lidar melhor com o problema do uso do crack Sobe esse prisma a famiacutelia representa predomi-nantemente afeto e apoio que iratildeo contribuir para que o usuaacute-rio se mantenha em tratamento (JORGE et al 2008)

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Em razatildeo da importacircncia da famiacutelia para o ecircxito dos tra-tamentos relacionados ao sofrimento psiacutequico os CAPS con-sideram a atenccedilatildeo agrave famiacutelia como fundamento na orientaccedilatildeo de suas praacuteticas de acordo com o modelo psicossocial de re-inserccedilatildeo da pessoa com sofrimento psiacutequico na sociedade e no proacuteprio meio familiar Algumas atividades voltadas a esse puacuteblico no serviccedilo CAPS geral podem ser destacadas como acolhimento visita domiciliar atendimento individual e em grupo (SCHRANK OLSCHOWSKY 2007)

Em razatildeo da importacircncia do restabelecimento de viacutencu-los sociais e familiares para a motivaccedilatildeo do usuaacuterio a iniciar e manter um tratamento e da escassa literatura sobre atenccedilatildeo aos familiares de usuaacuterios de drogas pois os estudos existentes se restringem ao CAPS geral elaborou-se o objetivo principal da pesquisa analisar o modo como a famiacutelia eacute incluiacuteda nas accedilotildeesintervenccedilotildees desenvolvidas pelo CAPS AD relacionadas ao cuidado integral aos usuaacuterios de crack

MeacuteTODO

O estudo foi de natureza qualitativa com vista a buscar significados opiniotildees sentimentos como possibilidade de en-tender (analisar) o fenocircmeno social e suas relaccedilotildees no campo da sauacutede mental coletiva tendo como finalidade a compreen-satildeo do conhecimento buscando o sentido e o significado do fenocircmeno estudado (MINAYO 2010)

A pesquisa qualitativa reconhece a existecircncia de uma re-laccedilatildeo entre o pesquisador e o objeto de estudo ou seja uma interdependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao objeto estabelecida de maneira interpretativa sem neutralidade O sujeito eacute par-te do processo sujeito-observador que atribui significado aos

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fenocircmenos que interpreta O objeto eacute constituiacutedo ou seja eacute significado na relaccedilatildeo direta entre ele e o sujeito com suporte numa problematizaccedilatildeo (DEMO 1989)

A pesquisa foi realizada no CAPS AD das Secretarias Exe-cutivas Regionais IV e V do Municiacutepio de Fortaleza ndash Cearaacute A SER IV possui 280 mil habitantes e eacute composta por 19 bairros e a SER V possui 570 mil habitantes e 76 bairros (FORTALE-ZA 2008) A escolha do territoacuterio poliacutetico-administrativo das SERs IV e V decorre do fato de estas estarem pactuadas no Sis-tema Municipal Sauacutede-Escola no qual a UECE e a Prefeitura de Fortaleza desenvolvem parcerias no acircmbito da formaccedilatildeo e atividades soacutecio comunitaacuterias

Delimita-se como participantes do estudo 14 trabalha-dores de sauacutede que atuam no CAPS AD SER IV e V 21 usuaacute-rios em tratamento no CAPS AD em razatildeo do uso de crack e nove familiares Como criteacuterios de inclusatildeo dos participantes na pesquisa estabelece-se para os trabalhadores aqueles que estivessem acompanhando usuaacuterios de crack em tratamento e que atuassem no CAPS AD haacute no miacutenimo seis meses para os usuaacuterios escolhe-se aqueles que fizessem tratamento no CAPS AD haacute no miacutenimo seis meses que tenham buscado tratamen-to em consequecircncia do uso problemaacutetico do crack e que fos-sem maiores de 18 anos

Para os familiares foram selecionados aqueles que esti-verem acompanhando um membro de sua famiacutelia em trata-mento no CAPS AD relacionado ao uso de crack natildeo neces-sitando de laccedilos consanguiacuteneos Dessa forma participaram do estudo 44 pessoas Esse quantitativo se deu agrave medida que se coletava e analisava-se o fenocircmeno pois havia a compreensatildeo e o aprofundamento das questotildees levantadas denominados de saturaccedilatildeo teoacuterica

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Portanto os participantes do estudo foram constituiacutedos por trecircs grupos de informantes Grupo 1 - Usuaacuterios de crack em tratamento nos CAPS AD Grupo 2 ndash Familiares de usuaacute-rios de crack Grupo 3 ndash Trabalhadores dos CAPS AD

Realizou-se entrevistas em profundidade com os partici-pantes que abordavam temaacuteticas relacionadas a intervenccedilotildees de familiares em tratamento para usuaacuterios de crack em CAPS AD As entrevistas aconteceram no proacuteprio serviccedilo e foram gravadas com a concordacircncia preacutevia do entrevistado apoacutes a leitura e compreensatildeo do Termo de Consentimento Livre e Es-clarecido formulado conforme os padrotildees do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute tendo como nuacutemero do Parecer 10724251-6 Destarte as entrevistas foram transcritas e submetidas a todas as fases de anaacutelise de dados

Apoacutes a transcriccedilatildeo das entrevistas realizaram-se leituras flutuantes e exaustivas para conhecer o material de forma aprofundada

Para anaacutelise das informaccedilotildees utilizou-se a teacutecnica de Anaacute-lise Hermenecircutica Criacutetica que possibilitou estabelecer conver-gecircncias divergecircncias e complementaridades bem como con-frontos referentes ao tema estudado

Minayo (2010) citando Gadamer (1999) exprime que a Hermenecircutica se caracteriza como movimento abrangente e universal do humano fundado na compreensatildeo A Herme-necircutica tem origem na intersubjetividade e objetivaccedilatildeo huma-nas e significa a capacidade do pesquisador de se colocar no lugar do outro podendo-se dizer entatildeo que tal compreensatildeo conteacutem a gecircnese da consciecircncia histoacuterica

A Hermenecircutica eacute a arte de compreender textos que con-siderou-se presente como unidade temporal em que se marca o encontro entre o passado e o futuro Essa compreensatildeo eacute me-

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diada pela linguagem que pode ser transparente ou intranspa-rente e pode levar a um entendimento (que nunca eacute completo ou total) ou a um impasse na comunicaccedilatildeo (MINAYO 2010)

RESULTADOS E DISCUSSOtildeES

Expectativas e reflexotildees ante intervenccedilotildees com famiacutelias de usuaacuterios de drogas

De acordo com relato dos entrevistados os profissionais acreditam que a famiacutelia tem um papel importante no compor-tamento de usar drogas bem como na eficaacutecia em tratamentos relacionados a drogas

[] atribuo sim a essa questatildeo (uso de crack) da famiacutelia desestruturada e tal pai que bebe eacute o tio que usa e jaacute oferece ao sobrinho [] (Grupo 3)

[] entatildeo mexe muito com o psicoloacutegico da famiacutelia toda entatildeo acho que tem que ter um acompanhamento NE principalmente a matildee ou um irmatildeo a mulher ou uma filha [] (Grupo 4)

Tais reflexotildees estatildeo de acordo com o modelo atual de Sauacute-de Mental que enfatiza a importacircncia da famiacutelia e recomenda o tratamento do usuaacuterio desses serviccedilos no seio familiar As-sim a famiacutelia passa a ser inserida no acircmbito terapecircutico con-tribuindo para a reabilitaccedilatildeo psicossocial do usuaacuterio Antes os familiares se mantinham afastados do tratamento hoje o serviccedilo necessita buscar a inserccedilatildeo da famiacutelia incentivando a sua participaccedilatildeo nas atividades propostas pelo serviccedilo Tal rea-lidade estaacute de acordo com a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 336 de 19 de fevereiro de 2002 que caracteriza os serviccedilos de Sauacutede Mental os CAPS como de atendimento comunitaacuterio e

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ambulatorial (BIELEMANN et al 2009)Os profissionais tambeacutem acreditam que a famiacutelia quando

natildeo sabe lidar com o problema do abuso de drogas contribui para as recaiacutedas dos usuaacuterios

[] mas a famiacutelia natildeo aceita qualquer recaiacute-da acha que estaacute perdido aiacute dificulta muito porque a famiacutelia bota para fora de casa Um dos maiores motivadores de recaiacuteda eacute a famiacute-lia Eacute a famiacutelia sabe os ressentimentos [] (grupo 3)

Assim nota-se que os profissionais acreditam que a fa-miacutelia dos usuaacuterios tambeacutem necessita de atenccedilatildeo pois quando devidamente orientados os familiares contribuem para a efi-caacutecia do tratamento jaacute a famiacutelia que natildeo possui nenhum tipo de suporte piora a situaccedilatildeo dos usuaacuterios

Desse modo a ideia dos profissionais sobre a importacircncia da famiacutelia corrobora a discussatildeo de Azevedo e Miranda (2010) ao acreditarem que a necessidade de a famiacutelia ser inserida em terapecircuticas voltadas para o abuso de drogas pode ser expli-cada em parte pelo fato de os familiares serem geralmente os mais comprometidos com os problemas apresentados pelo usuaacuterio e por isso quando devidamente estimulados por exemplo mediante intervenccedilotildees nos serviccedilos de sauacutede satildeo os sujeitos que mais tecircm recursos para auxiliar o usuaacuterio de dro-gas

Ante a importacircncia que os profissionais atribuem agrave famiacute-lia alguns consideram que uma parceria entre familiares e as equipes do serviccedilo eacute fundamental para eficaacutecia do tratamento

Apenas com o usuaacuterio o caminho eacute bem mais longo jaacute com a ajuda da famiacutelia o cami-nho eacute bem mais curto [] A famiacutelia tem que

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estar junto [] eacute difiacutecil sem a famiacutelia com-preender como eacute esse processo de tratamen-to e a pessoa acaba sem nenhum apoio Por isso que eacute importante a presenccedila do familiar (Grupo 3)

Essa visatildeo da famiacutelia como parceira foi constituiacuteda com base em processos de desinstitucionalizaccedilatildeo que mostraram a falecircncia de instituiccedilotildees totais como os hospitais psiquiaacutetricos (ROSA 2005)

Ante a crenccedila na importacircncia da famiacutelia para um trata-mento eficaz os profissionais do serviccedilo de sauacutede CAPS AD buscam restabelecer viacutenculos com as famiacutelias daqueles usuaacute-rios que jaacute romperam com seguinte famiacutelia fato descrito pelos usuaacuterios

[] os profissionais daqui jaacute convidaram mi-nha esposa minha matildee para vir participar [] Aiacute tentaram entrar em contato com meu filho pra ver o que ele podia fazer porque nessas condiccedilotildees natildeo podia ficar mas eu pedindo a Deus ateacute que ele nem atendesse (Grupo 3)

Assim a maioria dos usuaacuterios de crack que foram entre-vistados possui uma relaccedilatildeo bastante difiacutecil com a famiacutelia ca-racterizada por vaacuterios conflitos ocasionados ou agravados pelo uso de crack o que culminou na perda de contato com seus parentes

Tal situaccedilatildeo estaacute de acordo com a literatura estudada pois a pesquisa de Seleghim et al (2011) sobre viacutenculos familiares de usuaacuterios de crack em uma unidade de internaccedilatildeo apontou que a maioria dos entrevistados natildeo possuiacutea relaccedilatildeo estaacutevel com o parceiro e boa parte era separada e tambeacutem natildeo man-

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tinha boa relaccedilatildeo com os pais havendo histoacuterico de agressatildeo contra os familiares

Nesse contexto de perdas eacute importante que o usuaacuterio procure restabelecer viacutenculos principalmente com a famiacutelia jaacute que esta representa um suporte muito importante deven-do os serviccedilos relacionados a tratamentos de aacutelcool e drogas facilitar esse processo buscando sempre a aproximaccedilatildeo das fa-miacutelias ao serviccedilo contribuindo para o fortalecimento da rede de suporte

Portanto eacute fundamental que a equipe se empenhe em convocar a famiacutelia ao serviccedilo bem como no suporte a todo o sistema familiar visto que o tratamento tenderaacute a ser mais eficaz se houver a participaccedilatildeo dos familiares (GUIMARAtildeES ALELUIA 2012)

Outro fato que justifica a necessidade de atenccedilatildeo aos fa-miliares eacute a sobrecarga que a famiacutelia enfrenta com o proble-ma de uso de droga pois a famiacutelia eacute considerada a principal cuidadora dos sujeitos com problemas relacionados ao abuso de drogas e por isso frequentemente se acha sobrecarregada ante a situaccedilatildeo em que vive o que ocasiona a necessidade de cuidados a esse puacuteblico tambeacutem

[] agora eu tocirc cansada de todo dia vocecirc che-gar e ver aquela mesma situaccedilatildeo [] tenho que buscar ajuda Jaacute tive ateacute depressatildeo por es-sas coisas [] aiacute eu liguei pra clinica aiacute olha eacute 1200 reais aiacute eu conversei aiacute consegui pela metade neacute aiacute tudo bem Laacute vai eu aiacute organi-zei tudo para levar neacute No dia de levar aiacute ele resolveu que natildeo ia porque era uma covardia que estavam fazendo comigo que eu natildeo po-deria pagar uma cliacutenica para ele e que ele ia largar sozinho [] (Grupo 2)

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Outro componente importante da famiacutelia eacute servir de pon-te entre os familiares e os serviccedilos de sauacutede pois muitos profis-sionais relataram que os familiares costumam acompanhar os usuaacuterios durante os atendimentos Os trabalhadores tambeacutem acreditam que o usuaacuterio muitas vezes continua participando do tratamento em razatildeo do acompanhamento de seus fami-liares

[] Eu o acompanho aqui a gente eacute bem atendido (Grupo 2)

[] alguns vecircm porque os familiares trazem (Grupo 3)

Tal fato estaacute de acordo com literatura estudada pois Biele-mann et al (2009) destacam que muitas vezes a famiacutelia eacute res-ponsaacutevel por promover o contato entre o usuaacuterio e os serviccedilos de sauacutede Assim os familiares estimulam o usuaacuterio a procurar um tratamento e a manter-se por meio do acompanhamento do usuaacuterio ao serviccedilo

Quanto agraves expectativas dos familiares ao procurarem por intervenccedilotildees voltadas para eles nota-se que eles esperam um suporte para o enfrentamento do problema buscando apren-der melhores estrateacutegias de lidar com o usuaacuterio

Aqui eu tenho vontade assim de me fortale-cer para lidar com a situaccedilatildeo porque quando ele comeccedilou neacute eu tava forte [] agora eu to cansada [] eu tenho que buscar ajuda e al-gum lugar que encontre apoio neacute uma ajuda de alguma forma (Grupo 2)

Tais achados convergem com os estudos de Seadi e Oli-veira (2009) ao ressaltarem que a maioria das famiacutelias vai em busca de terapecircuticas direcionadas agraves famiacutelias de usuaacuterios de

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drogas para aprender a lidar melhor com o ente que usa drogas e receber orientaccedilatildeo profissional

Logo apreende-se que os familiares ao iniciarem uma te-rapecircutica direcionada ao problema de uso de drogas passam a nutrir melhores expectativas e prognoacutesticos em relaccedilatildeo ao tratamento do usuaacuterio fato que melhora a relaccedilatildeo familiar

Os usuaacuterios de crack no entanto que estavam em trata-mento no CAPS AD natildeo reconhecem a importacircncia da famiacutelia em tratamentos relacionados ao abuso de crack considerando que preferem uma terapecircutica voltada apenas para eles pois muitas vezes natildeo querem que a famiacutelia tome conhecimento do uso de drogas

Assim por mim eu natildeo queria que eles sou-bessem disso natildeo Para mim eu natildeo achava interessante eles precisarem de tratamento natildeo Da outra vez que eu passei aqui natildeo en-volveram a minha famiacutelia natildeo foi soacute comigo mesmo soacute comigo mesmo e eu ateacute acho me-lhor (Grupo 1)

Tal situaccedilatildeo foi encontrada na literatura pois de acordo com Nonticuri (2010) em muitos casos o usuaacuterio esconde da famiacutelia o uso e tenta se afastar para impedir que ela saiba

Jaacute os familiares que demonstram assiduidade diante dos processos terapecircuticos relacionados ao uso de droga do seu parente relatam melhoras decorrentes do engajamento em in-tervenccedilotildees voltadas para famiacutelias

[] porque tem me dado muito respaldo as-sim muito apoio Eu me sinto mais fortaleci-da [] Estaacute dando resultado para mim para mim estaacute neacute (Grupo 2)

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Intervenccedilotildees direcionadas a famiacutelias Nos CAPS estudados as accedilotildees voltadas para os familia-

res mais citadas por profissionais usuaacuterios e familiares foram acolhimento visita domiciliar atendimento individual e em grupo

O grupo de famiacutelia parece ser a principal estrateacutegia di-recionada a esse puacuteblico e caracteriza-se como um espaccedilo no qual os familiares satildeo acolhidos pela equipe do CAPSAD di-videm suas anguacutestias compartilham suas histoacuterias e identifi-cam-se uns com os outros

