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Da Sala de Aula Ao Ciberespaço: trabalhando por uma nova prática pedagógica Andrea de Farias Castro 1. Introdução A utilização de recursos de tecnologia de informação e comunicação (TICs) em atividades educacionais já faz parte, há alguns anos, das ações da escola básica, também como política pública. Desde então muito se tem feito no sentido de oferecer, ainda nos cursos de formação de professores, conhecimentos sobre as diferentes possibilidades de uso desses recursos. Por esse motivo, e para atingir a um número maior do que apenas os alunos matriculados do curso de Pedagogia, foi oferecida a disciplina Tecnologia e Prática Pedagógica, como Eletiva Universal, aos alunos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Por sua natureza, uma disciplina Eletiva Universal pode ser cursada por todos os alunos da Universidade, independente de ser ou não exigência curricular. A disciplina, com carga horária de trinta horas, atendeu a 28 alunos de diferentes cursos, no primeiro semestre em que foi oferecida. No processo de formação de professores para o uso das TICs, um dos maiores desafios está na produção de sentido para o seu uso, relacionado ao conteúdo que irão ministrar, desde os aspectos teóricos até os práticos, fazendo-os significar o uso da tecnologia enquanto constroem seus conhecimentos. A perspectiva de que o uso das TICs na educação vai além do apelo ao moderno fez com que fosse necessária a disposição de conteúdos e experiências de aprendizagem pelo acesso a diferentes mídias. Além disso, ao reconhecer que a cibercultura implica o compartilhamento de informações e saberes entre os participantes, entendeu-se ser necessário, também, praticar ações de formação no contexto do ciberespaço, a partir do interesse dos próprios estudantes. O cumprimento dessa tarefa objetivava que os alunos fossem reconhecendo ao longo do curso (1) aspectos essenciais relacionados ao sentido de tecnologia na educação, (2) as possibilidades emergentes no contexto das TICs à prática pedagógica, (3) além da noção de que o trabalho colaborativo constitui um modo de desenvolvimento da aprendizagem e aquisição de conhecimentos. Refletindo sobre uma necessária redefinição da profissão docente, Imbernón (2009) aponta para a importância do reconhecimento do contexto em que se educa e, por isto, indica o valor existente na adequação metodológica. Preocupado com uma mudança efetiva na prática educacional do profissional em formação, o autor alude à amplitude do processo de conhecer do professor, assinalando que tal processo nunca é linear. E diz: Ninguém muda de um dia para o outro. A pessoa precisa interiorizar, adaptar e experimentar os aspectos novos que viveu em sua formação. A aquisição de conhecimentos deve ocorrer da forma mais interativa possível, refletindo sobre situações práticas reais. (IMBERNÓN, 2009:15)

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Da Sala de Aula Ao Ciberespaço: trabalhando por uma nova prática pedagógica

Andrea de Farias Castro

1. Introdução

A utilização de recursos de tecnologia de informação e comunicação (TICs)

em atividades educacionais já faz parte, há alguns anos, das ações da escola básica,

também como política pública. Desde então muito se tem feito no sentido de oferecer,

ainda nos cursos de formação de professores, conhecimentos sobre as diferentes

possibilidades de uso desses recursos. Por esse motivo, e para atingir a um número

maior do que apenas os alunos matriculados do curso de Pedagogia, foi oferecida a

disciplina Tecnologia e Prática Pedagógica, como Eletiva Universal, aos alunos da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Por sua natureza, uma disciplina Eletiva

Universal pode ser cursada por todos os alunos da Universidade, independente de ser

ou não exigência curricular. A disciplina, com carga horária de trinta horas, atendeu a

28 alunos de diferentes cursos, no primeiro semestre em que foi oferecida.

No processo de formação de professores para o uso das TICs, um dos

maiores desafios está na produção de sentido para o seu uso, relacionado ao conteúdo

que irão ministrar, desde os aspectos teóricos até os práticos, fazendo-os significar o

uso da tecnologia enquanto constroem seus conhecimentos. A perspectiva de que o

uso das TICs na educação vai além do apelo ao moderno fez com que fosse necessária

a disposição de conteúdos e experiências de aprendizagem pelo acesso a diferentes

mídias. Além disso, ao reconhecer que a cibercultura implica o compartilhamento de

informações e saberes entre os participantes, entendeu-se ser necessário, também,

praticar ações de formação no contexto do ciberespaço, a partir do interesse dos

próprios estudantes. O cumprimento dessa tarefa objetivava que os alunos fossem

reconhecendo ao longo do curso (1) aspectos essenciais relacionados ao sentido de

tecnologia na educação, (2) as possibilidades emergentes no contexto das TICs à

prática pedagógica, (3) além da noção de que o trabalho colaborativo constitui um

modo de desenvolvimento da aprendizagem e aquisição de conhecimentos.

