D5 ProblematizaçãO da DefiniçãO Tradicional De Conhecimento

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O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica Doc. Unidade Didáctica: Descrição e interpretação da actividade cognoscitiva Tema: O conhecimento proposicional como crença verdadeira justificada Obj ectivo Específico( s) : Explicar a insuficiência da defini ção de conhecimento como crença verdadeira j ustificada. Problematização da definição tradicional de conhecimento: Formulação da negação da definição. A definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada poder-se-ia representar como uma completa sobreposição dos conceitos de conhecimento e de verdade. Podemos concluir que os conceitos de conhecimento e verdade nada têm a ver entre si? Podemos representá-los como uma exclusão? Objecções: Várias são as objecções que uma tal sobreposição suscita: Objecção 1: Se todo o conhecimento digno desse nome tem de ser sempre uma opinião verdadeira, então todos os nossos conhecimentos têm de ser sempre infalíveis. Ora, muitas das nossas opiniões tidas como verdadeiras revelaram-se falsas. Poderá concluir-se que essas opiniões não eram conhecimento? Esta alternativa não resiste a outras objecções. Objecção 1: Se não há verdade, então não é verdade que não há verdade. Objecção 2: se todo o conhecimento digno desse nome tem de ser necessariamente verdadeiro, então não pode haver progresso no conhecimento. Ora, tem-se verificado um progresso nas nossas crenças, inclusive nas crenças dos cientistas. Poderá então concluir-se que as nossas crenças e as crenças dos cientistas não eram conhecimentos? Objecção 2: se tudo fosse falso, então seria falso que tudo fosse falso. Objecção 3: Se nada é verdade, então pode pensar- se seja o que for. Morte da Filosofia! Objecção 3: a definição tradicional parece incorrecta (ou incompleta) por duas razões. Se “S sabe que P” sob a condição “P é verdadeiro”, então: a) Qualquer razão que pudesse aduzir-se posteriormente contra P seria falsa por princípio e deveria ser abandonada por S. Objecção 4: Se nada fosse verdadeiro nem falso, não haveria diferença entre o conhecimento e a ignorância. b) Qualquer razão que pudesse aduzir-se posteriormente a favor de P seria redundante e desnecessária. Como solucionar a contradição? Uma hipótese alternativa Conhecer é pensar o que é: o conhecimento é uma certa relação, digamos, de conformidade, de semelhança, de correspondência de adequação entre o espírito ou mente e o mundo ou estado de coisas. Dizemos que conhecemos os nossos familiares, a nossa casa, a nossa rua, o nosso bairro, a nossa cidade… o que temos no nosso espírito quando pensamos nos nossos familiares, na nossa casa, etc., … corresponde mais ou menos, isto é, aproximadamente, ao que existe na realidade. Não será este mais ou menos, este aproximadamente, o que distingue o conhecimento da verdade? Acerca dos nossos familiares podemos enganar-nos. Sobre o que se passa da nossa cidade ignoramos muitas coisas. Entre um conhecimento absoluto e uma ignorância total, não haverá um meio termo? Conhecimento e verdade parece então que são dois conceitos diferentes, mas solidários entre si. Nenhum conhecimento é a verdade, mas um conhecimento que não fosse em nada verdadeiro não poderia distinguir-se de um erro, de uma ilusão, de um delírio. Nenhum conhecimento é absoluto, mas nenhuma crença seria conhecimento se não fosse pela parte de absoluto que ela comporta ou de que participa.

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O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica Doc. Unidade Didáctica: Descrição e interpretação da actividade cognoscitiva Tema: O conhecimento proposicional como crença verdadeira justificada Objectivo Específico(s): Explicar a insuficiência da definição de conhecimento como crença verdadeira justificada.

Problematização da definição tradicional de conhecimento:

Formulação da negação da definição.

A definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada poder-se-ia representar como uma completa sobreposição dos conceitos de conhecimento e de verdade. Podemos concluir que os

conceitos de conhecimento e verdade nada têm a ver entre si? Podemos representá-los como uma exclusão?

Objecções: Várias são as objecções que uma tal sobreposição

suscita:

Objecção 1: Se todo o conhecimento digno desse nome tem de ser sempre uma opinião verdadeira, então todos os nossos conhecimentos têm de ser sempre infalíveis. Ora, muitas das nossas opiniões tidas como verdadeiras revelaram-se falsas. Poderá concluir-se que essas opiniões não eram conhecimento?

Esta alternativa não resiste a outras objecções.

Objecção 1: Se não há

verdade, então não é verdade que não há verdade.

Objecção 2: se todo o conhecimento digno desse nome tem de

ser necessariamente verdadeiro, então não pode haver progresso no conhecimento. Ora, tem-se verificado um progresso nas nossas crenças, inclusive nas crenças dos cientistas. Poderá então concluir-se que as nossas crenças e as crenças dos cientistas não eram conhecimentos?

Objecção 2: se tudo fosse

falso, então seria falso que tudo fosse falso.

Objecção 3: Se nada é

verdade, então pode pensar-se seja o que for. Morte da Filosofia!

Objecção 3: a definição tradicional parece incorrecta (ou

incompleta) por duas razões. Se “S sabe que P” sob a condição “P é verdadeiro”, então:

a) Qualquer razão que pudesse aduzir-se posteriormente contra P seria falsa por princípio e deveria ser abandonada por S. Objecção 4: Se nada fosse

verdadeiro nem falso, não haveria diferença entre o conhecimento e a ignorância.

b) Qualquer razão que pudesse aduzir-se posteriormente a favor de P seria redundante e desnecessária.

Como solucionar a contradição? Uma hipótese alternativa Conhecer é pensar o que é: o conhecimento é uma certa relação, digamos, de conformidade, de semelhança, de correspondência de adequação entre o espírito ou mente e o mundo ou estado de coisas. Dizemos que conhecemos os nossos familiares, a nossa casa, a nossa rua, o nosso bairro, a nossa cidade… o que temos no nosso espírito quando pensamos nos nossos familiares, na nossa casa, etc., … corresponde mais ou menos, isto é, aproximadamente, ao que existe na realidade. Não será este mais ou menos, este aproximadamente, o que distingue o conhecimento da verdade? Acerca dos nossos familiares podemos enganar-nos. Sobre o que se passa da nossa cidade ignoramos muitas coisas. Entre um conhecimento absoluto e uma ignorância total, não haverá um meio termo? Conhecimento e verdade parece então que são dois conceitos diferentes, mas solidários entre si. Nenhum conhecimento é a verdade, mas um conhecimento que não fosse em nada verdadeiro não poderia distinguir-se de um erro, de uma ilusão, de um delírio. Nenhum conhecimento é absoluto, mas nenhuma crença seria conhecimento se não fosse pela parte de absoluto que ela comporta ou de que participa.