Tecircm os grupos de famiacutelia que satildeo coordena-dos pela terapeuta X e pela y que eacute assistente social [] e nesse grupo elas vatildeo compartilhar anguacutestias porque aquela famiacutelia pensa que soacute ela que estaacute com aquele problema e toda fa-miacutelia que tem usuaacuterio tem sempre sofrimen-to neacute aquela anguacutestia entatildeo esses grupos de famiacutelia satildeo feitos para isso Entatildeo nesse gru-po eles dividem as anguacutestias satildeo acolhidos na ausecircncia neacute na ausecircncia tanto do usuaacuterio quanto do familiar [ ] (Grupo 3)

Assim o grupo composto por familiares surge como for-ma de inserir a famiacutelia e tambeacutem como maneira utilizada pelo serviccedilo para contribuir no processo terapecircutico do usuaacuterio restabelecendo o viacutenculo familiar e instrumentalizando a fa-miacutelia para o cuidado no entanto essa intervenccedilatildeo possui li-mites por natildeo abranger a totalidade das necessidades sentidas pelos familiares (PONCIANO CAVALCANTI FEacuteREZ-CA-RENIRO 2010)

Quanto agrave composiccedilatildeo desses grupos observa-se que natildeo existe um grupo exclusivo para familiares de usuaacuterios de crack Desse modo podem participar familiares de usuaacuterios de vaacuterias drogas

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Assim o grupo cumpre papel importante em relaccedilatildeo ao acolhimento das famiacutelias jaacute que os familiares se acham aco-lhidos em um grupo em que os outros componentes passam pelo mesmo problema e aprendem muito com as histoacuterias de seus colegas poreacutem tal accedilatildeo natildeo deve se limitar ao comparti-lhamento de histoacuterias pois existem outras necessidades que devem ser privilegiadas que variam de famiacutelia para famiacutelia e que soacute seratildeo conhecidas com a compreensatildeo da dinacircmica fa-miliar de cada usuaacuterio

Um fato a ilustrar que a dinacircmica de cada famiacutelia natildeo eacute levada em conta nesse tipo de accedilatildeo voltada agrave famiacutelia nos CAPS pesquisados eacute que a metodologia utilizada possui formato de palestras nas quais os profissionais passam informaccedilotildees agraves fa-miacutelias sobre as drogas bem como acerca das consequecircncias do uso e ensinam agrave famiacutelia melhores formas de lidar com o problema

Eu estou aprendendo aqui no CAPS a como conviver com ele agora eu estou tendo uma relaccedilatildeo boa com ele eu converso com ele eu chamo ele vou deixar na rede o de comer dele Tambeacutem tem umas palestras que eu assisto nas terccedilas muito boa elas ensinam como a gente convive com ele em casa (Gru-po 2)

Destarte pode-se observar que a intervenccedilatildeo realizada neste estudo natildeo leva em conta a influecircncia da famiacutelia na ma-nifestaccedilatildeo do uso abusivo de drogas Sobre esse tipo de inter-venccedilatildeo Schenker e Minayo (2004) discutem que se caracte-rizam por pretender trabalhar habilidades e operacionalizar condutas da famiacutelia sem considerar a formaccedilatildeo dos viacutenculos familiares produzindo mudanccedilas limitadas no usuaacuterio e no familiar

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Nesse contexto as accedilotildees desenvolvidas nos serviccedilos da atenccedilatildeo psicossocial tecircm relevacircncia pois possibilitam espaccedilos para tirar duacutevidas sobre o tratamento e o manejo com o usuaacute-rio falar das anguacutestias e dos cansaccedilos desabafar no entanto a utilizaccedilatildeo de palestras natildeo possibilita reflexotildees e mudanccedilas internas no modo de pensar a sauacutede das famiacutelias e das pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento Portanto esse processo de trabalho com as famiacutelias poderia levar em consideraccedilatildeo as metodolo-gias ativas (rodas de conversa oficinas) em que haja interlocu-ccedilatildeo com familiares e usuaacuterios no processo de cuidado

Nesses grupos com familiares os entrevistados tambeacutem destacaram o grupo de fuxico os quais satildeo importantes se-gundo os trabalhadores do serviccedilo pois tambeacutem funcionam como um acolhimento para aqueles familiares que estatildeo no serviccedilo acompanhando o usuaacuterio pois em vez de ficaram pa-rados podem participar de uma atividade prazerosa

[] tem o grupo do fuxico alguns falam neacute que fazem o trabalho de arte enquanto seus companheiros e maridos estatildeo sendo traba-lhados aqui esse tambeacutem eacute uma forma de acompanhamento familiar porque eacute uma forma de acolher essas pessoas que ficariam paradas em peacute [] (Grupo 3)

Eacute o grupo de famiacutelia a gente faz trabalho de reciclagem a gente faz fuxico a gente faz muitas coisas de artesanato que as meninas ensinam [] pra levar tempo neacute o tempo da pessoa para natildeo estaacute pensado besteiras [] (Grupo 2)

As oficinas tambeacutem podem ser vistas como estrateacutegia de grupo de integraccedilatildeo entre famiacutelia equipe e usuaacuterio contri-buindo ainda mais para a motivaccedilatildeo da famiacutelia para participa-ccedilatildeo nos serviccedilos do CAPS

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Nesse sentido as oficinas no CAPS caracterizam-se por ser em um espaccedilo que possibilita o contato dos usuaacuterios e fa-miacutelias com atividades manuais o que ajuda a explorar a criati-vidade e a inventividade sendo coordenada por profissionais habilitados (SCHRANK OLSCHWSKY 2008)

Os trabalhadores do CAPS AD tambeacutem acreditam que a visita domiciliar que realizam eacute outra forma de intervenccedilatildeo direcionada agrave famiacutelia pois entendem que tal atividade eacute uma forma de acompanhar o familiar A visita domiciliar normal-mente eacute realizada quando o usuaacuterio estaacute ausente do serviccedilo Assim eacute realizada a chamada ldquobusca ativardquo na qual os profis-sionais se deslocam ateacute a residecircncia do usuaacuterio e conversam com a famiacutelia sobre as causas das possiacuteveis faltas com o objeti-vo de fazer com que o usuaacuterio retorne ao tratamento

Tem as visitas eles vatildeo ateacute as casas dos usuaacute-rios chama-se de busca ativaQuando o pa-ciente taacute ausente vai buscar o que foi que houve porque essa pessoa natildeo estaacute vindo [] O acompanhamento da famiacutelia ocorre atraveacutes de visitas domiciliares quando elas satildeo pertinentes neacute no caso por faltas contiacute-nuas do paciente [] (Grupo 3)

Nessa perspectiva eacute relevante que os trabalhadores que lidam com as familiares e usuaacuterios de crack procurem se apro-ximar das famiacutelias para mobilizar discursos ideias e novas possibilidades de conhecimento Assim a visita domiciliar eacute uma praacutetica que contribui exatamente para a aproximaccedilatildeo en-tre trabalhadores da sauacutede e famiacutelias

Corroborando a ideia Schrank e Olschwsky (2008) con-sideram que a visita domiciliar se caracteriza como praacutetica assistencial essencial para o cuidado do usuaacuterio e da famiacutelia pois pode ser entendida como um acolhimento desses sujei-

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tos no meio em que vivem oferecendo cuidados alternativos agravequeles centrados na instituiccedilatildeo o que possibilita uma noccedilatildeo mais realista das reais necessidades do usuaacuterio e familiares bem como a compreensatildeo da dinacircmica da famiacutelia Viabiliza tambeacutem uma parceria entre profissionais e familiares para juntos atuarem na manutenccedilatildeo do usuaacuterio no tratamento

Desse modo a visita familiar quando realizada natildeo ape-nas com o objetivo de conhecer os motivos da falta do pacien-te pode ser bem mais eficaz Logo a visita deve cobrir outros objetivos como acolhimento dos familiares conhecimento da dinacircmica familiar e aproximaccedilatildeo das famiacutelias Caso contraacuterio as visitas natildeo seratildeo muito eficazes nem mesmo para o objetivo de fazer com que o usuaacuterio seja mais assiacuteduo ao tratamento

Outro problema de realizar a visita apenas para realizar o que os profissionais chamam de ldquobusca ativardquo eacute que des-sa forma nem todos os familiares satildeo contemplados com tal acompanhamento fato que pode ser percebido de acordo com o relato dos usuaacuterios

No momento minha famiacutelia natildeo recebe acompanhamento do caps [] o pessoal (equipe) natildeo foi a minha residecircncia ainda fa-lar com minha famiacutelia (Grupo 2)

Natildeo recebi nenhuma visita ainda do pessoal do CAPS natildeo soacute eu sou acompanhado aqui (Grupo 3)

Outro tipo de intervenccedilatildeo voltada agrave famiacutelia relatado pe-los trabalhadores foi o atendimento individual o qual ocorre quando haacute necessidade no entanto mesmo esse tipo de aten-dimento natildeo acontecendo com muita frequecircncia os profissio-nais ressaltam que geralmente tentam aproveitar a presenccedila daquele familiar no serviccedilo procurando escutaacute-lo e engajaacute-lo

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Tem acompanhamento com a famiacutelia a atuaccedilatildeo entre a famiacutelia e tambeacutem a escuta com familiares quando achamos necessaacuterio [] haacute o acompanhamento individual nor-malmente quase todos os atendimentos eu converso com o paciente e converso com a famiacutelia ou separado ou junto (Grupo 3)

Tal estrateacutegia eacute deveras interessante para compreender melhor a dinacircmica familiar de cada usuaacuterio e tambeacutem contri-bui para um melhor acolhimento no entanto notamos que tal praacutetica ocorre com uma frequecircncia bem menor em relaccedilatildeo agrave do grupo Aleacutem disso a necessidade do atendimento eacute analisa-da pelos profissionais e natildeo pelos usuaacuterios e famiacutelias

Partilhando da ideia Schrank e Olschwsky (2008) acre-ditam que haacute de existir tantos recursos grupais como indi-viduais para usuaacuterios e tambeacutem para os familiares Afinal o atendimento individual tambeacutem eacute importante pois permite uma maneira mais direta de acolher o familiar e escutar o seu sofrimento possibilitando tambeacutem uma conversa mais reso-lutiva das dificuldades encontradas por profissionais usuaacuterios e familiares

Outras atividades como festas para que haja maior apro-ximaccedilatildeo entre usuaacuterios e suas famiacutelias e tambeacutem para apro-ximar esses familiares do serviccedilo foram relatadas Ademais esses eventos proporcionam momentos de lazer

Esse mecircs agora mecircs de novembro foi uma turma danada levamos os pacientes para praia Passaram a manhatilde todinha na praia de Sabiaguaba Dia 19 agora vai ter o Natal da gente [] a gente sempre taacute fazendo coisa para eles se sentirem melhor (Grupo 3)

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Sobre esses momentos de lazer Azevedo e Miranda (2010) expressou que os passeios festas e comemoraccedilotildees que costu-mam acontecer regularmente nos CAPS congregam usuaacuterios familiares e teacutecnicos sendo considerados formas de participa-ccedilatildeo informais porque natildeo fazem parte das atividades regulares realizadas semanal ou mensalmente

As intervenccedilotildees citadas acima estatildeo de acordo com o re-lato dos trabalhadores dos familiares e de alguns usuaacuterios do CAPS AD no entanto percebe-se uma contradiccedilatildeo com a fala de alguns usuaacuterios que verbalizaram que suas famiacutelias natildeo estavam sendo acompanhadas pelos trabalhadores atraveacutes de grupos

Minha famiacutelia natildeo passa por nenhum acom-panhamento aqui soacute eu (Grupo 2)

No momento minha famiacutelia natildeo recebe acompanhamento do caps [] o pessoal (equipe) natildeo foi a minha residecircncia ainda fa-lar com minha famiacutelia (Grupo 2)

Tal fato pode estar relacionado agrave proacutepria ausecircncia dos fa-miliares do serviccedilo que segundo os profissionais do CAPS eacute frequente

A famiacutelia muitas vezes natildeo ajuda [] agraves vezes quando o cara comeccedila a fazer o atendimen-to a famiacutelia natildeo vem pros grupos de famiacutelia []Existe uma resistecircncia dessas famiacutelias de estarem vindo ao serviccedilo lsquoah mas eu natildeo tenho tempo ah mas eu trabalho eu tenho uma vida muito ocupadarsquo e acabam que de-positam os pacientes aqui [ ] (Grupo 3)

Assim foi percebido que o proacuteprio CAPS possui mui-tas dificuldades para manter a famiacutelia no tratamento como questotildees econocircmicas (muitos familiares natildeo tecircm como pagar

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transporte e muitas vezes o serviccedilo natildeo fornece o vale-trans-porte) e problemas de horaacuterios (muitos familiares trabalham o dia inteiro e os serviccedilos CAPS pesquisados funcionam em horaacuterio comercial)

Portanto um dos principais problemas nos serviccedilos de sauacutede mental eacute assegurar a presenccedila de familiares porque tal puacuteblico possui sobrecarga de tarefas domeacutesticas principal-mente aquele familiar responsaacutevel pelo cuidado com usuaacuterio Aleacutem disso haacute as dificuldades econocircmicas pois se deslocar com certa frequecircncia a um serviccedilo de sauacutede torna-se oneroso para a famiacutelia Rosa (2005) ressalta que alguns serviccedilos ofere-cem o vale-transporte para o familiar mas mesmo assim eacute rara a manutenccedilatildeo de frequecircncia semanal apesar de a famiacutelia reconhecer a importacircncia dessas intervenccedilotildees

Aspecto importante percebido em todas as intervenccedilotildees foi o seguimento de um modelo que considera problemas refe-rentes ao uso de drogas como doenccedila pois profissionais fami-liares e usuaacuterios entrevistados relataram que recebem muitas informaccedilotildees sobre essa ldquodoenccedilardquo durante os atendimentos e aprendem muito com isso

Eu aprendi aqui que era uma doenccedila [] eu nem tinha a cura dela dessa doenccedila [] (Grupo 2)

Dessa forma eacute muito positivo oferecer informaccedilotildees sobre o problema em questatildeo aos familiares no entanto a ideia de que problemas com o uso de drogas eacute uma doenccedila que encai-xa-se numa visatildeo do usuaacuterio como um doente Nesses casos enfatiza-se bem mais a substacircncia psicoativa do que a relaccedilatildeo que o sujeito estabelece com a droga em contextos muacuteltiplos de relaccedilotildees (com famiacutelia amigos comunidade) num determi-nado espaccedilo sociocultural (SCHANKER MINAYO 2004)

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Corroborando o exposto Rosa (2010) discorre sobre as consequecircncias de considerar o uso de substacircncias psicoativas como doenccedila e o usuaacuterio como doente O autor acredita que dessa forma se cria um estereoacutetipo de dependecircncia negando a autonomia do usuaacuterio o que favorece o poder meacutedico e tor-na menos importantes os outros aspectos do abuso de drogas como o social tornando o problema bastante simplista

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Notou-se que os profissionais do serviccedilo CAPS AD parti-lham da crenccedila de que a famiacutelia eacute o principal recurso do usuaacute-rio sendo a rede de suporte principal para o enfrentamento do problema do uso de drogas Quando poreacutem a famiacutelia natildeo sabe lidar com o problema esta tambeacutem pode contribuir para recaiacutedas Destarte para os profissionais do serviccedilo eacute impor-tante que a famiacutelia seja engajada em alguma terapecircutica para aprender a lidar com o problema contribuindo para uma maior eficaacutecia do tratamento relacionado ao uso de droga

Dessa forma eacute importante que os profissionais tenham essa visatildeo da famiacutelia como parceira em relaccedilatildeo ao tratamento Eacute preciso pensar contudo tambeacutem em melhores estrateacutegias de atender a esses familiares pois apesar de os profissionais acre-ditarem que a famiacutelia possui participaccedilatildeo importante no de-senvolvimento do comportamento de usar drogas natildeo levam em conta a formaccedilatildeo dos viacutenculos familiares na realizaccedilatildeo de intervenccedilotildees utilizando um modelo de palestras e deixando de lado outras metodologias ativas como as rodas de conversas

Ainda as intervenccedilotildees realizadas pelo CAPS AD contem-plam as expectativas dos familiares em relaccedilatildeo agrave aprendiza-gem de estrateacutegias para lidar com o problema jaacute que as inter-

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venccedilotildees desse serviccedilo focam bastante a operacionalizaccedilatildeo de condutas e habilidades poreacutem deve-se considerar as relaccedilotildees estabelecidas em cada famiacutelia pois cada uma possui uma di-nacircmica diferente e o que eacute uacutetil para uma famiacutelia pode natildeo ser uacutetil para a outra