Refletindo sobre uma necessária redefinição da profissão docente, Imbernón

(2009) aponta para a importância do reconhecimento do contexto em que se educa e,

por isto, indica o valor existente na adequação metodológica. Preocupado com uma

mudança efetiva na prática educacional do profissional em formação, o autor alude à

amplitude do processo de conhecer do professor, assinalando que tal processo nunca é

linear. E diz:

Ninguém muda de um dia para o outro. A pessoa precisa interiorizar, adaptar e

experimentar os aspectos novos que viveu em sua formação. A aquisição de

conhecimentos deve ocorrer da forma mais interativa possível, refletindo sobre

situações práticas reais. (IMBERNÓN, 2009:15)

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Ao considerarmos, por exemplo, a diversidade de mídias que faz circular a

informação no momento presente, não se pode mais imaginar que todo material

disponibilizado em qualquer curso fique restrito aos livros e capítulos de livros

indicados aos alunos, sobretudo porque a possibilidade de relacionar os conceitos

apresentados com acontecimentos emergentes potencializa a produção de sentidos no

processo de aprendizagem. Então, ainda que as aulas tenham sido ofertadas na

modalidade presencial, a utilização das TIC e da internet expandiam, na prática, a sala

de aula para além do campus universitário. Por esse motivo, no início das atividades

os alunos foram convidados a participar como membros ativos de um grupo criado

para a turma, no portal Yahoo.

2. Da sala de aula ao ciberespaço

A presença de alunos originários de diferentes cursos foi revelada aos

estudantes, que puderam se apresentar, já na primeira aula. O que poderia ser tratado

como diferença foi categorizado como “uma escola em potencial”, ou seja, ali

reunidos reconheceram poder configurar-se como parte do corpo docente de uma

escola onde há pedagogos, psicólogos, professores de Língua Portuguesa, Física,

Geografia, História, Matemática, tal eram os cursos de origem dos participantes.

Dessa forma contamos com uma diversidade de olhares para as formas de conhecer no

contexto contemporâneo, em cada ciência, pela participação de estudantes de

diferentes cursos. A heterogeneidade do grupo revelava-se também pela diferença de

faixas etárias, por estarem cursando períodos distintos em seus cursos de origem,

terem ou não experiência em atividade docente, assim como no uso dos recursos de

tecnologia informática.

Sendo um fenômeno social, a cibercultura afeta as práticas de comunicação e

compartilhamento de informações. Ela afeta, ainda, a produção de significados ao

envolver um grande número de recursos de comunicação e tecnologia que, ao colocar

em relação pessoas dos mais próximos aos mais longínquos pontos do planeta, cria

uma aventura dinâmica e rica de experiências de aprendizagem. Aproveitar essas

experiências no contexto de formação tanto implica em promover uma reflexão sobre

os significados que vêm sendo produzidos para o termo tecnologia quanto implica a

intervenção do homem no avanço da tecnologia.

Esclarecidos os objetivos da disciplina, suas atividades presenciais e sua

expansão para o ciberespaço, passamos a habitar, também, o grupo criado para a

turma, no portal Yahoo. Os grupos de mensagens, de acordo com Harassim (2005),

constituem-se em uma dinâmica que estimula e intensifica as trocas. Embora haja um

serviço que distribui mensagens diretamente à caixa de e-mail dos participantes,

muitos acabam optando por acessar o ambiente do grupo, pois ali se encontram outros

recursos de tecnologia que permitem tornar o ambiente mais rico de ferramentas para

a aprendizagem. Embora a mediação do grupo fosse feita pela docente, os estudantes

eram também cocriadores desse espaço virtual de aprendizagem, atuando além do

mero envio de mensagens, como veremos mais adiante.

Para Palloff e Pratt (2002:87), “o professor deve conhecer a tecnologia

utilizada e sentir-se à vontade com ela para que consiga ajudar na resolução de

problemas.” E essa foi a perspectiva adotada para levar os alunos a um laboratório de

informática. Depois que o grupo foi criado, passadas duas semanas, alguns alunos

revelaram ter tido dificuldade em se inscrever no grupo da turma dentro do serviço de

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Grupos oferecido pelo portal. Até então, apenas 14 alunos haviam se inscrito. Dessa

forma, todos os alunos foram conduzidos a um laboratório de informática, pertencente

a um grupo de pesquisa de outro professor da instituição, para que ingressassem no

grupo da turma criado na web. Nesse espaço, os alunos mais experientes colaboraram

com os que apresentavam maior dificuldade, facilitando seu acesso aos recursos de

tecnologia. Daquele momento em diante, o número de trocas de mensagens e

participação nas demais atividades do grupo foi crescendo, gradativamente.

No portal Yahoo as ferramentas disponibilizadas são definidas como

ferramentas de comunicação e comunidades, incluindo arquivo de mensagens, listas

de membros, salas de bate-papo e compartilhamento de arquivos e álbuns de fotos,

que permitem o envio ou exibição de informações pessoais identificáveis. No âmbito

educacional, a possibilidade de colocar os alunos conectados utilizando os serviços do

portal constitui-se como uma rede de aprendizagem em que a tecnologia propiciava a

comunicação mediada por computador (CMC). Para Harasim (2005),

rede é a palavra que descreve os espaços compartilhados formados por

computadores interligados (...). Com auxílio de redes, os educadores podem criar

ambientes de aprendizagem eficazes, nos quais professores (...) constroem juntos

o entendimento e as competências relacionadas a um assunto particular

(HARASIM, 2005:19).

Nessa perspectiva, o que se constrói é, ainda segundo a mesma autora, uma sala de

aula em rede.

Dessa forma, colocar os alunos em rede permitiu que os participantes

pudessem: (A) identificar diferentes conceitos compreendidos através de práticas

colaborativas reflexivas; (B) reconhecer que cada sujeito toma o seu contexto sócio-

cultural como elemento significativo para seu processo de aprendizagem; (C)

distinguir no uso de diferentes mídias uma contribuição para os processos

educacionais contemporâneos. Cada um dos aspectos elencados poderá ser percebido

através do depoimento dos próprios alunos em outra seção do texto.

As primeiras discussões provocadas pelo mediador, no sentido de dar

continuidade a temas arrolados em sala de aula, resultaram em um certo “silêncio

virtual”. Azevedo (2000) atribui este comportamento como um problema do modelo

pedagógico no qual os alunos foram ambientados desde a educação infantil,

um ambiente em que o aluno é visto fundamentalmente como um receptor de

conteúdos, cuja tarefa é assimilar e reproduzir, mas quase nunca problematizar,

analisar, refletir, isto é, discutir (AZEVEDO, 2000).

Buscando então aproximar os participantes e apresentar-lhes outras

possibilidades do ambiente, iniciamos o trabalho com a leitura de imagens, tanto em

sala de aula quanto no Grupo. Este trabalho, de acordo com Fonseca (2007), permite

um diálogo com a linguagem escrita, cultura à qual a escola encontra-se ainda muito

ligada. O portal, dentro do serviço de Grupos, já faz algum tempo, oferece um

conjunto de aplicativos definido como Laboratório de Grupos. Os aplicativos

oferecidos, mesmo em versão beta, têm diferentes funcionalidades a serem

aproveitadas e que podem ser adaptadas. Um dos aplicativos possibilita o

compartilhamento de imagens, tornando a interação entre os participantes maior, mais

instigante e produtiva. Palloff e Pratt (2002) indicam que o conteúdo de um curso

deve estar inserido na vida cotidiana de alunos e professores a fim de envolvê-los na

construção de sentidos. E dizem ainda que tal estratégia confere “sensação de maior

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importância aos participantes e os valoriza como pessoas que têm o próprio

conhecimento e que podem aplicá-lo a outros contextos” (PALLOFF E PRATT,

2002:147).

Nesse sentido, as mudanças para a educação envolvem um repensar da prática

pedagógica, em que se considerem os objetivos educacionais; a postura do professor e

do aluno numa relação dialógica com os objetos do conhecimento que, de acordo com

cada contexto cultural, implicam a reorganização contínua das formas de ensinar,

pesquisar e aprender.

O uso de tecnologia em contexto educacional precisa, então, compreender uma

ação contextualizada, envolvendo o trabalho com diferentes linguagens e tecnologias.