Ante o exposto percebe-se a importacircncia de o CAPS AD considerar e conhecer melhor a dinacircmica familiar de cada usuaacuterio para propor intervenccedilotildees mais adequadas Assim a atenccedilatildeo agraves famiacutelias atendidas no CAPS AD deve ser realiza-da de modo mais personalizado garantindo um atendimento mais humano e integral a usuaacuterios e famiacutelias e contribuindo para mudanccedilas mais duradouras

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CAPIacuteTULO 17

COMPORTAMENTO DE CRIANccedilAS E PRAacute-TICAS EDUCATIVAS PARENTAIS NA CON-TEMPORANEIDADE COM UM rdquoREMEDI-NHOrdquo eacute MAIS FAacuteCIL

Ana Maria ZuwickMaria Salete Bessa Jorge

-Titia posso ir ateacute o jardim ()-Vaacute mas volte logo para estudar

-Sim senhora-Natildeo esqueccedila que os exames estatildeo perto

-Sim senhora-Natildeo apanhe muito sereno

-Sim senhora(Trecho do romance Clarissa Eacuterico Veriacutessimo)4

Educaccedilatildeo ou medicaccedilatildeo

ldquoDoutora Ele tem dormido muito tarderdquo ndash a matildee recla-ma Questionada do que ele se ocupa enquanto natildeo adormece ela responde - ldquoEle fica jogando videogamerdquo ndashldquoPor que a Sra natildeo recolhe o jogo e combina o horaacuterio de dormir rdquo ndashldquoAh Doutora Com um remedinho eacute mais faacutecilrdquo Situaccedilotildees como estassatildeo frequentes em serviccedilos voltados para o atendimento em sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes A autoridade dos pais parece haver se fragmentado em poacute dentro de uma caacutepsu-la medicamentosa

As queixas principais de familiares eou da escola em rela-ccedilatildeo agrave crianccedila ou adolescente envolvem brigas rebeldia inquie-taccedilatildeo agressividade fiacutesica em relaccedilatildeo aos pais desrespeito agraves 4 VERIacuteSSIMOE(1933)ClarissaRiodeJaneiroCompanhiaJoseacuteAguilar1966p74

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regras mentiras furtos fugas de casa baixa toleracircncia agrave frus-traccedilatildeo queixas em relaccedilatildeo a comportamento inespeciacuteficas isoladas ou insuficientes para comporem criteacuterios diagnoacutesti-cos que envolvam os transtornos de conduta como quadros nosoloacutegicos

Vaacuterios trabalhos onde se estressou socioacutelogos psicoacutelogos e educadores em relaccedilatildeo agrave medicaccedilatildeo de crianccedilas em Sauacutede Mental muitas vezes responsabilizam a Medicina de ater-se a criteacuterios diagnoacutesticos e com base nestes contribuir para a ldquopatologizaccedilatildeordquo das pessoasNatildeo somente poreacutem a medicina particularmente a Psiquiatria tem criteacuterios universais e abso-lutos para considerar o que eacute normal ou patoloacutegico conforme ela mesma eacute perpassada por transformaccedilotildees socioculturais A Antropologia Meacutedica nos indica que em todas as sociedades humanas as praacuteticas e crenccedilas relativas aos processos de sauacute-de-doenccedila satildeo caracterizadas por parte de cada cultura pela organizaccedilatildeo da sociedade em relaccedilatildeo agrave sauacutede e agrave doenccedila e pelo sistema de cuidados em sauacutede Este por sua vez se refere ao modo de as pessoas serem reconhecidas doentes como a doenccedila eacute manifestada agraves outras pessoas os atributos destas e a forma de a doenccedila ser abordada (HELMAN 2009)

A compreensatildeo do processo sauacutede-doenccedila como fenocircme-no sociocultural comporta a ideia de que ldquoas experiecircncias de sauacutede e doenccedila satildeo atravessadas pelos significados socialmente construiacutedos logo natildeo podem ser desvinculadas das estruturas sociais mais abrangentes que permeiam as sociedadesrdquo (COS-TA GUALDA 2010 p 2) Buscando identificar e analisar a mediaccedilatildeo que os fatores sociais e culturais exercem sobre de-terminadas formas de pensar e agir frente a sauacutede e a doenccedila a Antropologia amplia o contexto que deve ser levado em conta no entendimento dos processos patoloacutegicos (UCHOcircA VI-

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DAL 1994) Assim novos modelos de sauacutede-doenccedila podem ser constituiacutedos reavendo a dimensatildeo experiencial e psicosso-cial dos sujeitos (GUALDA BERGAMASCO 2004 apud COS-TA GUALDA 2010)

A consideraccedilatildeo sobre o que eacute doenccedila ou natildeo se transfor-ma ao longo do tempo dependendo das mudanccedilas sociocul-turais cujo exemplo paradigmaacutetico eacute a homossexualidade Se nos Estados Unidos eacute encontrado o percentual de 9 de crian-ccedilas com Transtorno de Deficit de Atenccedilatildeo e Hiperatividade na Franccedila esta prevalecircncia eacute inferior a 05 A Medicina francesa natildeo somente considera o transtorno como condiccedilatildeo meacutedica causada por condiccedilotildees psicossociais e situacionais como tem seu sistema de classificaccedilatildeo de transtornos (WEDGE 2013) Na categoria dos transtornos de comportamento na infacircncia e adolescecircncia no DSM-II (AMERICAN PSYCHIATRIC AS-SOCIATION 1968 p 50) aparece como diagnoacutestico a ldquorea-ccedilatildeo natildeo socializada agressiva da infacircncia (ou adolescecircncia) rdquo as crianccedilas se caracterizam por terem ataques de raiva men-tirem roubarem provocarem outras crianccedilas serem desobe-dientes vingativas e destrutivas Conforme o proacuteprio Manual estas crianccedilas comumente natildeo recebem uma disciplina consis-tente por parte dos pais O que eacute foco da educaccedilatildeo familiar e escolar o que possa se constituir em manifestaccedilatildeo de um tem-peramento ou uma conduta reativa tem passado facilmente a ser categorizado como doenccedila problema a ser resolvido pela Medicina Problemas de comportamento envolvidos eou re-sultantes de condiccedilotildees como dificuldades no aprendizado mal conduzidas desagregaccedilatildeo familiar violecircncias intra e extrafa-miliares precaacuterias condiccedilotildees econocircmicas e de sauacutede podem ser ldquomedicalizadasrdquo

Joatildeo de quatro anos esperneava gritava e chorava no chatildeo em meio agraves pernas das pessoas sentadas na recepccedilatildeo de

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um serviccedilo de sauacutede mental - a imagem antiga da conhecida ldquobirrardquo A matildee tambeacutem chorava profusamente e dizia o quan-to fora difiacutecil trazecirc-lo ao serviccedilo para a consulta e mais tarde insistiria que o filho fosse medicado por sua conduta frequen-temente rebelde Joatildeo crianccedila bastante esperta de bom voca-bulaacuterio explicou que era violento porque a matildee batia muito Os dois irmatildeos adolescentes satildeo usuaacuterios de drogas e eram muito agressivos para com ele O pai natildeo tinha contato com a famiacutelia que vivia em precaacuterias condiccedilotildees materiais e de hi-giene situaccedilatildeo observada em visita domiciliar feita pela equipe do serviccedilo Algumas tentativas de orientaccedilatildeo a esta matildee foram feitas quanto a ser acompanhada no grupo de familiares e o manejo do menino A matildee pareceu natildeo ouvir e ante a recusa do profissional em medicar seu filho ficou por demais irritada e pediu a troca de meacutedico

O que estaacute submerso sob a aparente concordacircncia e ade-satildeo da sociedade ao tempo de comprimidos gotas suspen-sotildees e caacutepsulas como substitutivos de praacuteticas educacionais referentes a alteraccedilotildees de conduta de crianccedilas Como com-preender a tendecircncia da famiacutelia e tambeacutem da escola a bus-car e aderir a explicaccedilotildees neuropsiquiaacutetricas e possivelmente prescriccedilotildees medicamentosas para problemas comportamen-tais antes contemplados por estrateacutegias educativas Estaria a proacutepria sociedade se submetendo acriticamente para que a soluccedilatildeo de dificuldades diversas seja dada pela ldquopatologizaccedilatildeordquo de seus membros Na histoacuteria da crianccedila e de quem a acom-panha particularmente em serviccedilos puacuteblicos de sauacutede mental eacute frequente a narrativa de situaccedilotildees socioeconocircmicas precaacute-rias em que o sustento principal eacute o Bolsa-Famiacutelia moradia em espaccedilo insuficiente para o nuacutemero de pessoas comunidade violenta falta de opccedilotildees de lazer dificuldade de acesso agrave es-

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cola isolamento ausecircncia da figura paterna e distanciamento de membros da famiacutelia estendida como avoacutes e tios A famiacutelia perde suas referecircncias culturais quando migra da zona rural agrave Capital Seus modelos de educaccedilatildeo para os mais jovens se con-fundem ante a novos padrotildees de convivecircncia A crianccedila natildeo tem espaccedilo para brincar com amiguinhos a rua eacute perigosa A medicaccedilatildeo preencheria os vazios da falta de recursos e da au-secircncia de pessoas com quem trocar experiecircncias compartilhar dificuldades

De ordinaacuterio a crianccedila ou adolescente vem ao serviccedilo trazida por demanda da famiacutelia eou encaminhada por uma instituiccedilatildeo como Conselho Tutelar ou escola E outros vieses na descriccedilatildeo dos problemas que motivam a procura de atendi-mento podem ocorrer Os informantes principalmente aque-les que estatildeo mais envolvidos no cuidado da crianccedila poderatildeo estar inconformados com determinados comportamentos com base nas proacuteprias condiccedilotildees e histoacuterias de vida para as quais a crianccedila pode por sua idade ter pouca capacidade de refutaccedilatildeo Conhecer a dinacircmica familiar as caracteriacutesticas importantes do ambiente e as interaccedilotildees da crianccedila com elas fazem parte de uma avaliaccedilatildeo adequada (VINOCUR PEREIRA 2011) mas frequentemente dificultada pela precariedade de espaccedilo e de profissionais nos serviccedilos

O atravessamento das fases de desenvolvimento proacuteprios da crianccedila pode interferir na expressatildeo de sintomas ou estes ser proacuteprios de determinada etapa de vida A avaliaccedilatildeo psi-quiaacutetricapsicoloacutegica eacute delicada pois a crianccedila pode ter difi-culdades em manifestar seu desconforto interno eou externo mediante a palavra Se ela pode ser diagnosticada e medica-da como um ser adulto nem sempre eacute ouvida creditada eou compreendida como pessoa de direito

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Na corrente de uma maior preocupaccedilatildeo com a sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes evidenciada nas uacuteltimas deacute-cadas no Brasil por uma implantaccedilatildeo dos centros de atenccedilatildeo psicossocial infantojuvenil (CAPSi) tambeacutem ldquoflutuamrdquo caacutep-sulas e comprimidos e eles refletem uma tendecircncia de paiacuteses ocidentalizados Vaacuterios fatores entre os quais a pesquisa e a produccedilatildeo de faacutermacos encontram na populaccedilatildeo jovem um interessante locus de aplicaccedilatildeo e de lucratividade Nossa so-ciedade que parece buscar a soluccedilatildeo raacutepida e cada vez mais eficiente como anota Fiore (2005) parece corresponder a tais interesses e os considera bem-vindos O comportamento inde-sejaacutevel ldquoinimigordquo eacute facilmente alvejado e derrotado como no jogo de viacutedeogame representando uma tendecircncia sociocultu-ral de nosso mundo poacutes-moderno A faacutecil aceitaccedilatildeo ou procu-ra da medicaccedilatildeo de muitos pais na resoluccedilatildeo de condutas con-sideradas indesejaacuteveis por parte de seus filhos poderia refletir a aceitaccedilatildeo natildeo consciente ou pouco reflexiva do poder midiaacute-tico que entre outras coisas promete a resoluccedilatildeo imediata de muitos problemas de manchas difiacuteceis na roupa e perda da gordura abdominal com seis caacutepsulas ao dia sem o trabalho de esfregar a roupa sem a dificuldade da dieta sem o cansaccedilo e o suor de exerciacutecios fiacutesicos

Voltando agraves crianccedilas e adolescentes a prescriccedilatildeo de psi-cofaacutermacos para esta populaccedilatildeo aumentou significativamente nas cinco uacuteltimas deacutecadas principalmente nos Estados Uni-dos norte da Europa Austraacutelia e Nova Zelacircndia Pesquisas que analisaram as tendecircncias das prescriccedilotildees meacutedicas em nove paiacuteses de 2000 e 2002 encontraram um aumento significati-vo do nuacutemero de psicofaacutermacos receitados para crianccedilas em todos os paiacuteses de 13 como na Alemanha ateacute 68 como no Reino Unido (TIMIMI 2010) Em 2005 foi proposta pelo

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Instituto Nacional de Sauacutede e Pesquisa Meacutedica da Franccedila uma poliacutetica de prevenccedilatildeo baseada na triagem e no atendimento precoce psicoterapecircutico e medicamentoso para crianccedilas a partir de trecircs anos de idade com problemas de comportamen-to em vaacuterios niacuteveis de gravidade O objetivo era o de prevenir o desenvolvimento de comportamento delinquente futuro Quando identificado ao transtorno de conduta era recomen-dada uma seacuterie de programas de prevenccedilatildeo psicossociais e se necessaacuterio o uso de tratamento farmacoloacutegico Tal proposta causou muita celeuma tanto na populaccedilatildeo quanto entre espe-cialistas de aacutereas diversas na eacutepoca (LEROY 2006)

Com base na pergunta ldquopor que lsquomedicalizarrsquo se tornou uma urgecircncia contemporacircneardquo Fiore (2005) parte da visatildeo dos educadores que trabalham com crianccedilas que fazem uso de psicofaacutermacos A autora discute o quanto a sociedade com sua busca de eficiecircncia a todo custo ldquopatologizardquo crianccedilas que necessitam natildeo mais do que atenccedilatildeo especializada em termos educacionais Caracteriacutesticas dos sujeitos antes vistos como atributos como raiva passividade agressividade tendem a ser hoje percebidas como patologias que necessitam ser ldquome-dicalizadasrdquo Esta percepccedilatildeo do corpo como sendo o foco das dificuldades das pessoas particularmente das crianccedilas perpas-sa boa parte da sociedade dos pais da escola e dos profissio-nais de sauacutede Na mesma vertente Tesser e Poli Neto (2011) chamam a atenccedilatildeo para a tendecircncia das famiacutelias procurarem algum profissional que sancione cuidados que poderiam e de-veriam ser promovidos por elas mesmas com proacuteprias com-petecircncias cuidados estes que acreditam estar na medicaccedilatildeo Para Costa (2004 apud LIMA 2008) as famiacutelias na Poacutes-Mo-dernidade abriram matildeo de resolver sozinhas os problemas que sempre foram de sua competecircncia e estatildeo cada vez mais

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procurando especialistas Segundo o autor a normatizaccedilatildeo da famiacutelia imposta pela ordem meacutedica desestruturou as famiacutelias que se sentem inseguras quanto ao seu amor e cuidado em re-laccedilatildeo agraves crianccedilas

Considerando que os processos de sauacutede e doenccedila se re-configuram de forma muito dinacircmica abarcando ampla aacuterea de determinantes socioculturais e necessidade de accedilotildees e sa-beres interdisciplinares os estudos em Sauacutede Coletiva podem contribuir para a compreensatildeo de determinados fenocircmenos como a crescente ldquomedicalizaccedilatildeordquo em Sauacutede Mental de crian-ccedilas e adolescentes Os avanccedilos nas neurociecircncias e a possibi-lidade maior de aliviar o sofrimento psiacutequico mediante o do uso de psicofaacutermacos mais efetivos satildeo bem-vindos Natildeo po-de-se no entanto como profissionais estudiosos pesquisado-res e sobretudo sujeitos sociais deixar de mobilizar posiccedilotildees criacuteticas as nossas praacuteticas

Problemas de comportamento e praacuteticas educativas

Haacute cerca de 30 anos a socializaccedilatildeo de crianccedilas significava a transmissatildeo de valores crenccedilas e normas da sociedade por meio da famiacutelia e da escola As crianccedilas absorviam tais princiacute-pios de forma passiva mediante a interiorizaccedilatildeo deste Com o advento da Sociologia da Infacircncia na deacutecada de 90 do seacuteculo passado com a perspectiva do estudo dos cotidianos e das cul-turas das crianccedilas estas deixam de ser consideradas passivas em relaccedilatildeo aos adultos A infacircncia representada por sujeitos singulares ldquonatildeo pode ser abordada apenas por aquilo que as instituiccedilotildees adultas dela esperam mas tambeacutem como grupo especiacutefico que produz e reproduz a vida socialrdquo (NASCIMEN-TO 2008 p 93)