De acordo com Moraes (1999:131), as diferentes realidades educacionais, que se

redesenham pelos processos de globalização, mostram-nos o quanto a escola está

“dissociada do mundo e da vida, o que vem exigindo significativas modificações nos

processos de ensino-aprendizagem e nos papéis até então desempenhados pelas

escolas.” E isto, diz Moraes, implica se considere não somente o uso de tecnologias,

mas “critérios, conceitos e valores decorrentes do novo paradigma científico que

coloca em xeque o atual modelo de construção do conhecimento.”

3. Das diferentes linguagens à prática pedagógica

Para Moran (1998), é fundamental questionar a relação que se estabelece entre

professores e alunos em face dos novos dispositivos midiáticos disponibilizados à

educação. Portanto, indo além da oralidade e da escrita, cabia, por exemplo,

reconhecer que as imagens, desde sua produção até os múltiplos sentidos produzidos

pela sua leitura, auxiliam a construção de sentidos entre os sujeitos ensinante e

aprendente.

Convidados a dialogar com imagens, os alunos utilizaram um dos aplicativos,

versão beta disponibilizado pelo Grupo, no portal Yahoo. Ali era possível a todos os

participantes, além do mediador, a publicação de imagens para uma reflexão. A

proposta era comentar sua relação com os textos lidos e as discussões realizadas em

sala de aula. Para a execução da tarefa uma mensagem foi encaminhada, através do

grupo, incluindo um anexo em que se oferecia um passo a passo orientador para a

localização da atividade no ambiente.

A primeira imagem escolhida foi a propaganda de uma livraria. Abaixo é

possível ver a imagem apresentada. Sob o livro o que se lê é “livros não precisam de

fios. Livros nunca travam. Livros são anti-choque: não quebram se você deixar cair.

Livros têm tudo o que as novas tecnologias querem ter.”

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Imagem 1

Para Kellner (1995) é importante que se promova uma alfabetismo crítico em

relação à mídia para que se compreenda como os textos culturais funcionam.

Imbernón (2009:30) ratifica a importância deste alfabetismo crítico quando cita que

“o conhecimento pedagógico comum existe logicamente na estrutura social, integra o

patrimônio cultural de uma sociedade determinada e se transfere para as concepções

dos professores”. Portanto, a escolha da publicidade é significativa, uma vez que,

segundo Kellner (1995),

a publicidade é meramente uma parte das indústrias culturais que incluem o rádio

a televisão, o filme, a música, os desenhos animados, as revistas em quadrinhos e

outros artefatos da assim chamada cultura popular (KELLNER,1995:126).

No diálogo sobre os textos lidos e sua relação com a imagem oferecida os

participantes, cujos nomes foram propositalmente ocultados neste trabalho,

registravam seu acesso dizendo:

Conforme Almeida e Almeida (1999:73), embora não se saiba efetivamente

“todas as alterações que ocorrerão com a inserção das novas tecnologias na

educação”, podemos afirmar que a experiência foi enriquecedora para os participantes

que estiveram ainda mais atuantes quando outras imagens foram apresentadas.

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A segunda imagem apontava para uma reflexão sobre a prática pedagógica do

professor. Abaixo a imagem e alguns comentários dos alunos.

Imagem 2

Assim foi se ampliando o engajamento dos participantes, tanto no ambiente on

line quanto na sala de aula presencial. A possibilidade de compartilhar vivências, as

conversações promovidas sobre o ambiente educacional, seja ele on-line ou off-line,

convertem-se, segundo Passarelli (2007), em constate fonte de inovação ao mesmo

tempo em que resulta em um maior comprometimento dos seus integrantes.

A partir da perspectiva de Imbernón (2009) que afirma ser necessário formar o

profissional docente para a mudança e a incerteza, em livro com o mesmo título,

entende-se que seja necessário a inclusão de novas formas de leitura. A leitura

realizada em suportes que não o livro já não se dão linearmente ou arborescente como

já vinha sendo feito. Para tanto, é necessário atentar para a lógica do hipertexto, que é

um conjunto de nós que podem ser textos, imagens, gráficos, vídeos ligados por

conexões, a que chamamos de link. Esses itens de informação não são ligados de

forma linear, um após o outro, permitindo que o aluno crie seu percurso de navegação.

“Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que

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pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter

uma rede inteira” (LÉVY, 1993:33). Nesse sentido, as idas e vindas da sala de aula

presencial ao ambiente do grupos, relacionado as associações construidas pelos

discentes, criava uma rede de conhecimento em prática hipertextual.

4. Do ciberespaço à sala de aula

Seraphina Alava, no livro “Ciberespaço e formações abertas” (2002), abre um

debate sobre o ciberespaço tomando-o como lugar de construção coletiva dos saberes

e considera a necessidade de um posicionamento que integre aspectos sociais e

filosóficos da interação entre tecnologias e sociedades. A discussão de Alava serve de

apoio para que não ocorra o que chama de panacéia ou reducionismo da tecnologia

apenas como mecanismo de controle social pela comunicação via satélite, sem

fronteiras, ou, ainda, a ideia de que apenas por incorporar novos meios, produções,

ferramentas e instrumentos nas escolas criamos inovações pedagógicas. Incorporar

inovações implica, de acordo Gallo (2001: 176), uma “nova atitude frente aos saberes,

tanto na sua produção quanto na sua comunicação e aprendizado”.

É curioso saber que inicialmente muitos entendiam, a partir do título da

disciplina, que “tecnologia” implica tão somente o uso de computadores. Essa

impressão, bem como as reflexões resultantes das discussões em torno do tema podem

ser observadas a partir da fala da aluna Fernanda, em seu relatório de conclusão de

curso. Essa outra compreensão da tecnologia nos possibilita um olhar mais focado para

as diferentes realidades das salas de aula em todo o país, em especial nas escolas

públicas. Digo isso por minhas próprias experiências enquanto professora da rede

municipal de educação. De certo, se a abordagem sobre tecnologias fosse limitada

ao computador, muito pouco eu poderia ter aproveitado das aulas, leituras e

discussões em minha prática pedagógica. Mas esse olhar amplo das tecnologias

me permitiu repensar e desmistificar minha própria atuação docente. Dessa forma,

tenho fixa hoje a idéia de que múltiplos recursos podem (e devem) ser utilizados

em sala a fim de alcançar os objetivos de minhas aulas e torná-las mais claras,

dinâmicas e interessantes para os alunos (Fernanda, novembro, 2010).

Para tanto, a natureza do trabalho precisa, necessariamente, ser colaborativa.

Ainda de acordo com Passarelli (2007) a participação nesse tipo de atividade

vincula-se à satisfação de necessidades individuais, conteúdos específicos

precisam ser dominados pelo grupo, os participantes compartilham interesses e

objetivos comuns, os protocolos sociais são fundamentais para instituir rituais,

normas e leis próprias à interação no grupo e, finalmente, o modelo aberto da

internet constitui ferramenta ideal para ancorar e mediar a interação e o

compartilhamento de conhecimento (PASSARELLI, 2007:10)

Indagados as respeito de qual significado vem recebendo o computador na

prática docente, os alunos ganharam outra imagem para refletir. Alguns utilizaram

trechos de textos lidos, outros comentaram livremente. E, conforme foi dito, a

participação, a reflexão e compartilhamento de ideias aumentou ainda mais. Vejamos

os resultados.

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Imagem 3

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5. Concluindo com os participantes

Ao considerarmos a convivência em rede, é impossível não fazer que os

participantes sejam, também eles, avaliadores do processo de trabalho. Ao final do

curso, cada aluno apresentou um relatório individual em que apresentava suas

impressões sobre as atividades desenvolvidas, buscando estabelecer um diálogo com

os textos, vídeos, músicas e imagens oferecidas em aula e na web. Sobre isso deixo

abaixo depoimentos que demonstram como alguns resultados foram alcançados.

Fazendo observações sobre as atividades presenciais, a aluna Débora afirma

que a postura da professora, permitindo que os alunos mantivessem um diálogo aberto

sobre suas impressões, vivências e dúvidas, não somente era coerente com os

materiais apresentados como, diferente do que ainda vivenciam em outras disciplinas

no ambiente universitário. A aluna diz:

não se trata de educar apenas, mas educar de maneira que se obtenha o

máximo de aproveitamento no ensino/aprendizagem, (...) onde o professor

é apenas o mediador de conhecimento entre fontes e alunos, alunos e

alunos, ele e seus alunos, mas também está disposto a novas aprendizagens

(Débora, novembro, 2010).