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Estudos transculturais indicam que existe ampla variaccedilatildeo na forma como a infacircncia eacute definida e o comportamento que eacute esperado para as crianccedilas e para aqueles que as rodeiam Dis-tintas sociedades definem a idade com que as crianccedilas rece-bem educaccedilatildeo formal eou componham a forccedila de trabalho A infacircncia percebida como periacuteodo a ser protegido caracteriza sociedades economicamente mais desenvolvidas enquanto nas mais pobres as crianccedilas satildeo consideradas potencialmente aprendizes para a realizaccedilatildeo de tarefas dos adultos (HELMAN 2009) Como estatildeo sendo vistas e compreendidas as crianccedilas por pais e educadores em manifestaccedilotildees comportamentais consideradas inadequadas em nossa cultura

Os problemas externalizantes em crianccedilas e adolescentes satildeo foco de estudos nas uacuteltimas duas deacutecadas e a noccedilatildeo de ser um sistema organizado de comportamentos que aparecem se intensificam ou mudam em frequecircncia e conteuacutedo durante o curso do desenvolvimento eacute recente (HANN BOREK 2001) Achenbach e Edelbroook (1979) classificaram os problemas de comportamento em crianccedilas em duas categorias os internali-zantes (tristeza retraimento social desinteresse por atividades acadecircmicas) e os externalizantes Estes focalizados neste tra-balho se caracterizam por agressividade irritabilidade rebel-dia impulsividade desobediecircncia e condutas transgressoras como furto mentiras fugas de casa

Os distuacuterbios comportamentais constituem significativa demanda aos serviccedilos de sauacutede mental destinados ao aten-dimento de crianccedilas e adolescentes Estudos brasileiros que procuraram caracterizar as crianccedilas e adolescentes atendidos em serviccedilos de sauacutede mental descobriram que a agressividade (BORZA SOUZA BANDEIRA 2011) e a conduta transgres-sora estatildeo entre as queixas principais dos pais (PESCE ASSIS

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AVANCI 2008 RONCHI AVELLAR 2010) Em algumas pesquisas os problemas externalizantes chegam a ter uma pre-valecircncia mais elevada em relaccedilatildeo a outros distuacuterbios (ANSEL-MI et al 2004 RONCHI AVELLAR 2010)

Necessariamente manifestaccedilotildees comportamentais natildeo constituem um quadro nosoloacutegico Para todos os problemas de comportamento existe um continuum que vai da normali-dade agrave expressatildeo de organizaccedilotildees patoloacutegicas as mais variaacuteveis e quando ocorrem de forma intermitente ou isolada podem natildeo ter um significado psicopatoloacutegico Um comportamento externalizante como roubar ou mentir pode se manifestar ao longo do desenvolvimento das crianccedilas e dos adolescentes com maior ou menor intensidade Quando estatildeo associados a outros sintomas em sentido diagnoacutestico ou cliacutenico podem aparecer em distintos quadros diagnoacutesticos e estes requerem tambeacutem a observaccedilatildeo de criteacuterios como idade tempo de du-raccedilatildeo dos sintomas e condutas perturbadoras bem definidas (DUMAS 2011) Problemas de comportamento constituem motivo de preocupaccedilatildeo quando se repetem e se produzem no tempo associados a vaacuterias outras condutas ou sintomas de outra natureza (MARCELLI COHEN 2009) ou quando re-percutem de modo a causar prejuiacutezos na interaccedilatildeo familiar no desempenho acadecircmico e na convivecircncia social

Fatores de risco para comportamentos agressivos eou transgressores satildeo multifatoriais como geneacutetica sexo tem-peramento idade competecircncia cognitiva contexto familiar vizinhanccedila sociedade e cultura (PESCE ASSIS AVANCI 2008) Aspectos neuroendoacutecrinos (BARRA 2007 TEIXEIRA et al 2013) condiccedilotildees socioeconocircmicas precaacuterias comunida-de violenta e eventos estressores (MURRAY et al 2013) idade e educaccedilatildeo da matildee presenccedila do pai (ANSELMI et al 2004)

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negligecircncia abuso fiacutesico e psicoloacutegico (VINOCUR PEREIRA 2011) estatildeo associados nestes casos Pela observaccedilatildeo e imitaccedilatildeo de modelos a influecircncia da miacutedia tambeacutem eacute apontada como os jogos de videogame violentos (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS 2001)

O conjunto caracteriacutestico de comportamentos nas rela-ccedilotildees estabelecidas entre pais e filhos eacute denominado na literatu-ra por praacuteticas parentais estilos parentais praacuteticas educativas ou cuidados parentais (MACARINI et al 2010) Por seu pa-pel fundamental na socializaccedilatildeo das crianccedilas eacute sobre a famiacute-lia que vaacuterios estudos nas uacuteltimas deacutecadas se debruccedilam na compreensatildeo de modelos explicativos para praacuteticas educativas favorecedoras ou natildeo para comportamentos desviantes ou ha-bilidosos na interaccedilatildeo social

Pesquisas sobre problemas de comportamento externa-lizante e praacuteticas educativas apontaram caracteriacutesticas da re-laccedilatildeo pais-filhos que podem influenciar no aparecimento de condutas desviantes O estiacutemulo desses comportamentos pode ser dado pela disciplina inconsistente interaccedilatildeo positiva defi-ciente pouco monitoramento e supervisatildeo das atividades da crianccedila Os pais natildeo reforccedilariam os comportamentos proacute-so-ciais ignorando-os dando-lhes pouca atenccedilatildeo ou respostas inapropriadas com emprego de puniccedilotildees severas para com-portamentos natildeo desejados Desta forma comportamentos coercitivos seriam reforccedilados pelos proacuteprios pais (BOLSONI-SILVA MARTURANO 2002)

Os estudos que se dedicaram aos modelos educativos dos quais citam-se alguns referidos com frequecircncia na literatura identificaram caracteriacutesticas nas praacuteticas dos pais Baumrind (1966) por exemplo destacou trecircs modelos o autoritaacuterio (controle imposiccedilatildeo de regras pouco apoio agrave crianccedila) o

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permissivo (pouco controle pouca exigecircncia e apoio forte) e o ldquoautoritativordquo (controle apoio regras fixas incentivo agrave au-tonomia) Hoffman (1975) define dois modelos praacuteticas in-dutivas sinalizadoras das consequecircncias dos atos da crianccedila e as coercitivas com atitudes disciplinares que envolvem forccedila fiacutesica puniccedilatildeo fiacutesica e puniccedilotildees Darling e Steinberg (1993) privilegiam natildeo somente as praacuteticas educativas no desenvol-vimento da crianccedila mas tambeacutem a cultura a classe social a composiccedilatildeo da famiacutelia e as crenccedilas dos pais (valores e metas) em relaccedilatildeo aos seus filhos As praacuteticas educativas natildeo se dis-tinguiriam entre si em relaccedilatildeo a serem menos ou mais efetivas mas dependeriam do contexto cultural e das condiccedilotildees sociais e fiacutesicas na qual elas ocorrem Gomide (2006 apud BOLSO-NI-SILVA SILVEIRA MARTURANO 2008) salienta que as praacuteticas positivas incluem monitoria positiva expressotildees de afeto estabelecimento de limites supervisatildeo das atividades da crianccedila e promoccedilatildeo de comportamento moral As praacuteticas educativas negativas envolvem abuso fiacutesico eou psicoloacutegico negligecircncia ausecircncia de atenccedilatildeo e afeto monitoria negativa que corresponde ao excesso de instruccedilotildees sem atenccedilatildeo ao seu cumprimento

Os comportamentos proacute-sociais e antissociais satildeo apren-didos nas interaccedilotildees familiares Tais interaccedilotildees por sua vez satildeo favorecidas pelo ambiente por caracteriacutesticas da crianccedila e dos cuidadores pelas relaccedilotildees conjugais e a rede de apoio pela comunidade e escola A etiologia dos problemas de comporta-mento estaria na inter-relaccedilatildeo de eventos fatores contextuais fatores bioloacutegicos comportamentos parentais e infantis Inte-raccedilotildees parentais coercitivas ocorrem por via de mecanismos de feedback positivos e negativos em padrotildees de interaccedilatildeo de pais e filhos Condutas parentais de crianccedilas com problemas

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de comportamento costumam ser inconsistentes quanto a re-ferenciar comportamentos positivos eou estes satildeo pouco va-lorizados A famiacutelia pode apresentar uma disciplina severa e inconsistente junto com baixo envolvimento monitoramento e supervisatildeo parental (GRANIC PATTERSON 2006)

Praacuteticas parentais educativas e Poacutes-Modernidade

Situa-se como um desafio a ideia de compreender como a socializaccedilatildeo entre famiacutelia e crianccedila ocorre em nosso mundo contemporacircneo no qual a tecnologia nos impotildee modelos de accedilatildeo e interaccedilatildeo diversos instantacircneos de consumo desen-freado de forma tatildeo raacutepida que obstaculiza a reflexatildeo criacuteti-ca A sociedade capitalista estimula a competitividade o in-dividualismo e preconiza valores conforme a lucratividade de mercado

A configuraccedilatildeo da famiacutelia ou dos membros que dela fazem parte conforme Wagner Tronco e Armani (2011) tambeacutem mudou nas uacuteltimas deacutecadas do modelo tradicional definido pela consanguinidade e parentesco ateacute as mais complexas re-presentadas pela coabitaccedilatildeo de filhos de variados casamentos relaccedilotildees homoafetivas monoparentais e assim por diante En-tre os membros que configuram uma famiacutelia existe uma estru-tura representada pelas regras exerciacutecio de poder combina-ccedilotildees de convivecircncia e limites A configuraccedilatildeo e a estrutura de interaccedilotildees familiares passaram a ter muacuteltiplas representaccedilotildees na atualidade no entanto a dificuldade em estabelecer hierar-quias bem definidas bom funcionamento na interaccedilatildeo e sauacutede familiar observadas em pesquisas brasileiras eacute independente da composiccedilatildeo dos membros da famiacutelia

Tradicionalmente a socializaccedilatildeo das crianccedilas por parte da famiacutelia e da escola era compreendida como a transmissatildeo

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de valores crenccedilas e normas da sociedade As crianccedilas pela in-fluecircncia dos adultos os internalizariam passivamente (NASCI-MENTO 2007) Estudos sociais sobre a infacircncia surgidos nas uacuteltimas trecircs deacutecadas ressaltam que a infacircncia como estrutura social emerge de um contexto de macroparacircmetros como for-maccedilatildeo cultural globalizaccedilatildeo mercado sistema sociopoliacutetico e muda historicamente conforme a mudanccedila destes paracircmetros (QVORTRUP 2007) Como lembra Mollo-Bouvier (2005) a crianccedila como sujeito social eacute partiacutecipe em sua socializaccedilatildeo na reproduccedilatildeo e na transformaccedilatildeo da sociedade Em meio agraves mu-danccedilas aceleradas de nossa sociedade multicultural deve-se le-var em conta a noccedilatildeo de que a crianccedila natildeo pode ser considera-da ldquoum ser agrave parterdquo ser passivo das atuais conjunturas sociais poliacuteticas e econocircmicas que podem estar impondo modelos de normalidade e anormalidade

Se a Sociologia da Infacircncia busca elencar a crianccedila como sujeito o criacutetico social Neil Postman (2002) particularizado a sociedade estadunidense defende a ideia do desaparecimento da infacircncia na Poacutes-Modernidade O surgimento da miacutedia ele-troeletrocircnica privilegia a imagem mais do que seu conteuacutedo verbal da informaccedilatildeo Adultos e crianccedilas tecircm acesso indiscri-minado agraves mesmas informaccedilotildees de modo que os limites entre as geraccedilotildees se tornaram tecircnues demais O mundo adulto se empobrece das informaccedilotildees que seriam dadas aos mais jovens ao longo do seu desenvolvimento o que desfaz sua autoridade para com as crianccedilas

Para Postman (2012) entre as informaccedilotildees agraves quais a crianccedila tecircm acesso se encontram as violecircncias diversas reais e cotidianas Ao contraacuterio das violecircncias retratadas nos contos infantis mediadas pela voz de um adulto adaptadas agrave com-preensatildeo da crianccedila ou narradas em um contexto apaziguador

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a violecircncia escancarada pela miacutedia banaliza o ato agressivo e estimula a ldquolei do mais forterdquo O autor questiona em relaccedilatildeo ao modo de representaccedilatildeo deste mundo adulto violento mo-ralmente degenerado se natildeo estaria enfraquecida a crenccedila da crianccedila num mundo adulto bem ordenado racional e em sua capacidade futura de controlar os proacuteprios impulsos violentos Os meios de comunicaccedilatildeo atuais ao proporcionarem acesso indiscriminado de informaccedilotildees agraves crianccedilas e aos adultos bor-raria as diferenccedilas entre geraccedilotildees A crianccedila eacute tratada pelos meios de consumo como adultos pequenos o que constata-se facilmente em revistas de moda para crianccedilas e adolescentes A autoridade que caracterizava o adulto e a curiosidade proacute-pria das crianccedilas encontram-se opacificadas nas interaccedilotildees fa-miliares atuais Segundo Costa (2004 apud LIMA 2008) as fa-miacutelias na Poacutes-Modernidade abriram matildeo de resolver sozinhas os problemas que sempre foram de sua competecircncia e estatildeo cada vez mais procurando por especialistas A normatizaccedilatildeo da famiacutelia imposta pela ordem meacutedica desestruturou as famiacute-lias que se sentem inseguras quanto ao seu amor e cuidado em relaccedilatildeo agraves crianccedilas

Na Poacutes-Modernidade adverte Dufour (2005) a tendecircncia eacute de se perceber os atos de violecircncia como da natureza das pes-soas Antes de se entender as crianccedilas que impulsivamente passam ao ato pela incapacidade da expressatildeo pela palavra tende-se a ldquomedicalizaacute-lasrdquo Com dificuldade na capacidade de simbolizaccedilatildeo essas crianccedilas desenvolvem ldquosintomas poacutes-modernosrdquo como distraccedilatildeo hiperatividade entre outros sin-tomas fashion e a incapacidade de pais e profissionais entende-rem o que estaacute acontecendo leva agrave ldquomedicalizaccedilatildeordquo

Os recortes das etapas da infacircncia satildeo cada vez mais es-treitos salienta Mollo-Bouvier (2005) o tempo social conce-

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dido agrave infacircncia se segmenta eacute encurtado por vezes esquecido e exemplo disso eacute a escolarizaccedilatildeo cada vez mais precoce das crianccedilas As normas socializadoras satildeo cada vez mais flutuan-tes Tende-se no mundo atual a uma certa ldquoimpaciecircnciardquo como diz a autora A autonomia e a esperteza satildeo privilegiadas em detrimento do desenvolvimento e maturaccedilatildeo ldquoa rapidez de aquisiccedilatildeo e de execuccedilatildeo eacute mais prezada que o perfeccionis-mo o desempenho e a competiccedilatildeo nos acircmbitos esportivos e artiacutesticos tornaram a falta de jeito e a modeacutestia vergonhosas e associaisrdquo (p 395)

Nunca foi dada tanta importacircncia agraves poliacuteticas de sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes em nosso paiacutes como nas uacutel-timas deacutecadas A sauacutede mental de crianccedilas e adolescentes re-cebeu maior atenccedilatildeo de vaacuterios setores de estudo e assistecircncia como Medicina Psicologia Poliacuteticas Puacuteblicas e Educaccedilatildeo O reconhecimento das repercussotildees de vaacuterias formas de violecircn-cia sobre o desenvolvimento mental os indicadores da exis-tecircncia de transtornos psiquiaacutetricos antes reconhecidos somen-te em pessoas adultas e a poliacutetica de inclusatildeo escolar emergem paralelamente com os interesses dos laboratoacuterios em ampliar seu mercado farmacoloacutegico para a populaccedilatildeo infantojuvenil Contraditoriamente entretanto serviccedilos de Sauacutede Mental voltados para esta populaccedilatildeo ainda satildeo poucos e muitas ve-zes precaacuterios natildeo somente os destinados ao atendimento de transtornos graves e persistentes como os representados pelos centros de atenccedilatildeo psicossocial infanto juvenis (CAPSi) mas tambeacutem aqueles voltados para atendimento de outros sofri-mentos psiacutequicos Necessita de recursos pedagoacutegicos desti-nados agraves dificuldades escolares de instituiccedilotildees destinadas agraves disfunccedilotildees familiares de um trabalho mais consistente e efe-tivo na rede de cuidados Aleacutem de tudo pode-se natildeo ter um

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atendimento que focalize tatildeo somente aspectos biomeacutedicos se pretende o cuidado que beneficie a subjetividade Natildeo se deve em avaliaccedilotildees e acompanhamentos meacutedicos psicoloacutegicos e pe-dagoacutegicos obscurecer os atravessamentos socioculturais que tendem a borrar a crianccedila como sujeito