O grupo, constituído no Yahoo, contou com o engajamento de todos. Cada um,

no entanto, teve suas impressões próprias sobre a experiência. Pedro, por exemplo,

“acha que na era da „instantaneidade‟ o grupo no Yahoo foi um recurso de muito bom

uso proporcionando acessibilidade e propiciando uma integração entre a turma”, mas

considera que “as aulas presenciais foram de fundamental importância.”

Ainda sobre o grupo na web a aluna Luana afirma que foi um recurso que

permitiu não esgotar um assunto de aula, na aula, podendo inclusive “linká-lo” com

outro assunto. Ela escreve em seu relatório:

Pude observar que a professora sempre estabelecia elos entre os assuntos

nos conduzindo para um debate virtual utilizando as flexibilidades das

comunicações disponíveis no ambientes, como imagens, e artigos que

foram disponibilizados (Luana, novembro, 2010).

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É na linguagem que Levy (1993) identifica uma das primeiras formas de

gestão da memória social ou, algo mais do que mera comunicação prática humana.

Mas o contexto cultural contemporâneo ainda guarda, sobretudo nas práticas

educacionais, a oralidade e a escrita como forma primeira de transmissão de

conhecimento. No entanto, o cenário sócio-técnico atual, marcado pelas tecnologias

digitais de informação e comunicação, conceituado como cibercultura (LEMOS,

2008; LÉVY, 1998), traz ambientes alternativos para a docência e aprendizagem. O

rápido desenvolvimento dos recursos de tecnologia, e seu avanço sobre diferentes

setores da sociedade, têm trazido muitas implicações para as práticas educacionais,

sejam elas na modalidade presencial ou a distância. Apesar disso, o uso dessas

tecnologias digitais, por si só, não implicam em práticas pedagógicas inovadoras e

nem concebem transformações nas concepções de conhecimento, ensino e

aprendizagem ou nos papéis tanto do aluno quanto do professor. Por isso, foi

importante construir com os alunos os sentidos para a tecnologia, promover

discussões e experiências com o uso de TIC refletindo diretamente sobre a prática

pedagógica.

Na experiência aqui apresentada a utilização dos recursos de TIC mostrou ter

ampliado, para os alunos em formação, a oportunidade de uso de recursos

diversificados, condição dificultada, algumas vezes, pelas instalações da sala de aula.

A vivência também permitiu aos alunos uma formação prática, factível com seu futuro

campo de atuação, através de ações inovadoras com uso de TICs.

Iniciada no segundo semestre do ano de 2010, a disciplina Tecnologia e

Prática Pedagógica (TPP) teve por objetivo refletir sobre as ações requeridas pela

sociedade contemporânea, no âmbito de novas práticas pedagógicas, que incluísse em

suas ações o uso das TICs, para além da condição de diversificação na forma de

distribuição de material para a aprendizagem.

Andrea de Farias Castro UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO &

COLÉGIO PEDRO II

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Resumo

Esse artigo apresenta o desenvolvimento de uma disciplina para alunos de diferentes cursos

de graduação, reunidos em uma eletiva universal. O conteúdo, voltado ao estudo da

tecnologia educacional e da prática pedagógica foi apresentado com o uso de diferentes

recursos de tecnologia, mas, sobretudo apoiado na expansão da sala de aula ao ciberespaço. A

dinâmica propunha que os alunos se associassem a um grupo no portal Yahoo onde, para que

ampliassem suas interações, foram utilizados recursos que iam além da troca de mensagens.

Neste caso foram as imagens, como linguagens que impregnam o contexto social que

habitamos, que serviram de fator motivacional para elevar as reflexões sobre o conteúdo

estudado, além de fomentar as interações entre os participantes. A experiência, cujo objetivo

era proporcionar uma vivência coerente com a teoria, apresentou resultados satisfatórios ao

final do processo. Os dados apresentados basearam-se em registros feitos pelos alunos na sua

participação no grupo e nos relatórios finais de conclusão de curso.

Palavras-chave: educação, tecnologia, prática pedagógica.

Abstract

This article presents the development of a course program for students from different

university courses attending a single universal elective class. The content, focused on the

study of educational technology and pedagogical practice, was supported by expanding the

classroom to cyberspace. In a discussion group in Yahoo Services, the use of

images increased interaction among students and made them go beyond the

exchange of messages. By providing a practical experience consistent with the theoretical

principles, the process achieved satisfactory results. The data presented were based on notes

made by students during their interactions in the Yahoo group and on the final reports

required for the completion of the course.

Key-words: education, technology, pedagogical practice.