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CAPIacuteTULO 18

ITINERAacuteRIOS E REDES SOCIAIS DE APOIO DAS FAMIacuteLIAS DE PESSOAS EM CRISE PSI-QUIAacuteTRICA REDES E FLUXOS EM BUSCA DO CUIDADO EM SAUacuteDE

Juliana Pessoa CostaMardecircnia Gomes Ferreira Vasconcelos

Rebeka Rafaella Saraiva CarvalhoMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A noccedilatildeo de itineraacuterio terapecircutico assinala arranjos mo-vimentos caminhos percursos trajetoacuterias buscas planos estrateacutegias projetos enfrentamentos escolhas mobilizaccedilotildees e aderecircncias com a finalidade de prevenir tratar e recuperar o estado de sauacutede ante a constataccedilatildeo de uma desordem social (AUGEacute 1984 NEVES NUNES 2010) e de uma heterogenei-dade de recursos baseados em sentidos e significados que as pessoas atribuem a essas vivecircncias (MARQUES MAcircNGIA 2013) Essa procura de cuidados segundo definiccedilatildeo de Masseacute (1985) estaacute condicionada tanto pelas atitudes valores e ideo-logias quanto pelos perfis da doenccedila pelo acesso econocircmico e pela disponibilidade de tecnologia

O aprofundamento desse conceito requer a compreensatildeo de ldquocuidados em sauacutederdquo Nessa perspectiva Gutierrez e Mina-yo (2010) destacam a existecircncia de no miacutenimo dois contextos em que estes satildeo produzidos a rede oficial de serviccedilos repre-sentada pelo saber biomeacutedico-cientiacutefico e as tecnologias tera-

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pecircuticas modernas e a rede informal significadas pela famiacutelia e rede de relaccedilotildees sociais que complementarmente produ-zem accedilotildees concretas em seu cotidiano desde a identificaccedilatildeo do problema ateacute a orientaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de escolhas terapecircuticas que ocorrem com suporte em negociaccedilotildees e em um campo de significados compartilhados

Assim estudos que envolvem itineraacuterios terapecircuticos se tornam relevantes por contribuiacuterem para descolonizar esse territoacuterio atentando para os modos como a famiacutelia amparada por uma rede social produz cuidados indispensaacuteveis e especiacutefi-cos para a sauacutede e investigando como esses cuidados se somam aos produzidos o sistema de serviccedilos

O sofrimento mental eacute entendido como uma forma de adaptaccedilatildeo e de reaccedilatildeo do sujeito ante a estiacutemulos internos ou externos ao organismo (MAcircNGIA YASUTAKI 2008) Cons-titui situaccedilatildeo-problema que demanda rearranjos no cotidiano dos sujeitos e de sua rede social Eacute uma experiecircncia que traz um excesso do que eacute ldquoinsuportaacutevelrdquo e ldquointoleraacutevelrdquo (CANGUI-LHEM 2010) Assim o sujeito pode experienciar momentos de crise ou seja periacuteodos em que os afetos sentimentos ges-tos e comportamentos surgem de forma expressiva e em graus variados quanto a intensidade e manifestaccedilatildeo Em seu entor-no encontram-se aspectos que exprimem alguma ordem de estranheza e perturbaccedilatildeo social (OLIVEIRA 2007)

O novo modelo de assistecircncia e cuidado agrave pessoa com transtorno mental prevecirc a participaccedilatildeo da famiacutelia no trata-mento por meio das novas legislaccedilotildees dentre as quais a Por-taria nordm 2241992 do Ministeacuterio da Sauacutede que dispotildee sobre as diretrizes assistenciais em Sauacutede Mental e estabelece normas para o atendimento ambulatorial e hospitalar Posteriormente esse instrumento foi atualizado pela Portaria nordm 3362002 que

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definiu os paracircmetros para o atendimento ambulatorial diver-sificando as modalidades de serviccedilos substitutivos de atenccedilatildeo diaacuteria e articulada com o territoacuterio (BRASIL 2004)

Por territoacuterio compreende-se aleacutem do local geograacutefico um locus de trocas de identidade social e afetiva Assim para essa discussatildeo eacute necessaacuterio refletir sobre a articulaccedilatildeo dos ser-viccedilos com diversas finalidades para ajudar nesta construccedilatildeo de espaccedilos existenciais que promovam e incentivem a vida em todos os aspectos do seu cotidiano rompendo com a estrutu-ra hospitalocecircntrica em que a famiacutelia foi destituiacuteda dos largos de convivecircncia com o seu sujeito em adoecimento (PINHO 2009)

Efetivamente as mudanccedilas de paradigmas na Sauacutede Men-tal promoveram mudanccedila significativa na relaccedilatildeo da famiacutelia com o seu componente com sofrimento psiacutequico A desinsti-tucionalizaccedilatildeo e o retorno do sujeito agrave comunidade devolveu agrave famiacutelia a sua condiccedilatildeo de cuidadora tornando-se tambeacutem objeto de estudo e cuidado aleacutem de garantir seu papel de ava-liadora dos serviccedilos de Sauacutede Mental A participaccedilatildeo da famiacute-lia nestes serviccedilos aumentou o interesse em melhor compreen-der a convivecircncia dos familiares com seus pacientes e a forma como estabelecem suas relaccedilotildees com os serviccedilos (BANDEIRA BARROSO 2005)

A famiacutelia nessa realidade em algumas circunstacircncias pode contribuir negativamente com a evoluccedilatildeo do transtorno mental provocando as crises as quais muitas vezes exigem hospitalizaccedilotildees Eacute ela tambeacutem no entanto a primeira instacircn-cia cuidadora da pessoa adoecida (LEITE VASCONCELOS 2006 ARAUacuteJO BELLATO HILLER 2009) Ocorre ainda que a situaccedilatildeo de adversidade ensejada pelo adoecimento pode ajudar na descoberta de potencialidades dentro do grupo fa-

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miliar O que propicia estresse e altera o modo de vida da fa-miacutelia pode tambeacutem fortalecer os laccedilos de amizade respeito e solidariedade entre os membros

Vale salientar que o itineraacuterio terapecircutico por envolver experiecircncias estabelecidas e reestabelecidas cotidianamente com origem nas informaccedilotildees acumuladas pela famiacutelia aliando racionalidades biomeacutedicas e populares de sauacutede (GERHARDT 2006) natildeo pode ser reduzido a uma lsquogeometria do vividorsquo (AL-VES SOUZA 1999) ou seja racionalizado em modelos den-tro dos quais possam ser enquadrados os processos de escolha (TRAD et al 2010) Assim estudos sobre itineraacuterios terapecircu-ticos objetivam desvendar os processos pelos quais as pessoas ldquoescolhem avaliam e aderem (ou natildeo) a determinados tipos de tratamentordquo (ALVES SOUZA 1999) na busca de soluccedilotildees que possam estabilizar seus cotidianos e sustentar novas ma-neiras de organizar suas vidas questionamentos relevantes no planejamento organizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de serviccedilos assistenciais de sauacutede de modo a garantiracesso viacutenculo e praacuteticas terapecircu-ticas mais efetivas (CABRAL 2011)

Anteo exposto esta pesquisa procura discutir itineraacuterios terapecircuticos e redes sociais de apoio dos familiares de pessoas com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise Foram investiga-dos os fluxos os serviccedilos acessados e a rede social de apoio que a famiacutelia procura em busca de respostas para seu problema

METODOLOGIA

Esta investigaccedilatildeo de natureza qualitativa demonstrou a compreensatildeo das narrativas dos componentes da famiacutelia sobre o itineraacuterio terapecircutico e as redes sociais de apoio dos familia-res de pessoas em situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetrica Foi realizada

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no Municiacutepio de Maracanauacute-CE regiatildeo metropolitana de For-taleza ndash CE Nordeste do Brasil Assim utilizou-se especifica-mente os serviccedilos da Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental entre estes o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) Geral e o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial Aacutelcool e Drogas (CAPS Ad)

Optou-se por incluir como sujeitos do estudo familiares de pessoas atendidas no CAPS Emprega-se como criteacuterio de inclusatildeo o fato de familiares que estivessem no serviccedilo haacute pelo menos um ano acompanhando seus entes nas consultas e par-ticipando do projeto terapecircutico dispensando cuidado domi-ciliar agrave estes usuaacuterios do serviccedilo Ao final coletou-se informa-ccedilotildees baseados nas narrativas dos dez participantes por meio da teacutecnica da entrevista semiestruturada Estes foram aborda-dos no CAPS enquanto aguardavam atendimento Em geral os familiares eram matildees irmatildes e filhas corroborando a ideia do cuidado estar sob a responsabilidade de mulheres Todos os participantes demonstraram interesse em colaborar com a pesquisa declarando esta opccedilatildeo com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Antes da realizaccedilatildeo do trabalho de campo como exigido o estudo foi submetido agrave anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pes-quisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual do Cearaacute (UECE) onde obteve parecer favoraacutevel sob Protocolo ndeg10724690-2 iniciando-se pois a coleta das informaccedilotildees De posse das informaccedilotildees procede-se agrave anaacutelise orientada pela Hermenecircutica de Paul Ricoeur

Os passos necessaacuterios para utilizaccedilatildeo da Teoria foram adaptados por Geanellos (2000) essa adaptaccedilatildeo que foi alcan-ccedilada usando criteacuterios da Filosofia Hermenecircutica do entendi-mento de Gadamer Assim considera-se a interpretaccedilatildeo como um fenocircmeno que envolve diversas etapas entre as quais a

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transcriccedilatildeo das entrevistas em texto interpretaccedilatildeo superficial anaacutelise estrutural e compreensatildeo abrangente dos escritos Esse procedimento interativo eacute representado em forma de espiral pois relaciona as partes do texto com o todo e vice-versa

Os resultados se conformam na configuraccedilatildeo analiacutetica da compreensatildeo do objeto de estudo dispostos em narrativas e observaccedilotildees constituindo o entendimento temaacutetico da catego-ria itineraacuterios e redes sociais de apoio das famiacutelias de pessoas em crise psiquiaacutetrica redes e fluxos em busca do cuidado em sauacutede

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A investigaccedilatildeo sobre os itineraacuterios de pessoas em busca de resoluccedilatildeo de seus problemas de sauacutede pode contribuir para o entendimento sobre o comportamento em relaccedilatildeo ao cuidado e utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede (CABRAL et al 2011) As-sim eacute possiacutevel por meio da anaacutelise do itineraacuterio terapecircutico visualizar fluxos redes sociais de apoio aleacutem do acesso dos usuaacuterios ao serviccedilo formal de sauacutede Destaca-se o fato de que os caminhos percorridos pelas famiacutelias natildeo necessariamente coincidem com fluxos predeterminados Suas escolhas ex-pressam elaboraccedilotildees subjetivas individuais e coletivas acerca do adoecimento e de formas de tratamento influenciadas por diversos fatores e contextos

Estas escolhas vatildeo definir accedilotildees que passo a passo cons-tituiratildeo um determinado percurso Diante disso observou-se no campo empiacuterico que as famiacutelias estudadas viveram traje-toacuterias semelhantes na busca de apoio na crise da pessoa com transtorno mental Familiares e vizinhos satildeo os grupos primei-ramente acessados e quando mobilizados contribuem para

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criar estrateacutegias para lidar com o sofrimento em geral a busca pelo Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial ou hospital conforme a narrativa

Na primeira crise dela a minha matildee trouxe ela direto pro CAPS porque ela natildeo aguen-tava mais o posto indicou pra ela vir pra caacute soacute que quando ela chegou aqui na eacutepoca ela tinha quinze anos eles natildeo quiseram aceitar porque ela era adolescente soacute que um enfer-meiro olhou pra ela e viu a situaccedilatildeo entatildeo ele se responsabilizou e recebeu ela depois eu comecei a vir com ela pra cuidar dela direito e [] quando ela tem uma crise jaacute aconteceu umas quatro vezes Sou eu os vizinhos os irmatildeos porque satildeo dez irmatildeos que leva ela no hospital Eles moram tudo distante [] sou eu que moro parede com parede com ela O filho participa mas ele trabalha aiacute ela vive sozinha em casa A gente soacute procura o hospi-tal mesmo aqui e o posto de sauacutede

Esta descriccedilatildeo evidencia que as famiacutelias encontram ma-neiras de lidar com a crise psiquiaacutetrica Suas accedilotildees resultam de negociaccedilotildees cotidianas entre seu ente em adoecimento psiacutequi-co e a rede social de apoio Os fluxos estabelecidos natildeo seguem um caminho preestabelecido como um protocolo mas deli-neiam-se com base em necessidades praacuteticas e subjetividades

No campo empiacuterico observa-se que as famiacutelias ou o fa-miliar responsaacutevel pelo cuidado da pessoa com transtorno mental acessam inicialmente o serviccedilo formal de sauacutede numa situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetrica conforme Figura 1 Desse modo a primeira tentativa de buscar ajuda para o problema do seu familiar em crise com o profissional de sauacutede fato demons-

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trativo de que estes profissionais se tornam referecircncia e apoio para os cuidadores

Outra situaccedilatildeo revelada pela investigaccedilatildeo diz respeito ao serviccedilo de sauacutede inicialmente acessado pelos cuidadores Nes-te caso a Unidade Baacutesica de Sauacutede foi descrita como o local inicialmente procurado pelos participantes para solucionar os problemas da pessoa com transtorno psiquiaacutetrico e em si-tuaccedilatildeo de crise Esta circunstacircncia demonstra a potecircncia do trabalho da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia no territoacuterio ou seja as relaccedilotildees de confianccedila das famiacutelias na equipe e o serviccedilo se estabelecem e satildeo acessadas ateacute em situaccedilotildees de criacuteticas de ur-gecircncia e emergecircncia Propoe-se no entanto a reflexatildeo sobre a resolubilidade deste serviccedilo para este contexto de crise psi-quiaacutetrica

Continuando no itineraacuterio do familiar em busca de aten-dimento outros serviccedilos acessados satildeo o Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial e os hospitais Nestes serviccedilos satildeo oferecidos atendimentos mais complexos quando comparados agrave assis-tecircncia prestada na Atenccedilatildeo Baacutesica Por isso eacute opccedilatildeo da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia realizar encaminhamento para estas ins-tacircncias Destaca-se neste percurso o fato de que o encaminha-mento ao CAPS pode ser resolutivo pois eacute laacute onde o usuaacuterio em crise encontraraacute o profissional de referecircncia poderaacute ter acesso ao meacutedico psiquiatra e a todos os procedimentos ne-cessaacuterios para o atendimento em situaccedilatildeo de crise Tambeacutem resguarda entretanto suas fragilidades principalmente no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do atendimento e recursos dis-poniacuteveis para este tipo de situaccedilatildeo

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Figura 1 - Itineraacuterio terapecircutico dos familiares de pessoas com transtorno mental em situaccedilatildeo de crise psiquiaacutetricaFonte elaboraccedilatildeo dos autores

O hospital tambeacutem deveraacute prestar este atendimento de urgecircncia ou emergecircncia psiquiaacutetrica manejando o quadro do paciente e realizando apoacutes estabilizaccedilatildeo dos sinais e sintomas Deveraacute referenciar a pessoa com transtorno mental a um servi-ccedilo de atendimento especializado neste caso o CAPS Este per-curso problematiza a funccedilatildeo do CAPS como acolhedor final destas pessoas e seus familiares Para tanto eacute necessaacuterio que se organizem processos de trabalho capazes de absorver esta demanda e assim prestar atendimento de qualidade

Nesta trajetoacuteria do familiar outra reflexatildeo pertinente sobre a rede de apoio destas Sob este aspecto Macircngia e Ya-sutaki (2008) reconhecem a importacircncia de investimento no campo relacional das famiacutelias e pessoas com transtorno men-tal justificado pela escassez de interaccedilotildees sociais nas vidas desses sujeitos que se tornaram reduzidos agrave ldquodoenccedila mentalrdquo pelas praacuteticas hospitalocecircntricas respaldadas pelo paradigma psiquiaacutetrico Desse modo a possibilidade de realizar trocas e

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relaccedilotildees significativas com o meio social eacute expressa como pre-missa para a famiacutelia responsaacutevel pelo cuidado da pessoa com adoecimento psiacutequico

Assume-se pois a premissa de que o cuidado em sauacutede especificamente na Sauacutede Mental natildeo se estrutura apenas em torno de serviccedilos formais das redes assistenciais como CAPS hospitais e unidades de atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede mas esten-de-se ao cuidado prestado pela famiacutelia denominado cuidado prestado pelas redes informais

A reflexatildeo sobre as redes sociais de apoio conduzem ao entendimento de um conjunto de interaccedilotildees do sujeito no seu cotidiano Estas muitas vezes funcionam como suporte aos familiares de pessoas com transtorno mental no cuidado domiciliar Desse modo a rede social de apoio dos familiares pode ser composta principalmente pelos profissionais dos serviccedilos a famiacutelia amigos e gestores dos serviccedilos de sauacutede conforme visualizado ldquo[] conto com os meacutedicos com meu marido e a secretaria de sauacutede []rdquo ldquoSempre venho com ela quando natildeo posso vem uma amiga Ela tem um filho que mora com ela que cuida dela Sou irmatilde dela e sou vizinha []rdquo ou seja satildeo ligaccedilotildees entre pessoas com quem haacute uma relaccedilatildeo familiar proacutexima eou com envolvimento afetivo num plano em que a capacidade de influenciar e apoiar a si mesmo e ao outro favorece a situaccedilatildeo

Sob este aspecto Lavall Olschowsky e Kantorski (2009) acrescentam que o conhecimento dessas redes de apoio con-tribui com a praacutetica assistencial e possibilita maior vinculaccedilatildeo com o usuaacuterio e seu familiar com base no reconhecimento de valores e crenccedilas num processo mais especiacutefico de atuaccedilatildeo nos distintos processos de vida do sujeito em grupo e sua comuni-dade facilitando a interlocuccedilatildeo com o territoacuterio

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Supondo desde jaacute de que a famiacutelia quando cuida natildeo o faz sozinha mas estaacute amparada por uma rede de relaccedilotildees sociais naturais e mobilizadora de recursos que estatildeo aleacutem das situaccedilotildees imediatas e servem de apoio em momentos de ne-cessidade e de crise a rede eacute considerada valioso recurso e eacute a principal fonte de ajuda As redes constituem o contexto social em que o apoio fornecido eacute muacutetuo em situaccedilotildees nas quais os necessitados alternam favores e ajudas e verdadeiras redes de reciprocidade (GUTIERREZ e MINAYO 2010)

Na compreensatildeo dos profissionais do CAPS a possibi-lidade de um trabalho mais estreito com as redes sociais de apoio ampliam projeto terapecircutico do usuaacuterio pois aumenta as ofertas terapecircuticas e funciona como mais um indicador de qualidade pois ldquo[] um pouco do sucesso do tratamento po-deria taacute aiacute a gente tentar aproximar essas redes [] a gente po-deria taacute fortalecendo essas redes pra ele [o usuaacuterio] conhecer outras coisas na comunidade a proacutepria famiacutelia eu acho que a gente poderia provocar esse estreitamento dessas relaccedilotildeesrdquo

Cardoso e Galera (2012) no entanto destacam que a arti-culaccedilatildeo entre os serviccedilos de Sauacutede Mental a famiacutelia e a comu-nidade ainda estaacute em desenvolvimento e exprime vaacuterias fragi-lidades seja pela falta de recursos financeiros pela miacutengua de qualidade do serviccedilo prestado ou pela carecircncia de qualificaccedilatildeo teacutecnica Waidman et al (2011) complementam dizendo que os serviccedilos ainda satildeo insuficientes para atender a demanda acarretando descrenccedila na resolubilidade e levando a famiacutelia a desistir do atendimento Os autores enfatizam a descrenccedila com relaccedilatildeo ao atendimento da famiacutelia na Atenccedilatildeo Baacutesica que embora tenha como caracteriacutestica o domiciacutelio como es-paccedilo terapecircutico natildeo alcanccedilou ainda uma estrateacutegia adequada para atender as famiacutelias de portadores de transtorno mental

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A identificaccedilatildeo valorizaccedilatildeo e uso dessas redes sociais de apoio potencializam o cuidado em Sauacutede Mental jaacute que levam em consideraccedilatildeo a subjetividade do sujeito Operam com uma loacutegica diferente da oferta formal de serviccedilos utilizando-se de processos terapecircuticos envolvidos nas relaccedilotildees de confianccedila es-tabelecidas com um profissional do serviccedilo assistencial apoio emocional de um familiar ou vizinho bem como no aliacutevio de sofrimento por meio da arte da expressatildeo musical e da escrita

Assim os sentimentos que envolvem os relacionamen-tos dos usuaacuterios e suas redes sociais de apoio dizem respeito a seguranccedila compreensatildeo dos outros a respeito de si amizade confianccedila amparo e cuidado Mesmo quando o apoio de pes-soas proacuteximas como a famiacutelia fica limitado os usuaacuterios utilizam recursos de expressatildeo como a escrita que possibilita uma vida melhor o aliacutevio de ansiedades e o conforto de ser ouvida ou seja

Quando preciso de ajuda [] tenho um ca-derno porque quando eu natildeo tenho com que conversar ou eu acho que vocecirc natildeo vai enten-der o que eu estou passando aiacute eu passo tudo para o meu caderno [] Ele eacute o meu amigo Eacute bom porque ele ouve e guarda segredo [] quando eu estou muito ansiosa eu tento pas-sar o que eu estou sentindo na hora porque meus filhos natildeo vatildeo entender

De acordo com estudo de Lavall Olschowsky e Kantorski (2009) o apoio emocional pode ser encontrado junto aos fa-miliares que oferecem auxiacutelio e solidariedade entretanto ob-serva-se nas narrativas a capacidade de autonomia dos usuaacute-rios quando identificam uma forma de expressar sentimentos capazes de influenciar a si mesmo Nessa atitude eacute produzido a sensaccedilatildeo de poder compartilhar sua vida e emocionalmente essas vivecircncias satildeo positivas

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Desse modo Apreende-se que a subjetividade de pessoa em sofrimento psiacutequico se torna significativa para as accedilotildees de sauacutede dos profissionais do serviccedilo enfatizando a sua singulari-dade e as suas dimensotildees familiares e socioculturais Fenocircme-no este que se destacou na luta poliacutetica da Reforma Psiquiaacute-trica na mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede mental pois a atenccedilatildeo psicossocial centrou a perspectiva no territoacuterio do su-jeito preocupando-se com o seu cotidiano e a sua inserccedilatildeo na sociedade (LAVALL OLSCHOWSKY e KANTORSKI 2009)

Para os usuaacuterios a principal rede de apoio social eacute a fa-miacutelia nuclear que tambeacutem desempenha o papel de cuidador apesar de tambeacutem considerarem os vizinhos como apoio nas horas difiacuteceis Assim identificam-se como pessoas como fi-lhos irmatilde e a matildee que entendem o sofrimento psiacutequico ou transtorno mental e acompanham o usuaacuterio na trajetoacuteria do adoecimento O papel de cuidador eacute ldquo[] do meu filho ele me leva para casa dele me dar um chaacute de algum calmante aiacute tomo e volto para casa Sou viuacuteva natildeo tenho marido e nem matildeerdquo A famiacutelia eacute entendida como parceira no enfrentamento e vivecircn-cia do sofrimento transformando os serviccedilos formais como os CAPS hospitais e postos de sauacutede

Este fenocircmeno tambeacutem foi observado no estudo de Mota et al (2010 p 837)no qual verificaram que a rede social de apoio de idosos eacute composta em 50 por filhos ou membros mais proacuteximos da famiacutelia ou seja aqueles que mantecircm maior contato com os demais componentes ajudando sempre que necessaacuterio embora natildeo residindo no mesmo domiciacutelio

Assim numa situaccedilatildeo de adoecimento o usuaacuterio com maior grau de autonomia aciona sua rede de apoio mobili-zando inicialmente a famiacutelia

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[] fui pedir ajuda ao meu irmatildeo Que me acudiu na casa dele ai eles me ajudaram A presenccedila deles me ajudou [] Aiacute meu irmatildeo falou com a minha terapeuta ocupacional ai ela falou que eu tinha que procurar o CAPS na quinta-feira

Por sua vez a famiacutelia recorre aos profissionais e serviccedilos formais como os CAPS postos de sauacutede e hospitais para apoio nas horas difiacuteceis

Confirmando este acontecimento estudo de Lavall Ols-chowsky e Kantorski (2009 p 204) que identifica um signifi-cativo apoio em relaccedilatildeo ao microssistema familiar e seu rela-cionamento com o macroespaccedilo social centrado no serviccedilo de sauacutede Tal fato deve ser aproveitado como informaccedilatildeo para as equipes de sauacutede identificarem fragilidades e fortalezas a fim de implementarem a atenccedilatildeo em Sauacutede Mental

Assim a rede de apoio aos familiares no enfrentamento de situaccedilotildees de crises e trajetoacuteria de acompanhamento do adoeci-mento do seu familiar eacute tambeacutem composta por familiares en-tres eles o marido e a sogra por profissionais da sauacutede atuantes no hospital ESF ou CAPS ldquo[] vou no posto a coordenadora tambeacutem me ajuda a levar ela pra Messejana a minha sogra tambeacutem me ajuda muitordquo aleacutem da secretaria de sauacutede do mu-niciacutepio ldquoconto com os meacutedicos com meu marido e a secreta-ria de sauacutederdquo Isso porque o apoio da Secretaria Municipal de Sauacutede representa accedilatildeo de fazer valer o direito do usuaacuterio agrave sauacute-de no SUS uma vez que o direito natildeo eacute soacute lei pois constituido no cotidiano e nas relaccedilotildees com os outros

Desse modo o direito do usuaacuterio eacute garantido quando eacute as-segurado o acesso aos serviccedilos agrave medicaccedilatildeo e a todos os recur-sos terapecircuticos da rede Assim haacute possibilidade de ampliar o

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projeto terapecircutico com visitas domiciliares e disponibilizaccedilatildeo de carro para facilitar o acesso do usuaacuterio a hospitais fora do Municiacutepio no caso o Hospital de Sauacutede Mental de Messejana localizado em Fortaleza-CE

Nessas relaccedilotildees do dia a dia dentre os profissionais de sauacutede que mais possuem envolvimento com os usuaacuterios e fa-miliares foi revelado por meio da anaacutelise das narrativas que principalmente o meacutedico psiquiatra seguido do cliacutenico geral assistente social psicoacutelogo e o terapeuta ocupacional satildeo as referecircncias profissionais na rede social de apoio de familiares

Estudo de Mota et al (2010 p 837) comprovou em par-te esta afirmaccedilatildeo pois revelou que os profissionais da sauacutede que mais tinham algum envolvimento com as famiacutelias foi o profissional meacutedico (45) fato este justificado pela imagem culturalmente formada ao longo dos anos do meacutedico como detentor de alta resolubilidade dos problemas de sauacutede prova-velmente em decorrecircncia da prescriccedilatildeo medicamentosa

Uma rede social de apoio ampliada representa a capacida-de de se criar e manter laccedilos entre as pessoas O uso combina-do de variadas possibilidades de integraccedilatildeo de fluxos de servi-ccedilos e pessoas tem relaccedilatildeo com a autonomia pois indica para o usuaacuterio e seu familiar um caminho natildeo linear mas com vaacuterias conexotildees que promovam sentimentos de confianccedila e apoio o viacutenculo com o cuidador aleacutem de fomentar espaccedilos para o cui-dado Com singularidades estas redes podem ser ampliadas ou mas sempre satildeo acionadas quando necessaacuterio demons-trando a capacidade e graus de autonomia dos sujeitos

Desse modo a utilizaccedilatildeo dessa rede funciona como re-cursos facilitadores do trabalho em Sauacutede Mental ampliando as perspectivas e campos de atuaccedilatildeo do projeto terapecircutico a

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partir de uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano Tambeacutem se coaduna com os princiacutepios da Reforma Psiquiaacute-trica em que a pessoa deve ser visto em sua singularidade e inserido a uma sociedade que tenha um novo modo de lidar com a loucura e o sofrimento psiacutequico

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

As transformaccedilotildees no modo de cuidado agrave pessoa com transtorno mental faz parte de uma dinacircmica que exige re-flexatildeo constante por parte de gestores profissionais e comu-nidade A anaacutelise dos itineraacuterios terapecircuticos pode ser uma importante ferramenta para a qualificaccedilatildeo da assistecircncia na medida em que revela os fluxos percorridos em busca de re-soluccedilatildeo para um problema de sauacutede as conexotildees com as redes sociais e o acesso aos serviccedilos formais

Com efeito esta anaacutelise permite uma compreensatildeo am-pliada do ldquocuidado em sauacutederdquo pois inclui necessariamente os cuidados ofertados em serviccedilos assistenciais formais e os cui-dados informais prestados principalmente pela famiacutelia dos usuaacuterios de sauacutede mental Por sua vez a famiacutelia tambeacutem busca articulaccedilotildees para a efetividade desse cuidado estabelecendo viacutenculos proacuteximos e de ajuda muacutetua com seus entes entre eles pai matildee e irmatildeo aleacutem de vizinhos e profissionais de sauacutede dos serviccedilos formais pessoas que iratildeo compor a rede de apoio social do membro familiar

A utilizaccedilatildeo da rede social de apoio funciona como um in-dicador de qualidade no trabalho em Sauacutede Mental amplian-do as perspectivas e campos de atuaccedilatildeo do projeto terapecircutico com procedecircncia em uma visatildeo integral e contextualizada do ser humano Tambeacutem se coaduna com os princiacutepios da Refor-

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ma Psiquiaacutetrica em que a pessoa deve ser vista em sua singu-laridade e inserido a como jaacute expresso numa sociedade que tenha um novo modo de lidar com a loucura e o sofrimento psiacutequico

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REFERecircNCIAS

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CAPIacuteTULO 19

PLANEJAMENTO DE AccedilOtildeES DESINSTITU-CIONALIZANTES COM VISTAS agrave CONSOLI-DAccedilAtildeO DO ACESSO agrave REDE ASSISTENCIAL DE SAUacuteDE MENTAL

Racircndson Soares de SousaMaria Salete Bessa Jorge

INTRODUccedilAtildeO

A consolidaccedilatildeo do acesso no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) configura-se nos desafios de se (re) organizar as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede para assim poder garantir o comprimento de seus princiacutepios basilares que incluem universalidade equi-dade e integralidade sendo necessaacuterio assumir de forma clara a ideia de que esse se daacute no movimento solidaacuterio-histoacuterico de avanccedilos desafios e retrocessos dos cotidianos personificados e vividos por gestores trabalhadores e usuaacuterios

No que concerne ao acesso agrave assistecircncia em Sauacutede Mental o movimento de Reforma Psiquiaacutetrica brasileira tem partici-paccedilatildeo no iniacutecio dos anos de 1970 junto ao Movimento Sanita-rista tendo como particularidade a elaboraccedilatildeo de um modelo de assistecircncia que se embasa no distanciamento do padratildeo hospitalocecircntrico por meio do ideaacuterio antimanicomial e em defesa de uma desinstitucionalizaccedilatildeo que progressivamente ofereccedila e fortaleccedila a existecircncia de espaccedilos e serviccedilos substituti-vos possibilitando a reinserccedilatildeo social dos que por muito tem-po foram esquecidos como ldquoloucosrdquo e esquecidos agrave margem da sociedade (TAVARES 2005 JORGE 2006)

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Como de fato poreacutem se faz o planejamento de accedilotildees que possibilitem efetivamente a nova forma de pensar e produzir sauacutede mental Quais os serviccedilos e estrateacutegias para que a desins-titucionalizaccedilatildeo manicomial e a criaccedilatildeo de espaccedilos substituti-vos possa ocorrer e fazer jus a pensar da Reforma Psiquiaacutetrica

Entende-se que eacute na perspectiva de se responder atais questionamentos que urge a necessidade da existecircncia organi-zada de uma Rede de Assistecircncia em Sauacutede Mental (RASM) que no atual contexto pode ser composta por centros de aten-ccedilatildeo psicossocial (CAPS) serviccedilos residenciais terapecircuticos (SRT) Centros de convivecircncia ambulatoacuterios de sauacutede mental e hospitais gerais caracteriza-se por ser essencialmente puacutebli-ca de base municipal e com um controle social fiscalizador e gestor na consolidaccedilatildeo da Reforma Psiquiaacutetrica (BRASIL 2005) Sendo assim satildeo relevantes os estudos que abordam os avanccedilos e desafios no que concerne agraves estrateacutegias do planeja-mento em sauacutede com vistas a consolidaccedilatildeo do acesso as redes assistecircncias de Sauacutede Mental objeto deste estudo

Os CAPS aleacutem de serem serviccedilos importantes para a consolidaccedilatildeo da Reforma Psiquiaacutetrica satildeo equipamentos so-ciais de sauacutede estrateacutegicos que permitem a (re)organizaccedilatildeo da RASM em um determinado territoacuterio tendo em vista que as-sumem a centralidade dessa rede (DELGADO 2007 ONOC-KO-CAMPOS 2006) Muitas vezes no entanto esses serviccedilos que compotildeem a atenccedilatildeo secundaacuteria da estrutura hierarquizada da rede de serviccedilos do SUS ficam como ldquopeccedilas soltasrdquo dentro do sistema na medida em que sua articulaccedilatildeo com a atenccedilatildeo primaacuteria e terciaacuteria eacute ldquomal-equacionadardquo dificultando assim a garantia do acesso ao usuaacuterio (CECILIO 1997)

Na condiccedilatildeo de centralidade na RASM e natildeo diferente-mente de outros serviccedilos de sauacutede os CAPS enfrentam proble-

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mas recorrentes como longas filas de espera por atendimento organizadas por ordem de chegada sem avaliaccedilatildeo do risco de-mora no atendimento nuacutemero de profissionais pequeno com relaccedilatildeo agrave demanda falta de medicamentos bem como insta-laccedilotildees precaacuterias Satildeo situaccedilotildees observadas cotidianamente nas instituiccedilotildees de sauacutede do Brasil sendo revelada por meio da insatisfaccedilatildeo e da inseguranccedila dos usuaacuterios com o tipo de assis-tecircncia prestada e da forma como os profissionais e a gestatildeo de sauacutede operam os serviccedilos

Os problemas apontados precisam ser enfrentados de forma conjunta pelos agentes sociais que vivenciam cotidiana-mente a problemaacutetica de acesso agrave assistecircncia em sauacutede haven-do a necessidade de se reconhecer o planejamento em sauacutede como instrumento para a gestatildeo participativa na conformaccedilatildeo estrateacutegica das diretrizes metas e operacionalidade executiva das demandas e necessidades da populaccedilatildeo em seu territoacuterio

Portanto acredita-se ser inviaacutevel uma gestatildeo dos serviccedilos de sauacutede a fim de se consolidar o acesso quando natildeo haacute um planejamento das accedilotildees pensado e dialogado pelos agentes so-ciais Nessa perspectiva o planejamento em sauacutede constitui base norteadora das demais praacuteticas de sauacutede quando satildeo de-senvolvidas de forma dialoacutegica e comunicativa em que todos os sujeitos sociais deveriam atuar de forma conflitiva na iden-tificaccedilatildeo dos problemas priorizando-os e propondo soluccedilotildees (SILVA 2006)

Para Jesus e Assis(2010) eacute sob a eacutegide da concepccedilatildeo de dispositivo que o planejamento no campo da sauacutede se insti-tui com vistas a garantir o acesso dos brasileiros aos serviccedilos de sauacutede e como categoria analiacutetica importante na elaboraccedilatildeo teoacuterico-praacutetica do cotidiano no SUS Nesse entendimento os autoresressignificam o trabalho de Giovanella e Fleury (1996)

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agrave medida que esses relacionam as dimensotildees analiacuteticas do acesso com o planejamento analisando essa relaccedilatildeo em quatro dimensotildees tecnoassitencial poliacutetica econocircmica e simboacutelica

O acesso eacute entendido como a ldquoporta de entradardquo ldquocomo o local de acolhimento do usuaacuterio no momento de expressatildeo de sua necessidade e de certa forma os caminhos percorridos por ele no sistema na busca da resoluccedilatildeo dessa necessidaderdquo havendo a necessidade de um entendimento que extrapola os aspectos relacionados apenas a assistecircncia a sauacutede entenden-do que deve envolver os fatores econocircmicos culturais sociais intersetoriais e as estruturais de governo de um paiacutes (JESUS ASSIS 2010 p 162)

Perante o exposto este o estudo busca analisar o processo de planejamento em sauacutede com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo do acesso na RASM de uma capital nordestina do Brasil toman-do comoeixo norteador a dimensatildeo tecnoassitencial do acesso Espera-se que o estudo tenha relevacircncia agrave medida que os re-sultados revelam problemas que necessitam da (re)elaboraccedilatildeo e da implantaccedilatildeo de estrateacutegias para sanar ou diminuir as fra-gilidades desse processo bem como possa apontar os meios de fortalecer as potencialidades das accedilotildees de planejamento com vistas agrave consolidaccedilatildeo do acesso na rede pois entende-se como Matus (1993 p14) que ldquonegar o planejamento eacute negar a pos-sibilidade de escolher o futuro eacute aceitaacute-lo seja ele qual forrdquo

MeacuteTODO

Este ensaio constitui pesquisa com abordagem qualita-tiva realizada na cidade de Fortaleza Estado do Cearaacute (CE) nos centros de atenccedilatildeo psicossocial de uma das seis secretarias executivas regionais da Cidade Os participantes da pesquisa

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foram 19 pessoas subdivididas em trecircs grupos I ndash cinco sujei-tos II ndash nove sujeitos e III ndash cinco sujeitos O primeiro grupo foi constituiacutedo por gestores da RASM o segundo pelos tra-balhadores de sauacutede e o terceiro pelos usuaacuterios dos CAPS ou familiares destes

Para tanto adota-se como criteacuterio de inclusatildeo para os su-jeitos dos grupos I e II serem gestores ou trabalhadores que estivessem com permanecircncia de no miacutenimo seis meses nos equipamentos sociais de sauacutede (CAPS da SER IV) na RASM de Fortaleza-CE E no grupo III serem usuaacuterios ou familia-res daqueles que frequentassem os CAPS da SER IV por no miacutenimo seis meses eacute criteacuterio de exclusatildeo dos usuaacuterios a clas-sificaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia (desorientados ou sob efeito da medicaccedilatildeo)

Na coleta de dados realizada no periacuteodo de janeiro a ju-nho de 2012 utilizou-se a entrevista semiestruturada e a obser-vaccedilatildeo sistemaacutetica como fonte primaacuteria Neste intuito elabora-ram-se trecircs roteiros de entrevista um destinado aos grupos I e II e outro para o grupo III como tambeacutem um roteiro para nortear a observaccedilatildeo

Ademais realizou-se ainda no intuito de complementar os dados a serem obtidos pelas fontes primaacuterias a anaacutelise de documentos Assim foram selecionados e identificados cinco documentos teacutecnicos que abordam o Planejamento em Sauacutede no contexto federal e municipal documento 1 ndash Plano Muni-cipal de Sauacutede de Fortaleza (2006-2009) documento 2 ndash Rela-toacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2005) documento 3 ndash Relatoacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2006) do-cumento 4 ndash Relatoacuterio de Gestatildeo do Municiacutepio de Fortaleza (2007) e documento 5 ndash Sistema de Planejamento do SUS uma construccedilatildeo coletiva organizaccedilatildeo e funcionamento No

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decorrer do texto os documentos satildeo citados e identificados abreviadamente por (Doc x) em que X significa o nuacutemero do documento correspondente aqui especificado sendo esses apontados nas referecircncias respectivamente conforme o tiacutetulo prenunciado

Para apreciaccedilatildeo dos resultados utilizou-se a anaacutelise criacute-tica proposta por Minayo entendendo que toda teacutecnica de investigaccedilatildeo proporciona aos investigadores um meio de apreender as relaccedilotildees sociais em determinados espaccedilos de uma forma apropriada ao tipo de problema a ser pesquisado (2008)

Eacute vaacutelido ressaltar que a fim de privilegiar os aspectos eacuteti-cos de pesquisas envolvendo seres humanos esta investigaccedilatildeo foi submetida inicialmente ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cearaacute (CEPUECE) aprova-da sob Parecer nordm 08573214-1 Esta eacute tambeacutem recorte de um projeto maior intitulado ldquoProduccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede e suas articulaccedilotildees com as linhas de cuidado do SUS e da assistencial de sauacutede mentalrdquo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Sauacutede Mental Famiacutelia Praacuteticas de Sauacutede e Enfermagem (GRUPSFEUECE)

RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Os resultados e a discussatildeo aqui mostrados em duas ca-tegorias analiacuteticas com ecircnfase na anaacutelise estrateacutegias do plane-jamento com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo da rede assistencial de sauacutede mental tomando como base a dimensatildeo tecnoassisten-cial do acesso sendo essas denominadas Constituiccedilatildeo e de-safios da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental de Fortaleza-CE e Interlocuccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental de Fortaleza-CE com a Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS)

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Rede Assistencial de Sauacutede Mental de Fortaleza-CE avanccedilos e desafios de sua constituiccedilatildeo

Eacute fato notoacuterio que a Rede Assistencial de Sauacutede Mental de Fortaleza-CE possibilita o caminho de accedilotildees desinstitucio-nalizadoras sobretudo com o seu crescimento de oferta do nuacutemero de serviccedilo Eacute preciso analisar poreacutem a efetivaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de outros entendimentos do que eacute de fato acesso aos serviccedilos e bens de sauacutede privilegiando outras dimensotildees e perspectivas do que simplesmente o ato do usuaacuterio ingressar no serviccedilo

Assim especificamente no campo de investigaccedilatildeo os do-cumentos analisados destacam que havia uma incipiente Po-liacutetica de Sauacutede Mental ateacute final do ano de 2004 sendo a rede composta por apenas trecircs CAPS o que tornava a assistecircncia insuficiente agrave populaccedilatildeo ensejando uma demanda reprimida em filas de espera e outras dificuldades quanto ao acesso (Doc 1)

Em face disso o Plano Municipal de Fortaleza 2006-2009 (Doc 1) como uma de suas propostas estrateacutegicas para a (re) organizaccedilatildeo dos serviccedilos de Sauacutede Mental propocircs as seguin-tes metas expandir a rede de serviccedilos extra-hospitalares para serviccedilos substitutivos de modo a ter 15 CAPS para atendimen-to de transtornos mentais eou decorrentes do uso de aacutelcool e outras drogas trecircs residecircncias terapecircuticas e centros de con-vivecircncia e cultura Ademais ocorreram ainda a implantaccedilatildeo de ambulatoacuterios de Sauacutede Mental bem como a efetivaccedilatildeo da garantia de leitos em hospital geral

Jaacute no ano de 2007 conforme o Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 2 Doc 3 e Doc 4) apresentado somente em 2009 a RASM de Fortaleza era composta por diversos equipamentos sociais conforme segue a descriccedilatildeo seis CAPS gerais para

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atendimentos de transtornos diversos seis CAPSad para pes-soas que apresentam uso abusivo de aacutelcool ou outras drogas dois CAPSi que tratam de transtornos mentais referentes agrave in-facircncia e adolescecircncia uma Residecircncia Terapecircutica uma Uni-dade de Sauacutede Mental em Hospital Geral com 30 leitos duas emergecircncias psiquiaacutetricas especializadas nove emergecircncias cliacutenicas em hospitais municipais uma ambulacircncia do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia especializada em sauacutede mental 18 equipes de apoio matricial em Sauacutede Mental duas ocas de sauacutede comunitaacuteria que realizam atividades de promo-ccedilatildeo de sauacutede com os grupos de resgate de autoestima terapia comunitaacuteria e massoterapia

Ao extrair do Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 4) e com suporte no conhecimento e conviacutevio da realidade as metas quanto agrave expansatildeo dos equipamentos e serviccedilos de sauacutede do local estudado foram parcialmente atingidas uma vez que o nuacutemero de CAPS implantados foi de 14 enquanto a meta era de 15 e apenas a existecircncia de uma Residecircncia Terapecircutica em vez de trecircs residecircncias terapecircuticas da meta inicial do Plano Municipal de Sauacutede 2006-2009 (Doc 1)

Pode-se observar que os serviccedilos de Sauacutede Mental de For-taleza-CE buscam seguir a conformaccedilatildeo em redes de atenccedilatildeo em sauacutede pois trazem outras possibilidades de acesso aos ser-viccedilos e procuram se adequar agrave demanda Esta compreensatildeo foi permitida com a observaccedilatildeo sistemaacutetica acerca de como se daacute o acesso aos CAPS de Fortaleza-CE bem como pela definiccedilatildeo da estrateacutegia do Plano Municipal de Sauacutede (Doc1) de garantir o acesso e o cuidado do usuaacuterio por toda a rede desde de a implantaccedilatildeo do acolhimento e da escuta qualificada nos CAPS da SER IV

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Evidencia-se pois uma quebra da loacutegica verticalizada do sistema de sauacutede Os encaminhamentos podem vir tanto no niacutevel primaacuterio de atenccedilatildeo quanto referenciado dos hospitais de referecircncia Os usuaacuterios advecircm dos mais diversos setores sociais bem como de quaisquer niacuteveis de complexidade do sistema de sauacutede como se comprova na convergecircncia dos dis-cursos a seguir

[] O acesso ele eacute espontacircneo geralmente tem um teacutecnico de referencia de niacutevel supe-rior pra se estaacute fazendo a acolhida de quem estaacute chegando ao serviccedilo seja pela primeira vez ou que jaacute esteja no nosso serviccedilo e o mes-mo pra pessoa que recebe um encaminha-mento e caso a necessidade seja para algum outro equipamento da rede agente faz algu-mas articulaccedilotildees com os outros equipamen-tos [] (GRUPO I)

[] a demanda eacute espontacircnea e todos satildeo atendidos e se uma questatildeo que num possa ser resolvido de imediato eacute agendado ou eacute encaminhado [] (GRUPO II)

[] Minha chegada aqui foi assim eu morava laacute no outro bairro e aiacute faccedilo parte de um grupo laacute da igreja e aiacute eu contando meus problemas o padre disse que eu procurasse o CAPS e aiacute quando eu me mudei pra caacute eu vi e eles me atenderam e depois eu voltei e fiquei vindo pra consulta com o psiquiatra e com a enfer-meira [](GRUPO III)

Em face disso algumas importantes questotildees na proacutepria organizaccedilatildeo do SUS emergem e nos levam a refletir sobre a importacircncia dos serviccedilos de sauacutede estarem interconectados evitando a fragmentaccedilatildeo dos atendimentos (ONOCKO-

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CAMPOS 2006 VIEIRA FILHO NOacuteBREGA 2004) Nota-se assim que os equipamentos em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo de redes de sauacutede no Municiacutepio natildeo fogem agrave loacutegica nacional uma vez que essa eacute uma realidade em elaboraccedilatildeo no Brasil

No Plano Municipal de Sauacutede 2006-2009 (Doc 1) eacute pos-siacutevel perceber que a Gestatildeo Municipal de Fortaleza neste pe-riacuteodo assumiu o compromisso da proposiccedilatildeo de rede no mo-delo da gestatildeo e atenccedilatildeo integral agrave sauacutede entendendo que

Trabalhar com o conceito de rede eacute estabele-cer um diaacutelogo construtivo com outras aacutereas do conhecimento como forma de responder aos complexos desafios da produccedilatildeo da sauacute-de e ainda potencializar a organizaccedilatildeo e o funcionamento do modelo de atenccedilatildeo inte-gral agrave sauacutede (FORTALEZA 2008 p 47)

A rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definida como ma-lha que interconecta e integra os estabelecimentos e serviccedilos de sauacutede de um determinado territoacuterio organizando-os siste-maticamente para que os niacuteveis e densidades tecnoloacutegicas de atenccedilatildeo estejam articulado e adequadas para o atendimento do usuaacuterio e para a promoccedilatildeo da sauacutede (CARVALHO 2008)

Entende-se que o desafio do planejamento com vistas agrave constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede em rede estaacute aleacutem da perspectiva da utilizaccedilatildeo do conceito havendo a neces-sidade de buscar formas de oferecer estrateacutegias que favoreccedilam o desenvolvimento de processos emancipatoacuterios coletivos so-lidaacuterios e compartilhados de conhecimento e enfrentamento de situaccedilotildees complexas que envolvem a (re)-organizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede em rede

Nesse entendimento identificou-se pelo menos dois grandes desafios a serem enfrentados na (re)organizaccedilatildeo e

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interconexatildeo da RASM de Fortaleza-CE com as demais redes assistenciais 1- a natildeo existecircncia de um CAPS tipo III na RASM de Fortaleza-CE ateacute o iniacutecio do ano de 2012 e 2- a natildeo inclu-satildeo da RASM no Sistema de Informatizaccedilatildeo das redes assisten-ciais dificultando assim a interconexatildeo necessaacuteria entre essas

Destaca-se primeiramente a natildeo existecircncia de um CAPS do tipo III em nenhuma das SER de Fortaleza-CE podendo esse ser o deacutecimo quinto CAPS a ser implantado e cumprir com a meta inicial estabelecida Ressalta-se ainda que esse equipamento social de sauacutede natildeo poderia deixar de existir se de fato os criteacuterios de implantaccedilatildeo de abrangecircncia popu-lacional tivessem sido levados em consideraccedilatildeo uma vez que nenhuma daquelas possui menos do que 200 mil habitantes criteacuterio esse utilizado para implantaccedilatildeo de um CAPS tipo III

Tal situaccedilatildeo sem duacutevida eacute um problema a ser enfrentado pelo sujeitos sociais (gestores trabalhadores de sauacutede e usuaacute-rios) que se articulam nas redes assistenciais com vistas agrave (re) organizaccedilatildeo dos serviccedilos e consolidaccedilatildeo do acesso sendo esta uma questatildeo identificada nos discursos dos grupos de sujeitos

[] nossos CAPS satildeo tipo II noacutes cometemos erros mas natildeo foi foi por falta de orientaccedilatildeo por uma decisatildeo de gestatildeo era pra Fortaleza jaacute ter comeccedilado com o CAPS tipo III pelo menos o geral mas natildeo o que foi que se fez se implantou 14 CAPS e ai por caso de cus-tos natildeo se teve mais perna pra poder ter um CAPS tipo trecircs [] (GRUPO I)

[] no nosso CAPS agente percebe a necessi-dade de um CAPS tipo III e sem isso agente num ver condiccedilatildeo de desistitucionalizaccedilatildeo eu acho que na medida em que se nega uma proposta vocecirc tem que daacute outra pra quem

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estaacute do outro lado e a favor do outro modelo natildeo possa dizer ldquotaacute vendo natildeo deu certo e ai o que eacute que vai fazer agora com as pessoas que estatildeo criserdquo [] (GRUPO II)

[] Eu num tenho o que dizer do atendi-mento da organizaccedilatildeo natildeo eu soacute fico preo-cupada eacute porque eu sei que num eacute bom in-ternar mas ai eu tenho medo de ele ter uma crise e ai pra onde eu vou levar entendeu [] (GRUPO III)

Apreende-se com isso que natildeo eacute apenas a implantaccedilatildeo de serviccedilos substitutivos e extra-hospitalares que promovem a real mudanccedila no modelo de atenccedilatildeo agraves pessoas que necessitam de assistecircncia em sauacutede mental Natildeo adianta termos serviccedilos substitutivos ao hospital psiquiaacutetrico se reproduziu na praacuteti-ca destes serviccedilos o modelo manicomial tatildeo questionado de atenccedilatildeo ou se este natildeo existem em quantidade suficiente para assistecircncia integral de toda a demanda da comunidade

Em relaccedilatildeo ao outro desafio percebe-se que para o forta-lecimento das interconexotildees das redes deve-se discutir a natildeo inclusatildeo da RASM no Sistema de Informatizaccedilatildeo das redes as-sistenciais o que iria facilitar a interconexatildeo necessaacuteria dessas Tal problemaacutetica foi evidenciada com as visitas aos CAPS bem como na convergecircncia dos discursos abaixo

[] A questatildeo eacute que nossa rede natildeo eacute infor-matizada e com isso a gente perde dados a gente natildeo consegue ver o fluxo do usuaacuterio a gente natildeo consegue ver o caminho dele pela rede inteira se ele estar internado ou natildeo es-tar se ele esta na atenccedilatildeo baacutesica ou se natildeo es-tar isso entatildeo a gente natildeo tem e isso poderia ser uma estrateacutegia pra gente ta vendo esses fluxos e isso poderia ate ajudar na questatildeo

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do planejamento em si porque a gente natildeo perderia tantos dados e ateacute mesmo de uma questatildeo de custos[] (GRUPO I)

De fato este eacute um problema especiacutefico da RASM de Forta-leza-CEentretanto uma vez em anaacutelise do Relatoacuterio de Gestatildeo 2007 (Doc 4) identifica-se a existecircncia de uma tecnologia de informaccedilatildeo (TI) configurada como ferramenta que enseja o acesso e as funcionalidades como prontuaacuterios baacutesicos e espe-cializados central de marcaccedilatildeo de consultas exames especiali-zados regulaccedilatildeo e leitos auditoacuteria dentre outros

Assim ressalva-se ser necessaacuterio que os serviccedilos de Sauacutede Mental sempre estabeleccedilam articulaccedilotildees e entendam a dinacirc-mica dos novos fluxos de atenccedilatildeo com os demais serviccedilos de sauacutede a fim de natildeo soacute oferecerem respostas aos problemas de sauacutede mas tambeacutem fazerem articulaccedilotildees com outros setores da sociedade para que possam prestar uma atenccedilatildeo mais inte-gral aos que deles necessitam (MATTOS 2001 QUINDEREacute 2008)

Destarte a RASM de Fortaleza-CE mesmo com suas li-mitaccedilotildees funcionaria como articuladora das accedilotildees deSauacutede Mental dentro da macro rede de serviccedilos de sauacutede que com-potildeem o seu conjunto de rede assistenciais do modelo a gestatildeo e atenccedilatildeo integral a sauacutede natildeo se configurando como uma rede de serviccedilos de Sauacutede Mental separada mas sim com intercone-xatildeo com os diversos serviccedilos de sauacutede aleacutem de estar interco-nectada com os diversos setores inseridos no territoacuterio

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RASM - CE e sua articulaccedilatildeo com a Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacute-de apoio matricial como uma estrateacutegia possiacutevel

Em anaacutelise da centralidade que os CAPS ocupam enten-de-se que estes dentro da estrutura de rede assumem impor-tante papel nas novas praacuteticas de Sauacutede Mental uma vez que se configuram como dispositivos estrateacutegicos para a transfor-maccedilatildeo do modelo hospitalocecircntrico sendo serviccedilos potencial-mente capazes de articular as accedilotildees de Sauacutede Mental junto aos serviccedilos de outras redes como ambulatoacuterios leitos de inter-naccedilatildeo em hospitais gerais accedilotildees de suporte e reabilitaccedilatildeo psi-cossocial e especialmente os serviccedilos da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) (ONOCKO-CAMPOS 2006)

Sobre a articulaccedilatildeo dos CAPS e a APS Vieira Filho e Noacutebrega (2004) acentuam que esses serviccedilos precisam estar articulados para que seja facilitado o planejamento de accedilotildees na respectiva aacuterea distritalregional de abrangecircncia princi-palmente no que diz respeito agraves intervenccedilotildees cliacutenicas na rede de suporte social e de inter-relaccedilotildees pessoais significativas do usuaacuterio dos serviccedilos

Para tanto e a fim de facilitar a constituiccedilatildeo de redes re-gionalizadas e integradas os trabalhadores da sauacutede no niacutevel da APS contam com o auxiacutelio das equipes de apoio matricial O apoio matricial em Sauacutede Mental eacute compreendido como ar-ranjo institucional criado para promover a interlocuccedilatildeo dos serviccedilos de Sauacutede Mental como os CAPS e as Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF) Destina-se principalmente a contri-buir com a implementaccedilatildeo de uma cliacutenica ampliada e singu-lar a promover sauacutede e diversidade de ofertas terapecircuticas a favorecer a corresponsabilizaccedilatildeo entre as equipes e a servir de apoio para as equipes de referecircncia (equipes da ESF) (ONOC-KO-CAMPOS 2006)

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Neste intuito a proposta preconizada do apoio matricial eacute de que os profissionais da Sauacutede Mental acompanhem fre-quentemente as equipes da ESF propiciando um suporte teoacute-rico-praacutetico que natildeo se pauta na loacutegica do encaminhamento ou da referecircncia e contrarreferecircncia mas sim numa responsa-bilidade compartilhada dos casos aumentando a capacidade resolutiva das necessidades de sauacutede dos usuaacuterios (DIMENS-TEIN 2008 COSTA JORGE 2002)

Os profissionais dos CAPS de Fortaleza-CE implantam o apoio matricial na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e realizam vi-sitas domiciliaacuterias possibilitando aleacutem da (re) organizaccedilatildeo da oferta a rede para atender a demanda Conforme o Relatoacuterio de Gestatildeo de 2007 (Doc4) a SER IV conta com duas equipes de apoio matricial em Sauacutede Mental para atender as 12 unida-des de Sauacutede da Famiacutelia da Regional tendo sido implantado o apoio matricial no ano de 2007 em apenas seis dessas unidades

Nos discursos apreendidos nas entrevistas semiestrutura-das e discriminados abaixo a realidade de cobertura de apoio matricial avanccedilou e possibilita mudanccedilas

Uma estrateacutegia utilizada para se garantir o acesso tem sido a questatildeo do apoio matricial que aqui na regional IV estaacute bem avanccedilada e atualmente satildeo trecircs equipes os trecircs CAPS participam e estamos atendendo atualmen-te 11 postos dos 12 Eacute pelo menos uma vez por mecircs em cada unidade de sauacutede E agora tambeacutem noacutes temos iniciado tambeacutem o apoio matricial em um hospital secundaacuterio que tem sido interessante (GRUPO I)

Como propriamente assumiu no iniacutecio do texto no entan-to a consolidaccedilatildeo do acesso eacute de fato um movimento solidaacute-rio-histoacuterico de avanccedilos desafios e retrocesso dos cotidianos

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personificados e vividos por gestores trabalhadores e usuaacuterios pois que sabe-se que atualmente a estrateacutegia de apoio matricial eacute objeto de um retrocesso e nem funciona muito incipiente-mente no Municiacutepio mas analisou-se que o apreendido como perspectiva de vislumbrar o que foi e o que eacute possiacutevel

Assim no entendimento do existido e do vivido por ges-tores trabalhadores e usuaacuterios no momento de coleta de da-dos pode-ses afirmar que o matriciamento em Sauacutede Mental na atenccedilatildeo baacutesica possibilita mudanccedilas na produccedilatildeo do cuida-do propondo uma articulaccedilatildeo de saberes e praacuteticas ocorrem por intermeacutedio de uma organizaccedilatildeo horizontal do processo de trabalho numa tentativa de combinar especializaccedilatildeo com interdisciplinaridade e ainda supera a alienaccedilatildeo fragmenta-ccedilatildeo e tecnicismo biologicista possibilitando uma correspon-sabilizaccedilatildeo e uma reconstituiccedilatildeo de viacutenculos entre a equipe de referecircncia a equipe matricial e a clientela atendida (DIMENS-TEIN 2008 CAMPOS AMARAL 2007)

Por todo o exposto reconhece-se a importacircncia da regio-nalizaccedilatildeo com vistas ao fortalecimento do acesso agraves praacuteticas de sauacutede no acircmbito do territoacuterio comunitaacuterio e familiar do usuaacuterio mas natildeo para engessar e burocratizar a oferta dis-ponibilizada pelos serviccedilos de sauacutede Entende-se ainda que a delimitaccedilatildeo dessas aacutereas permite o direcionamento e a defini-ccedilatildeo da populaccedilatildeo-alvo a ser assistida possibilitando estudos de cobertura avaliaccedilatildeo e resolubilidade e ainda permitindo alocaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo dos recursos de que a rede dispotildee

Conforme consta nos documentos Doc5 Doc4 e Doc1 seguindo a loacutegica de regionalizaccedilatildeo que nacionalmente se tem no planejamento em sauacutede a cidade de Fortaleza-CE estabe-leceu metas especiacuteficas para cada um de seus seis grupos po-pulacionais de modo a superar o desafio de prestar assistecircncia

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em sauacutede no territoacuterio em que os usuaacuterios tecem suas relaccedilotildees sociais Para isso visa agrave articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede de modo a consolidar o modelo da gestatildeo e atenccedilatildeo integral agrave sauacutede

A fim de privilegiar a integralidade das accedilotildees serviccedilos e cuidado a pessoa a famiacutelia e a comunidade em Sauacutede Mental Jesus (2006) acentua que eacute necessaacuterio o mecanismo de refe-recircncia e contrarreferecircncia na relaccedilatildeo entre agraves unidades da rede de serviccedilos de sauacutede de modo que esses mecanismos possam possibilitar uma delineaccedilatildeo dos fluxos de cuidado com ecircnfase no acesso

Com efeitoa questatildeo do acesso assume um caraacuteter regula-dor sobre o sistema de sauacutede definindo fluxos funcionamento capacidade e necessidade de expansatildeo e organizaccedilatildeo da rede para o cuidado progressivo ao usuaacuterio impulsionando o pla-nejamento da sauacutede na direccedilatildeo da dimensatildeo cuidadora horizontal defendida no modelo do ciacuterculo (JESUS ASSIS 2010 p 114)

O modelo de ciacuterculo envolve o entendimento conceitual e praacutetico de relativizaccedilatildeo da concepccedilatildeo de organizaccedilatildeo hie-raacuterquica e regionalizada da atenccedilatildeo em sauacutede com vistas a garantir acesso agrave tecnologia adequada no momento em que o usuaacuterio eacute acolhido e expressa sua necessidade ensejando uma demanda que necessita de uma accedilatildeo resolutiva por parte da unidade de serviccedilo da rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede que o acolheu (CECILIO 1997 ASSIS VILLA NASCIMENTO 2003)

Nessa perspectiva eacute necessaacuterio entender que no modelo de atenccedilatildeo psicossocial as praacuteticas de sauacutede natildeo cabem numa estrutura organizacional determinantemente estabelecida A

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composiccedilatildeo de modelos fixos e padronizados indica um en-gessamento das praacuteticas uma burocratizaccedilatildeo das accedilotildees do sis-tema de sauacutede tornando o acesso aleacutem de burocraacutetico exclu-dente inflexiacutevel e segregador (AMARANTE GULJOR 2005)

Assim torna-se necessaacuterio que os CAPS interajam de ma-neira horizontalizada com os equipamentos sociais que com-potildeem a rede de assistecircncia agrave sauacutede mental como os serviccedilos residenciais terapecircuticos as unidades de ESF e as unidades de internaccedilatildeo psiquiaacutetricas a fim de acompanhar o usuaacuterio em eventuais internaccedilotildees bem como fazendo articulaccedilatildeo com os demais setores sociais no intuito de desmistificar o imaginaacute-rio negativo que ainda existe sobre as pessoas com transtornos mentais e possibilitar de fato a reinserccedilatildeo social

CONSIDERAccedilOtildeES FINAIS

Entende-se que o planejamento com vistas agrave (re) organi-zaccedilatildeo da RASM em que se deu este estudo eacute efetivo e possibi-lita a consolidaccedilatildeo do acesso na perspectiva tecnoassistencial tendo sido as estrateacutegias de ampliaccedilatildeo dos equipamentos so-ciais de sauacutede uma realidade concretizada permitindo assim o acesso de variadas formas seja ele espontacircneo ou encami-nhado de outra rede assistencial

A (re)organizaccedilatildeo da RASM no entanto ainda deve ser pauta de planejamento e um desafio a gestatildeo uma vez que os equipamentos sociais sobretudo os serviccedilos substitutivos dentro esses os CAPS natildeo permitem que os usuaacuterios sejam atendidos num eventual momento de suas necessidades em seu territoacuterio Referimo-nos especificamente agrave existecircncia tar-dia de um soacute CAPS do tipo III na Cidade para que o atendi-mento dos usuaacuterios possa ocorrer em qualquer hora e dia da

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semana evitando assim internaccedilotildees desnecessaacuterias em hos-pitais psiquiaacutetricos bem como possibilitando a consolidaccedilatildeo do acesso na perspectiva de serviccedilos substitutivos do modelo de atenccedilatildeo psicossocial Outro desafio refere-se ao fato de que a RASM natildeo se encontra informatizada como as demais redes impossibilitando a interconexatildeo efetiva dessas redes e o acom-panhamento dos usuaacuterios no sistema

Ressalta-se ainda a necessidade de entender que o pla-nejamento em Sauacutede Mental deve ser um sistema maleaacutevel do ponto de vista das referecircncias teoacutericos sobretudo no que con-cerne as suas subjetividades no entanto natildeo se nega a neces-sidade da instrumentalidade do desenho do ldquodeve-serdquo pois nesse satildeo reconhecidos problemas e apontados caminhos e estrateacutegias de enfrentamento da situaccedilatildeo possibilitando tam-beacutem os processos avaliativos das accedilotildees realizadas

Por fim entende-se que o desafio entatildeo continua a ser a (re) organizaccedilatildeo da RASM e sua interconexatildeo com as demais redes assistenciais sendo necessaacuterio que os CAPS interajam de maneira horizontalizada com os equipamentos sociais que compotildeem a RASM do Municiacutepio como os serviccedilos re-sidenciais terapecircuticos as unidades de ESF e as unidades de internaccedilatildeo psiquiaacutetricas a fim de acompanhar o usuaacuterio em eventuais internaccedilotildees bem como fazendo articulaccedilatildeo com os demais setores sociaiscom vistas a desmistificar o imaginaacuterio negativo que ainda existe sobre as pessoas com transtornos mentais e possibilitar de fato a reinserccedilatildeo social

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POSFAacuteCIO

A presente obra eacute constituiacuteda dos resultados de pesqui-sas referenciadas a partir de inquietaccedilotildees de docentes e dis-centes nas diversas temaacuteticas no contexto da Sauacutede Coletiva da Universidade Estadual do Cearaacute e de convidados externos sinalizando integraccedilatildeo dos pares na perspectiva de subsidiar o puacuteblico de leitores com material atual e diversificado que per-passa nos toacutepicos Poliacutetica e Gestatildeo em Serviccedilos de Sauacutede En-foque Ecossistecircmico e suas interfaces no controle da dengue Participaccedilatildeo Social Epistemologias Temaacuteticas e Sauacutede Men-tal E assim poderaacute contribuir de forma efetiva e sistemaacutetica para a Promoccedilatildeo da sauacutede

Cleoneide Paulo Oliveira PinheiroDocente do Centro Universitaacuterio Estaacutecio do Cearaacute

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